manifesto das midia locativas

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  • 8/9/2019 Manifesto das Midia Locativas

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    404nOtF0und

    ANO 9, VOL 1, N. 71, Maio - Junho/2009

    ISSN 1676-2916Publicao do Ciberpesquisa - Centro Internacional de Estudos e Pesquisas em Cibercultura

    Editor: Andr LemosEditor Assistente: Cludio Manoel

    Manifesto sobre as Mdias LocativasAndr Lemos

    Professor Associado da Faculdade de Comunicao da UFBa.

    http://andrelemos.info

    Para Bernardo, que j busca o seu lugar no mundo.

    Mdia Todo artefato e processo que permite superar constrangimentos infocomunicacionais do espao e do tempo.Mdias produzem espacializao, ao social sobre um espao. Mdias produzem lugares.

    Locativo Categoria gramatical que exprime lugar, como em ou ao lado de, indicando a localizao final ou omomento de uma ao.

    Mdia Locativa. Tecnologias e servios baseados em localizao (LBT e LBS) cujos sistemas infocomunicacionais soatentos e reagem ao contexto. Ao comunicacional onde informaes digitais so processadas por pessoas, objetos elugares atravs de dispositivos eletrnicos, sensores e redes sem fio. Dimenso atual da cibercultura constituindo a erado ciberespao vazando para o mundo real (Russel, 1999), a era da internet das coisas.

    1. Crie situaes para perder-se. O medo de perder-se co rrelato ao medo de encontrar. Mas perdendo-se,encontra-se. A desorientao uma forma de apropriao do espao! Tudo localizar, mapear, indexar uma mortesimblica: o medo do impondervel, do encontro com o acaso: evitar uma dimenso vital da existncia. Perder-se um achar-se perigoso, como diz Clarice Lispector.

    2. Erros, falhas, esquecimentos de localizaes e de movimentaes so as nicas possibilidades de salvao dahiperracionalizao atual do espao. S uma apropriao ttica dos dispositivos, sensores e redes poder produzirnovos sentidos dos lugares. Desconfie de sua posio e de seu status de nmade. Quando sua operadora diz, voc nmade, desconfie. Mas saiba que o nomadismo um trao essencial da aventura humana na terra!

    3. Tudo locativo: aprendemos, amamos, socializamos, jogamos, brigamos, festejamos, trabalhamos..., sempre deforma locativa. No h nada fora do tempo ou do ESPAO. E o espao social o LUGAR. Em tudo, o lugar o queimporta.

    4. Lugar composto por fluxos de diversas territorializaes. Ele sempre dinmico e, ao mesmo tempo, enraizado.Lugar vnculo social. Lugar fluxo de emoes, topos, memria e cristalizao de sentimentos. Lugar no fixao mas interrelao. Com as mdias locativas, o lugar deve ser visto como fluxo de diversas territorializaes(sociocultural, imaginria, simblica) + bancos de dados informacionais. Espaos visveis marcados por fluxos invisveisde informao circulando por redes invisveis.

    5. Hoje impossvel pensar os lugares sem os territrios informacionais. Mas lugares persistem sem nenhumainformatizao. No esquea destes lugares. Pense nos contextos independentes de qualquer tecnologia.

    6. Estamos na era da computao ubqua e pervasive (Weiser), ou seja da informtica em todos os lugares e em todasas coisas. Mas no h tecnologias sensveis e nenhuma delas est atenta a contextos! Elas esto em tudo e em todosos lugares, mas no sabem o que um contexto e nem tem capacidades de sentir o local.

    7. Depois do upload para a Matrix l em cima, a internet 1.0, agora a vez do "download do ciberespao", dainformao nas coisas aqui em baixo, a internet 2.0. No se trata mais do virtual l em cima, mas do que fazer comtoda essa informao das coisas e dos lugares aqui de baixo! Como nos relacionamos com as co isas e com os lugares?E agora, com essas coisas e lugares dotados de informao digital e conexo internet? Convocamos Heidegger eLefevbre?

    8. Recuse os LBS e LBT que te co locam apenas na posio de mais um consumidor massivo. Busque produzirinformao localizada que faa sentido aqui e agora. Esse o nico meio de construir lugares sociais com essatecnologias de localizao e mobilidade. Reivindique das mdias locativas as funes ps-massivas. A publicidade, omarketing e as operadoras te querem apenas como receptor passivo, massivo, embora supostamente livre, mvel esem fronteiras. Eles te querem controlado, ativo mas consumindo, receptor pensando que est emitindo. Agir mais.Reaja isso.

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    9. Saiba que as mdias de localizao no so novas. Toda mdia , ao mesmo tempo, local e global. Preste ateno smdias locativas analgicas que esto entre ns, pense nas anotaes urbanas como os graffitis, stickers, bilhetes ounotas, preste ateno s marcas nas ruas, aos ndices a sua volta, ao jornalismo local e agora hiperlocal. Aja como umdetetive buscando solucionar os mistrios do espao urbano! Busque o uso crtico dos dispositivos locativos. Lembre-seque o termo mdia locativa foi criado por artistas e ativistas para questionar a massificao dos LBS e LBT.

    10. Use, divulgue e estimule o desenvolvimento de protocolos no-proprietrios, de softwares colaborativos e de fonteaberta, de sistemas operacionais livres e participativos. A sua liberdade no mundo das mdias locativas diretamenteproporcional ao desenvolvimento da computao mvel aberta. Assim como na era do ciberespao l em cima, bemcomo na era da internet pingando nas co isas, lute contra o fechamento dos dispositivos, dos sistemas, dos softwares edos contratos, como os que vigoram no atual sistema de telefonia mvel mundial. Busque, use e distribua jailbreak para

    todos o s sistemas da mobilidade e da localizao!11. Pense que o nico interesse do uso das mdias locativas produzir sentido nos lugares. Se isso no acontece,desligue ou crie um uso que desconstrua o aparelho. Voc no precisa ser preciso, voc no precisa estar localizado otempo todo, voc no precisa ser sempre racional, um homo-economicus total para viver o local! Se os dispositivosajudam, use-o, seno, desvie os usos (hacking) e, se no der mesmo assim, abandone!

    12. Ache um equilbrio entre o clique generalizado no mundo da informao e a contemplao ociosa. Desconecte ereconecte os seus dispositivos, sempre, diariamente, permanentemente. Pare, feche os olhos, abra os ouvidos edesloque-se apenas pelo pensamento, essa desterritorializao absoluta (Deleuze).

    13. A questo da localizao nem sempre est ligada ao espao e ao movimento, mas ao tempo. Pense assim nadurao, na viscosidade das coisas, na imobilidade, no tempo estendido. Saiba que nunca h tempo perdido e impossvel matar o tempo.

    14. Independente de qualquer smartphone ou GPS, o que importa que voc j sabe onde est: "voc est aqui" e"agora". Inverta a mxima de Walter Benjamin (1927) que afirmava que os lugares foram reduzidos a pontos coloridosem um mapa. Faa com que este pontos sejam efetivamente lugares.

    15. Lute para que marcas, indicando nos mapas o que est perto de voc, no evitem o seu encontro com o inusitadonem com o outro. No se preocupe se no souber o que h por perto. Tenha conscincia que, de qualquer forma, vocsempre encontrar o caminho para os lugares que procura. Simples: pea informao, pergunte, procure indcios, encareo espao como algo a ser desbravado, localmente, em contato com o mundo ao seu redor.

    16. Pense nos cruzamentos, nas esquinas, nas diferenas de posicionamento; pense nas conexes, nas distncias e nasaproximaes; pense no audvel e no inaudvel, no visvel e no invisvel, no fixo e no mutvel. Pense nos lugares comoparte da sua existncia, permanentemente em construo. Pense que voc s estando locativamente.

    17. D sentido ao seu lugar no mundo, social, cultural e politicamente. As mdias locativas podem, atravs de anotaes,de mapeamentos, de redes sociais mveis, de mobilizaes polticas ou hedonistas e de jogos de rua, ajudar nesseprocesso. Mas tudo potncia e resta ainda o trabalho difcil, penoso, lento, de atualizao.

    18. Pense nos bairros, nos cruzamentos, nos caminhos, nos pontos histricos, nas bordas (Lynch). Sempre se perguntecomo as mdias locativas podem agir em cada uma dessas dimenses: Como criar comunidade e agir politicamente(bairro)?, como proporcionar encontros (cruzamentos)?, como abrir novas veredas (caminhos)?, como criar novosmarcos (pontos)?, como tensionar as fronteiras (bordas) com essas tecnologias?

    19. Toda mobilidade pressupe imobilidade e no existe e no existir um mundo sem fronteiras. Fronteira controle econtrole pode ser liberdade. A imobilidade uma condio da mobilidade e vice-versa. S podemos pensar uma emrelao outra. Devemos mesmo estar imveis para pensar a mobilidade e em movimento para pensar a inrcia. Definaas suas fronteiras, tenha autonomia no controle de suas bordas, pare para se locomover e locomova-se para parar.

    20. Des-locar no acabar com o lugar, mas coloc-lo em perspectiva. Desloque-se e aproprie-se do urbano, escrevaseu espao com texto , imagens e sons, rena pessoas, jogue, ocupe o espao l fora. As mdias locativas permitemisso. Mas se no conseguir fazer nada disso, ento pense no uso e no porqu dessas tecnologias.

    21. Mapas so sempre psicocartografias, nunca so neutros. Instrumentos tcnicos, mnemnicos e comunicacionais, osmapas, incluindo a os Google Earth, Maps, Street, e seus similares, so sempre expresses de visestendenciosas do mundo. Eles sempre refletem estruturas de poder e servem como instrumentos para estender umdomnio geopoltico. Pense na miopia dos mapas digitais. Compare os detalhes de Tquio e de cidades da frica nosmapas digitais para ter uma idia dessa invisibilidade.

    22. Saiba que todo mapa uma mdia e que todo mapeamento uma ao de comunicao, com mensagem, emissor,canal e receptor. Mapear escrever e ler o espao. Mapear sempre um discurso sobre o espao e o tempo. Mapas,como as mdias, so sempre formas de visualizao, de conhecimento e de produo da realidade do mundo externo.

    Busque, como Borges no Del Rigor de la Cincia, criar mapas que sejam novos territrios na escala 1 x 1.

    23. Construa mapas que desconstruam vises de mundo. Produza mapas do que no mapeado em seu entorno, doque invisvel aos olhos bem abertos. Escape do cartesianismo, do racionalismo e das coordenadas geoespaciais. Tenteusar as mdias locativas para descentralizar o poder de construo de mapas e de sentido sobre os lugares. Como dizMeyrowitz: toda mdia um GPS mental";

    24. No abuse das redes sociais mveis: encontrar amigos e conhecidos ao acaso pode ser mais interessante do que otudo programado. A surpresa pode ser um ingrediente para grandes encontros. Mas pense tambm nas novas formasde voyeurismo, de controle, de monitoramento e de vigilncia de amigos, familiares, empregados e empregadores.

    25. Voc um ponto em roaming nos diversos sistemas (GPS, redes de telefonia celular, etiquetas RFID, redes Wi-Fi oubluetooth...). Saiba que novos tipos de controle, monitoramento e vigilncia (sutis, transparentes e locativos) estocada dia mais presentes em tudo o que voc faz, desde ligar o celular, acessar uma rede sem fio em um caf, atualizarem mobilidade sua rede social, usar o caixa do banco, circular com uma etiqueta RFID em sua camisa ou pagar umpedgio automaticamente ao passar com o seu carro. Pense que no so apenas as cmeras de vigilncia que esto te

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    olhando!

    26. Na atual fase da computao ubqua e da internet das coisas, h os dados fornecidos, os data, mas h tambmaqueles que no so dados, mas captados sua revelia e, as vezes, sem o seu conhecimento, os capta (Kapadia, etal.). Pense neles, nos data que voc fornece e nos capta que te so roubados! Lute para proteger (agenciar) osnovos territrios informacionais de onde emanam os invisveis data e capta. Controle e defenda a sua privacidade eo seu anonimato, fundamento e garantia das democracias modernas. Crie, se for preciso, sistemas de contravigilncia:sousveillance (Mann) contra a surveillance. No limite, fornea informaes imprecisas ou desligue e torne-se invisvel.

    27. No h apenas o panopticom do confinamento disciplinar de Foucault, mas o controlato, a modulao, a cifra e odividual de Deleuze. As paredes no vedam mais nada. Os presos atacam da priso. Para Pascal, o problema dohomem que ele no consegue ficar sozinho no seu quarto. Com as camadas informacionais, o que significa e qual a

    eficincia informacional de mandar algum ficar de castigo, sozinho, no seu quarto?28. No h uso, distribuio, produo ou consumo neutro de informao e ou de tecnologias. Pense em como asmdias locativas podem te ajudar a criar e destruir seus territrios. Quais os limites dos seus territrios? Pense emmaneiras criativas de contar histrias, de fazer poltica, de jogar e de se divertir. Essas tecnologias podem te ajudar aescrever e demarcar eletronicamente o seu espao circundante, mas busque novas significaes, novas memrias doslugares, reforar os vnculos sociais e o imaginrio coletivo.

    29. Comprometa-se em reverter a lgica dos olhares vigilantes, em produzir sons para ouvidos atentos, em criarimagens do passado atreladas ao presente. As mdias locativas s tm importncia se ajudarem a produzir contedoque faa sentido para voc e para o lugar onde vive. No use passivamente nenhuma mdia, especialmente essas queagem sobre a sua mobilidade e localizao no mundo!

    30. Pense no uso da tcnica (ela no neutra), na comunicao como aproximao ao lugar e ao outro (ela no impossvel, mas improvvel - Luhmann) e no seu lugar no planeta (ele parte da sua existncia). A pergunta deve ser:as mdias locativas te ajudam a encontrar o teu lugar no mundo?

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