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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA E SOCIEDADE Mariana Luscher Albinati ASSISTIR, ENTRAR EM CENA OU ROUBAR A CENA? Políticas culturais no território popular de Alagados (Salvador-BA) SALVADOR 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

PROGRAMA MULTIDISCIPLINAR DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA E SOCIEDADE

Mariana Luscher Albinati

ASSISTIR, ENTRAR EM CENA OU ROUBAR A CENA?

Políticas culturais no território popular de Alagados (Salvador-BA)

SALVADOR

2010

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Mariana Luscher Albnati

ASSISTIR, ENTRAR EM CENA OU ROUBAR A CENA?

Políticas culturais no território popular de Alagados (Salvador-BA)

Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-

Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da

Bahia.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria Fernandes

SALVADOR

2010

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ALBINATI, Mariana.

Assistir, Entrar em Cena ou Roubar a Cena? – Políticas Culturais no

Território de Alagados (Salvador-BA). / Mariana Albinati – 2010.

136f.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Fernandes.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de

Comunicação, Salvador, 2010.

1. Políticas culturais. 2. Territórios populares. 3. Alagados. 4. Espaços

Culturais. I. FERNANDES, Ana. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade

de Comunicação. III. Título.

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TERMO DE APROVAÇÃO

Mariana Luscher Albinati

ASSISTIR, ENTRAR EM CENA OU ROUBAR A CENA?

Políticas culturais no território popular de Alagados (Salvador-BA)

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Cultura e

Sociedade, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:

Profa. Dra. Ana Maria Fernandes (orientadora) _____________________________________

Prof. Dr. Ângelo Szanieck Serpa ________________________________________________

Prof. Dr. Antonio Albino Canelas Rubim __________________________________________

Salvador, 22 de março de 2010

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AGRADECIMENTOS

À minha família, pelo apoio fundamental e incondicional. Meu pai, Ricardo, pelo exemplo de

generosidade e interesse pelo ser humano, minha mãe, Fátima, pelo exemplo de mãe e amiga

e meus queridos irmãos, Gabriel e Catarina, pelo carinho, sempre.

Às melhores amigas do mundo, Thais, Giuliana e Glória, por serem criaturas tão admiráveis,

pelas leituras, comentários, conversas, ajudas, cuidados...

Ao meu amor, Rodrigo, pelo companheirismo à toda prova, por compartilhar dos meus

interesses e por dividir também os seus comigo.

Às queridas amigas cariocas (que, como quase todo carioca, vieram de outros lugares), Maria

Júlia, Juliana e Gisele, por estarem sempre por perto. À Sara, pelo acolhimento afetuoso,

conversas e cuidados, e à Amina, pela alegria da sua companhia.

A Delmira (Nuñez), pelos puxões de orelha. À Taiane, pela experiência maravilhosa do

tirocínio. À Daniele e Isadora, pelo apoio na etapa final da pesquisa. À Mariana e Cíntia e

pela grande ajuda com as transcrições. À Fátima Fróes, pelo apoio de sempre e pelos

apontamentos fundamentais nesta pesquisa. À Adriana (Beiba), pela disponibilidade e pelas

delicadezas.

A todos os entrevistados, pela generosa cessão das suas memórias, em especial ao querido

Metrô, pela ajuda com o acervo e pelas dicas sobre os caminhos a trilhar, à Fafá, pela atenção

e pelos apontamentos, a Reinaldo, pelo precioso material que me emprestou e a Tainã, pelo

entusiasmo contagiante. E a Lurdinha por, há dez anos, ter despertado minha atenção para o

movimento social de Alagados.

À querida Ana Fernandes, pela orientação cuidadosa e sensível e pelo entusiasmo.

A Albino Rubim, por ter me apresentado à pesquisa e às políticas culturais e por continuar me

acompanhando. A Ângelo Serpa, pela participação na minha qualificação e por estar de volta

na banca da defesa.

Aos queridos da Fundação Cultural do Estado da Bahia e do Cine Mais Cultura, pela

compreensão das ausências, por vezes necessárias.

E ao espírito livre e inquieto dos meninos de Alagados que, sem saber que não podiam fazer

política, fizeram. E pronto.

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RESUMO

Esta dissertação se debruça sobre as políticas culturais no bairro de Alagados, território

popular na cidade de Salvador, Bahia, onde a atuação do Estado teve como marcos, em

diferentes períodos, a criação de dois espaços culturais públicos: o Cine-Teatro (1982) e o

Espaço Cultural Alagados (1989). Através de depoimentos e documentos escritos, traz à tona

a história dessas políticas e sua relação com o território, que introduz entre os aspectos

fundamentais para a análise ou o planejamento de políticas culturais. A partir de três ideários

que vêm guiando as políticas culturais na democracia – a democratização cultural, a

democracia cultural e a cidadania cultural – analisamos as ações das políticas elaboradas pelo

Estado em Alagados e sua atenção aos direitos culturais, de fruição, produção e participação

política na esfera da cultura. Dentre as ações analisadas, destaca-se o Espaço Cultural

Alagados, experimento efetivo de gestão compartilhada entre o Estado (através da Fundação

Cultural do Estado da Bahia – FUNCEB) e o movimento social (através da Comissão Cultural

de Alagados e da Federação Baiana de Teatro Amador) e, portanto do estreitamento das

relações entre política cultural e território.

Palavras-chave: Políticas culturais. Territórios populares. Alagados. Espaços culturais.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Expansão da área consolidada (1946 – 2002)

Figura 2 – Unidade de Desenvolvimento Humano Uruguai

Figura 3 – Detalhe: Fim de Linha do Uruguai

Figura 4 – Fachada do Cine-Teatro Alagados

Figura 5 – Vista aérea do Fim de Linha do Uruguai

Figura 6 – Atividade no Espaço Cultural. Público acomodado em arquibancadas de

madeira e no chão

Figura 7 – Oficina realizada no Espaço Cultural

Figura 8 – Dançarinas se preparando para espetáculo. Os panos de palco foram

confeccionados com o apoio do Centro Técnico do Teatro Castro Alves

Figura 9 – Esferas de atuação dos principais marcos das políticas culturais em

Alagados

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Dados gerais de ocupação (1991 - 2000)

Quadro 2 - População e Estrutura Etária (1991 - 2000)

Quadro 3 – Emprego (1991 - 2000)

Quadro 4 – Renda, pobreza e desigualdade (1991 - 2000)

Quadro 5 – Estabelecimentos comerciais (2002)

Quadro 6 – Prestação de serviços (2002)

Quadro 7 – Número de atividades e público (1991 – 1994)

Quadro 8 – Resultados de público / Espaços Culturais administrados pela FUNCEB

(1991 - 1994)

Quadro 9 – Linguagem predominante nos eventos realizados no Espaço Cultural

Alagados (1991 - 1994)

Quadro 10 – Números de público do Espaço Cultural Alagados (1991 – 1998)

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................................................................................................

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1. POLÍTICAS CULTURAIS E TERRITÓRIOS POPULARES........................................................

1.1 Porque considerar o território?...................................................................................

1.2 O que se entende por política cultural?......................................................................

1.3 Limites e possibilidades das políticas culturais na democracia..................................

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2. O TERRITÓRIO POPULAR DE ALAGADOS.........................................................................

2.1 Que território é esse? Formação do bairro de Alagados.............................................

2.2 Alagados hoje: usos do território................................................................................

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30

40

3. DA MORADIA À CULTURA: MOVIMENTO SOCIAL EM ALAGADOS....................................

3.1 Para entender Alagados..............................................................................................

3.1.1 Movimento social no cenário da redemocratização................................................

3.1.2 O cenário em Salvador............................................................................................

3.2 Alagados em cena no movimento social....................................................................

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4. POLÍTICA E CULTURA NO TERRITÓRIO POPULAR DE ALAGADOS.....................................

4.1 Políticas culturais do Estado em Alagados.................................................................

4.1.1 Projeto Dinamização Cultural nos Bairros / PRODASEC Urbano (1980-1982)...

4.1.2 Cine-Teatro Alagados..............................................................................................

4.2 Por um Espaço Cultural DE Alagados.......................................................................

4.2.1 Comissão Cultural de Alagados e Federação Baiana de Teatro Amador...............

4.2.2 Um Espaço entre o Estado e o território..................................................................

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CONSIDERAÇÕES FINAIS: CONQUISTAS, PERDAS, PERMANÊNCIAS E PERSPECTIVAS...........

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REFERÊNCIAS....................................................................................................................

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ANEXOS.............................................................................................................................

I Cronologia......................................................................................................................

II Relação de entrevistados...............................................................................................

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APRESENTAÇÃO

Tomamos como objeto de estudo, nesta dissertação, as políticas culturais no bairro de

Alagados, território popular na cidade de Salvador, Bahia, onde a atuação do Estado teve

como marcos, em diferentes períodos, a criação de dois espaços culturais públicos: o Cine-

Teatro (1982) e o Espaço Cultural Alagados (1989).

O recorte do estudo foi definido tendo em conta o reconhecimento de Alagados como um

território popular com tradição de organização e luta na cidade de Salvador; a existência no

bairro de um movimento cultural de longo curso, por vezes pujante, e a realização naquele

território, de forma intermitente, de ações representativas das políticas culturais elaboradas

pelo Estado.

Diante deste quadro, consideramos o objeto proposto como uma oportunidade de

entendimento de aspectos relevantes sobre a relação entre as políticas culturais e os territórios

populares, especialmente pela existência em Alagados de dois empreendimentos (os referidos

espaços culturais) que espacializam essas políticas.

Nesse sentido, buscamos realizar um levantamento histórico em relação às políticas culturais

elaboradas pelo Estado e às atividades culturais do bairro, recompondo essa história através

das memórias dos diferentes agentes entrevistados e do acesso a documentos diversos.

Realizamos uma revisão sobre a bibliografia produzida a respeito do bairro de Alagados, que

nos forneceu importantes informações sobre seu processo de formação, especialmente no que

diz respeito às intervenções do Estado nas questões de urbanização e moradia (CARVALHO,

2002), à produção do espaço e a reprodução da vida em Alagados (SANTOS, 2004) e ao

movimento de luta pela moradia no bairro e a atuação de suas lideranças (SILVA, 2001).

Na pesquisa de campo realizada, foram colhidos memórias e documentos que narram, sob

diversos pontos de vista, a atividade política e cultural do e no bairro durante o período

estudado, que vai de 1980 – ano de implantação no bairro do primeiro projeto estritamente

cultural, pelo estado – a 2006 – ano que antecedeu a última mudança de governo na esfera

estadual. A opção por não abarcar as políticas culturais do governo atual nesta pesquisa,

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considerou o fato de os projetos e ações desta gestão estarem ainda em curso ou em fase de

implantação, pelo que preferimos avaliá-los posteriormente, em outra oportunidade.

Diante da ausência de referências bibliográficas sobre as políticas culturais em Alagados,

nosso estudo de caso foi em muito alimentado pelas entrevistas realizadas A fim de garantir a

diversidade de pontos de vista, foram entrevistadas 26 (vinte e seis) pessoas (ver relação de

entrevistados nos Anexos) representantes dos segmentos listados abaixo:

1. Entrevistados relacionados ao Cine-Teatro Alagados – 5 pessoas;

2. Entrevistados relacionados ao PRODASEC e/ou ao Espaço Cultural Alagados – 9 pessoas;

3. Lideranças locais ligadas prioritariamente a outros segmentos, não culturais – 5 pessoas;

4. Lideranças jovens locais em atuação – 7 pessoas.

Foram colhidos também, no arquivo da FUNCEB e no Espaço Cultural Alagados, diversos

documentos como relatórios, fotografias, pedidos de pauta, livros de pauta, planos de ação e

projetos.

Vale notar que, dentre as ações analisadas da política cultural do Estado em Alagados, a única

que mereceu o cuidado de elaboração de um relato mais completo, feito pela Fundação

Cultural do Estado da Bahia – FUNCEB, foi o Programa de Ações Sócio-Educativas e

Culturais para as Populações Carentes Urbanas – PRODASEC Urbano. Em relação ao Cine-

Teatro Alagados, a inexistência ou perda desses registros no órgão que poderia tê-los herdado,

a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia – CONDER, limitou nossa

pesquisa aos depoimentos dos entrevistados e aos relatos pontuais feitos por jornais da época.

As informações sobre as atividades no Espaço Cultural Alagados, apesar de estarem de

alguma forma documentadas, foram encontradas em péssimas condições de

acondicionamento e sem organização por tema, tipo ou data, que facilitasse o acesso aos

dados pesquisados.

Através desses procedimentos, buscamos levantar informações diversas sobre o histórico da

atuação do Estado e dos movimentos sociais em Alagados, na tentativa de relacionar as ações

das políticas culturais elaboradas pelo Estado no bairro e os conceitos subjacentes à sua

realização; contextualizar essas políticas e, em especial, a criação dos espaços culturais que

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constituem seus marcos; identificar as ações políticas e culturais elaboradas pela população do

bairro, seus agentes locais e suas articulações com organizações da sociedade civil; entender

os diferentes tipos e graus de relação que a população estabelece com as políticas culturais

elaboradas pelo Estado em seus diferentes momentos e instrumentos; entender de que forma

os dois espaços culturais do bairro representaram, historicamente, essas relações.

A análise proposta foi realizada, então, através do confronto das informações de campo com

as noções teóricas que orientam o estudo. Essas noções comparecem em duplas, que tratam,

por um lado, dos objetivos e dispositivos acionados pelo Estado na elaboração de políticas

culturais e por outro, das práticas e interesses do território com que essas políticas se

relacionam. As duplas de noções se contrapõem internamente, na medida em que as primeiras

noções evidenciam as questões da política cultural do estado e as segundas, as questões do

território.

Acesso e uso compõem a primeira das três duplas, evidenciando de um lado a promoção do

acesso à cultura pelo estado, com suas formas e conteúdos (de que “cultura” se trata, como se

dá este acesso, quais os seus limites?) e de outro os usos da cultura em Alagados, quaisquer

que sejam as formas e os lugares de seu exercício; do uso da cultura que se tem, que faz parte

dos hábitos e costumes locais;

A dupla Produção e identidade auxilia, por um lado, no entendimento sobre os meios

disponibilizados pelo estado para intervir na produção local; meios de incentivo, de controle,

de financiamento, etc.. Por outro lado, se refere ao tipo de produção a que estão vinculadas as

demandas da população e dos grupos organizados; suas articulações com diferentes agentes

culturais e sociais e os conteúdos produzidos;

Já a dupla Cidadania e apropriação comparece, de um lado, para trazer à tona as estratégias

adotadas pelo Estado, explicitamente ou não, no sentido de estimular ou rechaçar a

participação da população na formulação de políticas públicas de cultura; e de outro, para

revelar as estratégias adotadas pela população, de forma organizada ou espontânea,

conflituosa ou negociada, ao se relacionar com as políticas elaboradas pelo estado e

transformá-las de acordo com seus interesses.

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A dissertação se divide em quatro capítulos. O primeiro é dedicado à introdução sobre

Políticas culturais e territórios populares e em seu primeiro subcapítulo, Porque considerar o

território? apresenta a noção de território, com destaque para o seu componente cultural,

demonstrando a indissociabilidade entre cultura e território e, portanto, a importância de se

considerar os territórios na elaboração das políticas de cultura. No segundo subcapítulo

tentamos responder à questão O que se entende por política cultural?, apresentando e

problematizando algumas conceituações em uso nos trabalhos e discursos sobre o tema. O

terceiro subcapítulo, Limites e possibilidades das políticas culturais na democracia, trata dos

modelos adotados pelas políticas culturais na democracia – democratização cultural,

democracia cultural e cidadania cultural – e da sua relação com o território.

O segundo capítulo trata de caracterizar O território popular de Alagados, apresentando no

primeiro subcapítulo, Que território é esse? Formação do bairro de Alagados, um histórico

da ocupação do bairro e das intervenções do Estado quanto à sua urbanização e no segundo,

Alagados hoje: usos do território, os usos que configuram o bairro e suas possibilidades de

apropriação, que o constituem enquanto território.

O capítulo três, Da moradia à cultura: movimento social em Alagados, trata da confluência

entre o movimento de luta por moradia e o movimento cultural do bairro. O primeiro

subcapítulo, Para entender Alagados, apresenta o cenário nacional e local dos movimentos

sociais durante o período de redemocratização sendo dividido em duas partes: Movimento

social no cenário da redemocratização e O cenário em Salvador. O subcapítulo seguinte,

Alagados em cena no movimento social, apresenta as particularidades do movimento que se

configurou no bairro e, em especial, a confluência entre as lutas do movimento por moradia e

do movimento cultural.

O quarto e último capítulo, Política e cultura no território popular de Alagados, é dedicado

às políticas culturais elaboradas e implementadas no e pelo território popular de Alagados e se

divide em dois subcapítulos. O primeiro trata de descrever e analisar as Políticas culturais do

Estado em Alagados e é composto por duas partes, uma dedicada ao Projeto Dinamização

Cultural nos Bairros / PRODASEC Urbano e outra ao Cine-Teatro Alagados. O segundo, Por

um Espaço Cultural DE Alagados, descreve e analisa as iniciativas implementadas no bairro

com o objetivo de instituir um espaço cultural público, de gestão compartilhada entre o

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movimento cultural e o Estado. Nesse sentido, apresentamos a Comissão Cultural de

Alagados e Federação Baiana de Teatro Amador, na primeira parte, e os embates e

negociações que se fizeram necessários na gestão compartilhada de Um Espaço entre o

Estado e o território.

Nas considerações finais da dissertação, tratamos de relacionar as experiências de políticas

culturais descritas com as noções que serviram de baliza a este estudo e de apontar as perdas

(arrefecimento dos movimentos, o aumento da violência), permanências (a continuação dos

agentes no movimento social e as transformações sociais geradas pelo movimento cultural) e

perspectivas (a continuidade das lutas pela reforma do Cine-Teatro Alagados e o ponto de

vista das lideranças jovens de hoje) das políticas culturais no bairro.

O trabalho desenvolvido na Fundação Cultural do Estado da Bahia – FUNCEB, entre 2007 e

2009, como assessora da Diretoria de Espaços Culturais, foi certamente decisivo para a

escolha do objeto de estudo, por ter oportunizado a possibilidade de percepção de que por trás

no diminuto Espaço Cultural Alagados, havia um relevante exemplo de política pública de

cultura, cuja história precisava ser melhor entendida.

A relação que construímos com a história das políticas culturais em Alagados e com seus

personagens, levou-nos a buscar contribuir para a conservação e disponibilização do acervo

atualmente existente no Espaço Cultural, juntando a ele documentos dispersos que foram

encontrados em acervos pessoais de muitos dos antigos membros do movimento cultural

local. Compilaremos ainda os demais trabalhos publicados a respeito do bairro e seu

movimento social e digitalizaremos o acervo de imagens produzidas sobre as atividades

culturais locais, com a colaboração da atual equipe do Espaço Cultural e de algumas das

lideranças que construíram o movimento cultural em Alagados.

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1. POLÍTICAS CULTURAIS E TERRITÓRIOS POPULARES

Tomar como objeto de estudo as políticas culturais ou algum experimento efetivo de política

cultural, como fizemos neste trabalho, é se propor a contribuir para o delineamento de um

campo de estudos ainda em construção. Este “campo singular de estudos” resulta de uma

produção dispersa em diferentes áreas, com destaque para a Sociologia, a História e a

Comunicação, que contribuem principalmente com estudos de caso sobre experimentos

efetivos de política cultural (RUBIM, 2006).

No campo multidisciplinar que constituem os estudos de políticas culturais, a relação entre

essas políticas e os territórios sobre os quais atuam ou pretendem atuar é frequentemente

ignorada, à exceção dos trabalhos do Urbanismo e da Geografia, que partem de uma longa

experiência de investigação do território para estudos mais recentes sobre sua relação (do

território) com as políticas culturais.

Tampouco na prática da elaboração das políticas culturais se observa o território como

elemento condicionante das suas possibilidades de implementação, o que é ainda mais

preocupante.

1.1 Porque considerar o território?

Em 1982, um trabalho do Centro de Pesquisas Urbanas do IBAM - Instituto Brasileiro de

Administração Municipal, desenvolvido por Carlos Nelson Ferreira dos Santos e Arno Vogel

e publicado com o título “Quando a Rua Vira Casa”, buscou entender a partir de um universo

de bairro as formas de apropriação de espaços de uso coletivo. A pesquisa, que se converteu

em um clássico de referência para a pesquisa em urbanismo no Brasil, apresenta um estudo de

caso sobre os usos do espaço em um bairro em que o Estado planejava realizar uma grande

intervenção “revitalizadora”.

A questão colocada pelo trabalho é, como a nossa, um questionamento sobre o resultado das

intervenções do Estado quando desvinculadas do território. “Quais os limites da ação

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governamental ao evocar razões extra-locais para realizar ações que, querendo-se ou não, têm

de acontecer em um lugar determinado e afetam aos que moram ali?” (SANTOS, VOGEL,

1982, p.7-8).

Embora o trabalho desenvolvido pelo IBAM seja voltado para as políticas urbanas, enquanto

o nosso pretende trabalhar com as políticas culturais – áreas que por serem transversais se

cruzam –, também pretendemos com esta pesquisa afirmar o reconhecimento do território

como premissa para a atuação do Estado na elaboração de políticas públicas, sejam urbanas,

culturais ou de outra natureza.

Se, pelo que se observa na bibliografia recente sobre Políticas Culturais no Brasil1, a questão

do território raramente comparece como aspecto a ser analisado, cabe explicar porque

consideramos pertinente que esta noção seja incorporada não apenas aos estudos, mas

também, e principalmente, à prática da elaboração das políticas culturais pelo Estado.

Se essas políticas se preocupam em atenuar as desigualdades no acesso da população à cultura

(seja à fruição, à produção ou à participação política na esfera cultural), é importante que

considerem que “há desigualdades sociais que são, em primeiro lugar, desigualdades

territoriais, porque derivam do lugar onde cada qual se encontra. Seu tratamento não pode ser

alheio às realidades territoriais. O cidadão é o indivíduo num lugar” (SANTOS, 1996, p.123).

A expressão “realidades territoriais”, usada por Santos, evidencia um fato interessante: se a

noção de território, em si, não é comum nos discursos sobre políticas culturais, a idéia que ela

traz é expressa muito comumente usando os termos realidade local ou simplesmente

realidade. Bem menos específicos em relação ao que abarcam, e por isso mesmo

problemáticos para o uso analítico, esses termos – realidade, realidade local – vêm dando

conta da preocupação em se estabelecer uma relação mais estreita entre as políticas culturais e

a vida, o cotidiano, o lugar onde vivem seus públicos.

No caso deste trabalho, utilizamos a noção de território popular, que não remete apenas à

concentração de uma população de baixa renda, à precariedade da infra-estrutura urbana e dos

1 Em <http://www.cult.ufba.br/arquivos/bibliografias_politicasculturais_brasil_01maio06.pdf> está dispo-nível

uma extensa relação de publicações sobre Políticas Culturais no Brasil, organizada por Antonio Albino Rubim

em 2006, dentro do Centro de Estudos Multidisciplinares da Cultura - CULT.

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serviços e equipamentos públicos, mas também aos hábitos e costumes que constituem um

modo de vida (uma cultura, em sentido antropológico) particular daqueles que SANTOS

(2008) denomina “homens lentos”.

Quem, na cidade, tem mobilidade – e pode percorrê-la e esquadrinhá-la –

acaba por ver pouco, da cidade e do mundo. Sua comunhão com as imagens,

frequentemente prefabricadas, é a sua perdição. Os homens “lentos”, para

quem tais imagens são miragens, (...) escapam ao totalitarismo da

racionalidade, aventura vedada aos ricos e às classes médias. Desse modo,

acusados por uma literatura sociológica repetitiva, de orientação ao presente

e de incapacidade prospectiva, são os pobres que, na cidade, mais fixamente

olham para o futuro (p.325).

Os padrões de apropriação do espaço e de convivência na cidade são claramente distintos

quando consideramos populações em situações econômicas desiguais. A aventura dos ricos e

das classes médias pelo mundo das imagens, de que fala SANTOS, os distancia da dimensão

espacial do cotidiano e do “convite à ação” (p.321) que a materialidade do espaço traz

consigo. A priorização da dimensão não material, o que CUNHA chamou de “dimensão

virtual da experiência urbana contemporânea”

é uma contraface da relação débil ou mesmo da impossibilidade de relação,

de convivência ou de contato entre os habitantes da cidade no território real,

separados que estão pelo medo recíproco e por distâncias sócio-econômicas

que crescem na mesma proporção do encolhimento do mundo

contemporâneo globalizado (CUNHA, 2008, 248).

E o que distingue os territórios populares de outros, no mundo contemporâneo globalizado, é

a conservação de uma dimensão comunitária que possibilita, entre outras coisas, o

fortalecimento das “redes associativistas locais” (SERPA, 2007).

A defesa que fazemos do recurso à noção de território nos estudos de políticas culturais e da

aproximação desses territórios na elaboração dessas políticas se deve à relação indissolúvel

entre os dois: não há cultura sem território e nem território sem cultura.

Na constituição de territórios interagem fatores de ordem política – poderes atuantes sobre o

espaço – e de ordem cultural – valores e significados de que o espaço é investido. Ou seja, ao

aspecto político e ao aspecto cultural, que estariam necessariamente implicados em uma

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análise de políticas culturais, a noção de território acrescenta o aspecto do espaço, entendido

como base das relações sociais.

O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de

sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem.

O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o

sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do

trabalho, da residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre os

quais ele influi (SANTOS, 2000, p. 96).

Segundo a leitura integradora do conceito de território, proposta por HAESBAERT, nele

estão compreendidas as “relações de domínio e apropriação, no/com/através do espaço”

(2006, p.78), que se modificam consideravelmente ao longo do tempo.

Os territórios se formam quando há identificação, significação e apropriação de espaços, ou

seja, ao falarmos em territorialidade estamos tratando necessariamente da dimensão simbólica

ou, mais estritamente, cultural do espaço (HAESBAERT, 2006).

Assim como cidadania e cultura formam um par integrado de significações,

assim também cultura e territorialidade são, de certo modo, sinônimos. (...)

[e a territorialidade] não provém do simples fato de viver num lugar, mas da

comunhão que com ele mantemos (SANTOS, 1996, p.61-62).

Para o Estado, o reconhecimento do território pode elucidar quais as práticas simbólicas

admitidas e valorizadas pela população residente em um dado recorte espacial, em

determinado período, orientando sua atuação. Nesse esforço de considerar o território como

ponto de partida e não apenas alvo das políticas culturais, é necessário pensarmos o papel dos

agentes públicos que elaboram e executam (frequentemente reelaborando) essas políticas.

As instituições públicas que atuam em política cultural são, de modo geral, geridas por

cidadãos com alta escolaridade, renda média ou alta, residentes nas áreas mais nobres e/ou

centrais das cidades e que, portanto, têm certamente práticas cotidianas, inclusive culturais,

bastante distintas das encontradas nos bairros populares, que compõem a maior parte do

tecido urbano nas capitais brasileiras. Essa constatação evidencia a necessidade de um

empenho efetivo por parte desses agentes públicos envolvidos na elaboração e na execução

das políticas culturais, no sentido de conhecer o processo de formação dos territórios

populares das grandes cidades. Em especial, a expressão da territorialidade no âmbito do

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bairro, “visto como linguagem e discurso (...), pois seus limites variam e são percebidos de

modo diferenciado pelos moradores, que „constróem seus bairros‟ como base para estratégias

cotidianas de ação individual e coletiva” (SERPA, 2007, p.28).

É preocupante, portanto, observar que as políticas de cultura, inclusive as que têm como

marca a criação de espaços culturais – ação que interage com um espaço geográfico

determinado, em que a questão do território aparece ainda mais fortemente – muitas vezes

ignoram ou propositadamente desconsideram os territórios em que se inserem.

Para além de enxergar, no mapa da cidade, as regiões que concentram os espaços culturais e

as que não dispõem deles, no sentido de atender a estas, uma política cultural séria precisaria

entender “Como é que se pode fazer um território num certo tipo de espaço?” (GUATARRI,

1985, p.110). Ou seja, como uma ação de política cultural pode estabelecer um sentido de

pertencimento em relação a uma população e, desta maneira, acolher os usos e subjetivações

interessantes àquela população?

A distinção entre espaço e território, que aparece na questão de GUATARRI, é melhor

explicada pelo autor:

Os territórios estariam ligados a uma ordem de subjetivação individual e

coletiva e o espaço estando ligado mais às relações funcionais de toda

espécie. O espaço funciona como uma referência extrínseca em relação aos

objetos que ele contém. Ao passo que o território funciona em uma relação

intrínseca com a subjetividade que o delimita (p.110).

O espaço apropriado torna-se território, entretanto, geralmente, quando o gestor, o técnico, o

planejador vinculado ao Estado concebe espaços públicos sob uma lógica externa, cria

espaços sem territorialidade. No caso dos espaços culturais, o paradoxo é ainda maior:

desconsiderar o território seria criar espaços sem cultura.

A expressão espaço cultural, amplamente difundida no discurso atual das políticas culturais,

tem sido utilizada de maneira vaga o suficiente para aplicar-se a toda variedade de edifícios

destinados especificamente a práticas culturais. Entretanto, consideramos fundamental

evidenciar as relações entre espaço cultural e território, verificando suas implicações mútuas,

uma vez que a criação de um espaço cultural implica sempre uma desterritorialização das

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práticas culturais, que originariamente eram exercidas em outros lugares e/ou em outras

condições. E, em um segundo momento, sua reterritorialização, a constituição de um território

novo a partir da conjunção dessas práticas em um determinado lugar. Segundo COELHO, a

construção de um edifício específico para práticas culturais ou o aproveitamento para esse fim

de um edifício cuja função original era outra, é uma operação de abstração da territorialidade

da cultura.

Essa desterritorialização da cultura promovida pela instituição espaço

cultural, esse artificialismo de origem (e que pode num segundo momento

eventualmente desaparecer), é tão evidente e acentuado que não raro surge

como motivo principal da decadência ou não-utilização plena de seus

recursos e possibilidades, como se verifica em diferentes pontos do país

(quase sempre os mais necessitados) afastados das principais correntes da

dinâmica cultural (COELHO, 1997, p.167).

A indissociabilidade entre cultura e território, portanto, deve ser encarada como premissa para

a elaboração de políticas culturais, particularmente quando essas políticas se traduzem na

criação de espaços culturais. Mesmo não estando atentas ou preocupadas com os significados

de que o espaço é investido (seja o espaço de um país, um estado, uma região, uma cidade,

um bairro, um edifício ou uma rua) e com os poderes que nele atuam, as políticas culturais

interagem necessariamente com esses fatores, ou seja, se relacionam com os territórios na

escala em que atuam.

1.2 O que se entende por política cultural?

Se, como dissemos, a pretensão deste trabalho é introduzir o território entre os aspectos

fundamentais para a análise ou o planejamento de políticas culturais, é necessário apresentar o

que se entende hoje por política cultural e em que medida o aspecto territorial é considerado,

mesmo que não expressamente, nessas políticas.

Estudos contemporâneos têm formulado definições para o termo política cultural que

divergem em alguma medida, mas guardam geralmente o cuidado de não restringir o objeto

das políticas culturais à arte. A definição do Dicionário Crítico de Política Cultural, descreve

o termo como “ciência da organização das estruturas culturais”, afirmando que é possível

falar-se em política cultural como “um campo definido das ciências humanas, com objetos,

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21

fins e procedimentos próprios” (COELHO, 1997, p.293). Esta noção, entretanto, é

questionável por vários aspectos: desde a forçosa afirmação das políticas culturais como

campo definido, quando sabemos que é um campo em construção, a partir da contribuição de

outros campos das ciências humanas, até a rigidez que implicam palavras como ciência,

organização, estruturas e procedimentos, frente à complexidade e à diversidade das práticas

culturais, objeto dessas políticas.

Em um texto mais recente, BARBALHO problematiza a definição dicionarística de

COELHO, questionando o caráter científico atribuído ao termo: “a política cultural é o

conjunto de intervenções práticas e discursivas no campo da cultura, e estas intervenções não

são „científicas‟, na medida que política e cultura não são sinônimos nem se confundem com

ciência”. Questiona ainda a confusão entre os entendimentos de política e de gestão cultural,

demonstrada pelo uso exclusivo da expressão “organização” em relação ao papel da política

cultural. Barbalho observa que “a política cultural é o pensamento da estratégia e a gestão

cuida de sua execução, apesar desta gestão também ser pensada pela política”. Ou seja, a

gestão “está inserida na política cultural, faz parte de seu processo” (BARBALHO, 2005, p.

35).

Segundo CANCLINI, os estudos recentes têm compreendido políticas culturais como o

conjunto de intervenciones realizadas por el Estado, las instituiciones civis y

los grupos comunitários a fin de orientar el desarollo simbólico, satifacer las

necesidades culturales de la población y obtener consenso para un tipo de

orden o transformación social (CANCLINI, 2001, p.65)

Esta definição, mais recente, traz duas importantes contribuições para a reflexão sobre as

políticas culturais. Em primeiro lugar, a afirmação de que outros agentes, além do Estado,

fazem políticas culturais. Em segundo, a constatação de que essas políticas orientam o

desenvolvimento simbólico, ou seja, são estratégicas no sentido da formação e transformação

de valores, crenças e hábitos. É importante acrescentar, no entanto, que uma política cultural

pode também simplesmente contribuir para a ampliação do universo simbólico de uma

população, sem determinar o sentido em que este universo deve se desenvolver. E também,

que as transformações sociais estimuladas por esta ampliação não se dão, necessariamente,

através do consenso.

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22

O ex-ministro da cultura Gilberto Gil (2003 a 2008), em seu discurso de posse na pasta,

afirmava que “formular políticas públicas para a cultura é, também, produzir cultura” (GIL,

2003, p.11), alertando que não se trata de entender o Estado como produtor de cultura, em

sentido estrito, mas de entender o papel das políticas culturais elaboradas pelo poder público,

sua capacidade de fomentar, estimular, encobrir, distorcer e até mesmo minar práticas da

sociedade, ou seja, de interferir na formação dos universos simbólicos da população.

Entendida a amplitude das questões pertinentes em uma análise sobre políticas culturais, não

cabe nos determos nas definições de política cultural, em busca de um conceito acabado, pois

a insuficiente bibliografia a respeito, além da própria dinâmica da cultura na

contemporaneidade, fazem com que seja uma noção ainda em aberto, em construção.

É fundamental pontuar ainda, nessa introdução sobre a noção de política cultural, os agentes

que atuam na sua elaboração. Quando falamos em políticas culturais elaboradas pelo Estado,

não é por gosto pela redundância e sim por consideramos que a elaboração dessas políticas

não é exclusiva do âmbito governamental. A sociedade civil e suas organizações também

elaboram políticas culturais, tanto em negociação com o Estado como de forma independente,

quando desenvolvem ações culturais articuladas, na defesa de determinados interesses.

Ou seja, as empresas privadas, quando optam pelo marketing cultural e definem sua linha de

patrocínios favorecendo determinado tipo de projetos e preterindo outros, fazem política

cultural. Assim como fazem as organizações não governamentais, quando elaboram seu

programa educativo-cultural e definem os bairros ou grupos sociais aos quais este programa

será oferecido. E também os movimentos sociais, em escala nacional ou de bairro, quando se

institucionalizam em busca de espaços de diálogo com o Estado, pré-existentes ou não, e

quando realizam projetos próprios. Assim como fazem as grandes empresas da indústria

cultural, quando definem a que informações e a que universo simbólico seu público terá

acesso pela TV, pelo rádio ou nos cinemas.

A delimitação dos agentes de políticas culturais, portanto, não pode ser simplista se o seu

objeto – as práticas e as criações culturais – não é nada simples.

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Cabe esclarecer ainda outro ponto em relação aos agentes dessas políticas: a diferença entre as

noções de política cultural e política pública de cultura. Se as políticas culturais podem ser

elaboradas por diversos agentes, em torno dos mais diversos interesses, uma política pública

de cultura deve partir do conjunto da sociedade (incluído aí o Estado) e deve se pautar pelo

interesse público, comum. Admitir a possibilidade de se estabelecerem políticas públicas de

cultura, portanto, é admitir a existência da esfera pública2.

Em relação à política cultural, conforme BARBALHO, negar a existência da esfera pública

seria particularmente complicado. Tomando separadamente as duas noções que compõem esta

expressão, cultura e política, o autor defende que não se pode tratá-las sem admitir a

possibilidade da esfera pública.

A primeira por ser um documento simbólico social, pois não é

possível lidar com um bem cultural e não remetê-lo à coletividade. A

segunda, em seu sentido originário e amplo (politikós), também se

refere à dimensão coletiva da vida humana. Nesse sentido, pode-se

afirmar que uma política cultural é duplamente pública (BARBALHO,

2005, p.43).

No entanto, considerando a proposição de BARBALHO como ideal de política cultural,

duplamente interessada e aberta à coletividade, lembramos que tanto Estado como instituições

privadas podem elaborar políticas culturais cujo caráter público está restrito apenas ao fato de

serem publicizadas (divulgadas, informadas) e não no de terem sido elaboradas pelo conjunto

de agentes a quem interessam. A possibilidade de dessemelhança entre política cultural e

política pública é evidenciada pelo uso corrente da expressão política pública de cultura, para

fazer referência às políticas culturais que seriam elaboradas coletivamente, com a participação

de todos os agentes envolvidos em sua consecução.

2

Hannah Arendt define a esfera pública como o mundo comum, que reúne a todos homens ao mesmo tempo em

que os separa, constituindo-se, assim numa espécie de intermediário nas suas relações. Esse mundo comum, de

caráter público, deve possibilitar a percepção e a constante transformação da realidade, compreendida pela

aparência das coisas, onde tudo pode ser visto e ouvido por todos (2000).

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24

1.3 Limites e possibilidades das políticas culturais na democracia

A relação que estabelecem com os territórios, em diferentes escalas, varia bastante entre os

modelos possíveis de políticas culturais. No Brasil, as políticas formuladas e implementadas

dentro do regime democrático são geralmente caracterizadas conforme três modelos que,

embora claramente distinguíveis conceitualmente, na prática muitas vezes se misturam e

também se distanciam da formulação original: democratização cultural, democracia cultural

e cidadania cultural.

Os dois primeiros modelos, que foram elaborados e tiveram seus primeiros experimentos na

França, serviram – e ainda servem, em muitos casos – de inspiração para políticas de cultura

em todo o mundo ocidental, inclusive no Brasil.

Conforme RUBIM, a criação do Ministério dos Assuntos Culturais na França, em 1959,

capitaneado pelo escritor André Malraux, pode ser tomada como “momento fundacional das

políticas culturais, pelo menos no ocidente”. O autor tem o cuidado de destacar que

Por óbvio, tal opção gera alguma polêmica. Entretanto este caráter

tênue e frágil parece inerente à escolha de marcos históricos que

intentam substituir complexos processos, dispositivos dinâmicos,

movimentos muitas vezes sutis e subterrâneos, por fronteiras imóveis

e supostamente fixadas (2009, p.95).

A criação do Ministério foi apoiada pela elaboração do modelo denominado democratização

cultural, que impulsionou um período de pujança no cenário cultural da França, “que estuvo

marcado por la emergencia de un consenso ideológico tanto por la derecha como por la

izquierda sobre la necesidad de una política cultural y el paradigma de democratización

cultural” (NÉGRIER, 2003, p.07).

O paradigma francês da democratização cultural, segundo RUBIM, teve como alicerces

a preservação, a difusão e o acesso ao patrimônio cultural ocidental e

francês canonicamente entronizado como “a” cultura. Isto é, único

repertório cultural reconhecido como tal e, por conseguinte, digno de

ser preservado, difundido e consumido pela “civilização francesa”.

Este patrimônio agora deveria ser democratizado e compartilhado por

todos os cidadãos franceses, independente de suas classes sociais.

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Além da preservação, da difusão e do consumo deste patrimônio, tal

modelo estimula a criação de obras de arte e do espírito, igualmente

inscritas nos cânones vigentes na civilização francesa e ocidental

(2009, p.96).

As políticas de democratização cultural pressupõem que “a cultura socialmente legitimada é

aquela que deve ser difundida” e que “basta haver o encontro (mágico) entre a obra (erudita) e

o público (indiferenciado) para que este seja por ela conquistado” (BOTELHO e FIORE,

2005, p.08). O foco neste modelo é ampliação do acesso à cultura, desde que seja um

determinado acesso – à fruição e produção, de uma determinada cultura – a erudita.

Em nome da democratização cultural, os governos buscam inscrever um maior número de

pessoas na esfera da fruição cultural, através da difusão do que se define como obras de

cultura. Em contraposição, tudo o que não é considerado obra de cultura não é digno de

atenção por parte do Estado e não deve ser reforçado.

Vale considerar, em se tratando de um modelo calcado no acesso, que este aspecto não se

resume à oferta ou à acessibilidade física aos bens culturais cuja fruição se deseja promover.

A fruição cultural é um ato do campo simbólico, e deve pressupor uma acessibilidade também

simbólica. Para ter acesso a determinados produtos culturais, um cidadão deve dominar os

códigos que permitem a sua fruição ou ter a liberdade para subvertê-los, apropriando-se deles

de acordo com os códigos que domina.

Empenhado na promoção do acesso a uma determinada cultura, o modelo de democratização

cultural encontra resistências e/ou adesão nos territórios em que é implementado, conforme os

usos da cultura pré-existentes, construídos historicamente e inscritos nos hábitos e costumes

locais. Este modelo propõe “pacotes culturais”, com forma e conteúdo pré-determinados, que

certamente correspondem ao universo simbólico e às expectativas de determinado grupo

social – aquele que os elaborou –, mas cuja capacidade de diálogo com outros grupos e seus

usos locais da cultura é restrita.

A distinção entre dois “tipos ideais” de território – território-zona e território-rede –, feita por

HAESBAERT (2006), é esclarecedora para se pensar os limites e possibilidades das políticas

culturais em relação ao aspecto territorial. O território-zona, afeito à idéia de uma identidade

fixa, é aquele que se estabelece em espaços contínuos, demarcados por fronteiras claras e é

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facilmente identificável com a idéia de Estado-nação. No entanto, pode se manifestar em

zonas – áreas contínuas passíveis de controle e apropriação – das mais diferentes dimensões.

Já o território-rede, mais próximo à idéia dos fluxos (de informação, significação, dinheiro,

etc.), se estabelece através das trocas entre pontos descontínuos no espaço, podendo ser

identificado nas comunidades virtuais de jovens reunidos via internet por um gosto comum,

assim como, por exemplo, no tráfico de drogas que atua simultaneamente em diversos morros

do Rio de Janeiro, estabelecendo um grande território-rede a partir de territórios-zona ligados

por fluxos econômicos e simbólicos. Entretanto, segundo o autor, na prática os dois modelos

– território-rede e território-zona – nunca se manifestam de forma completamente distinta.

As políticas que se aproximam do modelo democratização cultural coadunam-se com a idéia

de território-zona ao pressupor a existência de uma identidade homogênea, que define

interesses e necessidades comuns para a população de um determinado recorte espacial a que

se destinam suas ações. É partindo desse pressuposto que são elaborados os “pacotes

culturais” que essas políticas intentam difundir.

Considerando o complexo entendimento dos sujeitos culturais na contemporaneidade, a

homogeneidade do território, suposta pela idéia tradicional de território-zona, precisa ser

relativizada. Para a elaboração de políticas culturais, desde o âmbito nacional até o mais local

possível, é preciso considerar a existência de uma multiplicidade de territórios, do tipo zona e

do tipo rede, que se superpõem e articulam. Uma política cultural nacional, por exemplo, não

pode desconsiderar que no grande território-zona em que atua (o país), coexistem, nem

sempre pacificamente, desde os territórios-zona menores, apropriados das formas mais

diversas, até os territórios articulados em redes que por vezes se espraiam para além dos

limites do próprio país.

Na atuação da esfera federal, entende-se a necessidade de que haja um maior grau de

generalização das ações, tanto pela imensa diversidade de territorialidades com que deve lidar

como pela falta de recursos, ao menos no caso brasileiro, para entender e contemplar de forma

substancial tamanha diversidade. Essa dificuldade, inerente a uma escala de atuação tão

ampla, pode ser suprida com a atuação articulada dos entes federados, como propõe no Brasil

o Sistema Nacional de Cultura.

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Dissonante em relação às transformações que avançam rapidamente no campo da cultura, o

modelo de democratização cultural francês foi fortemente atacado durante as manifestações

que culminaram em maio de 1968 e em contraposição a ele elaborou-se, também na França, o

modelo de “democracia cultural”. O alvo principal de críticas, no modelo de democratização

cultural, eram as Casas de Cultura (Maisons de la Culture), consideradas um projeto elitista e

demasiadamente caro. O novo modelo, entretanto, também era fundado em um tipo de espaço

cultural, os chamados centros de animação cultural, que além de custarem menos aos cofres

públicos tinham mais abertura às comunidades locais (RUBIM, 2009).

Segundo MOREIRA e FARIA, a idéia de democratização da cultura, bem representada pela

máxima “cultura para todos”, vem sendo substituída gradualmente pela noção de democracia

cultural, que implica em uma mudança de paradigma por parte dos governos, em que se

amplia o entendimento da cultura como uma esfera que vai além das artes clássicas. Segundo

os autores, o papel do Estado, em uma política fundada na idéia de democracia cultural seria o

de “estimular a realização da cultura por todos os segmentos e atores, para que possam

desenhar, a partir da sua inserção intercultural, um projeto de cidade” (2005, p.12).

Segundo o Dicionário Crítico de Política Cultural, no verbete sobre Democracia Cultural, as

políticas balizadas por este modelo se apóiam “não na noção de serviços culturais a serem

prestados à população, mas no projeto de ampliação do capital cultural de uma coletividade

no sentido mais amplo desta expressão” (COELHO, 1997, p.145). O principal foco deste

modelo está na esfera da produção, sobre que as políticas devem atuar no sentido de

promover a participação de um maior número de agentes.

Os meios disponibilizados pelo Estado para intervir na produção – meios de incentivo, de

controle, de financiamento, etc. – se relacionam, no território, com as identidades locais, ou

seja, o tipo de produção que diz respeito ao universo simbólico e às expectativas da população

e dos grupos organizados; suas articulações com diferentes agentes culturais e sociais e os

conteúdos produzidos.

Atento à questão territorial, o modelo de democracia cultural privilegia o Município como

instância ideal de atuação e o governo municipal como elaborador prioritário de políticas

culturais, dada a sua proximidade em relação aos territórios em que essas políticas seriam

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executadas (BOTELHO; FIORE, 2005). Para uma política de âmbito local, municipal, as

possibilidades de interação com o lugar, o espaço vivido e sua produção cultural, esvaziam o

modelo democratizante, que nesta escala é ainda mais inadequado.

No Brasil, a gestão da filósofa Marilena Chauí à frente da Secretaria de Cultura da cidade de

São Paulo, na administração da prefeita Luisa Erundina (1989 a 1992) foi o marco inicial de

uma importante mudança ideológica nas políticas culturais. Para além dos aspectos que já

eram considerados desde a origem da idéia de democracia cultural, o modelo elaborado por

CHAUÍ, denominado cidadania cultural, introduz como idéia-força a participação social nas

políticas de cultura.

Segundo este modelo, caberia ao Estado mais do que promover o acesso à fruição da cultura e

mais do que incentivar a descentralização da produção cultural. O campo privilegiado de

participação considerado pelo modelo de cidadania cultural é o campo político, ou seja, o

modelo compreende a abertura de canais de participação para a própria elaboração das

políticas culturais.

No modelo de cidadania cultural, tanto o aspecto cultural do território como seu aspecto

político – as “relações de domínio e apropriação, no/com/através do espaço”, conforme

HAESBAERT (2006, p.78) –, são considerados. Ao mesmo tempo se busca contemplar o

direito universal à criação cultural, o direito a reconhecer-se como sujeito cultural e também o

“direito à participação nas decisões públicas sobre a cultura, por meio de conselhos e fóruns

deliberativos” (CHAUÍ, 1995, p.82-83).

A abertura de canais de participação pelo Estado, no entanto, não implica automaticamente,

na adesão da população. A própria idéia de participar politicamente através dos canais em que

esta participação é “permitida” traz o paradoxo de uma participação limitada, que mantém a

hierarquia entre Estado e território na elaboração das políticas. Para além de se manifestar nos

canais em que sua participação é convocada, permitida e – em menor proporção – ouvida, a

população extrapola esses canais, subvertendo a proposta do Estado e apropriando-se da

política cultural.

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Na prática das instituições gestoras, os três modelos apresentados – democratização,

democracia e cidadania cultural – não são opções tão claramente separadas. Enquanto no

discurso se pode afirmar com veemência a opção por um ou outro modelo, cotidianamente, os

gestores públicos de cultura lidam com pressões diversas, da sociedade, da máquina estatal e

do mercado, que por vezes fazem conviver lado a lado, por exemplo, ações voltadas para a

difusão das artes clássicas e outras que pretendem estimular o empoderamento da sociedade

civil.

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2. O TERRITÓRIO POPULAR DE ALAGADOS

2.1 Que território é esse? Formação do bairro de Alagados

Construído sobre o mar da Enseada dos Tainheiros, a partir da Península de Itapagipe, o

bairro de Alagados foi formado na década de 40, pela ocupação irregular da área de borda

pertencente à Marinha e à União, através da construção de casas sobre palafitas fincadas no

fundo do mar. Na medida em que as etapas da ocupação se estabeleciam, o mar era aterrado,

criando-se o solo que possibilitaria a melhoria das casas e a substituição dos materiais

provisórios pela alvenaria de tijolos.

A formação do bairro se deu através de sucessivas ocupações coletivas, organizadas por

trabalhadores prejudicados pelo aumento do custo de vida, em especial da habitação3.

Admite-se que as invasões, ocorridas ao longo da Enseada dos Tainheiros,

tenham absorvido a metade do fluxo migratório do interior para a capital,

com a particularidade de que a opção por Alagados não se fez diretamente,

mas depois de certo interregno em outras áreas pobres da capital. A escolha

por essa área, em que pese o sacrifício que envolve, explica-se pelo fato de

que oferece uma perspectiva de pronta e definitiva solução do problema

habitacional (CARVALHO, 2002, p.96 – grifo nosso).

Em que pese todo o investimento feito pelos moradores, não acreditamos que a morada nas

palafitas fosse encarada como solução definitiva e sim como situação provisória, pois mesmo

para aqueles moradores que conseguiram aterrar a maré sob suas casas e assim permaneceram

no local escolhido inicialmente, as ameaças de demolição das casas e de transferência para

outras áreas eram constantes.

As casas feitas com restos de madeira sobre palafitas, que caracterizavam a paisagem e o

modo de vida no bairro até a década de 70 – não que tenham deixado de existir, mas hoje já

não predominam –, foram a alternativa de habitação encontrada por essa população que não

3 GORDILHO SOUZA afirma que na metade dos anos 40, houve uma importante intensificação do fluxo de

imigrantes para Salvador – a população da cidade teve um aumento de 44% entre 1940 e 1950 –, o que aumentou

a procura por novas habitações, “elevando os preços dos aluguéis, bem como estimulando a abertura de

loteamentos. Entretanto, esses logo demonstraram ser inacessíveis para a população recém-chegada, ficando

ociosos durante muitos anos, concentrando-se, assim, uma forte pressão sobre áreas populares já existentes”

(2008, p.105).

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podia mais arcar com os custos de moradia em Salvador. Esse tipo de construção permitia a

formação de um conjunto considerável de moradias em poucos dias, fortalecendo a ação

coletiva e a resistência à repressão policial.

A alternativa encontrada, de construir as casas sobre o mar, apresentava, naquelas

circunstâncias, duas vantagens: a pouca vigilância sobre o terreno, submerso, que não era

antes cogitado como construtivo e o substrato de lama, que permitia que se fincassem

rapidamente as estacas que sustentariam as moradias e também as pontes que as ligavam entre

si e à terra firme.

Assim, o bairro de Alagados foi formado por sucessivos movimentos de ocupação irregular e

repressão policial, construção e derrubada de palafitas e pela constante ampliação da área

seca, através do aterro feito pelos próprios moradores e, mais tarde, também pelo Estado. O

mapa a seguir (figura 1) demonstra o avanço da formação do bairro, mas também a

diminuição da área da Enseada dos Tainheiros.

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Figura 1 – Expansão da área consolidada (1946 – 2002)

Fonte: SANTOS, 2004.

Segundo dados censitários do IBGE, em 1970 a população de Alagados era de mais de 78 mil

moradores e em 2000 já superava os 110 mil habitantes4, o que equivalia a 32 mil famílias

residentes.

O início do processo de ocupação, através do que se chamava na época de invasões ou

ocupações ilegais de terrenos para moradia, se deu na década de 40, tendo como marcos um

movimento coletivo realizado em 1946, que ocupou a área conhecida como Fazenda do

Coronel, hoje Massaranduba, e outro em 1949, que ocupou uma área próxima à Avenida

4 Dados citados por CARVALHO (2002), que considera a delimitação do bairro proposta pelo Plano Urbanístico

de Alagados (1973-1984), compreendendo parte dos bairros de Massaranduba (incluindo os aglomerados da

Baixa do Petróleo e da Mangueira), Jardim Cruzeiro (incluindo a ocupação denominada Vila Rui Barbosa),

Itapagipe, Uruguai e Lobato.

Enseada dos Tainheiros

Enseada

do Cabrito

Baía de Todos os

Santos

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33

Caminho de Areia, hoje Vila Rui Barbosa (MATTEDI, 1979). A autora conta da velocidade

em que crescia o futuro bairro de Alagados:

Às margens do Caminho de Areia surge uma das maiores e mais conhecidas

[invasões], mais um caso semelhante ao Corta Braço. Cerca de 2.000

casebres foram levantados da noite para o dia à margem do Caminho de

Areia (...) quem visse aquele mangue (...) não diria que ali, em pouco tempo

se constituiria uma verdadeira favela (p.48).

Apesar de a ocupação existir desde a década de 1940 e de ter sido destaque na pauta de

veículos nacionais e locais de comunicação, que divulgaram as condições precárias de

habitação e saneamento no bairro, o primeiro movimento do Estado no sentido de intervir na

situação de extrema precariedade de Alagados se deu somente na década de 1960.

Desde 1961 a Prefeitura, o Governo da Bahia e até mesmo o Governo Federal participaram de

Grupos de Trabalho intersetoriais e órgãos específicos para cuidar do caso de Alagados, além

de encomendar a escritórios de arquitetura estudos e projetos de urbanização da área. Essas

ações, no entanto, ou não foram implantadas ou tiveram pouco êxito (CARVALHO, 2002).

Muitas melhorias pontuais foram promovidas também pelo Estado atendendo ao pleito dos

moradores, organizados em sociedades de bairro.

Entretanto, até o início da década de 70 a maior parte das melhorias foi realizada pelos

próprios moradores, isoladamente ou em regime de mutirão, com recursos próprios ou

“garimpados” pela cidade – restos de construções e material de demolições, além de entulho e

lixo comum, que serviram para “criar” o solo sobre a maré, onde eram construídas as casas.

Até então, em termos de recursos investidos e de resultados alcançados, as ações de

urbanização empreendidas pelos próprios moradores de Alagados foram muito mais

representativas do que a soma das intervenções pontuais do Estado (SILVA, 2001).

Após uma década de tentativas descontínuas e frágeis no sentido de conhecer e solucionar a

precariedade das condições de vida em Alagados, o Governo do Estado buscou o apoio do

BNH – Banco Nacional de Habitação que, após visita técnica de reconhecimento da área,

propôs que se elaborasse uma solução global para os problemas de habitação no bairro.

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34

A primeira intervenção efetiva do Estado em Alagados, portanto, teve início cerca de 30 anos

após a ocupação irregular da área onde se formou o bairro5. O Plano Urbanístico de Alagados

foi implementado entre 1973 e 1984 pelo Governo da Bahia, em convênio com a Prefeitura

Municipal de Salvador e o Governo Federal, com recursos do Banco Nacional de Habitação –

BNH.

Para realizar os estudos preliminares que dariam subsídios para a elaboração do Plano

Urbanístico e para conduzir este processo, foi formado o GEPAB – Grupo de Estudos para os

Alagados da Bahia, de caráter transitório e, após a conclusão de suas tarefas, criada a então

AMESA – Alagados Melhoramentos S/A, empresa de economia mista, vinculada à Secretaria

do Trabalho e Ação Social, responsável por gerenciar a execução do Programa de

Recuperação dos Alagados, de que o Plano fazia parte.

É importante fazermos um parêntese no histórico da formação do bairro, para nos determos

um pouco na AMESA, pela proximidade que guarda com nosso objeto de estudo. O

estranhamento que causa esta afirmação (o leitor pode se perguntar “que pode haver de tão

próximo entre políticas culturais, espaços culturais e uma empresa de urbanização?”) é

justificável e será comprovado mais tarde, quando nos detivermos no objeto da pesquisa. A

proximidade se deve ao fato de a AMESA ter sido responsável não apenas pela construção,

mas também pela gestão do Cine-Teatro Alagados, implantado em 1982.

À AMESA competia gerenciar o Programa de Recuperação dos Alagados e cuidar de algumas

atribuições mais cotidianas em relação à urbanização do bairro: fiscalizar a área de Alagados

a fim de impedir novas invasões, até que fosse elaborado e implementado o Plano de

Urbanização6; controlar a autoconstrução no bairro, expedindo autorizações de construção e

reforma para os projetos em conformidade com os padrões de uso do solo estabelecidos para

Alagados; auxiliar os moradores, individualmente, na elaboração de projetos arquitetônicos e

na sua aprovação pela Prefeitura (o que era feito mediante convênio) e realizar obras

5 CARVALHO (2002) faz uma rica descrição da formação do bairro de Alagados e, em especial, dos projetos de

urbanização implementados pelo Estado nesse território, enfatizando o aspecto da apropriação informal do

espaço urbano para moradia. 6 A elaboração e execução do Plano ficaram a cargo de um consórcio de empresas, contratado mediante seleção

pública.

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emergenciais e provisórias de urbanização, enquanto o Plano não fosse implantado

(CARVALHO, 2002).

A empresa, que foi constituída em 1974 como Alagados Melhoramentos S/A, passou em 1983

a se chamar HAMESA – Habitação e Melhoramentos S/A, tendo sua área de atuação bastante

ampliada. Conforme o texto da Lei que instituiu a alteração7, à HAMESA caberia promover,

coordenar e executar o programa estadual de erradicação de habitações em áreas sub-normais

no Município de Salvador – e não mais apenas no bairro de Alagados.

AMESA e HAMESA eram, portanto, empresas de urbanização, cujas preocupações cotidianas

estavam, provavelmente, bastante distantes da produção cultural dos moradores de Alagados –

seu consumo cultural, gostos, invenções, modos de viver e se comunicar e suas organizações

culturais. Mas voltaremos a esse assunto mais adiante.

Retomando o histórico da formação de Alagados, destacamos um momento sempre lembrado

pelos entrevistados como um marco importante na história do bairro: a visita do Papa João

Paulo II, em 1980, quando foi inaugurada a Igreja de Nossa Senhora dos Alagados (construída

pela então AMESA).

A notícia da visita do Papa fez com que o Governo Estadual acelerasse a execução das obras

do Plano Urbanístico, o que parece ter sido bem recebido pela população, como afirma

Wanderlei Moreira (Metrô), liderança do movimento cultural do bairro:

Todo processo de urbanização das ruas como um todo, não só isso aqui, mas

todas as ruas da área toda, se deve muito a chegada do Papa. Porque foi a

primeira vez que o Papa veio ao Brasil, resolve vir a uma comunidade

carente – aqui era realmente carente. A maioria das ruas não era asfaltada

ainda. Com a vinda do Papa, a máquina do Estado se mobiliza para organizar

toda a área e é aí que isso tudo aqui é urbanizado, as ruas são asfaltadas, tudo

7

A AMESA foi criada pela pela Lei Estadual n 3.248, de 18 de abril de 1974 e a alteração se deu pela Lei

Delegada n 38, de 14 de março de 1983. Segundo a nova Lei, competia à HAMESA: I - executar a política de

erradicação de habitações em áreas sub-normais no Município de Salvador; II - executar programas de

investimento, visando a melhorar as condições habitacionais das áreas sub-normais, em termos de urbanização,

saneamento e promoção social; III - articular-se com os organismos da administração Estadual e Municipal na

execução dos planos de intervenção nas áreas sub-normais; IV - acompanhar a execução dos programas e

projetos específicos; V - contratar a prestação de serviços técnicos e administrativos, compreendidos em seu

orçamento; VI - executar, direta ou indiretamente, outras tarefas que lhe sejam cometidas pelo Governo do

Estado, ou em decorrência de convênios elaborados com outras instituições.

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ou pelo menos boa parte das coisas acontece em função da vinda do Papa.

Tanto é que essa Igreja [a Paróquia Nossa Senhora dos Alagados] é erguida

em tempo recorde. 8

É interessante notar que o Plano Urbanístico de Alagados foi implementado entre 1973 e

1984, período em que se gestava nos bairros populares um forte movimento social,

sintonizado com o movimento de redemocratização do país, como veremos no subcapítulo

seguinte. Esse movimento se afastava, portanto, de uma relação assistencialista com o Estado,

caminhando para uma relação democrática, de cidadania, balizada pela construção e

reivindicação de direitos.

Na contramão desse movimento, as proposições do Estado no Plano Urbanístico de Alagados

são um exemplo claro da falta de diálogo e de identificação entre as políticas de governo e o

território. Assim como ocorreu mais tarde com a implantação do Cine-Teatro Alagados, o

Plano foi elaborado de forma vertical, prevendo uma série de usos não condizentes com os

desejos e expectativas da população, desconsiderando ou fazendo uma leitura equivocada da

cultura local. O trabalho de CARVALHO (2002) descreve esse experimento detalhadamente,

relatando os esforços das instituições e pessoas envolvidas na elaboração do projeto no

sentido de que a forma proposta gerasse o maior benefício à população. Nesse sentido, os

debates em torno do Plano, envolvendo governo federal, estadual, municipal e as empresas

contratadas, se prolongaram por vários anos, sem que fosse ouvido o principal agente

interessado: a população moradora9.

O escritório de arquitetura contratado propôs para o caso de Alagados, a partir de uma série de

pesquisas sócio-econômicas realizadas no bairro, soluções projetuais inovadoras10

, que, no

entanto, foram avaliadas como mal sucedidas, uma vez que seu uso posterior não

correspondia ao que a forma da intervenção sugeria (ou deveria sugerir, segundo o

8 Wanderlei Moreira, liderança do movimento cultural do bairro e coordenador do Espaço Cultural Alagados

entre 2007 e 2009. Entrevista cedida à autora em 03 de setembro de 2008, no Espaço Cultural Alagados.

9 Não que o autor o afirme, mas ao relatar longamente os embates de idéias entre os agentes governamentais e

privados envolvidos na execução do Plano, faz raras referências à atuação da sociedade civil neste processo, de

onde depreendemos que ou os moradores estiveram calados ou não foram escutados em relação aos projetos que

interferiram sobremaneira na sua vida cotidiana.

10

Como a “vila em clusters em substituição às quadras, lote-moradia, lote-de-transição, sobrado, comércio-

anexo-à-residência, alameda-de-pedestre, configuração recortada desses espaços, faseamento das habitações

pensadado em função do tamanho da família e da idade do casal, etc.” (CARVALHO, 2002, p.273).

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entendimento de quem a concebeu). A população se apropriou dos espaços criados, de acordo

com seus desejos e necessidades. Nesse sentido, CARVALHO avalia que

Cada família tem suas aspirações, suas limitações e suas dificuldades.

Encontrar um denominador comum para esse universo complexo de

interesses, no sentido de realizar uma estrutura urbana pensada, sem a

participação dos moradores, seria uma tarefa, sem dúvida, extremamente

difícil (2002, p.272 – grifo nosso).

A “participação dos moradores”, a que se refere o autor, é citada em um dos relatórios de

implantação do Plano, onde consta que sua implementação deveria se dar “envolvendo a

comunidade e buscando repetir, ordenadamente, os processos espontâneos de participação

comunitária observados na área” (BAHIA, SECRETARIA..., 1975 apud CARVALHO,

2002). No entanto, o modelo de moradia adotado na etapa final das obras, muito aquém do

proposto inicialmente, dá indícios de que essa participação nunca chegou a se concretizar.

A etapa final do Plano Urbanístico, que produziu o maior número de habitações, teve como

característica a construção dos barracos-padrão, casas de um cômodo, construídas com

compensado de madeira. Com este modelo de habitação, os moradores passaram a pagar

(através de financiamento feito pelo BNH) apenas pelo terreno e não mais pela casa, como

vinha sendo feito nas etapas iniciais do projeto, que previam imóveis em alvenaria, com

projetos adaptáveis, em alguma medida, às necessidades de cada família. Segundo

CARVALHO, “a política de barracos-padrão encontrou amplo apoio dos moradores” (2002,

p.207).

Como resultado do Plano, em meados da década de 80 as palafitas que caracterizavam a

paisagem do bairro e o modo de vida da população foram erradicadas e substituídas por uma

paisagem de barracos-padrão de compensado de madeira, com 27,06m2 de área construída em

um terreno de 60,00m2. Diferente da percepção de CARVALHO, o depoimento de um

morador, criança à época da intervenção da então AMESA, revela o descontentamento com o

barraco-padrão.

(...) eu morava numa casa de palafitas, lá na Massaranduba, onde eu nasci, e

minha casa tava dentro dos planos de ser removida pela AMESA. (...) Fomos

levados pro Uruguai mesmo, pra casas provisórias, que eram casas de

alvenaria (...), saímos da casa de madeira para casa de alvenaria, com dois

quartos, sala, cozinha e banheiro e (...) quando me deram uma casa

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definitiva, o que tinha de maravilhoso era o telhado de cerâmica, mas era

uma caixa de madeirite do mais fino, de 8 milímetros, e só o embrião, sem

divisória dentro. E aí a gente veio para essa casa exatamente no Natal e

minha mãe não sabia o que fazer, teve que fazer a divisão de plástico, porque

onde era o quarto? Onde era a sala, se era um embrião? Só o banheiro, só o

quadrado do banheiro que era o quadrado realmente... E de madeirite, a água

batia no madeirite e estragava.11

Em meio a este cenário formado pelas casas de madeirite, foi implantado o Cine-Teatro

Alagados, erguido com as técnicas construtivas mais usuais. O espaço tinha capacidade para

250 espectadores sentados, foyer, salas de ensaio e camarins.

Apesar de o Plano Urbanístico prever uma série de equipamentos de lazer, o Cine-Teatro não

havia sido previsto. Sua construção se deu em ritmo acelerado, para que a inauguração

ocorresse antes das eleições de 198212

, como vinha sendo feito com outros equipamentos do

bairro, inaugurados às pressas pelo então governador Antonio Carlos Magalhães, com

discursos passionais como o que segue:

Aqui estou eu neste bairro que é de vocês e que é meu, porque eu trago no

meu coração o povo de Alagados. Não vim apenas inaugurar quatro creches,

junto com a Presidente das Voluntárias Sociais, Dona Arlete Magalhães, mas

também garantir a todos vocês que no meu governo o que pedirem será

atendido. Dentro de um mês vamos inaugurar o cinema gratuito que também

vai servir como clube de dança.13

A proposta de criação de um espaço cultural no bairro, apropriado pela política carlista em um

momento pré-eleitoral, veio, no entanto, de um grupo de jovens do bairro, cuja produção

cultural havia ganhado certo destaque em Salvador, como veremos no capítulo 4.

11

Joselito Crispim, arte-educador e diretor do Grupo Cultural Bagunçaço. Entrevista cedida à autora em 08 de

maio de 2009, na sede do Grupo Cultural Bagunçaço.

12

As eleições de 1982 representaram a reconquista do voto direto para o Governo do Estado. Antonio Carlos

Magalhães, governador biônico desde 1979, conseguiu eleger seu sucessor neste pleito, apoiado nos votos do

interior, pois em Salvador o processo de redemocratização configurava um quadro bastante diferente: João

Durval venceu em 83,3% dos municípios baianos (335 à época), mas obteve em Salvador apenas 18,1% dos

votos (FERNANDES, 2004).

13

Jornal Correio da Bahia, 18 de novembro de 1981.

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As eleições de 1985 para a Prefeitura de Salvador e de 1986 para o Governo do Estado14

criaram uma grande instabilidade política que, somada a uma intensificação das invasões em

toda a cidade, pelo acelerado crescimento da sua população, possibilitou o retorno das

palafitas, construídas por novas famílias.

Esta nova invasão em Alagados já não correspondia aos critérios de parentesco e amizade que

existiam nos processos anteriores, quando os espaços eram ocupados por grupos mais ou

menos coesos, em que o conhecimento prévio reforçava o aspecto da solidariedade e garantia

alguma segurança.

Com a mudança do governo estadual em 1987, os escritórios de campo da HAMESA foram

desativados, mantendo-se apenas suas atividades administrativas (CARVALHO, 2002).

O Estado voltou a intervir na área em 1996, com a criação do Programa Viver Melhor15

,

quando já estava consolidado o novo processo de invasão, que durou dez anos, a partir de

1986. Em 1998, o Governo do Estado, através da Companhia de Desenvolvimento urbano do

Estado da Bahia – CONDER16

cria o Programa Ribeira Azul, com o objetivo de “erradicar a

pobreza e promover a qualidade de vida” (SEDUR, 2010) nas enseadas dos Tainheiros e do

Cabrito. As intervenções urbanísticas e de assistência social em Alagados, a partir de 2000,

passam a receber recursos técnicos e financeiros internacionais, através de uma do Cities

Alliance for Cities Without Slums17

(CARVALHO, 2002).

Sobre a atuação das instituições internacionais de financiamento nos projetos implementados

em Alagados, SANTOS destaca sua implicação no que concerne à participação popular:

14

Foram eleitos Mário Kertész para a Prefeitura (1986-1988) e Waldir Pires para o Governo do Estado (1987-

1990).

15

O Programa Viver Melhor é um programa estadual criado com o objetivo de intervir em assentamentos

humanos com baixos índices de habitabilidade em todo o Estado da Bahia (TEIXEIXA, 2002).

16

A CONDER, atual Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia, absorveu em 1998 as

atribuições da URBIS – Habitação e Urbanização da Bahia (1965-1998), que já havia incorporado a HAMESA,

quando de sua extinção, em 1987.

17

A Aliança de Cidades (Cities Alliance) foi criada em 1999 como uma coalizão global entre autoridades locais,

governos nacionais e organizações multilaterais com o objetivo de ampliar e disseminar estratégias bem-

sucedidas de redução de pobreza urbana. Mais informações em <www.citiesalliance.org>.

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É interessante observar que, face às cobranças de instituições

internacionais sobre a participação da população no processo se elaboração

e implementação de projetos desta envergadura, inclusive como condição

para a liberação de financiamento, a CONDER instalou-se e se distribuiu

localmente, sob a forma de sub-diretorias, buscando a “parceria” das

associações e centros comunitários. No entanto, os membros das

associações de todas as subáreas questionam a inflexibilidade e a rigidez

dos projetos, o que limita consideravelmente sua participação (2004, p.135).

Considerando a existência de um movimento social de longo curso no bairro de Alagados,

seria interessante a realização de maiores investigações que complementassem a bibliografia

já existente sobre o processo de urbanização daquela região da cidade, porém enfocando a

questão da participação dos moradores nos projetos urbanísticos, os embates e negociações e

seu impacto no resultado desses projetos.

2.2 Alagados hoje: usos do território

Para o objeto desta pesquisa – as políticas culturais em um território popular da cidade de

Salvador – não interessa delimitar a extensão de terra compreendida sob o nome Alagados.

Esta área, que consideramos aqui como um bairro, por sua característica de “espaço vivido”,

apontado pelos agentes internos e externos consultados nesta pesquisa como “expressão e

condição de estratégias individuais e coletivas de ação” (SERPA, 2007), é delimitada de

muitas diferentes maneiras nos diversos trabalhos que se debruçaram sobre Alagados, sejam

pesquisas acadêmicas ou projetos para intervenção do Estado.

O geógrafo Jânio Santos, em sua dissertação de mestrado, propõe uma delimitação a que

chama Núcleo dos Alagados, uma área composta por três distintas etapas (estas sim

compostas por bairros): Alagados, Novos Alagados e Outros Alagados. Conforme este autor,

corresponderiam à etapa de Alagados as áreas ocupadas até a década de 70, hoje conhecidas

como Uruguai, Massaranduba, Itapagipe, Vila Rui Barbosa e Bairro Machado (SANTOS,

2004). Um outro mapa, elaborado por uma empresa pública para o planejamento de uma

intervenção na área, considera a existência de seis poligonais, (Alagados I, II, III, IV, V e VI),

que juntas não correspondem a nenhuma das etapas consideradas por SANTOS

(PROGRAMA RIBEIRA AZUL, 2002, apud SANTOS, 2004). Já CARVALHO (2002),

diferentemente dos dois trabalhos anteriormente citados, considera a delimitação proposta no

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Plano Urbanístico de Alagados (1973 a 1984), que interviu sobre um conglomerado urbano

(denominado Alagados) que compreende parte dos bairros de Massaranduba (incluindo os

aglomerados da Baixa do Petróleo e da Mangueira), Jardim Cruzeiro (incluindo a ocupação

denominada Vila Rui Barbosa), Itapagipe, Uruguai e Lobato. Em relação ao IBGE – Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística, os dados referentes às nominações já citadas aparecem

em quatro diferentes Áreas de Ponderação: Água de Meninos/Calçada/Mares/Roma/Baixa do

Fiscal e Uruguai; Ribeira e Itapagipe; Bairro Machado/Massaranduba e Vila Rui Barbosa;

Novos Alagados e Baixa do Petróleo. Ainda em 1960, a Prefeitura Municipal de Salvador

“criou” os bairros do Uruguai, Itapagipe, Massaranduba e Jardim Cruzeiro, dentre outros 31

então definidos por lei18

.

A lista dessas tentativas de delimitação seria muito mais extensa e, certamente, seu

denominador comum não corresponderia necessariamente ao “verdadeiro” bairro de

Alagados, pois os limites do bairro, enquanto lugar, são percebidos de maneiras distintas por

seus moradores e por quem quer que com ele se relacione.

Para caracterizar o bairro, no entanto, consideramos útil o recorte proposto pelo Atlas do

Desenvolvimento Humano da Região Metropolitana de Salvador, publicado pelo PNUD –

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que se atêm à UDH (unidade de

desenvolvimento humano) do Uruguai, pois este recorte espacial contém os principais pontos

referidos pelos entrevistados nesta pesquisa, inclusive o Cine-Teatro e o Espaço Cultural

Alagados (figuras 2 e 3).

18

Lei Municipal 1.038, de 15 de junho de 1960.

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Figura 2 – Unidade de Desenvolvimento Humano Uruguai

Figura 3 – Detalhe: Fim de

Linha do Uruguai

Fonte: elaborado pela autora a partir

de PNUD (2009).

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Neste recorte, com área equivalente a 1,09Km2, reside uma população total de 39.357

pessoas, gerando uma densidade populacional de mais de 36 mil habitantes por quilômetro

quadrado, quatro vezes maior que a densidade média da cidade de Salvador, que em 2008

equivalia a 9 mil habitantes a cada quilômetro quadrado.19

Quadro 1 – Dados gerais de ocupação (1991 - 2000)

Indicadores 1991 2000

População Total 35.830 39.357

Densidade Demográfica (hab/km²) 32.872 36.107

Número de Domicílios 7.620 9.993

Fonte: PNUD, 2009.

Quadro 2 - População e Estrutura Etária (1991 - 2000)

Indicadores 1991 % 2000 %

Menos de 15 anos 12.198 34,0 10.484 26,6

15 a 64 anos 22.364 62,4 26.930 68,4

65 anos e mais 1.268 3,5 1.943 4,9

População Total 35.830 100,0 39.357 100,0

Fonte: PNUD, 2009.

A faixa etária predominante, de 15 a 64 anos, está dentro da faixa considerada como idade

ativa (acima dos 15 anos de idade, segundo o IBGE).

Quadro 3 – Emprego (1991 - 2000)

Faixa etária

(anos)

População

Econômicamente

Ativa

Taxa de

Desemprego

(%)

15 a 17 733 58,8

18 a 24 4.949 39,9

25 a 59 13.224 22,0

60 e mais 315 4,7

15 e mais (total) 19.221 27,7

Fonte: PNUD, 2009.

19

Jornal A Tarde, 01 de setembro de 2008. Disponível em

<http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=951016>

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44

No entanto, no ano 2000, a taxa de desemprego correspondia a 27,7% para os moradores

integrantes desta faixa. Neste período, dentre os moradores ocupados, 53,4% estavam em

trabalhos de caráter formal, sendo 42,1% com carteira assinada.

Em relação ao nível educacional dos jovens, em 1991, para a população entre 15 e 17 anos se

verificou uma taxa de analfabetismo de 4,9% que, em 2000, havia sido reduzida a 1,6%. Na

faixa de 18 a 24 anos a redução foi menor: de 4,5% em 1991 para 2,3% em 2000. A

população com menos de 8 anos de estudo também diminuiu nesse período, mas permaneceu

com índices bastante elevados, de 72%, para jovens entre 15 e 17 anos, e 42,5% para os que

tinham entre 18 e 24 anos de idade.

Já em relação à população adulta (com 25 anos ou mais), a taxa de analfabetismo, que em

1991 era de 15,1%, em 2000 foi reduzida a 9,5%. A média de anos de estudo nesta faixa

etária aumentou de 5,5 anos em 1991 para 6,7 em 2000.

A renda per capita média da unidade espacial – Unidade de Desenvolvimento Humano

Uruguai, recorte adotado pelo PNUD – cresceu em 20,62% entre 1991 e 2000, enquanto a

pobreza diminuiu 21,68%.

Quadro 4 – Renda, pobreza e desigualdade (1991 - 2000)

Indicadores 1991 2000

Renda per capita Média (R$ de 2000) 123,9 149,5

Proporção de Pobres (%) 44,6 35,0

Fonte: PNUD, 2009.

Mesmo com a melhora em relação aos indicadores citados que se observa na comparação

entre os índices obtidos em 1991 e em 2000, o bairro de Alagados constitui ainda um

território marcado pela precariedade, tanto em relação à vida privada dos moradores, com os

baixos rendimentos obtidos e o alto índice de desemprego, como na sua vida coletiva, sua

relação com o bairro, onde as relações de domínio e apropriação do território se dão.

Um dado notável em relação aos usos do território em Alagados é a relação que os moradores

estabelecem com suas casas, expressando identidades próprias a partir de um espaço-padrão,

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projetado segundo uma suposta identidade comum, que atribuiria usos comuns ao espaço de

moradia.

Nas sucessivas tentativas de erradicação das palafitas em Alagados o Estado construiu uma

série conjuntos habitacionais, compostos por casas idênticas, para onde os moradores eram

transferidos. A importância que a conquista da casa tem para os moradores é revelada pelo

atual aspecto dos conjuntos habitacionais construídos. Ao adentrar qualquer um dos conjuntos

já não é perceptível a semelhança entre as casas, como o era originalmente. O que se verifica

é a diversidade de formatos, cores e materiais, uma vez que os moradores promoveram várias

reformas, de acordo com suas possibilidades econômicas, construindo novos cômodos,

aumentando os antigos, modificando revestimentos e esquadrias e até dando novos usos à

casa, além da moradia.

Seja nas áreas mais consolidadas ou nas palafitas, a casa não é só a casa –

residência, local da habitação. Ela é um mecanismo de produção de renda.

Essa perspicácia dos moradores na utilização de sua morada como forma de

conseguir uma renda adicional foi algo passado de geração em geração nos

Alagados. As primeiras habitações já eram erguidas com o intuito de

desenvolver esta estratégia (SANTOS, 2007, p.214-215).

Segundo SANTOS, as formas mais comuns desse uso rentável da casa são a instalação de

alguma atividade comercial ou o uso de parte do espaço para a realização de algum serviço

informal e ainda a construção de espaços anexos, para aluguel (2007).

A conquista da casa, em Alagados como em tantos outros bairros populares de Salvador, tem

na construção da laje (ao mesmo tempo garantia de um teto mais seguro e possibilidade de

ampliação da casa em mais um andar) um momento de grande importância simbólica, o que

SANTOS (2004) denominou “apogeu da autoconstrução”. Segundo o autor, em Alagados,

esse momento de “bater a laje”, como dizem os moradores,

É uma verdadeira festa cultural. Reúnem-se os amigos, os parentes, os

vizinhos para conjuntamente consolidar a moradia a partir do teto. Formam-

se correntes humanas que carregam materiais para o primeiro, o segundo ou

o terceiro andar. Trabalham todos: homens, mulheres e crianças. Juntos, no

final, ocorre o desfrute da tradicional feijoada, das bebidas e do bom bate

papo (p.169).

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A casa é a solução para uma necessidade básica, de moradia (e privacidade, salubridade,

proteção), mas também marca um momento em que, estando as necessidades básicas do

coletivo encaminhadas, com a urbanização, mesmo que precária, do bairro, se abre a

possibilidade de um investimento maior nos interesses individuais. O caráter coletivo do

“bater a laje”, praticado hoje, não deve ser confundido com os mutirões, comuns até a década

de 70, que constituíam numa reunião de esforços de moradores em prol de um benefício

comum e não na reunião de amigos em função da melhoria em um espaço privado de

moradia.

A atividade comercial em Alagados, muitas vezes realizada pelos moradores em suas próprias

casas, busca atender às necessidades da população imediata aos estabelecimentos, oferecendo

uma maior variedade de produtos à medida em que se avança para as áreas mais consolidadas.

Quadro 5 – Estabelecimentos comerciais (2002)

Tipo de estabelecimento %

Bar e lanchonete

Doces gelados

Mercearia e mercadinho

Bomboniere

Produtos de beleza

Armarinho

Baiana de acarajé

Materiais de construção

Camelô

Banca de revistas

Outros

36,0

20,3

16,4

7,8

5,1

5,2

2,9

1,7

1,7

0,9

2,0

Total 100,0

Fonte: SANTOS, 2004, p. 154.

Quanto aos serviços prestados no bairro, a ocupação mais comum entre as mulheres é o “lavar

roupa de ganho”, atividade que realizam em casa. A mariscagem, comum a homens e

mulheres, e a pesca, serviço predominantemente masculino, são hoje atividades residuais em

Alagados, devido à poluição da Enseada dos Tainheiros e mesmo à sua diminuição pelos

sucessivos aterros.

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Quadro 6 – Prestação de serviços (2002)

Tipo de serviço %

Cabeleireiro e barbeiro

Serviços domésticos

Oficina mecânica

Consertos em geral

Escolinha

Casa de jogos

Mariscagem e pesca

Videolocadora

Fotografia e filmagem

Buffet

Outros

27,0

24,0

10,7

7,3

5,7

5,3

3,3

3,0

2,0

1,7

10,0

Total 100,0

Fonte: SANTOS, 2004, p. 158.

Ainda em relação aos serviços prestados, destaca-se a segurança privada – um serviço em

franca expansão diante do aumento da violência urbana – realizada por vigilantes que cuidam

de uma ou mais ruas, geralmente entre as 22 e 6h, cobrando uma taxa (cerca de R$10,00

mensais) de cada casa incluída no perímetro vigiado (SANTOS, 2004).

Analisando os usos cotidianos do espaço, relações de domínio (político-econômico) e

apropriação (simbólico-cultural) que conformam hoje o território em Alagados, é inevitável

nos determos por um momento na questão da violência, citada por todos os entrevistados

nesta pesquisa. Nas entrevistas, vale frisar, a violência aparece como um dado atual, que

condiciona os usos do espaço hoje, mas que nem sempre os condicionou. Esse aumento da

violência é frequentemente creditado, nos depoimentos dos moradores, ao novo perfil das

ocupações a partir da década de 80, quando se abriu a possibilidade de participação de

pessoas sem referências (relações de parentesco, amizade ou ao menos conhecimento prévio),

permitindo que alguns criminosos se fixassem no bairro. Assim, formaram-se em Alagados

redes submersas, alimentadas sobretudo pela economia da venda e do consumo de drogas, em

um movimento paralelo ao das redes associativas (SERPA, 2007) que caracterizam a

formação do bairro.

A questão da violência compareceu também, como um dado contemporâneo, em todas as

entrevistas realizadas por SILVA (2001) com lideranças do bairro, o que confirma este dado

como fator condicionante dos usos do território em Alagados. Segundo a autora,

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A violência no bairro não poupa homens ou mulheres, jovens ou crianças

(...). A violência praticada pelo sexo masculino contra outros e contra ele

próprio, principalmente entre os jovens, afeta o exercício das lideranças na

área, como ficou constatado. Primeiro porque restringe sua atuação a

determinados locais do bairro, segundo porque inibe a participação de

muitos moradores, pondo limite à sua capacidade de envolvimento com os

problemas do bairro (SILVA, 2001, p.23).

Sobre o tipo de relação que estabelecem com os grupos criminosos, as lideranças

entrevistadas na nossa pesquisa se posicionam de maneiras distintas. As representantes da

Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia, Maria de Lurdes da Conceição

Nascimento (Lurdinha) e Maricelma Bonfim (Celma)20

, que coordenam os trabalhos da

Escola Comunitária Luiza Mahin, optam por não fazer uso de determinados espaços,

dominados pelo tráfico de drogas. Em entrevista, declararam que diante da necessidade de

adentrar o território dos grupos criminosos, para ir até a casa de algum aluno da Escola, por

exemplo, preferem não fazê-lo e buscar outra maneira de resolver a questão, ao invés de pedir

autorização dos “donos do pedaço”. Avaliam que essa negociação entre o movimento social e

os grupos criminosos geraria uma espécie de parceria que a elas não interessa, uma vez que o

grupo que representam trabalha em sentido oposto aos grupos criminosos.

Um postura distinta é tomada por Mestre Pedro Pé-de-Ferro21

, fundador e diretor da

Academia de Capoeira Filhos do Sol Nascente. A Academia ocupa hoje o prédio em ruínas

onde funcionou o Cine-Teatro Alagados, junto à entrada da etapa mais recente da ocupação

do bairro – área do Conjunto João Paulo II – apontada pelos moradores como uma das

localidades mais perigosas, por ter sido ocupada sem o critério de parentesco e amizade que

predominava entre os ocupantes anteriores. O depoimento do entrevistado também corrobora

com a existência de usos limitados no bairro, mas afirma seu próprio poder dentro do

território, coexistindo com o dos criminosos, quando relata a importância da sua chancela na

liberação da presença de “estranhos” nos espaços de uso restrito.

Esse tipo de posicionamento – “entrando comigo ninguém te bole” – foi verificado entre os

líderes mais antigos entrevistados e revela, a nosso ver, dois aspectos das relações com o

20

Lurdes da Conceição Nascimento e Maricelma Bonfim, lideranças da Associação dos Moradores do Conjunto

Santa Luzia e coordenadoras da Escola Comunitária Luiza Mahin. Entrevista cedida à autora em 29 de dezembro

de 2009, na Escola Comunitária Luiza Mahin.

21

Mestre Pedro Pé-de-Ferro. Entrevista cedida à autora em 08 de maio de 2009, no Cine Teatro Alagados.

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território. Em primeiro lugar, o morador antigo reconhece o poder e o controle do espaço

exercido pelos criminosos. Em segundo lugar, se conforma com o uso do espaço que lhe é

permitido (e haveria como não se conformar?) e exalta a relação que ainda mantém com

aquele espaço – sua territorialidade constituída em longos anos de lutas pelo bairro, que

resiste aos novos usos e limitações de usos impostos pelo aumento da criminalidade.

Nesta relação entre o morador antigo, liderança política que goza de prestígio entre os demais

moradores, e o grupo criminoso, há um reconhecimento mútuo dos poderes representados por

cada agente. O poder político dos líderes comunitários e o poder econômico e bélico dos

grupos criminosos.

Essa negociação, portanto, se dá entre duas esferas de poder local – lideranças comunitárias e

grupos criminosos. A todos os demais moradores, que não fazem parte desses grupos de

poder, apesar de compartilharem do sentido simbólico do território, resta um uso cotidiano

limitado pela violência.

O Final de Linha do Uruguai, onde estão situados os dois espaços culturais que são objeto

deste trabalho, constitui uma área fortemente estigmatizada como violenta, por sua

proximidade em relação ao processo de ocupação mais recente, como dissemos. No cenário

atual, segundo depoimento dos moradores entrevistados, a questão da violência e também o

estigma sobre este local específico dificultam a reapropriação do Espaço Cultural Alagados

pela população, como veremos mais adiante.

Aqui, essa parte daqui, é discriminada. O Final de Linha, você descendo,

isso aqui é altamente discriminado. Tem gente que mora aqui próximo e diz

que não vem aqui no Espaço porque é no Final de Linha. Tem muitos

meninos que dizem “não posso vir pra‟qui de noite não, senão minha mãe

me bate”. 22

O estigma, sem ignorar o dado de realidade23

que também colabora na sua manutenção, é

reforçado – senão propriamente fundado – por determinados grupos, para garantir

22

Wanderlei Moreira, liderança do movimento cultural do bairro e coordenador do Espaço Cultural Alagados

entre 2007 e 2009. Entrevista cedida à autora em 03 de setembro de 2008, no Espaço Cultural Alagados.

23

De acordo com a pesquisa O Rastro da Violência em Salvador (2002), do Fórum Comunitário de Combate à

Violência, em 2001, a taxa de mortalidade por homicídios em Alagados foi 42,0 habitantes a cada 100.000 (o

que correspondeu a 21 mortes). No mesmo ano, o Itaigara, bairro de classe média alta em Salvador, registrou

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determinada acessibilidade, em detrimento de outras. Neste caso, interessa, certamente, aos

traficantes e usuários de drogas, que praticam atos ilícitos em locais públicos e fisicamente

acessíveis, que a freqüência por pessoas interessadas em outras atividades seja inibida ou,

pelo menos, que se atenha a determinados espaços do bairro, reservando ao uso ilícito seu

espaço não compartilhável, para o bem dos negócios. A estigmatização reforça o caráter

desagregador da ação criminosa em si, provocando o esvaziamento do espaço público e

impedindo a sua apropriação enquanto território.

Assim, cotidianamente, os limites impostos pela violência constrangem o uso do espaço

público, inclusive pelas lideranças políticas e culturais do bairro, dificultando as práticas

políticas possibilitadas por esses espaços, onde é possível verificar a existência da esfera

pública. A alternativa a essa territorialidade constrangida é o exercício de apropriação do

território através das atividades lúdicas.

Alagados, como vimos, é um bairro recente, formado pelo mosaico de naturalidades e culturas

dos moradores que ocuparam a área, em busca da moradia que não conseguiram manter em

outras partes da cidade.

Em muitos dos bairros populares de Salvador, em especial os mais antigos, como Plataforma

e Curuzu, por exemplo, se observa hoje um esforço de “retradicionalização” das

manifestações culturais locais. Nesses bairros é possível constatar a presença de

manifestações “residuais” – que permanecem ao longo do tempo – e “excluídas” – que não

existem mais ou estão em vias de se extinguir – que vêm sendo reabilitadas e ganhando status

de manifestações emergentes (SERPA, 2007b).

Esses bairros, em que se identifica a existência de muitas manifestações tradicionais (atuais,

atualizadas ou ultrapassadas), foram formados ainda no século XIX, enquanto as primeiras

ocupações em Alagados datam de cerca de 60 anos atrás. Portanto, antes que houvesse tempo

para que esse mosaico de culturas decantasse, gerando talvez algumas manifestações culturais

características do bairro, Alagados deu início a um diálogo cultural com a cidade, através de

uma taxa de 2,8 (1 morte). Os bairros com maior taxa de mortalidade por homicídio no período da pesquisa

(1998 a 2001), Beiru e Nordeste de Amaralina, tiveram em 2001, respectivamente, taxas de 153, 1 (44 mortes) e

de 108,9 (52 mortes).

Publicação disponível em <http://www.fccv.ufba.br/observatorio/docs/conteudo_rastro_II.pdf>.

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sua inserção no movimento social, que consolidou ali uma série de práticas consonantes com

o que se produzia em outros bairros populares de Salvador.

A produção cultural de Alagados vem se manifestando em atividades que se relacionam desde

sua origem com as políticas implementadas pelo e para o bairro.

Nos bairros populares das grandes cidades, como acontece em Alagados, a oferta de espaços

de lazer é precária, assim como a condição dos moradores de realizar o seu lazer fora do

bairro ou do perímetro que conseguem percorrer a pé. Desse modo, os espaços de lazer no

bairro definem centralidades, lugares de encontro e reconhecimento. Sendo projetados ou

convertidos para este uso, os espaços de lazer são fundamentais porque possibilitam a

apropriação – que, lembramos, não se confunde com propriedade – através do lúdico.

Nas áreas mais antigas dos Alagados os espaços públicos utilizados para o

lazer coletivo são diversos: ruas, campos de futebol, terrenos baldios. No

espaço onde se consolidaram os Alagados, poucas praças são utilizadas pela

coletividade, em função do estado de conservação precário (...). A rua,

independente do estado de conservação, é, em essência, o espaço mais usado

para o lazer coletivo na periferia. É onde os moradores, principalmente as

crianças, se encontram, brincam e se deleitam dando vitalidade e significado

a estes espaços. Faz-se de tudo: joga-se bola, pião, corre-corre, amarelinha,

anda-se de bicicleta, joga-se bola de gude, dentre outras atividades

(SANTOS, 2007, p.223).

Segundo LEFEBVRE, o homem tem necessidades sociais diversas e, dentre elas, “a

necessidade de acumular energias e a necessidade de gastá-las, e mesmo de desperdiçá-las no

jogo” (1991, p.103). Em Alagados, atualmente, os adultos costumam “desperdiçar” suas

energias nos campos de futebol, praticando o esporte ou acompanhando os jogos e

aproveitando os encontros que ali se dão. Segundo Wanderlei Moreira (Metrô), o bairro conta

com algumas Ligas de Futebol e “todo final de semana tem campeonato, continuamente.

Inclusive alguns campeonatos já estão até de certa forma de profissionalizando. Tem árbitros

que eles contratam, uma série de coisas que eles conseguem realizar”.24

Outra atividade de lazer bastante comum é a ida à praia que, no entanto, exige dos moradores

de Alagados boas caminhadas, uma vez que as praias balneáveis da Península de Itapagipe,

24

Wanderlei Moreira, liderança do movimento cultural do bairro e coordenador do Espaço Cultural Alagados

entre 2007 e 2009. Entrevista cedida à autora em 03 de setembro de 2008, no Espaço Cultural Alagados.

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como as da Ribeira, Monte Serrat e Cantagalo, estão a pelo menos 20 minutos do bairro, se o

caminho for percorrido a pé.

As pessoas daqui vão mais na Praia do Cantagalo, que eles chamam de

“Barragalo”. (...) É uma referência à Barra, à praia da Barra. Aí, pra não ficar

perdendo nada pra Barra... É um point, é um lugar que tá bombando, final de

semana tem gente que fica até altas horas da noite lá na praia.25

Segundo SANTOS (2004), apesar das condições claramente insalubres das águas nas

palafitas, os moradores as utilizam para a prática do banho. Um fato que era muito comum e

que ainda não deixou de ser uma realidade.

Em relação às práticas de lazer no bairro da sua infância, Metrô relata:

(...) Você tinha o Itapagipe [Clube de Regatas Itapagipe], mas era para a elite

da época, e tinha as Sociedades de Bairro, em que você ia, tinha os

campeonatos de dominó... Se bem que na minha época eu preferia muito

mais as ruas. Você tinha espaço livre. As ruas eram de barro, você podia

jogar bola, gude, fura pé, enfim, uma série de coisas que hoje você já não vê

mais. Empinar arraia... Onde se empina mais arraia é aqui embaixo ainda

[próximo ao Espaço Cultural]. Aqui no Final de Linha, no período de arraia,

tem muitos meninos, mas nas outras ruas você vê pouco.26

Se é verdade que a vida pública encontra fortes constrangimentos em Alagados, pela

precariedade das condições de vida que ainda hoje predominam no bairro, é também verdade

que nos usos cotidianos ligados ao lazer, assim como nas atividades culturais e políticas, os

moradores do bairro produzem a maior expressão da sua territorialidade.

25

Wanderlei Moreira, na entrevista citada anteriormente.

26

Wanderlei Moreira, na entrevista citada anteriormente.

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53

3. DA MORADIA À CULTURA: MOVIMENTO SOCIAL EM ALAGADOS

3.1 Para entender Alagados

Apesar de se destacar pela sua pujança, em determinados momentos, e pela permanência de

sua atuação, nas condições mais diversas, o movimento social surgido em Alagados não

constituiu uma experiência isolada no contexto nacional ou mesmo no contexto local. A

trajetória deste movimento se aproxima da história de fortalecimento e esmorecimento das

lutas da sociedade civil em nível nacional, traçando uma cronologia que se encontra, em

muitos momentos, com a cronologia de outros movimentos no Brasil. É, portanto, um

movimento fortemente associado ao contexto político geral da sociedade civil organizada e

deve a esta conjuntura muitas de suas características.

3.1.1 Movimento social no cenário da redemocratização

O recorte temporal desta pesquisa tem início no ano de 1979, um ano chave para o processo

de retomada da democracia no país27

. O contexto da retomada importa sobremaneira para o

entendimento do nosso objeto de estudo, tanto por seu rebatimento nas políticas culturais

elaboradas pelo Estado como por suas implicações na conformação do território no bairro de

Alagados. Durante o processo de redemocratização

a dinâmica política vivida no Brasil urbano apontava para um fortalecimento

da sociedade civil, representada pela emergência dos movimentos de bairro,

assessorados pela Igreja Católica e por grupos técnicos de profissionais

liberais ou ONGs, que demandavam do poder público municipal melhores

condições de infraestrutura urbana, serviços públicos e moradia, assim

como participação política nas decisões de governo (FERNANDES, 2004,

p.73).

27

O processo de redemocratização data do final da década de 70 até o ano de 1985 e teve como marcos a

reforma partidária, em 1979, que acabou com o bipartidarismo; a grande representatividade conquistada pela

esquerda nas eleições de 1982, que definiram os Governadores, Deputados e Senadores; a volta das eleições

diretas para Prefeito nas capitais, áreas de segurança nacional e estâncias hidrominerais em 1985 e, no mesmo

ano, a eleição para Presidente da República por um Colégio Eleitoral (as eleições diretas para presidente só

aconteceram em 1989); além da Constituição Federal de 1988, que correspondia a muitas das questões

elaboradas pelo movimento social fortalecido.

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Algumas organizações da sociedade civil foram fundamentais para a nova dinâmica que se

estabeleceu no movimento social brasileiro entre as décadas de 70 e 80. FERNANDES (2004)

destaca a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB e a Igreja Católica como as organizações

mais atuantes neste momento, em nível nacional, especialmente na luta pelos direitos

humanos desrespeitados pelo regime militar, tendo encampado movimentos pelo fim da

tortura aos presos políticos, pela extinção do AI-5 e pela anistia dos exilados. Segundo o

autor, a Associação Brasileira de Imprensa – ABI também teve uma atuação marcante,

apoiando as lutas dos movimentos sociais e trabalhando pelo retorno da liberdade de

imprensa.

O fortalecimento de um movimento sindicalista politizado e combativo, representado

principalmente pelos sindicatos de trabalhadores do ABC Paulista, também configurou o

cenário de pujança da sociedade civil organizada. Entre 1978 e 1986, ocorreram 3.264 greves

no país, envolvendo trabalhadores de categorias diversas, de metalúrgicos a funcionários

públicos e inclusive policiais, reivindicando ajustes salariais e o cumprimento de leis e de

acordos coletivos que representassem benefícios para o trabalhador (FERNANDES, 2004).

Além das greves, os quebra-quebras de trens e ônibus, que ocorreram em grande número entre

o fim dos anos 70 e o início dos 80, demonstravam o descontentamento das classes populares

com a precarização de sua condição de vida e trabalho.

O movimento estudantil também retomava sua força, através da conquista dos Diretórios

Acadêmicos nas Universidades e da reabertura da UNE – União Nacional dos Estudantes, em

1979, fechada após ter-se tornado um dos principais alvos de perseguição pelos militares.

O Movimento Contra o Custo de Vida, mais tarde chamado Movimento Contra a Carestia,

surgiu em São Paulo e ganhou projeção nacional, integrando diversas organizações em torno

das reinvindicações de controle dos preços que mais interferiam no custo de vida da

população e de implementação de uma política de emprego e renda.

O movimento pelas eleições presidenciais diretas – Diretas Já, também foi representativo do

contexto de fortalecimento da sociedade civil, reunindo agentes diversos em prol da

aprovação de uma emenda constitucional que garantiria o retorno das eleições presidenciais

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em 1985, pleito que não foi acatado no legislativo federal, submetendo a sociedade ao

resultado de uma eleição indireta, através de um Colégio Eleitoral.

Segundo a avaliação de LEAL IVO (2008),

os anos oitenta representam um período inédito na história brasileira, com a

explosão das minorias organizadas em diversos movimentos sociais de luta

pelos direitos cidadãos, aglutinados numa ampla mobilização da sociedade

civil, que pressiona pela abertura política e pela implantação do regime

democrático.

A autora destaca duas forças fundamentais na condução desse processo:

o novo sindicalismo e os diversos movimentos sociais (urbanos e rurais),

além de uma explosão de redes associativas que canalizavam demandas,

expressando-se também através de partidos políticos de oposição ao regime

autoritário (p.164-165).

Diante do movimento social fortalecido, apoiado por instituições com peso político

considerável, principalmente a Igreja Católica, o Estado buscava formas de controlar a

ebulição em curso. O Programa Nacional de Centros Sociais Urbanos – PNCSU (1975 a

1984) foi emblemático no sentido do tipo de relação que se tentou estabelecer com o

movimento social fortalecido nas décadas de 70 e 80, quando o cenário de redemocratização

já não permitia ao Estado a mesma ação repressiva empreendida no início da ditadura. Como

a questão da participação havia sido pautada pelos movimentos e não havia como tirá-la da

pauta naquele contexto, alguns projetos de governo incorporaram a participação em suas

diretrizes, deixando obscuras as definições acerca desta participação.

Nesse sentido,

o governo Geisel lançou um programa para dotar as comunidades de baixa

renda de equipamentos voltados a centralizar a prestação de uma série de

serviços públicos, como saúde, educação profissionalizante, recheados com

muito lazer e esporte. Era o programa de Centros Sociais Urbanos,

implantado na Bahia durante o governo Roberto Santos (ALMEIDA, 2001,

p.10).

No caso do PNCSU, o objetivo finalístico declarado do Programa era promover a

redistribuição indireta de renda e a melhoria das condições de vida da população das áreas

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onde se instalariam os Centros, opção formulada a partir de um diagnóstico que atribuía aos

“bolsões de pobreza” existentes nas grandes cidades “o agravamento da desagregação das

relações sociais primárias nessas áreas, aumentando seu potencial conflitivo” (BORBA,

1991). Por certo, o “potencial conflitivo” de que tratam os documentos elaborados pelo

PNCSU corresponde à forte mobilização protagonizada pela sociedade civil, possibilitando o

conflito com o Estado e não os conflitos internos, como tenta fazer entender o texto oficial.

Se em relação à sua meta estrutural o Programa teve um bom desempenho – foi prevista a

implantação de 600 CSUs, dos quais 501 foram concluídos –, em relação ao objetivo de

realizar uma política social redistributiva, ele fracassou28

. Entretanto, a atuação desses

Centros Sociais Urbanos passou a ser orientada por “uma metodologia de trabalho que

recomendava explicitamente atrair para o convívio e a cooperação com o Govemo toda a

organização popular porventura existente na área de abrangência de cada CSU” (PNCSU, s.d.,

apud BORBA, 1991, p.417). Assim, o Programa atuou no sentido de cooptar as lideranças do

movimento social, em consonância com a necessidade do regime militar frente ao avanço da

sociedade no sentido da redemocratização do país. O resultado desse esforço de cooptação, no

entanto, não parece ter sido muito significativo. Segundo ALMEIDA (2001), a avaliação dos

participantes do Trabalho Conjunto – grupo militante com importante atuação junto aos

bairros populares de Salvador no final da década de 70 – aponta para um pequeno impacto do

Programa dos CSUs em Salvador29

, no seu intuito de diluir a mobilização das comunidades

pela reivindicação de melhores serviços públicos.

Não temos a pretensão de fazer aqui um levantamento mais preciso dos agentes que estiveram

à frente do processo de redemocratização, detalhando o papel específico de cada um e os

pesos que tiveram em cada conquista deste período30

, nem tampouco dar conta das ações do

28

O trabalho de BORBA (1991) trata dos problemas enfrentados na implantação do Programa Nacional de

Centros Sociais Urbanos e dos seus resultados em relação aos objetivos afirmados, de promoção de uma política

social redistributiva.

29

Em Salvador, o PNCSUs implantou nove Centros Sociais Urbanos, nos bairros de Castelo Branco, Liberdade,

Cosme de Farias, Mussurunga, Narandiba, Nordeste de Amaralina, Pernambués, Valéria (João Paulo I) e Vasco

da Gama (Federação).

30

Para uma análise a respeito dos movimentos sociais no Brasil e sua relação com as políticas sociais,

recomendamos o trabalho de LEAL IVO (2008) e para uma descrição bastante detalhada do cenário político da

redemocratização (pelo viés do Estado e da sociedade civil), indicamos a leitura de FERNANDES (2004), que

lista uma série de outros autores que discutiram especificamente a atuação de cada organização atuante neste

contexto.

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Estado na tentativa de manter o poder dos militares. Contudo, é importante citar a existência

dessas organizações e movimentos, que configuraram juntos uma dinâmica inédita na

sociedade brasileira, em que foi possível o fortalecimento dos movimentos sociais urbanos,

mesmo inseridos em distintas conjunturas locais.

3.1.2 O cenário em Salvador

Na cidade de Salvador, uma série de instituições contribuíram, entre as décadas de 70 e 80,

com a organização dos movimentos populares. No caso do movimento de luta pela moradia,

nas dezenas de ocupações irregulares pela cidade, estabelecer relações com essas instituições

mais consolidadas – ancoradas no prestígio e na força política da Igreja Católica, da

Universidade e de categorias profissionais respeitadas – era fundamental para resguardar a

população pobre e marginalizada, que vivia cotidianamente sob o medo de expulsão e

derrubada de suas casas.

Além do apoio político frente à ação repressora do Estado, essas instituições contribuíam com

a pauta dos movimentos populares, apresentando discussões e contribuindo para a sua

articulação em toda a cidade.

Dentre essas instituições, o IAB – Instituto dos Arquitetos da Bahia se destaca por ter

promovido, ainda em 1973, a Semana do Urbanismo, onde foi constituído o Convênio

Cultural de Profissionais Liberais, composto por mais de doze categorias profissionais

interessadas em apoiar a organização popular. Já em 1977, o Convênio Cultural deu origem à

Comissão Provisória do Trabalho Conjunto de Salvador, que reunia, além das entidades de

profissionais liberais, diretórios estudantis universitários, sindicatos, associações de

moradores e membros da Igreja. Segundo FERNANDES, “a atividade do Trabalho Conjunto

destaca-se na denúncia e na mobilização pela volta dos direitos humanos em Salvador, e

também nas manifestações que reivindicavam a não expulsão de moradores de invasões”

(2004, p.99).

As sedes do IAB e do Clube de Engenharia eram palco de eventos onde se

estimulavam o debate público, onde a livre argumentação era possível, onde

populares faziam observar seu direito de fala, enfim, tratavam-se de

instituições com características democráticas sobrevivendo num ambiente

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hostil à prática democrática, onde as casas legislativas viviam amedrontadas

de novas punições por parte do poder militar (ALMEIDA, 2001, p.8).

A Igreja Católica, além de atuar nacionalmente em defesa dos direitos humanos

desrespeitados pela ditadura, teve um papel fundamental na organização dos movimentos

sociais urbanos, sobretudo as associações de moradores, atuando através das Comunidades

Eclesiais de Base (CEBs),

núcleos organizados para estudos orientados de temas religiosos, em torno

da bíblia, mas sempre estabelecendo uma ponte entre religião e problemas

concretos, da vida cotidiana, que afligiam os participantes. O orientador dos

trabalhos, ou agente pastoral, estimulava a discussão de temas livres, de

interesse imediato dos concernidos, tais como moradia, falta de terra para

lavrar, exploração do trabalho, racismo, etc. (ALMEIDA, 2001, p.3).

Em tempos de ditadura militar, os padres e bispos conseguiam muitas vezes evitar a

truculência contra os moradores de ocupações e garantir que fosse estabelecido algum diálogo

entre o poder público e os movimentos sociais na solução dos conflitos de moradia.

Em Salvador, foram criadas duas importantes instituições católicas: o CEAS – Centro de

Estudos e Ação Social (fundado em 1967), cuja ação pastoral se voltava para a defesa da

cidadania e o apoio às organizações populares e o Serviço Social do Mosteiro de São Bento

(em 1983), que prestava assistência social aos bairros populares. Além destas, de

denominação católica, foi criada ainda a CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço (em

1973), com a missão de apoiar técnica e financeiramente os pequenos projetos sócio-culturais

dos bairros populares.

Entre 1971 e 1986, o arcebispo de Salvador, Dom Avelar Brandão, reconhecido pelo Papa

como arcebispo primaz do Brasil, apesar de não se posicionar abertamente em favor das

Comunidades Eclesiais de Base, comparecia aos bairros em momentos de celebração e

também nos de embate, se colocando ao lado dos movimentos. Nesse período, de forte

repressão às ocupações, os movimentos recorriam ao arcebispo a fim de que mediasse

conflitos com o poder público e respaldasse o direito dos moradores a regularizar sua situação

de moradia.

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Duas lideranças populares, dos bairros do Calabar e de Alagados, relembram a visita do

arcebispo. Fernando Conceição, no livro em que relata as experiências do movimento social

do bairro do Calabar entre o final da década de 70 e o início dos anos 80, conta que

Em sua segunda visita ao Calabar, durante a missa que celebrou sobre um

palanque que improvisamos em área aberta do bairro, Dom Avelar iria

declarar que aquela era “uma missa de esperança, no desejo de que as

autoridades solucionem os graves problemas dessa população” (1986, p.101)

Relata também outro episódio quando, em audiência com o arcebispo,

Dom Avelar disse ainda que se comprometia em fazer a nossa

reaproximação com o prefeito, depois de ouvir a preocupação que tínhamos

com a declaração feita por Kertész de não conversar mais com os membros

da Juc-Sobe [ Sociedade Beneficente e Recreativa do Calabar], sobre as

soluções urbanísticas para o Calabar (1986, p.103)

A diretora da Associação de Moradores Dom Avelar e da Escola Comunitária Canto da Paz,

em Alagados, Nilda Dias, relembra o apoio do arcebispo à permanência dos moradores em

uma das etapas da ocupação do bairro de Alagados:

quando a gente começou a invadir houve muito conflito entre a comunidade

e a polícia e órgãos públicos e aí houve, assim na prática, uma interferência

da Igreja. Na época o arcebispo era Dom Avelar (...). A polícia chegava

atirando nos moradores, teve um morador que tomou tiro... Eles não

respeitavam, derrubavam os barracos, que eram quatro paus forrados com

plástico ou com lençol. (...) E aí foi quando o padre Clóvis [da Paróquia de

São Jorge, no Jardim Cruzeiro] também participou do movimento e trouxe o

arcebispo que veio e visitou a área, foi de casa em casa de rua em rua. Aí o

pessoal botou o nome da invasão de Dom Avelar31

.

Já Dom Timóteo Amoroso, abade do Mosteiro de São Bento, apoiador assumido dos

movimentos sociais, fazia do Mosteiro um território ecumênico e livre para as discussões em

pauta nas organizações que atuavam na cidade pela redemocratização (ALMEIDA, 2001).

A presença da Igreja, juntamente com as outras organizações que elencamos, marcou a

organização do movimento social em Salvador, em diversos bairros populares da cidade,

muitos deles surgidos a partir de ocupações ilegais, palco de conflitos constantes. Relatando a

história do movimento social do bairro do Calabar, em Salvador – história de que foi um dos

31

Nilda Dias do Espírito Santo, diretora da Associação de Moradores Dom Avelar e da Escola Comunitária

Canto da Paz Entrevista cedida à autora em 12 de maio de 2009, na Escola Canto da Paz.

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protagonistas –, CONCEIÇÃO constatava que, “é muito melhor contar com o apoio da Igreja

Católica do que desprezá-lo, vivendo num país dominado por militares, como no caso do

Brasil” (1986, p.36).

Esse conjunto de organizações colaborou para a formação de um cenário singular na história

da cidade de Salvador, entre o final da década de 70 e o início dos anos 80, com a conquista,

pelos movimentos sociais, de uma importante participação na formulação das políticas

públicas. Participação esta que não se realizava através dos canais institucionais abertos pelo

poder público, mas sim através do confronto e da reivindicação pela abertura desses canais.

Em 1979 foi fundada a Federação das Associações de Bairro de Salvador – FABS, que reunia

então oito associações. Em dois anos, a Federação congregava 25 entidades e no final da

década de 80 já contava com 200 participantes (FERNANDES, 2004; SERPA, 2002). A partir

de sua fundação e de um redirecionamento do Trabalho Conjunto, que era até então o espaço

para onde confluíam os movimentos de diversos bairros populares32

, a FABS assumiu o papel

de interlocução com o poder público – em alguns momentos questionado por representantes

de alguns bairros (CONCEIÇÃO, 1986) –, sendo a primeira entidade formada por lideranças

de bairros populares.

Já em relação ao poder público, o regime militar configurou em Salvador um período de

esvaziamento da Prefeitura, que naqueles anos funcionava como “nada mais, nada menos que

uma Secretaria a mais na estrutura do Governo Estadual” (SANTOS, 1997, p.37), com

Prefeitos indicados pelo Governador.

A mudança gradativa deste quadro de dependência começou nas eleições de 1982, em que os

partidos de oposição ao regime, apesar de não terem obtido sucesso na eleição para

Governador (já que o candidato carlista João Durval venceu apoiado no eleitorado do interior

do estado), conseguiram uma grande representatividade tanto na Câmara Municipal como na

Assembléia Legislativa da Bahia. Nessas eleições, o PMDB ocupou 26 das 33 cadeiras da

Câmara, marcando uma relação de oposição frontal entre o governo municipal e o estadual.

32

O redirecionamento do Trabalho Conjunto se deveu, segundo CONCEIÇÃO (1986), à inserção de alguns

participantes, militantes vindos da classe média, na política partidária e nas campanhas para as eleições que

ocorreriam em 1982.

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61

As eleições diretas para a Prefeitura Municipal, realizadas em 1985, representavam a

oportunidade de retomada da autonomia de Salvador. Mário Kertész, que havia sido prefeito

biônico em 1979, indicado pelo então governador Antonio Carlos Magalhães, rompeu com o

líder e filiou-se ao PMDB, partido pelo qual foi eleito, com 45,8% dos votos. A campanha

eleitoral de Kertész, construída a partir de temas como participação popular e autonomização

municipal, teve o apoio da ampla bancada de esquerda que havia assumido o legislativo

municipal e também de organizações dos movimentos sociais urbanos. Entretanto, do

discurso à prática política, a gestão Kertész se distanciou da esquerda que o havia elegido,

promovendo o desmonte das políticas que vinham sendo discutidas e planejadas desde o

regime militar e que ansiavam por se concretizar num governo eleito democraticamente

(DANTAS NETO, 2000).

A gestão de Kertész estabeleceu uma relação conturbada com os movimentos sociais, em

especial o movimento de luta pela moradia, uma vez que a Prefeitura não estabelecia políticas

para essa questão e sequer se posicionava claramente em relação ao problema.

3.2 Alagados em cena no movimento social

Pode-se dizer que o movimento social em Alagados tem origem simultânea à ocupação do

bairro, na década de 40, mesmo que ainda de forma embrionária. Naquele período não se

tratava de um movimento politizado33

, como mais tarde se configurou, mas sim de um esforço

coletivo no sentido de ocupar um espaço de moradia e resistir nele. A coletividade, neste caso,

era mesmo indispensável, pois tratava-se de uma ocupação ilegal, que poderia ser removida à

força pela polícia – procedimento comum na época. Ter um bom número de moradores

mobilizados em cada movimento de ocupação garantia condições de que rapidamente, “da

noite para o dia”, o espaço encontrado fosse tomado por casas e famílias. Quanto mais

consolidada parecesse uma ocupação (com maior número de moradias), mais difícil se

33

É importante observarmos que, diferentemente das informações colhidas a respeito do início do processo de

ocupação em Alagados, parte das ocupações ocorridas na mesma época em outras áreas da cidade se deu com

forte apoio de organizações políticas. Conforme FRANCO (1983), as ocupações ocorridas na década de 40, “se

caracterizaram pelo porte (centenas de famílias envolvidas) e pela dimensão política que assumiram, ao envolver

a participação de organizações e partidos políticos, numa estratégia que ia da resistência às tentativas de

expulsão à mobilização da opinião pública, mediante procissões de cunho religioso, manifestações públicas,

representação jurídica, etc” (p.188).

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tornava a sua remoção, que poderia causar aos governantes, além de despesas financeiras,

altos custos políticos.

Os depoimentos de moradores demonstram a importância desse caráter coletivo no primeiro

momento da ocupação:

Eu morava na Fazenda Grande, aí me separei do meu marido e fui morar

com minha mãe, eu com quatro filhos. E aí uma vizinha chegou pra minha

irmã e falou: “olha, lá no Final de Linha tá acontecendo uma invasão”. Aí

minha irmã me chamou, eu vim. Só que não foi pr‟aqui. A gente foi lá pro

Final de Linha mesmo, mas só que a policia chegou e aí tirou tudo. Era coisa

pequena, coisa de umas vinte pessoas. Aí a gente parou um tempo e

resolveu: vamos esperar 14 de novembro. Porque 15 era feriado eles [a

polícia] não iam fazer nada. Aí a gente invadiu de madrugada, 14 para 15 de

novembro34

.

Os coletivos que se formavam a cada nova etapa da ocupação obedeciam geralmente a

critérios de parentesco, vizinhança, amizade ou ao menos conhecimento prévio, o que garantia

alguma segurança aos moradores. Essa característica pode ser observada freqüentemente nos

depoimentos sobre a violência no bairro, que os moradores atribuem ao perfil das etapas mais

recentes da ocupação, em que já não se observava esses critérios.

A organização dos moradores para resistir às tentativas de expulsão se deu, inicialmente,

através das sociedades de defesa ou beneficentes, sendo as mais antigas a Sociedade 28 de

Agosto, Sociedade John Kennedy, Sociedade 31 de Dezembro e Sociedade 6 de Janeiro.

Segundo relatório da HAMESA de 1975, entre 1971 e 1974 havia 15 Sociedades e 1

Conselho Comunitário atuando no bairro. A partir da consolidação das ocupações que

pretendiam defender, as Sociedades passaram a desenvolver trabalhos de assistência social (a

exemplo da distribuição dos benefícios fornecidos pela LBA – Legião Brasileira de

Assistência) e se tornaram espaços para o lazer dos moradores, congregando principalmente

jogadores de dominó e cartas.

O movimento social existente no período inicial do bairro – fato que se repete no início de

cada nova etapa da ocupação, inclusive nas mais recentes – atuava sobre a esfera da

necessidade, concentrando-se na solução de problemas urgentes, que eram resolvidos pelos

34

Nilda Dias do Espírito Santo, diretora da Associação de Moradores Dom Avelar e da Escola Comunitária

Canto da Paz. Entrevista cedida à autora em 12 de maio de 2009, na Escola Canto da Paz.

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próprios moradores, através de um esforço coletivo. Como notado por SANTOS (2004), é

comum na fala dos moradores uma espécie de nostalgia do início da ocupação (das sucessivas

etapas de ocupações que formaram o bairro), referido como um período de maior

solidariedade e união entre os moradores. Apesar de, no período inicial, todas as etapas de

ocupação apresentarem condições de vida extremamente precárias e risco de expulsão

permanente, essas mesmas dificuldades demandavam a existência de uma vida pública – de

que hoje se tem nostalgia –, que perdia importância à medida em que as ocupações se

consolidavam e a conquista da casa própria possibilitava o fortalecimento da vida privada de

cada família. Segundo SILVA,

As referências às organizações e às manifestações culturais da comunidade

caracterizam-se pela ênfase aos sentimentos de união e fraternidade. O

aspecto político é pouco enfatizado nas narrativas que se referem à primeira

metade dos anos 70, apesar da visibilidade das lutas políticas da época, e de

toda a repressão vivida pela sociedade naquele momento (2001, p.99-100).

A politização deste movimento, em consonância com a conjuntura nacional, se deu apenas a

partir da segunda metade da década de 70, sob a influência de organizações e profissionais

liberais que atuavam em prol dos direitos dos cidadãos35

, funcionando como uma rede de

apoio ao movimento dos bairros populares, como vimos anteriormente e de acordo com o

relato de MATTEDI:

(...) não se pretende todavia colocar a idéia de que esses movimentos

tivessem por base a existência de uma consciência de classe por parte dos

seus agentes, consciência esta relativa ao grau de exploração a que estavam

sujeitos. Acredita-se mais que a necessidade objetiva de habitação tenha

desencadeado o processo de maneira mais ou menos espontânea, mas que a

partir daí, instalado o problema social, as condições sociais e políticas

vigentes possibilitaram e facilitaram a organização, e o poder de pressão

exercido pelos ocupantes tornou-se cada vez mais forte, pelo próprio estado

concreto de pobreza que eles representavam (1979, p.145, grifo nosso).

A mudança de perfil tanto das lideranças comunitárias do bairro como das organizações de

que fazem parte é marcante se tomarmos para efeito de comparação o início do movimento

social em Alagados, com as primeiras ocupações, e a fase em que este movimento se

35

A falta de referências sobre a atuação dos partidos políticos junto aos movimentos sociais dos bairros

populares de Salvador e, em especial, nos movimentos de ocupação, como os que formaram o bairro de

Alagados, não nos permitiu aprofundar essa análise além do que apresentamos aqui. No entanto, consideramos

que seria de grande relevância a realização de estudos específicos sobre o tema, a fim de esclarecer o papel dos

partidos na construção dos movimentos sociais de bairro.

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reestruturou. Uma pesquisa realizada no bairro, em que foram entrevistadas lideranças

locais36

, revelou que os antigos líderes, mais atuantes até a primeira metade da década de 70,

eram majoritariamente do sexo masculino e atuavam através de sociedades de defesa e

proteção do bairro, que prestavam assistência aos moradores. Segundo a pesquisa, algumas

dessas lideranças acabaram estabelecendo relações clientelistas com os mais diversos grupos

políticos, fazendo o papel de “cabo eleitoral” dentro do bairro (SILVA, 2001).

Esse tipo de apoio de políticos ao bairro, de caráter clientelista, não gerou um compromisso

maior por parte do Estado com uma política social para a área ou mesmo um plano de

urbanização que vislumbrasse a solução dos problemas enfrentados pelos moradores (o

primeiro plano seria elaborado apenas na segunda metade dos anos 70). Segundo SILVA,

“tudo o que o poder público construiu na área, com base nessa relação, foi pouco em

comparação com tudo aquilo que os próprios moradores foram capazes de construir sozinhos”

(2001, p.101).

Muitas das organizações surgidas neste período acabaram se esvaziando, por serem

demasiadamente atreladas a um determinado grupo ou pessoa e, portanto, fechadas a uma

maior participação da população.

Na situação de carência vivida pela comunidade era mais importante a

relação clientelista imediata do que o desenvolvimento de uma relação

cidadã (...). Por isso, talvez, as referências ao espírito de coletividade e à

solidariedade espontânea existentes na comunidade tenham tido maior

ênfase na análise dos entrevistados do que as posições políticas tomadas

(SILVA, 2001, p.102).

O clientelismo era a forma de relação predominante entre os bairros populares e o Estado

durante todo o regime militar, o que se deve em muito a uma ação deliberada dos governos,

temerosos diante da pujança de um movimento social impulsionado pelos graves problemas

que oprimiam a população pobre. Nesse sentido, o Estado buscava atender – de forma restrita,

pontual e condicionada – à esfera da necessidade, encobrindo dessa forma, pela satisfação que

provocavam os pequenos “favores” governamentais, a esfera do direito dos cidadãos.

36

A pesquisa de SILVA tem por objeto as relações de gênero na luta pela moradia em Alagados. A autora

entrevistou um total de 44 “lideranças” do bairro, sendo 22 homens e 22 mulheres. A partir de uma primeira lista

de “lideranças” já conhecidas pela autora, foram indicadas outras, incluídos nesta categoria representantes e ex-

representantes de organizações diversas (como sociedades e associações, entidades religiosas e esportivas),

moradores antigos que contam a história do bairro, que realizam trabalhos voluntários, entre outros – pessoas

reconhecidas pelos próprios moradores.

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65

Conforme os relatos dos moradores, a principal distinção entre a atuação do movimento até a

primeira metade dos anos 70 e da segunda metade em diante, é o entendimento sobre os

papéis da população e do Estado. No primeiro momento, que se forjou à sombra do regime

militar, o Estado era um ente inacessível, agente de repressão às ocupações e não de garantia

do direito à moradia. Nessa conjuntura, os moradores eram os principais agentes da

construção do bairro, notadamente através da realização de mutirões e da autoconstrução.

No segundo momento, que se desenhou em um contexto marcado pela reabertura democrática

e pela promulgação da Constituição Federal, que afirmava a moradia como direito do cidadão,

a organização dos moradores objetivava também a apresentação de demandas ao Estado e a

pressão para o seu atendimento, entendendo a garantia do direito à moradia como obrigação

do poder público.

Na verdade, não se trata de uma mudança de entendimento, mas sim da transformação do

contexto político, que passou a permitir que o Estado fosse também cobrado por suas

responsabilidades, ao invés de ser encarado apenas como agente de cobranças. Dentro deste

novo contexto, os embates políticos entre o movimento social e os poderes públicos passaram

a ser freqüentes, mas os movimentos não estavam mais acuados e sim fortalecidos (LEAL

IVO, 2008; FERNANDES, 2004).

Outro dado importante do novo perfil do movimento social em Alagados foi a emergência das

mulheres, que passaram a ser maioria entre as lideranças do bairro e nos cargos de direção das

organizações, tomando a frente na relação com o Estado, que então começava a intervir mais

efetivamente na área (SILVA, 2001). Em seu relato sobre uma ocupação que teve início entre

1984 e 1985, na área hoje conhecida como Alagados III ou Invasão Dom Avelar, Nilda Dias37

afirma que a maioria dos participantes desta ação, assim como de outras etapas mais recentes

da ocupação do bairro, eram mulheres, entre 20 e 24 anos de idade, com filhos e separadas

dos maridos.

37

Nilda Dias do Espírito Santo, diretora da Associação de Moradores Dom Avelar e da Escola Comunitária

Canto da Paz Entrevista cedida à autora em 12 de maio de 2009, na Escola Canto da Paz.

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Outro trecho da fala desta mesma liderança demonstra tanto a formação de um movimento

local com foco nas necessidades prementes dos moradores como a reconfiguração do diálogo

entre Estado e movimento social:

Depois de um ano, que se criou um movimento, a gente ficou sabendo que a

Prefeitura, no governo de Mário Kertész [1986 a 1988], tinha uma liminar no

fórum pra tirar a invasão daqui. Aí começamos de madrugada a convocar

toda a comunidade, daqui do Uruguai até o areal da Ribeira, de porta em

porta, e quando voltamos já era quase 3 horas da manhã. Chamar o povo pra

no outro dia de manhã fazer uma manifestação na porta da Prefeitura, aquela

de vidro ali, recém inaugurada [refere-se ao prédio inaugurado em 1986, na

Praça Municipal]. Aí conseguimos seis ônibus, levamos os moradores (...) e

fizemos a manifestação na frente da Prefeitura. 38

De modo geral, as relações com o Estado estabelecidas dentro da nova configuração do

movimento social no bairro, a partir da segunda metade dos anos 70, buscavam rechaçar a

prática clientelista, apresentando as demandas da população e reivindicando seu atendimento

com base em direitos.

Neste mesmo período, quando as intervenções estatais já haviam sido capazes de criar ao

menos a expectativa de solução dos problemas de moradia (a implantação do Plano

Urbanístico de Alagados havia começado em 1973), que constituíram a pauta inicial e

prioritária do movimento social em Alagados, teve início o processo de confluência entre a

luta por moradia e o movimento cultural.

Destacamos dois fatores que contribuíram para a sensível transformação na atuação do

movimento social local neste período: o alinhamento com o movimento social nacional,

favorecendo a formação política das lideranças do bairro, e a articulação entre o movimento

que atuava em prol de melhorias para a infraestrutura do bairro (moradia, saneamento,

equipamentos públicos, segurança, entre outras necessidades) e o movimento cultural local

que começava a se consolidar.

(...) a partir do final da década de 70, início de 80, o forte [em Alagados]

ficou sendo o movimento cultural. Isso também puxado um pouco pela

questão da moradia, mas aí a moradia já ficou um pouco mais pra segundo

plano, porque como o governo vinha com a promessa de botar casas, então

38

Nilda Dias do Espírito Santo, na entrevista citada anteriormente.

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as coisas amainaram mais. E aí o movimento cultural surge e a partir daí é

que em um dado momento eles se cruzam.39

Nesse momento, “o movimento percebe que já não dá mais pra cada um funcionar lá no seu

canto [cultura e moradia], porque as lutas são comuns” 40

. Segundo Maria de Lurdes da

Conceição Nascimento (Lurdinha) 41

, a articulação entre as antigas lutas dos moradores e o

movimento cultural deu um novo ânimo às lideranças locais, pela possibilidade de atuarem

também através da “beleza”, da “festa” e da “alegria”, ampliando o sentido do seu trabalho

social.

A confluência entre a luta por moradia e o movimento cultural, no entanto, foi conduzida por

novas lideranças, que já ingressaram no movimento a partir de uma relação com a cultura.

Esse dado foi verificado por SILVA (2001), que em sua pesquisa entrevistou 44 lideranças,

das quais 25 (57%) declararam ter iniciado sua atuação no movimento social através do

exercício de “atividades sócio-culturais”. Trata-se, portanto, de uma nova geração de

lideranças, formada a partir de uma nova perspectiva, em que a cultura é considerada

ferramenta de mobilização social, direito dos cidadãos e também necessidade.

Um processo análogo, ocorrido no bairro do Calabar – território popular encravado entre

alguns dos bairros mais ricos de Salvador –, é descrito por CONÇEIÇÃO (1986). Em 1977,

um padre que havia sido designado para atuar naquele bairro e em alguns bairros vizinhos

organizava reuniões semanais com os moradores. A partir desses encontros foi realizada uma

gincana, em que um grupo de jovens, entre 14 e 21 anos, formou a equipe “Unidos do

Calabar”, que, vencendo a gincana, fundou o Grupo de Jovens Unidos do Calabar – JUC, que

teve uma importante atuação no movimento social de Salvador na década de 80.

O Grupo tinha uma atuação bastante diversa: fazia mutirões para pequenas obras no bairro,

peças teatrais, recitais de poesia, produzia um informativo e chegou a realizar um censo, em

que todos os moradores foram entrevistados e, além das questões sobre seu perfil sócio-

39

Wanderlei Moreira, liderança do movimento cultural do bairro e coordenador do Espaço Cultural Alagados

entre 2007 e 2009. Entrevista cedida à autora em 03 de setembro de 2008, no Espaço Cultural Alagados.

40

Wanderlei Moreira, na mesma entrevista citada anteriormente.

41

Lurdes da Conceição Nascimento, coordenadora da Escola Comunitária Luiza Mahin e da Associação dos

Moradores do Conjunto Santa Luzia. Entrevista cedida à autora em 29 de dezembro de 2009, na Escola

Comunitária Luiza Mahin.

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econômico, responderam a perguntas sobre seu entendimento acerca do contexto político da

época (o censo do JUC perguntava, por exemplo, quem era o prefeito de Salvador e o que

significavam as siglas ARENA e MDB).

Segundo o autor, que foi também uma liderança popular no bairro do Calabar,

foi exatamente pelo papel exercido pela Igreja nos tempos mais fechados do

regime de 64, que no ano de fundação do JUC [sigla que identifica o Grupo

Jovens Unidos do Calabar, fundado em 1977] já existiam centenas ou

milhares de grupos de jovens espalhados por Salvador, pela Bahia e pelo

Brasil inteiro (1986, p.36).

Em Alagados, as duas paróquias locais da Igreja Católica, a Paróquia de São Jorge (na área

hoje conhecida como Jardim Cruzeiro) e a Paróquia Nossa Senhora dos Alagados (próxima ao

Conjunto João Paulo II), tiveram certamente um papel fundamental na formação dessas novas

lideranças, com um trabalho paroquial fundamentado na teologia da libertação.

A pujança do movimento cultural em Alagados ganhou grande destaque na cidade, mas,

conforme o relato de Sue Ribeiro, teatróloga e professora de teatro em Alagados durante a

década de 80, pela Fundação Cultural do Estado da Bahia,

O movimento cultural, ele não acontece só em um lugar, naquele momento.

Quando eu entrei em um projeto que foi visitar os bairros – Alto do Beiru,

Fazenda Grande, Pernambués, um outro bairro lá, Nova Brasília, Nordeste

de Amaralina – onde nós chegávamos já existia um movimento cultural –

Cultural! Não era cultural-político – feito pelos próprios moradores. Lá no

Alto do Beiru tinha um festival de teatro promovido pelo padre. Na Fazenda

Grande tinha um grande – eu nem conhecia isto! – tinha um festival de teatro

com dezoito grupos de teatro!42

O teatro e o cinema são as duas artes mais presentes desde o início do movimento cultural no

bairro de Alagados, como veremos no próximo capítulo, o que se consolidou com o apoio do

Movimento Cineclubista, com a Federação Baiana de Cineclubes, filiada ao CNC – Conselho

Nacional de Cineclubes, e do Movimento de Teatro Amador, com a Federação Baiana de

Teatro Amador – FBTA, filiada à CONFENATA – Confederação Nacional de Teatro

Amador.

42

Sue Ribeiro, teatróloga e professora de teatro em Alagados durante a década de 80, pela Fundação Cultural do

Estado da Bahia. Entrevista cedida à autora em 12 de maio de 2009, na Secretaria de Cultura Estadual.

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Essas organizações, fortemente presentes na vida cultural das grandes cidades brasileiras no

período da redemocratização, encontraram em Alagados um movimento cultural espontâneo

que, entretanto, poderia ser potencializado e também politizado com a sua atuação local. A

confluência entre cultura e política já era, então, uma realidade para os movimentos sociais

em nível nacional.

O Movimento Cineclubista teve um papel político importante em Salvador – e

destacadamente em Alagados –, tanto na resistência à ditadura militar em seu período mais

duro, quando os cineclubes funcionavam como redutos onde ainda era possível o debate

político, como no período de redemocratização, quando o Movimento se consolidou nos

bairros populares da cidade, formando uma espécie de rede43

muito próxima ao movimento de

bairro, das associações, sociedades e outras organizações locais. Segundo MACEDO, “no

final dos anos 70, a maioria dos cineclubes – que já são cerca de 600 filiados nominalmente

ao CNC – é de bairros das periferias das grandes cidades” (2009, não publicado).

Uma característica interessante, que vale ser destacada no Movimento Cineclubista, é que ele

não surge a partir de uma organização dos realizadores de filmes, mas sim da organização do

público, interessado na difusão de filmes. Assim, um cineclube pode congregar pessoas com

os mais diversos interesses e atuações, desde que tenham em comum o desejo de assistir

filmes e discuti-los em seu grupo social. Por essa característica de sua formação, o cineclube

parece ser um modelo privilegiado para a articulação entre cultura, política e mobilização

social. Em Alagados, o Cineclube Aventura (atuante desde 1980, com oscilações, até os dias

atuais) teve um papel fundamental na manutenção da vida cultural dos moradores, assim

como no processo de sua politização.

Através da Federação Baiana de Teatro Amador, as artes cênicas foram intensamente

estimuladas especialmente nos bairros populares, mas também em cidades do interior baiano.

A atuação da Federação, consonante com os objetivos do movimento social em Alagados,

43

A atuação em rede era característica comum ao Movimento Cineclubista, pois os filmes eram geralmente

exibidos em película de 16mm, uma mídia cara, que possibilitava a realização de poucas cópias. Sendo poucas,

as cópias deveriam circular entre os cineclubes e desta forma os filmes realizavam longos circuito pelo Brasil.

Em Salvador, o cineclubista Luis Orlando Silva foi um dos principais responsáveis pela circulação de filmes nos

bairros populares, atividade que exercia enquanto militante, mas também enquanto funcionário da Fundação

Cultural do Estado da Bahia, integrante do projeto PRODASEC, como relataremos no próximo capítulo.

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reconhecia nas artes cênicas um grande potencial de transformação social, que foi levado a

cabo no bairro com o trabalho desenvolvido junto ao Espaço Cultural Alagados. Já a partir da

segunda metade dos anos 80, a FBTA, que tinha sede no Centro da cidade, praticamente se

mudou para Alagados, desenvolvendo uma série de atividades no Espaço Cultural do bairro.

Nada melhor que o teatro, que é a arte pra isso, esse elemento de

transformação, de liberdade. Então nós buscávamos a arte para nos

transformar. A gente nem pensava em ser artista! Aí é que tá o gancho, o nó

da história. Ninguém tava pensando em ser o artista, ser reconhecido, ganhar

cachê, ter DRT, registro profissional... A gente tinha consciência da

ferramenta teatral, da linguagem artística enquanto ferramenta, como

elemento de transformação. 44

Assim, o movimento cultural em Alagados foi forjado tendo, desde o princípio, a participação

como pressuposto e a transformação da realidade social como objetivo, de modo que a

confluência entre os movimento de moradia e de cultura se deu pela percepção dos interesses

comuns e das possibilidades de potencialização que um movimento representava para o outro.

44

Tainã Andrade, teatróloga, militante do Movimento de Teatro de Rua e ex-professora de teatro em Alagados,

pela Federação Baiana de Teatro Amador. Entrevista cedida à autora em 14 de maio de 2009, no Largo Dois de

Julho.

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71

4. POLÍTICA E CULTURA NO TERRITÓRIO POPULAR DE ALAGADOS

Se, como dissemos, este trabalho defende um estreitamento das relações entre territórios e

políticas culturais, o bairro de Alagados apresenta um rico exemplo dos encontros e

desencontros possíveis nesta relação.

O Estado, enquanto agente de políticas culturais, há que encontrar um meio de entender os

territórios com que pretende se relacionar na formulação dessas políticas. Uma estratégia

possível é generalizar, criar rótulos territoriais que determinem as políticas a serem

implementadas em determinado “tipo” de território: “nos territórios populares funciona

assim”. Outra possibilidade é realizar pesquisas, como as tantas elaboradas pelos grupos

intersetoriais que atuaram em Alagados entre as décadas de 60 e 70, a fim de conhecer o

perfil, as necessidades e expectativas de determinada população. Essas pesquisas, no entanto,

dificilmente dariam conta de elucidar todos os fatores de ordem política – poderes atuantes

sobre o espaço – e de ordem cultural – valores e significados de que o espaço é investido –

atuantes em um determinado recorte operacional. Uma terceira possibilidade é abrir canais de

participação, apresentar propostas e colocá-las em discussão com os agentes locais, pessoas

que vivem o território, para que sejam feitos os ajustes necessários, a partir do entendimento

que esses agentes possuem sobre o seu espaço de vida.

A melhor das possibilidades, no entanto, a nosso ver, é que a formulação e implementação das

políticas culturais esteja a cargo das pessoas que vivem o território, compondo uma aliança

com o Estado, no sentido de garantir que essas políticas sejam efetivamente públicas. Caberia

ao Estado, neste caso, apoiar as práticas culturais já legitimadas no território e também

possibilitar condições para a criação de novas práticas, pois a cultura é dinâmica, assim como

são os territórios.

Ao longo da história das políticas culturais em Alagados, essas quatro formas de apreensão

das relações territoriais tiveram lugar, às vezes de forma combinada, como veremos a seguir,

na análise dos principais marcos destas políticas no bairro.

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72

4.1 Políticas culturais do Estado em Alagados

Para o campo da cultura, tanto no plano nacional como no local, a redemocratização trouxe

grandes expectativas. Em Salvador, a Prefeitura Municipal, que durante a ditadura funcionava

como “nada mais, nada menos que uma Secretaria a mais na estrutura do Governo Estadual”

(SANTOS, 1997, p.37), teve, com a eleição direta para prefeito em 1985, a oportunidade de

retomar sua autonomia, inclusive em relação às questões da cultura.

Em 1986, quando se iniciava a administração de Mário Kertész (1986 a 1988), primeiro

prefeito eleito após a ditadura militar, foi criado na estrutura da Prefeitura um órgão destinado

às questões culturais, a Fundação Gregório de Mattos – FGM, autarquia vinculada à

Secretaria Municipal de Educação e Cultura que responde, até os dias atuais, pela política

cultural do Município.

Em seus primeiros anos, a FGM foi presidida por Gilberto Gil (maio de 1986 a julho de

1988), que, em texto escrito com Antonio Risério, relatou o modelo de política cultural que se

pretendeu implantar em Salvador naquele período:

A FGM nasceu, antes de mais nada, recusando dois papeis amarelados pela

prática conservadora e elitista dos velhos mandarins da política cultural

brasileira. De uma parte, recusando-se a assumir o papel da agência cultural

tradicional, com sua ação restrita ao mecanismo de repasse de recursos

financeiros a uma clientela preferencial (...). De outra parte, recusando-se

igualmente a assumir o papel de réplica municipalista de órgãos estaduais e

federais. Se aceitássemos o papel de réplica (...) estaríamos simplesmente

fazendo transposição mecânica, para realidade do município, de um modelo

abstrato e alienado de repartição „cultural‟, estruturado segundo o padrão

europeu das formas e práticas de cultura, com seus departamentos de

cinema, teatro, dança, literatura, etc., supostamente aplicáveis a qualquer

realidade cultural (RISÉRIO; GIL, 1988).

O público alvo das ações pretendidas pela Fundação, segundo Risério, em entrevista cedida ao

Jornal da Bahia, eram os cidadãos e não apenas a comunidade artístico-intelectual: “a vida

cultural baiana é o que se produz no mestrado de física e no barraco da invasão”.45

45

Jornal da Bahia, 06 de janeiro de 1986.

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Neste curto período (a gestão de Kertész durou apenas três anos), a FGM criou um amplo

menu de ações, que abrangiam desde a preservação do patrimônio histórico até a animação

cultural em bairros populares, passando por projetos de estímulo às artes. Em relação aos

bairros populares da cidade, no entanto, a única ação sistemática foi o projeto Boca de Brasa,

que tinha entre seus objetivos

(...) incentivar, promover, registrar e movimentar a cultura da cidade com

todos os seus elementos conflitantes – além de procurar ser uma vitrine

permanente para os novos talentos. Prevê o projeto, a partir do trabalho

desenvolvido, diagnosticar, cadastrar, veicular tendências artístico-culturais

com o objetivo de integrar o homem à sua cidade, resgatando o pleno

sentimento de cidadania, inerente ao convívio democrático. Toda semana 5

carretas (espécie de palco móvel) (...) percorrem os bairros de Salvador,

levando diversão e lazer com apresentação de espetáculos criados pelas

próprias comunidades nas mais diversas áreas (teatro, música, dança,

variedades, folclore, etc.). A participação é aberta, democrática: qualquer um

pode subir, participar e mostrar seus dotes.46

O projeto funcionou de 1986 a 2003, atravessando governos de diferentes partidos, mas ao

longo do tempo sofreu interrupções e grandes mudanças em seus objetivos e método de

trabalho. Ainda assim, manteve-se como o principal e por vezes único projeto de cunho sócio-

cultural encampado pela Fundação Gregório de Mattos.

Estima-se que até 1988 o Boca de Brasa tenha promovido mais de 600 mostras culturais, em

pelo menos 300 localidades diferentes da cidade. Apesar de Alagados figurar na lista dos

bairros visitados logo no primeiro ano do projeto47

, não foi relatada por nenhum dos

entrevistados qualquer memória desta ação. Com seu caráter itinerante, o Boca de Brasa

provocava um momento de festa cultural nos locais por onde passava, mas não era

complementado por ações mais permanentes, que estimulassem a reflexão sobre a produção

local e também o seu incremento (ALBINATI, 2006).

Com as descontinuidades geradas pelas mudanças de governo, o baixo orçamento destinado à

cultura e o pouco peso político dado à instituição em todas as gestões que se seguiram, a FGM

não conseguiu se firmar como referência para as políticas culturais de Salvador. Na recente

gestão do professor Paulo Costa Lima (2005 a 2007), tentou-se restabelecer o diálogo com os

46

Sinopse do Projeto Boca de Brasa, FGM/PMS, setembro de 1987. Acervo da Fundação Gregório de Mattos.

47

Relatório do projeto Boca de Brasa – 1986. Acervo da Fundação Gregório de Mattos.

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bairros populares da cidade – foco das ações prioritárias desta gestão –, mas a interrupção dos

projetos com a saída do dirigente, determinada pela reestruturação do quadro partidário da

Prefeitura, não permitiu que esse diálogo se consolidasse como desejado.

No Governo Estadual, até 1974, quando foi criada a Fundação Cultural do Estado da Bahia –

FCEBA e depois FUNCEB48

, a cultura era parte das atribuições do DESC – Departamento de

Ensino Superior e Cultura, da Secretaria de Educação e Cultura. A criação de uma instituição

exclusivamente voltada à questão cultural trouxe novas perspectivas para o campo cultural da

cidade.

Segundo o primeiro estatuto da FUNCEB, a finalidade da instituição seria preservar o acervo

cultural constituído; promover a dinamização e criação da cultura; difundir e possibilitar a

participação da comunidade no processo de produção cultural. Entretanto, nos primeiros anos

de atuação “as ações empreendidas pela instituição, de modo geral, não passavam de meras

reproduções de uma cultura erudita, baseada em valores europeus e difundida com o objetivo

de despertar nos baianos o interesse pelas artes, de modo que não se pensava na inserção da

identidade cultural local” (FONSECA et al, 2004). Vale destacar que entre 1974 e 1979, a

instituição teve quatro diretores diferentes, vivendo um momento inicial de instabilidade.

A partir de 1979, com a nomeação de Geraldo Machado para a direção geral da Fundação

(1979 a 1983), durante o segundo governo de Antonio Carlos Magalhães (mesmo período), a

instituição passou a ser reconhecida de fato como órgão gestor de políticas culturais. Segundo

a escritora Myriam Fraga, “naquela época da Revolução, a Fundação Cultural era uma espécie

de território de resistência, a gente sabia que podia ter ali um pouco mais de liberdade (...).

Certas pessoas que eram mal vistas pelo regime, ali tinham uma espécie de porto seguro”

(FONSECA et al, 2004, p.45). Mesmo dentro do regime militar e de uma gestão carlista, a

FUNCEB tinha relativa autonomia para formular políticas culturais, abrigando em seus

quadros importantes artistas e intelectuais, inclusive os de esquerda.

Ao passo em que tentava interiorizar suas ações, elaborando e captando recursos para o

projeto de construção de Centros de Cultura em cidades pólo no interior do estado, a

48

A Fundação já havia sido instituída desde o final de 1972, com a Lei 3.095, de 26 de dezembro, mas passou a

funcionar somente em 1974, com a publicação do Decreto 23.944, de 23 de janeiro.

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Fundação desenvolvia uma série de projetos em Salvador, especialmente nos bairros

populares da cidade, com o viés sócio-cultural, a exemplo dos projetos História dos Bairros

de Salvador e Dinamização Cultural nos Bairros. Este último integrava o PRODASEC

Urbano – Programa de Ações Sócio-Educativas e Culturais para as Populações Carentes

Urbanas, do Ministério da Educação e Cultura, que teve uma importante atuação no bairro de

Alagados, como veremos em seguida.

Neste período, a empresa pública encarregada da realização do Plano de Urbanização de

Alagados, a então AMESA – Alagados Melhoramentos S/A, deu início à implantação de uma

série de equipamentos culturais em bairros populares da cidade, dentre eles o Cine-Teatro

Alagados. A construção dessa rede de equipamentos, apesar de configurar claramente uma

ação de política cultural, se deu independentemente de qualquer entendimento com os órgãos

então responsáveis pela área de cultura.

Já em 1987, após a criação da Fundação Gregório de Mattos pela Prefeitura, o governo Waldir

Pires (1987 a 1989) constituiu a Secretaria Estadual de Cultura49

, capitaneada por José Carlos

Capinam. Apesar deste ato, que demonstra o reconhecimento da importância da cultura entre

os objetos de políticas públicas, a nova Secretaria encontrou dificuldades para implantar uma

política nova. Para a Fundação Cultural, teve início um novo período de instabilidade, com a

passagem de quatro diretores entre 1987 e 1990. Em 1989, a instituição passou a se chamar

Fundação das Artes, alteração que redirecionava o rumo de sua atuação apenas para as

linguagens artísticas, mudando o foco que havia sido lançado sobre as ações sócio-culturais.

Com a nova mudança de governo, a Secretaria foi então extinta50

e a Fundação Cultural ficou

sob a gestão de José Augusto Burity, entre 1991 e 2003. O mais longevo diretor da

instituição, que a administrou durante 12 anos, teve uma atuação marcada pela realização de

eventos (FONSECA et al, 2004). Em 1995 foi criada a Secretaria de Cultura e Turismo –

SCT51

, a que a FUNCEB passou a ser subordinada. A SCT fundia os dois temas em uma só

pasta, dentro de uma visão da cultura como recurso para a dinamização da atividade turística.

49

Lei 4.697, de 15 de julho de 1987.

50

Lei 6.074, de 22 de maio de 1991.

51

Lei 6.818, de 18 de janeiro de 1995.

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Diante do novo cenário político e institucional, a FUNCEB conseguiu manter alguns poucos

projetos de caráter sócio-cultural, agora ampliados para o interior do estado, através dos

Centros de Cultura.

A fragilidade institucional da Fundação Gregório de Mattos, que deveria, a partir de sua

criação em 1986, assumir um lugar destacado na elaboração das políticas culturais para a

cidade, buscando compreender o universo micro dos bairros e localidades, deixou em aberto

este campo de atuação e sem apoio ou interlocução governamental uma grande parcela do

público das políticas culturais.

Conforme BOTELHO, é sabido que

a ação sociocultural é, em sua essência, ação micro que tem no Município a

instância administrativa mais próxima desse fazer cultural. Embora esta deva

ser preocupação das políticas de todas as esferas administrativas, o

distanciamento que o Estado e a Federação têm da vida efetiva do cidadão

dificulta suas ações diretas. No entanto, é claro que não as impede. Em

primeiro lugar, seu apoio as legitima politicamente. Em segundo, estas duas

instâncias podem ter ações diretas, mas sempre em parceria com o nível

municipal – que deve ser sempre o propulsor de qualquer ação conjunta

(2001, s/p).

O que se observou em Alagados a partir de 1980, quando teve início a primeira ação de

política cultural implementada pelo Estado no bairro, foi o contrário do que defende

BOTELHO. Enquanto a esfera municipal não assumia a responsabilidade sobre a elaboração

das políticas culturais nos bairros, o governo estadual, através da Fundação Cultural do

Estado, resolveu atuar neste campo, sem articulação alguma com o Município.

O Governo do Estado tomava como referência, então, a experiência adquirida pelo Governo

Federal, que desde a década de 30 vinha formulando políticas culturais e vivia um período de

fortalecimento institucional da cultura dentro do MEC.

Para fazer frente ao risco de descaracterização da cultura nacional face ao

potencial perigo trazido pela modernização do país e o conseqüente

descontrole a partir da invasão no mercado cultural, reforçou-se a

necessidade de promoção dos valores nacionais, através de grandes

campanhas ufanistas de veiculação nacional (BRUM, 2006, p.85).

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Já no final do regime militar, na segunda metade da década de 70, foram criados diversos

órgãos atuantes em políticas culturais: Fundação Nacional das Artes – FUNARTE e Centro

Nacional de Referência Cultural, em 75, com a Elaboração do primeiro Plano Nacional de

Cultura; Conselho Nacional de Cinema – CONCINE e RADIOBRÁS, em 76; Fundação Pró-

Memória e Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, em

1979; INACEN – Instituto Nacional de Artes Cênicas, junto com a Secretaria de Cultura do

MEC, em substituição à antiga Secretaria de Assuntos Culturais, em 1981. O atual Ministério

da Cultura, só veio a ser constituído em 1985.

A preocupação do Governo Federal com políticas culturais atentas às realidades locais (ou à

questão territorial, como destacamos) gerou documentos importantes, que sintetizavam essas

reflexões e que poderiam orientar as políticas dos estados e municípios. Em 1981 foi

publicado o documento Diretrizes para a operacionalização da Política Cultural do MEC,

em que o Ministério apontava para a necessidade de atuação dos três entes federativos como

um sistema, em prol da produção cultural e da preservação do patrimônio histórico. No

mesmo ano, foram criadas no MEC as Secretarias de Patrimônio e de Cultura. Esta última,

sob o comando do secretário Aloísio Magalhães (1981 a 1982), criou uma linha programática

chamada Interação entre educação básica e os diferentes contextos culturais existentes no

país, que financiou com recurso do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação mais

de 200 projetos em todo o país. (BRUM, 2006).

A solidez do projeto federal emprestou suas diretrizes para o trabalho do Governo Estadual,

que ainda começava a se estruturar. O PRODASEC Urbano – Programa de Ações Sócio-

Educativas e Culturais para as Populações Carentes Urbanas financiou e definiu as linhas

gerais do que seria a atuação da Fundação Cultural da Bahia nos bairros de Salvador. Era,

portanto, uma ação de perfil eminentemente municipal, formulada pela esfera federal e

executada pela estadual, sem qualquer envolvimento do Município.

4.1.1 Projeto Dinamização Cultural nos Bairros / PRODASEC Urbano (1980-1982)

Dinamização Cultural nos Bairros foi o nome dado, na Fundação Cultural do Estado da

Bahia, à etapa local do PRODASEC Urbano – Programa de Ações Sócio-Educativas e

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Culturais para as Populações Carentes Urbanas, projeto implantado pelo Ministério da

Educação e Cultura em março de 1980 e viabilizado em Salvador pela FUNCEB, entre

setembro de 1980 e dezembro de 1982. A Fundação se organizava então em Grupos de

Trabalho temáticos (Bairros, Interior, Memória e Educação) e este projeto ficou a cargo do

Grupo de Trabalho Bairros.

Segundo relato da assistente social Cristina Valle, colaboradora da Fundação Cultural que

coordenou a implantação local do projeto, a iniciativa visava o

fortalecimento e revitalização da identidade cultural das populações dos

bairros; incentivo e apoio à criação e divulgação de suas manifestações

expressivo-simbólicas; facilitação do intercâmbio e difusão da produção de

outros segmentos junto às mesmas; formação de agentes multiplicadores de

ação sociocultural de natureza processual, participativa, criativa e educativa”

(FONSECA et al, 2004).

Em Salvador, o PRODASEC atuava em três linhas: Oficinas de Criação e Expressão Artística

(nas áreas de teatro, dança, música, cerâmica, teatro de bonecos, capoeira e maculelê), ações

de Comunicação Sócio-Cultural (através da linguagem audiovisual) e Apoio ao Produtor

Cultural (realização de eventos com resultados das oficinas, empréstimo de equipamentos

para produções locais, cursos e treinamentos técnicos e assessoria para a produção de

eventos).

Ao longo do projeto, foram atingidos um total de 39 bairros. As ações de comunicação

sociocultural e apoio ao produtor eram as mais difundidas, tendo atendido a 27 e 24 bairros,

respectivamente. Já as oficinas de criação e expressão artística foram ministradas em apenas 5

bairros, num total de 25 oficinas. Em apenas 3 bairros foram implementadas as três linhas do

projeto: Cabula, Nova Brasília e Alagados.

Um relatório publicado em 1983, sobre a implantação do projeto nos bairros de Salvador

revela que os objetivos e métodos adotados nas oficinas de expressão e criação artística não

eram exclusivamente voltados para o aprendizado e aperfeiçoamento estético da linguagem ou

manifestação em questão – teatro, dança, capoeira, etc. As linguagens artísticas e

manifestações culturais eram encaradas como ferramentas de transformação social, o que é

expresso nos depoimentos de participantes apresentados no referido relatório. A autoria dos

depoimentos não foi identificada no documento, mas muitos deles se referem a aspectos desta

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experiência que estão além do aprendizado de arte; aspectos relativos à sociabilidade, à vida

cotidiana e até à auto-estima:

“hoje nos sentimos capazes de tomar decisões”, “conheci muitas pessoas e vi

que com a ajuda de todos as coisas se tornam mais simples de resolver”,

“descobri as minhas dificuldades e as minhas facilidades e tenho mais

condições de viver com elas”, “o bairro é triste, sem movimento, a gente

animou o bairro”.52

A principal intenção declarada do projeto, ao menos da sua implantação pela Fundação

Cultural, era “revitalizar a identidade cultural nos bairros”. O uso dos termos “revitalização”

ou “identidade”, mesmo o texto não explicando que entendimento se tinha deles, poderia

revelar um sério problema conceitual do projeto, considerando o caráter de fixidez e

imutabilidade trazido pelo termo identidade, que comparece com freqüência nos discursos

sobre políticas culturais, quase sempre associado a ações como “revitalização”, “resgate” ou

“preservação”. Fazer reviver uma certa identidade – que identidade seria esta? Como

fotografá-la para depois imitá-la? – equivaleria a determinar que aspectos culturais de uma

população devem ser difundidos para o conjunto desta população, congelando suas

possibilidades simbólicas.

Ao rechaçar o uso recorrente da idéia de identidade nos discursos sobre políticas culturais,

ALBUQUERQUE JR. defende a singularidade como premissa verdadeira:

A singularidade é a afirmação do movimento, do devir, a identidade é o

medo do devir, é a afirmação da estaticidade, da fixidez, da paralisia. Não

precisamos de identidade para existir, nada na natureza ou na cultura existe

na identidade, mas sim na diferença, na diversidade, na mudança, na

mutação, na coalecência, na coexistência, na convivência, na mistura, na

informação (2007, p.21-22).

Considerando que não existe a possibilidade de que as atividades culturais “se repitam no

tempo sem mudanças de sentido, de significado, sem deslocamentos nos próprios arranjos dos

rituais, dos objetos, dos motivos, dos temas, dos próprios agentes e de lugares onde se realiza”

(ALBUQUERQUE JR, 2007, p.15), revitalizá-las seria inseri-las em um universo onde já não

têm o mesmo ou nenhum sentido.

52

Relatório Projeto Dinamização Cultural nos Bairros: Síntese de uma Experiência. Salvador, 1983.

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No entanto, o uso generalizado da idéia de identidade demanda mais atenção à análise das

práticas do que aos discursos, já que as mais diversas ações carregam a bandeira identitária,

muitas vezes sem maiores implicações em sua concretização.

No caso do PRODASEC e, em especial, da atuação do projeto no bairro de Alagados, a

variedade das ações implementadas faz pensar que não se tratava de um esforço de

congelamento cultural e sim de uma tentativa de reconhecimento do território como base para

a criação cultural. Nesse sentido, envolvia necessariamente as organizações locais e grupos

culturais já existentes nos bairros.

Segundo o relatório citado anteriormente, a execução do projeto foi norteada pelas seguintes

idéias e procedimentos:

Desenvolvimento de atividades que correspondessem aos interesses

explicitados e às possibilidades de realização pelo projeto, após um

planejamento conjunto entre grupos/organizações e equipe técnica;

Implantação gradativa, sem sobrecarga e alteração do ritmo natural dos

grupos/organizações; Realização de novas atividades, a partir das iniciais,

segundo o curso normal dos fatos, procurando-se caminhar do mais simples

para o mais complexo; Reflexão constante e conjunta – equipe e

participantes – sobre a prática cultural e o andamento, buscando-se

diferentes formas de avaliação individual e grupal.53

A linguagem escolhida para o trabalho em Alagados foi o teatro, porém o formato adotado no

bairro era diferente daquele estabelecido como padrão para o projeto. A primeira oficina de

teatro realizada no bairro foi ministrada por quatro professores – Guilherme Marback, Jair

Assumpção, Beto Roquenzel e Ilona Filet. O grupo de atores trouxe para Alagados sua

experiência com a Companhia Paulista de Teatro, de que eram integrantes e que havia

montado dois anos antes, em 1978, o espetáculo Macunaíma, com o reconhecido diretor

Antunes Filho.

Não se tem informação sobre o motivo da escolha de Alagados como sede de oficinas do

projeto, mas sabe-se que o bairro havia ganho projeção nacional, pela precariedade em que

viviam seus moradores, especialmente com a visita do Papa João Paulo II, que veio ao bairro

em 1980, ocasião em que inaugurou a Paróquia de Nossa Senhora dos Alagados.

53

Relatório Projeto Dinamização Cultural nos Bairros: Síntese de uma Experiência. Salvador, 1983.

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81

Para a implantação das oficinas, o PRODASEC buscava sempre um parceiro local, que cedia

o espaço de realização das atividades e colaborava na divulgação e inscrição de participantes.

Em Alagados, a instituição parceira, que sediou as oficinas, foi a Escola Polivalente San

Diego, situada no Final de Linha do Uruguai.

O grupo de crianças e adolescentes que participaram das oficinas se formou a partir de

estímulos e interesses diversos:

Eu fui indicada por uma das minhas professoras pra fazer parte. Eu não

lembro por que. A gente tinha muita ligação com os professores e eles

tinham essa preocupação de a gente não ficar apenas com o que a escola

dava, mas que a gente participasse de outras coisas. Essa professora sempre

indicava alguns alunos que ela preferia investir, incentivar a procurar outras

coisas. Foi assim que eu fui incentivada pela minha professora de história,

chamada Marta, pra ir participar do grupo de teatro, pra gente se encontrar

com outros grupos de alunos que ela queria ver no futuro tomar conta do

grêmio.54

Quando a gente entrou na escola, eu tava na 7ª série, a gente ganhou o

grêmio e com o grêmio a gente negociou com o diretor da escola que

trouxesse teatro pra dentro da escola, porque a gente tinha vontade de fazer

teatro. Tinha músicos já dentro, a gente já fazia festa de São João, a gente

fazia toda movimentação dentro da escola e sentia isso, que eles percebiam

que havia uma valorização da comunidade.55

Na verdade eu fui, de certa forma, coagido por minha professora de

matemática, Ana Santana, que como tinha eu e um outro garoto “Reca”, nós

éramos muito... (risos) Ela disse “olha, eu tenho uma parada legal para vocês

aí. Vão fazer teatro. Vou falar com o pessoal para botar vocês no teatro”. Aí

também nós fizemos nossa condição “a gente entra no teatro, mas a gente sai

da aula de educação física. (...) Para mim foi uma novidade – acho que não

só para mim – porque a gente nunca tinha tido contato com o teatro.56

O número de inscrições para a oficina de teatro superou as expectativas da organização: as

aulas começaram com 167 alunos, de faixas etárias bastante diferentes. Os professores então

optaram por dividir os participantes em duas turmas, o que, segundo as entrevistas, foi feito

54

Jacira de Jesus Costa, membro do CAMA – Centro de Arte e Meio Ambiente e colaboradora da FUNCEB

lotada no Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 15 de maio de 2009, no Espaço Cultural

Alagados.

55

Jamira Muniz, educadora, atual coordenadora do Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 11

demaio de 2009, na Escola Comunitária Luiza Mahin.

56

Wanderlei Moreira, liderança do movimento cultural do bairro e coordenador do Espaço Cultural Alagados

entre 2007 e 2009. Entrevista cedida à autora em 03 de setembro de 2008, no Espaço Cultural Alagados.

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82

por critério de idade e também de porte físico. Dentre todos os inscritos, apenas 30 alunos

optaram por abdicar de suas férias escolares para continuar na oficina. Cada turma deu origem

a um grupo de teatro: os meninos mais novos ou de menor porte formaram o grupo infantil

chamado Sapinho Colorido e os mais velhos ou de maior porte formaram o grupo Explosão e

Aventura.

Segundo depoimentos dos participantes, a oficina não tinha a princípio o objetivo de montar

um espetáculo, mas ao longo dos trabalhos, os próprios alunos criaram textos que depois

quiseram apresentar. Foram então montados dois espetáculos, Um Bairro Chamado Alagados,

pelo grupo Sapinho Colorido, e Alagados, pelo grupo Explosão e Aventura.

E, sem querer, terminava os dois espetáculos funcionando um como

continuidade do outro. Era como se as crianças começassem com “Um

Bairro Chamado Alagados” e, em determinado momento, você dá o corte e

já começa a parte adulta, com “Alagados”, a visão já do adulto. E tanto um

quando outro se encerram com a chegada do Papa aqui, na inauguração da

Igreja, que foi um marco daqui de Alagados.57

A repetição da temática nesses espetáculos nos pareceu, em princípio, uma busca pela tal

identidade de Alagados, que buscaria identificar os jovens e crianças às condições precárias

da vida no bairro. No entanto, nas realizações posteriores foram trabalhadas diversas

temáticas, com a produção de textos próprios, porém explorando outros universos simbólicos,

e também com textos de outros autores, inclusive estrangeiros.

A busca de referências diversas era, aliás, uma preocupação presente não apenas nas oficinas

de Alagados (ao longo de pouco mais de dois anos foram realizadas quatro oficinas no bairro,

dando continuidade ao trabalho com o grupo de alunos inicial), mas também no projeto como

um todo. A atividade de Comunicação Sócio-Cultural era a mais empenhada nesse objetivo.

Enquanto os segmentos Oficinas e Apoio ao Produtor Cultural centravam-se

basicamente na produção representativa/expressiva dos bairros e na sua

respectiva difusão, o segmento Comunicação Sócio-Cultural levou àquelas

localidades outras informações, gerais e específicas, relacionadas também

aos interesses das populações, mas pelo seu próprio caráter quanto a

conteúdo, linguagem e veículo – cinema e audiovisual –, diferenciados dos

outros segmentos.58

57

Wanderlei Moreira, na mesma entrevista citada anteriormente.

58

Relatório Projeto Dinamização Cultural nos Bairros: Síntese de uma Experiência. Salvador, 1983.

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83

Vale notar também a relevância do PRODASEC para a formação de um movimento

cineclubista ancorado nos bairros populares de Salvador. Entre 1980 e 1982, o setor de

Comunicação Sócio-cultural do PRODASEC envolveu 38 grupos de cinema e cineclubes em

atividades de exibição audiovisual. Os grupos e cineclubes foram formados através de

treinamentos e do empréstimo de filmes e equipamentos de projeção.

Nem todos os grupos que participaram do PRODASEC neste período se consolidaram,

inclusive devido ao término do projeto em 1982, mas certamente essa ação de política cultural

implementada pelo Estado contribuiu para o avanço do movimento cineclubista em Salvador,

inclusive financiando a ida de alguns dos jovens membros dos cineclubes aos eventos de

articulação do movimento, como a XV Jornada Nacional de Cineclubes e II Encontro Latino

Americano de Cineclubes (Piracicaba - SP, em 1982) e a Pré-Jornada de Cineclubes de 1983

(Vitória - ES).

Voltando aos espetáculos montados a partir das Oficinas de Criação e Expressão Artística, as

primeiras apresentações foram realizadas na biblioteca do Colégio Polivalente, onde

aconteciam as aulas e ensaios. Dentro das ações de difusão da “produção

representativa/expressiva” dos bairros, o PRODASEC previa a realização de eventos

conjuntos, com mostras de resultados das oficinas implementadas. Em 1981 foram realizados

o I Circuito Cultural de Alagados, palco das primeiras apresentações dos grupos Sapinho

Colorido e Explosão e Aventura, o I Circuito de Lazer Cultural do Cabula e o Circuito de

Comemorações Natalinas.

Em 1982, os 5 grupos teatrais formados a partir da atuação do PRODASEC realizaram a

Jornada de Arte dos Bairros. Em 10 dias de programação o evento apresentou as atividades

dos grupos ligados ao projeto, mas também de diversos grupos existentes e atuantes nos

bairros populares da cidade, nas diversas linguagens artísticas.

A apresentação dos espetáculos produzidos em Alagados ganhou boa repercussão nos meios

de comunicação e gerou convites para a participação em outros eventos, como relata Isael

Barros, educador e primeiro coordenador do Espaço Cultural Alagados: “em 81 nós tínhamos

um espetáculo já montado. Fizemos uma apresentação na SBPC [encontro da Sociedade

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Brasileira para o Progresso da Ciência], lá em Ondina, e foi o maior público que já tivemos,

foram cinco mil pessoas assistindo ao espetáculo”.59

Em sua coluna de crítica teatral no Jornal da Bahia, em 1981, o ator Bemvindo Sequeira

comentou os espetáculos:

Maravilha! Maravilha o trabalho das crianças dos Alagados. Um dos mais

sérios trabalhos de teatro popular já desenvolvidos na Bahia. Talvez seja o

que Gramsci chamava de “formação de intelectuais orgânicos”. Ninguém

soprou nos ouvidos das crianças o que deveriam dizer. Tudo elaborado pelas

cabecinhas delas. (...) Parabéns ao pessoal do “Macunaíma” [espetáculo de

que participaram os atores que ministraram as primeiras oficinas de teatro

em Alagados], que levou um ano dando de si, emprestando-se para que as

camadas oprimidas tenham sua própria voz.60

Essa produção “que se fazia ouvir em toda cidade e que se tornou uma referência, no campo

dos trabalhos realizados com jovens e adolescentes de comunidades periféricas de Salvador”

(MOREIRA, 2007, s/p), possibilitou a inserção dos grupos de Alagados em um circuito local.

Sobre esse período, Isael Barros relata que “a gente conseguiu fazer alguns elos com a

Federação Baiana de Teatro Amador, conseguimos fazer alguns elos com o próprio teatro

Vila Velha, participando de oficinas, assistindo espetáculos, o pessoal vinha também ver

nosso espetáculo”.61

A repercussão dos primeiros espetáculos montados e o fortalecimento dos grupos começou a

causar transtornos à Escola Polivalente San Diego, onde as atividades ainda aconteciam,

ocupando improvisadamente os espaços da biblioteca e da cantina.

Durante o Circuito Cultural nós enchemos a biblioteca da escola toda. No

mês seguinte a gente passou alguns filmes. A gente percebeu que começou a

incomodar a direção da escola, que já não nos via mais com bons olhos,

porque a gente começou a levar a comunidade inteira pra lá. O objetivo era

que ficasse um grupo mais fechado, aí a gente levou todo mundo, encheu a

biblioteca, a cantina. Vieram outros grupos. (...) Foi nesse momento que a

gente percebeu que não dava pra gente ficar somente na escola. (...) A gente

foi procurar pessoas que pudessem ceder espaços, vimos diversos espaços

59

Isael Barros, educador e primeiro coordenador do Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 02

de setembro de 2008, na Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia. 60

Jornal da Bahia, 31 de julho de 1981.

61

Isael Barros, na entrevista citada anteriormente.

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85

abandonados que pertenciam à Prefeitura e ao Estado e fomos procurar saber

o que se podia fazer.62

Através de um dos professores dos grupos, Guilherme Marback, parente do então Secretário

da Educação do governo de Antonio Carlos Magalhães, Eraldo Tinoco, foi entregue ao

Secretário um abaixo-assinado reivindicando um espaço para os ensaios e apresentações dos

grupos locais. A reivindicação foi encaminhada ao governador que, em ano eleitoral, ordenou

a construção de um Cine-Teatro.

A gente queria um galpão com cadeiras, uma tela de projeção, um palco pra

apresentação e também um espaço pro povo da capoeira, uma coisa que a

gente pudesse administrar localmente. Aí a gente recebeu o golpe. ACM [o

então governador Antonio Carlos Magalhães] resolveu fazer uma coisa que

era tão maravilhosa e não ia deixar com a gente. A gente ganhou, mas não

levou.63

O grupo foi crescendo, foi crescendo dentro da Escola, sempre com

dificuldades, a gente tirava carteira, botava carteira... Eis que um dia aparece

uma conversa, de que a AMESA ia construir o teatro. Foi dito isso, não me

lembro por quem, mas a partir desta mensagem eles viram o teatro ali por

eles, eram eles que estavam merecendo ter aquele teatro.64

4.1.2 Cine-Teatro Alagados

A demanda por um espaço cultural que proporcionasse melhores condições de trabalho e

evitasse indisposições com a direção da Escola Polivalente teve o apoio dos moradores,

através do abaixo-assinado, e seu atendimento foi aguardado com expectativa pelos

integrantes dos grupos culturais locais.

A AMESA estava aí e na época, as casas eram feitas de madeirite. A gente

pensava “se pedir de concreto ela não vão dar”, porque estavam fazendo de

madeirite, então pede o galpão de madeirite. E aí veio o Cine-Teatro. (...) A

gente não esperava que viesse essa coisa grandona do jeito que veio, a gente

62

Jacira de Jesus Costa, membro do CAMA – Centro de Arte e Meio Ambiente e colaboradora da FUNCEB

lotada no Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 15 de maio de 2009, no Espaço Cultural

Alagados. 63

Jacira de Jesus Costa, na entrevista citada anteriormente.

64

Sue Ribeiro, teatróloga e professora de teatro em Alagados durante a década de 80, pela Fundação Cultural do

Estado da Bahia. Entrevista cedida à autora em 12 de maio de 2009, na Secretaria de Cultura Estadual.

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queria um galpão de madeirite, só para ensaiar. Como veio esse monstrão, a

gente não atentou para a questão da administração.65

Em 28 de janeiro de 1982 foi inaugurado o Cine-Teatro Alagados, um espaço cultural com

formato tradicional, palco italiano, camarins e uma sala para oficinas. A sala principal,

equipada com dois projetores de filmes de 16mm, dois de 35mm e tela de cinema de 4x8m

tinha capacidade para 250 espectadores.

O informe publicitário relatava as melhorias já feitas no bairro e anunciava a inauguração do

Cine-Teatro como uma espécie de fechamento dos trabalhos:

O Governo do Estado, através da Setrabs/Amesa, entrega, hoje, o primeiro

cineteatro em Alagados, de uma série de outros que serão implantados nos

bairros periféricos de Salvador. Um cineteatro que será também, clube social

e centro de múltiplas atividades artístico-culturais. Essa guinada da história

de Alagados só foi possível graças à força de trabalho do Governo Antônio

Carlos Magalhães, que, com mais essa obra, está transformando a Velha

Alagados numa nova realidade com um final feliz.66

Segundo alguns dos entrevistados, a construção de um edifício tão imponente, considerando o

padrão construtivo do bairro na época, surpreendeu os moradores e, em especial, os grupos

que haviam se mobilizado para apresentar tal demanda ao Governo. Segundo Wanderlei

Moreira (Metrô), “muitas pessoas se sentiam até intimidadas mesmo de entrar... Mas depois

iam, entravam e tal”.67

A construção, em alvenaria, foi a primeira da área hoje conhecida

como Final de Linha do Uruguai com este material, realizada pela então AMESA no

momento em que a área se consolidava, com a construção dos barracos-padrão ou embriões,

feitos de madeirite.

A arquitetura do Cine-Teatro (figura 4) não sugere que seja um espaço cultural; pela fachada

do edifício, poderia tratar-se também de um posto de saúde, delegacia ou qualquer outro

prédio público. Além da despreocupação com a qualidade estética do edifício do Cine-Teatro

e com sua inserção naquele ambiente, o projeto apresenta alguns aspectos que determinam,

em princípio, limitações ao uso. O modelo escolhido de palco, do tipo italiano, delimita de

65

Wanderlei Moreira, liderança do movimento cultural do bairro e coordenador do Espaço Cultural Alagados

entre 2007 e 2009. Entrevista cedida à autora em 03 de setembro de 2008, no Espaço Cultural Alagados. 66

Jornal Correio da Bahia, 28 de janeiro de 1982 (informe publicitário).

67

Wanderlei Moreira, na entrevista citada anteriormente.

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87

forma estanque os lugares do artista e do público, dificultando a realização de espetáculos

com propostas mais ousadas, no sentido de possibilitar que os espectadores se sentissem

também sujeitos da cultura. O foyer, espécie de ante-sala que dá acesso à sala de espetáculos,

é diminuto, impedindo a concentração do público antes e depois dos espetáculos e

dificultando a realização plena da sociabilidade que envolve uma ida ao teatro ou ao cinema.

Figura 4 – Fachada do Cine-Teatro Alagados

Fonte: Jornal A Tarde, 10 de março de 1987.

Independente de sua forma, o Cine-Teatro foi recebido por grande parte dos moradores como

um presente, como fazia supor o Governador Antonio Carlos Magalhães em seus freqüentes

discursos de inauguração de obras em Alagados. Para muitos dos moradores o Cine-Teatro

com acesso gratuito possibilitou seu primeiro contato com o cinema e outras artes.

Joselito Crispim, diretor do Grupo Cultural Bagunçaço, conta brincando que “houve uma

moda de inverno nos Alagados por conta do ar condicionado do Cine-Teatro”.

Nesse período que criaram o teatro, foi a primeira vez que eu fui ao cinema.

Eu lembro que tinha um tio meu que era meio andarilho, vivia sempre fora e

apareceu naquela época trazendo umas botas gaúchas, daquelas. Lembro que

eu botei aquela bota gaúcha, porque ir ao teatro, ao cinema, era a coisa mais

espetacular do mundo (...) e lá vou eu de calça e bota pro teatro, pra uma fila

que não tem mais tamanho, pra assistir Os Trapalhões.68

68

Joselito Crispim, Arte-educador e diretor do Grupo Cultural Bagunçaço. Entrevista cedida à autora em 08 de

maio de 2009, na sede do Grupo Cultural Bagunçaço.

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88

Mestre Pedro Pé-de-Ferro, diretor da Academia de Capoeira Filhos do Sol Nascente, que hoje

ocupa as ruínas do Cine-Teatro, relata as suas impressões da época em que o espaço estava

em funcionamento.

No começo era tudo bom, né? A comunidade ficou muito contente com isso.

Todos participavam, vinham participar. (...) Eu sempre vinha, fazia show,

vinha representar com o grupo de teatro, com o grupo de capoeira... Eu

sempre era chamado, sempre bem visto como é até hoje. (...) Isso aqui ficava

cheio de gente, tinha a parte que o pessoal apresentava, o pessoal gostava

muito, sempre tinha gente aqui dentro. Até Michael Jackson [um capoeirista

do bairro fazia cover do artista] tinha aqui dentro, que apresentava e o

pessoal gostava muito.69

Ronaldo Bonfim, antigo bilheteiro do Cine-Teatro, hoje funcionário da CONDER (empresa

que absorveu os funcionários da HAMESA quando de sua extinção), relata com entusiasmo

suas impressões sobre o funcionamento do Cine-Teatro Alagados:

Ah, era porreta, era bacana! As atividades eram música, teatro, cinema...

Mas cinema principalmente. De terça a domingo tinha cinema, todos os dias,

as nossas folgas eram segunda-feira. (...) O pessoal amava, rapaz! Todas as

sessões eram cheias, casa cheia. (...) Lotava, lotava! Isso aí [apontando na

direção do Cine-Teatro] era uma farra! Isso aí ficava cheio! Quando era dia

de sábado e domingo a comunidade vinha toda. E de outros lugares, Lobato,

Massaranduba...70

Se é verdade que a forma condiciona os usos dos espaços, é a sua gestão que determina se

esses usos poderão ou não ser subvertidos, transformados em outros de acordo com os

interesses e necessidades dos públicos. Assim, a apropriação efetiva de um edifício público

depende em boa medida da sua gestão. Nesse aspecto, o Cine-Teatro teve uma atuação um

tanto controversa.

É importante lembrar que, passados dezoito anos da inauguração do Cine-Teatro, a memória

de cada entrevistado reescreve essa história de uma forma, o que dá certa imprecisão a alguns

detalhes. Como não foi possível confrontar as entrevistas com dados documentais da época,

optamos por destacar essas imprecisões quando ocorrerem.

69

Mestre Pedro Pé-de-Ferro, diretor da Associação de Capoeira Filhos do Sol Nascente, que desde 1991 ocupa

as ruínas do antigo Cine-Teatro Alagados. Entrevista cedida à autora em 08 de maio de 2009, no Cine-Teatro

Alagados.

70

Ronaldo Bonfim, funcionário da CONDER e morador do bairro, foi bilheteiro do Cine-Teatro Alagados.

Entrevista cedida à autora em 25 de abril de 2009, no Espaço Cultural Alagados.

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89

Dois depoimentos de ex-participantes do grupo Explosão e Aventura sobre a participação do

grupo na inauguração do Cine-Teatro demonstram como a história hoje é contada de forma

diferente por cada testemunha. Segundo Jacira Costa, “no primeiro momento foi muita

felicidade, a gente viu nosso sonho realizado. Veio todo mundo. Nós fomos apresentados

como os responsáveis”.71

Já Isael Barros relata que “no dia da inauguração, nós, inclusive, em

protesto não entramos”.72

As informações sobre as relações institucionais em torno de Cine-Teatro são, talvez, as que

mais apresentaram contradições, se tomarmos as falas dos entrevistados de diferentes grupos e

os relatos publicados pelos jornais. Em alguns depoimentos a então AMESA aparece como

único agente do Estado a se relacionar com o Cine-Teatro, centralizando desde o custeio e

manutenção até a programação. Outras vezes, a Fundação Cultural foi citada como

colaboradora quanto à programação, tanto por matérias anteriores à inauguração do Cine-

Teatro como em depoimentos sobre as atividades já da fase de decadência. Outras entidades

vinculadas ao Governo Estadual, como a Superintendência de Desenvolvimento de

Comunidades, o Instituto do Patrimônio Artístico Cultural e o Movimento de Ação Integrada

Social – MAIS (administrado pela primeira-dama do Estado), também foram citados como

responsáveis pela gestão do espaço cultural, mas essa citação não foi recorrente, o que faz crer

que tenham sido articulações não concretizadas ou então muito fugazes.

Em seu primeiro ano de funcionamento, 1982, o Cine-Teatro teve dois gestores diferentes,

que ficaram no cargo por um curto período. Já em abril de 1983, o ator Leonel Nunes foi

convidado pelo então presidente da HAMESA (a empresa havia mudado de nome e objetivos

em março do mesmo ano), Luiz Gonzaga, para trabalhar em Alagados, coordenando não

apenas aquele Cine-Teatro, mas também outros espaços que o Governo acabara de implantar

71

Jacira de Jesus Costa, membro do CAMA – Centro de Arte e Meio Ambiente e colaboradora da FUNCEB

lotada no Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 15 de maio de 2009, no Espaço Cultural

Alagados.

72

Isael Barros, educador e primeiro coordenador do Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 02

de setembro de 2008, na Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia.

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90

em alguns bairros populares de Salvador – a saber, Beiru, Sieiro, Liberdade e Plataforma73

– e

na cidade de Lauro de Freitas.

No entanto, a relação com o movimento cultural já existente no bairro de Alagados demandou

a maior atenção do coordenador a este Cine-Teatro, pois, diferentemente do que ocorreu nos

outros bairros, a construção do Cine-Teatro em Alagados foi fruto de uma demanda dos

grupos locais e gerou entre estes grandes expectativas quanto ao futuro de sua atividade.

Quando ingressei no Cine-Teatro de Alagados a minha primeira proposta foi

abrir o espaço para os artistas da comunidade, que até aquela altura

frequentavam apenas o Cine-Teatro para assistir aos filmes programados

semanalmente. Isso era muito pouco, pois o Cine-Teatro, dotado de um bom

palco e espaço para desenvolver atividades culturais, não era cedido à

comunidade. As dificuldades sempre foram de ordem política, pois a

comunidade rejeitava a forma como os governantes atuavam. O teatro foi

construído e assim achavam que a comunidade estaria satisfeita em ficar

assistindo filmes e mais filmes, sem poder desenvolver nenhuma outra

atividade.74

Para alguns grupos e artistas que não estiveram ligados ao movimento em prol da construção

de um espaço cultural em Alagados, a possibilidade de se apresentarem eventualmente

naquele palco atendia às suas necessidades, mas para os membros dos grupos Sapinho

Colorido e Explosão e Aventura, formados a partir do PRODASEC, a impossibilidade de

participação na gestão do espaço frustrava suas expectativas.

Antes de inaugurado o espaço, o Jornal Correio da Bahia, cujo conteúdo equivalia ao de uma

publicação oficial do Governo, pois o veículo é de propriedade da família do então

governador, afirmava qual seria o papel do Cine-Teatro: “Ele dará condições para que haja

um maior desenvolvimento cultural em Alagados, onde já funcionam alguns grupos de teatro

e de dança”.75

73

O próprio Leonel Nunes quando entrevistado não conseguiu se lembrar de todos os bairros contemplados com

esses espaços.

74

Leonel Nunes, ator e coordenador do Cine-Teatro Alagados entre 1983 e 1986. Entrevista cedida à autora por

e-mail, no dia 27 de abril de 2009.

75

Jornal Correio da Bahia, 15 de janeiro de 1982.

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A intenção de abrir o espaço para os grupos locais era sempre reiterada no discurso oficial,

conforme outra matéria, publicada com dois meses de funcionamento do Cine-Teatro, que

apresentava o relatório do andamento das intervenções do Governo Estadual em Alagados:

“[o Cine-Teatro] dentro em breve não exibirá somente filmes: será também o palco para a

apresentação dos 32 grupos de teatro, de música e de dança que existem no bairro e que até

hoje ensaiam e se apresentam nas igrejas, escolas e ruas”.76

Após cinco meses de atividades no Cine-Teatro, uma nova matéria relatava o excelente

resultado de público obtido no período:

Inaugurado há cinco meses, o Cine-Teatro Alagados já se consolidou como

opção de lazer para a população da área. Nesse período ele foi freqüentado

por cerca de 40 mil pessoas, a maioria criança e adolescentes. (...) Nas

terças, quartas, quintas e sextas há duas sessões, às 17 e 20h. Nos sábados e

domingos, são quatro sessões, a partir das 14h.77

De acordo com essas informações, o Cine-Teatro teria realizado, em cinco meses de

atividades, cerca de 320 sessões, tendo uma média de 125 espectadores a cada sessão, ou seja,

50% da lotação do espaço (que era de 250 espectadores). O grande número de sessões e o fato

de terem sempre “casa cheia” foram afirmados também por vários dos entrevistados. Mesmo

assim, a matéria revelava a preocupação dos gestores em adequar a programação aos

interesses dos moradores.

Os filmes são trocados semanalmente e a preferência é dada aos filmes

nacionais. Dentre os 20 já exibidos destacam-se “Pixote”, “Os Saltimbancos

Trapalhões”, “Chuvas de Verão” e “Tenda dos Milagres”. A programação

deste mês inclui “O Cortiço” e “Coronel Delmiro Gouveia”.

Para atender melhor à população, a Amesa está realizando uma pesquisa de

opinião junto aos moradores de Alagados, e caso se torne necessário, vai

redirecionar o funcionamento do Cine-Teatro. Também estão sendo

mantidos contatos com a Fundação Cultural do estado e com outros órgãos,

visando a apresentação de espetáculos de música, dança e teatro.78

76

Jornal Correio da Bahia, 25 de março de 1982.

77

Jornal não identificado, sem data de publicação. Recorte encontrado nos arquivos do Espaço Cultural

Alagados. Na matéria há referência à data de sua publicação, cinco meses após a inauguração do Cine-Teatro

(provavelmente, no mês de junho).

78

Jornal não identificado, sem data de publicação. Mesma matéria citada anteriormente.

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Durante dois anos, 1982 e 1983, o Cine-Teatro exibiu sessões diárias de cinema, além de

trazer para o bairro espetáculos destacados da cidade e de abrir espaço para a apresentação de

alguns grupos locais79

. A programação era elaborada pela então AMESA, que contava com

uma pequena equipe responsável pela rede de espaços culturais. Além dos filmes referidos na

matéria citada acima, nas entrevistas foram frequentemente citados os filmes d‟Os Trapalhões

e também filmes da Xuxa, além dos títulos internacionais, de super-heróis, como Superman e

Conan. Jacira Costa, que integrou o grupo Explosão e Aventura, faz uma ressalva quanto à

críticas dos grupos locais às atividades do Cine-Teatro:

Mesmo a gente não tendo acesso, é bom dizer que as atividades culturais

eram quase diárias. E tinha público, era interessante. Eles traziam muita

coisa do circuito comercial, principalmente cinema. No final ficou mais

projeção de cinema. Isso agradava a população local. Nos dois anos que eles

ficaram, fizeram muitas coisas.80

No entanto, o acesso à cultura que o Cine-Teatro proporcionava aos moradores de Alagados,

mesmo tendo sido sempre gratuito, era limitado à esfera da fruição e de conteúdos pré-

determinados. O morador tinha o direito de entrar e assistir o que estava sendo exibido. Para

os grupos locais, formados pelos novos sujeitos culturais do bairro, que já haviam constatado,

a partir da participação no PRODASEC, sua capacidade de realização, apenas este acesso era

muito pouco.

A atuação do Estado frente ao território popular de Alagados, através do Cine-Teatro ali

implantado, não se fazia dentro da lógica da cidadania, mas sim na do atendimento, propondo

uma programação fechada, sem possibilidades de participação. Alguns dos entrevistados,

inclusive o próprio Leonel Nunes, revelam que houve tentativas de diálogo entre o então

coordenador e os grupos que tinham interesse em participar da gestão do Cine-Teatro, mas as

propostas não foram viabilizadas.

Tinha uma relação [com Leonel e a AMESA], mas era complicada, (...) a

gente até tentou e eles também, só que não conseguiram, porque era acima

79

A matéria de jornal anteriormente citada relata que, ao menos até seu quinto mês de funcionamento, o Cine-

Teatro oferecia apenas sessões de cinema, no entanto, alguns dos entrevistados se referiram à realização de

shows e espetáculos de teatro, dança e capoeira no espaço.

80

Jacira de Jesus Costa, membro do CAMA – Centro de Arte e Meio Ambiente e colaboradora da FUNCEB

lotada no Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 15 de maio de 2009, no Espaço Cultural

Alagados.

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93

deles, o poder era mais diretamente do Governo na época, o Governo na

época era de ACM. Não se tinha diálogo, era contra o diálogo. Então, Leonel

até tentava, mas a gente via que não dava pra ter diálogo, porque era um

diálogo fechado, de comando... (...) A gente podia discutir a programação.

Só a programação. Depois de discutida com a gente passava por outro

processo lá, que era “isso aqui não pode, isso aqui não pode” e quando via já

vinha de novo remontada.81

Para os grupos locais, formados a partir da experiência com o PRODASEC, o erro já havia

sido cometido desde o princípio da construção do espaço, quando se determinou que caberia à

HAMESA, além de construir, administrar o Cine-Teatro. O histórico elaborado por Wanderlei

Moreira (Metrô), que integrou o grupo Sapinho Colorido, revela esse posicionamento:

A partir desta tomada de decisão foram estabelecidos os conflitos de

interesse, pois, a HAMESA, não tinha o conhecimento necessário para atuar

na área artístico-cultural. Sua atribuição era realizar obras, logo a

administração do uso do equipamento foi um desastre. Durante este período,

houve administradores totalmente despreparados para se relacionar com os

moradores das comunidades, ocasionando o afastamento e, até, a proibição

do acesso a grupos, artistas e representantes da comunidade, inclusive os

protagonistas da ação sócio-cultural, responsáveis pelo processo inicial de

reivindicação do Cine-Teatro Alagados (MOREIRA, 2007, s/p).

A partir de 1984, a HAMESA teve dificuldades em manter a programação, que deixou de ser

regular e acabou por ser suspensa. As obras da empresa em Alagados estavam sendo

concluídas e o escritório de campo também se esvaziava. A coordenação se retirou do espaço,

deixando apenas dois funcionários que abriam e fechavam o Cine-Teatro. Apenas três dos

funcionários lotados no espaço eram moradores do bairro: o bilheteiro Ronaldo, o servente

Francisco e o operador Eurico. A guarda do Cine-Teatro ficou a cargo dos dois primeiros,

que, diante da ausência do Estado e da população local, que nunca conseguiu se apropriar

daquele espaço, realizavam festas privadas, com finalidade comercial.

O Cine-Teatro só não tinha fechado porque nós ficamos um bom tempo com

ele. Eu fiquei com ele até 86. Eu tomava conta com outros colegas. A gente

usava o espaço pra final de semana fazer shows, fazer danceteria. Era isso

que a gente ganhava. Não perdemos o emprego, continuávamos recebendo,

porque a gente era funcionário da HAMESA (...). A gente vinha

eventualmente, não trabalhava. A gente ficou usando até 86. Usava como

morador, não como funcionário.82

81

Jamira Muniz, educadora, atual coordenadora do Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 11

de maio de 2009, na Escola Comunitária Luiza Mahin.

82

Ronaldo Bonfim, funcionário da CONDER e morador do bairro, foi bilheteiro do Cine-Teatro Alagados.

Entrevista cedida à autora em 25 de abril de 2009, no Espaço Cultural Alagados.

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94

As festas, com som mecânico, aconteceram seguidamente nos finais de semana, quando os

funcionários tiravam as cadeiras do Cine-Teatro, transformando a sala de espetáculos em pista

de dança. Ao fim de cada festa, os funcionários repartiam a arrecadação.

Outro relato de uso privado – e ilegal – foi feito pelo Jornal Tribuna da Bahia, em matéria de

1987, sobre o estado de degradação do Cine-Teatro.

O Cine Teatro dos Alagados chegou ao estado deplorável em que se

encontra depois da última campanha eleitoral, pois o espaço serviu de comitê

político do candidato a deputado estadual Luiz Gonzaga, ex-presidente da

Amesa, o que veio a acarretar muitos prejuízos ao Teatro e revolta dos

moradores.83

Nesse período, os grupos locais se organizaram em torno da criação da Comissão Cultural de

Alagados, anunciada com a organização de uma “vasta programação cultural que contou,

mais uma vez, com a participação de todos os grupos da comunidade e da vizinhança”

(MOREIRA, 2007, s/p). De volta à Escola Polivalente San Diego, o grupo se reuniu no

sentido de articular a reabertura do Cine-Teatro.

Depois que o Leonel saiu [em 1985] ficou esse vácuo. E a gente também não

entendeu na época essa saída dele. A gente começou a tentar negociar. Ele

até deu um incentivo à gente pra gente fazer um colegiado aqui, mas tudo o

que ele tentava, na verdade, era cortado. Ele era de diálogo, mas só que não

conseguia fazer esse diálogo, porque o que a gente propunha, cada proposta,

eles recusavam lá.84

Em 1987, com a eleição de Waldir Pires para o Governo do Estado, o Cine-Teatro se

encontrava fechado e todo o mobiliário da parte administrativa havia sido levado para o

escritório central da HAMESA (atual sede da CONDER, no bairro de Narandiba), que havia

concluído suas atividades de urbanização no bairro. Entre 1987 e 198885

, com a retomada das

ocupações em Alagados, na área onde hoje está o Conjunto João Paulo II, parte dos

83

Jornal Tribuna da Bahia, 28 de maio de 1987.

84

Jamira Muniz, na entrevista citada anteriormente.

85

Pelos depoimentos dos entrevistados, documentos disponíveis no Espaço Cultural Alagados e matérias em

jornais, não foi possível precisar a data da depredação. A maior probabilidade é que tenha ocorrido no segundo

semestre de 1987 ou nos primeiros meses de 1988.

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95

moradores invadiu o Cine-Teatro e, numa ação que durou dois dias, retiraram todo o

mobiliário restante, louças sanitárias, equipamentos de palco e todo material que pudesse ser

aproveitado na construção dos barracos ou então vendido.

Em quase todas as entrevistas realizadas para esta pesquisa, era perguntado aos entrevistados

a que atribuem o fato de o Cine-Teatro ter sido depredado.

Essa devastação tão pontual e tão rápida, o Estado não conseguiu barrar.

Lembro como se fosse hoje: a gente parava as viaturas na rua pedindo

socorro para que alguém refreasse aquilo e os policiais diziam que não

podiam fazer nada. Foi uma ação extremamente rápida, de dois dias. E

quando o Estado resolve vir até a comunidade para colocar tapumes, para

trazer um vigilante, enfim, já era tarde, já não se tinha mais nada. E nós no

gabinete batendo “acorda, secretário”, “V’ambora, secretário”. Então a

omissão do Estado foi assim, de um absurdo incomparável.86

Eu acho que a comunidade foi insuflada, alguns elementos da comunidade

foram insuflados pra isso. “Olha, vai lá, porque não tem nenhuma segurança,

vamos roubar”. Entraram e roubaram mesmo.87

Porque fez uma coisa bonita, mas não foi adiante. Porque foi abandonado.

Quer dizer, o espaço tava perfeito e foi fechado.88

Foi a revolta da comunidade contra o Estado. (...) O pegar uma cadeira, uma

cadeira azul, é também uma forma de dizer “vocês não me deixaram sentar

nessas cadeiras lá, então eu vou sentar aqui, dentro da minha casa”.89

Um fato sobre a depredação, contado hoje como anedota, revela a fragilidade – ou mesmo

inexistência – dos laços entre os moradores de Alagados e o Cine-Teatro, um espaço que

havia sido intensamente freqüentado por eles: “Houve um período em que você entrava aí

[apontando a direção do Conjunto João Paulo II] e tinha nas portas aqueles conjuntos de

86

Isael Barros, educador e primeiro coordenador do Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 02

de setembro de 2008, na Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia.

87

Leonel Nunes, ator e coordenador do Cine-Teatro Alagados entre 1983 e 1986. Entrevista cedida à autora por

e-mail, no dia 27 de abril de 2009.

88

Mestre Pedro Pé-de-Ferro, diretor da Associação de Capoeira Filhos do Sol Nascente, que desde 1991 ocupa

as ruínas do antigo Cine-Teatro Alagados. Entrevista cedida à autora em 08 de maio de 2009, no Cine-Teatro

Alagados.

89

Reinaldo Nunes, teatrólogo e ex-gerente dos espaços culturais da FUNCEB na capital, na década de 90.

Entrevista cedida à autora em 27 de abril de 2009, na residência do entrevistado, no bairro da Saúde.

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96

cadeiras, uma presa na outra, que eram as cadeiras azuis do Cine-Teatro”.90

A impossibilidade

de apropriação daquele espaço, de estabelecimento de uma relação de identidade com as suas

atividades, tornou-o apenas um edifício, destituído de significados. Mesmo considerando o

perfil das ocupações que aconteceram neste período, quando os novos moradores já não

tinham necessariamente qualquer relação (de parentesco, amizade ou conhecimento prévio)

com moradores antigos e com o bairro, a mobilização popular para impedir a depredação foi

insignificante – porque reduzida a um pequeno grupo –, se imaginarmos a quantidade de

moradores que freqüentavam as sessões do Cine-Teatro (40 mil apenas nos primeiros 5

meses) e que poderiam ter em relação ao espaço um sentimento de pertencimento.

Diante dessa não apropriação do Cine-Teatro pelos seus antigos freqüentadores, do fato de os

novos moradores não terem qualquer relação anterior com aquele espaço e da necessidade

premente de construção das casas durante a ocupação, os ocupantes deram novo uso àquele

edifício, então visto como um amontoado de materiais construtivos.

No entanto, dentro da narrativa do movimento cultural de Alagados sobre a sua existência e

importância, a conquista do Cine-Teatro é revestida de significados, existindo enquanto

memória da pujança do movimento quando as lideranças de hoje eram crianças e adolescentes

descobrindo seu potencial de realização – uma memória realimentada pela existência física do

espaço em ruínas – e também enquanto projeto comum de um movimento que a partir da

cultura entendeu sua força política.

4.2 Por um Espaço Cultural DE Alagados

Com a extinção da HAMESA, no Governo Waldir Pires, o Cine-Teatro foi colocado à

disposição da recém criada Secretaria de Cultura, que tinha à sua frente o compositor José

Carlos Capinan, fato que renovou as expectativas dos grupos ligados ao movimento cultural

do bairro quanto à possibilidade de reabertura do Cine-Teatro e do estabelecimento de uma

gestão participativa, que enfim contemplasse os grupos que haviam demandado a construção

daquele espaço.

90

Wanderlei Moreira, liderança do movimento cultural do bairro e coordenador do Espaço Cultural Alagados

entre 2007 e 2009. Entrevista cedida à autora em 03 de setembro de 2008, no Espaço Cultural Alagados.

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97

Após a completa depredação do espaço, entre 1987 e 1988, com perda de todo o mobiliário,

equipamentos e mesmo dos acabamentos do edifício, a negociação que vinha se estabelecendo

entre o movimento de cultura organizado de Alagados e a recém criada Secretaria se daria em

um novo patamar: agora, seria necessária uma completa reforma e reequipamento para que o

Cine-Teatro fosse colocado à disposição dos grupos.

Desde 1985, a partir dos conflitos de estabelecidos com a gestão do Cine-Teatro, o

movimento capitaneado pelos membros dos grupos Sapinho Colorido e Explosão e Aventura

havia formado a Comissão de Grupos Culturais de Alagados. Em 1988, após a depredação do

Cine-Teatro, o movimento, que já agregava instituições de diversos perfis e não apenas

grupos culturais, passou a se chamar Comissão Cultural Alagados. Diante do novo quadro, a

Comissão passava a ter duas metas principais: a recuperação do Cine-Teatro e a conquista de

um espaço provisório, para que as atividades culturais do bairro não ficassem sem abrigo até a

conclusão da reforma.

Através da Comissão Cultural, a comunidade conseguiu, mais uma vez, um

espaço para o desenvolvimento e apresentação dos seus trabalhos. Desta

vez, o espaço foi um anexo da Escola Polivalente San Diego, desativado já

há muito tempo. Após longas negociações entre a comunidade e a Secretaria

de Educação e Cultura, realizou-se uma ampla reforma no espaço que, desta

vez, atendeu às necessidades da comunidade. Coube, inclusive, à

comunidade a indicação de um morador da área para administrar o espaço.

Portanto, firmou-se uma parceria entre o Estado e a Comunidade

(MOREIRA, 2007, s/p).

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98

Figura 5 – Vista aérea do Fim de Linha do Uruguai

FONTE: elaborado pela autora sobre imagem do Google Earth.

Na sala cedida, que havia sido um laboratório da escola Polivalente, criou-se o Espaço

Cultural Alagados (figura 5), que entrou em funcionamento em 18 de janeiro de 89, sob a

administração da Fundação Cultural do Estado, autarquia vinculada à Secretaria de Cultura. A

gestão do Espaço, no entanto, estava a cargo de um membro do grupo Explosão e Aventura,

um dos protagonistas da história das políticas culturais em Alagados, Isael Barros, que tinha

então pouco mais de 20 anos de idade.

Enquanto o Cine-Teatro Alagados tinha 577m2 de área construída, a única sala do Espaço

Cultural Alagados (figuras 6, 7 e 8) não passava dos 180m2. No entanto, como declara Sue

Ribeiro, “ali, naquele lugar pequeno, eles fizeram um movimento enorme”.91

91

Sue Ribeiro, teatróloga e professora de teatro em Alagados durante a década de 80, pela Fundação Cultural do

Estado da Bahia. Entrevista cedida à autora em 12 de maio de 2009, na Secretaria de Cultura Estadual.

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99

Figura 6 – Atividade no Espaço

Cultural. Público acomodado

em arquibancadas de madeira e

no chão

Figura 7 – Oficina realizada no

Espaço Cultural

Figura 8 – Dançarinas se

preparando para espetáculo. Os

panos de palco foram

confeccionados com o apoio do

Centro Técnico do Teatro

Castro Alves

FONTE: acervo do Espaço Cultural Alagados.

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100

4.2.1 Comissão Cultural de Alagados e Federação Baiana de Teatro Amador

A gestão partilhada entre Estado e movimento social se deu através da nomeação de Isael

Barros para o cargo de coordenador do Espaço Cultural, mas para que se estabelecesse a

relação entre o Espaço e o território popular de Alagados, outras duas organizações foram

fundamentais: a Comissão Cultural Alagados e a Federação Baiana de Teatro Amador, que,

mesmo com algumas oscilações, atuaram no Espaço durante toda essa gestão, entre 1989 e

2000.

A formação da Comissão Cultural de Alagados, desde o princípio, pretendia aglutinar

entidades do bairro no sentido de impor ao Estado sua participação na elaboração das políticas

para a área. Enquanto entidade representativa do território, formada por organizações atuantes

nos diferentes segmentos das políticas públicas, a Comissão era uma forma de garantir que as

decisões tomadas coletivamente no bairro tivessem maior peso político.

Na medida em que o movimento foi ganhando força, o receio aumenta,

porque você começa a chamar mais a atenção do Estado. “Olha, tá

acontecendo coisa lá...”. Tinha um outro dado que a gente sempre foi

considerado como comunista e a maioria do período da gestão de Isael o

governo era de direita, então tinha também esse receio. Então você precisa

ter o suporte da comunidade por trás lhe segurando. E era justamente isso

que acontecia, então foi uma experiência muito positiva. Essa coordenação

do Isael foi uma experiência muito positiva pra gente. Foi um momento que

a gente cresceu muito aqui. A comunidade como um todo. O movimento.92

Essa atuação política da Comissão foi fundamental, por exemplo, para a conservação do

projeto de recuperação do Cine-Teatro, que ao longo dos anos foi diversas vezes cogitado

para a implantação de escolas de ensino fundamental, escola de música, academia de boxe,

quartel militar, posto de saúde, e sede de alguns grupos culturais do bairro, como o

Bagunçaço e a Academia de Capoeira Filhos do Sol Nascente. A atuação da Comissão junto

ao Estado vem conseguindo impedir que seja autorizada e formalizada a cessão do Cine-

Teatro para um uso diferente daquele para que o movimento cultural o solicitou.

92

Wanderlei Moreira, liderança do movimento cultural do bairro e coordenador do Espaço Cultural Alagados

entre 2007 e 2009. Entrevista cedida à autora em 03 de setembro de 2008, no Espaço Cultural Alagados.

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101

Entre 1989 e 2000, a gestão do Espaço Cultural contou com a participação do movimento

local, mantendo-se Isael Barros como coordenador durante todo o período, trabalhando ao

lado da Comissão Cultural.

(...) nós tínhamos eu como coordenador, mas não coordenava sozinho, tinha

uma Comissão Cultural que planejava e resolvia. E as pessoas que eram

empregadas no Espaço, mesmo pela Fundação, eram pessoas da

comunidade, era uma exigência nossa. Um pouco bairrista sim, mas

necessária.93

Em uma espécie de relatório interno, é revelado que, em 1990, dois anos após a abertura do

Espaço, a Comissão estava completamente desarticulada. Segundo o documento, “verificou-

se que o número excessivo de vinte e sete pessoas na coordenação era um entrave para reunir-

se e que a forma de trabalho e relação com o equipamento [cultural] era de subordinação”. A

queixa relatada se referia à prestação gratuita de serviços por membros do movimento local

para o bom funcionamento do Espaço, que ia “desde limpeza a datilografia”94

, não onerando o

Estado, que deveria custear a manutenção dessas atividades.

No intuito de reorganizar a Comissão, foi eleita em 1991 a nova diretoria, que deveria ser

composta por no máximo 10 pessoas, representantes de segmentos diversos. A reformulação

da entidade propunha um alargamento do seu papel inicial, para que tivesse participação

direta não apenas no Espaço Cultural, mas em todas as atividades culturais detectadas no

bairro e adjacências. Outro papel, subjacente a todas as ações da Comissão, era a formação

política das lideranças locais.

Eu chegava ali, menino dos Alagados, saindo pela rua aqui, e eu achava

muito estranha essa disciplina [da Comissão Cultural de Alagados], e eu não

sabia também se isso era coisa de partido de esquerda, nem de direita, eu só

achava que eram pessoas experientes, que se comportavam de uma forma

diferente e eu só tava ali curioso, olhando aquilo e aprendendo.95

93

Isael Barros, educador e primeiro coordenador do Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 02

de setembro de 2008, na Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia.

94

Relatório de atividades 1991. Acervo do Espaço Cultural Alagados.

95

Joselito Crispim, Arte-educador e diretor do Grupo Cultural Bagunçaço. Entrevista cedida à autora em 08 de

maio de 2009, na sede do Grupo Cultural Bagunçaço.

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102

Contra a possibilidade de retrocesso por parte do Estado na relação de parceria que se

estabeleceu com o movimento local, a estratégia da Comissão era instituir uma organização

impecável, com reuniões semanais e assembléias mensais, abertas à população, elaboração de

relatórios mensais (ou, no máximo, trimestrais) para a FUNCEB, em que eram avaliadas todas

as atividades realizadas no período, as dificuldades encontradas, as facilidades proporcionadas

pelo contexto local e também colocadas as demandas para um melhor funcionamento nos

meses seguintes.

As ações a serem implementadas a cada ano e seus objetivos eram previstos nos Planos de

Trabalho, elaborados a cada ano. No período em que a Comissão estava esvaziada, os Planos

e relatórios eram elaborados pelo coordenador do Espaço, Isael Barros, e pela técnica da

FUNCEB, Fafá Sobrinho. No entanto, com a retomada da Comissão, todos os documentos

que referenciavam a gestão eram elaborados e assinados conjuntamente pela diretoria da

Comissão.

Esta forma de organização serviu também para que a própria Comissão fizesse uma avaliação

permanente da sua atuação e também da atuação da Fundação Cultural. Destacamos abaixo

trecho do relatório anual de 1991, em que a desarticulação entre as oficinas implementadas

pela FUNCEB é criticada pela Comissão.

Analisando as oficinas já desenvolvidas nestes anos, sua forma e

abrangência, conclui-se que não deixam quase nada de retorno, além de

novas informações captadas individualmente.

Na linha sócio-cultural em que se pretende atuar é essencial que sejam

articuladas com demais projetos a serem implantados e que sejam capazes de

reciclar, formar novos grupos (artísticos e de produção) e levar os

participantes a repensar posturas e comportamentos.96

Além de contribuir para a consecução dos seus objetivos, gerando registros de todas as ações

elaboradas e implementadas, a capacidade de organização da Comissão constituiu uma rica

documentação da memória do movimento cultural local, disponível hoje no Espaço Cultural

Alagados, ainda de forma improvisada.

96

Relatório de atividades 1991. Acervo do Espaço Cultural Alagados.

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103

A gestão era feita abertamente, Isael prestava conta para a comunidade.

Prestar conta que eu digo, não é prestar conta financeira, todo mês tinha

assembléia, isso aqui ficava cheio, cem pessoas aqui na assembléia. Isso aqui

tinha vida, tinha atividade de manhã, de tarde e de noite, de tudo que era

jeito.97

A Comissão orientava a atuação do Espaço e participava do diálogo entre a coordenação local

e a Fundação Cultural do Estado. Para garantir que não houvesse no Espaço apenas as

atividades programadas pela Fundação, a Comissão elaborava projetos próprios e captava

recursos para a sua realização – inclusive na própria Fundação Cultural, além do comércio

local e empresas de maior porte. A partir daí, foram implementados uma série de projetos,

dentre os quais de destaca o projeto Casa de Memória.

O projeto reunia dois objetivos bastante distantes: o “resgate” da história do bairro e a

profissionalização dos moradores, através de oficinas como as de confecção de vassouras,

silk-screen e artesanato em couro. A fim de reduzir a evasão das crianças e adolescentes

participantes dessas oficinas, implementou-se também a atividade de reforço escolar. Para o

desenvolvimento do projeto Casa de Memória, a Comissão construiu duas salas provisórias,

em madeirite, na área livre adjacente à sala onde funcionava o Espaço.

Como teve essa estratégia de angariar recursos via Comissão Cultural, a

gente não tinha muito problema. Ninguém dependia do projeto da Fundação.

Houve uma inversão que eu achava muito interessante: o Espaço Cultural

passou a ser parte da Comissão Cultural. Ele era mais um, como tinha a

igreja daqui, tinha a igreja do Jardim Cruzeiro, de Massaranduba...98

Segundo ofício enviado pelo Espaço Cultural ao DECAR - Departamento de Equipamentos

Culturais e Ação Regional da Fundação Cultural99

, em 1995 o Projeto Casa de Memória

atendia a 305 crianças e adolescentes entre 2 e 14 anos.

A criação da Comissão em 1985 marcou, em Alagados, a confluência entre o movimento de

luta por moradia e o movimento cultural. Segundo depoimento de Maria de Lurdes da

97

Fátima Sobrinho (Fafá), em entrevista citada anteriormente.

98

Fátima Sobrinho (Fafá), em entrevista citada anteriormente.

99

Ofício de 23 de janeiro de 1995, enviado pelo Espaço Cultural ao DECAR. Acervo do Espaço Cultural

Alagados.

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104

Conceição Nascimento (Lurdinha) e Maricelma Bonfim (Celma)100

, coordenadoras da Escola

Comunitária Luiza Mahin, o Espaço Cultural foi fundamental para a consolidação de uma

militância mais plural no bairro, pois abrigava as reuniões dos moradores e das diferentes

associações para discussão das diversas pautas relacionadas à moradia e à melhoria das

condições de vida no bairro: ocupações, projetos de urbanização, segurança, transporte e

equipamentos públicos.

Uma carta enviada em 1996 ao então Governador Paulo Souto, demonstra o amplo leque de

temas que interessava à Comissão Cultural. Na carta, assinada pela coordenadora da

Comissão e pelo coordenador do Espaço Cultural, os moradores reivindicavam a solução das

principais “necessidades sócio-culturais da comunidade de Alagados”:

1. Recuperação imediata do antigo Cine-Teatro de Alagados. 2. Melhorias e

modificações na praça do fim de linha do Uruguai. 3. Saneamento básico na

ocupação Dom Avelar. 4. Urbanização das principais ruas do bairro do

Uruguai. 5. Colocação de postes e iluminação do bairro. 6. Recuperação das

principais ruas do bairro.101

Outra organização teve um papel fundamental na história do Espaço Cultural Alagados: a

Federação Baiana de Teatro Amador - FBTA, que participava ativamente da programação

oferecida, encarando o Espaço Cultural como espaço de experimentação na área teatral,

dentro de um projeto que entendia o teatro como ferramenta política, de transformação social.

A Federação, fundada em 1954, foi a primeira federação estadual do Movimento de Teatro

Amador. Segundo projeto Técnico Operacional elaborado pela instituição,

A FBTA, como entidade popular, tem seus altos e baixos, já tendo prestado

relevante contribuição à cultura baiana. Em 1977, quando começaram a

surgir em Salvador os grupos de criação coletiva, a entidade foi reforçada

por grupos dos bairros que tiveram, na época, uma ação fundamental em

suas comunidades, seja através das Feiras de Arte ou de montagens teatrais.

Até meados da década de 80 a entidade promoveu projetos de interesse do

movimento federativo, e conquistou espaços significativos, com os editais

específicos para o Teatro Amador na Fundação Cultural, no Teatro Castro

100

Lurdes da Conceição Nascimento e Maricelma Bonfim, coordenadoras da Escola Comunitária Luiza Mahin e

da Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia. Entrevista cedida à autora em 29 de dezembro de 2009,

na Escola Comunitária Luiza Mahin.

101

Ofício de 9 de setembro de 1996, enviado pela Comissão Cultural ao Governador Paulo Souto.

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105

Alves e na Sala do Coro/TCA e uma ativa participação no movimento

nacional.102

Apesar de ter sede oficial no Teatro Miguel Santana, no Pelourinho, a partir da conquista do

Espaço Cultural Alagados, a Federação passou a ter ali o principal ponto de convergência de

suas ações. O momento de maior convergência eram os FITABs – Festivais Independentes de

Teatro Amador da Bahia. Foram realizadas quatro edições do Festival no Espaço Cultural na

década de 90, trazendo grupos de diversos bairros da capital e também de cidades do interior.

A gente fez em 90, 92, 94 e 96 o evento [FITAB]. Era uma festa! Podia

chover... Sem brincadeira nenhuma: os espetáculos infantis a gente fazia de

manhã e às 5 horas da manha tinha gente aí na fila pra pegar os ingressos.

(...) Pra mim era fundamental ver como isso aqui [o Espaço Cultural] se

transformava durante os Festivais. Não tinha Federação, não tinha

equipamento do Estado, não tinha um grupo de teatro, tinha várias pessoas

trabalhando para acontecer uma coisa legal para todo mundo (..) A gente

conseguia colocar 300 pessoas aqui dentro. Era uma coisa incrível. Não sei

como se conseguia! Aí vinham grupos de toda a cidade, isso aqui virava uma

festa.103

A organização dos Festivais envolvia a Federação, a Comissão e o Espaço Cultural e os

recursos para sua realização eram captados junto a diversas instituições parceiras, inclusive a

Fundação Cultural do Estado.

Nos Festivais a gente não tinha mais onde colocar colchonete da APLB

[associação de professores] nas salas de aula [da Escola Polivalente] para

hospedar as pessoas. Hoje em dia isso não rola mais. Nem as pessoas vão

querer vir dos seus interiores para ficar numa sala de aula, em colchonete. E

depois, tem que pagar. Algumas coisas, que também eram costume,

acabaram.104

Um dado importante sobre a presença da Federação em Alagados é a incorporação de Fátima

Sobrinho, liderança do Movimento de Teatro Amador, que desde 1984 havia se aproximado

do movimento cultural do bairro e que mais tarde, em 1992, se instalou como moradora e

funcionária do Espaço Cultural (realocada pela FUNCEB, instituição a quem estava cedida,

como funcionária), tornando-se uma liderança fundamental para a formação política do

movimento local.

102

Projeto Técnico Operacional da FBTA, julho de 1993. Acervo do Espaço Cultural Alagados.

103

Fátima Sobrinho (Fafá), em entrevista citada anteriormente.

104

Fátima Sobrinho (Fafá), em entrevista citada anteriormente.

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106

A Fundação estava realocando as pessoas, aí estavam na briga pra resolver

quem é que vinha para cá [para o Espaço Cultural Alagados]. Porque quem

fazia a gestão era uma pessoa da comunidade, precisava ter um técnico da

Fundação e ninguém queria vir. “Ah, aquele lugar perigoso!”. Eu lembro que

uma colega falou “Eu só vou se tiver insalubridade”. Aí me apresentei, eles

disseram “você quer ir para lá?”, eu disse “vou”, com uma cara de quem tava

fazendo aquele sacrifício. Aí liguei para os meninos “olha, eu vou trabalhar

aí!”. Aí pronto, eu fiquei e quando foi em 92 resolvi mudar para cá. Eu

coordenava o projeto Casa de Memória e na época ficou acordado que só

teria assento quem fosse morador do bairro, o que era uma coisa legítima.105

Segundo Tainã Andrade, militante do Movimento de Teatro de Rua, que ministrou diversas

oficinas no Espaço Cultural, o Espaço era o “QG” da Federação, que ali realizava oficinas,

congressos, mostras e festivais. Essa proximidade de artistas de vários bairros em relação a

Alagados reforçava o movimento local, inclusive politicamente.

Eu não cheguei literalmente a morar [em Alagados], ter uma casa de morar,

mas eu tinha a casa de Fafá como extensão. E foi lá nessa casa de Fafá, lá

junto a esse Espaço Cultural, onde me foi oferecida a oportunidade de ler

vários livros, onde me foram apresentados autores fundamentais pra essa

minha formação, a exemplo do Gramsci, dessa formação de educação como

arma de transformação, trabalhando muito com a metodologia de Boal [o

diretor teatral Augusto Boal], o Teatro do Oprimido.106

Pontuada a importância das duas instituições da sociedade civil que ancoravam a gestão

compartilhada do Espaço, Comissão Cultural de Alagados e Federação Baiana de Teatro

Amador, cabe lembrar que a sua atuação ao longo do período também teve oscilações.

Um relatório das atividades da Comissão de Alagados entre 1995 e 1997 destaca entre as

ações realizadas no período dois bingos, que tiveram o objetivo de arrecadar fundos em prol

do projeto Casa de Memória e apenas uma oficina (de teatro, para iniciantes). O longo período

a que se refere e o pequeno volume de informações prestadas neste documento já demonstram

a mudança no modo de operação da Comissão, que chegou a ter uma rotina de relatórios

mensais bastante detalhados. Dentre os “aspectos dificultadores” do trabalho o documento

105

Fátima Sobrinho (Fafá), assistente social e atriz, ex-diretora da Federação Baiana de Teatro Amador (84 a 86

e 94 a 96). Entrevista cedida à autora em setembro de 2008, no Espaço Cultural Alagados.

106

Tainã Andrade, teatróloga, militante do Movimento de Teatro de Rua e ex-professora de teatro em Alagados,

pela Federação Baiana de Teatro Amador. Entrevista cedida à autora em 14 de maio de 2009, no Largo Dois de

Julho.

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107

cita “o afastamento de três membros da coordenação da Comissão Cultural; a falta de

experiência política e artística da maioria dos componentes da coordenação, a falta de

recursos financeiros; a falta de apoio e incentivo por uma grande parte dos grupos artísticos

filiados”.107

Quanto à Federação, a extinção do INACEN – Instituto Nacional de Artes Cênicas, vinculado

ao Governo Federal, com a eleição do presidente Fernando Collor, que desmantelou toda a

estrutura de gestão das políticas culturais no Brasil, certamente acarretou prejuízos à sua

atuação, pois o movimento federativo de teatro recebia verba regular do INACEN para

manutenção de suas atividades. O projeto do V FITAB – Festival Independente de Teatro

Amador da Bahia, realizado em 1996108

, foi apresentado à FUNCEB em nome da Comissão

Cultural de Alagados, em um documento que não cita uma vez sequer o nome da Federação.

Os fatos apontados são indícios da desestruturação dessas organizações, no entanto, não

consideramos pertinente a este estudo aprofundar a investigação sobre a história da Comissão

e da Federação, no sentido de entender se essa desestruturação foi momentânea ou definitiva e

quais os seus motivos exatos.

A presença dessas duas organizações e das lideranças que congregavam sustentou o projeto de

gestão compartilhada do Espaço Cultural de Alagados por 11 anos. Esta parceria entre o

Estado e o movimento social ultrapassou diferentes administrações do Governo Estadual, sob

o comando de partidos e grupos políticos divergentes. Dessa forma, a história do Espaço

Cultural Alagados não poderia estar isenta dos embates e negociações que são próprios da

construção de políticas públicas.

4.2.2 Um Espaço entre o Estado e o território

A experiência de políticas culturais construída no Espaço Cultural Alagados constitui um

exemplo do estabelecimento de uma política efetivamente pública, formulada na relação entre

107

Relatório de Atividades Desenvolvidas pela Comissão Cultural de Alagados – Setembro de 1995 a 29 de

agosto de 1997. Acervo do Espaço Cultural Alagados.

108

Documento do acervo do Espaço Cultural Alagados.

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108

Estado e território, através da participação das pessoas que vivem e significam o território

popular de Alagados.

Entre 1989 e 2000, período em que Isael Barros coordenou o Espaço Cultural, administrado

pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, o Governo Estadual passou por diferentes

gestões: Waldir Pires e Nilo Coelho (1987 a 1990), Antonio Carlos Magalhães (1991 a 1995),

Paulo Souto (1995 a 1998) e César Borges (1998 a 2002). Pela diretoria da Fundação também

passaram vários gestores: Florisvaldo Mattos (1987 a 1989), Ordep Serra (1989 a 1990),

Walfrido Moraes (1990 a 1991) e José Augusto Burity (1991 a 2002).

A gestão de Isael, portanto, permaneceu ao longo de nove anos (1991 a 2000) de governos de

direita, do PFL (Partido da Frente Liberal), liderado por Antonio Carlos Magalhães, tendo à

frente da FUNCEB José Augusto Burity.

O período final da gestão de Waldir Pires foi bastante conturbado, com a saída do governador

(em virtude da sua candidatura a vice-presidente) e sua substituição pelo vice Nilo Coelho. No

entanto, foi nessa gestão, como o apoio da Secretaria de Cultura (criada em 1987 e extinta

com o fim do governo) que o movimento cultural de Alagados conseguiu ocupar o Espaço

Cultural e dar início ao seu projeto de política de cultura. Ao cabo dos dois anos de governo

restantes, o modelo de gestão compartilhada do Espaço Cultural deveria estar suficientemente

consolidado, pois, com as eleições de 1990, a manutenção do projeto poderia enfrentar certa

resistência.

No entanto, alguns fatores foram determinantes na manutenção da gestão compartilhada,

mesmo em um governo carlista, cuja prática comum diferia bastante daquela implementada

em Alagados:

- A força institucional da Comissão Cultural de Alagados e da Federação Baiana de Teatro

Amador, aglutinando um grande número de moradores e também de apoios políticos;

- A transparência na condução do processo de gestão, através da elaboração de relatórios e

Planos de Trabalho encaminhados regularmente à FUNCEB;

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109

- Os resultados efetivos do trabalho realizado, demonstrados nos relatórios numéricos

compilados pela Fundação.

Quadro 7 – Número de atividades e público (1991 – 1994)

Ano

Espaço Cultural

Alagados*

Teatro Miguel

Santana**

Cine-Teatro Solar Boa

Vista***

atividades público atividades público atividades público

1991 34 20.280 11 356 n.d n.d

1992 72 28.338 2 109 82 11.293

1993 47 14.540 70 4.501 55 3.942

1994 70 13.683 29 3.410 45 4.601

Total 223 76.841 112 8.376 182 19.836

* Capacidade para 100 espectadores / ** 200 espectadores / *** 300 espectadores

FONTE: Seleção de dados a partir de FONSECA, Valter dos Santos. Relatório de atividades desenvolvidas

durante o período 1991/1994. Salvador: FUNCEB, 1995 (não publicado).

O desempenho do Espaço Cultural, em relação ao número de atividades realizadas e ao

público freqüentador, atesta a importância do trabalho desenvolvido dentro da gestão

compartilhada.

No quadro 7, comparamos os resultados do Espaço Cultural com os de outros dois espaços

administrados pela Fundação na capital: Teatro Miguel Santana, um espaço central, situado

no Pelourinho, com melhor infraestrutura e o dobro da capacidade de público do Espaço

Cultural e Cine-Teatro Solar Boa Vista, situado em um bairro popular, o Engenho Velho de

Brotas, com melhor infraestrutura e uma capacidade de público três vezes maior do que a do

Espaço.

O bom desempenho do Espaço Cultural Alagados também pode ser observado na comparação

com todos os demais espaços administrados pela FUNCEB no período, em que apenas o

Centro de Cultura de Juazeiro – espaço dotado de uma sala de espetáculos para mais de 300

pessoas, 3 salas para ensaios e anfiteatro na área externa – supera os resultados de Alagados:

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110

Quadro 8 – Resultados de público / Espaços Culturais administrados pela FUNCEB

(1991 - 1994)

Espaços Público

Centro de Cultura de Juazeiro 131.713

Espaço Cultural Alagados (Salvador) 76.841

Centro de Cultura de Vitória da

Conquista 57.693

Centro de Cultura de Valença 47.835

Teatro do ICEIA (Salvador) * 38.784

Centro de Cultura de Feira de Santana 31.779

Centro de Cultura de Itabuna 28.513

Centro de Cultura de Alagoinhas 27.655

Centro de Cultura de Porto Seguro 20.514

Cine-Teatro Solar Boa Vista 19.836

Cine-Teatro Lauro de Freitas 9.849

Cine-Teatro Cajazeiras (Salvador)** 8.931

Teatro Miguel Santana (Salvador) 8.376

Total 508.319

* Em apenas 5 meses de funcionamento. ** Em apenas 4 meses de funcionamento.

FONTE: FONSECA, 1995. Citado anteriormente.

O Espaço Cultural foi também o único espaço administrado pela Fundação que manteve

atividades em todos os meses dos 4 anos a que se refere esse relatório.

A linguagem a que se refere cada pedido de pauta realizado também foi computada e os

resultados demonstram a relevância do teatro dentre as atividades desenvolvidas.

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111

Quadro 9 – Linguagem predominante nos eventos realizados no Espaço Cultural Alagados

(1991 - 1994)

Linguagem Pautas

Teatro 65

Educação 50

Cinema 48

Outros 35

Musica 30

Dança 21

Artes plásticas 10

Literatura 3

Religioso 0

Total 262

FONTE: FONSECA, 1995. Citado anteriormente.

Os relatórios produzidos pela coordenação do Espaço e pela Comissão Cultural listam

diversas atividades realizadas ali, mas não nos foi possível relacionar esses documentos, que

listam cada atividade, com as compilações feitas pela FUNCEB, que listam apenas os

números gerais, pois muitos períodos não são cobertos por um ou por outro tipo de

documento.

Mas, de modo geral, pudemos verificar que a programação era composta por eventos, como

temporadas e apresentações de espetáculos teatrais (inclusive de outras cidades, com o apoio

da FBTA) e de dança; shows musicais; encontros de capoeira; reuniões, como as da Comissão

Cultural, do GAPA – Grupo de Apoio e prevenção à AIDS e de diversas organizações locais;

projetos permanentes de maior duração, como o Cineclube Aventura e os projetos Quinta da

Arte (debates sobre arte) e Domingo da Música (shows no pátio externo do Espaço); eventos

de maior porte, reunindo diversos grupos e artistas, como o Festival de Teatro Amador da

Bahia (que teve 4 edições no Espaço) e a Feira de Arte Popular de Alagados (pelo menos 3

edições); ensaios regulares dos grupos de teatro, dança e capoeira; oficinas culturais

promovidas pela FUNCEB (dentro do projeto Viver com Arte, que atuou no Espaço de 1992 a

2006), Comissão Cultural, FBTA, grupos e artistas independentes, a exemplo das de iniciação

ao teatro, carpintaria do teatro (técnica), dança afro, dança moderna, contação de histórias e

teatro de bonecos; oficinas profissionalizantes promovidas pela Comissão Cultural, a exemplo

das de artesanato em couro e confecção de vassouras.

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112

Além da continuidade do trabalho dos grupos Explosão e Aventura e Sapinho Colorido, o

Espaço Cultural possibilitou o surgimento de novos grupos, a exemplo dos teatrais

Salamandra, Mini-Arte, Palafitas, Nachon e Sede D‟arte.

A avaliação dos moradores sobre o período em que funcionou a gestão compartilhada do

Espaço é sempre positiva e faz referência ao entusiasmo com que as atividades eram

conduzidas, como declara Mestre Pedro Pé-de-Ferro: “Bom, na parte de cultura no tempo de

Israel [Isael] era muito bom. Todo mundo apoiava, era dez, porque Israel saía na correria, na

busca”. Como o depoimento de Mestre Pedro sobre o funcionamento do Cine-Teatro também

havia sido bastante positivo, perguntamos se as atividades no Espaço chegaram a ser mais

interessantes do que as do Cine-Teatro:

Você pode acreditar, você pode acreditar! Porque aqui [no Cine-Teatro] não

tinha aquele tipo de incentivo como ele [Isael Barros] tinha não. Mas depois

que ele saiu mudou tudo, foi chegando gente diferente e mudou, porque o

pessoal da comunidade quer é liderança, é conhecimento, é mostrar o

trabalho. O pessoal quer ver cursos, quer ver apresentações, porque aqui no

bairro não tem nada. O que é dito aqui pelo pessoal é isso.109

Com a longa duração da gestão, a mudança dos objetivos e interesses pessoais das lideranças

que estiveram à frente da sua conquista – muitos deles, antigos membros dos grupos Sapinho

Colorido e Explosão e Aventura – era natural. Alguns dos entusiastas do projeto de gestão,

que no início deste processo eram adolescentes, acabaram se afastando, alguns temporária e

outros definitivamente, por força das necessidades da vida adulta.

As organizações que davam suporte às atividades também passaram por uma desmobilização

e, já na segunda metade da década de 90, o Espaço contava com uma freqüência de público

muito menor do que a observada nos primeiros anos de atividade, conforme o quadro abaixo:

109

Mestre Pedro Pé-de-Ferro, diretor da Associação de Capoeira Filhos do Sol Nascente, que desde 1991 ocupa

as ruínas do antigo Cine-Teatro Alagados. Entrevista cedida à autora em 08 de maio de 2009, no Cine-Teatro

Alagados.

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113

Quadro 10 – Números de público do Espaço Cultural Alagados (1991 – 1998)

Ano Público

1991 20.280

1992 28.338

1993 14.540

1994 13.683

1995 n.d

1996 1.020

1997 3.830

1998 7.854

Total 89.545

FONTE: FONSECA, 1995. Citado

anteriormente / Documento não identificado,

de 19 de março de 1999. Acervo do Espaço

Cultural Alagados.

Nesse período, a diminuição das atividades culturais deu lugar a um aumento considerável na

freqüência do uso do Espaço para a realização de festas privadas, registradas como

“confraternizações entre amigos”. A cessão dessas pautas era feita com o consentimento da

Fundação Cultural, uma vez que o processo normal de pedido e cessão de pauta era fielmente

cumprido: o solicitante enviava um ofício à coordenação do Espaço informando qual seria a

comemoração e a data solicitada, o coordenador preenchia um formulário de Pedido de Pauta,

opinando sobre o atendimento da solicitação e este documento era enviado à Fundação, junto

com o Termo de Responsabilidade sobre o uso do Espaço, que era então assinado pelo gerente

dos Espaços Culturais.

O registro dessas atividades nos livros de pauta do Espaço e também nos relatórios da

FUNCEB demonstra que eram feitas com a ciência da instituição, mas a cobrança por essas

não aparecia em nenhum dos registros. Entretanto, segundo Ruy Mendes, que atua como

técnico no Espaço Cultural desde 1996, era realizada a cobrança de uma taxa, que se convertia

na manutenção do Espaço.

Isael conseguia fazer mais manutenção no Espaço. Inclusive, quando ele

fazia as “confraternizações entre amigos” era justamente para arrecadar. Pra,

vamos supor, fazer uma arquibancada, consertar uma torneira quebrada,

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114

comprar lâmpadas, porque a Fundação não dava verba. E isso era feito com

o conhecimento da Fundação.110

Como as regras de cessão de pautas eram determinadas pela Fundação e a negociação de

alguns termos por vezes não tinha um resultado positivo, o Espaço fazia os ajustes

considerados necessários pelo movimento local.

Muitas vezes eu tive que ser insubordinado, tive que fazer à revelia pra dar

certo, fiz muitas rebeldias para que coisas dessem certo. Eu dizia “não, você

não vai estar lá no final de semana, quem vai estar sou eu...” e corria esse

risco muito conscientemente. Porque eu tinha o respaldo dessa Comissão

Cultural também, né? Então a gente tinha o respaldo da comunidade: “os

caras tão lá, não tão nem aí, vamos fazer sim”. E depois a gente mandava os

relatórios, que era outra briga, porque tinha feito sem eles saberem. Mas era

uma briga boa.111

Em relação às festas privadas, Isael defende sua importância:

Como a comunidade não tem área de lazer, não tem clube, não tem nada,

você tinha que também atender as demandas sociais (...). Imagine você, em

Alagados, a sociedade de exclusão vai entender que também se fazem quinze

anos nas comunidades periféricas e também as famílias querem festejar,

ainda querem festejar os batizados de seus filhos? Como essa sociedade de

exclusão não entende, esse espaço também servia para esse atendimento.

Então, às vezes, tinha uns 15 anos e as famílias não tinham condições de

botar em suas casas, então tinha aquele espaço onde as pessoas colocavam

mesas, tocavam valsas, então era muito legal, muito bom. Porque era um

espaço extremamente, eu diria, eclético na sua funcionalidade. (...) A gente

atendia, a gente fazia. Óbvio que não dava pra você fazer qualquer coisinha.

Por exemplo, nós tivemos um evento fantástico, um aniversário de 50 anos

de um casal aqui da comunidade. 50 anos de casados. Então isso mexeu com

o bairro, com a região aqui. Então porque não esse Espaço ser aberto

também?112

Nos primeiros anos de atividades do Espaço, entretanto, não havia sequer pautas disponíveis

para a realização de festas, já que os eventos abertos, de cunho cultural, ocupavam toda a

programação. A inexistência desses eventos, geradores de arrecadação para o Espaço,

110

Ruy Mendes, técnico do Espaço Cultural desde 1996. Entrevista cedida à autora no Espaço Cultural

Alagados, em 08 de maio de 2009.

111

Isael Barros, educador e primeiro coordenador do Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 02

de setembro de 2008, na Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia.

112

Isael Barros, na entrevista citada anteriormente.

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115

reforçava a necessidade de captação de recursos, o que era feito pela Comissão Cultural de

Alagados.

Com a proximidade das eleições de 2001, os grupos locais cogitavam a mudança do

coordenador do Espaço, o que seria feito através de uma nova consulta pública, que

determinaria o nome a ser encaminhado para a Fundação Cultural.

A gente teve uma discussão, de que achava que Isael poderia ceder o espaço

pra outra pessoa, mas a gente tinha a impressão de que ia ser natural, de que

iam [a FUNCEB] chamar a gente pra negociar, mas não chamaram a gente.

Já veio de lá. Quando a gente acordou, Seu Hélio já estava na porta. Então

agora não, a gente ficou de olho. Seu Hélio já estava com o nome de Metrô

[que assumiu a coordenação em 2007] e se Metrô sair já vai estar com outro

nome pra indicar. A gente já está se armando mesmo, pra não deixar vaga

nos espaços pra que o outro não justifique que veio porque não tinha

ninguém interessado.113

Reinaldo Nunes, que à época era Gerente dos Espaços Culturais da FUNCEB, relata a

intempestividade com que foi feita a mudança de gestão:

Tânia Simões, que substituiu Nilson [Mendes], também substituiu

imediatamente Isael e levou pra lá o Seu Hélio, de quem ela gostava, que foi

indicado politicamente, sem nenhuma razão de ser. Foi uma surpresa pra

gente, eu ainda era gerente, mas sequer fui consultado.114

Segundo o então coordenador, sua substituição foi anunciada pela nova gerente dos Espaços

Culturais da Fundação, que o orientou a buscar sustentação para o seu pedido de permanência

através do apoio de políticos. Como o reforço político não foi suficiente, em um mês Isael foi

demitido: “Mas ela não demitiu a mim, a pessoa Isael, na realidade ela retirou uma

representação comunitária. (...) E aí coloca-se essa pessoa com o papel exatamente de

desconstruir todo o processo”115

.

113

Jamira Muniz, educadora, atual coordenadora do Espaço Cultural Alagados. Entrevista cedida à autora em 11

demaio de 2009, na Escola Comunitária Luiza Mahin.

114

Reinaldo Nunes, teatrólogo e ex-gerente dos espaços culturais da FUNCEB na capital, na década de 90.

Entrevista cedida à autora em 27 de abril de 2009, na residência do entrevistado, no bairro da Saúde.

115

Isael Barros, na entrevista citada anteriormente.

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116

O primeiro ato do novo gestor, Hélio Paulo, que não tinha nenhuma vivência anterior na área

cultural, foi pintar de branco as paredes internas do espaço, que formavam a caixa cênica onde

eram apresentados os espetáculos, por entender que as paredes pintadas de preto davam ao

Espaço um ar sombrio. Esse ato ilustra o total desconhecimento do gestor sobre o campo em

que veio a atuar, mas também o isolamento em que correu essa gestão, em relação ao

movimento cultural local. O próprio Hélio Paulo declara seu desconhecimento.

Com referência ao Espaço, não tínhamos a menor idéia [conhecimento

anterior da sua existência], só vim a ter quando o governador César Borges

me chamou. Ele disse: “Hélio, preciso de você”. Ele e um deputado federal.

Ele me chamou, queria que eu fosse pra lá para moralizar, o termo foi

esse.116

O que se viu daí em diante foi o fechamento parcial do Espaço e o acirramento dos embates

entre Estado e território.

Com o fechamento desse equipamento, que é uma salinha, que quem entra

não dá a mínima para ela, com o fechamento dela para a comunidade, o

poder do tráfico aumentou muito aqui nesse pedaço. Porque jamais esses

meninos, essas meninas, viriam aqui quebrar esse Espaço. Porque eles

tinham uma relação de pertencimento. Tanto que hoje querem assaltar a

gente aqui dentro, de revólver e tudo.117

Com a desmobilização do movimento cultural local, a gestão de Hélio Paulo durou sete anos,

tempo suficiente para que se desarticulasse todo o trabalho realizado durante o período de

gestão compartilhada.

Em 2007, com a eleição do governador Jaques Wagner, por uma coligação de esquerda, a

CAMMPI – Comissão de Articulação e Mobilização dos Moradores de Itapagipe,

encaminhou à Fundação Cultural o nome de Wanderlei Moreira (Metrô), que foi acatado.

Metrô, ex-integrante do grupo Sapinho Colorido, coordenou o Espaço entre 2007 e 2009, mas

como nem o movimento local nem o Estado tinham um projeto para o Espaço ou estavam

suficientemente mobilizados para construí-lo e implementá-lo, a gestão não conseguiu

grandes avanços. Em 2009, o movimento local e o próprio coordenador optaram por sua

116

Hélio Paulo, ex-coordenador do Espaço Cultural Alagados entre 2000 e 2007. Entrevista cedida à autora em

11 de maio de 2009, na residência do entrevistado, no bairro do Politeama.

117

Fátima Sobrinho (Fafá), assistente social e atriz, ex-diretora da Federação Baiana de Teatro Amador (84 a 86

e 94 a 96). Entrevista cedida à autora em setembro de 2008, no Espaço Cultural Alagados.

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117

substituição. Um grupo de jovens moradores, reunidos na REPROTAI – Rede de

Protagonistas em Ação de Itapagipe (rede constituída a partir da CAMMPI, para tratar das

questões de juventude), indicou então para o cargo Jamira Muniz, ex-integrante do grupo

Explosão e Aventura, atual coordenadora do Espaço Cultural Alagados.

Os dois últimos coordenadores do Espaço, Jamira e Metrô, desenvolvem hoje outras

atividades em sua vida profissional e no movimento social, mas a referência à sua relação

com os grupos culturais originários de Alagados tem o propósito de destacar que o

movimento cultural local ainda não foi capaz de formar novas lideranças que queiram assumir

ou participar da gestão desse espaço de construção de políticas públicas.

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118

CONSIDERAÇÕES FINAIS: CONQUISTAS, PERDAS, PERMANÊNCIAS, E PERSPECTIVAS

A conquista do Espaço Cultural Alagados, visto então como um espaço provisório, que

abrigaria as atividades culturais do bairro enquanto se realizava a recuperação do Cine-Teatro

que havia sido depredado, foi o marco de uma inversão fundamental para as políticas culturais

em Alagados. A trajetória do movimento cultural do bairro na relação com as políticas

culturais já tinha então dois momentos bem marcados: o PRODASEC, que atuou nas esferas

da produção cultural e do acesso aos bens culturais e o Cine-Teatro Alagados, limitado à

esfera do acesso, da fruição dos bens culturais.

Figura 9 – Esferas de atuação dos principais marcos das políticas culturais em Alagados

O Espaço Cultural Alagados foi o experimento efetivo de um novo tipo de atuação do

movimento local no campo da cultura, uma atuação política, dentro da esfera da cidadania

cultural (figura 10). Ao invés de apenas fruir os bens culturais, com maior ou menor grau de

espetáculo, ou ainda de participar de sua produção, na experiência do Espaço Cultural

Alagados os moradores entraram completamente em cena, fruindo, criando e gerindo seu

próprio movimento cultural e reinventando a cultura a que se tinha acesso. Organizado na

Comissão Cultural Alagados e com o apoio da Federação Baiana de Teatro Amador,

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119

entidades da sociedade civil, o movimento conquista seu espaço de atuação nas políticas

culturais onde, de fato, rouba a cena.

É importante frisar que o movimento cultural de Alagados, mesmo tendo se formado dentro

do regime militar, é devedor do contexto político de sua época, da pujança existente nas

décadas de 70 e 80 em todo o movimento social, que se fortaleceu nesse período de

redemocratização do país. O regime, que nessa conjuntura amainava seu caráter repressor,

por vezes abria brechas, das quais os movimentos tentavam se apropriar, como aconteceu no

caso do PRODASEC. Outras vezes, o mesmo regime mostrava seu caráter autoritário de

forma inconteste, como se deu na implantação e fechamento do Cine-Teatro Alagados, que

representou o boicote do Estado à atuação do movimento cultural local, que só conseguiu

realizar seu projeto de política cultural sete anos mais tarde, já dentro de uma nova conjuntura

política.

Adiada pelo Estado, a experiência de política pública que teve lugar no Espaço Cultural

Alagados só pôde se concretizar na virada para os anos 90, momento em que já estava em

ascensão o modelo político-econômico neoliberal, que foi determinante no arrefecimento dos

movimentos sociais fortalecidos nas décadas de 70 e 80.

(...) a tensão fundamental, no Brasil, especialmente no contexto dos anos

noventa, localizou-se no paradoxo de uma inversão entre o regime político

democrático, recentemente conquistado, que tende a ampliar a cidadania e

incluir politicamente, e a dinâmica de uma economia que historicamente

produziu as maiores taxas de desigualdades socioeconômicas, tendendo a

aprofundar massivamente processos de dessocialização (pela precarização e

o desemprego) e a desconstruir a cidadania inscrita em regras e direitos e

sociais conquistados na Constituição Brasileira de 88 (LEAL IVO, 2008,

p.150).

A experiência realizada no Espaço Cultural Alagados representou, então, um espaço de

insurgência, cujas práticas iam de encontro à tendência geral de desconstrução da cidadania

instalada na década de 90. Essa tendência, em Salvador e em todo o estado da Bahia, era

reforçada ainda pelo retorno de Antonio Carlos Magalhães118

ao Governo do Estado, através

do voto direto, em 1991, e pela vitória de seus candidatos (Paulo Souto, em 1995 e César

Borges, em 1999) nas eleições seguintes.

118

O então governador eleito já havia sido nomeado anteriormente para o cargo de Prefeito, em 1967, e depois

indicado por colégio eleitoral por duas vezes para o Governado da Bahia, em 1971 e 1979.

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A gestão compartilhada do Espaço durou onze anos (de 1989 a 2000), sendo nove dentro de

governos carlistas (a partir de 1991). No entanto, o arrefecimento do movimento que

sustentava essa possibilidade de compartilhamento do poder foi determinante para a abrupta

interrupção da gestão e para que não tenha sido encampada pelo movimento local uma ação

com força política suficiente para resistir a esse desmando.

A nova configuração do movimento social, que começou a dificultar a manutenção das

atividades do Espaço a partir de 1995, como demonstram os relatórios pesquisados, criou um

novo modo de participação dos jovens, que outrora foram protagonistas de ações que

transformaram a vida no bairro e, nessa nova configuração, passaram a se relacionar com as

questões de interesse dos moradores através de projetos de caráter temporário, dependentes de

financiamento externo. Em relação à atual militância dos jovens em Alagados e nos bairros

populares, de modo geral, a atriz Tainã Andrade aponta a existência de uma “febre de

projetos”, em que o desenvolvimento da cidadania está necessariamente vinculado ao

fornecimento de algum auxílio material, o que, comumente, é considerado como uma

alternativa de obtenção de renda, desvirtuando completamente o sentido de militância como

empenho pessoal na luta pelo bem comum.

A maioria desses meninos de comunidade [moradores de bairros populares]

passaram a vir pro Centro, para os projetos sociais do Centro. Foram cada

vez mais se afastando de sua comunidade, dentro de uma perspectiva de

vencer na vida, a partir de outros conhecimentos que não eram

proporcionados dentro de sua comunidade, tirando o foco concreto da sua

problemática local.119

Dessa forma, alinhados em razão de pautas nacionais e internacionais, os movimentos sociais

se distanciaram paulatinamente do lugar, reduzindo a atratividade do movimento de bairro.

A ausência do Estado nas políticas sociais e culturais, há que se destacar, deu lugar ao

surgimento de inúmeras ONGs com atuação nesses segmentos, inclusive nos bairros

populares. A filósofa Marilena Chauí destaca, no entanto, que, se por um lado as ONGs

incrementaram a atenção a grupos sociais pouco representados pelas antigas formas de

119

Tainã Andrade, teatróloga, militante do Movimento de Teatro de Rua e ex-professora de teatro em Alagados,

pela Federação Baiana de Teatro Amador. Entrevista cedida à autora em 14 de maio de 2009, no Largo Dois de

Julho.

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121

organização civil (sindicatos e associações), como as crianças e adolescentes, por exemplo,

por outro lado, a substituição daquelas formas por esta nova tende a priorizar “as carências

sobre os direitos” (CHAUÍ, 2005, p.30).

A substituição de um modelo de organização da sociedade civil por outro tem rebatimentos

nas políticas públicas, por exemplo, quando uma ONG que atua em determinado bairro é

convocada a representar os interesses do bairro diante de algum órgão do Estado, sem que

tenha sido eleita para tanto pela população que naquele momento representará. Nesse sentido,

a autora contribui com um relevante questionamento:

A pergunta que deixamos aqui é: as ONGs são a retomada dos movimentos

sociais em novos termos, em consonância com as novas condições

históricas, ou são a substituição dos movimentos e, tornando-se

interlocutoras exclusivas do poder público e canalizadoras exclusivas dos

fundos públicos, estão comprometidas com a despolitização

contemporânea? São um obstáculo real à participação e à democracia?

(CHAUÍ, 2005, p.30).

Esse distanciamento do movimento social em relação ao lugar e suas questões, somado ao

aprofundamento de processos de dessocialização, gerados pela precarização e o desemprego, nos

termos usados por LEAL IVO (2008), ampliou também a possibilidade de atuação do tráfico de

drogas, que passou a ser menos coibido, diante do esgarçamento das relações sociais locais, e a ser

disseminado como alternativa de renda, diante do alto índice de desemprego. Um processo que se

observa no bairro de Alagados, assim como em todas as grandes cidades brasileiras.

Já as políticas culturais do Brasil, a partir da gestão de José Sarney (1985 a 1990), foram

reduzidas a um mecanismo de financiamento: as leis de incentivo à cultura. Esta redução,

condizente com o modelo neoliberal do Estado Mínimo, tem como fundamento o repasse de

responsabilidade sobre o financiamento à cultura do Governo para o Mercado. As leis de

incentivo pressupõem o investimento privado subsidiado pelo Estado (através da dispensa da

cobrança de parte dos impostos devidos), em produtos culturais que gerem retorno de imagem

para seus patrocinadores. Assim sendo, este mecanismo contempla uma gama restrita da

produção cultural, aquela que se enquadra nos interesses do marketing empresarial.

O desmantelamento das políticas culturais e sua redução às leis de incentivo, que se observou

no âmbito nacional durante toda a década de 1990, reduziram as possibilidades de

financiamento para as atividades sócio-culturais e ofuscou por muitos anos um debate mais

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amplo e necessário no regime democrático sobre políticas culturais que dessem conta da

diversidade da produção e das necessidades culturais dos brasileiros.

Apesar das perdas acarretadas por essa nova configuração da sociedade, diante da ascensão do

modelo neoliberal – inclusive da cultura neoliberal, de valorização do indivíduo e de

competitividade – e da globalização, a existência de um movimento cultural pujante e a

experiência comunitária de conquista de um espaço de exercício de políticas públicas no

campo da cultura deixaram frutos, em Alagados, para além daquele momento.

A permanência dessa experiência política pode ser verificada na atual composição do

movimento social do bairro, em que os antigos participantes dos grupos Explosão e Aventura

e Sapinho Colorido, inclusive alguns dos entrevistados nesta pesquisa, são hoje dirigentes e

representantes de importantes organizações locais, a exemplo do CAMA – Centro de Arte e

Meio Ambiente e da Escola Luiza Mahin, organizações que compõem o Conselho Gestor da

CAMMPI – Comissão de Articulação e Mobilização dos Moradores da Península de

Itapagipe.

A CAMMPI, entidade que abrange não apenas os Alagados, mas toda a Península da

Itapagipe (composta por cerca de 14 bairros), foi constituída em 1999 e reúne hoje

aproximadamente 50 organizações locais. Segundo depoimentos colhidos nesta pesquisa, a

Comissão Cultural de Alagados foi a semente da CAMMPI e acabou por se dissolver quando

da sua criação. No entanto, a cultura já não é nem o principal foco nem a principal ferramenta

das lutas dessa nova entidade, que se divide em sete subcomissões, dentre elas a Subcomissão

de Cultura. Tampouco a sua criação se deu através de uma reorganização espontânea do

movimento social. A entidade foi formada a partir da implantação, em 1997, do Programa de

Apoio ao Desenvolvimento Econômico Local de Itapagipe, promovido pelo PNUD –

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Banco do Nordeste e a Secretaria de

Trabalho e Ação Social – SETRAS, do Governo do Estado.

No entanto, em relação ao aspecto da produção de cultura, mais estritamente, a impressão é

mesmo de interrupção de um processo e não de reconfiguração, na nova conjuntura. Não se

observa hoje no bairro a existência de um movimento cultural articulado, nem tampouco o

desenvolvimento de práticas culturais específicas, o que seria de se esperar, considerando a

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existência anterior de vários grupos, em especial os de teatro, cuja atuação mereceu destaque

nos anos 80 e 90.

Assim, nos parece que a transformação estimulada pelas práticas culturais, no caso de

Alagados, teve maior continuidade no movimento social subseqüente do que propriamente no

movimento cultural.

Com a criação do Espaço Cultural Alagados, o movimento cultural local pretendia ter um

abrigo provisório para a produção que acontecia no bairro na década de 80 e, nesse abrigo,

desenvolver um experimento de política cultural participativa, que seria colocado em prática

nas condições ideais com a recuperação do Cine-Teatro Alagados.

Passados 28 anos da inauguração do Cine-Teatro Alagados e 22 anos de sua destruição, o

jogo de interesses e desinteresses em torno da reforma daquele espaço ainda não permitiu que

esse experimento fosse colocado em prática conforme o planejado. Atualmente, a CAMMPI

vem atuando junto à CONDER (empresa que herdou o patrimônio da antiga HAMESA) e à

Secretaria de Cultura do Estado para a concretização do projeto de reforma do Cine-Teatro,

dentro da perspectiva de parceria entre Estado e sociedade civil, através da gestão

compartilhada.

Como estratégia para garantir esse modelo de gestão, a partir da reforma do Cine-Teatro, em

2007 foi criada uma ONG, o Centro de Cultura de Alagados – CENCA, que terá um papel

semelhante ao que teve a Comissão Cultural de Alagados em relação ao Espaço Cultural,

representando a sociedade civil na parceria que se dará com o poder público estadual. No

entanto, os caminhos para a concretização deste projeto nos parecem ainda sombrios, já às

vésperas de uma nova eleição para o Governo do Estado da Bahia (no final de 2010).

Em relação à juventude atual, as perspectivas de militância são bastante distintas das que

marcaram a geração de lideranças que estiveram à frente do movimento ligado ao Espaço

Cultural Alagados. Quando questionados sobre as diferenças e semelhanças entre a sua

geração e a que esteve à frente do Espaço, as atuais lideranças jovens apontam para a

reconfiguração da noção de militância no contexto atual.

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Hoje tá muito mais individualizado. Hoje eu acredito que a juventude como

um todo pensa na coletividade, mas desde quando tenha sua parte individual.

O que eu não condeno, mas eu acho que atrapalha muito o processo. Eu acho

que a gente tem que estar bem, lógico, tem que ter o nosso também, mas esse

individualismo não pode superar a luta pelo coletivo. Eu acho que isso vem

retardando um pouquinho o processo. Antes, a geração anterior, realmente

pensava no coletivo e tinha uma unidade. Hoje eu não vejo essa unidade na

relação entre a juventude nessa militância na comunidade.120

Eu acho que a gente tem uma coisa que facilita, que é que essa geração mais

velha já trilhou um caminho pra abrir muitos espaços. Hoje todo mundo sabe

o que é o movimento popular, o que é a cultura popular, o que são as escolas

comunitárias, que foi a luta dessa geração. Mas por outro lado, a nossa

geração precisa muito de se manter, de trabalhar, e pra estar no movimento

precisa de uma dedicação que eu acho que mesmo quem quer, quem tem

essa vontade, muitas vezes é arrastado pra um trabalho formal, pra trabalhar

num espaço em que não tem como fazer essa cultura e manter essa luta.121

A inevitável reconfiguração do movimento social e cultural na contemporaneidade e a

repercussão deste fato nos bairros populares merecem um esforço de levantamento histórico,

no sentido de garantir a preservação da memória das conquistas dos movimentos sociais e

também das estratégias que implicaram na sua consecução. No caso de Alagados,

consideramos fundamental a divulgação da experiência do Espaço Cultural, enquanto símbolo

de um importante movimento de cultura capitaneado pelos moradores do bairro, mas também

como exemplo da possibilidade de construção de políticas efetivamente públicas.

A partir da análise aqui realizada, propomos com esta dissertação que haja uma maior

atenção por parte do Estado, na elaboração das políticas culturais, aos territórios em que atua.

Esse reconhecimento do território, no entanto, deve ter o cuidado de não buscar a mera

constatação de impressões preconcebidas ou o simples levantamento das práticas já

legitimadas, para que estas sejam reforçadas. Deve a elas aliar condições e possibilidades de

elaboração de políticas culturais que estimulem a reflexão sobre a cultura existente, bem

como a criação de novas práticas.

Por fim, afirmamos que a melhor maneira de se fazer políticas de cultura com essa

perspectiva é construí-las em diálogo permanente com as pessoas e organizações que vivem e

120

Cristiane Andrade, assistente social, freqüentadora do Espaço Cultural Alagados na década de 90, diretora da

Associação Duque Aiz. Entrevista cedida à autora em 11 de maio de 2009, na ABEAC – Associação Beneficente

de Educação Arte e Cidadania, no bairro da Ribeira.

121

Sônia Dias, pedagoga, professora da Escola Comunitária Luiza Mahin. Entrevista cedida à autora no dia 13 de

maio de 2009, na Associação de Moradores 28 de Agosto.

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conhecem o território, inclusive porque, ao gestor público, seria impossível entender e lidar de

fato com a multiplicidade dos territórios onde o estado intervém.

A abertura de canais de participação pelo Estado, no entanto, não implica em uma automática

adesão da população e na sua mobilização em torno das políticas públicas. A própria idéia de

participar politicamente através dos canais em que esta participação é “permitida” traz o

paradoxo de uma participação limitada, que mantém a hierarquia entre Estado e território na

elaboração das políticas. Assim, permanece a questão sobre como é possível, na conjuntura

atual, que a população, além de se manifestar nos canais em que sua participação é

convocada, permitida e – em menor proporção – ouvida, extrapole esses canais, subvertendo a

proposta do Estado e apropriando-se da política cultural.

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Biblioteca Pública do Estado da Bahia (Jornais Correio da Bahia, Tribuna da Bahia e A

Tarde)

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Arquivo da Fundação Cultural do Estado da Bahia – FUNCEB (relatórios referentes aos

Espaços Culturais administrados pela Fundação)

Acervo do Espaço Cultural Alagados (relatórios, fotografias e documentos diversos sobre as

atividades do Espaço entre 1989 e 2007)

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ANEXOS

I. Cronologia

PERÍODO PANORAMA POLÍTICO

GERAL

POLÍTICAS PARA A

CULTURA

OCUPAÇÃO,

URBANIZAÇÃO E

POLÍTICAS CULTURAIS

EM ALAGADOS

CA

DA

DE

70

1971

Nomeação de Antonio Carlos

Magalhães ao Governo do

Estado (pelo colégio eleitoral)

Nomeação de Clériston

Andrade à Prefeitura (pelo

Governador)

1972

Instituição, pelo BNH, do

GEPAB - Grupo de Estudo para

os Alagados da Bahia (para

formulação do Plano

Urbanístico de Alagados)

1973 Início da Implantação do Plano

Urbanístico de Alagados pelo

Governo Estadual (até 1984)

1974

Ernesto Geisel assume a

Presidência

Criação da Fundação Cultural

do Estado da Bahia – FUNCEB

e nomeação de Ramakrishna

Bagavan e, em seguida, Luiz

Monteiro da Costa como

Diretor.

Criação da AMESA - Alagados

Melhoramentos S/A

1975

Nomeação de Roberto Santos

ao Governo do Estado (pelo

colégio eleitoral)

Nomeação de Jorge Hage à

Prefeitura (pelo Governador)

Início da implantação do

Programa Nacional de Centros

Sociais Urbanos - PNCSU (até

1984)

Elaboração do primeiro Plano

Nacional de Cultura.

Criação da Fundação Nacional

das Artes – FUNARTE e do

Centro Nacional de Referência

Cultural – CNRC.

Nomeação de Fernando da

Rocha Peres como Diretor da

FUNCEB

1976 Criação do Conselho Nacional

de Cinema - CONCINE e da

RADIOBRÁS

1977 Nomeação de Fernando Wilson

à Prefeitura (pelo Governador)

Nomeação de Valentin

Calderón como Diretor da

FUNCEB

1978 Nomeação de Edvaldo Brito à

Prefeitura (pelo Governador)

1979 João Figueiredo assume a

Presidência

Criação da Fundação Pró-

Memória e do Instituto

Nacional do Patrimônio

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132

Histórico e Artístico Nacional -

IPHAN

Abertura partidária

Reabertura da UNE

Nomeação de Geraldo

Machado como Diretor da

FUNCEB e implantação do

PRODASEC.

Nomeação de Antonio Carlos

Magalhães ao Governo do

Estado (pelo colégio eleitoral)

Nomeação de Mário Kertész à

Prefeitura (pelo Governador)

CA

DA

DE

80

1980

Visita do Papa João Paulo II e

inauguração da Igreja Nossa

Senhora dos Alagados

Início da implantação do

PRODASEC em Alagados (até

1982)

1981

Nomeação de Renan Baleeiro à

Prefeitura (pelo Governador)

Criação da Secretaria de

Cultura, dentro do Ministério

da Educação e Cultura

Primeira apresentação dos

grupos Sapinho Colorido e

Explosão e Aventura, dentro do

I Circuito Cultural de Alagados

1982

I Jornada de Arte nos Bairros

Inauguração do Cine-Teatro

Alagados

1983

Eleição de João Durval

Carneiro ao Governo do Estado

(voto popular)

Nomeação de Manoel Castro à

Prefeitura (pelo Governador)

Nomeação de Olívia Barradas

como Diretora da FUNCEB

Alteração da AMESA para

HAMESA - Habitação e

Melhoramentos S/A

Nomeação de Leonel Nunes

como gestor do Cine-Teatro

Alagados

1984 Fim do Programa Nacional de

Centros Sociais Urbanos -

PNCSU

Fim da implantação do Plano

Urbanístico de Alagados /

Erradicação das palafitas

1985

Nomeação de Tancredo Neves

à Presidência (indicado por

colégio eleitoral), tendo José

Sarney como vice, que assume

a Presidência, após a morte do

titular.

Criação do Ministério da

Cultura - MinC

Formação da Comissão

Cultural de Alagados

1986

Eleição de Mário Kertész –

PMDB à Prefeitura (voto

popular)

Criação da Lei Sarney de

Incentivo à Cultura

Criação da Fundação Gregório

de Mattos (Prefeitura

Municipal)

1987

Eleição de Waldir Pires –

PMDB ao Governo do Estado

(voto popular)

Criação da Fundação Nacional

das Artes Cênicas -

FUNDACEN, da Fundação do

Cinema Brasileiro e da

Fundação Nacional Pró-Leitura

Nomeação de José Carlos

Extinção da HAMESA

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133

Capinam e de Florisvaldo

Mattos como diretores da

FUNCEB (março e julho,

respectivamente).

Depredação do Cine-Teatro

Alagados (data imprecisa, entre

1987 e 1988)

1988 Aprovação da nova

Constituição Federal

Criação da Fundação Palmares

1989

Nilo Coelho assume o Governo

do Estado, após saída do titular.

Nomeação de Ordep Serra

como Diretor da FUNCEB

Abertura do Espaço Cultural

Alagados e nomeação de Isael

Barros como coordenador

Eleição de Fernando José –

PMDB à Prefeitura (voto

popular)

CA

DA

DE

90

1990

Eleição de Fernando Collor à

Presidência (voto popular)

Extinção do Ministério da

Cultura e de vários órgãos e

empresas públicas de finalidade

cultural

Nomeação de Walfrido Moraes

como Diretor da FUNCEB

Realização do I FITAB –

Festival Independente de Teatro

Amador, no Espaço Cultural

1991

Eleição de Antonio Carlos

Magalhães – PFL ao Governo

do Estado (voto popular)

Extinção da Secretaria de

Cultura do Estado da Bahia

Nomeação de José Augusto

Burity como Diretor da

FUNCEB

Ocupação das ruínas do Cine-

Teatro pela Academia de

Capoeira Filhos do Sol

Nascente (Mestre Pé-de-Ferro)

Reorganização da Comissão

Cultural de Alagados

1992

Realização do II FITAB no

Espaço Cultural

Implantação das oficinas do

Projeto Viver com Arte, da

FUNCEB, no Espaço Cultural

1993

Itamar Franco assume a

Presidência, após impeachment

do titular

Eleição de Lídice da Mata –

PSB à Prefeitura (voto popular)

Reabertura do Ministério da

Cultura, extinto no governo

Collor

Criação da Lei do Audiovisual

1994 Realização do III FITAB no

Espaço Cultural

1995

Eleição de Fernando Henrique

Cardoso à Presidência (voto

popular)

Eleição de Paulo Souto – PFL

ao Governo do Estado (voto

popular)

Criação da Secretaria de

Cultura e Turismo do Estado da

Bahia, nomeação do secretário

Paulo Gaudenzi

1996

Realização do IV FITAB no

Espaço Cultural

Implantação dos programas

Ribeira Azul e Viver Melhor

1997 Eleição de Antônio Imbassahy

– PFL à Prefeitura (voto

popular)

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1999

Reeleição de Fernando

Henrique Cardoso à

Presidência (voto popular)

Eleição de César Borges – PFL

ao Governo do Estado (voto

popular)

Criação da CAMMPI –

Comissão de Articulação e

Mobilização dos Moradores da

Península de Itapagipe

CA

DA

DE

2000

2000

Saída de Isael Barros do Espaço

Cultural Alagados

Nomeação de Hélio Paulo

como coordenador do Espaço

Cultural Alagados

2001 Reeleição de Antônio

Imbassahy – PFL à Prefeitura

(voto popular)

2002 Otto Alencar assume o

Governo do Estado, após saída

do titular

2003

Eleição de Luis Inácio Lula da

Silva à Presidência (voto

popular)

Eleição de Paulo Souto – PFL

ao Governo do Estado (voto

popular)

Nomeação de Armindo Bião

como Diretor da FUNCEB

2005

Eleição de João Henrique

Carneiro - PDT à Prefeitura

(voto popular)

Nomeação de Paulo Costa

Lima como presidente da

Fundação Gregório de Matos –

FGM

2007

Reeleição de Luis Inácio Lula

da Silva à Presidência (voto

popular)

Eleição de Jaques Wagner –

PT ao Governo do Estado (voto

popular)

Criação da Secretaria de

Cultura do Estado da Bahia –

SECULT. Nomeação do

secretário Márcio Meireles

Nomeação de Gisele

Nussbaumer como Diretora da

FUNCEB

Nomeação de Wanderlei

Moreira (Metrô) como

coordenador do Espaço

Cultural Alagados

Criação da ONG CENCA –

Centro de Cultura de Alagados

2009

Reeleição de João Henrique

Carneiro – PDT à Prefeitura

(voto popular)

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II Relação de entrevistados

1. Entrevistados relacionados ao Cine-Teatro Alagados

Ronaldo Bonfim, funcionário da CONDER e morador do bairro, foi bilheteiro do

Cine-Teatro Alagados. 25 de abril de 2009, no Espaço Cultural Alagados.

Leonel Nunes, ator e coordenador do Cine-Teatro Alagados entre 1983 e 1986. 27 de

abril de 2009.

Reinaldo Nunes, teatrólogo e ex-gerente dos espaços culturais da FUNCEB na capital,

na década de 90. 27 de abril de 2009, na residência do entrevistado, no bairro da

Saúde.

Mestre Pedro Pé-de-Ferro, diretor da Associação de Capoeira Filhos do Sol Nascente,

que desde 1991 ocupa as ruínas do antigo Cine-Teatro Alagados. 08 de maio de 2009,

no Cine-Teatro Alagados.

Joselito Crispim, Arte-educador e diretor do Grupo Cultural Bagunçaço. 08 de maio de

2009, na sede do Grupo Cultural Bagunçaço.

2. Entrevistados relacionados ao PRODASEC e/ou ao Espaço Cultural Alagados

Isael Barros, educador e primeiro coordenador do Espaço Cultural Alagados. 02 de

setembro de 2008, na Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia.

Wanderlei Moreira (Metrô), liderança do movimento cultural do bairro e coordenador

do Espaço Cultural Alagados entre 2007 e 2009. 03 de setembro de 2008, no Espaço

Cultural Alagados.

Fátima Sobrinho (Fafá), assistente social e atriz, ex-diretora da Federação Baiana de

Teatro Amador (84 a 86 e 94 a 96). Setembro de 2008, no Espaço Cultural Alagados.

Ruy Mendes, técnico do Espaço Cultural desde 1996. 08 de maio de 2009, no Espaço

Cultural Alagados.

Hélio Paulo, ex-coordenador do Espaço Cultural Alagados entre 2000 e 2007. 11 de

maio de 2009, na residência do entrevistado, no bairro do Politeama.

Jamira Muniz, educadora, atual coordenadora do Espaço Cultural Alagados. 11 de

maio de 2009, na Escola Comunitária Luiza Mahin.

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Sue Ribeiro, teatróloga e professora de teatro em Alagados durante a década de 80,

pela Fundação Cultural do Estado da Bahia. 12 de maio de 2009, na Secretaria de

Cultura Estadual.

Tainã Andrade, teatróloga, militante do Movimento de Teatro de Rua e ex-professora

de teatro em Alagados, pela Federação Baiana de Teatro Amador. 14 de maio de 2009,

no Largo Dois de Julho.

Jacira de Jesus Costa, membro do CAMA – Centro de Arte e Meio Ambiente e

colaboradora da FUNCEB lotada no Espaço Cultural Alagados. 15 de maio de 2009,

no Espaço Cultural Alagados.

3. Lideranças locais ligadas prioritariamente a outros segmentos, não culturais

Zínio, diretor da Associação Duque Aiz e vigilante. 11 de maio de 2009, no Espaço

Cultural Alagados.

Nilda Dias do Espírito Santo, diretora da Associação de Moradores Dom Avelar e da

Escola Comunitária Canto da Paz. 12 de maio de 2009, na Escola Canto da Paz.

Aurélio, presidente da Associação de Moradores do Conjunto João Paulo II, fundador

de outras associações do bairro e comerciante. 15 de maio de 2009, no bar de sua

propriedade, no Conjunto João Paulo II.

Lurdes da Conceição Nascimento, coordenadora da Escola Comunitária Luiza Mahin

e da Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia. 29 de dezembro de 2009, na

Escola Comunitária Luiza Mahin.

Maricelma Bonfim, coordenadora da Escola Comunitária Luiza Mahin e da

Associação dos Moradores do Conjunto Santa Luzia. 29 de dezembro de 2009, na

Escola Comunitária Luiza Mahin.

4. Lideranças jovens locais em atuação

Cristiane Andrade, assistente social, freqüentadora do Espaço Cultural Alagados na

década de 90, diretora da Associação Duque Aiz. Entrevista cedida à autora em 11 de

maio de 2009, na ABEAC – Associação Beneficente de Educação Arte e Cidadania,

no bairro da Ribeira.

Júnior Espírito Santo, membro da Associação de Moradores Dom Avelar e

colaborador da Escola Comunitária Canto da Paz. Entrevista cedida à autora em 12 de

maio de 2009, na Escola Canto da Paz.

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Raimundo, ex-integrante do CAMA – Centro de Arte e Meio Ambiente. Entrevista

cedida à autora em 12 de maio de 2009, na Escola Canto da Paz.

Jairo, professor de capoeira e teatro de máscaras, membro da Associação de Capoeira

Filhos do Sol Nascente. Entrevista cedida à autora em 13 de maio de 2009, no Cine-

Teatro Alagados.

Sônia Dias, pedagoga, professora da Escola Comunitária Luiza Mahin. Entrevista

cedida à autora no dia 13 de maio de 2009, na Associação de Moradores 28 de Agosto.

Andréia Araújo, mobilizadora social pela CAMMPI, ex-integrante do CAMA – Centro

de Arte e Meio Ambiente. Entrevista cedida à autora no dia 13 de maio de 2009, na

Associação de Moradores 28 de Agosto.

Ramón Bonfim Barros, freqüentador do Espaço Cultural Alagados na década de 90,

membro da REPROTAI – Rede de Protagonistas em Ação de Itapagipe e assessor

político na Camara dos Vereadores de Salvador. Entrevista cedida à autora no dia 14

de maio de 2009, na Prefeitura de Salvador.