material aula 11.02.2015 - a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas

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PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL – EAD MÓDULO PESSOAS Data: 11.02.2015FESSOR Professor: Bernardo Fernandes 1. Material pré-aula a. Tema A Eficácia dos Direitos Fundamentais nas Relações Privadas. b. Noções Gerais Direitos Fundamentais, também entendidos como direitos humanos, são prerrogativas do cidadão perante o Estado que visam evitar o abuso de poder por parte deste último. Como aponta o professor Pedro Lenza (2011, p.740), os direitos fundamentais podem ser classificados em Direitos Humanos de primeira, segunda, terceira e quarta geração. Os direitos fundamentais de primeira geração englobam as liberdades políticas e os direitos políticos, isto é, direitos civis e políticos, a traduzirem o valor da liberdade. Por sua vez, os direitos de segunda geração privilegiam os direitos culturais, sociais e econômicos, correspondendo aos direitos de igualdade. De outra sorte, aponta os direitos humanos de terceira geração afirmando que “o ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade.” Por fim, os direitos de quarta geração decorrem dos avanços no campo da engenharia genética, ao colocarem em risco a própria existência humana, através da manipulação do patrimônio genético. De acordo com os ensinamentos do professor Ingo Wolfgand Sarlet (2006, p. 393) existem duas posições acerca da aplicação da teoria da eficácia dos direitos fundamentais às relações privadas, sendo a primeira quando há relativa igualdade das partes figurantes da

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Eficacia dos direitos fundamentais

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  • PS-GRADUAO EM DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL EAD

    MDULO PESSOAS

    Data: 11.02.2015FESSOR Professor: Bernardo Fernandes 1. Material pr-aula

    a. Tema A Eficcia dos Direitos Fundamentais nas Relaes Privadas. b. Noes Gerais

    Direitos Fundamentais, tambm entendidos como direitos humanos, so prerrogativas do cidado perante o Estado que visam evitar o abuso de poder por parte deste ltimo.

    Como aponta o professor Pedro Lenza (2011, p.740), os direitos fundamentais podem ser classificados em Direitos Humanos de primeira, segunda, terceira e quarta gerao. Os direitos fundamentais de primeira gerao englobam as liberdades polticas e os direitos polticos, isto , direitos civis e polticos, a traduzirem o valor da liberdade. Por sua vez, os direitos de segunda gerao privilegiam os direitos culturais, sociais e econmicos, correspondendo aos direitos de igualdade. De outra sorte, aponta os direitos humanos de terceira gerao afirmando que o ser humano inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade. Por fim, os direitos de quarta gerao decorrem dos avanos no campo da engenharia gentica, ao colocarem em risco a prpria existncia humana, atravs da manipulao do patrimnio gentico. De acordo com os ensinamentos do professor Ingo Wolfgand Sarlet (2006, p. 393) existem duas posies acerca da aplicao da teoria da eficcia dos direitos fundamentais s relaes privadas, sendo a primeira quando h relativa igualdade das partes figurantes da

  • relao jurdica, caso em que deve prevalecer o princpio da liberdade para ambas, somente se admitindo eficcia direta dos direitos fundamentais na hiptese de leso ou ameaa ao princpio da dignidade da pessoa humana ou aos direito aos direitos da personalidade; e a segunda quando a relao privada ocorre entre um indivduo (ou grupo de indivduos) e os detentores de poder econmico ou social, caso em que, de acordo com o referido autor, h consenso para se admitir a aplicao da eficcia horizontal, pois tal relao privada assemelha-se quela que se estabelece entre os particulares e o poder pblico (eficcia vertical). de construo norte-americana o pioneirismo acerca da eficcia dos direitos fundamentais nas relaes privadas, mediante a teoria state action, sendo seu posicionamento negativo, confrontando a teoria alem que admite tal eficcia (drittwikung der grundrechte) (PEREIRA, 2006, p. 133). A vinculao de particulares aos direitos fundamentais fundamenta-se, basicamente nos princpios da dignidade da pessoa humana e no princpio da solidariedade social, vez que o primeiro assume carter central da Constituio, acabando por ser o prprio fundamento para o Estado Democrtico de Direito, enquanto o segundo constitui a prpria finalidade de sociedade, ou seja, constituir uma sociedade livre, justa e solidria. Nesta esteira, o professor Nelson Rosenvald assim nos ensina:

    que os direitos fundamentais constituem garantias constitucionais universais (e clusulas ptreas), motivo pelo qual no se pode pretender represa-los somente nas relaes de direito pblico. At mesmo porque tal equvoco interpretativo implicaria em caracterizar o Direito Civil como um ramo da cincia jurdica, estranhamente, liberto da incidncia da norma constitucional.

    Segue seu raciocnio asseverando que em toda relao jurdica entre particulares, devem estar resguardados os direitos fundamentais dos sujeitos. Apesar de parecer bvia a afirmao imediatamente feita, o professor insta salientar que h pouco tempo a doutrina civilista brasileira se posicionava firmemente no sentido de aprisionar os direitos fundamentais apenas no mbito do direito pblico. E ainda afirma que nas relaes privadas, as garantias fundamentais so condies de validade (2013, p. 73).

  • Tambm exemplifica a presena dos direitos fundamentais nas relaes privadas ao apontar que assegurada a ampla defesa e o contraditrio ao scio que ser excludo da sociedade na qual praticou inconveniente e prejudicial empresa, bem como ao condmino sob a qual ser aplicada multa pela conduta contra a paz coletiva do condomnio (2013, p. 73). A aplicao direta dos direitos fundamentais nas relaes privadas repercute a mitigao do princpio da autonomia da vontade. Entretanto no se pode olvidar que a autonomia da vontade se sobreponha ou viole as garantias fundamentais que materializam a dignidade da pessoa humana. Desta feita, verifica-se a impossibilidade de invocar o princpio da supremacia do interesse pblico sobre o interesse privado quando implicar na negativa ou afastamento de direitos fundamentais (ROSENVALD, 2013, p. 75). E mais, citando o professor Daniel Sarmento, o Professor Nelson Rosenvald ensina que o cidado no sdito do Estado, e sim partcipe da formao da vontade coletiva e titular de uma esfera de direitos inviolveis. No razovel, efetivamente, permitir que o interesse estatal implique em sacrifcios de direito e garantias fundamentais, impondo-se, dessa maneira, uma readequao dos limites da supremacia do interesse pblico (estatal) sobre o privado. que a fundamentalidade dos direitos e garantias individuais vincula no apenas as relaes privadas, mas o tecido normativo infraconstitucional como um todo, alcanando, at mesmo, as relaes com o poder pblico, sob pena de violao frontal proporcionalidade (ROSENVALD, 2013, p.76).

    c. Legislao

    O artigo 5 da Constituio Federal descreve os direitos fundamentais de todo cidado. Em complemento, o Cdigo Civil dedica o captulo sobre Direitos da personalidade para tratar dos direitos fundamentais.

  • d. Julgados/Informativos

    O Supremo Tribunal Federal j teve a oportunidade de se posicionar favoravelmente quanto ao tema ora abordado, quando do julgamento do Recurso Extraordinrio n 201.819/RJ, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, julgado em 11.10.05, publicado no D.J.U em 27.10.06:

    RE 201819 / RJ - RIO DE JANEIRO. RECURSO

    EXTRAORDINRIO. Relator (a): Min. ELLEN GRACIE.

    Relator(a) p/ Acrdo: Min. GILMAR MENDES.

    Julgamento: 11/10/2005 rgo Julgador: Segunda

    Turma. Publicao DJ 27-10-2006 PP-00064. EMENT VOL-

    02253-04 PP-00577. RTJ VOL-00209-02 PP-00821

    Parte(s)

    RECTE.: UNIO BRASILEIRA DE COMPOSITORES - UBC

    ADV.: VERA LUCIA RODRIGUES GATTI E OUTROS

    RECDO.: ARTHUR RODRIGUES VILLARINHO

    ADV.: ROBERTA BAPTISTELLI E OUTRO

    EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIO

    BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSO DE SCIO SEM

    GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITRIO.

    EFICCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAES

    PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICCIA DOS

    DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAES PRIVADAS. As

    violaes a direitos fundamentais no ocorrem somente no

    mbito das relaes entre o cidado e o Estado, mas

    igualmente nas relaes travadas entre pessoas fsicas e

    jurdicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais

    assegurados pela Constituio vinculam diretamente no

    apenas os poderes pblicos, estando direcionados tambm

    proteo dos particulares em face dos poderes privados. II.

    OS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES

    AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAES. A ordem jurdico-

    constitucional brasileira no conferiu a qualquer associao

    civil a possibilidade de agir revelia dos princpios inscritos

    nas leis e, em especial, dos postulados que tm por

  • fundamento direto o prprio texto da Constituio da

    Repblica, notadamente em tema de proteo s liberdades

    e garantias fundamentais. O espao de autonomia privada

    garantido pela Constituio s associaes no est imune

    incidncia dos princpios constitucionais que asseguram o

    respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A

    autonomia privada, que encontra claras limitaes de ordem

    jurdica, no pode ser exercida em detrimento ou com

    desrespeito aos direitos e garantias de terceiros,

    especialmente aqueles positivados em sede constitucional,

    pois a autonomia da vontade no confere aos particulares, no

    domnio de sua incidncia e atuao, o poder de transgredir

    ou de ignorar as restries postas e definidas pela prpria

    Constituio, cuja eficcia e fora normativa tambm se

    impem, aos particulares, no mbito de suas relaes

    privadas, em tema de liberdades fundamentais. III.

    SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE

    INTEGRA ESPAO PBLICO, AINDA QUE NO-ESTATAL.

    ATIVIDADE DE CARTER PBLICO. EXCLUSO DE SCIO

    SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAO

    DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AMPLA DEFESA E

    AO CONTRADITRIO. As associaes privadas que exercem

    funo predominante em determinado mbito econmico

    e/ou social, mantendo seus associados em relaes de

    dependncia econmica e/ou social, integram o que se pode

    denominar de espao pblico, ainda que no-estatal. A Unio

    Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins

    lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume

    posio privilegiada para determinar a extenso do gozo e

    fruio dos direitos autorais de seus associados. A excluso

    de scio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de

    ampla defesa, do contraditrio, ou do devido processo

    constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual

    fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos

    execuo de suas obras. A vedao das garantias

    constitucionais do devido processo legal acaba por restringir

  • a prpria liberdade de exerccio profissional do scio. O

    carter pblico da atividade exercida pela sociedade e a

    dependncia do vnculo associativo para o exerccio

    profissional de seus scios legitimam, no caso concreto, a

    aplicao direta dos direitos fundamentais concernentes ao

    devido processo legal, ao contraditrio e ampla defesa (art.

    5, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINRIO

    DESPROVIDO.

    Deciso

    Aps o voto da Ministra-Relatora, conhecendo e dando

    provimento ao recurso extraordinrio, o julgamento foi

    suspenso, em virtude do pedido de vista formulado pelo

    Senhor Ministro Gilmar Mendes. 2 Turma, 08.06.2004.

    Deciso: Depois do voto da Ministra-Relatora, conhecendo e

    dando provimento ao recurso extraordinrio, e do voto do

    Ministro Gilmar Mendes, negando-lhe provimento, o

    julgamento foi suspenso, em virtude do pedido de vista

    formulado pelo Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2 Turma,

    16.11.2004.

    Deciso: Depois dos votos da Ministra-Relatora e do Ministro

    Carlos Velloso, conhecendo e dando provimento ao recurso

    extraordinrio, e dos votos dos Ministros Gilmar Mendes e

    Joaquim Barbosa negando-lhe provimento, o julgamento foi

    suspenso, em virtude do pedido de vista formulado pelo

    Ministro-Presidente. Ausente, justificadamente, neste

    julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. 2 Turma,

    26.04.2005.

    Deciso: Apresentado o feito em mesa pelo Presidente da

    Turma, o julgamento foi adiado em virtude da ausncia,

    justificada, da Senhora Ministra-Relatora. Ausentes,

    justificadamente, neste julgamento, os Senhores Ministros

    Carlos Velloso e Ellen Gracie. 2 Turma, 27.09.2005.

    Deciso: A Turma, por votao majoritria, conheceu e

    negou provimento ao recurso extraordinrio, vencidos a

    Senhora Ministra-Relatora e o Senhor Ministro Carlos Velloso,

    que lhe davam provimento. Redigir o acrdo o eminente

  • Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, neste

    julgamento, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2 Turma,

    11.10.2005.

    Mesmo antes deste posicionamento o Excelso Pretrio j havia publicado a seguinte Orientao Jurisprudencial:

    Cooperativa. Excluso de associado. Carter punitivo. Devido processo legal. Na hiptese de excluso de associado decorrente de conduta contrria aos estatutos, impe-se a observncia ao devido processo legal, viabilizando o exerccio amplo da defesa. (STF, Ac,. 2 T. RE 158.215/RS, rel. Min. Marco Aurlio, D.J.U 7.6.96).

    e. Leitura sugerida

    - CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Extenso dos Direitos e Deveres Fundamentais s Relaes Privadas. (Artigo disponvel em http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1205505193174218181901.pdf - FERNANDES, Bernardo Gonalves. Curso de Direito Constitucional. 5 Ed. rev. ampl. atual. Bahia: Juspodivm, 2013; - ROSENVALD, Nelson; CHAVES, Cristiano. Curso de Direito Civil 1 Vol Parte Geral e LINDB. 11 ed. rev., ampl. e atual., Salvador/BA: Juspodivm, 2013. - SOMBRA, Thiago Luis Santos. A Eficcia dos Direitos Fundamentais nas Relaes Privadas. 2 Ed. So Paulo: Atlas, 2011.

    f. Leitura complementar

    - LENZA, Pedro.Direito Constitucional Esquematizado. 14 edio. So Paulo: Saraiva. 2011. - MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 5 Ed. So Paulo: Atlas, 2003;

  • - PEREIRA, Cynthia Nbrega. A Eficcia Horizontal das garantias fundamentais. (Artigo disponvel em: http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/50771/eficacia_horizontal_garantias_pereira.pdf?sequence=1); - PEREIRA, Jane Reis Gonalves. Apontamentos sobre a Aplicao das Normas de Direito Fundamental das Relaes Jurdicas Privadas entre Particulares. in BARROSO, Lus Roberto (org.). A nova Interpretao Constitucional Ponderaes, direitos fundamentais e relaes privadas. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006; - SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. - SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relaes Privadas. 2 Ed. So Paulo: Lumen Juris, 2010.