marshall sahlins - cultura e razão prática dois paradigmas da teoria antropológica

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  • 8/3/2019 Marshall Sahlins - Cultura e razo prtica dois paradigmas da teoria antropolgica

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    60 Cultlira e rato pratjca

    a antropologia aceitou a especificidade do "pr imitivo" como sua tarefa acadmica,embo ra isso pudesse significar uma ampu taao da sua per linncia pelo menas taodrastica qua nta a rclativizao do materialismo hist6 ri co, 1ntei discutir agui aplaus ibil idade do ponto de vista "duas sociedade - duas cincias': lv/as SOnlcntepara II cga- lo cm U11/ capitulo posterior como uma espc ie de fa lsa conscincia: umatra duao de integ raes diferentes de c6digo e praxis em uma distinao radical nanatureza das saciedad es, como se uma nao conhecesse ncnhum axioma canceptua I. da mesma forma qu e a ou tra nao conhece nenhuma conseqncia prt ica.Acho que isso "falsa conscincia': porque a distinao de saida Iegit ima 0 modo deaparnc ia da sociedade ocidental como sua verdadeira explicaao. A derivaao daorganizao a partir da atividade pra t ica e da consc incia a partir das relaesen tre pessoas ignora a qu alidade simb6lica ordenada das nossas pr6prias institui6es. Mas se por urn lado se conclui que a determinaao da conscincia pela sersocial, coma geralmente en tendida, precisa de alguma reava liaao, pOl' out rolado se conclui tamb m que ela continua, exatamente como , a rnelhor exp licaaoda cincia social ocidental. Pois mu ito dessa cinc ia a autoconcepao do capitalismo.o verdadeiro problema para 0 marxismo e para a antropologia se localiza narelaao entre a praxis e a ordem simb6lica. E esse um prob lema mais bemexplicado a pa rtir da hist6r ia da pr6pria antropologia - exatament e porque ahist6ria da antropo logia um coroIar io permanente da con tradiao da sua exis-tncia camo um a cincia 'ocidental das outras cultu ras. A contrad iao umacondiao original: uma cincia do homem patrocinadapar um a sociedade qu e, talcomo as ou tras, se definiu exclusivamente a si pr6p ria como humanidade e a suapr6p ria ordem coma cultura. Apesa r de tud o, acredito qu e no C3S0 ant ropol6gicoessa soc iedade r e a l ~ e n t e aprendeu alguma coisa das outras - sob re si mesma.

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    m CULTURA ERAZAo PRATICAdois paradigmas da teoria an t rop ol6gica

    A oposiao levantada recentemente por Lvi-S trauss entre ecologia e es truturalisma - dentro de uma unidade de naturalismo mais elevada, ou talvez se trate deum materialismo tra nscenden t a l - nao nova. Em seus con tom os principais, end mica ant ropologia ang lo-saxn ica. Esst conflito entre a at ividade pratica eos limites da mente se insere em um a contradiao ori ginal e basica, entre cujosp6los a teor ia antropol6gica lem oscilado desde 0 sculo XIX camo UITI pr isioneiroque cam inh a compassadame nte entre as mais distantes paredes da sua cela. Muitas da s mes mas premissas que separa m 0 estruturalis mo de uma explicaao poradaptaa a tambm diferenciam Boas de Morgan, Radcliffe Brown de Malinowski- ou mesmo aspectos diferentes de um un ico projeta te6rico, como a nfasecolocada ao mesmo tempo na definiao simb6lica da cultura e no seu determinisma tecnoI6gico na ob ra de Leslie White. As alternativas nesse veneravel conflitoentre utilitarismo e um enfoque cultural podern ser colocadas da seguinte forma:se a ordern cultural tem de ser concebida camo a codificaao da aao intencion alj e pragmatica real do homem, ou se, ao contrario, a aao humana no munda dcvese r compreendidaca mo mediada pela pro jeto cultural, que ordena imediatamente a experincia prtica, a pratica ordinaria, e 0 relacionamento ent re as duas. Adiferena nao simples, nem sera resolvida pela feliz conclusao acadmi ca de quea resposta se encontra em algum lugar no meio das du as ou mesmo em ambas aspartes Os to , dialet icamente). Afina l, nunca ha um verdadeiro diaIogo ent re 0silncio e 0 discurso: de um lado , as leis e foras naturais independentes davontade hu mana", e do outra 0 sentido que os gru pos de ho mens conferemvariavelmen te a si mesmos e ao mundo. Portaoto, a oposiao nao l'ode estarcomprometida; nas palavras de Louis Dumon t, a relao nao pode ser senao umasuperposiao. No fin al, a cultura esta r rclacionada, na sua especificidade, a limaou out ra 16gica dominante - a 16gica "objetiva" da superioridade pnH ica ou al6g ica significativa no "esquema conceitua J': No primeiro caso, a cultura um

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    62 Cu/furc< e f ZaO pra/Ica

    sistema instrumen t.al ; no segund o, 0 instrumental se encontra sujeito a sistemasde uma outra espcie.

    A relevncia dessa controvrsia provinciana para a invocaao da prxis deMarx patente, muita embora, como veremos, a posiao de Marx nao possa seTsimplesmente assimilada ao materialismo empirista reconhecido na antropologia. atravs de uma versao moderada do marxismo, "senao do pr6prio Marx", queLvi-Strauss apresenta muita resumidamente sua pr6pria perspectiva: 1

    Se afirmamos que 0 esqucma conceitual comanda c define as prticas, porque estas,objcto de cstudo do ctn6logo, sob a forma de realidades discretas, localizadas notempo e no espaa c dstintivas de gneras de vida e de formas de civilizaao, nao seconfundem corn a prxis que - neste ponta, ao menos, estamos de acordo camSartre - constitui para as cincias do homem a totalidade fundamental. 0 marxismo, senao a proprio Marx, r a c l ~ c i n o u muitas vezes como se as praticas decorressemimediatamente da prxis. Sem pr em dvida 0 incontestavel primado das infra-cstruturas, cremos que entre praxis e prticas se intercala sempre um mediador, que 0esqucma conceitual, par ob ra do quaI uma mat ria e uma forma, desprovidas ambasde existncia indcpendente, realizam -se coma estruturas, isto , camo seres, ao mesmo tempo empfricos e inteligiveis. [1966, p.130-1 .]Lvi-Strauss continua, explicando 0 contraste coma se fosse uma questo deItividades complementar.es:

    .t para esta tearia das superestruturas, mal e mal esboada par Marx, que desejamoscontribuir, reservando hist6ria - assistida pela demografia, pela tecnologia, pelageografia hist6rica c pela etl1agrafia - a cuidado de desenvolver a estudo das infraestruturas propriarncntc ditas; que nao pode ser principalmente de nossa responsabilidadc, porque a etnologia , antes de mais nada, uma psicologia. [Ibid. )A seriedade da crtica de Lvi-Strauss se apresenta assim dissimulada po r esta

    modesta renncia. Talvcz cIe esteja cedendo uma parte muito grande da suacincia. Se 0 esquema conceitual abrange a matria nos termos de um a existnciahumana, ele nao vern ao cenario da ao pra.tica apenas para acrescentar a interpretao apropriada de fatos materiais ou das relaes instrumentais. Nem a decodificaao do esquema seria confinada " s u p e r e s t r u t u r a ' ~ Esse esquema apr6pria organizao da produo material; ao analisa.-Io, encontramo -nos na p r 6 ~ pria base econmica. Sua presena ai dissolve as antinomias classicas de infra-estrutura e superestrutura, uma "material" a outra "conceitual': clara que ela nodissolve 0 "material" enquanto tal. Mas as chamadas causas materiais devem ser,enquanto tais, a produlo de um sistema simb61ico cujo caner cabc a n6s investi gar, pois sem a mediao desse esquema cultural nenhuma relao adequada entreum a dada condio matcrial e uma determinada forma cultural po de ser especifi-

    Dois paradigmas da Icoria alltropol6gica 63

    cada. As determinaes gerais da praxis esto sujeitas s formulaes espedficasda cul tur a, isto , de um a ordem que goza, por suas propriedades de sistemasmb6 lico, de uma autonomia fundamental.

    MorganAs questes envolvidas na opao entre a 16gica pratca e a significativa travaram,coma ja disse, em dezenas de campos de batalha, cern anos de guerra antropo16gica. Uma reflexo sobre essa hist6ria nos ajudara a clarificar essas quest6cs. Devoadvcrtir, porrn, que a excursao sera um a historia "para n6s" - um a forma detomarmos conscincia de n6s mcsmos na hist6ria - sem qualquer pretensao aostatus de uma "verdadeira" abordagem diacrnica. Nesse sentido, estabeleo oscontrastes entre Lewis Henry Morgan e Franz Boas como um a oposiao paradigmatica, sem referncia s outras figuras do contexto intelectual da poca, cujasinfluncias foraru seguramente crfticas para a controvrsia personificada nos dois.Mais um a vez, deixo de lado ou teo considera6es sumarias sobre um grandenmero de pensadores srios dos ultimos tempos, tanto cm antropologia quantoem disciplinas correlatas, que outras poderiam julgar mais importantes e exemplificadorcs. Talvez esse tratamento cavalheiresco possa ser desculpado por atri bu-Io a um a hist6ria corn a quaI os antrop610gos j:i se familiarizaram: uma versaodo passado como ele realmente 'vivido po r um segmento da sociedade, camo 0.mapa da sua condiao presente (ver Pouillon, 1975)

    Comeo po r Morgan, ma s j me antecipo em dizer que a escolha pode tersido, de certa forma, equvoca. Camo todo [undador, 0 pensamento de Morgantende a ser mais generalizado do que os pontos de vista que divergiram dele,contendo dentro de si os "ge rmes" de quase toda posio posterior. Isso significaque a homem pode ser submetido a muitas leituras t e 6 r i ~ a s , sendo que q1,lalqueruma delas, precisamentc po r se tornar uro mapa para a presente discussao, po desec culpada de desrespeitar a generalidade original. Assim, Morgan foi c a t e g o r i z ado pelos mcios acadmicos mais recentes camo "idealista", devido sua nfase nodesdobramento dos "germes [originais] do pensamento"j coma materialista, po rfirmar a evolu.o social sobre 0 desenvolvimentodas artes de subsistncia; e aindacamo "dualista filos6fico': po r sua dependncia simultnea de ambos. Por ter feitouma aluso "16gica natural da mente", alguns 0 consideravam um "mentalista",enquanto outros 0 acusavam de "racismo" po r ter referenciado a cultura ao organismo (incluindo a famosa transmiss.o de habitos "atravs do sangue"). Sempretender resolver todas essas questes, acho que importante na o confundiruma certa semelhana da terminologia de Morgan corn 0 discurso do modernoestruturalismo, isto , a invocao dos germes originais do pensamento, desdobrando-se em resposta aos desejos e n ~ c e s s i d a d e s humanos, ma s de acordo.com a

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    "164 CI/III/ra c razilo prritica

    "J6g iea nalueal da mente': A m ente aparct:e Il:1 teo ria de Morga n mais como 0instrumenta do dcsenvolvimento cul tur al do que como seu au tor (cf. Te rra y,1972). Mais passiva que ativa, simplcsmcnte rac ional cm vez de simb61ica, ainteligncia responde reflcxivarncnte a stuaes q ue no prod uz nem organ iza, dem odo qu e, no final, 0 qu e realizado cm fOrlll3.S culturais urna 16gica pratica-bio l6g ica nos primeiro s estagios, tecnol6g ica nos ltimos . 0 esquema co nceitualnao a construo da experincia hum ana, mas sua verbalizao, como nas classificaes de parentesco que sao simplesmcnte os term os de uma ordenaao derclaes de fato, efetuados pela vantagcm ccon6mica ou biol6giea. Para Morgan,pcnsamento reconhecimento; concepao percepo; e lin guagem 0 reflexo dedistines que jl tm sua prpria ra zao. A qualidade simb 6lica da cultura noapu rece no esquema de Morgan; nele, as palavras so simplesmente os nomes decoisas.

    Co nsideremos a discusso em Ancient Society a respeito do desenvolvimentodo casamento punaluano, da gens (el) e, nessas bases, da t erminologia do parentesco tu raniano. 0 casamento punaluano fo i para Morgan 0 triunfo da bio logia nasoc icdade, uma grande refo rm a nas uni es consangineas de irmaos e irmas cmum grupo que ele caracterizou camo possuidor da mais rudimentar humanidade.A evidncia crtica desse avano veio do con lraste corn os padres de casamento eas c1assificaes de parentesco do s havaianos contemporneos. A terminolog ia dopare ntesco dos hava ianos comprovava 0 esta do consangineo original, uma vezque todos os homens de um a mes ma gerao eram "irmos': todas as mulheres"irms" e os fiIhos de todos, indiscriminadamente, "filhos" e "filhas': Mas a praticado casamento, a pUllalua, exigia a exelusao das irms do grupo de mulherescompartilhado pelas irmaos, e dos irmaos do grupo de homens compartilhadopelas irms. Morgan concluiu que a contradio entre casamento e parentesco noHavai contemporneo remontava aos primeiros estagios de emancipa o do estado consangineo. Eie nao estava seguro de co mo se produziu exatam ente a proi-biao de casamentos entre irmao e irm; refere-se aos primeiro s passos como"casos iso lados", a lgo no modelo das var iaes ocasionais, cuj as vantagens forampouco a po uco sendo reconhecidas:

    Dada a familia co nsangi nea, que englobava tanto os i n lll OS e irmas co nsangfneosquanto os irmos c irms co latcrais na relaao matrimonial, na familia punaluanabastava excluir os primeiros do grupo, nele consc rva ndo apenas os seg undos.Mas cradificil excl ui r os primeiros e manter os scgu lldos, pois ta l medida impli cava umamudana radical nacomposio da familia, para nao dizer na antiga estrutura da vidadoms tica. Ela implicava igualmente 0 abandono de um privilg io do quai os selvagens no podiam desistir facilmente. Pode-se suporquc essn medida foi IOl/Tada, iniciaI-mente, em casas iso/ados, que SIIt1S valltagellS foram /ellfalllcll te reconhecidns, e que foiadotada a titulo expe rimental durante periodos muita longos. A principio, cla foi

    Dois paradigfltQ$ da tcoria antropol6gica 65aplicada por algum as tribos, dcpois pela maioria, at se r fina lmente un iversa lme ntcad otada pelas tribos mais evo lu idas que se encontrava m ainda no estado selvagem eentre as quais se originara 0 movimento. Sua adoao oferece lim a boa ilustraao doproces$o segundo 0 quai se realiza 0 principio da seleo natural. (Morgan, 1963(1877), p.433-4; grifo meu. Jh mportante perceber a natureza da int eleco humana que Morgan prope

    aqui. 0 exemplo da punalua particularmente adequado, um a vez que comu-m ente utilizado no primeiro ano de antropologia para ilustrar a arbitrariedade dosfmb olo pela observaao de que nenhum sfmio poderia at ingir a distinao entre"espo sa" e "irm a", da mesma forma que nao poderia estabelecer a diferena ent reagua benta e agua destilada. 1No entanto, 0 que Morgan esta dizendo exatamen teo oposto, que a diferena entre "marido" e " irm ao" nao uma construao simb6-lica colocada no mundo, mas a decorrncia racional de lima diferena objetiva nomundo, isto entre homens biologicamente superiores e inferiores. Trata-se deuma percepao da s vantagens biol6gicas como resultantes da diferena, sendoportanto uma representaao em termos sociais de um a 16gica externa a essestermos. A reforma caracter izada pela punalua foi a primeira de um a ionga srieque cul min ou na monogamia, uma srie na qua i a espcie hum(lna livrou-sepro gressivamente de uma promiscuidade original e do s males decorrentes daprocriaao consanginea. E esse primeiro passa resume a noao qu e Morgan temdo . todo: cIe foi efetuado pela observao e pela expincia; ateno s conseq ncias deletrias do casamento dentro do grupo - "os males dos quais aobservaao humana naD podia indefinidamente escapar" (Morgan, 1963, pA33)- a experincia das vantagens mentais, portanto institucionais. do casamentofora grupo. " uma inferncia correta dizer qu e 0 costume punaluano chegou adoao geral atravs da descoberta da sua intluncia benfica" (p .509). Portanto, npensamento reconheClmento e a mente um veiculo pela qu aI a natureza '\compreendida como cultura.

    A exp licao posterior de Morgan da gens como um a derivaao da sociedadepunaiuana e uma codificaao das suas vantagens leva ao mais alto nivel a mesmaconcepao. Enquanto matrilinear, a gens original represe nta 0 acabamento natu-rai da familia punaluana no tempo, dada a impossibilidad e de se verificar a patern idade sob as co ndies maritais existentes. 0 conce ito soc ial de d escendncia ,mais um a vez, uma conscincia de relaes j prevalecentes (p.442). (Em um! 0 uso de m o l ~ " c. "signo" na anlropotogia amcricana, ou peto menos cm grande parte dela,tende a sc dar no sentldo lIlverso das famosas dcfinies de Saussure, em seu CI/rso dt: liugiiisticagcra/;na o anterior "simbolo" 0 verdadei ramente arbitnlrio ou 0 naD motivado , e "signo" 0mOIi.va?O ( c o m p a Langer, 1957, ou White, 1960 .com Saussure, 1966 Il9l 5J). Co ma regra geralsegulr el a usa amencn no, exccto onde 0 contexto clarnment e saussuri nno.

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    66 Cu/wra e razo praticalllomentQ posterior no esquema de Morgan, a descendncia se tornar patrilinearsob a influncia do crcscimento da "propriedade" - termo geral empregado porMorgan para dcsignar a l'osse da "riqueza"estratgica - que a juno na quai 0int eresse econmico, ou 0 desdobramento efetivo dos meias crcscentes de subsistncia, prevalece sobre a vantagem biol6gica como a determinante pratica daforma social.) Exatamente como a famflia punaluana, cuja funao nesse aspectacJa duplica e generaliza, a gens se tam a u accita graas s CCvantagens a ela con ferid;1S", ou seja, a melhoria gentica que deve resultar da regra da exogam ia:

    Vm objeto primario da organizaao Cfa, evidenteme nte, isolar uma metade dosdescendentes de um suposto fundador, evitar 0 casamento entre eles por motivos de,parentesco ". A gens, que se origina provavelmente da ingenuidade de um pequenobando de selvagens, deve ter logo provado sua utilidade na produao de homenssuperiores. Sua prevalncia quase universal no mundo antigo a maior evidncia dasvantagens que da apresentou. (Ibid., p.73-4; cf. tambm p.68, 389, 442.)Por sua vez, 0 sistema de parentesco turaniano reflete a organizao sobre a

    base da punalua e da gens. Na sua distino entre 0 parentesco paralelo e cruzado,cla apenas expressa as diferenas j estabe lecidas na pratica. 0 parentesco turania-no nao mai s que a articulaao criteriosa das distines sociais desenvolvidas pelascleao natura!.

    A teoria pode ser r ~ s u m i d a da seg uin te forma: os homens cedo desenvolveram certas prticas, formas de comportamento, como a excluso de irmaos e1 rm as de unies sexuais de grupo, que provram naturalmente ser uteis e vantajosas. As vantagens foram apreciadas e os comportamentos formulados como mo-

    I dos de organizao - po r exempIa, a farnilia punaluana, a gens - qu e, po r sua, vez, estavam sujeito s reflexaa secundria ou codificaao na terminologia do

    parentesco. A lin ha ge ral de fora da demol1straao, a orientatio do efe ito 16gico,vai dos limites naturais pratica camportamental, e da pratica comportarnental \instituiao cultu ral:

    ( 1) circunstncia -+ pr atica -+ o rganizaao e codificao (instituiao).Para se cornpreender qualquer segmenta dado na cadeia de efeito, deve-se ter

    pa r base 0 segmente precedente; assim como a codificaao expressa organ izaao,tambm a estrutura institucional coma um todo esta referida pratica e a pratica;\ cxperincia no mundo, de tai modo que a seqncia total representa a s e d i m e n ~ taao, dentro da cultura, da 16gica da natureza (a vantagem adaptativa).2

    1 Em termos mais ge rais, uma vez que nos ultimos estagios do esquema de Morgan 0 interesse~ . : o n m i c o sc apossa da vantagem biol6gica, a l6gica bsica poderia ser caractcrizada simplesmentecomo "vantagem pnitica". De uma pcrspectiva ecol6gica, contudo, a diferena se d apenas entremodalidades de vantagern adaptativa . (Na realidade, 0 aumento do estoque uma mctarora que vemd ~ s d e 0 homcm primitivo, passando pelos pastores patriarcais, at 0 capitalismq.)

    Dois paradigmas da teora alltropoMgica 67Mas entao a tcoria de Morgan apropr iada a uma cllltllra no -humana - ou

    melhor, a um a hum anidade nao -cu ltural. TaI camo 0 pensamento a rcconheci mento de uma significaao exterior, as palavras dos ho mens nao sac a conceitodas realidades externas, mas sim 0 seu signo. Consistindo simplesmente na capacidade de agir racionalmente sobre a experincia, a inteligncia qu e Morgan entende coma humana nao difere da de out ras espcies mamfferas, especia lm ente docastor. Na sua famosa monografia The American Beaver and his Works (1968 ),Morgan de fend eu vigorosamente a idia de que "a principio do pensamento" eracomum aos hom ens e aos animais. As qualidades mentais do castor, escreveu eIe,sao "essencialmente as mes mas que aquelas manifestas pela mente humana"(p.252). A diferena en t re essas qualidades e 0 pensamento huma no, "e, porinferncia, entre os prindpios que e1es representam respectivamente, de grau enao de gnera" (ibidem). A semelhana especfica consiste na capacidade de sefazer

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    68 Culll/ra e razao prdtica

    venda-se gradualmente atravs daquele lo ngo perfodo. Morgan fo i UI11 antrop61o go pr-simb6lico. 4Entretanlo, 0 pr6prio conceito do conceito continua em muitas antropologias da praxis recentes. Esta uma premissa implkita,mas decisiva, da filosofia. A

    ana ise deve negligenciar a arbitrariedade fundamcntaJ da palavra -reconhecendo talvez que no haja qualquer relaao inerente entre 0 som-imagem e 0 conceito(idia), supondo, porm, que exista tal relao entre 0 conceito e a realidadeobjetiva quaI ela se refere.5 Assim, a lin guagem s6 simb6lica no sentido de quereprescnta 0 munda de um a outra forma, mas que nao t'cm sentido algum seretirada do mundo; por conseguint e, 0 comportamento do signo em uso, sc naoem invenao. 1Mas a arbitrariedade do simbolo a condio indicativa da cultura humana.6Isso nao se da simplesmente porque a combinaao de sons sheep [carneiro] notem qualquer conexo necessaria corn 0 anima l designado desse modo, da ffieSITIaforma que a palavra mouton, mas porque 0 conceito de carneiro tambm varia emdiferentes sociedades. 0 exemplo acima claramente motivado por urn farnosoexemplo de Saussure, no qua i ele usa a di fe ren a de significado entre sheep emouton para ilustrar a diferena entre va lor e sign ificaao lingfsticos. As pa lavrasfrancesa e inglesa referem-se mesma espcie, mas 0 fazem "em termos diferentes"; cada uma, em vir tude das diferenCaes semnticas das respectivas Hnguas,exprime uma concepo distinta das (e em relao s) espcies. A palavra inglesanao se aplica ao animal quando pronto para ser comido, no seu estado culinario,para 0 quaI ha um segundo termo, mutton; mas 0 francs ainda no foi capaz departicipar da distinao mais elevada entre 0 cru e 0 cozido:

    o francs moderno mouton pode ter a mes ma sign ificaao do ingls slleep, mas nao 0mesmo valor, sso por varias razoes, cm particular porque, ao falar de uma pea decarne pronta para ser levada p1esa, 0 ingls usa l11uttOIl e nao sheep. Adiferena devalor entre sheep e mutton deve-se ao fato de 0 primeiro ter, ao seu lado, um segundotenno,o que nao 0 caso da palavra francesa.Dentro de uma mesma lingua, todas as palavras que cxp ressam idias vizinhas selimitam reciprocamente .. Assim, 0 valor de qualquer termo determinado pela que

    4 Para uma posao scme1hante sobre a Iinguagem na ohr . do antrop61ogo evolucOllista ingls E.B.Ty lor, ver Hcnson ( 1974, p. 16-7).5 Uma vcz que lcm a som-imagcm nem a idia podcrn ocorrer um se m 0 outro, coma argumentouBenvcniste cm se u conhccido comentrio sobre 0 texto saussuriano, sua re1aao cOll5ubstancial eabso lut a, e nesse sentido nao-a rbitrria. A verdadeira contingncia es t:\. entre 0 conccito e a palavra,um::! re1ao quc Benveniste recusa tratar, por consider:\.-Ia fom do objetivo de lingistica 09 l i ,p.43-8).6 "Enquanto encarannos as sensaoes coma signos das coisas que supostamente lhcs dao origem,qualificand o talvez esses signos corn rcferncia a scns::!Oes p::! ssadas que (omm scmel hantcs, nemterernos arranh:ldo a superficie dessa mente humana ocupada de simbolos" (Langer, 1957, pA3).

    Dois parndigma5 da tcoria tinlropoMgica 69

    o ccrea; im poss ivel flXar at mesmo 0 valor da palavra que sign ifica "so l" sem

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    l 72 CI/III/ra c mziio pralica(Ma rx, 1965. p.66J; escrito cm 1845). "Feuerbach, naD sat isfeito ca m 0 pensamento abstrato': escreveu Marx em sua quinta tese, "deseja a contemplao; mas cIenao concebe a se nsualidade COIllO atividade pratica, humano-sensorial." Marxsalientou que cssa praxis deve sel' entendida ca mo social e na sua especificidadehist6rica, nao como a ao de um individuo abstrato e isolado. Entretanto, 0reconhecimenlo do social. comum a Marx e a Boas, foi inscrita com uma diferena de nfases. Marx chegou at a l' ratica e as es tru turas da realidade, construidascam base na ao concreta e presente, cm modos historicamen te especificados, deseres hum anos se nsiveis. Boas tran sfe riu 0 mesmo problema do materialismomecnico para os esquims, e mais tarde para a Costa Noroeste, para descobrir aespecificao hist rica do sujeito que age. A esco lha de Marx v o 30 materialismo histrico; a de Boas, cultura . l 'o fato de a viagem de Boas ter acabado no poder estru turante da tradiaopa rece agora, em retrospecto, incrente s con di6es do seu in c io. Boas comeouquestionando a essncia da tese de Morgan, a expressao da natureza na culturapela mediaao de uma mentalidade refl exiva. Em uma srie de cartas ao seu tio naAmrica , em 1882-3, Boas des creve 0 arcabouo de seu projeto esquim6:

    Embora, no inicio, minh a inten ao fosse es ludar matematica e fisica coma meta final,fui levad o, atravs do estudo das cincias natu rais, a outras ques tes que logo meconduziram geografia, e esse assunto de lai forma atraiu meu interesse que finalmente 0 esco lhi ca mo meu estudo principal. No entanto, a direao de meu traba1ho eestudo foi fortemente influenciada par meu treinamen to em cincias naturais, especialmente a fi sica. Com 0 passar do temp o, fiquei convencido de que meu Weltans-chaullIIg materialista anterior - para Un l fisico, algo muito compreensive l - erainsuslentavcl, c assim cheguei a um nova ponta de vista, que me revelou a importncia do estudo da interaao entre 0 orgnico e 0 inorgnico, sobretudo entre a vida deUlll pava e seu meio ambiente fisico. Assim nasceu meu plana de considerar a [seguinteJ investigao coma minha tarera de vida: at que ponto podemos consideraros fenmenos da vida orgnica, especialmente da vida fi sica, de um ponto de vistamecanicista, e que conc!uses podem se r retiradas de uma considerao desse gnera? fCitadoin Stocking, 1968,p.1 38.1

    13 Dai a rejeiao paraleJa de Boas do dct cnni nislUo "geogriifico" e "econmico", baseado em umano ao de cuhma nao tanto coma uma condiao da rclaaodo homem cam a natureza. massobretudocamo a cOllccpplo dela (po r exemplo, 1965 119381. p.1 7S-7). 'Iodas as questoes fu ndamentas doultimo dcbatc - bem como as di scutidas no capitula 1- eS 130 aqu i prefiguradas: "nao ha razao paradenominar as outras rases da cultura de uma superestrutura sobre um a base econmica, pois ascondies econ micas sempre age m sobre um a c ultura precxistente e elas mes mas de pendem deoutros aspecto s da cultu ra" (ibid., p.I7S). 0 tempo agu:lria a oposiao entre a re alidade material dasimbo lizao c a simbolizaao da ralidade material-que para Boas nao efa nem racionalidade nemdis(arce.

    Dois paradiglllas da /eoria alllropo16gica 73De cert'a forma, a carreira antropol6gica de Boas pode ser caracterizada com o

    um processo no quai 0 axioma or iginaI,la construS,o humana da experincia.Jo itransposto do nivel pscolgico para 0 c u ~ S t ~ ~ k i ~ destaca 0 velho arligo(1888) "Sobre os sons alternantes" como contendo os germes clesse desenvolvime nto e, por conseguinte, do mode rn o conceito de cu ltura. Mais que um exerciciocritico ou metodolgico, escreve Stockin g, esse ar tigo:

    1 prenuncia muito do pensamento antropol6gico moderno, cm direao "cultura ". Ao!1menos pa r implicaao, de v os fenmenos culturais em termos da lI1posiilo detls!!fficaA.o o l 1 c ~ 9 ! ! . ! ! ! 3 9 J ! . u . . ~ ~ ~ p e r i n . c i ~ : Ele os v como h i s t o r i ~ a 7 r ; ~ n d i -. cionados e transmitidos pela pro cesso de aprendizado. Ele os v co mo determinal1tesde flossaspr6priaspercep8esdomUl1do externo. Ele os v em termos mai s relativos queabsolu tas. Grande parte do fin al da obra de Boas, e da dos seus seguidores, pode servista simplesmente camo a acabamento das implicacs presentes nesse artigo.IIbid., p.159; grifo m,u.]De fato, os caminhos pelas quais Boas chegou ao conceito cu ltural foramdiversificados e aigumas vezes cheios de meandros (cf. Stocking, 1968, p.195-223;1974, p.I-20). Vm desses caminhos tem aqui especial importncia, j que foi

    desenvolvido no confronto direto corn Morgan sobre a questao de leis gerais deevoluao socia l. A antropologia modern a tende a considerar essa controvrsia emparticu lar como in feliz, pois a f ~ a g m e n t a a o nominalista, operada por Boa s nocontet'ido das cultu ras para provar a diversidade dos processos de desenvolvmento, entronizou aq uela concepao de "fa rrapos e remendos" do objeto que a etnologa americana leva ria dcadas para expiaI'. Na realidade, Radin criticou, cedo ede forma vigorosa, a noao "quantita tiva" do trao cu ltural separado que Boasdesenvolveu a partir da sua obsessao corn a contestao do evolucionismo (Radin,1966 [1933]). No entanto, 0 desmembrarnento negativo da cultura gerou, forosarnen e, um resultado contradit6rio e s int tico.:Rara BO,as,

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    74 Cul/!lra e razo praticaProcurar-se-a entao levar ao extremo 0 nominalismo boasiano, estudando cada umdos casas observa dos como se fossem outras tantas entidades individuais? Dever-se-aconstatar, de um lado, que as funes atribuidas organizaao dua\ista nao coincidem; e, por outra lado, que a historia de cada grupo social mostra que a diviso cmmetades procede das origens mais divcrsas. Assim, a organizao dualista pode resullar, scgundo 0 casa, da invaso de um a populao pa r um grupo de imigrantes; dafusao, p or fazoes cm si mesmas variaveis (econmicas, demogrMicas. cerimoniais),de dois grupos tcrritorialmente vizinhos; da cristalizaao, 50b forma de instituiao, deregras empiricas destinadas a assegurar as tracas matrimoniais no scia de determinado grupo; da distribuiao no interior do grupo, nas duas partes do ano, de dois tiposde atividade ou duas fraes da populaao, de comportamentos antiticos, mas julga-,dos igualmente indispensaveis para a manutenao do equiHbrio social etc. Assim,seremos conduzidos a despedaar a noo de organizaao dualista camo constituiodo uma falsa, calegoria e, estendcndo este raciodnio a todos os outros aspectas davida social, a negar as ins tituies em beneficio exclusivo das sociedades . [LviStrauss, 1963b, p.lO-l.]A problematica geral de Boas difere, portanto, radicalmentc da de Morgan.Onde Morgan entendia a pratica e suas formulaes costumeiras pela 16gica dascircunstncias objetivas, Boas intercalava um subjetivo independente entre as

    condies objetivas c 0 comportamento organizado, de modo que 0 segundo naoderivasse mccanicamente do primeiro. Ao nivel psicol6gico, onde foi primeiramente anunciado, 0 termo interventor pode ser caracterizado grosso modo comouma operaao mental, gerado pele contexto e pela experincia anterior, que, aogovernar a percepao, especifica a relaao entre estmulo e resposta (figura 7). Aonive} cultural, em direo ao quaI 0 pensamento de Boas estava cm continuodesenvolvimento, 0 termo mediador a tradiao, 0 VoIkergedanken ou 0 padraodominante, que ordena ao mesmo tempo a relaao com a natureza, as instituiesexistentes e a sua int eraao (figura 8).A semelhana das duas f6rmulas corn a de Lvi-Strauss indiscutvel (p.61-2). Na vcrdade, os termos da afirmaao de Lvi-Strauss da sua posiao - emoposiao a um certo marxismo - descrevem Boas corn exatidao, especificandoat mesmo 0 tCl titl1n quid entre a praxis e as prticas como um "esquema conceituai" (ou c6digo). Adotando esses termos, 0 contraste te6rico entre Boas e Morganpode ser estabelecido, de [arma geral, como mostra a figura 9. clara que 0 "esque ma conceitual" tem uma qualidade diferente nessas duasperspectivas. Para Boas, a encodificaao (encoding), enquanto para Morgan acodificaao (codiJicntioll) de distines externas. Para Boas, a sign ificaao do objeto a propriedade do pensamento, ao passo que para Morgan 0 pensamento arepresentaao da signif icaao objetiva. Se na concepo de Morgan pensamento elinguagcm funciOi}2m c o m C \ . . ~ o " l l a de Boas tl-ata-se, essencialmente, de umaproble matica do srmb olo. Na re31idade, a estrutura do simblico desenvolvida por'- '" )

    Dois paradigmas da tcoria alltropol6gica 75

    Boas corrcsponderia s posies empirico-racionalistas do tipo que Morgan manteve, isto , uma forma caracterstica de auto-retlexao cultural, um apelo post-factum racionalidade de pratcas cuja verdadeira lgica nao-explfcita e cujasverdadeiras fontes sac desconhecidas.Boas afirmou que a formaao de uma cultura, como um pracesso de toma I' aexperincia significativa, se exerce necessariamente cm uma teoda - da natureza,do homem, do ser humano na natureza. Essa teoria, contud o, continua naD sendoformulada pelo grupo humano que vive nela. A linguagem um exemplo privilegiado desse processo inconsciente, mas outres costumes, priticas, crenas e proibies sac tamb m baseados em pcnsamentos e idias nao-retletidos e imemoriaveis.Todos eles sac baseados na categorizaao da experincia, na apropr iaao do percebido pelo conceito, exatamente coma nas raizes da palavra ou_2a, sintaxe de uma\ determinad a lingua, a experincia nao s i m p l e s m e n t ~ f e p r e s e n t a d ' - classifica- -

    1 da. E como tod a classificaao deve ter seus princpios, cada lingua , ao rncsmo -V empo, "arbitriria" cm rclaao a qualquer outra lngua e cm relaao ao real, agru-pando, sob uma significaao unica, uma variedade de coisas ou eventos que nasoutras lnguas poder iam ser concebidos e denotados separadamente. Boas exp ica:

    FIGURA 7(2) Nivel psicol6gico

    FIGURA 8

    (3) Nrvel cultural

    FIGURA 9(4) Boas:

    (5) Morgan:

    estfmulo

    meio ambiente

    praxis

    - , ,7"' ,_operaao mental -

    tradiao(V6/kergediinken)

    esquema conceitual(c6digo)

    resposta

    ~ n s t i t u i a o

    praticaspraxis _ prtiticas_ esquema conceit.ual (c6digo)

    , S). ~ c conceitual ilus6ria" do m todo que ele tinha utilizado durante tanto tempo:l ' ,

    1

    {b '1l (j i....i""J 11

    Parece-mc agora desconcertantemente6bvio que a cul tu ra, 0 sistema social e todos os1,) YI h conceitos s u p ~ a - i n d i v desse tipe, tais c o m ~ r e ~ r ~ s e n t a ~ a ~ cole.riva, espirito degrupo eorgan lsmo social, seJam abstraes conceltualS lus6nas l11fendas da observao dos "fen6menos rea is" que sao os individuos interagindo uns corn os outros e. com 0 seu meio ambiente natural. As circunstncias da sua interao levam quasesempre a similaridades no oornportamento de individuos diferentes, que tendemos areificar sob 0 nome de cultura, e faze m corn que os indivcJuos se relacionem uns corn

    os outros de maneiras rcpeti tivas, que telldemos a reifi car coma estruturas ou siste*mas. Na realidade, cultura e sistema social sao meros epifenmenos - produtosdcrivados da interao social de pluralidades de individuos. [Murdock. 1972, p.19. }

    30 Nao obsl antc Leach t enha sido muito influenciado pelas tcnicas estruturalistas francesas. aindaque trcinado nas tr adies de Radcliffe-Br ow n, ele capaz de uma discordncia malinowskiana cornambos. espccili calllcnte qu :mto 3 interposiao de interesses prat icos entre ci rcunstncia e ordemsocial. 1550 cxplicitado em Pul Efi)'a. a que se rcfcre 0 exemplo acima, mas tambm 0 casa cmSistemas po/it;cos dosplana/tos de Burina, na medida em que ele entende a imposiao de um ou out rac6digo alternalivo (gum sa/gumb.o ) coma um Ol escalha ditad a pela vOlntagem polftica. Dai. a necessidade te6rica de Si! assumir uma propcnsao natural para compctir par prcstigio, difcrcntc apenas noconteudo da prcmissa economu:mte da economia cblssica, e pa ra conferir-lhe 0 pOlpel de uma foramotara gera l nos assuntos humanos (1954, p. lO).

    Dois parndigmas da teoria alltropol6gica 99

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    Mas nao se deve deduzir que essa der ivaao da ontologia a partir da metodo*logia represen te uma exceao - ao menos para as cincias sociais - da nossa tesegeral de que 0 conceito nao procede da prat ca_ 0 status empfrico da proposiaosegundo a qu aI a cultura 0 "epifenmeno" de uma outra rea!idade em si mesmoUIua i1usao. a qu e esta\'a presente ao longo de todo 0 mtodo, e que assoma superfic ie aqui co mo a verdad ei ra fonte da proposiao, a sociedade burguesa.Por conseguinte, Murdock simplesm ente pro duz pa ra a antropologia 0 mes motipo de redu ao solipsfstica que Max \.\leber ten tou para a sociologia, com amesma suspensao do coletivo ou do objetivizado em favor d e inten6es individuais. ara, consideremos a noao que Murdock colocaria posteriormente nolugar da chamada cultura, ou seja, "a abordagem da tOIllada de decis6es para 0estudo do s fenmenos sociais" de Frederik Barth, uma abordagem que "focalizaos acontecimentos da vida social em Jugar de seus aspectos ffsicos o u estatisticos,e v 0 comportamento social do ponto de vista das dec ises tomadas por indivfduos na 'alocaao de tempo e recursos' dentre as alternativas disponfveis" (ibid.,p.22-3). A anatomia do homem e do ma caco: 0 ultimo paradigma de Murdock uma forma evolufda daquele contido no funcionalis mo de Malinowski - ai ndaque 0 cruzamento das linhas filogenticas seja aqu i comp lexo, um a vez que, comose refere Kuper ao modelo de Barth, "A visao de Radcliffe*Brown da estruturasocial como uma rede de relacionamentos didaticos reais tornou -se, ironicamen.te, a salvao do homem manipu lat ivo de Malinowski" (I973, p.230). Mas 0

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    100 Cufll/ra e razao pralica

    Julian StewardA perspecliva fundamentaJ de Steward sob re a "ecologia cultural" , cm tcrmasgcrais. a mcsma da problemtica desculturada de Morgan e, no detalhamento dose u artigo paradigmatico sobre os bandos patrilineares ( 1936), corresponde exatamente idia de estrutura social de Murdock. Portanto, s6 valeriaa pena exp-Iaaqui para apresentar 0 contexto paradoxal no quai Steward, e mais tarde Murphy[1970J, co locam sua ecologia cultural - como oposiao bio16gica. 0 paradoxo instrutivo. Scu esclarecimento mostrara como a mistificao da 16gica cultural\ e I 1 ~ ~ " . . ! ' . 1 ) r i o da aao econmica p r o m o v e ? i c a Y : t ~ ~ ~ ~ ~ te da forma cultural. iEm seu prembulo principal quesUio eco16gica sobre os "bandas primitivos", Stward, de uma maneira o'u de outra, arrola as mais importantes condi6estcnicas e sociais dos caadores e coletores - refer indo aigu mas vantagemeconmica, outras natu reza humana, e outras simples mente ao fato empirico. Aupropricdade" terr itorial se entende corn base em que "qua lquer ani mal p ode seassegurar de alim ento e agua de uma maneira n'lais eficiente no terreno quehabitualmcnte utiliza"; os grupos de famflia, co rn base em "uma excitabilidadesexua! crnica" da espcie hu nJ..ma; e 0 bando de fammas, corn base no fato de que"em praticamente todqs os grupos humanos muitas familias cooperam .. . Issoproporciona um tip o seguro de subsistncia" (Steward, 1936, p.332). As principais relaes de produo - a divisao de traba lho por sexo - sao encaradas apartir de sua generalidad e empirica entre os caadores. E isso tambm em relao simp les tecnologia existente, nao apenas como um conjunto de ferramentas emsi mcsmas, mas. tambm como um conjunto evidente em si mesmo de inten6es :a proviso da "subsistncia': Essa tecnologia se desenvolve em areas de recursosalimentares limitad os; dai, os caadores nunca ultrapassarem os pequenos agregados em b;:mdo, da ordem de 20 a 50 pess03s, e apresentarem baixas densidadespopulacionais.

    Dadas essas condies, passa-se a determ inar a base ecol6gica das variasformas de banda; "patrilinear", "matrilinear" e "co mposta". Como na an,i1ise deMu rd ock, 0 elo critico ent re 0 meio am bien e e a estrulura social a prticaresidencial. Steward concentra suas atenes sobre 0 tipo de bando mais difun dido,o patrilinear, que ele entende como a fo nna lizaao da residncia pa tr iloca l. Nap rim eira versao do estudo (1936), a patrilocalidade explicada pela dominnciainata do macho e pela importncia econmica dos homens nas culturas caadoras(p.333). Em uma versao posterior, a patrilocalidade rc1acionada particularm entesuas vantagens econmicas cm areas de recursos animais dispersos, mas fixos:"cm um mcio ambiente no quai 0 principal alimento seja caa no -migrat6ria ed ispe rsa, \'antajoso que os homens permaneam no seu territ6r io geral de nasc-

    Dois pamdigma s da /caria (lIJ /rol'0l6g ica 101mento" (is to , de vez que ja conhecem 0 territ6rio ) (I 955, p. 135 L Com a patrilocal idade assim estabelecida corn base na sua superio ridade econ6mica, a estruturado bando deco rre como reconhecimento e articulao - de uma maneira agorafami liar a n6s. A residncia patr ilocal deve agregar pa re nles l r i l i n e a r e s ' ~ Conseq en tem ente, 0 tabu do incesto imposto ao nivcl do ba ndo , e 0 grupo organizado coma uma patrilinhagem exogmica. Resumindo a questao em termos gerais: a eficincia econm ica em um dado conjunlo de circullstncas tcnicas e ambientais requer certas prticas e relaes sociais (residncia patrilocal)que, por sua vez, so fo rmuladas e cod ificadas como uma estrutura social (bandopatrilinear). Pu ro Morgan.3 !A proposiao tambrn pura praxis. Pois para da os "padr6es comportamentais de trnba/ho" "exigidos" pela contexto ecol6gico que se realizam sob formacultura l. Murphy expl ica a posio de Steward:

    o rneio ambiente por si mesmo naD 0 fator critico, t'ois os "padres de compartamento" ex igidos na sua explorao atravs do usa de ccrlos "dispositivos econmicos" que so os e1ementos-chavcs. Esses padres de comportarncnto sac 0 lrabalhoea lecnologia, os "dispositivos econmicos': Dc uma fo rma muito simples, a teoriadaecologia cultural esta envolvida corn 0 processo de Irabalho, sua organizaao, scuscidos e ritmos, e suas modalidades situacionais ... (1970, p.155 J.... Os padres de trabaillo sao diretalllelite derivados das fcrramclltas e recursos aosquais eles sao aplicados, e esses dois falores servem para limita r as atividades humanas s quais cstao relac ionados [p.156]. E da (!f/{lisc da atividadc, emiugarda muilisedas institues e vaiores, que a teoria deriva.Essas atividades sac aquelas pertencentes ao cido de trabalho e delas emerge aestrutura da sociedade Shoshone [p. 156 J ...o ponto que desejo enfatizar que 0 dominio da ao social enyolvido na produomaterial, islO , 0 trabalho, encontra-se subjacente ao sistema social Shosho ne comoum todo. Os recursos sao a objeto de trabalho e ai jaz sua importncia para umac o m p r e c da sociedade e da cultura ... Como abjctos de trabalha, eles possucmcerlas caracteristicas imadificveis s quais a trabalho deve sc adaptar para faz-Iosacessvcis cxp loraao. As ferramc ntas devem sua posiao central na analisc dasocicdade sua co ndiaa de instrumentos e mediadorcs do trabal ho. 0 uso de fcr ramentas requer certos mados de comportamellto, e a ap licaao desses inst rum entos amateriais induz a pos teriores ajustes de cornportamento [p.1571 .

    31 0 parildigma praxis - pdticil- estrutura, generalizado por Ste ....ard na forma de "trs procedirncntos fundamentais da ecologia cultural": "Primeiro dcve se T lI1alisado 0 inter-rdilcionamentode tecnologia explorativa ou produtiva cam 0 mdo ambiente ... EI11 scgundo lu gar, devem seranalisados os padres de comp ortamento envolviclos na exploraiio de uma rca particular por mdode uma teenologia partieular ... 0 terceiro procedirnen to para detcnninar ah! que ponto os padroesde comportamento rcqueridos na cxploraiio do meia ambicnte aCctam outras as pec tas da cuttura"(195 5, pAO-I).

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    102 CI/II/ml c raziio prtilica

    A t",oria e 0 mtodo da ecoJogia .cultura l nao sao UIl1 tipa de determnismo ambienuJ. nem ~ s t a o mesmo basicamente preocupados corn 0 mcio amb icnlc. Trata-se de~ e o n a c u l t ~ r a sem ser "culturolgica" ou s u p c r o r g i c a > ~ E mais, urna tcaria

    ~ : : a", no sentldo cm que esse terma foi usado cm sociologia . Embora reconhecen'::0 que 0 c?mportamcnto , cm boa parle, regulado por normas, v tambm as narmas'mo slIrgllldo 110 primeiro piano d - . 1 d "c aao sOCJa , e sen 0 wl1a cnstaltzniio do comporta_7 : ~ - n t o que, por sua vez, mantm esses padr6es comportamcntais [p.163J ... as ferra~ ~ n t e recurSQS rcquerem [grifo de MurphyJ aIguns lipas de comportamento para

    m t e g r a d o ~ corn sucesso, e essas exigencias _ 0 processo de trabalho _ pres.cm segUlda a es trut ura social gcral fp.163; todos os grifos sao meus corn ase...,\: (eoes cxpressas. )32.... . ~ [ ~ ~ p h y n t i n ,fa.zendo ~ m a eloqente defesa dessa "ecologia cultural",I . ~ n . r a . .. ) reduoes blOloglCas da nova ecologia" (da quaI Vayda, Sweet e Leeds sac.:lt JOS como expoentes) 33 A der ,_ ..:: . , . ' .. lcsa, porem, nao se faz sem contradles e, nounl1. das contas, dlflctl dlstmguir as duas posies, a nao ser por diferenas de~ n U m e n t

    . aco rdo corn Murph y, Steward pensava a sociedad e como um modo distinrl llltegraao. e, como tal .nao-subord in ada natureza. Ordenada por idias et l \ . d a d . e s ~ a s o c ~ e d a d e goz3na de uma re lativa autonomia. Mas para apresentar ai l t r a d l ~ 3 ? sucmtamente, as idias sac sobre atividades, enquanto que a razao

    -:6$3.5 atI\dades nao pa ssa da sua eficJ:. , . d ' ,. ' 1 dC l a pratlCa em eterrnmadas clrcunstn-'tas de mod . , . d 0 que 0 pnnclplO a ordem cullu ral permanece sendo 0 princfpio.:ultural da vantagem adaptativa. Como 0 pr6prio Murphy observa (na passagem~ . : A. intere:ssante obra te6rica de Murphy (297!) cl ', d uI . parte a mesma duahdade de aao e normaK" la e e c tura, e das premissas irreconcT . cl . . . . ' _ u! al 1 ve ls e que a atlvldade gera Idlas e a percep\o ,'. I,;.:n .w: tur mente de modo qu 'l ''.' d' - . ' _ . ~ s e sempre 1us6no (por exemplo, p.34-5, 55, 90- 1, 100-2). As~ n ~ IoeS de uma Interaao dlaltu:a tornam-se en tao contradi d 6 ' M h! t:.\1d..;.de anles da idia que a recondi :1 d .. es 0 pr pn o urp y, corn a. . ' p . 0 a atlVldadc, estando essas duas proposies rclaciona-_;J!> po. uma negatlvldade aleat6na ' I)o r ex 1" b , . ; ~ 1 - 1 - . COlI' 0, cm ora cu tenha argumentado que as idias so, , " . ; l . . . , ~ a aao, e as no sao apenas um rc(\cxo 1 . 'd dL.:. , ; 'cl ai ' . (ess a atl\'1 a co u uma reafirma:1o dela na forma. l1l""Il.iCa el ' : . Ao contnlno as Idlas in 1 . d _ ..... "d d d ' ,c l1n 0 as que sao 1l0nnatlvas elll uma sociedade podern.. l.! a rea.u a e a comporlamento IJode " . ', : ; d cl '. .' III rCJI1tcrp rcta_la de acordo corn out ras estruturas de~ r u n . .. 0, po em sunphfic:ila e dlstorc la ou d . cl.' _ '.' 1 . . -, po em:llll aem rar cmconfli toabertoeconscientc,. fi a a30 SOCldJ. sso n:1o slglllfica que 0 sist . ' .... _ . cilla Ilormaln'o n:1o esteJa relaclonado condula poisJ.; ! ~ m . s s.ao < precondl:1o da atividadc" (p.158). '~ ~ ~ : a ( " ~ ~ g i a ' , como dey? a l l . ) : \ - I : l p:r:1 distingui_la da ecolog ia cultural de Steward, est.. ' 1 .... .. aptao c coerCJlCI

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    10 4 CI/hum c mzdo prtlticilEssa naturalizaao da econon:-. do caador-coletor. ev id entcmen te, 0 saberan tropo16gico a c e i t o . 3 ~ E isso km a ver dire lam cnte com uma explicao "ecoI6 -gica" da cultura total. Por ignoraf 0 c"rater hist6rico do s objetivos econ6micos,

    tanta cm qualidade coma em quantidade, ta illa nos bens particulares que se tentaproduzir quanta na intcnsidade do processo. carece ainda da organizaao culturalda relaao corn a cultura. 3S Neill l11CSIllO os caadores esto engajados cm limasimples economia de subsistncia. Toda grupo distingue a comestivel do nao-comestvel e no apenas para a p o p u l a como um tod o, mas para classes especificas de idade, sexo e cond ies rituais tais C0l110 sao loca lmente defin idas. Alm domais, uma porao de exemplos do s aborigines austra lianos serve para rnostrar quediferentes tipos de troca intergrup al tm im plicaes correspondentes sobre aintensidade e os padres sociais do tr abalho. Os aus tralianos sao mesmo capazesde um totemismo concreto, no quai os grupos de vizinh ana se espec ializam naproduao de diferentes objetos utilitarios para comerciar a partir de materia isigualmente di sponveis para todos, duplicando, desse modo, no plana econmica,os ritas e a in terdependncia de gru pos imaginados no sistema totmico. Emsuma,O que Steward deixa de lado a organizao do trabalho como um processosimb6lico que opera tanto nas reIaes de produo co rn a nas suas finalidades. Aatividade da produo ) ao co nt rario, desconstituida culturalmente, para darlugar constituiao da cuhura pela at ividade da produao.A que sUio real colocada antropologia par essa raZaO pratica a da existnciada cultura. As teorias da utilidad e j mudaram mu itas vezes de roupa) mas adesfecho sem pre 0 mesmo: a eliminaao da cu ltura - camo objeto distintivo dad isciplina. V-se, atravs da va ri edade dessas teor ias, dois tipos principa is queco rrem ao 10ngo de dua s eSlradas diferentes em direao a esse fim comum. Umtipo nat uralistico ou ecol6gico - por assim dizer, objetivo - enquanto asegundo utilitario no sentid o c1assico, ou economidstico, invocando a familiarrclaao meios-fins do sujeito humano racional.o naturalismo compreende 3 cultura coma 0 modo humano da adaptaao. Acultura, desse ponto de vista, uma ordem instrumenta l; concebida (segundoH "Um hom em que passa a vida seguindo animais apenas para mata-los e com- Ios, ou passando deurna moita de fruteiras para outra, na realidadc vive coma um an imal" (Braidwood, 1957, p.122j cf.$ablins, 1972, cap.l Lee e De Vore, 1968).35 a que esta falt:mdo especificamentc a intencionalidade cu ltu ral corpor ificada no c6digo deobjetos descj:\.\'eis, Coma l3audrilJard explica cam muila propriedade, um "objeto d e consumo lepOl 'tanlo de produ:io] existe da mesma forma que um fonema tem um significado absoluto emlingistica. Esse objeto naD adquire signific:ldo nem numa rclaao espedfica corn 0 sujeito, . nemnuma rela:io operativa COrn 0 mundo (0 obje toutenslio)j cie s6 adquirc significado atravs de suadi ferena dos ou tras objetos. de acordo cam um c6digo herarqu ico" (1972. p.61). Sendo este 0 casa,o!lo h :\. "necessidades a nao se r aqueJas Inecessidadesl de que a sistcma nccessita" e isso nao se daporque 0 consumo uma funao da. produao, mas porque a cOI!SIII11/nalivit um modo estrutur alde produao (ibid., p.89).

    Dois paradigmas da tcoria alllropolOgica 10 5

    cada escola eco16g ica em particular) camo engajada na reproduao de si mcsmaenquanto cultu ra ou na man utenao da populaao humana dentro de limites deviabilidade biol6gica. Em qualquer caso, a praxologia "objetiva" no scntido deque a explicaao con siste em determinar as virtudes mate riais ou bio16gicas dedeterminados traos cultu rais; naO ha qualquer demanda te6r ica de qu e os atoresfaam seus calculos diretamente em util idades adaptativas; pelo contrario, os maistriunfantes eurekas! serao reservados para a demonstraao de que 0 fazem malgreux. 0 ato final para a cultura consiste na sua absorao, de uma maneira ou deoutra, dentro da natureza. Ou a pratica cultural um modo comportamental deapa rncia das leis da seleao na tura l, exatamente como qualquer "cornportamenta especfico de espcie>l, ou ela se in clui dentro de um ecossistema mais geral que,soz inh o e camo um a totalidade, desfr uta do s poderes de auto -regulaao ou "mente': e cujas limitaes se d o sob formas cultu rais.Mais do que par uma pragmatica de formas culturais, a utilitarismo subjetiva esta, em contraste) preocupado corn a atividade intencional dos indivduos napersecuao dos seus pr6prios interesses e das suas pr6prias sa tisfaes. Pode-sedizer que este segundo tipo de teoria pragmatica pressupe um Homem Econmica Un iversal, corn um conju nto relativizado de preferncias, isto , um homemagindo racionalm ente em direao a metas que variam contudc je sociedade par asoc iedad e. Essa relat ivizaao , portanto, uma acomodaao var iaao cu ltural,mas tambm sua apropriaao) coma premissa, pa r tl,ma explicao que pretenderepresenta-la ca mo conseqncia. Nessa praxologia, a cultura tom ada coma ummeio amb iente ou 0 co njunto dos meios disposiao do "individuo que age': etambm camo um a resultante sedimentada de suas maquinaes au to-nteressadas. A soluao caracterist ica da cultura portanto solipsistica na forma. Apenas osatores (e os interesses considerados a priori como seus) sao reais; a cultura 0ep ife n meno das suas intenes.a os esses tip o?ae rzio pratica tallonlfiTefilomm uma conpaoempobrecida da simbolizaao hu ma na. Para todos eles, 0 csquema cultural 0signo de outras realidades, obedecendo no final em seu arranj o interna a outrasleis e outras 16gicas. Nenhu m deles foi capaz de explorar a fu ndo a descobertaantropol6gica de que a cr iaao do significado a qualidade q ue distin gue e constitui os homens - a "ess ncia humana" de um discurso mais an tigo - de modoque, pelos processos de valorizaao e significaao diferenciais, as relaes entr e os1ho mens)bem coma entre eles e a natureza, sao orga nizadas. ____ ,__---------- ....- -A razao culturalNos paragrafos iniciais deste capitula. referi-me rel ao exislent e ent re a proposta cu ltural e a proposta pr tica coma uma oposiao dclica e repetitiva q,ual a

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    106 Cul/u ra e raziio pra/icaan t ropo log ia se m ant eve presa nos ultimos cern anos . As sim, exatamente coma na, soc iedade no rte-ame r ican a, onde tud o qu e essencialmente 0 m ais co nvencio nal t ido com o 0 mais natural, comeou em d esvantagem a lut a pelo reco nhecimento) Il .. 1. ) da perspect iva cultural q ue pode ria ser qualificada como uma tentativa de Iibertar

    ..' ~ , ' . , .,,-, f) ) an t ropo logia dos grilh es do natu ralismo. Desenvo lvida tant o na Eu re pa com a; nos Estado s Unidos, essa lu ta se tem caracterizado nao som ente po r um a m aior!co nscin cia an trop ol6gica a resp eito d o simb6lico, mas tamb m por uma pe netra-, '" ; \ ~ - '1 ao crescen te no cam po d a a na lise do p rat ico._,1 l

    t\ 1) ,p l . ; No que se refere aos Estados Uni dos, os pr6pr ios di scipu los de Boas tomaram\",(. , . . :,a si a defesa do seu co nceito d e cultura com a es tru tu ra sign ificativa in terp osta

    n tre a s circunstn cias e 0 costu m . Esse conceito foi pos terio rm en te d esenvolvido , sobretud o pa r Ruth Benedi ct, qu e sus ten to u a idi a de uma 16g ica or ientadoraq ue re unifica ria os frag m en tos espalhados po r Lowi e, alin havando-os pa ra forma r padres con siste n tes de cultura . Segundo Bened ict, a ordem s er ia prod uto dain fusa o d e significados e .atitudes co mpa raveis e nco n trados em todas as pr aticasd a cultu ra. Nao se tratava, clare, de um c6 di go di fe rencial, ma s de um opratoireglob al qu e organi za 0 mei o ambiente, as relaes soc ia is e, acima d e tudo, ah ist6ria, u m filtro seletivo que redu ziria 0 caos em pote ncia l dos emp rstim osculturais (a di fusao) po r m eio de um crit rio de ace itaao e um a atribuiao designificado ( Benedict, 1961 11934]J .N a obra d e Leslie Wh i te, outro conh edd o ant rop61ogo norte-am ericano, 0p arad igma d e Boas coiwive corn 0 de Morgan, se m qu e, no en ta nto, seja alcanadaa unidad e do s opostos te6ricos. Essa ambivalncia presente na filosofi a de Whitepo d e nao ser idiossincn i tica; co nstitui um reconhec im ento legftimo de quea razaopratica e 0 simb 6lico coabi tam, sem suscitar muitos com enta rio s ou escndalos,n a maioria d a.s teori as antropol6gicas. Par a "White, as idias s o, por um lad o) arefIexo da base tecnol6g ica , seja d iretam ent e, seja po r mediaao das relaes sod ais igu alm en te dete rm inad (\,s po r essa base. Aqui) sua form ulaao te6 rica provmdi retamen te da epistemologia de Morgan. As idias qu e os ho m ens elaboramsob re 0 mundo d eri vam necessa riam en te do m od o pei o q uaI 0 conhecem pelaexperi nd a, e essa expe rincia, por sua vez, de pende d o m odo pela q uai se ar ticulam tecnic am ent e ao mund o:

    Os sistcmas ideol6gicos ou filos6ficos sac 0 produto da organizaao de crenas nasqua is a experincia hum ana encontra sua interpretao. Mas a experincia e) emcons eqncia, as in tcrpretacs sao profundamente condic ionadas pelas tecnolog ias.A cada tipo de tccnologia corresponde um tipo de filosofia. A interpretaao de umsistema de experincia do quai m TI coup de pO n t um t rao caracterfstico refletiraneccssariamente esse tipo de experi ncia. Nao seria impr6prio falar em u m tipo de

    50co (cm f r a n c ~ s no original).

    ..

    Doi s paradigma s da tcoria alltropoMgica 107filosofia coup de poing hem como de uma tecnologia coup de pOng ... Vm determinadotipo de tecnologia encontra cxpressao na filosofia do lotemi slllo, outro tipo na astrologia ou na mecnica qun tica. (\o\'h ite, 1949, p.365-6.)

    Co m o as id ias decorrern das co nd ies tcn icas da percepao, a evoluao dafiloso fia , em sua essncia, concebi da por \'\Thi te co mo a passage m d o estagio d afalsa conscincia pa ra 0 estagio da verdade ira con scincia, a tr avessando 0 curtope riodo de tra nsiao da metafsica. Ao dispor de recur sos tecnol6g icos cada vezm ais eficazes pa ra tidar corn 0 mundo, 0 sup ern atu ralismo pr im iti vo) cor respondente rep rese nta ao antropom6 rfica de um a igno rncia fu nda mental, deveriafo rosam ente dar lugar a uma filoso fia c ien tifica baseada no co nh ecimento objetivo. Pa r ou t ro lado, White insiste no ca rater u nico do "co m porta mento s imb6lico': isto , u m sistema d e s ign ificado s q ue ind epe nd e da realidade fisica. Conseq entemente, 0 modo pelo quaI 0 mund o "experim ent ado" nao constitui umsimp les processo sensorial determin ad o pela exposiao di reta da realidade percepao por m eio d a tecnologia. 0 pode r qu e 0 ho m em tem de co n fe rir significado- experinda co m o a tribu iao d e signi ficado - co nstr6i o ut re tipo de mu ndo :

    o homem difere do macaco e, ao que sabcmos, de todos os out ros sercs vivos por sercapaz de um comportamento simb6lico. Corn palavras, 0 homem cr ia um novomun do, um mundo de idias e filosofias.Nesse mun do, a existncia do homem toreal quanto no mund o fisico de seus sentidos. Em ve rdade, 0 homem sente que aqualidade essencial de sua cxistncia consiste em ocupar esse mundo de sfmbolos eidias - ou, como s vezes cie 0 chama, 0 mund o da me nte ou do espirito. Essemundo das idias da provas de uma continuidade e de uma permanncia q ue 0mundo externo dos sentidos jamais podeni ter. Ele naD feiro apenas do presente,mas de u m passado e tamb rn de um fu turo. Tcmporalmente, nao co'nsiitui umasucessao de epis6dios desconcxos, e sim um continuum que se estendc ao infinito emamhas as dire6es, da ctcrnidade etern idadc. (Wh ite, 1942, p.372.]Mas en ao, nessa perspectiva simb 6 lica - qu e se opoe co nscincia positivista e ut ili ta ria atravs da exposiao tec nolgica - a ferrame nt a , ela p r6p ria,

    um a id ia. A ferramenta "nao um me ro objeto mate rial o u me sm o u ma im agemsensorial como pod e ser para um macaco. tambm uma id ia" (White, 1942,p.373). Se um m achado de pedra gera deter mi nado tipo de filosofia, ncm p o r issodeixa d e sel', ele pr6p rio, u m conceito cujo significado e uso - com o oco rre co rntodos os conce ito s - so flXados, nao por suas pro pri edad es o bjetivas, ma s pelasiste m a d e relaes en tr e simbolos. Assim, a d ete rm inao tecno l6g ica d a cul tu ran a teori a evolucion ista de White atua lado a lado com a d eterm in aao cultur al datecnologia em sua teor ia simb6lica :

    -"$,. t

    processo slmb6 hco ; ao contrano. s6 0 reverso parecI3 verdadelro, Qu e dizer enHio f- il: 1Ol . t.!!r complexidade, .1\ \ ..::rW -": por isso que nooes ~ u e se elaboraram sobre 0 modela das coisas sociais podem , , ~ 1 . . ..3)udar-nos a pensar as COJsas de outra natureza l o b s e ~ v e m a idia exatamente oposta dvode Lvi-Strauss do "chamado totemismo''J. Ao menos, sem duvida, quando elas se .desviam da sua significaao primeira, essas noes descmpenham, em um senti do. 0 O ~ t!Lpapel de s h n b ~ l o s ; trata-se de simbolos bem fundamentados, Se, pela fato mesmo de -que so conceilos construfdos. entra neles a artificialidadc. uma artificialidade quesegue de perto a natureza e que se esfora par se aproximar dela cada vez mais,IDurkheim, 1947 (1912), p.18-9.}~ a o yale a pena e s t ~ n d e r - s e nessa recuperaao da sociedade pe la natureza, ou

    n_a ~ r a l i z ~ a o do s i g ~ de,outras contradi?es p a r ~ u ~ l a melhor compreen-saD s o c l O 6 g J c do que DurkheIm apresenta aqu J. Basta md lca r certas conseqn-cias da distinao en tre eStrutura social e conceito mental coma realizadas em um aa,ntropologia posterior, A r 1 s m a a p r e c ~ a o incompleta do sfmbolo. isto , como .. . ....su n pies representaao de rea lidades cont inua a perseguir 0 funcionalismoest rutural desenvolvido po r Radcliffe-Brown e outros em uma base durkheimia-na,44 0 "simb6lico" fo i. na maior parte dos casos, tomado no sentido secundrio

    gruas interveno anterior dOlS idias de tempo, espaa e causalidade" (1919, p,155ss,). Gostaria deugradecer a Mark Franci!lon por chamar minha ateno para cssa passagem e para esse livro.44 Jamesoll atriblli, qllase maneira de VVhorf, ao reflexo representacional na cincia social angloamcricana a prcferncia pelo termo "simbolo" em oposiiio utilizaiio (rancesa de "signo", e atendncia dM resultante de se relacionarem os termos em \ l l l l sistema scmi6tico cujos principios de

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    120 Cllttura c ra ziio prtftica

    c derivalivo de uma moda lidade ideal do fato soc ia l, uma expressao ar t iculada dasociedade, tend.o a fun ao de apo io para rclaconamen tos farmadas por pro cessos., " ,t polticos e econl-qicos reais. O ~ n e s m o cfcito dada pe la arbitnl ria diferenciaoJ entre "cu ltura" e dsistema socia l" na escola inglesa, com o se as relaes sociaistam bm nac fosse m compostas e organizadas pela significado . Na realidade, mcdida qu e 0 sign ificado considerado como 0 mera "conteudo cultural" derelacionamentos cuja estrulura formai a preocupaao verdadeira, 0 simb61ico simplesmente uma condiao variavcl ou acidental do objeta antropol6gico. cmvez de sua pro pr iedade definid ora. Mesmo os trabalhos mais valiosos sobre aconceitualizao da natureza, 0 de Mary Do uglas, po r exemplo, tendem a tro car 0valor scmntico das categorias pelos se us efeitos sociais. Em termos mais precisos,

    um tende a ser iden tificado corn 0 outre - conteudo significat ivo corn valor~ o c i a l (no sentido dado pp r R a d c l i f f e - B uma ifaiao -q ue" tomacomo ce rto que 0 pensamento huma no serve aos interesses humanos e, consc-"qentemente, traz cons igo mesmo, cm qu alqucr mo men to, as configura6es so-. ciais daquele tempo e lugar" (Dc:Jglas, 1973b, p. 11 ). 0 efeito disso uma vi saou nilateral do significado como dia critica social, e da o rdem cultural total comoum projeto utilitario. .,....--...Reconhecendo dai doutrin as epistemol6gicas de A sformas elemetlta-res da vida religiosa, Dou glas promove a adoraao de Terminus, 0 deus dos ma rcosfronteirios. Para eIa, a ord enaao da natureza uma objetificaao, ou melho r,u ma expresso nas regras para lidar corn os objetos, da diferenciaao dos grupos

    r __ ,-_1 . Jhumanos. 0 significado coerentemcnte sacrificado marcaao socia l. Os c6di"- . ... ~ o s culturais de pessoas e objetas, como as correspo ndncias entre eles, sac co nsu':::. J) 1midos em implica6es abstratas de inclusao e excluso. Pois no pro jeto te6rco. l ' j tot al,o smbolo nao mais que um signo que nao gerativo de significncia em

    . f ' ~ virtude do scu luga l' em um sistema de s imbolos, mas empiricamente motivada

    !a 1

    t: f' l ,! por realidades sociais existcnt es, as qua is, coma os "interesses humanos" que sed f" sup6e constitu f- las, fogen\ a qua lquer exp licaao sgnificat iva.45 Mas, en ao, nao se. n':.., 0 ') ,j.z. .

    diferenciaao ordcnariam a refernCa objctiva. A diferc na de predi lees analiticas pareee rcal,rncsmo se a expllcaao nac for inteiramente convncen te (accitando-se 0 USQ corrente do (rancrs dapalavra signe): " 3 etidcia da terminologia anglo-americana, da palavra 'sim1>olo', a de di ri gir nossaatena! para 0 relacionamento entre as palavras e scus objctos o u refcrcntcs no mundo T a l. Narealidade, a pr6pr ia palavrn '51I11 bo lo' implica que a rclaao entre patavra t,coisa J.1li.q s_ja totalm e'!!.c~ f b j t r a r ~ ' 1 - , que exista algum a adcquaao basica na situao inicial.Aco nlece que, desse pon to de vista,a tref:rmais importante de in\'cstigaao lingist ica consiste cm uma busca de refere ntes, frase porfrase, uma a,uma ... Saussu re, por outra lado, dcsviousc, devido sua pr6pria terminologia, de Iodaa quesU'io dos referentes tiltimos do signa linglstico. As linhas de Irajct6 ria do seu sistema saclaterais, de lin signo p l r ~ outro, ein vez de frontais, da pabv!"a {eo ria. um movirnenlo ja absorvidoe interiorizado no pr6prio signa coma a ll1ovimento do significanle ao significado" (Jameson, 1972.p.3I2).45 "Se fossemos Deu s, pode riamos 1er imaginado um pIano melhor? Se quisssemos cscalher umpava para n6s mesmos, revclar-lhe Ul1l l yiso l1l ono teistica e dar-Ihe um conceito de santidade qu e

    ii . HilL L 1 I H .

    Dois paradigmas da tcoria alltropo/6g ica 121

    pod eria espe ra r que a 16gica simb6lica fosse mais sistematica que as maneirasincorretas pelas quais as pessoas usam a 16gica par a lidarem umas corn as ou tras"(Douglas, 1973a, pAl). Pelo lado dos objetos e das r e ~ 6 c s s o c ~ s , essa rcduao, !simb6lica envolve um esvaziamento progressivo ! ? ~ uma des-'iconsiderao para corn a sua estrutura em favor de propriedades pu ramen tellformais de distinao e categorizaao. Vma discusso do significado corn a a t e n oparticularmente voltada para a diacritica social permite - apenas parcialmente- a liberdade ana li tica para considerar 0 qu e simbolicamente variavel e pro blematico - digamos, uma divisao tripartida de espcies entre terra, cu e agna como a priori e normal. 0 ma is importante que, de um modo paralelo ao ,dualismo m a l i n w s k i a r f u i t r a n ? y o ~ s ( q ~ ~ q u : : 16gica n ~ c e s s a r em sG'- -mesma, assim como sua o rdem verdadeira ul1l_refle?o:9 dos grupos .e a 6 ~ s ra : . ? ~ ' ! ~ 9 I v e ! a t i social:_Antes de serern Iistados para os prop6sitos .de ,d iferenciaao de gru pa, os elemen tas de um c6d igo de objeto, tais como diferenasalimentares, possuem apenas a coerncia de um "fluxo arnbiente de simbolos"(Doug las, 1971, p.69 ). Ent retanto, ap6s esse processo pelo qua i sao selecionados t .do "meio ambiente cultural" e assim classificados e inter-relacionados, eles naoestao realmente em me lhor condiao semntica, uma vez que seu significado nao mais que a inteno social dirigente. "Se a com ida tratada COlO um c6digo",escreve Douglas, as mensagens que ela codifica serao encontradas no padro derelaes sociais que estao se nd o exp ces sas. A. men sagem trata de diferentes grausde hierarqu ia, de inclusoe exclusao, de fr'onteiras e transa6es atravs das fronteiras ... As categorias de comida, por conseguinte, codificarn eventos sociais"(ib id ., p.61). Do mesmo modo, no sao os aspectes contrastantes de espcieslim inares que merecem ateno, possibilitando portanto uma discusso da maneira pe la quai 0 mundo culturalmente construfdo em relaao aos homens, masapenas m ais abstratamente se a esp c ie olhada cam benevolncia, ma vontade ouambivalncia, visto que isso pode sec comparado s re la6es entre grupos, contan-to que um deles esteja preparado para definir essas relaes corn 0 rnesmo grau deindete rminaao. E observcm que ao prestar-se a ess'e empobrecimento, 0 socialtamb m d eve sofrer uma decomposio es tru tural. Um exemplo apropriado disso a tentat iva de Do uglas de correlacionar a consideraao atr ibu ida a espcies

    sent isse em sua pr6pri a carne, que fadamos? Prometer a seus descendentes uma terra frlil e ce rca lade imp rios inimigos. Isso, par si mesmo. seria quase a suficiente. Vma cadcia politcamente ascendente asseguraria a hostilidade crcscentc de se us vizinhos. Sua desconfiana dos estranhos seriavalidada ainda mais completamente. Fie l ao nosso santuario e nossa lei, ser-lhe ia evidente quenenhuma irnagem de animal, nem mesmo um bezerra, nem que fosse de ouro. poderia relratar seude us 1 u scia , na medida em que um grup o humano que se concebe com a um a espcie disl.inta deveve r 0 resta do mundo coma com posto desse modo, cie seria 1110 pouco capaz de aceitar um a divindadebeneficente sob forma extra-hum an a qu anta de acolher um genro nao-judeuJ" (Douglas, 1973a,pAO).

    .

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    12 2 CrI/film c razao pnfticaanmalas corn tipas de tracas matrimoniais, na medida em que as varias regrascomo 2 da t roca gcneralizada, as excluses Crow-Omaha, ou 0 casamento da filhado irmao do pai - situa riam a pessoa intercalada, isto , 0 afim. Douglas 56 chegaa essa correlaao entre a consideraao para corn 0 afim e as relaes corn asespcies int ersticiais atravs de uma operaao dupla na estrutura de troca que adisso lve (s vezes falsamente ) em uro coeficiente de integraao entre grupos.Primeiramentc, Douglas prefere ignorar as armaduras espedficas e bem-conhecidas das relaes int ergrupais, as varias for mas de ordem intergrupal, coma sacgeradas por regras de troca marital elementares e complexas. Em segundo lugar,ela traduz essas regras e formas determinadas em implica5es de d istncia social,nao considerando mais uma vez as rgras, mas sim invocando praticas de facto queIh e permitem ignora-l as {as regras}. Argumenta, pa r exempla, que vista que sepadern casar memb ros c1assificat6rios das categorias preferenciais de parentesco,as estruturas elernentares (inc1uindo a forma LeIe da troca generalizada perm temuma incorporaao mais radical de estranhos do que .as_p_oibie.s Crow-Omaha(que probem a repetio de inter\aSamentos corn as ~ s n 1 ' a \ l i r i l i ~ e n s ) . 4 6 Em

    1suma, a anlise de Douglas ,d " o ~ os-signifj.cados s ~ o constituidos" (1973a,, p.31) tende a tornar-se um feichismoae--sociabj@ je, similar ao-{oI6gico, por, substituir os efeitos sociais abstratos po r forrn conceituais espedficas, sendoestas t'iltimas tratadas coma p a r n i a s dos primeiros, corn 0 resultadosernelhante de dissolver 16g icas estruturais definidas em interesses funcionaisincipientes.'-1 Nao quero corn isso negar 0 sentido apurado que Douglas demonstra corni relaao construao humana da experincia. E menos ainda negar a impor tnciacrftica das correspondncias estabelecidas nas sociedades hurnanas entre categorias de pessoas e: categarias de coisas, ou entre as respectivas diferenciaes dessastaxonomias. Desejo apenas sugerir as limitaes de uma anlise que almeja fazerdesmoronar a es trutura coocei.tuaI de um c6digo de objetos em uma mensagemfuncional, como se as coisas culturais fossem m p l e s m e ~ t e verses substan cializadas de solidar iedades sociais, sendo estas entend idas aqui como privilegiadas e

    46 De Corma seme!hante, Douglas nem sem pre cuidadosa cm seus estudos de diferentes culturas aocomparar "grupos" ou processos de diferencia ao da mesma ordem. Assim, a exclusividade social dosisraelitas como povo comparada s relaOes entre linhagens Karam ou Leie, embora a implicaao docasamento da filha do irm ao do pai entre os judeus, entendida pa r Doug!as coma um a indicaao dedesprezo pela estranho, dividiria. igualmente, linhage m minima por linhagem minima dentr o damesma tr ibo israelita (cC. Douglas. 1973a). Mais uma vez se coloca a qu estao da pretensa con exaoentre os afins e as espcies anmalas, atravs de estudos que Douglas prefere ignorar: Leach (1964)sobre os camponeses Ka chin e Tambiah (1967) sobre os carnponeses Thai. Nesscs exemplos, acategoria da afinidade identifid.\'c1co rn um conjuntode animais normalmenteconstituido, baseadaem uma l6gica de grau de distAncia do Jar, e por tanto da domesticidade das espcies. Inversamente, asespcies anma!as na Polinsia sao muitas vezes identificadas especificam ente corn as suas pr6priaslinh agens ancestrais, como no aI/makI/a havaiano (cf. Kamakau, 1964).

    Doi s paradigmos da tcoria all tropol6gica 123

    praticas.47 Desse modo, no final, a verdadeira 16gica do todo socioc ultural u t i l i ~ taria. Es te 0 resultado da adeso decisiva separaao durkheimiana da morfolo-tl gia social da representao - - .-A recusa deffi l-Strauss de conferir status ontoI6gico a essa distno, poroutra lado - sua apropr iaao do social pela s imb61ico - foi um passa decisivono desenvolvimento de uma teoria cultura1.48 n em verdade que essa recu sa nodesvinculou inteiramente 0 trabalho de Lvi-Strauss das preocupaes fun cionalistas (cf. Baon e Schneider, 1974), mas ao menas concedeu menos espaas paraessa preocupao atuar, evi ta ndo todo e qualquer reducion ismo na rel ao e ntresociedade e ideologia. Tambm verdade que L v i ~ S t r a u s s , ao leva r a em.presadurkheimiana a uma concluso con sisten te incluindo as relaes sociais dentro

    Il do sistema geral de r e p r e s e n . t a e ~ coletivas, chega, no pro cesso, a n ~ t u r l i . m ~ , B l E ~ r i O r . P o d e observar lllcluslVe um aparente fechamento do clrcu lo n c ~ . da insistncia de Morgan de que 0 crescimento das in stituies estava predetermlnado e limitado pela "16gica naturai da mente hum ana" a um a analise estruturalista cuja coda composta por uma frase semelhante (Lvi-Strauss, 1971; 1972).Mas 0 curso desse processo foi mais um a espiral do que um circula, uma ve z que ,1'-"'-"toda a apropriaao do simb6lico intervm eH route; como j vmo s, seria um erroequiparar a invocaao da mente de Lvi-Strauss ao "princpio de pensamento" deMorgan, que nao podia senao limitar-se a reagir racionalme nte a va lores pragm-ticos inerentes experincia. "0 homem nunca pode sel' imediatamente confren-

    . . d ..., fi r !7 utra Corma de pensar essas Iimita6es observar que Douglas esta }oga n 0 pnn clpd.lmente c o ~ 1 . ' ,acs motvadas entre sfrnbolos, ass im a definiao do sign ficado de um pela c o n e x a ~ . . t 6 g i c a i - .outro (a . 3.0) fara necessariamen te co rn que a maior parte do eonleudo cultural se evapore.'

    Ooug as esta realmente preocupada com 0 fun donamento de e1ementos ja simb6licos (relaoes corn f 'fY , .afins, linhagens , conceitos de animais, labus a!imentkios etc.) como signos uns para os outros - 'usando ag ora "slmbolo" e "signo" no se ntido angloamericano costumeiro (na verdade, a maior parte r;.: .: .ij dos estudos antropol6gicos endereados ao "simb6Iico" es tao ma is preocupados co rn essa funao de 1segunda ordem do signo do qu e corn a con stituiao da forma e a d o sim.b6Iicos). E n t r e t a ~ l ' to, como aponta Roland Barthes, uma importante caracterlstICa do Slgno motJvado lem frances,symbole], cm contraste co rn 0 nao motivado, que no primeiro ' nao existe qua!quer adequaao

    conceitual entre significante e sign ificado: 0 conceito "u ltra pa ssa" 0 signo fisico, por exernplo, comoa cristand ade maior que a cruz (1970 [ 19641p.38). J: fkil constatar, portanto, que q U3 i1do 0significante e 0 significado, em mTIa relao de signo motivada, sao slm bolos pa r dircito mlto, essainadequaao composta duplamente. Dada a relaao logiea entre e1es, cada u m dos e!ementos, comopor exemplo no caso dos tabus ali mentarcs e dos grupos sodais exclusivos, pade agi ralternadamente,ara como sigoificante ora ca mo significado do ou tra. No cn taoto, cada um cont inu a sendo, alm dosigno do outro, simbolo no seu pr6prio d om inio. Conseq entemenle, muito difidl sc exaurir 0

    ,. significado de um pela analagia (Craconaria) corn 0 outro. A amilise se mi6 ti ca das praticas a l i r i l e n t a ~ res deve tra nscend er de longe a transCerncia aos grupos sociais, e vice versa.48 "Lvi-St rauss Coi bem-succdido porque n ao o lhou os fatos culturais co mo expressoes, de algummodo, de Coras sociais; ao contrario, ambos roram analisados dcntro de um unico qU:ldro dereferncia" (Kupcr, 1973 p.223)