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Luzia Maria de Oliveira e Silva

Whady Jos Nassif na prefeitura de Uberaba. Administrao pblica municipal no Estado Novo.

Universidade Federal de Uberlndia Maio 2006

Luzia Maria de Oliveira e Silva

Whady Jos Nassif na prefeitura de Uberaba. Administrao pblica municipal no Estado Novo.

Dissertao apresentada ao Programa de Psgraduao em Histria da Universidade Federal de Uberlndia como requisito bsico para obteno do grau de Mestre.

rea de concentrao: Histria Poltica e Imaginrio Orientadora: Prof Dra. Maria de Ftima Ramos de Almeida

Universidade Federal de Uberlndia Maio 2006

Banca Examinadora

_________________________________________ Prof Dra. Maria de Ftima Ramos de Almeida Orientadora

__________________________________________ Prof Dra. Jacy Alves de Seixas

_________________________________________ Prof Dra. Maria Cristina Nunes Ferreira Neto

Ao meu marido Alberi e meus filhos Lucas e Luclia.

Aos meus pais, Manoel e Perclia (in memoriam)

Agradecimentos

A tarefa a qual me propus realizar h quase oito anos atrs sinto que consegui levar ao seu termo. No foi fcil, foi uma longa jornada de trabalho e de muito estu do. O que consegui realizar foi graas ao apoio de muitos que me ajudaram em vrios momentos, de uma maneira ou de outra a conseguir alcanar o objetivo. Inicio agradecendo Maria de Ftima Ramos de Almeida, por ter acreditado em minha proposta de trabalho e por ter aceitado orientar-me. s professoras Jacy Alv es de Seixas e Maria Cristina Nunes Ferreira Neto, pelas importantes contribuies no exam e de qualificao e que muito me ajudaram. Aos colegas do mestrado, pelo companheirismo, principalmente a Edna Maria, Edelson, Gilberto, Miriam, Carmem. Aos funcionrios da ps-graduao de Histria da Universidade Federal de Uberlndia, pela simpatia com que sempre me atenderam. Aos funcionrios dos vrios arquivos a que me recorri e que lutam para preservar a nossa memria, em especial o Toni do Jornal Lavoura e Comrcio, que sempre esteve pronto a me auxiliar no que eu precisasse durante as pesquisas. Ta mbm aos funcionrios do Arquivo Pblico de Uberaba, pela presteza com que sempre me atenderam, em especial funcionria Luiza que acompanhou de perto as minhas pesquisas durante todos esses anos e sempre esteve disposta a colaborar, ajudand o-me a encontrar um documento ou livro que fosse complementar minha pesquisa. E ao senh or Murilo Jardim que facilitou as consultas ao arquivo do Jornal Lavoura e Comrcio. A todas as pessoas que me concederam entrevistas, sem as quais o meu trabalho no teria sido possvel, e, particularmente Lucia Nassif que me abriu as portas de s ua casa e disponibilizando uma srie de documentos pessoais de seu pai. professora Eliane Mrquez que me ajudou com suas sugestes sempre oportunas e encorajadoras, durante a elaborao do projeto de pesquisa e at mesmo na fase de concluso do trabalho, meu muito obrigada. Voc no foi somente uma mestra, mas uma amiga. Ao professor Mrio Franchi pelo apoio durante o mestrado, sempre me estimulando a estudar mais e no desanimar nunca. E a seu irmo Daniel pelo apoio e ajuda durante a fase em que estive com problemas de sade, meu muito obrigada. Aos meus colegas do Colgio Nossa Senhora das Dores pelo apoio e estmulo durante todo esse perodo, e em especial Erclia, Leninha, Eliana Prata, Eliane Fcio, Nilza, Ricardo, Pedro Coutinho e Eduardo. Que Deus os abene por tudo que fizeram

por mim. E s Irms Dominicanas, na figura da Irm Maria Helena, pelo incentivo a continuar estudando e buscando transformar meus projetos em realidade. Aos meus sobrinhos Dennis, Rejane e Estela pela ajuda na digitao e estruturao do trabalho final. Aos meus amigos Jos Antnio, Gustavo, Srgio, Cludio, Vnia, Rosngela, pelo apoio e por me ajudarem a perseguir meu objetivo. E a todas as pessoas dos quais me afastei ever, minha gratido pelas nervosa e confusa) e da minha famlia, principalmente meu marido e meus filhos, muitas vezes temporariamente e me isolei, s vezes, para escr demonstraes de compreenso, carinho, (quando eu estava de interesse pelo resultado do meu trabalho.

Sumrio

Resumo.......................................................................... .............................................08

Introduo.......................................................................... .......................................10

Captulo I Prefeito Whady Jos Nassif: a constituio de um sujeito poltico.......................................................................... .............................................21 1.1. A origem libanesa.......................................................... .........................................22 1.2. Os imigrantes libaneses em Uberaba e regio.................................. ......................32 1.3. Formao acadmica............................................................... ...............................37 1.4. Ingresso na vida poltica.................................................... .....................................41 1.5. A Constituio de 1934 e as mudanas na estrutura administrativa ................ .....45 1.6. As eleies de 1936 e o surgimento de novas figuras polticas.................... .........49

Captulo II Poltica Municipal no Estado Novo Prticas e Representaes...................................................................... ..................................54 2.1. A escolha e a posse do Prefeito............................................ ..................................54 2.2. As Representaes no Estado Novo............................................... ........................57 2.3. A Administrao Municipal no Contexto do Estado Novo........................... .........63 2.4. A Administrao Whady Jos Nassif: as teias do poder............................. ...........67 2.5. Polticas de saneamento e desenvolvimento social............................. ...................80

2.6. A esttica estadonovista na representao da gesto Nassif......................... .........97 2.7. A relao do prefeito com a sociedade local e a poltica nacional................ .......101

Captulo III Memria Coletiva produo de identidades polticas......................................................................... ...........................................116 3.1. A memria oficial do Prefeito................................................ ..............................116 3.2. A memria coletiva........................................................... ...................................120 3.3. A memria presente nos jornais e nos depoimentos............................. ...............129

Consideraes Finais................................................................ ...........................137

Lista de Fotografias............................................................ .................................139

Anexos.......................................................................... .............................................141

Fontes.......................................................................... ..............................................144

Bibliografia.................................................................... .........................................149

Resumo

Esta dissertao analisa a trajetria poltica de Whady Jos Nassif, prefeito de Uberaba no perodo entre 1937 e 1943, durante o governo autoritrio de Getlio Vargas. Nessa poca foram implementadas mudanas no sistema-administrativo em mbito municipal, com vistas superao da estrutura poltica sob a hegemonia dos produtores rurais e modernizao das instituies governamentais. Nesse processo, o cargo de Agente Executivo Municipal foi substitudo pelo cargo de Prefeito. Nassif, profissional liberal de origem imigrante, fazia parte da classe mdia que se formava no Brasil dos anos 30, representando a face moderna do governo getuli sta. Aps eleger-se vereador pelo Distrito de Conceio das Alagoas, foi escolhido por seus pares da Cmara Municipal para ser o Prefeito da cidade e confirmado no cargo, dep ois de alguns meses, pelo Governador de Minas Gerais, Benedito Valadares. Ficou no c argo por um perodo de seis anos, perodo em que promoveu diversas reformas no espao urbano estruturais, econmicas, sanitrias e educacionais dando curso ao processo de modernizao da nao. A pesquisa fundamentou-se em documentos de arquivos pblicos e particulares, na memria oral de contemporneos do Prefeito parentes, correligionrios e adversrios polticos em matrias jornalsticas, em obras de memorialistas e em trabalhos acadmicos relativos histria poltica de Uberaba e imigrao para o Brasil. A investigao insere-se no esforo pessoal para preservar a memria do personagem pblico que emergiu na cena poltica de Uberaba no contexto psRevoluo de 1930, peculiar pela sua condio de imigrante de origem libanesa.

Palavras-chave: trajetria poltica, administrao pblica, memria social.

Abstract

This dissertation makes na analyses of the political course of Whady Jose Nassif , Uberaba mayor from 1937 to 1943, during the autoritary government of Getulio Var gas. At that time some changes were introduced in the municipal administration in the rural reas, trying to overcome the political structure of the producers and as a result to modernize the governmental institution. During this process, the post of Agente Executivo Municipal was substituted by the post of Mayor. Nassif was a liberal profession that came from immigrants. He belonged to the brazilian middle class in the 30 s, representing the modern part of Getulio s government. After being elected as a town councilor in Conceio das Alagoas county, he was chosen by his companions from the municipal chamber to be the mayor of th e city and confirmed to the post. After some months, his position was confirmed by the Minas Gerais governor, Benedito Valadares. He was in the post for a period of si x years, during which he promoted a loto f changes in the urban structural, econom ical, sanitation and educational reas promoting a modern process to the nation. This research was validated by documents from public and particular files, from the oral memory of the mayor s contemporary correligionist and political oponents from newspaper s articles, memorial works and from academicals related to the poli tical history from Uberaba and the immigration to Brazil. The investigation is inserted on a personal effort to preserve the memory of th e public character that hs emmerged in na Uberabense political scenary after the 19 30 revolution context, peculiar because of his Lebanese origyn contidition.

Key Words: political path, public administration, social memory.

Introduo

Como aluna da graduao desenvolvi, em 1997, um estudo sobre a comunidade de origem rabe em Uberaba.1 Meu objetivo fora conhecer melhor a vida dos imigrant es rabes, a fim de compreender e divulgar sua contribuio no desenvolvimento da cidade.2 Por isso foram levantados dados que possibilitaram delinear as caracters ticas da presena rabe no que diz respeito as suas atividades profissionais (scioeconmicas), participao na poltica e contribuio cultural. Embora tenha chegado a algumas concluses, surgiram muitas outras indagaes.

Conclu, por exemplo, que a maioria dos imigrantes era oriunda do Lbano e da Sria. Quando aqui chegaram atuaram no comrcio, primeiramente como mascates, e posteriormente, passaram a atuar no comrcio varejista, atacadista e lojista, a qu e muitos se dedicam. Tambm foram encontrados imigrantes e descendentes em outros setores, tais como mdicos, proprietrios de hospitais e laboratrios de anlises clnicas , industriais, advogados, promotores e juzes.

No campo poltico, foi descoberto um fato interessante e que despertou minha ateno: no perodo do Estado Novo, um descendente de libans ocupou o cargo de Prefeito da cidade. Esse fato no se repetiu at os dias atuais e a historiografia l ocal pouco fala sobre ele. Nas ltimas dcadas, descendentes de imigrantes srios ou libaneses, ocuparam apenas cargos de vereadores e de deputados, mas no mais de Prefeitos.3

Acalentei ento o desejo de realizar um projeto de pesquisa, que desse continuidade ao estudo anterior, mas que enfocasse a trajetria poltica desse descendente de libaneses que ocupara o cargo de Prefeito de Uberaba, abordando o s 1 Em 1997, sob a orientao da Profa. Iolanda Rodrigues Nunes, conjuntamente com Srgi o Gomes de Oliveira, realizamos um estudo sobre a comunidade rabe de Uberaba, intitulado A Pr esena rabe em Uberaba , publicado na Revista SINAPSE/SINOPSE. (SILVA, Luzia Maria de Oliveira E, OLIVEIRA, Srgio Gomes. A Presena rabe em Uberaba. In: Revista SINAPSE/SINOPSE, Publicao dos Cur sos de Licenciatura da Universidade de Uberaba, Uberaba/MG, dez/1997, p. 2.) 2 Isso porque em Uberaba, a colnia libanesa significativa e tem um papel de desta que na economia local. 3 Chamou-me a ateno o fato dele ter exercido o cargo de Prefeito, pois nenhum outr o descendente rabe ou libans voltou a se eleger para o cargo. Alm disso, poucas pessoas, com exceo dos

membros da colnia, comentam o fato e outras desconhecem o mesmo.

aspectos que o levaram a ocupar esse cargo, como fora sua administrao e como a sociedade uberabense vira seu mandato.

Esse projeto de pesquisa que resultou na dissertao com o ttulo Whady Jos Nassif na Prefeitura de Uberaba. Administrao pblica municipal no Estado Novo,, comeou a ser esboado no ano 2000. Ganhou corpo na Disciplina Metodologia da Pesquisa Histrica, quando a professora Maria Cristina Nunes Ferreira Neto incenti vou a turma a elaborar projetos de pesquisa que pudessem, posteriormente, ser desenvolvidos em curso de ps-graduao. Na poca, o objetivo era conhecer a origem de Whady Jos Nassif, suas realizaes, suas atividades profissionais, suas posies e atuao poltica.

Nesse sentido comecei a pesquisar em jornais4 e tambm no Arquivo Pblico de Uberaba5, tentando encontrar documentos que pudessem me fornecer dados sobre o e xprefeito.

Decidi fazer ento um recorte no tempo e trabalhar no a trajetria de vida de Whady Nassif, mas sua trajetria poltica no espao entre 1937 e 1943, quando esteve frente da administrao municipal de Uberaba.6 Eu queria entender como fora a sua administrao frente da prefeitura de Uberaba em pleno Estado Novo. O que mais me atraia era o fato de que muitas coisas a respeito desse momento da histria de Ube raba, cujos documentos e registros oficiais disponveis so reduzidos, ainda eram desconhecidas.

4 Primeiro busquei dados no arquivo do Jornal Lavoura e Comrcio, que circulava di ariamente na poca e um dos mais completos de Uberaba, ele tem um exemplar de cada jornal desde o pri meiro que circulou no final do sculo XIX. Na oportunidade pude acompanhar quase diariamente a sua ad ministrao atravs dos jornais porque quase todo dia tinha uma nota sobre o prefeito ou alguma medi da tomada por ele, ou alguma obra comeada ou inaugurada. Esse levantamento foi realizado em 2001, quand o atuei como estagiria em uma pesquisa sobre a histria do Aeroclube de Uberaba. 5 Minha opo inicial pelo comeo da pesquisa documental ter se dado no Arquivo Pblico de Uberaba, foi devido ao fato de que ele conseguiu manter em seu acervo um volume expressiv o de documentos sobre a histria da cidade, o que fez com que se tornasse um local de pesquisa pro curado por historiadores locais e tambm de outras universidades e estados. 6 Uberaba 2000 ro/ 2000, p. 05.

180 Anos de Histria. Arquivo Pblico Municipal, Edio Especial, n 11, M

No decorrer da pesquisa descobri que a trajetria poltica de Whady Nassif foi bastante intensa. Alm de prefeito,7 ele fora vereador enquanto exercia a profisso de advogado. Quando deixou o cargo de prefeito, foi eleito deputado estadual por du as vezes consecutivas (1947-1955), sendo ainda suplente na terceira legislatura (19 551959), pelos partidos PSD e PTB. Em 1956, renunciou suplncia para assumir o cargo de Procurador do Ministrio Pblico da Unio junto Justia do Trabalho, no qual se aposentou em 1968.8

As leituras feitas nas disciplinas do curso de mestrado em Histria abriram possibilidades de discusso sobre diferentes temas, abordados na elaborao do projeto de pesquisa. Pude aprofundar os estudos sobre os trabalhos de pensadores tanto nacionais, - como Darcy Ribeiro9 e outros, - como tambm estrangeiros, tais como Foucault, Chartier, Marc Bloch e, em especial a do livro do Primo Levi e de Halb wachs, sobre memria.10

Foi tambm muito importante a participao nas oficinas sobre a Histria Oral e o trabalho com artigos de jornais e fotografias, realizadas pelo Programa de Mes trado em Histria da UFU.11 Todos esses tipos de fontes utilizei em minha pesquisa.

No Encontro Regional de Histria, promovido pela ANPUH-MG,12 em Juiz de Fora, em 2004, fiz um curso sobre a ditadura varguista, por meio do qual obtive 7 Histria dos Prefeitos de Uberaba. Arquivo Pblico Municipal. Administrao Wagner do Nascimento, 1984, p. 14. 8 Assemblia Legislativa do Estado de Minas Gerais, Gerncia Geral de Documentao e Inf ormao, Centro de Atendimento ao Cidado, Belo Horizonte/MG. 9 Com a Profa. Christina discutimos entre outras obras a de: RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formao e o sentido do Brasil. So Paulo: Cia. d as Letras. 2002.

10 FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 5 ed. So Paulo: Ed. Loyola, 1999. BLOCH , Marc. Uma Introduo Histria. 2 ed. Lisboa: Publicaes Europa, Amrica, 1974. A anlise hist n: Apologia da histria, ou, O ofcio do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001 . LEVI, Primo. Os Afogados e os Sobreviventes. Quarenta anos depois de Auschwitz. So Paulo: Paz e T erra, 1989. HALBWACHS, Maurice. A Memria Coletiva. So Paulo: Vrtice, 1990. 11 Foram organizadas duas oficinas: uma com o tema Histria Oral e outra Trabalho com Fotografias e

Jornais em uma Pesquisa. Elas aconteceram em novembro de 2004. 12 Associao Nacional de Histria, ncleo de Minas Gerais.

informaes sobre referncias bibliogrficas13 e documentos relativos ao perodo do governo Vargas14 e sobre a administrao municipal em Minas Gerais.

Por meio das discusses realizadas no NEPHISPO,15 tive contato com as formulaes da professora francesa Claudine Haroche,16 que me possibilitaram a apreenso da dimenso do pensamento histrico e das discusses historiogrficas em curso na Europa, to novas que me surpreenderam

Reflexes sobre a construo do indivduo moderno, as maneiras de ser e de sentir que revelam e contribuem para definir um tipo de personalidade especifica mente contempornea foram franqueados por meio do estudo de autores tais como Walter Benjamin, Erich Fromm, Adorno, Horkheimer, Hannah Arendt e Norbert Elias. Esses autores foram lidos com a preocupao central de encontrar elementos compreensivos da personalidade na modernidade, partindo da questo da alienao formulada por Marx, remetem para a tentativa de compreender como essas formas de alienao incidem sobre a subjetividade embora ignorando as mais profundas necessidades psquicas e morais dos indivduos.

A pesquisa e as fontes encontradas

O cargo de prefeito exercido por Whady Jos Nassif em Uberaba no perodo de 1937 a 1943 no existia at o perodo da ditadura de Getlio Vargas. Foi criado pelo Decreto n 19.398 do Governo Federal, de 11 de novembro de 1930, cujo Art. 11, Inc iso 13 KHATLB, Roberto. Brasil Lbano: amizade que desafia a distncia. Reviso: Neida Reg ina Ceccim Morales. Bauru. So Paulo: EDUSC, 1999. OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil dos Imigra ntes. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. 14 Em Juiz de Fora tive informao sobre a documentao relativa a um processo movido co ntra o exprefeito Whady Nassif, aps o fim da Segunda Guerra Mundial, quando j deixara a Pre feitura de Uberaba, a qual se encontra no Arquivo do Superior Tribunal Militar de Braslia, q ue s pode ser consultado pelos familiares. Estes, no momento, no pretendem reviver aquele momen to difcil pelo qual ele passou e no se dispuseram a desarquivar o processo. 15 Ncleo de Estudos em Histria Poltica, que busca discutir temas diferenciados, mas que estejam ligados linha de pesquisa de Poltica e Imaginrio. 16 Esse mini-curso ocorreu em dezembro de 2004, com o ttulo A Evoluo da personalidad e no indivduo contemporneo . Ele fazia parte do evento Nephispo 10 anos 10 conversaes

1

textos Tudo que slido desmancha mesmo no ar? Identidade (s), subjetividade (s), temporalidade (s): sobre razes e sentimentos na histria .

4, estabelecia que: 17

O Interventor Estadual nomear um Prefeito para cada municpio,

que exercer a todas as funes executivas e legislativas.

At ento quem exercia as funes executivas municipais era o Presidente da Cmara desde 1881, quando o Governo Provincial, atravs da Lei n 3.029 de 09 de janeiro, modificou as funes das Cmaras Municipais. De acordo com essa Lei, o Presidente da Cmara que at ento era escolhido entre os vereadores mais votados, passaria a ser eleito anualmente e assumiria a Funo de Agente Executivo.18

Posteriormente, a Constituio de 1891 nos Art. 30 e 32, estabelecia que as funes da Cmara Municipal seriam, a partir daquele momento, no s deliberativas como tambm executivas. Com isso o Agente Executivo passou a acumular as funes de administrador e legislador. O Decreto n 19.398 mudou a denominao de Agente Executivo para Prefeito e a Constituio de 1934, no artigo 14, trouxe novas modificaes, estabelecendo dois poderes municipais: o Executivo, a ser exercido pel o Prefeito e o Legislativo, pela Cmara de Vereadores. Embora a Constituio no tenha sido clara quanto s funes especficas, tanto do Prefeito quanto da Cmara, ela inovava com a possibilidade de eleio indireta do Prefeito (em seu Art. 13), j que o povo elegeria os vereadores e estes o Prefeito.19

Outras questes que me impulsionaram em minha pesquisa. A primeira refere-se ao fato de ter detectado a falta de literatura a respeito dele, j que fora o nico descendente de imigrantes libaneses a ocupar o cargo de Prefeito na histria de Uberaba. Outros questionamentos eram: por que razo fora o escolhido pela Cmara de Vereadores para administrar a cidade reconhecidamente conservadora? Ser que naquele momento atendia s expectativas de Getlio Vargas e de Benedito Valadares? Ser que a sua nomeao no teria sido prontamente efetivada devido a um relacionamento anterior com Benedito Valadares, quando era estudante de Direito no Rio de Janeiro? Tudo isso me levou a situar o prefeito nas memrias que se construr am at o momento e nas quais pretendo intervir de alguma forma com meu trabalho. Para 17 Governo de Uberaba Evoluo do Poder Municipal Atravs das Constituies Brasileiras. n: Centro Administrativo Municipal de Uberaba. Arquivo Pblico de Uberaba. Edio Especial. N 17. Agosto/2004. p. 10. 18 Op. Cit. 19 Idem.

entender as circunstncias em que ocorreu a eleio indireta do Prefeito em 1937 procurei trabalhar com todos os tipos de documentos e fontes que conseguisse encontrar, fossem oficiais, pessoais, fotogrficas, bibliogrficas, de arquivos ou no , j que em uma primeira fase de pesquisa havia encontrado poucos dados. Alm disso, optei por trabalhar com fontes orais, atravs de entrevistas com familiares e pess oas que acompanharam sua administrao ou que o tinham conhecido, na tentativa de encontrar mais informaes.

Para buscar sua trajetria como administrador municipal e ao mesmo tempo quem ele era e o que realizou como poltico, optei por comear minha pesquisa no acervo do Jornal Lavoura e Comrcio, que tinha uma grande circulao na cidade no perodo pesquisado.20 No Arquivo Pblico Municipal de Uberaba tive acesso a um livro de Atas da Cmara Municipal do perodo, a alguns exemplares do Correio Catlico,21 da diocese de Uberaba e a outros jornais da regio, cujos exemplares foram doados entidade, como O Tringulo e A Tribuna, jornais que circulavam em Uberlndia e em Araguari no perodo.22

No Arquivo Pblico consegui encontrar tambm livros sobre a histria de Uberaba, que mesmo no tendo sido trabalhos de historiadores, mas de escritores lo cais, preservam parte da memria da cidade. Entre esses livros utilizei o de Hildebrando Pontes,23 de Jos Mendona,24 o de Antonio Borges Sampaio,25 e algum tempo depois, dois livros do Orlando Ferreira.26 Tambm encontrei informaes em outras publicaes que foram editadas tanto pelo prprio Arquivo Pblico quanto por entidades, e que fazem parte de seu acervo.

20 O jornal Lavoura e Comrcio era o mais antigo dos jornais que estava em circulao at o ano de 2004, tinha sido fundado em 1889 e fechou por problemas financeiros. Na ocasio da minha pesquisa em seu acervo tive a oportunidade de consultar todos os jornais do perodo do meu recorte temporal. 21 Tive a chance de ler menos de 20 jornais do perodo delimitado para a pesquisa, devido ao pequeno nmero de exemplares de que dispe o Arquivo Pblico de Uberaba. 22 Os jornais de Uberlndia e de Araguari no eram muitos, pude pesquisar em menos d e 10 exemplares, que foram doados ao Arquivo Pblico. 23 PONTES, Hildebrando. Histria de Uberaba e a Civilizao no Brasil Central. 2 ed. U beraba: Academia de Letras do Tringulo Mineiro, 1978. 24 MENDONA, Jos. Histria de Uberaba. Academia de Letras do Tringulo Mineiro. Uberaba : Editora Vitria, 1974.

25 SAMPAIO, Antonio Borges. Uberaba: Histria, Fatos e Homens. Uberaba: Academia d e Letras do Tringulo Mineiro, 1971. 26 FERREIRA, Orlando. Terra Madrasta. Um povo infeliz. Uberaba: O Tringulo, 1928. ___________________. O Pntano Sagrado. Uberaba: A Flama, 1948.

Tambm no Arquivo Pblico encontrei uma entrevista que fora feita com a viva do ex-prefeito para um projeto sobre as primeiras-damas. Isso foi muito bom, j que logo depois de ter concedida a entrevista ela sofreu um aneurisma cerebral e at hoje no se recuperou totalmente, o que me impossibilitou de entrevist-la.27

A partir dessa primeira fase de pesquisa e coleta de fontes em documentos oficiais, jornais locais e da regio e at em publicaes que se referiam ao perodo em questo, decidi conversar com algumas pessoas que pudessem me esclarecer alguns pontos obscuros detectados nas fontes pesquisadas. Por exemplo, como a populao viu sua administrao, como foram aceitas ou no as mudanas na estrutura urbana implementadas no decorrer da sua gesto?

Minha opo pela pesquisa oral decorreu do reconhecimento de que os depoimentos das pessoas que vivenciaram a administrao do prefeito Whady Nassif so tambm fontes que no podem ser ignoradas, j que os dados encontrados nos jornais, nos arquivos e na documentao existente na prefeitura no esclarecem muita coisa sobre o momento histrico. A Histria Oral tem representado um importante pape l na reconstruo de eventos histricos, principalmente em Histria Poltica, na medida em que possibilita a abordagem tambm de histrias de vida e das sociedades em que esto inseridas as personagens histricas.

Por meio da famlia tive acesso a muitas informaes orais, a um significativo acervo fotogrfico, bem como a um farto nmero de documentos pessoais do Dr. Whady Jos Nassif. Um lbum de fotos organizado durante a sua administrao, mostrando as transformaes pelas quais a cidade passou durante sua gesto, principalmente no que se refere infra-estrutura urbana, foi bastante til aos meus propsitos investigativos. Porm muitos documentos sobre a sua administrao foram queimados pelos familiares que no viam importncia nos mesmos.

Depois dos contatos com familiares, fui em busca de outros membros da colnia libanesa na cidade e tambm outras pessoas que o conheceram, com as quais consegui 27 Depoimento de Maria Noronha Nassif. Projeto: Primeiras Damas. 06/12/1999. Dep artamento Sonoro. Arquivo Pblico de Uberaba.

novos depoimentos, de alguns membros da colnia e de outros que no eram, alguns que conviveram com ele e outros que apenas acompanharam sua administrao.

O Arquivo do Colgio Diocesano, onde estudou, a Cria Metropolitana, o Cartrio de Registro Civil de Uberaba, a sede da OAB de Uberaba, foram outros tant os locais onde procurei e encontrei informaes tanto sobre a vida pessoal e profission al, quanto a vida pblica do ex-prefeito.

Na cidade de Conceio das Alagoas, onde nasceu, encontrei mais dados relativos famlia do ex-prefeito, por meio do depoimento de um ex-funcionrio da prefeitura que conviveu diretamente com ele durante o perodo em que era vereador, e depois como prefeito de Uberaba e como deputado estadual.28 Busquei informaes tambm no Cartrio de Registros, no Arquivo da Cmara Municipal e na Casa da Cultura, onde encontrei livros sobre a cidade29 e sobre o perodo em que comeou a imigrao para a regio atrada pela descoberta de um garimpo de diamantes.

Consegui encontrar algumas obras de descendentes de imigrantes libaneses que contam histrias de famlias, como a da famlia Ceclio e da famlia Nabut, que foram publicadas pelas mesmas, como forma de transmisso da memria para os membros mais jovens. Essas duas famlias so consideradas pela comunidade libanesa de Uberab a uma referncia muito especial. Foi interessante conhecer a histria de seus antepassados, suas trajetrias que se confundem com a histria da cidade, assim como a de tantos outros imigrantes, em nmero significativo em Uberaba, tais como os italianos, os japoneses e os portugueses.

Com todo esse material tento cruzar as diversas fontes para uma anlise da trajetria administrativa do ex-prefeito. Nesse percurso surgiu a questo relativa a o sujeito poltico, como ele teria surgido no cenrio da poltica local e como se deu su a insero na administrao municipal. 28 Depoimento de Antonio Oliveira Souza, Juiz de Paz de Conceio das Alagoas, em en trevista concedida em sua residncia, no dia 08/09/2000. 29 Foram editados pela Casa da Cultura dois livretos e um livro que faz um histri co da cidade na sua origem: MARQUES, Braz Jos. De Garimpo a Conceio das Alagoas. 1 ed. Casa da Cultura de Conce io das Alagoas, 1990.

Outra questo que se colocou foi o papel e importncia do imigrante na economia da cidade que no pode ser ignorada, j que sua presena era forte no comrcio, e alguns, como o pai de Whady Nassif, tinham posteriormente se tornado fazendeiros. Cruzando as informaes conclui que embora descendente de imigrantes, Whady Nassif tinha um papel na memria da cidade e que queria identificar, trazend o tona suas realizaes, sua administrao, sua posio como sujeito poltico da sociedade uberabense e da prpria colnia libanesa.

A histria do ex-prefeito despertou-me o interesse por algumas particularidades. Primeiro por que ele era um brasileiro, descendente de imigrantes, e, assim como muitos dos filhos de libaneses que chegaram ao Brasil no final do sculo XIX, vind os de diferentes regies do Lbano,30 sua vida fora marcada por muitas dificuldades e diferentes experincias at chegar a assumir um cargo poltico de relativa importncia na cidade de Uberaba. No entanto, seu nome no muito lembrado pelas pessoas, a maioria desconhece o fato da cidade ter sido administrada por um descendente de libaneses, nomeado pelo interventor de Minas Gerais em 1937, a no ser aquelas que conviveram com ele ou que acompanharam sua administrao. E o que mais surpreende o fato de que esse perodo da histria local, marcado por muitas mudanas, no ter sido abordado por historiadores uberabenses. Quase no existe nada, do ponto de vi sta historiogrfico, apenas foi possvel encontrar uma dissertao de mestrado que o cita;31 algumas pequenas publicaes da Cmara Municipal, que o mencionam como um dos ex-prefeitos; e uma histria de uma famlia de imigrantes libaneses, a famlia Nabut,3 2 obra lanada recentemente, e que fala um pouco sobre sua administrao, mas muito superficialmente.

A estrutura da dissertao

Como eixo temtico, trabalho com a particularidade de um descendente de imigrantes ter chegado ao poder local em um perodo marcante da histria brasileira, 30 KHATLB, Roberto. Brasil . 53. Lbano: amizade que desafia a distncia. Op. Cit. 1999, p

31 FONTOURA, Sonia Maria. Inveno do Inimigo: Racismo e Xenofobia em Uberaba (18901942). Tese de Mestrado. Franca. UNESP. 2001. 32 NABUT, Jorge Alberto. Fragmentos rabes: Dores de Santa Juliana e Uberaba s do Sculo XX. Uberaba: Instituto Triangulino de Cultura. 2001, p. 175. Memria

que foi o perodo do Estado Novo. E ao mesmo tempo focalizo a vida poltica em uma cidade conservadora em relao participao poltica em que o poder se concentrava, at aquele momento, em mos dos grandes proprietrios de terras e de pecuaristas, como ocorria em vrias regies brasileiras at a Revoluo de 1930.

Problematizo a relao existente entre a representao social, as prticas polticas e a memria coletiva, na trajetria poltica de Whady Jos Nassif, prefeito de Uberaba no perodo entre 1937 e 1943. Indago, tambm, como se a representao das prprias prticas polticas e como foi construda a memria coletiva sobre o perodo e sobre o ex-prefeito.

O enfoque terico se baseia na anlise e cruzamento da vida pregressa com a constituio do agente poltico, as relaes entre o indivduo e a sociedade, a ao individual e a ao coletiva. Procuro identificar as relaes do poltico e do homem com a sociedade local e com os diversos grupos polticos que a compunham, no contexto scio poltico nacional, no incio do sculo XX. Para tanto, referencio-me nos trabalhos de Chartier, Ansart e Foucault. A produo da memria coletiva enquanto meio de construo de identidades baseia-se na leitura das obras de Halbwachs, Le Goff, Lippi, Seixas, Chau e Naxara.

No primeiro captulo, apresento o Dr. Whady Jos Nassif, a origem da famlia Nassif, sua trajetria viageira de imigrante, inserida na corrente migratria para o Brasil ao final do sculu XIX e incio do sculo XX; a chegada e instalao em Conceio das Alagoas; a vida profissional, como se deu a formao poltica e a insero na poltica local buscando estabelecer a relao entre o indivduo e a atuao poltica.

No segundo captulo, trabalho a insero dos imigrantes na poltica local e regional, a emergncia de Whady Nassif como poltico e o papel do prefeito na poltica uberabense; situo a atuao administrativa de Nassif no processo de constituio de uma nova forma de administrao municipal, no bojo do regime poltico autoritrio do Estado Novo, em que as mudanas administrativas a nvel local estavam vinculadas s transformaes tanto estaduais quanto nacionais iniciadas em 1930 e aceleradas com o golpe de Getlio Vargas em 1937.

Nesse captulo falo tambm das representaes que existiam em Uberaba e na regio que certamente influenciaram a eleio de Nassif para o cargo de prefeito, bem como a maneira como essas representaes se relacionaram e se ligaram sua administrao. Procurei analisar a maneira de fazer poltica do prefeito, estilo administrativo, estilo pessoal e suas obras urbansticas, sociais e administrativa s, sobretudo as que alteraram o cotidiano da populao. Busco tambm as oposies ou o apoio dos grupos polticos locais e o que fez para viabilizar suas aes polticas e administrativas. Foram de grande valia para a elaborao deste captulo, os trabalhos de Michel Foucault, Anlise do Discurso e Microfsica do Poder. O primeiro texto forneceu subsdios para compreender o que foi encontrado nos jornais e documentos oficiais, assim como tambm o que ficou dos depoimentos orais, j que so discursos diferenciados sobre a administrao do ex-prefeito; a Microfsica do Poder analisa as vrias formas de poder que existem tanto na sociedade (na famlia, escola, asilos, prises, hospitais, fbricas, etc.) quanto na poltica e como as relaes de poder influenciam na vida das pessoas ou dos grupos sociais, formando suas identidades e tornando-as sujeitos ou sujeitados.

No terceiro captulo, abordo a questo da memria que foi construda sobre o prefeito, focalizando a memria produzida e os espaos omitidos, os esquecimentos visveis na cidade e na historiografia local. Para isso busco os livros produzidos pelo Arquivo Pblico, os encontrados por intermdio de algumas pessoas, e ainda em bibliotecas pblicas, na Universidade Federal de Uberlndia e nos colgios Nossa Senhora das Dores e Marista Diocesano (ambos de Uberaba). Tento, fazer uma anlise das mesmas, buscando perceber como o prefeito lembrado pela memria oficial; e cruzando as leituras com as entrevistas, identificar o que ficou na memria coleti va da comunidade uberabense.

Enfim, concluo o trabalho afirmando que ainda existem lacunas sobre a trajetria do ex-prefeito Whady Nassif, que no puderam ser elucidadas. Elas permite m que se busquem desenvolver mais pesquisas acerca do perodo. Embora acreditamos que em nosso trabalho tenhamos conseguido desvendar um pouco do passado da histria de Uberaba.

Captulo I

Prefeito Whady Jos Nassif: a constituio de um sujeito poltico

Whady era filho de Jos Turco, ele era colega do meu pai de futebol, era na poca um bom jogador. Eles jogavam nos times de futebol, o meu pai, no time do Patrimnio e o Whady, no time de Conceio. 33

Neste trabalho proponho estabelecer o cruzamento entre a vida pregressa e ao pblica de uma personalidade poltica local, fazendo emergir o sujeito social e, no percurso, a identidade e histria da cidade de Uberaba.

A histria poltica, que na viso de Le Goff, no se parece com a antiga , pois se trata de uma histria poltica dedicada anlise social, semiologia e pesquisa do poder .34 A pesquisa do poder inclui tambm fazer uma histria poltica diferenciada, onde se busca atentar para o estudo dos diversos sistemas polticos, seu vocabulrio, seus ritos, seus smbolos de poder, seus comportamentos e em especial suas mentalidades. Essa histria refere-se a um momento da histria brasileira e uberabense, entre 1937 e 1943, perodo em que a Prefeitura Municipal de Uberaba te ve frente de sua administrao um advogado recm-formado no Rio de Janeiro, Whady Jos Nassif, cuja passagem pela administrao municipal marcou uma transio no papel do prefeito municipal como representante de uma nova realidade poltica que se descortinava no perodo.

Alm de um jovem advogado, tinha sido eleito vereador pelo Distrito de Conceio das Alagoas, onde nascera e sua famlia se estabelecera no ramo comercial e agropecurio, nascendo ento o sujeito poltico que teve um papel significativo na histria do Municpio de Uberaba, ao implementar as prticas administrativas do Estado Novo.

33 Depoimento de Manoel Faustino de Oliveira, aposentado, nascido no municpio de Conceio das Alagoas, no Distrito de Patrimnio dos Poncianos, em entrevista concedida no dia 2 7/08/2000, em Uberaba MG. 34 LE GOFF, Jacques. A histria poltica continua a ser a espinha dorsal da histria? In: O Imaginrio Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1994, p. 366. A pesquisa do poder inclui ta mbm fazer uma histria poltica diferenciada, onde se busca atentar para o estudo dos diversos sis temas polticos, seu vocabulrio, seus ritos, seus smbolos de poder, seus comportamentos e em especial s

uas mentalidades.

Por meio da trajetria poltica de Nassif, procurei compreender esse momento da histria poltica da sociedade brasileira, e em especial, a de Uberaba, na primeira metade do sculo XX, no perodo em que administrou a cidade, penetrando nas relaes e tenses que a constituam. Considerando que no existe nenhuma estrutura social ou poltica que no seja produzida por representaes contraditrias e em constante confronto, atravs das quais os indivduos e os grupos do sentido ao mundo em que vivem, verifiquei que nesse contexto se formaram sujeitos polticos que defendiam posicionamentos diferenciados dos que j existiam, sujeitos que representavam grup os que j vinham de longa data disputando espao no cenrio da poltica local e outros que emergiram no novo momento histrico, ou seja, aps a Revoluo de 1930.

O pressuposto que o historiador, ao analisar determinado acontecimento ou indivduo de outra poca, deve levar em considerao que foram as relaes sociais e de poder existentes no momento histrico em questo que na maioria das vezes criaram os sujeitos, que por sua vez construram suas identidades em um processo relacional c om as normas estabelecidas, ora aceitando-as, ora modificando-as.

Seguindo essa linha de raciocnio, remetemos-nos a Bloch,35 quando nos lembra que importante ao historiador compreender os fatos, as fontes e o momento histrico pesquisado, mas essa compreenso no uma atitude de passividade. Isso porque ela o leva, como todo cientista, escolhas, e, portanto a uma anlise que te m, por sua vez, includa uma viso tambm pessoal.

Nessa linha de raciocnio, tentei atravs deste trabalho de pesquisa compreender esse momento da histria da cidade de Uberaba e quem foi Whady Jos Nassif, que a administrou de 1937 a 1943.

1.1. A origem libanesa

Seus pais, assim como muitos outros imigrantes no final do sculo XIX, tinham deixado a distante e pequena cidade de Miziara, localizada nas montanhas do nort e do Lbano, vindo tentar a sorte no Brasil e acabaram se fixando na regio do Tringulo 35 BLOCH, Marc. A Anlise Histrica. In: Apologia da Histria ou o Ofcio do Historiador . Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2001, p. 128.

Mineiro. Seu pai, Jos Nassif Miziara, natural da Sria,36 iniciou sua vida profissi onal assim que chegou ao Brasil como mascate ou caixinha,37 vendendo seus produtos na regio.

Os mascates eram comerciantes de origem rabe, que vendiam diferentes produtos nas fazendas e vilas pelo interior do Brasil. Eles percorriam grandes d istncias transportando mercadorias no lombo de burros com cangalhas ou at nas prprias costa s em malas carregadas, e quando chegavam prximo s fazendas ou vilas tocavam suas matracas para anunciar aos fregueses que estavam chegando. Vendiam perfumes, camisolas, roupas ntimas com rendas, linhas, botes e, por encomenda, at vestidos de noiva. Alm disso, levavam recados e correspondncia de um povoado para outro. Ficaram conhecidos como turcos , devido ao fato de terem vindo de pases dominados pelo Imprio Turco Otomano e embarcarem para o Brasil com passaporte turco. Mas os que se fixaram na regio do Tringulo Mineiro, no vieram da Turquia, eram srios (em menor nmero) e libaneses (a maioria). Depois de muito mascatear, acabavam se estabelecendo em alguma cidade e abrindo uma casa comercial.

Algum tempo depois, Jos Nassif Miziara abriu uma casa comercial, no ento Distrito de Conceio das Alagoas, na poca, conhecido como Garimpo de Conceio das Alagoas.38 Ele era chamado pelos habitantes do Distrito de Jos Turco e fora atrado pela descoberta de uma mina de diamantes na localidade e tambm pelo comrcio que se intensificava na regio de Uberaba. O distrito de Conceio das Alagoas, parte da Comarca de Uberaba, foi povoado por volta de 1858, quando foi descoberto um garimpo de diamantes que atraiu muitos aventureiros e at imigrantes para o trabalho de explorao das minas, embora por volta da dcada de 30 do sculo XX, os diamantes j terem se escasseado e a populao tinha voltado sua ateno para as atividades agrcolas e de criao de gado. Hoje uma cidade de pequeno porte, que tem nas atividades agrcolas, com algumas usinas de acar e lcool, alm de silos para armazenagem de gros, instaladas em volta dela, sua principal fonte de renda. Fica a 36 Conforme a certido de casamento de Whady, seus pais vieram da Sria, mas, segund o o relato de sua filha, o av teria vindo da cidade de Miziara, que uma pequena cidade que fica nas montanhas do Lbano. 37 SILVA, Luzia Maria de Oliveira e, OLIVEIRA, Srgio Gomes. a . 1997 (Monografia). Uberaba: Universidade de Uberaba, p. 5. A Presena rabe em Uberab

38 MARQUES, Braz Jos. De Garimpo a Conceio das Alagoas. 1 ed. Casa da Cultura de Co nceio das Alagoas: 1990, p.17 e 21.

cerca de 50 Km da cidade de Uberaba. Entre essas usinas destaca-se a Usina Caet, que desde a sua instalao tem gerado empregos, no somente na produo de acar e lcool, como tambm ao estimular os agricultores da regio a investir no plantio de cana-de-acar tambm gerou empregos no campo e dinamizou a economia local.

Com a chegada da estrada de ferro Mogiana e graas poltica de incentivo a imigrao, a cidade de Uberaba recebia muitos imigrantes, entre eles, italianos, espanhis, japoneses, portugueses e libaneses. Entre esses imigrantes, trazidos pe los trilhos da ferrovia, estava Jos Nassif, que passara a assinar Jos Nassif Miziara, por ser da cidade de Miziara,39 no Lbano. Seu passaporte fora alterado ao regulamentar se us papis nos registros oficiais de sua entrada no Brasil como imigrante.40 Muitas fa mlias ao declararem seus nomes e cidades de origem acabaram tendo seus nomes alterados ao serem aportuguesados pelos funcionrios do setor de imigrao e at pelos cartrios, devido dificuldade inicial de se lidar com a lngua rabe dos recm chegados. Por isso Jos Nassif teve o nome de Miziara, sua cidade de origem, incorporado como sobrenome em seus documentos de imigrante. E com isso surgiu a famlia Miziara, qu e muito grande e se destaca na colnia libanesa de Uberaba e regio.41

No incio do sculo prspero comerciante Jos Turco ,42 como Rosa Nasser, comeou

XX, com a vida at certo ponto estabilizada, j se tornara um no Distrito de Conceio das Alagoas, Jos Nassif Miziara,o era conhecido, casado com uma libanesa, tambm imigrante, a colher o fruto de seus esforos. Comearam a chegar os filhos,

39 ... o fluxo maior de emigrantes ocorreu a partir de 1880 e os pioneiros da imi grao rabe no Brasil destacam-se por terem entre eles, alm de camponeses, uma elite poltica e cultural, pois a emigrao tinha por objetivo procurar uma vida melhor, em liberdade, e depois voltar e viv er melhor em seu pas de origem. Existem divergncias sobre quem foi o primeiro libans a emigrar para o Bras il. No entanto, vrias pesquisas indicam o cidado Youssef Moussa, nascido em Miziara, Lbano-Norte, q ue aportou no Brasil em 1880, como o primeiro libans a sair do Lbano com destino ao Brasil, dife rente de outros que antes foram para o Egito e a Europa e depois vieram para o Brasil. Nesta mesma po ca, chegou tambm ao Brasil o primeiro grupo de emigrantes da cidade Sultan Yacub, Vale do Bekaa, e a partir desse grupo pioneiro outros vieram. Iniciou-se assim a saga libanesa no Brasil. (KHATLAB, Rob erto. Brasil Lbano: amizade que desafia a distncia. Op. Cit. p. 36.) 40 Depoimento de Lcia Regina Nassif Zouein, filha de Whady Jos Nassif, em entrevis ta concedida no dia 14/12/2001, em Uberaba MG.

41 No entanto, seu filho Whady no teve o nome Miziara registrado em sua certido de nascimento fornecida pelo cartrio, sendo o nico dos seus filhos a no ter o sobrenome Miziara. Segundo sua filha, Lcia Regina, isso ocorreu devido a um erro de registro no cartrio. 42 ... os rabes viajavam com passaporte turco (do Imprio Turco Otomano, que dominav a toda a regio) e do qual no recebiam nenhum benefcio poltico e erroneamente eram chamados nos pases de emigrao de turcos , apelido que feriu muito os rabes, pois, na realidade eram libanese s, srios, palestinos... e turco era o dominador. (KHATLAB, Roberto. Op. Cit. p. 33.)

todos nascidos aps sua fixao na regio: Joo, Pedro, Antonio, Tefilo, Whady, Florispine e Kermes.

A realidade de ascenso econmica de Jos Nassif no foi uma unanimidade entre os imigrantes da regio, pois segundo Silva:43

A presena do imigrante em Uberaba, Sacramento e Conquista adquiriu a aparncia de promoo scio-econmica de todos eles. O fato de ser razovel o nmero dos bem sucedidos condicionou a viso de todos bem sucedidos. O viver scio-cultural que se projeta desses imigrantes, nessas cidades, o viver dos que conseguiram ascenso econmica: o que tem contribudo para ocultar as contradies reais e tem apontado para interpretaes que forjam distores.

A chegada dos primeiros imigrantes libaneses na regio do Tringulo Mineiro, remonta dcada de 80 do sculo XIX, embora no existam maiores dados oficiais, na cidade de Uberaba, sobre os primeiros que vieram, pois essa imigrao fora espontnea e individual, e no em colnias, como os demais imigrantes. Alm disso, em vez de se dirigirem agricultura, foram se dedicar ao comrcio e minerao, fato que tambm dificultou o registro do nmero exato dos primeiros imigrantes.44 Esses dados, ass im como outros sobre a imigrao no Brasil so esparsos, pouco sistematizados e mesmo conflitantes e os nmeros dependem das fontes consultadas.

Enquanto isso, segundo dados oficiais do Arquivo Pblico Municipal de Uberaba, no mesmo perodo, j existiam na cidade imigrantes portugueses, espanhis, italianos. Os portugueses e espanhis vieram atravs da imigrao subvencionada para a minerao de diamantes em Nova Lima e Estrela do Sul. Os primeiros chegaram em 1895, mas muitos acabaram se dedicando ao trabalho com padarias, aougues e outras atividades comerciais, foram tambm os primeiros a cultivar uvas na regio. Os italianos comearam a chegar em 1880, ligados ao comrcio. Um grande nmero chegou a Uberaba via So Paulo e Juiz de Fora, em uma grande leva ocorrida entre

43 SILVA, Heladir Josefina Saraiva e. Representao e Vestgio da (Des) vinculao do Trin ulo Mineiro: um estudo da Imigrao Italiana em Uberaba, Sacramento e Conquista (1890 1920 ). Op. Cit. p. 133. 44 Dados encontrados no Guia de Fontes Primrias Para a Histria da Imigrao do Tringulo Mineiro e Alto Paranaba. Arquivo Pblico de Uberaba. 1995.

1894 e 1901, quando foram trabalhar nas fazendas de caf e outras culturas de Sacramento e Conquista. 45

A imigrao rabe46 muito significativa em Uberaba e na regio, especialmente em Sacramento, Conquista, Santa Juliana, Arax e Ituiutaba. As primeiras famlias chegaram na dcada de 1880. A maioria era libanesa, alm de srios e armnios. Eles se dedicaram ao comrcio, principalmente os mascates que vendiam seus produtos no interior. Depois foram se estabelecendo nas cidades, no ramo comercial e, posteriormente, na indstria.47

De acordo com Oliveira:48

O comrcio nas cidades era uma atividade ocupada por srio-libaneses e pelos judeus. Os srio-libaneses tiveram experincia mais prxima dos imigrantes italianos e espanhis no Brasil.Vindos de pases ou regies distintas como Lbano, Sria, Turquia, Iraque, Egito e Palestina, os rabes que vieram, em sua maioria, tinham vivido problemas de perseguio religiosa.

A segunda leva chegou entre 1890-1914, e depois de 1930, quando os jovens deixavam o Lbano em busca de um futuro melhor. Alguns encontraram mais facilidades pela presena dos patrcios j estabelecidos na regio. Muitos estudaram e concluram cursos na rea de Medicina e Direito. Fundaram tambm centros culturais e de lazer, entre eles, o Clube Srio Libans. 49 45 Guia de Fontes Primrias Para a Histria da Imigrao do Tringulo Mineiro e Alto Paran aba. Op. Cit.

46 O termo rabe utilizado se explica pelo fato de que tanto os srios quanto os liban eses foram dominados tambm pelo povo rabe, no momento em que o Imprio rabe expandiu seus domnios pela regio da Palestina, entre os sculos VII e VIII. Com isso a populao da regio assimilou parte da cultura rabe juntamente com a carga gentica, j que ocorreu uma mistura tnica que perdurou at a dominao posterior dos turcos, sculos mais tarde. J os imigrantes de origem realmente turca , proveniente da Turquia, representam uma quantidade muito pequena no total dos que emigraram par a o Brasil e o Tringulo Mineiro. No entanto, a populao de Uberaba e regio, e at mesmo os pesquisador es que escreveram sobre esse perodo se posicionaram diante desses imigrantes de maneira diferenciada. Ora encontramos documentos em que esto presentes a referncia aos imigrantes rabes , ora tu cos, alguns falam em srios-libaneses, outros em srios e libaneses. Para falar em nome de t dos os que emigraram da regio do Oriente Mdio, no caso em questo, optamos pelo termo rabe. 47 Guia de Fontes Primrias Para a Histria da Imigrao do Tringulo Mineiro e Alto Paran

aba. Op. Cit. 48 OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil dos Imigrantes. Op. Cit. p. 56. 49 O Clube Srio Libans foi criado em 11 de outubro de 1925, por seis imigrantes li baneses radicados em Uberaba: Calixto Ceclio, Chucre Plis, Jacob Plis, Latif Plis, Manoel Elias e Miguel Calixto Hueb. Hoje o clube revive e mantm vivo o folclore e a cultura libanesa atravs da Festa d as 1001 Noites, realizada anualmente e que j faz parte dos principais eventos sociais da cidade. (OLIVEIRA, Luzia Maria de Oliveira e, OLIVEIRA, Srgio Gomes . A Presena rabe em Uberaba . Op. Cit. p. 1 0.)

H relatos que confirmam que muitos imigrantes libaneses vieram para o Brasil com recursos prprios, conseguidos com a venda de bens e objetos pessoais em seus pases de origem. Com esse capital compravam passagens em navios cargueiros,50 e no nos navios destinados ao transporte dos imigrantes subvencionados pelo governo brasileiro ou pelos fazendeiros que patrocinaram as primeiras levas de imigrante s europeus. Existem registros afirmando tambm que alguns desses libaneses foram par a a Itlia e de l embarcaram no porto de Trieste,51 e ainda outros falam que iam para Gnova e tambm para Marselha,52 na Frana, e desses portos embarcaram em navios para o Brasil.

Os imigrantes vieram para o Brasil, impulsionados pela poltica de estmulo imigrao, criada pelo governo brasileiro, para atrair imigrantes europeus, principalmente os italianos, devido a reestruturao do mercado de trabalho a nvel internacional. Por isso, a propaganda foi mais intensa na Europa, onde o Brasil era anunciado pelos representantes do governo brasileiro como uma terra de promisso; ao mesmo tempo, essa propaganda chegou a outros continentes, entre eles a sia, e aca bou estimulando outras levas de imigrantes no-europeus.53

A propaganda do governo brasileiro atraiu os imigrantes libaneses porque o Lbano estava sob o jugo do Imprio Turco Otomano e as condies de vida eram muito difceis para eles no final do sculo XIX. Problemas econmicos e o fato de ser um pas pequeno, com pouca rea agrcola, teriam sido razes que levaram muitos libaneses a emigrarem, buscando um pas onde pudessem viver livres da opresso, levarem uma vida melhor e ainda prosperarem. Os que emigraram no vieram somente para o Brasil ,

50 Meus avs vieram de navio cargueiro para o Brasil. Zouein, em entrevista, no dia 14/12/2001, em Uberaba MG.

Depoimento de Lcia Regina Nassif

51 Guia de Fontes Primrias Para a Histria da Imigrao do Tringulo Mineiro e Alto Paran aba. Op. Cit. 52 ... os emigrantes, para viajar, tinham que vender suas jias, seus poucos bens p ara ter um lugar nos pores apertados dos navios em plena escurido, com falta de gua, alimento... e ao ch egarem a um dos portos de desembarque, geralmente Gnova, na Itlia, ou Marselha, na Frana, eram hosp edados em hotis para esperar a chegada de outro navio, que os conduziria ao porto final. (KH ATLAB, Roberto. Brasil Lbano: amizade que desafia a distncia. Op. Cit. p. 33.)

53 Agentes a servio de sociedades de imigrao anunciavam, em vrias cidades europias, o Brasil como terra de promisso. (OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil dos Imigrantes. Op. Cit. p. 16.)

mas tambm para outros pases da Amrica; h casos de alguns que foram primeiro para os Estados Unidos e de l vieram para o Brasil.

Figu 23.

povos: hititas, egpcios, assrios, persas, macednios, gregos, romanos, dentre outros, e conquistado pelos rabes (637). Passou depois ao domnio dos Francos (1098-1289), dos Mamelucos do Egito (at 1516), e em seguida dos Otomanos. Em 1864 o Monte Lbano passou a ser autnomo em relao ao governo turco. A Turquia retirou-se dali no incio da Primeira Guerra Mundial (1914). Mas, aps a vitria das foras aliadas sobre as tropas turcas e alems, o Monte Lbano foi anexado ao Vale do Bekaa, tornando-se um Estado do Grande Lbano (1920) sendo submetido, como a Sria, ao mandato francs. Todas essas invases, conquistas e violncias, levaram uma grande parte libaneses emigrao, pois, acossados pelos inimigos e pela escassez de possibilidades, buscaram na histria dos antepassados exemplos dignos de serem imitados. Com coragem e esprito de aventura comearam a dispersar-se pelo mundo em busca de um espao vital. No princpio, emigraram para o Egito procura de trabalho ou para estabelecer negcios ou indstrias, utilizando este pas como trampolim para o salto gigantesco que mais tarde deram, formando colnias no mundo inteiro, principalmente, nas Amricas.

Otom55 informa que: 54 KHATLAB, Roberto. Op. Cit. p. 24.

55 Idem., p. 32.

autnomo e protegido pela Europa,cercado pelo Imprio Otomano, e a maior parte das plancies, Vale do Bekaa e o litoral, dominados pelos turcos. Sem o Vale do Bekaa, o Lbano perdeu seu celeiro e assim os camponeses corajosos enfrentaram a montanha, comearam a escavar suas encostas e patamares,e depois plantando cereais e rvores frutferas, num processo que transformou rochas em solo produtivo. Apesar de todos esses esforos, a produo agrcola no era suficiente para alimentar a populao; alm destas dificuldades, vrias foram as opresses e os massacres. Alm disso, existia privao da liberdade, insegurana, falta de espao geogrfico, visto que o territrio era estreito e dominado pelo feudalismo, oferecia pouqussimas oportunidades econmicas, fazendo com que muitos libaneses se sentissem forados a expatriar pois os rabes sentiam que estavam vegetando dentro do Imprio Otomano. Os libaneses da montanha, quando vinham at Beirute, eram molestados e agredidos pelos fanticos que os odiavam, obrigando-os a comprar o que no queriam por preos elevadssimos.

dirigiam para So Paulo, Campinas, Ribeiro Preto, e depois pelos trilhos da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro56 acabavam parando na regio do Tringulo Mineiro e nas cidades de Conquista, Santa Juliana e Uberaba.57 Vinham atrados pel o Municpio de Campinas. Sua histria se atrela expanso do caf no Oeste Paulista e sua m alha ferroviria nasceu para exportar caf pelo Porto de Santos. O principal meio para es se transporte ferrovirio, a Estrada de Ferro So Paulo Railway, construda por uma companhia ingles a, interligou por muito tempo a cidade de Jundia a Santos, em concesso exclusiva de acesso ao Porto de Santos. A partir de Jundia se criaram outras ferrovias que passaram a intercambiar seus transporte s. A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, foi criada a partir de uma lei provinci al, de 21 de maro de 1872, para ligar Campinas a Mogi Mirim, com um ramal para Amparo e prolongam do rio Grande. Em 8 de junho de 1880 obteve a concesso para estender seus trilhos at a cidade de Ribeiro Preto, e em 4 de abril de 1889 foi inaugurada a estao ferroviria de Uberaba. Ela ficava situada no alto da Rua do Comrcio (hoje Rua Artur Machado), em frente Igreja da M atriz, um dos pontos mais importantes da cidade, marcando sua preponderncia sobre outros monume ntos e um distanciamento entre o Tringulo Mineiro e Belo Horizonte, ao mesmo tempo que repr esentava uma aproximao com So Paulo. Pela Mogiana chegaram idias de progresso juntamente com os i migrantes nacionais e estrangeiros, os italianos, espanhis, portugueses e rabes (que redimen sionaram o comrcio urbano e rural). (FERREIRA, Eliza Bartolozzi, Mrcia Almada. Mogiana: Os Trilhos da Modernidade. Pesquisa realizada com o apoio do CNPQ, Fundao Cultural e Prefeitura M unicipal de Uberaba, 1989, p. 6, 7, 33, 37) A Mojiana marca o rompimento no oficial, mas prtico, com Minas Gerais. Da para frent e, nunca mais seramos os mesmos mineiros.

ecltico informado e universal que a ns via So Paulo, um Estado que acorda e sacode seus vizinhos. Pela Mojiana respiramos ventos novos, compreendemos mensagens de progresso. De b em-estar. (NABUT, Jorge Alberto. Trechos do Memorial Mojiana. Reportagens narrando a histri a da estao ferroviria uberabense inaugurada em 1889. Jornal da Manh.,1984.) A ferrovia esteve em atividade at meados dos anos 80 do sculo XX, quando ento foi c omprada pela FEPASA, e atualmente se destina ao transporte de cargas, atravs d comprou a malha ferroviria. O transporte de passageiros foi paralisado no final d os anos 90. 57 Em 1889, chegaram aqui os trilhos da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e, com ela, Uberaba atingiu o auge de seu desenvolvimento comercial. Grande afluxo de migrantes e im igrant populao crescer. (COUTINHO, Pedro dos Reis. Histria dos Irmos Maristas em Uberaba. Uberaba: Arquivo Pblico de Uberaba; Belo Horizonte: Centro de Estudos Maristas, 2 000, p. 37)

rico comrcio que se desenvolvia devido produo agrcola da regio e tambm pela explorao de diamantes no Garimpo de Conceio das Alagoas.

Figura 2. Desembarque de imigrantes no Porto de Santos. Referncia: O Brasil dos Imigrantes, p.41.

Figura 3. Estao da Mogiana em Uberaba onde desembarcaram muitos imigrantes. Referncia: Fragmentos rabes p. 147.

No Brasil do sculo XIX, a poltica de imigrao visava tambm atrair estrangeiros para povoar e colonizar os vazios demogrficos. Embora essa poltica fo sse seletiva, j que o imigrante desejado fora o agricultor, o colono e o arteso que aceitassem viver em colnias e no o aventureiro que vivesse nas cidades. E em 1808, tinha sido promulgada uma lei que permitia aos estrangeiros a propriedade de ter ras no Brasil, mas somente em meados do sculo comearam a chegar imigrantes para suprir a carncia de mo-de-obra nas lavouras de caf; e a ocupao dos espaos demogrficos somente ocorreu no Sul com os alemes. Posteriormente a Constituio de 1891, acelerou esse processo, pois garantiu a nacionalizao automtica de qualquer Caixa de texto:

contrrio nacionalizao. A Constituio colocou tambm a colonizao e a imigrao sob a tutela dos Estados, como forma de agilizar a vinda de pessoas para o pas.58

principais: no incio do sculo nos estados do Sul, onde procurou se incentivar a ocupao atravs de pequenas propriedades agrcolas; e no final do sculo, nas fazendas de caf do Oeste Paulista, onde eles eram empregados como mo-de-obra, substituindo o brao escravo.

diferenciadas da ocorrida no Oeste Paulista. Ela foi incentivada antes da Indepe ndncia por Jos Bonifcio e D. Pedro, que tentaram atrair alemes interessados em ir para San ta Catarina e Rio Grande do Sul, com o objetivo de formar uma classe mdia rural no Brasil. Com isso, surgiram colnias perto de Porto Alegre (a Colnia de So Leopoldo, em 1824); junto Florianpolis (a de So Pedro de Alcntara, em 1828). Depois, a colonizao alem se estendeu pelo nordeste de Santa Catarina, onde surgiram as Colnias de Blumenau, em 1850, Brusque e Dona Francisca, atual Joinville.

leiteiras, verduras e frutas, como a ma. Todas as atividades foram desenvolvidas e m pequenas e mdias propriedades. Fundaram tambm oficinas e indstrias de banhas, laticnios, cervejarias e outras bebidas. Eles figuraram em segundo lugar na lista de imigrantes, no perodo entre 1846 e 1875 (cerca de 39 mil), embora ainda muito distantes do nmero de portugueses (em torno de 152 mil imigrantes) que se estabeleceram no Sul do Brasil.60

condies de tratamento dispensadas aos colonos, especialmente aos suos e alemes. Em 1871 a Alemanha, assim como a Rssia, j tinha feito em 1859, suspendeu o apoio imigrao para o Brasil. Depois de 1870, o governo imperial procurou incentivar a 58 OLIVEIRA, Lucia Lippi. Op. Cit., p. 13-18. 59 FAUSTO, Boris. Histria do Brasil. So Paulo: Edusp, 1996, p. 241. 60 Idem, p. 241.

vinda de colonos italianos para o Rio Grande do Sul. Eles se dedicaram principal mente ao cultivo da uva e deram incio produo de vinho no Brasil. 61

A abolio da escravatura e a proclamao da Repblica aceleraram a poltica de estmulo imigrao, cujo discurso enfatizava a necessidade da importao de trabalhadores europeus, de preferncia, italianos.

Outro objetivo do estmulo imigrao, principalmente a europia, era o branqueamento da populao brasileira. Segundo Salles,62

O passado precisava ser esquecido, tratava-se, agora, da construo de um pas branco, que transpusesse a sociedade para um novo tempo em que a Nao constituda seria arrebatada pelo Progresso. E nesta Nao fadada ao Progresso no havia lugar para quem tinha sido escravo um dia, para os seus descendentes ou para o homem pobre cuja convivncia com a escravido o havia tornado um ser desprezvel... A classe dominante, particularmente os fazendeiros do Oeste Paulista, via na imigrao europia a possibilidade no s de prover de braos as fazendas desfalcadas de escravos , como o grande resultado, o vasto e genrico benefcio de um trabalhador de melhor qualidade , que regenerasse a raa e que resgatasse o trabalho e as terras do novo mundo para a Civilizao

1.2. Os imigrantes libaneses em Uberaba e regio

A vinda de imigrantes para a regio do Tringulo Mineiro foi incentivada pelo governo mineiro que sancionara vrias leis que estimulavam fazendeiros e imigrante s a virem para a regio, visando suprir a necessidade de mo-de-obra nas lavouras.63Essa necessidade de trabalhadores, se j era premente, cresceu aps a abolio da escravatura com a expanso dos cafezais. Em Uberaba, a instalao da Fbrica de Tecidos do Cass reclamava novas lavouras de algodo, intensificando ainda mais a demanda de mo-de61 FAUSTO, Boris. Histria do Brasil. Op. Cit., p. 241.

62 SALLES, Iraci Galvo. Repblica: A Civilizao dos Excludos. In: Histria e Perspectiva . Uberlndia: UFU. Curso de Histria, 1993, n 8, p. 24. 63 No Brasil do sculo XIX, a poltica de imigrao visava a atrair estrangeiros para pov oar e colonizar os vazios demogrficos, o que permitiria a posse do territrio e a produo de riquezas. (OLIVEIRA, Lucia Lippi. O Brasil dos Imigrantes. Op. Cit., p. 13.)

obra. E os grandes fazendeiros da regio do Tringulo colocaram em discusso o problema da falta de trabalhadores, tornando a questo nacional.64

J no incio do perodo republicano, ainda no Governo Provisrio, o Decreto n 528, de 28 de junho de 1890, regularizou o servio de entrada e colonizao de imigrantes. Com isso, abriu-se os portos imigrao, exceto para as pessoas de origem asitica e africana.

Essa imigrao subvencionada teve incio a partir de 1892, com a indenizao de passagens aos imigrantes, e com a determinao de que as Cmaras Municipais seriam intermedirias dos pedidos. O Estado de Minas Gerais foi dividido em cinco Distrit os que receberiam os imigrantes; Uberaba se tornou a sede do 5 Distrito.65

Para a sociedade uberabense, o imigrante era bem-vindo, porque sua presena dinamizara a economia, desde a chegada para o trabalho nas lavouras, seguindo a trajetria dos que vieram para as lavouras de caf do Estado de So Paulo. Muitos dele s deixaram o campo e foram para a cidade e diversificaram seus negcios.

No caso dos srios e libaneses e de seus descendentes, ocorreu que no trabalharam nas lavouras; assim que chegaram, comearam a se dedicar s atividades comerciais, alguns abrindo suas prprias lojas na cidade, outros trabalhando como ambulantes ou mascates, vendendo diferentes produtos nas fazendas e arraiais da regio. 66 64 Guia de Fontes Primrias Para a Histria da Imigrao do Tringulo Mineiro e Alto Paran aba. Op. Cit.

65 Decreto n 626, de 31 de maio de 1893: Aprovo, de conformidade com o artigo 33 d o decreto de n 612, de 6 de maro de 1893 a diviso provisria do Estado em distritos para fiscalizao d o recebimento e colocao do imigrante. (FONTOURA, Snia Maria. A Inveno do Inimigo: Racismo e Xenofobia em Uberaba 1890-1942. Cap. I Uberaba: Espaos e Imigrao. Dissertao de Mestrado. Franca Paulo: UNESP, 2001, p. 52.) Artigo 1 (...) Quinto Distrito sede: Uberaba. Municpios de: Uberaba, Paracatu, San to Antnio de Patos, Araguary, Bagagem, Carmo de Bagagem, Fructal, Parnahyba, Monte Alegre, Pa trocnio, Prata. Em 1895, com a reduo no nmero de distritos, Uberaba tornou-se sede do 4 Distrito Decret o n 806, de 22 de janeiro de 1895. Catlogo do Arquivo Pblico de Uberaba. 1994. 66 Poucos rabes estabeleceram nas lavouras, embora tenhamos encontrado alguns raro

s em Conquista e Uberaba. A maioria dedicou-se ao comrcio de caixinhas mascates vendendo seus prod utos at Gois. (FONTOURA, Snia Maria. A Inveno do Inimigo: Racismo e Xenofobia em Uberaba 1942. Op. Cit., p. 56)

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Como eles se dedicaram ao comrcio, tiveram que aprender rapidamente a lngua portuguesa, o que favoreceu inicialmente a sua integrao vida brasileira, por meio das habituais relaes interpessoais. Essa integrao ocorreu tambm na sociedade, j que muitos emigraram individualmente e se casaram com brasileiros, diferentemente do que ocorreu com os outros imigrantes, cuja maioria estava isol ada nas colnias. Essa mistura, aps trs ou quatro geraes, fez com que nomes rabes aparecessem relacionados a diversas atividades profissionais e cargos polticos, t anto locais quanto regionais, estreitando os laos entre os brasileiros e os descendent es de imigrantes. Incorporaram-se, assim, paisagem social de nossas cidades, tornaramse dos nossos , justificando uma amizade que o resultado de uma convivncia aberta e do partilhar de valores semelhantes.67

Apesar da relativa cordialidade com que os imigrantes foram recebidos tanto no Brasil quanto na regio do Tringulo, e apesar dos jornais apresentarem os estrangei ros como iguais aos demais cidados no trabalho, em eventos sociais e em outras circunstncias da vida, levando o leitor a olhar com simpatia a presena do imigrant e, constatou-se que foram alvo de racismo e tiveram dificuldades com os fazendeiros . Foi o caso dos italianos, portugueses, espanhis e at mesmo dos rabes.

Segundo Fontoura:68

Pela diferente linguagem, religio e costumes, levantavam terrveis suspeitas, que chegavam ao grotesco. Foram acusados pelos jornais de Frutal, Franca e Uberaba, de comer criancinhas, fato logo aps desmentido. O comrcio rabe, tornando-se concorrente preocupou o comrcio local. Isto expresso de vrias formas na imprensa. Primeiro elogiavam-se os rabes. Depois veio a xenofobia.

Outros fatores diferenciaram os imigrantes srios e libaneses dos demais grupos que vieram para Uberaba e cidades vizinhas: eles no estavam ligados aos programas de incentivo imigrao, e por isso no foram inseridos na Lei de Cotas criada em 1934. No estavam presos a compromissos com fazendeiros e nem ficaram em colnias da regio, como ocorreu com os italianos e japoneses. Eram independentes, vieram com seus prprios recursos e se espalharam por vrias vilas, arraiais e cidades do Tringu lo 67 KHATLAB, Roberto. Op. Cit. p. 60. 68 FONTOURA, Sonia Maria. Op. Cit. p. 69.

Mineiro. Eles vinham para trabalhar no comrcio, atividade que herdaram de seus ancestrais, que to bem conheciam e que poderiam lhes trazer um retorno mais rpido do que a atividade agrcola. Retorno que cobriria o que haviam gasto na vinda, j qu e muitos venderam seus bens nos pases de origem para poderem custear a passagem. No Brasil muitos se associaram a outros imigrantes, alguns parentes, para abrirem n egcios fixos nas cidades e tambm para mascatearem juntos em determinadas regies.69

Os imigrantes srios e libaneses, segundo tambm Oliveira,70 estiveram na linha de frente da introduo, na cultura brasileira, de dois traos ou comportamentos dos mais relevantes. O primeiro tem a ver com a superao da barreira contra os trabalho s braal e o manual, herdado dos quase 400 anos de escravido. O imigrante que aqui chegou como mo-de-obra assalariada participou do processo que permitiu convencer as pessoas de que deveriam vender sua fora de trabalho e domesticar o tempo ao ritmo da indstria. Por outro lado o imigrante tambm acentuou a verso sobre o trabalhador nacional como preguioso e incapaz, verso esta partilhada pela elite nacional. A capacidade de trabalho do imigrante e seu sucesso reforam a crena da suposta preguia dos brasileiros.

A demonstrao de capacidade do imigrante, para o trabalho, foi seguida tambm de uma reao dos brasileiros, que, de forma discriminatria, tentaram desqualificar qualquer imigrante. Isso fez com que surgisse o preconceito contra italianos e japoneses em So Paulo, por exemplo. Mas, por outro lado os imigrantes tambm visualizaram os brasileiros de forma estereotipada, j que entre os colonos o brasileiro era considerado preguioso e indolente.

Essa questo enfatizada por Seyferth71:

... A obra da colonizao e a participao do imigrante na industrializao do Brasil so as marcas diferenciadoras mais frequentemente usadas para afirmar as identidades tnicas. O trabalho , concebido dessa maneira, um dos smbolos de identidade mais utilizados, pois contrasta, de um lado, os 69 FAUSTO, Boris. Negcios e cios Cap. 3 e 4.

Histrias da Imigrao. So Paulo: Cia das Letras. 199

70 OLIVEIRA, Lucia Lippi. Op. Cit. p. 59. 71 SEYFERTH, Giralda. Imigrao e Identidade tnica. In: Imigrao e Cultura no Brasil. Br aslia: UNB, 1996, p. 80 a 91.

imigrantes e seus descendentes, como aqueles que vieram para dignificar o trabalho, e de outro os brasileiros, definidos por oposio, como avessos ao trabalho, principalmente manual. ... o que refora, ao nvel dos grupos tnicos, o mito do imigrante trabalhador.

O segundo comportamento foi o de produzir certa superao das barreiras contra a atividade comercial, j que o hbito de trabalhar muito para realizar a ambio de ascenso social rpida, foi uma forma de dinamizar os negcios. Assim, ao vencer o preconceito contra o trabalho e o comrcio, eles contriburam para a implantao e desenvolvimento do capitalismo comercial no Brasil.72

Estudos de historiadores e descendentes de imigrantes73, mostram que a rpida mobilidade social dos imigrantes rabes est relacionada com o momento econmico no qual se deu a chegada desses grupos ao pas, no final do sculo XIX. O mesmo aconteceu com os libaneses, porque no Brasil havia espao para aquisio de propriedades agrcolas, comerciais e industriais, desde que se trabalhasse muito.7 4

Jos Nassif, o pai de Whady Nassif, seguira tambm, como muitos outros, a saga dos libaneses que se aventuraram ao sair do Lbano no final do sculo XIX, fugindo d a represso e do domnio do Imprio Otomano,75 da misria local e da absoluta falta de perspectivas e vieram para o Brasil em busca de novas oportunidades. Por isso conseguiu o dinheiro para pagar a sua passagem, cruzou tambm o Mediterrneo e o Atlntico, chegou ao porto de Santos, e de l passou por serras e planaltos at chegar ao Tringulo Mineiro.

72 OLIVEIRA, Lucia Lippi. Op. Cit. p. 60. 73 Entre eles: Lucia Lippi Oliveira, Boris Fausto, Jorge Alberto Nabut e Roberto Khatlab, cujos trabalhos tive acesso. 74 OLIVEIRA, Lucia Lippi. Op. Cit. p. 60.

75 Muitos libaneses emigraram para o Egito a partir de 1856, primeiramente por qu estes polticas. E a guerra de 1860, no Lbano, fez crescer a intolerncia religiosa e iniciou uma guerra civil que destruiu o pas, fazendo milhares de vtimas em massacres terrveis e aumentando ainda mais a emi grao. O Egito apresentava um bom campo de trabalho agrcola e mesmo industrial, principalmente n a regio de Alexandria, em 1882, e os libaneses e outros estrangeiros foram surpreendidos pe las confuses internas e procuraram outra direo. O Egito foi um trampolim da emigrao para pases longnquos da E ropa, Austrlia, sia Ocidental, frica, Ilhas do Pacfico e Amrica do Norte. (KHATLAB, Roberto Op. Cit. p. 32.)

Escolhera vir para Uberaba, atrado como outros, pelas notcias de que a cidade estava se desenvolvendo, sendo na poca conhecida como boca de serto76, ou a Princesa do Serto e para ela convergiam comerciantes de regies distantes em busca de gneros de primeira necessidade. Era, portanto, uma terra de oportunidades para trabalhar e fazer a vida. Sem falar nas terras frteis que atraram muitos fazendeir os para a regio e tambm na descoberta dos diamantes no Garimpo de Conceio das Alagoas, que influenciaram imigrantes e exploradores que acabaram transformando suas atividades produtoras e comerciais, fazendo sua economia se desenvolver.

1.3. Formao acadmica

Na verdade Whady Nassif teve acesso a uma formao educacional muito boa, isso porque quando os filhos cresceram, Jos Nassif resolveu que iriam estudar em colgios de Uberaba, j que onde moravam no existiam boas escolas e, para ele, a educao era importante para o futuro. As filhas, foram para o Colgio Nossa Senhora das Dores, internato feminino, dirigido pela irmandade francesa das Irms Dominica nas; e os filhos para o Colgio Marista Diocesano, internato masculino dirigido pelos I rmos Maristas.

Seus filhos receberam educao tradicional, em colgios internos, onde estudavam os filhos das classes mais abastadas e de famlias tradicionais da regio, embora no deixassem de receber alunos de classe mdia, desde que tivessem condies de pagar por seus estudos. Tanto o Colgio Nossa Senhora das Dores77 quanto o Colgio Marista Diocesano ofereciam educao clssica nos moldes europeus.

O Colgio Nossa Senhora das Dores foi criado em 1885, por cinco irms da Ordem das Dominicanas de Nossa Senhora do Rosrio de Monteils, uma ordem religiosa criada na Frana. Elas tinham vindo para Uberaba motivadas pela vocao missionria religiosa e pelos convites insistentes do Bispo da Diocese de Gois, D. Cludio Ponce de Leo e dos Padres Dominicanos. O objetivo inicial das irms era 76 NABUT, Jorge Alberto. Fragmentos rabes: Dores de Santa Juliana e Uberaba s do Sculo XX. Uberaba: Instituto Triangulino de Cultura, 2001, p. 13. Memria

77 Revista Comemorativa dos 120 Anos do Colgio Nossa Senhora das Dores. Uberaba: P&A Comunicao. Outubro/2005.

desenvolver atividades ligadas ao atendimento espiritual e humanitrio na Santa Ca sa de Misericrdia, ajudando os padres dominicanos que j atuavam na cidade. Depois criaram um colgio para atender s necessidades educacionais das moas da regio. A cidade no tinha uma instituio de ensino para as moas e as jovens que queriam estudar e tinham que ir para centros maiores, como So Paulo e Rio de Janeiro. Aos poucos o colgio foi crescendo e, nos anos 70 do sculo XX, passou tambm a receber alunos de sexo masculino.

O Colgio Marista tinha um conceito muito bom em termos de educao no perodo. Adotava uma pedagogia tradicional, com forte influncia religiosa e fundamentada nos valores e conhecimentos europeus. Como caractersticas da Educao Marista, destacavam-se a ordem, a disciplina e o respeito autoridade. Alm do mais , seguia risca os parmetros educacionais determinados pelo governo brasileiro desde a sua fundao. Essa postura educacional colaborou na formao de vrias geraes de jovens, no incio do sculo XX, na regio do Tringulo Mineiro e interior de Gois (de onde vinham muitos estudantes).

Colocando os filhos nesses colgios, Jos Nassif achava que estava dando o que havia de melhor em termos de educao e formao de carter. Essa atitude de valorizao da escolaridade dos filhos foi uma caracterstica marcante dos imigrantes rabes.78 Ao se dedicarem s atividades comerciais, eles acabaram introduzindo novas prticas, criando o chamado comrcio popular no Brasil, e com isso conseguiram em pouco tempo, uma certa estabilidade financeira, o que possibilitou os investimen tos na educao dos filhos. Com o estudo, seus filhos ajudaram na rpida escalada social e econmica que marcou a histria de tantas famlias de libaneses que vieram para o Brasil e que at os dias atuais so destaque em diversos setores locais e regionais.

No Colgio Marista, havia tambm o servio militar obrigatrio, estabelecido em 1908, atravs de uma Lei Federal, que criou essa disciplina em todos os colgios reconhecidos oficialmente pelo governo. E como os Maristas obedeciam s ordens 78 No Brasil Imperial, como na Turquia de Ataturk, estudada por Frederick W. Frey , a educao era a marca distintiva da elite poltica. Havia um verdadeiro abismo entre essa elite e o grosso da populao em termos educacionais. (CARVALHO, Jos Murilo de. A Construo da Ordem: a Elite Poltica Imperial; Teatro de Sombras: a Poltica Imperial. 2 ed., Ver. Rio de Janeiro: Edit ora UFRJ, RelumeDumar, 1996, p. 69.)

oficiais, alm de ser a ordem, a disciplina e o respeito autoridade, uma das caractersticas da Educao Marista, isso facilitou a adoo, no colgio, do servio militar,79 ministrado por um professor militar, destacado pelo prprio Exrcito, par a cada colgio. A partir dessa lei o Colgio Marista passou a funcionar como um destacamento militar, que alm de oferecer treinamentos fsicos formava anualmente turmas de atiradores militares. Sem falar que o colgio participava das atividades cvicas realizadas na cidade com demonstraes dos batalhes militares compostos pelos alunos, desfilando pelas ruas com seus uniformes e com as armas com que fa ziam os exerccios militares.80

Essa educao rgida e em moldes militares que os filhos de Jos Nassif Miziara receberam, acabou refletindo no carter e na retido com que ficaram conhecidos. E a t mesmo Whady Jos Nassif foi citado vrias vezes, nos jornais e em escritos oficiais, como um homem ntegro, correto e coerente em sua postura, tanto pessoal quanto pblica.

Jos Nassif Miziara, ao colocar os filhos nesses colgios, agira como boa parte dos imigrantes libaneses que deram muita importncia formao acadmica de seus descendentes, embora somente Antonio e Whady tenham cursado uma universidade.81 Segundo depoimento de uma de suas filhas,82 os filhos mais velhos seguiram a tra dio de ajudarem o pai no negcio comercial, e s os dois mais novos puderam continuar os estudos, j que cursar uma universidade s era possvel na poca, em So Paulo ou no Rio de Janeiro e ficava difcil custear os estudos superiores para todos.

Essa atitude no deixa de ser uma caracterstica marcante na poca na colnia libanesa, pois ocorreu com outras famlias, alguns filhos seguiam a profisso do pai e outros eram escolhidos para continuar os estudos, porque nem todos poderiam, por razes financeiras, estudar at o curso superior.

79 COUTINHO, Pedro dos Reis. Op. Cit., p. 77 e 78. 80 Idem, p. 224 a 230. 81 Os outros irmos e irms de Whady Nassif cursaram apenas o ensino secundrio: na poc a, ginsio e cientfico. 82 Depoimento de Lcia Regina Nassif Zouein. Op. Cit.

Grande parte dos filhos de imigrantes escolhia as carreiras de advogados, mdicos ou engenheiros, j que a colnia privilegiava esses campos profissionais e os que se formavam nessas reas eram vistos como vitoriosos. Posteriormente, muitos descendentes desses imigrantes, j formados, enveredaram para a poltica, comeando suas carreiras em cidades do interior83 e se elegendo para cargos de vereadores e prefeitos, e depois se elegeram deputados estaduais e federais. Durante o govern o ditatorial de Getlio Vargas, alguns assumiram cargos polticos e at hoje muitos aind a fazem parte de diversas reas administrativas e de cargos na poltica regional e nacional.84 E Whady Jos Nassif tambm acabou se tornando um advogado e enveredou na poltica, primeiro no Distrito em que nasceu, depois na cidade de Uberaba e, finalmente, na poltica regional e estadual.

Whady Nassif, ao terminar os estudos no Colgio Marista, foi para o Rio de Janeiro onde cursou a Faculdade de Direito, na Universidade Federal do Rio de Janeiro,85 colando grau em dezembro de 1932.86 Depois cursou ainda o doutorado, ocasio em que conheceu sua futura esposa, Maria Noronha Nassif, que na poca tambm fazia doutorado em direito, na mesma universidade.87

83 OLIVEIRA, Lucia Lippi. Op. Cit. p. 57. 84 KHATLAB, Roberto. Op. Cit. p. 60. 85 Desde o Imprio, as quatro grandes escolas de medicina e direito; de Olinda/ Rec ife, So Paulo, Bahia e Rio de Janeiro; funcionaram de fato como centros regionais de formao. E o fato de Whady Nassif ter freqentado a Universidade do Rio de Janeiro valorizou sua atuao profissional e poltica. (CARVALHO, Jos Murilo de. A Construo da Ordem: a Elite Poltica Imperial; Teatro de S ombras: a Poltica Imperial. Op. Cit. p. 72.) 86 Dados da OAB de Uberaba, obtidos em 23/08/2000, em sua ficha de inscrio de memb ro da entidade e onde consta que ele era o inscrito de n 788, e sua carteira era a de n 161. Nela t ambm constava sua atuao como advogado por um pequeno perodo, j que posteriormente entrara na poltica, a tuando como vereador e depois como prefeito, e algum tempo depois foi eleito deputado estadu al por Minas Gerais, e finalmente acabou aposentando como procurador da justia do trabalho no Rio de Jan eiro, pelo Ministrio

do Trabalho. 87 Segundo dados obtidos em documentao fornecida por sua filha Lcia e tambm em uma e ntrevista de Maria Noronha Nassif, concedida ao Arquivo Pblico de Uberaba, no dia 06/12/1999; Whady Nassif e Maria Noronha casaram-se no dia 17 de junho de 1937, na Igreja Nossa Senhora da Paz, situada no Largo da Paz em Ipanema, no Rio de Janeiro.

Figura 4. Colao de Grau em Direito pela Universidade do Rio de Janeiro. Referncia: Acervo da famlia Nassif.

Maria Noronha Nassif, diferentemente da maioria das mulheres na poca, teve a oportunidade de freqentar um curso superior, chegando a fazer doutorado em Direit o. Isso foi possvel graas ao fato de seus pais serem de uma classe social mdia e terem um nvel intelectual mais elevado. Seu pai era mdico e professor da Faculdade de Medicina e estimulava seus estudos. Maria Noronha Nassif chegou a trabalhar um pouco antes de se casar. Na poca s chegou a ter quatro colegas formadas na rea do Direito.

No incio do relacionamento de Whady Nassif com Maria Noronha, ele j se interessava por poltica e quando se casaram foram residir em Uberaba, pois ele ti nha sido eleito vereador e j advogava na cidade.88

1.4. Ingresso na vida poltica

Whady Jos Nassif comeou a se interessar por poltica desde os tempos de universidade no Rio de Janeiro, onde as idias polticas eram muito discutidas. Alm disso, a proximidade do governo central estimulava a participao e o acompanhamento Caixa de texto:

88 Entrevista concedida por Maria Noronha Nassif, viva de Whady Nassif, ao Arquiv o Pblico de Uberaba, em 06/12/1999.

dos acontecimentos polticos, inclusive a Revoluo de 1930, que culminou no Rio de Janeiro, com a ascenso ao poder do grupo liderado por Getlio Vargas.

Esse envolvimento com a poltica no Rio de Janeiro se deveu ao fato de que a Universidade era um dos locais onde se formavam filhos de importantes personagen s polticos, onde a elite poltica do pas era preparada, ao mesmo tempo em que nela tambm se preparavam jovens para ocuparem importantes cargos na administrao pblica. Era na verdade um centro de onde saram muitos personagens que se destacaram na poltica brasileira. Sem falar que a carreira de advogado representa va na poca um importante meio de acesso poltico

Mesmo estudando no Rio de Janeiro, Whady Nassif sempre acompanhou o desenrolar dos acontecimentos polticos na sua terra. Depois de formado acabou se envolvendo mais ainda nas questes e discusses polticas tanto de Conceio das Alagoas quanto de Uberaba. E com isso acabou entrando efetivamente para a poltica .

Ao iniciar a sua trajetria poltica como vereador por Conceio das Alagoas, Whady Nassif passou a ter contato direto com a realidade poltica de Uberaba, no a no de 1937, durante o Governo Provisrio que se seguiu Revoluo de 1930, anterior ao golpe; que instituiu a ditadura getulista. No que diz respeito estrutura do pode r local, ainda vigorava, o poder dos coronis . 89 Isto , o poder poltico se concentrava nas mos de um pequeno grupo que detinha terras e poder econmico, e que possua graus de patentes da Guarda Nacional e compunha a elite social e econmica do municpio.90

A figura do coronel atuava de maneira significativa nos municpios predominantemente rurais, apesar do movimento revolucionrio de 1930. Logo aps assumir o poder Getlio Vargas destitura todos os Governadores Estaduais

89 Esse poder se sustentava no sistema oligrquico, estabelecido durante a Regncia p or Feij, com a criao da Guarda Nacional em 1831, para a substituio das milcias e ordenanas do perod olonial, e que instituiu a patente de Coronel , concedida a um lder local, que era tambm um gran de proprietrio de terras. Subordinada apenas aos juzes de paz de cada municpio, a organizao da Guar da Nacional reforou o poder dos latifundirios a nvel local. O poder dos coronis , durante a Repbl , teve a sua origem. (ALENCAR, Francisco. Histria da Sociedade Brasileira./ Francisco Alencar, Lcia Capri Ramalho, Marcus Venicio Toledo Ribeiro. 14 ed., Revista e Atualizada. Rio de Jan eiro: Ao Livro Tcnico, 1996, p. 140.) 90 REZENDE, Eliane Mendona Mrquez de. 1811-1910 - Uberaba - Uma Trajetria Scio-Econmi ca.

Uberaba: Arquivo Pblico de Uberaba, 1991, p. 69.

substituindo-os por Interventores91 para acabar com o poder dos coronis, mas no conseguiu elimin-los completamente num primeiro momento, embora tenham sido relegados a um segundo plano.

Essa elite que dominava a cidade e regio era composta por homens cuja posio lhes permitia transcender o ambiente comum dos homens simples, e, portanto, toma r decises que afetavam os grupos submetidos ao seu domnio, j que ocupavam postos fundamentais no governo e na sociedade e tinham em suas mos o poder militar e o controle dos votos de cabresto .

Segundo Leal:92

Qualquer que seja, entretanto, o chefe municipal, o elemento primrio desse tipo de liderana o coronel , que comanda discricionariamente um lote considervel de votos de cabresto. A fora eleitoral empresta-lhe prestgio poltico, naturalmente coroamento de sua privilegiada situao econmica e social de dono de terras. Dentro da esfera prpria de influncia, o coronel resume em sua pessoa, sem substitu-las importantes instituies sociais. Exerce, por exemplo, uma ampla jurisdio sobre seus dependentes, compondo rixas e desavenas e proferindo, s vezes, verdadeiros arbitramentos, que os interessados respeitam.

Essa situao havia permanecido nos primeiros anos aps a Revoluo de 1930, embora estivesse surgindo uma nova elite que se destacava na vida poltica. A nova elite era formada por profissionais liberais, sobretud