sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a experiência etnográfica • por que a cultura não...

34
A “cul tura” não tem a menor possibilidade de d esaparecer en quanto objeto principal da antropologia — tampouco, ali ás, enq ua nto preocup a- ção f und ame ntal de todas as ciências huma nas. É cl aro que ela pode p er- der, e já pe rdeu, parte d as qu alidad es de substância n atural adqu iridas du rante o l ongo pe odo em qu e a an tropol ogia andou fasc inada p elo positivismo. Mas a “cult ura” n ão pode se r aban donada, sob pen a de dei- xarmos de compreen der o fenômeno único qu e ela nomeia e d isting ue: a organização da e xperiência e da ação hu ma nas por meios simbólicos. As pe ssoas, relações e coi sas que povoam a existência h um ana manifestam- se esse ncialmente como valores e signif icad os — significad os que o pod em ser determinad os a partir de proprieda des biológicas ou físicas. Como costuma va d izer me u professor Leslie White, um ma caco não é capa z de apreciar a diferença entre água be nta e ág ua destilada — pois não h á d i ferença, qu i micame nte faland o. Nenhum outro ani ma l, t amp ou- co, organiza os fun da me ntos af etivos, as atrações e rep ulsões d e suas estratégias reprodutivas a partir de significados, sejam eles conceitos social me nte continge ntes d e beleza ou noções historicamente variáveis de m orali da de sexua l. Essa ordena ção (e desorden ação) do mun do em termos simb ólicos, essa cul tura é a capaci dad e singular da e spécie huma na. Pr opor que o estudo da cult ura seja banido das ci ências huma nas, sob o argum ento por exemp lo — de que esse conceito está politi came nte m an chad o por um pa ssado duvi doso, seria uma espécie de suicídio epistemológico. A cul tura e m seu sentido antropológi co foi capaz de transcender a noção de re finamento i nte lectual (aq ue la “cultura” q ue te m como adjetivo “cul- to ”, e nã o “cul tural ”, e qu e a inda é u ma acepção co mum do termo) da qu al descen de ; foi, i gu almen te, cap az de se afastar das i ias progressi- vi stas d e “civilização” a que já esteve tão ligada (como em E.B. Tylor). Por isso, pod emos estar certos de qu e ela tam m irá sobreviver às atuais O “ PES SIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNO G RÁFICA: POR QUE A CULTURA N ÃO É UM “OBJETO” EM VI A DE EXTINÇ ÃO ( PARTE I) Marshall Sahlins MAN A 3(1): 41-73, 1997

Upload: cadeosono

Post on 08-Apr-2018

221 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 1/33

A “cultu ra” não tem a m enor possib i lidad e d e d esaparece r en qua nto

objeto principal da an tropologia — tampouco, aliás, enq ua nto preocup a-

ção fund ame ntal de todas as ciências huma nas. É claro que ela pode p er-

der , e já pe rdeu, par te d as qu al idad es de substância n a tura l adqu ir idas

du rante o longo pe r íodo em qu e a an tropologia andou fascinada p elo

positivismo. Ma s a “cultura” n ão pode se r aban dona da , sob pen a de de i-

xarmos de compreen de r o fen ômen o único qu e ela nome ia e d isting ue : a

organização da e xperiência e da ação hu ma na s por meios simb ólicos. Aspe ssoas, relações e coisas que povoam a existência h um an a m anifestam-

se esse ncialme nte com o valores e significad os — significad os que nã o

pod em ser de terminad os a partir de proprieda de s biológicas ou f ísicas.

Como costuma va d izer me u professor Lesl ie Wh ite , um ma caco não é

capa z de apreciar a diferença e ntre águ a be nta e ág ua d estilada — pois

não h á d iferença, qu imicame nte faland o. Nen hu m outro anima l, tamp ou-

co, organiza os fun da me ntos afe t ivos , as a t rações e rep ulsões d e su as

estratégias reprodutivas a partir de signif icados, sejam eles conceitos

socialme nte continge ntes d e b eleza ou n oções h istoricame nte variáveis

de m oralida de sexua l.

Essa orde na ção (e d esorden ação) do mun do em termos simb ólicos,

e ssa cu ltu ra é a capac idad e s ingula r da e spéc ie h uma na . Propor que o

estudo da cultura seja banido das ciências huma nas, sob o argum ento —

por exemp lo — de qu e e sse concei to es tá pol it icame nte m an chad o por

um pa ssado du vidoso, seria uma esp écie de su icídio epistemológico. A

cultura e m seu sent ido antropológico foi capaz de t ranscende r a noção

de re finam en to inte lectua l (aq ue la “cultura” q ue te m como adjetivo “cul-

to” , e nã o “cu ltu ra l” , e qu e a inda é u ma acepção comum do te rmo) da

qu al descen de ; foi, igu almen te, cap az de se afastar das idé ias progressi-

vistas d e “civil ização” a qu e já esteve tão l iga da (como em E.B. Tylor).

Por isso, pod em os estar certos de qu e ela tam bé m irá sobreviver às atua is

O “ PESSIMISMO SENTIMEN TAL”

E A EXPERIÊNC IA ETN O G RÁFICA:POR QUE A CULTURA N ÃO É UM “O BJ ETO”

EM VI A DE EXTINÇ ÃO (PARTE I)

Marshall Sahlins

MAN A 3(1):41-73, 1997

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 2/33

tentativas de deslegitimação, que alegam supostas associações históricas

de sse conce ito com o racismo, o capitalismo ou o impe rialismo (p. ex.,

He rbe rt 1991; Youn g 1995)1.

Morte à nobre cultura?

As amea ças contemp orâne as ao n obre conceito de cultura incidem sobre-

tudo sobre sua a cepção p lural e distributiva, que se refere à s formas espe -

cíficas da vida social hu ma na , às clássicas “culturas” d e comu nida de s e

socieda des emp ir icamente dad as2

. As críticas sã o de dois tipos (emb oraelas ten da m a se confund ir nos recen tes esforços de sconstrutivistas). Há

o problema mais imedia to que acabamos de mencionar : as suspei tas

morais levan tada s contra a noção de cultura p or uma certa p olítica inter-

pretativa, normalme nte a poiada e m um a historiografia do t ipo “p ecad o

origina l”. Já a q ue stão de long o prazo, mais séria , diz respe ito à conti-

nu ida de e s istema tic ida de da s culturas es tuda da s pe la an tropologia ; o

atua l pâ nico pós-mode rno sobre a coerên cia d as orden s culturais é, creio,

ape nas a m anifestação mais recente do tema3

. Aqu i, o parad igm a do obje-to-em-vias-de -extinçã o é certam en te relevante . Ele sem pre foi relevan te.

A antropologia é talvez a ún ica d isciplina fun da da no princípio da coruja

de M inerva: ela come çou como uma disciplina profissiona l justame nte

quan do seu obje to de e s tudo já ia d esaparecendo. Mesmo se nem todos

os assim cha ma dos povos primitivos estava m fisicame nte m orrend o, sua s

culturas exóticas estavam certame nte se de sinte gran do (por “acultura-

ção”) sob o assédio da ordem capitalista mu nd ial. Parecia que logo na da

ma is restaria a contemp lar senão ve rsões locais da “civilização” ociden -

tal. Ne sse sentido, a antropologia originalme nte p artilhava com os senh o-

res coloniais a mesma crença na inexorabilidad e do p rogresso, ainda qu e

eventualmente a lamentasse.

Ma s conside remos, em primeiro lug ar, as controvérsias m orais e polí-

ticas qu e cercam a tua lmen te o conceito antropológico de cultura. A “cu l-

tura” es tá sob suspei ta porque marcar ia diferenças de cos tume en t re

povos e g rupos, sobretud o qu an do, ao fazê-lo, visa p opulações subordi-

na da s den tro de regime s políticos opressivos. O q ue se ata ca aq ui é a cul-

tura como de m arcação de diferenças — en qua nto paralelame nte se trava

um a implíc ita e qu ixotesca ba ta lha contra a lgo em q ue n ingué m rea l-

me nte acredita: que as formas e normas culturais são p rescritivas e nã o

concedem espaço a lgum à ação in tenc iona l huma na . Assim, pa ra um

povo colonizado ou racialmen te discrimina do, uma referência à sua cul-

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA42

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 3/33

tura — por exem plo, a “cu ltura n ue r” ou a “cultura afro-ame ricana ” —

seria u ma forma de marcar he gem onicame nte sua servidão. Daí as cr ít i-

cas corren tes a o conceito de cultura en qu an to tropo ideológico do colo-nialismo: ela seria um m odo intelectua l de controle q ue teria como efeito

“e ncarcerar” os povos periféricos em seu s espa ços de sujeição, sepa ran -

do-os pe rman en teme nte da m etrópole ocide nta l prog ressista. Ou , falan -

do d e m odo ma is gera l , a idé ia a ntropológica d e cul tura , por conspirar

pa ra a estabilização d a d iferen ça, legitima ria a s mú ltiplas de sigu aldad es

— inclusive o racismo — inere nte s ao fun ciona me nto d o capitalismo oci-

dental.

O indiciame nto da cultura por sua alegad a cum plicidad e e m a lgun sdos principa is crimes da história m odern a se a póia em certos arrazoados

teóricos du vidosos. A cultura é sub me tida a um du plo empob recime nto

conceitua l: red uz-se-a a um prop ósito fun ciona l pa rticular — ma rcar a

diferen ça — e constrói-se, a pa rtir da í, um a rá pida história de sua s ori-

ge ns impu ras na s entran ha s do colonialismo ou do cap italismo. Prime ira-

me nte , o conceito é interpreta do como um instrum en to de d iferen ciação

social. “A cultura” , escreve Lila Ab u-Lug hod, “é um a ferramen ta essen -

cial para a fab ricação de alterida de s.” A an tropologia, conseqüe ntem en -te , é um a emp resa da mesma la ia :

“En qu an to discurso profissiona l qu e u tiliza a n oção de cu ltura p ara justifi-

car, explicar e e nten der a difere nça cultural, a an tropologia tam bé m a juda a

construir, produ zir e m an ter essa difere nça [...]. Nesse sen tido, o conceito de

cultura opera d e modo mu ito semelhante ao de seu p redecessor — a raça”

(Abu-Lughod 1991:143).

De acordo com essa visão de vang ua rda, a cultura é um me io ide o-

lógico de vit imização. Como d isciplina resp onsá vel pela p romoção do

conceito, a a ntropologia consp ira p ara a criação d e classes, raças, povos

colonizad os ou q ua lquer outra distinção seme lha nte q ue sirva à sub ordi-

nação e à exploração. Observe-se que mesmo ge nte qu e , em g era l, não

crê na existên cia d e cate gorias culturais com limites definidos e com e fi-

cácia prática — car nous sommes tous des poststructuralistes ! — e stá

pronta a conced er tais pode res à própria n oção de cultura, qu e assim se

mostra, para e ssas pe ssoas, um operad or classificatório surpree nd en te-

me nte e ficaz4.

O sentido antropológico da “cultura” se vê, assim, dissolvido no

ba nh o ác ido do ins trum en ta l ismo. Essa red ução funcional da cul tura a

um diferenciamento [differencing] — med iante uma redução de seu con-

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 43

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 4/33

teúd o a seus supostos efe itos, e de sua s propr ied ad es a suas p re tensa s

finalida de s — termina p or dissolver praticame nte tu do qu e a an tropolo-

gia bu sca sabe r, e que o traba lho de camp o luta p or de scobrir, sobre asculturas huma nas e nqu anto formas d e vida. Eis aqu i mais uma daq uelas

ba rgan ha s ma lditas que as exp licações fun cionalistas fazem com a rea li-

dad e etnográfica: o aban dono de q uase tud o que se sab e sobre um fenô-

me no em troca da prome ssa de e nte nd ê-lo. Instituições sociais, mod os de

produçã o, valores d os objetos, categ orizações da na tureza e o resto — as

ontologias, e pistem ologias, mitologias, te ologias, escatologias, sociolo-

gias, políticas e e conomias através d as q ua is os povos organ izam a si mes-

mos e a os objetos de su a e xistência —, tud o isso se vê red uzido a um me roap arato pelo qual as socied ad es ou gru pos se disting ue m u ns dos outros.

E como a cultura, no fundo, é e xatame nte isso, então o “ objeto mesmo”

da a ntropologia é simplesme nte a “ diferen ça cultural”, como diz Robe rt

J.C. Youn g (1995:54). A tare fa d a a ntrop ologia nã o seria nem me smo,

note-se be m, a explicação da d iversida de cu ltural, ou algum tipo de ind a-

gação sobre a n atureza da s diferenças (e sem elhanças), mas a d ema rca-

ção da d iferença en qu an to tal, enq ua nto um valor. No plano espistem o-

lógico, o contraste como meio de conh ecimen to mud a-se em conh ecimen -to como me io de contraste. O e feito disso é u ma re du ção perversa d a com-

pa ração cu ltural à distinção discrimina tória 5.

Em seg un do luga r, portanto, o corolário de ssa red ução d o conceito

de cu ltura a u ma p olít ica de d iscriminaçã o é a tenta ção de d erivar esse

conceito de tal política, através de um a pse ud o-história do tipo “pe cad o

origina l”. Com efeito, o pe cad o da cu ltura foi o orgu lho, na da ma is qu e o

orgulho ocide nta l . Expressão da cr iação sistemá tica da a lter idad e p elo

capi ta lismo, o (pre)concei to cham ad o de “cul tura” — jun tame nte com

seu irmã o gêm eo intelectua l, a raça — foi ge stad o no inte r ior das rela-

ções de produ ção da Europa O ciden tal do início da é poca mode rna. Em

sua “gênese e operação semânt ica” , a noção de cu l tu ra ca r rega “os

estigm as d o capitalismo, repe tind o e ma nifestan do os confli tos estrutu-

ra is do s is tema de c lasses que a produziu” (Young 1995:53) . Young

explica:

“A cultura n un ca existe por si só; ela pa rticipa de um a e conomia conflitiva

que man ifesta a tensão e nt re sem elhança e d iferen ça [ .. .]. A const rução e

reconstrução constante da s culturas e da s difere nças culturais é alimentad a

por uma interminá vel dissensão interna, um d eseq uilíbrio ine ren te às e co-

nomias cap italistas que produ zem e ssas diferen ças culturais [...]. A cultura

semp re ma rcou a s di feren ças cul turais como uma produção d o out ro; e la

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA44

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 5/33

sem pre foi comp ara tiva, e o racismo semp re lhe foi consu bsta ncial: os dois

estão ine xtricavelmente liga dos, alimen tand o-se e g eran do-se mutua men te.

A raça sem pre foi culturalmen te construída. A cultura se mp re foi racialmen -te con struída ” (Youn g 1995:53-54).

Como um estigm a alternativo, ap onta-se qu e a “cu ltura” se ria fruto

do colonialismo, conceb ida com a fina lida de igu almen te conde ná vel de

difere nciação e dom inaçã o. Assim, afirma Nicholas Dirks:

“O conceito ant ropológico de cul tura nun ca p oderia ter s ido inventa do se

nã o houvesse um te atro colonial qu e, ao mesmo temp o, tornasse n ecessárioum con he cimen to das culturas (com o prop ósito de controle e dominaçã o) e

fornecesse povos colonizados espe cificame nte ad ministráveis p ela n oção de

cultura. Sem o colonialismo, a cultura nã o pode ria ter sido ao m esmo tem po

(e com tanto êxito) organizada e orga nizadora, da da n a na tureza e reg ulada

pelo Estado. Não ap ena s muito daquilo que chamam os “cultura” foi produ-

zido p elo encon tro colonial, como o conceito me smo de cultura foi em pa rte

inven tado p or causa de sse e ncontro” (Dirks 1992:3)6.

Em suma , dá-se à a legada função d a “ cultura” u ma histór ia conje-

tural. Inte rpreta do como intençã o originá ria, seu efeito discrimina tório se

torna su a cau sa histórica. Esse é o terrorismo intelectua l corrente .

E contudo, qua nd o se desen volveu n a Alem anh a d o fina l do século

XVIII, o conceito esp ecificam en te a ntropológico de cu ltura esta va liga do

a rea lmen te “ toda u ma outra f ilosofia da his tór ia” . A n oção de cul tura

e laborada por Johann Gottf r ied von Herder antevia re lações entre o

imper ia lismo e a an tropologia bem diferen tes daq ue las sonhad as pe la

atu al crítica:

“N ossas tecnologias estã o se multiplican do e se a primoran do: nossos euro-

peus nã o encontram nada melhor para fazer que correr o mundo nu ma e spé-

cie d e frene si filosófico. Recolhem ma teriais dos qua tro can tos do plan eta e

um dia encontrarão o que men os espera m: chaves para compree nde r a his-

tória dos asp ectos mais importantes do mu nd o hum an o” (Herde r 1969:218)7.

A associação origina l da idé ia an tropológica d e cu ltura com a refle-

xão sobre a d iferen ça se opu nh a, por tanto , à missão colonizad ora qu e

hoje se costum a a tr ibu ir ao conce ito. Pois o fato é q ue , em si mesm a, a

diferença cultural não tem nen hu m valor. Tudo d epe nd e d e q uem a e stá

tem atizand o, em re lação a que situação histórica mu nd ial. Na s últ ima s

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 45

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 6/33

du as dé cada s, vários povos do planeta tê m contraposto conscien teme nte

sua “ cultura” à s forças do imp erialismo ocide nta l que os vêm afligind o

há tan to tempo. A cu l tu ra ap a rece aq ui como a an t í te se d e u m p ro je tocolonialista d e e stabilização, uma vez qu e os povos a u til izam n ão a pe -

nas p ara m arcar sua iden tidad e, como p ara retomar o controle d o próprio

destino. Foi assim qu e certos intelectua is bu rgue ses a lem ães, d estituídos

de p oder enqu anto c lasse e de união enqua nto nação, responderam aos

apóstolos i luministas de uma “civil ização” universal (sem esquecer a

am ea ça an glo-francesa de domina ção ind ustr ial) — através da celebra-

ção das Kulturen indígenas de sua nação:

“Os príncipe s fa lam francês , e logo todos segui rão seu exem plo; e e ntão,

vejam, a bem -aventurança raia no h orizonte! A idad e d e ouro, quan do todo

o mund o falará um a só língua , um a ling ua ge m un iversal! Um só reb an ho, e

um só pa stor! Mas ond e e stão vocês, culturas n acionais?” (He rder 1969:209).

Diferen teme nte da “civilização” , que podia se r transferida a os outros

— me dian te, por exem plo, os gestos ben evolentes d o imp erialismo —, a

“cultura” é aq uilo que caracterizava de modo sing ular um de terminad opovo — ao contrário, por exemp lo, das m an eiras supe rficialmen te a fran-

cesad as da a ristocracia pru ssian a. Há variedad es, nã o graus, de cultura.

Por caracterizar formas esp ecíficas d e vida , o conceito de cultura é intrin-

secame nte p lural, em contraste com a noção de um progresso un iversal

da razão qu e cu lminaria na “civilização” eu ropéia ocide ntal. No fina l do

século XVIII — como n o fina l do sé culo XX —, um a idéia an tropológica

de cultura eme rgiu das aspirações de au tonomia de uma reg ião relativa-

men te subd esenvolvida em face da s amb ições he gem ônicas do imperia -

lismo da Europa O ciden tal:

“As teorias da Kultur podem -se explicar em grand e me dida como uma m ani-

festaçã o do atraso político, social e econômico da Alem an ha em comp ara ção

com a França e a Inglaterra, ou como uma reaçã o ide ológica a e ssa situação

[...]. Essas te orias d a Kultur [tanto russas como alemã es] são uma expre ssão

ideológica típica — em bora certam en te nã o a ún ica — da re sposta da s socie-

dad es a t rasadas às influên cias d o Ocidente sobre sua cul tura t radicional”

(Meye r 1952:404-405)8.

Portanto, se o qu e e stá em qu estão é a inten ção original, a “ cultura”

era a nticolonialista. Mas, como se contrapu nh a a o discurso totalizan te do

Ilum inismo, essa “ cultura” tinh a qu e significar be m ma is qu e um a políti-

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA46

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 7/33

ca d as d iferen ças. Qua nd o postos em relações posiciona is com outros con-

ceitos, um a pa lavra, um a coisa — um sign o — alcançam um a existência

histórica du radou ra como conte úd o sign ificativo, e não a pe na s como fun -ção conting en te. Ao tomar posição contra a idé ia dos philosophes de uma

natureza humana notavelmente ut i l i tá r ia , universa lmente perfec t íve l

através da aplicação da reta razão sobre p ercepções claras e distintas, a

“cul tura” herder iana implicava perspect ivas igualmente ambic iosas ,

em bora obviame nte d iscrepan tes da ideologia ilum inista, sobre a condi-

ção h um an a (He rde r 1966; 1968; 1969; Berlin 1976; Barn ard 1969). E ma is

qu e isso: visto qu e a s concep ções d os filósofos iluministas e ram inteira-

me nte consistentes com a sen sibilidad e b urgu esa, a a ntropologia d o con-tra-Ilum inismo se de senvolveu como um a crítica d o individu alismo rad i-

ca l — sobre tudo como uma ne ga ção de sua un iversa l ida de . Contrar ia-

men te ao mito de or igem hobbe siano, que efe t ivamen te t ransportava o

capitalismo para u m e stado de n atureza h ab itado por ind ivíduos autôno-

mos e eg oístas, competindo incessantem en te pe lo poder, pa ra Herd er o

homem era e semp re seria um ser social. O ser hum ano “verda deiramen -

te se const itu i no inter ior da socied ade , e pa ra a socied ade , sem a q ual

não pode r ia te r ad quir ido seu ser, nem se tornado um homem ” (Herde r1968). Assim, contra o nu me roso pa rtido dos philosophes que , seguindo

Locke e H obbe s, se dispunh am a fazer dos prazeres e pe nas corporais a

base de todo conhecimento, toda indústr ia e toda sociedade , Herder

en tend ia as necess ida de s das pessoas como de terminad as e limitadas .

Essas nece ssida de s eram limitada s do mesmo modo como eram organ i-

zadas: pelas várias tradições a ncestrais qu e se ha viam de senvolvido e m

amb ientes par t iculares — tradições que supu nh am modos pa r t iculares

de estar na n atureza e de pe rcebê -la. O caráter na cional incluía o caráter

da economia . E tamb ém un ificava a sociedad e a pa r t ir de seu inter ior,

através dos laços íntimos de um a lingu ag em comu m e da visão de mu n-

do distintiva q ue toda ling ua gem traz em si.

Os a rgum en tos herderianos, assim, de safiavam todas as teorias con-

tratuais do Estado e da socieda de. Partind o da sup osição de q ue a g uerra

e a ana rquia de correriam necessariame nte d o exercício natural do a uto-

intere sse , as teorias do contra to não p odiam concebe r a forma ção da

sociedad e sen ão pe la instituição do Estado. Mas, na a ntropologia he rde-

rian a, o Estad o era u ma imposição artificial e e xterna sobre um povo cuja

solida ried ad e social assenta va em outros fun da me ntos. Tal antropologia

não tinha nen hu ma n ecessidad e de funda r a socieda de sobre a coerção,

assim como as pe ssoas não careciam de uma nação un ificada para sab er

que eram alemãs.

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 47

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 8/33

Contra os mitos burgu eses , Herd er coloca em evidência os mitos

popu lares . Transmit ida s com a l íng ua ma terna e n o se io da fam ília , as

tradições ancestrais herdad as da vam a cad a povo seu m un do possível defe l ic ida de e de re a l ida de . Em n ome d as diversas idé ias de ca da p ovo

acerca d o existen te, o contra-Ilum inismo contestou a mistura de raciona-

lidade un iversal e de ep istemologia sen sualista dos philosophes. As pe s-

soas organ izam su a exp eriência segun do suas tradições, suas visões de

mun do, as quais car rega m consigo tamb ém a moralidad e e a s emoções

inerente s ao seu próprio processo de transmissão. As pessoas não d esco-

bre m simp lesmen te o mu nd o: ele lhe s é en sina do. Evocar a possibilida-

de de um raciocínio correto acerca da s propried ad es objetivas da s coisas— coisas , adem ais , qu e se r iam ime dia tame nte cognoscíveis pe las per-

cepções dos sentidos — seria a lgo totalme nte fora d e q ue stão para u ma

an tropologia sensível à orga nização cultural do conhe cime nto. O ver tam-

bé m d epe nd e do ouvir, e , na sociologia do pen same nto — o que H erder

uma vez chamou de “ o modo de pe nsamen to baseado na família ou n o

pa ren tesco” (1969:163-164) —, a razão se e ntrelaça com o sen timen to e

está pre sa à imag ina ção. Assim, “o pa stor contem pla a n a ture za com

outros olhos q ue os do p escad or” (He rder 1969:300). Para Locke ao m en osum d eles, o pastor ou o pe scador, teria fatalme nte qu e estar errado. Ma s,

justamen te, o que era u m erro pa ra os filósofos em piristas e ra cultura para

Herder.

É por uma b oa razão que isso nos lem bra o dictum boasiano de que

o olho é o órgão da tradição. A boa razão é qu e e sses princípios do con-

tra-Iluminismo ge rmân ico acaba ram por informar a acep ção principa l do

conceito de cultura na an tropologia norte-ame ricana . Vindo de Ha ma nn

e He rder, e pa ssand o por g en te como H um boldt, Dilthey, Ritter, Rätzel e

Bastian, tais princípios rea pa recem no início dos an os 20, ag ora com u m

toque de Kan t e um a p itad a de Nietzsche , nos traba lhos de Boas, Lowie,

Kroebe r e se us coleg as a me rican os (Bun zl 1996). Embora p olem izan do

com o gru po d e Boas, Leslie Wh ite (1949) introdu ziu a s consideraçõe s

sobre a ordem simb ólica qu e tornaram fina lmente comp le ta a idé ia de

“cultura” da qu ele grupo — o qu e consolidou a acepção qu e o termo pas-

sou a ter, de modo g eral, na an tropologia norte-ame ricana 9.

Deve-se d izer que nem todos os antropólogos têm a m esma opinião

sobre a cultura. É preciso dizê-lo explicitamente, porque os cr ít icos

modernos (e p ós-modernos), freqüe nteme nte , não o percebem , quan do

fazem objeções ao se ntido essen cialista e totalizan te do conceito an tro-

pológico de cul tura , a lega ndo q ue nen hum a cul tura é ass im. Na verda-

de , as an tropologias ocide nta is têm diferido acerca d esse conce ito ao lon-

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA48

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 9/33

go de todo o sécu lo XX, ou me smo de sde a criação institucional de n osso

camp o de sabe r. A antropologia britânica, à e xceção de Ma linowski (qu e

afina l era p olonê s), jam ais conse gu iu faze r da cu ltura um objeto cien tífi-co, porque nu nca conseg uiu se l ivrar do sentido sagra do de “a lta cultu-

ra” q ue lhe fora conferido por Matthe w Arnold. A orde m social enq ua nto

tal , nã o a cultura, era o te ma da versão britânica da disciplina, a qua l se

viu de sign ad a conseqü en teme nte de “ an tropologia socia l” e def inida

acad em icam en te como u ma sociologia d os povos primitivos. Segu nd o a

pe rspectiva clássica d e Rad cliffe-Brown, a “cultura” ou o “costume ” era

uma consideração secundária, simples meio ideológico, e historicamente

conting en te, de ma nu tenção d o sistema social. Apen as este ú ltimo, note-se be m, era s istemá tico. Na França , ana logam en te , a an tropologia (a

escola durkheimiana) es tava l igada à sociologia . Só recentemente a

an tropologia fran cesa veio a aceitar algo seme lhante ao conceito norte-

ame ricano de cultura. Ao contrário da Grã-Bretanha , que podia ao m enos

ad mitir um a sinon ímia pa rcial en tre “ cultura ” e “ civilização” (Tylor), a

França continu ou profund ame nte a lérgica a o conceito de cultura até bem

de pois da Prime ira Gu erra Mu nd ial. Como já se obse rvou várias vezes,

os contrastes e oposições entre França e Alem an ha , duran te o início doséculo XX, continu aram se exp rimindo p ela an títese civilisation / Kultur 

formulada pelo contra-I luminismo (Elias 1978; Curtius 1929; Massis

1937). Não é de scabido d izer q ue a a ntropologia francesa só foi levar a

sér io a cultura d ep ois da Segu nda Gue rra — quan do Lévi-Strauss foi o

me diador da conexão com os conceitos teu to-ame ricanos.

E mesmo a ssim, nas ú ltimas d écada s deste século, justame nte q uan -

do pa recia ter se torna do dominan te, o sentido n orte-ame ricano de cultu-

ra (e de culturas) começou a se d esfazer. Não vou rep etir aqu i toda a lita-

nia usual de q ueixas contra a “ cultura” qu e atua lmen te se ouve no âmb ito

da an tropologia e tam bém , cada vez mais, em certos setores das hu man i-

dad es — se tores que , cur iosame nte , não he sitam em se au toden ominar

“estudos cultura is” . Essas que ixas qua se semp re se fazem acompanh ar

de alguma das formas acima men cionad as de repúd io ao conceito de cul-

tura enq uan to instrumen to de dominação. O q ue h á d e distintivo nesses

reproches, porém, é seu conteúdo ep istemológico, que incide p rincipal-

me nte sobre os d iscursos antropológicos tradiciona is acerca d a estrutura

e d a orde m. Eles cr it icam a tend ên cia d a d isc ipl ina a sup ervalorizar a

ordem — a p erceb er a cultura como objetivad a, reificad a, supe rorgân ica,

essencia lizad a , e s tereot ipa da , pr imordia l , homogê ne a , lógica , coesa ,

fecha da , excessivame nte de terminista e sistemá tica. Muitas de ssas críti-

cas vêm n a ve rdad e acompan han do o conce ito de cu ltu ra há b as tan te

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 49

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 10/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA50

temp o. Só que ante s e las eram formuladas n o vocabulár io anódino da s

ciên cias sociais (comportam en to idea l versus real, norma versus prática,

sistema versus açã o inte ncional etc.), e nã o na roupa ge m p olítico-moralque assumem na consciência contemporâne a — roupage m qu e, mais uma

vez, fun ciona liza os problema s originais. Nã o obstante , um a vez qu e o

desen canto moderno (e pós-moderno) é expressão de u ma p erda d e obje-

to, as atu ais ansied ad es acerca da cultura p odem ser vistas como versões

conjuntura is de uma cr ise epis temológica perene , que diz respei to à

(im)possibi lida de de qu alquer antropologia . Elas n ão p assam de novas

versões da n ostalgia an tropológica do “p rimitivo evane scente” [the van is-

hing prim itive]. O mu nd o não-ocide ntal, observa com p erspicácia Jam esClifford, “está sem pre a de sapa recer e a se mod ernizar — como na a le-

gor ia b enjaminiana da modernidade , o mund o t riba l é concebido como

um a ruína ” (1988:202).

A etnog rafia p rofissiona l, de sde sua origem — qu er se a localize na s

en trevistas de Lewis Henry Morga n com os Iroque ses ou nos verane ios

de Boas e seus alunos em reservas ind ígena s —, tem sido um a “a rqueo-

logia d o vivente ” (na fórmula d e Lévi-Strauss), um esforço de salvam en -

to , obcecado n ão somen te pe lo de clínio da cul tura indígen a , ma s pe laperda a té m esmo de suas me mórias . Ou a inda , se considerarmos a pe s-

quisa de Malinowski como a origem da etnografia moderna , nossa a nsie-

dad e contemporânea constatará, para sua m oderação, que a m onografia

clássica sobre os Trobriand ese s se inicia com a s segu intes pa lavras:

“A etn ologia se e ncont ra hoje em uma s ituação t r is temen te r idícula , para

nã o dizer t rágica: no exato mome nto em q ue começa a colocar em ordem

sua oficina , a forjar os instrume ntos ade qua dos, a se a prontar p ara a realiza-

ção da tare fa q ue lhe cabe , seu objeto de e studo se dissolve com uma rapi-

dez irreme diável. Justamen te ag ora, quand o os métodos e objetivos da etno-

logia c ien t ífica fund ad a n o t rabalho de camp o começam a tomar forma,

quan do homens [sic ] pe rfei tame nte pre para dos para o t raba lho começam a

viajar às terras selvage ns e a es tuda r seus ha bi tan tes , es tes vão-se ext in-

gu ind o diante de seu s olhos” (Ma linowsk i 1922:xv).

Ob jetos findos? Sim, a his tór ia tamb ém estud a esse t ipo de coisa .

Ma s qua ntas d isc ipl ina s acadê micas (a lém d a f ís ica de a l tas ener gias)

propuseram-se de sde sua origem a e studar objetos em desap arição? Hoje,

entretan to, é como se o q ua se-objeto da an tropologia hou vesse desm oro-

na do inteirame nte , vít ima d o sistema mu nd ial cap italista . Pastiche s de

costum es locais e fluxos transna cionais, sem qu alque r orde m ou estrutu-

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 11/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 51

ra próprias, as assim cha mad as culturas são hoje, como ped e a moda, de s-

prezad as como ilusões pós-modernosame nte p óstum as. E a n ostalgia a n-

tropológica, ref letindo o curso do imp erialismo, descam ba em um “p es-simismo sen time nta l”, como o cha ma Steph en Gree nb latt (1991:152): a

vida dos outros povos do plan eta d esmorona nd o em visões globais da

hegemonia ocidental.

A teoria d o desa lento [despondency theory ] foi o pre cursor ide ológi-

co da teoria d a d epe ndê ncia. Nos anos 50 e 60, pairava uma certeza lúgu-

bre d e qu e os séculos de impe rialismo ocide nta l, o long o dese nvolvimen -

to do subd ese nvolvime nto, haviam d eva stado as instituições, valores e

consciência cultural dos povos (ex-)aborígines em todo o mun do. As teo-rias da mode rnização tinha m os me smos pressupostos. Na verdad e, acre-

ditava-se qu e a modernização levaria o p rocesso de d eculturação a u ma

solução fina l, visto que os costum es trad iciona is eram conside rados como

um obstáculo ao “d esen volvime nto”. Eis um b om exem plo dessa teoria

do d esalen to, extraído por Paul Stoller de u m te xto de 1963 sobre a h istó-

ria colonial fran cesa:

“[As pessoas] tiveram seu a nt igo modo de vida fra turado p elo choqu e d ocontato europeu: a velha ordem da socieda de tribal , com sua coesão ba sea-

da n a reg ra indiscutível do costum e, foi forçada a recua r para o seg un do pla-

no; e o na tivo, de sracializad o [sic] pe la dem olição de tudo a qu ilo que an tes

o guiava, vaga d esi ludido e desan imad o, ora sem nenh uma e speran ça, ora

tomado d a a leg ria insan a d o iconoclasta q ue se associa à s forças do exterior

na tarefa de virar sua própria vida de cabe ça pa ra b aixo [...]. O futuro é incer-

to porque o nativo, aqu i um cidadã o francê s e lá u m m ero ‘súdito’, não sab e

onde se encaixar. Sem d ivisar um lugar pa ra si mesmo ne m espe rança p ara

seus filhos, e le vaga n um d esalento temerário ou en tão se ent rega a uma

indiferença leviana” (Roberts apud Stoller 1995:73-74).

Além d e algun s exageros, notada me nte qu an to à supe riorida de e a o

pod er eu ropeu s, diz Stoller, esse q ua dro do d esalen to africano é discutí-

vel porque não conseg ue dar conta dos vários tipos de “resistência cultu-

ral” (sobre a qu al falarem os logo ad iante). De ma ne ira a ná loga , o ceticis-

mo de Gree nb la t t em su a carac ter ização do “pe ssimismo sen t ime nta l”

suge re qu e o fim d a cultura indígen a, qu e já foi visto como uma ne cessi-

dad e m ora l em m ais de um sen t ido , tem s ido , pe lo men os em a lguns

casos , desmentido por acontec imentos e vozes subal ternas . Até bem

recen teme nte, o compleme nto antropológico usua l à teoria do de salento

era u ma séria p reocup ação com a d estruição do O utro, provavelmen te na

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 12/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA52

esperança de que algum be m p oderia a dvir do esforço de documentação

do can ibalismo cultural praticado p elo capitalismo m un dial. O p roblema

é q ue , ao neg ar qu alque r autonomia cultural ou inten cionalida de históri-ca à a lter idade ind íge na , as antropologias do sistema mu nd ial se torna -

ram m uito seme lhan tes ao colonialismo qu e e las, justificad am en te, con-

de na vam. Nossas teorias acad êm icas pa reciam p erfazer , no registro da

supe restrutura , o mesmo t ipo de dom inação que o Ocide nte h á mu ito

impu sera n o plano d a p rática e conômica e política. Ao sup or que as for-

ma s e os fins culturais da s socied ad es indígen as mode rnas h aviam sido

construídos exclusivamente pelo imperialismo — ou então como sua

ne ga ção —, os cr ít icos da he ge monia oc ide nta l es tavam cr ian do u maan tropologia d os povos ne o-a-históricos.

Portanto , devemos pres tar a lgum a a ten ção aos he sitante s re la tos

etnográficos sobre p ovos indígen as qu e se re cusavam tan to a de sapare-

cer qua nto a se tornar como nós. Pois acontece qu e e ssas socieda de s não

estavam simplesmente d esapa recendo h á u m século a trás , no início da

an tropologia: e las ainda estão desaparecen do — e estarão semp re desa-

parecend o. O peq uen o ritual de iniciação a que subm etemos os estud an-

tes do prime iro ano de p ós-gradu ação em an tropologia, exortand o-os aviajar e e stud ar as socieda des e xóticas enq uan to elas ainda estão lá, repe-

te-se a nu almente h á g erações. Pois ao men os aque les povos que sobrevi-

veram fisicam en te ao asséd io colonialista nã o estão fug indo à re sponsa -

bilidad e d e e laborar culturalmen te tud o o que lhes foi infligido. Eles vêm

tentand o incorporar o sis tema m und ia l a um a ordem a inda mais abran-

ge nte: seu p róprio sistema d e mu nd o.

Cito aqu i Brun o Latou r (pa ra falar a verda de , o motivo é, em p arte,

au to-reflexivo, já que d eriva dos gen erosos come ntá rios de Latour a um a

versão an terior de ste traba lho):

“As culturas supostame nte e m de sapa recimen to estão, ao contrário, mu ito

prese ntes, at ivas, vibrantes, inventivas, proliferan do e m todas a s direções,

reinventa nd o seu p assad o, subve rtend o seu próprio exotismo, transforma n-

do a a ntropologia tão repud iad a p ela crítica pós-moderna em a lgo favorável

a e las, ‘rea ntropologizand o’, se me pe rmitem o termo, regiões inte iras da

Terra que se p ensava fadad as à homogeneidade m onótona de um me rcado

global e de um cap italismo d ester ritorializad o [...]. Essas culturas, tomad as

de um n ovo ímpeto, são fortes de mais para q ue n os demorem os sobre nos-

sas infâmias pa ssadas ou nosso atual desalento. O qu e se carece é d e u ma

an tropologia disposta a a ssumir seu formidável pa trimônio e a levar a diante

sua s mu itas e valiosas intu ições” (Latou r 1996:5).

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 13/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 53

Viva a cultura indígena

A tarefa d a a ntropologia a gora é a indigenização da modernidade . Nã oestou afirman do q ue a e xperiência e tnográfica seja o ún ico responsável

pe lo decl ínio do pe ss imismo sen t ime nta l . O problem a difici lme nte se

resolve por pu ra indu ção, e cer tam en te a lgu m m ovime nto dia lé t ico ou

pe nd ular das ciências sociais tam bé m e stará en volvido nisso. E a p eren e

re levância d o contexto moral e pol ít ico se ma nifes ta a inda a través d e

outra ressalva indispen sável: estamos faland o ape na s dos sobreviventes.

Os sobreviven tes cons t ituem uma peq uen a m inor ia d aqu e las orden s

socioculturais existente s, digam os, no sécu lo XV. O qu e se seg ue , por-tanto, não de ve ser tomado como um otimismo sen time ntal, qu e ignora-

r ia a ag onia de povos inteiros, cau sada pe la d oença , violên cia, escravi-

dã o, exp ulsão do te rritório tradiciona l e ou tras misérias qu e a “ civiliza-

ção” ocide nta l disseminou p elo plane ta. Trata-se a qu i, ao contrário, de

um a reflexão sobre a comp lexida de de sses sofrime ntos, sobretud o no caso

daq uelas socieda des q ue souberam e xtrair, de um a sorte m adrasta , suas

presen tes condições d e e xistência.

A catástrofe foi tão esm ag ad ora q ue , até o final dos an os 70 ou iníciodos 80, qu ase nã o se aten tava teoricame nte pa ra os movime ntos em sen -

t ido inverso, para aqui lo que Richard Sal isbury def inia então como

“intensif icação cultural” [cultural enhancement  ]. Em 1981, Salisbury

organizou u m simpósio sobre “Abu nd ância e Sobrevivência Cu ltura l” ,

no en contro anu al da Ame rican Ethn ological Society. Pub licad o pouco

de pois (Salisbu ry e Tooker 1984), o simp ósio contou com um a introdu ção

de Salisbury que aborda va os principais tema s retomados aqu i.

O q ue chamou par t icularmente a a tenção de Sal isbury, a par t i r de

trabalhos sobre os Cree de Ja me s Bay e os Sian e d a N ova Guiné , foi o

apa ren temen te p a radoxa l enr ique c imen to da cu ltu ra t r ad iciona l que

algumas vezes acompa nha a integração das socieda des indígenas à eco-

nom ia g loba l. Tal como d escrita por Sa lisbu ry, essa “inten sificação cultu-

ral” é u m projeto seletivo e orien tado d e d esen volvime nto integral, que

reflete noções trad icionais da “b oa vida ”, associado a u ma promoção ex-

p l íc ita da “cu ltu ra” ind ígena — a inda q ue mate r ia lmente fundad a e m

um a articulação com o mercad o e por isso, em última an álise, ame açad a

por uma condição de de pe nd ên cia (Salisbu ry 1984). Além d a na ção Cree,

os pesq uisadores prese ntes a o s imp ósio fazem observações s imilares

sobre as n ações Hu ron, Tsimsh ian e O sage , assim como sobre os povos

das terras altas do Yemen (Scott 1984; Trigger 1984; Grumet 1984;

Thom pson , Veh ik e Swa n 1984; Varisco e Adra 1984). Assim, o p etróleo

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 14/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA54

não poluiu os Osage : “A iden tidad e tribal osage perma nece n otavelme n-

te for te e m 1981, e n ossa tese é q ue a p r inc ipal causa disso é a r iqu eza

ma terial do g rupo” (Thomp son, Veh ik e Swan 1984:49). Robert G rume trelata o “e spe tacular florescime nto cultural” d os Tsimsh ian litorâne os no

fina l do século XVIII, que se seg uiu à “ introdução ma ciça” d e b en s de

origem europé ia . É in te ressan te obse rva r qu e , em um es tudo aná logo

pub licado aproximada men te na mesma época, Chris Gregory emprega o

me smo termo, “florescime nto”, pa ra de screver o m odo como certos povos

da Nova Guiné usam sua pa rticipação na moderna “ economia d a m erca-

doria” pa ra exp an dir sua “e conomia d o dom” tradicional (Gre gory 1982).

Mas pe nsand o bem, o fenôme no é mun dial, e em a lgun s luga res vemocorren do h á sé culos. Ce rtos casos de “florescime nto” ou “inten sificação

cultural” pós-contato se tornaram clichês an tropológicos, como a s Gran -

de s Plan íc ies am er ican as du rante a era d o cavalo e da a rma d e fogo, o

potlatch da Costa Noroeste, as confede rações d os Huron e dos Iroqueses,

ou os reinos fun da dos p elos conq uistadore s do H ava í, Taiti, Tong a e Fiji.

Nu me rosos estudos etnográficos de sa fra ma is recen te de screvem a

utilização da s mercad orias e da s relações estrang eiras no desen volvime n-

to das cultura s ind ígen as. O livro Tribal Cohesion in a M one y Econom y ,de William Watson (1958), é u m e xemp lo be m conh ecido. A “tr ibo” em

qu estão era a d os Mamb we , da en tão Rodésia do Norte. Watson mostrou

qu e o “ indu strialismo”, ao conferir eficazme nte novos valores e funções

às relações políticas e te rritoriais mam bw e, terminou por dota r as forma s

tradicionais de che fia e de ap ropriação da terra de um a relevância iné di-

ta . “O s efeitos do indu str ialismo e do trab alho assa lariad o”, disse Wat-

son, “suge rem qu e, no processo de mu dan ça social , um a socied ade ten-

de rá semp re a se a jus tar às novas condições a través das ins t itu ições

sociais já e xisten tes. Essas instituições sobre viverã o, mas com n ovos valo-

res, de ntro d e um novo sistem a social” (Watson 1958:228).

Não obstante, devido a uma certa heteronomia, que inclui a presen-

ça a tiva d e forças g loba is irresistíveis, a variedad e de ssas respostas locais

mu ito freqüe ntem en te se vê d issolvida pelo pessimismo sentimental em

um a aculturação universal. Em um a rtigo recente q ue p arece fazer gran-

de sucesso, Gupta e Fe rguson reg ist ram sua preocupação com a a tua l

tend ên cia a de sinflar a “ Gran de Na rrativa” sobre a dominação capitalis-

ta do mund o “pela celebração da inventivida de daq ue les ‘consumidores’

da indú str ia cultural (sobretud o na pe rifer ia) qu e, a p artir dos produ tos

qu e lhes são impostos pelo me rcad o, saem -se com a lgo be m d iferente, às

vezes de u m m odo que indu z à resistência m ais do que à conformidade”

(Gu pta e Fe rguson 1992:19). Nas pág inas que se segu em , haverá certa-

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 15/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 55

men te vários bons exemp los daquilo que desagrada a G upta e Ferguson.

O qu e os desagrad a é b asicame nte um a valorização etnográfica do modo

como os povos organizam cul tura lmente sua exper iência do Sis temaMu nd ial, um a vez qu e isso acaba ria sen do um a m istificação dos verda-

de iros podere s em jogo: isso seria “um a m an eira de p ôr de lado a ‘gran -

de na rrativa’ do ca pitalismo (especialmen te a na rrativa ‘totalizan te’ do

capitalismo tardio) e, assim, d e se e squivar da s pode rosas q ue stões a sso-

ciada s à he gem onia g lobal do O ciden te” (Gup ta e Fergu son 1992:19).

Pode-se d izer ao m en os, a favor de ssa crítica, que ela de volve o ônus

do “ discurso totalizante” a seu lugar n atura l — refiro-me ao constrange -

dor temor reveren cia l qu e os an tropólogos notoriam en te m an ifes tamdian te dos pod ere s cultura is do Bicho-Pap ão cap italista. Em um cu rioso

parad oxo pós-modernista, a G rande Narrativa do Sistema Mun dial se tor-

na o úl timo refúgio da noção de cul tura e nq ua nto orde m m onológica e

determinista . Os povos indígen as qu e parecem contes tá- la es tar iam na

realida de se ilud ind o a si mesmos, ao pa sso qu e os an tropólogos que dã o

crédi to à au tent ic ida de cul tura l da a pa ren te res is tência far iam de sse

en gan o uma e ng an ação: na m elhor da s hipóteses, estariam se furtan do a

en carar a qu estão da d ominaçã o ocide nta l global; na p ior, estariam p ro-movend o tal domina ção.

Mas os antropólogos que criticam a heg em onia do Sistema M un dial

nã o são os ún icos descobridores da “resistência cultura l” ind ígena . Espe-

ranças em algo desse g ên ero estão en tre as exigências morais e políticas

da própria teoria da dep en dên cia, sendo pa rte do mesmo impulso inter-

preta tivo. Assim, a Gra nd e Na rrativa da domina ção ocide ntal rarame nte

atinge seu d esfecho totalizante, uma vez qu e aq ueles que a relatam ta m-

bém são capazes d e sub ver tê- la invocand o discursos sobre a liberda de

cultural . Alternan do visões de aculturação e esp eran ças de rede nção, a

antropologia d a h egem onia p arece não sab er bem o que pen sar. Assim,

diferen ças culturais que a força do Sistema Mu nd ial expu lsou p ela porta

da frente retornam , sorrateiramen te, pela p orta dos fund os, na forma d e

uma “contracultura indígena ”, um “espírito de rebelião”, ou algum retor-

no d o oprimido d o me smo tipo. Um d os comb ate s políticos mais inte res-

santes qu e se vêm travando no Terceiro Mund o, como veremos, é a ten -

tativa, por parte tanto da esqu erda como da d ireita, de cap turar os movi-

me ntos culturais ind ígena s em n ome d e p rincípios abstratos como a luta

de classes, o an tiimpe rialismo, a inte gridad e na ciona l ou coisa do gê ne-

ro. A isso tamb ém os povos têm re sistido.

A depe nd ência é mesmo pé ssima , mas ne m semp re é o fim da histó-

ria. No seio de algu ma s das ma is infern ais situa ções dos últimos séculos,

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 16/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA56

os cientistas sociais têm se d ep ara do com projetos ind ômitos de recons-

t rução cole t iva . Que m pod e ter s ido ma is dep en de nte q ue os escravos

african os na Am érica, ou q ue a classe ope rária ing lesa no início da Revo-lução Indu strial? E, en tretan to, poucos ne ga riam qu e e sses grup os cons-

truíram sua s próprias contracu ltura s, pa ra além e por vezes no inter ior

mesmo dos contextos diretos de sua servidão (cf . Mintz e Price 1976;

Thomp son 1966). As minas d e ouro da África do Sul, onde traba lham mi-

gran tes de d iversos povos Ban tu, foram compa rada s aos man icômios de s-

critos por Erving Goffma n: instituições totais de a lien açã o e controle, regi-

me s panóp ticos qu e regu lavam a o mesmo temp o “a existência produtiva

e p essoa l” dos m inera dore s (Mood ie 1980; 1991:40; 1994; Alverson 1978).No en tanto, os operá rios Tswan a e studa dos por Hoyt Alverson nã o se con-

formam à “tese d as cicatrizes do cativeiro”, à idé ia de q ue a de grad ação

“ineren te ao colonia lismo mode rno coloniza a m en te dos qu e h ab itam

seus ú lt imos esca lões , produzind o expe r iên cias p s íqu icas profun da s e

du rad oura s” (Alverson 1978:271-272). Os trab alha dore s Tswa na n ão se

torna m fun ções vivas de sua d ep en dê ncia material, porque e ng loba m a

dep end ência por seus p rópr ios va lores e p roje tos , der ivad os de seu ser

social enq ua nto Tswan a.Em a lguns es tudos complementa res sobre os t r aba lhadores das

mina s sul-africana s, Dun ba r Moodie e nfatiza os compon en tes sociais ori-

ginais daq uilo que ele chama de “culturas de migrantes”. Várias irman -

dad es e associações, inú me ros “e sque mas” econômicos e “ bicos” proli-

feravam em seus acam pa me ntos. Tud o podia se arranjar com os recursos

e re lações dos próprios mine iros: alime ntos, rem éd ios, beb idas e pa rcei-

ros sexua is; cura s, orácu los ou con sertos de bicicletas; encon tros religio-

sos e serviços fun erários. E, quan do ha via u m tem po, podiam-se sem pr e

arm ar jogad as políticas junto aos comp an he iros de tribo, com os olhos na

região de orige m. Pois a mina e ra ap ena s uma estação interme diária, um

recurso na caminhad a em direção à obtenção de status de ntro da tr ibo,

através do casame nto, da inde pen dên cia d oméstica e d o acesso à condi-

ção de h omem ad ul to. Pra t icand o ass im os va lores e a s ide nt idad es de

sua terra na tal , os mineiros foram comba tend o a p roletar ização d uran te

várias g erações. “Me smo as culturas de resistência” , observou M oodie,

“talvez sobretu do as culturas de resistência, nã o estão desliga da s de sua s

raízes sociais e econômicas” (Moodie 1991:40).

Em contraposição a certas formulações b em conh ecidas da teoria do

desa len to, Alverson a presen tou argum entos em favor de u ma consciên -

c ia tswana dis tin t iva e cr ia t iva . Me smo ten do, por vontade própr ia , e

duran te longos pe ríodos, mergu lhad o “no m ais fund o do coração da s tre-

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 17/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 57

vas do home m b ranco”, dizia e le , os Tswana não se curvaram à sua pró-

pria p obreza ou d espossessão. Mesmo sofrend o a a liena ção de seu traba -

lho, eles man tiveram u m sen tido inalien ad o de su a p rópria a tivida de —construind o seu próprio ser com me ios sign ificativos qu e lhe s pe rtenciam.

Essa conclusão se opun ha polem icamen te a d e Peter Berger , para q uem

a m archa d a m odernização iria n ecessariame nte transformar a compree n-

são ind íge na do mu nd o pela imposição da s “formas esp ecíficas de racio-

na lidade associad as à ciência, tecnologia e economia mod ern as”. Alver-

son nã o concordar ia com a visão misantrópica de qu e todos os outros

povos do m un do e stão de stina dos a se tornar seres u tilitaristas, raciona is

e felizes como n ós10

. Como as imp osições do impe rialismo nã o são de fatocapa zes de constituir um a e xistência h um an a, e como a consciên cia e a

capa cida de dos povos vitima dos de forjar sign ificad os perm an ece intac-

ta, o ind ustrialismo colonial não conse gu e forçá-los a “ intern alizar” se us

próprios pressupostos sobre a na tureza hu ma na . Alverson continu a:

“Emb ora [o industrialismo colonial] al tere efet ivame nte as ide ntidade s, os

atores — os Tswan a, no caso — dese mpe nh am u m pa pe l criativo e indep en-

den te na elaboração dessas iden tidad es al terada s. Os Tswana não se torna-ram a utômatos ind ustriais. A síntese resultante d a incorporação de e lemen -

tos da modernidade em sua a uto-identidade é um a criação nova . A transfor-

mação da iden tida de é resultad o tan to do sentido qu e os Tswan a atribuem a

suas cond ições ma teriais al terada s como do sentido que as inst ituições do

indu strialismo cultura l procuram lhes imp or” (Alverson 1978:279-280, ên fa-

ses n o original)11.

Ao invés da Gran de N arrativa da dom inação ocide ntal, portanto, um

outro modo de l ida r com a consta tação a ntropológica usua l de qu e os

outros povos não são tão fac ilmente de cul turad os ser ia re conhecer o

desen volvimen to simu ltâneo d e u ma integração global e de um a d iferen-

ciação local (Brigh t e Ge yer 1987). As seme lhan ças culturais da globali-

zação se relaciona m dialeticam en te com as exigên cias opostas de indige-

nização. Como observou Lévi-Strau ss , “pode mos fac ilme nte conceber

um te mpo em qu e ha verá some nte um a cultura e u ma civilização sobre a

ter ra” . Mas, pessoalmente , e le n ão acred i ta n essa p ossibil ida de , “pois

exis tem semp re tend ências operando em direções contrár ias — por um

lad o, em direção à hom ogen eização e, por outro, em d ireção a n ovas dis-

tinções” (Lévi-Strau ss 1978:20). Justam en te por pa rticipare m d e u m p ro-

cesso globa l de acu lturaçã o, os povos “locais” continua m a se d isting uir

en tre si pe los modos esp ecíficos como o faze m. “A rap idez com qu e a s

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 18/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA58

forças procede ntes d as diversas metrópoles incidem sobre novas socied a-

des”, observa Arjun Appad urai, “ma rca igua lmen te a ind igen ização, des-

sa ou d aq ue la m an eira, de ta is forças. Isso se a plica tan to a estilos musi-cais ou a rqu itetônicos como à ciên cia e a o terrorismo, aos espe táculos

artísticos como às constituições” (1991:5). Vê-se, assim, qu e a hom oge -

neidade e a h e terogeneidade não são mutua men te exclusivas , e las não

disputam um jogo histórico de soma zero. “A fragm en tação étnica e cu l-

tura l e a homogeneização modernis ta não são dois a rgumentos , duas

visões opostas daq ui lo que es tá acontecen do hoje no mu nd o, ma s s im

du as te nd ên cias constitutivas d a rea lida de global” (Fried ma n 1990:311).

Inte graçã o e diferen ciaçã o são co-evolucionárias.Assim, dentro do ecú me no g loba l, existem mu itas forma s novas de

vida , como nos en sina ram H an ne rz e outros: formas sincréticas, tran slo-

cais, multiculturais e ne otradicionais, em gran de parte d esconhecidas de

um a an tropologia dem asiadam en te tradicional. Do me smo modo, as téc-

nicas para se compreender as cul turas c lass icamente es tudadas pe la

an tropologia não possuem um a relevância eterna . À luz da s transforma-

ções históricas globais, a cr ít ica p ós-mod ernista da etnog rafia tem um a

certa pe rtinê ncia. Mas seu corolário nã o é o fim da “ cultura”, e sim qu e a“cultura” assumiu um a varied ad e de n ovas configu rações, e qu e ne la ago-

ra cabe u ma porção de coisas que escapam a o nosso sempre dema siado

len to entend ime nto. Em lugar de celeb rar (ou lamen tar) a m orte d a “cul-

tura”, portanto, a an tropologia deveria ap roveitar a oportunidad e p ara se

renovar, descobrind o pa drões inéditos de cultura h um an a. A história d os

últimos três ou qu atro séculos, em q ue se formaram outros modos de vida

hu ma nos — toda u ma outra diversida de cultural —, abre-nos uma pers-

pectiva qu ase eq uivalente à descoberta d e vida em outro planeta.

O restante d o presente a r tigo gira em torno dessa descoberta etno-

grá fica, tal como foi vivida por três excelen tes a ntropólogos: Ren a Led er-

ma n, Epe li Ha u’ofa e Terry Turn er. Em u m p rime iro mome nto, o trab alho

tra ta do t ipo de redu ção ou epoché  fenom en ológica pe la qu al cada um

deles passou, até em ergirem de suas respectivas experiências de cam po

com novas idéias sobre a na tureza e a viabilida de da s culturas tradicio-

nais que foram estudar. Cada um deles se dep arou com um a cer ta indi-

gen ização da modernidade q ue n ão havia sido antecipad a pe la an tropo-

logia tradicional, voltada pa ra o estudo d e m ônad as culturais, ou an un-

c iad a na s sombrias predições de pe rdição que acompa nh am o Sis tema

Mun dial. Em um segun do mome nto, portanto, tento fazer um a g ene rali-

zação acerca das espécies de t ransformação moderna e pós-moderna

en contrada s por esses etn ógrafos, acerca d os t ipos de processo cultural

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 19/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 59

de que e les foram tes temu nha s: aqu ilo que chamarei de “developman”

no caso de Lede rman , de “ cultura tran slocal” (ou “ sociedad e tran scultu-

ral”) no caso de Ha u’ofa, e de “cu ltura lismo” n o caso de Turn er12.

Rena Lederman sobre os Mendi: developman 

O fenômeno qu e Rena Lederman consta tou e ntre os Mendi nos anos 80

estava en tão, na verdade , ocorrend o em toda a e xtensão das terras altas

da N ova Gu iné. Havia ma is “grande s homens” [big m en ] do que houve-

ra an tes do regime colonial australiano, e eles tinh am m ais poder ag ora.As grand es t rocas in terc lân icas de porcos a inda eram inst itu ições cen-

trais, em bora às transações em conchas, qu e a s acompan havam , se tives-

se acrescentad o o pa pe l moed a; as trocas de p orcos podiam , igu almen te,

ser complemen tada s por d ád ivas como caminhões. Utilizand o-se d esses

novos meios , os Enga, em me ados dos an os 70, tinh am promovido um a

retomada espetacular de suas cer imônias , após um aparente decl ínio

(Lacey 1985). Nã o mu ito long e dos M en di, nas terras altas m eridionais,

Michael Nihill de screveu u m processo seme lhante d e “d esen volvime n-to” en tre os Anganen :

“Apesar de uma resistência inicial à maior parte da s coisas suge ridas pelos

australian os, os Anga ne n logo se torna ram ávidos pelo dese nvolvimen to, ou

ao me nos pe los projetos que eles conside ravam como levan do a ta l fim.

‘Desenvolvimento’ (divelopman) é um conceito amp lo em an gan en, mas qu e

é ava liado sobretud o em termos de b en s materiais, ava liação rea lizada e sim-

bolizad a a través do d inhe iro. O dinh eiro vivo tem vá rias utilidad es, é claro

— abrir lojas comerciais , comprar carros, gad o, bens de consumo, pag ar

taxas escolares ou impostos, ap ostar e m jogos de a zar etc. —, mas seu maior

significado p ara os Angan en d eriva de sua p roeminên cia na s trocas cerimo-

n iais” (Nihill 1989:147).

A troca “rea lmen te floresceu en tre os Angane n d esde a chega da dos

au stralianos”, disse Nihill, “e m p arte d evido ao fato de o dinhe iro ter se

tornad o um item legítimo d e troca” (Nihill 1989:144).

“Desen volvime nto” (dive lopman ) é a p a lavra ne omelanés ia p a ra

esse fenôme no. Divelopman correspond e ostensivame nte à ca tegoria oci-

den ta l de “ desenvolv imen to” [deve lopmen t  ] ma s, da da s as diferen ças

irred utíveis de sign ificad o, eu p refiro escrevê-la tal como ela soa rea l-

mente em inglês : “develop m an ”, “d ese nvolver (o) hom em ”, isto é , o

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 20/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA60

desen volvimen to das pessoas . Mesmo q ua ndo se refere a “ bisnis”*, ou

seja, a ga nh ar dinh eiro, o desen volvime nto se m an ifesta cara cterist ica-

mente para os povos da Nova Guiné como uma e xpansão dos poderes evalores tradicionais, sobretud o através da am pliação da s trocas cerimo-

nia is e d e p aren tesco. Ou , como exp licou à an tropóloga u m l íde r dos

Kewa: “Você sabe o que queremos dizer com ‘desenvolvimento’ [em

Kewa, ada m a rekato, ‘leva nta r’ ou ‘de spe rtar a ald eia’]? É constru ir uma

‘linh a d e ca sas’ (neada), ergu er uma casa dos homen s (tapada), é ma tar

porcos (gawemena). E isso nós fizem os” (Jose ph ide s 1985:44).

O d esenvolvimen to refere-se a u m p rocesso — um momen to passa-

geiro de “ primeiro contato” que pode bem du rar mais de cem anos — noqu al os imp ulsos come rciais suscitad os por um ca pitalismo invasivo são

revertidos pa ra o fortalecimen to das noções ind ígena s da b oa vida . Nes-

se caso, os bens europeus não tornam simplesmente as pessoas mais

seme lha ntes a nós, e sim m ais sem elhan tes a e las próprias. Isso é o qu e

Salisbu ry cha ma de “inte nsificação cultural” , ou Gre gory de “f loresci-

me nto”, fen ômen os dos qu ais já men cionam os diversos exem plos ma cros-

cópicos. Como eu tamb ém já pu bl iqu ei a r t igos sobre o tem a (Sahl ins

1988; 1992), tentare i aqu i ser breve , concentran do-me na ap ropr iaçãocotidian a d os objetos europeu s tal como observad a p or Ren a Lederma n

en tre os Men di (Led erma n 1985; 1986a; 1986b). A mud an ça de escala nos

pe rmitirá te r uma visão amp liad a da dinâm ica do dive lopman , e a ssim

ver de ta lhad ame nte o m odo como os Mend i conseguem infund ir seus

próprios sign ificad os a ob jetos estrang eiros.

Os Me ndi fazem até jó ias a pa r tir do l ixo europeu. Qu an do Lede r-

man e seu marido, Mike Me rrill, iniciaram seu projeto de pesq uisa, eles

— compreen de-se bem por quê — lame ntaram a indigência d os Mendi ,

ao invés de sa ud ar sua criatividade . Que outra conclusão se p oderia tirar

de u m p ovo qu e fab ricava pu lseiras a partir de latas de conserva e cha -

péus a par t ir de em balagens de pão? De gente q ue , após haver passado

toda a sua vida d escalça, agora a nd ava com g alochas larguíssima s, ou à s

vezes com um p é só de um a ga locha rasgada ? De um p ovo qu e compra-

va rádios caros qu e, entretan to, logo que bravam e n ão tinh am como ser

consertad os? Me rril l, um esp ecialista e m história do traba lho, concluiu

qu e, em bora essa a propriação do refug o da “ civilização” n ão possuísse

ne nh um sign ificad o fun ciona l, ela d evia significar a lgo — provave lmente

um se ntimen to de privação afrontosa. “Um pé de sap ato”, escreveu ele

* N. T. – Termo n eome lanésio de rivad o do inglês business.

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 21/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 61

em se u diário, “n ão tem u tilida de , e provave lmente a té dificulta o an da r

(sobretudo se está sem o salto... ). Mas u m pé de sapa to sign ifica algu ma

coisa. Sign ifica u m d esejo, por parte d o dono, de ter um par de sapatos; ede te r não apenas sapa tos , mas tudo o ma is também” (Lederman

1986a:7). Eis qu e, por falta de um pé de sapa to, a cultura se pe rde u. Uti-

lizand o uma a ntropologia do ancien rég ime , a velha lógica fun ciona lista

da correspond ên cia n ecessária e ntre um tipo de tecnologia e a totalidad e

cul tura l , os e tnógrafos se convenceram inic ia lmen te d e q ue os dese jos

dos Me nd i por objetos estran ge iros iriam ne cessariam en te atrelá-los aos

sign ificad os e relações portados por essas me rcadorias, a ponto de com-

prometer suas formas tradicionais de existência:

“Pois ma chad os de aço, tecidos indu strial izados, carros, serviços de mesa ,

arroz e pe ixe e nlatado, preg os etc. nã o são objetos ne utros [...]. Qua ndo p en e-

tram na áre a, carrega m de ma ne ira visível e influente su as orige ns sociais

[...]. Os valores do mercado mun dial acab am n ecessariame nte pre dominan -

do [...]. Ao fim e a o cab o, a estrutura social tradicional será erodida pe la açã o

corrosiva dos artigos qu e a gora são usa dos de m odo tradiciona l, ma s que já

contêm d en tro de si outras e ma is pod erosas intenções” (Led erma n 1986a:7).

Nã o obstante , a té o in íc io dos anos 80, após toda um a ge ração de

expe riên cia com o g overno colonial e pós-colonial, e a pós um a expe riên -

c ia cons ide ráve l com o me rcad o a t ravés da ven da tan to de produtos

como de mão-de-obra , ta l e rosão a inda não h av ia a contec ido . Nem as

me rcadorias ne m a s relações envolvidas em su a a qu isição haviam trans-

formado a s e s t ru turas men di de sociab ilida de ou sua s concepções de

uma existência huma na ade qua da — a não ser no sentido de as inte nsi-

ficar . Aba stecidos de u ma m aior riqu eza em dinhe iro, conchas de m adre -

pé rola , porcos e b en s es trang eiros , os cer imonia is c lân icos e a s t rocas

entre p arentes a tingiram dimen sões inéd itas, tanto em termos de escala

como de freqü ên cia (Led erma n 1985; 1986b:153). Os Me nd i possuem

ag ora cerimônias maiores e ma is paren tes do qu e jama is tiveram. Led er-

ma n obse rvou que as r e lações soc ia i s ind íge nas h av iam ge rado um a

dem anda de m oeda moderna be m ma ior que aque la ex ig ida pe las ins -

tân cias locais do me rcad o cap italista (1986b:232). Refletind o acer ca d a

disposição dos bran cos pa ra o consumo privado, um a migo Men di carac-

te r izou a e conomia e uropé ia como u m “ s is tema d e sub s is tênc ia” , em

contraposição ao interesse d e seu próprio povo em d ar e receb er, e q ue

seria , este sim, um verd ad eiro sistema d e troca s (1986b:236). Por essa

não se esperava...13

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 22/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA62

Os Me nd i, escreve Led erma n, interag iam com os estrang eiros “sem

pe rde r o sentido d e si me smos” (1986b:9). O sistem a cu ltura l local “ain-

da é a estrutura de ntro da qu al os Men di define m, categorizam e orqu es-t ram os novos obje tos e modos de agir que lhes foram apresentados

du rante a última ge ração” (1986b:227). Mas observe-se qu e invocar de s-

se modo uma es trutura ou lógica cul tura is , como sendo aqui lo que

orquestra a t ran sformação his tór ica , não é o m esmo qu e fa lar de um a

reprodu ção estereotipa da d o costum e tradicional. A tradição consiste aqu i

nos m odos distintos como se d á a transform ação: a transforma ção é ne ces-

sariam en te ad ap tada a o esquem a cultural existente. Nas terras altas da

Nova G uiné , isso pode s ign ificar um de senvolvime nto da competiçãocer imonia l in terc lân ica , ocorren do concomitantem en te ao d ecl ínio da

gue r ra . Mas a compe t ição pode se man ifes ta r também em pro je tos de

construção de igrejas (1986b:230)14.

No d ecorrer do trabalho e tnográfico, portanto, Led erma n e Me rrill

deixaram de lame ntar a indigência econômica dos Men di, uma vez que o

sign ificad o da ut i lização qu e esse p ovo faz ia dos obje tos eu rope us e ra

completam en te outro. Tam pouco era esse o sign ificad o de sua b ricolag em

com lata s de conserva e ou tras porcarias ocide nta is: isso não era n en hu msina l de h um ilhação ou um p re lúdio a dese jos frus trados . Percebe nd o

qu e, ao contrário, as relações dos povos da N ova Gu iné com os objetos

estran ge iros traziam consigo algo como um a m ae stria, os etn ógrafos gra -

dua lmen te ab and onaram sua s sombrias conclusões a p riori. Essa mae s-

tria era tan to um a qu estão de de streza simb ólica qua nto de de streza téc-

nica: a hab ilidad e d emonstrada pelos Men di em d ar seu p róprio sentido

às coisas. “As pessoas pare cem incorporar tão facilme nte a s qu inquilha-

rias ocide nta is”, escrevia Lederm an e m seu d iário de cam po, “coletan do-

as tão casua lme nte como coletam os produ tos da floresta”. Ela prosseg ue :

“Aqu i, a m aioria d as coisas d o mun do [men di] são ace ssíveis a todos. As pe s-

soas sabe m como fazer a maior par te d aqu i lo que ut i lizam. Send o assim,

como lidar com os ob jetos ocide ntais, tão clarame nte diferen tes n esse senti-

do? Ora , como se fossem ‘na tura is’, é claro! [...] Tolap vira e re vira a emb ala -

gem de p ão em sua s mãos por um m omento, considera ndo o que fazer com

ela. A embalagem n ão tem u ma final idad e d efinida, mas pode recebe r uma ,

e p ode receber u ma forma pa ra se a jus ta r a e l a . Deverá se r que imada ou

vestida ?” (Led erma n 1986b).

A caça e cole ta de e mba lage ns de pã o e armações de gu arda-chu-

vas havia perd ido seu t ravo am argo. Para Led erma n e M err ill , e la nã o

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 23/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 63

s ign ificava m ais uma prem onição d e m or te cultura l . Ha via u ma outra

lógica, uma lógica me nd i, na s improvisações exóticas da qu ele p ovo. Os

ben s eram eu rope us, mas nã o as necess ida des ou intenções . “Os Me n-di”, refletia Lederman , “não vêem esses objetos do mesmo modo q ue nós

os vemos: as finalidad es me nd i sub stitue m a s nossas” (1986a:8). Sua s

pe rcepções se gu iavam por um conjun to diferen te de concep ções15.

Led erma n resu me assim a expe riên cia d os ocide ntais, o reflexo etn o-

gráfico da indigen ização da mode rnida de — sobre o qua l, entretanto, per-

ma ne cem certas reservas, sobretud o por pa rte do historiad or do traba lho:

“Por outro lado, o de sejo de produ tos ocide ntais pod eria, talvez, significaralgo diferente d o que pen sava Mike (e e u també m, em men or grau). Quão

pode rosamen te as inten ções ocide ntais nã o estão, afinal, contidas e m seu s

objetos? Qu ão em ine ntes e influe ntes nã o são, no fim d as contas, as origen s

sociais dessas coisas? Prognóst icos sombrios de uma tend ên cia para uma

severa de pe nd ên cia e desm oralização futuras pode m acab ar se verifican do.

Ma s uma compre en são da s forças sociais em jogo ficaria incompleta se n ão

se levar em conta o m un do ta l como vis to da pe rspect iva de uma cul tura

aldeã . Nosso sistema d e significações e valores pode n ão pa recer tão impe-riosame nte eviden te pa ra os outros como o é p ara nós me smos [...]. Após dei-

xarm os o vilarejo men di [the M endi town ] e m orarmos por algum tem po [na

aldeia d e] Wep a, tanto Mike como eu iríam os reaval iar nossa visão acerca

dos sign ificad os que os objetos ocide ntais possuem pa ra os Me nd i (em bora,

para dizer a verdade, nós a té hoje discutamos sobre i sso)” (Lederman

1986a:7-8, ênfases no original)16.

Mas a e ssa a l tu ra nã o pode ha ver ma is dúvida d e qu e os Mend i,

como outros povos das te rras altas — por exem plo, os Chimbu , Hag en e

Siane , assim como os Enga e Ang ane n —, experimen taram um develop -

m an de sua cultura tradicional desde , e a través de, sua articulação com o

sis tema mu nd ia l mode rno (Gregory 1982). Além de seus come ntár ios

sobre a h ab ilidade dos Me nd i para “ de finir, categ orizar e orque strar os

novos objetos e modos de agir que lhes foram a presentad os”, Lede rman

cham a a a ten ção para d ois outros aspectos da historicida de p ersistente

dos esqu em as culturais tradicionais. O primeiro aspe cto é qu e os M en di

amp liaram o a lcance e a intensidad e tan to da reciprocidad e e m p eque na

escala como d a t roca cer imonia l em larga esca la — e ass im tamb ém do

pa rentesco, em várias moda lida des —, a de speito das p ressões contrárias

exe rcida s pe los gove rnos coloniais e pós-coloniais, com suas p olíticas ins-

pirada s nas noções ocide ntais de “ de senvolvime nto” e conômico (Led er-

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 24/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA64

ma n 1986a). Com e feito, o divelopman indígen a foi alcança do precisa-

men te pela importação de b ens qu e nã o criam “ desen volvimen to”, já qu e

não são insumos técn icos pa ra aum ento da produt iv idad e . O seg und oaspe cto é qu e ne m o fato, ne m a orien tação desse developman da s terras

altas é algo novo. A “tradição” não e ra ma is estática no p assado d o que

é ag ora. O ma ior developman de u m sistema de p rodução da s terras altas

basea do na cultura da batata-doce e n a criação de porcos, com sua ordem

social e ritua l correlata, ocorreu du rante os dois ou três séculos an teriores

à ép oca colonial. “Bem a ntes d e os brancos chega rem na s terras altas”,

observa Led erma n, “as crian ças de lá já cresciam e m mu nd os diferen tes

dos de se us avós”. Portanto, uma h ab ilidad e “d e inovar e renovar o siste-ma indígen a”, longe d e ser uma indicação de falência, é um a qu alidad e

intrínse ca de sse sistem a (Led erm an 1986a:14).

Tem os razões p ara se r céticos, portan to, dian te de noções simplistas

de “aculturação”, concebida como um a conseqü ência fun cional necessá-

ria d o envolvime nto na economia de me rcado. Marx dizia, nos Grundris-

se , qu e a s relações comun itár ias arcaicas são de struída s pelo dinhe iro,

pois o dinhe iro se torna a comun idad e . É c laro que e le nã o conhe cia os

povos da Nova G uiné, que fetichizam ritua lmen te notas novas de 20 kinacomo ben s de troca. Incorporand o a força m asculina , essa é a e spécie [th e

monies] usa da pe los Anga ne n n as trocas ritua is interclân icas, em oposi-

ção às moedas de m e ta l [coins], associad as às m ulhere s e a o consum o

diár io . Adap tando as p a lavras d e O .H.K. Spate (passando d a rea lidad e

de Fiji para a Nova Gu iné) , o dinheiro perma nece aqu i send o o servo do

costume , em vez de seu senhor17. Pode-se be m objetar que essa condição

é n ecessariam ente temp orária , e q ue a “ me rcan tilização”, o “consum is-

mo” e a “d epe nd ência” irão, mais cedo ou ma is tarde, sub verter todas as

boa s inte nções trad iciona is. Talvez. Ma s, como observou Durk he im, um a

ciên cia d o futuro nã o tem obje to . Enqu an to isso, enqu an to os parâm e-

tros, temp orais e outros, do fen ômen o perma ne cerem d esconhe cidos, o

developman , em toda s as suas formas, viáveis ou nã o, ab re todo um n ovo

campo para a descoberta an tropológica. Tud o qu e se p ode hoje concluir

a respe ito disso é qu e nã o conhe cemos a p riori, e ev iden temen te não

devem os subestimar, o poder que os povos ind ígen as têm de integrar cul-

turalme nte as forças irresistíveis do Sistem a Mu nd ial. Portanto, nã o ba sta

assumir atitudes d e d enú ncia e m relação à heg emonia. Os antropólogos

semp re terão, além disso, qu e da r testemu nh o da cultura.

Tradução de Déborah Danowski Recebido em 3 de fevereiro de 1997

e Edua rdo Viveiros de Ca stro Aprovado em 17 de fevereiro de 1997

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 25/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 65

Ma rsha ll Sah lins é p rofessor (Ch arles F. Gre y Disting uishe d Service Profes-sor of Anthrop ology) da Universidad e d e Ch icag o. Entre seu s livros maisconhecidos estão Stone A ge Economics (1972), Cultu re and Practical Reason

(1976), Historical M etap hors and M yth ical Realities (1981), Islands of His-

tory (1985), e How “N ative s” Think: A bout Cap tain Cook, for Exam ple (1995).

Notas

1 Sobre a h istória ge ral do te rmo “ cultura ”, ver Williams (1982; 1983); Stoc-kin g (1968); Elias (1978); Béné ton (1975).

2 No me rcado an glófono atua l, como se sabe , o termo “cul tura” e s tá emliquidação. Ele é usad o para categorias e grup os sociais de todo tipo e q ua lida de .Fala-se d e cultura e m relação a praticamen te q ualque r categoria d efinível (a “cul-tura dos viciad os em drogas” , a “cu ltura d os adolescentes” e tc.), a qu alqu er tipo

de a t ivida de (“cultura do surfe” , “cultura da au tobiografia” ), e, é claro, a q ua l-qu er tipo de g rup o (a “cu ltura e mp resarial”, a “cu ltura u niversitária”, a “culturada fáb rica d e charutos”) . A pa lavra su bst itu iu “e thos” (costumá vamos falar n o“ethos u niversitário” ou no “ ethos dos ad eptos da musculação”) ou “p sicologia”(como em “ a p sicologia de Washington D.C.”, ou “ a p sicologia da Gu erra Fria” ).Hoje nã o é fácil dizer se tud o isso dep recia o conceito an tropológico de “cu ltura ”,como pode ria p are cer, ou se n a verd ad e o fortalece. Contud o, assim como a socio-logia tem sobrevivido a os usos populares de “socied ade ”, e como a e conomia temsobrevivido a toda s as evocações le igas de seu tem a d e e studo, a ant ropologia

provavelmen te nã o precisa ter medo d a febre atua l da “cultura”. Adian te retoma-rei algu ns aspe ctos de sse “culturalismo”.

3 O que se segue é um exemp lo disso que e stou chaman do de pâ nico pós-mode rnista . Impre ssionad o por cer tas muda nças recen tes na organização (oude sorganização) plane tária da cultura, o autor propõe alguns “p assos em d ireçãoa u ma te oria g era l dos processos cultura is globais”: “O p rime iro passo é constatarque nossos modelos mesmos de cultura terão qu e se al terar, à m edida q ue a a rti-culação entre povo, lug ar e tradição vai pe rden do qu alque r apa rência de isomor-fismo [...]. O qu e e u g ostaria de propor é q ue comecemos a p en sar a configura ção

da s formas cul turais no mu ndo d e h oje como funda men talmente fractal, is to é ,como desprovida de limites, estruturas ou reg ularidad es e uclidianas. Em seg und olugar , gostar ia d e sug eri r que e ssas formas cul turais , qu e d everíamos buscarreprese ntar como integralmen te fractais, exibem além disso supe rposições com-plexas, de um a forma qu e só tem sido discutida pe la m atemá tica pu ra (na teoriados con juntos, por exe mp lo) e p ela b iologia (na teoria d as classificações politéti-

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 26/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA66

cas). Assim, precisamos combinar u ma metá fora fractal pa ra a forma d as culturas(no p lural) com um a explicação politét ica d e suas su perp osições e semelhan ças.Sem esse último passo, perma necerem os amarrados a um a concepção do trabalho

comparativo que sup õe a necessidad e de u ma sepa ração clara da s entidad es antesque qu alque r compa ração séria en tre elas possa ser feita. Como compa rar formasculturais fractais e politet icame nte su pe rpostas em su a cobe rtura d o espa ço ter-restre? [Com o, realm en te?]

Finalmen te, para q ue a teoria d as interações culturais globais fund ada s emfluxos disjuntivos tenh a um a força maior qu e a d e um a me ra me táfora me cânica,ela terá que se transformar em a lgo semelhan te a u ma versão an tropológica da qui-lo qu e a lguns cientistas vêm cha ma nd o de teoria d o ‘caos’” (Appa du rai 1991:20).

4

Em sua bu sca das estruturas culturais profund as do Ocidente qu e pu des-sem d esconstruir noções antropológicas como a de “ estrutura s cultura is”, Christo-phe r Herbe rt (1991:149) cham a a atenção p ara a própria d outrina do pe cado ori-ginal e seu comp leme nto espe cificame nte w esleyano referente à s coerções indis-pe nsáve is a u ma hu man idade eg oísta (cf. Dea ne 1963; Sahlins 1996). Para He r-be rt , o concei to de cul tura se d ese nvolve como um a versã o cien t ificizad a d essacoerção necessár ia ; ou seja , como tendo d eslocado a or ige m da coerção para asociedad e e seu objetivo para a re pressão d as classes inferiores e d os povos colo-nizados. A “cultura” é ape nas um a variante de uma teoria q ue “servia a propósi-tos domésticos e interna cionais prát icos, e qu e te nd ia a legi timar, por e xemp lo,

ten tativas politicam en te d irigida s de ‘civilizar’ selvag en s em outros pa íses, inclu-sive o East End londrino, imp ondo a eles estru turas a utoritárias e rep ressivas empe rman en te expa nsão” (Herb ert 1991:36). Como Herb ert prefere simp lesme ntereg istrar que está ciente d os aportes de H erd er, Vico, Kan t, Hu mb oldt e seu s pare sà idéia d e cu ltura (He rbert 1991:28), ele deixa de lad o os diferen tes fun da me ntosculturais e históricos (ou “ estruturas cu lturais profun da s”) subjacen tes a os seustraba lhos, assim como suas d iferen tes contribu ições a o conceito an tropológico.

5 Dumon t cita Wilhe lm von Hum boldt: “É impossível conhece r completa -

mente o caráter de u ma n ação sem estudar també m out ras nações com as qua isela tem re lações próximas. É ao contraste com essas outras na ções que tal caráterde ve sua origem, e portanto é só através do contraste qu e e le p ode ser integral-men te compree ndido” (in Dumont 1994:120). Para u ma dem onstração d idática daprodutividad e d a comparação — mesmo que , nesse caso, se t rate de uma compa-ração se midescontrolad a e qua se-tipológica, ver Ge ertz (1995), sobretudo o cap í-tulo 3, “Cu ltura s”.

6 Para ou tras críticas da “cu ltura ” como um a n oção colonialista, ver Appa-durai (1991) e Rosaldo (1989).

7 Ou, no plano da Realpolitik : “Qu an to mais os europeu s inven tamos méto-dos e instrumen tos para subjugar outros continen tes, qua nto mais os eng ana mose e spoliam os, tan to maior será seu triun fo final sobre nós. Estam os forjan do a scorrentes com as q ua is eles nos pren de rão” (Herde r 1969:221).

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 27/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 67

8 A oposição histórica e ntre a “ civilização” iluminista e a “ cultura ” g erm â-nica é discutida, en tre ou tros, por Barn ard (1969); Bén éton (1975); Ben ven iste(1971:289-296); Berlin (1976; 1982:1-24; 1991; 1993); Curtius (1929); Dumont

(1986; 1994); Elias (1978); Love joy (1948); Ma nu el (1968); Mas sis (1937); Me yer(1952); Sa h lin s (1995:10-14); Sta rob insk i (1993:ca p. 1); e Stock ing (1968:cap . 4;1987:cap . 1). Rece nte me nte , um de feito do relativismo he rde riano — ter insistidosobre a idéia de incomensura bi lida de d as cul turas a u m ponto ta l que pode riaimplicar a recusa d e um a comum h uma nidade aos diferen tes povos do mund o —foi den un ciad o por Berlin (1991:70-90, seg uind o uma obser vaçã o de M omiglian o)e por Pag de n (1995). Tal interpretação, entretan to, não foi tran smitida na de scen-dê ncia an tropológica da tradição alemã da “cultura” (via Boas e seus d iscípu los).Ma s a d efesa qu e a an t ropologia fez da p osição cont rár ia (por exemp lo, com a

doutrina d a un idad e psíquica da hu man idad e) tamp ouco impe diu o abu so popu -lar do sign ificad o da s difere nças cu lturais — como o testemun ha a e st igma tiza-ção, agora na moda , tan to da an tropologia como da cultura, com ba se nisso.

9 Como a an tropologia cultura l norte-am ericana e stava liga da à a ntropolo-gia fís ica , desen volveu-se u ma oposição en t re cul tura e n atureza q ue també mexprimia distinções acadêmicas. Os antropólogos americanos mostravam-se espe-cialmente se nsíveis à que stão do que e ra dis tin t ivame nte h uma no e , portanto,“cultural”. Nesse sent ido, a d iscipl ina estava a fina da com uma concepção g eralsobre a importância do s imból ico, ta l como representada, por exemplo, por

Suzan ne Lan ge r (1976) e Kenn eth Burke (1966). Dessa forma , a an tropologia nor-te-americana estava pré-ad aptada à “virada” lingüística de slancha da pelo estru-turalismo francê s.

10 Isso é u ma p ará frase d e He rde r (1969).

11 Cf. Jea n Coma roff (1985); John L. Coma roff e J ea n C oma roff (1987); e,sobre a “ide ntidad e” , cf. Rouse (1995). Eis aq ui um e co do outro lado do mu nd o,dos Maring da N ova Guiné: “Nã o se deve p ensar q ue, nessa d ialética global entre

uma economia mone tária ca pitalista e u ma formaçã o social local, haja qu alque rne cessida de h istórica qu e a resolva por uma redu ção da e conomia local a umaespé cie de simples reflexo da e conomia mone tária. Para compreen de r a nature zade ssa dialética local, o an alista de ve nã o somente conside rar sua s característicasestruturais e ecológicas, mas tam bé m restituir às pessoas o estatuto de a tores emseu p róprio mun do, e considerar o sign ificad o dessas cond ições pa ra e las; de sco-brir o qu e, de fato, informa sua s respostas prá ticas e e stratégicas às circunstâ nciasesp ecíficas qu e se a prese ntam ” (Maclean 1989:79).

12 Outros etnólogos, além dos já me nciona dos, t iveram expe riên cias sem e-

lhan tes. Em particular, Glenn Pe tersen (1984) docum en tou um de sen volvime ntoan álogo da consciência an t ropológica em re lação à “cul tura de res is tência d osilhéu s de Ponap e” .

13 O Me ndi estava certamen te invocando um a d istinção crítica pa ra a ope ra-ção da vida sociocerimonial, comum n as terras a ltas da Nova Gu iné, entre d esti-

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 28/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA68

na r as coisas à troca social e consumir as coisas d en tro da própria família. O con-traste e ntre as figura s da t roca e do consumo pode ser ainda correlacionado coma d istinçã o en tre hom en s e m ulhere s (Strathern 1979; Nihill 1989).

14 Marga ret Jolly reclama , com razão, da incapa cidad e d o pensam ento aca -dê mico ocidental de compree nd er a t ran sformação como um processo au tênt icoden tro de outras t radições. A respei to dos assim cha mad os nat ivos: “Se e les n ãofaze m m ais ‘isso’, entã o nã o são ma is eles m esmos, ao p asso qu e, se os coloniza-dores não fazem m ai s o que faz iam h á d uas dé cadas , tra t a -se d e u m e xemploreconfortante d o progresso ocide ntal. Em um caso, diversida de e mud an ça cono-tam ina uten ticida de ; no outro, são o selo da verd ad eira civilizaçã o ocide nta l” (Jo-lly 1992:57).

15 Faland o espe cialmen te dos povos do Pacífico, Nicholas Thomas a van çou omesmo t ipo de a rgume nto. “Nã o se deve considera r que a s mercadorias ociden -tais possuam u ma atraçã o irresistível com o estatu to de u ma força histórica inexo-rável . O interesse d os povos indígena s pe los ben s estrang eiros, pelos bran cos epelo contato era var iável e em certos casos ext rema men te l imi tad o” (Thoma s1991:103). E ainda , “As econom ias globais nã o controlam os sign ificad os da s me r-cadorias em q ue seu s lucros se base iam” (Thomas 1991:123).

16 Em um art igo sobre “ Pobreza e C riat ivida de no Ca ribe ”, Sidn ey Mintz

(1989) chama a a tenção para a g ene ralidad e d o fenômen o que havia inspirado asespe culações iniciais de Lede rman e Merrill sobre a indigên cia men di: a transfor-maçã o do refug o das socied ad es industriais em ma téria-prima da s culturas ma te-riais dos outros. Observou tamb ém o modo como latas de conserva, pn eus velhos,ferrame ntas de me tal gastas, escovas de de ntes e pe ças de au tomóvel são retra-balhad os e rea da ptados p ara servir aos modos locais de e xistência — uma assimi-lação b em literal da bricolag em industrial à pen sée sauvage .

17 Para excelentes anál i ses de processos semelhantes de integração do

dinh eiro na s relaçõe s trad iciona is, ver Bloch e Pa rry (1989).

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 29/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 69

World in the Twentieth Century”.Radical History Re view , 39:69–91.

BUNZL, Ma tti. 1996. “From Volksgeist  

an d Nationalcharakter  to an An-thropological Concept of Culture” .In: G. W. Stocking Jr. (org.), Volkgeist 

as Method and Ethic: Essays on

Boasian Ethn ograph y and th e Ge r-

m an A nth ropological Tradition (His-tory of Anth ropology, vol. 8). Ma di-son: University of Wisconsin Press.pp . 17–78.

BURKE, Kenneth. 1966. Language as

Sym bolic Action. Berkeley: Univer-sity of Ca lifornia Pre ss.

CLIFFORD , Jam es. 1988. The Predica-

m en t of Culture: Twe ntieth-Cen tury

Ethnography, Literature, and Art.

Cam bridge , Mass: Harvard Univer-sity Press.

COMAROFF, Jea n. 1985. Body of Powe r 

Sp irit of Resistance : The Culture and 

History of a S outh A frican People.

Chicago: University of Chicago Press.COMAROFF, John L. e COMAROFF, Jean.

1987. “The Madman and the Mi-gran t: Work a nd Lab or in the Histor-

ical Consciousness of a South AfricanPeople”. A m erican Ethnologist, 14:191-209.

CURTIUS, Ernst-Robert. 1929. L’Idé e de

Civilization dans la Conscience

Française. Paris: Pub lications d e laConciliation Internationale (Bulletinn o 1).

DEANE, Herb ert A. 1963. The Political

and S ocial Ideas of Saint A ug ustine.

New York: Columbia UniversityPress.

DIRKS, Nichola s (org.). 1992. Colonial-

ism and Culture. Ann Arbor: Uni-versity of Michigan Press.

DUMONT, Lou is. 1986. Essays on Ind i-

Referências bibliográficas

ABU-LUGHOD, L. 1991. “Writing AgainstCu lture” . In: R. G. Fox (org.), Re -

capturing A nthropology . Santa Fe :School of American Research Press.pp. 137-162.

ALVERSON , Hoyt. 1978. Mind in the

He art of Darkn ess: Value and Se lf-

Iden tity A m ong Tswana of South ern

Africa. New Haven: Yale UniversityPress.APPADURAI, Arjun. 1991. “Global

Ethnoscapes: Notes a nd Que ries fora Transn ational Anthropology”. In:R. G. Fox (org.), Recapturing A nthro-

pology . Santa Fe: School of Ame ri-can Research Pre ss. pp . 191-210.

BARNARD, F. M. 1969. “ Introdu ction” .In: F. M. Barn ard (org.), J. G. Herder 

on S ocial and Political Cultu re. Cam-bridge : Ca mbridg e University Press.

BÉNÉTON , Philippe . 1975. Histoire des

M ots: Culture et Civ ilisation. Paris:Presses de la Fond ation N ationalede s Scien ces Politique s.

BENVENISTE, Emile. 1971. Problem s in

Ge ne ral Lingu istics. Coral Gables:University of Miami Pre ss.

BERLIN , Isaiah. 1976. Vico and He rde r:Two S tud ies in th e H istory of Ide as.

Ne w York: Vintage .___ . 1982. A gainst the Curren t: Essays

in the History of Ideas. Har-mondsw orth: Peng uin.

___ . 1991. The Crooked Timb er of Hu -

manity. Ne w York: Alfred A. Knopf.___ . 1993. “The Ma gu s of the North” .

N ew York Rev iew of Books, 40(17).

BLOCH , Maurice e PARRY, Jonathan(orgs.). 1989. M oney and the M oral-

ity of Exchang e . Cam bridge: Cam -bridge University Press.

BRIGHT, Charles e GEYER, Michael .1987. “For a Un ified H istory of the

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 30/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA70

vidualism. Chicago: University of Chicago Press.

___ . 1994. The German Ideology.

Chicago: University of Chicago Press.ELIAS, Norbert. 1978. The Civilizing

Process: History of M ann ers. N ewYork: Urizen.

FRIEDMAN , Jona than . 1990. “Being inthe World: Globalization a nd Local-ization”. In: M. Fea the rstone (org.),Global Culture . London : Sage . pp.311-328.

GEERTZ, Clifford . 1995. A fter the Fact.Cambridge: Harvard Universi tyPress.

GREENBLATT , Stephen. 1991. Mar-

ve lous Possessions: The Won de r of 

the N ew W orld. Ch icago: Universityof Ch icag o Press.

GREGORY, C.A. 1982. G i f ts and Com-

modities. London: Academic.GRUMET, Robert S. 1984. “Managing

the Fur Trade : The Coast Tsimshianto 1862”. In: R. F. Salisbury e E.Tooke r (orgs.), Affluence and Cultur-

al Survival. Washington, D.C.: TheAme rican Ethn ological Society. pp .26-34.

GUPTA, Akhil e FERGUSON, Jam es. 1992.“Beyond ‘Cu lture ’: Spa ce, Ide ntity,and the Politics of Difference”. Cul-

tural A nthropology , 7:6-23.HERBERT, Christopher. 1991. Culture

and Anomie: Ethnographic Imagi-

nat ion in the N ineteenth Century.

Chicago: University of Chicago Press.HERDER, Johann Gottfried von. 1966.

“Essay on the Origin of Lan gua ge ”.In: J.-J. Roussea u e J. G. von Herd er,On the Origin of Language. NewYork: Ungar.

___ . 1968. Reflections on th e Philoso-

phy of the History of M ankind (orga-nizado p or Frank Man uel). Chicago:University of Chicago Press.

___ . 1969 . J. H. He rde r on Social and 

Polit ical Cu lture (organ izado p or

F. M. Barna rd). Ca mbridg e: Cam-bridg e University Press.

JOLLY, Margaret. 1992. “Specters of In-

authenticity”. Contemporary Pacif-

ic, 4:49-72.JOSEPHIDES, Lisette . 1985. The Produc-

tion of Ine qu ality: Ge nd er and Ex-

change among the Kewa . London:Tavistock.

LACEY, Rode ric. 1985. “Jou rneys a ndTransformations: The Process of In-novation in Papu a Ne w Gu ine a” . In:

M. Cha pma n (org.), M odernity and Ide ntity in th e Island Pacific . Spe-cial Issue of  Pacif Viewpoint, 26(1):81-105.

LANGER, Suzanne. 1976. Philosophy in

a New Key: A Study in the Sym bol-

ism of Reason, Rite and A rt (3a ed.).Cam bridge: Camb ridge UniversityPress.

LATOUR, Bruno. 1996. “Not the Qu es-

tion”. A nthropology N ewsletter , 37(3):1–5.

LEDERMAN , Ren a. 1985. The Structureof Ind ige nous Developmen t in Me n-di. Traba lho a presen tado a o simpó-sio Equa li ty an d H ierarchy in His-torical Coun terpoint, American An-thropological Association, Wash ing-ton, D.C.

___ . 1986a. “Ch ang ing Times in M en-di: Notes Towards Writing High landNew Guinea History”. Ethnohisto-

ry, 33(1):1-30.___ . 1986b. W hat Gifts Enge nd er: So-

cial Relations and Politics in M en -

d i , High land Papua N ew Guinea .

Cam bridge: Camb ridge UniversityPress.

LÉVI-STRAUSS , Claude. 1978. M yth and 

Meaning . New York: Schocken .LOVEJOY, Arthur O . 1948. Essays in th e

History of Ideas. Baltimore: TheJohn s H opkins University Press.

MACLEAN, Neil Lachan. 1989. “TheCommoditization of Food: An Analy-

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 31/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 71

sis of a M aring Ma rket”. Canberra

Anthropology, 12:74-98.MALINOWSKI, Bronislaw. 1922. Arg-

onauts of th e W estern Pacific. Lon-don : Routledg e & Keg an Pau l.

MANUEL, Fran k E. 1968. “Editor’s Intro-du ction” . In: J. G. von He rde r e F. E.Ma nu el (orgs.). Reflections on th e

Philosophy of History. Ch icag o: Uni-versity of Chicago Pre ss.

MASSIS, Henri. 1937. L’Honneur de

Servir. Paris: Libra irie Riep lon.

MEYER, Alfred G. 1952. “HistoricalNotes on Ide ological Aspects of theConcep t of Culture in German y andRussia”. In: A. L. Kroebe r e C . Kluck-hohn (orgs.), Cultu re: A Critical Re -

view of Concepts and Definitions .Ne w York: Vintage. p p. 403-413.

MINTZ, Sidn ey. 1989. “Poverty and Cre -at ivety in the Caribbean”. In: S.Velou (ed.), Pauvreté et Dév eloppe -

m e n t . Bordeaux: Éditions CEGET.pp . 389-395.

___ e PRICE, Richard . 1976. The Birth of 

A frican-Am erican Culture: A n A n-

thropological Perspective. Boston:Beacon.

MOODIE, T. Dunb ar. 1980. “The Formalan d Informal Structure of a SouthAfrican Gold Mine” . Hum an Rela-

tions, 33:555-574.___ . 1991. “Social Existen ce an d thePractice of Person al Inte grity: Na r-rat ive of Resistance on the SouthAfrican Gold Mines”. In: A. D.Spie ge l e P.A. McAllister (orgs.),Tradition and Transition in Southern

Africa. pp . 39-63.___ . 1994 . Going for Gold. Berkeley:

University of California Press.

NIHILL, Micha el. 1989. “The N ew Pea rl-shells: Aspects of Money an d M ea n-ing in Angan en Exchange” . Can-

berra Anthropology, 12:144-160.PAGDEN , Anthon y. 1995. “The Efface-

me nt of Difference: Colonialism an d

Nationalism in Diderot an d He rder”.In: G. Praka sh (org.), A fter Colonial-

ism. Prince ton: Prince ton Un iversity

Press. pp . 129-152.PETERSEN , Glenn. 1984. “The Pona-

pea n C ulture of Resistance” . Radi-

cal History Rev iew, 28-30:347-366.ROSALDO , Renato. 1989. “Imperialist

Nostalgia”. Representations, 26:107-122.

ROUSE, Roge r. 1995. “Qu estions of Ide n-tity”. Critiqu e of A nth ropology, 15:

351-380.SAHLINS, Marsha ll. 1988. “C osmologies

of Capitalism: The Trans-PacificSector of the World System”. Pro-

ceedings o f the Bri t ish Academy ,LXXIV:1-51.

___ . 1992. “Th e Economics of Deve l-opma n in the Pacifc”. Res, Spring:12-25.

___ . 1995. How “Native s” Think: A bout 

Captain Cook, For Exam ple. Chica-go: The University of Chicago Press.

___ . 1996. “The Sadn ess of Sweetne ss:The Na tive Anth ropology of West-ern Cosmology”. Current Anthro-

pology , 37(3):395-428.SALISBURY, Richard F. 1984. “Affluence

an d Cu ltura l Survival: An Introduc-tion” . In: R. F. Salisbu ry e E. Tooker

(orgs.), A fflue nce an d Cultural Sur-vival. Washington, DC: The Ameri-can Ethnological Society. pp . 1-11.

___ e TOOKER, Elizab eth (orgs.). 1984.Affluence and Cultural Survival.Washington, DC: The AmericanEthnological Society.

SCOTT, Colin. 1984. “Between ‘OriginalAffluence’ and Consum er Affluence:Domestic Production and Guar-

antee d for James Bay Cree Hu nters”.In: R. F. Salisbury e E. Tooker (orgs.),Affluence and Cultural Survival.

Washington, DC: The American Eth-nological Society. pp.74-86.

STAROBINSKY, Jea n. 1993. Blessing in

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 32/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA72

Disguise; or, the Morality of Evil.

Cambridge: Harvard Universi tyPress.

STOCKING JR., Ge orge W. 1968. Race,

Culture an d Evolution: Essays in th e

History of Anthropology. Ne w York:Free Press.

___ . 1987. Victorian A nth ropology. NewYork: Free Press.

STOLLER, Pau l. 1995. Em body ing Colo-

nial Memories: Spirit Possession,

Power and the Hauka in West  

Africa. Ne w York: Routledg e.STRATHERN , And rew. 1979. “G en de r,

Ideology and Money in Mount Ha -gen”. Man, 14:530-548.

THOMAS , Nicholas. 1991. Entangled 

Objects: Exchange, Material Cul-

ture an d Colonialism in the Pacific.

Ca mbridge , Mass.: Harvard Univer-sity Press.

THOMPSON , E. P. 1966. The M aking o f  

the English Working Class. N ewYork: Vinta ge .

THOMPSON , Step he n I. , VEHIK, SusanC . e SWAN , Daniel C. 1984. “OilWea lth and the Osag e Indians”. In:R. F. Salisbu ry e E. Took e r (orgs.),Affluence and Cultural Survival.Washington, DC: The AmericanEthnological Society. pp. 40-52.

TRIGGER, Bruce . 1984. “The Road to Af-fluence: A Reassessment of EarlyHuron Responses to Europea n Con-tact”. In: R. F. Salisbury e E. Tooker(orgs.), A ffluen ce and Cultural Sur-

vival. Wash ington, DC: The Ameri-can Ethnological Society. pp. 12-25.

VARISCO , Daniel Mart in e ADRA, Na-jwa. 1984. “Affluence an d the Con-cept of the Tribe in the Central

Highlan ds of the Yem en Arab Re-public”. In: R. F. Salisbury e E.Tooker (orgs.), A ff luen ce and Cul-

tural Survival. Washington , DC: TheAme rican Ethnological Society. pp .134-149.

WATSON , William. 1958. Tribal Cohe-

sion in a M oney Econom y: A Study

of the M am bwe People of N orthern

Rhodesia. Manchester: ManchesterUniversity Pre ss for the Rhod es-Liv-ingstone Institute.

WHITE, Leslie. 1949. The Science o f  

Culture. Ne w York: Farrar, Strau s.WILLIAMS, Raymond. 1982. The Sociol-

ogy of Culture. Ne w York: Schock-en.

___ . 1983 . Culture and Society, 1780-

1950. New York: Colum bia Un iver-sity Press.YOUNG, Robe rt J. C . 1995. Colonial De-

sire: Hybridity in Theory, Culture

and Race. London: Routledge.

8/7/2019 sahlins, marshall. o pessimismo sentimental e a Experiência Etnográfica • por que a cultura não é um objeto em vi…

http://slidepdf.com/reader/full/sahlins-marshall-o-pessimismo-sentimental-e-a-experiencia-etnografica- 33/33

O “PESSIMISMO SENTIMENTAL” E A EXPERIÊNCIA ETNOGRÁFICA 73

Resumo

Este artigo (publicado em duas partes)exam ina e refuta as críticas a o conceitode cultura. A identificação pós-moder-nista da “cu ltura ” com o colonialismo eo impe rialismo é um diag nóstico falso: ocontexto histórico-ideológico de gesta-ção da idéia de cultura, marcado pelareação ao universalismo iluminista,

aponta na direção oposta. Por sua vez,as ansiedades sobre o fim iminente davarieda de cultural humana se mostramsem ob jeto: a globalização e outras pe -ripécias capitalistas, longe de imporuma hegemonia monótona sobre oplaneta, têm gerado uma diversidadede formas e conteúdos culturais histori-camente sem precedentes

Abstract

This article (published in two parts)examines and refutes critiques of theconcept of culture. The post-modernistiden tification of “cu lture ” with colonial-ism and impe rialism is a false diagnosis:marke d b y its reaction to Enlighten men tuniversalism, the historico-idelogicalcontext within w hich the ide a of culture

took shape indicates the opposite. Inturn, anxieties over the imminent e nd of human cultural variety are revealed tobe foundless: globalisation and otherscapitalist phenomena, far from impos-ing a monotonous hegemony on theplanet, have generated a historicallyunprecedent diversity of cultural formsand contents.