trabalho relações privadas internacionais 09-05

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UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA CENTRO REGIONAL DO PORTO (PÓLO DA FOZ) FACULDADE DE DIREITO MESTRADO EM DIREITO TRABALHO REALIZADO POR: FERNANDO MANUEL MACHADO SOUSA BOTELHO – 340107327 RELAÇÕES PRIVADAS INTERNACIONAIS ANO LECTIVO 2011/2012 – 2º SEMESTRE PORTO, MAIO DE 2012 ORIENTADOR: DOUTOR ANTÓNIO FRADA DE SOUSA O REGIME DE DIREITO INTERNACION AL PRIVADO CONSTANTE DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E SUA RELAÇÃO COM O DO REGULAMENTO (CE) N.º 1346/2000, DO CONSELHO DE 29 DE MAIO DE 2000 1 2 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24

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Page 1: Trabalho Relações Privadas internacionais 09-05

UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

CENTRO REGIONAL DO PORTO (PÓLO DA FOZ)

FACULDADE DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

TRABALHO REALIZADO POR:

FERNANDO MANUEL MACHADO SOUSA BOTELHO –

340107327

RELAÇÕES PRIVADAS INTERNACIONAIS

ANO LECTIVO 2011/2012 – 2º SEMESTRE

PORTO, MAIO DE 2012

ORIENTADOR: DOUTOR ANTÓNIO FRADA DE SOUSA

O REGIME DE

DIREITO

INTERNACIO

NAL PRIVADO

CONSTANTE

DO CÓDIGO

DA

INSOLVÊNCIA

E DA

RECUPERAÇÃ

O DE

EMPRESAS E

SUA

RELAÇÃO

COM O DO

REGULAMEN

TO (CE) N.º

1346/2000, DO

CONSELHO

DE 29 DE

MAIO DE 2000

(1ºVersão – provisória

e incompleta, pois que

falta a bibliografia)

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Índice

I – Introdução..........................................................................................................7

II – Análise dos Títulos XIV e XV, do Código da Insolvência e da

Recuperação de Empresas..........................................................................10

II – 1 – Título XIV do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas12

II – 2 – Título XV do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas. 13

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1. Âmbito de aplicação do CIRE....................................................................13

1.1 Âmbito material de aplicação.....................................................................14

1.2. Âmbito espacial ou territorial de aplicação..............................................16

2. Competência internacional dos tribunais portugueses............................17

3. Direito aplicável...........................................................................................18

a) Princípio geral (artigo 276º, do CIRE)......................................................18

b) Regras especiais (artigos 277º a 287º, do CIRE).......................................20

b.1) Relações laborais (artigo 277º, do CIRE)..................................................20

b.2) Direitos do devedor sobre imóveis e outros bens sujeitos a registo (artigo

278º, do CIRE).............................................................................................22

b.3) Contratos sobre imóveis e móveis sujeitos a registo (artigo 279º, do

CIRE)............................................................................................................23

b.4) Direitos reais e reserva de propriedade (artigo280º, do CIRE)..............26

b.5) Terceiros adquirentes (artigo 281º, do CIRE)..........................................30

b.6) Direitos sobre valores mobiliários e sistemas de pagamento e mercados

financeiros (artigo 282º, do CIRE).............................................................33

b.7) Operações com base em acordos de recompra (artigo 283º, do CIRE)..36

b.8) exercício dos direitos dos credores (artigo 284º, do CIRE).....................39

b.9) Acções pendentes (artigo 285º, do CIRE)..................................................43

b.10) Compensação (artigo 286º, do CIRE)........................................................47

b.11) Resolução em benefício da massa insolvente (artigo 287º, do CIRE).....49

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4. Regras sobre o reconhecimento e a execução de decisões proferidas em

processo de insolvência estrangeiro...........................................................50

a) Reconhecimento (artigo 288º, do CIRE)...................................................51

b) Medidas Cautelares (artigo 289º, do CIRE).............................................53

c) Publicidade (artigo 290º, do CIRE)...........................................................54

d) Tribunal português competente (artigo 291º, do CIRE)..........................57

e) Cumprimento a favor do devedor (artigo 292º, do CIRE)......................58

f) Exequibilidade (artigo 293º, do CIRE)......................................................60

5. Processo particular de insolvência.............................................................61

a) Pressupostos de um processo particular (artigo 294º, do CIRE)............61

b) Especialidades de regime (artigo 295º, do CIRE).....................................63

c) Processo secundário (artigo 296º, do CIRE).............................................64

III – As normas de direito internacional privado do CIRE na Proposta de Lei

n.º 39/12........................................................................................................65

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I – Introdução

1. Nos tempos de globalização em que nos é dado viver muitas empresas

desenvolvem a sua actividade em vários países, em alguns dos quais abrem

sucursais ou mesmo filiais, tendo neles empregados, imóveis, móveis, clientes,

fornecedores, etc.. São as vulgarmente chamadas empresas multinacionais ou

transnacionais, que estão, de uma forma ou de outra, em contacto com mais do que

um ordenamento jurídico.

Consideremos, para uma maior facilidade de exposição e de compreensão, os

seguintes dois exemplos, os quais nos são ambos dados pelo Professor Doutor Luís

Lima Pinheiro1.

Primeiro exemplo: uma sociedade, com sede social e estabelecimento principal

em Portugal, mas que desenvolve a sua actividade também em Espanha e

França, países onde instalou sucursais, mostra-se incapaz de pagar a

generalidade das suas dívidas, pretendendo, por isso, um banco espanhol

requerer a declaração de insolvência de tal sociedade.

Segundo exemplo: uma sociedade, que tem sede estatuária em Inglaterra, mas

cuja administração se localiza na Holanda, e que tem um estabelecimento em

Portugal, não cumpre as suas obrigações com a generalidade dos seus credores

portugueses, que pretendem, por esse motivo, requerer a declaração de

insolvência da mesma sociedade, sendo, entretanto, proferida, na Holanda, uma

declaração de insolvência de tal sociedade.1 O Regulamento Comunitário Sobre Insolvência – Uma Introdução, in “Revista da Ordem dos Advogados”, ano 66

(2006), volume III, Dezembro de 2006 e em Nos 20 Anos Do Código Das Sociedades Comerciais, Volume III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 153 a 198.

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Do carácter transnacional das situações anteriormente descritas, e de outras

similares, decorrem diversas questões especificas, designadamente, e ainda

segundo o ensinamento do Professor Lima Pinheiro2, as seguintes:

a) A questão de saber se os tribunais portugueses são, ou não, internacionalmente

competentes para a declaração de insolvência;

b) E, sendo-o, a questão da determinação da lei ou leis nacionais aplicáveis a tal

insolvência;

c) A questão de saber se a declaração de insolvência proferida em Portugal abrange

os bens da sociedade insolvente localizados no estrangeiro, e, inversamente, se a

declaração de insolvência proferida no estrangeiro, abrange os bens da

insolvente localizados em Portugal.

d) E, ainda, e conexionada com a questão da alínea c) anterior, a questão dos

efeitos que a decisão de insolvência, proferida em Portugal, produz noutros

Estados, e dos efeitos que a decisão de insolvência prolatada no estrangeiro

produz em Portugal, questões estas que se reconduzem à questão do chamado

reconhecimento das decisões estrangeiras.

A missão, que, no dizer do Professor Lima Pinheiro, é espinhosa, de dar resposta a

estas questões, cabe ao Direito Internacional Privado3.

2 O Regulamento Comunitário Sobre Insolvência – Uma Introdução, Revista da Ordem dos Advogados, ano 66 (2006), volume III, Dezembro de 2006; Nos 20 Anos Do Código Das Sociedades Comerciais, volume III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 153 a 198 e Direito Internacional Privado Parte Especial, 3ª edição refundida, volume II, Almedina, Coimbra Outubro de 2009, p. 447 e 448

3 O Regulamento Comunitário Sobre Insolvência – Uma Introdução, Revista da Ordem dos Advogados, ano 66 (2006), volume III, Dezembro de 2006 e Nos 20 Anos Do Código Das Sociedades Comerciais, Volume III, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 153 a 198.

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2. Na ordem jurídica portuguesa estão actualmente em vigor dois regimes de Direito

Internacional Privado nesta matéria da insolvência: o regime comunitário e o

regime interno.

O regime comunitário consta, principalmente, do Regulamento (CE) 1346/2000,

do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, daqui

para a frente designado apenas por Regulamento, que entrou em vigor no dia 31 de

Maio de 20024.

Diga-se, en passant, que este Regulamento, e ao contrário até do que a sua própria

designação poderia inculcar, não regula o processo de insolvência, nem estabelece

um direito europeu da insolvência, pois que os tribunais, em cada Estado-membro,

continuam a aplicar o seu direito processual interno, às insolvências transnacionais.

O Regulamento regula, essencialmente, a competência internacional (tribunal

internacionalmente competente para a abertura do processo de insolvência), a

determinação do direito aplicável (lei que se aplica ao processo de insolvência), e o

reconhecimento das decisões estrangeiras (que é aquilo que essencialmente se

pretende assegurar com o Regulamento, e que constitui a chamada 5ª liberdade –

liberdade de circulação das decisões judiciais, no caso atinentes à insolvência, no

espaço da União Europeia), tratando-se, portanto, de uma fonte comunitária de

Direito Internacional Privado.

4 O Regulamento (CE) n.º 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, foi alterado pelo Regulamento (CE) n.º 603/2005 do Conselho, de 12 de Abril de 2005, que alterou as listas dos processos de insolvência, dos processos de liquidação e dos síndicos, dos anexos A, B, e C, para poder ter em conta as alterações das legislações de alguns Estados Membros (Bélgica, Espanha, Itália, Letónia, Lituânia, Malta, Hungria, Áustria, Polónia, Portugal e Reino Unido), pelo Regulamento (CE) n.º 694/2006 do Conselho, de 27 de Abril de 2006, que modifica os anexos A (processos de insolvência a que se refere o artigo 2º do Regulamento (CE) n.º 1346/2000) e C (síndicos abrangidos pelo mesmo artigo), relativos a França, pelo Regulamento (CE) n.º 1791/2006 do Conselho, de 20 de Novembro de 2006, que adapta as disposições do presente regulamento à adesão da Bulgária e da Roménia, que teve lugar em 1 de Janeiro de 2007 e pelo Regulamento (CE) n.º 681/2007 do Conselho, de 13 de Junho de 2007, que altera, por sua vez, as listas dos processos de insolvência, dos processos de liquidação e dos síndicos que figuram nos anexos A, B e C para os seguintes Estados Membros: República Checa, Roménia, Itália; Suécia, Reino Unido e Irlanda, para além dos actos de adesão os novos Estados Membros), seguindo esta ligação.

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O regime interno português de Direito Internacional Privado da insolvência consta

dos Títulos XIV (artigos 271º a 274º) e XV (artigos 275º a 296º) ambos do Código

da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)5. As epígrafes desses dois

Títulos são, respectivamente: “Execução do Regulamento (CE) n.º 1346/2000, do

Conselho, de 29 de Maio” e “Normas de conflitos”. O Título XV contém 3

capítulos cujas epígrafes são as que se seguem:

—Capítulo I – Disposições gerais (artigos 275º a 287º)

—Capítulo II – Processo de insolvência estrangeiro (artigos 288º a 293º)

—Capítulo III – Processo particular de insolvência (artigos 294º a 296º)

Dado que nas aulas desta disciplina já foi devidamente explicado, pelo respectivo

Professor, o Senhor Doutor António Frada de Sousa, o Regulamento, limitar-me-ei

a desenvolver, ainda que brevemente, o regime actual do CIRE nesta matéria,

fazendo uma comparação desse regime com o regime do Regulamento, bem como

com o regime pretérito ao do CIRE, e com o do Anteprojecto deste diploma.

Terminarei dando conta daquilo que a reforma do CIRE, prevista para breve

(Proposta de Lei n.º 39/12), estabelece quanto a este tema.

II – Análise dos Títulos XIV e XV, do Código da Insolvência e da

Recuperação de Empresas.

O CIRE, como atrás se referiu já, dedicou dois Títulos (os Títulos XIV e XV), e 26

artigos (artigos 271º a 296º, ambos inclusive), à questão da insolvência transnacional,

ao contrário do que sucedia com o anterior Código dos Processos Especiais de 5 Aprovado em Conselho de Ministros em 03 de Dezembro de 2003, promulgado pelo Senhor Presidente da República

em 12/01/2004, referendado em 13 de Janeiro de 2004, e publicado no Diário da República no dia 18/03/2004, entrando em vigor 180 dias depois (artigo 13º), isto é, em 14 de Setembro de 2004.

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Recuperação de Empresas e de Falência (CPEREF), aprovado pelo Decreto-Lei

número 132/93, de 23 de Abril, que dedicava a tal problemática apenas o número 3,

do artigo 13º (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei número 315/98, de 20 de

Outubro), que era uma regra aplicável a processos relativos a devedor com sede ou

domicílio no estrangeiro e actividade em Portugal, que determinava ser então

competente o tribunal em cuja área se situasse a representação permanente do

devedor, ou, não a tendo este, qualquer espécie de representação ou o centro dos seus

principais interesses, relativamente aos processos que derivassem de obrigações

contraídas em Portugal, ou que aqui viessem a ser cumpridas, sendo a liquidação

restrita, porém, aos bens existentes em território português.

Os objectivos do CIRE, quanto a esta questão da insolvência internacional, constam

do número 48, do preâmbulo de tal Código, consistindo em proceder à harmonização

do direito nacional da falência6 com o Regulamento (CE) n.º 1346/2000, de 29 de

Maio, e com algumas directivas comunitárias importantes em matéria de insolvência,

bem como em estabelecer um conjunto de regras de direito internacional privado,

visando dirimir conflitos de leis, no que respeita a matérias conexas com a

insolvência. Estes objectivos reflectem-se na já atrás referida sistematização utilizada

pelo CIRE, que faz constar esta matéria de dois Títulos, o Título XIV, que tem como

objecto a execução7 do Regulamento, e o Título XV, que se reporta às normas de

conflitos.

Vejamos então o que o CIRE nos diz relativamente a esta temática.

II – 1 – Título XIV do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas6 É esta a palavra que consta do considerando n.º 48, do preâmbulo do CIRE, muito embora, como é por demais

sabido, tal designação, bem ou mal, pouco importa para este efeito, tenha sido, e com a aprovação e a entrada em vigor de tal Código, ocorridas, como atrás se disse já, em, respectivamente, 08 de Março de 2003 e 15 de Setembro de 2004, substituída pela de insolvência.

7 Vide a nota de rodapé 8.

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Os quatro artigos deste Título XIV (artigos 271º a 274º), contêm um conjunto de

disposições que o próprio Código qualifica como executoras do Regulamento8, sendo

a epígrafe deste Título XIV, do CIRE, precisamente: “Execução do Regulamento

(CE) número 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio”.

Tais quatro preceitos não têm qualquer paralelo no direito interno anterior ao CIRE, e

estavam reunidos no Anteprojecto num único artigo, que era o artigo 16º, cujo

conteúdo não tem contudo qualquer interesse para a matéria que estamos a analisar.

Dos quatro artigos atrás referidos, os dois primeiros, isto é, os artigos 271º e 272º,

reportam-se ambos à competência internacional dos tribunais portugueses, para

instruir e julgar processos insolvenciais com cariz transnacional, reportando-se o

artigo 273º, aos efeitos em Portugal do encerramento de um processo insolvencial

aberto e a correr termos noutro Estado-Membro, e o artigo 274º, à publicidade e

inscrição em registo público da decisão de abertura de um processo a que se referem

os artigos 21º e 22º, do Regulamento.

Por uma questão de não tornar este trabalho demasiado extenso, e porque estes quatro

artigos se prendem, de certa maneira, com o Regulamento, o qual, como atrás ficou já

referido, foi oportunamente desenvolvido e explicado nas aulas pelo Professor da

cadeira, não desenvolverei qualquer comentário a tais quatro artigos, o que poderei,

eventualmente, e Deo Juvante, vir a fazer mais tarde, e em outra sede9.

II – 2 – Título XV do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas

8 Qualificação esta que é um pouco estranha, na medida em que, como é por demais sabido, os Regulamentos da União Europeia valem directamente nas ordens internas dos diversos Estados-Menbros.

9 Estou naturalmente a pensar em outro escrito sobre o tema que venha eventualmente a efectuar no futuro.

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O Título XV do CIRE, cuja epígrafe é “Normas de conflitos”, divide-se, como atrás

referimos já, em 3 capítulos, o primeiro dos quais contém disposições gerais,

consistentes genericamente em definir a regra geral e as excepções, relativamente ao

direito pelo qual se rege o processo de insolvência e os respectivos efeitos, referindo-

se o segundo ao processo de insolvência estrangeiro, nomeadamente no que tange ao

reconhecimento e à execução das decisões proferidas em tal processo estrangeiro, e o

terceiro ao chamado processo particular de insolvência, ou seja, à possibilidade da

abertura de diversos processos insolvenciais com o mesmo devedor em diversos

Estados, e ao relacionamento entre tais processos

1. Âmbito de aplicação do CIRE.

Face ao comandado no artigo 8º-3, da Constituição da República Portuguesa

(CRP), e considerando ainda o disposto no artigo 288º-2º parágrafo, do Tratado

Sobre o Funcionamento da União Europeia (TSFUE), o Regulamento, como acto

normativo obrigatório em todos os seus elementos, e directamente aplicável em

todos os Estados Membros, prevalece sobre o regime do CIRE, no que tange à

competência internacional, à escolha do direito aplicável, e ao reconhecimento de

decisões estrangeiras, que são as matérias por ele Regulamento abrangidas. Isto

mesmo consta do artigo 275º, do CIRE, de harmonia com o qual as disposições do

Título XV do CIRE, só serão aplicáveis se não contrariarem o estabelecido no

Regulamento, e noutras normas comunitárias, ou contidas em tratados

internacionais10.10 A doutrina considera que esta disposição legal é inútil, face ao disposto nos artigos 8º, da Constituição da República

Portuguesa (CRP), e 288º-2º parágrafo, do TSFUE, e às regras gerais da hierarquia das fontes – vide, neste sentido, EPIFÂNIO, Maria do Rosário, Manual do Direito de Insolvência, 3ª edição, Almedina, Coimbra, p. 294, LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Direito da Insolvência, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 342; FERNANDES, Luís A. Carvalho/ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo

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Assim sendo, como assim é, as disposições atinentes à insolvência internacional,

constantes do CIRE, só são aplicáveis aos processos de insolvência a que não se

aplique o Regulamento11.

Quanto ao âmbito de aplicação do CIRE (Título XV), vamos considerar os âmbitos

material e espacial ou territorial de aplicação, de tal diploma legal. Assim temos:

1.1 Âmbito material de aplicação

Relativamente ao âmbito material de aplicação, o CIRE é aplicável:

a) Aos processos de insolvência que estão excluídos do âmbito material de

aplicação do Regulamento, ou seja, aos processos de insolvência relativos a

(considerando 9 do Regulamento):

a.1) Empresas de Seguros

a.2) Instituições de Crédito

a.3) Empresas de investimento detentoras de fundos ou títulos, por conta de

terceiros

a.4) Empresas colectivas de investimento

b) À determinação da competência internacional para as acções decorrentes

directamente da insolvência, como são, por exemplo, as acções visando a

restituição de bens à massa insolvente, como consequência da resolução em

as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 866.11 Com excepção, naturalmente, do Título XIV (artigos 271º a 274º, ambos inclusive) do CIRE, pois que esse Título

se reporta precisamente à execução do próprio Regulamento (muito embora, algumas das disposições deste Título XIV, do CIRE, não sejam compatíveis com o Regulamento que elas próprias visam executar).

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benefício da massa insolvente de diversos contratos (artigos 120º a 127º,

todos do CIRE) – artigo 126º-2, do CIRE.

c) À determinação da competência territorial interna.

d) Aos aspectos em que o próprio Regulamento remeta para o Direito Interno,

como, sejam, por exemplo:

—Os órgãos jurisdicionais, referidos na alínea d), do artigo 2º, do

Regulamento, e que, são, segundo este órgãos judiciais, ou seja, tribunais,

ou quaisquer outras entidades competentes de um Estado-Membro,

habilitados por este a abrir um processo de insolvência, ou a tomar

decisões durante a tramitação de tal processo.

—As entidades a que se reconheça legitimidade para requerer a abertura de

um processo de insolvência secundário no Estado-membro em que se situe

um estabelecimento do devedor são, não apenas o síndico do processo

principal, mas também as pessoas habilitadas pela legislação nacional do

Estado-membro em cujo território seja requerida abertura do processo

secundário.

É de notar que alguns dos processos referidos como estando excluídos do âmbito

material de aplicação do Regulamento, não caem também no âmbito material de

aplicação do CIRE, face ao comandado no artigo 2º-2, do mesmo CIRE, nos termos

do qual não podem ser objecto de processo de insolvência.

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a) As pessoas colectivas públicas e as entidades públicas empresariais;

b) As empresas de seguros, as instituições de crédito, as sociedades financeiras,

as empresas de investimento que prestem serviços que impliquem a detenção

de fundos, ou de valores mobiliários de terceiros e os organismos de

investimento colectivo, na medida em que a sujeição a processo de

insolvência seja incompatível com os regimes especiais previstos para tais

entidades.

1.2. Âmbito espacial ou territorial de aplicação

O Regulamento não tem um âmbito de aplicação universal, estabelecendo um

limite à aplicabilidade espacial ou territorial das regras sobre competência

internacional, limite esse que consiste em tais regras se aplicarem

exclusivamente aos processos em que o centro de interesses principais do

devedor esteja situado na União Europeia (considerando 14)12 13.12 O centro dos interesses principais do devedor deve corresponder ao local onde o devedor exerce habitualmente a

administração dos seus interesses, pelo que é determinável por terceiros (considerando 13º, do Regulamento), sendo, para as pessoas individuais, coincidente, pelo menos em regra, com a sua residência habitual, e para as sociedades, para uns, o País onde elas foram constituídas ou incorporadas, para outros, aquele onde se localiza a sua sede estatuária, e, para outros ainda o País onde se localiza a respectiva admnistração.

13 Segundo o Doutor António Frada de Sousa, o facto de esta definição, como aliás muitas outras definições ou situações, se encontrar nos considerandos do Regulamento, e não, como seria mais curial, no respectivo articulado, resultará do facto de ser por vezes mais fácil consagrar determinadas soluções nos considerandos que no próprio texto do diploma, certamente por se entender ser menor a vinculatividade daqueles do que a deste, o que facilitará o consenso de todos os interessados, para aprovar e aceitar os considerandos, o que não aceitariam nem aprovariam no texto. Situação similar se passa em outros lugares paralelos, como seja, por exemplo, e no entendimento do Professor Júlio Gomes, o Código do Trabalho, que contem alguns artigos cujo conteúdo é muito ambíguo, o que terá sido feito de caso pensado pelo legislador, que, desta maneira, ultrapassou a impossibilidade de obter, quanto ao tema em causa, a indispensável concordância de todos os intervenientes no processo legislativo – Governo, Associações Patronais, Sindicatos, etc – remetendo a interpretação dessas normas para o aplicador delas, isto é, para o Juíz, que tem menos preocupações consensuais do que o legislador. Um outro diploma onde o fenómeno também se manifesta é a própria Constituição da República Portuguesa (CRP), que, após as sucessivas revisões, apenas no seu preâmbulo continua a manter a ideia do caminho para o socialismo, que era o timbre do originário texto de 1976, o que poderá ser interpretado como uma concessão aos defensores dessa via socializante, alguns dos quais, como será, por exemplo, o caso do Professor Gomes Canotilho, entendem, ainda hoje, que tal preâmbulo, se não tem uma força perceptiva, e muito menos exequível por si mesma, tem, pelo menos, uma força programática, que, de qualquer jeito, não tem sido minimamente seguida.

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Assim, o CIRE, sendo, como é, aplicável aos processos de insolvência

internacional excluídos do âmbito espacial de aplicação do Regulamento, é

aplicável aos processos de insolvência internacional relativos a devedor cujo

centro de interesses principais se situe fora da União Europeia.

2. Competência internacional dos tribunais portugueses

A competência internacional exclusiva dos tribunais portugueses, quanto aos

processos insolvenciais consta do artigo 65º-A-b), do Código de Processo Civil

(CPC), disposição legal esta nos termos da qual, sem prejuízo do que se ache

estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários, e leis especiais,

os tribunais portugueses têm competência exclusiva para os processos especiais de

recuperação de empresa e de falência, relativos a pessoas domiciliadas em Portugal

ou a pessoas colectivas ou sociedades, cuja sede esteja situada em território

português14.

É de referir, que, não podendo esse artigo 65º-A, do CPC, como não pode,

contrariar o Regulamento15, essa norma aplica-se apenas aos casos em que o centro

de interesses principais do devedor se situa fora da União Europeia, pois que são

tais casos aqueles que estão fora do âmbito espacial ou territorial do Regulamento

(dentro dos Países da União Europeia, ou seja, quando o centro de interesses

14 Deve entender-se agora que a referência feita nesta norma a processos especiais de recuperação de empresa e de falência se reporta ao processo de insolvência, pois que foi este processo e esta designação, os que, a partir da aprovação e da entrada em vigor do CIRE, substituíram aqueles processos e aquelas designações.

15 Por força do comandado nos artigos 8º-3, da CRP e 288º-2, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, e das regras da hierarquia das fontes, constando até, muito embora desnecessariamente, desse artigo 65º-A, do CPC, a impossibilidade dele contrariar o Regulamento (o que já não sucede com a redacção que a tal artigo 65º-A foi dada pela Lei nº. 52/2008, aplicável, para já, apenas nas chamadas Comarcas Piloto – Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa Noroeste).

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principais do devedor se situa na União Europeia, aplicam-se o Regulamento e os

artigos 271º e 272º, ambos do CIRE).

3. Direito aplicável.

Quanto ao direito aplicável aos processos de insolvência, o CIRE, e similarmente

ao que sucede no Regulamento (artigo 4º), estabelece, no artigo 276º, um princípio

geral, que comporta depois múltiplas excepções, cuja possibilidade está prevista

nesse mesmo artigo 276º, que constam dos artigos 277º a 287º, todos do mesmo

compêndio legal, os quais contêm regras especiais para determinar o direito

aplicável a um determinado processo insolvencial (tais regras são, o mais das

vezes, mas nem sempre, normas de conflitos).

Assim temos:

a) Princípio geral (artigo 276º, do CIRE).

O princípio geral do direito insolvencial aplicável consta do artigo 276º, do

CIRE, nos termos do qual “Na falta de disposição em contrário, o processo de

insolvência e os respectivos efeitos regem-se pelo direito do Estado em que o

processo tenha sido instaurado.”

Esta disposição, que não tem paralelo no direito anterior ao CIRE, nem mesmo

no Anteprojecto deste, corresponde integralmente ao artigo 4º-1, do

Regulamento, e estabelece a solução clássica da aplicação aos processos

insolvenciais da lex fori concursus, quer dizer estabelece que a lei aplicável aos

processos de insolvência é a lei concursal do foro, isto é, a lei insolvencial do

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Estado onde o processo de insolvência foi aberto e corre os seus termos16. Tal

aplicação da lei concursal do foro concretiza-se em dois planos, que são

distintos, muito embora sejam complementares um do outro: no plano

processual e no plano dos efeitos substantivos da insolvência.

Como do próprio artigo 276º, do CIRE, resulta, fica aberta a possibilidade de

excepções a este regime geral. Na verdade, a norma consagra expressamente o

seu carácter de aplicação subsidiário ou residual, na medida em que nela se

explicita, e de uma forma expressa, que a mesma só se aplica na falta de

disposições em contrário. E disposições em contrário, são, desde logo, as

regras especiais constantes dos artigos 277º a 287º, todos do CIRE.

Segue assim o CIRE a mesma orientação do Regulamento, que também

estabelece excepções ao princípio geral, constante do seu artigo 4º, nos termos

do qual, salvo disposição em contrário do próprio Regulamento, a lei aplicável

ao processo de insolvência e aos seus efeitos é a lei do Estado-Membro em

cujo território é aberto o processo insolvencial, Estado-Membro este que o

Regulamento designa por “ Estado de abertura do processo”. Tais excepções

são as que constam nos artigos 5º a 15º, todos do Regulamento.

b) Regras especiais (artigos 277º a 287º, do CIRE).

No que toca a regras especiais estabelecidas pelo CIRE, e que constituem

excepções ao princípio geral do artigo 276º, de tal diploma legal, elas são as

que constam dos artigos 277º a 287º, todos do CIRE. Vejamo-las de seguida:

16 Lei do País em cujo tribunal o processo insolvencial se desenrola, assim é definida a lexi fori concursus por QUEIRÓS, Virgilio/MIRANDA, Sofia, Brevário Latim-Português: Expressões jurídicas e não jurídicas, 2ª edição, Quid Juris, 2009, p. 119.

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b.1) Relações laborais (artigo 277º, do CIRE).

A norma do artigo 277º, do CIRE, não corresponde a qualquer preceito do

Anteprojecto, nem sequer do CPEREF, muito embora neste diploma o artigo

172º mandasse, após a declaração de falência, aplicar à manutenção dos

contratos de trabalho celebrados pelo falido, o regime geral de cessação do

contrato de trabalho, o que implica que, quando, por força da remissão contida

no artigo 277º, do CIRE, o sistema jurídico aplicável seja o nacional, tal artigo

277º, do CIRE, conduz agora a resultados equivalentes àqueles a que conduzia

já anteriormente o artigo 172º, do CPEREF.

Este artigo 277º, do CIRE, é similar ao artigo 10º, do Regulamento, embora

não seja exactamente igual, pois que o artigo 10º do Regulamento refere-se aos

efeitos do processo de insolvência nos contratos de trabalho e na relação

laboral, enquanto que o artigo 277º, do CIRE se refere aos efeitos, em tais

contratos de trabalho e na relação laboral, da declaração de insolvência. Esta

diferença, contudo, não tem grande, ou mesmo nenhum, significado, na medida

em que, em geral, a pendência de um processo de insolvência só tem influência

nas relações laborais a partir da declaração de insolvência.

Assim, o artigo 277º, do CIRE (tal como aliás o artigo 10º, do Regulamento),

retira da lex fori concursus o regime dos efeitos que têm no contrato de

trabalho os processos de insolvência, regime esse que é, não o que resultaria da

lei concursual do foro, mas sim o que resulta da lei que, por força da norma de

conflitos, é aplicável ao contrato de trabalho (pode ser a própria lex fori

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concursus), norma de conflitos essa que, em Portugal, foi já o artigo 6º, do

Código de Trabalho de 200317, sendo hoje o Regulamento Roma I18.

Por este motivo o artigo 277º, do CIRE, é, ele próprio, uma norma de conflitos,

embora indirecta, na medida em que não nos dá directamente a lei aplicável,

embora o faça indirectamente (lei que, por força da norma de conflitos, é

aplicável ao contrato de trabalho).

É de notar que com esta disposição se visou tutelar as expectativas,

nomeadamente dos trabalhadores do insolvente, e assegurar a unidade e a

estabilidade dos contratos de trabalho, e não, como á primeira vista, e numa

análise menos atenta se poderia pensar, tornar tais contratos de trabalho imunes

à insolvência. Não, a insolvência continua a ter influência sobre os contratos de

trabalho, só que essa influência é regida, não pela lexi fori concursus, como

seria se não existisse este artigo 277º, do CIRE, mas sim pela lei aplicável aos

contratos de trabalho (podendo ser a própria lexi fori concursus, ou uma outra,

que pode ser mais ou menos gravosa para os trabalhadores do que aquela).

b.2) Direitos do devedor sobre imóveis e outros bens sujeitos a registo (artigo

278º, do CIRE).

Este artigo 278º, do CIRE, que não tem paralelo na legislação anterior a tal

Código, nem correspondência em nenhum dispositivo do Anteprojecto,

correspondendo ao artigo 11º, do Regulamento, muito embora este mencione

17 Aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e revogado pelo artigo 12º, Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (Lei que aprovou o Código de Trabalho de 2009).

18 Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de Junho de 2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, que entrou em vigor 20 dias após a sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia (artigo 29º do Regulamento), isto é, entrou em vigor no dia 24 de Julho de 2008, sendo aplicável aos contratos celebrados após 17 de Dezembro de 2009 (artigo 28º, do Regulamento).

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“os efeitos do processo de insolvência”, enquanto que o CIRE menciona “os

efeitos da declaração de insolvência”, e tenha uma epigrafe que não exprime

com a desejável correcção a realidade a que tal artigo se reporta, pois que

aquilo de que se trata não é dos efeitos da declaração de insolvência em relação

a certos bens sujeitos a registo, mas sim de determinar a lei que regula os

efeitos da insolvência em certos direitos do devedor relativos a alguns bens

(imóveis, navios e aeronaves), situação esta que a epigrafe do artigo 278º, do

CIRE, corrigiu19.

Ensinam-nos Luís de Carvalho Fernandes e João Labareda20, não só, que o

âmbito de aplicação deste artigo 278º, do CIRE, são os direitos, sujeitos a

registo obrigatório, de acordo com a lei do Estado sob cuja autoridade tal

registo é mantido, do insolvente, sobre imóveis, navios ou aeronaves21, mas

também que não é imprescindível que os direitos abrangidos tenham

efectivamente sido levados às tábuas registais, bastando que a elas estejam

obrigatoriamente sujeitos, e ainda que os conceitos de imóvel, navio e

19 Vide, neste sentido, FERNANDES, Luís A. Carvalho/ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 869 e 870, e FERNANDES, Luís A. Carvalho/ LABAREDA, Insolvências Transfronteiriças, Quid Juris Sociedade Editora, Lisboa, 2003, pág. 60.

20 Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Sociedade Editora, Lisboa, 2009, p. 870.

21 Pode levantar-se a questão de saber se a obrigatoriedade de registo público, prevista neste artigo 278º, do CIRE, como também no artigo 11º, do Regulamento, se reporta aos bens (imóveis, navios ou aeronaves) em si mesmos, ou se reporta antes aos direitos a tais bens relativos. E, se é certo que o registo de direitos incidentes ou respeitantes a determinados bens, exige, pelo menos como regra, o registo dos próprios bens que de tais direitos são objecto, a recíproca não é verdadeira, na medida em que podem existir direitos relativos a bens sujeitos a registo, sem que exista a obrigatoriedade, ou mesmo sequer a possibilidade, de registar tais direitos, como sucede, por exemplo, no ordenamento jurídico português, onde nem todos os direitos que emergem de um contrato de arrendamento de imóveis estão sujeitos a registo obrigatório, ou podem sequer ser registados. Entendemos que são apenas os direitos do insolvente relativos a imóveis, navios ou aeronaves, que estejam eles próprios direitos, sujeitos a registo obrigatório, aqueles em relação aos quais os efeitos da declaração de insolvência se regem, não pela lex fori concursus, mas sim pela lei do Estado sob cuja autoridade o registo é mantido, tal como defendem Luís de Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 870 e Insolvências Transfronteiriças, Quid Juris Sociedade Editora, Lisboa, 2003, pág. 60 e 61).

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aeronave, a considerar nos termos deste artigo 278º, do CIRE, são os que

vigoram na lei do Estado sob cuja autoridade o registo público é mantido, lei

essa que, por isso, é aquela que rege os efeitos da declaração de insolvência

sobre tais direitos.

Assim, resulta deste artigo 278º, do CIRE, que, declarada a insolvência num

processo estrangeiro, os efeitos de tal declaração sobre os direitos, sujeitos a

registo obrigatório em Portugal, que o insolvente tenha sobre imóveis, navios

ou aeronaves, são, tenha ou não esse registo sido efectuado, regidos pela

legislação portuguesa quanto a tais direitos, sendo também esta legislação

aquela que define os conceitos de imóveis, navios ou aeronaves, para este

efeito.

b.3) Contratos sobre imóveis e móveis sujeitos a registo (artigo 279º, do CIRE).

Nos termos do número 1, do artigo 279º, do CIRE, que, tal como sucede com

os artigos anteriores, não tem antecedentes no direito pátrio, nem

correspondência no Anteprojecto, os efeitos da declaração de insolvência sobre

os contratos que conferem o direito de adquirir direitos reais sobre bem imóvel,

ou o direito de o usar, regem-se, exclusivamente, pela lei do Estado em cujo

território está situado esse bem. Ou seja, este número 1, do artigo 279º, do

CIRE, substitui, quanto aos contratos em tal normativo referidos, ou seja,

quanto aos contratos que conferem o direito de adquirir direitos reais sobre

bem imóvel, ou o direito de usar tal bem imóvel, a lex fori concursus pela lex

locus rei sitae, isto é, pela lei do Estado em cujo território o bem imóvel se

situa, sendo pois esse número 1, do artigo 279º, do CIRE, uma norma de

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conflitos directa. Tal número 1, do artigo 279º, do CIRE, corresponde ao artigo

8º, do Regulamento, mas com duas diferenças, que são as seguintes22:

Por um lado, o CIRE alarga, em relação ao Regulamento, o âmbito material da

lex locus rei sitae, pois que tal lei passa, no CIRE, a abranger todos os

contratos que conferem o direito de adquirir direitos reais sobre imóveis, e não

apenas, como estabelece o Regulamento, aqueles contratos que conferem o

direito à aquisição ou à usufruição de imóveis. Assim, ao contrário do que

sucede com o artigo 8º,do Regulamento, onde só cabem os direitos reais de

propriedade e de usufruto (entendendo o termo usufruição, constante de tal

artigo 8º, do Regulamento, como correspondendo unicamente ao direito real de

gozo menor que é o usufruto), cabem, no artigo 279º-1, do CIRE, além dos

direitos de propriedade e de usufruto, tal como sucede no artigo 8º, do

Regulamento, todos os outros direito reais de gozo menores, como sejam, por

exemplo, o uso e habitação e as servidões, e até, talvez, os direitos reais de

garantia, como é exemplo o caso da hipoteca.

Deste alargamento do CIRE se podendo inferir também que o direito de usar o

imóvel, igualmente contemplado autonomamente no número 1, do artigo 279º,

do CIRE, não pode, para ter sentido útil, deixar de significar que estão do

mesmo modo abrangidos no preceito, ao contrário do que sucede no

Regulamento, os contratos de natureza obrigacional, a que correspondam

direitos pessoais de gozo, como é, pelo menos para alguns, o caso do

arrendamento. E isto porque o direito de uso previsto no artigo 279º, do CIRE,

não se pode reportar a um direito real, pois que, se assim fosse, isso constituiria

uma duplicação, na medida em que a expressão “o direito de adquirir direitos 22 Vide, neste sentido, FERNANDES, Luís A. Carvalho/ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de

Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 871.

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reais sobre bem imóvel”, constante do número 1, do artigo 279º, do CIRE, já

contempla todos os direitos reais de gozo, ou até mesmo de garantia, só se

podendo pois tal direito de uso reportar a um direito de crédito ou obrigacional.

À mesma conclusão se podendo chegar também do CIRE referir, como, em tal

artigo 279º-1, o CIRE refere, um direito de uso, que é mais amplo do que o

direito de usufruição, que consta do artigo 8º, do Regulamento.

Ainda segundo Luís de Carvalho Fernandes e João Labareda23, estão cobertos,

quer pelo artigo 8º, do Regulamento, quer pelo artigo 279º-1, do CIRE, os

contratos cujos direitos revistam carácter real ou carácter meramente

obrigacional, pois que, não distinguindo a lei, como não distingue, entre estas

duas naturezas de direitos, não se vê qualquer fundamento para que o intérprete

as possa distinguir.

No número 2, do artigo 279º, do CIRE, refere-se a hipótese de contratos que

conferem o direito de adquirir ou o direito de usar navios ou aeronaves, cuja

inscrição num registo público seja obrigatória, dizendo-se que a estes contratos

é aplicável a lei do Estado sob cuja autoridade esse registo público é mantido.

Ou seja, também aqui a lex fori concursus é afastada, sendo substituída pela lei

do Estado que superintende no registo dos respectivos navios ou aeronaves,

sendo pois o número 2, do artigo 279º, do CIRE, e similarmente ao que, como

atrás vimos já, sucede com o número 1, do mesmo artigo 279º, do CIRE,

também uma norma de conflitos directa. Esta é, afinal, a solução também

prevista no número 1, do artigo 279º, do CIRE, pois que os bens imóveis

estarão, como regra, que agora se verifica também em Portugal,

23 Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 871.

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obrigatoriamente inscritos nos serviços de registo do País em que eles se

encontram localizados24.

O Regulamento, no seu artigo 11º, contempla uma situação similar à do artigo

279º-2, do CIRE, que se refere, todavia, em geral, aos direitos do devedor

relativos a um navio ou a uma aeronave, cuja inscrição num registo público

seja obrigatório, caso em que compete à lei do Estado-Membro sob cuja

autoridade é mantido o registo público, regular os efeitos da insolvência nos

direitos do devedor sobre tais bens.

Há contudo um aspecto importante em que os regimes do Regulamento e do

CIRE não são coincidentes, aspecto esse que consiste em o artigo 11º, do

Regulamento, e como da sua própria letra resulta, dizer apenas respeito aos

efeitos da insolvência sobre os direitos dos quais o insolvente é titular,

enquanto que o artigo 279º, do CIRE, abrange também, além de tais direitos de

que o insolvente é titular, os direitos contra ele insolvente.

b.4) Direitos reais e reserva de propriedade (artigo280º, do CIRE)

Este preceito constitui mais uma inovação do CIRE, sem quaisquer

antecedentes no direito português precedente, nem qualquer correspondência

no Anteprojecto.

A proximidade deste artigo 280º, do CIRE, com o Regulamento é manifesta.

Na verdade, os números 2 e 3, deste artigo 280º, do CIRE, correspondem aos

números 2 e 3, do artigo 7º do Regulamento, enquanto que, ao número 1, do 24 Na verdade, o artigo 8º-A, do Código do Registo Predial (CRP), artigo este introduzido em tal diploma legal pelo

Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04 de Julho, e que entrou em vigor, quanto a tal artigo 8º-A, do CRP, no dia 21 de Julho de 2008 (artigo 36º, do DL 118/2008), tornou obrigatória a submissão a registo de uma quantidade muito significativa de factos, designadamente quase todos os factos referidos nas alíneas a) a z), do artigo 2º, do CRP, bem como diversas acções, decisões, e providências, referidas no artigo 3º, do mesmo CRP.

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artigo 280º, do CIRE, correspondem, no Regulamento, respectivamente, o

artigo 5º-1, no que toca ao primeiro período, e o artigo 7º-1, quanto ao segundo

período.

Representa este artigo 280º, do CIRE, mais uma excepção à regra geral do

artigo 276º, isto é, mais uma excepção à regra segundo a qual o processo de

insolvência e os respectivos efeitos se regem pela lex fori concursus,

constituindo os números 2 e 3 desse artigo 280º, do CIRE, verdadeiras regras

de direito material, e não meras regras de conflitos de leis.

A norma de direito material do número 2, do artigo 280º, do CIRE, conduz a

que a declaração de insolvência do vendedor de um bem, após a entrega do

mesmo, não constitua, por si só, fundamento de resolução ou de rescisão de tal

venda, nem obste à aquisição pelo comprador da propriedade desse bem, desde

que, no momento da abertura do processo insolvencial, o bem em causa se

encontrasse no território de outro Estado, que não o Estado em que o processo

de insolvência foi aberto e corre termos. A expressão “por si só” significa que o

efeito resolutivo ou rescisório da declaração de insolvência não pode excluir-se

em absoluto, sendo susceptível de se verificar, desde que a declaração de

insolvência concorra com outras circunstâncias.

Assim, o que prevalece em definitivo nesta matéria, é o que resulte da lei do

Estado onde o bem vendido se encontre, tal como sucede no número 2, do

artigo 7º, do Regulamento, não sendo de excluir que a lex locus rei sitae possa

estabelecer ela própria a resolução ou a rescisão do negócio celebrado,

resolução ou rescisão essas que podem então ter lugar.

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Nos termos do número 3, do artigo 280º, do CIRE, o disposto nos números 1 e

2, do mesmo artigo 280º, não prejudica a possibilidade da resolução em

benefício da massa insolvente nos termos gerais.

Enquanto que o número 1, do artigo 280º, do CIRE, é uma verdadeira ou pura

norma de conflitos, e o número 2, de tal artigo 280º, do mesmo compêndio

legal, é uma norma de direito material, o número 3, do artigo 280º, também do

CIRE, tem um carácter misto, pois que é, ao mesmo tempo, uma norma de

direito material e uma norma de conflitos. É uma norma de direito material

porque determina a sujeição à resolução nos termos gerais; e é uma norma de

conflitos porque contém implicitamente a determinação da lei reguladora da

resolução, lei esta que é naturalmente a resultante do princípio geral do artigo

276º, do CIRE, que é a lex fori concursus, pois que não há qualquer norma

específica que afaste tal lex fori concursus (norma de conflitos por omissão).

É também esta solução a constante do Regulamento, face ao disposto na alínea

m), do número 2, do seu artigo 4º, havendo contudo que tomar em conta a

excepção constante do artigo 13º, do Regulamento, excepção esta que

prevalece sempre que, por se estar dentro do respectivo âmbito material e

espacial de aplicação, seja aplicável o Regulamento, em detrimento da

aplicação do CIRE.

É evidente que se os actos dos quais resultaram os direitos previstos nos

números 1 e 2, do artigo 280º, do CIRE, forem resolvidos, então tais direitos

serão correspondentemente atingidos, o que constitui uma consequência

mediata da insolvência.

O âmbito do número 1, deste artigo 280º, do CIRE, compreende os efeitos da

declaração de insolvência sobre direitos reais de credores ou de terceiros, que

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incidam sobre bens móveis, nestes se incluindo os valores mobiliários. Poderá

assim suceder que tais valores mobiliários se encontrem registados ou

depositados, caso em que aos efeitos da declaração de insolvência sobre os

direitos relativos a tais valores mobiliários será também aplicável o artigo 282º-

1, do CIRE, e/ou que esses mesmos valores mobiliários tenham sido sujeitos a

operações de venda com base em acordos de recompra, ficando então sujeitos

ao regime do artigo 283º, do CIRE.

Ocorrerá pois perguntar qual será, nas situações atrás descritas, o regime

aplicável aos direitos reais de credores ou de terceiros, sobre os valores

mobiliários em causa? O do artigo 280º-1, do CIRE? O do artigo 282º-1, do

CIRE? Ou o do artigo 283º, do CIRE? E a resposta a esta questão vamos

encontrá-la no princípio da especialidade, segundo o qual a lei especial derroga

a lei geral. Assim, estando em presença de uma situação abrangida pelo artigo

280º-1, e pelo artigo 282º-1, ou pelo artigo 283º, então, considerando que o

artigo 282º-1, bem como o artigo 283º, constituem lei especial em relação ao

artigo 280º-1, serão tais artigos 282º-1 ou 283º os aplicáveis, em detrimento da

aplicação do artigo 280º-1.

Se se verificarem simultaneamente os pressupostos de aplicação dos artigos

280º-1, 282º-1 e 283º, todos do CIRE, então a norma aplicável será a do artigo

283º, por ser especial, em relação, quer à do artigo 280º-1, quer à do artigo

282º-1.

b.5) Terceiros adquirentes (artigo 281º, do CIRE)

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É este também um preceito inovador do CIRE, que não tem qualquer

correspondência com aquilo que constava da lei anterior, nem do Anteprojecto.

Visando a protecção de terceiros adquirentes o artigo 281º, do CIRE, determina

que a validade de um acto, celebrado após a declaração de insolvência, e pelo

qual o insolvente disponha, a título oneroso, de um bem imóvel ou de um navio

ou de uma aeronave, cuja inscrição num registo público seja obrigatória, se

rege pela lei do Estado em cujo território está situado o referido bem imóvel,

ou sob cuja autoridade é mantido esse registo. Afasta-se assim, uma vez mais,

o regime geral da lex fori concursus, plasmado no artigo 276º, do CIRE,

substituindo tal lei pela lei do Estado em cujo território está situado o bem (no

caso de imóveis), ou sob cuja autoridade é mantido o registo público (no caso

de móveis ou de aeronaves).

Este artigo 281º, do CIRE, corresponde ao artigo 14º, do Regulamento, artigo

esse onde, contudo, e similarmente ao que no Regulamento sempre sucede, o

momento que releva é o da abertura do processo de insolvência, enquanto que,

no artigo 281º, do CIRE, como soe acontecer neste diploma legal, o momento

relevante é o da declaração de insolvência, sendo, no entanto, esta diferença

discipienda.

Além disso, no artigo 281º, do CIRE, não estão abrangidos os actos onerosos

de alienação de valores mobiliários cuja existência pressuponha a respectiva

inscrição num registo previsto pela lei, actos esses que o Regulamento abrange

no seu artigo 14º, e com um regime similar ao aplicável aos actos relativos a

navios ou aeronaves, ou seja, nos termos desse artigo 14º, do Regulamento, a

validade de um acto celebrado após a abertura de um processo de insolvência, e

pelo qual o devedor disponha, a título oneroso, de valores mobiliários, cuja

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existência pressuponha a respectiva inscrição num registo previsto na lei, rege-

se pela lei do Estado sob cuja autoridade é mantido esse registo.

No CIRE, os efeitos da declaração de insolvência sobre a transmissão de

direitos relativos a valores mobiliários registados ou depositados regem-se pela

lei aplicável a tal transmissão de direitos, nos termos do artigo 41º, do CVM,

como resulta da norma de conflitos, constante do número 1, do artigo 282º, do

CIRE, que, como adiante mais bem veremos, afasta o número 1, do artigo 280º,

do mesmo CIRE.

Este artigo 281º, do CIRE é susceptível de conduzir a que o acto praticado pelo

insolvente, após a declaração de insolvência dele, seja válido e produza efeitos,

contrariando assim a regra material do direito interno português, constante do

artigo 81º-6, do CIRE, nos termos do qual são, em geral, ineficazes, os actos

praticados pelo insolvente, em violação do disposto nos números 1 a 5, do

mesmo artigo 81º, do CIRE. Isto, ou seja, esta validade e eficácia, sucederá

sempre que a lei, para a qual a norma de conflitos do artigo 281º, do CIRE,

remete, ou seja, a lei do Estado em cujo território está situado o bem imóvel, ou

sob cuja autoridade é mantido o registo do navio ou da aeronave, bens esses

que foram objecto de um acto de disposição celebrado pelo insolvente, após a

declaração de insolvência, determine a validade e a produção de efeitos de tal

acto. É de notar que também o direito interno admite excepções à regra da

ineficácia, constante do número 6, do artigo 81º, do CIRE, o que acontecerá

quando se verifiquem, cumulativamente, as circunstâncias vazadas nas alíneas

a) e b), do mesmo número 6, do artigo 81º, do CIRE, isto é, se os actos

realizados pelo insolvente forem, cumulativamente, celebrados a título oneroso

com terceiros de boa fé, anteriormente ao registo da sentença da declaração de

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insolvência, efectuado nos termos dos números 2 e 3, do artigo 38º, do CIRE, e

tais actos não forem de algum dos tipos referidos no número 1, do artigo 121º,

que elenca um conjunto de actos resolúveis incondicionalmente, isto é, sem

dependência de quaisquer outros requisitos, em benefício da massa insolvente,

tais actos serão válidos e eficazes.

Note-se que a substituição, para apreciação dos efeitos da insolvência no

valor25 (validade e eficácia) de actos de disposição de imóveis, navios ou

aeronaves, realizados pelo insolvente, após a declaração de insolvência, da lex

fori concursus, pelas, no caso de imóveis, lex locus rei sitae, e, no caso de

navios ou aeronaves sujeitos a registo obrigatório, lei do Estado sob cuja

autoridade se encontra esse registo, apenas procede relativamente a actos

onerosos, mantendo-se, quanto aos actos gratuitos, o princípio da lex fori

concursus do artigo 276º, do CIRE.

Do mesmo modo, a ultrapassagem da lex fori concursus só se verifica quando

aquele que dispõe dos bens é o próprio insolvente, sendo a lex fori concursus a

aplicável para se aferir da validade e da eficácia dos actos de disposição de

bens, em que o insolvente seja, não o dispoente, mas sim o adquirente. É

precisamente neste sentido que dispõe também o artigo 14º do Regulamento.

b.6) Direitos sobre valores mobiliários e sistemas de pagamento e mercados

financeiros (artigo 282º, do CIRE).

25 É este o termo usado por FERNANDES, Luís A. Carvalho/ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 876.

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O número 1, deste artigo 282º, do CIRE, não tem também, e tal como os

artigos de tal livro legal anteriormente referidos, correspondência, nem na lei

anterior, nem no Anteprojecto.

O mesmo não sucede quanto ao número 2, do mesmo artigo 282º, do CIRE,

pois que tal número 2, ao fazer, como faz, uma remissão para o artigo 285º, do

Código dos Valores Mobiliários (CVM), acolhe afinal a solução que tal artigo

285º, do CVM, já havia acolhido. Solução esta que consiste em escolher a lei

aplicável a um sistema de pagamentos, tal como ele é definido pela alínea a),

do artigo 2º, da Directiva n.º 28/26/CE, de 19 de Maio, do Parlamento Europeu

e do Conselho ou equiparável, sistema de pagamentos esse em que o insolvente

é participante, para definir e reger os efeitos da insolvência sobre os direitos

dos participantes em tal sistema.

Desta maneira, e porque o artigo 285º, do CVM, constitui uma norma de

conflitos directa, pois que a lei por ele determinada pode ser uma lei

estrangeira, o número 2, do artigo 282º, do CIRE, ao remeter, como remete,

para o artigo 285º, do CVM, será, consequentemente uma norma de conflitos

indirecta, que afasta a lex fori concursus (ou não, pois que a lei determinada

pelo artigo 285º, do CVM, pode ser a própria lex fori concursus)

O mesmo sucede com o número 1, desse artigo 282º, do CIRE, nos termos do

qual o regime que rege os efeitos da declaração de insolvência sobre a

transmissão de direitos relativos a valores mobiliários registados ou

depositados, é a lei aplicável a essa transmissão, nos termos do artigo 41º, do

CVM, ou seja:

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a) Em relação a valores mobiliários integrados em sistema centralizado, o

direito do Estado onde se situa o estabelecimento da entidade gestora desse

sistema;

b) Em relação a valores mobiliários registados ou depositados não integrados

em sistema centralizado, o direito do Estado em que se situa o

estabelecimento onde estão registados ou depositados os valores

mobiliários;

c) Em relação a valores mobiliários não abrangidos nas alíneas anteriores, a lei

pessoal do eminente.

afigurando-se-me que, e por ele não ser referido no número 1, do artigo 282º,

do CIRE, não tem aqui aplicabilidade o artigo 42º, do CVM, que exclui do

direito estrangeiro determinado pelo artigo 41º, do mesmo CVM, as normas de

direito internacional privado de tal direito estrangeiro, desta forma impedindo,

em sede das normas de conflitos constantes da Secção I, do Capítulo I, do

Título II do CVM (artigos 39º a 42º) o chamado reenvio (o próprio, ou seja, o

do Direito Internacional Privado, que não o mecanismo previsto no artigo 267º,

do TSFUE, e a que se chama de reenvio prejudicial, terminologia esta que não

merece a concordância dos Professores Fausto de Quadros e Ana Maria Guerra

Martins, que entendem que o reenvio é um instituto de Direito Internacional

Privado, que significa devolução, enquanto que o que há no artigo 267º, do

TSFUE, são, e com fidelidade à terminologia do Direito Processual Civil

português, questões prejudiciais, suscitadas por órgãos jurisdicionais nacionais

perante o Tribunal de Justiça da União Europeia)26.

26 Contencioso da União Europeia, 2º edição, Almedina, Coimbra, Dezembro 2009, p. 67

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Desta maneira, sendo o artigo 41º, do CVM, como claramente é, uma norma de

conflitos directa, o número 1, do artigo 282º, do CIRE, ao remeter, como

remete, para esse artigo 41º, do CVM, constitui, tal como o número 2, do

mesmo artigo 282º, do CIRE, uma norma de conflitos indirecta, que representa

mais uma excepção ao princípio geral da lex fori concursus, constante do artigo

276º, do CIRE.

Além disso, e como atrás, e nos três últimos parágrafos do comentário ao artigo

280º, do CIRE, aflorámos já, tal número 1, do artigo 282º, do CIRE, limita o

âmbito de aplicação da 1º parte, do número 1, do artigo 280º, do CIRE, na

medida em que faz com que a categoria de bens móveis, referida nesse

normativo legal, não abranja os valores mobiliários registados ou depositados,

que são antes abrangidos por este número 1, do artigo 282º, do CIRE,

aplicando-se-lhes pois, não a lei do Estado em cujo território tais valores

mobiliários registados ou depositados se encontrem no momento da abertura do

processo insolvencial, como resultaria do número 1, do artigo 280º, do CIRE,

mas sim a lei prevista no artigo 41º, do CVM, como determina o número 1, do

artigo 282º, do CIRE (princípio da especialidade, nos termos do qual a lei

especial – aqui o artigo 282º-1, do CIRE – afasta a lei geral – no caso o artigo

280º-1, do CIRE)

No caso de se tratar de direitos relativos a valores mobiliários não registados

nem depositados, já não se aplica o artigo 282º-1, do CIRE (que tem por

âmbito ou objecto, exclusivamente valores mobiliários depositados ou

registados), podendo-se então verificar duas hipóteses distintas, e a saber: uma

primeira hipótese, consistente em tais direitos sobre valores mobiliários não

registados nem depositados, serem direitos reais de credores ou de terceiros,

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caso este em que deverá aplicar-se a norma de conflitos constante da 1ª parte,

do número 1, do artigo 280º, do CIRE; uma segunda hipótese, que consiste em

esses direitos sobre valores mobiliários não registados nem depositados, não

serem direitos reais de credores nem de terceiros, não se lhes aplicando então a

primeira parte do número 1, do artigo 280º, mas sim a lex fori concursus27

(artigo 276º, do CIRE).

Como vimos, também na parte final do comentário ao artigo 280º, parte final

essa para a qual, e para evitar aqui repetições inúteis e fastidiosas, tomo a

liberdade de remeter, no caso de ocorrerem, ao mesmo tempo, os pressupostos

de aplicação dos artigos 280º-1, 282º-1 e 283º, todos do CIRE, então o artigo

aplicável será o artigo 283º, por ser norma especial, não só em relação ao artigo

280º-1, como também ao artigo 282º-1.

b.7) Operações com base em acordos de recompra (artigo 283º, do CIRE)

O artigo 283º, do CIRE, não só não tem quaisquer antecedentes na lei anterior

ao CIRE, nem correspondência no Anteprojecto, como sucede aliás com a

maioria dos preceitos anteriormente referidos, como também, e ao contrário do

que acontece com tais preceitos anteriores, não tem também paralelo no

Regulamento. Constitui uma norma de conflitos, que afasta o princípio geral da

aplicabilidade da lexi fori concursus, constante do artigo 276º, do CIRE, na

medida em que determina que a lei que rege os efeitos da declaração de

insolvência sobre operações de venda com base em acordos de recompra, na

acepção do artigo 12º, da Directiva n.º 86/635/CE, do Conselho de 8 de 27 FERNANDES, Luís Carvalho/ LABAREDA, João, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado,

reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 877.

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Dezembro28, não é a lex fori concursus, mas sim a lei aplicável a tais acordos

de recompra.

Dado que esta norma de conflitos não indica, não a determinando pois, qual a

lei que rege os efeitos da declaração de insolvência sobre as atrás referidas

operações de venda com base em acordos de recompra, dizendo apenas que tal

lei é a lei aplicável a esses acordos, teremos, para saber concretamente qual é

essa lei, que nos socorrer das regras gerais do Direito Internacional Privado,

nomeadamente do Regulamento Roma I, e até mesmo do Código Civil, nas

situações (que já não são muitas) de direito internacional privado que são ainda

resolvidas por este compêndio legal.

O atrás referido artigo 12º, da Directiva 86/635/CE, define, no seu número 1,

operações de venda com base em acordos de recompra como sendo “as

operações pelas quais uma instituição de crédito ou um cliente (o cedente) cede

a outra instituição de crédito ou cliente (o cessionário) elementos do activo que

lhe pertençam, como, por exemplo, efeitos, créditos ou valores mobiliários, sob

reserva de um acordo que preveja que os mesmos elementos do activo serão

posteriormente retrocedidos para o cedente a um preço estabelecido”. Constitui

pois uma figura similar à venda a retro, prevista nos artigos 927º a 933º, do

nosso Código Civil. É de referir, no entanto, que o alcance amplo com que o

número 1, do artigo 12º, da Directiva 86/635/CE define operações de venda

com base em acordos de recompra é restringido pelo número 6, do mesmo

artigo 12º, de tal Directiva, que exclui do âmbito dessas operações de venda

com base em acordos de recompra, para efeitos do preceito “As operações a

prazo sobre divisas, as operações de bolsa a prazo, as operações de emissão,

28 Esta Directiva é relativa às contas anuais e às contas consolidadas dos bancos e de outras instituições financeiras, tendo sido publicada no JO L 372, de 31 de Dezembro de 1986.

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nas quais o emissor se compromete a recomprar todas ou parte das obrigações

antes da data do seu vencimento, bem como as outra operações análogas”.

Deve entender-se que no âmbito do artigo 283º, do CIRE, cabem as duas

modalidades de operações de venda com base em acordos de recompra

previstas, respectivamente, nos números 2 e 3, do artigo 12º, da Directiva, duas

modalidades essas que consistem: a primeira, em o cessionário se comprometer

a retroceder, numa data pré-determinada, ou a determinar pelo cedente, os

elementos do activo que inicialmente o cessionário adquiriu ao cedente,

chamando-se esta modalidade de operações de venda com base em acordos de

recompra firme; na segunda modalidade, o cessionário tem o direito de

revender os elementos activos que adquiriu ao cedente, mas não o dever de o

fazer, denominando-se esta modalidade de acordos com opção de recompra29.

Entre os efeitos a que este artigo 283º, do CIRE se refere estão aqueles que

tenham reflexos sobre os direitos e obrigações das partes intervenientes nos

acordos de recompra em causa, quer tal parte seja o insolvente, quer seja quem

com ele contratou.

As operações de venda com base em acordos de recompra podem respeitar a

quaisquer elementos do activo do cedente, excepto aqueles que estão excluídos

pelo número 6, do artigo 12º, da Directiva 86/635/CE. É assim admissível que

essas operações de venda com base em acordos de recompra incidam sobre

valores mobiliários. Nessa hipótese, na concatenação entre os artigos 282º-1 e

283º, ambos do CIRE, que se reportam os dois aos efeitos da declaração de

insolvência sobre direitos ou operações relativos a valores mobiliários,

29 Na opinião de Luís de Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 880), deveria antes dizer-se “operações com acordo de revenda firme” ou “operações com opção de revenda”.

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diremos, e repetindo o que atrás (comentário ao artigo 282º-1, dissemos já),

que então será aplicável o artigo 283º, do CIRE, e não o artigo 282º-1, do

mesmo compêndio legal, por aquele artigo 283º constituir, em relação ao artigo

282º-1, uma lei especial, que, como é sabido, e por força do chamado princípio

da especialidade, derroga a lei geral. Assim, esta aplicabilidade do artigo 283º,

do CIRE, e ao contrário do que sucederia se se aplicasse o artigo 282º-1, do

CIRE, que se refere unicamente a valores mobiliários registados ou

depositados, ocorre, quer os valores mobiliários estejam ou não, ou devessem

estar, registados ou depositados.

Na concorrência de aplicação entre o artigo 280º-1, do CIRE, e este artigo

283º, do mesmo CIRE, prevalece, como no comentário ao artigo 280º do CIRE,

referi já, este último artigo, por ser lei especial em relação àquele.

b.8) exercício dos direitos dos credores (artigo 284º, do CIRE).

Este preceito não tem quaisquer antecedentes no direito interno português, nem

correspondência em qualquer norma do Anteprojecto.

Tem contudo proximidade com o Regulamento, pois que o número 1, do artigo

284º, do CIRE, se aproxima do número 1, do artigo 32º, do Regulamento, e o

número 2, do mesmo artigo 284º, do CIRE, se inspirou nos números 2 e 3, do

artigo 32º, do Regulamento. Na verdade, o número 1, do artigo 284º, do CIRE,

possibilita, tal como o número 1, do artigo 32º, do Regulamento, que qualquer

credor do insolvente possa exercer os seus direitos, tanto no processo principal

de insolvência, como em quaisquer processos secundários.

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Por outro lado, o número 2, do artigo 284º, do CIRE, permite que o

administrador da insolvência designado num processo estrangeiro possa

reclamar em Portugal os créditos reconhecidos nesse mesmo processo

estrangeiro (artigo 284º-2-a), do CIRE), e/ou exercer na assembleia de credores

do processo português, os votos inerentes aos créditos reconhecidos em tal

processo estrangeiro, salvo se a isso se opuserem os respectivos titulares de tais

créditos (artigo 284º-2-b), do CIRE), do mesmo modo que preceituam também

os números 2 e 3, do artigo 32º, do Regulamento, muito embora, o número 2,

do artigo 284º, do CIRE, e ao contrário do que acontece no Regulamento

(artigo 32º-2 e 3), condicione essa possibilidade de intervenção do

administrador de insolvência, a tal ser admissível segundo a lei aplicável ao

processo estrangeiro.

Esta restrição, que, repita-se, consta do CIRE (artigo 284º-2), mas não do

Regulamento (artigo 32º-2 e 3), só funciona quando ao processo estrangeiro

não seja aplicável o Regulamento, como atrás se referiu já, e resulta,

nomeadamente, do artigo 275º, do CIRE.

O número 3, do artigo 284º, do CIRE, corresponde ao número 2, do artigo 20º,

do Regulamento.

Esta regra do número 3, do artigo 284º, do CIRE, visa concretizar o princípio

da igualdade dos credores do insolvente, no caso do mesmo credor peticionar o

pagamento do mesmo crédito, sobre o mesmo devedor insolvente, mas em

processos de insolvência distintos, correspondendo o preceito ao constante, no

que ao direito interno português tange, no artigo 179º-1, do CIRE.

É de referir que, para que a norma funcione, é pressuposto que, no processo

insolvencial onde o pagamento não deve ser efectuado, isto é, no processo

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insolvencial que corre em Portugal, tal situação seja conhecida, sendo para isso

mister que alguém dê nesse processo conhecimento dela. Ora, quem está em

melhor situação para dar esse conhecimento, será precisamente o credor que já

recebeu uma primeira vez. Por esse motivo, e seguindo os ensinamentos de

Luís de Carvalho Fernandes e de João Labareda30, diremos que o número 3, do

artigo 284º, do CIRE, tem que ser entendido no sentido de conter um duplo

comando, pois que ele é dirigido, por um lado, aos órgãos do processo

insolvencial, e, por outro lado, ao próprio credor, que já recebeu uma primeira

vez, impondo àqueles o dever de não pagarem a tal credor, até que os credores

do mesmo grau se encontrem igualados com ele, e a este a obrigação de não

receber, obrigação esta que engloba a de informar no processo de insolvência o

recebimento já obtido em outro processo, e, obviamente, a de recusar o

pagamento que lhe for oferecido.

Por isso, se, contra aquilo que está estabelecido no número 3, do artigo 284º,

do CIRE, o credor receber qualquer pagamento, ele recebe mal, ficando

consequentemente obrigado à devolução daquilo que indevidamente recebeu.

Esta obrigação do credor não elimina a obrigação dos órgãos insolvenciais

encarregados de não efectuarem qualquer pagamento ao credor que já recebeu

num outro processo, até que os credores com a mesma graduação estejam

igualados com ele. Assim, se tais órgãos insolvenciais, violando o artigo 284º-

3, do CIRE, pagarem indevidamente a um credor que já recebeu num outro

processo, e se depois não for possível obter de tal credor a restituição, outra

solução não vejo que haja, que não seja a de tais órgãos da insolvência pagarem

de novo essa importância aos credores que não se encontram igualados com

30 Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 881 e 882

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aquele que recebeu já anteriormente, pois que, como é por demais sabido, tal

como o credor que recebe mal tem que repetir aquilo que indevidamente

recebeu, também o devedor que paga mal tem que pagar duas vezes31.

Uma outra entidade sobre a qual recai a obrigação de informar,

preventivamente, em todos os restantes processos insolvenciais contra o

mesmo devedor existentes, que um determinado pagamento foi feito a um

credor num outro processo de insolvência com o mesmo devedor, é

naturalmente o administrador desse processo de insolvência onde tal

pagamento foi efectuado. Tal obrigação do administrador não consta do CIRE,

mas figura no Regulamento, nomeadamente no artigo 31º-1.

A satisfação equivalente, prevista no número 3, do artigo 284º, do CIRE, pode

levantar problemas, no caso do crédito ser qualificado diferentemente no

processo de insolvência a correr termos em Portugal, e no processo

insolvencial pendente no estrangeiro, em que o credor obteve previamente

pagamento.

Problemas similares podem também surgir no caso do crédito gozar de garantia

ou privilégio constituídos ao abrigo de lei estrangeira, e que não tenham

correspondência na ordem jurídica portuguesa.

Esta dupla problemática resolve-se levando em conta a qualificação e a

graduação do crédito, unicamente à luz da ordem jurídica portuguesa.

Terminaremos este sumário comentário ao artigo 284º, do CIRE, referindo,

com Luís de Carvalho Fernandes e João Labareda32, que tal artigo 284º, do

CIRE, ao contrário do que sucede com todos os outros artigos do Capítulo I, do 31 Ou, mais bem dito até, e como ensina, num lugar paralelo, o Professor José Engrácia Antunes (Títulos de Créditos,

Coimbra Editora, Coimbra, Janeiro 2009), o devedor que paga mal, paga duas, três ou mais vezes… enfim, paga tantas vezes quantas sejam necessárias até pagar bem.

32 Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 882

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Título XV, do CIRE, não se refere, nem à determinação da lei aplicável ao

processo insolvencial (caso em que seria uma norma de conflitos), nem aos

efeitos resultantes da declaração de insolvência do devedor (caso em que seria

uma norma de direito insolvencial material), dizendo antes respeito à definição

da situação processual dos credores do insolvente, e dos administradores da

insolvência, designados em outros processos insolvenciais, a correr termos

contra o mesmo devedor, simultaneamente com o processo de insolvência

português, e em outros Estados, que não Portugal. Daqui retiram aqueles dois

autores, que tal artigo 284º, do CIRE, está mal inserido sistematicamente, pois

que deveria encontrar-se antes no Capítulo II, do Título XV, do CIRE, pois que

esse Capítulo II é aquele que se refere ao processo de insolvência estrangeiro,

designadamente ao reconhecimento e execução em Portugal das decisões em

tal processo de insolvência estrangeiro prolatadas.

b.9) Acções pendentes (artigo 285º, do CIRE).

O artigo 285º, do CIRE, também não tem quaisquer precedentes no direito

interno anterior, nem encontra paralelo no Anteprojecto, muito embora o

encontre no artigo 15º, do Regulamento.

Trata-se de uma norma de conflitos, que afasta a regra geral constante do artigo

276º, do CIRE, pois que nos diz que as acções pendentes, relativas a um bem

ou a um direito integrante da massa insolvente, não se regem pela lex fori

concursus, antes se regendo pela lei do Estado em que as referidas acções

corram os seus termos.

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Assim pode acontecer, e muitas vezes acontece, que, contra o mesmo devedor

insolvente, pendam acções em vários Estados, as quais serão portanto regidas

por leis diferentes.

O artigo 285º, do CIRE, apresenta, em relação ao artigo 15º, do Regulamento,

duas diferenças: a primeira consiste em, no artigo 285º, do CIRE, e como é

habitual neste Código, se considerarem os efeitos da declaração de insolvência

sobre as acções pendentes aquando de tal declaração, enquanto que no artigo

15º, do Regulamento, e também como é usual nesse diploma, serem levados

em conta os efeitos da abertura do processo de insolvência sobre tais acções

pendentes; a segunda traduz-se em, no CIRE, se referir acção pendente quanto

a um bem ou a um direito integrante da massa insolvente, falando-se no

Regulamento de “acção pendente relativa a um bem ou a um direito de cuja

administração ou disposição o devedor está inibido”.

As duas diferenças atrás referidas não têm significado. Quanto à primeira, pelo

motivo, já várias vezes atrás referido, de ser, pelo menos em regra, a declaração

de insolvência, e não o início do processo de insolvência, que é produtora de

efeitos, e, em relação à segunda, na medida em que a declaração de insolvência

retira, em regra, ao insolvente, os seus poderes de administração e de

disposição da parte do património dele insolvente que passa a constituir a

respectiva massa insolvente, havendo pois uma tendencial coincidência entre a

declaração de insolvência, referida no artigo 285º, do CIRE, e a inibição do

devedor para administrar ou dispor do seu património, como se refere no artigo

15º, do Regulamento, pois que aquela, isto é, a declaração de insolvência,

implica esta, ou seja, implica a inibição do devedor para administrar ou dispor

do seu património. E isto principalmente porque tal artigo 15º, do Regulamento

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dá relevância à inibição do devedor, quer para a administração, quer para a

disposição, de bens ou de direitos, não exigindo que a inibição para a

administração e a inibição para a disposição se verifiquem simultaneamente, o

que retira relevância ao facto de, de acordo com os artigos 223º a 229º, todos

do CIRE, a administração da massa insolvente poder, nos casos em que nela

está compreendido uma empresa, e desde que se verifiquem os pressupostos

constantes dos números 2 e 3, do artigo 224º, do CIRE, ser assegurada pelo

devedor, mesmo após a declaração judicial de insolvência, porque também

nessa situação o devedor está inibido de dispor da massa insolvente, embora a

possa administrar.

Assim, tal situação, em que a administração da massa insolvente é

administrada pelo devedor, que dela contudo não pode dispor, está

contemplada, quer pelo artigo 285º, do CIRE, uma vez que, já tendo havido

sentença declaratória da insolvência, já há massa insolvente em sentido

próprio, quer pelo artigo 15º, do Regulamento, pois que, muito embora o

insolvente não esteja privado, como não está, da administração dos seus bens,

está privado da disposição deles, o que é suficiente para que se aplique o artigo

15º, do Regulamento.

Desta maneira, a única situação onde poderá haver uma certa discrepância

entre o artigo 285º, do CIRE, e o artigo 15º, do Regulamento, é a situação do

devedor ser privado dos seus poderes de disposição, ou mesmo de

administração, nos termos do artigo 31º, do CIRE, antes da sentença

declaratória de insolvência, e no âmbito das providências cautelares em tal

norma previstas.

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Ora, esta situação cabe no artigo 15º, do Regulamento, pois que o insolvente já

não tem poderes de disposição, ou mesmo de administração, sobre uma parte

significativa do património dele insolvente, tendencialmente aquela que irá

constituir no futuro a massa insolvente, mas não no artigo 285º, do CIRE, pois

que não havendo ainda, como ainda não há, sentença declaratória de

insolvência, também não há ainda, pelo menos em sentido próprio, massa

insolvente, sendo certo que a existência desta é um pressuposto de aplicação do

artigo 285º, do CIRE.

No entanto, na opinião de Luís de Carvalho Fernandes e de João Labareda33, a

essa situação poderá, embora com dúvidas, ser estendida a estatuição do artigo

285º, do CIRE, apesar de, em bom rigor se não verificar nela a hipótese

constante da mesma norma, ou seja, a existência de massa insolvente em

sentido próprio, existência esta que só se verifica quando há uma declaração de

insolvência, e não com as medidas cautelares previstas no artigo 31º, do CIRE.

Como duas notas finais a este artigo 285º, do CIRE, diremos, em primeiro

lugar, que tal artigo 285º, do CIRE, se aplica apenas às acções que se

encontram pendentes aquando da declaração de insolvência (ou, no caso do

Regulamento, aquando do início do processo insolvencial), e não a novas

acções, que sejam propostas, após a declaração de insolvência (ou, no caso do

Regulamento, após a abertura do processo de insolvência). Tais novas acções, e

a respectiva propositura, são matérias reservadas à lex fori concursus, como

resulta, expressamente, do artigo 4º-2-f), do Regulamento, e também do artigo

276º, do CIRE, tendo em conta que esta situação não está legalmente

excepcionada desta regra geral, que tem carácter residual ou subsidiário, nela

33 Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 883.

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caindo pois todos os casos que, como o presente, dela não sejam

excepcionados.

Em segundo lugar, refira-se que este artigo 285º, do CIRE, como aliás o artigo

15º, do Regulamento, não tem um carácter universal, no sentido de tais normas

valerem para qualquer tipo de acção pendente. Não, realmente tais artigos

apenas relevam quanto a acções relativas a um bem ou um direito integrante da

massa insolvente, no que toca ao artigo 285º, do CIRE, e quanto a bens ou

direitos de cuja administração ou disposição, o devedor está inibido, no que

toca ao artigo 15º, do Regulamento, e não em relação a quaisquer outras

acções.

b.10) Compensação (artigo 286º, do CIRE).

Temos no artigo 286º, do CIRE, mais um preceito por tal compêndio legal

introduzido inovatoriamente no ordenamento jurídico português da insolvência,

pois que esse preceito não tem qualquer antecedente no direito insolvencial

pretérito do nosso país, nem qualquer correspondência no Anteprojecto.

Este artigo 286º, do CIRE, contudo, e similarmente ao que sucede com os

demais artigos que fazem parte do Capítulo I, do Título XV, do CIRE (artigos

275º a 286º), foi decisivamente influenciado pelo Regulamento, no caso pelo

número 1, do artigo 6º, de tal norma de direito derivado da União Europeia.

Trata-se (artigo 286º, do CIRE) de uma norma mista, na medida em que, por

um lado, faz apelo à lei aplicável ao contra-crédito do devedor insolvente,

sendo, nesta medida, uma norma de conflitos de leis, e, por outro lado, admite

expressamente a compensação do credor da insolvência, muito embora

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condicionada a tal compensação ser permitida pela lei aplicável ao contra-

crédito do devedor, constituindo pois nesta vertente uma verdadeira norma de

direito material.

Na sua função de norma de conflitos de leis este artigo 286º, do CIRE, refere-

se à lei aplicável ao contra-crédito do devedor, sem contudo dizer qual é tal lei,

isto é, qual o Estado a cujo ordenamento jurídico essa lei pertence, deixando,

portanto isso para as normas gerais do Direito Internacional Privado,

nomeadamente os Regulamentos Roma I e Roma II34, e também, se a lei

aplicável ao contra-crédito do devedor for a portuguesa, igualmente, embora

aqui e agora de uma forma residual35, o Código Civil.

Enquanto norma de direito material o artigo 286º, do CIRE estatui

directamente sobre os efeitos da declaração de insolvência relativamente ao

direito do credor do insolvente à compensação, admitindo tal figura extintiva

das obrigações, muito embora condicionalmente, pois que tal artigo sujeita essa

admissibilidade à compensação ser permitida para o contra-crédito do devedor

insolvente, pela lei aplicável a tal contra-crédito.

Resulta pois do preceito que o credor da insolvência tem sempre direito à

compensação, desde que ela compensação seja permitida pela lei aplicável ao

contra-crédito do devedor insolvente sobre ele credor da insolvência.

Assim, se a lei aplicável ao contra-crédito do devedor insolvente não atribuir à

massa insolvente o direito de compensar, então o credor da massa insolvente

também não dispõe desse direito relativamente à sua própria dívida.

34 Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais.

35 Na verdade, muitas das normas de Direito Internacional Privado constantes do Código Civil foram substituídas pelas dos Regulamentos Roma I e Roma II, os quais, relembre-se, tem carácter universal, isto é, aplicam-se também aos países que não façam parte da União Europeia.

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Esta solução do artigo 286º, do CIRE, é diferente da que no direito interno

consta no artigo 99º, do CIRE, o que não constitui qualquer contradição, na

medida em que o número 1, do artigo 99º, do CIRE, ressalva a possibilidade de

outras disposições do CIRE (no caso o artigo 286º), estabelecerem em sentido

contrário daquilo que ele artigo 99º estabelece.

De qualquer forma da conjugação dos artigo 99º e 286º, ambos do CIRE, fácil

é concluir que se a lei aplicável ao contra-crédito do devedor insolvente sobre o

credor da insolvência for a portuguesa, então para que tal credor da insolvência

possa compensar é necessário que ocorra um dos dois requisitos previstos na

alíneas a) e b), do número 1, do artigo 99º, do CIRE, ou seja, ser o

preenchimento dos pressupostos legais da compensação anterior à data da

declaração da insolvência (artigo 99º-1-a), do CIRE), ou então, ter o crédito

sobre a insolvência preenchido, antes do contra crédito da massa, os requisitos

estabelecidos no artigo 847º, do CC (artigo 99º-1-b), do CIRE).

b.11) Resolução em benefício da massa insolvente (artigo 287º, do CIRE).

O artigo 287º, do CIRE, que fecha o Capítulo I, do Título XV, de tal diploma

legal, não tem quaisquer antecedentes no direito português anterior ao CIRE,

nem qualquer correspondência no Anteprojecto, muito embora tenha sido

influenciado pelo Regulamento, desta vez pelo seu artigo 13º.

Realmente, quer no artigo 13º, do Regulamento, quer no artigo 287º, do CIRE,

e, muito embora naquele com um âmbito maior do que neste36, se determina

não ser possível a resolução em benefício da massa insolvente de actos

36 O artigo 13º, do Regulamento refere-se apenas à não aplicabilidade da alínea m), do nº 2, do artigo 4º, do mesmo Regulamento (regras referentes à nulidade, à anulação ou à impugnação dos actos prejudiciais aos credores).

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praticados pelo insolvente antes da declaração de insolvência, se o terceiro com

quem o insolvente negociou demonstrar que a lei a que tal acto está sujeito, ou

seja, a lex negotii, não permite a respectiva impugnação por nenhum meio.

Temos aqui também uma norma mista, pois que é, ao mesmo tempo, uma

norma de conflito de leis, e uma norma de direito material.

Norma de conflito de leis, pois que faz apelo à lei a que se encontra sujeito o

acto que se pretende resolver em benefício da massa insolvente, muito embora

sem dizer concretamente a que Estado pertence tal lei, sendo que para saber

isso é pois indispensável recorrer às normas gerais do Direito Internacional

Privado, como sejam, por exemplo, os Regulamentos Roma I e Roma II.

Norma de direito material, pois que postula a não admissibilidade da resolução

dos actos do insolvente anteriores à declaração de insolvência prejudiciais aos

credores, desde que a lei que rege tal acto não permita a sua impugnação por

nenhum meio.

Se o terceiro não conseguir demonstrar que o acto que celebrou com o

insolvente se encontra sujeito a uma lei que não permite a respectiva

impugnação por nenhum meio, é afastada a aplicação deste artigo 287º, do

CIRE, ou seja, é afastada a lex negotii, aplicando-se, em consequência de tal

afastamento, à resolução do acto em questão, não a lex negotii, mas sim a lex

fori concursus, como prevê a regra geral do artigo 276º, do CIRE. Se esta lex

fori concursus for a lei portuguesa, a questão da resolução terá que ser

resolvida à luz dos artigos 120º a 127º, todos do CIRE.

4. Regras sobre o reconhecimento e a execução de decisões proferidas em

processo de insolvência estrangeiro.

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Passemos agora ao Capítulo II, do Título XV, do CIRE (processo de insolvência

estrangeiro), que contempla os artigos 288º a 293º, tratando daquilo a que

habitualmente se chama reconhecimento e execução de sentenças (e outras decisões)

estrangeiras.

a) Reconhecimento (artigo 288º, do CIRE)

O artigo 288º, do CIRE, não tem antecedentes no direito nacional português, nem

no ante-projecto, sendo contudo notoriamente inspirado pelo Regulamento, e, mais

concretamente pelos artigos 16º-1, 25º-1 e 26º, dele.

Define este artigo 288º, do CIRE, a posição assumida pela ordem jurídica interna

portuguesa, face à abertura e ao procedimento (incluindo o encerramento) de

processos de insolvência em outros países.

Não se trata de uma verdadeira norma de conflitos em sentido próprio, pois que se

limita a estatuir directamente sobre o reconhecimento em Portugal da declaração

de insolvência prolatada em processo estrangeiro (artigo 288º-1, do CIRE), bem

como sobre as providências de conservação adoptadas posteriormente, à

declaração de insolvência, e ainda de quaisquer decisões tomadas visando a

execução, ou o encerramento do processo insolvencial (artigo 288º-2, do CIRE).

Enquanto que no Regulamento o reconhecimento é automático (artigos 17º-1 e 25º,

ambos do Regulamento), no CIRE a doutrina divide-se sobre a automaticidade, ou

não, do reconhecimento em questão. Na verdade, há autores que defendem o

carácter automático do reconhecimento37, enquanto que outros entendem que o

37 BRITO, Maria Helena, Falências Internacionais Algumas Considerações a Propósito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Edição Especial, 2005, p. 214.

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reconhecimento não é automático38

Há dois pressupostos negativos para que a declaração de insolvência em processo

estrangeiro seja reconhecida em Portugal, dois pressupostos negativos esses que

constam das alíneas a) e b), do número 1, do artigo 288º, do CIRE, e que são os

seguintes:

- A competência do Tribunal ou da autoridade estrangeira que declarou

insolvência não se fundar em nenhum dos critérios referidos no artigo 7º, do

CIRE, ou em conexão equivalente (artigo 288º-1-a), do CIRE).

- O reconhecimento da declaração de insolvência estrangeira não conduzir a

resultado manifestamente contrário aos princípios fundamentais da ordem

jurídica portuguesa (artigo 288º-1, do CIRE).

Os princípios fundamentais que, nos termos da alínea b), do número1, do artigo

288º, do CIRE, não podem ser manifestamente contrariados pela sentença

estrangeira a reconhecer, são por certo (embora a letra do preceito não diga isso

exactamente, pois que refere apenas ordem jurídica portuguesa), os da ordem

pública internacional portuguesa, ou seja, aqueles preceitos, tendencialmente de

cariz constitucional, identificadores e fundamentadores do nosso sistema

jurídico, dos quais não podemos por isso nunca, em quaisquer circunstâncias,

prescindir ou abdicar, tendo contudo a contrariedade entre a sentença e esses

38 Luis de Carvalho Fernandes e João Labareda defendem que o reconhecimento desse artigo 288º, do CIRE, não é automático, baseando-se para isso, não só no facto do reconhecimento exigir a verificação dos dois pressupostos, que são ambos negativos, previstos nas alíneas a) e b), do número 1, do artigo 288º, dos quais se um, o da alínea b), é do conhecimento oficioso, o outro, o da alínea a), carece de ser alegado e provado por alguém, que será certamente o administrador da insolvência estrangeira, mas também da comparação desse artigo 288º., do CIRE, com os artigos 290º e 293º, do mesmo diploma legal (o último dos quais exige que as decisões tomadas em processo de insolvência estrangeiro sejam revistas e confirmadas para poderem ser executadas em Portugal, muito embora determine não ser requisito da confirmação o trânsito em julgado de tais decisões) – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 866.

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princípios que ser manifesta, podendo pois ser reconhecida em Portugal uma

sentença declaratória de insolvência proferida no estrangeiro, e que contrarie tais

princípios fundamentais, desde que essa contrariedade não seja manifesta, ou

seja, desde que a sentença em causa não afronte total ou claramente os

princípios fundamentais em questão.

O atrás referido, relativamente ao reconhecimento em Portugal de sentença

declaratória de insolvência prolatada em processo estrangeiro, é aplicável às

providências de conservação de bens do insolvente, adoptadas posteriormente à

declaração de insolvência39, bem como a quaisquer decisões tomadas com vista à

execução ou ao encerramento do processo (artigo 288º-2, do CIRE).

b)Medidas Cautelares (artigo 289º, do CIRE).

O artigo 289º, do CIRE, não tem antecedentes, nem paralelo, no direito pretérito

insolvencial português, nem no Anteprojecto, sendo similar ao artigo 38º, do

Regulamento.

A aplicabilidade deste artigo 289º, do CIRE, e na medida em que ele confere

legitimidade ao administrador provisório, designado anteriormente á declaração de

insolvência, para solicitar a adopção das medidas cautelares referidas no artigo 31º,

do CIRE, para efeitos da conservação de bens do devedor situados em Portugal,

exige o reconhecimento da decisão que nomeou tal administrador provisório, numa

extensão do artigo 288º-1, do CIRE, e, com as ressalvas constantes das alíneas a) e

b), de tal número 1.39 Diferentemente se passa em relação às providências conservatórias de bens adoptadas antes da declaração de

insolvência, relativamente às quais rege, não o artigo 288º, do CIRE, mas antes o artigo 289º, do mesmo compêndio legal.

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Afasta-se, este artigo, e por uma questão da grande celeridade exigida devido ao

periculum in mora, do artigo 293º, do CIRE, que exige, expressamente, a revisão e

a confirmação das decisões tomadas em processo de insolvência estrangeiro para

que tais decisões se possam executar em Portugal, muito embora determinando não

ser requisito dessas revisão e confirmação, o trânsito em julgado da decisão

estrangeira a rever e a confirmar (artigo 293º in fine, do CIRE).

É de notar que a solicitação das medidas cautelares em causa não depende dos

processos particulares dos artigos 294º e 296º, ambos do CIRE, e visa tutelar os

bens do devedor insolvente apenas no período anterior à declaração de insolvência

(após esta rege o artigo 288º-2, do CIRE), sendo o tribunal competente para as

medidas cautelares em causa aquele que resulta dos artigos 274º e 291º, ambos do

CIRE.

c) Publicidade (artigo 290º, do CIRE).

Este artigo, tal como quase todos os anteriormente referidos, não tem também

qualquer correspondência na lei insolvencial anterior portuguesa, nem no

Anteprojecto, afastando-se igualmente, e ao contrário de muitos outros do CIRE

relativos a esta matéria, das soluções para a questão encontradas no Regulamento

(artigos 16º-1 e 17º-1).

Na verdade, nos termos do artigo 290º, do CIRE, verificados que sejam os

pressupostos (constantes do artigo 288º-1, do CIRE) para que ocorra em Portugal o

reconhecimento da sentença insolvencial estrangeira, o tribunal português ordena,

a requerimento do administrador da insolvência estrangeiro, a publicidade, do

conteúdo essencial da decisão declaratória da insolvência, bem como daquela que

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designou o administrador de insolvência, e ainda da que determinou o

encerramento do processo, publicidade essa a levar a cabo nos termos do artigo

37º, do CIRE40, aplicável com as devidas adaptações, podendo o tribunal português

exigir a tradução para a língua portuguesa das peças processuais a publicitar,

tradução essa a ser certificada por pessoa que para o efeito seja competente,

segundo o direito do Estado do processo (norma de conflitos).

Esta publicidade é indispensável para que o reconhecimento da declaração de

insolvência se torne eficaz, sendo precisamente o tribunal português, no qual o

administrador da insolvência estrangeiro requer a publicidade em causa, que,

primeiro, verifica se ocorrem, ou não, os dois pressupostos do reconhecimento

constantes das alíneas a) e b), do número 1, do artigo 288º-1, do CIRE, e só depois,

e caso tais dois pressupostos estejam preenchidos, determina a publicidade em

40 Até ao Decreto-Lei n.º 282/2007, de 07 de Agosto, que entrou em vigor no dia seguinte, 08 de Agosto de 2007, Decreto-Lei este que introduziu também alterações nos artigos 37º e 38º, do CIRE, o artigo 290º-1, do CIRE, remetia não como agora sucede, para o artigo 37º, do CIRE, mas sim para o artigo 38º, de tal compêndio legal. Assim, e nos termos da redacção até então, isto é, até 08 de Agosto de 2007, vigente, a publicidade a que alude este artigo 290º-1, do CIRE, deveria ser feita, não só, no Diário da República, mas através de edital afixado à porta da sede e das sucursais do insolvente ou do local da sua actividade, consoante os casos, e ainda no lugar próprio do tribunal, podendo o juiz, oficiosamente, ou a requerimento de algum interessado, determinar também as formas de publicidade adicional que considerasse indicadas (artigo 38º-1, do CIRE, na redacção então em vigor). Mais previa o número 2, do mesmo artigo 38º, do CIRE, um registo oficioso, feito pela secretaria na conservatória do registo civil, se o devedor fosse uma pessoa singular, na conservatória do registo comercial, se houvesse quaisquer factos relativos ao devedor insolvente sujeitos a esse registo, e na entidade encarregada de outro registo público, a que o devedor estivesse eventualmente sujeito, determinando ainda o número 3, de tal artigo 38º, do CIRE, registos no registo informático de execuções estabelecido pelo CPC, a inclusão de diversas informações da página informática do tribunal, e a comunicação ao Banco de Portugal, para inscrição na central de riscos de crédito. Já então entendiam Luís de Carvalho Fernandes e João Labareda no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris Editora, Lisboa, 2005 (edição esta que, frise-se, é diferente da que tem vido a ser citada neste trabalho, que é uma reimpressão de 2009, que inclui as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009), p. 290, que a publicidade referida no artigo 290º-1, do CIRE, se reportava apenas a publicações, como resulta do número 2, do mesmo artigo 290º, não incluindo pois as operações previstas nos números 2 e 3, do artigo 38º, do CIRE, designadamente porque a própria epigrafe de tal artigo 38º, o considera dividido em duas partes, sendo uma correspondente ao número1, relativa à publicidade, e a outra correspondente aos números 1 e 2, referentes a registos, sendo certo que o artigo 290º, só manda efectuar publicidade, e não qualquer registo. Hoje, e a partir do Decreto-Lei n.º 282/2007, a questão está ultrapassada, na medida em que a remissão do artigo 290º-1, deixou de ser para o artigo 38º, desse diploma, artigo este que não contempla quaisquer registos, que se mantêm no artigo 37º, contemplando apenas publicidade, a lervar a cabo por edital, afixado na sede e no estabelecimento da empresa do insolvente, e no próprio tribunal. E por anúncio publicado no Diário da responsabilidade (artigo 370º-7 e 8, do CIRE.

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questão, isto é, defere o requerimento do administrador da insolvência estrangeiro,

no sentido de ser efectuada tal publicidade.

No Regulamento a situação é diferente, pois que nele vigora o princípio geral do

reconhecimento automático por qualquer um dos Estados-membros da União

Europeia da decisão de abertura de um processo insolvência prolatada em qualquer

de tais Estados-membros, incluindo a sentença declaratória da insolvência (artigo

2º, do Regulamento), reconhecimento este que não está dependente de quaisquer

outras formalidades, nomeadamente de qualquer publicidade (artigos 16º-1 e 17º-1,

ambos do Regulamento).

É de recordar aqui mais uma vez que se o processo estrangeiro correr em qualquer

Estado da União Europeia, as disposições aplicáveis são as do Regulamento, e não

as do artigo 290º, do CIRE, que só se aplica se o processo estrangeiro pender em

Estado estrangeiro, que não seja membro da União Europeia (artigos 8º-3, da

C.R.P., 288º-2 parágrafo do TSFUE e 275º, do CIRE), bem como as regras da

hierarquia das fontes.

É ainda de referir que, muito embora, em regra, para que o tribunal português

ordene a publicidade a que se reporta o artigo 290º, do CIRE, seja necessário um

requerimento nesse sentido do administrador da insolvência estrangeiro (artigo

290º-1, do CIRE), isso não sucede se o insolvente tiver um estabelecimento em

Portugal, caso em que a publicidade a que se reporta a tal artigo 290º, do CIRE, é

determinada oficiosamente (artigo 290º-2, do CIRE).

No entanto, para que o tribunal português determine, nos termos do número 2, do

artigo 290º, do CIRE, oficiosamente as publicações em causa, é mister que ele

tribunal português tome conhecimento que, relativamente a um devedor com

estabelecimento em Portugal, foi declarada a insolvência no estrangeiro. Para isso,

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é necessário que algum interessado, maxime o administrador da insolvência

estrangeiro, dê conhecimento disso ao tribunal português, ou que ele tribunal

português adquira esse conhecimento em virtude das suas próprias funções

(exemplo: instauração, no tribunal português, de um processo secundário, a que

alude o artigo 296º, do CIRE). Deverá então o Juíz do tribunal português,

oficiosamente, determinar as publicações em questão, mas apenas após ter

considerado que se verificam os pressupostos do reconhecimento da sentença

insolvencial estrangeira, a que alude o número 1, do artigo 288º., do CIRE.

d)Tribunal português competente (artigo 291º, do CIRE).

O artigo 291º, do CIRE, não tem precedentes na lei anterior, nem correspondência

no Anteprojecto, não tendo também igualmente paralelo no Regulamento (ao

contrário do que usualmente sucede com as normas em questão do CIRE).

A existência de tal artigo 291º, do CIRE, resulta da necessidade de atribuir

competência ao tribunal português para a prática dos actos previstos nos artigos

289º (Medidas cautelares) e 290º (Publicidade), ambos do CIRE. E o tribunal

competente para tais actos é determinado pelo artigo 291º, do CIRE, por remissão

para o número 1, do artigo 274º, do mesmo compêndio legal, sendo pois o tribunal

competente para os actos em causa, o mesmo tribunal que é também competente

para nele serem solicitadas a publicação e a inscrição em registo público, a que se

referem os artigos 21º e 22º, do Regulamento, da decisão da abertura do processo

insolvencial, o que conduz a uma solução unitária que, Luís de Carvalho Fernandes

e João Labareda, entendem ser salutar41.

41 Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 823

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Assim, tal tribunal competente é determinado por um critério dicotómico,

consoante o devedor insolvente tenha, ou não, pelo menos um estabelecimento42

em Portugal, sendo tal tribunal o seguinte (artigos 274º-1 e 291º, ambos do CIRE):

- Se o devedor tiver estabelecimentos (pelo menos um) em Portugal, o tribunal de

competência especializada, ou seja, o Tribunal de Comércio, da área onde se

situa um de tais estabelecimentos, havendo nessa área tal tribunal de

competência especializada, ou então, e não havendo esse tribunal de

competência especializada na área em causa, o tribunal de competência genérica

com jurisdição em tal área (através, eventualmente, de um juízo de competência

específica cível).

- Se o devedor não tiver nenhum estabelecimento em Portugal, o Tribunal de

Comércio de Lisboa, se a massa insolvente integrar uma empresa, ou, no caso

contrário, o Tribunal Cível de Lisboa.

e) Cumprimento a favor do devedor (artigo 292º, do CIRE).

O artigo 292º, do CIRE, não tem antecedentes na lei anterior, nem correspondência

em qualquer preceito do Anteprojecto, sendo contudo similar ao artigo 24º, do

Regulamento.

Nos termos deste artigo, o pagamento efectuado em Portugal ao insolvente, por

devedor dele insolvente, que ignora a declaração da insolvência, é liberatório para

tal devedor do insolvente (artigo 292º- 1ª parte, do CIRE), mas presume-se43 o 42 Entendido no sentido em que o considera o artigo 5º, do CIRE, ou seja, toda a organização de capital e trabalho,

destinada ao exercício de qualquer actividade económica, não tendo pois um estabelecimento em Portugal, aquele devedor que no nosso país se limita a ser proprietário de alguns imóveis, por grande que seja o número destes.

43 Trata-se, a nosso ver, inequivocamente de uma presunção iuris tantum, como resulta, não só das presunções legais constantes do ordenamento jurídico português serem, em regra, ilidíveis, como consta do artigo 351º-1, do CC, nada

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conhecimento da declaração de insolvência, à qual tenha sido dada publicidade,

nos termos preconizados no artigo 290º, do CIRE.

O Regulamento no artigo 24º-2, 1ª parte, consagra explicitamente uma presunção,

que é também susceptível de prova em contrário, ou seja, que é também iuris

tantum de desconhecimento por parte do devedor do insolvente da sentença

declaratória da insolvência que não foi publicitada, nos termos previstos no artigo

290º, do CIRE.

Muito embora o mesmo não suceda no caso do artigo 292º, do CIRE, que não tem

expressamente nenhuma presunção similar, deverá ser a solução do Regulamento

aplicável também neste caso44.

Quanto ao ónus da prova, recai sobre o administrador da insolvência estrangeira

provar que aquele que pagou em Portugal a um seu credor já então declarado

insolvente em processo estrangeiro tinha conhecimento da situação, para que assim

tal pagamento não seja liberatório para quem pagou, que, por isso, terá que pagar

novamente, podendo o administrador socorrer-se, para essa prova, das presunções

constantes do artigo 292º, do CIRE (ou das do artigo 24º, do Regulamento)45.

Este regime justifica-se por razões de tutela da confiança do autor do pagamento.46

indicando no artigo do CIRE em causa que estamos em presença de uma presunção iuris et iure, mas também, do preceito paralelo do Regulamento, que é o artigo 24º, consagrar, como consagra, na 2º parte, do seu nº. 2, uma presunção que, como a norma refere expressamente, pode ser afastada por prova em contrário, ou seja, uma presunção que é ilidível – vide, neste sentido, CARVALHO, Luis Fernandes de, e LABAREDA, João (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, ps. 894 e 895).

44 Vide, neste sentido, FERNANDES, Luis de Carvalho, e LABAREDA, João (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, ps. 894 e 895).

45 Vide, neste sentido, FERNANDES, Luis de Carvalho, e LABAREDA, João (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, ps. 894 e 895).

46 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 4ª edição, Almedina, Coimbra, Fevereiro 2009, p. 271.

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f) Exequibilidade (artigo 293º, do CIRE).

O artigo 293º, do CIRE é também inovador em relação ao direito insolvencial

pretérito português, e não tem paralelo no Anteprojecto, preconizando, como

adiante mais bem veremos, uma solução que é muito diferente da prevista no artigo

25º, do Regulamento.

Esta norma, ao exigir, como exige, que as decisões tomadas em processo de

insolvência estrangeiro só possam ser executadas em Portugal depois de revistas e

confirmadas, muito embora dispense o trânsito em julgado da decisão estrangeira

para que a mesma possa ser confirmada, e, portanto, executada, em Portugal,

adopta uma solução diametralmente oposta à do artigo 25º, do Regulamento, que

aponta para a execução automática, isto é, para a execução sem necessidade de

qualquer revisão e/ou confirmação, em todos os Estados-membros, das decisões

tomadas em processo insolvencial a correr em qualquer um deles. De certa maneira

o artigo 293º, do CIRE, limita o alcance do artigo 288º, do mesmo compêndio

legal.

A revisão e a confirmação da sentença insolvencial estrangeira seguem o processo

especial dos artigos 1041º a 1102º, todos do CPC, com dispensa contudo do

trânsito em julgado da decisão revidenda e confirmanda, trânsito em julgado esse

imposto pelo artigo 1096º-b), do CPC, pois que essa dispensa resulta da última

parte, do artigo 293º, do CIRE.

O tribunal competente para estas revisão e confirmação da sentença insolvencial

estrangeira será o Tribunal da Relação do distrito judicial onde se situar qualquer

estabelecimento em Portugal do insolvente, ou, não tendo em Portugal o insolvente

qualquer estabelecimento, o Tribunal da Relação de Lisboa (artigos 85º, 86º e

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1095º, todos do CPC, artigos estes cuja aplicação não pode ser afastada, com a

aplicação analógica do regime do artigo 291º, do CIRE, dada a diversidade de

situações existente entre aquela a que se refere este artigo e aquela a que se reporta

o artigo 293º).47

5. Processo particular de insolvência

Analisados que foram o âmbito espacial ou territorial e o material de aplicação do

regime constante do CIRE, a competência internacional, o direito aplicável e as

regras sobre o reconhecimento e a execução em Portugal de um processo de

insolvência estrangeiro, vamos dedicar agora a nossa atenção ao chamado processo

particular de insolvência, regido nos artigos 294º a 296º, os três do CIRE, que

constituem o Capítulo III, do Título XV, de tal diploma legal.

Assim:

a) Pressupostos de um processo particular (artigo 294º, do CIRE)

O artigo 294º, do CIRE é também inovador em relação ao regime insolvencial

português anterior, não tendo igualmente correspondência no Anteprojecto. É

contudo similar ao artigo 3º-2, do Regulamento.

47 Vide, neste sentido, FERNANDES, Luis de Carvalho, e LABAREDA, João (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2º edição, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, ps. 897) e SUBTIL, António Manuel Raposo, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Vida Económica Editora, Porto, 2006, página 352.

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Esta norma permite abrir em Portugal um processo insolvencial com efeitos

limitados, processo insolvencial esse que se denomina de processo particular48 49.

O artigo 294º, do CIRE, não é uma norma de conflitos em sentido próprio, pois que

não fixa critérios para determinar a lei aplicável à regulação de determinadas

situações (ou de alguns aspectos delas), que mantém conexões tais com vários

ordenamentos jurídicos distintos, a ponto de mais de que um se apresentar como

potencialmente apto para o efeito de tal regulação50.

Os pressupostos da aplicação deste artigo 294º, do CIRE, são os seguintes:

- o devedor não ter em Portugal a sua sede ou domicilio, nem o centro dos seus

principais interesses (o que é coerente com o artigo 7º, do CIRE), caso este em

que o processo de insolvência particular aberto em Portugal abrange apenas os

bens do devedor situados em território português.

- ter o devedor estabelecimento em Portugal, ou, não o tendo, não poder o direito

invocado pelo autor da acção tornar-se efectivo, senão por meio de acção

proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade

apreciável, a propositura da acção no estrangeiro, havendo com a ordem jurídica

nacional algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real, elemento

ponderoso de conexão esse que, no caso, serão bens do devedor situados em

território português.

48 No Regulamento utiliza-se a terminologia de processo territorial, que Luis de Carvalho Fernandes e João Labareda entendem ser mais apropriada do que a de processo particular (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2º edição, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 889)

49 No caso da abertura do processo insolvencial em Portugal se seguir à abertura de um processo insolvencial, denominado processo principal, no estrangeiro, o processo português denomina-se processo secundário (igual ao Regulamento – artigo 3º-3)

50 FERNANDES, Luis de Carvalho e LABAREDA, João (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, incluindo as notas de actualização dos diplomas publicados até Agosto de 2009, Quid Juris Editora, Lisboa, 2009, p. 897).

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b) Especialidades de regime (artigo 295º, do CIRE)

O artigo 295º, do CIRE, é também inovador, não tendo igualmente

correspondência no Anteprojecto, embora tenha similitudes com os artigos 17º-2 e

34º-2, ambos do Regulamento.

O preceito em causa estabelece as especialidades do processo particular de

insolvência, em relação ao processo comum da insolvência.

O processo particular de insolvência, em tudo que não esteja regulado nessas

especialidades, segue o processo comum, não se podendo pois dizer que o processo

particular seja um processo especial de insolvência, antes sendo um processo

comum de insolvência com especialidades.

Resulta das especialidades do processo particular que, muito embora a sentença

declaratória da insolvência (particular, chamemos-lhe assim), tenha que obedecer

ao artigo 36º, do CIRE, terá nela que se declarar o âmbito material de tal sentença

(bens situados em território português – artigo 274º, do CIRE).

Não haverá também, no processo particular de insolvência, abertura do incidente

da qualificação da insolvência, porque a insolvência em processo particular não é

objecto de qualquer qualificação (artigo 295º-b), do CIRE).

Muito embora haja, no processo particular de insolvência, lugar à apreensão

administração e liquidação dos bens da massa insolvente, tudo levado a cabo pelo

administrador da insolvência, com a intervenção da assembleia de credores, e se a

houver, da comissão de credores, bem como à reclamação e verificação de

créditos, o âmbito de tudo isso está limitado aos bens do insolvente, situados em

Portugal (artigo 294º-1, do CIRE).

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É possível existir no processo particular de insolvência um plano de insolvência ou

um plano de pagamentos, mas com os condicionalismos constantes do artigo 295º-

a), do CIRE.

No processo particular de insolvência não há lugar à figura da exoneração do

passivo restante (artigo 295º-c), do CIRE).

c) Processo secundário (artigo 296º, do CIRE)

O artigo 296º, do CIRE, é também inovador, sem qualquer correspondência no

Anteprojecto, tendo contudo conexões com diversos artigos do Regulamento

(artigos 27º, 29º-a), 31º-1 e 32º-3, todos do Regulamento).

O processo secundário é uma modalidade do processo particular, modalidade essa

que se verifica quando se inicia um processo insolvencial em Portugal, e já está

aberto, contra o mesmo devedor, um processo de insolvência no estrangeiro.

Ao processo secundário aplicam-se pois, além das regras do processo comum,

todas as regras do processo particular, previstas no artigo 295º, do CIRE, com as

especialidades constantes do artigo 296º, do mesmo compêndio legal, ou seja:

a) O administrador de insolvência estrangeiro tem legitimidade para requerer a

instauração de um processo secundário (artigo 296º-2, do CIRE);

b) No processo secundário é dispensada a comprovação da situação de insolvência

(artigo 296º-3, o CIRE);

c) O administrador da insolvência no processo secundário deve comunicar

prontamente ao administrador estrangeiro todas as circunstâncias relevantes

para o processo estrangeiro (artigo 296º-4, do CIRE);

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d) O administrador estrangeiro tem legitimidade para participar na assembleia de

credores do processo secundário, e para apresentar, em tal processo secundário

um plano de insolvência (artigo 296º-5, do CIRE);

e) Satisfeitos no processo secundário completamente os créditos sobre a

insolvência, a importância remanescente, naturalmente se a houver, é remetida

ao administrador do processo principal (artigo 296º-6, do CIRE).

III – As normas de direito internacional privado do CIRE na Proposta de Lei n.º

39/12

A questão da alteração das normas de direito internacional privado na Proposta de Lei

n.º 39/12, é uma questão muito simples e rápida de analisar.

Na verdade, tal Proposta de Lei não contempla qualquer alteração às normas do

direito internacional privado constantes do actual CIRE, na medida em que nela se

mantém completamente incólumes os artigos 271º a 296º, de tal livro legal, que são

os artigos do CIRE, nos quais as normas de direito internacional privado insolvencial

estão plasmadas.

Assim, quanto a esta temática, tudo continuará como até aqui51.

51 Entretanto, e quando este trabalho estava já praticamente finalizado, foi publicada no Diário da República, número 79, Iº série, de 20 de Abril de 2012, a Lei n.º 16/2012, dessa data, com entrada em vigor 30 dias depois, ou seja, em 20 de Maio de 2012, Lei esta que resultou da referida Proposta de Lei n.º 39/12, e que, conforme previsto, não introduz quaisquer alterações nos artigos 271º a 296º, todos do CIRE.

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