manual de diagnóstico e tratamento de acidentes por animais peçonhentos

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FUNASA

VIGILNCIA EPIDEMIOLGICA

Manual de Diagnstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peonhentos

Manual de Diagnstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peonhentos

Braslia, outubro de 2001

1998. Ministrio da Sade. Fundao Nacional de Sade. 1999 - 1 Reimpresso 2001 - 2 Edio revisada Permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte. Editor: Assessoria de Comunicao e Educao em Sade/Ascom/Pre/FUNASA Fundao Nacional de Sade(FUNASA)MS Setor de Autarquias Sul, Quadra 4, Bl. N, 5 Andar, Sala 517 CEP 70.070.040 - Braslia - DF .: Distribuio e Informao: Coordenao de Vigilncia das Doenas Transmitidas por Vetores e Antropozoonoses Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi) Fundao Nacional de Sade (FUNASA) Setor de Autarquias Sul, Quadra 4, Bl. N, 7 Andar, Sala 716 Telefone: (061) 225.4472 - 226.6478 - FAX: (061) 321.0544 CEP 70.070-040 - Braslia - DF .: Tiragem: 3.000 exemplares Impresso no Brasil/Printed in Brazil ISBN 85-7346-014-8

Manual de diagnstico e tratamento de acidentes por animais peonhentos. 2 ed. - Braslia: Fundao Nacional de Sade, 2001. 120 1. Zoonose. I. Fundao Nacional de Sade.

Apresentao

O Programa Nacional de Controle de Acidentes por Animais Peonhentos nesses 14 anos de existncia vem se consolidando no pas, envolvendo a poltica de coordenao da produo e distribuio de antivenenos, capacitao de recursos humanos e vigilncia epidemiolgica dos acidentes em esfera nacional. Esse trabalho conjunto coordenado pelo Ministrio da Sade e envolvendo as secretarias estaduais e municipais de sade, centros de informaes toxicolgicas, centros de controle de zoonoses e animais peonhentos, ncleos de ofiologia, laboratrios produtores, sociedades cientficas e universidades, tem por objetivo maior a melhoria do atendimento aos acidentados por animais peonhentos. O presente manual resulta da reviso e fuso do Manual de Diagnstico e Tratamento de Acidentes Ofdicos (1987) com o Manual de Diagnstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peonhentos (1992). Destina-se, principalmente, aos profissionais da rea da sade, contendo informaes atualizadas que visam fornecer subsdios tcnicos para identificao, diagnstico e conduta deste tipo de agravo sade. Os procedimentos e a bibliografia aqui referidos representam uma linha de orientao bsica, sem contudo esgotar o assunto. Os dados apresentados referem-se s notificaes encaminhadas pelas secretarias estaduais de sade Fundao Nacional de Sade (FUNASA) do Ministrio da Sade. Ainda que, em determinadas regies, ocorra subnotificao, possvel hoje dimensionar e construir um perfil epidemiolgico dos acidentes no pas.

Sumrio

I Ofidismo ............................................................................................................ 9 1. Introduo...................................................................................................... 9 2. Epidemiologia ................................................................................................ 9 3. Serpentes de importncia mdica ................................................................... 12 Acidente Botrpico ........................................................................................... 21 1. Introduo ...................................................................................................... 21 2. Aes do veneno ............................................................................................. 21 3. Quadro clnico ................................................................................................ 21 4. Complicaes ................................................................................................. 23 5. Exames complementares ................................................................................. 24 6. Tratamento ..................................................................................................... 24 7. Prognstico ..................................................................................................... 25 Acidente Crotlico ............................................................................................ 26 1. Introduo ...................................................................................................... 26 2. Aes do veneno ............................................................................................. 26 3. Quadro clnico ................................................................................................ 26 4. Complicaes ................................................................................................. 28 5. Exames complementares ................................................................................. 28 6. Tratamento ..................................................................................................... 28 7. Prognstico ..................................................................................................... 29 Acidente Laqutico .......................................................................................... 29 1. Introduo ...................................................................................................... 29 2. Aes do veneno ............................................................................................. 30 3. Quadro clnico ................................................................................................ 30 4. Complicaes ................................................................................................. 31 5. Exames complementares ................................................................................. 31 6. Diagnstico diferencial .................................................................................... 31 7. Tratamento ..................................................................................................... 31 Acidente Elapdico ............................................................................................ 32 1. Introduo ...................................................................................................... 32 2. Aes do veneno ............................................................................................. 32 3. Quadro clnico ................................................................................................ 32 4. Exames complementares ................................................................................. 33 5. Tratamento ..................................................................................................... 33 6. Prognstico ..................................................................................................... 34 Acidente por Colubrdeos ................................................................................ 35 1. Introduo ...................................................................................................... 35 2. Aes do veneno ............................................................................................. 35 3. Quadro clnico ................................................................................................ 35

4. Complicaes ................................................................................................. 36 5. Exames complementares ................................................................................. 36 6. Tratamento ..................................................................................................... 36 II - Escorpionismo .................................................................................................. 37 1. Introduo ...................................................................................................... 37 2. Epidemiologia ................................................................................................. 37 3. Escorpies de importncia mdica ................................................................... 37 4. Aes do veneno ............................................................................................. 41 5. Quadro clnico ................................................................................................ 41 6. Exames complementares ................................................................................. 42 7. Tratamento ..................................................................................................... 43 III - Aranesmo ....................................................................................................... 45 1. Introduo ...................................................................................................... 45 2. Epidemiologia ................................................................................................. 45 3. Aranhas de importncia mdica ...................................................................... 45 Acidentes por Phoneutria ................................................................................ 50 1. Introduo ...................................................................................................... 50 2. Aes do veneno ............................................................................................. 50 3. Quadro clnico ................................................................................................ 50 4. Exames complementares ................................................................................. 51 5. Tratamento ..................................................................................................... 51 6. Prognstico ..................................................................................................... 51 Acidentes por Loxosceles ................................................................................. 52 1. Introduo ...................................................................................................... 52 2. Aes do veneno ............................................................................................. 52 3. Quadro clnico ................................................................................................ 52 4. Complicaes ................................................................................................. 54 5. Exames complementares ................................................................................. 54 6. Tratamento ..................................................................................................... 54 7. Prognstico ..................................................................................................... 55 Acidentes por Latrodectus ............................................................................... 56 1. Introduo ...................................................................................................... 56 2. Aes do veneno ............................................................................................. 56 3. Quadro clnico ................................................................................................ 56 4. Complicaes ................................................................................................. 57 5. Exames complementares ................................................................................. 57 6. Tratamento ..................................................................................................... 58 7. Prognstico ..................................................................................................... 58 IV - Acidentes por Himenpteros ......................................................................... 59 1. Introduo ...................................................................................................... 59 2. Epidemiologia ................................................................................................. 59 3. Himenpteros de importncia mdica ............................................................. 59

Acidentes por abelhas ..................................................................................... 60 1. Caractersticas anatmicas do grupo ............................................................... 60 2. Aes do veneno ............................................................................................. 61 3. Quadro clnico ................................................................................................ 61 4. Complicaes ................................................................................................. 63 5. Exames complementares ................................................................................. 63 6. Tratamento ..................................................................................................... 64 Acidentes por vespas ....................................................................................... 64 Acidentes por formigas ................................................................................... 65 1. Introduo ...................................................................................................... 65 2. Aes do veneno ............................................................................................. 65 3. Quadro clnico ................................................................................................ 65 4. Complicaes ................................................................................................. 66 5. Diagnstico ..................................................................................................... 66 6. Tratamento ..................................................................................................... 66 V - Acidentes por Lepidpteros ............................................................................ 67 1. Introduo ...................................................................................................... 67 2. Epidemiologia ................................................................................................. 67 3. Lepidpteros de importncia mdica ............................................................... 67 Dermatite Urticante causada por contato com lagartas de vrios gneros .................................................................................................. 70 1. Introduo ...................................................................................................... 70 2. Aes do veneno ............................................................................................. 70 3. Quadro clnico ................................................................................................ 71 4. Complicaes ................................................................................................. 71 5. Tratamento ..................................................................................................... 71 Dermatite Urticante provocada por contato com mariposa Hylesia sp ...... 72 1. Introduo ...................................................................................................... 72 2. Aes do veneno ............................................................................................. 72 3. Quadro clnico ................................................................................................ 72 4. Tratamento ..................................................................................................... 72 Periartrite falangeana por contato com Pararama ...................................... 73 1. Introduo ...................................................................................................... 73 2. Aes do veneno ............................................................................................. 73 3. Quadro clnico ................................................................................................ 73 4. Exames complementares ................................................................................. 73 5. Tratamento ..................................................................................................... 74 Sndrome Hemorrgica por contato com Lonomia ........................................ 74 1. Introduo ...................................................................................................... 74 2. Aes do veneno ............................................................................................. 74 3. Quadro clnico ................................................................................................ 74 4. Complicaes ................................................................................................. 75 5. Exames complementares ................................................................................. 75

6. Diagnstico ..................................................................................................... 75 7. Tratamento ..................................................................................................... 76 8. Prognstico ..................................................................................................... 76 VI - Acidentes por Colepteros ............................................................................. 77 1. Introduo ...................................................................................................... 77 2. Colepteros de importncia mdica ................................................................ 77 3. Aes do veneno ............................................................................................. 78 4. Quadro clnico ................................................................................................ 78 5. Tratamento ..................................................................................................... 79 VII - Ictismo ............................................................................................................ 81 1. Introduo ...................................................................................................... 81 2. Aes do veneno ............................................................................................. 81 3. Formas de Ictismo ........................................................................................... 81 4. Quadro clnico ................................................................................................ 83 5. Complicaes ................................................................................................. 84 6. Exames complementares ................................................................................. 84 7. Tratamento ..................................................................................................... 84 8. Prognstico ..................................................................................................... 85 VIII - Acidentes por Celenterados ........................................................................ 87 1. Introduo ...................................................................................................... 87 2. Aes do veneno ............................................................................................. 88 3. Quadro clnico ................................................................................................ 88 4. Diagnstico ..................................................................................................... 88 5. Tratamento ..................................................................................................... 89 IX - Soroterapia .................................................................................................. 91 X - Insuficincia Renal Aguda ......................................................................... 97 XI - Tcnica para determinao do tempo de coagulao ............................ 99 XII - Aplicabilidade do mtodo de ELISA .......................................................... 101 XIII - Preveno de acidentes e primeiros socorros.......................................... 103 XIV - Modelo de ficha para notificao de acidentes por animais peonhentos (Sinan) ............................................................. 107 XV - Referncias bibliogrficas ......................................................................... 111

I - Ofidismo

1. IntroduoOs acidentes ofdicos tm importncia mdica em virtude de sua grande freqncia e gravidade. A padronizao atualizada de condutas de diagnstico e tratamento dos acidentados imprescindvel, pois as equipes de sade, com freqncia considervel, no recebem informaes desta natureza durante os cursos de graduao ou no decorrer da atividade profissional.

2. EpidemiologiaForam notificados FUNASA, no perodo de janeiro de 1990 a dezembro de 1993, 81.611 acidentes, o que representa uma mdia de 20.000 casos/ano para o pas. A maioria das notificaes procedeu das regies Sudeste e Sul, como mostra o grfico 1, as mais populosas do pas e que contam com melhor organizao de servios de sade e sistema de informao. Grfico 1 Procedncia das notificaes segundo as regies fisiogrficas Brasil, 1990 - 1993

2.1. Coeficiente de incidncia Nos 81.611 casos notificados no perodo, o coeficiente de incidncia para o Brasil foi de aproximadamente 13,5 acidentes/100.000 habitantes. Nas diferentes regies do pas, o maior ndice foi no Centro-Oeste, como se observa na tabela 1. Ainda que apresente um alto coeficiente, possvel que ocorra subnotificao na regio Norte, tendo em vista as dificuldades de acesso aos servios de sade, o mesmo ocorrendo para o Nordeste. Tabela 1 Coeficiente de incidncia anual (por 100.000 habitantes) dos acidentes ofdicos por regio fisiogrfica 1990 a 1993Regio Brasil Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul Coef.90 13,78 24,44 6,77 34,75 13,15 15,35 Coef.91 13,30 23,23 6,71 28,36 13,24 15,11 Coef.92 14,08 23,77 6,23 37,98 12,92 17,52 Coef.93 13,94 25,89 7,65 32,13 12,34 16,83

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2.2. Distribuio mensal dos acidentes A ocorrncia do acidente ofdico est, em geral, relacionada a fatores climticos e aumento da atividade humana nos trabalhos no campo (grfico 2). Com isso, nas regies Sul, Sudeste e Centro-Oeste, observa-se incremento do nmero de acidentes no perodo de setembro a maro. Na regio Nordeste, os acidentes aumentam de janeiro a maio, enquanto que, na regio Norte, no se observa sazonalidade marcante, ocorrendo os acidentes uniformemente durante todo o ano. Grfico 2 Distribuio mensal dos acidentes ofdicos - Brasil, 1990 a 1993 n de casos

meses 2.3. Gnero da serpente Em 16,34% das 81.611 notificaes analisadas, o gnero da serpente envolvida no foi informado (tabela 2). Nos 65.911 casos de acidentes por serpente peonhenta, quando esta varivel foi referida, a distribuio dos acidentes, de acordo com o gnero da serpente envolvida, pode ser observada no grfico 3. Tabela 2 Distribuio dos acidentes ofdicos, segundo o gnero da serpente envolvido Brasil, 1990 - 1993Distribuio Bothrops Crotalus Lachesis Micrurus No informados No peonhentos n acidentes 59.619 5.072 939 281 13.339 2.361 % 73,1 6,2 1,1 0,3 16,3 3,0

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Grfico 3 Distribuio dos acidentes ofdicos segundo o gnero da serpente peonhenta Brasil, 1990 - 1993

2.4. Local da picada O p e a perna foram atingidos em 70,8% dos acidentes notificados e em 13,4% a mo e o antebrao. A utilizao de equipamentos individuais de proteo como sapatos, botas, luvas de couro e outros poderia reduzir em grande parte esses acidentes. 2.5. Faixa etria e sexo Em 52,3% das notificaes, a idade dos acidentados variou de 15 a 49 anos, que corresponde ao grupo etrio onde se concentra a fora de trabalho. O sexo masculino foi acometido em 70% dos acidentes, o feminino em 20% e, em 10%, o sexo no foi informado. 2.6. Letalidade Dos 81.611 casos notificados, houve registro de 359 bitos. Excluindo-se os 2.361 casos informados como no peonhentos, a letalidade geral para o Brasil foi de 0,45%. O maior ndice foi observado nos acidentes por Crotalus, onde em 5.072 acidentes ocorreram 95 bitos (1,87%) (tabela 3).Tabela 3 Letalidade dos acidentes ofdicos por gnero de serpente Brasil, 1990 - 1993 Gnero no Casos 59.619 5.072 939 281 13.339 79.250 no bitos 185 95 9 1 69 359 Letalidade (%) 0,31 1,87 0,95 0,36 0,52 0,45

BothropsCrotalus Lachesis Micrurus No informado Total

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A letalidade do acidente ofdico no se mostrou uniforme nas regies fisiogrficas, como se observa no grfico 4. O maior ndice foi registrado no Nordeste, apesar desta regio apresentar o menor coeficiente de incidncia do pas. Grfico 4 Letalidade dos acidentes ofdicos por regio fisiogrfica Brasil, 1990 a 1993

Dos 359 bitos notificados, em 314 foi informado o tempo decorrido entre a picada e o atendimento. Destes, em 124 (39,49%), o atendimento foi realizado nas primeiras seis horas aps a picada, enquanto que em 190 (60,51%) depois de seis horas da ocorrncia do acidente. Os dados aqui relatados demonstram a importncia da precocidade do atendimento.

3. Serpentes de importncia mdica3.1. Importncia da identificao das serpentes Identificar o animal causador do acidente procedimento importante na medida em que: - possibilita a dispensa imediata da maioria dos pacientes picados por serpentes no peonhentas; - viabiliza o reconhecimento das espcies de importncia mdica em mbito regional; - medida auxiliar na indicao mais precisa do antiveneno a ser administrado. Apesar da importncia do diagnstico clnico, que orienta a conduta na grande maioria dos acidentes, o animal causador deve, na medida do possvel, ser encaminhado para identificao por tcnico treinado. A conservao dos animais mortos pode ser feita, embora precariamente, pela imerso dos mesmos em soluo de formalina a 10% ou lcool comum e acondicionados em frascos rotulados com os dados do acidente, inclusive a procedncia. No Brasil, a fauna ofdica de interesse mdico est representada pelos gneros: - Bothrops (incluindo Bothriopsis e Porthidium)* - Crotalus - Lachesis - Micrurus - e por alguns da Famlia Colubridae*** Estes novos gneros resultaram da reviso do gnero Bothrops: As espcies Bothrops bilineatus, Bothrops castelnaudi e Bothrops hyoprorus passaram a ser denominadas Bothriopsis bilineata, Bothriopsis taeniata e Porthidium hyoprora, respectivamente. ** As serpentes dos gneros Philodryas e Clelia, da famlia Colubridae, podem ocasionar alguns acidentes com manifestaes clnicas locais.

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3.2. Caractersticas dos gneros de serpentes peonhentas no Brasil 3.2.1. Fosseta loreal presente A fosseta loreal, rgo sensorial termorreceptor, um orifcio situado entre o olho e a narina, da a denominao popular de serpente de quatro ventas (fig. 1). Indica com segurana que a serpente peonhenta e encontrada nos gneros Bothrops, Crotalus e Lachesis. Todas as serpentes destes gneros so providas de dentes inoculadores bem desenvolvidos e mveis situados na poro anterior do maxilar (fig. 2). Olho

Narina

Presas

Fosseta Loreal Fig. 1 Fig. 2

A identificao entre os gneros referidos tambm pode ser feita pelo tipo de cauda (fig.3). Cauda lisa Guizo ou Chocalho Escamas eriadas

Fig. 3

Bothrops

Crotalus

Lachesis

3.2.2. Fosseta loreal ausente As serpentes do gnero Micrurus no apresentam fosseta loreal (fig. 4) e possuem dentes inoculadores pouco desenvolvidos e fixos na regio anterior da boca (fig. 5). Olho

Narina Presas Fig. 4 Fig. 5

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3.3. Diferenciao bsica entre serpentes peonhentas e no peonhentas O reconhecimento das cobras venenosas, segundo o gnero, pode tornar-se mais simples utilizando-se o esquema abaixo: Fluxograma 1 Distino entre serpentes peonhentas e no peonhentas

Fosseta Loreal

Ausente

Presente

Com Anis Coloridos (Pretos, Brancos e Vermelhos)

Cauda Lisa

Cauda com Escamas Arrepiadas

Cauda com Chocalho

Micrurus**

Bothrops

Lachesis

Crotalus

No Peonhentas*

Peonhentas

* As falsas corais podem apresentar o mesmo padro de colorao das corais verdadeiras, sendo distinguveis pela ausncia de dente inoculador. ** Na Amaznia, ocorrem corais verdadeiras desprovidas de anis vermelhos.

3.4. Caractersticas e distribuio geogrfica das serpentes brasileiras de importncia mdica 3.4.1. Famlia Viperidae a) Gnero Bothrops (incluindo Bothriopsis e Porthidium) Compreende cerca de 30 espcies, distribudas por todo o territrio nacional (figs. 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12). So conhecidas popularmente por: jararaca, ouricana, jararacuu, urutu-cruzeira, jararaca-do-rabo-branco, malhade-sapo, patrona, surucucurana, combia, caiara, e outras denominaes. Estas serpentes habitam principalmente zonas rurais e periferias de grandes cidades, preferindo ambientes midos como matas e reas cultivadas e locais onde haja facilidade para proliferao de roedores (paiis, celeiros, depsitos de lenha). Tm hbitos predominantemente noturnos ou crepusculares. Podem apresentar comportamento agressivo quando se sentem ameaadas, desferindo botes sem produzir rudos.

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Fig. 6. a) Bothrops atrox. (Foto: G. Puorto) b) Distribuio da espcie no Brasil.

Fig. 7. a) Bothrops erythromelas. (Foto: A. Melgarejo) b) Distribuio da espcie no Brasil.

Fig. 8. a) Bothrops neuwiedi. (Foto: G. Puorto) b) Distribuio da espcie no Brasil.

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Fig. 9. a) Bothrops jararaca. (Foto: G. Puorto) b) Distribuio da espcie no Brasil.

Fig. 10. a) Bothrops jararacussu. (Foto: A. Melgarejo) b) Distribuio da espcie no Brasil.

Fig. 11. a) Bothrops alternatus. (Foto: G. Puorto) b) Distribuio da espcie no Brasil.

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Fig. 12. a) Bothrops moojeni. (Foto: A. Melgarejo) b) Distribuio da espcie no Brasil.

b) Gnero Crotalus Agrupa vrias subespcies, pertencentes espcie Crotalus durissus (fig. 13). Popularmente so conhecidas por cascavel, cascavel-quatro-ventas, boicininga, maracambia, marac e outras denominaes populares. So encontradas em campos abertos, reas secas, arenosas e pedregosas e raramente na faixa litornea. No ocorrem em florestas e no Pantanal. No tm por hbito atacar e, quando excitadas, denunciam sua presena pelo rudo caracterstico do guizo ou chocalho.

Fig. 13. a) Crotalus durissus. (Foto G. Puorto) b) Distribuio da espcie no Brasil.

c) Gnero Lachesis Compreende a espcie Lachesis muta com duas subespcies (fig. 14). So popularmente conhecidas por: surucucu, surucucu-pico-de-jaca, surucutinga, malha-de-fogo. a maior das serpentes peonhentas das Amricas, atingindo at 3,5m. Habitam reas florestais como Amaznia, Mata Atlntica e algumas enclaves de matas midas do Nordeste.

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Fig. 14. a) Lachesis muta (Foto: A. Melgarejo) b) Distribuio da espcie no Brasil.

3.4.2. Famlia elapidae a) Gnero Micrurus O gnero Micrurus compreende 18 espcies, distribudas por todo o territrio nacional (figs. 15, 16 e 17). So animais de pequeno e mdio porte com tamanho em torno de 1,0 m, conhecidos popularmente por coral, coral verdadeira ou boicor. Apresentam anis vermelhos, pretos e brancos em qualquer tipo de combinao. Na Regio Amaznica e reas limtrofes, so encontradas corais de cor marrom-escura (quase negra), com manchas avermelhadas na regio ventral. Em todo o pas, existem serpentes no peonhentas com o mesmo padro de colorao das corais verdadeiras, porm desprovidas de dentes inoculadores. Diferem ainda na configurao dos anis que, em alguns casos, no envolvem toda a circunferncia do corpo. So denominadas falsas-corais.

Fig. 15. a) Micrurus carallinus. (Foto: A. Melgarejo) b) Distribuio da espcie no Brasil.

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Fig. 16. a) Micrurus frontalis. (Foto: A. Melgarejo) b) Distribuio da espcie no Brasil.

Fig. 17. a) Micrurus lemniscatus. (Foto: A. Melgarejo) b) Distribuio da espcie no Brasil.

3.4.3. Famlia Colubridae Algumas espcies do gnero Philodryas (P. olfersii, P. viridissimus e P. patogoniensis) (fig. 18) e Clelia (C. clelia plumbea) (fig. 19) tm interesse mdico, pois h relatos de quadro clnico de envenenamento. So conhecidas popularmente por cobra-cip ou cobra-verde (Philodryas) e muurana ou cobra-preta (Clelia). Possuem dentes inoculadores na poro posterior da boca e no apresentam fosseta loreal. Para injetar o veneno, mordem e se prendem ao local.

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Fig. 18. Philodryas olfersii. (Foto: A. Melgarejo).

Fig. 19. Clelia clelia. (Foto: G. Puorto).

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Acidente Botrpico 1. IntroduoCorresponde ao acidente ofdico de maior importncia epidemiolgica no pas, pois responsvel por cerca de 90% dos envenenamentos.

2. Aes do veneno2.1. Ao Proteoltica As leses locais, como edema, bolhas e necrose, atribudas inicialmente ao proteoltica, tm patognese complexa. Possivelmente, decorrem da atividade de proteases, hialuronidases e fosfolipases, da liberao de mediadores da resposta inflamatria, da ao das hemorraginas sobre o endotlio vascular e da ao pr-coagulante do veneno. 2.2. Ao coagulante A maioria dos venenos botrpicos ativa, de modo isolado ou simultneo, o fator X e a protrombina. Possui tambm ao semelhante trombina, convertendo o fibrinognio em fibrina. Essas aes produzem distrbios da coagulao, caracterizados por consumo dos seus fatores, gerao de produtos de degradao de fibrina e fibrinognio, podendo ocasionar incoagulabilidade sangnea. Este quadro semelhante ao da coagulao intravascular disseminada. Os venenos botrpicos podem tambm levar a alteraes da funo plaquetria bem como plaquetopenia. 2.3. Ao hemorrgica As manifestaes hemorrgicas so decorrentes da ao das hemorraginas que provocam leses na membrana basal dos capilares, associadas plaquetopenia e alteraes da coagulao.

3. Quadro clnico3.1. Manifestaes locais So caracterizadas pela dor e edema endurado no local da picada, de intensidade varivel e, em geral, de instalao precoce e carter progressivo (fig. 20). Equimoses e sangramentos no ponto da picada so freqentes. Infartamento ganglionar e bolhas podem aparecer na evoluo (fig. 21), acompanhados ou no de necrose.

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Fig. 20. Fase aguda de acidente botrpico: sinais de picada, edema e equimose cerca de trs horas aps o acidente. (Foto: Acervo HVB/IB).

3.2. Manifestaes sistmicas Alm de sangramentos em ferimentos cutneos preexistentes, podem ser observadas hemorragias distncia como gengivorragias, epistaxes, hematmese e hematria. Em gestantes, h risco de hemorragia uterina. Podem ocorrer nuseas, vmitos, sudorese, hipotenso arterial e, mais raramente, choque. Com base nas manifestaes clnicas e visando orientar a teraputica a ser empregada, os acidentes botrpicos so classificados em: a) Leve: forma mais comum do envenenamento, caracterizada por dor e edema local pouco intenso ou ausente, manifestaes hemorrgicas discretas ou ausentes, com ou sem alterao do Tempo de Coagulao. Os acidentes causados por filhotes de Bothrops (< 40 cm de comprimento) podem apresentar como nico elemento de diagnstico alterao do tempo de coagulao. b) Moderado: caracterizado por dor e edema evidente que ultrapassa o segmento anatmico picado, acompanhados ou no de alteraes hemorrgicas locais ou sistmicas como gengivorragia, epistaxe e hermatria. c) Grave: caracterizado por edema local endurado intenso e extenso, podendo atingir todo o membro picado, geralmente acompanhado de dor intensa e, eventualmente com presena de bolhas. Em decorrncia do edema, podem aparecer sinais de isquemia local devido compresso dos feixes vsculo-nervosos. Manifestaes sistmicas como hipotenso arterial, choque, oligoanria ou hemorragias intensas definem o caso como grave, independentemente do quadro local.

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Fig. 21. Fase evolutiva de acidente botrpico: picado no tornozelo h 2 dias com edema extenso e equimose (Foto: acervo HVB/IB).

4. Complicaes4.1. Locais a) Sndrome Compartimental: rara, caracteriza casos graves, sendo de difcil manejo. Decorre da compresso do feixe vsculo-nervoso conseqente ao grande edema que se desenvolve no membro atingido, produzindo isquemia de extremidades. As manifestaes mais importantes so a dor intensa, parestesia, diminuio da temperatura do segmento distal, cianose e dficit motor. b) Abscesso: sua ocorrncia tem variado de 10 a 20%. A ao proteoltica do veneno botrpico favorece o aparecimento de infeces locais. Os germes patognicos podem provir da boca do animal, da pele do acidentado ou do uso de contaminantes sobre o ferimento. As bactrias isoladas desses abscessos so bacilos Gramnegativos, anaerbios e, mais raramente, cocos Gram-positivos. c) Necrose: devida principalmente ao proteoltica do veneno, associada isquemia local decorrente de leso vascular e de outros fatores como infeco, trombose arterial, sndrome de compartimento ou uso indevido de torniquetes. O risco maior nas picadas em extremidades (dedos) podendo evoluir para gangrena (fig. 22).

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Fig. 22. Complicao de acidente botrpico: necrose muscular extensa com exposio ssea. (Foto: M. T. Jorge)

4.2. Sistmicas a) Choque: raro e aparece nos casos graves. Sua patognese multifatorial, podendo decorrer da liberao de substncias vasoativas, do seqestro de lquido na rea do edema e de perdas por hemorragias. b) Insuficincia Renal Aguda (IRA): tambm de patognese multifatorial, pode decorrer da ao direta do veneno sobre os rins, isquemia renal secundria deposio de microtrombos nos capilares, desidratao ou hipotenso arterial e choque (vide capitulo X).

5. Exames complementaresa) Tempo de Coagulao (TC): de fcil execuo, sua determinao importante para elucidao diagnstica e para o acompanhamento dos casos (vide captulo XI). b) Hemograma: geralmente revela leucocitose com neutrofilia e desvio esquerda, hemossedimentao elevada nas primeiras horas do acidente e plaquetopenia de intensidade varivel. c) Exame sumrio de urina: pode haver proteinria, hemafria e leucocitria. d) Outros exames laboratoriais: podero ser solicitados, dependendo da evoluo clnica do paciente, com especial ateno aos eletrlitos, uria e creatinina, visando possibilidade de deteco da insuficincia renal aguda. e) Mtodos de imunodiagnstico: antgenos do veneno botrpico podem ser detectados no sangue ou outros lquidos corporais por meio da tcnica de ELISA (vide capitulo XII).

6. Tratamento6.1. Tratamento especfico Consiste na administrao, o mais precocemente possvel, do soro antibotrpico (SAB) por via intravenosa e, na falta deste, das associaes antibotrpico-crotlica (SABC) ou antibotrpicolaqutica (SABL). A posologia est indicada no quadro 1 e as normas gerais para soroterapia esto referidas no Capitulo IX. Se o TC permanecer alterado 24 horas aps a soroterapia, est indicada dose adicional de duas ampolas de antiveneno.

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6.2. Tratamento geral Medidas gerais devem ser tomadas como: a) Manter elevado e estendido o segmento picado; b) Emprego de analgsicos para alvio da dor; c) Hidratao: manter o paciente hidratado, com diurese entre 30 a 40 ml/hora no adulto, e 1 a 2 ml/kg/hora na criana; d) Antibioticoterapia: o uso de antibiticos dever ser indicado quando houver evidncia de infeco. As bactrias isoladas de material proveniente de leses so principalmente Morganella morganii, Escherichia coli, Providentia sp e Streptococo do grupo D, geralmente sensveis ao cloranfenicol. Dependendo da evoluo clnica, poder ser indicada a associao de clindamicina com aminoglicosdeo. 6.3. Tratamento das complicaes locais Firmado o diagnstico de sndrome de compartimento, a fasciotomia no deve ser retardada, desde que as condies de hemostasia do paciente o permitam. Se necessrio, indicar transfuso de sangue, plasma fresco congelado ou crioprecipitado. O debridamento de reas necrosadas delimitadas e a drenagem de abscessos devem ser efetuados. A necessidade de cirurgia reparadora deve ser considerada nas perdas extensas de tecidos e todos os esforos devem ser feitos no sentido de se preservar o segmento acometido.

7. PrognsticoGeralmente bom. A letalidade nos casos tratados baixa (0,3%). H possibilidade de ocorrer seqelas locais anatmicas ou funcionais. Quadro I Acidente botrpico Classificao quanto gravidade e soroterapia recomendadaManifestaes e Tratamento Locais dor edema equimose Sistmicas hemorragia grave choque anria Tempo de Coagulao (TC)* Soroterapia (n ampolas) SAB/SABC/SABL*** ausentes ou discretas evidentes intensas** Classificao Leve Moderada Grave

ausentes

ausentes

presentes

normal ou alterado

normal ou alterado

normal ou alterado

2-4

4-8

12

Via de administrao

intravenosa

* TC normal: at 10 min; TC prolongado: de 10 a 30 min; TC incoagulvel: > 30 min. ** Manifestaes locais intensas podem ser o nico critrio para classificao de gravidade. *** SAB = Soro antibotrpico/SABC = Soro antibotrpico-crotlico/SABL = Soro antibotrpico-laqutico.

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Acidente Crotlico 1. Introduo responsvel por cerca de 7,7% dos acidentes ofdicos registrados no Brasil, podendo representar at 30% dos acidentes em algumas regies. Apresenta o maior coeficiente de letalidade devido freqncia com que evolui para insuficincia renal aguda (IRA).Observao: As informaes que se seguem referem-se aos estudos realizados com as cascavis das subespcies Crotalus durissus terrificus, C. d. collilineatus e C. d. cascavella e as observaes clnicas dos acidentes ocasionados por estas serpentes nas regies Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Os dados sobre acidentes com cascavis da regio Norte so ainda pouco conhecidos.

2. Aes do venenoSo trs as aes principais do veneno crotlico neurotxica, miotxica e coagulante. 2.1. Ao neurotxica Produzida principalmente pela frao crotoxina, uma neurotoxina de ao pr-sinptica que atua nas terminaes nervosas inibindo a liberao de acetilcolina. Esta inibio o principal fator responsvel pelo bloqueio neuromuscular do qual decorrem as paralisias motoras apresentadas pelos pacientes. 2.2. Ao miotxica Produz leses de fibras musculares esquelticas (rabdomilise) com liberao de enzimas e mioglobina para o soro e que so posteriormente excretadas pela urina. No est identificada a frao do veneno que produz esse efeito miotxico sistmico. H referncias experimentais da ao miotxica local da crotoxina e da crotamina. A mioglobina, e o veneno como possuindo atividade hemoltica in vivo. Estudos mais recentes no demonstram a ocorrncia de hemlise nos acidentes humanos. 2.3. Ao coagulante Decorre de atividade do tipo trombina que converte o fibrinognio diretamente em fibrina. O consumo do fibrinognio pode levar incoagulabilidade sangnea. Geralmente no h reduo do nmero de plaquetas. As manifestaes hemorrgicas, quando presentes, so discretas.

3. Quadro clnico3.1. Manifestaes locais So pouco importantes, diferindo dos acidentes botrpico e laqutico. No h dor, ou esta pode ser de pequena intensidade. H parestesia local ou regional, que pode persistir por tempo varivel, podendo ser acompanhada de edema discreto ou eritema no ponto da picada. 3.2. Manifestaes sistmicas a) Gerais: mal-estar, prostrao, sudorese, nuseas, vmitos, sonolncia ou inquietao e secura da boca podem aparecer precocemente e estar relacionadas a estmulos de origem diversas, nos quais devem atuar o medo e a tenso emocional desencadeados pelo acidente. b) Neurolgicas: decorrem da ao neurotxica do veneno, surgem nas primeiras horas aps a picada, e caracterizam o fcies miastnica (fcies neurotxica de Rosenfeld) evidenciadas por ptose palpebral uni ou bilateral, flacidez da musculatura da face (fig. 23), alterao do dimetro pupilar, incapacidade de movimentaoFUNASA - outubro/2001 - pg. 26

do globo ocular (oftalmoplegia), podendo existir dificuldade de acomodao (viso turva) e/ou viso dupla (diplopia). Como manifestaes menos freqentes, pode-se encontrar paralisia velopalatina, com dificuldade deglutio, diminuio do reflexo do vmito, alteraes do paladar e olfato.

Fig. 23. Acidente grave em criana de seis anos, atendida trs horas aps a picada: ptose palpebral bilateral (Foto: F. Bucaretchi).

c) Musculares: a ao miotxica provoca dores musculares generalizadas (mialgias) que podem aparecer precocemente. A fibra muscular esqueltica lesada libera quantidades variveis de mioglobina que excretada pela urina (mioglobinria), conferindo-lhe uma cor avermelhada ou de tonalidade mais escura, at o marrom (fig. 24). A mioglobinria constitui a manifestao clnica mais evidente da necrose da musculatura esqueltica (rabdomilise).

Fig. 24. Coleta de urina seqencial entre a admisso e 48 horas aps o acidente: diurese escurecida com mioglobinria (Foto: F. Bucaretchi).

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d) Distrbios da Coagulao: pode haver incoagulabilidade sangnea ou aumento do Tempo de Coagulao (TC), em aproximadamente 40% dos pacientes, observando-se raramente sangramentos restritos s gengivas (gengivorragia). 3.3. Manifestaes clnicas pouco freqentes Insuficincia respiratria aguda, fasciculaes e paralisia de grupos musculares tm sido relatadas. Tais fenmenos so interpretados como decorrentes da atividade neurotxica e/ou da ao miotxica do veneno. Com base nas manifestaes clnicas, o envenenamento crotlico pode ser classificado em: a) Leve: caracteriza-se pela presena de sinais e sintomas neurotxicos discretos, de aparecimento tardio, sem mialgia ou alterao da cor da urina ou mialgia discreta. b) Moderado: caracteriza-se pela presena de sinais e sintomas neurotxicos discretos, de instalao precoce, mialgia discreta e a urina pode apresentar colorao alterada. c) Grave: os sinais e sintomas neurotxicos so evidentes e intensos (fcies miastnica, fraqueza muscular), a mialgia intensa e generalizada, a urina escura, podendo haver oligria ou anria.

4. Complicaesa) Locais: raros pacientes evoluem com parestesias locais duradouras, porm reversveis aps algumas semanas. b) Sistmicas: a principal complicao do acidente crotlico, em nosso meio, a insuficincia renal aguda (IRA), com necrose tubular geralmente de instalao nas primeiras 48 horas (vide captulo X).

5. Exames complementaresa) Sangue: como resultado da milise, h liberao de mioglobina e enzimas, podendo-se observar valores sricos elevados de creatinoquinase (CK), desidrogenase ltica (LDH), aspartase-amino-transferase (AST), aspartase-alanino-transferase (ALT) e aldolase. O aumento da CK precoce, com pico de mxima elevao dentro das primeiras 24 horas aps o acidente, O aumento da LDH mais lento e gradual, constituindo-se, pois, em exame laboratorial complementar para diagnstico tardio do envenenamento crotlico. Na fase oligrica da IRA, so observadas elevao dos nveis de uria, creatinina, cido rico, fsforo, potssio e diminuio da calcemia. O Tempo de Coagulao (TC) freqentemente est prolongado. O hemograma pode mostrar leucocitose, com neutrofilia e desvio esquerda, s vezes com presena de granulaes txicas. b) Urina: o sedimento urinrio geralmente normal quando no h IRA. Pode haver proteinria discreta, com ausncia de hematria. H presena de mioglobina, que pode ser detectvel pelo teste de benzidina ou pelas tiras reagentes para uroanlise ou por mtodos especficos imunoqumicos como imunoeletroforese, imunodifuso e o teste de aglutinao de mioglobina em ltex.

6. Tratamento6.1. Especfico O soro anticrotlico (SAC) deve ser administrado intravenosamente, segundo as especificaes includas no captulo Soroterapia. A dose varia de acordo com a gravidade do caso, devendo-se ressaltar que a quantidade a ser ministrada criana a mesma do adulto. Poder ser utilizado o soro antibotrpico-crotlico (SABC). 6.2. Geral A hidratao adequada de fundamental importncia na preveno da IRA e ser satisfatria se o paciente mantiver o fluxo urinrio de 1 ml a 2 ml/kg/hora na criana e 30 a 40 ml/hora no adulto.

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A diurese osmtica pode ser induzida com o emprego de soluo de manitol a 20% (5 ml/kg na criana e 100 ml no adulto). Caso persista a oligria, indica-se o uso de diurticos de ala tipo furosemida por via intravenosa (1 mg/kg/ dose na criana e 40mg/dose no adulto). O pH urinrio deve ser mantido acima de 6,5 pois a urina cida potencia a precipitao intratubular de mioglobina. Assim, a alcalinao da urina deve ser feita pela administrao parenteral de bicarbonato de sdio, monitorizada por controle gasomtrico.

7. Prognstico bom nos acidentes leves e moderados e nos pacientes atendidos nas primeiras seis horas aps a picada, onde se observa a regresso total de sintomas e sinais aps alguns dias. Nos acidentes graves, o prognstico est vinculado existncia de IRA. mais reservado quando h necrose tubular aguda de natureza hipercatablica pois a evoluo do quadro est relacionada com a possibilidade de instalao de processo dialtico eficiente, em tempo hbil. Quadro II Acidente Crotlico Classificao quanto gravidade e soroterapia recomendadaManifestaes e Tratamento Fcies miastmica/ Viso turva Mialgia Classificao (Avaliao Inicial) Leve ausente ou tardia ausente ou discreta ausente ausente normal ou alterado 5 Moderada discreta ou evidente discreta pouco evidente ou ausente ausente normal ou alterado 10 intravenosa Grave evidente intensa

Urina vermelha ou marrom Oligria/Anria Tempo de Coagulao (TC) Soroterapia (n ampolas) SAC/SABC*

presente presente ou ausente normal ou alterado 20

Via de administrao* SAC = Soro anticrotlico/SABC = Soro antibotrpico-crotlico.

Acidente Laqutico 1. IntroduoExistem poucos casos relatados na literatura. Por se tratar de serpentes encontradas em reas florestais, onde a densidade populacional baixa e o sistema de notificao no to eficiente, as informaes disponveis sobre esses acidentes so escassas. Estudos preliminares realizados com imunodiagnstico (ELISA) sugerem que os acidentes por Lachesis so raros, mesmo na regio Amaznica.FUNASA - outubro/2001 - pg. 29

2. Aes do veneno2.1. Ao proteoltica Os mecanismos que produzem leso tecidual provavelmente so os mesmos do veneno botrpico, uma vez que a atividade proteoltica pode ser comprovada in vitro pela presena de proteases. 2.2. Ao coagulante Foi obtida a caracterizao parcial de uma frao do veneno com atividade tipo trombina. 2.3. Ao hemorrgica Trabalhos experimentais demonstraram intensa atividade hemorrgica do veneno de Lachesis muta muta, relacionada presena de hemorraginas. 2.4. Ao neurotxica descrita uma ao do tipo estimulao vagal, porm ainda no foi caracterizada a frao especfica responsvel por essa atividade.

3. Quadro clnico3.1. Manifestaes locais So semelhantes s descritas no acidente botrpico, predominando a dor e edema, que podem progredir para todo o membro. Podem surgir vesculas e bolhas de contedo seroso ou sero-hemorrgico nas primeiras horas aps o acidente (fig. 25). As manifestaes hemorrgicas limitam-se ao local da picada na maioria dos casos.

Fig. 25. Acidente laqutico: edema, equimose e necrose cutnea (Foto: J. S. Haad).

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3.2. Manifestaes sistmicas So relatados hipotenso arterial, tonturas, escurecimento da viso, bradicardia, clicas abdominais e diarria (sndrome vagal). Os acidentes laquticos so classificados como moderados e graves. Por serem serpentes de grande porte, considera-se que a quantidade de veneno por elas injetada potencialmente muito grande. A gravidade avaliada segundo os sinais locais e pela intensidade das manifestaes sistmicas.

4. ComplicaesAs complicaes locais descritas no acidente botrpico (sndrome compartimental, necrose, infeco secundria, abscesso, dficit funcional) tambm podem estar presentes no acidente laqutico.

5. Exames complementaresA determinao do Tempo de Coagulao (TC) importante medida auxiliar no diagnstico do envenenamento e acompanhamento dos casos. Dependendo da evoluo, outros exames laboratoriais podem estar indicados (hemograma, dosagens de uria, creatinina e eletrlitos). O imunodiagnstico vem sendo utilizado em carter experimental, no estando disponvel na rotina dos atendimentos.

6. Diagnstico diferencialOs acidentes botrpico e laqutico so muito semelhantes do ponto de vista clnico, sendo, na maioria das vezes, difcil o diagnstico diferencial. As manifestaes da sndrome vagal poderiam auxiliar na distino entre o acidente laqutico e o botrpico. Estudos preliminares, empregando imunodiagnstico (ELISA), tm demonstrado que a maioria dos acidentes referidos pelos pacientes como causados por Lachesis do gnero botrpico.

7. Tratamento7.1. Tratamento especfico O soro antilaqutico (SAL), ou antibotrpico-laqutico (SABL) deve ser utilizado por via intravenosa (quadro III). Nos casos de acidente laqutico comprovado e na falta dos soros especficos, o tratamento deve ser realizado com soro antibotrpico, apesar deste no neutralizar de maneira eficaz a ao coagulante do veneno laqutico. 7.2. Tratamento geral Devem ser tomadas as mesmas medidas indicadas para o acidente botrpico. Quadro III Acidente laqutico Tratamento especfico indicado Orientao para o tratamentoPoucos casos estudados. Gravidade avaliada pelos sinais locais e intensidade das manifestaes vagais (bradicardia, hipotenso arterial, diarria)* SAL - Soro antilaqutico/SABL = Soro antibotrpico-laqutico.

Soroterapia (no de ampolas)10 a 20 SAL ou SABL*

Via de administraointravenosa

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Acidente Elapdico 1. IntroduoCorresponde a 0,4% dos acidentes por serpentes peonhentas registrados no Brasil. Pode evoluir para insuficincia respiratria aguda, causa de bito neste tipo de envenenamento.

2. Aes do venenoOs constituintes txicos do veneno so denominados neurotoxinas (NTXs) e atuam da seguinte forma: 2.1. NTX de ao ps-sinptica Existem em todos os venenos elapdicos at agora estudados. Em razo do seu baixo peso molecular podem ser rapidamente absorvidas para a circulao sistmica, difundidas para os tecidos, explicando a precocidade dos sintomas de envenenamento. As NTXs competem com a acetilcolina (Ach) pelos receptores colinrgicos da juno neuromuscular, atuando de modo semelhante ao curare. Nos envenenamentos onde predomina essa ao (M. frontalis), o uso de substncias anticolinestersticas (edrofnio e neostigmina) pode prolongar a vida mdia do neurotransmissor (Ach), levando a uma rpida melhora da sintomatologia. 2.2. NTX de ao pr-sinptica Esto presentes em algumas corais (M. coralliunus) e tambm em alguns viperdeos, como a cascavel sulamericana. Atuam na juno neuromuscular, bloqueando a liberao de Ach pelos impulsos nervosos, impedindo a deflagrao do potencial de ao. Esse mecanismo no antagonizado pelas substncias anticolinestersicas.

3. Quadro clnicoOs sintomas podem surgir precocemente, em menos de uma hora aps a picada. Recomenda-se a observao clnica do acidentado por 24 horas, pois h relatos de aparecimento tardio dos sintomas e sinais. 3.1. Manifestaes locais H discreta dor local, geralmente acompanhada de parestesia com tendncia a progresso proximal. 3.2. Manifestaes sistmicas Inicialmente, o paciente pode apresentar vmitos. Posteriormente, pode surgir um quadro de fraqueza muscular progressiva, ocorrendo ptose palpebral, oftalmoplegia e a presena de fcies miastnica ou neurotxica (fig. 26). Associadas a estas manifestaes, podem surgir dificuldades para manuteno da posio ereta, mialgia localizada ou generalizada e dificuldade para deglutir em virtude da paralisia do vu palatino. A paralisia flcida da musculatura respiratria compromete a ventilao, podendo haver evoluo para insuficincia respiratria aguda e apnia.

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Fig. 26. Acidente elapdico: fcies miastnica (Foto: G. Rosenfeld).

4. Exames complementaresNo h exames especficos para o diagnstico.

5. Tratamento5.1. Tratamento especfico O soro antielapdico (SAE) deve ser administrado na dose de 10 ampolas, pela via intravenosa, segundo as especificaes includas no Captulo Soroterapia. Todos os casos de acidente por coral com manifestaes clnicas devem ser considerados como potencialmente graves. 5.2. Tratamento geral Nos casos com manifestaes clnicas de insuficincia respiratria, fundamental manter o paciente adequadamente ventilado, seja por mscara e AMBU, intubao traqueal e AMBU ou at mesmo por ventilao mecnica. Estudos clnicos controlados e comunicaes de casos isolados atestam a eficcia do uso de anticolinestersicos (neostigmina) em acidentes elapdicos humanos. A principal vantagem desse procedimento, desde que realizado corretamente, permitir uma rpida reverso da sintomatogia respiratria enquanto o paciente transferido para centros mdicos que disponham de recursos de assistncia ventilatria mecnica. Os dados disponveis justificam esta indicao nos acidentes com veneno de ao exclusivamente ps-sinptica (M. frontalis, M. lemniscatus). No entanto, este esquema pode ser utilizado quando houver envenenamento intenso por corais de espcies no identificadas.

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5.3. Tratamento medicamentoso da insuficincia respiratria aguda 5.3.1. Neostigmina Pode ser utilizado como teste na verificao de resposta aos anticolinestersicos e como teraputica. a) Teste da Neostigmina: aplicar 0,05 mg/kg em crianas ou uma ampola no adulto, por via IV. A resposta rpida, com melhora evidente do quadro neurotxico nos primeiros 10 minutos. b) Teraputica de Manuteno: se houver melhora dos fenmenos neuroparalticos com o teste acima referido, a neostigmina pode ser utilizada na dose de manuteno de 0,05 a 0,1 mg/kg, IV, a cada quatro horas ou em intervalos menores, precedida da administrao de atropina. 5.3.2. Atropina um antagonista competitivo dos efeitos muscarnicos da Ach, principalmente a bradicardia e a hipersecreo. Deve ser administrada sempre antes da neostigmina, nas doses recomendadas. Esquema teraputico indicado para adultos e crianasMedicamento Atropina (Amp 0,25 mg) Neostigmina (Amp 0,5 mg) Tensilon (Amp 10 mg) Crianas 0,05 mg/kg IV 0,05 mg/kg IV 0,25 mg/kg IV Adultos 0,5 mg IV 0,05 mg/kg IV 10 mg IV

Obs.: cloridrato de edrofnio (Tensilon , 1 ml = 10 mg) um anticolinestersico de ao rpida. Apesar de no ser disponvel comercialmente no Brasil, mais seguro e pode substituir o uso da neostigmina como teste.

6. Prognstico favorvel, mesmo nos casos graves, desde que haja atendimento adequado quanto soroterapia e assistncia ventilatria. Quadro IV Acidentes elapdicos Soroterapia recomendadaOrientao para o tratamento Acidentes raros. Pelo risco de Insuficincia Respiratria Aguda, devem ser considerados como potencialmente graves.SAE - Soro antielapdico.

Soroterapia (no de ampolas) SAE

Via de administrao

10

intravenosa

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Acidentes por Colubrdeos 1. IntroduoA maioria dos acidentes por Colubrdeos so destitudos de importncia por causarem apenas ferimentos superficiais da pele, no havendo inoculao de peonha. Os Colubrdeos de importncia mdica pertencem aos gneros Philodryas (cobra-verde, cobra-cip) e Cleia (muurana, cobra-preta), havendo referncia de acidente com manifestaes locais tambm por Erythrolamprus aesculapii. A posio posterior das presas inoculadoras desses animais pode explicar a raridade de acidentes com alteraes clnicas.

2. Aes do venenoMuito pouco se conhece das aes dos venenos dos Colubrdeos. Estudos com animais de experimentao mostraram que o veneno de Philodryas olfersii possui atividades hemorrgica, proteoltica, fibrinogenoltica e fibrinoltica estando ausentes as fraes coagulantes.

3. Quadro clnicoAcidentes por Philodryas olfersii e Clelia clelia plumbea podem ocasionar edema local importante, equimose e dor, semelhantes aos observados nos acidentes botrpicos, porm sem alterao da coagulao (fig. 27).

Fig. 27. Acidente por Philodryas olfersii: edema extenso e equimoses em paciente picado no punho h dois dias (Foto: Acervo HVB/IB).

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4. ComplicaesNo so observadas complicaes nesses casos.

5. Exames complementaresA determinao do TC pode ser til no diagnstico diferencial com os envenenamentos botrpicos e laquticos, uma vez que este parmetro no deve se mostrar alterado nos acidentes por colubrdeos.

6. TratamentoO tratamento nos casos de acidentes por P. olfersii sintomtico. Tem sido relatada experimentalmente a neutralizao da ao hemorrgica do veneno de Philodryas pelo soro antibotrpico. Este fato sugere a presena de antgenos comuns aos venenos dessas serpentes e algumas espcies de Bothrops. Em raros acidentes humanos por esses Colubrdeos, o soro antibotrpico foi empregado sem que se possa at o momento concluir sobre os eventuais benefcios decorrentes da sua utilizao.

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II - Escorpionismo

1. IntroduoOs acidentes escorpinicos so importantes em virtude da grande freqncia com que ocorrem e da sua potencial gravidade, principalmente em crianas picadas pelo Tityus serrulatus.

2. EpidemiologiaA partir da implantao da notificao dos acidentes escorpinicos no pas, em 1988, vem se verificando um aumento significativo no nmero de casos. Dados do Ministrio da Sade indicam a ocorrncia de cerca de 8.000 acidentes/ano, com um coeficiente de incidncia de aproximadamente trs casos/100.000 habitantes. 0 maior nmero de notificaes proveniente dos estados de Minas Gerais e So Paulo, responsveis por 50% do total. Tem sido registrado aumento significativo de dados provenientes dos estados da Bahia, Rio Grande do Norte, Alagoas e Cear. Os principais agentes de importncia mdica so: T. serrulatus, responsvel por acidentes de maior gravidade, T. bahiensis e T. stigmurus. Na regio Sudeste, a sazonalidade semelhante dos acidentes ofdicos. ocorrendo a maioria dos casos nos meses quentes e chuvosos. As picadas atingem predominantemente os membros superiores, 65% das quais acometendo mo e antebrao. A maioria dos casos tem curso benigno, situando-se a letalidade em 0,58%. Os bitos tm sido associados, com maior freqncia, a acidentes causados por T. serrulatus, ocorrendo mais comumente em crianas menores de 14 anos (tabela 4). Tabela 4 Distribuio, segundo faixa etria, do nmero de casos e bitos devido a acidentes escorpinicos - Brasil - jan/90 a dez/93Faixa Etria (anos) 50 No informado Total No Casos 99 1.964 5.094 4.024 6.579 2.500 4.566 24.826 No bitos 4 44 79 11 3 2 143 % 2,8 30,8 55,2 7,7 2,1 0,0 1,4 100,0

3. Escorpies de importncia mdicaOs escorpies ou lacraus apresentam o corpo formado pelo tronco (prosoma e mesosoma) e pela cauda (metasoma). O prosoma dorsalmente coberto por uma carapaa indivisa, o cefalotrax, e nele se articulam os quatro pares de pernas, um par de quelceras e um par de pedipalpos. O mesosoma apresenta sete segmentos dorsais, os tergitos, e cinco ventrais, os esternitos. A cauda formada por cinco segmentos e no final da mesma situa-se o telso, composto de vescula e ferro (aguilho) (fig. 28). A vescula contm duas glndulas de veneno. Estas glndulas produzem o veneno que inoculado pelo ferro.FUNASA - outubro/2001 - pg. 37

Fig. 28. Morfologia externa do escorpio

Os escorpies so animais carnvoros, alimentando-se principalmente de insetos, como grilos ou baratas. Apresentam hbitos noturnos, escondendo-se durante o dia sob pedras, troncos, dormentes de linha de trem, em entulhos, telhas ou tijolos. Muitas espcies vivem em reas urbanas, onde encontram abrigo dentro e prximo das casas, bem como alimentao farta. Os escorpies podem sobreviver vrios meses sem alimento e mesmo sem gua, o que torna seu combate muito difcil. Os escorpies de importncia mdica no Brasil pertencem ao gnero Tityus (fig. 29), que o mais rico em espcies, representando cerca de 60% da fauna escorpinica neotropical (figs. 30, 31, 32, 33 e 34).

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a) quelcera

Presena de uma quilha longitudinal mediana nos tergitos.

Um dente do dedo fixo da quelcera.

c) pedipalpo

b) esterno em forma triangularFig. 29. Principais caractersticas do gnero Tityus.

Gume do dedo mvel do palpo com filas oblquas de granulaes.

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Espcies do gnero Tityus de importncia mdica no BrasilFig. 30. Tityus serrulatus: tronco marrom-escuro; pedipalpos e patas amarelados, a cauda, que tambm amarelada, apresenta uma serrilha dorsal nos dois ltimos segmentos (da o nome Tityus serrulatus) e uma mancha escura no lado ventral da vescula. Comprimento de 6 cm a 7 cm. (Foto: R. Bertani) Distribuio geogrfica: Bahia, Esprito Santo, Gois, Minas Gerais, Paran, Rio de Janeiro e So Paulo.

Fig. 31. Tityus bahiensis: tronco marrom-escuro, patas com manchas escuras; pedipalpos com manchas escuras nos fmures e nas tbias. Comprimento de 6 cm a 7 cm (Foto: R. Bertani). Distribuio geogrfica: Gois, So Paulo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paran, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Fig. 32. Tityus stigmurus: tronco amarelo-escuro, apresentando um tringulo negro no cefalotrax, uma faixa escura longitudinal mediana e manchas laterais escuras nos tergitos. Comprimento de 6 cm a 7 cm (Foto: R. Bertani). Distribuio geogrfica: estados da regio Nordeste do Brasil.

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Fig. 33. Tityus cambridgei: tronco e pernas escuros, quase negros, Comprimento de aproximadamente 8,5 cm. (Foto: R. Bertani) Distribuio geogrfica: regio Amaznica.

Fig. 34. Tityus metuendus: tronco vermelho-escuro, quase negro com manchas confluentes amareloavermelhadas; patas com manchas amareladas; cauda da mesma cor do tronco apresentando um espessamento dos ltimos dois artculos. Comprimento de 6 cm a 7 cm (Foto: R. Bertani). Distribuio geogrfica: Amazonas, Acre e Par.

Do ponto de vista de sade pblica, tem sido preocupante o aumento da disperso do Tityus serrulatus. Esta espcie tem sido encontrada no Recncavo Baiano, Distrito Federal, Minas Gerais, na periferia da cidade de So Paulo, no interior do estado de So Paulo e norte do Paran. Esta disperso tem sido explicada em parte pelo fato de a espcie Tityus serrulatus se reproduzir por partenognese. No estado de Pernambuco (Recife), h relatos de bitos provocados por T. stigmurus, espcie que tambm tem sido capturada em Alagoas. O T. cambridgei (escorpio preto) a espcie mais freqente na Amaznia Ocidental (Par e Maraj), embora quase no haja registro de acidentes.

4. Aes do venenoEstudos bioqumicos experimentais demonstraram que a inoculao do veneno bruto ou de algumas fraes purificadas ocasiona dor local e efeitos complexos nos canais de sdio, produzindo despolarizao das terminaes nervosas ps-ganglionares, com liberao de catecolaminas e acetilcolina. Estes mediadores determinam o aparecimento de manifestaes orgnicas decorrentes da predominncia dos efeitos simpticos ou parassimpticos.

5. Quadro clnicoOs acidentes por Tityus serrulatus so mais graves que os produzidos por outras espcies de Tityus no Brasil. A dor local, uma constante no escorpionismo, pode ser acompanhada por parestesias. Nos acidentes moderados e graves, observados principalmente em crianas, aps intervalo de minutos at poucas horas (duas, trs horas), podem surgir manifestaes sistmicas. As principais so:FUNASA - outubro/2001 - pg. 41

a) Gerais: hipo ou hipertermia e sudorese profusa. b) Digestivas: nuseas, vmitos, sialorria e, mais raramente, dor abdominal e diarria. c) Cardiovasculares: arritmias cardacas, hipertenso ou hipotenso arterial, insuficincia cardaca congestiva e choque. d) Respiratrias: taquipnia, dispnia e edema pulmonar agudo. e) Neurolgicas: agitao, sonolncia, confuso mental, hipertonia e tremores. O encontro de sinais e sintomas mencionados impe a suspeita diagnstica de escorpionismo, mesmo na ausncia de histria de picada e independente do encontro do escorpio. A gravidade depende de fatores, como a espcie e tamanho do escorpio, a quantidade de veneno inoculado, a massa corporal do acidentado e a sensibilidade do paciente ao veneno. Influem na evoluo o diagnstico precoce, o tempo decorrido entre a picada e a administrao do soro e a manuteno das funes vitais. Com base nas manifestaes clnicas, os acidentes podem ser inicialmente classificados como: a) Leves: apresentam apenas dor no local da picada e, s vezes, parestesias. b) Moderados: caracterizam-se por dor intensa no local da picada e manifestaes sistmicas do tipo sudorese discreta, nuseas, vmitos ocasionais, taquicardia, taquipnia e hipertenso leve. c) Graves: alm dos sinais e sintomas j mencionados, apresentam uma ou mais manifestaes como sudorese profusa, vmitos incoercveis, salivao excessiva, alternncia de agitao com prostrao, bradicardia, insuficincia cardaca, edema pulmonar, choque, convulses e coma. Os bitos esto relacionados a complicaes como edema pulmonar agudo e choque.

6. Exames complementaresO eletrocardiograma de grande utilidade no acompanhamento dos pacientes. Pode mostrar taquicardia ou bradicardia sinusal, extra-sstoles ventriculares, distrbios da repolarizao ventricular como inverso da onda T em vrias derivaes, presena de ondas U proeminentes, alteraes semelhantes s observadas no infarto agudo do miocrdio (presena de ondas Q e supra ou infradesnivelamento do segmento ST) e bloqueio da conduo atrioventricular ou intraventricular do estmulo (fig. 35). Estas alteraes desaparecem em trs dias na grande maioria dos casos, mas podem persistir por sete ou mais dias.

Fig 35. Eletrocardiograma de uma criana picada pelo escorpio Tityus serrulatus mostrando taquicardia sinusal e infradesnivelamento acentuado do segmento ST (padro semelhante a infarto agudo do miocrdio) (Foto: C.F. Amaral).

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Fig 36. Radiografia do trax de criana picada pelo escorpio Tityus serrulatus mostrando edema pulmonar acometendo predominantemente o pulmo esquerdo e aumento da rea cardaca (Foto: C.F. Amaral).

A radiografia de trax pode evidenciar aumento da rea cardaca e sinais de edema pulmonar agudo, eventualmente unilateral (fig. 36). A ecocardiografia tem demonstrado, nas formas graves, hipocinesia transitria do septo interventricular e da parede posterior do ventrculo esquerdo, s vezes associada regurgitao mitral. A glicemia geralmente apresenta-se elevada nas formas moderadas e graves nas primeiras horas aps a picada. A amilasemia elevada em metade dos casos moderados e em cerca de 80% dos casos graves. A leucocitose com neutrofilia est presente nas formas graves e em cerca de 50% das moderadas. Usualmente h hipopotassemia e hiponatremia. A creatinofosfoquinase e sua frao MB so elevadas em porcentagem significativa dos casos graves. O emprego de tcnicas de imunodiagnstico (ELISA) para deteco de veneno do escorpio Tityus serrulatus tem demonstrado a presena de veneno circulante nos pacientes com formas moderadas e graves de escorpionismo. Nos raros casos de pacientes com hemiplegia, a tomografia cerebral computadorizada pode mostrar alteraes compatveis com infarto cerebral.

7. Tratamento7.1. Sintomtico Consiste no alvio da dor por infiltrao de lidocana a 2% sem vasoconstritor (1 ml a 2 ml para crianas; 3 ml a 4 ml para adultos) no local da picada ou uso de dipirona na dose de 10 mg/kg de peso a cada seis horas. Os distrbios hidroeletrolticos e cido-bsicos devem ser tratados de acordo com as medidas apropriadas a cada caso. 7.2. Especfico Consiste na administrao de soro antiescorpinico (SAEEs) ou antiaracndico (SAAr) aos pacientes com formas moderadas e graves de escorpionismo, que so mais freqentes nas crianas picadas pelo Tityus serrulatus (8% a 10 % dos casos). Deve ser realizada, o mais precocemente possvel, por via intravenosa e em dose adequada, de acordo com a gravidade estimada do acidente (quadro V). O objetivo da soroterapia especfica neutralizar oFUNASA - outubro/2001 - pg. 43

veneno circulante. A dor local e os vmitos melhoram rapidamente aps a administrao da soroterapia especfica. A sintomatologia cardiovascular no regride prontamente aps a administrao do antiveneno especfico. Entretanto, teoricamente, a administrao do antiveneno especfico pode impedir o agravamento das manifestaes clnicas pela presena de ttulos elevados de anticorpos circulantes capazes de neutralizar a toxina que est sendo absorvida a partir do local da picada. A administrao do SAEEs segura, sendo pequena a freqncia e a gravidade das reaes de hipersensibilidade precoce. A liberao de adrenalina pelo veneno escorpinico parece proteger os pacientes com manifestaes adrenrgicas contra o aparecimento destas reaes. 7.3. Manuteno das funes vitais Os pacientes com manifestaes sistmicas, especialmente crianas (casos moderados e graves), devem ser mantidos em regime de observao continuada das funes vitais, objetivando o diagnstico e tratamento precoces das complicaes. A bradicardia sinusal associada a baixo dbito cardaco e o bloqueio AV total devem ser tratados com injeo venosa de atropina na dose de 0,01 a 0,02 mg/kg de peso. A hipertenso arterial mantida associada ou no a edema pulmonar agudo tratada com o emprego de nifedipina sublingual, na dose de 0,5 mg/kg de peso. Nos pacientes com edema pulmonar agudo, alm das medidas convencionais de tratamento, deve ser considerada a necessidade de ventilao artificial mecnica, dependendo da evoluo clnica. O tratamento da insuficincia cardaca e do choque complexo e geralmente necessita do emprego de infuso venosa contnua de dopamina e/ou dobutamina (2,5 a 20 mg/kg de peso/ min), alm das rotinas usuais para estas complicaes. Quadro V Acidentes escorpinicos Classificao dos acidentes quanto gravidade, manifestaes clnicas e tratamento especficoSoroterapia (no de ampolas) SAEEs ou SAAr**

Classificao Leve*

Manifestaes Clnicas Dor e parestesia locais Dor local intensa associada a uma ou mais manifestaes, como nuseas, vmitos, sudorese, sialorria discretos, agitao, taquipnia e taquicardia. Alm das citadas na forma moderada, presena de uma ou mais das seguintes manifestaes: vmitos profusos e incoercveis, sudorese profusa, sialorria intensa, prostrao, convulso, coma, bradicardia, insuficincia cardaca, edema pulmonar agudo e choque.

-

Moderado

2a3 IV

Grave

4 a 6 IV***

* Tempo de observao das crianas picadas: 6 a 12 horas. ** SAEEs = Soro antiescorpinico/SAAr = Soro antiaracndico. *** Na maioria dos casos graves quatro ampolas so suficientes para o tratamento, visto que neutralizam o veneno circulante e mantm concentraes elevadas de antiveneno circulante por pelo menos 24 horas aps a administrao da soroterapia.

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III - Aranesmo

1. IntroduoNo Brasil, existem trs gneros de aranhas de importncia mdica: Phoneutria, Loxosceles e Latrodectus. Os acidentes causados por Lycosa (aranha-de-grama), bastante freqentes e pelas caranguejeiras, muito temidas, so destitudos de maior importncia.

2. EpidemiologiaDesde a implantao do Sistema de Notificao dos acidentes aranedicos, vem-se observando um incremento da notificao de casos no pas, notadamente nos estados do Sul. Todos os atendimentos decorrentes de acidentes com aranhas, mesmo quando no haja utilizao de soroterapia, deveriam ser notificados. Tal procedimento possibilitaria um melhor dimensionamento deste tipo de agravo, nas diversas regies do pas. Segundo os dados do Ministrio da Sade, o coeficiente de incidncia dos acidentes aranedicos situa-se em torno de 1,5 casos por 100.000 habitantes, com registro de 18 bitos no perodo de 1990-1993. A maioria das notificaes provem das regies Sul e Sudeste (tabela 5). Tabela 5 Distribuio dos acidentes aranedicos, segundo o gnero envolvido, por macrorregio Brasil 1990 1993Gnero Phoneutria Loxosceles Latrodectus Outros No informado N 1 1 0 15 35 NE 6 15 58 88 400 SE 2.885 267 0 277 2.561 S 1.912 6.224 13 645 2.205 CO 5 5 0 44 123 Total 4.809 6.512 71 1.069 5.324

3. As aranhas de importncia mdicaAs aranhas so animais carnvoros, alimentando-se principalmente de insetos, como grilos e baratas. Muitas tm hbitos domiciliares e peridomiciliares. Apresentam o corpo dividido em cefalotrax e abdome. No cefalotrax articulam-se os quatro pares de pernas, um par de pedipalpos e um par de quelceras. Nas quelceras esto os ferres utilizados para inoculao do veneno (fig. 37).

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Fig. 37. Morfologia externa das aranhas

3.1. Phoneutria So conhecidas popularmente como aranhas armadeiras, em razo do fato de, ao assumirem comportamento de defesa, apiam-se nas pernas traseiras, erguem as dianteiras e os palpos, abrem as quelceras, tomando bem visveis os ferres, e procuram picar (figs. 38 e 39). Podem atingir de 3 cm a 4 cm de corpo e at 15 cm de envergadura de pernas. No constroem teia geomtrica, sendo animais errantes que caam principalmente noite. Os acidentes ocorrem freqentemente dentro das residncias e nas suas proximidades, ao se manusearem material de construo, entulhos, lenha ou calando sapatos. As espcies descritas para o Brasil so: P. fera, P. keyserfingi, P. nigriventer e P. reidyi.

2:4:2

Fig. 38. a) Phoneutria nigriventer (aranha armadeira), corpo coberto de plos curtos de colorao marromacinzentada; no dorso do abdome, desenho formado por faixa longitudinal de manchas pares mais claras e faixas laterais oblquas; quelceras com revestimento de plos avermelhados ou alaranjados, vista dorsal (Fotos: R. Bertani). b) Disposio caracterstica dos olhos contados a partir das quelceras(2:4:2).

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Fig. 39. Phoneutria nigriventer (aranha armadeira) em posio de ataque/defesa (Fotos: R. Bertani).

3.1.1. Distribuio geogrfica das espcies do gnero Phoneutria a) P. fera e P. reidyi - regio Amaznica; b) P. nigriventer - Gois, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paran, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, So Paulo e Santa Catarina; c) P. keyserfingi - Esprito Santo, Minas Gerais, Paran, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, So Paulo e Santa Catarina. 3.2. Loxosceles Conhecidas popularmente como aranhas-marrons, constroem teias irregulares em fendas de barrancos, sob cascas de rvores, telhas e tijolos empilhados, atrs de quadros e mveis, cantos de parede, sempre ao abrigo da luz direta. Podem atingir 1 cm de corpo e at 3 cm de envergadura de pernas (fig. 40). No so aranhas agressivas, picando apenas quando comprimidas contra o corpo. No interior de domiclios, ao se refugiar em vestimentas, acabam provocando acidentes. Vrias so as espcies descritas para o Brasil. As principais causadoras de acidentes so: L. intermedia, L. laeta e L. gaucho.

2:2:2Fig. 40. a) Loxosceles gaucho (aranha marrom), corpo revestido de plos curtos e sedosos de cor marrom esverdeada com pequenas variaes; no cefalotrax: desenho claro em forma de violino ou estrela, vista dorsal (Foto: R. Bertani). b) Disposio caractersticas dos olhos contados a partir das quelceras (2:2:2).

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3.2.1. Distribuio geogrfica das espcies do gnero Loxosceles a) L. intermedia - predomina nos estados do sul do pas; b) L. laeta - ocorre em focos isolados em vrias regies do pas, principalmente no estado de Santa Catarina; c) L. gaucho - predomina no estado de So Paulo. 3.3. Latrodectus So conhecidas popularmente como vivas-negras. As fmeas so pequenas e de abdome globular, apresentando no ventre um desenho caracterstico em forma de ampulheta. Constroem teias irregulares entre vegetaes arbustivas e gramneas, podendo tambm apresentar hbitos domiciliares e peridomiciliares. Os acidentes ocorrem normalmente quando so comprimidas contra o corpo. As fmeas apresentam o corpo com aproximadamente 1 cm, de comprimento e 3 cm de envergadura de pernas (fig. 41). Os machos so muito menores, em mdia 3 mm de comprimento, no sendo causadores de acidentes. No Brasil, registrada a ocorrncia das espcies L. curacaviensis e L. gemetricus principalmente na regio Nordeste.

4:4

Fig. 41. a) Latrodectus curacaviensis (viva-negra, flamenguinha), abdome com manchas de colorido vermelho vivo sob fundo preto, vista lateral (Foto: R. Bertani). b) Disposio caracterstica dos olhos contados a partir das quelceras (4:4)

3.3.1. Distribuio geogrfica das espcies do gnero Latrodectus a) L. curacaviensis - Cear, Bahia, Esprito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e So Paulo; b) L. geometricus - encontrada praticamente em todo o pas. 3.4. Aranhas da famlia Lycosidae So conhecidas como aranha-de-grama ou aranha-de-jardim. Os acidentes, apesar de freqentes, no constituem problema de sade pblica. So aranhas errantes, no constroem teia e freqentemente so encontradas em gramados e jardins. Podem variar de tamanho, sendo que as maiores atingem at 3 cm de corpo por 5 cm de envergadura de pernas. (fig. 42). H um grande nmero de espcies descritas para todo o Brasil.

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4:2:2Fig. 42. a) Lycosa erythrognatha (aranha-de-grama), corpo com colorao marrom com faixas claras no cefalotrax e no dorso do abdome; no dorso do abdome, desenho que lembra uma seta, comum s aranhas deste grupo, vista dorsal (Foto: R. Bertani). b) Disposio caracterstica dos olhos contados a partir das quelceras (4:2:2).

3.5. Aranhas caranguejeiras Apresentam uma grande variedade de colorido e de tamanho, desde alguns milmetros at 20 cm de envergadura de pernas. Algumas so muito pilosas. Os acidentes so destitudos de importncia mdica, sendo conhecida a irritao ocasionada na pele e mucosas por causa dos plos urticantes que algumas espcies liberam como forma de defesa.

Fig. 43. Vitaflus sorocabac (aranha caranguejeira), dorso do abdome com regio nua onde ficam implantados os plos urticantes.

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Acidentes por Phoneutria 1. IntroduoAs aranhas do gnero Phoneutria so popularmente conhecidas como aranhas armadeiras. Embora provoquem acidentes com freqncia, estes raramente levam a um quadro grave. O foneutrismo representa 42,2% dos casos de aranesmo notificados no Brasil, predominantemente nos estados do Sul e Sudeste. Os acidentes ocorrem em reas urbanas, no intra e peridomiclio, atingindo principalmente os adultos de ambos os sexos. As picadas ocorrem preferencialmente em mos e ps.

2. Aes do venenoEstudos experimentais demonstram que o veneno bruto e a frao purificada PhTx2 da peonha de P. nigriventer causam ativao e retardo da inativao dos canais neuronais de sdio. Este efeito pode provocar despolarizao das fibras musculares e terminaes nervosas sensitivas, motoras e do sistema nervoso autnomo, favorecendo a liberao de neurotransmissores, principalmente acetilcolina e catecolaminas. Recentemente, tambm foram isolados peptdeos do veneno de P. nigriventer que podem induzir tanto a contrao da musculatura lisa vascular quanto o aumento da permeabilidade vascular, por ativao do sistema calicrena-cininas e de xido ntrico, independentemente da ao dos canais de sdio. O conhecimento destas aes pode auxiliar na compreenso da fisiopatologia do envenenamento, principalmente em relao presena da dor local, priapismo, choque e edema pulmonar.

3. Quadro clnicoPredominam as manifestaes locais. A dor imediata o sintoma mais freqente, em apenas 1% dos casos os pacientes se apresentam assintomticos aps a picada. Sua intensidade varivel, podendo se irradiar at a raiz do membro acometido. Outras manifestaes so: edema, eritema, parestesia e sudorese no local da picada (fig. 44), onde podem ser visualizadas as marcas de dois pontos de inoculao.

Fig. 44. Acidente por Phoneutria sp: edema discreto no dorso da mo em indivduo picado h duas horas (Foto: Acervo HVB/IB).

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Os acidentes so classificados em: a) Leves: so os mais freqentes, correspondendo a cerca de 91% dos casos. Os pacientes apresentam predominantemente sintomatologia local. A taquicardia e agitao, eventualmente presentes, podem ser secundrias dor. b) Moderados: ocorrem em aproximadamente 7,5% do total de acidentes por Phoneutria. Associadas s manifestaes locais, aparecem alteraes sistmicas, como taquicardia, hipertenso arterial, sudorese discreta, agitao psicomotora, viso turva e vmitos ocasionais. c) Graves: so raros, aparecendo em tomo de 0,5% do total, sendo praticamente restritos s crianas. Alm das alteraes citadas nas fornias leves e moderadas, h a presena de uma ou mais das seguintes manifestaes clnicas: sudorese profusa, sialorria, vmitos freqentes, diarria, priapismo, hipertonia muscular, hipotenso arterial, choque e edema pulmonar agudo.

4. Exames complementaresEm acidentes graves envolvendo crianas, verificaram-se leucocitose com neutrofilia, hiperglicemia, acidose metablica e taquicardia sinusal. Todavia, no existem estudos clnicos controlados visando avaliar o tempo necessrio para normalizao desses exames. aconselhvel a monitorizao das condies cardiorrespiratrias nos acidentes graves.

5. Tratamentoa) Sintomtico: a dor local deve ser tratada com infiltrao anestsica local ou troncular base de lidocana a 2% sem vasoconstritor (3 ml - 4 ml em adultos e de 1 ml - 2 ml em crianas). Havendo recorrncia da dor, pode ser necessrio aplicar nova infiltrao, em geral em intervalos de 60 a 90 minutos. Caso sejam necessrias mais de duas infiltraes, e desde que no existam sintomas de depresso do sistema nervoso central, recomenda-se o uso cuidadoso da meperidina (Dolantina), nas seguintes doses: crianas - 1,0 mg/kg via intramuscular e adultos 50 mg -100 mg via intramuscular. A dor local pode tambm ser tratada com um analgsico sistmico, tipo dipirona. Outro procedimento auxiliar, til no controle da dor, a imerso do local em gua morna ou o uso de compressas quentes. b) Especfico: a soroterapia tem sido formalmente indicada nos casos com manifestaes sistmicas em crianas e em todos os acidentes graves. Nestas situaes, o paciente deve ser internado para melhor controle dos dados vitais, parmetros hemodinmicos e tratamento de suporte das complicaes associadas. No quadro VI esto resumidas as manifestaes clnicas e as medidas teraputicas recomendadas.Observao: Deve ser evitado o uso de algumas drogas anti-histamnicas, principalmente a prometazina (Fenergan), em crianas e idosos. Os efeitos txicos ou idiossinersicos destes medicamentos podem determinar manifestaes como sonolncia, agitao psicomotora, alteraes pupilares e taquicardia, que podem ser confundidas com as do envenenamento sistmico.

6. PrognsticoO prognstico bom. Lactentes e pr-escolares, bem como os idosos, devem sempre ser mantidos em observao pelo menos por seis horas. Os bitos so muito raros, havendo relatos de 14 mortes na literatura nacional de 1926 a 1996.

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Quadro VI Foneutrismo Classificao quanto gravidade e manifestaes clnicas tratamento geral e especficoClassificao Leve* Manifestaes Clnicas Dor local na maioria dos casos, eventual-mente taquicardia e agitao. Dor local intensa associada a: sudorese e/ou vmitos ocasionais e/ou agitao e/ou hipertenso arterial. Alm das anteriores, apresenta uma ou mais das seguintes manifestaes: sudorese profusa, sialorria, vmitos feqentes, hipertonia muscular, priapismo, choque e/ou edema pulmonar agudo. Tratamento Geral Observao at seis horas Tratamento Especfico -

Moderado

Internao

2 - 4 ampolas deSAAr* (crianas) IV

Grave

Unidade deCuidados Intensivos

5 - 10 ampolas de SAAr* IV

* SAAr = Soro antiaracndico: uma ampola = 5 ml (1 ml neutraliza 1,5 dose mnima mortal)

Acidentes por Loxosceles 1. IntroduoO loxoscelismo tem sido descrito em vrios continentes. Corresponde forma mais grave de aranesmo no Brasil. A maioria dos acidentes por Loxosceles notificados se concentra nos estados do Sul, particularmente no Paran e Santa Catarina. O acidente atinge mais comumente adultos, com discreto predomnio em mulheres, ocorrendo no intradomiclio. Observa-se uma distribuio centrpeta das picadas, acometendo coxa, tronco ou brao.

2. Aes do venenoH indicaes de que o componente mais importante do veneno loxosclico a enzima esfingomielinase-D que, por ao direta ou indireta, atua sobre os constituintes das membranas das clulas, principalmente do endotlio vascular e hemcias. Em virtude desta ao, so ativadas as cascatas do sistema complemento, da coagulao e das plaquetas, desencadeando intenso processo inflamatrio no local da picada, acompanhado de obstruo de pequenos vasos, edema, hemorragia e necrose focal. Admite-se, tambm, que a ativao desses sistemas participa da patognese da hemlise intravascular observada nas formas mais graves de envenenamento. Evidncias experimentais indicam diferena de atividade dos venenos das vrias espcies de Loxosceles de importncia mdica no Brasil. Assim, o veneno de L. laeta tem-se mostrado mais ativo no desencadeamento de hemlise experimental quando comparado aos venenos de L. gaucho ou L. intermedia.

3. Quadro clnicoA picada quase sempre imperceptvel e o quadro clnico decorrente do envenenamento se apresenta sob dois aspectos fundamentais:FUNASA - outubro/2001 - pg. 52

3.1. Forma cutnea Varia de 87% a 98% dos casos, conforme a regio geogrfica. De instalao lenta e progressiva, caracterizada por dor, edema endurado e eritema no local da picada que so pouco valorizados pelo paciente. Os sintomas locais se acentuam nas primeiras 24 a 72 horas aps o acidente, podendo variar sua apresentao desde: a) Leso incaracterstica: bolha de contedo seroso, edema, calor e rubor, com ou sem dor em queimao; b) Leso sugestiva: endurao, bolha, equimoses e dor em queimao at; c) Leso caracterstica: dor em queimao, leses hemorrgicas focais, mescladas com reas plidas de isquemia (placa marmrea) e necrose (fig. 45). Geralmente o diagnstico feito nesta oportunidade. As