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Mapa do Caminho Rumo à Sustentabilidade

Visão de futuro

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Mapa do percurso rumo à sustentabilidade / [coordenação editorial Renato Nunes Dias; organizadores e redatores Zysman Neiman, Juliana Maria de Barros Freire]. -- São Paulo: RAPS, 2017.

Vários colaboradores.ISBN 978-85-68974-03-2

1. Brasil - Condições econômicas 2. Brasil - Condições sociais 3. Cidadania 4. Debates 5. Educação 6. Política ambiental 7. Políticas públicas I. Dias, Renato Nunes. II. Neiman, Zysman. III. Freire, Juliana Maria de Barros.

17-02067 CDD-301.0981

Índices para catálogo sistemático:1. Brasil: Sociedade sustentável: Construção 301.0981

Mapa do Caminho Rumo à Sustentabilidade

Visão de futuro

1. Apresentação

2. Os eixos temáticos da sustentabilidade 2.1 Ética e Governança 2.2 Mudanças climáticas 2.3 Biodiversidade e uso de recursos naturais 2.4 Educação e cidadania 2.5 Economia para Sustentabilidade 2.6 Cidades Sustentáveis

3. Biodiversidade e uso de recursos naturais 3.1 Cenário atual da ocupaçãodo solo e suso do capintal natural do Brasil 3.2 A valoração do capital natural 3.3 Uso e ocupação do solo no Brasil 3.4 Perpectivas para o uso dos recursos naturais no Brasil 3.5 Propostas de Ação

4. Educação e cidadania 4.1 Temas para a educaçãp no século XXI no Brasil 4.2 Propostas de Ação

5. Economia, mudanças climáticas e cidades sustentáveis 5.1 O desafio da mitigação das mudanças climáticas 5.2 As cidades e sua importância para as mudanças climática 5.3 Contribuições das cidades para a redução de gases de efeito estufa 5.4 Outros aspectos da economia que não podem deixar de ser considerados 5.5 Precificação sobre emissão de Carbono: impactos e perspectivas 5.6 Propostas de Ação

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Índice

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1 Apresentação

Este volume apresenta os eixos temáticos da visão de susten-tabilidade da RAPS. Ao longo do ano de 2016, a organização promoveu encontros de trabalho e discussão sobre os temas centrais da sustentabilidade. As páginas que seguem registram os princípios, o desenvolvimento e o resultado propositivo desses encontros.

A metodologia apresentada no volume “Sustentabilidade em debate” foi a base para as discussões promovidas pela RAPS e abertas à sociedade. Assim, todos os debates geraram propostas de ação transformadora e de ação emergencial, dando forma ao alto potencial de impacto da RAPS e de sua rede.

Boa leitura!

Marcos Vinícius de CamposDiretor Executivo da RAPS

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2 Os eixos temáticos da sustentabilidade2.1 Ética e Governança

O desenvolvimento sustentável não depende apenas da dimensão ambiental, da social e da econômica previstas na Conferência Rio-92. O novo paradigma depende também de uma quarta dimensão, a político-institucional, que se revelou indispensável na evolução dos acontecimentos.

A quarta dimensão da sustentabilidade implica na difusão da visão de uma democracia baseada nos princípios do bom governo (governança ética). A governança, isto é, a sustenta-bilidade institucional, é imprescindível para viabilizar o desen-volvimento sustentável, que exige, no plano político imediato, tanto reformas políticas quanto mudanças culturais, a começar pela ressocialização da classe política e a formação de novas lideranças com o objetivo de fortalecer e empoderar a socie-dade civil e de modificar a gestão das políticas públicas. São princípios para o debate no eixo temático:

1. Aplicar as regras da sustentabilidade ampliada, isto é, disseminada em suas três diferentes dimensões iniciais (econômica, social e ambiental), que merecem, cada uma, tratamento específico, a saber: a. Uma nova economia; b. A inclusão social e espacial; e c. A preservação e conservação dos recursos naturais.

2. Aplicar a sustentabilidade progressiva, pois os avanços ocorrerão de forma cada vez mais acelerada se for possível trabalhar, de uma só vez, as três dimensões, de forma integrada e abrangente;

3. Operacionalizar o conceito de governança (da resiliência e da adaptação institucional) dotado da flexibilidade capaz de implantar um modelo político-administrativo que promova a sustentabilidade;

4. Priorizar a visão de transversalidade na governança (inte-gração das políticas de sustentabilidade nos vários níveis e instâncias de governo);

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5. Criar núcleos de cidadania ativa e de participação responsável para melhorar a relação entre governantes e governados;

6. Aproximar governantes e governados através de relações de confiança que sejam repactuadas através de uma reforma partidária e eleitoral coerente;

7. Definir o pacto federativo, isto é, a agenda da “descentra-lização com centralidade”, de base territorial, dando solu-ções práticas para as dificuldades de nosso federalismo trino, com a repartição de funções mais bem definidas para o governo federal, os estados e os municípios;

8. Priorizar a ética na política como base de valores comuns que permitem a governança e a sustentabilidade;

9. Adoção de uma “ética da sustentabilidade”, a partir das recomendações da Carta da Terra; e

10. Disseminar uma democracia sustentável, dinâmica e estável, mais avançada em suas práticas, mais participa-tiva e de massas tendo como principal objetivo ganhar confiança e solidez, consolidar adesões e servir à maioria, melhorando a qualidade de vida e a prestação de serviços da população.

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2.2 Mudanças climáticas

O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) apontou os impactos das alterações do clima no Brasil, as principais vulnerabilidades do país e que tipo de ações de adaptação e mitigação podem ser adotadas, a partir de trabalhos científicos mundiais mais recentes, retratando de forma ampla e atuali-zada os impactos causados pelas mudanças do clima no Brasil.

A questão central que se apresenta é: como tornar o País mais resiliente à mudança do clima sem o aumento contínuo das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) e da degradação dos ecossistemas e, ao mesmo tempo, continuar perseguindo seu crescimento econômico?

Há importantes contribuições da sociedade científica para o estudo das mudanças climáticas e as alternativas para sua mitigação, dentre as quais podemos citar a Fapesp, a Socie-dade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e a Academia Brasileira de Ciências (ABC).

A Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas (CMMC), criada em 2008 no âmbito do Congresso Nacional tem por objetivo acompanhar, monitorar e fiscalizar, de modo contínuo, as ações referentes às mudanças climáticas no Brasil.

Em 2014, na Cúpula de Chefes de Estado para o Clima, na ONU e da COP 20, em Lima (Peru), a CMMC propôs a “preci-ficação positiva do carbono” que atribui valor social e valor financeiro conversível à redução de emissões de gases de efeito estufa. São princípios para o debate no Eixo:

1. Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos, reconhecendo que a Convenção--Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) é o principal fórum internacional e intergover-namental para negociar a resposta global à mudança do clima;

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2. Elaborar programas para a economia que tenham efici-ência energética e com base em uma matriz alternativa e de baixo carbono, com emissões em níveis que possam ser reabsorvidos pelos sistemas naturais;

3. Manter o desmatamento zero na Amazônia, Mata Atlân-tica e Pantanal e desmatamento líquido zero nos demais ecossistemas; e

4. Realizar megaprojetos de reflorestamento de biodiversi-dade e implantar a Agricultura de Baixo Carbono (ABC).

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2.3 Biodiversidade e uso dos recursos naturais

Existe uma relação intrínseca entre a conservação da biodi-versidade e o uso do solo para atividades extrativistas e para a indústria agropecuária. A legislação brasileira apresenta impor-tantes instrumentos que regulamentam o setor, sendo os mais importantes o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), o Código Florestal e o Marco Legal da Biodiversidade (sancionado em 20 de maio de 2015).

No contexto dos debates sobre a COP 21, em Paris, um grupo de associações empresariais, empresas e organizações da sociedade civil entidades nacionais preparou um documento denominado “Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura”, com propostas para compatibilizar o estímulo à agricultura, pecuária e economia de base florestal competitivas, pujantes e sustentáveis, com a simultânea garantia da proteção, manejo, restauração e plantio de florestas, assegurando a disponibili-dade de água, a conservação de ecossistemas e os serviços ambientais, contribuindo, desta forma, para neutralizar as emissões de gases de efeito estufa do Brasil. São os seguintes princípios para o debate no eixo temático:

1. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhor a nutrição e promover a agricultura sustentável;

2. Conservar e promover o uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos;

3. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerindo de forma sustentável as florestas, combatendo a desertificação, bem como detendo e revertendo a degradação do solo e a perda de biodiversidade;

4. Manejar os recursos naturais de modo integrado, de forma a garantir a conservação da biodiversidade em igualdade de importância à produção de bens de consumo humano;

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5. Desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais a sociedade compartilha o planeta, respeitando seus ciclos vitais e impondo limites à explo-ração dessas formas de vida pelos seres humanos; e

6. Valorizar a beleza estética do planeta, tanto nos aspectos naturais quanto antrópicos, defendendo-os perpetua-mente.

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2.4 Educação e cidadania

O debate sobre Educação tem, necessariamente, de considerar as seguintes perguntas:

1. Como ampliar o atendimento da educação infantil com qualidade?

2. Como integrar as demais políticas de proteção integral à infância com a educação?

3. Quais os passos a serem tomados nessa direção?

O Ensino Médio, o Ensino Profissional e demais alternativas para os jovens também merecem destaque, uma vez que precisamos saber em que ponto estamos, qual a população de jovens fora da escola e do mercado de trabalho, como conectá-los à uma formação que lhes faça sentido e possi-bilite com que eles montem seu projeto de vida, e quais as mudanças necessárias no atual modelo de ensino médio e profissional.

No que diz respeito a discussão sobre quais devem ser os princípios norteadores de um projeto para a Educação para a Sustentabilidade, precisamos elaborar os princípios que deveriam ser integrados ao currículo e definir de que forma impactam na organização do ensino. Só assim se poderá escolher qual será o modelo de ensino e aprendizagem nos próximos anos, o que os alunos devem aprender, qual será o papel do professor e como serão organizados os tempos e espaços. São princípios para o debate no Eixo:

1. Garantir educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizado ao longo da vida para todos;

2. Formar, por meio da educação, uma sociedade onde haja solidariedade, igualdade e respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e interação entre as culturas;

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3. Considerar a Educação como um ato político, baseado em valores para a transformação social, e que deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, promovendo a formação de cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a auto-determinação dos povos e a soberania das nações;

4. Democratizar os meios de comunicação de massa e os relacionar com os interesses de todos os setores da sociedade, transformando-os em um canal privilegiado de educação, não somente disseminando informações em bases igualitárias, mas também promovendo inter-câmbio de experiências, métodos e valores; e

5. Valorizar as diferentes formas de conhecimento, reconhe-cendo que o mesmo é diversificado, acumulado e produ-zido socialmente, não devendo ser patenteado ou monopolizado.

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2.5 Economia para sustentabilidade

Criar processos produtivos inovadores, que respeitem o meio ambiente e garantam a manutenção da competitividade do País, em especial dos setores da indústria e agricultura, exige investimentos em tecnologia, em formação de pessoal qualifi-cado, demandando recursos econômicos que viabilizem a tran-sição para a chamada economia de baixo carbono. Esse tipo de abordagem, no entanto, revela uma compreensão clássica da economia, pois as palavras “competitividade”, “setores”, “investimentos em tecnologia”, “qualificação” e “recursos econômicos” são utilizados como aspectos que precisam apenas serem compatibilizados com o “meio ambiente”.

Estabelecer as condições para que o Brasil faça essa transição é fundamental para nossa inserção entre os países que estarão entre as maiores economias do mundo no século XXI. E isso só será possível se formos capazes de elaborar um projeto nacional de desenvolvimento sustentável que venha a estimular ciclos virtuosos de entendimento político, permitindo a supe-ração das velhas oposições entre proteção ambiental e cres-cimento econômico. Mas será que é só isso que precisamos? Afinal, não se trata de superar oposições, mas sim de modificar toda uma compreensão do que seja economia no contexto da sustentabilidade.

Discutir o que precisa ser feito para que o Brasil adote uma agenda de desenvolvimento sustentável, identificando, no plano nacional, os gargalos que travam a boa convivência entre respeito ao meio ambiente e crescimento econômico significa mudar o conceito de “desenvolvimento” (normalmente enten-dido como sinônimo de crescimento”) e incorporar o conceito de sustentabilidade para além da visão ingênua de que se trata de “meio ambiente”, compreendendo que a construção do futuro para a sociedade passa por iniciativas como a “economia solidária”, a “economia ecológica”, as “cadeias produtivas locais”, e os “novos indicadores de qualidade de vida”. São princípios para o debate no eixo temático:

1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares;

2. Garantir o acesso à energia barata, confiável, sustentável e moderna para todos;

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3. Reduzir a desigualdade entre os países e dentro deles;

4. Considerar as externalidades dos processos de produção e consumo, de modo que os ciclos se fechem e os limites e capacidade de reposição sejam respeitados, abolindo-se programas de desenvolvimento, ajustes e reformas econô-micas que mantêm o atual modelo de crescimento;

5. Assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis

6. Não apoiar os sistemas econômicos na escassez – uma vez que as pessoas precisam de bem-estar e qualidade de vida - mas também não estimular o consumo excessivo;

7. Promover o crescimento econômico sustentado, inclu-sivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos;

8. Estimular a economia solidária como base da produção, valorizando as cadeias produtivas locais, bem como a circulação de mercadorias no âmbito das comunidades;

9. Colocar a inovação tecnológica a serviço do aumento da produtividade e não do crescimento bruto da produção, pois, sozinha, não solucionará o problema da escassez dos recursos naturais;

10. Incorporar, no conceito de desenvolvimento, aspectos intangíveis da vida humana, abandonado a ideia de que o consumo é em si a meta de vida dos cidadãos, utilizando em seu monitoramento indicadores físicos e sociais;

11. Abandonar a ideia de uma economia isolada da natureza, e adotar uma visão de que ela é parte de um ecossistema vivo e atuante; e

12. Minimizar a desigualdade social, de modo que uma produção em menor escala possa até significar, inclusive, aumento de consumo per capita.

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2.6 Cidades sustentáveis

As atividades de investigação e exploração de boas práticas de sustentabilidade em cidades no Brasil e no mundo precisam servir como referências para embasar o debate e os mandatos dos Líderes RAPS. Isso porque:

a. Metade da humanidade - 3,5 bilhões de pessoas - vive atualmente nas cidades;

b. Em 2030, haverá quase 60% da população mundial vivendo em áreas urbanas;

c. Nas próximas décadas, 95% da expansão urbana aconte-cerá nos países em desenvolvimento;

d. Atualmente, 828 milhões de pessoas vivem em favelas;

e. As cidades do mundo ocupam apenas 2% da face da Terra, mas concentram entre 60 e 80% do consumo de energia e 75% das emissões de carbono; e

f. A rápida urbanização do mundo exerce pressão direta sobre o abastecimento de água potável, o esgotamento sanitário, o meio ambiente e a saúde pública.

Neste contexto é preciso:

a. Listar Princípios Permanentes para uma visão comparti-lhada de Cidades Sustentáveis;

b. Diagnosticar o atual cenário das cidades brasileiras, comparando-o com o ideal sugerido pelos Princípios Permanentes;

c. Identificar cidades de referência, de acordo com sua organização urbana e desempenho de indicadores de sustentabilidade;

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d. Apresentar uma lista de soluções (políticas públicas) para a implantação dos Princípios Permanentes para uma visão de Cidades Sustentáveis no Brasil (de curto/médio e longo prazo, classificadas como “emergenciais” e “trans-formadoras”); e

e. Organizar um banco de políticas públicas já testadas no Brasil e no Mundo que contemplem as soluções listadas.

São princípios para o debate no eixo temático:

1. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos;

2. Construir infraestrutura resiliente, promover a industria-lização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação, tornando as cidades e os assentamentos humanos inclu-sivos, seguros e sustentáveis;

3. Construir cidades para o bem viver humano, com valori-zação das boas relações e equilíbrio com os ambientes externos que as sustentam, oferecendo condições ideais de saúde, trabalho, educação, cultura e lazer;

4. Praticar a cobrança de taxas de congestionamento em grandes centros urbanos, e incentivar o uso de veículos elétricos e híbridos (desenvolvimento de híbrido com etanol) para mobilidade urbana;

5. Estabelecer logística reversa obrigatória, financiada pelas indústrias correspondentes em relação a embalagens de todo tipo e lixo eletrônico; e

6. Planejar cada unidade habitacional humana de modo que sejam autônomas do ponto de vista energético e produzam o mínimo possível de resíduos não reaprovei-táveis.

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3 Biodiversidade e uso dos recursos naturais

O capital natural na transformação socio-econômica

“O uso da terra é transformador e, sendo transformador ele tem impacto. Esse impacto no desenvolvimento precisa ser endereçado. Não temos motivo para deixar de fazer da forma como temos feito. Há que se continuar investindo na opção brasileira e confiar na nossa capaci-dade de encontrar o bom caminho. Não adianta esperar as regras ou pressões que vêm de fora. Temos condições relevantes para continuar acreditando que esse é um caminho importante que estamos trilhando, discutindo de maneira aberta, ouvindo os inputs e formatando esse modelo de acordo com a sociedade. Há pouquíssimos países no mundo em que o debate sobre o bom uso do capital natural é possível. Devemos valorizar o debate para continuar a construir o modelo brasileiro que é poten-cialmente melhor do que o modelo de grande parte dos produtores de alimentos do mundo1”.

Roberto Waack, Presidente da Amata2.

O capital natural é um conceito que substitui o uso antigo do termo “recursos naturais”, e agrega a água, o solo, a biodiversidade, os minerais etc. como meios de produção. Devido aos graves problemas ambientais da atualidade, é crescente a convicção de que os seus limites estão próximos e os efeitos de sua ultrapassagem são potencialmente catas-tróficos para todos.

Apesar de haver grande sensibilidade aos temas ambientais no Brasil, ainda existe uma segmentação muito marcada entre os setores produtivos e os movimentos ambientalistas. Caminha--se, ainda assim, para um processo de reconhecimento de uma interdependência muito maior e de uma ideia de compar-tilhamento do capital natural. Exemplo disso é a relação entre a agricultura e a preservação ambiental: há crescente valo-rização dos diferentes tipos de uso de terra, no lugar de sua simples compartimentalização e, portanto, exaustão.

1 Depoimento proferido durante debate ocorrido na RAPS em 15/03/2016.

2 Empresa produtora de madeira certificada.

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O reconhecimento do elemento heterogeneidade é imprescin-dível: a variabilidade de territórios das propriedades é muito grande e isso faz com que haja uma dificuldade de se ter tratamentos homogêneos. Tema importante a ser debatido, portanto, é a ocupação do território, direcionando a questões polêmicas como o desmatamento zero, desmatamento líquido zero, uso dos recursos hídricos, dentre outros.

As questões que se colocam são: existe uma contraposição entre o capital natural de conservação e a atividade do agro-negócio? Podemos tratar dos dois elementos de forma mais integrada, mais interdependente?

Importa ressaltar que o pressuposto básico do agronegócio e de toda a economia é o crescimento. A lógica atual faz prevalecer o aspecto econômico sobre o social e o ambiental, de forma que o crescimento econômico vigoroso, resolveria, a médio prazo os problemas ambientais e sociais. Esse é o grande desafio: como mudar a visão de que o crescimento é a única alternativa para a economia, para a nova compreensão do desenvolvimento sustentável, que precisa harmonizar os aspectos econômico, ambiental e social?

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3.1 Cenário atual da ocupação do solo e uso do capital natural no Brasil

Um primeiro passo para que se compreenda a questão do capital natural no Brasil é compreender a ocupação do solo no País, cuja economia e exportações baseiam-se em produtos agrícolas.

A ocupação do território brasileiro apresenta números expres-sivos: 65% de vegetação nativa; 100 milhões de hectares de Unidades de Conservação; 100 milhões de hectares de terras indígenas; 300 milhões de hectares em APPs e Reservas Legais; 200 milhões de hectares de pastagens; 60 milhões de hectares de terras com agricultura.

O Brasil tem cerca de 6 milhões de visitas por ano em seus Parques Nacionais e demais Unidades de Conservação, muito abaixo da média de outros países. O Parque Nacional do Iguaçu, por exemplo, faturou perto de 35 milhões de reais no ano de 2006, enquanto o Yellowstone (parque mais visitado dos EUA) faturou, no mesmo ano, 1,4 bilhões de dólares. A “produtividade da conservação” vai acontecer na medida em que conseguirmos entender que o capital natural é algo que deve ser incorporado à atividade econômica.

As Áreas de Proteção Permanente (APPs) e Reservas Legais, previstas no Código Florestal, constituem atualmente parcelas significativas da vegetação nativa existente no Brasil. Apesar dessa importância, o valor de seu capital natural ainda não é muito tangível.

A atualização do Código Florestal em 2012 instituiu a possibili-dade de os produtores que desmataram suas APPs e Reservas Legais para a além do permitido poderem trocar esse passivo por meio da compensação em outras propriedades ainda não desmatadas, desde que fossem áreas excedentes de suas próprias APPs e Reservas Legais, e dentro do mesmo Bioma. A intenção da flexibilização da lei foi proteger áreas nativas que, se fossem desmatadas (e a lei permite isso) liberariam uma certa quantidade de carbono. Em contrapartida, as áreas que já haviam sido desmatadas e que são altamente produtivas, poderiam continuar a ser exploradas, sem necessidade de serem restauradas para ecossistemas nativos, com implicação de custos muito altos.

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A flexibilização promovida pelo novo código, portanto, ao prever a compensação dessas áreas no mesmo Bioma, permite o uso de uma área produtiva já desmatada, que levaria de 20 a 30 anos caso fosse obrigatória sua restauração para “seques-trar” o carbono equivalente, e promove a proteção de uma área ainda nativa que seria desmatada, com supressão das características naturais de conectividade (ou ao menos a possi-bilidade dela) e função ecológica.

Essa suposta vantagem, no entanto, encontra adversários, pois nela está embutida a realidade de que possibilita uma “anistia” para quem desmatou ilegalmente, além de não garantir a qualidade ambiental no âmbito local, o que pode ser um problema para o equilíbrio de ecossistemas.

Vê-se que na Amazônia o desmatamento está sendo redu-zido e mantém taxas bem reduzidas devido à existência de uma grande reserva de áreas que foram já desmatadas e que estão sendo utilizadas para agricultura. À época da Rio-92, a Amazônia tinha 15% de áreas legalmente protegidas e hoje tem mais de 55%. Entre 1995 e 2005, quase 40% do que se protegeu no planeta Terra foi na Amazônia.

O fato é que existe hoje no Brasil uma quantidade enorme de área antropizada que foi desmatada no passado e que está totalmente subutilizada. O uso dessas áreas possibilitaria uma diminuição do avanço das áreas cultivadas sobre ecossis-temas nativos, como por exemplo, o que já vem ocorrendo no Cerrado.

Estamos em um processo de evolução tecnológica, que tem potencial de trazer importantes ganhos de eficiência e alternativas para o uso dos solos. Surgem, no entanto, duas preocupações:

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1. A heterogeneidade na forma e intensidade com que usamos a terra em algumas regiões no Brasil: não há dúvida que passamos por um momento de inflexão tecnológica, que permite a intensificação da produção, somada à maior consciência dos próprios produtores sobre a necessidade da adoção de boas práticas agrí-colas; e

2. A dificuldade em consolidarmos políticas públicas, como o Código Florestal: as iniciativas de revisão de algumas políticas não são compatíveis com o grau de instrumen-talização dos entes federados que vão executar boa parte, ou fiscalizar, ou acompanhar, ou monitorar, ou até promover a adoção e a implementação dessas políticas públicas.

Temos distintos níveis de tecnologia, de escala, de aptidão das pessoas e de potencial de desenvolvimento em diferentes regiões do Brasil. Como exemplo, uma das poucas oportuni-dades de desenvolvimento socioeconômico (não exatamente sustentável, mas, do ponto de vista de qualidade de vida) de uma parcela significativa das populações que moram no inte-rior do país, depende do agronegócio.

Por enquanto, a atividade do agronegócio foi o caminho possível e que se encontrou, mas que não se constitui a única alternativa. Os biomas nativos podem e devem ser incorpo-rados à cadeia produtiva, de modo a possibilitar usos mais sustentáveis do capital natural. Vencer esses desafios é absolu-tamente essencial para o desenvolvimento econômico e social de uma maioria da população nas regiões produtoras.

Nesse cenário, algumas convergências de opinião, podem ser apontadas, como o reconhecimento:

• Do conceito de paisagem e de mosaico em oposição à análise fragmentada de cada propriedade em si mesma, pensando na totalidade e na questão da interdependência do entorno, da importância dos valores ecossistêmicos (água, biodiversidade, carbono etc.), e também no componente social;

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• Da heterogeneidade dos elementos da paisagem, de modo a não os tratar de uma maneira única;

• De que existe um novo ciclo de tecnologia de baixo carbono que trará respostas que ainda não estão total-mente claras com relação ao uso do capital natural;

• Da possibilidade de intensificação do uso da terra, mas de modo consciente, dentro do novo ciclo de tecnologia sustentável;

• De que a questão ambiental é central e a discussão climática é um driver importante nesse debate;

• Da importância do Código Florestal e de sua implemen-tação, seja porque é um marco regulatório central, seja porque ele precisa ser amplamente rediscutido pela sociedade; e

• Dos próprios produtores quanto aos benefícios econô-micos e ambientais do uso sustentável do capital natural, não havendo mais oposição forte e contundente que havia entre ambientalistas e produtores, pois esses últimos perceberam as vantagens das boas práticas.

No entanto, alguns desafios ainda se apresentam:

• O Estado é ausente e ineficiente, com sistemas de gover-nança frágeis, o que demanda um maior protagonismo do setor privado e da sociedade civil que não podem aguardar que ele dê todas as respostas;

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• Há a sensação de que as boas práticas propostas pelo país não são reconhecidas, o que impõe a necessidade de conseguirmos dar maior visibilidade ao valor agregado da produção sustentável, dos ativos e das commodities, colocando esses elementos nos acordos de comércio internacional. Temos uma vantagem que ainda não sabemos “vender” no âmbito internacional;

• É fato que o País já conseguiu algum avanço na queda do desmatamento e na redução da emissão de gases do efeito estufa nos últimos 10 anos e possui uma matriz energética renovável acima de 40%. Mas isso ainda não é uma vantagem competitiva para o Brasil, pois uma matriz hidroelétrica é mais cara que uma térmica de carvão. Hoje o mercado do aço no Brasil, por exemplo, perde competitividade para o aço chinês porque, dentre outros fatores, temos uma energia muito cara;

• Para encarar o desafio de aumentar a competitividade do país, há que se pensar em formas de valorar/monetizar as práticas sustentáveis de produção, o que é uma boa maneira de o valor do capital natural ser reconhecido. Deve-se ainda considerar que há outras formas de valo-ração não-monetária (como o IDH, por exemplo);

• É preciso conhecer os limites de exploração do capital natural, principalmente dos ativos ecossistêmicos, e valorar as externalidades inerentes a essa exploração;

• Há que se integrar os diversos modelos de uso da terra, investindo na harmonização entre eles, muito mais do que no conflito; e

• Deve ficar claro que o ponto central da transformação desejada para as sociedades sustentáveis é o debate entre crescimento econômico versus desenvolvimento. Esse é um assunto chave em todo o mundo e o agrone-gócio é um dos pilares dessa discussão, com todas as suas nuances.

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3.2 A valoração do capital natural

A discussão sobre o uso do solo no País leva necessariamente ao debate sobre como valorar o capital natural. Atualmente, entende-se o acesso ao capital natural como livre e indiscri-minado. Na prática, isso significa que alguns setores produ-tivos operam individualizando os ganhos que produzem a partir do capital natural, ao mesmo tempo que socializam as perdas sociais e ambientais de sua extração e uso. Em última instância, os preços dos produtos são fictícios, ou, no mínimo parciais, pois não incorporam os custos sociais e ambientais envolvidos em sua produção. Disso resultam consumo e inves-timentos descolados da realidade dos seus custos totais, o que gera uma super-oferta de bens insustentáveis.

Por um lado, a vertente neoliberal acredita no uso de instru-mentos econômicos para precificar os serviços ambientais. A quantificação é uma estimativa, uma ação métrica (em metros cúbicos, toneladas, etc.) que, depois de realizada, permite uma valoração econômica, expressa em moeda corrente. Por outro lado, os ambientalistas entendem que o valor desses serviços é intangível. Essa vertente aponta para uma valoração não econômica desse capital natural, como serviços ecossis-têmicos culturais (como, por exemplo, identidade e inspiração cultural, identidade espiritual, patrimônio cultural, beleza cênica, etc.) que são serviços que promovem ou contribuem para a cultura e para as relações sociais dentro de um terri-tório. Para os ambientalistas, portanto, a valoração econômica não deve ser traduzida em moeda e exige que se trabalhe em metodologias participativas para colher a percepção das comu-nidades e da sociedade.

No entanto, nota-se já entre as organizações privadas uma tendência e um interesse em valorar os serviços ecossistê-micos e o capital natural, qualitativa e quantitativamente. Quando se fala em valorar, é importante levar em conta:

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1. A avaliação de qualquer projeto ou processo produtivo, os impactos e seu potencial de mitigação: existem ações que necessariamente implicarão em impactos ambien-tais, cujo estudo pode identificar formas de mitigação. A valoração é uma forma de fazer essa avaliação. Com ela, pode-se definir o grau de importância das consequ-ências das ações dos projetos, seja para a externalidade positiva – vulgo serviço ambiental – seja para a externa-lidade negativa. Os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) precisam incorporar a necessidade da valoração;

2. A ideia de serviços ambientais: se há ações positivas que precisam ser estimuladas (preservar mananciais, por exemplo), é preciso dimensionar o estímulo através de valoração, para medir seu grau de importância. É neces-sário ter essa valoração para implementar o pagamento por serviços ambientais; e

3. A necessidade de incorporar, também, métricas de bem--estar e de sustentabilidade para planejar um País daqui para o futuro.

Apesar de certa concordância sobre a necessidade da valo-ração do capital natural, não há consenso em relação a meto-dologias. Não há critérios de comparabilidade, o que inviabiliza inferências entre o que valoram o empresário, o governo, determinada ONG, e, mais ainda, como se valora. Por este motivo, uma base conceitual vem sendo estabelecida por meio de um debate, no sentido de estabelecer protocolos de mensu-ração que possam ser utilizados pelos diferentes atores.

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3.3 Uso e ocupação do solo no Brasil

Para fazer uma gestão territorial qualificada, é fundamental que o Estado conheça e monitore seu território por meio do cadastro de terras, de modo a quantificar e descrever, de forma atual e coerente, qual o uso e ocupação do solo nas diversas regiões do país. A boa implementação de políticas públicas e a adequada gestão do território dependem de um cadastramento robusto e detalhado que sirva de instrumento para os gestores públicos.

O Estado tem que acompanhar os três elementos básicos das propriedades rurais (fundiários, tributários e ambientais), que no Brasil ainda estão contidos em bases distintas: cadastro ambiental rural, o sistema nacional de imóveis rurais e o cadastro tributário da receita federal. Em 2015 foi iniciado um processo de vinculação do cadastro fundiário com o tributário e já existe um debate avançado com o Ministério do Meio Ambiente para integrar as informações do cadastro ambiental rural. O passo seguinte é avançar na elaboração e construção de Zoneamento Ecológicos Econômicos (ZEE) adequados e qualificados para as várias regiões do país.

Essa ação se adequaria a um dos eixos fundamentais para as diretrizes da Organização das Nações Unidas para a Alimen-tação e a Agricultura (FAO) para a governança responsável da terra, ou seja, o Estado deve conhecer efetivamente seu território, ter um cadastro adequado sobre ele, além de possuir políticas claras no que diz respeito ao aspecto ambiental, exigência do cumprimento da função social da propriedade, e políticas de proteção de comunidades mais vulneráveis.

O Brasil tem hoje, do ponto de vista fundiário, 550 milhões de hectares de terras cadastrados no INCRA e cerca de 5,5 milhões de propriedades. Certamente é o maior cadastro de terras, do ponto de vista de extensão territorial, do mundo. Em 2007 conhecíamos apenas 20% do território e avançamos para o conhecimento de 60% desde então, informações que estão disponibilizadas para toda a sociedade.

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Segundo o IBGE, mais da metade dos municípios do país são essencialmente rurais, muito pequenos, com centro urbano bem reduzido e com significativa produção agrícola. Assim, a democratização do acesso à terra é um tema importante a ser enfrentado e debatido no país. Sabe-se que praticamente 70% dos alimentos são produzidos pela agricultura familiar do país. Naturalmente, não é preciso apenas operar um processo de democratização do acesso à terra, mas a sociedade precisa, juntamente com o Estado, fazer um debate sobre qual o uso dessa terra que nós queremos.

Em relação aos direitos territoriais das comunidades quilom-bolas, houve avanços no país, com a edição do decreto 4887/20033, implementando a perspectiva da indenização da terra e das benfeitorias. O papel do INCRA nesse processo tem sido fundamental, pois o órgão adotou a política de mediação para que não ocorra um processo de conflito mais avançado.

É preciso buscar um cenário onde os interesses do agro-negócio, que movimenta vultuosos recursos econômicos, consigam coexistir com a conservação de recursos naturais em Unidades de Conservação, com a manutenção das terras indígenas e quilombolas, assim como pacificar todos os outros conflitos existentes no Brasil.

3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm

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3.4 Perspectivas para o uso dos recursos naturais no Brasil

Apesar das problemáticas pontuadas, o Brasil adquiriu uma posição bastante relevante em relação às tecnologias de monitoramento espacial. No entanto, não houve um aumento equivalente na abordagem científica. Não evoluímos no que diz respeito às capacidades desta tecnologia produzir ações políticas concretas em relação ao uso sustentável do capital natural.

A agenda ambiental cresceu muito na última década, pois enquanto o Ministério da Agricultura, que gerencia 1/3 do território nacional, foi incapaz de utilizar os instrumentos de geotecnologia para planejar suas atividades, o Ministério do Meio Ambiente soube utilizá-los como um fator de conquista de crescimento da agenda de conservação na Amazônia, por exemplo. Se houvesse, em outras regiões, um terceiro setor preparado, como há na Amazônia, a pauta do Cerrado também estaria sendo discutida em nível mais aprofundado. Foi na Amazônia que nas últimas décadas se utilizou mais estas ferra-mentas geoespaciais como instrumento decisório, de nego-ciação de território e agenda política graças a existência de um terceiro setor mais forte atuando neste bioma.

Vale lembrar que, ao se analisar todo o capital natural brasi-leiro, atualmente 80% dele está sob algum mecanismo de comando e controle, de alguma lei. Em média, metade deste valor está sob domínio público, como Unidades de Conser-vação, territórios indígenas etc., e a outra metade são áreas privadas, que estão protegidas, ou pelo Código Florestal, ou por alguma legislação, como a Lei da Mata Atlântica. No entanto, 20% destas áreas privadas não têm nenhuma proteção por comando e controle, ou seja, podem ser conver-tidas para agricultura ou outro uso compatível com a lei, sendo passíveis de conversão em usos sustentáveis.

A agenda de clima favorece, de alguma maneira, o país como um importante produtor de commodities de baixo carbono, tornando possível esse uso sustentável das áreas privadas. Se a tendência for essa, poucos países têm condições de parti-cipar deste jogo com o Brasil. Do ponto de vista do mercado, tal fato é uma oportunidade para os produtores e para o País.

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O setor privado, principalmente aquele que está com o olhar no mercado de commodities, é pautado pelo cumprimento de normas e regras. Por esse motivo, vem reagindo às pautas ambientais, pouco a pouco, e se adequando, seja por estra-tégia de mercado ou pela pressão que o Ministério Público Federal impõe sobre algumas cadeias produtivas. Outra pressão que se estabelece ao setor vem da constatação da sociedade de que há uma crise de distribuição de capital natural que gera uma crise climática, uma crise de ofertas etc. Ou seja, a opinião pública e, no limite, os consumidores, estão atentos a esta problemática, promovendo, como conse-quência, um ciclo mais virtuoso de conservação dos recursos naturais.

No entanto, por enfraquecimento do Estado, temos assis-tido no País um retrocesso em diversos aspectos da questão ambiental: alteração na lei de rotulagem dos transgênicos; não demarcação de terras indígenas; flexibilização de uso nas Unidades de Conservação, afrouxamento na legislação sobre agrotóxico e licenciamento ambiental; incentivos ao automóvel particular em detrimento do sistema de transporte coletivo, tramitação da PEC 2154, agravamento de doenças epidêmicas (chikungunya, zika vírus etc.) falta de saneamento básico (apenas cerca de 30% do esgoto é de fato tratado no Brasil), e debate sobre o texto preocupante do Novo Código de Mine-ração5.

Esses são temas de especial relevância, cujo debate neces-sariamente incide na formulação de um olhar mais atento à questão do uso dos recursos naturais, sua valoração e conser-vação.

4 Proposta elaborada na Câmara dos Deputados que propõe alterar a Cons-tituição para transferir ao Congresso a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação no Brasil. Atualmente, somente o Poder Executivo, munido de seus órgãos técnicos, pode decidir sobre essas demarcações.

5 Um dos projetos de lei (PL 4287/16) tem o objetivo de fortalecer as ações de prevenção e preparação na gestão de risco de desas-tre, no caso de rompimento de barragem. Outro, o PL 4286/16, aumenta o teto das multas até cem vezes o valor máximo, no caso de desastre ambiental, e garante que o pagamento de multa não desobrigue o infrator de reparar os danos causados. Já o PL 4285/16 equipara a resídu-os perigosos os rejeitos de mineração depositados em barragens abaixo das quais existam comunidades que possam ser atingidas por seu eventual rompimento.

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3.5 Propostas de ação

É inconteste que o passivo ambiental de hoje será o passivo fiscal de amanhã. Desta forma, para vencermos os desafios aqui colocados e avançarmos nas ações políticas necessárias para o uso sustentável do capital natural propõe-se:

Ações emergenciais

• Implementar a visitação nas Unidades de Conservação, de modo a aproveitar sua diversidade única no mundo, realizando parcerias com o setor privado através de contratos de concessão de longo prazo para prestar melhores serviços de atendimento e recepção ao turista, alavancando, assim, a economia local, fazendo um exercício contra factual e verificando em qual cenário o bem-estar é melhor: uso com atividades convencionais (pecuária, por exemplo) ou sustentáveis (Ecoturismo, por exemplo);

• Usar ICMS ecológico ou IPTU Verde como mecanismos de transferência de renda positiva e progressiva, favore-cendo municípios de baixo IDH e munícipes, articulando, de fato, uma política de pagamento por serviços ambien-tais;

• O setor público precisa estar à frente do controle do uso do capital natural, de modo a garantir o interesse cole-tivo, exercendo o poder coercitivo do Estado de forma efetiva;

• Criar metas dentro do poder público para a realização de compras sustentáveis;

• Criar mecanismos para recompensar as empresas sustentáveis e proprietários que preservaram suas terras, recebendo incentivos por terem uma atividade de menor impacto ou até de impacto positivo;

• Créditos de carbono devem ser utilizados como uma vantagem competitiva do Brasil no mercado interna-cional;

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• Investir na criação de em métricas de valoração a partir de evidências e em uma legislação mais clara, estável e implementável. A preocupação do setor empresarial internacional é a necessidade de critérios de comparabi-lidade metodológica, pois sem isso é quase impossível definir preços;

• Implementar o saneamento básico como ação pública prioritária;

• O Cadastro Ambiental Rural (CAR), como importante ferramenta no entendimento de como estão ocupados o solo e a paisagem, que deve oferecer mais informações sobre a questão geoespacial do território brasileiro;

• Toda área que é elegível para compensação precisa ser um excedente daquela que seu proprietário legalmente já deve preservar como Reserva Legal, o que permite a ele receber um valor pelo seu excedente de vegetação nativa que ficará conservada;

• As funções ecossistêmicas precisam ser valoradas e monetizadas, para que possibilitem um uso do território de forma equilibrada entre preservação, desmatamento ou recuperação, incorporando-se as mesmas, inclusive, nas práticas agrícolas;

• Os setores produtivos modernos precisam respeitar os limites do capital natural, perceber os novos sinais que estão sendo dados pela natureza, pela sociedade de consumo, pelos governantes, governos e suas regu-lamentações e se moldar a esse novo mundo, criando limites voluntários (ou impostos pelo Poder Público) para a exploração dos recursos naturais;

• O setor privado (os agentes da cadeia produtiva) que se beneficia da produção (produtores de equipamentos, tecnologia, compradores da produção) deve ser protago-nista na preservação, não só de Reserva Legal, mas nas áreas onde a biodiversidade tem um valor não avaliado, bem como do melhor uso produtivo do capital natural,

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financiando diretamente ações de conservação ambiental em áreas de interesse público, como Unidades de Conservação, por exemplo;

• Definir o que significa “produzir de maneira susten-tável” mundialmente e, a partir daí, mudar a regra de comércio internacional, para que o mercado dê prio-ridade a compra dos referidos produtos. A estratégia poderia ser a promoção de debates, nos fóruns multila-terais do comércio internacional, como a OMC e órgãos associados responsáveis por temas ambientais, para a definição de “produção sustentável”, de forma a cons-tituir um regime internacional de produção e comércio sustentáveis que vinculem os países e por meio do qual se obriguem ou se priorizem certos produtos;

• Investir em levantamentos e estudos sobre o uso do solo e a área já antropizada, com o objetivo de definir seu melhor destino;

• Avançar na perspectiva de, mais do que possuir apenas um cadastro fundiário isolado, integrar esse cadastro aos aspectos tributários e ambientais, pois assim, coíbe-se os proprietários de declararem informações divergentes para a tributação de seu imóvel, para o INCRA e para o Cadastro Ambiental Rural (CAR), e possibilitando uma melhor governança do território nacional;

• Elaborar e construir os Zoneamentos Ecológicos Econô-micos (ZEE) adequados e qualificados para as várias regiões do país;

• Avançar na pacificação fundiária na Amazônia, pois lá há um remanescente razoável de terras públicas fede-rais, que foram arrecadadas na década de 1970, e no Nordeste, onde o que não são terras públicas federais com definição de uso, são devolutas;

• Considerar, no universo econômico, os componentes das externalidades sociais e ambientais;

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• Valorizar os instrumentos e mecanismos de certificação nacional de produção sustentável;

• Contabilizar os impactos no local da produção, principal-mente quanto aos recursos hídricos;

• Viabilizar a utilização das Unidades de Conservação em atividades da cadeia produtiva de forma manejada, gerando uma economia de escala sobre da preservação ambiental e beneficiando, principalmente, as comuni-dades locais;

• Monitorar a qualidade da água que retorna para o solo após a produção agrícola;

• As Reservas Legais devem compor a paisagem de modo a exercer sua função ecossistêmica, privilegiando a criação de corredores ecológicos que conectem essas áreas de modo que mantenham sua dinâmica;

• Utilizar prioritariamente áreas que tenham uma vocação agrícola para o sistema de produção, enquanto áreas maiores poderiam ser utilizadas para compensação, conforme previsto no Código Florestal;

• Apoiar a produtividade das áreas já desmatadas para suprir a necessidade de alimentos e reduzir emissões por hectare e a pressão sobre novos desmatamentos;

• Capacitar os produtores rurais e funcionários, auxiliando no acesso a financiamentos, e melhorando as condições de gestão dentro de uma propriedade rural;

• Aumentar a representatividade da sociedade civil nos fóruns de decisão acadêmica, de modo a criar meca-nismos para uma maior participação na definição de agenda de prioridades para as pesquisas científicas sobre biodiversidade;

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• Condicionar a distribuição de recursos financeiros públicos à uma pauta de produção acadêmica que prio-rize as necessidades de resolução de problemas que atinjam a esfera da sociedade civil brasileira, sejam sociais, econômicos, etc., subsidiando assim políticas públicas de interesse coletivo;

• Criar linhas de financiamento para pesquisas específicas para a elaboração de políticas públicas;

• Exigir que a produção acadêmica, da iniciação científica ao doutorado, que for financiada por recursos públicos, seja publicada primeiramente em português, para que a sociedade civil a ela tenha acesso prioritário; e

• Impedir a aprovação do Novo Código de Mineração da forma como proposto e fomentar a discussão sobre o tema no sentido de aperfeiçoar esse diploma legal de modo a torná-lo compatível com uma visão de sustenta-bilidade.

Ações transformadoras

• Construir mecanismos financeiros para internalizar as externalidades (por meio de políticas públicas ou auto regulação) nos fluxos de caixa, de modo a obter--se o preço real do produto que definir as decisões de consumo e investimento para que sejam mais sustentá-veis. Os valores relacionados às externalidades têm que fazer parte das decisões de compra dos consumidores. A transformação desse valor em preço e em tomada de decisões de compras e, consequentemente, em acesso a mercados, deve ser priorizada;

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• Discutir os mecanismos de valoração, compensação e remuneração para estimular a migração de uma economia de alto carbono para uma economia de baixo carbono, transformando as iniciativas insustentáveis em atividades caras, por meio de taxação ou de outros instrumentos de mercado. Do lado das políticas públicas, haveria que se ter um grande investimento na matriz de incentivos dos agentes econômicos. Tornar o insusten-tável cada vez mais caro e criar condições para o susten-tável, incentivando a geração de externalidades positivas;

• Promover, através da educação, o aumento da percepção social, da importância da conservação da biodiversidade. É na educação, na consciência e na comunicação que os consumidores regularam o mercado por meio de suas opções de compra;

• A construção da convivência de valores de capital natural e funções ecossistêmicas num processo dinâmico de uso da terra, que deve incorporar esses elementos vocacio-nais dentro de um olhar mais minucioso;

• Rever as políticas de ocupação sobre áreas naturais de modo a reverter a curva de desmatamento dos biomas no Brasil para uma curva de recuperação de áreas florestais, por meio da valoração dos seus serviços ecossistêmicos;

• A diversidade dos ecossistemas que temos no Brasil deve ser explorada a partir de novas tecnologias (como a biotecnologia) para conseguir fazer o salto para a uso sustentável do capital natural;

• A renda obtida na atividade agrícola deve ser utilizada, no futuro, para pagamento de serviços ambientais e, com isso, conservar melhor o capital natural;

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• Aproveitar os estudos que a academia tem produzido sobre a agricultura familiar e disponibilizá-los para que o Estado aperfeiçoe e atualize as políticas públicas no país, de acordo com uma compreensão mais atual sobre o novo rural brasileiro, e a sua integração ao urbano;

• Buscar alternativas de geração de renda, inclusive através de economia criativa, e aumentar o valor da utilidade do ecossistema, melhorando a vida de pessoas;

• Garantir o direito das populações vulneráveis e povos tradicionais (quilombolas, etnias indígenas, caiçaras, ribeirinhos etc.) ao uso da terra;

• Coexistência entre modelos de produção (agroecologia, agricultura orgânica, agronegócio de monocultura que usa agrotóxico), trabalhando o equilíbrio entre esses diversos modelos a ideia da valoração da conservação, estimulando ações de integração lavoura-pecuária, lavoura-pecuária-floresta e outras que aumentem a produtividade em uma mesma área;

• Estabelecer em caráter permanente e contínuo, parcerias técnicas e científicas entre a academia e a sociedade civil de modo a promover o desenvolvimento geopolítico;

• Aperfeiçoar o desenvolvimento da ciência no que diz respeito ao tema da biodiversidade;

• Criar, para sua regulamentação local, legislações muni-cipais e estaduais que sejam mais restritivas do que os critérios aprovados pelo novo Código Florestal, com o apoio técnico da academia que pode priorizar a busca de indicadores mais reais sobre os limites ambientais que garantam a manutenção dos serviços ecossistêmicos e a compatibilidade entre produção e conservação;

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• Facilitar o processo de comunicação entre academia e sociedade civil, disseminando os dilemas e desafios da sustentabilidade para que a população, como um todo, possa fazer parte desta discussão; e

• Analisar o Ciclo de Vida de produtos, com o viés de redução do desperdício de matéria prima e da geração de resíduos;

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4 Educação e cidadania

Recursos, formação, currículo e avaliação como desafios à cidadania “Existe a necessidade de elaboração de políticas públicas

específicas para desenvolver habilidades nos estudantes que hoje são punidos simplesmente por estudarem em cidades com baixa qualidade de suas escolas. Há que se implantar sistemas de bônus para os professores de modo que possam trabalhar em melhores instituições de ensino, assim como uma gestão mais democrática das mesmas. A valorização simbólica da importância do professor, assim como seu salário e implantação de um plano de carreira, sua formação e capacitação continuada ao longo da profissão, acesso a novas tecnologias de ensino são condição sine qua non para a melhoria da qualidade da educação. Essa, no meu entendimento, deveria ser a mais grande revolução”

Neca Setubal, Vice-Presidente do Conselho Diretor da

Raps6.

Segundo o IBOPE, a educação é a segunda prioridade em termos de necessidade de investimentos na opinião dos brasi-leiros. Contudo, isso não foi suficiente para retirar a educação do âmbito retórico, não correspondido em importância na práxis pública.

Ante essa priorização da sociedade, e para subsidiar o debate e elaboração de propostas de ações políticas, realizou-se um diagnóstico sobre a Educação no Brasil por meio de diversos documentos: 1) alguns planos de governo apresentados pelos candidatos à Presidência da República em 2014, e 2) docu-mentos de coletivos que fizeram parte do Mapa do Debate (Brasil 2002 – A Sustentabilidade que queremos, Plataforma Socioambiental Brasil 2008, Brasil Democrático e Susten-tável, Almanaque Brasil Sócio Ambiental, Brasil, Novas Opor-tunidades: Economia Verde, Pré-Sal, Carro Elétrico, Copa e Olimpíadas, A desigualdade é Insustentável: Rio+20 a posição da indústria, Dossiê Sustentabilidade, Desenvolvimento para Sempre, Aumenta a Pressão, O Brasil e a Agenda da Susten-

6 Depoimento proferido durante debate ocorrido na RAPS em 14/04/2015.

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tabilidade, Visão Brasil 2050, Agenda do Avanço Acelerado, Visão Brasil 2030, Agenda Brasil Sustentável, Mapa do Buraco, Agenda 21 Brasileira, Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global e Obje-tivos de Desenvolvimento Sustentáveis.

Nem todos esses documentos trataram especificamente do tema Educação, e os diagnósticos que os mesmos apresentam não exaurem o tema e foram tomados apenas um ponto de partida para o que se pretende em termos de educação num país mais justo e sustentável.

A educação brasileira revela a nossa grande desigualdade social, e se não a enfrentarmos, não será possível avançar. Trata-se de 30% dos estudantes em vulnerabilidade social e que frequentam as escolas com os piores índices de aprendi-zagem e com os professores pouco qualificados, em escolas que, normalmente, estão nas periferias das grandes metró-poles, nas zonas rurais e escolas localizadas no Norte e Nordeste.

Alguns dados nos confirmam que a desigualdade não é um problema residual, e que se não enfrentarmos este problema, não será possível avançar na educação. Em números abso-lutos, o contingente de crianças e jovens fora da escola era de 3,6 milhões, equivalente à toda população do Uruguai. Apenas 1,77% das crianças brancas de 7 a 14 anos estão fora da escola, enquanto 3,28% são crianças negras e 9,84% de indígenas (Unicep,2009). O abandono escolar precoce atingiu mais da metade dos jovens de 18 a 24 anos de idade perten-centes ao quinto mais pobre, enquanto no quinto mais rico essa proporção foi de 9,6%. Cada 8 entre 10 adolescentes de famílias do 1º quinto de rendimento mensal familiar não frequentam o Ensino Médio.

No Plano Nacional de Educação (vide item adiante) uma das principais metas é realizar a cobertura total da frequência escolar das crianças de 4 a 5 anos. No momento, a frequência é de 81,2%. A responsabilidade de 100% destas crianças é responsabilidade do município. Entre 6 e 14 anos a porcen-tagem de frequência é de 98,4% e entre 15 e 17 anos é 84,3%.

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O maior desafio histórico sem resolução do Brasil é concer-nente à educação pública, pois não há recursos suficientes para os programas do Ministério da Educação. Além disso, há muitas agendas sobrepostas, de diversas ordens, o que acaba dificultando a articulação de um plano efetivo para a educação no país.

No que diz respeito ao IDEB, os Estados de Alagoas e Sergipe concentram os menores índices nos anos finais do Ensino Fundamental, ambos com IDEB de 2,8. Os dados do IDEB em relação a todas as escolas públicas brasileiras apresentam o seguinte: 4,9 Ensino Fundamental - anos iniciais; 4.0 Ensino Fundamental - anos finais; 3,4 Ensino Médio. Esses dados constituem apenas uma média, pois desconsideram as desigualdades das diferentes regiões do país. É importante ressaltar que no último IDEB houve um decréscimo, em vários Estados, em relação ao IDEB de 2011. Nesse sentido, apesar das metas do MEC serem tangíveis, o país não conseguiu atingi-las. Como efeitos dessas desigualdades socioespaciais, pode-se afirmar que, quanto maiores são os níveis de vulnerabili-dade social do entorno da escola, menor tende a ser a nota média no IDEB. Além disso, alunos com um mesmo perfil sociocultural tendem a ter desempenho mais baixo na Prova Brasil quando estudam em escolas situadas em territórios de alta vulnerabilidade; em contrapartida, tendem a apresentar desempenho mais alto quando estudam em escolas locali-zadas em territórios de mais baixa vulnerabilidade social.

Para exemplificar os dados acima: Se utilizamos o mesmo nível socioeconômico baixo de uma camada da população e se esses mesmos alunos, do mesmo nível socioeconômico, estão numa escola em um território de alta vulnerabilidade social, eles terão um rendimento menor do que alunos de um mesmo nível socioeconômico, mas que estão em escolas localizadas em áreas centrais, mesmo que na periferia. Denomina-se, esse fenômeno, de efeito território.

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Há cinco pontos fundamentais a serem considerados para o avanço da educação: quantidade, qualidade, equidade, diversidade e renovação. Todos são interdependentes, mas para fins de organização e compreensão, é importante citá-los separadamente.

No que tange à quantidade de matrículas e acesso às escolas, o discurso oficial afirma já ter sido resolvido este problema. No entanto, vale ressaltar que, dentre os que estão fora do sistema educacional, a maioria pertence às camadas da popu-lação de baixa renda -, que são os que mais necessitam de escola pública de qualidade.

Na educação infantil, há um percentual considerável de crianças na escola, totalizando 87,9%. Todavia, a lei prevê que haja o percentual total de crianças frequentando a educação infantil, de modo que ainda há uma parcela aquém desta reali-dade. Esta parcela, por sua vez, representa as crianças prove-nientes de famílias de baixa renda, principalmente de regiões rurais; além de crianças com deficiências físicas e mentais, que também são excluídas do sistema educacional.

No caso da educação infantil da primeira infância – de 1 a 3 anos de idade – apenas 27,9% das crianças encontram-se matriculadas nas creches. No que tange ao ensino funda-mental, os números parecem animadores, pois revelam que 97,1% de crianças de 6 a 14 anos estão matriculadas. Todavia, estes 3% restantes refere-se a 600 mil crianças. No ensino médio, a porcentagem de jovens de 15 a 17 anos matriculados é de 59,5%. A meta é que até 2024 este percentual seja de 85%.

Além das estatísticas que se referem ao ensino obrigatório, o Brasil é o país que tem a menor cobertura de educação profis-sional, sendo apenas 11,7% dos jovens nos cursos técnicos objetivando formação profissional, e também com poucas oportunidades de ingressarem nas universidades.

O aspecto qualitativo, por sua vez, refere-se ao nível de apren-dizagem, ou seja, qual a porcentagem de alunos que está de fato aprendendo nas escolas. Neste quesito, os dados são

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alarmantes: apenas 45% das crianças até 8 anos de idades estão alfabetizadas, e 9% dos adolescentes o será em períodos inadequados, como no Ensino Médio. Ou seja, uma fase desti-nada ao jovem para desenvolver consciência crítica e reflexiva e ter contato com os diversos temas contemporâneos, está sendo utilizado para a alfabetização tardia.

Infelizmente, pode-se afirmar que nenhuma política até o momento promoveu, plenamente, equidade para estabelecer a igualdade nas relações de aprendizagem. Vale lembrar, por exemplo, que os investimentos são os mesmos para regiões metropolitanas, com melhores condições econômicas, e para áreas rurais e periféricas, mais carentes nesse quesito, o que, por si só, já implica num desequilíbrio, pois estas últimas necessitariam de maior investimento.

Quanto à diversidade, notadamente a maior crise está no ensino médio no Brasil, onde uma série de fatores indicam uma deficiência do modelo de ensino: desqualificação profis-sional dos professores, ambiente adverso com estruturas inadequadas, número de alunos maior que a capacidade da sala de aula etc. Nesta fase, a permanência nas escolas é o problema central, com média de 45% de evasão. Essa crise é manifestada nas escolas de todo o país, independentemente das condições e necessidades de cada região.

É importante ressaltar que, apesar da melhoria das políticas públicas para a renovação e requalificação da educação, como formação de professores e formação de gestores escolares, a discussão da Base Nacional Comum, a criação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais) etc., ainda não se conseguiu significativa melhoria de aprendizado dos alunos. O modelo tradicional das escolas não é atrativo para os alunos, pois não se adapta às suas diferentes realidades, nem à dos professores, o que provoca uma média de 20% de absen-teísmo diário desses docentes no Brasil, e desestimula o ingresso de novos profissionais para a sala de aula.

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4.1 Temas para a educação no século XXI no Brasil

A Educação para o século XXI está muito além dos conteúdos conceituais, devendo contemplar, também, os valores, as habi-lidades não cognitivas e socioemocionais dos alunos. É preciso descontruir este modelo simplificador e atuar em outras áreas do conhecimento, redesenhando a escola segundo as condi-ções e necessidades atuais, e descontruindo seu formato tradi-cional (quantidade de horas na sala de aula, a divisão das salas de aula por idade dos alunos etc.). O que há de comum entre os países que tem um nível elevado no sistema de avaliação PISA – Programme for International Student Assessment – é o fato de a população ter participação efetiva no debate e na construção de práticas educacionais avançadas.

No debate brasileiro, muitos temas específicos precisam avançar. Dentre eles pode-se citar:

1. Educação para jovens infratores: a discussão sobre a PEC 171, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos, e o projeto de lei do Senador José Serra que propõe o aumento de internação para adolescentes que cometem atos infracionais.

Os debatedores concordaram que a redução da maio-ridade penal é um retrocesso para o Brasil, pois é uma decisão contraditória aos direitos humanos, e apon-taram alguns pontos importantes que precisam ser levados em consideração. Vejamos um exemplo: Após o jovem infrator cumprir a sua medida nos complexos da Fundação Casa, ele precisa cumprir o PIA (Plano Indivi-dual de Atendimento) acompanhado por uma assistente social em parceria da Secretaria de Educação e Saúde. No entanto, o âmbito escolar, para o qual o menor infrator retorna, mantém-se o mesmo de quando ele foi internado, de modo que ocorre uma tendência à manu-tenção do processo e não sua resolução.

2. Educação Ambiental: há a discussão referente ao Projeto de Lei do Senado (PLS 221 de 15/04/2015), que altera a Lei 9795/99 (Política Nacional de Educação Ambiental) e prevê a inserção da educação ambiental como disciplina específica no Ensino Fundamental e

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Médio, contrariando o acúmulo internacional em torno da questão e caracterizando uma concepção prescritiva e fragmentada do processo de construção dos saberes ambientais.

O referido Projeto inclui, também, como objetivo

fundamental da educação ambiental “promover o uso sustentável dos recursos naturais”, o que representa um retrocesso, pois reduz a importância da biodiversidade à utilização pragmática dos recursos naturais, e contradiz diversos setores de educação ambiental no Brasil, pois estes propõem que a temática da sustentabilidade seja permanente e continuada tanto na gestão quanto no trabalho pedagógico nas escolas.

Tornar a sustentabilidade uma disciplina, de fato, não resolve o problema. É preciso que o cidadão seja formado de forma ampla, com noções de política, cidadania, sustentabilidade etc., como agente político e protago-nista das mudanças sociais. Sendo assim, é importante garantir que o tema seja contemplado na pauta educa-cional de forma transversal, sem que seja na condição de uma disciplina específica. De acordo com os professores, de modo geral, a inclusão de tal disciplina no currículo educacional seria desperdício de tempo, pois os profes-sores que, possivelmente, se responsabilizariam por tal disciplina possuem apenas conhecimentos superficiais do tema, o que inviabilizaria uma discussão mais profunda.

3. Ensino básico: há uma constatação que não alcan-çamos a universalização da pré-escola para as crianças do ensino infantil – até os cinco anos de idade –, mesmo sendo previsto pelo Plano Nacional de Educação (PNE). O Estado de São Paulo, por exemplo, tem tentado cumprir a meta do PNE, sendo que já foram cumpridos 87% do programa. Contudo, há apenas 25% de crianças entre 0 a 3 anos nas escolas, e o objetivo é alcançar 50% até 2024. Tal objetivo será apenas consolidado com uma integração com o governo federal e o governo do Estado para a construção de novas creches.

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De acordo com o Censo Escolar do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) de 2013, na rede pública em 2012, 19% dos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental estavam com atraso escolar de dois anos ou mais, enquanto esse número foi 31% para os alunos dos anos finais do ensino funda-mental e 35% para os alunos do ensino médio. Ou seja, a escola brasileira oferece educação, mas ela é de baixa qualidade.

Na educação básica é preciso uma mudança de pensa-mento sobre a creche – inclusive no próprio nome, pois este advém da ideia de um local onde as mães deixavam seus filhos aos cuidados de terceiros para irem trabalhar, sendo que é preciso ressignificar a creche como um espaço educativo em que se ministra apoio pedagógico e cuidados às crianças. Há o receio de muitos educa-dores de que seja implementada a escolarização para o letramento das crianças pequenas. Essa preocupação é decorrente de uma discussão ideológica referente à obrigatoriedade de colocar as crianças de 4 e 5 anos na escola. Um exemplo da ressignificação desejada é a inclusão, ainda recente, de pedagogos nas creches, ao invés de cuidadores. No entanto, é preciso pensar em políticas de apoio e qualificação para estes profissionais, pois eles são os responsáveis pela primeira infância, fase fundamental de formação do indivíduo.

Na rede privada, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), prova criada para medir o nível do ensino nacional, dos anos iniciais do ensino funda-mental em 2011 foi de 6,5, enquanto o IDEB dos anos finais do ensino fundamental foi de 6,0 e o do ensino médio 5,7. Já na rede pública, esses números são 4,7 para os anos iniciais do ensino fundamental, 3,9 para os anos finais e 3,4 para o ensino médio.

No Ensino Fundamental 1 e 2, os índices falam por si: os alunos finalizam o 5º ano com uma proficiência média em matemática e língua portuguesa, o que expressa o não

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aprendizado adequado dos conteúdos dessas disciplinas. Em relação ao 6º ao 9º ano, em especial, a deficiência é ainda mais considerável no aprendizado dessas disci-plinas básicas.

Os políticos não consideram essas estatísticas, pois elas não arrecadam votos, e as famílias, por sua vez, ignoram a qualidade do ensino pois observam apenas as questões estruturais da escola: alimentação, uniforme, material escolar, localização, etc. Todo este cenário é causado por uma série de fatores, como o despreparo profissional dos professores, a ausência das famílias no ambiente escolar e o modelo escolar desestimulante – principalmente para os alunos adolescentes.

4. Ensino médio e técnico: a problemática está na proporção de jovens que ingressam em cursos técnicos e superiores no Brasil, sendo cerca de três vezes menos do que a de países desenvolvidos. Além disso, os cursos atuais não estão preparando adequadamente os jovens. É preciso uma ampliação dos cursos profissionalizantes para que possam suprir as demandas do país e, assim, inserir os jovens devidamente qualificados o quanto antes no mercado de trabalho.

Há controvérsias em relação a esta proposta, pois há também a concepção de que o ensino médio deveria ser um espaço mais concreto para a formação do cidadão enquanto indivíduo político, onde cabem os temas trans-versais. Para muitos educadores, formar o aluno em prol do mercado de trabalho não é o ideal de educação, e representa um retrocesso pensar apenas em termos de cursos técnicos, embora estes tenham sua importância. Assim, há que se definir qual o objetivo prioritário da educação: formar indivíduos que leiam e escrevam com objetivo principal de se inserir na lógica de trabalho e consumo, ou capacitar cidadãos com consciência crítica capazes, até, de questionar e, eventualmente, quebrar esses paradigmas.

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5. Ensino superior: dados do Instituto de Pesquisas Econô-micas e Aplicadas (Ipea) revelam que o acesso à univer-sidade entre o período de 2000-2010 mais que dobrou no Brasil. Todavia, o percentual de alunos entre 35 e 45 anos com ensino superior completo no Brasil é de apenas 11%, enquanto em 2010 no Chile, por exemplo, esse percentual era de 27%. É importante registrar também que 73% do total das matrículas no nosso País estão na rede privada.

Além disso, é importante salientar a desigualdade entre as regiões do país que é de quase 54%. Ou seja, considerando-se apenas a variável regional, os jovens do Nordeste com Ensino Médio completo estão em grande desvantagem em relação aos jovens residentes no Centro-Oeste e no Sul.

Há a ausência de conscientização social do ensino superior e há a necessidade da função social do ensino enquanto ação transformadora. De alguma forma, parece que não há diálogo entre a universidade e a sociedade, principalmente as universidades públicas as quais são financiadas através de investimento social e precisam retribuir os seus resultados à própria sociedade. Esta, por sua vez, é preciso ser analisada enquanto agente transfor-madora da realidade social. Além disso, a formação dos professores – assim como salientada acima no que tange os ensinos básico, fundamental e médio – é também de suma importância para os professores acadêmicos. Sobre a formação dos docentes, o maior desafio é a formação inicial, pois a formação continuada tem sido quase uma “recuperação” desta inicial.

No tocante ao Prouni e ao FIES há um consenso que o dinheiro deveria ser aplicado em universidades públicas, além do investimento em ensino à distância. Apesar desses programas constituírem uma grande conquista em direção a universalização do acesso ao nível supe-rior, pois muitos alunos tiverem acesso às universi-dades através desses incentivos, é preciso ao longo dos

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próximos anos diminuir gradativamente o investimento nestes programas com transferência dos recursos para a ampliação e melhoria das instituições públicas.

6. Analfabetismo e o atraso escolar: as estatísticas apontam 12,9 milhões de pessoas no Brasil que não são alfabetizadas; além disso, 18,3% dos brasileiros são analfabetos funcionais, isto é, pessoas que, apesar de saberem ler e escrever, não conseguem interpretar textos, nem realizar operações matemáticas. O Rela-tório de Monitoramento Global de Educação para Todos, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), divulgado em 2014, situa o Brasil entre os dez países que concentram a maior parte dos analfabetos adultos do mundo. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2012, o Nordeste concentra 7,2 milhões de analfabetos. A taxa de analfabetismo mais alta do país está em Alagoas, com 19,66%. O Maranhão aparece em seguida, com índice de 18,76% da população analfabeta.

O Brasil é o único país que figura entre as 10 maiores economias do mundo e ao mesmo tempo encontra--se entre os piores países em termos de qualidade na educação. O sistema PISA de aferição educacional, índice internacional de qualidade da educação medido pela OCDE a cada três anos (em leitura, matemática e ciências), divulgou na versão de 2012 o resultado de um teste lógico de avaliação sobre entendimento e resolução de problemas do dia-a-dia. O Brasil ficou em 38º lugar numa amostra de 44 países cujos jovens participaram da pesquisa de desempenho. É preciso criar ferramentas para mediar a erradicação do analfabetismo, e criar indicadores para medir e monitorar as ações das escolas, verificando sua eficiência para a diminuição e futura erra-dicação do analfabetismo.

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7. Gestão do ensino: estudos demonstram que, do ponto de vista econômico, o investimento na educação, através de um maior tempo de escolaridade média da população, aumenta a renda per capita em até 35%. O Sistema Nacional de Educação está sendo consolidado no Brasil e umas das ações que precisa acontecer é o fortalecimento dos conselhos, pois são entes sociais fundamentais para a boa gestão da escola. Na opinião consensual dos parti-cipantes do debate, é preciso multiplicar os conselhos de educação nos municípios. Os caminhos possíveis passam por uma boa fiscalização do Ministério Público Federal, e a participação da família para a avaliação do coordenador, diretor etc. Há, nesta perspectiva, uma contribuição da educação para a cidadania, pois trata-se da participação política na prática.

As Secretarias estaduais e municipais de educação controlam os recursos e alocam os gestores na base, tendo grande poder para direcionar o sistema. Se atuassem de forma coordenada, teriam poder de trans-formar, em muito pouco tempo, a qualidade da educação brasileira. Ministério da Educação, CNE e afins definem as principais diretrizes e estabelecem as políticas nacio-nais em um esquema “guarda-chuva”, onde o que é deci-dido no topo deve informar e organizar as ações de quem está na base. Contudo, ainda relutam em admitir a inefi-ciência do sistema (qualidade da educação deprimente) e promover reformas estruturais relacionadas ao currículo, à formação docente e à avaliação de resultados, entre outros.

É preciso repensar a função das Secretaria de Estado e dos municípios, do contrário não se fortalece a escola, pois estas secretarias impõem determinados projetos e programas para as escolas sem se atentar para as neces-sidades de cada região. Este sistema vertical e indiferen-ciado dificulta os projetos de inovação.

O Brasil carece de uma rede transversal de coope-ração entre estado, setor social e privado, que alinhe as melhores capacidades de cada setor. De um lado, isso

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é importante para evitar a disputa indesejável de prota-gonismo entre o “público” e o “privado”. De outro, para evitar a repetição e desperdício de esforços e de experi-ências no setor social.

O empoderamento dos cidadãos possibilitaria a ruptura dessa cultura do poder verticalizado, ou seja, aumen-taria a participação dos movimentos e ONGs voltados à educação. Afinal, não são apenas os políticos e os órgãos públicos que devem garantir a qualidade da educação; é preciso que haja a discussão do tema no interior da sociedade civil.

8. Financiamento e a qualidade do ensino: na área rural há uma maior porcentagem de crianças que não frequentam a escola em relação à área urbana. Uma possível ação seria envolver mais as comunidades locais no âmbito educacional, e o Programa de Educação do governo federal cumpre com esse papel.

Com a aprovação do Plano Nacional de Educação, 10% do PIB serão destinados à área. Atualmente, nota-se que, no Brasil, a relação entre gasto público em educação e o PIB está aquém dos parâmetros internacionais. Todavia, a qualidade da educação não está necessariamente vincu-lada ao financiamento. 10% do PIB destinado à educação é um valor muito alto e é preciso pensar como será dire-cionado, pois, geralmente, o investimento não é propor-cional à qualidade da educação adquirida. É preciso, assim, pensar na gestão destes valores, pois apenas o aumento salarial não garante a melhoria da qualidade, uma vez que ela está vinculada à necessidade de uma melhor qualificação dos profissionais. Hoje quem forma professor para escola pública no Brasil é a universidade privada, e com qualidade questionável.

Em 2010, um professor brasileiro em início de carreira, segundo a pesquisa, recebia, em média, menos de US$ 5 mil por ano. Isso porque o valor foi calculado incluindo os professores da rede privada de ensino, que ganham mais

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do que os professores de escolas públicas. Na Alemanha, um professor com a mesma experiência ganhava, em média, US$ 30 mil por ano. Em Portugal, US$ 50 mil, o equivalente ao salário da Suíça. Na Coréia, os profes-sores primários recebiam seis vezes o que ganhava um professor brasileiro para o mesmo nível e ensino. Sendo assim, apesar da valorização salarial não resolver o problema, é algo que precisa ser levado em conside-ração. O baixo financiamento de salário dos professores torna a carreira não atrativa para determinadas pessoas com alto nível de conhecimento e capacidade didática que, caso as condições trabalhistas fossem mais favorá-veis, ocupariam estes cargos.

A situação dos profissionais da educação ainda está distante de um patamar básico de qualificação. Nesse sentido, apesar da exigência de diploma em Ensino Superior, o Censo Escolar de 2013 indica que 21,5% dos professores brasileiros que dão aulas nos anos finais do Ensino Fundamental (6° ao 9° ano) não têm nível supe-rior, e 35,4% não fizeram licenciatura. No tocante ao Ensino Médio, chega a 22,1% a percentagem de profes-sores que não fizeram licenciatura.

Recentemente, diversas iniciativas foram implementadas para estimular a formação de docentes e, em 2009, foi estabelecida a Política Nacional de Formação de Profis-sionais do Magistério da Educação Básica. Os programas são, no entanto, pouco articulados entre si. Quanto aos cursos de pedagogia, a maior parte possui qualidade insuficiente e é realizada à distância, o que impede o aluno de inter-relacionar ensino, pesquisa e extensão.

Aspectos relativos à jornada (dupla ou tripla para muitos professores); à inexistência de condições para um ensino de qualidade (carência de laboratórios, bibliotecas, acesso à internet e outros equipamentos e materiais); ao número de alunos por professor, à pequena carga horária destinada ao planejamento das atividades educativas, ao estudo e à correção de trabalhos; e aspectos relativos à

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insegurança dentro das escolas são outros pontos funda-mentais a considerar quando se pensa como valorizar a docência no Brasil.

9. Base Nacional Curricular Comum: uma Educação de qualidade garante a equidade, e a matriz dessa equi-dade é um currículo que estruture o direito de todos a aprender. É possível haver currículos distintos para as regiões do país, mas uma base comum é necessária para que se possa definir o que as crianças estão ou não recebendo e como desenvolver estratégias coletivas para fazê-las aprender. O trabalho, que vem sendo reali-zado desde 2013 para o estabelecimento de uma Base Nacional Curricular Comum ajuda o país a pensar um documento que expõe o que é esperado que os alunos aprendam nas escolas. O Brasil já vinha discutindo este tema há décadas, com os avanços promovidos pelos Parâmetros e Diretrizes Curriculares Nacionais, mas que ainda deixavam obstáculos a serem vencidos.

O Movimento pela Base Nacional Comum realizou levan-tamentos nacionais e internacionais e produziu material para ampla discussão, de modo a concretizar, implantar, e avaliar periodicamente, o que já havia de padrões curriculares no Brasil, em três frentes principais: 1º) mobilização – que se relaciona com o desejo de inserir a questão da base na agenda educacional no Brasil; criar essa demanda, fazendo uma pressão social pela base nacional comum; 2º) frente técnica – focada em garantir a qualidade desse documento que seria produzido pelo Ministério da Educação, mas amparado por este suporte técnico; e 3º) frente de articulação – garantir que todos os atores que são importantes nessa discussão estivessem efetivamente participando desse debate, desde os membros do movimento até os professores.

As questões socioeconômicas são determinantes para a educação de uma criança, assim como a região que a ela se desenvolve. O Movimento tem o desafio de garantir o direito de aprender, objetivo maior da escola, tornando-a

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um espaço transformador e capaz de promover, também, a qualificação de professores, metas previstas no atual Plano Nacional de Educação (PNE).

Por apresentar alguns avanços, como a inclusão de objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, habili-dades dos alunos, e projetos de vida, a Base Comum, espinha dorsal do sistema educacional, pode transformá--lo totalmente, afetando os processos de formação dos professores, a produção de material didático, e as avalia-ções institucionais (SAEB, ENEM etc.). Segundo o Plano Nacional de Educação (PNE), a Base Curricular Comum será obrigatória para as escolas públicas e privadas, e a partir daí o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), que é o órgão responsável pelo sistema de avaliação do país, determinará de que maneira ocorrerá seus sistemas de avaliação.

Há, no entanto, nas universidades, um debate sobre a Base Nacional Comum no qual afloram algumas posi-ções contrárias, que a refutam totalmente, e outras que apontam os seus limites para definir a qualidade da educação no país. Dentro da realidade profundamente desigual da escola pública no Brasil, talvez não seja possível tomar a base como o elemento que garantirá a qualidade do ensino. Experiências de currículos mais uniformizados, como ocorrem no Estado de São Paulo, revelam o fracasso da qualidade.

Muitas das metas presentes nas Bases apontam para objetivos comuns de aprendizagem para os alunos, sem especificar como os professores irão trabalhar o conteúdo em sala de aula, e isso permite contemplar o regionalismo e as especificidades de cada escola. Para além dos currículos comuns propostos aos municípios e Estados, há uma margem para a diversificação local.

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Ações emergenciais

• Impedir a aprovação da PEC 171 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos, e do O PLS 2517/2015 que propõe o aumento no tempo de inter-nação para adolescentes que cometem atos infracionais;

• Implementar um programa educacional diferenciado, como, por exemplo, a implementação de atividades artísticas com jovens infratores, de modo a ressignificar a escola e reestruturar o ensino, atualmente negligenciado pelo Estado que, apesar de cumprir minimamente o seu papel, através, por exemplo, do PIA e assistência social, não atinge uma funcionalidade efetiva;

• Desenvolver maior comunicação entre as instituições envolvidas no processo de recuperação do jovem infrator, pois geralmente a Secretaria de Educação o defini como aluno enquanto a Secretaria de Saúde como paciente e a assistência social como usuário. É preciso haver um consenso sobre a formação da identidade deste jovem;

• Garantir que o aluno da universidade pública advenha do ensino médio público. Garantir 50% de vagas na universi-dade pública para alunos do ensino público é uma forma de garantir a inclusão social. Sendo assim, o sistema de cotas e vagas reservadas para alunos do ensino público devem ser mantidos como uma política de inclusão social;

• Criar programas de apoio aos municípios e estados para a total erradicação do analfabetismo no país, responsa-bilizando o Conselho Municipal de Educação para que trabalhe diretamente com este assunto, elevando o tema analfabetismo para uma pauta prioritária;

4.2 Propostas de ação

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• Vetar a aprovação do PLS 221/2015, pautado nos riscos de retrocesso que afetam as políticas públicas do campo educacional e socioambiental no país, uma vez que a solução das questões relacionadas à sustentabi-lidade socioambiental exige um tratamento muito mais profundo e diferenciado, que promova mudanças no campo cultural. E isso não se constrói dentro de uma única disciplina, com algumas aulas competindo por espaços prescritivos com todas as demais;

• Apoiar os municípios para garantir a universalização da pré-escola o mais breve possível, bem como recursos didáticos e tecnológicos para assegurar a qualidade do aprendizado e o desenvolvimento social, emocional e comunicativo da criança;

• Implantar políticas de atenção à Primeira Infância que fortaleçam as famílias e o desenvolvimento da criança de zero a 3 anos incentivando os municípios a implantar creches e programas integrados de educação, saúde e assistência social e modelos de atendimento diversifi-cados de acordo com a necessidade das famílias;

• Promover a ampliação das escolas técnicas em níveis médio e superior;

• Avaliar e incrementar o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), promovendo cursos profissionalizantes adequados ao desenvolvimento do país e às suas diferentes realidades e produzindo guias que mapeiem as possibilidades e as características das carreiras, de modo a orientar os jovens a identificar demandas e oportunidades;

• Fomentar o desenvolvimento de pesquisas nas institui-ções universitárias públicas e privadas de excelência, de modo a garantir a competitividade do país em ciência, tecnologia e inovação;

• Aprimorar o sistema de avaliação de ensino superior;

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• Criar programa de apoio aos municípios e Estados para acabar com o atraso escolar tendo como meta zerar a distorção idade/série nos próximos anos, e alcançar a meta estipulada pela ONU de 6,7%, persistindo na luta pela erradicação do analfabetismo;

• Criar as bases para formulação do Sistema Nacional de Educação;

• Fortalecer e consolidar os Conselhos da área da educação para que acompanhem e prestem contas dos resultados verificados, incentivando a gestão democrática nas unidades escolares com a participação de professores, pais, alunos e comunidade;

• Acelerar a implementação do Plano Nacional da Educação (PNE), que prevê a destinação de 10% do PIB à educação;

• Implementar o projeto Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) previsto no PNE, por meio do aporte de recursos da União ao Fundeb, para superar as desigualdades regionais e entre os meios urbano e rural;

• Implementar um programa federal para que a União apoie financeiramente estados e municípios a fim de que aumentem o piso nacional dos professores;

• Gerar acréscimo de recursos, além dos vinculados ao Fundeb, para garantir a Educação Básica dos 4 aos 17 anos e a inclusão dos jovens entre 18 e 24 anos;

• Garantir condições básicas de qualidade para as escolas da zona rural;

• Criar programas de ampliação do universo cultural e de conteúdo, conectando os estudantes às pesquisas e experiências internacionais;

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• Mapear iniciativas e boas práticas em educação de modo a divulgá-las como referências educacionais (de forma presencial e à distância);

• Realizar uma mudança curricular e na gestão das escolas, enfrentando o desafio de valorizar o professor com melhores salários e melhor formação;

• Garantir que valores como diálogo, justiça social, respeito à diversidade, democracia, participação, sustentabilidade e trabalho colaborativo, assim como as questões socio-ambientais e os esportes, estejam presentes nos currí-culos e na forma de organização da escola;

• Promover a transição para um sistema educativo conver-gente com a Economia Verde de Baixo Carbono (EVBC) e a inovação tecnológica;

• Garantir o direito de as famílias saberem o que é espe-rado do sistema educacional nas variadas faixas etárias, incluindo-se aqui o real papel das creches como espaço de aprendizagem;

• Supervisionar, como tarefa do Ministério da Educação, a qualidade das universidades privadas e cursos de formação de professores, pois estas possuem, atual-mente, baixa qualidade e não devem receber novos repasses de recursos públicos (FIES e PROUNI);

• Aumentar o orçamento para a Educação, pois a elabo-ração de bons projetos pedagógicos tem alto custo; e

• Incentivar as Organizações da Sociedade Civil a traba-lharem de forma colaborativa, em rede, somando esforços e partilhando conhecimento e práticas que se mostraram exitosas, assumindo, assim, um papel de maior protagonismo quanto à educação não apenas para os jovens, mas para todas as pessoas.

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Ações transformadoras

• Investir na formação dos professores tanto em relação ao conteúdo quanto em relação a como lidar com a conjun-tura da educação no país;

• Aprimorar as formas de diálogo com a adolescência;

• Investir na formação do professor e na escola, para que esta tenha capacidade de preparar o aluno para discutir o mundo no qual encontra-se inserido, incluindo, por exemplo, a temática da sustentabilidade. Torna-se neces-sário, sob tal perspectiva, pensar como tal proposta poderia ser consolidada levando em consideração as diversas realidades do Brasil;

• Repensar o ENEM, para que este não se transforme em mera instrumentalização do ensino;

• A aprimorar os processos educacionais de recuperação social, o que não significa mantê-los compulsoriamente internados até os 28 anos. Isso implica em não permitir que o Estado aja com negligência na garantia de digni-dade e direitos humanos dos jovens que cometem atos infracionais;

• Considerar transversais a todo currículo as novas tecno-logias da informação e comunicação, bem como a educação ambiental;

• Estimular processos formadores de todo o conjunto de profissionais da educação para que se construa uma escola sustentável, que eduque ambientalmente por meio da presença central da educação ambiental em seu Projeto Político Pedagógico, em seu currículo, em suas construções e espaços sendo considerados constante e continuadamente como educadores e por fim, mas não por último, em sua forma de gestão e relacionamentos com a unidade escolar e com a sociedade em geral;

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• Implementar gestão sustentável nas escolas (economia de energia, destinação dos resíduos etc.);

• Fazer valer o conceito de creche como um espaço educa-tivo em que seja ministrado apoio pedagógico e cuidados às crianças;

• Desenvolver políticas de apoio e qualificação para os pedagogos responsáveis pela primeira infância, pois esta trata-se de fase fundamental na formação do indivíduo;

• Debater permanentemente as bases curriculares para que estas sejam atrativas, e não exclusivamente profissional;

• Diminuir gradativamente o dinheiro investido em programas como o Prouni e FIES e investir em Universi-dades Públicas e Gratuitas;

• Promover a conscientização sobre a função social das faculdades e universidades, para que ofertem créditos obrigatórios em projetos de intervenção em diferentes âmbitos das políticas públicas, especialmente em terri-tórios de alta vulnerabilidade social, e realizar pesquisas que resultem em propostas inovadoras para subsidiar as diferentes dimensões da sustentabilidade, da equidade social e de novos conhecimentos;

• Permitir a participação direta no Conselho Municipal de Educação, incluindo cadeiras para representantes da sociedade civil, com direito a voz e voto;

• Criar ferramentas para medir e monitorar as ações dos gestores no que diz respeito a diminuição e futura erradi-cação do analfabetismo;

• Reestruturar o formato da cooperação entre União, estados e municípios, garantindo que experiências bem--sucedidas sejam multiplicadas;

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• Estabelecer padrões democráticos e eficazes de gestão apoiados em controle social de resultados;

• Incentivar nas escolas a formação de conjuntos artísticos (musicais, teatrais, de dança, circo, literatura etc.);

• Promover mudanças tanto nos conteúdos curriculares como na metodologia, na organização e no formato das escolas para transformar os jovens em protagonistas de sua educação, incentivando o diálogo, a participação e o conhecimento colaborativo;

• Envolver as comunidades locais no âmbito escolar, para que assim haja uma comunicação mais efetiva entre a escola e a sociedade como um todo, e aprofundar as parcerias entre a escola e as famílias, abrindo espaço para a maior participação destas no desenvolvimento educacional de seus filhos;

• Elaborar a Base Nacional Comum Curricular conside-rando e dando continuidade aos processos anteriores, principalmente os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares, com especial atenção à manutenção dos Temas Transversais, fundamentais para garantir o diálogo entre a escola e a sociedade, aten-dendo, inclusive ao que dispõe a Política Nacional de Educação Ambiental;

• Garantir a inclusão de deficientes, negros, crianças das áreas rurais e periféricas, indígenas e quilombolas, assim como todos os povos tradicionais;

• Acrescentar, ao currículo escolar obrigatório do 2º ciclo do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, abordagens sobre Cidadania e Política, tratando de forma abrangente e transversal, assuntos que formem cidadãos conscientes politicamente e menos sujeitos a manipulações, indepen-dente do viés ideológico;

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• Mudar o estereotipo de que tudo que é público é ruim e tudo que é privado é bom, pois muitas escolas privadas estão muito aquém do básico esperado; e

• Empoderar e aprimorar as discussões em torno do Plano Nacional de Educação e dos Objetivos do desenvolvi-mento sustentável, a fim de evitar uma infinita multiplici-dade de novas propostas e a dispersão de iniciativas.

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5 Economia, mudanças climáticas e cidades sustentáveis

Ação, organização e planejamento rumo a uma sociedade sustentável

“No âmbito de nosso país, temos que disseminar uma cultura que atribua a todos, empresas, cidadãos, Estado, a responsabilidade de promover o desenvolvimento baseado em valores, implementando uma percepção de que somos todos os agentes de transformação. A questão climática exige a participação de todos e de cada um de nós.”

Guilherme Leal, Presidente do Conselho Diretor da Raps.7

O tamanho dos problemas ambientais que a humanidade atualmente enfrenta é de tal magnitude, com tantos ângulos diversos e características próprias espalhados ao redor do mundo, que não há como enfrenta-los senão de uma forma inclusiva e participativa. No Brasil, não apenas o parlamento ou governo isoladamente devem assumir esse compromisso, mas todos seus cidadãos, líderes sociais e empresariais, acadê-micos, os quais têm a necessidade de participar da discussão e ajudar a construir caminhos para transformar os desafios em oportunidades.

Num cenário de crise de paradigmas, é notório o papel da economia como agente regulador no estilo de sociedade que vivemos em escala planetária e sua influência direta nas graves alterações ambientais que assistimos, sendo as mudanças climáticas a mais gritante delas. Por esse motivo, e apenas como início do debate, optamos neste caderno em abordar apenas este aspecto da economia, qual seja, sua relação direta com as mudanças climáticas, deixando os demais subtemas para aprofundamento em novas edições.

Esta opção se justifica pelo fato de que, para se criar processos produtivos inovadores, que respeitem o meio ambiente e garantam a manutenção da competitividade do país, em espe-cial dos setores da indústria e agricultura, são necessários investimentos em tecnologia, em formação de pessoal quali-ficado, demandando recursos econômicos que viabilizem a transição para a chamada economia de baixo carbono.

7 Depoimento proferido no Congresso Nacional em 19/05/2015.

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Estabelecer as condições para que o Brasil faça essa transição é fundamental para nossa inserção entre os países que estarão entre as maiores economias do mundo no século XXI. E isso só será possível se formos capazes de elaborar um projeto nacional de desenvolvimento sustentável que venha a estimular ciclos virtuosos de entendimento político, permitindo a supe-ração das velhas oposições entre proteção ambiental e cresci-mento econômico.

Não se pode falar em combate às mudanças climáticas, em economia para a sustentabilidade, sem abordar sua estreita relação com a vida nas cidades. Apesar das florestas serem fundamentais na contabilidade ambiental, não se pode menos-prezar o fato de que mais de 85% da população brasileira estará morando nas cidades em pouquíssimo do tempo, e que grande parte da responsabilidade das emissões de Gases de Efeito Estufa provém do ambiente urbano. Portanto, pensar em sustentabilidade significa considerar não apenas os ecos-sistemas naturais e no fornecimento de água e outros serviços ambientais, mas também na adequada gestão da demanda, com melhor qualidade no uso dos recursos dentro dos centros urbanos.

Vale lembrar que metade da humanidade (3,5 bilhões de pessoas) vivem atualmente nas cidades e que em 2030, haverá quase 60% da população mundial vivendo em áreas urbanas. Nas próximas décadas, 95% da expansão urbana acontecerá nos países em desenvolvimento e atualmente, 828 milhões de pessoas vivem em favelas (e o número continua crescendo). As cidades do mundo, apesar de ocuparem apenas 2% da face da Terra, concentram entre 60 e 80% do consumo de energia e 75% das emissões de carbono8. A rápida urbanização do mundo exerce pressão direta em aspectos fundamentais como o abastecimento de água potável, o esgotamento sanitário, o meio ambiente e a saúde pública.

Por todos esses motivos, este caderno abordará esses três temas atuais (economia, mudanças climáticas e cidades susten-táveis) de forma integrada.

8 Fonte: UNITED NATIONS. The Future We Want: Sustainable Cities. Disponível em: www.un.org/en/sustainablefuture/cities.asp>. Acesso em: 28 jun. 2015.

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5.1 O desafio da mitigação das mudanças climáticas

Os cientistas do IPCC já há bastante tempo tem reiterado que é necessário conter a concentração de gases efeito estufa na atmosfera em 450 PPM para ter uma chance que a tempe-ratura média do planeta neste século não ultrapasse os 2° C. Esses limites absolutamente não asseguram, se eles de fato forem atingidos, que o processo de mudanças climáticas será indolor para humanidade. Estimativas apontam que, pelo contrário, já houve, desde o início da era industrial até agora, um aumento de 0,85° C na temperatura média do planeta.

O aquecimento global decorre da emissão dos gases de efeito estufa, principalmente da queima de combustíveis fósseis (gasolina, diesel, óleo etc.), mas no caso do Brasil, especifica-mente, as nossas emissões são oriundas 1/3 de desmatamento da Amazônia, 1/3 dos arrotos e flatulência dos rebanhos, que emitem gás metano (um dos principais gases responsá-veis pelo efeito estufa) e os outros 1/3 restantes da queima desses combustíveis. Na Europa e EUA, só para um termo de comparação, 80% das emissões são decorrentes da queima de combustíveis fósseis. Esses dados sinalizam que a mitigação desse fenômeno dependerá de uma análise e de uma atuação integrada entre a economia e a ocupação dos espaços naturais e urbanos.

O processo das mudanças climáticas é irreversível. Neste momento, a grande discussão é se as consequências serão catastróficas – se a temperatura média do planeta ultrapassar os 2ºC nesse século – ou se serão, simplesmente, graves, porém suscetíveis de serem administradas. Assim, o enten-dimento das relações entre economia e mudanças climáticas é indispensável para que se possa atuar de forma decisiva e qualificada na apresentação de um projeto de desenvolvimento sustentável para o Brasil.

Diariamente assistimos aos exemplos do que as mudanças climáticas estão provocando pelo mundo afora: enchentes, desmoronamentos, migrações, e guerras civis como a da Síria, em grande medida detonada por cerca de 4 anos um colapso na agricultura.

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O ano de 2015 foi da maior relevância pois, além da COP21, houve mais duas grandes conferências multilaterais: a que elaborou a versão final dos objetivos de desenvolvimento sustentável e a que tratou das finanças para o desenvolvi-mento. Esse conjunto de decisões interacionais reforça o argumento de que, para a criação de valor e prosperidade, a previsibilidade é um fator muito relevante.

Estas conferências multilaterais no âmbito da ONU criaram um enquadramento institucional que irá dirigir e induzir inves-timentos em infraestrutura da ordem de 90 trilhões de dólares nos próximos até 2030. Este investimento é de tal monta que, caso seja mal direcionado pelas 195 nações do mundo, ou financie por mais tempo a “velha economia”, dificultará sobre-maneira a meta de manter a temperatura média do planeta aquém de um crescimento de 2° C, como foi acordado em Paris. Mesmo a recomendação do IPCC de zerarmos as emis-sões líquidas de CO2 ao final do século XXI, carregam o risco de 33% dessa meta não ser atingida, com consequências imprevisíveis e ainda não conhecidas pelas ciências. Isso se configura em uma situação profundamente incômoda para cada um dos seres humanos.

No entanto, o País assumiu, em Conferências anteriores à COP21, metas voluntárias de emissões de GEE principalmente a partir da redução do desmatamento. O problema é que vêm ocorrendo um aumento proporcional da contribuição das emis-sões industriais, de produção de energia e transporte movido a combustíveis fósseis no Brasil, em relação às antigas emissões oriundas do desmatamento.

Ante a possibilidade de alinhamento do necessário desenvol-vimento da qualidade de vida com a reformulação do sistema de produção e consumo mundial, e da necessidade de refor-mulação dos sistemas mundiais de governança, economia, ética, e uso dos recursos naturais em direção às Sociedades Sustentáveis, é importante que o Brasil assuma uma posição de fato ousada e comprometida com a busca de solução para mitigação desse problema.

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O posicionamento histórico do Brasil, desde a conferência Rio-92 na defesa das responsabilidades compartilhadas, mas diferenciadas, impõe metas obrigatórias apenas aos países que, por sua industrialização anterior, acumularam na atmos-fera a maior quantidade dos Gazes do Efeito Estufa (GEE). Apesar de estar previsto que os países em desenvolvimento não têm responsabilidades sobre a emissão de GEE, esta posição não pode mais se sustentar. Obviamente, quem deveria ter maior responsabilidade são aqueles países que emitiram historicamente mais carbono e, por conta disso, hoje, na maioria dos casos, são bastante bem aquinhoados, consti-tuindo-se em sociedades de alta renda per capita. No entanto, acreditar que os países menos desenvolvidos não têm respon-sabilidade alguma, e que devem estar excluídos do esforço de combater suas emissões de CO2, é lidar com uma realidade fantasiosa.

Há muitas incertezas científicas para além daquelas dos nega-cionistas climáticos como, por exemplo, em relação aos efeitos exponenciais da liberação de grande quantidade de metano sobre o derretimento do ártico e do permafrost da Sibéria, e da liberação massiva de CO2 numa situação de estiagem na Amazônia.

Amazônia, nos anos de ocorrência de secas atípicas, como as que ocorreram em 2005 e em 2010, promoveu um aumento de mais de 1 Giga Tonelada de CO2 na atmosfera, e isso não foi contabilizado como Emissão brasileira. Fica evidente que isso já é decorrência do efeito exponencial de todo processo de desmatamento e de emissões de gases em geral, a nível Global, e que levou a uma alteração climática que provoca estiagens de grande intensidade.

O Brasil conseguiu vitórias importantes na redução das suas emissões. Se for considerado que o pico das nossas emissões foi 2,6 GT em 1995, e que hoje emitimos 1,2 ou 1,3 GT, real-mente nenhum outro país teve essa performance. Mas isso não nos permite abrir mão do papel que o Brasil precisa ter.

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Houve momentos da história da humanidade em que as guerras surgiam como única forma de se resolver situações de disputas. Hoje, a grande “guerra” que se apresenta do enfrentamento da questão climática deveria unir a todos, pois a todos afetará, desde os países mais desenvolvidos até os menos desenvolvidos, com maiores danos e com as popula-ções mais carentes e vulneráveis.

Apesar de se apresentar como um problema, as mudanças climáticas também fazem surgir inúmeras oportunidades, e muitos países estão se posicionando estrategicamente para tirar partido delas. Afinal, é fundamental que se influa na apli-cação correta dos 90 trilhões de investimentos anteriormente mencionados, principalmente para alimentar uma economia que aposte na transformação de políticas de conservação para o uso dos serviços ecossistêmicos, na redução do uso de energia e sua obtenção por meio de fontes renováveis, na agri-cultura de baixo carbono, dentre outras inúmeras alternativas, transformando-as em oportunidades de prosperidade.

Uma pesquisa Datafolha realizada em maio de 2015 indicou que 95% dos brasileiros acreditam que as mudanças climáticas já estão afetando o nosso país, pelos sinais visíveis das crises hídrica e energética. Esta mesma pesquisa revelou que 84% dos entrevistados consideram que o governo não faz nada, ou faz muito pouco, para enfrentar o problema. Ou seja, a questão climática pode vir a influir, inclusive, no voto dos cidadãos, e em uma democracia plena que desejamos viver. Lembrar disso também é uma coisa importante.

Vale reforçar a importância de se construir uma visão de desenvolvimento com atenção aos grandes componentes da matriz energética brasileira que, apesar de muito boa atual-mente, vem piorando recentemente, caindo dos 55% de participação de energia limpa do passado para os previstos 40% atuais.

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5.2 As cidades e sua importância para as mudanças climáticas

As cidades são sistemas de grande complexidade; são locais onde podemos multiplicar nossos contatos e as nossas oportu-nidades. Em última análise, as cidades são locais onde, supos-tamente, nossas necessidades podem ser realizadas mais facilmente. A urbanização, durante muito tempo foi entendida como um processo de substituição do processo natural pelo construído, como se houvesse uma ocupação da natureza pelo ambiente construído. Essa relação entre os espaços urbanos e a natureza sobre a qual eles são construídos pode gerar vários tipos de implicação, pois as cidades se assentam sobre elementos naturais, com elementos que são subtraídos da natureza e que estão interagindo, incessantemente, com ela. Então, as cidades não são uma não-natureza, mas uma “natu-reza transformada”, construídas sobre um ambiente natural e interagindo com ele a cada momento.

As mudanças climáticas tornam essa interação mais proble-mática. As cidades são vulneráveis às alterações do clima já havidas, as quais provocam consequências inevitáveis. Precisam se adaptar e preparar-se para o enfrentamento de problemas como inundações, deslizamentos, ondas de calor, subida do nível do mar, novas epidemias e impactos diversos sobre suas infraestruturas de drenagem, esgotamento, trans-portes, eletricidade, gás, telefonia, digital, abastecimento, serviços, indústria, etc.

Essa adaptação impõe os seguintes desafios práticos: • Estabelecimento de novas normas de ocupação do solo

e de infraestrutura que levem em consideração a situ-ação futura e não, como atualmente, séries históricas passadas;

• Implantação de redes elétrica, digital e infraestrutura de mobilidade resilientes, com sistemas alternativos, de emergência;

• Aprimoramento de sistemas de alerta, prontidão e evacu-ação de áreas ameaçadas; e

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• Consagração de uma nova cultura de defesa civil com treinamento preventivo de comunidades vulneráveis e planos de contingência baseados na resiliência e organi-zação cidadã solidária.

É preciso haver uma cultura de resiliência no dia-a-dia da população. A adaptação da infraestrutura urbana para o longo prazo depende de uma avaliação bastante complexa com consequências diversas, inclusive de ordem legal.

A grande questão da adaptação é que precisamos, de fato, nos preparar e contribuir para preparar a nossa comunidade a fazer frente a um fenômeno cuja gravidade não sabemos, exatamente medir. Este desafio requer, do ponto de vista do gestor público, planejamento, e do ponto de vista da comu-nidade requer conscientização ativa. Nas áreas vulneráveis, a população precisa adquirir uma cultura de defesa civil, além de, na medida do possível, se preparar. Esta é uma tarefa, atualmente, de qualquer vereador, prefeito, funcionário muni-cipal que lide com este grau de responsabilidade. Os aconte-cimentos extremos, do ponto de vista meteorológico, e outras consequências das mudanças climáticas, vão acontecer e as consequências serão de acordo com o grau de preparação que tivermos.

Com relação ao uso dos recursos naturais, sobretudo a água, que possibilitam a sobrevivência nas cidades, além de cuidar para que a produção seja mais inteligente e mais ecologica-mente amigável, é preciso combater, antes de tudo, o desper-dício. Sabe-se, por exemplo, que a perda de água nos sistemas de abastecimento da cidade de São Paulo é da ordem de 40%, um indicador muito mais elevado do que o dos países que tratam mais adequadamente esse problema e que têm perdas ao redor de 15% chegando até a 10%.

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5.3 Contribuições das cidades para a redução de gases do efeito estufa

As cidades brasileiras deveriam assumir o objetivo de longo prazo de se tornarem “carbono zero” e resilientes, inteira-mente movidas a energia limpa. Em curto e médio prazo isso envolveria ações de mitigação (redução e remoção de Gases Efeito Estufa) e de adaptação/resiliência para fazer frente àquelas consequências já inevitáveis das mudanças climáticas nas cidades. Em prazo mais longo, os gestores públicos deve-riam implementar um conjunto de ações para reduzir o desper-dício energético e estimular a geração distribuída, as redes inteligentes e os combustíveis limpos.

As cidades consomem 70% da energia e produzem 80% das emissões de Gases do Efeito Estufa. Existe uma sutil dife-renciação que precisa ser feita em relação a estes dados: há certos tipos de emissão que ocorrem nas cidades, e outras que são das cidades. Ou seja, tem certos tipos de emissões que ocorrem nas cidades, mas sobre o qual a gestão municipal não tem nenhuma ingerência, como a emissão dos automóveis. As emissões das cidades, por sua vez, são inerentes a coisas que estão dentro do raio de atuação da administração municipal como, por exemplo, a manutenção de um lixão a céu aberto.

Em 2006, o conjunto de emissão das cidades era de 20 giga-toneladas9 de CO2, e em 2020 serão 32 gigatoneladas de CO2. Atualmente, as cidades de países em desenvolvimento respondem com a metade destes valores, mas já em 2030 essa relação será de dois terços.

As emissões de GEE do Rio de Janeiro, por exemplo, são estimadas em 11,3 milhões de toneladas de CO2eq, o que representa 1,9 ton/habitante. Desse total, 8,3 milhões se devem a produção de energia, em geral, 5,4 milhões ao trans-porte rodoviário e 4,3 milhões ao transporte aéreo. O consumo residencial e comercial representa 1.1 e 1.4, milhões, respec-tivamente. Os resíduos sólidos urbanos emitem 1,6 milhões. Esses dados do inventário municipal de GEE, divulgados em 2012 e relativos a 2005, estão certamente defasados, mas as citadas fontes de emissão certamente continuam a ser as principais, e uma estratégia de mitigação passa, portanto, por

9 Cada giga tonelada equivale a um bilhão de metros cúbicos deCO2.

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prioritariamente reduzir emissões nos transportes, resíduos e consumo elétrico doméstico e industrial, por um urbanismo mais denso e de usos múltiplos, bem como pela remoção de carbono via reflorestamento e multiplicação da arborização pública.

É importante notar que praticamente todas ações destinadas a alcançar o objetivo de redução das emissões de GEE produzem importantes benefícios adicionais ambientais, de saúde pública e de qualidade de vida. As oportunidades de geração de empregos que uma economia e um urbanismo vinculados à neutralização de carbono oferecem são consideráveis. Na base, teremos megaprojetos de reflorestamento e arborização, obras públicas de transporte sobre trilhos, ciclovias, corredores de ônibus articulados, telhados verdes ou reflexivos, fachadas fotovoltaicas, aquecimento solar e retrofiting energético e novos trabalhos na construção civil relacionados a eles. No nível técnico, é possível a criação de toda uma nova demanda por engenheiros, arquitetos e técnicos, capazes de planejar e operar as várias partes e etapas da revolução urbanística, industrial e de serviços, que deverá ocorrer no contexto de cidades ecoeficientes. No âmbito empresarial, são novas opor-tunidades de negócios produtivos e dinâmicos, numa escala de milhares, em cidades grandes, médias e pequenas.

O modelo denominado modernista constrói, basicamente, um espaço que pressupõe o primado do automóvel e despreza o espaço público. Neste ambiente as pessoas trabalham, em sua maioria, a quilômetros de distância de sua residência, tornando o automóvel uma necessidade diária para a população. Há uma separação de uso, em relação ao uso residencial, pois no centro encontra-se os prédios comerciais, estacionamentos, etc. Brasília é o maior exemplo dessa separação, havendo uma grande dependência do transporte individual. Propõe-se, então, um urbanismo no qual se coagula melhor as emissões drásticas de emissão de poluentes, uma densidade popula-cional razoável, e uma mistura dos usos residencial e comer-cial, utilizando, assim, menos o automóvel. Há um aspecto moderno, que diz respeito a inclusão digital e com a imple-mentação de transporte público eficiente.

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As cidades sustentáveis do futuro devem possuir:

• Urbanismo resiliente de usos diversos;

• Eficiência energética e energias limpas;

• Mobilidade eco-eficiente;

• Reciclagem com logística reversa;

• Áreas verdes e arborização pública;

• Cultura de diversidade e participação; e

• Padrões de consumo responsáveis.

O financiamento de tudo isso depende de novas fontes e fórmulas que envolvem bancos de desenvolvimento, agências multilaterais taxação e precificação positiva e mercados de carbono e variado tipo de parceria público privada.

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5.4 Outros aspectos da economia que não podem deixar de ser considerados

É importante pensar em redução de emissões e em combate às mudanças climáticas com racionalização do uso da terra e sua destinação. Assim, são necessários mais programas para o desenvolvimento da indústria florestal, de pecuária com alta produtividade, da agricultura sustentável para a produção de alimentos, e de que maneira o desenvolvimento deve garantir qualidade de vida.

Os planos para a implantação de uma Agricultura de Baixo Carbono (ABC) precisam se tornar um compromisso público e de todo o setor produtivo, de modo a tornar o Brasil mais competitivo nesse setor.

Ao mesmo tempo, os serviços ambientais (fornecimento de água e os demais serviços prestados pelos ecossistemas) precisam ser mais valorizados. É consenso que a biodiver-sidade, em escala mundial, terá cada dia mais valor, sendo, portanto, muito mais inteligente, do ponto de vista estratégico, a construção de uma visão de longo prazo para este país, apro-veitando de todas as nossas capacidades, usando os nossos diferenciais comparativos, e transformando-os em diferenciais competitivos, de modo a trazer mais qualidade de vida aos cidadãos brasileiros.

Precisamos ainda nos propor metas ambiciosas, atacando o centro de nosso problema atual, que são es emissões para produção de energia, já que as emissões por desmatamento já conseguimos diminuir. A redução do desmatamento no Brasil de 27 mil km² por ano em 2004 e para 5700mil km² por ano atualmente é um exemplo de que muito já foi feito e de que ainda mais deve ser feito.

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5.5 Precificação sobre emissão de Carbono: impactos e perspectivas

Em meados dos anos 2000, foi realizado um estudo na cidade do Rio de Janeiro, sobre qual seria o valor do metro quadrado nas propriedades na Av. Vieira Souto caso o nível do mar subisse 1 metro, uma vez que essa elevação inundaria os terrenos e as propriedades – que se encontram a beira da praia – perderiam valor, e isso resultaria na diminuição de arrecadação de IPTU pela Prefeitura. O estudo tinha, portanto, o objetivo de identificar qual seria a perda de arrecadação para o município do Rio de Janeiro caso o fenômeno se concretizasse.

Esse tipo de estudo enquadra-se no âmbito da adaptação às mudanças climáticas e, no momento em que começamos a fazer estas contas, constatamos que, ao invés de continuar emitindo uma certa quantidade em toneladas de carbono por ano, devemos quantificar esses prejuízos, de modo a repassá--lo ao custo dos produtos emissores e, em última instância, tentar induzir a sociedade a parar de emiti-lo ou, pelo menos, emitir menos.

Essa é a ideia da precificação, uma estimativa que analisa o que aconteceria se colocarmos um preço no carbono. Há dois modos de se fazer essa precificação. Um deles utiliza o mecanismo de mercado, ou seja, estabelece-se valores máximos para que uma indústria, por exemplo, possa emitir e, ao final de um período, caso esse valor tenha sido ultrapas-sado, essa indústria teria que negociar, no mercado, a comprar de créditos ou pagar uma multa. Caso essa indústria tenha emitido menos que seu limite, ela poderia vender créditos para outra companhia que não cumpriu sua meta. Desse jeito se induz um preço no carbono que é regulado por quantas permissões todas as indústrias tiveram.

A vantagem deste mecanismo é que as tendências, tecnolo-gias e as medidas alternativas mais baratas aparecem primeiro, diminuindo o preço do carbono, afinal o mercado sempre irá procurar soluções onde o preço seja o menor possível. Esse é o menor impacto para a sociedade. É possível regular o quanto será reduzido de emissão pelo volume de permissões que se autoriza.

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Por outro lado, o que dificulta a utilização de mecanismos de mercado é que o preço flutuará, dependendo de uma série de fatores diretamente ligados ao universo das emissões, mas também de uma série de outros de natureza diversa. Apenas para citar um exemplo, o Brasil, em períodos de recessão induziu uma queda na produção industrial, o que fez com que a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) produzisse 20% menos em relação a anos anteriores. Esse faz com que as permissões de emissão que a CSN possuía acabassem sobrando, não decorrente de um esforço da empresa, mas devido apenas à menor produção.

Outro mecanismo para realizar a precificação é a criação de impostos específicos, cobrado a partir do cálculo de quantas toneladas de carbono são emitidas por determinado produto. Pode-se, por exemplo, aumentar-se o preço da gasolina, do diesel, para conseguir arrecadar este imposto, o que induzirá os proprietários de carros flex a utilizar o álcool, um biocom-bustível que chega a ter balanço zero de emissão de carbono.

As indústrias, a partir do momento que se estabelece este imposto, conseguem planejar a produção, uma vez que seu valor é fixo, ao contrário do valor flutuante de mercado citado anteriormente. Do mesmo modo, o consumidor também começa a tomar medidas mais efetivas.

O problema desta alternativa é que não é possível prever-se o quanto de emissão a criação do imposto reduzirá. Se o Brasil assume o compromisso de reduzir até uma certa meta suas emissões, o fato de cobrar o imposto não lhe confere saber, de antemão, o quanto dessa meta o país conseguirá atingir, pois isso dependerá de como a economia se desenvolverá. O mecanismo de mercado, por sua vez, possibilita saber anteci-padamente a quantidade de emissões com precisão.

Além disso, a criação de novos impostos é medida impopular, principalmente em cenários de crise econômica, pois ao se taxar, por exemplo, em 35 dólares cada tonelada de carbono emitido, isso fará subir o preço da gasolina, do diesel, do gás de cozinha, etc., repercutindo em toda a cadeia produtiva e

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induzindo ao aumento do preço do aço e do cimento, que utilizam carvão mineral na sua produção. Deste modo, ocorre um desequilíbrio em toda a economia, porque os produtos e suas relações são interdependentes.

Além disso, o PIB do Brasil cairia em 25 bilhões de reais (0,5%), o que depreciaria a atividade econômica, aumentando o desemprego e reduzindo a massa salarial em 8 bilhões de reais. Por outro lado, o governo arrecadaria com esse novo imposto de carbono o equivalente a 36 bilhões de reais. As reduções das emissões, por sua vez, cairiam em 4 milhões de toneladas de carbono (cerca de 1 a 2% da emissão anual do Brasil em 2015), o que, apesar de ser um número respeitável, significa um quadro geral bastante desfavorável.

Temos atualmente uma legislação tributária bastante complexa no país. O PIS COFINS, por exemplo, separa a economia brasi-leira em dois grupos

1º Setor produtivo: no qual tudo que será recolhido se abate do que foi comprado. Uma construtora, por exemplo, que comprou cimento pode descontar todo o PIS COFINS que estava embutido nesse produto, reco-lhendo apenas a diferença. Assim, a cada etapa da cadeia produtiva um elo vai repassando o custo para o outro, de tal maneira que no final é o consumidor que arca com o valor total do imposto. Cada elo só paga aquilo que ele está agregando ao valor do produto.

2º Prestadores de serviço: que também recolhem o PIS COFINS quando emitem nota fiscal, mas essa possi-bilidade não é cumulativa. Um consultor ou professor, por exemplo, precisa embutir todo o valor ao repassar o preço de seu serviço ao cliente.

Isso torna esse imposto um dos mais distorcidos de nosso sistema tributário, pois ele favorece a indústria que consegue descontos em seus produtos, em detrimento de outros setores que não têm esse mesmo direito. A solução poderia ser a racionalização do PIS COFINS,

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transformando- o num Imposto de Valor Agregado (IVA) para a economia como um todo, e simplificar os processos tributários no Brasil.

Reduções de impostos podem gerar um novo cenário onde há um crescimento do PIB e dos empregos, o que elevaria a arrecadação de um eventual imposto sobre emissão de carbono simplesmente porque a atividade produtiva aumentou. Os outros impostos, apenas pelo fato de se racionalizar o sistema e fazer a economia crescer, também resultarão em maior arrecadação, tornando possível ai manter-se a mesma quantidade de emissão com o imposto a seco. A ideia, portanto, seria discutir uma reforma tributária que torne possível dina-mizar a economia para transitar para o baixo carbono.

Se pensarmos em médio prazo esta é uma solução inovadora. Contudo, a longo prazo talvez seja neces-sária uma transformação dos paradigmas da economia, ou seja, transformar a lógica de mercado, para que se incorpore na equação de elaboração de preços, por exemplo, a questão da valoração dos serviços ambientais que, supostamente, não consomem recursos naturais e mantêm o ecossistema funcionando. O desafio que fica é que possamos ampliar o horizonte, eventualmente abandonando o paradigma da produção ilimitadamente crescente.

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Ações emergenciais

• Assunção pela diplomacia brasileira de uma posição de vanguarda progressista com protagonismo e liderança no debate internacional sobre mudanças climáticas;

• Maior receptividade das autoridades em ouvir e incor-porar propostas oriundas dos diferentes segmentos, entidades, coletivos e grupos de interesse da sociedade civil;

• Maior conectividade entre o Congresso Nacional e as demais esferas de poder com as propostas oriundas da sociedade científica e dos demais segmentos da socie-dade brasileira;

• Aumento da compreensão técnica, econômica e política dos membros do Congresso Nacional sobre a gravidade das questões relativas às mudanças climáticas e suas danosas consequências para o desenvolvimento da quali-dade de vida da nação;

• Incentivo às cadeias produtivas que proporcionem maior participação direta dos membros das comunidades inte-ressadas no uso dos recursos naturais, de modo a gerar envolvimento na boa gestão dos mesmos;

• Incentivo à ocupação múltipla do espaço e acesso aos bens comuns, de modo a permitir uma gestão comparti-lhada benéfica a diversos segmentos que dependem do uso dos mesmos, por meio de revisão e ampliação do conceito jurídico de propriedade (uso, gozo, e fruição);

• Assunção de metas nacionais concretas de redução dos GEE, principalmente na geração de energia e no setor de transporte, abandonando a atual e histórica posição em defesa de metas diferenciadas entre países industriali-zados e os demais;

5.6 Propostas de ação

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• Desestímulo ao transporte individual em proveito do público, sobre trilhos (trens, metrô e VLTs) ou de ônibus a gás ou híbridos BRT;

• Expansão das malhas cicloviárias e outras não motori-zadas; estrutura de apoio à locomoção e das facilidades para o deslocamento a pé;

• Implantação do transporte hidroviário;

• Forte estímulo ao uso na frota municipal e de locação de veículos elétricos ou híbridos;

• Opção por um urbanismo de forte densidade e usos múltiplos;

• Encaminhamento de proposta para elevação da Sustenta-bilidade à condição de princípio de Direito Internacional, como os Direitos à Liberdade, Igualdade e Justiça;

• Incentivos fiscais para alternativas sustentáveis e majo-ração de tributos para as atividades que redundem em emissões de GEE;

• Criação de um Banco de Tecnologias Sustentáveis, com quebra ou compra de patentes, para disponibilizá-las a países em desenvolvimento;

• Estabelecimento de metas mais ousadas em cenário de curto prazo para a redução efetiva das emissões de GEE (de 15% a 30% até 2030, em comparação a 1990, para conter o aquecimento global abaixo de 2 °C), até a sua total neutralização em meados do século XXI, com revisão quinquenal das mesmas, aliadas a ações pontuais emergenciais;

• Taxação do carbono como uma medida importante para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, com um sistema tributário alinhado à busca por uma economia de baixo carbono, sem a criação de mais tributos, mas substituindo alguns já existentes;

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• Reforço do programa específico de eficiência energética abrangendo os prédios, frota e sistema de iluminação pública da prefeitura;

• Apoio específico a geração solar distribuída com uso de edificações e terrenos municipais para micro e miniu-sinas;

• Amplo programa público privado de retrofiting de prédios reembolsável, a prazo, com suas próprias economias de eletricidade, luz e gás;

• Ação contra poluentes atmosféricos locais, tais como o material particulado e o ozônio;

• Aprimoramento e atualização do inventário local de emissões de gases de efeito estufa, com posterior moni-toramento transparente e online de sua evolução nos diferentes itens pelo conjunto da sociedade abrangendo o espaço metropolitano;

• Criação de programas de compensação e naturalização de carbono (ou metano) para atividades de emissão intensiva, como siderúrgicas, petroquímicas, termoelé-tricas financiando grandes reflorestamentos, tanto de recomposição da biodiversidade quanto econômicos, numa escala metropolitana;

• Limitação, ordenamento e modernização do uso do auto-móvel; taxa de congestionamento e supressão do esta-cionamento em zonas críticas; estímulo a carros elétricos;

• Redução do uso do automóvel com taxas de congestio-

namento; novos conceitos de uso como o autolib (carro elétrico) e o utility car;

• Investimento em transporte de massas sobre trilhos, corredores, expressos de ônibus elétricos ou híbridos de alta capacidade e transporte hidroviário;

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• Eliminação dos lixões a céu aberto que provocam emis-sões de gás metano 21 vezes mais ativo que o CO2, embora por tempo mais curto;

• Promover a reciclagem, diminuindo ao máximo a quanti-dade de resíduos que necessitam de um destino final;

• Reflorestamento e arborização intensa, absorvendo carbono e produzindo efeitos benéficos para o micro-clima e a ambiência urbana.

Ações transformadoras

• Incentivo e criação de fóruns oficiais e permanentes de participação da sociedade civil na elaboração de estudos e propostas de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas;

• Incentivo a uma educação política e ambiental que resulte num maior envolvimento e protagonismo da sociedade civil no debate das questões relativas às mudanças climáticas;

• Implantação de políticas públicas que estimulem uma Agricultura de Baixo Carbono em larga escala no Brasil;

• Promoção de uma arquitetura “verde” preocupada em conservar calor, ventilar naturalmente ou com o menor uso possível de refrigeração, altamente econômica em energia elétrica, com telhados verdes e/ou brancos (reflexivos da luz solar), com reaproveitamento de águas pluviais;

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• Eficiência energética com implantação de aquecedores solares de água, com redes elétricas inteligentes, de geração compartilhada, permitindo que fachadas solares fotovoltaicas, edificações com células combustíveis, veículos elétricos ou híbridos, possam despejar energia excedente na rede elétrica, fora de seus horários de uso ou pico;

• Implantação de sistemas de precificação do Carbono, aliado à disseminação de uma nova consciência, de modo que sua redução passe a constituir um valor social, econômico e financeiro;

• Reforma dos sistemas tributários municipais, introdu-zindo-se como critério de cobrança ou de isenção as soluções de baixo carbono aplica-se ao IPTU e ao ISS;

• As ações locais para reduzir as emissões de GEE devem também produzir efeitos benéficos ao ambiente urbano, à saúde e ao bem-estar das pessoas, dinamizar a economia local, estimular a inovação tecnológica, gerar empregos e bons negócios. Sua viabilidade política depende disso; e

• Elaborar em ações de integração das políticas nacionais e estaduais, bem como no fortalecimento da capacidade de as comunidades locais absorverem o emaranhado de propostas disponíveis.

RAPSDiretor executivo Marcos Vinícius de CamposDiretor adjuntoAlexandre Schneider

Conselho diretor PresidenteGuilherme LealVice-presidenteMaria Alice SetúbalConselhoÁlvaro de SouzaClaudio GastalGilberto MifanoFernando ReiJosé Eduardo MartinsJulio MouraLeandro MachadoOded Grajew

Coordenação editorialRenato Nunes DiasNicole Girotto

Projeto gráfico e diagramação 2+2 designValéria Marchesoni

Organizadores e redatores do CadernoZysman Neiman Juliana Maria de Barros Freire

Coordenador do tema biodiversidade e uso dos recursos naturais Roberto Waack

Coordenador do tema cidades sustentáveisFernando Holanda

Coordenador do tema economia para a sustentabilidadeSérgio Leitão

Coordenador do tema educação e cidadaniaAlexandre Schneider

Coordenador do tema ética e governançaAspásia Camargo

Coordenador do tema mudanças climáticasAlfredo Hélio Sirkis

Palestrantes em eventos do GT - SustentabilidadeAlex Washburn, Centro de Resiliência Costeira e Excelência Urbana - CRUX Alexsandro Holanda, AMATA BrasilAndre Guimaraes, Instituto de Pesquisa Ambiental da AmazôniaAndré Pessoa, AgroconsultArnaldo Carneiro Filho, Agroicone Bernardo Rudorff, AgrosateliteCamila Pereira, Fundação LemannCarlos Eduardo Young, Instituto de Economia da UFRJCleuza Repulho, Fundação LemannFabrício Barreto de Mattos, GCN Advogados. Fernando Malta, Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável Francisco de Godoy Bueno, Sociedade Rural BrasileiraGerd Sparovek, Universidade de São PauloGuilherme Leal, Presidente do Conselho Diretor da RAPS Gustavo Junqueira, Sociedade Rural BrasileiraMario Monzoni, Fundação Getúlio VargasPedro Henrique de Cristo, Design com PropositoPlínio Ribeiro, BiofílicaPriscila Cruz, Movimento Todos pela EducaçãoRichard Torsiano, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Rodrigo C A Lima, AgroiconeShigueo Watanabe Jr., Instituto Escolhas

Equipe do centro de estudos RAPS

Organização GeralSamuel Oliveira

Coordenação MetodológicaZysman Neiman Juliana Maria de Barros Freire

Coordenação estratégicaMonica Sodré

Apoio metodológico Paulo Bento Maffei de Souza

Assistência e mídia Rafaela Mendes

Revisão de PublicaçõesRenato Nunes Dias

Relatoria e transcrição dos eventosPatrícia Carvalho

Coordenação de ComunicaçãoMara Prado

Assistência de ComunicaçãoGerson CamargoBruno Gazolla

Coffe break Letícia Conceição

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