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Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
MARAFONAS E A CIDADE: MANAUS (1900-1920)
Bárbara Rebeka Gomes de Lira1
RESUMO:
Esta comunicação se propõe a analisar as práticas da prostituição na cidade de Manaus em seu
pleno período de ascensão econômica, social, cultural e política. Neste período, a cidade de
Manaus vivia uma grande transformação urbana e social. Usos e costumes eram questionados
através da imprensa pelos agentes da modernidade. Na imprensa, combatia-se o que se
considerava indesejável para os novos tempos. E, entre esses combates, a imprensa
questionava as prostitutas e suas práticas de afetividade e de sociabilidade. Vistas e pensadas
como degeneradas, mulheres de péssimos hábitos, espalhafatosas, mal educadas, perigosas,
imorais são imagens reincidentes encontradas nas páginas dos periódicos manauaras.
Combatidas pelos agentes modernizantes, estas mulheres viam-se diante de espelhos
construídos pelos discursos morais, religioso, médico, éticos e jurídicos.
PALAVRAS-CHAVE: Prostituição; Manaus; discursos; exclusão; imprensa.
Introdução
O recorte temporal de nosso trabalho corresponde a parte de um período de grandes
transformações urbanas na cidade de Manaus no final do século XIX e inicio do século XX.
Impulsionada pela extração do látex a cidade tinha seus contornos questionados. No olhar da
elite determinadas práticas de sociabilidade e afetividade eram objetos de questionamento
através da imprensa.
Prostitutas, meretrizes, marafonas, esbrogues, mulheres de má vida, são vários os
nomes dados à essas mulheres para legitimar que suas práticas não correspondiam ao ideal de
mulher preconizado pelo discurso médico, jurídico, moral e religioso da época. Neste sentido,
trabalharemos as imagens reincidentes encontradas nas fontes, permitindo-nos analisar e
refletir a respeito das diversas realidades vivenciadas por estas mulheres, bem como suas
práticas e representações e os discursos produzidos.
Segundo João Batista Mazzieiro2 a prostituição se constitui em uma prática anterior ao
1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal do Amazonas; Bolsista
CAPES. Email: [email protected].
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capitalismo, porém essa prática assume características inseridas nesse próprio contexto
social. Para Michel Foucault3, o nascimento da moral burguesa resultou em um
enquadramento da sexualidade, sendo que a mesma era transferida unicamente para dentro de
casa. Figura-se nesse momento a transmutação dos espaços, ou seja, o espaço para a
sexualidade corresponde ao espaço privado.
A sexualidade feminina sempre foi alvo de olhares repressivos e controladores, no
âmbito do discurso religioso, a mulher primeiramente teria um único objetivo de vida que
seria o de ser mãe. Submissa, fraca, doce, eram classificações utilizadas para descrever a
mulher, de acordo com Emanuel Araújo4, a inferioridade feminina centra-se a partir do erro
cometido por eva, a primeira mulher que conduz Adão ao pecado, inferioridade essa que se
instala como uma espécie de castigo eterno.
Segundo Foucault na obra já citada, a partir do século XVII ocorreu a denominada
“explosão discursiva” em torno do sexo. Onde se controlam as palavras, e ainda defini-se o
lugar e hora para falar de sexualidade. No século XVIII essa explosão discursiva é acelerada,
resultando na proliferação dos discursos em torno do sexo no âmbito do próprio poder.
Outra forma de controle nascida no âmbito do discurso religioso, é o controle das
ações, através das confissões. Através da culpa a confissão representa uma ferramenta de
controle da Igreja, onde tudo deve ser dito, pensamentos, ações, desejos e movimentos.
Considerando as mudanças sociais que passara a população na cidade de Manaus, a
urbanização funcionou como mecanismo de organização espacial e estratégia política. A
grande influência na vida do cidadão, bem como lazer, cotidiano, trabalho, nas relações
sociais e na sociabilidade individual.
No início do século XX, aproximadamente 50 mil habitantes, ou seja, grande parte da
população manauara, era desempregada ou de baixa remuneração. O espaço urbano torna-se
sinônimo de desigualdade e abre espaço para as tensões sociais. A partir disso, o discurso
jurídico se apresenta na forma, dos códigos de posturas, seguidos de formas restritivas, esses
códigos eram direcionados para a população esquecida, prostitutas, mendigos, ambulantes etc.
2 MAZZIEIRO, João Batista. Sexualidade criminalizada: Prostituição, Lenocínio e outros delitos – São
Paulo 1870/1920. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 35, 1998.
3 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
4 ARAÚJO, Emanuel. A arte da sedução: sexualidade feminina na Colônia. In: PRIORE, Mary Del (Org.)
História das Mulheres no Brasil. 9ª edição. São Paulo: Contexto, 2008.
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Pois numa cidade dita organizada e higienizada não poderia atender a todos5.
Denominadas de “câncer social” para as grandes autoridades e para as famílias, as
prostitutas eram representadas como uma espécie de vilã para o poder público, onde todas as
malésias à elas eram atribuídas. Os profissionais da saúde por sua vez, construíam discursos
voltados para formas de manter relações sexuais ou com quem não se deve ter relações.
Uma das formas de controle pertinente ao discurso médico, eram exigir das prostitutas
exames regulares, controles sanitários e inspeções regulares de agentes de saúde aos
domicílios. Este último se dá por vários fatores sendo um deles, que a prostituição causava
forte apreensão por parte das esposas, que de certa forma tinham ciência que seus maridos
poderiam ser clientes e frequentadores dos clássicos bordéis depois do trabalho.
Segundo Margareth Rago6, as prostitutas eram consideradas mulheres anormais,
originadas de classes empobrecidas, sendo que a explicação para tal atividade precede de uma
debilidade psíquica. Essa anormalidade é definida a partir da pressão colocada sob a mulher,
de todas as regras de comportamento que lhe eram impostas, e quem as contrariasse eram
considerados seres anormais. Esta representação construída sob a imagem feminina é refletida
no seio da sociedade, onde podemos observar claramente nas fontes que utilizaremos.
Relatórios de saúde, revistas, códigos de posturas, fontes documentais e sobretudo os
jornais serão nossas fontes que nos ajudarão a realizar a hermenêutica de nosso trabalho e a
identificar as representações dessas mulheres através do olhar do outro, isto é, “compreender
como o outro compreende” como sugere Paul Ricoeur7.
As prostitutas, a cidade e o poder
Com as mudanças econômicas e arquitetônicas decorrentes do surto da borracha,
Manaus era representada como uma cidade de grandes oportunidades de mudança de vida,
ocorrendo assim um aumento demográfico surpreendente. Entre os anos de 1880 e 1890 a
5 DIAS, Edinea Mascarenhas. A Ilusão do Fausto. Manaus – 1890 – 1920. 2ª edição. Manaus: Editora
Valer, 2007.
6 RAGO, Margareth. Os prazeres da noite. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
7 PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
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cidade possuía aproximadamente 38.720 habitantes8. Quanto mais o mercado da borracha
crescia, aumentava-se o número de habitantes.
Esse aumento populacional era fomentado pela vontade de enriquecer através do
mercado gumífero, este fato causava grandes tensões por parte do poder público, devido o
grande número de ocorrências de vadiagem, prostituição e roubos no espaço urbano, e esses
fatores não ajustavam-se no ideal de cidade que era planejada.
Segundo Ivonete Pereira9, o poder público preocupava-se com a organização da
cidade, pois a mesma representava um lugar comercial e deveria parecer limpa e desenvolvida
para os grandes comerciantes, e com isso criava mecanismos de controle através da polícia e
dos demais elementos do poder, atingindo assim não só as prostitutas, mas todas a população
subalterna.
Segundo Mary Del Priore10
no início do século XIX observamos dois tipos de prostitutas:
as “cocotes” e as “polacas”. Aquelas representavam o luxo e estas a miséria, que se refere ao tipo de
prostituição mais popular. Por sua vez, a prostituta que se denominava “francesa” vem do fato de ser
freqüentadora de lugares luxuosos. Estas prostitutas refinadas eram encontradas em pouca quantidade.
Em nosso recorte frisado, a prática da prostituição era abundantemente presente,
nossa fontes mostram as representações que vamos analisar.
Em uma edição do Jornal do Commercio11
de 1904, jornal este caracterizado de
grande circulação, numa nota denominada “Echos do dia”, apresenta-se a indignação da
população quanto a prostituição pública. A nota de protesto expõe a repulsa quanto à essa
prática, nota-se que as prostitutas estavam em grande parte da cidade. Nos grandes bairros,
nas praças e casas.
A nota também faz referência às casas de tolerância que aparecem em grande número.
Fato que impossibilita famílias de alugarem boas casas, impede das boas moças olharem pela
janela, pois lá se encontram as prostitutas, fazendo confusões, gestos obscenos, usando
linguagens inapropriadas entre outras coisas.
8 DAOU, Ana Maria. A Belle Époque amazônica. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
9 PEREIRA, Ivonete. “As decaídas”. Prostituição em Florianópolis. (1900-1940). Florianópolis: UFSC,2004.
1 0 PRIORE, Mary Del. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005.
1 1 Jornal do Commercio. Data: 11 de março de 1904. Disponível do Instituto Geográfico e Histórico do
Amazonas – IGHA.
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Por fim, é feita a retratação as prostitutas como “A essas infelizes que fazem da
prostituição um modo de vida, nem é penosa a sua situação; - vivem vida folgada, dão-se
rendez-vous às portas das casas, dahi chamam transeuntes, com estes gracejam
licenciosamente, dão reuniões e bailes immoraes, à vista do publico, e pouco se estãe
importando com a moralidade e com as famílias”.
Invocam-se a moral pública e as autoridades necessárias, uma vez que muitas vezes
protestos, pedidos e repúdios foram feitos, e segundo o próprio jornal citado acima expõe:
“Quando a tempos reclamàmos, a policia não foi todo inerte. Chamou essas infelizes à
ordem, mas duma forma branda, anodina, inefficaz”.
Uma das diretrizes para hotéis, hospedarias, estalagens ou afins, era a obrigação de
envios regulares uma espécie de relatório, que deveria conter todas as informações pertinentes
ao livro de inscrições de hóspedes, inclusive aqueles que teriam se hospedados por apenas
uma noite. A grande ressalva é que os hotéis que que recebessem prostitutas como hóspedes
seriam fechados pela Superintendência Municipal12
.
Enquanto a população protestava através da imprensa que pedia uma “limpeza moral”,
o poder público preocupava-se em pensar algo para melhorar a vida da população elitizada,
não seria possível exterminar as prostitutas da cidade, porém, seria possível controlá-las
através da subordinação de exames periódicos, a códigos de posturas e multas.
Podemos observar essa realidade no livro de Serviço de Saneamento e Prophilaxia
Rural no Estado do Amazonas referente ao ano de 1925, que é um livro de controle sanitário
voltado para o meretrício. Que possui informações como, número de matrícula, data, nome,
cor, idade, estado civil, nacionalidade, naturalidade, filiação, profissão do pai, se sabe ler, a
idade com que foi deflorada, por que foi deflorada e a profissão do deflorador. E mais as
informações medicinais, como Reação de Wassermann (diagnóstico de sífilis), anamnese,
observações feitas no primeiro exame e outros exames ginecológicos e microscópicos.
O corpo feminino inserido no discurso médico abordado nas obras de Rago e Magali
Engel13
é tratado como algo naturalmente inferior, sendo alvo de controle e disciplinarização,
sobre o qual as representações analisadas eram de cunho patriarcal. Para que a mulher fosse
1 2
DIAS, Edinea Mascarenhas. A Ilusão do Fausto. Manaus – 1890 – 1920. 2ª edição. Manaus: Editora
Valer, 2007.
1 3 ENGEL, Magali. Meretrizes e Doutores. Saber médico e prostituição no Rio de Janeiro (1840-1890). São
Paulo: Editora Brasiliense,1989.
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aceita, mesmo com suas debilidades naturais impostas por esse pensamento, seu único
objetivo de vida deveria ser a maternidade.
A cerca do discurso médico, os jornais também apresentam notas pertinentes a tal
discurso, como meio de protesto, na forma que todas as doenças que se espalhavam eram
atribuídas às prostitutas.
No periódico de nome “O chicote14
”, jornal alternativo de caráter cômico, referente ao
ano de 1913 , apresenta uma nota de nome “O Syphilis em Manáos”, a nota demonstra a
existência das inúmeras tentativas de combater a doença. “O syphilis como todos sabem, é
uma molestia demasiadamente contagiosa, e por isso seria de grande utilidade que os
poderes competentes lançando suas vistas sobre este mal, fizessem desapparecer d'aqui
quanto antes, em primeiro logar, esta infimidade de meretrizes que são as verdadeiras
importadoras deste grande mal, que tanto acabrunha a mocidade do Amazonas”.
As vertentes de controle apresentadas acima, em casos de luta contra as doenças
venéreas incorporaram-se numa forma de conhecer as práticas e o cotidiano das prostitutas.
Os outros meios de poder através do controle se davam por meio da polícia e outras
autoridades da cidades. O livro de Chefatura de Polícia (1910) do Estado do Amazonas
coletado contém ocorrências policiais e oficios do mesmo gênero, dos quais apresentam uma
regularidade de ocorrências registradas envolvendo prostitutas, as representações são diversas,
elas aparecem em casos de insultos, roubos, multas por ofensas à moral e agressões.
Em outro livro de registros de ocorrências policiais encontramos um registro de
agressão à uma prostituta, o documento é referente a 23 de maio de 191315
que contém a
seguinte ocorrência. “O agente Abel Moraes, da Delegacia do 2o. Districto, scientificou a
esta que, hontem às 5 e ½ horas da tarde, encontrara um individuo de nome Antonio
espancando uma meretriz, o qual, ao ser preso, evadiu-se em um automóvel”.
Na mesma linha de documentos de ocorrências policiais encontramos denúncias que
nos reflete um pouco do cotidiano dessas mulheres. “Alberto de Almeida queixou-se de que
algumas mulheres de vida facil, andam em trajes menores pela rua, sem guardarem o menor
1 4
O Chicote. Orgam critico e noticioso. Data do jornal: 13 de julho de 1913. Disponível do Instituto
Geográfico e Histórico do Amazonas – IGHA.
1 5 Chefatura de Polícia do Estado do Amazonas – 1913. Disponível do Arquivo Público do Estado do
Amazonas.
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decoro a ninguem. Chamadas á Polícia forma rigorosamente admoestadas16
.”
Margareth Rago cita Foucault para complementar a idéia de que as tentativas de
controle da prostituição de propagava muito rápido entre chefes de polícia e os outros
instrumentos do poder. Fato que de certa forma transpõe o contexto das políticas públicas,
pois a prática da prostituição estava explicitamente ligada ao risco de vida, doenças e afins, a
partir de então se construía uma nova designação sobre o sexo.
Outra contribuição apresentada por Rago é a concepção do dr. Alberto Seabra, que
segundo ele, as mulheres mais humildes que utilização da prática da prostituição como uma
forte de renda extra, eram perseguidas pelas autoridades, em suas formas de controles
sanitários, exclusão social entre outros. Enquanto isso, a prostituição luxuosa era procurada
pelos homens do poder.
A influência do processo de urbanização da cidade de Manaus no estilo de vida da
sociedade era algo cada vez mais claro, tendo em vista que as mudanças econômicas afetavam
os outros âmbitos correspondentes a esse estilo de vida. No momento que o poder público
apresentava estratégias de tirar das vistas elitizadas as práticas do submundo, as mudanças
sociais eram apresentadas.
Nesse contexto, a prostituta era a figura que perpassava o imaginário social de forma
fantasmagórica, por seus comportamentos que cada vez mais ocupavam lugares em jornais e
discursos. Na edição de 13 de março de 1901 do Jornal do Commercio17
, foi publicada uma
nota denominada, “NA RUA 24 DE MAIO. Scenas pouco edificantes. Polygono da
prostituição”, que demonstra a insatisfação com os comportamentos escandalosos das
prostitutas e também a localidade que era tida como um local de grande rotatividade de
prostituição.
“Hontem, às 4 horase trinta e cindo minutos da tarde, duas mulheres de má vida à rua
24 de Maio no. 17, Cecilia M. Da Rocha e Antonica de Tal, engalfinharam-se por motivos de
ciume. Do duello sahiu ferida a primeira, na região frontal, pois foi de encontro a parede da
casa. Foram dar parte do ocorrido à chefatura os srs. Aristides Ferreira da Rocha, Luiz
Marques Netto e Alfredo da Silva. A auctoridade de permancencia tomou conhecimento do
1 6
Chefatura de Polícia do Estado do Amazonas – 09 de agosto de 1913. Disponível do Arquivo Público
do Estado do Amazonas.
1 7 Jornal do Commercio. Data: 13 de março de 1904. Disponível no Instituto Geográfico e Histórico do
Amazonas.
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ocorrido. Essa rua 24 de Maio faz parte do polygono fatal das indecencias provocadas por
meretrizes e sobre o qual temos chamado a attenção das auctoridades policiaes”.
Nossas fontes, mostram a realidade de revolta da população manauara com essas
mulheres, nos jornais são apresentadas notas de repúdio, reclamações, pedidos às autoridades,
informativos e até piadas com suas práticas.
Em outros casos, como a edição com a nota de nome “Echos do dia” do Jornal do
Commercio18
, que demonstra a satisfação por um lado quanto as providências tomadas pelas
autoridades, em relação aos escândalos promovidos pelas prostitutas, mas por outro lado,
pede-se por medidas mais drásticas quanto outros tipos de comportamentos.
“Parece que as nossas palavras encontraram écho no esclarecido espirito de s. Exc.,
pois que nos apraz verificar que as mulheres toleradas entraram já n'uma outra compostura,
certamente menos escandalosa, exercendo o seu triste mister dentro das suas casas, e não
afrontando a população. Parece que se pôz um freio á sua licenciosidade, tornando-as mais
respeitosas e accommodadas.”
Primeiramente, observamos a representação da população em partes satisfeita, pelo
número reduzido de escândalos e brigas nas ruas, o comportamento público se certa forma foi
contido, mas por outro lado, as mesma fonte nos revela que a insatisfação ganha cunho
privado, isto é, mesmo dentro de suas casas ou das casas de tolerância suas práticas geram
manifestações através da imprensa.
A mesma nota mostra que esse pequeno fator de melhora não representa tudo o que a
população deseja, sugere-se que as prostitutas façam uso de uma liberdade controlada, que
elas pudessem realizar suas práticas nos âmbitos dos quais elas já ocupavam, ou seja, os
bairros e ruas onde a prostituição era predominante.
“Que ás infelizes toleradas se permitta um certo numero de liberdades , fechando-se
os olhos aos rigores da moralidade, nas ruas e bairros quasi que só por ellas habitados,
comprehende-se. Mas, no coração da cidade, nas linhas de bond, nos meios das familias, não
se pode admittir.”
Podemos compreender a partir disso que construía-se uma idealização de cidade, e
devido as práticas do submundo essa idealização não seria permitida, mas contudo, podia-se
afastar cada vez mais essas práticas do cotidiano manauara. A partir de então temos
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Jornal do Commercio. Data: 16 de março de 1904. Disponível no Instituto Geográfico e Histórico do
Amazonas.
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claramente a construção da idéia de remoção de práticas, ou seja, como não se pode extinguir
por total a prática da prostituição, cria-se mecanismos de transferi-las para lugares menos
assistidos.
Mesmo com a concepção da mulher meretriz ser anormal, pois o ideal de mulher era
definido através da maternidade. Muitas prostitutas eram mães, e em alguns casos algumas
aparecem em denúncias e ofícios da vara de família do Estado do Amazonas19
.
As denúncias são referentes a maus tratos, castigos severos, ou em alguns casos
apenas fazendo referências as prostitutas. Providências são solicitadas quanto a guarda das
crianças, pois a mãe além de ser prostituta, ainda possui o vício da embriaguez. Em outro
documento, pede-se providências pela guarda de duas crianças que viviam com sua mãe
Antonia D'Oliveira, a qual era prostituta. “Que as trata com maior rigor a ponto de expol-os a
castigos barbaros como foram...”.
Dessa forma, a figura da prostituta ganhava mais força quanto seu aspecto
fantasmagórico, das várias representações que eram formadas no imaginário social, toma-se
como representação coletiva, a figura da mulher pública, sinônimo de doenças, de brigas, de
escândalos, de notícias em jornais, denúncias e afins.
Podemos concluir que a prática da prostituição de acordo com nossa historiografia , se
apresenta no aspecto mais cultural ao longo do tempo. As prostitutas faziam parte do meio
social tanto na Idade Média quanto na contemporânea, seguindo os mesmos rastros. As
mulheres que entravam na prostituição seguiam a necessidade econômica, a ânsia de serem
inclusas na vida do auto-sustento.
Em questões dos âmbitos social e político, a prostituição era vista como uma prática
subalterna, porém nos encontramos com a questão dicotômica da temática, pois a prática da
prostituição deveria se manter escondida, porém considerada um mal necessário. Fabiane dos
Santos20
complementa a concepção da forma que a prostituição se encontrava como um meio
de subsistência entre as mulheres.
Mesmo com os fatores apresentados, as representações coletivas dessa prática eram
1 9
Documentos da 2a vara de família do Estado do Amazonas. Referentes aos anos de 1903, 1904 e
1905. Disponíveis no Arquivo Público do Estado do Amazonas.
2 0 SANTOS, Fabiane Vinente dos. Mulher que se admira, mulher que se deseja e mulher que se
ama: sexualidade e gênero nos jornais de Manaus. (1890-1915). Manaus: UFAM, 2005. Dissertação de
mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia.
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menosprezadas, não se tinha a visão de subsistência, muito menos de forma de trabalho.
Como podemos observar em mais uma nota do Jornal do Commercio21
, denominada de
“Echos do dia: A bem da Moral”, a nota representa mais uma manifestação quanto a
população subalterna, que são denominados de “gente de má vida e sem profissão”,
referenciando as prostitutas e seus gerenciadores, cuja a prática é também denominada de
“caftismo”. Como retrata a nota: “A cidade está invadida por individuos de fóra e dentro do
paiz, que teem por único meio de vida a exploração das mulheres infelizes que inundam
Manáos”.
“Epaminondas, Saldanha Marinho, Matriz, Itamaracá, 10 de Julho, 24 de Maio, para
de outras não falar, sendo ruas centraes, são ninhos de prostituição barata, com todos os
inconvenientes do lupanar franqueado aos viandantes”.
Sejam em quais forem os lugares, no espaço público ou privado, a prática da
prostituição esteve presente, e sem dúvida como podemos observar no trabalho apresentado
somatizado com as fontes estudadas, a produção das várias representações a cerca da prática
da prostituição.
Seu cotidiano apresentado através do olhar do outro, produz as representações que
analisamos ao longo do trabalho, assim como os discursos produzidos. Peter Burke22
destaca
que a população elitizada não se diferencia muito da camada popular no que diz respeito à
cultura. Este autor fez um histórico referente à história cultural bem como aos níveis culturais,
os quais são entendidos de diferentes formas ao longo do tempo.
Burke nos conceitua a representação como uma construção de uma realidade social.
Neste caso, a imagem refletida das prostitutas nos jornais é uma representação daquele âmbito
social, que perpassa primeiramente sob o imaginário de quem produz a fonte.
Portanto, podemos concluir que os fatores de mudanças do estilo de vida manauara,
foram elementos preponderantes nas produções dos discursos a cerca da prática da
prostituição, a ânsia de se construir uma cidade modelo, o ideal de uma cidade
economicamente moderna aos moldes de Paris, resultou em um grande fenômeno de exclusão
das camadas menos favorecidas, em alguns casos a Belle Époque ainda é retratada como um
2 1
Jornal do Commercio. Data: 29 de janeiro de 1904. Disponível no Instituto Geográfico e
Histórico do Amazonas.
2 2 BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
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período épico das mudanças na cidade, em termos de beleza e economia .
Porém as fontes e a historiografia nos revela uma Manaus de exclusão, de controle e
idealizações para as camadas elitizadas. Onde as práticas de sociabilidade e afetividades das
prostitutas eram cada vez mais colocadas nos âmbitos da escuridão, inseridas no que
denominamos dos espelhos edificados através do poder.
Referências
ARAÚJO, Emanuel. A arte da sedução: sexualidade feminina na Colônia. In: PRIORE, Mary
Del (Org.) História das Mulheres no Brasil. 9ª edição. São Paulo: Contexto, 2008.
BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
Chefatura de Polícia do Estado do Amazonas – 1913. Disponível do Arquivo Público do
Estado do Amazonas.
DAOU, Ana Maria. A Belle Époque amazônica. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
DIAS, Edinea Mascarenhas. A Ilusão do Fausto. Manaus – 1890 – 1920. 2ª edição. Manaus:
Editora Valer, 2007.
Documentos da 2a vara de família do Estado do Amazonas. Referentes aos anos de 1903,
1904 e 1905. Disponíveis no Arquivo Público do Estado do Amazonas.
ENGEL, Magali. Meretrizes e Doutores. Saber médico e prostituição no Rio de Janeiro
(1840-1890). São Paulo: Editora Brasiliense,1989.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal,
1982.
Jornal do Commercio.1904. Disponível do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas –
IGHA.
MAZZIEIRO, João Batista. Sexualidade criminalizada: Prostituição, Lenocínio e outros
delitos – São Paulo 1870/1920. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 18, n. 35, 1998.
O Chicote. Orgam critico e noticioso. 1913. Disponível do Instituto Geográfico e Histórico do
Amazonas – IGHA.
PEREIRA, Ivonete. “As decaídas”. Prostituição em Florianópolis. (1900-1940).
Florianópolis: UFSC,2004.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
12
Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
PRIORE, Mary Del. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005.
RAGO, Margareth. Os prazeres da noite. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
SANTOS, Fabiane Vinente dos. Mulher que se admira, mulher que se deseja e mulher que se
ama: sexualidade e gênero nos jornais de Manaus. (1890-1915). Manaus: UFAM, 2005.
Dissertação de mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia.