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Faculdade Boa Viagem Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA Mestrado Profissional em Gestão Empresarial -MPGE Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa Marca global e cultura local: uma arqueologia em busca de compreensão da sociedade ocidental contemporânea Recife, 2009

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Faculdade Boa Viagem

Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA

Mestrado Profissional em Gestão Empresarial -MPGE

Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa

Marca global e cultura local: uma arqueologia em busca

de compreensão da sociedade ocidental contemporânea

Recife, 2009

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Faculdade Boa Viagem Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA

Mestrado Profissional em Gestão Empresarial -MPGE

Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa

Marca global e cultura local: uma arqueologia em busca

de compreensão da sociedade ocidental contemporânea

Orientador: Prof. André Luiz M. de Souza Leão, Doutor

Recife, 2009

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Faculdade Boa Viagem Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA

Mestrado Profissional em Gestão Empresarial – MPGE

CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A DISSERTAÇÕES

Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes, o acesso a dissertações do Mestrado Profissional em Gestão Empresarial do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração da Faculdade Boa Viagem é definido em três graus: - “Grau 1”: livre (sem prejuízo das referencias ordinárias em citações diretas ou indiretas); - “Grau 2”: com vedação a cópias, no todo ou em parte, sendo, em conseqüência, restrita a consulta em ambiente de biblioteca com saída controlada; - “Grau 3”: apenas com autorização expressa do autor por escrito, devendo, por isso, o texto, se confiado a bibliotecas que assegurem a restrição, ser mantido em local sob chave ou custódia; A classificação desta dissertação se encontra, abaixo, definida por seu autor. Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, a fim de que se preservem as condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área de administração.

Título da Dissertação: Marca Global e Cultura Local: uma Arqueologia em Busca de

Compreensão da Sociedade Ocidental Contemporânea Autora: Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa Data da aprovação: 07 de julho/2009 Classificação, conforme especificado acima: Grau 1 Grau 2 Grau 3

Recife, 11/08/09

________________________ Assinatura do autor

X

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Flávia Zimmerle da Nóbrega Costa

Marca global e cultura local: uma arqueologia em busca

de compreensão da sociedade ocidental contemporânea

Orientador: André Luiz M. de Souza Leão, Doutor

Dissertação apresentada como requisito

complementar à obtenção do grau de Mestre em

Administração do Centro de Pesquisa e Pós-

Graduação em Administração – CPPA da

Faculdade Boa Viagem

Recife, 2009

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Costa, Flávia Zimmerle da Nóbrega

Marca Global e Cultura Local: Uma Arqueologia em Busca de Compreensão da Sociedade Ocidental Contemporânea / Flávia Zimmerle

da Nóbrega Costa. – Recife: O Autor, 2009. 170 folhas : figuras; tabelas

Dissertação (mestrado) – Faculdade Boa Viagem. Administração, 2009.

Inclui Bibliografia.

1. Cultura – Globalização. 2. Marca Global. 3. Sociedade Ocidental. 4. Discurso. 5. Arqueologia. 6. Fotoetnografia I. Título.

CDU 316.6

C837m FBV

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Ao meu marido,

por muito mais que compreender,

por de fato, incentivar, se envolver, dividir

e acrescentar razão a

todas as tarefas que empreendo em minha vida.

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Agradecimentos

Agradeço inicialmente a meus familiares: meu marido, meu filho, meus pais, minha

nora e meus irmãos, pela compreensão da minha ausência em vários momentos de nossas

vidas nesses últimos dois anos, esperando pacientemente pela minha companhia, apoiando e

até comemorando cada etapa cumprida neste período Contudo não poderia deixar de fazer um

agradecimento especial ao meu marido por me acompanhar na verdadeira aventura, que

constitui-se às saídas para captura das imagens que formaram o corpus de pesquisa, e por ter

disponibilizado seus equipamentos, condições que foram imprescindíveis para concluir com

êxito as tarefas de campo. Ainda, aos meus pais pelo exemplo de dignidade e perseverança,

minha eterna gratidão.

Agradeço muitíssimo ao meu orientador André Leão, pelo apóio e cumplicidade,

sempre! Sou grata por todas as lições que me repassou e que contribuíram com minhas

reflexões para o desenvolvimento deste trabalho, mas especialmente, por sua sabedoria em

esperar o momento de assentamento das novas idéias, atitude peculiar aos grandes mestres.

Agradeço em especial à diretoria da Faculdade Boa Viagem por proporcionar e apoiar

a concretude de realização desta etapa profissional da minha carreira, como também não

poderia deixar de citar todos os professores e funcionários do programa que contribuíram

decisivamente para a minha formação acadêmica, profissional e pessoal.

Minha admiração e gratidão à professora Sônia Calado, coordenadora do Centro de

Pesquisa e Pós-Graduação em Administração – CPPA e do Mestrado Profissional em Gestão

Empresarial – MPGE, pelo conhecimento, experiência, sabedoria, respeito e carinho

partilhados em todos os momentos.

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Agradeço ainda aos professores membros da banca examinadora, Fernando Paiva e

Sérgio Benício, por aceitarem o convite, honrando-nos com suas contribuições e com suas

presenças.

Às minhas grandes amigas, meu muito obrigado pela companhia, incentivo, força e

carinho, além das generosas trocas de experiências e saberes, estresses e também, claro, os

melhores momentos, os extremamente divertidos que foram partilhados e que se tornaram tão

importantes para o estímulo nessa caminhada.

Agradeço a Josivan Rodrigues e Gustavo Penteado por me terem cedido imagens de

seus arquivos pessoais, tão importantes para completude do meu corpus de pesquisa.

Enfim, meus sinceros agradecimentos a todos aqueles que de alguma forma doaram

um pouco de si para que a conclusão deste trabalho se tornasse possível.

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“Existem momentos na vida onde a questão de

saber se se pode pensar diferentemente do que se

pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é

indispensável para continuar a olhar ou a

refletir(...)”.

Michel Foucault, 2006 (A História da Sexualidade: O Uso dos Prazeres, Vol.2).

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Resumo

Nos últimos anos as sociedades em rede foram expostas aos processos de globalização e

mundialização, sendo esta uma condição compulsória do sistema capitalista de consumo e

suas entremeadas relações com as culturas ocidentais. O conflituoso campo de cruzamentos

culturais possibilitou o estabelecimento de valores universais em meios locais, e a cultura de

massas promoveu as marcas, signos máximos de consumo, a símbolos culturais complexos e

globais. Através de um estudo fotoetnográfico inspirado no método arqueológico de Michel

Foucault este trabalho buscou analisar a sociedade ocidental contemporânea por meio dos

discursos mundanos construídos no intercâmbio entre as culturas global e local. Para tanto,

buscamos descrever a teia discursiva formada no limiar relacional entre essas culturas,

utilizando uma marca transnacional como veículo de expressão da sociedade ocidental,

registrando sua presença nas práticas cotidianas mundanas. Desse modo, a pesquisa está

embasada em métodos estruturalistas de investigação. A escolha do projeto arqueológico

foucaultiano nos possibilitou realizar a análise por meio de um trabalho de ordenação,

definição e descrição, elaborado no interior do campo discursivo. Os resultados do campo

afloraram as argumentações: retórica e dialética. Apesar dos falantes situarem-se em mundos

distintos (da vida e do sistema), organizam-se por meio de um intercâmbio sistêmico,

redimensionando-se de forma dinâmica. Os mesmos não nos propiciaram resultados

definitivos, condição que não refletiria a nossa intenção nem opção paradigmática, mas geram

reflexões a respeito do tema investigado sob uma abordagem ainda minoritária na academia.

Palavras-chave: Marcas Globais, Sociedade Ocidental, Discurso, Arqueologia, Foto-

etnografia

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Abstract

In the last couple of years the societies were exposed to the processes of globalization and

internationalization, which is a compulsory condition of the capitalist system of consumption

and their intertwined relationship with the Western cultures. The conflict field of cultural

crosses enabled the establishment of universal values into local environments, and the popular

culture promoted the brands, maximum signs of consumption, to cultural symbols complexes

and global. Through a photo-ethnographic study based on the archaeological method of

Michel Foucault this study aimed to analyze the contemporary Western society through the

mundane speeches constructed in the exchanges between local and global cultures. For this,

we describe the discursive web formed in the relational threshold between these cultures,

using a transnational brand as a vehicle for expression of the Western society, registering its

presence in the mundane daily practices. Thus, the study is based on structuralist methods of

research. The choice of the archaeological Foucaultian project allowed us to conduct an

analysis through a work of ordination, definition and description, developed within the

discursive field. The field results raised the argumentation: rhetoric and dialectic. Although

the speakers are located in different worlds (of life and the system), they organize themselves

through a systemic exchange, resizing dynamically. They did not provide to us definitive

results, condition that does not reflect our intention or paradigmatic option, but generate

thoughts about the investigated subject under a minority approach in academic.

Key-words: Global brands, Occidental society, Discourse, Archeology, Photoethnography.

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Listas de figuras

Figura 1(3) - Mapa indicativo da direção das rotas percorridas ............................................... 75

Figura 2 (3) - Rotas percorridas região sul ............................................................................... 81

Figura 3 (3) - Rotas percorridas região norte ........................................................................... 82

Figura 4 (3) - Rotas percorridas região centro e região oeste ................................................... 83

Figura 5 (4) - Regra uniformidade ............................................................................................ 98

Figura 6 (4) - Zona sul subúrbio foto 41: uniformidade por meio dos elementos da logomarca,

peças publicitárias e visual merchandising – Out 2008 ............................................................ 99

Figura 7 (4) - Regra reprodução ............................................................................................. 100

Figura 8 (4) - Zona sul subúrbio foto 14: reprodução por meio dos elementos da logomarca e

peças publicitárias – Out 2008 ............................................................................................... 101

Figura 9 (4) - Zona norte litoral foto 08: reprodução por meio de material merchandising –

Nov 2008 ................................................................................................................................ 102

Figura 10 (4) - Zona oeste foto 68: reprodução por meio de material merchandising – Dez

2008 ........................................................................................................................................ 102

Figura 11 (4) - Regra prática de poder ................................................................................... 104

Figura 12 (4) - Zona norte subúrbio foto 88: persuadir e ser representada por meio de

adaptações populares e de elementos da logomarca – Nov 2008 ........................................... 105

Figura 13 (4) - Zona sul litoral foto 01: persuadir, propiciar entretenimento, experienciar e

estipular regras por meio de ações promocionais, peças publicitárias e elementos da

logomarca – Jun 2008 ............................................................................................................. 106

Figura 14 (4) - Zona Centro foto 11: persuadir e comunicar por meio de pontos de

atendimento – Ago2008. ........................................................................................................ 106

Figura 15 (4) - Zona Centro foto 10: promover hegemonia por meio de peças publicitárias e

visual merchandising. – Ago 2008 ......................................................................................... 107

Figura 16 (4) - Zona sul litoral foto 02: Persuadir, desculpabilizar excesso e experienciar por

meio de operações com distribuidor – Ago 2008 ................................................................... 108

Figura 17 (4) - Zona sul subúrbio foto 22: propiciar entretenimento por meio de operações

com distribuidor – Out 2008 ................................................................................................... 109

Figura 18 (4) - Regra relação de poder ................................................................................... 110

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Figura 19 (4) - Zona sul subúrbio foto 78: ser representada por meio de elementos da

logomarca e adaptações populares – Nov 2008...................................................................... 111

Figura 20 (4) – Foto anterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008 .... 112

Figura 21 (4) – Foto posterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008 .. 112

Figura 22 (4) - Zona Sul litoral foto 62: Tolerar partilhamento de espaço e tolerar diferenças

estéticas por co-habitação de marcas concorrentes e operações com o distribuidor– Nov 2008

................................................................................................................................................ 113

Figura 23 (4) - Regra articulação cultural .............................................................................. 114

Figura 24 (4) - Zona noroeste foto 02: Antropomorfizar e incorporar aspectos culturais por

meio de adaptações populares – Nov 2008 ............................................................................ 115

Figura 25 (4) - Zona centro foto 07: apropriar-se de aspectos culturais por meio de peças

publicitárias – Ago 2008 ........................................................................................................ 116

Figura 26 (4) - Zona sul subúrbio foto 107: apoiar convenção social por meio de adaptações

populares – Out 2008 .............................................................................................................. 117

Figura 27 (4) – Ampliação de detalhe da figura 28 – Out 2008 ............................................. 118

Figura 28 (4) - Regra Incitamento .......................................................................................... 119

Figura 29 (4) - Zona Centro foto 118: comunicar por meio do ponto de atendimento – Nov

2008 ........................................................................................................................................ 120

Figura 30 (4) - Zona Centro foto 01: comunicar por meio do ponto de atendimento – Ago

2008 ........................................................................................................................................ 120

Figura 31 (4) - Zona norte litoral foto 02: propiciar entretenimento por meio de peças

publicitárias – Ago 2008 ........................................................................................................ 121

Figura 32 (4) - Zona norte litoral foto 12: persuadir por meio de operações com o distribuidor

– Ago 2008 ............................................................................................................................. 122

Figura 33 (4) - Regra rebeldia ................................................................................................ 123

Figura 34 (4) - Zona norte subúrbio foto 03: ser representada por adaptações populares – Ago

2008 ........................................................................................................................................ 124

Figura 35 (4) - Regra polifonia ............................................................................................... 125

Figura 36 (4) - Zona Noroeste foto 46: identificar parceiros por meio de operações com

distribuidor – Nov 2008 .......................................................................................................... 125

Figura 37 (4) - Regra redundância .......................................................................................... 126

Figura 38 (4) - Zona sul subúrbio foto 104: identificar parceiros por meio de adaptações

populares – Nov 2008 ............................................................................................................. 127

Figura 39 (4) - Regra credibilidade ........................................................................................ 128

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Figura 40 (4) - Zona centro foto 02: comunicar por meio de operações do distribuidor – Jan

2009 ........................................................................................................................................ 128

Figura 41 (4) - Zona sul subúrbio foto 03: comunicar por meio de material merchandising –

Dez 2008 ................................................................................................................................. 129

Figura 42 (4) - Jogo de memória ............................................................................................ 132

Figura 43 (4) - Funções do marketing .................................................................................... 133

Figura 44 (4) - Manipulação e confronto ............................................................................... 135

Figura 45 (4) - Divergência cultural ....................................................................................... 137

Figura 46 (4) - Um meio de expressão ................................................................................... 139

Figura 47 (4) - Simbiose ......................................................................................................... 141

Figura 48 (4) - Sujeito do projeto/projeto do sujeito .............................................................. 142

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Listas de tabelas

Tabela 1 (3) - Rotas percorridas, série e datas .......................................................................... 76

Tabela 2 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.) ............................................................. 77

Tabela 3 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.) ............................................................. 78

Tabela 4 (3) - Coleta dos elementos no campo ........................................................................ 90

Tabela 5 (3) - Coleta dos elementos no campo (Cont.) ............................................................ 91

Tabela 6 (4) - Síntese das descrições enunciativas ................................................................... 94

Tabela7 (4) - Síntese das descrições enunciativas (Cont.) ....................................................... 95

Tabela 8 (4) - Função e ação propiciada................................................................................... 96

Tabela 9 (4) - Regra e descrição ............................................................................................... 97

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15

1.1 Problemática ...................................................................................................................... 17

1.2 Pergunta de Pesquisa ......................................................................................................... 22

1.3 Justificativas ...................................................................................................................... 24

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................................... 26

2.1 A sociedade de consumo ocidental.................................................................................... 27

2.1.1 A imaterialidade do objeto na civilização [pós-] moderna ........................................... 27

2.1.2 A condição [pós-]moderna ........................................................................................... 31

2.1.3 A cultura material (reconsiderada?) .............................................................................. 33

2.2 A cultura como meio possível ........................................................................................... 38

2.2.1 Definindo cultura .......................................................................................................... 39

2.2.2 A cultura popular e o sistema ....................................................................................... 40

2.2.3 Cultura brasileira: um discurso que nasceu moderno ................................................... 43

2.2.4 A cultura global desenraiza, para apoderar ................................................................... 45

2.2.5 Nova experiência territorial? ........................................................................................ 48

2.3 Marcas: relação incorpórea, representação material ......................................................... 52

2.3.1 Breve introdução: signifique, a marca significa ........................................................... 53

2.3.2 De identificadoras a difundidoras a capitalizadoras: marcas sob outros valores? ........ 54

2.3.3 A arqueologia como oportunidade ................................................................................ 62

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 66

3.1 Possibilidade Epistemológica ............................................................................................ 66

3.1.1 A análise arqueológica .................................................................................................. 68

3.2 Escavação e coleta de vestígios ......................................................................................... 70

3.2.1 Um estudo de caso instrumental ................................................................................... 70

3.2.2 Processos e registros de uma etnografia arqueológica ................................................. 72

3.2.3 Formação do arquivo: o terreno das coisas ditas .......................................................... 74

3.3 Procedimento analítico ...................................................................................................... 86

3.3.1 O procedimento arqueológico ....................................................................................... 86

3.3.2 Componentes do procedimento analítico ...................................................................... 89

4 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS ................................................................................ 93

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4.1 A identificação no limiar discursivo ................................................................................. 93

4.1.1 As descrições enunciativas ........................................................................................... 94

4.1.2 As funções .................................................................................................................... 95

4.1.3 As regras ....................................................................................................................... 96

4.2 A prática estabelecida no limiar discursivo ....................................................................... 97

4.2.1 Sob a regra uniformidade .............................................................................................. 98

4.2.2 Sob a regra reprodução ............................................................................................... 100

4.2.3 Sob a regra Prática de poder ....................................................................................... 103

4.2.4 Sob a regra Relação de poder ..................................................................................... 110

4.2.5 Sob a regra Articulação cultural ................................................................................. 114

4.2.6 Sob a regra Incitamento .............................................................................................. 119

4.2.7 Sob a regra Rebeldia ................................................................................................... 123

4.2.8 Sob a regra Polifonia .................................................................................................. 124

4.2.9 Sob a regra Redundância ............................................................................................ 126

4.2.10 Sob a regra Credibilidade ........................................................................................... 128

4.3 As formações discursivas ................................................................................................ 130

4.3.1 Jogo de memória ......................................................................................................... 131

4.3.2 Funções do marketing ................................................................................................. 132

4.3.3 Manipulação e confronto ............................................................................................ 134

4.3.4 Divergência cultural .................................................................................................... 136

4.3.5 Um meio de expressão ................................................................................................ 138

4.3.6 Ideologia ..................................................................................................................... 140

4.3.7 Simbiose ..................................................................................................................... 140

4.3.8 Sujeito do projeto/ projeto do sujeito .......................................................................... 141

4.4 As regras entre formações discursivas ............................................................................ 143

4.4.1 Argumentação retórica: viva o lado Coca-Cola da vida ............................................. 144

4.4.2 Argumentação dialética: bi-dimensionalidade mundana ............................................ 146

5 CONCLUSÕES ................................................................................................................ 151

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 161

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1 Introdução

Arqueólogos acabam de anunciar que a região Ocidental do planeta comportou um

conjunto de sociedades altamente complexas há cerca de mil anos. Eles confirmam a

descoberta da existência de vestígios seguros de ocupação humana na região, que

corresponderia ao território atual do Grande Parque Reflorestado pertencente à Organização

Internacional das Nações. Segundo os antropólogos, o auge do que denominam de Nação

Ocidental se deu entre os séculos XX e XI.

A civilização descoberta apresenta-se similar às sociedades que precederam às

civilizações do Oriente, mantendo o convívio durante o Período Pós-moderno. Ao que tudo

indica, há mais de 3000 anos já mantinha contatos intensos e intercâmbios constantes entre as

populações das Américas e Europa, fato que coincidiu com a aparição de estruturas políticas

organizadas e sociedades com uma distribuição desigual da riqueza. Os fragmentos históricos,

vestígios manifestos dos vários micro-sítios da Nação Ocidental, encontram-se assentados sob

substratos arenosos de origens e idades diferenciadas, o que sugere uma ocupação extensa e

constante dos espaços geográficos, significando que perdurou por várias gerações.

Nas escavações realizadas naquele sítio histórico, os rastros mais evidentes que foram

coletados sobre o modo de vida deste povo foram sedimentos residuais de diversos artefatos,

curiosamente, a maior parte marcários. O fato chamou a atenção dos antropólogos, uma vez

que parece indicar que o consumo de marcas constituiu-se como um fenômeno de amplitude

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social, garantindo propriedades simbólicas e funcionais à cultura material que lhes está

associada.

Curiosamente, apesar de o fenômeno marcário só fazer sentido enquanto representação

compartilhada socialmente, algumas marcas foram recuperadas em sítios geograficamente

distintos em meio às outras marcas nativas, levando a crer que as mesmas desenvolveram uma

lógica cultural diferenciada: portadoras uma alteração nas práticas espaciais convencionais,

apresentam-se interagindo globalmente. De alguma forma, essas marcas globais superaram a

lógica territorial de espaço e as fronteiras que delimitam o exercício de soberania e coesão

social, e conviveram com marcas nativas, compondo assim, um corpo de resíduos

arqueológicos de uma singular experiência histórica de coexistência.

Através destes fatos os pesquisadores vêm reconstituindo o que foi a vida destas

sociedades e já é possível descrever uma complexa e intensa relação do consumo com as

culturas interligadas por meio de marcas universais.

Os estudiosos anunciaram um plano minucioso de investigações para desvelar os

processos humanos nessas formas de vida. Os mesmos terão início nos sítios localizados na

região circunvizinha da metrópole conhecida por Recife.

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17

1.1 Problemática

A história simulada poderia ser algum dia um resgate histórico sobre a importância

que as marcas ocupam na civilização1 ocidental contemporânea. Numa situação deste tipo,

para reconstituir o seu modo de vida seria preciso elucidar a rede de articulações formada

entre os fragmentos enunciativos que lhes promove sentido. Contextualizado na complexidade

que lhe é própria, o discurso representa uma construção social e surge filiado a uma rede de

outros discursos que lhes legitimam ou confrontam, mas que sempre dialogam entre si

(FOUCAULT, 2007; FAIRCLOUGH, 2001). De imediato, no entanto, tornar-se-ia evidente que se

trata de um modelo em que a cultura de consumo foi uma condição construída que

transformou os artefatos marcários em cultura material capaz de representá-la.

No contemporâneo a sociedade ocidental vive um cenário de consumo abundante

(BAUDRILLARD, 2007) e está inserida em uma nova ordem social em que os indivíduos se

reconstroem na importação de valores culturais continuamente endossados por apelos

midiáticos (TAVARES, 2001) e regida pelo consumo (BARBOSA, 2004; BAUDRILLARD, 2007;

BELK, 2007; BORGERSON, 2005; MCCRACKEN, 2003; 2005; MILLER, 2006, 2005, 2002;

SLATER, 2002).

A sociedade ocidental está exposta e se re-constrói de forma sistêmica em um universo

simbólico gerado pela integração dos processos de mundialização2 e de globalização, que

induziu a superação dos espaços hegemônicos de coesão social (ORTIZ, 2007). Esse fato teve

1 O termo civilização está sendo utilizado aqui como uma metáfora para a sociedade de consumo, em alusão ao apóio onto-epistemológico desta pesquisa no projeto arqueológico foucaultiano. 2 Enquanto a globalização constitui os processos de natureza econômica e tecnológica, a mundialização representa a esfera dos processos culturais (ORTIZ, 2007).

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como suporte as condições de formação da modernidade e do nascimento das nações

(BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003; ORTIZ, 2007; SLATER, 2002), tornando inevitável a

tendência de globalização e suas conflituosas relações entre culturas (ADORNO, 2002;

BRITTOS, 1999; CASTELLS, 2008; DEL. MASSO, 2008; 1999; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2006)

A possibilidade foi articulada na medida em que instigou a construção do pensamento

moderno no entrelaçamento da cultura com o consumo (BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003;

SLATER, 2002), favorecendo no século XX a projeção da imagem do modo de vida

consumista dos Estados Unidos como um ideal de sucesso e liberdade, que traçou linhas

divisórias entre os então chamados: Primeiro e Terceiro Mundos, entre o socialismo e o

capitalismo, articulando um sonho de cultura globalizada possível de se dar no sistema

capitalista de consumo (KLEIN, 2008; SLATER, 2002).

As características das entremeadas relações do consumo com as culturas ocidentais

são o resultado das condições de constituição de seus campos social, cultural e econômico. O

consumo no ocidente foi assumindo uma nova escala e mudando de caráter na medida em que

refletiu os novos padrões de produção, troca e demanda que geraram um crescimento

explosivo de mercados. A partir do século XIX essa ordem instalou-se como um fato social

permanente (BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002).

Assim, a condição de compreensão do modelo de sociedade ocidental tem no

fenômeno de consumo um elemento fundamental, ou ainda, um elemento-chave para análise

de relações sociais e sistemas simbólicos. Sendo considerado um processo cultural, sua

história e desdobramento na multiplicação e na abundância de objetos e seu ascendente papel

na vida social, faz deste o meio significativo fundamental de expressão e constituição desta

forma social (BARBOSA, 2004; BAUDRILLARD, 2007; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006;

MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2006; SLATER, 2002).

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Para Slater (2002), a cultura de consumo ocidental designa um amplo acordo social

mediado pelo mercado. Neste sentido, o consumo é tido como um processo que permite ao ser

humano materializar significados culturais e práticas sociais, estabelecendo limites,

resolvendo conflitos e paradoxos. Neste processo, as categorias sociais estão sendo

continuamente definidas, afirmadas ou redefinidas (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006;

MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2006; SLATER, 2002). Dessa forma, a relação entre consumo e

cultura se estabeleceu de forma intensa, mútua, complicada e sem precedentes (BARBOSA,

2004; BAUDRILLARD, 2007; MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2006; SLATER, 2002; TILLEY, et al.,

2006).

Apesar de inicialmente ter sido identificado que a posse de riqueza e o consumo

abundante era o valor máximo para essa cultura, e de ter sido proposto vários motivos para

esta busca inclusive que estaria na própria riqueza a representação do verdadeiro valor das

pessoas (HIRSCHMAN, 1990), o que ocorre é que, nos processos de consumo e nas

propriedades materiais e simbólicas dos objetos que constituem a cultura material das

civilizações, está a materialização de valores, de significados e de práticas sociais próprias.

(BELK, 2007; BORGERSON, 2005; FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2005; MILLER, 2002;

SLATER, 2002).

Os bens, em última instância, herdam a qualidade de comunicar categorias culturais e

valores sociais, por sua capacidade de tornar visíveis tais categorias. A necessidade de

consumo se origina na cultura, esta a reproduz e renova quando é encenada por meio da

prática e, finalmente, a torna visível por meio dos artefatos escolhidos para comunicar em seu

meio. Pelos significados dos bens vivenciamos o sistema cultural e reafirmamos o modo de

organização da vida social em seus princípios de ordem, justiça e moral, presentes nas

interações na vida cotidiana (MILLER, 2002; SLATER, 2002). Dessa forma, consideramos que

relações de consumo são, antes de tudo, relações culturais (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006;

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FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002), e que os bens de consumo são

comunicadores de categorias culturais e valores sociais, tornando tangíveis categorias de

cultura (BELK, 2007; BORGERSON, 2005; MCCRACKEN, 2005; MILLER, 2002; SLATER, 2002).

O cenário fértil promoveu as marcas a uma posição emblemática nesta estrutura social

(KLEIN, 2008; LEÃO; MELLO, 2004; LEÃO; MELLO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006).

Apoiadas em discursos publicitários que buscam antes de vender produtos, vender sentidos, as

marcas se transformam em uma entidade em si mesmas, virando o próprio objeto de troca

desejado por este sujeito (KLEIN, 2008; LEÃO; MELLO, 2004; LEÃO; MELLO, 2007; PEREZ,

2004; SEMPRINI, 2006). Desse modo, as marcas passam a representar um papel fundamental

nessa forma social mediante sua capacidade de expressar, criar e modificar os sujeitos,

transformando-se em complexos signos de identidade social e constituindo-se, desse modo,

nos signos máximos do consumo (LEÃO; MELLO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006).

Assim, de simples diferenciadoras de produtos, característica adquirida com os

resultados da Revolução Industrial, as marcas se transformaram em símbolos culturais

complexos, gerando o interesse de estudiosos de várias áreas do conhecimento. As marcas

tornam-se, então, signos circulantes da vida cotidiana, reconhecidas e significadas por

consumidores envolvidos em situações sociais nas comunidades a que pertencem (KLEIN,

2008; LEÃO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006).

Como os processos sígnico marcários transcenderam não apenas os grupos e as classes

sociais, mas também as próprias nações, a recente condição de uma sociedade mundializada

coloca em pauta de discussão as questões de cultura, consumo e representações de marcas

globalizadas e suas particulares características de “vida própria”. O fato é que a realidade da

marca global não foi fruto de uma demanda do mercado e sim uma necessidade de

racionalização administrativa (CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007; KAPFERER, 2003).

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Apesar de o marketing enxergar a globalização como uma oportunidade para criar

estratégias lucrativas, confronta-se com as dificuldades em mobilizar para a marca um sistema

único de valores direcionados para uma clientela móvel, que possibilite unificar a emissão da

comunicação (KAPFERER, 2003). Para o autor, marcas globais demandam para seu

fortalecimento no mercado de um posicionamento uniforme e estratégias universais. Para

tanto, o processo de mundialização traz em si um lógica própria, “inventada”, que se realiza e

reifica na cultura de massas e que, de forma inversa à cultura popular, ao invés de ser oriunda

da “massa” foi desenvolvida para essa (ORTIZ, 2007). Nesse cenário a empresa global se

apóia no branding patrocinador de cultura e sedento insaciável de cultura, que acredita que é

cultura, e desse modo busca sobrepujar a cultura nativa e promover a marca ao posto máximo

da mundialização (KLEIN, 2008).

A marca transnacional3 torna-se, então, capaz de compartilhar mundialmente os

discursos de produtos idênticos amparados numa cultura de massas cosmopolita generalista.

Apoiada em uma postura ideológica global de caráter capitalista, a marca global impõe a

participação no sistema como condição de existência e estabelece uma relação passível de

conflito com as culturas nativas, pois envolve formas de poder onde não existe partilha

(ADORNO, 2002; BRITTOS, 1999; ORTIZ, 2007), mas que faz parte do feitio que assumiu a

política mundial do novo milênio (EAGLETON, 2005).

A grande maioria dos autores que tratam da proposta de globalização considera

conflituosa a relação estabelecida entre as culturas global e local. As vulneráveis relações dos

nativos com a sedução dos agentes político-econômicos levam às reflexões para as noções de

global/local como objetos interdependentes e totalizadores da realidade do sistema capitalista,

estimulando a consideração de já haver sido incorporado às subjetividades contemporâneas a

3 Para Ortiz (2007) o desenvolvimento e a consolidação desse mercado tende a tornar obsoleta a concepção de empresa multinacional abrindo espaço para a corporação transnacional, em que existe o comprometimento apenas com uma missão global, única e unificada: os clientes que os interessam são pessoas que apreciam seus produtos em todos os lugares do mundo.

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consciência de um lugar universal. A globalização não é apenas uma prática econômica, mas

política, tecnológica e cultural (GIDDENS, 2000).

Considerando que: a participação no novo sistema é compulsória, pois “a globalização

é uma tendência inevitável (...) (KAPFERER, 2003, p 353) que incorre na impotência

econômica e espiritual do isolado (ADORNO, 2002); a marca é o símbolo máximo da sociedade

de consumo contemporânea; o jogo de mediações entre a mundialização e a cultura popular se

dá nas práticas sociais, ou seja, no espaço de enfrentamento onde de um lado estão presentes

os mecanismos de dominação (que impõem uma postura ideológica global), e de outro estão

presentes lógicas próprias de uso e modos de apropriação do que é imposto (dialética

construída com a cultura local) (CHARTIER, 1995); podemos entender que a sociedade

ocidental contemporânea pode ser conhecida por meio de suas relações com artefatos4

marcários globais.

1.2 Pergunta de Pesquisa

Assumindo que a sociedade ocidental contemporânea é regida por meio do consumo e

pode ser conhecida por meio de signos marcários, e que esses signos se configuram numa

arena privilegiada para luta de sentidos entre a cultura global e a nativa, é fundamental que

compreendamos como isto seja possível. Para tanto, nos guiaremos por uma questão geral e

três específicas.

4 Como proposta de realização de um estudo de inspiração arqueológica que utiliza como pano de fundo

o campo de estudos de cultura material, a intencionalidade da utilização do termo artefato é indicador de qualquer objeto que foi feito ou modificado pelo homem; desse modo, ao ser resgatado nas escavações, a sua condição de fragmento histórico deve ser capaz de promover evidencias de formas de vida. Esta pesquisa entende por artefatos marcários os produtos e referentes imagéticos da marca que formam o ambiente concreto da sociedade investigada. A produção imagética da Coca-Cola torna palpáveis as idealizações e mensagens da marca, permitindo a realização do estudo fotoetnográfico que precisa descrever, discutir cultura material e considerar as relações sociais em um cenário material.

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Baseamo-nos na seguinte questão geral de pesquisa:

Como a sociedade ocidental contemporânea pode ser conhecida

por meio de artefatos marcários globais?5

Assim, a pesquisa que propusemos se propiciou a compreender a maneira pela qual as

marcas, por meio de sua materialidade, é componente fundamental da formação cultural do

Ocidente na contemporaneidade. A generalização da questão-guia da pesquisa denota o

caráter próprio da condição paradigmática de pesquisa qualitativa que assumimos, em que a

busca do conhecimento amplo se dá por meio de investigação das especificidades.

Nesse sentido, delimitaremos nosso estudo orientado pelas seguintes questões

específicas:

Como os artefatos marcários reproduzem a cultura global ocidental?

Como marcas globais se estabelecem nas práticas cotidianas locais?

Como é possível a relação entre a cultura global e a cultura local?

A integração dos processos de globalização e mundialização e suas conseqüências

pertencem a uma realidade que se estabeleceu e que não apenas influência, mas constrói as

relações de consumo contemporâneas das sociedades em rede. Nesse sentido, compreender

como essa forma cultural se apóia em marcas globais e se estabelece nas práticas locais, e

5 Em desenhos qualitativos de pesquisa com orientação paradigmática não-positivista – como é o caso do interpretativismo – se tende a optar pela elaboração de uma ou mais perguntas de pesquisa ao invés de objetivos ou hipóteses (CRESWELL, 1998; 2003). Estas podem se apresentar em duas formas: uma questão “grand tour” ou uma hipótese-guia seguida de questões específicas (CRESWELL, 2003; MILES e HUBERMAN, 1994). A questão “grand tour” – adotada em nossas pesquisas – deve ser elaborada na forma mais geral possível, para não limitar as possibilidades do estudo, mas, concomitantemente, ser focada o bastante para delimitá-lo (CRESWELL, 2003; MARSHAL e ROSSMAN, 1999).

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ainda como se dá essa relação entre culturas global e local, representam uma etapa

fundamental para o desvelar da sociedade ocidental na atualidade.

1.3 Justificativas

Num cenário de consumo abundante, em que os bens constituem a estrutura de uma

vida significativa no plano de desejo e subjetividade (BAUDRILLARD, 2007; SLATER, 2002), os

indivíduos buscam construir-se num mundo cultural através de práticas de consumo. Essa

forma de relação desenvolvida com os bens de consumo e seu potencial revelador de relações

sociais é um campo de estudos que nasce com as formas modernas de consumo (BARBOSA,

2004; FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2002; SLATER, 2002), mas que

muito tem ainda para se desenvolver.

Entendendo que a cultura do consumo seja uma estrutura de relacionamentos e que

estes têm se revelado um importante objeto de investigação para o marketing (ARNOLD;

FISHER, 1996; FULLERTON, 1988; HOWARD et al., 1991; MELLO; LEÃO, 2003), acreditamos que

a contribuição teórica deste estudo seja a de buscar compreender o papel das marcas na

cultura ocidental contemporânea. Ao adotar a lente filosófica foucaultiana como método

instituímos que o discurso é uma prática social e que os enunciados se definem em seus

contextos a partir de um conjunto de condições de co-existência, filiados a uma rede de outros

discursos que os legitimam ou confrontam. Este entendimento pode vir a contribuir com

novos horizontes na forma da pesquisa de marketing investigar o fenômeno marcário nas

sociedades globais. Neste sentido, o estudo também contribui pela adoção da antropologia

visual para a investigação do fenômeno marcário, uma vez que este ainda é um método

incomum nas investigações deste objeto na área de Administração.

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Em termos de aplicabilidade, nossa investigação pretende, ao aprofundar o

conhecimento sobre a relação entre as marcas e a cultura do consumo, desvelar o impacto do

discurso daquelas sobre a forma como esta é moldada, contribuindo para uma prática de olhar

mais humano (LEÃO; MELLO, 2007) da gestão de marketing na abordagem de seus mercados-

alvo.

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2 Fundamentação Teórica

Na presente pesquisa adotamos a perspectiva da antropologia visual de consumo

embasados na condição [pós-]moderna que assumiu a sociedade ocidental. Desse modo,

entendemos que o consumo de signos característico desta forma social, só é possível pelo fato

do mesmo se constituir uma prática cultural, ou seja, uma ação relacional que ganha sentido

na interação de sujeitos sociais.

O que nos permite a possibilidade de conhecer a sociedade ocidental contemporânea

por meio de signos marcários é, então, o fato de reconhecermos que esta é uma forma social

determinada pelo consumo e que esta característica constituiu-se um cenário fértil para que as

marcas assumissem uma posição de destaque. Isto porque as marcas se mostraram como

excelentes suportes para a prática imaterial de manipulação de signos nas formas de consumo

e experiências imateriais da condição [pós-]moderna das sociedades.

A fundamentação teórica desta pesquisa, por tanto, será composta de três seções, que

buscam perfazer um caminho teórico de compreensão da tessitura da sociedade de consumo e

nela situar o posicionamento ocupado pela marca. A primeira seção inicia-se buscando no

desenrolar da constituição desta sociedade, como se estabeleceu essa relação sem precedentes

entre a cultura e o consumo, alimentando a possibilidade sígnica. Tem sua continuidade

considerando a condição contemporânea das sociedades ligadas em rede pelos processos de

globalização e mundialização. Na última seção apresentaremos como o fenômeno marcário

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adquiriu valor para a civilização ocidental e, paralelamente, como esse fenômeno foi

investigado teoricamente pelo marketing.

2.1 A sociedade de consumo ocidental

Partiremos, então, da retrospectiva histórica da constituição da sociedade de consumo e

sua ligação com a cultura, buscando compreender como o objeto de consumo foi depositário

de signos apagando gradativamente a relevância de sua condição material. Seguiremos

apresentando o desenrolar do pensamento sobre a condição [pós-]moderna de consumo e, na

seqüência, discutiremos a importância que assumiu a cultura material para a sociedade de

consumo, posicionando a abordagem investigativa possível para esta avaliação.

2.1.1 A imaterialidade do objeto na civilização [pós-] moderna

Podemos considerar como extremamente complexa a relação que foi construída entre a

cultura e o consumo e entre os sujeitos e seus artefatos, da forma que se apresentam no

contemporâneo. O consumo como um processo cultural tornou-se o elemento central na trama

de construção da modernidade pautada na condição de “livre” decisão das escolhas de um

novo consumidor, que foi desenvolvida no decorrer da civilização ocidental (BARBOSA, 2004;

FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Esta cultura foi ao longo do tempo

sendo re-criada, afirmada e possibilitada através da oferta múltipla de objetos, que sendo uma

fonte de poder, tiveram nesta sociedade opulência, valor e importância crescente

(BAUDRILLARD, 2007; BELK, 2001; MILLER, 2002; TILLEY, 2006).

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Antes da Idade Moderna considerava-se que os objetos eram consumidos por sua

funcionalidade e marcação na estratificação social, a sociedade era conservadora, valorizava o

legado ancestral e assumia os modelos herdados do passado (BARBOSA, 2004; LIPOVETSKY,

2002; SLATER, 2002). A produção era, então, dirigida pelo valor de uso dos produtos frutos do

trabalho, que tinham por finalidade suprir algumas necessidades humanas (CALLINICOS, 2004).

Com o movimento renascentista no século XVI e o fortalecimento da burguesia,

ampliou-se o desejo de promoção social e a imitação das maneiras de ser e de parecer com a

classe aristocrática (LIPOVETSKY, 2002; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Neste período,

sobretudo na Inglaterra, com o aumento considerável do consumo estimulado pela corte

Elisabetana e uma maior oferta de mercadorias, os nobres se tornaram escravos do consumo

competitivo e o comércio transformou-se em uma metáfora para a vida em sociedade. Através

da livre troca de bens, serviços e idéias na esfera pública, o consumo assumiu também um

sentido de intercâmbio social e de comunicação (MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002).

Nesse contexto, a posição social foi determinante do estilo de vida, mas independe da

condição de renda, uma vez que os nobres sobreviveram dos favores reais. Tais relações entre

status, estilo de vida e renda foram rompidas no decorrer da modernidade, diminuindo

gradativamente a força de grupos aristocratas de referência (BARBOSA, 2004; LIPOVETSKY,

2002). Esse período foi alvo de muitas outras mudanças paralelas e inter-relacionadas com a

nova postura do indivíduo consumidor, tais como a crescente ideologia individualista, a

valorização do amor romântico e os novos processos de consumo (BARBOSA, 2004;

LIPOVETSKY, 2002; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002).

A revolução explosiva de consumo no século XVIII, ainda conduzida pela natureza

viciosa hierárquica e competitiva inglesa, foi acentuada pela expansão ainda maior do mundo

dos bens e inclusão de novas oportunidades de compras advindas da ampliação dos mercados

(MCCRACKEN, 2003). Os bens de consumo deixaram de ser privilégio de alguns para se tornar

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o anseio de todos, e o consumo ampliou-se como sistema de significação suprindo

necessidades principalmente simbólicas, tornando-se a forma pela qual a sociedade passou a

assimilar a cultura (D’ANGELO, 2003; 2004; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; MCCRACKEN,

2003; SLATER, 2002).

Dessa forma, novos padrões de consumo foram conduzidos por pessoas e essas pessoas

por eles, transformando o mundo dos bens num mundo social e os referenciais de princípios da

sociedade civil em cultura de consumo (MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). Essas

modificações desembocaram no movimento da Revolução Industrial e compuseram a tessitura

do capitalismo, construindo o indivíduo contemporâneo “livre” e igual (BARBOSA, 2004).

Assim, a revolução ocorrida no consumo e nos mercados e a Revolução Industrial

atingiram o século XX e proclamaram uma ideologia de riqueza e de multiplicidade, que foi

ampliada pelo relacionamento com os meios de comunicação, pelo aprimoramento

tecnológico, pelas indústrias de informação e as maneiras de ser e ter do indivíduo [pós-

]moderno (BARBOSA, 2004; D’ANGELO, 2003; FEATHERSTONE, 1995; SLATER, 2002).

Porém, esse fenômeno de revolução que encontrou morada no consumo estava apenas

iniciando um processo de extrema complexidade. As mudanças em curso desde os anos 1950

e 1960, buscaram na lógica democrática da multiplicação, um consumidor que não só tem a

oportunidade de exercer a escolha, como também se dá ao prazer mais freqüentemente: esta

possibilidade de preferir é cada vez mais um instrumento de distinção individual, estética,

instrumento de sedução, de juventude, e de modernidade (LIPOVETSKY, 2002). Através da

conquista do poder de decidir livre e democrático do consumidor, os bens de consumo

assumiram uma das formas fundamentais de construção das identidades e dos processos de

significação na sociedade capitalista (BAUDRILLARD, 2007; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006;

MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002). A nova estrutura social tornou-se importante mediante a

impregnação de signos e de mensagens tornando tudo cultural (FEATHERSTONE, 1995).

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Tudo que se considerava modernidade como o rompimento com a tradição, o culto à

novidade e a reinvenção do sujeito em si mesmo, se transformou em experiências, emoções e

espetáculo da mercadoria (DEBORD, 1997; BAUDRILLARD, 2007; SLATER, 2002). O consumo

passou a ser considerado uma prática imaterial de manipulação de signos (BAUDRILLARD,

2007). Os sujeitos usaram os bens para o serviço de marcação, para ser, ter e permitir acesso a

informações (BARBOSA, 2004; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; HOSKINS, 2006; KEANE, 2006;

MILLER, 2005). Os artefatos expressaram, criaram e transformaram o ego dos sujeitos,

contribuindo para seus projetos de identidade (BORGESON, 2005; MILLER, 2006) na

possibilidade de meio poderoso de materialização do self (BELK, 2001; TILLEY, et al., 2006).

Neste sentido, os bens formaram uma categoria abstrata e abrangente intermediando a própria

compreensão humana (KEANE, 2006) através da ampla capacidade de agir sócio-culturalmente

mediada, de modo que a vida social das pessoas encontrou seu paralelo na vida social das

coisas (HOSKINS, 2006).

Diante de tais condições e possibilidades, na re-descoberta do consumismo da

sociedade [pós]moderna da década de 1980 os consumidores viraram “heróis”, sendo este um

papel compulsório por ser a única forma para interagir socialmente (SLATER, 2002). Libertos

das falsas certezas oferecidas pela modernidade como o descrédito das grandes narrativas6,

cada indivíduo comemorou o direito de criar o seu próprio sonho nas experiências cada vez

mais imateriais (SEMPRINI, 2006). Slater (2002) os define como sujeitos irracionais e

descentralizados que buscam estratégias de sobrevivência num mundo construído pelo

6 Para Lyotar (2006) o fim das narrativas históricas caracterizaria a pós-modernidade como ponto culminante de um processo de crise da racionalidade. No projeto (assim denominado por ser expectativa de organização do futuro) de modernidade a história, como progresso e a evolução, tenderiam a congelar categorias e universalizar conceitos produzindo legitimação em torno de verdades absolutas. O autor afirma que a partir do sistema capitalista se desconstrói as narrativas universalizantes e assegura-se a multiplicidade de discursos: há racionalidades (já que a idéia de razão como unidade é negada), linguagens e, portanto, discursos. Deve prevalecer, portanto, a pluralidade.

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consumo, onde os artefatos carregados de significados culturais constituem o meio possível de

construção, manutenção e materialização da cultura, e de sua própria existência que se dá na

presença do outro (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006; HOSKINS, 2006; KEANE, 2006; LAYTON,

2006; MCCRACKEN, 2003; MILLER, 2005; OLSEN, 2006; SLATER, 2002; TILLEY et al., 2006).

2.1.2 A condição [pós-]moderna

Apesar de em todas as sociedades humanas os indivíduos consumirem para se

reproduzir física e socialmente utilizando a cultura material para fins simbólicos, o consumo

adquiriu “uma dimensão e um espaço que nos permite discutir através dele questões acerca da

natureza da realidade” (BARBOSA, 2004, p.14). Contudo, apenas a intensa atividade

acadêmica multi e interdisciplinar ocorrida nos últimos anos, permitiu reconhecer que a

cultura de consumo não é uma atividade recente, e que o consumo e suas práticas

essencialmente culturais são os elementos fundamentais para as reflexões sobre a condição

[pós-]moderna (BARBOSA, 2004; MCCRACKEN, 2003; SLATER, 2002).

A discussão teórica sobre as questões que tratam a partir de quando o consumo

assumiu esta condição, discorreram na década de 1980, pautadas pelas novas leituras de

historiadores a respeito do argumento de que a revolução de consumo e de mercado foi

anterior à Revolução Industrial. Para esta vertente teórica, por tanto, as condições tecnológicas

não foram às responsáveis pelo consumismo que se estabeleceu nessa civilização (BARBOSA,

2004; FEATHERSTONE, 1995; SLATER, 2002).

Porém, as primeiras pesquisas sobre o assunto foram incitadas ainda no século XIX

(BARBOSA, 2004). Karl Marx teorizou que, sob a condição do sistema capitalista, os produtos

do trabalho tomam a forma de mercadoria. Como as mesmas não eram feitas para consumo

direto e sim produzidas para serem intercambiadas, adquiriam no mercado um valor de troca.

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Esse fenômeno abordado por Marx parte da concepção que a base da sociedade humana está

no produto do trabalho. Considerando que toda mercadoria tem um valor, e ainda que a

formação socioeconômica capitalista emergiu das relações de produção, Marx afirma a

preponderância do valor de troca sob o valor de uso. (CALLINICOS, 2004).

Seguindo esse princípio, as teorias da mercadoria e da racionalização instrumental do

mundo deslocaram seu foco de atenção da produção para o consumo, a partir da conquista de

maturidade das características modeladoras da cultura de consumo e da produção

racionalmente organizada. Nessa vertente, o consumo considerado como conseqüência da

Revolução Industrial trouxe para as investigações uma visão economicista, que, utilizando a

lógica do capital, tornou possível argumentar que a acumulação resultou no triunfo da troca,

possibilitando desenvolver o cálculo instrumental racional de todos os aspectos da vida social

(BROWN, 1993; FEATHERSTONE, 1995; MELLO, 2006).

A partir do século XX a postura investigativa científica baseada no estruturalismo

buscou o entendimento da estrutura reinante através da linguagem, pesquisando algo que se

encontraria para além do que era possível observar (NETO, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008). Foi

o contexto analítico da linguagem quem atribuiu para a cultura uma condição que privilegiou

sua função simbólica colaborando para o abandono do valor segundo a utilidade ou a tradição

dos objetos (DEL. MASSO, 2008). Dessa forma, a investigação da materialidade dos bens foi

ofuscada sob a importância conquistada pelo signo.

Durante as últimas décadas do século XX, questões teóricas sobre o relacionamento da

cultura com a sociedade surgem como condição periférica de vários campos acadêmicos

(FEATHERSTONE, 1995), bem como se firma o reconhecimento do uso da análise lingüística

como método para a avaliação da mudança social, conferindo a linguagem um papel central

nos fenômenos sociais (FAIRCLOUGH, 2001). Através das novas possibilidades de investigação

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lingüística, impulsionou-se a busca de alternativas para problematizar teoricamente a relação

pessoa/objeto, buscando respostas para as questões sobre de que forma se dá essa relação.

Essa construção de idéias colocou em cheque a busca de esgotar os sentidos materiais

na formação da cultura e da sociedade (TILLEY, et al., 2006): baseados no consenso sobre

signos culturalmente construídos e passíveis de modificações no tempo, essa visão rompe

radicalmente com a idéia estruturalista de que a cultura impõe a visão sobre seus membros

individuais (LAYTON, 2006), fundamentada na idéia de que a forma que a mente impõe aos

conteúdos é a mesma para todos os seres humanos (THIRY-CHERQUES, 2008).

2.1.3 A cultura material (reconsiderada?)

A crescente valorização do signo é um fenômeno da condição [pós-]moderna das

sociedades de consumo (BAUDRILLARD, 2007; FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003;

SEMPRINI, 2006; SLATER, 2002). Para construção de seus projetos de vida, essas sociedades

reservam um amplo espaço para os significados em experiências cotidianas, num contexto

complexo e fragmentado (SEMPRINI, 2006), cuja negligência das reflexões sobre as práticas

culturais e as dimensões materiais do produto no decorrer deste período, nos parece

representar um problema.

Na busca de entender como os artefatos tornaram-se imateriais, descrevemos que a

estrutura social e o consumo estiveram tão intrinsecamente ligados na modernidade que

formaram um único processo de mudança (FEATHERSTONE, 1995; MCCRACKEN, 2003;

SLATER, 2002). Nela os artefatos foram utilizados como instrumentos, hiper-valorizados em

sua função simbólica em detrimento da condição física numa transcendência alcançada pela

intencionalidade e artífice humanas (BORGESON, 2005).

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Contudo, as formas materiais constituem a realização das idéias. Os diferentes tipos de

artefatos distribuídos através do espaço e do tempo refletem diferentes grupos de pessoas,

difundem e concretizam idéias. É através do fazer, usar, trocar, consumir, interagindo e

vivendo com as coisas que as pessoas se constroem socialmente e, sem elas nem podíamos ser

nós mesmos nem saberíamos quem somos (TILLEY, 2006). Dessa forma, entendemos que os

signos sempre se materializam de alguma forma para asseverar o sujeito socialmente na

relação de alteridade. A cultura material reproduz, altera e legitima valores, idéias e distinções

sociais, através de uma relação dialética em que sujeitos e objetos fazem parte um do outro

(MILLER, 2006; TILLEY, 2006).

Os estudos da cultura material buscam o aprofundamento do conhecimento das relações

humanas com os artefatos. Preocupam-se, por tanto, em saber como as pessoas se relacionam

com os mesmos e como estes transformam as pessoas (BORGESON, 2005; HOSKINS, 2006;

KEANE, 2006; LAYTON, 2006; MILLER, 2005; OLSEN, 2006; TILLEY et al., 2006). Esses estudos

sofreram muitas transformações formando no contemporâneo um difuso e relativamente

confuso campo interdisciplinar7. É um campo de investigação transcendente e dinâmico que

por redefinir a si mesmo e aos seus objetos de estudo, encontra-se inserido num campo

metodológico pós-estruturalista (TILLEY, et al., 2006), que situa nossa abordagem

foucaultiana8 para área do marketing.

Considerando que o processo de significação é sempre material, entendemos que a

materialidade está associada aos fatos, são provas reais dos valores e das idéias (OLSEN, 2006;

7 Segundo Neto, (2005) o estruturalismo não representa uma única escola e seu escopo encontra-se relacionado à diversos campos de conhecimento, procedimentos e objetos de investigação, não existindo uma concordância de pensamento frente ao movimento, entre os autores que se classificam como estruturalistas. Contudo, apesar de identificar várias perspectivas para o estruturalismo, Neto afirma que as mesmas não são necessariamente excludentes. 8 Existem na academia brasileira alguns estudos na área do marketing que se embasam em métodos estruturalistas, a exemplo dos trabalhos produzidos por Neto (2005) e Thiry-Cherques (2008). Da mesma forma, o uso da perspectiva foucaultiana na analise das organizações não é incomum: Silveira (2005) realizou um inventário nos principais periódicos internacionais entre 1980 e 2001, e nele problematizou tal utilização e indicou possíveis caminhos para área.

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TILLEY, et al., 2006). Os artefatos são os meios propícios através dos quais se atingem

objetivos, uma vez que os mesmos constituem o próprio sistema e não apenas as mensagens.

A sensação, ou o desfrute do consumo físico, é uma parte importante do serviço prestado

pelas mercadorias (LEÃO; MELLO, 2004). A prática do consumo promove o significado do

signo em seu meio através da interação. Permite oferecer ao consumidor a prova de que a

experiência é viável, ou seja, sua presença é necessária durante os rituais de consumo para por

em circulação seus próprios juízos de escolha sobre a adequação das coisas consumidas e

utilizadas (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006).

Desde que a revolução de consumo e seus novos consumidores se instalaram como

característica de estrutura social permanente no século XIX, a história foi refúgio da

simplicidade para a complexidade e do familiar para o estranho (OLSEN, 2006). Porém, com

as novas possibilidades de investigação na lingüística em que a linguagem é uma construção

da prática e os discursos significam na interação e na experiência, entendemos que o

conhecimento em si é também um artefato da língua arbitrário de um idioma (FAIRCLOUGH,

2001; FOUCAULT, 2007; LAYTON, 2006). Assim, na prática social os significados estão sempre

abertos para negociação (BORGERSON, 2005; HOSKINS, 2006; MILLER, 2005; OLSEN, 2006;

TILLEY et al., 2006).

Contudo, as provas de habilidades cognitivas estruturalistas apropriaram seu significado

sem considerar a influência modeladora e sistemática do contexto cultural nativo

(FAIRCLOUGH, 2001; LAYTON, 2006). Os recursos investigativos de linguagem e a

possibilidade do significado totalitário que vinha funcionado bem para avaliar esse recurso

material tornam-se problemáticos na medida do reconhecimento de [re-]significação dos

artefatos, da sua condição ambígua e controvertida, capaz de transcender os indivíduos e suas

aspirações, adquirindo sentido de forma pragmática (BORGERSON, 2005; HOSKINS, 2006;

MILLER, 2005; OLSEN, 2006; TILLEY, et al., 2006).

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A abordagem dos estudos da cultura material está centrada na idéia de que a

materialidade integra a dimensão cultural e que existem momentos da existência social que

não podem ser inteiramente compreendidas sem o auxílio desta perspectiva (TILLEY, et al.,

2006). Apesar dos estudos da cultura material ter tido início no século XIX com fins de

recolha e classificação de artefatos nas investigações antropológicas, no século XX saiu da

condição de ferramenta utilitarista de identificação de status social e diferença étnica (DENIS,

1998; TILLEY, et al., 2006) para posição estruturalista, requisitada como centro das

investigações antropológicas a partir da década de 1960 (NETO, 2005; THIRY-CHERQUES,

2008). Contudo, a linguagem estruturalista semântica esteve ainda tangenciada pelo

paradigma funcionalista, o que contribuiu para uma crescente divergência entre os estudos

etnográficos, o principal princípio metodológico antropológico, e as abordagens arqueológicas

da cultura material. No entanto, esse trajeto conduziu a aparição da nova concepção na década

de 1980 que reintegrou as disciplinas a partir do desenvolvimento do estudo de símbolos

estruturalistas, estrutural-marxistas e arqueológicos, dando origem ao vasto campo dessa

disciplina no contemporâneo (LAYTON, 2006; TILLEY, et al., 2006).

As perspectivas teóricas foram desenvolvidas na busca de respostas às carências

percebidas nas teorias vigentes para explicar o campo das Ciências Sociais. Apesar de se

constituir uma combinação das tradições de pensamento – marxista, estruturalista/semiótica e

interpretativo/fenomenológico, buscam evitar as armadilhas do reducionismo econômico de

algumas versões marxistas, os invariantes da mente humana estruturalistas, e as considerações

de poder e dominação do pensamento fenomenológico (TILLEY, et al., 2006).

O pós-estruturalismo, por tanto, está situado no interior de um conjunto específico de

conhecimentos. Possui uma estreita relação com o estruturalismo partilhando das suas

concepções básicas, embora se oponha quando considera que o significado é produto da

diferença entre entidades em vez de qualidades dessas. Considera a língua e os textos como

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modelo para qualquer sistema de significação, não considerando que há materialidade fora da

lingüística, e mantendo distância da ontologia cartesiana (OLSEN, 2006; THIRY-CHERQUES,

2008).

A cultura material na perspectiva pós-estruturalista, sendo uma dimensão da

lingüística, é entendida como uma forma de texto que pode ser lido e decodificado. Aliás, a

mais importante influência pós-estruturalista pode ser rotulada de “textualização” e

caracteriza os novos modos de ler e analisar os textos. O conceito de “textualização” inclui

um pensamento sobre como as coisas se transformam em discurso escrito, está associado a

uma epistemologia de leitura que desafiou as instalações interpretativas existentes, sendo

marcada pelo sacrifício do autor e da estrutura (FOUCAULT, 2007; OLSEN, 2006).

Considerando que o leitor é o produtor de sentidos, a epistemologia de leitura envolve

uma ruptura ontológica uma vez que o texto não pode ser separado do contexto, ou seja, não

existe possibilidade de vida fora do inter-texto (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007; THIRY-

CHERQUES, 2008), assim como não existe significado fora do jogo da diferença, da alteridade.

Dessa forma, os bens na condição de objetos culturais precisam ser considerados em seu

contexto, na “teia de significados da qual faz parte” (CAVEDON, et al., 2007, p..350;

FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007; OLSEN, 2006). Considerar os significados através da

diferença é a grande condição pós-estruturalista, em que nega a possibilidade de um único

sinal está presente em si mesmo e se referindo apenas a si mesmo. Essa abordagem enfatiza

como as coisas significam buscando uma leitura de tradução e negociação não de recuperação

dos sentidos, uma vez que a interpretação é uma tarefa interminável (FAIRCLOUGH, 2001;

FOUCAULT, 2007; OLSEN, 2006; MILLER, 2005).

Na medida em que entendemos a materialidade e seus benefícios como dimensão

material da cultura humana, consideramos que é fundamental considerá-la nas investigações.

A materialidade dos artefatos constitui um recurso importante para o entendimento da co-

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criação dos sujeitos e seus artefatos (BORGESON, 2005; MILLER, 2005; OLSEN, 2006). Dessa

forma, o contexto de linguagem que inicialmente propiciou o privilégio da função simbólica,

nos impulsiona na análise pós-estruturalista a reconsiderar a importância da materialidade

para os sujeitos na prática de consumo. Reconhecemos que as práticas de alteridade e

ambigüidade ao mesmo tempo em que desordena e causa anseio num mundo obcecado por

sinais materiais (OLSEN, 2006), podem fazer a diferença para a compreensão da civilização

ocidental [pós]moderna.

Essa abordagem nos permitiu considerar a importância da cultura material como fator

de objetificação das práticas sociais [pós-]modernas, bem como identificar uma possibilidade

investigativa. É possível contextualizar a marca sígnica neste cenário quando consideramos a

sua condição de artefato da cultura material, condição sob a qual se constitui representante

expressiva dos fenômenos da cultura de consumo contemporânea, tendo se transformado no

próprio objeto de troca, fato que discutiremos na terceira seção desse trabalho. Entretanto,

quando tratamos da marca global é preciso entender que a mesma se alimenta da comunicação

tornando-se propositora de um projeto de sentidos pautado numa comunicação universalista,

que é produto da cultura de massas. Esse fato representa um papel de suma importância para

os sujeitos e também para economia da condição pós-moderna da cultura de consumo (KLEIN,

2008; PEREZ, 2004; PETTIT, 2003; SEMPRINI, 2006).

2.2 A cultura como meio possível

Propomo-nos a compreender a sociedade de consumo ocidental contemporânea

através dos discursos da marca global. Para tanto, abordamos que no sistema capitalista

contemporâneo através da impregnação de signos e mensagens, a cultura adquiriu novos

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significados que englobam a vida social, re-criam e comemoram formas imateriais de

consumo ao mesmo tempo em que produzem uma cultura material. Porém, a lógica de

consumo de um produto transnacional, como também a exploração econômica e a

dependência cultural advindas das relações que se estabelecem entre colônia e metrópole,

requerem para sua compreensão que primeiro tratemos de cultura de uma forma mais ampla,

para então estabelecer diferenças entre a cultura popular e a cultura de massas. Esse confronto

proporciona a exploração de questões que envolvem formas de poder através do

estabelecimento de uma relação de dominação e mediação, que suscitam de entendimento

para compreensão da condição ocidental de sociedade. Esses temas serão tratados ao longo

desta seção.

2.2.1 Definindo cultura

Buscamos, então, uma definição para cultura: diz-se que todo acervo de conhecimentos

que adquirimos de forma espontânea, na prática da vivencia do homem são agentes da cultura.

A cultura manifesta-se e é transmitida pelos depoimentos dos que a apreenderam no

cotidiano, ou seja, “(...) a cultura é originada e transmitida como forma de conhecimento”

(DEL. MASSO, 2008, p.3). Afirma-se ainda que a cultura desconheça noções de progresso ou

poder e possui seus próprios caminhos para exercitar a liberdade de interpretação da vida e do

mundo. (ANDRADE; SOARES; HUCK, 1999). Para os autores, a cultura nativa se apropria das

determinações de formas de uso do legado hegemônico, o que faz com que este nunca seja

recebido com passividade, sem mediação, nas culturas dominadas.

A possibilidade de intercâmbio é viabilizada na medida em que os valores da cultura

hegemônica, como os valores de qualquer cultura, são primeiramente os valores da própria

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vida humana, e não os valores de uma forma de vida em particular. Precisam, além de um

local para prosperar, também de um cenário histórico para sua realização, mas toda cultura

“(...) só é cultura porque ultrapassa em direção ao universal” (EAGLETON, 2005, p.82). A

cultura institui sempre um vínculo entre a humanidade e uma civilização específica, e, por ser

um produto daquela têm o espírito universal.

Por essa razão, os discursos de produtos globais são difundidos por uma cultura de

universalização, que carrega em si fragmentos regionais, nacionais ou étnicos, mas sempre

possui um tronco comum de caráter antropológico que apela para um homem imaginário

universal (MORIN, 2007).

Porém a relação entre os valores globais e locais é passível de conflito, pois local e

global estão ligados através de limites dicotômicos. Para Eagleton (2005) os choques entre

Cultura e cultura representam um conflito global, mas que faz parte do feitio que assumiu a

política mundial contemporânea. A grande mudança desse milênio é que se observa a

consolidação da sociedade global, cujos processos transcendem os grupos, as classes sociais e

as nações (ORTIZ, 2007).

2.2.2 A cultura popular e o sistema

Para fazer um exame das culturas populares contemporâneas é preciso primeiro se

livrar da pretensão de autonomia absoluta no sentido de atribuir às mesmas um sentimento de

pureza ou de auto-suficiência em relação às indústrias culturais (CANCLINI, 1998). Por outro

lado, Canclini não acredita que a autonomia dos campos culturais se dissolva nas práticas

capitalistas, mas afirma que atualmente se subordina a elas com laços inéditos.

Apesar da cultura popular geralmente ser tratada por duas perspectivas

metodologicamente contraditórias: uma enfatiza a autonomia desta e a outra que insiste em

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sua dependência da cultura dominante (CHARTIER, 1995), quando se trata da forma que

adquiriu a cultura global, percebemos que é necessário admitir que novos formas de

dominação precisam ser compreendidas (ORTIZ, 2008). Apesar dos costumes serem

transmitidos de uma geração para outra, e a cultura hegemônica só penetrar e se estabelecer

através do jogo de mediações (BRITTOS, 1999), a única saída para quem resiste deverá ser

pactuar para sobreviver (ADORNO, 2002).

Assim, para investigar a cultura popular torna-se necessário situar sempre no espaço

de enfrentamento dois conjuntos de dispositivos: enquanto de um lado está presente o

mecanismo da dominação simbólica (representações e modos de consumo globais) que tentam

se impor sobre uma cultura que inferioriza, por outro lado estão também presentes as lógicas

de uso e modos de apropriação do que é imposto. Pois, é preciso considerar que as formas

populares da cultura se estabelecem nas práticas do cotidiano, o que não se manifesta através

dos produtos em si, mas sim nos modos de usar os produtos (ADORNO, 2002; CHARTIER,

1995).

A cultura de massas provém dos temas que tomaram forma nos Estados Unidos e

foram divulgados pelos meios de comunicação (ADORNO, 2002; MORIN, 2007). Esses modelos

impuseram-se mundialmente apesar dos conservadorismos e das diferenças econômicas das

diversas culturas com a extraordinária força que lhe é peculiar. Desse modo, a cultura de

massas “é cosmopolita por vocação e planetária por extensão” (MORIN, 2007, P. 16).

Porém, a hegemonia depende de abrigar em seu cerne as manifestações culturais

populares, tradicionais e locais, uma vez que para se realizar, a comunicação precisa que haja

mediadores entre o pólo comunicador e o receptor (MORIN, 2007). Jameson (2004) avalia que

um conteúdo social e histórico genuíno deve ser primeiro introduzido e, ganhando alguma

expressão inicial, pode então ser objeto de bem-sucedida manipulação e contenção. É que

toda obra produzida hoje “(...) contém como impulso subjacente (...) nosso imaginário mais

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profundo sobre a natureza da vida social, tanto no modo como a vivemos agora, como

naquele que - sentimos em nosso íntimo - deveria ser” (JAMESON, 2004, p.25). A cultura de

massas é assim difundida pela universalização e dela se alimenta de forma sistêmica. Ela

recebe e devolve provocando o sistema de mundialização, o desenvolvimento técnico e

econômico (ADORNO, 2002).

A cultura cosmopolita de massas busca a universalização de um homem moderno,

cujas práticas e valores estão ligados à mercadologia da indústria cultural (ADORNO, 2002).

Para o autor a prática da indústria cultural realiza um trabalho ideológico capaz de

desenvolver um estado de falsa consciência na medida em que a indústria cultural está técnica

e economicamente fundida à propaganda. Por essa razão, o desenvolvimento da cultura de

massas está diretamente relacionado ao surgimento e aperfeiçoamento dos aparatos

tecnológicos de comunicação que, por sua vez, desenvolvem uma falsa identidade do

universal e do particular demonstrando que são apenas os negócios que constituem a ideologia

dominante (DEL. MASSO, 2008).

Assim, além das questões de mediação e de hegemonia, outro deslocamento conceitual

é necessário à compreensão do espaço da recepção da cultura de massas: situa-se na

concepção de poder (ADORNO, 2002; BRITTOS, 1999; CASTELLS, 2008; DEL. MASSO, 2008;

1999; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2008). O poder desloca-se para uma ação de mediação nas

zonas de tensão da dominação, uma vez que um poder impassível não se mantém. Para ganhar

expressividade, o poder assume uma linguagem persuasiva e busca a compreensão e

assimilação de suas mensagens utilizando mediadores pertencentes à cultura local, ou ainda

apoiando-se na diversão, gerando um sentimento de identificação e conquistando a

coordenação da interação (ADORNO, 2002; DEBORD, 1997; HALL, 2006; ORTIZ, 2007).

Nesse sentido, é preciso considerar que ao mesmo tempo em que a cultura de massas é

produzida para massa no sentido de controlá-la, a cultura popular se fortifica em sua

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resistência num movimento sistêmico (CASTELLS, 2008). Para Castells o universalismo da

globalização promove o ressurgimento dos nacionalismos que se constroem a partir das ações

e reações sociais. O nacionalismo contemporâneo para o autor tende a ser mais cultural que

político, pois é baseado em memórias, história e destinos comuns. O nacionalismo cultural

busca regenerar a comunidade nacional por meio de criação, preservação ou fortalecimento da

identidade cultural de um povo que se sente ameaçado.

Contudo, a referência estrangeira torna-se parte da vida cotidiana, no momento que

pertence ao que Ortiz denomina de tradição da modernidade-mundo. Nesse sentido, é preciso

entender que além do universo simbólico específico das formas de civilização que co-existem

na atualidade ser fruto da integração dos processos de mundialização e de globalização, a

cultura global é um movimento que segue dois caminhos: desterritorializa tornando abstrato o

espaço (categoria social por excelência), e preenche o vazio de existência deixado por ele com

objetos globais, fabricando-o reconhecido e familiar, ou seja, parte da tradição (ORTIZ, 2008).

Foi o uso dessa estratégia e o apóio da distribuição de objetos idênticos, que permitiu à

cultura se mundializar, impregnando os espaços desterritorializados e enchendo-os de

familiaridade. Isso é possível porque “A mundialização não se sustenta apenas no avanço

tecnológico. Há um universo habitado por objetos compartilhados em grande escala. São eles

quem constituem nossa paisagem, mobiliando nosso meio ambiente” (ORTIZ, 2008, p.107),

formando a cultura material que nos representa.

2.2.3 Cultura brasileira: um discurso que nasceu moderno

Quando tratamos do contexto brasileiro, o moderno, como prática e como valor,

articula-se com uma vontade de construção da própria nação. Esse fato implica pensar os

projetos de construção simbólica da identidade nacional e de modernização como um único

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projeto (ORTIZ, 1995). Vivemos a ilusão que o moderno é novo e tradição faz parte do

passado longínquo, tornando difícil entender que as mudanças que ocorreram são irreversíveis

e as novas gerações são educadas no interior da modernidade. Nesse sentido, até o que se

considera como tradição pode ser um produto recente. A tradição enquanto norma, diferente

do hábito da fala que referencia ao que já passou, é também temperada pela imagem do

movimento e da rapidez, tornando também tradicional um conjunto de instituições e valores

que, mesmo produto de história recente, impõe-se a nós como um modo de ser, ou seja, uma

tradição inventada (HALL, 2006; ORTIZ, 1995).

Quando o foco é o papel da coletividade recifense como integrante de um sistema

comunicacional global, é preciso considerar que o lócus Recife é o território onde se

desecandeiam as oposições e onde, cada vez mais, o espaço-tempo tecnológico substitui os

rituais das procissões e a própria arquitetura urbana (PRYSTHON, 2002), deixando suas marcas

Contudo, o embate também torna-se uma excelente oportunidade para a retomada dos valores

locais, que segundo a autora se revelam através da música popular, teatro, cinema, artes

plásticas, ou seja, em todas as esferas do cenário cultural, principalmente fortemente

permeadas por uma relação com a juventude.

As questões da modernidade-mundo traduzem-se numa autoridade que legitima as

maneiras de viver existentes no espírito moderno de consumo, em que é preciso pertencer à

cultura global para ser moderno (ORTIZ, 1995). Nesse sentido, a consolidação em andamento

de uma sociedade moderna no Brasil, reorienta toda a cultura brasileira na medida em que ela

passa a fazer parte do mercado e ajusta-se aos padrões internacionais. Não é possível ignorar

que em toda América Latina, por tanto para além da formação da nação brasileira, existe uma

longa história de construção de uma cultura hibrida, em que a modernidade significa

pluralidade, numa mescla de relações entre hegemônicos e dominados, tradicional e moderno,

culto, popular e massivo (CANCLINI, 1998).

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É dessa forma que, não só a coletividade recifense, nem só a nação brasileira, mas

todas as nações e as nacionalidades persistem coexistindo com as tradições locais e os

discursos globalizantes, onde “Uma cultura mundializada não implica no aniquilamento de

outras manifestações culturais, ela coabita e se alimenta delas “(ORTIZ, 2007, P.27), gerando

novos produtos.

A sensação de familiaridade que nos invade no relacionamento com uma marca

transnacional, alude-se à absorção das referências culturais mundializadas exercida pela

publicidade e indústria cultural que “implica em continuidade com um passado histórico

adequado”, transformando os não-lugares em lugares de memória presentes desde nossa

infância (HALL, 2006, p. 54; ORTIZ, 2007). Esse sistema de valores tem a função de integração

grupal e de controle social, utilizando para isso de uma referência forjada de outras

referências culturais que faz o global superar o nacional, tornando o todo determinante das

partes, utilizando uma familiaridade criada pela repetição que “volatiza o objeto original”

(JAMESON, 2004, p.11).

2.2.4 A cultura global desenraiza, para apoderar

O acontecimento de uma mega-sociedade modificou as bases das relações políticas,

econômicas e culturais entre as partes que a constituem, tornando os cidadãos e os produtos

de consumo mundializados. Nessa mudança, a própria formação da nação e da modernidade

foram apenas etapas do grande processo de desenraizamento e desterritorialização, em que

uma nova realidade baseada nas noções de sociedade global e de mundialização cultural

começou a superar os espaços hegemônicos de coesão social (ORTIZ, 2007).

O processo de mundialização conquista a redefinição das noções anteriores de espaço

e o processo de globalização bem longe de ser sinônimo de homogeneização, se acomoda com

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bases nas diferenças (ORTIZ, 2007). Contudo, a lógica de produto desterritorializado

pressupõe traçar uma estratégia comercial específica para o mercado globalizado em que o

“não-lugar” é articulado acima de toda ordem de fronteiras e particularidades.

Porém, enquanto a ideologia da mundialização opera no mercado global dos bens e

serviços no sentido de promover a descentralização de decisões e a pretensa liberdade de

escolha do indivíduo-consumidor, na dimensão econômica observa-se uma concentração

ainda maior da riqueza, política que beneficia o poder dos oligopólios transnacionais

(ADORNO, 2002). Assim, o processo de globalização implica na perda de todo sentido de

centralidade, do externo e do interno, mas permanece apoiada em um discurso constituído de

poder, que aparecem sob novas formas de dominação (ADORNO, 2002; BRITTOS, 1999;

CASTELLS, 2008; DEL. MASSO, 2008; 1999; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2008). Visto desse modo,

a relação estabelecida entre colônia e metrópole gera uma exploração econômica e uma

dependência cultural.

No momento em que a consciência desenraiza as formas culturais em relação ao solo e

desvincula da tradição, permite ao megaconjunto possuir o domínio de todas as formas,

oferecendo possibilidades estéticas de relações quase infinitas para formar o composto

desterritorializado. Isso implica que os processos de globalização e mundialização rompem o

vínculo entre a memória nacional e os objetos e cria uma memória internacional-popular, que

forja no interior da sociedade de consumo as referências culturais globalizadas (ADORNO,

2002; ORTIZ, 2008). São os traços da modernidade-mundo que fazem com que o individuo ao

ser cruzado com objetos da modernidade se sinta em casa mesmo deslocado do espaço nativo,

pois “as lembranças transformam os não-lugares em lugares” (ORTIZ, 2008, p.127).

É desse modo que a memória traz o prazer do reconhecimento, pois é formada através

da educação imagética de situações projetadas através do sistema de comunicação facilitado

pela tecnologia. É desse modo também que a indústria cultural pôs fim às originalidades e

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moldou da mesma forma o todo e as partes “o universal pode constituir o particular e vice-

versa” (ADORNO, 2002. p.21). Para Adorno esse sistema elimina a tensão entre os pólos na

medida em que reifica a necessidade antes do conflito e das hierarquias permitindo às novas

necessidades só acrescentarem autoridade ao que já foi transmitido. Ainda, basta sua

diferença ser registrada pela indústria cultural para fazer parte desta, onde são organizadas

para que o consumidor a elas se prenda.

Porém, a memória forjada para criação de uma falsa tradição pelo poder dominante

facilita sua estratégia utilizando a mediação pela diversão. Segundo Adorno (2002) é preciso

refletir sobre essa cultura em que é Pato Donald quem ensina como os infelizes devem ser e

sempre foram espancados. Para o autor a diversão sendo oferecida como um prolongamento

da lógica do trabalho faz a mecanização e sua produção de divertimento adquirir poder sobre

o homem, seu tempo de lazer e até a sua felicidade. O prazer finda por congelar-se no enfado,

pois segue o mesmo caminho rotineiro trilhado pelo processo de trabalho, e a indústria

cultural priva os consumidores do que lhes promete e o espetáculo se reduz a ela própria.

Na cultura de massas a liberdade de escolha do consumidor está sempre sob controle.

Baseia-se em modelos ofertados pela indústria cultural que determina o consumo e afasta

como um risco inútil o que não foi experimentado. Isso é uma condição na medida em que: “o

falso senso de liberdade que as pessoas possuem auxilia a manipulação” (DEL. MASSO, 2008.

p.17) e promovem o sistema. Nele, a diferença entre as séries de produtos é quase sempre

ilusória: qualidades e desvantagens servem para manifestar uma concorrência aparente e

possibilidades de escolha.

Assim, além de refletir a pressão econômica, os triunfos da propaganda promovem “a

mimese compulsória dos consumidores às mercadorias culturais cujo sentido ao mesmo

tempo decifram” (ADORNO, 2002, p.74). Com a liberdade de escolha restrita ao que foi

determinado a priori, a liberdade é poder escolher morrer de fome: “Quem não se adapta é

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massacrado pela impotência econômica que se prolonga na impotência espiritual do isolado”

(ADORNO, 2002, p. 26). Como a mesmice também é quem regula a relação com o passado,

máquina gira em função do próprio eixo. A racionalidade técnica é a racionalidade da própria

dominação e torna-se repressiva na sociedade que se auto-aliena.

O sistema mantém-se assim, através do círculo de manipulações e das necessidades

derivadas, utiliza clichês de necessidades de consumidores para conquistar a aceitação sem

oposição (ADORNO, 2002). Para o autor, onde a técnica adquire tamanho poder sobre a

sociedade, encarna sempre o poder dos economicamente mais fortes, revelando a violência da

sociedade industrial sobre os homens.

Através de uma [des]ordem espacial global promovida pelo sistema capitalista, as

relações entre o poder e a resistência se instalaram, impondo um modelo econômico

dominante, trazendo conseqüências para compreensão das questões culturais, do

conhecimento, da natureza e da economia. Nesse contexto, entendemos que a globalização

desterritorializa para dominar, mas que também contribuiu para a produção de uma alteração

substancial nas práticas espaciais promovendo uma reconfiguração epistemológica na própria

forma de entender as Ciências Sociais (BRINGEL, 2007).

2.2.5 Nova experiência territorial?

O aparecimento da sociedade global mundializada provocou o desenraizamento das

culturas e a desterritorialização das nações, reduzindo a importância da construção cultural

nativa, gerando locações para novos tipos de atividades políticas que reafirmam as prioridades

da vida cotidiana (BRINGEL, 2007). Segundo Bringel, a dimensão espacial é imprescindível

para a ação dos movimentos sociais, pois são modalidades para configurar o mundo em que

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vivemos. Essa dimensão sempre possibilitou primordialmente identificar e categorizar as

diversas culturas investigadas por estudiosos.

Para compreender essa nova condição contemporânea precisamos primeiro diferenciar

espaço de território. O espaço, apesar de ser uma noção do que é real como realidade é

inalcançável. Diferentemente, a noção de território torna-se mais acessível por ser em si

mesmo uma representação, ou seja, refere-se a uma apropriação política do espaço, que

engloba uma administração (delimitação, classificação, habitação, uso, distribuição, defesa),

mas também uma identificação. Nesse sentido podemos tratar o território como a dimensão

material da cultura, que na condição de um espaço apropriado, pressupõe um controle

indissociável das categorias de domínio e poder, mas também a existência de um sujeito de

apropriação. Assim como não existe território sem sujeito, indissociavelmente não existe

território sem continuidade, contigüidade, descontinuidade e alteridade, ou seja, sem o outro,

ou melhor, sem o nós (SEGATO, 2005).

Entendemos por sujeito do território quando falamos de categoria-mundo, a nação.

Para Hall (2006) a nação é uma comunidade simbólica, ou comunidade imaginada, que tem o

poder de gerar o sentimento de identidade e de lealdade, e é composta de instituições

culturais, de símbolos e de representações, ou seja, constitui-se um discurso. Assim, o

território é uma representação que nos representa, ou seja, é um instrumento significante

militante de identidade possível através da cultura. Por tanto: “O território sempre existe

marcado pelos emblemas identificadores de sua ocupação por um grupo particular, inscrito

pela identidade desse grupo que o considera próprio e o transita livremente” (SEGATO, 2005,

P.4).

O território é assim um espaço recoberto com marcas da cultura, administrado através

de normas que estabelecem os lugares de rituais e cerimônias. O território dá suporte à

circulação dos referentes discursivos de uma nação e à suas relações de poder, o que não se dá

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necessariamente, através da língua comum, nem uma religião comum, e nem sequer de uma

lei comum. O que dá realidade e unidade a uma nação é um território de referências

compartilhadas (BRINGEL, 2007; HALL, 2006; SEGATO, 2005). Assim, no momento que o

território materializa uma construção de idéias e delimita a construção simbólica da cultura

estabelecida na relação dialética entre sujeitos e objetos, o território é cultura material de

representação do que seja nação.

A territorialidade é, então, uma experiência particular, histórica e culturalmente

definida de território. O território geograficamente delimitado perdeu o sentido de existência

enquanto fenômeno da mundialização, mas a realidade político–espacial se re-configurou no

interior do processo de desenraizamento e desterritorialização contemporâneo (ORTIZ, 2006).

Hall (2006, p. 48) chama atenção para o fato das culturas nacionais tomarem formas

modernas de existência, uma vez que na mundialização as identidades nacionais “são

formadas e transformadas no interior das representações”. Dessa forma, o autor questiona de

que forma as identidades nacionais estão sendo impactadas e deslocadas no processo de

globalização. Segato (2005) supõe que as pessoas carregam seu território nas próprias costas,

e os grupos comportam-se como pátrias na nova política espacial, tornando desnecessário um

território âncora. Nessa realidade existe uma produção de território e maneiras de apropriação

territorial: “A identidade não é gerada porque se compartilha um território comum, mas é a

identidade que gera, instaura o território” (SEGATO, 2005, p.14).

Entendendo que as pessoas partilham suas vivencias de forma comunitária, e através

delas constroem seus processos identitários, supomos que podemos entender que “as próprias

costas” não se define unitariamente. Por outro lado, considerando que no processo de

consumo das sociedades contemporâneas as marcas se estabeleceram como condição

estratégica de comunicação para sujeitos no mundo social culturalmente constituído e

globalizado, elas ocupam um papel fundamental para definir suas identidades, pois abrem o

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espaço adequado para justificarem um papel social (SEMPRINI, 2006). As marcas

transnacionais se estabelecerem desse modo como um valor em culturas locais. Apesar de se

constituir um legado estrangeiro, o mesmo é aceito, reificado e desejado no interior das

práticas cotidianas nativas.

Estabelecendo uma relação com os comentários de Ortiz (2007) a respeito do histórico

de aculturação da língua inglesa, percebemos que marcas contemporâneas globais também

diluem as barreiras das nacionalidades, fato que aparentemente não se estabelece

conflituosamente, como algo que se impõe de fora para dentro da cultura e, de forma

supostamente “tranqüila”, torna-se um artefato familiar. Mas, da mesma forma da língua, este

artefato é sempre legitimamente "deformado" pelos usuários.

Como a escolha de uma marca é uma representação de signos compartilhados

socialmente, propomos transferir a noção do que seja território-nação para território-marca:

ambos constituindo um espaço recoberto com sinais da cultura, baseados na afirmativa de

Ortiz (2007) de que a delimitação do objeto para o fenômeno da globalização é uma questão

de escala e, ainda, de que toda nação constitui um discurso que precisa se materializar para de

alguma forma asseverar o sujeito socialmente, assumindo a forma de cultura material

(TILLEY, 2006). Propomos, assim, uma relação comparativa entre os discursos de marca com

os princípios do que seja o discurso cultural nacional. Nesse sentido, precisamos reiterar

primeiramente que em ambos existe uma liga política que unifica as divergências de um

mundo dividido em outros mundos (EAGLETON, 2005; ORTIZ, 2007) e que a cultura nacional e

de marca representam um discurso prioritariamente de educação (HALL, 2006).

Partimos, pois, da visão de Hall (2006) do que seja cultura nacional, apenas inserindo

a palavra marca: a marca é representante de uma comunidade simbólica ou comunidade

imaginada que tem o poder de gerar o sentimento de identidade através de seus discursos de

educação; é composta de instituições culturais, de símbolos e de representações. Ou seja, é um

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discurso que busca contar histórias e gerar memórias através das narrativas midiáticas que

proporciona e permite experiências partilhadas numa relação sistêmica, para construir as

imagens que dão vida a comunidade imaginada. Nesse sentido, a marca-território traz também

em sua narrativa a noção de tradição (inventada) e de intemporalidade, comporta o mito

fundacional, e busca identificação com sua comunidade mundializada.

Com o advento do processo de mundialização e considerando que o território é

cultura material da nação, a marca transnacional está nos propondo ser o território, o chão

cultural da desterritorialização? A marca busca sediar o assentamento dos laços culturais que

cultiva e de que se alimenta orientada para um consumidor mundializado que não pode mais

ser segmentado por raça, idade, sexo, nem nação, apenas pela vontade de pertencer?

2.3 Marcas: relação incorpórea, representação material

Propomo-nos nessa etapa a apresentar como a marca conquistou seu posto de

mercadoria na sociedade capitalista tanto para os sujeitos como para o campo de pesquisas em

marketing. As marcas trilharam um percurso sígnico de valor que nos permite demonstrá-la

como entidade relacional nos permitindo, então, arquitetar o pensamento onto-epistemológico

da abordagem foucaultiana que nos propomos adotar para análise deste fenômeno na

sociedade. Contudo, inicialmente buscaremos o que os autores dizem sobre as significações

de marca.

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2.3.1 Breve introdução: signifique, a marca significa

É impossível pensarmos no mundo hoje sem considerar a presença das marcas. Elas

estão em todos os lugares e representam a construção de nossos mundos. Possibilitam a

existência de um “mundo acima do mundo”, lugares mágicos, cheios de encanto, ilusão e

realização de sonhos. A junção da marca com o branding foi responsável por sua expansão

para lugares, instituições e pessoas (BROWN, 2006).

Podemos dizer que “Todas as organizações e seus produtos podem ser considerados

marcas. Vivemos em um mundo de marcas” (SHIMP, 2003, p.33), uma marca “É

essencialmente uma promessa da empresa de fornecer uma série específica de atributos,

benefícios e serviços uniformes aos compradores” (KOTLER, p.426). Contudo, “Marcas não

são a globalização; não representam todo o comércio e muito menos todo o capitalismo; não

são a internet nem os demais meios tecnológicos e informacionais” (CHEVALIER e

MAZZALOVO, 2007, p.23).

“Pense na marca como o sentido essencial da corporação moderna” (KLEIN, 2008, p

29), cujo trabalho de propaganda faz com que o marketing seja naturalmente mágico. “As

grandes marcas são extra-ordinárias. Elas encantam. Enfeitiçam”. (BROWN, 2006, p.15). No

mundo econômico o conceito da marca cresce de valor no momento em que esse símbolo

“(...) adquire um significado exclusivo, positivo, que se sobressai na mente do maior número

de clientes” (KAPFERER, 2003, p.21)

Brown (2006, p.15) nos alerta que contar histórias é o método de gerenciamento da vez.

Segundo o autor, a raça humana depende de histórias e vive a vida de narrativas: gostamos de

contá-las para nos definirmos enquanto seres humanos, mesmo no mundo dos negócios.

Assim, para conquistar o homo narratans, “conte a lenda e faça a venda”, ou ainda, “sem

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lenda, sem venda”. Contudo, não basta contar uma história de maneira coerente, é preciso que

seja uma história mágica e majestosa de marca.

É que no século XXI, o século das ambigüidades, as marcas geram valores de essência

paradoxal, são globais ao mesmo tempo em que são familiares, são além de maravilhosas e

cativantes, misteriosas e envolventes (BROWN, 2006). Precisamos entendê-la como uma

entidade geradora de valor de troca e de uso que existe apoiada em um conjunto de discursos

(BACHA, 2005; BROWN, 2006; LEÃO, 2008; PEREZ, 2004; SEMPRINI, 2006), indo bem além do

produto em si. Para Brown (2006, p.164), as grandes marcas contemporâneas podem ser

comparadas a um arco-íris:

Como os arco-íris, as grandes marcas não dependem dos consumidores. Elas aparecem quando querem. Não mandam. São o que são. Elas nos convidam a participar, a dividir, a experimentar, a nos divertir. Mas não serão submissas. Fique com elas ou as abandone. É sabido que os consumidores não sabem o que querem e as grandes marcas sabem o que os consumidores não sabem.

A marca tornou-se uma entidade geradora de valor. Nesse sentido, seguiremos

buscando entender como adquiriu valor para o marketing e para o consumidor.

2.3.2 De identificadoras a difundidoras a capitalizadoras: marcas sob outros valores?

Consideramos essencial nesta etapa abordar como as marcas, inseridas numa cultura

que valoriza o imaterial, substituíram as promessas oferecidas aos consumidores pelos

produtos, ocuparam uma posição de destaque e adquiriram para as sociedades uma condição

fundamental de representatividade por sua capacidade de permitir o “ser sujeito” através de

seus projetos de sentidos estabelecidos em um contrato de cumplicidade socialmente

partilhado. A partir de tais condições, a marca passou a representar também uma importância

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econômica relevante para o ativo das organizações (BACHA, 2005; BARROS FILHO, et al., 2006;

KAPFERER, 2003; KLEIN, 2008; KOTLER, 2000; MONTE; TOLEDO, 1998; PEREZ, 2004; PETIT,

2003; SEMPRINI, 2006).

A marca surgiu inicialmente com as primeiras trocas comerciais para designar

produtos, ou seja, identificava-os, diferenciando-os (PEREZ, 2004). Apesar de sua existência

ser anterior à Revolução Industrial, foi no advento da uniformidade dos produtos

industrializados que, junto com a fabricação desses, foi necessária a produção de uma

imagem, cuja responsabilidade foi delegada ao plano de gestão da marca (KLEIN, 2008;

SEMPRINI, 2006).

Contudo, apenas em meados do século XX surge a consciência de que a marca

representava uma identidade corporativa e que precisava desenvolver uma essência, uma vez

que as empresas fabricavam produtos e os consumidores compravam marcas (KLEIN, 2008). A

marca assumiu um novo papel ao nomear, identificar e diferenciar produtos, sustentada por

um discurso social e tornou-se responsável por comunicar bem mais que o desempenho e a

qualidade desses produtos que se encontravam sob sua chancela (SEMPRINI, 2006). Desse

modo, o impulso para ampliação da condição de marca identificadora para marca difundidora

deveu-se a sua inserção num mercado complexo e amplo de ofertas, em que a marca ganha

importância para os consumidores como portadoras de promessas. Esse valor adquirido para o

consumidor impulsionou o valor das marcas para as organizações, incorporando-as ao ativo

dessas empresas (BACHA, 2005; BARROS FILHO, et al., 2006; KAPFERER, 2003; KLEIN, 2008;

MONTE; TOLEDO, 1998; PEREZ, 2004; PETIT, 2003; SEMPRINI, 2006).

Como as marcas expressavam algo bem maior que os produtos que lhe deram origem,

a preocupação da comunicação publicitária voltou-se para significar marcas e não apenas

anunciar produtos (BACHA, 2005; BARROS FILHO, et al., 2006; KLEIN, 2008; PEREZ, 2004). A

marca foi incentivada a tornar-se uma entidade autônoma de comunicação, condição que a

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impulsionou para a posição de evidência e importância que ocupa no contemporâneo. Para

Semprini (2006, p.59) essa lógica deve-se “ao cruzamento de três grandes dimensões

profundamente imbricadas nos espaços sociais contemporâneos: o consumo, a economia e a

comunicação”, que têm um considerável impacto no modo pelo qual o individuo concebe seu

projeto de vida individual e sua relação com a vida social, como já abordamos.

Desse modo, a conquista e a manutenção de um lugar no mercado desde então,

dependeram diretamente da construção e gestão de marcas fortes. Sendo estes os principais

problemas da estratégia de um produto, o desafio maior estava no desenvolvimento de

profundas associações positivas para com as marcas, obtidas pela ação do marketing

(KOTLER, 2000). No momento em que efetivamente agregam valor aos produtos, comunicam

e os distribuem estrategicamente, as marcas tornam seus mercados mais eficazes pela

capacidade de impor preços ao varejo (CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007), ao mesmo tempo em

que se tornam mais valiosas do que o que dispõem ou produzem (KLEIN, 2008). Por essa

razão, o objetivo central do marketing tornou-se criar o poder para marca, uma vez que as

marcas de valor formaram um patrimônio capaz de gerar ativo para as empresas (KAPFERER,

2003; KOTLER, 2000). Assim, bem além de uma questão de sobrevivência das marcas em um

mercado competitivo, esse contexto conduziu as marcas para condição de capitalizadoras.

Contudo, as marcas constituindo um recurso estratégico poderoso na geração de

vantagens competitivas para as organizações, se revelaram como um excelente mecanismo de

atuação para o marketing gerencial (MONTE; TOLEDO, 1998). Com esse novo contexto de

consumo imaterial e a acelerada disseminação da informação que provocou mudanças radicais

na economia, iniciaram-se os estudos sobre o processo de geração de valor no consumo, ao

mesmo tempo em que se desenvolveram pesquisas sobre instrumentos capazes de mensurar os

resultados dos esforços de marketing nessas conquistas. Essa onda de possibilidades de

mecanismos para avaliar e mensurar o valor das marcas possibilitou a ampliação do escopo de

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importância da administração de marketing para as organizações, canalizando seus esforços

administrativos (LEÃO, 2007).

Apesar da importância do marketing para o estudo das marcas ter se efetivado durante

a década de 1980, só nos anos 1990 academia de marketing começou a concentrar sua atenção

neste fenômeno (KAPFERER, 2003; KLEIN, 2008; SEMPRINI, 2006). Para Kotler (2002)

promover a marca com base em atributos (o que a marca sugere à mente) ou em um benefício

(a tradução do atributo em benefícios funcionais e emocionais) seria bastante arriscado.

Considera que, o que define a essência da marca, são seus significados mais permanentes:

seus valores, representatividade cultural e personalidade projetada, ou seja, a alma da marca

desenvolvida pelos profissionais de marketing. O conceito ‘alma’ ou ‘essência’ da marca

surgiu na década de 1940, através da consciência corporativa da importância de busca do

verdadeiro significado da marcas, criado para atender a um consumidor que deseja marcas

(KLEIN, 2008). Apenas quarenta décadas mais tarde dissemina-se o termo identidade de marca

(CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007).

O marketing investiu no conceito de gerência de identidades de marcas como resposta

para concorrência agravada pelo mercado de cópias facilitadas pelo desenvolvimento

tecnológico, supondo que antes de saber como a marca é apreendida, é necessário saber

defini-la (KAPFERER, 2003; BACHA, 2005). Para Shimp (2003) o desafio inicial de qualquer

marca consiste em se estabelecer de forma consciente na mente do consumidor. A consciência

de marca está na facilidade com que o nome da marca é lembrado quando se pensa em

determinada categoria de produtos. A consciência constitui-se na dimensão básica do valor da

marca. Shimp (2003, p 33) define o valor de marca através da perspectiva do consumidor:

“(...) uma marca possui valor à medida que os consumidores se familiarizaram com ela e têm

armazenadas em sua memória associações favoráveis, fortes e únicas”. A segunda dimensão

que deverá ser analisada é a imagem; esta consiste nas associações que são feitas com a marca

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pelo consumidor. Para aumentar o valor da marca é necessário desenvolver uma identidade

positiva utilizando o marketing e os programas de comunicação, para assim gerar associações

desejáveis na mente do consumidor (KAPFERER, 2003; SHIMP, 2003).

Com a abordagem construída desta forma, a preocupação do marketing girou em torno

de criar estratégias para buscar o que a organização tem ou pode fazer para desenvolver este

valor. Neste processo de criação de valor o significado torna-se a lógica central da marca, uma

ferramenta capaz de formatar os sentidos (PEREZ, 2004), em que “As imagens correspondem

às percepções induzidas nos diferentes consumidores” e a marca transforma-se em uma “(...)

emissora por natureza” (CHEVALIER; MAZZALOVO, 2007, p.129).

Porém, para criar valor para as marcas e definir sua identidade é necessário avaliar o

que o segmento-alvo desta aponta como preferências para então provê-lo. Chevalier e

Mazzalovo (2007, p.170) julgam ser indispensável relembrar aos diretores de marcas que

precisam refletir não só sobre a identidade da marca, mas sobre a liberdade deixada pelo

semiólogo no momento de questionar: “Como posso fazer as pessoas sonharem com o mundo

que apresento?” Segundo os autores, como as percepções são muitas e a sociedade se renova

constantemente, a marca precisa mudar sua identidade sem perder a essência. Assim, a tarefa

dos analistas de consumo se constituiu em utilizar os dados demográficos, psicográficos e o

estilo de vida para fazer prescrições de comportamento futuro e traçar estratégias de negócios

(BLACKWELL, MINIARD; ENGEL, 2005). A busca das preferências do consumidor se dá, dessa

forma, através de bases segmentarias de classes, o que pressupõe um comportamento idêntico

dentre os consumidores membros de um segmento (COVA, 1997), e se baseia no fato de que

esse valor pode ser imputado ao produto, sendo reconhecido e legitimado nas relações

mercado.

No entanto, na construção das identidades de um sujeito fragmentado, ao invés do

caminho ser indicativo de compreensão comportamental, proporciona apenas o ecletismo e a

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confusão de valores. Para compreender o posicionamento da marca na condição [pós-

]moderna de consumo é preciso que se reconheça que, apesar de continuar uma representante

de oferta no mercado, tal como o é considerado no trato mercadológico da literatura de

marketing, essa a oferta, por tratar-se de uma construção social, precisa ser compreendida e

analisada segundo princípios que considerem contextualizações amplas a respeito do

comportamento do consumidor (BACHA, 2005; BARBOSA; CAMPBELL, 2006; BARROS FILHO, et

al., 2006; BROWN, 1993; CARVALHO, 2002; COVA, 1997; KLEIN, 2008; LEÃO, 2007; MELLO,

2006; PEREZ, 2004; ROCHA et al. 1999; SEMPRINI, 2006; VIEIRA, 1999). É a extrema

relatividade na liga valor de um produto ou serviço identificado no contemporâneo que nos

faz refletir e posicionar sobre a questão do valor de outra forma, diferente do valor

universalizante considerado na teoria clássica amplamente difundida na modernidade (COVA,

1997).

Tomando por base os estudos brasileiros, a disciplina de comportamento do

consumidor é a principal temática estudada pelos acadêmicos da área de Marketing (ROCHA et

al. 1999; VIEIRA, 1999), tendo a abordagem predominantemente adotada a behaviorista, ou

modelos dela derivados, construídos para a sócio-economia americana, e busca a legitimação

de uma cultura universal de consumo e da sociedade do mercado global. O modelo de

abordagem behaviorista9 pressupõe um consumidor centrado, objetivo e previsível

(CARVALHO, 2002).

Até o ano 2000 no Brasil nenhum pesquisador se dedicou ao estudo do consumo em si,

da sociedade de consumo e de suas especificidades, o que indica que o tema consumo ainda é

pouco explorado (BARBOSA; CAMPBELL, 2006). Nas ciências sociais brasileiras as discussões

sobre o consumo sempre assumiram os temas de consumismo, materialismo, fetichismo,

hedonismo, manipulação, entre outros, em paralelo as abordagens marxistas, da escola de

9 A modelagem dos modelos behavioristas centra-se no estudo objetivo do homem, baseado no aprendizado como resultado de respostas para eventos externos (SOLOMON, 2002).

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Frankfurt, pós-moderna e semiótica (BARBOSA e CAMPBELL, 2006). Para essa perspectiva, o

valor atribuído a qualquer artefato é derivado de uma condição econômica baseada na relação

custo-benefício que transforma o bem ou serviço em mercadoria, tem por base as escolhas

cognitivas de um homem racional, e alimenta suas estratégias a partir de num nível individual

de análise (COVA, 1997). Desse modo podemos supor que uma grande dificuldade nas

investigações sobre o valor na perspectiva de consumo deva-se ao fato da abordagem adotada

enxergar o valor da marca para um consumidor moderno, centrado, consciente, objetivo e

capaz de escolher racionalmente (CARVALHO, 2002; LEÃO, 2007), tendo por base um sujeito

unificado e autônomo, quando este é comprovadamente intersubjetivo e fragmentado

(BORGESON, 2005; TAVARES, 2001).

Como afirmamos, a marca é uma entidade geradora de valor que se apóia em um

conjunto de discursos (BACHA, 2005; KLEIN, 2008; LEÃO, 2007; PEREZ, 2004; SEMPRINI,

2006). Segundo Semprini, para ser um objeto-discurso, a marca precisou passar por práticas

de enunciação que modelaram e organizaram esse discurso no âmbito de outras práticas,

constituindo uma proposta que precisa ser legitimada. Dessa forma, o projeto de marca é um

pólo produtor de sentidos que busca ser assimilado por um pólo destinatário que recepciona,

interpreta e avalia em que medida este discurso pode contribuir com seus projetos. Esse

processo de troca se dá em um contexto em que a promessa que alimenta a marca é trocada

por um valor monetário. Para a autora, o contexto é o verdadeiro protagonista e a marca torna-

se uma forma essencialmente mutável.

Assim, marca é também uma entidade relacional. A marca “é um lugar onde a cultura

muitas vezes técnica, financeira e organizacional da empresa, entra em contato com uma

cultura mais simbólica, emocional e cultural dos destinatários” (SEMPRINI, 2006, p.117). Por

tanto, para existir e ser reconhecida como discurso social, além de ser signo identificador de

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valores e diferenciador de produtos e serviços em um mercado competitivo, a marca precisa

ter esse valor reconhecido pelos consumidores em situações sociais (LEÃO; MELLO, 2008).

A marca atende a necessidades físicas e ideológicas e seu valor de uso provém da forma

como este é utilizado na interação social. Afinal, a significação dos seres e seus

comportamentos são um produto da sua posição numa rede relacional (OLSEN, 2006).

Considerando que os discursos adquirem significado na interação e na experiência (OLSEN,

2006), podemos supor que valor de troca das marcas, deva ser calibrado pelo sujeito-

consumidor de forma comparativa em relação ao potencial que o valor de uso possibilita no

contexto relacional, que por sua vez só existe porque foi legitimado socialmente numa

condição espaço-temporal (LEÃO; MELLO, 2008).

Desse modo, ao invés do valor-custo ter como contrapartida um valor-benefício

funcional, ou seja, ter por lastro a lógica mercantilista-econômica que baseia a teoria

majoritária brasileira, a contrapartida para o consumidor nos parece advir do valor de uso,

gerador do valor de troca nas práticas relacionais sociais (LEÃO, 2007).

O fato de entender o sujeito como constituído, transformado e reproduzido em práticas

sociais trouxeram interesse para as questões de subjetividade, identidade social nas teorias de

discurso e linguagem, antes tidas como questões secundárias (FAIRCLOUGH, 2001). Com os

novos recursos investigativos, podemos admitir que a identidade do sujeito não permite ser

pré-formulada, e que no momento de interação social a identidade é afetada pela prática da

mesma forma que a prática é afetada por ela. Nessa relação, o sujeito também se transforma

em um efeito da formação discursiva (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007) e, desse modo, é

o uso quem significa as marcas. O significado torna-se assim um produto da diferença entre

entidades em vez de qualidades dessas (OLSEN, 2006), ou seja, o valor é adquirido na relação

de troca e não é inerente a marca ou produto em si mesmo. Isso explica a autonomia do

significado em relação ao significante indicando que os signos estão livres de vinculação a

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artefatos e sempre abertos para negociação (BORGERSON, 2005; HOSKINS, 2006; MILLER,

2005; OLSEN, 2006; TILLEY et al., 2006). Essa condição liberta os bens para serem [re]-

significados indefinidamente.

A possibilidade pós-estruturalista nos permite explorar e investigar espaços intertextuais

no contexto relacional utilizando a linguagem como modelo de mundo, reconhece e considera

também a importância dos domínios não-discursivos. Como afirmamos, possibilita através de

sua adoção evitar o reducionismo econômico de algumas versões marxistas que

desconsideram a importância do valor de uso, os invariantes da mente humana estruturalistas

que adotam a prática behaviorista, e as considerações de poder e dominação do pensamento

fenomenológico (TILLEY, et al., 2006).

No entanto, a dificuldade que Olsen (2006) levanta é a de que, apesar da possibilidade

disposta com a visão pós-estruturalista aparentar ser uma vitória na busca de compreensão do

sujeito pós-moderno, esse tipo de projeto exige a utilização de uma abordagem bricoleur de

investigação, que apresenta ainda dificuldades. Neste sentido, a presente pesquisa buscará uma

saída para investigar a marca sígnica como cultura material na adoção do método investigativo

arqueológico de Michel Foucault.

2.3.3 A arqueologia como oportunidade

Michel Foucault é reconhecido como um pensador contemporâneo arrojado, um

intelectual que, preocupado com o presente em que se encontrava inserido, se transformou em

um dos filósofos que refletiram mais profundamente sobre a história, buscando compreender

sob a luz de um novo olhar os temas e as teorias. O autor iniciou o livro Arqueologia do Saber

propondo uma “nova” história dos saberes a partir da cisão com o pensamento moderno

fundamentado na cronologia histórica. Nesta busca, elaborou uma teoria e propôs uma prática

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investigativa que permite compreender os saberes e descrever o campo cultural no qual um

novo conhecimento toma forma (EIZIRIK, 2006; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007; SCHEURICH;

MCKENZIE, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008).

Inicialmente, no entanto, é importante esclarecermos que as interpretações e

possibilidades da vertente epistemológica dos escritos deixados por Foucault constituíram

dois ciclos interligados: o primeiro foi o da Arqueologia, em que foi um crítico das condições

de possibilidades de um saber, e o segundo foi o ciclo Genealógico, que tratou “da

impossibilidade de nos libertarmos da nossa própria condição e de nossa história”

(FAIRCLOUGH, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008, p.216), ou seja, enquanto a arqueologia se

propõe à metodologia, a genealogia representa as táticas (SCHEURICH; MCKENZIE, 2005).

A arqueologia é um complexo conjunto de conceitos que incluem o saber e o

conhecimento. Para a prática arqueológica é fundamental desenvolver a compreensão dessas

duas arenas da informação: o saber inclui conhecimentos formais, como as idéias filosóficas,

mas também inclui também as instituições e as práticas de atividades do conhecimento não

formal. Para além do conhecimento formal e sua trajetória própria racional, Foucault busca no

mais vasto campo irracional os saberes da política, práticas institucionais, opiniões populares,

e assim por diante (SCHEURICH; MCKENZIE, 2005). São priorizados, dessa forma, percepções,

práticas, saberes que estariam num nível aquém ao conhecimento científico, alimentando o

interesse pelos conhecimentos não científicos e pelas formas de pensar das pessoas

(FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008).

Essa condição arqueológica reflete o anúncio do descrédito das grandes narrativas

históricas em que se buscam as explicações para os fenômenos de forma universal, bem como

recusa qualquer objeto tradicional de análise; esse processo ocasiona a compreensão dos

acontecimentos fora de toda finalidade uniforme, gerando compromissos apenas com as

regras a que os sujeitos estão submetidos, ou seja, fora de qualquer verdade absoluta

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(FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; FOUCAULT, 2007; SCHEURICH; MCKENZIE, 2005; THIRY-

CHERQUES, 2008).

Na arqueologia o sujeito é constituído simbolicamente por práticas historicamente

analisáveis (FAIRCLOUGH, 2001; FISCHER, 2001; FOUCAULT, 2007; THIRY-CHERQUES, 2008).

As estruturas do conhecimento e os modos de compreensão se alteram segundo sua

localização no tempo, espaço e instituição, e possuem um sistema de regras que se articulam

em combinações específicas de elementos discursivos e não discursivos. Essa articulação é

quem faz do discurso uma prática social (FAIRCLOUGH, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008).

Dessa forma, toda sociedade, como construção histórica, tem seu suporte em práticas

discursivas que a atravessam, criando assim as possibilidades de uma formação discursiva

própria, totalmente inter-relacionada com o macro-contexto. Assim, um discurso constitui a

sociedade em várias dimensões: os objetos do conhecimento, os sujeitos e as formas sociais

do eu, as relações sociais e as estruturas conceituais. Todos esses textos estão sempre

formando a interdependência de práticas discursivas exclusivas (FAE, 2004; FAIRCLOUGH,

2001; FOUCAULT, 2007).

Nessa condição, a ordem interna constitutiva do saber apresenta uma episteme, ou

seja, representa uma condição de possibilidade histórica singular, onde verdade e erro se

definem, através da qual se estruturam os múltiplos saberes do período, e que por isso,

compartilham formas e características gerais (FERREIRA, 2006; THIRY-CHERQUES, 2008). Por

essa razão, uma narrativa jamais pretenderia ser a única da verdade, nem muito menos

precisaria da demarcação de origem, e sim apenas ter a ciência dos seus limites e jurisdições

interpretativas (FOUCAULT, 2007; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007). Também por esta razão é

que uma época só pode ser entendida a partir dela mesma (FOUCAULT, 2007).

Foi através da negação de qualquer possibilidade de uma ordem, progresso ou

continuidade na história das idéias, que o ciclo arqueológico promoveu rupturas epistêmicas

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que abalaram os pilares sobre os quais a vida moderna foi construída, colocando em questão a

objetividade das investigações empíricas e o foco da modernidade no sujeito (EIZIRIK, 2006;

FAE, 2004; FAIRCLOUGH, 2001; FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; PIMENTEL; VASCONCELOS,

2007; SCHEURICH; MCKENZIE, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008); trouxe, assim, uma dimensão

importante para a epistemologia da interpretação, enfatizando os processos pelos quais os

significados são produzidos em vez de passivamente recuperados (OLSEN, 2006). Essas

descobertas lançaram uma luz sobre possibilidades onto-epistemológicas que influenciaram os

estudos das Ciências Humanas e Sociais.

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3 Procedimentos metodológicos

O presente capítulo apresenta a construção metodológica de pesquisa que pautou este

estudo. Iniciaremos retomando as considerações onto-epistemológicas da arqueologia, em que

nos apoiamos, para então descrevermos o método de investigação e análise. A arqueologia faz

parte de uma filosofia que é própria e pauta todo o legado de Michel Foucault, com o qual

buscamos dialogar para articular por meio desse modelo a busca de compreensão de como os

artefatos marcários são capazes de revelar a civilização ocidental. Essa possibilidade baseia-se

na consideração desse filósofo de que a análise de discurso é uma forma de análise social

(FAIRCLOUGH, 2001). Essa etapa do trabalho será composta de duas seções: a primeira tratará

da possibilidade filosófica que cerca o método arqueológico e a segunda de como se deu a

construção do arquivo neste procedimento arqueológico.

3.1 Possibilidade Epistemológica

Nossa pesquisa apóia-se nas considerações ontológicas e na possibilidade

epistemológica desenvolvidas por Michel Foucault, cuja teoria baseou-se na busca pelas

verdades através de um esforço analítico exaustivo, sem filiações ideológicas e acima de

compromisso com métodos, que é apresentado como um modelo arqueológico de investigar

(FAIRCLOUGH, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008).

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Uma vez que nossa investigação busca a compreensão e interpretação de um dado

fenômeno, nosso estudo encontra-se inserido no paradigma interpretativista (DENZIN;

LINCOLN, 1994), e apóia-se na condição do sujeito construir e, ao mesmo tempo, ser

construído pelo mundo social e cultural em que vive. Consideramos que a linguagem é o meio

de construção e geração de conhecimento e, desse modo, a compreensão de um saber

encontra-se na possibilidade de estabelecer nos discursos um sistema de relações, um jogo de

correlações e dominações, ou seja, na possibilidade de decifrar as regras a que estão sujeitos

(FOUCAULT, 2007; THIRY-CHERQUES, 2008).

A Arqueologia, recusando todas as formas como nos naturalizamos, encontrou a

alternativa do retorno do ser na linguagem. O conceito arqueológico é, por tanto, tributário de

uma teoria da linguagem, em que essa deixou sua vigência de representação, e a verdade

passou a ser revelada de forma pragmática, pelo conjunto dos fenômenos culturais (FERREIRA,

2006; FISCHER, 2001; THIRY-CHERQUES, 2008). O ciclo arqueológico buscou tornar crítico o

que escapava à crítica na história, problematizou o saber localmente, e forneceu instrumentos

que possibilitaram reflexões e re-construções típicas das questões investigativas pós-

modernas.

Desse modo, a adoção da arqueologia foucaultiana se deu por consideramos que o

legado deste filósofo trouxe as possibilidades para nosso modelo investigativo. É um método

de análise histórica que liberta o homem de seu centro e invalida a metanarrativa, indo bem

além de um desenvolvimento das pesquisas qualitativas para o campo social, questionando a

própria objetividade das investigações empíricas (EIZIRIK, 2006; FAE, 2004; FAIRCLOUGH,

2001; FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007; SCHEURICH;

MCKENZIE, 2005; THIRY-CHERQUES, 2008). Por essas razões, deixa uma contribuição única

para o desenvolvimento das pesquisas nas Ciências Sociais que envolvem a condição de “ser”

e “ter” do sujeito [pós]-moderno.

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3.1.1 A análise arqueológica

A analítica arqueológica de Foucault busca descrever a constituição do campo

discursivo, entendendo-o como uma rede que é formada na inter-relação dos diversos saberes

ali presentes. Através desta rede, e das características que lhe são próprias, é possível

encontrar o espaço de possibilidade para a emergência do discurso (EIZIRIK, 2006; FAE, 2004;

FAIRCLOUGH, 2001; FERREIRA, 2006; FISCHER, 2001; PIMENTEL; VASCONCELOS, 2007; THIRY-

CHERQUES, 2008).

O discurso para o trabalho arqueológico constitui o social, seus objetos e sujeitos em

práticas discursivas relacionadas interdiscursivamente e inter-textualmente. As relações que

ocorrem no campo de enunciados podem ser intertextuais numa condição de seqüencia e

dependência, ou interdiscursivas diferenciadas por pertencer a campos de presença,

concomitância ou memória (FAIRCLOUGH, 2001). Através da arqueologia temos uma base

para investigação sistemática das relações nos textos e nos tipos de discurso e entre eles.

A investigação, dessa forma, se dá sobre a estrutura ou articulação das formações

discursivas que geram a ordem do discurso, em que a busca é por localizar os efeitos da

prática discursiva sobre a construção do saber (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007). O foco

da pesquisa arqueológica está localizado sobre as condições de possibilidade do discurso

(SCHEURICH; MCKENZIE, 2005).

O modelo arqueológico tornou possível buscar por meio de um estudo qualitativo as

regras de formação que definem os discursos mundanos de marca, suas modalidades

enunciativas, sujeitos, conceitos e estratégias discursivas. Entendemos por modalidades

enunciativas os tipos de atividades discursivas em que o sujeito social existe como uma

função do próprio enunciado; já os conceitos são os aparatos utilizados para tratar um campo

de interesse que, por serem mutáveis, precisam ser analisados no interior do campo de

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enunciados a ele associados. A estratégia possibilita uma rica explicação dos diferentes tipos

de relação que podem existir nos textos e entre eles (FAIRCLOUGH, 2001; FOUCAULT, 2007).

Em consonância com o modelo, a análise arqueológica não foi realizada no sentido de

buscar o que o enunciado quer significar, e sim constituiu um descobrimento, uma elucidação

trazida à tona através da rede de interligações formada pelo dispositivo. O discurso deve

sempre ser revelado enquanto prática que obedece a regras (FOUCAULT, 2007; THIRY-

CHERQUES, 2008).

Fomos buscar no campo de enunciados as relações intertextuais de seqüência e

dependência de acordo com as quais os grupos de enunciados estão combinados, como

também relações interdiscursivas que podem apresentar-se como enunciados não pertencentes

à marca, mas reconhecidos como verdadeiro, envolvendo descrição exata, raciocínio bem

fundamentado ou pressuposição necessária; ou por outro lado, rejeitados criticados, discutidos

e julgados de forma implícita ou explicita (Campos de presença); ou ainda os enunciados que

relacionam-se entre formações discursivas, apesar de originados em diferentes formações

(Campo de concomitância), e finalmente os enunciados que, apesar de não serem mais aceitos

e discutidos, permitiram por meio deles estabelecer relações de filiação, gênese,

transformação, continuidade e descontinuidade histórica (FAIRCLOUGH, 2001).

Enfim, dentro da proposta arqueológica, ao invés de procurar fazer interpretações

desses enunciados, se buscou a decifração, ou seja, fazer aparecer através da analítica

interpretativa “(...) as idéias, os ideais, os conceitos, mas também os sentimentos, os instintos,

a filosofia” (THIRY-CHERQUES, 2008, p. 232) sociais que, no presente trabalho, se entrelaçam

nos discursos contemporâneos entre a civilização ocidental e a marca global.

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3.2 Escavação e coleta de vestígios

Nesta etapa do trabalho apresentamos a utilização dos recursos arqueológicos para

formação do arquivo. Primeiro abordaremos nosso posicionamento de estudo de caso para

então descrever os processos de coleta e registro.

3.2.1 Um estudo de caso instrumental

Nossa pesquisa está pautada em um estudo de caso qualitativo. Orientada pelas

recomendações de Robert E. Stack, Arilda S. Godoy e John W. Creswell, a opção pelo estudo

de caso deve-se à necessidade dessa pesquisa de buscar a compreensão para um fenômeno

contemporâneo e pertinente a determinado contexto. A escolha proporciona a compreensão

ampla e profunda, permite engajamento da pesquisadora com o cotidiano, e gera

possibilidades da descoberta de novos significados para o fenômeno sob investigação.

Apesar de ser uma modalidade amplamente adotada nos estudos de organizações,

muitos cientistas sociais escolhem fazer o estudo de caso visando à possibilidade de obter

generalizações relativas a uma população de casos. Para eles essa opção representa uma etapa

que precede a edificação da teoria, e o caso constitui uma categorização dos demais casos,

cuja exploração permite a generalização dos estudos (CRESWELL, 1998; GODOY, 2006; STACK,

1994). Sob outra perspectiva, o estudo de caso na presente pesquisa não se referiu a uma

opção metodológica e sim a escolha do estudo de determinado objeto (a marca representante

da cultura global) e seu contexto (a cultura local). Esta por ser uma cultura que compartilha da

condição de sociedade ocidental, e aquela por se constituir um produto emblemático da

sociedade de consumo mundializada, cabe em nossa proposta como caso ilustrativo.

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Stake (1994) identifica três tipos de estudos de caso: o estudo de casos coletivo (busca

estudar certo número de casos em conjunto a fim de inquirir sobre o fenômeno), o estudo de

caso intrínseco (é realizado porque visa uma melhor compreensão do caso particular em si

mesmo), e o estudo de caso instrumental, no qual está localizado nosso estudo. Nessa

possibilidade, o caso em si é de interesse secundário, apenas desempenha um papel de

suporte, facilitando o nosso entendimento de determinado fenômeno.

No estudo de caso instrumental o caso é freqüentemente analisado em profundidade,

seus contextos são examinados, e as suas atividades normais detalhadas. O caso pode ser

considerado como típico de outros casos ou não, e sua escolha é feita na medida em que

possibilita fazer avançar a compreensão do que sejam os outros interesses (STACK, 1994).

Assim, o objetivo principal da escolha de um caso para Stake (1994) não deve ser pelo

fato de sua possibilidade de representação de casos típicos, mas sim por sua condição de gerar

novos aprendizados, constituindo-se numa fonte de generalização naturalística; ou seja, poder

gerar a possibilidade para o pesquisador, através de seu conhecimento em profundidade,

entender outros casos e ainda, permitir ao leitor fazer associações e transferir as descobertas

para outro contexto baseado em sua experiência.

Definimos como caso instrumental de pesquisa os discursos mundanos marca Coca-

Cola nas principais cidades da Região Metropolitana do Recife (contemplando, desse modo,

Recife, Jaboatão dos Guararapes, Camaragibe, Olinda e Paulista), que a partir daqui,

passaremos a nos referir também como Sítio Arqueológico. A marca foi escolhida como

representativa do sistema da civilização ocidental, por constituir-se um exemplo de uma

grande marca consolidada; uma verdadeira voz social num mundo globalizado por base

capitalista, onde a mais de um século é capaz de dialogar com pessoas de todos os sexos,

religiões, classes sociais, faixas etárias, grupos étnicos, sem distinções. Os valores

transmitidos por esta marca se relacionam com os valores mais caros à sociedade, pois estão

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vinculados aos ideais de otimismo, alegria, prazer e felicidade, tão comuns aos discursos do

sujeito consumidor capitalista (RAMOS, 2006). A marca Coca-Cola incorpora os valores

associados à luta pela liberdade individual traçadas nos Estados Unidos, e incorpora também

os valores ocidentais mais amplos de liberdade, democracia e capitalismo de livre-mercado,

tornando-se o produto mais representativo da globalização (STANDAGE, 2005).

3.2.2 Processos e registros de uma etnografia arqueológica

Através do estudo de caso qualitativo de caráter etnográfico buscamos mapear diferentes

princípios, lógicas e significados por meio dos quais as pessoas estabelecem o sentido e

organizam a “realidade” em que vivem (BARBOSA, 2003; GODOY, 2006). A etnografia nos

possibilitou a compreensão de diferentes e mutáveis papéis, funções e significados a que são

submetidos às marcas no momento em que penetram no mundo cotidiano.

Porém, neste estudo a observação não foi participante e nem combinada, tal com o é

freqüentemente, pelo uso da técnica de entrevista; os registros visuais ao invés de estarem na

condição de suporte secundário assumiram aqui o principal registro de campo (ACHUTTI,

2008; BARBOSA, 2003; BONI; MORESCHI, 2007).

Desse modo, esta pesquisa consistiu basicamente de uma análise documental do estudo

de caso da marca Coca-Cola nas cidades do Sitio Arqueológico, tal como acontece

comumente em casos que adotam o método arqueológico (THIRY-CHERQUES, 2008). O roteiro

de observação do processo investigativo seguiu os princípios qualitativos gerais de

observação indicados para um estudo de caso através de uma estratégia etnográfica (GODOY,

2006; THIRY-CHERQUES, 2008):

A observação dos enunciados foi feita de forma cíclica, ou seja, concomitante

com a seleção e coleta de imagens;

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A análise reflexiva executada pela pesquisadora em campo auxiliou na guia do

processo em si, e ajudou a transferir os dados para o nível conceitual;

A partir da análise os dados foram segmentados em unidades relevantes,

caracterizados de acordo com o sistema de organização derivado dos próprios

dados, permitindo estabelecer a seqüência das fotos e do arquivamento;

A identificação do sistema de regras das formações discursivas buscou

reconhecer as combinações específicas dos elementos discursivos e não

discursivos e sua articulação, ou seja, identificou as relações intertextuais de

seqüência e dependência e as relações interdiscursivas dos campos de presença,

concomitância e memória;

A comparação foi a principal ferramenta para obter categorias;

A determinação das descontinuidades explorou as distinções entre os conceitos,

objetos, estilos, teorias e formas de racionalidade, fazendo emergir os estratos

acumulados justapostos pelo tempo;

A análise dos elementos aconteceu de forma simultânea a cada identificação e

determinação, e foram dispostas sinteticamente num quadro explicativo de

articulação entre a seriação dos discursos e as práticas não discursivas.

O estranhamento foi uma prática constante da pesquisadora: por meio do

trabalho negativo do método arqueológico, buscamos o distanciamento dos

conceitos, policiando-nos para libertação de todo jogo de noções sobre o tema,

para então explorar as distinções entre conceitos, objetos, estilos, teorias,

assimetrias, etc., que se dá apenas com o imbricamento;

Para selecionar os discursos do campo de conhecimento que formaram o arquivo

desta pesquisa e evitar coletas irrelevantes, foi necessário definir o recorte

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necessário para investigação ainda nas primeiras experiências em campo (a linha

metodológica foi sendo elaborada à medida que a pesquisa avançou);

Depois do recorte definido, consideramos todos os saberes presentes no campo,

também os conhecimentos menores, não científicos, particulares dos saberes

(FOUCAULT, 2007).

3.2.3 Formação do arquivo: o terreno das coisas ditas

Para uma pesquisa qualitativa, o corpus representa uma coleção finita de materiais,

determinada pelo analista de forma arbitrária, onde esses significantes da vida social são

tratados como textos (BAUER; AARTS, 2002). Contudo, para a estratégia da arqueologia não se

trata de definir um corpus pois esse seria infinito, mas sim de selecionar os discursos

pertinentes em um arquivo; através da descoberta de qual a ordem esses discursos se vinculam

em determinada época, parte-se da descrição das transformações dos tipos de discursos e

interroga-se sobre as condições de emergência dos elementos discursivos (FAIRCLOUGH, 2001;

THIRY-CHERQUES, 2008).

O Corpus desta pesquisa foi formado por discursos de cenas do cotidiano encontradas

no Sítio Arqueológico, que comunicavam a marca Coca-Cola e estiveram presentes em

espaços públicos durante o período de investigação, selecionados por sua pertinência às

condições de representatividade. Neste contexto foi considerada a comunicação da marca e

todas as suas formas de expressividade materiais tais como os produtos de extensão da marca

(como as roupas e material de escritório e papelaria), a exposição do produto, o logotipo, o

slogan, a forma da embalagem, entre outras.

Ao longo de sete meses de observação foram resgatadas 773 imagens no Sítio

Arqueológico. Inicialmente, de junho até agosto de 2008, as imagens folham colhidas por

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oportunidade. Sem a condição de uma rota pré-estabelecida, saímos na busca de encontrar

signos da marca em alguns pontos da cidade, ou ainda, registramos imagens em nossos

percursos cotidianos de trabalho e lazer. Após realizar as primeiras vivencias em campo, a

pesquisa foi sistematizada, a região foi subdividida em áreas geográficas nas quais foram

traçados um cronograma de atuação e as seqüências de rotas a serem percorridas. Na figura a

seguir é possível visualizar o mapa do Sítio Arqueológico e a indicação da direção das seis

rotas de percurso.

Figura 1(3) - Mapa indicativo da direção das rotas percorridas

As seis rotas incorporaram as fotos resgatadas anteriormente e formaram um total de 69

séries discursivas, cujas fotos são passíveis de repetição podendo pertencer a mais de uma

série.

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76

Na tabela a seguir é possível visualizar as datas e rotas planejadas e percorridas, bem

como as séries discursivas que foram encontradas e a numeração das fotos pertinentes a cada

uma.

Rot

a 1

– Z

ona

Su

l sub

úrb

io

Séries Localização Data Nº das fotos Série 1 Av. Eng. Abdias de Carvalho 08/09/21 1; 2 Série 2 Av. Recife, Bairro do Ipsep 08/09/21 3 Série 3 Av. Recife, Bairro do Ipsep 08/09/21 4 a 13 Série 4 Rua Jean Emile Favre, Bairro do Ipsep 08/10/12 2 a 5 Série 5 Av. Recife, Bairro do Ipsep 08/10/12 6 a 77 Série 6 Rua Jean Emile Favre, Bairro do Ipsep 08/11/11 1 a 3 Série 7 Rua Engenheiro José Apolinário, Bairro da

Imbiribeira 08/11/15 1 e 2

Série 8 Bairro da Imbiribeira 08/11/15 3 e 4 Série 9 Nossa senhora do Pilar, Bairro da

Imbiribeira 08/11/15 5 a 7

Série 10 Rua Arquiteto Luiz Nunes, Bairro da Imbiribeira

08/11/15; 08/10/11

8 e 9; 01

Série 11 Bairro do Ibura 08/11/15 10 a 12 Série 12 Av. Dois Rios, Bairro do Ibura 08/11/15 13 a 19 Série 13 Ladeira da COHAB – UR 1 08/11/15 20 a 23 Serie 14 Rua Nova Canaã 08/11/15 24 a 30 Série 15 Estrada da Batalha e Av. da Batalha 08/11/15 31 a 47 Série 16 Av. Barreto Menezes 08/11/15 49 a 62 Série 17 Av. Quatro de outubro; Av. Bernardo

Vieira de Melo 08/11/15 63 a 74

Série 18 Av. Agamenon Magalhães, Av. dos Sonhos, Av. Mascarenhas de Moraes

08/11/15 75 e 79

Série 19 Av. Agamenon Magalhães, Av. dos Sonhos, Av. Mascarenhas de Moraes

08/11/15 85 a 87; 93 e 94

Série 20 Avenida Barreto de Menezes, centro comercial de Prazeres

08/11/15 80 a 102

Série 21 Av. Barreto de Menezes, Av. da Batalha 08/11/15 103 a 117 Série 22 Av. Barreto de Menezes, Av. da Batalha 08/11/15 104 e 105 Série 23 Av. Barreto de Menezes, Av. da Batalha 08/11/15 107 a 109

Tabela 1 (3) - Rotas percorridas, série e datas

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Rot

a 2

-Zon

a su

l lit

oral

Série 1

Shopping Center Recife, Boa Viagem

08/06/11 1 e5 08/06/20 1 a 8 08/06/21 1 a 7 08/08/16 7 08/08/23 2 a 5

Série 2 Shopping Center Recife, Boa Viagem 08/08/16 2 a 4 Série 3

Shopping Center Recife, Boa Viagem

08/08/16 5, 8 a 10 08/08/23 1,6 a 12 08/08/25 1 a 5

Série 4 Shopping Center Recife, Boa Viagem 08/08/16 6 Série 5

Conselheiro Aguiar até o Bairro do Pina

08/08/23 13 e 14 08/11/16 83 a 89, 92 08/10/12 82

Série 6

Av. Boa Viagem

08/10/12 78 a 81 08/10/12 83 e 84 08/11/16 90 e 91

Série 7 Marca estendida 08/10/26 8 a 27 Série 8 Jardim Beira Rio 08/11/16 1 a 10, 12 a15 Série 9 Arredores da Av. Domingos Ferreira 08/11/16 16 a 22, 24, 25,

27, Série 10 Av. Visconde de Jequitinhonha; Av.

Senador Paulo P. Guerra 08/11/16 34 a 40

Série 11 Bairro de Barra de Jangada 08/11/16 41 a 51 Série 12 Volta pelo litoral 08/11/16 52 a 57, 59 a 77,

79 a 80, 82 Série 13 Av. Domingos ferreira 08/11/22 1 a 5 Série 14 Bairro de Brasília Teimosa 08/12/06 11 a 20, 22 a 31 Série 15 Shopping Center Recife, Boa Viagem 09/02/06 1 a 11

Rot

a 3

- Z

ona

nor

te s

ubú

rbio

e li

tora

l Série 1 Cidade de Paulista 08/08/09 1 a 3 Série 2 Av. Cruz Cabugá 08/08/11 1 e 2 Série 3 Discurso espontâneo 08/09/18 1 a 7 Série 4 Av. Cruz Cabugá 08/11/22 6 a 8 Série 5 Bairro do Carmo 08/11/22 9 a 11 Série 6 Rua Joaquim Nabuco 08/11/22 12 a 19 Série 7 Cidade alta de Olinda 08/11/22 21 a 28 Série 8 Litoral norte até Bairro de Casa Caiada 08/11/22 29 a 30, 33 a 49,

51,52 Série 9 Litoral norte após Bairro de Rio Doce 08/11/22 53 a 76 Série 10 Cidade de Paulista 08/11/22 78 a 94 Série 11 Tabajara, Bairro de Ouro Preto 08/11/22 95 a 99, 101 a110 Série 12 Bairro de Sítio Novo 08/11/22 111 a 117; 120

a130 Série 13 Bairro de Salgadinho 08/11/22 131 a 139

Tabela 2 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.)

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R

ota

4 –

Zon

a N

oroe

ste

Série 1 Bairro da Torre 08/08/16 1 Série 2 Bairro da Torre 08/10/26 4 a 7 Série 3 Bairro das Graças 08/11/01 1 e 2 Série 4 Bairro de Casa Forte 08/11/30 1 a 29, 31 a 37 Série 5 Bairro de Dois Irmãos 08/11/30 38 a 45 Série 6 Bairros da Jaqueira e Espinheiro 08/11/30 46 a 59 Série 7 Mercado da Encruzilhada 09/01/03 1 a 7

Rot

a 5

- Z

ona

Oes

te

Série 1 Av. Caxangá e arredores 08/12/07 6 a 10, 12 a 15, 17 a 20, 22,23; 94 a 107

Série 2 Início de Camaragibe - direita 08/12/07 27 a 30 Série 3 Início de Camaragibe - esquerda 08/12/07 46 a 53 Série 4 Cidade de Camaragibe 08/12/07 31 a 43 Série 5 Bairro da Várzea 08/12/07 57 a 79 Série 6 Cidade Universitária 08/12/07 80 a 92

Rot

a 6

- Z

ona

Cen

tro

Série 1 Cais de Santa Rita 08/08/09 4 a17 Série 2

Bairro do Parque Amorim

08/08/17 1 e 2 08/11/15 118 08/11/16 93

Série 3

Paço Alfândega, Bairro do Recife Antigo

08/10/09 1 08/10/25 3 08/10/29 1 a 3

Série 4

Bairros: Boa Vista, Derby e Recife Antigo

08/10/25 2 08/10/26 1 a 3; 28 08/11/22 140 e 141 08/12/06 1 a 9 08/12/07 1 a 5; 54 a 56; 108

Série 5 Bairro do Recife Antigo 09\01\02 1 a 9, 11 a 25

Tabela 3 (3) - Rotas percorridas, série e datas (Cont.)

Ao todo foram planejadas seis rotas e todas tiveram por ponto de partida e de chegada

o centro da cidade do Recife. Essa divisão inspirou-se quantitativamente na divisão político-

administrativo da cidade, também dividida em seis conjuntos de bairros, e estendeu seus

limites para os demais municípios, tomando por base a necessidade de percorrer sempre as

principais vias de acesso e seu entorno. Desse modo, investigamos as cidades que fazem

limite com Recife em sentido norte, sul e oeste, estabelecendo para o norte e para o sul uma

via litorânea e outra denominada de subúrbio.

As imagens registradas anteriormente foram anexadas a essas rotas respeitando sua

condição geográfica e, apesar de terem sido coletadas em datas diferentes, se incorporaram ao

critério espacial, eleito para esta pesquisa. Para cumprir essas rotas utilizamos o GPS - Global

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Positioning System10, interligado ao equipamento fotográfico, que localizou os registros de

imagem e permitiu gerar os mapas das trilhas marcados, utilizando para tanto o serviço do

Google maps.

A Rota 1 foi estabelecida tomando por início a ponte que cruza da Av. Agamenon

Magalhães seguindo para a Rua Paissandu, percorrendo as vias principais, com sentido sul

subúrbio, atravessando os seguintes bairros: Paissandu, Ilha do Retiro, Afogados, Imbiribeira,

Ipsep, Ibura, COHAB, Jordão, Areias, Barro, Piedade e Cavaleiro (cidade de Jaboatão dos

Guararapes).

A Rota 2 inicia-se na ponte Governador Paulo Guerra atravessando os seguintes

bairros: Pina, Boa Viagem, Piedade, Candeias e Barra de jangada (Cidade de Jaboatão dos

Guararapes). Pertencendo ainda a essa rota foi programado em outro dia o percurso do bairro

de Brasília Teimosa.

A Rota 3 seguiu em sentido norte litoral e subúrbio. Essa rota iniciou-se na Ponte de

Limoeiro e seguiu pelo litoral para Cidade Alta de Olinda, depois percorreu os bairros:

Carmo, Bairro Novo, Casa Caiada, Rio Doce, Janga, Conceição e Maria Farinha. A rota

retornou pela cidade de Paulista, seguindo para os bairros de: Ouro Preto, Jardim Brasil,

Peixinhos, Sítio Novo e Salgadinho.

A Rota 4 segue em sentido Noroeste, iniciando na ponte que cruza da Av. Agamenon

Magalhães no Bairro do Parque Amorim, em direção à Avenida Rosa e Silva. Percorre os

seguintes bairros: Espinheiro, Graças, Encruzilhada, Casa Forte, Apipucos e Dois Irmãos.

A Rota 5 segue em direção Oeste, iniciando na ponte que cruza da Av. Agamenon

Magalhães em direção à Rua Joaquim Nabuco. A trilha desce pela Avenida Caxangá

percorrendo os seguintes bairros: Madalena, San Martin, Cordeiro, Iputinga, Engenho do

Meio, Cidade universitária, Várzea, e o município de Camaragibe.

10 O GPS é um sistema de localização de posicionamento de um receptor na superfície da terra a partir de sinais emitidos por satélite. O receptor decodifica as transmissões de sinais de múltiplos satélites e calcula a posição exata (latitude, longitude e altitude) com base nas distâncias desses.

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A Rota 6 inicia-se no viaduto que liga o Bairro dos Coelhos ao Bairro de São José,

percorrendo os bairros de Santo Antônio e Recife Antigo.

Nas três figuras que se seguem é possível perceber as rotas no mapa. A figura 2

evidencia as Rotas 1 e 2 da região sul, percorridas dia 15 e dia 16/11/08, perfazendo um total

de 131, 3 quilômetros (Km) de extensão; nas cores: azul e vermelha (representando a ida e

volta) encontra-se traçado o percurso Zona Sul subúrbio; na cor vermelha, rosa e na verde

Zona Sul Litoral, incluindo o bairro de Brasília Teimosa, apesar do mesmo ter sido visitado

posteriormente no dia 06/12/08. O percurso deste bairro acrescenta mais 19,8 km de extensão

às rotas dos dias 15 e 16 acima citadas.

Salientamos que, apesar das fotos registradas anteriormente terem sido incorporadas às

rotas, os percursos executados não foram registrados uma vez que os mesmos não possuem

medição das distâncias efetivamente percorridas.

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Figura 2 (3) - Rotas percorridas região sul

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A Figura abaixo representa a Rota 3 - Norte litoral e subúrbio, realizada dia 22/11/08,

percorrendo um total de 104, 7 Km de extensão.

Figura 3 (3) - Rotas percorridas região norte

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Na figura seguinte podemos visualizar as Rotas 4, 5 e 6, que formaram o percurso

Noroeste, Oeste e Centro do mapa arqueológico.

Figura 4 (3) - Rotas percorridas região centro e região oeste

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84

O traçado em vermelho e verde representa a Rota 4 - Noroeste, percorrida dia

30/11/08, com 40 km de extensão; a linha azul mostra a Zona Oeste, percorrida dia 07/12/08,

com um percurso de 54, 11 Km; ainda a linha azul representa (na parte de baixo do mapa) a

Zona Centro, realizada dia 02/01/09 com 9,25 Km percorridos.

3.2.3.1 A instalação do fotograma

Valendo-nos de imagens como referência para o desenvolvimento de teoria, estamos

conscientes que utilizamos de uma prática comum apenas nos estudos culturais (HARPER,

2005), mas que em nosso caso representou a condição apropriada.

Nossa investigação buscou fazer uso do recurso imagético como uma forma de

narrativa que, agregada ao método etnográfico, proporcionou uma série rica de elementos

muitas vezes inviáveis de serem captados pelas palavras (CAVEDON, 2001; LOIZAS, 2002).

Consideramos, por tanto, que o estudo dos usos das tecnologias audiovisuais constitui um

processo de produção de narrativas etnográficas (HARPER, 2005; ROCHA, 2003).

Considerando que existem situações que dependem do processo fotográfico e que as

investigações sociológicas vêm se apoiando fortemente neste recurso (HARPER, 2005), nossa

pesquisa encontrou nele a liberdade narrativa necessária para sua execução. A estrutura e o

caráter polissêmico desse processo permitiram analisar como os significados são construídos,

incutidos e veiculados pelos meios sociais, obtendo modos singulares de observar e descrever

a cultura e as modificações provocadas em seu meio (ACHUTTI; HASSEN, 2004; CAVEDON,

2001; BONI; MORESCHI, 2007; HARPER, 2005).

Salientamos que Harper (2005) acredita que o método fotográfico se tornará em breve

muito comum na antropologia visual por sua qualidade de pesquisa interativa e capacidade de

documentar o cotidiano das pessoas. O autor argumenta que as imagens fotográficas são

dados similares às outras formas de dados, podendo incitar um pensamento sociológico

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inteiramente a partir de suas imagens. As imagens são muito úteis nos estudos de mudança

social por sua capacidade de revelá-las com extraordinário detalhamento, desenvolvendo

argumentos visuais. As novas possibilidades tecnológicas que, em si permitiram as novas

formas de pensar e fazer pesquisa de campo visual apresentam também inúmeras vantagens

de leitura, interpretação e interação com os conteúdos captados.

Recorrer ao recurso fotoetnográfico, entretanto, significou combinar de modo

adequado os dois saberes: o da técnica fotográfica e o da visão antropológica do fenômeno,

cuja condição define a aplicação do método etnográfico tais como: um olhar supostamente

desprovido de preconceitos e capaz de relativizar, da necessidade de construção de uma sólida

bagagem teórica, da imersão da pesquisadora no campo, e da utilização da técnica de

observação acompanhada do diário de campo (ACHUTTI; HASSEN, 2004; ANDION; SERVA,

2006; CAVEDON, 2001; BONI; MORESCHI, 2007 GODOY, 2006; GODOI; BALSANI, 2006).

O uso da fotografia implicou em outros cuidados uma vez que, diferentemente da

produção escrita, a construção etnográfica através dos meios audiovisuais revelam um

ilimitado campo de criação de sentido (GODOY, 2006; GODOI; BALSANI, 2006; RODRIGUES,

2006). No entanto a subjetividade é inerente também aos demais recursos investigativos, e foi

preservada através da adoção da visão antropológica, pelo uso da analítica interpretativa

arqueológica e pela adoção de um planejamento da ida ao campo, referente inclusive à

elaboração da organização do fotograma, que implicou na execução da seqüência das fotos e

sua forma de arquivamento, propiciando que seu resultado gerasse uma narrativa

fotoetnográfica (ACHUTTI; HASSEN, 2004; BONI; MORESCHI, 2007).

A seqüência de categorização e organização do fotograma foi realizada tomando por

base a localização das cenas no interior do sítio arqueológico. A proximidade geográfica de

cenas foi uma questão significativa para formação das séries discursivas. Para possibilitar a

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guarda organizada e recuperação temática imediata por séries discursivas, utilizamos o

programa de tratamento e gerenciamento de imagens Adobe Photoshop Lightroom II11

3.3 Procedimento analítico

Esta seção descreve o procedimento analítico que foi utilizado para a busca de

compreensão do complexo jogo discursivo que envolveu a marca Coca-Cola nos cenários

cotidianos locais, registrados fotograficamente durante os sete meses de pesquisa em campo.

Contudo, é preciso reforçar nosso entendimento de que a utilização da prática de

pesquisa qualitativa gera um o esforço analítico próprio, e que este representa apenas uma

dentre outras diversas possíveis abordagens para o campo. Além deste fato, a investigação é

um resultado evidenciado em determinadas condições de tempo/espaço, condições que se

apresentaram interdependentes de seu contexto e inseridas num processo sistêmico de

mudanças; esses fatos nos deixa conscientes de que os sentidos não se esgotam em nosso

gesto interpretativo.

3.3.1 O procedimento arqueológico

Para a análise dos discursos utilizamos como guia o projeto arqueológico. Porém, a

adoção da arqueologia nos levou a desenvolver um caminho metodológico que possibilitou o

fornecimento da instrumentalização própria para as observações e análise dos dados obtidos

em campo. O próprio Foucault afirmou que para existir de fato uma análise de discurso

arqueológica seria necessário que se considerasse não apenas as questões referentes ao

11 O Lightroom, software da Adobe Photoshop, é um aplicativo destinado a processar e organizar logicamente imagens digitais (BARROSO, 2007)

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procedimento, mas os problemas teóricos que surgissem no emprego dos conceitos chaves

como o de descontinuidade, de ruptura, de limite, de série. Em seu estudo o autor priorizou

tratar as questões teóricas, em detrimento dos procedimentos. A oportunidade de desenvolvê-

los certamente não chegou a ser sua intenção ou ainda, simplesmente jamais aconteceu.

Desse modo, utilizar o projeto intelectual de Foucault foi, sem dúvida, um grande

desafio pautado, principalmente, na dificuldade inerente de adentrar num espaço considerado

incerto e passível de ser percorrido das mais diversas formas. De fato, seu projeto quebra a

linearidade das formas de raciocínio de temas consolidados.

Visando estabelecer o procedimento de construção do caminho metodológico, na fase

de identificação e registro de presença da marca no cotidiano nos apoiamos no corpo de

conhecimentos do composto de marketing e seu conjunto de ferramentas, uma vez que eles

representam as ações da marca.

Localizamos a presença da Coca-Cola em ações de marketing específicas referentes:

sinalização de praças, presença de frota de distribuição, merchandising interno, exposição da

estocagem de produtos, em produtos de extensão da marca, na utilização da forma da

embalagem, em outras diversas formas do processo de comunicação, e finalmente, nas ofertas

de preço promocional que se encontravam disponíveis nos cenários. Contudo, em meio à

comunicação dita “oficial” e promovida pela marca Coca-Cola, identificamos também

práticas mundanas que se estabeleceram de forma espontânea por meio de seus signos. A

organização desses dados pode ser visualizada no próximo capítulo, na tabela: Síntese das

Descrições Enunciativas.

Considerando a diversidade de saberes no universo pesquisado selecionamos as cenas

para formação do arquivo através de um roteiro que obedecia às seguintes condições: 1) que

os elementos da marca estivessem representados; 2) que a cena identificada fosse promovida

pela marca ou por meio dela; 3) nas ocasiões em que não se apresentaram os sinais evidentes

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da marca (nome e logo) seria preciso que a cena pertencesse a um contexto enunciativo de

voz ativa da marca; 4) Em praças não “oficiais” seriam considerados no cenário apenas os

elementos do contexto que pertenciam à mesma classificação do enunciado da marca que foi

identificado, de modo a promover a prática comparativa.

A primeira etapa do trabalho foi identificar a formação das séries enunciativas, na

medida em que as imagens foram sendo resgatadas. A ordem das séries implicou em

identificar uma seqüência narrativa que incluísse ordens de inferência, raciocínios

demonstrativos, ordem de descrições, esquemas de generalizações, de especificação

progressiva, implicações sucessivas, entre outras. Para identificação das seqüências foi

essencial e determinante, por tanto, a condição de proximidade geográfica entre cenas,

possibilitando a construção de narrativas.

Para identificar as unidades discursivas, buscamos segmentar os dados em unidades

relevantes: iniciamos por descrever minuciosamente de que forma as sinalizações da marca

encontraram-se dispostas nas séries (superfícies de emergência dos objetos), até chegar a um

modelo de tabela que esgotasse todas as variações. Todas as imagens foram inicialmente

analisadas por meio dessa tabela, onde foram registrados os tipos de composição existentes

em cada enunciado (Tabela Coleta dos Elementos no Campo, presente na próxima seção).

Os dados foram levados para uma planilha, onde buscamos decifrar quais as funções

de cada elemento no interior dos enunciados a partir da análise de suas relações com o

contexto e domínio a ele associado, ou seja, as possíveis ações que são propiciadas por este

enunciado enquanto formação discursiva. A procura do desempenho dos enunciados nos

levou a buscar apóio, mais uma vez, na literatura de marketing. Essas funções levaram

também em consideração o campo de práticas não discursivas.

Na medida em que o quadro de funções foi se constituindo tornou-se possível

identificar que as práticas discursivas são regidas por regras que estabelecem transformações

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e encadeiam descontinuidades. A função enquanto signo, por tanto, só faz sentido por meio

das regras de formação que regulam e governam os atos discursivos.

3.3.2 Componentes do procedimento analítico

Para compreensão da sociedade ocidental por meio das formações discursivas que

permeiam o confronto entre as culturas global e local utilizando o projeto arqueológico, foi

necessário recorrer a um processo específico de análise discursiva: ao invés de interpretar o

documento em si, buscamos trabalhar em seu interior, ordená-lo, definir suas unidades e

descrever suas relações.

Este procedimento foi composto inicialmente de três componentes analíticos cuja

forma foi determinada pelo próprio campo: primeiramente foram identificadas por meio dos

enunciados, as descrições enunciativas. As mesmas compõem-se de signos da marca, e

apresentam uma finalidade ou ação participativa no contexto da cena, ou seja, possuem uma

função que por sua vez obedece a regras de funcionamento partilhadas.

Nosso campo discursivo foi representado por séries de imagens registradas no

cotidiano, que se apresentam como séries curtas, de um, dois ou três registros, ou longas o

bastante para conter até oitenta e três imagens, como foi o caso da representação da marca na

Avenida Recife. Assim, para capturar as variações e condições de [co]existência dos

elementos e identificar as descrições enunciativas de cada série, utilizamos uma tabela

contendo todas as possíveis descrições (formando as linhas) e a numeração de cada foto

(representando as colunas) onde registramos o que continha cada uma. Essa forma de registro

nos possibilitou capturar em cada série as condições de presença das descrições, conforme

segue o exemplo da Rota 1 - Série 14 na tabela a seguir.

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90

Série 14 - Data: 08/11/15 N úmero das fotos Descrição dos elementos 24 25 26 27 28 29 30

Fac

hada

Nome da marca Grafia Cores x x Onda Imagem da campanha Campanha com distribuidor Título da peça Título da peça adaptado por outrem Slogan da marca Signos da multimarca Signos de outra marca x Nome próprio ou apelido x Nome alusivo à crença Nome alusivo ao negócio x x Nome alusivo à localização x Nome (guaraná, fruta, caldo de cana) Candidato político Lista de iguarias Estipular regras Revelar regras Fazer votos Apelo contra violência Outras imagens ou cores Selo central de serviço ao cliente Pichado (grafitado)

Tol

dos

Nome da marca, grafia Cores x x Nome próprio ou apelido Nome alusivo ao negócio

Pla

cas

Nome da marca, grafia, cores x x Signos da multimarca Signos de outra marca Signos do distribuidor Signos de outro produto/ serviço Nome próprio ou apelido Nome alusivo à crença Nome alusivo ao negócio x x x x Nome alusivo à localização x x Nome (guaraná, fruta, caldo de cana) Nome pontos de atendimento da marca Candidato político Lista de iguarias

Fai

xa

Nome da marca, grafia, cores Signos da multimarca Signos de outra marca Signos de outro produto/ serviço Nome próprio ou apelido Nome alusivo à crença Nome alusivo ao negócio Nome alusivo à localização Nome (guaraná, fruta, caldo de cana) Candidato político Lista de iguarias

Tabela 4 (3) - Coleta dos elementos no campo

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91

B

and

ei-

rola

s Da marca Da multimarca De outra marca De outro produto

Ou

t d

oor Da marca

Com outra marca Com distribuidor De promoção De shows

PD

V

Geladeira

Da marca De outra marca De outro produto

Guarda sol

Da marca De outra marca

Cadeiras/ mesas

Da marca Da multimarca De outra marca

Porta canudos / cerveja

Da marca Da multimarca De outra marca Sem marca

Display / Quiosque

Da marca Da multimarca De outra marca De outro produto

Car

taz

/ ad

esiv

os/

bun

ner

Cartaz preço

Da marca x x x Da multimarca De outra marca x De outro produto

Cartaz promoção

Da marca Da multimarca x De outra marca De outro produto

Cartaz candidato político Lista de iguarias Cartão de crédito x Tíquete refeição

Ser

viço

s

PV

Pufs, Computadores, animadores, performance, display em forma de garrafa

Churrasco Jogo eletrônico, som e TV Ambiente - coberta choupana ou palha

Fro

ta d

e d

istr

ibu

ição

Ambulante Presença de Carro de mão Carro de mão com produto da marca Presença da bicicleta Bicicleta com produto da marca Caminhão Moto

Est

oqu

e Da marca Da multimarca De outra marca De outro produto x x x

Outros: descrever

Tabela 5 (3) - Coleta dos elementos no campo (Cont.)

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92

Esse modelo de tabela foi sendo elaborado durante a coleta e posteriormente foi

sintetizado em oito elementos visando possibilitar as triangulações. A síntese encontra-se

demonstrada no capítulo quatro (Tabela Síntese das Descrições Enunciativas)

Com base na elucidação e posterior triangulação desses três aspectos (descrições

enunciativas, funções e regras), buscamos as formações discursivas. As formações, por sua

vez, também são regidas por regras que foram reveladas.

A elucidação, a articulação e ordenação dessa estrutura foi o que permitiu analisar o

terreno das coisas ditas.

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93

4 Descrição dos resultados

Este capítulo apresenta as observações que compõem os resultados da pesquisa. Para

melhor compreensão das etapas iniciaremos apresentando a síntese das descrições

enunciativas e as identificações das funções e regras com suas respectivas descrições. Na

etapa posterior apresentamos as relações entre regras e descrições enunciativas encontradas na

prática discursiva, comentadas e exemplificadas.

Salientamos que na segunda etapa do trabalho é possível já identificar algumas

prováveis respostas para as questões específicas norteadoras desta pesquisa, embora essas

apareçam em forma de pistas que orientam nossa compreensão, e nunca em forma de

respostas diretas e objetivas, pelo próprio caráter de investigação.

Por fim apresentamos as formações discursivas e as regras gerais que as conduzem no

contexto.

4.1 A identificação no limiar discursivo

Nosso olhar sobre a prática discursiva estabelecida no limiar relacional das culturas

global e local nos levou a desvelar as relações existentes entre as descrições enunciativas,

funções e regras em cada contexto. Encontramos oito descrições enunciativas, dezesseis

funções e dez regras, descriminadas no decorrer desta seção.

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94

4.1.1 As descrições enunciativas

Para Foucault (2007) um enunciado é um conjunto de signos considerados no nível de

sua existência, ou seja, o enunciado é o que dá o saber.

A descrição dos enunciados do campo discursivo representou a unidade enunciativa

desta pesquisa. Em nossos sítios identificamos como enunciado as ações específicas de

marketing realizadas nos pontos de venda e verificamos que cada enunciado era composto de

um conjunto de elementos (considerados pela literatura de marketing como constituintes do

valor patrimonial da marca), sendo por meio de suas funções que este gera sentido àquele.

A descrição enunciativa constituiu-se da individualização desses elementos, que foram

a seguir organizados sinteticamente para possibilitar a realização das próximas etapas do

trabalho: a identificação das funções e regras e a descoberta das formações discursivas.

A seguir, mostramos a tabela síntese a que chegamos, contendo as oito possibilidades

que compõem a descrição de enunciados.

Des

criç

ões

en

un

ciat

ivas

Denominações Composição da descrição do enunciado Elementos da logomarca São considerados: os signos da marca como o nome, a

representação da onda, a grafia e as cores Peças publicitárias da marca São considerados: toda mídia externa, como out door, faixa

e painel. Por exemplo: a peça O melhor sabor de Pernambuco e suas variações, tanto na fachada de pontos de venda como em forma de painel na frota de distribuição ou ainda no centro da cidade, guarnecendo a parada de ônibus e a placa de pedestres nas margens do Centro de Excelência.

Material de merchandising da marca São considerados: as sinalizações de preço e promoções de ponto de vendas, Selo (CAC ou comemorativo), display e quiosque, geladeira, guarda-sol, cadeiras e mesas, porta-canudo e porta-cerveja

Pontos de atendimento da marca São considerados: o Centro de Excelência e a Estação de Reciclagem Coca-Cola, e ação de prestação de serviço de utilidade pública efetuada por meio da marca

Tabela 6 (4) - Síntese das descrições enunciativas

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Ações promocionais da marca São considerados a imagem dos produtos de promoção, o

título das campanhas e as ações como: estipular regras para a participação das mesmas e as condições programadas de ambiente para viabilizá-la tais como pufs, computadores, animadores e performance

Co- habitação com marcas concorrentes São considerados: a presença da concorrência, dada por: signos da multimarca, signos de outra marca ou produto, sinalização de preço de outra marca ou produto, ou ainda promoção de outra marca ou produto

Operações do distribuidor São considerados: signos do distribuidor, jogo eletrônico, churrasco, som e televisão, ambiente (coberta choupana ou palha), estoque da marca, estoque de outras marcas ou produtos, lista de iguarias, promoção conjunta marca/ distribuidor, tíquete refeição e/ou cartão de crédito, frota de distribuição como caminhão e moto, ou ainda a presença da bicicleta ou do carro de mão para entrega

Adaptações populares São considerados: adoção de outras cores, título da peça da marca adaptado por outrem, nome próprio, nome alusivo ao negócio, nome alusivo à localização ou à crença, nome (guaraná, fruta, caldo de cana), candidato político, pichação, ambulante, bicicletas e carro de mão com o produto, revelar regras, fazer votos ou apelo contra violência por meio da marca

Tabela7 (4) - Síntese das descrições enunciativas (Cont.)

4.1.2 As funções

A função é uma ação que se revelou na prática enunciativa por meio da existência de

um domínio de saberes que lhes está associado, neste caso específico, as relações da cultura

de consumo e o campo teórico do marketing. Nesta pesquisa, localizar a função representou

uma operação de decifração que buscou revelar o desempenho de cada elemento da marca no

enunciado, ou seja, a ação que o mesmo propicia no contexto. A tabela a seguir apresenta as

funções encontradas e suas respectivas descrições.

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96

F

un

ções

En

unci

ativ

as

Nome Ação propiciada Antropomorfizar Atribuir qualidades humanas aos signos da marca Apoiar convenção social Comunicar convenção social por meio da marca Apropriar-se de aspectos culturais Apropriar-se intencionalmente de aspectos culturais nativos Comunicar Desenvolver os elementos da marca Desculpabilizar excesso Indicar combinação para atenuar o excesso calórico Estipular regras Estipular regras para participar de promoção da marca Experienciar Criar condições de usufruto da experiência da marca Identificar parceiros Identificar parceiros comerciais Identificar-se Promover a identificação da marca Incorporar aspectos culturais Assimilar aspectos culturais por meio da marca Persuadir Levar a crer nas promessas da marca Promover hegemonia Tornar preponderante o discurso da marca Propiciar entretenimento Apoiar ou promover ações de entretenimento Tolerar diferenças estéticas Tolerar a não adoção do padrão estético (cor/forma) estipulado

pela marca Tolerar partilhamento do espaço Dividir o espaço com outras marcas, inclusive de concorrentes Ser representada Ter seus signos assimilados pelos signos de outrem (parasitas

culturais)

Tabela 8 (4) - Função e ação propiciada

4.1.3 As regras

As regras de uso que geram sentido aos signos precisam ser delimitadas e definidas em

cada forma de vida, pois, para Foucault a regra é uma prática social. No presente trabalho a

mesma é uma prática social mediada pela marca. As regras foram estabelecidas na condição

de existência e permanência dos elementos em cada repartição discursiva: buscamos nas

séries discursivas as condições de [co]existência, manutenção, modificação ou

desaparecimento dos elementos que compõem os enunciados.

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97

R

egra

s

Nome Descrição Uniformidade Emprego padronizado dos elementos de marca no processo de

comunicação Reprodução A repetição contínua das mensagens da marca Articulação cultural Interação entre a marca e a cultura local Polifonia Associação da marca com outros planos discursos (endosso, co –

branding, entre outras) Incitamento Instigar vinculação com promessas da marca Prática do poder Influenciar o comportamento de outrem por meio da marca Rebeldia Cometer ação de transgressão por meio da marca Relação de poder Estabelecer relações de confronto (disputa) entre a marca e outros

discursos (por meio de concorrência direta ou indireta do espaço; pichações, etc)

Redundância Facilitar a recepção e interpretação das mensagens por meio da marca Credibilidade Garantir disponibilização do serviço

Tabela 9 (4) - Regra e descrição

4.2 A prática estabelecida no limiar discursivo

Nesta etapa, iniciaremos apresentando as relações estabelecidas entre as descrições

enunciativas, funções e regras, exemplificando os achados etnográficos. O cruzamento de

dados ou triangulação é uma etapa fundamental da etnografia e evidencia a fase que se segue:

a identificação das formações discursivas.

Ao estabelecermos essas relações fomos conduzidos pela busca de compreensão das

duas questões específicas desta pesquisa, que tratam de como as marcas reproduzem a cultura

global ocidental, como as mesmas se estabelecem nas práticas cotidianas locais.

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98

4.2.1 Sob a regra uniformidade

A figura abaixo permite visualizar a relações possíveis entre as descrições enunciativas

e funções que se estabelecem na regra denominada uniformidade.

Figura 5 (4) - Regra uniformidade

A regra uniformidade, ou seja, a representação padronizada dos elementos da marca,

reproduz uma condição de [co]existência estabelecida entre as funções identificar-se,

comunicar, promover hegemonia e persuadir, mediadas pelas descrições enunciativas:

elementos da logomarca, peças publicitárias e material merchandising, responsáveis por

materializar parte da comunicação da marca. O exemplo que se segue busca elucidar a

compreensão sobre essa relação.

Uniformidade

Comunicar

Identificar-se

Elementos da logomarca

Promover hegemonia

Peças publicitárias

Persuadir

Material de merchandising

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99

Figura 6 (4) - Zona sul subúrbio foto 41: uniformidade por meio dos elementos da logomarca, peças

publicitárias e visual merchandising – Out 2008

Os elementos da logomarca presentes na fachada (cores, marca e slogan) têm por

função identificar-se promovendo seu reconhecimento, comunicar por meio deles as

características pertinentes à identidade desenvolvida para marca, e promover hegemonia, ou

seja, a supremacia discursiva da marca no contexto discursivo.

A peça publicitária de título O melhor sabor de Pernambuco além de vincular-se às

funções acima descritas, está atrelada à função persuadir. Para tanto, a marca usa da estratégia

de apropriar-se de elementos nativos como da imagem do casario do Recife Antigo e da frase

em que se estabelece como melhor sabor do local, criando a condição para operar seu discurso

ideológico (ADORNO, 2002; JAMESON, 2004; ORTIZ, 2008)

O material merchandising está presente no exemplo em forma de bandeirolas que

comunicam os elementos da marca, promovem hegemonia e utilizam a persuasão através da

imagem e do comando: Combine o que é bom.

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100

As relações acima apresentadas entre as descrições enunciativas e as funções foram

viabilizadas por meio do emprego padronizado dos elementos da marca no processo de

comunicação, ou seja, foram reguladas pela uniformidade.

O conjunto enunciativo da regra uniformidade baseia-se na estratégia de marketing

que procura mobilizar para a marca um sistema único de valores que é transmitido por meio

de uma comunicação uniforme e seriada, visando o fortalecimento de sua imagem em seus

mercados alvo (KAPFERER, 2003). A transmissão uniforme e a distribuição de objetos

idênticos favorecem o armazenamento de associações favoráveis e desejáveis da imagem da

marca na memória do consumidor.

4.2.2 Sob a regra reprodução

A regra reprodução (repetição contínua das mensagens da marca) se estabelece de

forma idêntica à uniformidade, e com ela compactua para a transmissão de mensagens

eficazes, como pode ser percebido na figura que se segue:

Figura 7 (4) - Regra reprodução

Reprodução

Comunicar

Identificar-se

Elementos da logomarca

Promover hegemonia

Peças publicitárias

Persuadir

Material de merchandising

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101

Nos exemplos a seguir é possível verificar que a marca promove a reprodução de suas

mensagens idênticas. A primeira foto refere-se à expressividade dos elementos da logomarca

e peças publicitárias.

Figura 8 (4) - Zona sul subúrbio foto 14: reprodução por meio dos elementos da logomarca e peças

publicitárias – Out 2008

A figura oito pertence a um trecho da série discursiva formada por bancas que ocupam

a margem da Avenida Recife. A grande maioria obedece a um padrão estético idêntico, mas

demonstram que foram sofrendo adaptações no cotidiano. A série inicia com poucas bancas

espaçadas que se avolumam no final, e termina com um motel que se apropriou da grafia e

cores da marca introduzindo-se, desse modo, na narrativa. .

Nas duas imagens seguintes apontamos a mesma sinalização de preço disposta em

regiões distintas da cidade:

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Figura 9 (4) - Zona norte litoral foto 08: reprodução por meio de material merchandising – Nov 2008

Figura 10 (4) - Zona oeste foto 68: reprodução por meio de material merchandising – Dez 2008

As funções que coexistem e integram a regra denominada reprodução (a repetição

contínua das mensagens da marca), de forma idêntica à regra uniformidade, são provenientes

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103

das mesmas descrições enunciativas As relações acima apresentadas foram viabilizadas por

meio da repetição do emprego padronizado dos elementos da marca no processo de

comunicação. A comunicação da marca Coca-Cola, como a de todo produto global, difunde

uma cultura de valores universais mixados aos locais e deles se alimenta de forma sistêmica

(JAMESON, 2004; MORIN, 2007).

O papel da publicidade e da propaganda ocupa um lugar importante na vida social

contemporânea por sua capacidade de veicular, transmitir e construir nossas interpretações da

realidade e do mundo social, fazendo parte do cotidiano das pessoas e comunicando valores e

formas de interagir capazes de transformações socioculturais (FAIRCLOUGH, 2001). Para tanto,

a publicidade comercial explora o universo particular do indivíduo, dos desejos, simula um

igualitarismo, e substitui indicadores de autoridade e poder por sedução, em que a referência

forjada faz o global superar o nacional utilizando da familiaridade que é criada pela repetição

(JAMESON, 2004). Desse modo, a reprodução participa da construção da memória e promove o

prazer do reconhecimento (ADORNO, 2002), trazendo para este discurso uma ordem sistêmica

de informação: fortalecimento e persuasão, responsáveis pela sensação de familiaridade que

nos trazem os produtos da marca Coca-Cola.

4.2.3 Sob a regra Prática de poder

A identificação da busca de influenciar o comportamento de outrem por meio da

marca foi denominada de prática de poder. Esta regra envolveu um número expressivo de

relações: oito funções e sete descrições enunciativas. Na figura a seguir é possível visualizar

as relações estabelecidas nessa prática discursiva.

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104

Figura 11 (4) - Regra prática de poder

Os exemplos que se seguem trarão esclarecimentos sobre as relações que integram a

regra prática de poder. O primeiro representa a ação ser representada, ou seja, a marca tem

seus signos assimilados por parasitas culturais, tanto por meio de adaptações populares como

também por elementos da logomarca. Na cena o ponto de venda se apropria dos signos da

marca: cores, nome e a própria grafia que, no caso, foi manuscrita.

Prática de poder

Persuadir

Ser representada Elementos da logomarca

Propiciar entretenimento

Peças publicitárias

Comunicar

Promover hegemonia

Pontos de atendimento

Ações promocionais

Material de merchandising

Operações com distribuidor

Estipular regras

Adaptações populares

Experienciar

Desculpabilizar excesso

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Figura 12 (4) - Zona norte subúrbio foto 88: persuadir e ser representada por meio de adaptações

populares e de elementos da logomarca – Nov 2008

Na figura seguinte o slogan é adaptado à campanha promocional, e permite visualizar

a função propiciar entretenimento, tanto por meio dos elementos da logomarca, quanto de

peças publicitárias e de ações promocionais; no exemplo persuadir aparece como uma função

representativa de todas as descrições, tal como o é para esta regra nos demais casos do

arquivo; estipular regras está ligado a peças publicitárias e ações promocionais; e experienciar

encontra-se ligada a peças publicitárias. A figura corresponde à campanha Corda na Rua

realizada pela marca no Shopping Center Recife em junho de 2008, lançada no início das

férias escolares. A campanha incentivou a troca de tampinhas de produtos Coca-Cola por

cordas de várias cores que deveriam ser colecionadas. Os animadores fizeram demonstrações

de performances que viraram moda nas ruas e geraram notícias em grupos da internet. A

campanha foi vinculada a uma ação maior da marca como patrocinadora dos jogos olímpicos.

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Figura 13 (4) - Zona sul litoral foto 01: persuadir, propiciar entretenimento, experienciar e estipular

regras por meio de ações promocionais, peças publicitárias e elementos da logomarca – Jun 2008

Figura 14 (4) - Zona Centro foto 11: persuadir e comunicar por meio de pontos de atendimento –

Ago2008.

A figura ao lado refere-se ao ponto de

atendimento denominado Centro de

Excelência Coca-Cola, no qual estão

presentes às ações de comunicar os

elementos da marca, e persuadir,

viabilizando o discurso ideológico. O

centro abriga diversos pontos de venda e

se configura numa grande praça de

alimentação montada no centro da cidade

em parceria com a Prefeitura do Recife.

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Na regra prática de poder, promover hegemonia é uma ação que está ligada apenas a

peças publicitárias e material merchandising. No exemplo abaixo (Centro de Excelência

Coca-Cola) é possível identificar as ações que levam à regra: compartilham do mesmo espaço

os painéis de peças publicitárias, display de preços, cadeiras e mesas, geladeira, porta-cerveja,

entre outros, numa ação de presença preponderante da marca, constituindo uma clara

demonstração da intenção: promover hegemonia.

Figura 15 (4) - Zona Centro foto 10: promover hegemonia por meio de peças publicitárias e visual

merchandising. – Ago 2008

Nas operações com o distribuidor existe as ações propiciar entretenimento, persuadir e

experienciar que, apesar de estarem presentes no exemplo abaixo (Fig. 16), já foram

demonstradas em outras ligações desta regra. Contudo, o mesmo representa a ação

desculpabilizar excesso que apresentou-se como função apenas dessa descrição.

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Em parceria com o Burger King, as marcas comandam: Escolha. Faça do seu jeito.

Sem problemas. Você tem direito de ter as coisas do jeito que gosta. Aqui você faz do seu

jeito. Nesta promoção a oferta calórica é acompanhada com Zero açúcar em referência ao

lançamento da Coca-Cola Zero. Nesta ação a marca compartilha de uma referência cultural no

sentido de desculpabilizar a ingestão de excesso calórico. Essa é uma prática nativa comum:

numa comemoração, por exemplo, freqüentemente alguém anuncia a quebra de seu regime

alimentar, e busca compensar essa transgressão ingerindo uma bebida que não engorda. Essa

ação é uma busca de diminuir a culpa gerada pelo deslize de não resistir a uma tentação.

Figura 16 (4) - Zona sul litoral foto 02: Persuadir, desculpabilizar excesso e experienciar por meio de

operações com distribuidor – Ago 2008

Quando se trata de propiciar entretenimento por meio de operações com o distribuidor

podemos perceber, por exemplo, a disponibilização de jogos em ponto de venda que são

patrocinados pela marca. Ainda nesses espaços, encontramos como prática comum a

disposição de aparelhos de som ou de televisão, conforme o exemplo a seguir.

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Figura 17 (4) - Zona sul subúrbio foto 22: propiciar entretenimento por meio de operações com

distribuidor – Out 2008

Assim, a regra prática de poder conduz as práticas populares e as da marca, sob várias

formas de descrições enunciativas, encampando as vozes de representação exercidas pela

marca e por meio dela, ativando um conjunto variado de funções para seus enunciados, tendo,

contudo, a função persuadir uma presença constante em todos eles.

A persuasão é bastante utilizada pela publicidade combinada com vários tipos de

informações, fato que vem se tornando uma condição naturalizada (FAIRCLOUGH, 2001). Sob

o ponto de vista da comunicação e dos signos da marca (incluímos as ações promocionais, os

elementos da logo, as peças publicitárias, pontos de atendimento, operações com distribuidor

e o material de merchandising), identificamos que as funções buscam além de persuadir

propiciar entretenimento, experienciar e estipular regras, desculpabilizar excessos, promover

hegemonia e ser representada. Neste sentido é possível perceber a estratégia de dominação da

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110

marca pela utilização da educação imagética projetada e mediada pela diversão, reduzindo a

ela própria o espetáculo (ADORNO, 2002; DEBORD, 1997; HALL, 2006; ORTIZ, 2007).

Contudo, as adaptações populares também utilizam de estratégia quando buscam os

elementos da marca para seu posicionamento. Encontramos no campo discursivo, sob diversas

formas, parasitas culturais que buscam assimilar os signos da marca para sua promoção ou

sobrevida. Nesse sentido, percebemos que a cultura popular busca os mesmos artifícios do

colonizador para se fortificar (CASTELLS, 2008), o que nos leva a compreender que a base dos

discursos sob essa regra encontra-se na manipulação, utilizada por todos os falantes nas cenas.

4.2.4 Sob a regra Relação de poder

A regra relação de poder foi decifrada nas relações estabelecidas entre três funções e

quatro descrições enunciativas, que pode ser observada na figura abaixo.

Figura 18 (4) - Regra relação de poder

Relação de poder

Ser representada

Elementos da logomarca

Co- habitação com marcas concorrentes

Tolerar partilhamento do

espaço

Tolerar diferenças

estéticas

Adaptações populares

Operações com

distribuidor

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111

A regra relação de poder se refere às condições de confronto estabelecidas no campo

discursivo e será mais bem explicada por meio dos exemplos que se seguem:

Figura 19 (4) - Zona sul subúrbio foto 78: ser representada por meio de elementos da logomarca e

adaptações populares – Nov 2008

Na da regra relações de poder as descrições enunciativas estão ligadas às funções de

ser representada, tolerar diferenças estéticas e tolerar partilhamento do espaço. Sob essa regra

a marca confronta-se ao ter que dividir espaço, tanto com as marcas concorrentes como na

competição com os discursos de outros produtos.

No exemplo acima, a competição encontra-se manifesta na função ser representada

que se dá por meio de adaptações populares e elementos da logomarca, estabelecendo o

confronto no campo discursivo: o ponto de vendas é um parasita cultural que se apodera dos

signos da marca (utiliza suas cores), vende bebidas nativas que concorrem com o produto da

marca, e encontra-se localizada estrategicamente entre dois pontos de venda oficiais da

mesma, como é possível visualizar a seguir na seqüência de imagens (anterior e posterior).

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112

Figura 20 (4) – Foto anterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008

Figura 21 (4) – Foto posterior à figura 18, parte da série discursiva 18, Rota 1- Nov 2008

Outra forma de confronto e relação de poder: encontra-se na co-habitação com marcas

concorrentes que impõem à Coca-Cola tolerar diferenças estéticas e partilhar o espaço de

vendas; por vezes no mesmo caso, as operações com o distribuidor também apontam para

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113

tolerar partilhamento de espaço. Na cena abaixo poderemos ver o exemplo das duas

descrições e funções juntas numa ação do distribuidor.

Figura 22 (4) - Zona Sul litoral foto 62: Tolerar partilhamento de espaço e tolerar diferenças estéticas por

co-habitação de marcas concorrentes e operações com o distribuidor– Nov 2008

O caso representado não foi único no campo discursivo. Encontramos outros exemplos

onde a marca está presente na placa e às vezes no material merchandising, mas a fachada é

uma área de domínio de outra marca; ou ainda de forma inversa, em domínios oficiais é

comum a existência de placas, estoque, material merchandising ou promocional, de outras

marcas ou produtos que, por dividirem as atenções do espaço discursivo, promovem

confronto com a marca, estabelecendo as relações de poder.

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114

4.2.5 Sob a regra Articulação cultural

A identificação da regra articulação cultural se deu nas relações de quatro funções e três

descrições enunciativas que podem ser observadas na figura que se segue:

Figura 23 (4) - Regra articulação cultural

A partir dos exemplos a regra e suas relações serão esclarecidas. Na cena que se segue

é possível perceber por meio de adaptações populares as ações: antropomorfizar e incorporar

aspectos culturais, regidas pela articulação cultural.

.

Articulação cultural

Antropomorfizar

Apropriar-se de aspectos culturais

Adaptações populares

Incorporar aspectos culturais

Peças publicitárias

Apoiar convenção social

Operações do distribuidor

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115

Figura 24 (4) - Zona noroeste foto 02: Antropomorfizar e incorporar aspectos culturais por meio de

adaptações populares – Nov 2008

Antropomorfizar caracteriza a ação de atribuir características humanas a “coisas” ou a

seres vivos. Nesse sentido, o aparecimento de nomes próprios em pontos de venda

representou uma situação comum em todo arquivo: assim como tivemos “coisas” que se

diferenciavam porque pertencia a alguém como o Bar do João, Bar do Oscar, a Banca da

Marina, entre outros, tivemos também um estabelecimento comercial personificado Tia

Dondon (Fig. 23), que exemplifica mais claramente a função.

A mais de vinte anos esta doceria representa na memória dos recifenses as delícias que

são produzidas utilizando receitas tradicionais (de sabor reconhecido) com a qualidade dos

alimentos “feitos em casa”; destinatários de carinho e cuidados especiais, os produtos Tia

Dondon são de procedência conhecida, portanto de confiança, justificando seu preço

diferenciado. Essa condição promovida por adaptações populares imputa qualidades humanas

(características próprias da “tia doceira”) aos produtos e serviços oferecidos no ponto de

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venda, e ao mesmo tempo faz a Coca-Cola (patrocinadora do mesmo) incorporar aspectos que

são próprios da cultura local.

Por meio de exemplos como o Bar do João, a marca se articula da mesma forma com a

cultura local: os nomes personificam o ponto de vendas, representam e transferem qualidades

humanas específicas aos produtos e serviços ali prestados (que podem se referir a questões de

qualidade ou mesmo de gosto: seja musical, alimentar, ou até mesmo da preferência por times

de futebol), ou simplesmente promovem familiaridade por representarem nomes próprios

ordinários. Essas características constituem a regra articulação cultural, promove relação entre

a marca e a cultura local, e é proporcionada por adaptações populares por meio da

antropomorfização de “coisas”.

As peças publicitárias por sua vez, apropriam-se de aspectos culturais como da

imagem de monumentos (pontes do Recife), como pode ser visto na figura abaixo:

Figura 25 (4) - Zona centro foto 07: apropriar-se de aspectos culturais por meio de peças publicitárias –

Ago 2008

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117

As peças publicitárias da marca buscaram referências na cultura local para seus

discursos, promovendo identificação e familiaridade e gerando a sensação de pertencimento,

facilitando assim a absorção de suas mensagens.

Por meio da marca, as adaptações populares também apóiam convenção social: no

exemplo a seguir consta na fachada do ponto de venda oficial o aviso: “proibido som após as

22 horas”. Essa questão representa uma convenção social inclusive pautada na legislação e o

bairro onde se localiza o ponto, como se pode ver pelo contexto, é de âmbito domiciliar.

Figura 26 (4) - Zona sul subúrbio foto 107: apoiar convenção social por meio de adaptações populares –

Out 2008

Com intuito de promover uma melhor visualização do aviso, recortamos e ampliamos

a imagem: na figura que se segue (Fig. 27) pode ser visto o detalhamento.

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Figura 27 (4) – Ampliação de detalhe da figura 28 – Out 2008

Desse modo, demonstramos que a regra articulação cultural conduz tanto às práticas

populares como à comunicação da marca, através das descrições enunciativas adaptações

populares, peças publicitárias e operações do distribuidor. A comunicação da marca aparece

por meio das funções apropriar-se de aspectos culturais ou incorporar aspectos culturais. Em

ambos os casos, de forma intencional ou não, a marca relaciona-se com questões da cultura

local.

Quando o faz de forma planejada, a marca apodera-se de signos nativos buscando

facilitar a comunicação por meio de mediadores, ganhando expressividade e conquistando

uma bem-sucedida manipulação e contenção de suas mensagens (JAMESON, 2007; MORIN,

2007). Desse modo, a marca gera o sentimento de identificação, pois suas mensagens são

compostas de instituições culturais, de símbolos e de representações nativos, permitindo

contar história e gerar memória. Com narrativas midiáticas recheadas de cultura local, numa

relação sistêmica, constrói as imagens que dão vida à comunidade imaginada (HALL, 2006).

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119

Enquanto a marca usa o artifício da aproximação com a cultura para uma comunicação

eficaz, as adaptações populares são no sentido de, por meio dela, construir um espaço

recoberto com sinais da cultura, fortificando suas expressões e materializando discursos

possíveis de asseverar os sujeitos socialmente (ORTIZ, 2007). Nas adaptações populares a

relação se dá nas funções antropomorfizar, que é a busca de atribuir qualidades humanas por

meio dos signos da marca, apoiar convenção social, comunicando-as através da marca e

incorporar aspectos culturais, fazendo-os presentes também por meio dela. Neste caso fica

evidente a busca de difundir ou reforçar às características culturais locais.

Em ambos os casos entendemos que a formação discursiva busca difundir uma relação de

pertencimento com a cultura local, embora os motivos sejam adversos

4.2.6 Sob a regra Incitamento

A regra incitamento representa a relação de três funções e três descrições enunciativas

que podem ser observadas na figura que se segue. Por incitamento compreendemos que seja a

prática de instigar vinculação com promessas da marca

Figura 28 (4) - Regra Incitamento

Incitamento

Persuadir

Peças publicitárias

Propiciar entretenimento

Operações com distribuidor

Comunicar

Pontos de atendimento

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Como primeiro exemplo desta regra, apresentamos a cena de um ponto de atendimento

que busca comunicar os elementos da marca: a Estação de Reciclagem Bom Preço/ Coca-Cola

que encontra-se colocada na parte exterior do supermercado. A mensagem convoca a

população para a prática da reciclagem com intuito de ajudar milhares de família, numa ação

ambiental/social regida por incitamento. As figuras 29 e 30 constituem o exemplo.

Figura 29 (4) - Zona Centro foto 118: comunicar por meio do ponto de atendimento – Nov 2008

Figura 30 (4) - Zona Centro foto 01: comunicar por meio do ponto de atendimento – Ago 2008

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A seguir vemos a peça publicitária que tem por função propiciar entretenimento e por

regra incitamento. Na imagem da figura 31 a marca é a patrocinadora oficial de um festival

com bandas populares reconhecidas nacionalmente.

Figura 31 (4) - Zona norte litoral foto 02: propiciar entretenimento por meio de peças publicitárias – Ago

2008

A persuasão realizada por meio de operações com o distribuidor poderá ser

exemplificada na cena em que o ponto de venda assume uma estética de coberta característica

da cultura local. A mesma se assemelha a uma choupana ou palhoça típica do litoral, trazendo

para o ambiente uma sensação de reconhecimento (tornando-o familiar), conforme pode ser

visualizado na cena seguinte (Fig. 32).

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122

Figura 32 (4) - Zona norte litoral foto 12: persuadir por meio de operações com o distribuidor – Ago 2008

Desse modo, a regra incitamento foi encontrada nas expressividades da comunicação

da marca, através das peças publicitárias, operações com distribuidor e pontos de

atendimento. Nas peças publicitárias a sua função foi propiciar entretenimento constituindo

uma estratégia que faz parte do fortalecimento da imagem da marca. Nos pontos de

atendimento a função buscou comunicar os elementos da marca, e nas operações com o

distribuidor, persuadir, ou seja, levar a crer nas promessas da marca. Compreendemos que a

regra incitamento encampa uma estratégia de dominação ideológica da marca sobre receptor,

A forma (ou design)

da coberta encontrada no

Centro de Excelência (ao

lado) foi localizada também

em um ponto oficial da

marca no litoral norte, sendo

utilizada em sua construção

a palha ao invés das telhas

de amianto do exemplo.

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uma ação falaciosa no que diz respeito a sua associação com o ilusório mundo da marca e sua

comunidade imaginada.

4.2.7 Sob a regra Rebeldia

A regra que trata das ações de transgressão exercidas por meio da marca foi denominada

de rebeldia. Essa regra provém de apenas uma descrição enunciativa e uma regra, cuja relação

pode ser observada na figura abaixo.

Figura 33 (4) - Regra rebeldia

O exemplo a seguir torna mais claro a relação encontrada na prática discursiva que se

estabelece pelo uso ilegítimo dos signos da marca: o colégio Menino Jesus da cidade de

Paulista utiliza os signos da marca na divulgação de um out door em que homenageia o dia

dos pais. Para a ocasião também foram confeccionadas camisetas com a mesma peça

publicitária (na cidade encontramos um pai vestindo a peça de roupa). O exemplo mostra a

apropriação dos signos da marca. (Fig. 33)

Rebeldia

Adaptações populares

Ser representada

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124

. Figura 34 (4) - Zona norte subúrbio foto 03: ser representada por adaptações populares – Ago 2008

A regra rebeldia tem por função a busca de ser representado e constitui-se uma prática

exclusiva da descrição enunciativa adaptações populares e sua ação parasitária de

comunicação por meio dos signos da marca. Nesta formação discursiva é evidente a ação

indisciplinada praticada pelos discursos mundanos que utilizam os signos da marca para

cometer atos de transgressão. O exemplo acima demonstrou a ação parasitária mundana de

apoderamento dos signos da marca.

4.2.8 Sob a regra Polifonia

A polifonia é regra que se estabelece em diversas vozes que se expressam nas práticas

do distribuidor e na co-habitação com marcas concorrentes. Representa a associação da marca

com outros planos discursivos e tem por função identificar parceiros ou tolerar partilhamento

de espaço. A regra pode ser visualizada na figura 35.

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125

Figura 35 (4) - Regra polifonia

No exemplo que se segue essa regra torna-se mais clara: A peça publicitária abaixo

representa uma operação conjunta da marca com o distribuidor, identifica parceiros e

promove polifonia no campo discursivo.

Figura 36 (4) - Zona Noroeste foto 46: identificar parceiros por meio de operações com distribuidor – Nov

2008

Essa cena também agencia a co-habitação com marcas concorrentes (possui signos de

outra marca e sinalização de preço envolvendo outro produto), promovendo dessa forma a

identificação de parceiros, mas também representando tolerância de partilhamento de espaço.

Polifonia

Operações do distribuidor

Identificar parceiros

Co- habitação com marcas concorrentes

Tolerar partilhamento de

espaço

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126

É possível perceber que a constante simultaneidade de vozes no campo discursivo

provoca uma relação de disputa por espaço, que é revelada tanto por meio de práticas de

confronto gerada na convivência com marcas concorrentes, como por meio do

estabelecimento de parcerias, como demonstrado no exemplo da figura 36.

.

4.2.9 Sob a regra Redundância

A redundância foi uma regra encontrada em uma função e uma descrição enunciativa.

A mesma refere-se à facilitação de recepção e interpretação das mensagens efetuadas por

meio da marca, encontrada em diversas placas e revelada por meio do nome alusivo ao

negócio. A relação encontra-se apresentada na figura abaixo.

Figura 37 (4) - Regra redundância

Na figura seguinte (número 38), pode ser conferido um exemplo dessa prática

discursiva: no Mercadinho São Carlos e Bar do Patinho - almoço, janta e sopa.

Redundância Identificar parceiros

Adaptações populares

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Figura 38 (4) - Zona sul subúrbio foto 104: identificar parceiros por meio de adaptações populares – Nov

2008

A formação discursiva refere-se à descrição enunciativa exclusivamente locada em

adaptações populares: a marca endossa os nomes de estabelecimentos comerciais como bar,

restaurante, banca, entre outros, levando ao receptor à compreensão imediata das finalidades

comerciais dos mesmos.

Essa formação baseia-se em premissas de um raciocínio fundado na cultura, uma vez

que: quando somos comunicados que o ponto de atendimento é um mercadinho, uma banca

ou ainda um restaurante entendemos, de mediato, de que se compõe o seu leque de serviços.

Essa comunicação refere-se ao que Foucault (2007) define como um modo de raciocínio

peculiar à um grupo social, que se baseia em um princípio normativo e formal para

entendimento de um conceito que foi estabelecido culturalmente no decorrer do tempo.

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128

4.2.10 Sob a regra Credibilidade

A garantia da disponibilização do serviço define a regra credibilidade. A mesma foi

identificada na relação de uma função e duas descrições enunciativas, conforme pode ser

visualizado na figura abaixo.

Figura 39 (4) - Regra credibilidade

Abaixo, segue um exemplo elucidativo da regra por meio de operações com o

distribuidor.

Figura 40 (4) - Zona centro foto 02: comunicar por meio de operações do distribuidor – Jan 2009

Credibilidade Comunicar

Material de merchandising

Operações do distribuidor

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Na imagem percebemos que a organização do estoque da marca promove uma

comunicação e, ao mesmo tempo, uma garantia de realização do serviço.

Na cena que se segue é possível verificar a comunicação e garantia por meio da

descrição material merchandising: o selo da Central de Atendimento ao Cliente disponibiliza

um telefone para o contato direto do consumidor com a marca.

Figura 41 (4) - Zona sul subúrbio foto 03: comunicar por meio de material merchandising – Dez 2008

Demonstramos que as descrições enunciativas: material de merchandising e operações

do distribuidor tem por função de comunicar os elementos da marca e por regra credibilidade,

ou seja, garantia de disponibilização do serviço. Esses enunciados referem-se às questões de

estoques, promoções, sinalizações de preço, entre outras, que informam e garantem ao

receptor que o produto ou serviço encontra-se disponível, como pôde ser constatado nas

figuras utilizadas como exemplo.

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130

Essa regra constitui-se parte integrante de uma estratégia discursiva da marca não

apenas de oferecer garantia do serviço prestado, mas faz parte de um objetivo maior de

constituir-se um discurso preponderante nos cenários discursivos mundanos, fortalecendo a

sua imagem.

4.3 As formações discursivas

Para Foucault (2007) uma formação discursiva é um conjunto formado por certo

número de enunciados, conceitos e escolhas temáticas, que descrevem um sistema de

dispersão e busca verificar como o discurso se organiza em uma ordem. Os sistemas de

dispersão encontram-se nas diversas possibilidades estratégicas de discursos que permitem a

ativação de temas que são incompatíveis, ou ainda, na introdução de um mesmo tema em

conjuntos diferentes.

Os conjuntos serão demonstrados a seguir através da interseção das linhas percorridas

entre os três níveis (descrições enunciativas, funções e regras) nas dez regras desveladas.

Nesta etapa do trabalho executamos uma análise reflexiva a partir dessas possibilidades,

conduzidos pela busca de compreensão da terceira questão específica: o desvelar de como é

possível a relação entre a cultura global e a cultura local.

No campo discursivo identificamos que as relações podem ser ordenadas em: relações

de agência, que representam os discursos disciplinares provenientes da marca (referentes da

postura ideológica global); relações que se estabelecem por confronto onde estão locados os

discursos que se estabelecem por indisciplina; ou ainda relações caracterizadas por associação

entre as partes, que se deu por síntese.

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131

Assim, as formações discursivas reveladas por disciplina estabelecem e ordenam o

sistema discursivo agenciado pela comunicação da marca. Por meio dessas são promovidos

uma série de outras formações que: se filiam às mesmas se tornando formação por síntese, ou

promovem conflito por se apossar da mesma (parasitas culturais), ou ainda se conflitam com

ela por concorrerem no mesmo espaço discursivo, se estabelecendo por indisciplina.

Demonstraremos a seguir as formações: disciplina, indisciplina, e síntese.

4.3.1 Jogo de memória

As funções que coexistem e integram as regras denominadas reprodução (a repetição

contínua das mensagens da marca) e uniformidade (emprego padronizado dos elementos de

marca no processo de comunicação) são provenientes das mesmas descrições

enunciativas:elementos da logomarca, peças publicitárias e material de merchandising, que

constituem a comunicação da marca. Esse conjunto de descrições apresenta por função:

identificar-se, comunicar (desenvolver os elementos da marca), promover hegemonia (tornar

preponderante o discurso da marca) e persuadir (levar a crer nas promessas da marca).

Na figura abaixo é possível observar a integralidade da interseção que se apresenta

entre as duas regras (demarcadas de cinza), nas linhas estabelecidas entra as colunas. Essas

regras se apresentam como discursos dependentes por se integrarem para representar a marca

em seu meio discursivo

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Figura 42 (4) - Jogo de memória

A uniformidade e a reprodução promovem a construção da memória imagética do

consumidor e a conseqüente familiaridade com os signos da marca, (ADORNO, 2002), trazendo

para esta formação discursiva uma ordem sistêmica: transmissão uniforme e repetida que se

junta com a distribuição de objetos idênticos e favorece o armazenamento de associações

favoráveis e desejáveis da imagem da marca na memória do consumidor. Esse conjunto de

ações fortalece o discurso persuasivo da marca (KAPFERER, 2003). Desse modo, a prática

discursiva global busca gerar um acervo de memórias por meio de um jogo estratégico e

articulado de comunicação da marca (postura ideológica) com a cultura e o usuário local,

estabelecendo para essa formação discursiva a denominação de jogo de memória.

4.3.2 Funções do marketing

A regra credibilidade (que busca garantir disponibilização do serviço) e a regra

incitamento (que busca instigar vinculação com promessas da marca) representam duas das

funções do marketing. As mesmas fazem parte do plano de marketing para a marca, ou seja,

Uniformidade Comunicar

Identificar-se

Elementos da logomarca

Promover hegemonia

Peças publicitárias

Persuadir

Material de merchandising

Reprodução

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133

da programação das várias atividades que são destinadas sistematicamente para criação e

manutenção de sua identidade do mercado (SANT’ANNA, 2003).

Na interseção das regras incitamento e credibilidade identificamos que operações com

o distribuidor é a única descrição enunciativa que integra ambas as regras. No incitamento

essa descrição corresponde a promoções feitas com o distribuidor, que tem por função

persuadir. Na credibilidade a mesma apareceu sob forma de tíquete refeição, cartão de crédito,

presença a frota de distribuição ou ainda estoque da marca, que visam facilitar e garantir o

atendimento.

Na figura 42 é possível visualizar a interseção (demarcada em cinza)das regras.

Figura 43 (4) - Funções do marketing

A função comunicar é comum a ambas as regras, embora tenham aparecido por meio

de descrições enunciativas diferentes: na regra incitamento a função provém dos pontos de

atendimento (como da Estação de Reciclagem ou do Centro de Excelência, encontrados no

campo). Na credibilidade estão ligadas à operações com distribuidor e material merchandising

(sinalização de preços e materiais promocionais).

Incitamento

Comunicar

Peças publicitárias Propiciar entretenimento

Operações com distribuidor

Persuadir

Material de merchandising

Credibilidade

Pontos de atendimento

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Essas descrições enunciativas e suas funções constituem os instrumentos que

subsidiam o plano de marketing da marca, ou seja, as mesmas dão embasamento às regras que

fazem parte das funções do marketing, razão da denominação desta formação discursiva.

4.3.3 Manipulação e confronto

A regra prática de poder caracteriza a busca de influenciar o comportamento de outrem

por meio da marca utilizando, para tanto, de persuasão; a regra relação de poder caracteriza

as relações de confronto estabelecidas na busca pelo espaço discursivo entre a Coca-Cola e

outras marcas. Desse modo, enquanto na primeira regra a marca é mediadora da manipulação,

na segunda a mesma é objeto de confronto discursivo.

Essas regras se apresentam divergentes em quase todas as suas funções e descrições,

com exceção de ser representada, comum a ambas. As descrições ligadas à função ser

representada também são as mesmas: elementos da logomarca e adaptações populares.

Contudo, adaptações populares também se encontra ligada à persuadir na linha da regra

Prática de poder e à tolerar diferenças estéticas na linha da regra Relação de poder. Elementos

da logomarca busca também propiciar entretenimento e persuadir na linha da regra Prática de

poder e apenas ser representada na linha da regra Relação de poder.

A regra prática de poder conduz as práticas populares e da marca, sob várias formas de

descrições enunciativas, ativando um conjunto variado de funções para seus enunciados.

Contudo, a função persuadir é uma constante em todos eles. A regra relações de poder

representa o confronto das diversas vozes na disputa do campo discursivo, entre elas: os

parasitas culturais, os concorrentes, as adaptações e as operações do distribuidor.

Na figura 43 demonstramos a interseção existente nas linhas percorridas entre as

descrições e funções, afloradas sob essas regras. Estão tarjadas de cinza as descrições que

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135

foram comuns a ambas as regras, e a única função que apresenta-se também comum

proveniente da descrição que é pertinente a ambas.

Figura 44 (4) - Manipulação e confronto

Prática de poder

Persuadir

Ser representada

Elementos da logomarca

Propiciar entretenimento

Peças publicitárias

Comunicar

Promover hegemonia

Ações promocionais

Material de merchandising

Operações com distribuidor

Estipular regras

Adaptações populares

Experienciar

Desculpabilizar excesso

Relação de poder

Co-habitação com marcas

concorrentes

Tolerar partilhamento de

espaço

Tolerar diferenças

estéticas

Pontos de atendimento

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136

Por meio da figura é possível visualizar de imediato que a marca utiliza uma

quantidade grande de recursos (descrições enunciativas) ligados a uma série de funções na

busca da prática de poder, ou seja, da manipulação discursiva, que se dá sempre pela

persuasão. Essa regra encampa majoritariamente a voz da marca através das descrições: peças

publicitárias, pontos de atendimento, ações promocionais, material merchandising e

elementos da logomarca, embora seja função das demais vozes. Diferentemente, na Relação

de poder os elementos da logomarca estão representados pela voz de parasitas culturais,

concorrentes, adaptações e operações do distribuidor, que promovem tolerar partilhamento de

espaço e diferenças estéticas, numa operação de confronto com a marca.

4.3.4 Divergência cultural

As regras incitamento (instigar vinculação com promessas da marca) e articulação

cultural (integração entre a marca e a cultura) promovem a formação discursiva divergência

cultural.

De acordo com a figura a seguir, é possível observar que entre as regras existem duas

funções enunciativas comuns: peças publicitárias e operações com o distribuidor. A primeira

liga-se a articulação cultural buscando apropriar-se de aspectos culturais e ao incitamento

propiciando entretenimento. A segunda liga-se a articulação cultural buscando incorporar

aspectos culturais e ao incitamento por meio da persuasão.

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Figura 45 (4) - Divergência cultural

É possível observar o confronto entre as culturas exatamente na comparação feita

entre os elementos que não se enquadram na área de interseção das figuras: entre as regras são

incomuns as descrições enunciativas pontos de atendimento (voz ativa da marca) pertencente

ao incitamento, e adaptações populares na Articulação cultural. Enquanto os pontos de

atendimento buscam comunicar elementos da marca, as adaptações populares buscam

antropomorfizar, ou seja, comunicar a cultura local por meio da atribuição de qualidades

humanas aos signos da marca. Segue também para outras linhas: incorporar aspectos culturais

e apoiar convenção social, com o mesmo intuito de comunicar a cultura nativa, caracterizando

a dissensão.

Articulação cultural

Antropomorfizar

Apropriar-se de

aspectos culturais Adaptações populares

Incorporar

aspectos culturais

Peças publicitárias

Apoiar convenção

social

Operações do distribuidor

Pontos de atendimento

Comunicar

Incitamento Propiciar

entretenimento

Persuadir

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Por outro lado, percebemos na comparação que o discurso da marca se interessa pela

aproximação com a cultura e o faz apoderando-se de suas características e, promovendo a

aproximação, torna válida sua prática persuasiva. A marca promove a postura ideológica da

cultura global em sua comunicação e a colônia imprime sua marca também por meio dela. A

cultura nativa vira instrumento da elocução global na ação da linguagem estratégica

(HABERMAS, 2002), mas adota o mesmo jogo de linguagem para se fortalecer. Assim, as

culturas (local e global) buscam fortalecer em seus discursos na zona de confronto utilizando

as mesmas estratégias. Por terem motivos antagônicos, essa formação foi denominada de

divergência cultural.

4.3.5 Um meio de expressão

A comparação entre as colunas das regras rebeldia e articulação cultural demonstra

que uma única descrição enunciativa comum entre elas: adaptações populares. Essa descrição

tem por regra ser representada (assume o papel de parasita cultural) quando ligada à regra

rebeldia. Por outro lado, quando adaptações populares encontra-se ligada à articulação

cultural a mesma é representante de ações realizadas por meio da marca que imprimem nas

mesmas marcas da cultura nativa, conforme pode ser visualizado na figura a seguir.

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Figura 46 (4) - Um meio de expressão

Por rebeldia as adaptações populares buscam os signos da marca para cometer ações

de transgressão. Na articulação cultural as adaptações populares buscam firmar a cultura

nativa por meio das ações de nomear os pontos de venda com nomes próprios, incorporar

aspectos culturais com expressões de crenças e ainda apoiar convenção divulgando às regras

acordadas socialmente. Ambas as regras utilizam a marca como mediadora de suas ações, ou

seja, a marca é um meio de expressão, condição que deu o nome a essa formação discursiva.

A atitude nos permite perceber uma situação que representa o conflito global /local,

em que a cultura nativa imprime sua marca no cenário tendo a marca global por mediadora,

seja de forma disciplinada (utilizando a mesma estratégia) ou indisciplinada. A cultura como a

esfera das representações do vivido (DEBORD, 1997), demonstra sua resistência por meio da

persistência ou da indignação.

Articulação cultural

Antropomorfizar

Apropriar-se de

aspectos culturais Adaptações populares

Incorporar

aspectos culturais

Peças publicitárias

Apoiar convenção social

Operações do distribuidor

Rebeldia Ser representada

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4.3.6 Ideologia

Quando as diversas vozes recolhidas no campo discursivo foram acopladas por grandes

categorias, pudemos identificar a existência de quatro grupos:

A voz da marca, que encontra-se diretamente representada pelas seguintes descrições

enunciativas: elementos da logomarca, peças publicitárias, material merchandising e

ações promocionais.

A voz do distribuidor que aparece na descrição enunciativa operações com

distribuidor e lhe representam por meio das ações promovidas na disponibilização do

produto;

A voz da concorrência que aparece na descrição enunciativa co-habitação com marcas

concorrentes;

E na voz dos saberes informais representada pela descrição adaptações populares

Quando observadas desta forma, identificamos que a única função comum a todas as

vozes foi persuadir. Desse modo, por representar a natureza que é inerente a todos os seres

discursivos deste campo, denominamos essa formação discursiva de ideologia, por ser uma

base de pensamento social que segue um modelo que foi recortado do real pela ideologia,

propiciando uma consciência deformada da realidade (DEBORD, 1997).

4.3.7 Simbiose

As regras polifonia e redundância possuem por função comum identificar parceiros

comerciais. Na redundância, a descrição enunciativa adaptações populares busca, por meio da

marca, facilitar a recepção e interpretação das mensagens. Na polifonia, apesar de existir outra

função (tolerar partilhamento de espaço) que aparece ligada à co-habitação com marcas

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concorrentes, a marca através dela e das operações com distribuidor se associa com outros

planos discursivos para endosso ou co branding.

Na figura abaixo encontra-se tarjada de cinza a função comum entre essas regras,

embora proveniente de diferentes descrições enunciativas.

Figura 47 (4) - Simbiose

Entendemos que os conjuntos de descrições enunciativas regidos pelas regras

redundância e polifonia que tem por função identificar parceiros, representam um acordo

vantajoso para os organismos, ou as partes da praxe social. Essa formação discursiva foi

denominada de simbiose, por representar a associação de seres vivos que vivem em sistema

comum, por meio da adoção de estratégias também comuns.

4.3.8 Sujeito do projeto/ projeto do sujeito

Incitamento é a ação promovida com intuito de instigar vinculação com promessas da

marca, e a rebeldia é a ação de transgressão efetuada por meio da marca.

A regra incitamento foi encontrada no campo nas expressividades da comunicação da

própria marca, através das peças publicitárias, operações com distribuidor e pontos de

Polifonia

Operações do distribuidor

Identificar parceiros

Co- habitação com marcas concorrentes

Tolerar partilhamento de

espaço

Adaptações populares

Redundância

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atendimento. Nas peças publicitárias a sua função foi propiciar entretenimento que, como já

vimos, é uma estratégia que faz parte do fortalecimento da imagem da marca. Nos pontos de

atendimento a função buscou comunicar os elementos da marca, e nas operações com o

distribuidor buscou persuadir, ou seja, levar a crer nas promessas da marca.

Desse modo, esta forma de discurso constitui-se falaciosa, pois encampa a tentativa de

dominação ideológica sobre receptor, a respeito de sua associação ao ilusório mundo da

marca e sua comunidade imaginada, cujas referencias são compartilhadas nesta sociedade.

A regra rebeldia tem por função a busca de ser representado e é uma prática exclusiva

da descrição enunciativa adaptações populares, em sua ação parasitária de comunicação por

meio dos signos da marca. Nesta formação discursiva os discursos mundanos utilizam os

signos da marca para cometer ações de transgressão, numa atitude de indisciplina.

Na figura abaixo é possível perceber a relação de posicionamento entre as vozes:deste

campo:

Figura 48 (4) - Sujeito do projeto/projeto do sujeito

Apesar de não existir nenhuma interseção entre as colunas, existe entre esses níveis

intertextuais uma relação: no incitamento, a voz ativa é sempre a da marca e busca instigar

Incitamento

Comunicar

Peças publicitárias Propiciar entretenimento

Operações com distribuidor Persuadir

Adaptações populares

Ser representada Rebeldia

Pontos de atendimento

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através de seu discurso vinculação de seus signos com suas promessas; fortalecendo e

difundindo sua imagem. Enquanto isso, de forma parasitária, a rebeldia se apropria deste valor

construído socialmente para cometer atos de transgressões e chamar atenção sobre si mesmo.

O recurso utilizado demonstra a força do sistema. Nesta formação encontramos duas vozes e

uma sociedade que se apresenta dependente das regras econômicas: Segundo Debord (1997,

#52) “o sujeito só pode emergir da sociedade, isto é, da luta que existe nela mesma”.

4.4 As regras entre formações discursivas

Ao identificar as formações discursivas percebemos que as mesmas representam

relações intertextuais de seqüência e dependência e relações interdiscursivas dos campos de

presença, concomitância e memória.

Nesta seção apresentaremos as regras que regulam as formações discursivas em nosso

arquivo, iniciando por indicações de forma de sucessão e suas estratégias: esquemas retóricos,

dependência e ordem de séries. Essa primeira parte está compilada na regra denominada

argumentação retórica. Na segunda etapa procuramos demonstrar as formas de coexistência

que se dão pelos campos de presença e concomitância, ao que denominamos de argumentação

dialética.

Sob o ponto de vista clássico, a argumentação foi tida como um componente dos

sistemas: lógico (a arte do pensar logicamente), retórico (a arte do bem falar) e dialético (a

arte do bem dialogar), que formam a base do sistema que se perpetuou até o século XIX.

Sofrendo mudanças no decorrer do século XX, tomou perspectivas bem diferentes a partir dos

anos 1970 (PLANTIN, 2008). Nesta pesquisa a palavra argumentação é utilizada no sentido de

“uma argumentação sobre algo” não tendo qualquer pretensão de desenvolver um

empreendimento teórico sobra a “argumentação” no sentido clássico.

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4.4.1 Argumentação retórica: viva o lado Coca-Cola da vida

Os esquemas retóricos permitiram a combinação de grupos de enunciados

demonstrando suas formas de sucessão. A partir desses esquemas se encadearam descrições,

deduções e definições, cuja seqüência caracterizou a arquitetura dos vários textos do arquivo.

Na perspectiva de Nietzsche particularmente ativa desde a década de 1970, a retórica

ganha a definição de essência persuasiva da linguagem (PLANTIN, 2008), ou seja, representa

um conjunto de regras relativas à eloqüência, a arte de persuadir ou comover por meio do

discurso. A denominação da regra Argumentação Retórica: Viva o Lado Coca-Cola da Vida,

aqui adotada, deve-se primeiro ao fato das práticas discursivas por nós observadas, serem

realizadas tendo a marca Coca-Cola e seu fantástico mundo encantado por mediadora,

enfeitiçando a construção de nossos mundos (BROWN, 2006). Em segundo lugar pelo fato de

termos identificado que a persuasão é uma função presente em quase todas as formações

discursivas do arquivo, e em absolutamente todas as vozes que se anunciam em nosso meio

discursivo (referente à formação discursiva Ideologia). .

Plantin (2008) afirma que a argumentação retórica pode ser definida de maneira bem

específica por meio da presença das seguintes características:

1. Trata-se de uma retórica referencial (formula o problema dos objetos, dos

fatos e da evidência), mesmo que sua representação lingüística só possa ser

apreendida no conflito e na negociação

Neste sentido, nas formações discursivas as mensagens publicitárias da Coca-Cola

buscam criar um mundo ideologicamente favorável e absolutamente perfeito, promovendo

uma representação discursiva de cultura global e dominante, que conflita com a cultura nativa.

2. Ela é probatória, ou seja, visa trazer a prova.

A argumentação retórica da marca apropria-se de signos verbais e visuais, de valor

universal, mas também, por vezes, de valor nativo. É que o discurso da marca global precisa

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desenvolver uma identificação para operar, criar estratégias, e o faz se apropriando de

aspectos culturais locais. Apresenta, assim, um mundo familiar e irresistível que pode ser

vivido na marca, apelando para um sentimento de liberdade do receptor para afirmar sua

vontade (ADORNO, 2002; JAMESON, 2007; MORIN, 2007). A participação compulsória sob pena

da exclusão do sistema conquista a prova de suas promessas.

3. Ela é polifônica e seu objetivo é a intervenção planejada, tendo seu caráter

eloqüente como acessório.

Esse discurso desencadeia a polifonia, que utiliza das mesmas estratégias para sua

expressão com intuito de se promover ou sobreviver, favorecendo que o sistema feche-se em

si mesmo, conquistando a intervenção planejada. O discurso da marca enquanto discurso

ideológico dominante aparece em todas as formações discursivas, sendo utilizado

estrategicamente nas oito formações discursivas elucidadas.

Essas formações estão estabelecidas sob a regra da eloqüência e pretendem,

basicamente, persuadir alguém a fazer ou deixar de fazer algo, contendo implícita ou

explicitamente um comando, onde seu objetivo retórico é ser atendido neste objetivo

particular. Apesar de estar presente nos mais diversos títulos e imagens promocionais como:

Combine o que é bom, Pare aqui e beba por aí, Desfrute o refrescante sabor gelado,

Presenteie o mundo com seu melhor, entre outras, o maior exemplo dessa regra argumentação

retórica e o principal responsável pela associação entre a marca e um argumento persuasivo, é

o próprio “convite” promovido pelo slogan da marca: Viva o lado Coca-Cola da vida.. Afinal,

o slogan é o elemento que orienta todo o discurso publicitário das marcas estabelecendo sua

seqüência lógica argumentativa, sendo por isso um dos seus elementos mais significativos

(ANDRADE e CIRELLI, 2005).

Essas foram às razões do nome estabelecido para a regra: Argumentação retórica: Viva

o Lado Coca-Cola da Vida.

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4.4.2 Argumentação dialética: bi-dimensionalidade mundana

As relações provenientes do campo nos proporcionaram oito formações discursivas,

que foram reveladas por relações de agência, de confronto e de síntese, que nos remeteram a

nossa segunda regra geral: a dialética. O jogo de pólos opostos (tese e antítese) estabelecidos

no dialogo, desde Heráclito e Platão, é conhecido por dialética. Apesar de excluírem-se

mutuamente nos campos discursivos, em um segundo momento os pólos são unificados pela

razão e transformam-se em síntese.

Dessa forma, enquanto a retórica, nossa primeira regra geral, se interessou por

questões de ordem social e política, a dialética incidiu sobre teses de ordem filosófica,

constituindo-se num diálogo que obedece a regras e opõe parceiros. Em nosso arquivo, os

parceiros podem ser encarnados pelo mundo da vida e do sistema, desde que entendidos como

partes de uma sociedade em que o espetáculo12 é ao mesmo tempo unido e dividido, onde as

lutas das formas rivais do poder separado são reais, ao mesmo tempo em que são

participativos, integrando um só sistema (DEBORD, 1997). Como um só sistema, os mundos

estão unidos por uma mesma base de pensamento que é ideológica e proveniente do próprio

sistema.

Por mundo da vida entendemos o mundo dos acontecimentos e das coisas

contingentes, aquele que nos é dado de antemão como horizonte e que absorve as relações

sociais espontâneas e linguagens naturais, e os modelos consentidos de práticas que estão

embasados pelas certezas e vínculos nunca postos em dúvida. Por mundo do sistema

consideramos o mundo formal construído pelo homem, constituído por regras, normas e leis

através das quais os participantes regulam sua pertença e garantem solidariedade (HABERMAS,

2002; LEÃO, 2007; OLIVEIRA, 1999).

12 O espetáculo para Debord (1999) constitui-se uma representação que é ao mesmo tempo a própria sociedade e um instrumento de unificação da mesma. O autor considera que nas sociedades modernas a vida é uma acumulação de espetáculos e a realidade (considerada parcialmente) é um objeto de mera contemplação.

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Apesar do conceito mundo da vida ter sido desenvolvido por Husserl na perspectiva de

uma crítica à razão, em que o autor destaca a importância do conhecimento reprimido da

experiência e realizações ordinárias, foi Habermas(2002) quem o introduziu no âmbito de

uma teoria da comunicação e desenvolveu uma teoria social em que propõe a dialética entre

dois mundos: o do sistema e o da vida.

Habermas (2002) previu a colonização do mundo da vida. Afirmou que próprio solo

da prática comunicativa cotidiana descansa sobre pressupostos idealizadores. No chão do

mundo da vida habitam tanto as pretensões de validez que impõem idealizações e tornam a

linguagem natural impregnada desses efeitos, como também as força de resistência contra as

deturpações causadas pelas forças de vida modernizadas seletivamente. Contudo, o autor

demonstra se contentar com uma versão estática do sistema de significações que engloba os

dois mundos. Para o mesmo, os dois sistemas aparecem interagindo mas são sistemas

separados: estando o mundo da vida subsumido ao do sistema e a razão que dirige as decisões

habita o interior dos sistemas auto-ditigidos.

Entretanto, as sínteses que ocorreram no mundo da vida em nosso estudo também são

teses, pois correspondem às mesmas após um processo de co-constituição intersubjetiva

daquele que fala, pensa, representa e vivencia o mundo com o próprio mundo que se

apresenta. Em forma de associação ou retaliação, o mundo da vida se reconstrói diante do

mundo do sistema renovando-o, que pode ser comprovado pelo numero expressivo de

relações de síntese nas formações discursivas do arquivo. Debord (1997) afirma que a

ideologia (que nos referimos por tese) é uma evidência na sociedade em que o espetáculo

apaga os limites entre o eu e o mundo: reconhecida como uma base epistemológica, a mesma

tornou-se a própria sociedade.

Neste sentido, nossos achados apontam para a teoria da bi-dimensionalidade mundana

de Leão (2007) que trata sobre a sociedade em que, apesar da vida ter sido subsumida ao

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sistema, a mesma também o redimensiona de forma dinâmica. Nossos dados nos conduziram,

por tanto, a possibilidade da não existência de dois mundos e sim de uma bi-dimensionalidade

onde essas partes coexistem permeáveis e mundanas.

Denominamos de argumentação dialética: bi-dimensionalidade mundana a regra que

se refere à organização da polifonia encontrada no campo das formações discursivas, na

medida em que o processo conversacional se estabelece sobre um problema determinado e

entre parceiros que falam livremente segundo regras explicitamente estabelecidas (PLANTIN,

2008). Observamos que as formas de coexistência se dão por meio do campo de presença,

onde estão definidos verdades admitidas, discussões e julgamentos dos discursos encontrados

no campo. As vozes desses discursos são pertinentes a domínios de objetos diferentes

pertencentes a tipos de discursos diversos, mas que atuam entre os enunciados estudados,

formando o campo de concomitância.

Entre esses campos, a disputa pelo domínio discursivo se estabelece tanto entre a

marca e seus concorrentes, como entre a cultura global e a local, que conflitam pelo choque

de interesses. Esse fato compõe um cenário que pode ser avaliado se subdividido nos

elementos do esquema básico do método dialético: tese, antítese e síntese.

Por tese entendemos as afirmações ou situações dadas pela voz da marca (revelando a

ideologia do mundo do sistema, ou ainda, uma postura ideológica que é global) que

desencadeia a série de outros discursos em nosso campo compondo a polifonia, bem como

pelas realizações ordinárias que se presentificam por meio dela. O confronto aparece em

oposição à tese, gerando conflito. Desse conflito nasce a síntese, uma situação nova, que aqui

será avaliada.

Nas formações discursivas denominadas jogo de memória e funções do marketing,

encontramos as afirmações de tese: o uso imperativo da linguagem persuasiva da marca faz

parte de um planejamento que utiliza instrumentos e ações efetivas para sua execução e

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manutenção. Contudo, o sucesso da comunicação ultrapassa a etapa de compreensão e

depende do assentimento racional do ouvinte para atingir a validez criticável e

reconhecimento do proferimento como verdadeiro. Para isso, a marca utiliza uma linguagem

estratégica, que vive parasitariamente do uso normal da linguagem, inserindo o poder no lugar

da validez, tirando a linguagem da coordenação da comunicação e tornando-a apenas um

instrumento (HABERMAS, 2002). Esse mecanismo é pertinente aos sistemas orientados pelo

modelo de mercado e não encarnam mais a decisão ligada aos portadores da mesma, mas a

uma razão que habita o interior desses sistemas auto-dirigidos (DEBORD, 1997; HABERMAS,

2002; LEÃO, 2007).

Nas formações manipulação e confronto o mundo do sistema oportuniza ao mundo da

vida o uso de suas estratégias. A marca constrói e estabelece um valor por meio de uma

competência discursiva e os parasitas culturais se apropriam deste valor gerando antítese, ou

seja, contrariedade (concorrência) entre proposições. Contudo, no momento em que os

participantes assumem para si o mesmo modelo estratégico, geram síntese. Essa identificação

demonstra que o mundo da vida desenvolveu uma competência lingüística, códigos especiais

e ramificações de linguagem.

A formação discursiva divergência cultural demonstra a antítese no momento em que

os participantes divulgam suas culturas: o mundo do sistema comunica sua ideologia por meio

da força de transformação dos atos ilocucionários da linguagem, e o mundo da vida imprime

sua marca por meio destes recursos. Contudo, a formação apresenta também uma síntese

quando os participantes buscam o apóio mútuo. O mundo do sistema se apropria de um saber

concreto acerca do mundo e produz o agir comunicativo imprimindo no mundo da vida um

saber tematizado. O mundo da vida resgata essa prática usando o mundo do sistema para sua

afirmação.

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De forma semelhante às demais formações, em um meio de expressão o mundo da

vida se apropria das estratégias do mundo do sistema para demonstrar sua expressão. Neste

caso específico, quando nosso foco se estabelece a partir do mundo da vida, identificamos que

o mesmo se serve do mundo do sistema para sua comunicação, apresentando uma síntese

Como síntese, encontramos também a ideologia que representa a base de um

pensamento social pautado pela persuasão que é pertinente aos dois mundos; a simbiose,

retratando a associação vantajosa dos mesmos; e o sujeito do projeto e projeto do sujeito, que

demonstra que o mundo da vida está comandado pelo mundo do sistema.

Dessa forma, a nossa segunda regra geral: argumentação dialética: bi-

dimensionalidade mundana, demonstrou que não existem dois mundos separados, mas sim de

dois lados permeáveis e inter-dependentes que se constroem de forma mundana. Mundana não

apenas no sentido de pertencerem ao mundo, mas no sentido que infere Leão (2007) de se

darem ao desfrute da utilização das mesmas estratégias.

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5 Conclusões

Após uma extensa caminhada, nos cabe encerrar com as conclusões a que chegamos

nesta investigação. Iniciaremos o desfecho registrando nosso aprendizado diante da difícil

tarefa de compreender como a sociedade ocidental contemporânea pode ser conhecida por

meio de signos marcários globais. Ao empreendermos essa tarefa, sem dúvida, aprendemos

muito, e também mudamos: tal como aconteceu nas interações entre os mundos investigados,

ao refletirmos sobre nossa prática como sujeitos em um mundo globalizado, entendemos a

soberania do sistema sobre nossas formas de estar nele, mas também tomamos consciência da

importância de nosso papel em retro-alimentar esse sistema, seja enquanto cidadão,

pesquisador, ou simplesmente como consumidor, nos dando ao desfrute mundano de seus

momentâneos encantos.

Sabemos que nossa contribuição não esgota o tema, pelo contrário abre novas frentes

para que outras abordagens busquem suscitar novas análises, lançando mão de outras

contribuições. Sabemos que essa possibilidade é incentivada inclusive pela aplicação do

método arqueológico foucaultiano no campo do marketing, fugindo aos métodos analíticos

convencionalmente adotados, bem como da própria decisão em adotar a antropologia visual

para um estudo que se dá por meio de uma marca. A adoção dos mesmos foi relevante para a

compreensão de um campo discursivo complexo, que demonstrou como o poder assumiu um

caráter relacional nos contextos cotidianos da sociedade ocidental.

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Contudo, é hora de voltarmos às questões iniciais que delimitaram e orientaram nosso

estudo. Inicialmente levantamos os questionamentos sobre como os artefatos marcários

reproduzem a cultura global ocidental; como as marcas globais se estabelecem nas práticas

cotidianas locais, e ainda como é possível a relação entre as culturas. Nossa reflexão se dará

nessa ordem, para finalmente, esgotarmos as considerações sobre a questão guia e motivadora

da investigação, que abordou por meio do registro de imagens as interações mediadas pela

marca transnacional no campo discursivo estabelecido entre as culturas: global e local.

Em nossa questão inicial buscamos compreender como os artefatos marcários

reproduzem a cultura global ocidental. Para desvelar essa questão tomamos por base a

compreensão sobre a importância da cultura material na sociedade ocidental, a partir do

reconhecimento de que o ocidente vive uma forma social determinada pelo consumo.

Por serem excelentes suportes para as experiências imateriais, as marcas se destacaram

na condição [pós]moderna de consumo, caracterizada pelo crescente fenômeno de valorização

do signo. Com o advento das sociedades ligadas em rede, as marcas se fortaleceram e se

tornaram propositoras de projetos de sentido pautados numa comunicação universalista.

Produto da cultura de massas, essa comunicação gerou uma exploração econômica e uma

dependência cultural entre os mundos do sistema e da vida, aflorando novas formas de poder

que atuam como agentes nas culturas.

Já nas primeiras relações estabelecidas entre os dados coletados, identificamos que a

marca Coca-Cola representa a postura ideológica que constitui a cultura global por meio de

uma poderosa comunicação planejada. As funções das descrições enunciativas apontaram

principalmente para persuasão e busca de hegemonia, mantida pela linguagem uniforme,

reprodução, incitamento, práticas de poder e credibilidade, ou seja, um conjunto de ações que

atuam para estabelecer sua identidade e buscam mantê-la compartilhada e vinculada a um

projeto maior: um mundo encantado possível apenas na marca (BROWN, 2006). Este mundo

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que fala em vida, na verdade, constitui-se o mundo ideológico do sistema: Nele toda parceria

é uma dupla perfeita e o sabor é sempre o melhor. O “convite” para viver o lado Coca-Cola da

vida é o grande mote para os comandos: Combine o que é bom, Pare aqui e beba por aí,

Desfrute o refrescante sabor gelado, Presenteie o mundo com seu melhor, Refresque-se aqui,

Prove agora. O que fazer quando Você merece este sabor? Na impossibilidade de resistir, a

determinação faz com que o indivíduo sem escolha Pule para o lado Coca-Cola da Vida. É

dessa maneira persuasiva, generalista e igualitária que os artefatos marcários e seus referentes

imagéticos reproduzem a cultura global.

Em nossa segunda questão buscamos identificar como marcas globais se estabelecem

nas práticas cotidianas locais. Esse questionamento se revelou ainda no momento do

cruzamento dos dados que nos trouxe as regras, ou seja, às condições de [co]existência sob as

quais se apresentavam as funções e descrições enunciativas.

A marca se estabelece por meio de uma transmissão planejada e reforçada por ações

de experienciação. Acompanhada de uma linguagem estratégica, recheada de imperativos,

uniforme e repetida, a marca comunica valores e formas de interação, explorando o universo

particular dos indivíduos e simulando uma proximidade com a cultura nativa. Essa

comunicação é pautada na publicidade e na propaganda, que transmite e constrói as

interpretações da realidade e do mundo da vida, utilizando o artifício da sedução (DEBORD,

1997; HABERMAS, 2002). Essa linguagem é apreendida e constrói memória no mundo da vida

que passa reproduzi-las em suas práticas cotidianas.

Na terceira e última questão específica, nossa preocupação voltou-se para

compreender como é possível a relação entre a cultura global e a cultura local. Nesse

sentido, identificamos que a grande possibilidade está no próprio modelo de sociedade em que

a comunicação é capaz de canalizar correntes de informação que dirigem o comportamento

social. No modelo, o mundo do sistema traça uma estratégia racional com relação a um fim

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(gerar negócios) e adota interações dirigidas por meios (estratégias de comunicação e geração

de experiências). A marca promoveu eventos como o Corda na Rua, e shows como o Coca-

Cola Zero Festival, propiciando entretenimento e gerando experienciação, promoveu aos

participantes vivências em seu mundo.

Contudo foi por meio de operações com o distribuidor, que além de persuadir e

experienciar, a marca inovou buscando desculpabilizar excesso: a campanha oferece um

sanduíche: oito bacons, quatro queijos, quatro carnes, + o sabor de sempre com zero açúcar.

A oferta calórica ainda vem acompanhada de Free refill e da proposta: você tem direito de

fazer as coisas do jeito que gosta. Essa ação reflete um comportamento bem típico da cultura

nativa: se a comida for calórica, pelo menos a bebida é light, numa tentativa de remover a

culpa pelo excesso, que lhe deu o nome (desculpabilizar excesso) e que demonstra claramente

como se deu a possibilidade relacional entre as culturas. Na comunicação adotada os meios e

os fins possuem um caráter reificador de processos sociais também reificados, onde a

possibilidade de decisão pertence à razão dos sistemas auto-dirigidos, que determinam uma

ordem social. Neste sentido, o campo confirma a teorização de Habermas (2002), que

colabora com as demais: Adorno (2002), Britos (1999), Canclini (1998), Castells, 2008,

Debord (1997); Jameson (2004), Morin (2007) Ortiz (2008).

Enfim, dirigimos nossa reflexão para a questão: Como a sociedade ocidental

contemporânea pode ser conhecida por meio de artefatos marcários globais?

As questões anteriores já nos apontam a resposta de nossa questão guia. O próprio

desenrolar da sociedade ocidental gerou um campo propício para que se estabelecessem as

estreitas interações da cultura com o consumo. As relações entre a cultura material e a

civilização encontram-se sob o comando das regras do sistema capitalista, que para atingir

sua onipotência utiliza-se da argumentação retórica. O sistema retórico constrói um

referencial cultural próprio que se estabelece por negociação ou conflito com culturas nativas,

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constituindo-se uma linguagem probatória e polifônica que alastra seu modelo de pensamento

para todas as instâncias de interação, edificando a ordem discursiva pelo dissenso.

O intercâmbio entre as culturas se apresentou fortemente em nosso campo discursivo,

por meio de relações de agência (tese), conflito (antítese) e síntese. O confronto entre culturas

global e local nos indicou que os parceiros desta dialética poderiam ser classificados em

mundo do sistema e mundo da vida, desde que esses mundos fossem entendidos como um

único sistema (LEÃO, 2007).

A possibilidade de conhecermos a sociedade por meio da marca global se dá

exatamente pela leitura da síntese gerada no embate das certezas estabelecidas desde sempre

e dos vínculos nativos que regulam a pertença dos indivíduos, com a cultura generalista

racionalista.

Entendemos que os discursos deverão variar com seus contextos. A própria postura

epistemológica adotada neste trabalho defende que o texto só pode ser entendido em seu

contexto. Contudo, ao selecionarmos uma marca como representante da globalização não

tínhamos a expectativa de um discurso único e engessado em todo mundo. O campo nos

demonstrou desde o início que os mesmos se adaptam para adquirirem sua própria validez. O

que buscamos nesta escolha foi a compreensão da postura ideológica que de fato é global, por

meio de dialética estabelecida na prática nativa que, ao conflitar-se culturalmente, adota as

mesmas estratégias, impõe suas características culturais próprias e gera uma síntese

discursiva, impregnada dessa forma social. Nesse sentido, nossos achados demonstraram que

a persuasão é uma prática naturalizada no meio do mundo da vida, e a manipulação se dá em

ações parasitárias quando as adaptações populares se apropriam dos mesmos artifícios dos

sistemas auto-dirigidos em suas interações. Essas práticas representam o modelo que pode ser

estendido da dialética local para compreensão do modelo de sociedade ocidental.

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Essa questão nos levou a refletir sobre a condição imprescindível para que se dê

qualquer intercâmbio: o reconhecimento do proferimento como verdadeiro. Nesse sentido

vimos o mundo do sistema se apropriar de elementos da cultura nativa como respaldo para

obter sucesso em sua comunicação. A marca utilizou imagens locais como pano de fundo de

sua publicidade em apóio a seus atos ilocucionários promovendo o reconhecimento

intersubjetivo dos participantes. Por outro lado, o mundo da vida também se apropriou dos

signos da marca em seus atos também ilocucionários, admitindo a autoridade do que foi

transmitido, ou ainda, demonstrando que a referencia estrangeira foi incorporada. A lógica do

modelo da cultura de consumo, bem como o da globalização são processos que já se

instauraram nas práticas cotidianas mundanas.

A experiência vivenciada entre os mundos por meio deste mecanismo se projetou na

linguagem natural. A interação mediada pelo poder se tornou parte da linguagem comum, ou

seja, a linguagem comum do nosso campo discursivo foi a linguagem estratégica

(HABERMAS, 2002). Nesse sentido, as sínteses, além de apontarem para uso comum das

estratégias e linguagens, denunciaram a associação dos dois organismos na busca do auto-

benefício.

Contudo, apesar de adotar as expressões mundo do sistema e mundo da vida de

Habermas (2002), nossos dados nos levaram a sínteses que se apresentaram sistêmicas no

momento que se tornam tese e induzem o mundo da vida se reconstruir diante do mundo do

sistema, renovando-o. Desse modo, a dialética desvelada no campo discursivo amparou sua

compreensão na teoria da bi-dimensionalidade mundana proposta por Leão (2007), em sua

análise sobre mundos que são permeáveis que co-existem mundanos. Nesse sentido, foi

possível identificar desde a utilização das mesmas estratégias, as associações vantajosas entre

as partes até as diferenças estéticas imputadas à marca nas disputas por espaço discursivo

entre os falantes.

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A partir do exposto, entendemos que nossa contribuição para o marketing esteja em

abordar a cultura de consumo como uma estrutura de relacionamentos, ou seja, abordar o

consumo de signos como o da marca Coca-Cola por meio da perspectiva de uma prática

cultural relacional. Com a adoção da lente foucaultiana, o discurso pode ser analisado como

uma prática social que se estabelece por meio de uma rede discursiva, oferecendo novos

horizontes para pesquisa na área. Nesse sentido, a nossa investigação contribui também com

o desenvolvimento de um caminho metodológico para a prática do método arqueológico,

além da utilização para investigação de um método incomum em Administração: a

antropologia visual. Apesar das marcas serem fortemente imagéticas, normalmente os

investigadores que tratam desse objeto; utilizam outras perspectivas em seus estudos.

Nossos achados nos possibilitaram chamar a atenção sobre a importância que a cultura

de consumo conquistou no mundo da vida, demonstrando, por outro lado, a responsabilidade

que os estrategistas de marketing assumem ao propor as regras sob as quais o mundo constrói

seu modelo de pensamento, e que se desdobram no reflexo dos modelos relacionais

mundanos.

A chegada ao fim nos possibilitou encontrar nossas respostas e, ao mesmo tempo, nos

abrem um leque de novas inquietações sobre o tema. A possibilidade da escolha das bases

metodológicas de Foucault como não intenciona encontrar a verdade ou falsidade dos

conhecimentos sobre os objetos, se adéqua como método de análise de discursividades locais.

Essa condição possibilita investigações multidisciplinares em diferentes saberes das ciências

humanas, vinculando essas proposições às teorias organizacionais (SILVEIRA, 2005).

Voltamos nossas análises para a busca de revelar as possibilidades do “como”a

sociedade se revela pelos seus artefatos marcários utilizando, para tanto, o projeto

arqueológico de Foucault. Contudo, existe ainda a possibilidade de investigar o “por que”

representado na segunda fase do autor: a genealogia, que trabalha as questões do poder

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amplamente reveladas no campo. Nesse sentido, essa fase oferece um grande potencial a ser

explorado na área da administração, tanto para os estudos organizacionais internos quanto

para a impostura da globalização mediada pelas marcas transnacionais.

* * *

Neste estudo colocamos como limite para a busca de compreensão da civilização

ocidental por meio de signos marcários, o fato de avaliarmos os discursos de uma única marca

em uma região (principais cidades da Região Metropolitana da cidade de Recife, que

denominamos de Sítio Arqueológico). A escolha da marca justificou-se pela sua ampla

representatividade na cultura ocidental (a ideologia capitalista representa uma base da

sociedade ocidental contemporânea, e a marca foi criada e desenvolvida sob os preceitos

desta), tornando-se reconhecidamente no contemporâneo um exemplo de mundialização e

sinônimo de globalismo. Contudo esse limite, tal como previsto, não interferiu na qualidade

dos resultados obtidos, pois tanto a Coca-Cola como o lócus (Sítio Arqueológico) foram

utilizados no papel de estudo de caso descritivo.

Como possível limitação, identificamos também no início da caminhada que nossa

investigação poderia encontrar dificuldades relativas ao conhecimento dos códigos culturais

de representação da marca em diferentes contextos. Para lidar com este aspecto,

selecionaremos apenas as representações da Coca-Cola presentes na dialética local,

participante, dessa forma, da cultura brasileira, devido à própria condição de imbricamento da

pesquisadora, nativa do lugar.

Porém, durante o período de realização das pesquisas de campo foram identificados

outros desafios que não prevemos, sequer imaginamos. Uma das grandes dificuldades

encontradas foi a coleta de imagens em rotas muito extensas que necessitou da presença de

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mais uma pessoa para, por exemplo, dirigir o carro enquanto identificávamos e registrávamos

os signos e momentos pertinentes.

O fato de precisarmos registrar imagens em lugares afastados e desprovidos de

sinalização e de, em nossa pesquisa, a localização geográfica ser fundamental para as séries

discursivas, demonstrou-se também uma grande dificuldade, apesar do mapa ser uma

ferramenta indispensável para ida ao campo. Inicialmente o tempo gasto para localização

ameaçou inviabilizar o cumprimento da rota na programação do cronograma, pois ainda

tínhamos o agravante das imagens necessitarem da claridade do sol para seu registro.

Contudo, no momento em que sistematizamos a coleta, optamos por utilizar o GPS

interligado à máquina fotográfica, condição que agilizou o processo e simplificou a coleta da

pesquisa. Porém, como é passível de acontecer no uso de tecnologia, em alguns momentos de

céu nublado, houve falhas de registro do equipamento. Esse fato nos fez procurar

posteriormente por números de telefones ou placas de rua nas imagens para conseguirmos,

por meio deles, localizar os registros.

Todas essas situações desafiadoras nos impulsionaram a reconhecer a necessidade de

ser mais tolerante frente ao imprevisível, mas também nos ensinaram a ser mais ágeis na

programação de alternativas para o que se mostra de imediato como uma condição possível,

mediante a reflexão das vivências e experiências anteriores.

Vislumbramos que o nosso estudo pode ser desdobrado em outras possibilidades de

investigação, como já comentamos. Por exemplo, a partir dos indícios de força e poder

desvelados neste campo discursivo do “saber”, seria muito instigante uma investigação sob a

aplicação do projeto genealógico de Foucault. Vemos também que o processo investigativo

aqui desenvolvido poderia ser aplicado em questões de análises de discursos organizacionais,

possibilitando que uma nova ótica seja aplicada à compreensão dos fenômenos nesta área.

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Enfim, terminamos a investigação com a certeza de que adquirimos um conhecimento

a cerca do objeto de estudo maior do que imaginávamos. O campo nos demonstrou que as

questões ideológicas presentes a cerca do poder e força estão naturalizadas nos discursos

estabelecidos entre as culturas global e local, sinalizando que os processos da mundialização

já se estabeleceram como uma realidade totalmente absorvida no modelo de sociedade

ocidental contemporâneo.

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