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19 Cerâmica Industrial, 15 (3) Maio/Junho, 2010 Manchamento do Engobe em Placas Cerâmicas Esmaltadas para Revestimentos – Parte 1: A Mancha D’Água Eduardo Quinteiro a *, Ana Paula Margarido Menegazzo a , José Octavio Armani Paschoal a , Claudia Gibertoni a , Osmar Teixeira Neto a a Centro Cerâmico do Brasil – CCB, Rua Nossa Senhora do Carmo, 96, CEP 13.510-000, Santa Gertrudes - SP, Brasil *e-mail: [email protected] Resumo: Este estudo pretende classificar, identificar e estabelecer procedimentos para detecção dos diferentes tipos de alterações de tonalidade que ocorrem abaixo do esmalte de placas cerâmicas para revestimento. Inicialmente, a mancha d’água é abordada, estabelecendo-se padrões de ocorrência, comparação entre a detecção do manchamento por meio da análise visual e a quantificação da diferença de tonalidade, além da simulação de situações de não conformidade na aplicação das placas cerâmicas que possam contribuir para o aparecimento deste manchamento no engobe. Os resultados apontam para um E máximo tolerável, no sistema CIELab, em torno de 0,75 para que o manchamento não seja percebido. O excesso de água na preparação da argamassa de rejuntamento e o rejuntamento imediato após assentamento das placas, constituem-se em situações críticas que contribuem para a dificuldade de desaparecimento da mancha d’água. Palavras-chave: revestimentos cerâmicos, engobe, manchamento, mancha d´água. 1. Introdução Nos últimos anos, aumentou a freqüência de ocorrência da alteração de tonalidade em revestimentos cerâmicos devido ao manchamento abaixo do esmalte e, mais especificamente, na camada de engobe. Este é um fator que tem afetado o desempenho estético das placas cerâmicas da maioria das empresas brasileiras. Algumas peculiaridades já constatadas sobre este tema são: • As manchas só são visíveis no caso do uso de esmaltes trans- parentes e engobes brancos, ocorrendo com maior frequência a partir das bordas (especialmente se estas forem recortadas), mas também aparecendo ocasionalmente nas regiões centrais das placas; • As manchas podem corresponder simplesmente a alterações de cinza em relação a tonalidade original ou apresentar padrões diferentes de coloração (azulados, avermelhados, esverdeados, etc); • A ocorrência está sempre associada à presença excessiva de umidade no ambiente e ao acesso da água e seu alojamento na camada de engobe, sendo, portanto, mais frequente o seu aparecimento em ambientes úmidos (áreas externas, banheiros, cozinhas, etc); • As manchas de placas arrancadas e trazidas ao laboratório, so- mem quando as peças são simplesmente secas em estufa ou requeimadas a 550 °C. Segundo os padrões e hipóteses estabelecidos, as manchas nos engobes podem ser causadas por: a) Devido à presença de umidade no engobe. Esta alteração de to- nalidade, chamada normalmente pelo nome de Mancha d’Água ou Marca d’Água, consiste no escurecimento da superfície de uso das placas cerâmicas (acinzentamento), perceptível pelo olho humano. Esta alteração de aspecto superficial pode ser permanente ou temporária (quando ocorrem secagem e recu- peração da tonalidade original). Corresponde ao caso mais comum de manchamento do engobe. Todas as outras causas são derivadas deste tipo, ou seja, partem do princípio de que água possa migrar e se alojar na camada de engobe. Não existe uma norma, nacional ou internacional, para revestimentos cerâmicos que apresente um procedimento de ensaio que avalie os produtos acabados quanto a esta característica. Portanto, cada laboratório ou empresa cerâmica adota o seu próprio procedimento interno de avaliação para garantir o desempenho das placas cerâmicas. b)Devido a migração de corantes orgânicos juntamente com a água (presentes em produtos de limpeza, tinturas de cabelo, etc), sendo este caso especialmente favorecido por rejunta- mentos mal executados e na presença de recortes nas placas cerâmicas. c) Devido a cristalização de sais solúveis na camada de engobe, sendo estes transportados na forma de solução aquosa até o engobe. As diferenças de colorações verificadas seriam con- sequência das diferentes composições químicas destes sais provenientes, sobretudo, do sistema revestimento cerâmico. d)As manchas estão associadas à proliferação de fungos dentro da camada de engobe, favorecida pela umidade presente e sendo as diferenças de tons explicadas pelas diferentes variedades de fungos. Os casos (a) e (b) já são bem conhecidos e estudados. Já os casos (c) e (d) correspondem a hipóteses a serem averiguadas para um número crescente de reclamações de padrões diferenciados de manchamentos do engobe. O conteúdo deste artigo concentra-se no caso (a). O escopo da análise vai além da placa cerâmica como um elemento isolado, atentando-se também aos elementos do sistema revestimento cerâmico (argamassa colante e rejuntamento) e aos procedimentos de aplicação das placas cerâmicas. Várias questões ainda geram dúvidas na compreensão deste fenômeno, sendo os dois questionamentos mais frequentes relacionados a: • determinação da ocorrência do fenômeno de forma qualitativa e quantitativa; • identificação dos casos onde é uma patologia desencadeada pelo produto placa cerâmica ou pelos procedimentos de assentamento deste.

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  • 19Cermica Industrial, 15 (3) Maio/Junho, 2010

    Manchamento do Engobe em Placas Cermicas Esmaltadas para Revestimentos Parte 1: A Mancha Dgua

    Eduardo Quinteiroa*, Ana Paula Margarido Menegazzoa,

    Jos Octavio Armani Paschoala, Claudia Gibertonia, Osmar Teixeira Netoa

    aCentro Cermico do Brasil CCB, Rua Nossa Senhora do Carmo, 96, CEP 13.510-000, Santa Gertrudes - SP, Brasil

    *e-mail: [email protected]

    Resumo: Este estudo pretende classificar, identificar e estabelecer procedimentos para deteco dos diferentes tipos de alteraes de tonalidade que ocorrem abaixo do esmalte de placas cermicas para revestimento. Inicialmente, a mancha dgua abordada, estabelecendo-se padres de ocorrncia, comparao entre a deteco do manchamento por meio da anlise visual e a quantificao da diferena de tonalidade, alm da simulao de situaes de no conformidade na aplicao das placas cermicas que possam contribuir para o aparecimento deste manchamento no engobe. Os resultados apontam para um E mximo tolervel, no sistema CIELab, em torno de 0,75 para que o manchamento no seja percebido. O excesso de gua na preparao da argamassa de rejuntamento e o rejuntamento imediato aps assentamento das placas, constituem-se em situaes crticas que contribuem para a dificuldade de desaparecimento da mancha dgua.

    Palavras-chave: revestimentos cermicos, engobe, manchamento, mancha dgua.

    1. IntroduoNos ltimos anos, aumentou a freqncia de ocorrncia da

    alterao de tonalidade em revestimentos cermicos devido ao manchamento abaixo do esmalte e, mais especificamente, na camada de engobe. Este um fator que tem afetado o desempenho esttico das placas cermicas da maioria das empresas brasileiras. Algumas peculiaridades j constatadas sobre este tema so:

    As manchas s so visveis no caso do uso de esmaltes trans-parentes e engobes brancos, ocorrendo com maior frequncia a partir das bordas (especialmente se estas forem recortadas), mas tambm aparecendo ocasionalmente nas regies centrais das placas;

    As manchas podem corresponder simplesmente a alteraes de cinza em relao a tonalidade original ou apresentar padres diferentes de colorao (azulados, avermelhados, esverdeados, etc);

    A ocorrncia est sempre associada presena excessiva de umidade no ambiente e ao acesso da gua e seu alojamento na camada de engobe, sendo, portanto, mais frequente o seu aparecimento em ambientes midos (reas externas, banheiros, cozinhas, etc);

    As manchas de placas arrancadas e trazidas ao laboratrio, so-mem quando as peas so simplesmente secas em estufa ou requeimadas a 550 C.

    Segundo os padres e hipteses estabelecidos, as manchas nos engobes podem ser causadas por:

    a) Devido presena de umidade no engobe. Esta alterao de to-nalidade, chamada normalmente pelo nome de Mancha dgua ou Marca dgua, consiste no escurecimento da superfcie de uso das placas cermicas (acinzentamento), perceptvel pelo olho humano. Esta alterao de aspecto superficial pode ser permanente ou temporria (quando ocorrem secagem e recu-perao da tonalidade original). Corresponde ao caso mais comum de manchamento do engobe. Todas as outras causas so derivadas deste tipo, ou seja, partem do princpio de que gua possa migrar e se alojar na camada de engobe. No existe uma norma, nacional ou internacional, para revestimentos

    cermicos que apresente um procedimento de ensaio que avalie os produtos acabados quanto a esta caracterstica. Portanto, cada laboratrio ou empresa cermica adota o seu prprio procedimento interno de avaliao para garantir o desempenho das placas cermicas.

    b) Devido a migrao de corantes orgnicos juntamente com a gua (presentes em produtos de limpeza, tinturas de cabelo, etc), sendo este caso especialmente favorecido por rejunta-mentos mal executados e na presena de recortes nas placas cermicas.

    c) Devido a cristalizao de sais solveis na camada de engobe, sendo estes transportados na forma de soluo aquosa at o engobe. As diferenas de coloraes verificadas seriam con-sequncia das diferentes composies qumicas destes sais provenientes, sobretudo, do sistema revestimento cermico.

    d) As manchas esto associadas proliferao de fungos dentro da camada de engobe, favorecida pela umidade presente e sendo as diferenas de tons explicadas pelas diferentes variedades de fungos.

    Os casos (a) e (b) j so bem conhecidos e estudados. J os casos (c) e (d) correspondem a hipteses a serem averiguadas para um nmero crescente de reclamaes de padres diferenciados de manchamentos do engobe.

    O contedo deste artigo concentra-se no caso (a). O escopo da anlise vai alm da placa cermica como um elemento isolado, atentando-se tambm aos elementos do sistema revestimento cermico (argamassa colante e rejuntamento) e aos procedimentos de aplicao das placas cermicas.

    Vrias questes ainda geram dvidas na compreenso deste fenmeno, sendo os dois questionamentos mais frequentes relacionados a:

    determinao da ocorrncia do fenmeno de forma qualitativa e quantitativa;

    identificao dos casos onde uma patologia desencadeada pelo produto placa cermica ou pelos procedimentos de assentamento deste.

  • Cermica Industrial, 15 (3) Maio/Junho, 201020

    O objetivo deste estudo foi buscar a elucidao para estes dois pontos, testando uma metodologia quantitativa para identificao da mancha dgua e, por meio de testes com um produto suscetvel mancha dgua em diferentes condies de assentamento, buscar parmetros que indiquem uma patologia de produto ou uma patologia associada ao procedimento de aplicao.

    2. Manifestao da PatologiaA reunio dos casos de atendimentos tcnicos destas reclamaes

    denominadas mancha dgua, permitiu ao CCB o estabelecimento de alguns padres relacionados s diferentes formas de sua manifestao.

    Caso 1: Manchas causadas pela gua que se aloja no engobe da pea, provenientes da prpria superfcie esmaltada de uso. Nestes casos, a deteco de furos no esmalte cermico no difcil por meio de agentes corantes. A Figura 1(a) ilustra a ocorrncia e deteco deste padro de ocorrncia de mancha dgua. O esmalte contendo furos no cumpre sua funo bsica de impermeabilizao caracterizando como um defeito da placa cermica.

    Caso 2: Manchas associadas a um problema construtivo. A Figura 1(b) mostra um caso associado a um vazamento na tubulao hidrulica, manifestando-se a alterao de tonalidade. Na rea de assentamento, a manifestao da patologia est diretamente associada com a regio onde ocorre a falha construtiva.

    Caso 3: Manchas associadas a todas as peas na rea de assentamento. O manchamento observado aps o assentamento e pode ocorrer secagem e recuperao da tonalidade original da pea a partir das bordas. O desaparecimento completo desta mancha pode levar alguns anos ou, em alguns casos, nunca desaparecer completamente. Esta uma manifestao tpica de ocorrncia que tem correlao com os materiais e/ou procedimentos de assentamento (Figura 1c). muito grande a freqncia de reclamaes que se enquadram neste padro de ocorrncia.

    Caso 4: Manchas ocorrem a partir das bordas das peas. Ocorre quando a gua permeia o rejunte, ocasionando o manchamento prximo s bordas, que pode evoluir para a secagem na ausncia de gua na superfcie ou para o manchamento completo da pea, principalmente nas reas de assentamento onde muito freqente o contato com gua (banheiros, cozinhas, etc). Uma segunda situao inclui regies prximas a recortes nas peas, repetindo-se o mesmo padro de ocorrncia. Nesta segunda situao, muitas vezes, observa-se o manchamento irreversvel pela penetrao de agentes corantes (tinturas de cabelo, corantes orgnicos utilizados para colorir o rejunte, produtos de limpeza coloridos, etc). As ocorrncias associadas a estas manifestaes tambm esto diretamente relacionadas aos procedimentos de assentamento, principalmente com a qualidade e incorreta preparao e aplicao da argamassa de rejuntamento.

    Figura 1. Manifestao da mancha dgua devido a) a furos no esmalte, b) a vazamento de rede hidrulica, c) a reteno da gua de preparao da argamassa colante e d) a permeao da gua pelo rejuntamento.

  • Cermica Industrial, 15 (3) Maio/Junho, 2010 21

    Os casos de ocorrncias de manchas dgua avaliados pela equipe de assistncia tcnica do CCB, durante os ltimos anos, enquadram-se em um destes quatro casos, isoladamente ou podendo ocorrer simultaneamente. A grande dificuldade nos casos 3 e 4, majoritariamente verificados, individualizar a contribuio das caractersticas do produto cermico daquelas dos procedimentos de assentamento como determinantes da patologia.

    3. Procedimento ExperimentalNesta etapa foram utilizadas placas cermicas para revestimento

    comerciais. A qualificao por observao a olho nu foi realizada, aps imerso por 5 minutos em gua e para diferentes tempos de secagem, por um mesmo observador a uma distncia de 1 m sob luz de intensidade de 300 lux, gerando a classificao quanto a diferena de tonalidade: No Visvel, Pouco Visvel e Muito Visvel. Paralelamente avaliao visual, buscou-se uma correlao com medidas quantitativas de coordenadas cromticas (L*, a*, b*) e variao de tonalidade (E) antes e aps imerso em gua. Para as medidas das coordenadas cromticas (L*, a*, b*), utilizou-se um espectrofotmetro de reflectncia Konica Minolta, modelo CM-2600d, configurado com iluminante D65, observao a 10 e brilho excluso. A Figura 2 apresenta um esquema do procedimento experimental adotado.

    A diferena de tonalidade, E na Equao 1, na avaliao da mancha dgua em placas cermicas para revestimento foi proposta por Melchiades, Romachelli e Boschi1-3, sendo utilizado principalmente em estudos relacionados ao controle da formulao e caractersticas de engobes.

    ( ) ( ) ( )2 2 2* * *E L a b = + + (1)A parte dois do estudo baseou-se na medida quantitativa da

    mancha dgua aps simulao de situaes possveis de assentamento que representem no conformidades com a ABNT NBR 13754:19964, p