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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MALSETE ARESTIDES SANTANA RELAÇÕES RACIAIS NO COTIDIANO ESCOLAR: PERCEPÇÕES DE DIRETORAS E ALUNOS DE DUAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE CUIABÁ CUIABÁ/MT 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MALSETE ARESTIDES SANTANA

RELAÇÕES RACIAIS NO COTIDIANO ESCOLAR: PERCEPÇÕES

DE DIRETORAS E ALUNOS DE DUAS ESCOLAS MUNICIPAIS

DE CUIABÁ

CUIABÁ/MT

2012

2

MALSETE ARESTIDES SANTANA

RELAÇÕES RACIAIS NO COTIDIANO ESCOLAR: PERCEPÇÕES DE

DIRETORAS E ALUNOS DE DUAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE

CUIABÁ

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

Educação no Instituto de Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para obtenção do título de mestre

em Educação na Área de Concentração Educação, Cultura e

Sociedade, Linha de Pesquisa Movimentos Sociais, Política e

Educação Popular.

Orientadora: Prof. Dra. Maria Lúcia Rodrigues Müller

Cuiabá/MT

2012

3

S232r

Santana, Malsete Arestides.

Relações raciais no cotidiano escolar: percepções de diretoras e alunos de duas escolas

municipais de Cuiabá./ Malsete Arestides Santana. -- Cuiabá (MT): Instituto de Educação/IE, 2012.

109 f.; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Mato Grosso. Instituto de

Educação. Programa de Pós - Graduação em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Maria Lúcia Rodrigues Müller.

Inclui bibliografia.

1. Educação – Discriminação racial. 2. Gestão escolar. 3. Cotidiano

Escolar – Escola municipal - Cuiabá. I. Título.

CDU: 37:323.14

4

5

DEDICATÓRIA

Aos profissionais da escola pública que se dedicam

na construção de uma sociedade mais justa, com

ensino de qualidade.

A minha mãe, Elena, que já passou para a

eternidade, mas que na sua simplicidade me ensinou

tudo e caminha comigo guiando meus passos.

Aos meus filhos Leonardo e Lívia e ao meu esposo

Firmo pelo carinho e compreensão.

A todos que de alguma forma sonham e lutam por

uma sociedade sem preconceito.

6

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela fé e a força que me inspira e fortalece.

A minha mãe Elena (in memorian) que continua comigo nos momentos que eu

chamo o seu nome Mãe.

À professora Drª Maria Lúcia Müller, pelo respeito com que me orientou nas

minhas dificuldades e limitações apresentadas neste trabalho.

À professora Drª Ana Canen pelo carinho com que leu o meu trabalho e aceitou

o convite para a banca de defesa e pelas suas sugestões preciosas. Muito Obrigada.

À professora Drª Ozerina Victor de Oliveira que de forma carinhosa aceitou o

convite para a banca de defesa e pela sua valorosa contribuição ao meu trabalho.

A professora Drª Cândida Soares da Costa que carinhosamente aceitou ler o

meu trabalho e fazer as suas valiosas considerações.

Aos professores das disciplinas do curso pelas orientações, carinho e a atenção

durante os estudos das disciplinas.

A Luisa funcionária do Instituto de Educação do Programa de Pós-Graduação

pela sua competência no trabalho, sempre nos orientado. Obrigada.

A todos os colegas, pessoas importantes durante o Curso, nas conversas e trocas

de experiência. A todos os colegas do NEPRE, em especial as colegas do mestrado

Cleonice e Zilma pelas contribuições e força nos momentos difíceis durante esta

caminhada. Foi muito bom conviver com vocês, aprendi muito. Vocês fazem parte da

minha história no mestrado.

A minha família, irmãos, sobrinhos que me ajudaram muito com as suas orações.

Em especial ao meu companheiro Firmo pelo carinho e apoio em todos os

momentos, inclusive nas minhas ausências.

Aos meus filhos Leonardo e Lívia, meus amores, minha vida. A principal razão

de ainda eu continuar na luta.

7

A minha irmã Maria, pela força e apoio durante o curso cuidando da minha filha

sempre com muito carinho.

A todos os colegas de trabalho pelo apoio durante meu tempo de estudo.

Às diretoras e alunos, meu especial agradecimento pelas entrevistas que

colaboraram com esta pesquisa, principais protagonistas desta história.

8

AGRADECIMENTO ESPECIAL

Á professora doutora Maria Lúcia Müller, pela sua paciência na busca do meu

entendimento nas suas orientações, pois, mesmo percebendo meus limites, acreditou em

mim e fez com que eu chegasse até aqui, muito obrigada. Sou-lhe eternamente grata por

este aprendizado.

A professora mestre Tereza Josefa Cruz dos Santos (in memorian) que,

durante um curso tive o privilégio de conhecê-la e tornar sua amiga. Saudades.

9

RESUMO

SANTANA, Malsete Arestides. Relações raciais no cotidiano escolar: percepções de

diretoras e alunos de duas escolas municipais de Cuiabá. 2012. 109 páginas. Dissertação

(Mestrado em educação) Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá.

Esta pesquisa de cunho qualitativo analisa as relações raciais no cotidiano escolar na

percepção de diretoras e alunos de duas escolas municipais de Cuiabá. Buscou-se com o

estudo compreender as percepções das diretoras e alunos sobre as relações raciais e

verificar quais os procedimentos e/ ou intervenções adotadas pelas diretoras com

relação às situações de discriminação racial entre os alunos. A pesquisa foi

desenvolvida em duas instituições escolares, uma na área central e outra na periferia. A

pesquisa teve como base teórica os estudos e pesquisas realizadas por vários autores

como Cavalleiro (2000); Oliveira (1999). Para a realização da pesquisa foram utilizados

os seguintes procedimentos metodológicos: a) Grupo focal (com os alunos); b) Pesquisa

nos documentos como: livros de ocorrências e projeto político pedagógico entrevistas

com as diretoras e observação. As entrevistas realizadas tiveram como base os autores

Becker (1999) e Minayo (1994). Os resultados sinalizam para a existência de

discriminação racial nas relações raciais entre os alunos. Compreendemos que as

diretoras negam ou minimizam a existência de manifestações de discriminação na

escola bem como desconhecem suas consequências no desempenho escolar, na

identidade e até da permanência dos alunos negros na escola. O mito da democracia

racial continua presente nas falas das diretoras, a busca da igualdade está no discurso,

mas na prática as desigualdades estão presentes.

Palavras-chave: discriminação racial; cotidiano escolar; gestão escolar.

10

ABSTRACT

SANTANA, Malsete Arestides. Race relations in school life: perceptions of principals

and students from two schools of Cuiaba. 2012. 109 pages. Thesis (MA in education)

Federal University of Mato Grosso. Cuiabá.

This qualitative research examines race relations in school life as perceived by

principals and students from two schools of Cuiaba. We sought to study to understand

the perceptions of principals and students about race relations and to determine which

procedures and / or interventions adopted by the directors with respect to situations of

racial discrimination among students. The study was conducted in two educational

institutions, one in the central area and another in the periphery. The research was based

on theoretical studies and research carried out by several authors as Cavalleiro (2000),

Oliveira (1999). For the research we used the following instruments: a) Focus group

(with students) b) Research in documents such as books, events and political

pedagogical project interviews with the directors and observation. The interviews were

based on the authors Becker (1999) and Minayo (1994). The results point to the

existence of racial discrimination in race relations among students. We understand that

the directors deny or minimize the existence of manifestations of discrimination in

school and unaware of its consequences in school performance, identity and even the

permanence of black students in school. The myth of racial democracy is still present in

the speeches of the directors, the pursuit of equality is in the speech, but in practice

inequalities are present.

Keywords: racial discrimination; school routine; directors.

11

LISTA DE ABREVIATURAS (SIGLAS)

MEC

SME

SEDUC

Ministério de Educação e Cultura

Secretaria Municipal de Educação

Secretaria de Estado e Educação

PNAD

IBGE

UFMT

SAEB

Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Universidade Federal de Mato Grosso

Sistema de Avaliação da Educação Básica

12

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Cor/raça dos alunos da escola A/Classificação da pesquisadora..................29

Tabela 2 – Cor/raça dos alunos da escola B/Classificação da pesquisadora..................29

Tabela 3 – Autoclassificação- pergunta aberta- dos alunos segundo a cor/raça-escola

A......................................................................................................................................31

Tabela 4 – Autoclassificação- pergunta aberta- dos alunos segundo a cor/raça-escola B-

.........................................................................................................................................31

Tabela 5 - Classificação racial dos alunos segundo cor/raça pergunta fechada- Escola

A.....................................................................................................................................34

Tabela 6 - Classificação racial dos alunos segundo cor/raça pergunta fechada- Escola

B......................................................................................................................................34

13

LISTA DE QUADROS

Quadro I – Dados sobre as participantes da pesquisa....................................................22

Quadro II – Distribuição dos alunos selecionados para pesquisa conforme faixa etária e

o ano correspondente á organização da escola organizada por ciclos de formação........22

Quadro III- Distribuição dos alunos nos grupos focais por sexo, ano/ série e escola...36

Quadro IV- Situações de conflitos registradas- Escola A.............................................56

Quadro V- Situações de conflitos registradas- Escola B...............................................56

Quadro VI- Registros das providencias tomadas- Escola A..........................................57

Quadro VII- Registros das providencias tomadas- Escola B.........................................57

14

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................15

CAPÍTULO I

O CAMINHO SE FEZ AO CAMINHAR....................................................................................21

Observação Participante...............................................................................................................24

Entrevistas....................................................................................................................................25

Os documentos............................................................................................................................26

Classificação racial dos alunos.....................................................................................................28

A classificação racial realizada pela pesquisadora.......................................................................29

A autoclassificação dos alunos pergunta aberta...........................................................................30

A autoclassificação dos alunos pergunta fechada........................................................................34

Entrevista com grupo focal...........................................................................................................35

CAPÍTULO II

RELAÇÕES RACIAIS NA EDUCAÇÃO...............................................................................37

Conceito de raça: construção social.............................................................................................37

Tríade que permeia as relações raciais: racismo, preconceito e discriminação racial..................39

Estereótipo e Estigma...................................................................................................................42

O mito da democracia racial.........................................................................................................43

Desigualdades raciais na educação...............................................................................................45

Mecanismos intraescolares de discriminação...............................................................................47

CAPÍTULO III

RELAÇÕES RACIAIS NA ESCOLA: A QUESTÃO RACIAL NOS DOCUMENTOS E

NAS PERCEPÇÕES DE ALUNOS......................................................................................... 51

51

15

A questão racial no Projeto Político Pedagógico........................................................................50

Livros de ocorrência: o encontro com os alunos..........................................................................55

A discriminação racial revelada pelos alunos..............................................................................61

O cabelo como critério de exclusão..............................................................................................65

Comemorações escolares: os convidados e os excluídos.............................................................66

O recreio: momento de discriminação..........................................................................................68

Ofensas, xingamentos e apelidos..................................................................................................70

CAPÍTULO IV

ORGANIZAÇÃO ESCOLAR E O CONTEXTO DO TRABALHO DAS DIRETORAS

NAS ESCOLAS PESQUISADAS.....................................................................................72

Relações raciais na escola: Percepções de diretoras..........................................................77

Discriminação racial: o que dizem as diretoras............................................................................77

As diretoras e os conflitos raciais entre alunos............................................................................82

Patologização do aluno: Cadê o médico?.....................................................................................89

Reuniões com as famílias: a ata da exclusão................................................................................91

A gestão escolar na educação das relações raciais.......................................................................92

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................96

REFERÊNCIAS........................................................................................................... 99

ANEXOS.......................................................................................................................107

16

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa buscou compreender as percepções das diretoras e alunos sobre as

relações raciais e verificar quais os procedimentos e/ ou intervenções adotadas pelas

diretoras com relação às situações de discriminação racial entre os alunos. O interesse

para desenvolver esta pesquisa na área de relações raciais é resultado de várias

indagações a respeito das políticas educacionais que vêm se apresentando ao longo

desses anos, com ausência de uma reflexão sobre relações raciais, racismo, preconceito,

discriminação racial e devido às situações de discriminação e preconceito constatadas

no dia a dia na escola, estas questões me provocaram inquietações e mostraram a

necessidade de buscar explicações. Não é fácil encontrar respostas claras e diretas para

entender essas situações devido à complexidade que envolve este tema, mas elas podem

fornecer pistas e entendimentos que ajudarão a melhorar o trabalho no cotidiano escolar.

A ideia de realizar esta pesquisa se fortaleceu quando entrei para o curso

“Trabalhando as diferenças na educação básica, Lei nº 10.639/03” e se intensificou pelo

momento profissional que estou vivendo, faço parte da equipe gestora de uma unidade

escolar da rede municipal e presencio, muitas vezes, o silêncio e a naturalização de

manifestações racistas por parte dos profissionais da educação.

Dentre os fatos vivenciados durante esses anos na escola, um me marcou

profundamente. Aconteceu em uma sala de aula. Passando pelo corredor, deparei-me

com gritos, risadas vindas da sala de aula. Aproximei e indaguei o que estava

acontecendo. Vi uma aluna com o cabelo todo para cima, andando de um lado para o

outro da sala e todos rindo daquela cena inclusive a professora. Chamei a aluna para

conversar levando-a até a minha sala. Ela relatou o seguinte, que todos os colegas riam

dela e colocava apelidos, e então ela resolveu fazer o que estava fazendo, para que

talvez, ela agindo desta forma eles deixassem de mexer com ela.

Naquele momento fiquei sem saber o que fazer como eu poderia ajudá-la. Havia

começado a estudar sobre o assunto há pouco tempo. Esta situação mexeu muito

comigo e comecei a pensar essa pesquisa. Como gestora o que poderia fazer para

17

compreender e dar visibilidade a essas situações presentes nas escolas e sob a nossa

responsabilidade. E diante dessa inquietação foi construída essa pesquisa.

A pesquisa teve como objetivo a análise das percepções das diretoras e alunos

nas relações raciais. Buscou-se identificar a ocorrência de preconceito e discriminação

racial no cotidiano escolar.

A escolha de diretora como sujeito desta pesquisa se deu porque esta

profissional assume dentro da unidade escolar um conjunto de responsabilidades e

tomam um grande número de decisões. Exercem certa liderança na unidade escolar em

que atuam e podem desenvolver ações significativas e interventivas associadas à

transformação. Nesse sentido, compreender como as diretoras lidam com as relações

raciais e discriminação racial no espaço escolar é importante porque a atuação delas

pode ou não ajudar os alunos negros a permanecerem na escola.

Infelizmente as situações de discriminação racial no espaço escolar são

freqüentes e ocorrem na presença de professores, coordenadores e diretores, sem que

esses muitas vezes tomem atitudes. Geralmente os apelidos pejorativos relacionados à

cor da pele ou cabelo que os alunos negros recebem na escola são vistos pelos

profissionais da escola como normal.

Pesquisas1 nos mostram também que as situações citadas acima acarretam nos

alunos negros a autorrejeição, o desenvolvimento de baixa autoestima, ausência de

reconhecimento de capacidade pessoal, dificuldades no processo ensino-aprendizagem,

entre outros. Penso que essas situações de preconceito e discriminação racial envolvem

outros âmbitos que não só o espaço escolar, contudo acredito que nesse espaço existem

possibilidades de mudança que podem contribuir para a sua melhoria.

1 Cavalleiro, num estudo realizado em uma escola com crianças de educação infantil, mostra que as

professoras na maioria das vezes tratam de forma diferenciada as crianças brancas e negras, destinando as

primeiras estímulo, carinho, atenção, elogios, aconchegos e afetos. E, para as negras, às vezes, de forma

inconsciente, desatenção, distanciamento e desafeto. Enfocando a questão da superioridade/inferioridade

na dinâmica dessas relações.

Nas pesquisas relacionadas ao cotidiano escolar Moitinho (2006) constatou que para as crianças negras,

ser negro é feio, há negatividade atribuída á categoria preto/negro, que coloca as crianças nela

classificadas em situações de inferiorização, assim são objetos de gozações e xingamentos. Os negros

também se encontram em situação de desvantagem em relação aos meninos brancos, em defasagem

série/idade em relação á série que estavam cursando.

18

É pertinente dizer que em Cuiabá existem alguns cursos de formação continuada

(presencial e a distância) para os professores, gestores, voltados para a educação das

relações étnica raciais, financiada pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC), e

ofertadas pela Secretaria Municipal de Educação (SME), Secretaria de Estado de

Educação (SEDUC) e também pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações

Raciais e Educação (NEPRE), grupo de pesquisa da Universidade Federal de Mato

Grosso (UFMT). Desse modo, a falta de formação profissional a que me refiro muitas

vezes é resultado da ausência de busca/procura pelos cursos oferecidos.

Nesta pesquisa, utilizo o termo diretor e não gestor como são chamados hoje,

devido à especificidade da função. A palavra “gestor”, segundo Gomes (2005, 76) “tem

sido empregada para designar o diretor, coordenador que formam a equipe gestora”.

Investigar a percepção das diretoras sobre relações raciais no ambiente escolar é

importante. Como nos afirma Silva (2002, p. 32) “… na relação alunos-agentes

educativos (diretores, coordenadores, inspetores) é marcada por autoritarismos e visões

estereotipadas que podem afastar o aluno negro da escola”.

De acordo com Santos (2005, p. 14):

a discriminação racial se reproduz em vários contextos sociais das relações

entre negros e brancos. Nesse contexto a escola não se encontra isenta dessas

reproduções. Muito embora ela não seja meramente reprodutora de tais

relações, acaba por refletir as tramas sociais existentes no espaço macro da

sociedade.

O diretor pode contribuir significativamente para a educação das relações raciais

na escola, pois a sua ação é um ponto chave na construção de uma educação equitativa

que, em médio e longo prazo, poderá mudar a situação dos alunos negros contribuindo

para mudança nas desigualdades educacionais que afligem esses alunos. Nessa

perspectiva, é necessário que o diretor tenha sensibilidade sobre a discriminação racial

existente em nossa sociedade, inclusive na escola, que muitas vezes aparece sob o

manto de democracia racial.

19

A pesquisa realizada por Mary Castro e Miriam Abromovy (2006) 2, a partir de

dados do sistema de avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2003, evidenciou que a

desigualdade no desempenho escolar entre alunos brancos e negros está ligada às

práticas discriminatórias na escola. Essas autoras analisaram também como a postura de

diretores/as contribui para a disseminação do racismo. Elas destacam, ainda, o total

despreparo dos diretores diante dos conflitos raciais, bem como a crença deles na

ausência de racismo no ambiente escolar, o que evidencia o desfalque na formação dos

diretores.

Estudos sobre relações raciais demonstram a existência da discriminação racial

na escola. Conforme Cavalleiro (2000), se olharmos superficialmente o cotidiano

escolar brasileiro temos a impressão da existência de um ambiente de relação

harmoniosa entre adultos e crianças, sejam eles brancos ou negros, dando a entender

que todos usufruem das mesmas oportunidades dentro dessa sociedade. Entretanto,

algumas pesquisas como a de Santos (2007), Pinho (2007) e Alexandre (2007), apontam

que o preconceito racial permeia as relações sociais dos alunos no espaço escolar.

Faz parte da função do diretor participar da construção de uma proposta

curricular que contemple as questões raciais, assim como corroborar para que essa

proposta seja colocada em prática. Todavia, alguns diretores e os outros profissionais da

educação têm se mostrado indiferentes em relação ao desempenho de seu papel diante

das diferentes evidências de discriminação racial no processo educativo. Talvez isso

ocorra pela falta de preparo desses profissionais da educação para lidar com as situações

de racismo no cotidiano escolar. Assim, faz-se necessário sua participação nos cursos de

formação na perspectiva antirracista, para que tenham suporte teórico que possibilite a

diminuição de índices expressivos de desigualdades raciais na educação brasileira.

Uma educação antirracista respeita as diferenças raciais no discurso e na prática,

discute as desigualdades na sociedade e busca combater estereótipos e idéias

preconcebidas, o que visa erradicar o preconceito e a discriminação racial, pois valoriza

2 A pesquisa foi realizada em escolas públicas e privadas nas diferentes regiões do Brasil, inclusive na

região Centro-Oeste, especificamente no Distrito Federal. As autoras constataram o caráter institucional

do racismo desvelando suas facetas, assim como revelam que os/as alunos/as negros/as estão

concentrados em maior proporção nas escolas públicas.

20

a igualdade de tratamento nas relações e possibilita uma vivência positiva entre todos

(CAVALLEIRO, 2001).

A formação do profissional antirracista da educação possibilita compreender a

diversidade étnica e racial da espécie humana e torna o educador mais apto a lidar com a

temática, possibilitando que os alunos construam comportamentos mais receptivos às

diferenças. Segundo a mesma autora, o professor informado sobre as questões raciais

pode contribuir para tornar a escola um espaço de respeito a diversidades e possibilita

que alunos de grupos estigmatizados racialmente possam usufruir de elementos que

contribuam para a autoestima deles.

No ano de 2010, dediquei-me para realização da pesquisa bibliográfica no

intento de identificar estudos relacionados ao tema. Passei por um período de muita

angustia, pois, apesar de existirem estudos relevantes sobre a função do diretor escolar

no Brasil, não encontrei estudos referentes à relação dos diretores e relações raciais na

escola. Isso me fez acreditar na importância dessa pesquisa.

Diante das algumas questões problematizadoras que envolvem racismo,

discriminação e preconceito racial nas relações foram propostas alguns questionamentos

de orientação a esta pesquisa: Qual a percepção das diretoras sobre as relações raciais

entre os alunos? Qual a concepção das diretoras sobre discriminação racial? As diretoras

identificam preconceito e discriminação racial nas situações de conflitos entre alunos?

Qual a atitude das diretoras diante dos conflitos de cunho racial entre alunos? Qual a

percepção dos alunos sobre relações raciais no cotidiano escolar?

Este trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo apresenta

a metodologia. Na primeira parte, os autores que deram fundamentação teórica para a

pesquisa qualitativa; Howard S. Becker (1999) foi o autor que deu base a essa pesquisa

para a definição dos critérios e análise dos dados. Utilizei também na metodologia, as

orientações de Bogdan (1994), Lüdke (1995) Minayo (1994). Apresento também, neste

capítulo, a classificação racial dos alunos pautada nos estudos de Teixeira (1998),

Petruccelli (1998).

O segundo capítulo apresenta uma discussão teórica sobre os conceitos raça,

estigma, mito da democracia racial e as desigualdades na educação. Os mecanismos

21

intraescolares na educação também se evidenciaram confirmando que eles interferem na

trajetória dos alunos negros. Sobre os conceitos de raça, preconceito, discriminação,

estigma e estereótipo, recorri aos teóricos Goffman( 1982), Da Matta( 1987), Valente

(1987), Guimarães (2002), Silva Junior (2002), Munanga (2004), Osório (2003), Elias e

Scotson (2000). Sobre desigualdades no ambiente escolar e mecanismos de

discriminação Hasenbalg (1979), Pahim Pinto (1987), Rosemberg (1987, 2003),

Oliveira (1999), Cavalleiro (2000), Henriques (2001, 2002), Jaccoud (2002), Pinho

(2004), Costa (2005), Alexandre (2006), Santos (2004) Müller (1999), Souza (2007).

No terceiro capítulo dedico-me ás análises da questão racial no Projeto Político

Pedagógico das escolas, nos livros de ocorrência, e nas observações do cotidiano da

escola principalmente o recreio, quando as manifestações de discriminação racial ficam

mais evidentes nas relações entre os alunos e nas análises dos dados evidenciados nas

percepções dos alunos.

O quarto capítulo tem como objetivo a análise da organização escolar como

contexto do trabalho das diretoras, nos dados no qual são evidenciadas as percepções

das diretoras diante das relações raciais no cotidiano das escolas considerando o

tratamento dado por estas ás tensões racial na escola. A observação e as interlocuções

com as diretoras em diferentes momentos complementaram os dados obtidos na

entrevista. Apresento ainda as características de uma gestão para educação das relações

raciais respaldada na Lei nº 10639/03 que torna obrigatório em toda rede de ensino

nacional, a inclusão no ensino de história e demais disciplinas a história e cultura Afro-

brasileira. Para compreender a gestão escolar os autores Luck (2002), Paro (1996),

Canen (2001,2005,2009), Rangel (2011), Souza (2005) e Andreotti (2010) deram a

contribuição.

Enfim, depois das apresentações dos dados, faço as considerações finais

enfatizando os dados obtidos na pesquisa.

22

CAPÍTULO I - O CAMINHO SE FEZ AO CAMINHAR

A pesquisa no campo das relações raciais, nesse caso sobre as percepções das

diretoras e alunos, constitui importante objeto na compreensão das desigualdades raciais

estabelecidas no espaço escolar. Este capítulo apresenta os caminhos percorridos no

desenvolvimento desta pesquisa.

Para o desenvolvimento da pesquisa, empregou-se a abordagem qualitativa por

entender ser esta a que melhor se adapta à pesquisa que tem como objeto concepções e

conhecimento de atores sociais. De acordo com Minayo (1994), a pesquisa qualitativa

se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser

quantificado, ou seja, ela trabalha com “o universo de significados, motivos, aspirações,

crenças, valores e atitudes” (1994,p. 21). A abordagem qualitativa não pode pretender o

alcance da verdade, com o que é certo ou errado, deve ter como preocupação primeira a

compreensão da lógica que permeia a prática que se dá na realidade.

A pesquisa foi realizada em duas escolas públicas municipais de Cuiabá – MT.

A fim de preservar a identidade das escolas estas serão identificadas como escola A e

escola B. A Escola A se localiza próxima ao centro de Cuiabá e atende ao 1° e 2° ciclos,

que englobam do 1º ao 6º ano. É composta por sete salas de aulas, pátio interno e quadra

coberta. No ano de 2010, funcionou com 390 alunos. É considerada de médio porte.

A escola B se localiza em bairro periférico da cidade e atende ao 1° ciclo, que

engloba do 1° ao 3° ano e educação infantil. Funciona apenas no período matutino. No

vespertino funciona o projeto denominado “Educa Mais”, no qual os alunos participam

de atividades diferenciadas como: coral, judô, letramento, xadrez, entre outras. No

período da pesquisa (ano de 2010) a Escola A contava 110 alunos no período matutino,

distribuídos em cinco salas de aulas. Em relação à estrutura física, é considerada de

pequeno porte.

Os sujeitos participantes desta pesquisa são duas diretoras e alunos de escola

municipal de Cuiabá. Para preservar a identidade das diretoras, elas foram identificadas

pelas letras A e B que também são as duas letras que as escolas são identificadas. Os

alunos serão identificados pelas iniciais dos nomes. As diretoras possuem formação

23

superior distinta – a diretora A é graduada em Letras e a diretora B em Pedagogia. O

tempo de experiência profissional entre as diretoras tem pouca diferença: a diretora A

possui 10 e a diretora B, 14 anos. Quanto à classificação racial das diretoras foi utilizada

a auto classificação. A diretora da escola A se identificou como branca e a diretora da

escola B como negra.

Quadro I. Dados sobre os participantes da pesquisa

DIRETORAS

ESCOLAS

FORMAÇÃO

PROFISSIONAL

EXPERIÊNCIA

PROFISSIONAL

CLASSIFICAÇÃO

RACIAL

A A Letras 10 anos Branca

B B Pedagogia 14 anos Negra

Os alunos compreendem um total de 100, sendo 30 alunos da escola A e 20

alunos da escola B. Eles foram selecionados por meio dos registros dos livros de

ocorrências a escolha desses registros se deu porque este livro é um instrumento que as

diretoras utilizam para registrar os conflitos ocorridos entre os alunos na escola. O

critério de escolha dos alunos foi selecionar os que mais apareciam nos registros. São

alunos do 1° e 2° ciclos. Essas escolas têm seus currículos organizados por ciclo “3 e as

suas turmas são distribuídas entre anos de escolarização e idades.

Quadro II: Distribuição dos alunos selecionados para pesquisa conforme faixa

etária e os anos correspondentes à organização da escola organizada por ciclos de

formação:

Anos Ciclo Faixa etária

3° 1° Ciclo 07 a 08

4° 2° Ciclo 08 a 09

5° 2° Ciclo 09 a 10

6° 2° Ciclo 11 a 12

Fonte: Dados retirados do Projeto Político Pedagógico das escolas pesquisadas

3 Nova organização curricular que segundo documento da Secretaria Municipal de Educação considera as

fases de formação e desenvolvimento humano, tanto para o trabalho com o conhecimento escolar como

para realizar as enturmações dos alunos.

24

Os primeiros contatos para realização da pesquisa se deram com pedido de

autorização à direção das escolas selecionadas e foram feitos no final do ano de 2010.

Nesses contatos, apresentei-me como aluna do mestrado em educação da Universidade

Federal de Mato Grosso e informei sobre a pesquisa. As diretoras fizeram uma reunião

para que eu explicasse a pesquisa. Informei que as observações ocorreriam nos espaços

da escola, durante o recreio, na quadra etc. Não havia um espaço específico e expliquei

os dias e horários. As duas diretoras autorizaram a realização da pesquisa.

Desse modo, fiz uma pesquisa exploratória nas escolas escolhidas. Essa fase foi

de fundamental importância para compreender e definir o objeto de pesquisa. A fase

exploratória é “[…] o momento de especificar as questões ou pontos críticos, de

estabelecer os contatos iniciais para entrada em campo, de localizar os informantes e as

fontes de dados necessárias para o estudo” (LÜDKE, 1986, p. 22). O estudo

exploratório visa aumentar a familiaridade do pesquisador com o fato ou fenômeno,

modificando ou clarificando conceitos e possibilitando a realização de pesquisas futuras

mais precisas.

No início de 2011, no mês de fevereiro, retornei às escolas. Na segunda semana,

continuei a pesquisa de campo, que foi realizada durante cinco meses (fevereiro a junho

2011). Organizei o horário nas escolas da seguinte forma: 04(quatro) horas diárias em

cada escola durante 03 (três) dias, quando necessário invertia o turno. As observações

ocorriam no pátio da escola, durante o recreio, entrada e saída dos alunos e também nas

atividades de datas comemorativas.

Num primeiro momento, senti a necessidade de apenas entrevistar as diretoras e

fazer observação. Após realizar a primeira entrevista com a diretora da Escola A,

percebi, a partir de seus relatos, que seria necessário conversar com os alunos, pois a

diretora em seu discurso transmitia que não havia discriminação racial nas relações

entre os estudantes. Além disso, eu presenciava, na observação, situações de

discriminação racial. Utilizei a técnica de grupo focal para verificar se os alunos sabiam

o que era discriminação racial e se eles tinham sofrido esse tipo de discriminação.

Os dados obtidos foram registrados em caderno de campo, dia a dia, buscando

sempre, ao sair da escola, registrar as situações percebidas que eram pertinentes à

pesquisa. O caderno de campo foi importante no auxílio para sistematizar os registros

25

das informações coletadas, nas observações na direção, recreio, reuniões e formação

continuada.

Destaco a importância do registro e me remeto a Bogdan e Biklen (1994, p. 49),

quando estes afirmam que:

A palavra escrita assume particular importância na abordagem qualitativa,

tanto para o registro dos dados como para a disseminação dos resultados. Ao

recolher dados descritivos, os investigadores qualitativos abordam o mundo

de forma minuciosa.

O objetivo da observação era analisar as percepções e atitudes das diretoras

sobre as relações raciais no cotidiano escolar. Para a realização da pesquisa foram

utilizados também os seguintes procedimentos metodológicos: a) Grupo focal (com os

alunos); b) Pesquisa nos documentos como: livros de ocorrências e projeto político

pedagógico.

Observação Participante

A observação, conforme Becker (1999) possibilita ao pesquisador, tendo em

vista seu objetivo, observar as pessoas para verificar as situações com que se deparam

normalmente e como se comportam diante dela. Nesse processo, o pesquisador deve

acompanhar a dinâmica das relações desses indivíduos, anotar os fatos e situações

ocorridas, bem como estabelecer conversações sempre que for necessário, a fim de

compreender a realidade investigada. Na observação, foram feitos os registros das

práticas, das ações, dos gestos e das falas dos sujeitos.

Observar o espaço escolar permitiu conhecer a dinâmica e as relações entre os

alunos e as diretoras no cotidiano das escolas.

Ainda segundo Becker (1999), a observação participante aliada à entrevista,

permite acesso a uma gama de dados que, às vezes, nem foi previsto pelo pesquisador.

Para ele, o pesquisador observa nos tipos de pessoas que interagem umas com as outras,

o conteúdo e a consequência da interação, ainda, como ela é discutida e avaliada.

26

Bogdan e Biklen (1994) acrescentam que a observação participante também

permite ao investigador se introduzir, no mundo das pessoas que pretende estudar,

elaborando um registro sistemático de tudo o que ouve e observa. A observação

possibilita algumas vantagens na investigação e foi um dos instrumentos desta pesquisa,

combinada com outros recursos. Nesse sentido, Lakatos e Marconi (1986, p.66)

apontam que:

[…] algumas vantagens em se utilizar a observação na investigação:

possibilita meios diretos e satisfatórios para estudar uma ampla variedade de

fenômenos; permite a coleta de informações sobre um conjunto de atitudes

comportamentais típicas; permite a evidência de informações não constantes

no roteiro de entrevistas e questionário.

Entrevistas

Para continuidade do levantamento e coleta de dados, foi utilizada a técnica de

entrevista com as diretoras, por entender que a referida técnica permite estabelecer

diálogo com os sujeitos entrevistados, em momento de trocas de ideias e significados.

Além disso, as entrevistas aprofundam as questões e esclarecem os problemas

observados (ANDRÉ, 1998).

Minayo (1994, p. 57) assinala que a entrevista pode ser entendida sob dois

aspectos:

“[…] num primeiro nível, essa técnica se caracteriza por uma comunicação

verbal que reforça a importância da linguagem e do significado da fala. Já

num outro nível, serve como um meio de coleta de informação sobre um

determinado tema cientifico”.

O uso da entrevista no contexto desta pesquisa contribuiu para obtenção da

percepção das diretoras sobre as relações raciais entre os alunos.

As entrevistas autorizadas pelas diretoras foram gravadas em áudio; para tanto,

utilizou-se aparelho digital (MP 3). As diretoras autorizaram a gravação. Após a

realização das entrevistas, elas foram transcritas por mim preservando a fala das

diretoras. A dificuldade da entrevista foi romper com o silêncio de uma das

entrevistadas. A entrevista foi agendada várias vezes porque ela cancelava alegando

sempre algum compromisso. Depois de várias tentativas consegui entrevistá-la.

27

Os documentos: Projeto Político Pedagógico e Livro de ocorrência

O documento escrito também foi um dos instrumentos utilizados para coleta de

dados. Segundo Cellard (2008, p. 295), “o documento escrito constitui, portanto, uma

fonte extremamente preciosa para todo pesquisador nas ciências sociais. […] ele

permanece como o único testemunho de atividades particulares ocorridas num passado

recente”. Para Lüdke e André (1986, p. 39), “os documentos constituem também uma

fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentam afirmações e

declarações do pesquisador”.

Os documentos utilizados na pesquisa foram o livro de ocorrências e o Projeto

Político Pedagógico. O objetivo de conhecer o Projeto Político Pedagógico das escolas

consistiu em verificar se esse documento contemplava as questões raciais. O Projeto

Político Pedagógico constitui um processo democrático de decisões, preocupa-se em

instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que supere conflitos,

relações competitivas, corporativas e autoritárias. É um dos instrumentos de maior

significado para a escola, uma vez que indica direção das ações definidas pelo coletivo

da escola. Dentro dessa perspectiva, afirma Veiga (1995, p. 12):

[…] que o Projeto Político Pedagógico vai além de um simples agrupamento

de planos de ensino e de atividades diversas. O projeto não é algo que é

construído e em seguida arquivado ou encaminhado às autoridades

educacionais como prova do cumprimento de tarefas burocráticas. Ele é

construído e vivenciado em todos os momentos por todos os envolvidos com

o processo educativo da escola.

Nas escolas o Projeto Político Pedagógico é um instrumento de gestão no qual os

diretores podem desenvolver os projetos da escola de forma participativa com os outros

funcionários da escola e com a comunidade escolar, com o objetivo de melhorar a

qualidade de ensino, buscando tanto eficácia como eficiência na implementação dos

projetos.

O Projeto Político Pedagógico pode e deve ser um instrumento útil, servindo aos

fins ao qual foi instituído, ou seja, resgatar a escola como espaço público, lugar de

28

debate, de diálogo, reflexão coletiva, enfim, delinear sua própria identidade, sua

autonomia. Espera-se do diretor “capacidade de saber ouvir, alinhavar ideias,

questionar, interferir, traduzir posições e sintetizar uma política de ação com propósito

de coordenar efetivamente o processo educativo, o cumprimento da função social e

política da educação escolar […]” (PRAIS, 1990, p. 86).

Ao construir seu Projeto Político Pedagógico, a escola constrói a sua identidade,

nesse sentido, ele deve ser único, singular, razão pela qual não é transferível de uma

escola para outra. Tendo como um dos seus objetivos gestar uma nova organização do

trabalho pedagógico que reduza os efeitos de fragmentação e do controle hierárquico,

deve ser visto e entendido como um instrumento para contrapor a fragmentação no

trabalho pedagógico.

Solicitei as duas escolas pesquisadas o Projeto Político Pedagógico que me foi

apresentado pelas coordenadoras, pois, conforme as diretoras, o Projeto Político

Pedagógico fica sob responsabilidade delas. As diretoras destacam que o citado projeto

é importante e que foi construído pelo coletivo da escola com discussões com todos os

segmentos da escola.

Outro documento analisado foi o livro de ocorrências das duas escolas

pesquisadas. Ratto (2002, p. 102) afirma que os livros de ocorrências:

parecem fazer parte de um movimento que busca absorver-nos através da

culpabilização do outro, tendo em vista que os critérios de julgamento ficam

reduzidos ao simplismo da exclusão recíproca das duas balizes de valoração,

sintetizados nas grandes figuras do bem e do mal.

É comum as escolas terem um livro para registrar os fatos ocorridos em seu

cotidiano. Normalmente, os registros são feitos pela secretária ou pela coordenadora da

escola. Além disso, geralmente o livro de ocorrência não é disponibilizado para

consulta. O acesso a esse material é restrito à diretora, coordenadora e secretária.

Acredito que a permissão recebida para averiguar o livro de ocorrência foi dada porque

sou professora da rede municipal de Cuiabá há muito tempo e as duas diretoras me

conhecem. Ter um livro de ocorrência na escola é uma das recomendações da

Secretaria, pois os fatos ocorridos na escola devem ser registrados.

29

O livro de ocorrência foi utilizado para identificar quem eram os alunos que

constavam nos registros no período de novembro de 2010 a março de 2011. Feito isso,

busquei conhecer os alunos e fiz a classificação racial. Constatei que os alunos negros

eram os que constavam com maior freqüência no livro de ocorrência das duas escolas

onde se realizou a pesquisa.

Os livros de ocorrências têm como função registrar os comportamentos e

atitudes dos alunos considerados “inadequados” para a escola. Em algumas instituições

esses livros são conhecidos como livro “preto”, evidenciando que a cor preta tem um

significado relativo à indisciplina. Esses registros parecem ter se naturalizado de tal

forma que as diretoras ou coordenadoras registram os comportamentos considerados

inadequados aos alunos na maioria das vezes sem fazer nenhum questionamento a

respeito da sua função e das intervenções que devem ser feitas.

O próximo assunto a ser tratado se refere à classificação racial dos alunos

realizada na pesquisa de campo.

Classificação racial dos alunos

Para a classificação racial dos alunos foram utilizados três procedimentos.

Primeiro, foi realizada a classificação racial da pesquisadora. Segundo, empregou-se a

autodeclaração do pertencimento racial dos alunos tendo por quesito a pergunta aberta.

Nessa forma de classificação os estudantes se autoclassificaram sem opção de cor ou

raça. O terceiro procedimento de classificação racial corresponde à autoclassificação

dos alunos por meio de pergunta fechada, na qual foram utilizadas as categorias de cor

ou raça do IBGE4: preto, branco, pardo, indígena e amarela. Foram classificados 100

alunos, sendo 50 estudantes de cada escola. Para a realização do grupo focal do total de

100 alunos, foram selecionados 50, sendo 30 da escola A e 20 da escola B. Realizei o

grupo focal com 48 estudantes divididos em 05 grupos, 04 grupos com 10 alunos e 01

grupo com 08 alunos este último foi realizado com 08 porque não obtive autorização da

família de dois alunos.

4 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

30

A classificação racial realizada pela pesquisadora

A classificação racial, realizada pela pesquisadora, utilizou-se as categorias de

cor preto, branco e pardo5, considerando-se a aparência dos sujeitos, especificamente os

traços fenotípicos. O ato de classificar é complexo. Segundo Oliveira (1999), para

efeitos de classificação racial é importante considerar também os traços físicos da

pessoa, tais como textura de cabelos, formato de nariz e espessura dos lábios.

Na tabela 1, verifica-se a distribuição dos alunos da escola A, segundo a

cor/raça. A escola A possui 29 alunos pretos; 15 pardos e 06 brancos. Totalizando 50

alunos, dos quais 39 são do sexo masculino e 11 do feminino. Segundo essa

classificação, predominou alunos pretos.

Tabela 1 – Cor/raça dos alunos da Escola A/ Classificação da pesquisadora

COR/RAÇA QUANTIDADE PORCENTAGEM (%)

Preta 29 58%

Parda 15 30%

Branca 06 12%

TOTAL 50 100%

Fonte: dados da pesquisa

No livro de ocorrência da escola B, também predominou a categoria preta.

Assim ficou a classificação racial dos alunos segundo cor/raça: 34 pretos, 14 pardos e

02 brancos. Totalizando 50 alunos, dos quais 41 são do sexo masculino e 09 do

feminino.

Tabela 2 – Cor/ Raça dos alunos da Escola B/ Classificação da pesquisadora

COR/RAÇA QUANTIDADE PORCENTAGEM (%)

Preta 34 68%

Parda 14 28%

Branca 02 4%

TOTAL 50 100%

Fonte: dados da pesquisa

5Essas categorias de cor/raça aqui empregadas são as mesmas utilizadas pelo IBGE nos Censos

Demográficos. Além dessas, existem as categorias amarela e indígena. Essas não apareceram na

classificação das duas escolas.

31

A autoclassificação dos alunos na pergunta aberta

Na pergunta aberta, foi utilizada uma ficha, os alunos se autoclassificaram

quanto a sua cor/raça e percebi algumas variações: moreno, moreno claro, moreno

escuro, marrom, preto, negro, branco, amarelo queimado, pardo, preto marrom, marrom

preto, meio preto, meio moreno, branco meio torrado. Durante essa classificação, os

alunos pensavam para falar, alguns apresentavam reação de susto, ficavam surpresos

com a pergunta, pediam para repetir a pergunta, tinham dúvidas ao responder a questão.

A utilização de gradações de cor pelos indivíduos dá margem a diversas

interpretações. Cada indivíduo guarda em si certo limite nas possibilidades, tanto de

classificação por outros quanto de autoclassificação (Teixeira, 2003). O amplo

campo de categorização faz com que os indivíduos variem entre um possível

clareamento e escurecimento da pele. Oracy Nogueira (1985, p. 147) assim analisa a

questão:

[…] a variedade de combinações de traços, que podem ir do preto “retinto”,

de cabelos encarapinhados, lábios grossos e nariz platirrínio ao branco de

cabelos finos e loiros, lábios finos e nariz afilado, uma vez posto o critério de

origem e considerado apenas o fenotípico, faz com que os limites entre as

diversas categorias-brancos, mulatos claros, mulatos escuro, pretos sejam

indefinidos, possibilitando o aparecimento de casos de identificação

controversa […].

Na pesquisa realizada em 1976, a PNAD6 revelou 136 cores autoatribuídas pela

população brasileira. Essa quantidade revela uma ambiguidade que remete ao mito das

três raças e ao branqueamento. Este faz parte do imaginário acerca da mobilidade social,

ou seja, quanto mais escura a pele do indivíduo, mais próximo da base piramidal ele se

encontra. O uso de variáveis de cor, nesse sentido, constitui em “simbolismo de fuga”,

no qual o sujeito procura se aproximar do “modelo tido superior”, o branco. (Munanga,

1999).

Entretanto, não posso afirmar que todas as categorias mencionadas como

variáveis de cor, que apareceram nesta pesquisa, constituem uma negação de sua

6 Pesquisa Nacional de Amostra a Domicílio.

32

identidade, dados que podem ser utilizados como forma a diminuir as ações

discriminatórias. Ou, como forma de representação de sua origem, já que a classificação

racial brasileira é bastante flexível permitindo que as pessoas se aloquem em uma escala

intermediária entre o negro e o branco, configurando-se na categoria mestiço.

Na Tabela 3 e 4, verifica-se a autoclassificação racial dos alunos da escola A e B

– quesito aberto.

Tabela 3 – Autoclassificação – pergunta aberta – dos alunos segundo a cor/raça – escola A

COR/RAÇA QUANTIDADE PORCENTAGEM (%)

Moreno 01 2%

Moreno claro 05 10%

Branco meio torrado 08 16%

Marrom 04 8%

Preto 04 8%

Negro 01 2%

Branco 03 6%

Amarelo queimado 01 2%

Pardo 03 6%

Preto marrom 01 2%

Marrom preto 01 2%

Meio preto 01 2%

Meio moreno 02 4%

Moreno escuro 15 30%

Tabela 4 – Autoclassificação – pergunta aberta – dos alunos segundo a cor/raça – escola B

COR/RAÇA QUANTIDADE PORCENTAGEM (%)

Moreno 21 42%

Pardo 04 8%

Moreno escuro 11 22%

Moreno claro 02 4%

Marrom 02 4%

Chocolate 02 4%

33

Moreno queimado 01 2%

Preto 04 8%

Amarelo 01 2%

Loira 01 2%

Meio marrom 01 2%

Conforme os dados da tabela 3 e 4, percebe-se que os estudantes utilizaram

diferentes tipos de denominações para se classificar. Agrupando essas variações de

cores, tem-se: moreno (incluindo moreno claro, moreno escuro, moreno queimado,

meio moreno); marrom (preto marrom, marrom preto, meio marrom, chocolate); branco

(branco meio torrado, loira); preto (meio preto, negro); amarelo (amarelo queimado). O

que se constatou é que a categoria „moreno‟ foi a que mais apareceu na autodeclaração

de cor ou raça dos alunos em ambas as escolas.

Para entender a preferência dos alunos por essa cor, busco a contribuição de

Seyferth (1995) que discute a utilização dessa categoria, a partir de um relato de época.

Refere-se à existência de distinções feitas pelos brasileiros entre vários grupos étnico-

negros trazidos para o Brasil, dentre os quais os negros que tinham traços caucasoides

como nariz, boca e feições finas, semelhantes às do branco, eram alvo de elogios e

atribuídos como os mais avançados. Nesse sentido, esse tipo de negro era eleito o

modelo ideal de preto, cujas características físicas variavam entre as cores claras e

morenas, com cabelo fino, alternando liso a crespo. A autora argumenta que essa

situação não se tratava de um critério puramente estético, mas de uma estética branca,

atrelada ao ideário da civilização.

Talvez uma explicação acerca da escolha pela cor morena leve ao raciocínio de

que o aluno negro, ao se identificar dentro dessa categoria, pensa estar menos suscetível

aos estereótipos negativos direcionados à população negra. Nesse modo de pensar, ser

moreno significa estar bem mais próximo dos padrões estéticos brancos, o que propicia

uma suposta aceitação do negro nos ambientes sociais. Como nos afirma Nogueira

(1979), a marca principal que permite a identificação das vítimas do preconceito são os

traços negroides. Desse modo, existe uma escala de gradação que vai do estritamente

34

branco ao completamente preto. O preconceito se intensifica na razão direta dessa linha

de cor e do porte de outras marcas: quanto mais negra é uma pessoa maior é a

probabilidade de ser vítima do preconceito.

Isso pode ser explicado também pelo fato de que as práticas pedagógicas, os

materiais didáticos, continuam a manter a invisibilidade da população negra. Os

materiais didáticos, utilizados nas escolas, os cartazes nos murais mostram sempre as

pessoas negras em situação de desprestígio social. Os personagens das histórias infantis,

os seus heróis são sempre brancos. Os rituais pedagógicos têm punido a criança negra,

na medida em que dificulta sua participação, não considera a sua especificidade e a

homogeniza num padrão que não lhes é favorável.

Acredita-se que devido à escola ainda ter como parâmetros os padrões que

valorizam a cor branca e os modelos eurocêntricos, isso contribua para que a criança

negra não se identifique como tal, como constatado nesse trabalho. Para Osório (2003,

p. 35), “o termo moreno revela uma espécie de recalque coletivo que leva a rejeição da

ascendência negra e da valorização das muitas contribuições realizadas pelos africanos

transmigrados para o Brasil e por seus descendentes”.

O uso de variáveis de cores pelos brasileiros corresponde, muitas vezes, à

tentativa de se aproximar do tipo branco e se distanciar do tipo negro. Segundo D‟

Adesky (2005, p. 137), “o sistema de classificação está associado ao critério de

hierarquização, influenciado pelo ideal de branqueamento e pelo mito da democracia

racial”. Dessa forma, a classificação popular reflete, antes de tudo, uma hierarquização,

em que a categoria branco se situa no topo e a categoria negro na base.

Os resultados das respostas dos alunos possibilitaram constatar o que os autores

aqui apresentados afirmam sobre a complexidade atinente à classificação racial, pois

não é tarefa simples quando uma classificação admite gradações de cor.

35

A autoclassificação dos alunos por meio da pergunta fechada – escolas A e B

A classificação racial dos alunos, na pergunta fechada, foi realizada conforme a

categoria do IBGE7: preto, branco, pardo, indígena e amarela. A classificação racial

com base nas categorias do IBGE representa “um indicador bastante confiável da

maneira pela qual os entrevistados se autoclassificam com relação à cor” (Oliveira,

1985, p. 10). De posse de uma ficha, perguntava aos alunos qual era a sua cor dando-

lhes as opções e conforme a resposta anotava na ficha. Percebi dificuldade nos alunos

no momento da classificação, muitos ficavam com dúvida de qual era a sua cor. Muitas

vezes queriam que a pesquisadora lhes atribuísse à cor. As tabelas 5 e 6, demonstram as

autodeclarações de cor/raça dos estudantes d.s escolas A e B.

Tabela 5 – Classificação racial dos alunos segundo cor/ raça pergunta fechada – Escola A

Alunos Escola A Branco Preto Pardo Amarelo Indígena

Quantidade 08 26 14 --- 02

Porcentagem 16% 52% 28% --- 4%

Tabela 6 – Classificação racial dos alunos segundo cor/ raça pergunta fechada – Escola B

Alunos Escola B Branco Preto Pardo Amarelo Indígena

Quantidade 05 29 16 ----- ---

Porcentagem 10% 58% 32% ----- ---

Nota-se, de acordo com as tabelas 5 e 6, que a maioria dos alunos das Escolas A

e B se classifica como pretos, entretanto, convém ressaltar que eles, no momento da

classificação, indagavam se não tinha a opção de cor „morena‟, o que demonstra que

havia certa preferência pelos alunos em se identificar como moreno.

7 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

36

Entrevista com grupo focal

O trabalho com grupo focal permite aproximar-se dos processos de construção

das realidades por determinados grupos sociais e compreender, nas práticas cotidianas,

ações e reações, comportamentos e atitudes. Para Minayo (1998), o específico do grupo

focal é compreender as opiniões, relevâncias e valores dos participantes, descrevendo-o

como […] reuniões com um pequeno grupo de informantes (1998, p. 129).

A realização da técnica do grupo focal permite verificar as diferentes concepções

contidas em um mesmo questionamento, no caso desta pesquisa, seria a compreensão

dos alunos sobre discriminação racial no cotidiano escolar. Para Gatti (2005), o papel do

grupo focal nas ciências sociais possibilita ao pesquisador perceber perspectivas

diferentes de uma mesma questão, como também lhe possibilita a compreensão de

ideias partilhadas por pessoas no seu dia a dia e dos modos pelos quais os indivíduos

são influenciados pelos outros. Ainda para Gatti (2005, p. 9), ao se fazer uso da técnica

de grupo focal, “há interesse não somente no que as pessoas pensam e expressam, mas

também em como elas pensam e por que pensam”. Daí a importância de utilizar essa

técnica de pesquisa.

Relacionei os alunos que tinham registros no livro de ocorrência no período

analisado8. E selecionados os nomes e turmas dos alunos, conversei com a direção sobre

esses alunos para conhecer a sua concepção sobre eles. A distribuição dos alunos que

participaram do grupo focal se deu da seguinte maneira: os 48 alunos foram distribuídos

em cinco grupos, sendo quatro grupos de dez alunos e um grupo com oito alunos. O

grupo focal foi realizado nas duas escolas, sendo 30 alunos da escola A e 18 alunos da

escola B. Os alunos foram identificados pelas letras iniciais dos seus nomes.

O encontro com os participantes do grupo focal foi dividido em dois momentos:

o primeiro foi dedicado ao acolhimento dos participantes, pois alguns apresentavam

aspectos de susto, preocupação sobre o que iria acontecer. No segundo momento, deu-se

início às questões propostas do trabalho.

8 Novembro de 2010 a maio de 2011.

37

A entrevista com os alunos foi realizada no período matutino. Houve certa

dificuldade9 nas entrevistas com os alunos do 3° ano da escola B, talvez porque são os

menores em termos de idade. Tive de fazer um trabalho para adquirir a confiança deles

e para que eles participassem das entrevistas, como por exemplo, conversar com eles

sem utilizar o gravador, pois ficaram um pouco assustados e também curiosos ao ver o

gravador. Perguntavam se a pesquisadora era do Conselho Tutelar, se a entrevista iria

passar em algum programa da televisão. Após responder a todos os questionamentos

dos alunos e explicar sobre o assunto da pesquisa, realizei o grupo focal, que foi feito

em três encontros em cada escola.

Quadro III– Distribuição dos alunos nos grupos focais por sexo, ano/série e escola:

Escolas Grupos Anos Quantidade de meninos Quantidade de meninas Total

A 1 4° 8 2 10

2 5° 7 3 10

3 6° 6 4 10

B 4 3° A 8 2 10

5 3° B 8 --- 08

Fonte: dados coletados pela pesquisadora.

9 Alguns estudantes, especialmente os menores, quando eram feitas algumas perguntas levavam na

brincadeira. Contavam histórias pessoais de suas vidas que aparentemente não tinham a mínima ligação

ou relação com o assunto da pesquisa.

38

CAPÍTULO II- RELAÇÕES RACIAIS NA EDUCAÇÃO

Conceito de raça: construção social

Para entender às relações raciais no espaço escolar, é importante fazer um estudo

sobre o conceito de raça, racismo, preconceito e discriminação racial para assim

compreender como emergiram e foram disseminados esses conceitos que até hoje são

vivenciados pelos alunos negros.

É importante salientar que essas diretoras foram educadas em uma sociedade em

que as ideias racistas foram altamente difundidas por parte da mídia, dos livros

didáticos, valorizando a população branca em detrimento da população negra, que é

negativamente estereotipada. Portanto, reproduzem nas suas atitudes, ou seja, imagens e

ideias pejorativas associadas ao negro.

O termo raça, segundo Munanga (2003), veio do italiano razza, que por sua vez

veio do latim ratio, designando sorte, categoria, espécie, que no latim medieval indica

descendência, linhagem. O conceito raça foi utilizado primeiramente na história das

ciências naturais (zoologia e botânica) com a finalidade de classificar as espécies

animais e vegetais. Mais tarde essas idéias são transferidas para a classificação de seres

humanos.

No século XVIII, a espécie humana foi categorizada, de acordo com a

concentração de melanina na pele, em três raças: branca, negra e amarela. No século

XIX, foram também considerados critérios como a forma do nariz, lábios e queixo bem

como formato do crânio. Essas classificações não teriam problema para a humanidade

se não fosse à hierarquização estabelecida no momento dessas classificações que

estabelecem relações das qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais às

características físicas. A hierarquização, com base na raça, deu razão ao

desenvolvimento de uma teoria, no século XX, denominada de raciologia, que segundo

Munanga (2003),

39

[…] apesar da máscara científica, a Raciologia tinha um conteúdo mais

doutrinário que científico, pois seu discurso servia mais para justificar e

legitimar os sistemas de dominação racial do que como explicação da

variabilidade humana. Gradativamente, os conteúdos dessa doutrina chamada

ciência, começaram a sair dos círculos intelectuais e acadêmicos para se

difundir no tecido social das populações ocidentais dominantes.

Esta hierarquização raciológica, ou seja, a noção de raça como subespécie,

“sustentou o racismo doutrinário por mais de um século, com base na crença de que

haveria diferenças fenotípicas, mas também de características intelectuais, morais e

comportamentais.” (VENTURI, BOKANY, 2005, p.24).

Ainda no século XIX, surgiu grande parte das teorias poligenistas10

. Para o

anatomista francês Cuvier, a utilização do conceito “raça” ficou vinculada a um sentido

de tipo, ou seja, de designação de espécie de seres humanos distintos. A diversidade dos

povos era considerada diversidade natural abrangendo, dessa forma, as diferenças nos

reinos animal e vegetal. Essas doutrinas perduram até os dias atuais, no entanto, são

frequentemente consideradas como um “racismo científico”, porque apregoam a

superioridade de determinadas “raças” (espécies).

Segundo Skidmore (1976, p.66),

… raças humanas tinham sempre exibido diferenças fisiológicas, em sua

conformação racial genética. […] a base do seu argumento era que a

pretendida inferioridade das raças índia e negra podia ser correlacionada com

suas diferenças físicas em relação aos brancos, e que tais diferenças eram

resultado direto da sua criação como espécies distintas.

Hoje a biologia e a genética, com o projeto genoma, já demonstram que raças

não existem. Há somente espécie humana independente da cor da pele. Segundo Pena

(et al. 2000), por meio das análises do genoma humano, concluiu-se que as raças não

existem como entidades biológicas e, sim, como construções sociais. Segundo o autor,

as diferenças físicas, observadas entre os indivíduos humanos, ocorreram a partir de

adaptação do meio no qual o indivíduo está inserido. Essas diferenças não podem

10

Teorias ligadas à genealogia, a origem do indivíduo, de caráter biológico.

40

caracterizar a existência de raças, pois o número de genes por elas responsáveis é uma

porção muito pequena do genoma humano.

Para Guimarães (2002, p. 50), raça não é apenas “uma categoria política

necessária para organizar a resistência ao racismo no Brasil, mas é também categoria

analítica indispensável: a única que revela que a discriminação e desigualdade de “cor”

são efetivamente raciais e não apenas de classe”. Ainda segundo este autor, raça é “[…]

cientificamente uma construção social” que deve ser percebida dentro do contexto das

relações sociais.

Contudo, cor e traços fisionômicos não indicam ascendência racial, “na

sociedade ainda se fala em raça. A palavra ainda tem valor social, ainda que não tenha

nenhum valor científico”. (MÜLLER, 2005, p. 8).

Para Munanga (2003, p. 6), “[…] o conceito de raça tal como empregamos hoje,

não tem de biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois, como todas as

ideologias, ele esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação

[…]”.

Conforme o autor, o uso do termo “raça” serve para perpetuar e justificar as

desigualdades existentes entre brancos e negros. É também uma categoria de dominação

e exclusão, presente nas relações sociais que se estabelecem e são permeadas por

práticas discriminatórias.

O assunto a seguir foi construído com a finalidade de trazer as discussões

teóricas sobre a definição de racismo, preconceito e discriminação racial, na intenção de

provocar reflexões acerca das falas das diretoras, ao se referirem aos alunos negros, bem

como entender como se dão as relações raciais entre alunos brancos e negros nas escolas

pesquisadas.

Tríade que permeia as relações raciais: Racismo, preconceito e discriminação

racial

Conforme Jaccoud e Beghin (2002, p. 38), o racismo é considerado uma

“ideologia que apregoa a existência de hierarquia entre grupos raciais”. Isto é, acredita-

41

se que os brancos sejam superiores aos negros em razão de suas diferenças fenotípicas.

O racismo surgiu e se consolidou entre os seres humanos gradativamente. Transmitido

por meio de gerações, o racismo, se entranhou na sociedade e reflete nas relações

sociais.

O racismo e o preconceito nem sempre têm explicações racionais. São

sentimentos construídos ao longo da vida, através do convívio com outras

pessoas racistas ou preconceituosas e que transmitem essas ideias pejorativas

sem nenhuma comprovação, apenas insistindo nos julgamentos negativos que

eles têm sobre os outros. É o caso dos professores que reproduzem

pressupostos racistas construídos no século XIX, repetindo esses pré-

conceitos automaticamente, sem se darem conta de que não tem nenhuma

comprovação empírica dos juízos que emitem. (MÜLLER, 2006, p. 123).

Com base em Munanga & Gomes (2006), o racismo é um comportamento, uma

ação resultante da aversão em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial,

no qual fatores observáveis como a cor da pele, o tipo de cabelo distinguem os

componentes de um grupo dos demais sujeitos e, por possuírem traços fenotípicos

diferentes daqueles considerados superiores, são vítimas de preconceito e de

discriminação.

Diretamente associado à noção de racismo está o preconceito racial, que parte de

uma ideia pré-concebida e não refletida de superioridade de uma “raça”. O preconceito

racial, por sua vez, “[…] limita-se à construção de uma idéia negativa sobre alguém

produzida a partir de uma comparação realizada com o padrão que é próprio àquele que

julga” (JACCOUD e BEGHIN, 2002, p. 38). Ou seja, é a predisposição aversiva de um

grupo em relação ao outro motivado pela cor da pele.

A discriminação racial é uma ação, uma manifestação de comportamento, ato,

que prejudica determinada pessoa ou grupo de pessoas em razão de sua raça/cor

(BEGHIN e JACCOUD, 2002). Impedir uma pessoa negra de ocupar uma posição de

destaque no mercado de trabalho por motivos injustificáveis é um exemplo de

discriminação racial.

Nessa perspectiva, pode-se dizer que a discriminação tem o sentido de separar,

distinguir, estabelecer diferenças, segregar. Traduz-se em ações negativas concretas, em

práticas individuais e institucionais que violam os direitos sociais e humanos e a

42

igualdade de tratamento, com base em critérios pré-estabelecidos, de forma singela ou

não (GONÇA LVES, 2007, p. 32).

Segundo Nogueira (2007), o preconceito racial no Brasil é de marca, ou seja,

baseia-se na cor da pele, na aparência, nos traços fisionômicos das pessoas. O

preconceito racial, que se opera na sociedade brasileira, é diferente dos Estados Unidos.

Mas a discriminação no Brasil não deixa de ser cruel por ser de marca.

Nos Estados Unidos, o preconceito racial se ancora na hereditariedade racial do

indivíduo, em outras palavras, o preconceito é de origem. Significa que um indivíduo de

fenótipo branco de ascendência familiar africana também é considerado negro.

O autor afirma, ainda, que o preconceito de origem é exercido por meio da

exclusão incondicional dos membros do grupo atingido. Esse tipo de discriminação é,

predominantemente, exercido nos Estados Unidos mediante atitudes que desfavorecem

aqueles que possuem origem negra, posição essa que jamais poderá ser alterada, visto

que no país há uma linha de cor que separa brancos e pretos.

Para Algave (2005), não é possível entendermos a tríade: racismo, preconceito e

discriminação separadamente, pois os elementos estão interligados e prejudicam tanto a

subjetividade das pessoas que são discriminadas como também daquelas que

discriminam.

Conforme Munanga & Gomes (2006, p. 184), “a discriminação racial pode ser

considerada como prática do racismo e a efetivação do preconceito”. Devido a isso, faz-

se necessário discutir a superação do preconceito, juntamente com as formas de

superação do racismo e da discriminação racial, pois esses três processos se

complementam mutuamente, mas diferem entre si. (Munanga & Gomes, 2006).

No tópico a seguir, apresento os conceitos estereótipo e estigma, pois as

discussões teóricas de Goffman (1982) sobre esses conceitos deram sustentação às

análises dos discursos das diretoras, quando se referiam aos alunos negros. Os

estereótipos negativos atribuídos fazem com que a sociedade atribua características que

as depreciam.

43

Estereótipo e Estigma

Estereótipo pode ser definido como imagens prontas e disponíveis sobre os

grupos sociais. Os estereótipos dizem respeito à maneira de ver, predeterminadas, que

interferem e afetam as interações e estas, por sua vez, conduzem à discriminação racial

(PETTIGREW apud GOFFMAN, 1982).

Goffman (1982) utiliza o termo estigma para explicar as situações nas quais o

indivíduo se encontra inabilitado para ser plenamente aceito na sociedade em virtude de

possuir um atributo que impõe como alvo de atenção. Segundo Goffman “o estigma se

caracteriza pela marca negativa imputada à identidade de pessoas ou grupos”. É um

termo de origem grega que significa marca, sinal revelador de uma qualidade

desprezível de seu portador. Ainda segundo o autor, o indivíduo portador do estigma

não é considerado “normal”, ou seja, uma pessoa “impura”, “indigna” e

“merecidamente” excluída do convívio dos “normais”.

Em torno do negro foi criado historicamente o que Goffman (1978, p. 15) chama

de “teoria do estigma”. É um conjunto de atributos negativos que ideologicamente

rebaixam o ser negro à condição de parcialmente humano.

Goffman (1982) utiliza o termo estigma para explicar as situações em que o

indivíduo se encontra inabilitado para aceitação social plena em virtude de posse de um

atributo que se impõe como alvo de atenção. Para o autor, os estigmas se caracterizam

pela marca que é imputada à identidade dos indivíduos ou grupos. O autor utiliza duas

categorias de identidades para estudar o estigma: identidade social real são os atributos

que o indivíduo possui (a cor); a identidade social virtual são os atributos que lhes são

imputados baseados nos estereótipos vigentes na sociedade onde vive.

Goffman (1982, p. 15) construiu a teoria do estigma para explicar a inferioridade

da pessoa ou grupo a partir da diferença. Com base no estigma, fazem-se muitas

discriminações, e muitas vezes, sem pensar, reduzem as chances do estigmatizado. Com

base nessa afirmação, pode-se inferir que os estigmas atribuídos aos alunos negros,

pelas diretoras, reduzem, em muito, as chances de esses alunos alcançarem um nível

44

mais alto de escolarização, posto que o processo de discriminação que sofrem os afasta

da escola.

O Mito da democracia racial

Abordar o mito da democracia racial neste trabalho deve-se a sua importância

para a caracterização do racismo no Brasil, que aparece sob o manto de democracia

racial, ou seja, na sociedade brasileira há uma dificuldade para reconhecer as ações

racistas devido à forma difusa que o racismo ocorre e permeia as relações sociais.

Discutir o mito da democracia racial é importante para compreender a base das

atitudes discriminatórias existentes nas relações sociais na sociedade brasileira. Essa

crença, ao menos como ideal, começa a se desenvolver, segundo Guimarães (2002,

p.24), na década de 1930, com a mobilização dos movimentos negros brasileiros. Ainda

conforme o autor, “o Brasil é uma sociedade sem “linha de cor”, ou seja, uma sociedade

sem barreiras legais que impedissem a ascensão social de pessoas negras a cargos

oficiais ou posições de riqueza e prestígio”.

O mito da democracia racial de que somos uma sociedade mestiça dificulta a

discussão racial no Brasil. Segundo Munanga (1999), a ideologia da mestiçagem e do

branqueamento dificulta a luta do movimento negro no Brasil, dada a dificuldade de se

identificar ou ser identificado como negro. O mito mascara e “[…] encobre os conflitos

raciais possibilitando a todos a conhecerem como brasileiros e afastando das

comunidades subalternas a tomada de consciência de suas características que teriam

contribuído para a construção e expressão de uma identidade própria.” (MUNANGA,

1999, p. 80).

Cavalleiro (2000) compartilha com Munanga a ideia de que a democracia racial

no Brasil complica a situação do negro, pois trouxe para o povo brasileiro o sentimento

de orgulho por ser visto como não racista. Na verdade, o que essa ideia faz é manter os

conflitos raciais fora da pauta de discussão da sociedade e, dessa forma, em nada

contribui para melhorar as condições de vida dos negros.

45

Gomes (2007, p.101) afirma que o mito

[…] desvia o nosso foco das situações cotidianas de humilhação e racismo

vividas pela parcela da população preta e parda e da situação de desigualdade

por ela vivida na educação básica, saúde, acesso à terra, mercado de trabalho

e inserção universitária.

Segundo Gomes (1995,) democracia racial é uma corrente ideológica que

pretende eliminar as distinções e desigualdades entre a formação da sociedade brasileira

(negra, indígena e a branca), afirmando que existe igualdade entre todos. Essa

afirmação nega a existência de conflitos entre negros e brancos, tende a negar a

existência de preconceito e discriminação racial na sociedade brasileira, foi durante

muito tempo válido no país, ocultando o preconceito racial, e divulgando uma falsa

harmonia racial.

Valente (1987) vê no mito uma forma explicativa de aliviar a tensão social

oculta entre a realidade e o imaginário. A autora considera que o mito da democracia

racial busca esconder conflitos raciais existentes na escola e na sociedade. Por meio da

pretensa democracia racial, nega o passado e implanta na realidade algo que não é real.

Estudos e pesquisas sobre as relações raciais têm demonstrado que o racismo no

cotidiano escolar está presente sob vários aspectos, evidenciado de forma explícita e

implícita, naturalizado ou sutil. Para Pereira (1996, p. 20-21), essa crença de que

vivemos em harmonia racial foi “[…] fortemente consolidada no imaginário nacional e

que a historiografia e a ciência deram status de verdade”.

A democracia racial foi fundamentada nos primórdios da colonização e persiste

na atualidade. É uma falácia que serve para encobrir as práticas racistas existentes no

território nacional. No Brasil, a naturalização do preconceito e discriminação racial

contribui muitas vezes para a invisibilidade da violência exercida sobre a população

negra.

Munanga (1999) reforça dizendo que o mito da democracia racial teve uma

penetração profunda na sociedade brasileira, permitindo às elites dominantes dissimular

as desigualdades e impedindo aos membros da comunidade negra ter consciência acerca

de sutis mecanismos de exclusão dos quais são vítimas:

46

[…] encobre conflitos raciais, possibilitando a todos se reconhecerem como

brasileiros e afastando da comunidade subalternas a tomada de consciência

de suas características culturais que teriam contribuído para a construção e

expressão de uma identidade própria (MUNANGA, 1999, p. 89).

Em pesquisa recente, Gomes (2008) constatou, que famílias negras e brancas se

recusam a admitir a existência do problema no espaço escolar. Elas recorrem ao mito

para justificar que todos são iguais e que, na sociedade, e por extensão na escola, não há

preconceito e discriminação (p. 117). O mito da democracia racial perpetua na

sociedade ainda nos dias atuais. O discurso de suposta democracia racial opera no

imaginário popular, sendo reproduzido em nosso cotidiano.

Dessa forma, pode-se afirmar que os discursos do passado ainda sobrevivem,

continuam amparando a realidade presente. O mito da democracia racial continua

arraigado no imaginário das pessoas, e no contexto escolar não é diferente.

Como ressalta Valente (1994 p. 16):

A sociedade resiste em livrar-se de seus mitos porque é difícil encarar a

realidade. Quando se torna impossível sustentar a tensão entre o real e o

imaginário, entre o objetivo e o subjuntivo, são buscadas medidas paliativas

que pouco resolvem. No caso da sociedade brasileira, a realidade é a negativa

de que ele exista.

Na discussão seguinte apresentaremos os dados das desigualdades raciais na

educação, importante para compreendermos quem são os alunos que mais reprovam e

por isso estão em desvantagem na escolaridade, se comparados aos alunos brancos, e

como os mecanismos de intraescolares provocam exclusão dos alunos negros do sistema

educacional.

Desigualdades raciais na educação

47

Estudos sobre as relações raciais na educação apresentam desigualdades neste

campo. Várias pesquisas já foram realizadas comprovando desigualdades educacionais

entre brancos e negros.

Dentre os estudos, cito Carlos Hasenbalg e Nelson do Vale da Silva no estudo

das relações raciais, os quais utilizaram estatísticas e indicadores para comprovar a

existência e a realidade das desigualdades raciais no Brasil. Por meio de estudos

observaram que havia uma diferença entre as taxas de evasão e progressão escolar entre

brancos e negros. Quando comparados aos brancos, pretos e pardos têm probabilidade

três vezes de continuar sem instrução.

Segundo Guimarães (2006, p.281), os trabalhos de Hasenbalg e Silva atestaram

que “a democracia racial era realmente um mito e uma farsa tal como algumas

lideranças negras e alguns sociólogos já diziam desde o final dos anos de 1960”.

As autoras Jaccoud e Beghin, em 2002 mostraram no seu trabalho

Desigualdades Raciais no Brasil que, neste país, existem desigualdades raciais em

várias esferas. Concluíram que os negros não conseguiram alcançar mais do que 70% da

média de período de estudo dos brancos. Esses dados assinalam que a situação

educacional entre negros e brancos permanece inalterada, pois embora as taxas de

analfabetismo tenham diminuído desde os anos de 1990, a média continua duas vezes

mais alta para pretos e pardos do que para brancos.

Segundo Rosemberg (1987), que realizou estudo sobre rendimento escolar

utilizando dados da PNAD de 1982 constatou que os alunos negros apresentavam

índices de exclusão e de repetência superiores aos alunos brancos. São alunos que

tendem com maior freqüência repetir o ano. O estudo revela também que a trajetória do

aluno negro é mais acidentada do que do aluno branco, o sistema registra um maior

número de saídas e voltas destes alunos para a escola, e mostra também que apesar das

dificuldades o aluno negro tenta se manter na escola.

Para Henriques (2001) sobre a sua pesquisa sobre desigualdades raciais no

Brasil, mostra que escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira em

torno de 6,1 anos de estudo, um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de

estudo. O diferencial de 2,3 em qualquer recorte racial que se faça.

48

Os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelaram que

as desigualdades raciais no acesso à educação diminuíram entre 1999 e 2009, apesar de

continuarem elevadas, segundo mostrou os indicadores divulgados. Os indicadores

apontaram que, enquanto 62,6% dos estudantes brancos de 18 a 24 anos cursaram o

nível superior em 2009, o percentual era de 28,2% para pretos e 31,8% para os pardos.

Os dados indicaram que houve forte expansão nesse indicador para todos os grupos. Em

1999, esses percentuais eram de 33,4% para brancos, 7,5% para pretos e de 8% para

pardos.

Os indicadores comprovam que há discriminação racial nos diferentes âmbitos

educacionais, isso pode ser explicado pela existência de mecanismos intraescolares que

têm contribuído para a permanência dessa situação.

As pesquisas apontam que os mecanismos intraescolares de discriminação são

responsáveis pelo fracasso e exclusão do aluno negro da escola. O currículo, a

metodologia, os livros didáticos, a prática dos professores, da gestão da escola tem

contribuído para que os alunos negros tenham baixo rendimento na escola.

A pesquisa de Gonçalves (2006) revelou o impacto da questão racial nas

relações que se estabelecem no cotidiano e no desempenho escolar. Os alunos negros

recebiam tratamento diferenciado desde a sua entrada na escola, pelo descaso do

professor, pelo não reconhecimento do aluno e suas potencialidades, por meio de

castigos e punições variadas, como comentários negativos. Todos esses aspectos

refletiam no desempenho escolar dos alunos negros.

Mecanismos intraescolares de discriminação

Os teóricos da área de relações raciais afirmam haver mecanismos intraescolares

que prejudicam a permanência do negro no sistema educacional. Algumas pesquisas

confirmam isso, como é o caso da pesquisa realizada por Mary Castro e Miriam

Abromovay (2006), em escolas públicas e privadas nas diferentes regiões do Brasil,

inclusive na região Centro-Oeste, especificamente no Distrito Federal, as autoras

constataram o caráter institucional do racismo desvelando suas facetas.

49

Pesquisas sobre racismo no cotidiano escolar apontam que os preconceitos

permeiam as relações sociais dos alunos entre si e reproduzem-se no espaço escolar.

Como a pesquisa de Oliveira:

Oliveira (1999) constatou que as crianças negras se mantinham em uma postura

introvertida, deixando, em vários momentos, de participar de tarefas propostas, com

medo de serem ridicularizadas. Essa situação é a que se observa. Porém, nos discursos

políticos, sociais, econômicos e culturais, nos quais se falam muito em escola para

todos, muitas vezes, o ambiente escolar aparece com outro formato, o da universalidade,

todos iguais, sem pensar as diferenças. Assim, na prática pedagógica ou administrativa,

o que se encontra são propostas curriculares que não contemplam a diversidade. Isso

denuncia um dos fatores responsáveis pela grande lacuna sobre a questão racial

existente nos currículos e na formação de professores.

Conforme Cavalleiro (2000 p.58),

[…] o sistema educacional brasileiro, da mesma forma que as demais

instituições sociais, está repleto de práticas racistas, discriminatórias e

preconceituosas, o que gesta, em muitos momentos, um cotidiano escolar

prejudicial para o desenvolvimento emocional e cognitivo da todas as

crianças e adolescentes, em especial as consideradas diferentes com destaque

para as pertencentes à população negra.

De acordo com Oliveira (2006), os profissionais da educação têm poder para

contribuir com a emancipação dos alunos. Entretanto, não é isso que acontece: Os

referidos profissionais têm se mostrado incapazes de exercer o poder que lhes foi

delegado em face da garantia da qualidade da educação de modo geral e, em especial,

diante das diferentes evidências de discriminação racial no processo educativo

(OLIVEIRA, 2006).

Segundo Cavalleiro (2002, p. 100), a escola precisa se organizar para demonstrar

a todos a importância da pluralidade racial na sociedade. Os educadores devem

contemplar a discussão de diversidade racial na sociedade, discutir os problemas raciais

em suas diferentes proporções, os quais atingem os grupos sociais.

50

Isso significa ruptura com um tipo de postura pedagógica que não reconhece as

diferenças resultantes do nosso processo de formação nacional na tentativa de resgatar a

contribuição do povo negro na construção da sociedade brasileira.

As pesquisas realizadas em Mato Grosso com as temáticas relações raciais, têm

demonstrado as várias manifestações de discriminação racial no interior da escola.

Entre elas, Pinho (2004) constatou na sua pesquisa que as alunas negras são

associadas à promiscuidade e degenerescência social. Na percepção dos professores os

alunos negros são danados, revoltados, agressivos e violentos. Observou-se também

grande dificuldade dos professores em trabalhar com os diferentes. Nas atividades

propostas pelos docentes, em grupo, dificilmente os alunos negros encontravam um par

para desenvolver as atividades, e os professores, percebendo a rejeição desses alunos

pelos colegas brancos, não tomavam atitudes para mudar essa situação.

Santos (2005) verificou a prática de discriminação racial no interior da escola

principalmente contra alunos negros, a qual se expressa por meio de manifestações

racistas por parte de alunos brancos, sugerindo uma retransmissão dos pensamentos e

sentimentos da família.

O livro didático utilizado pela escola tem sido alvo de críticas do movimento

negro e objeto de estudos de pesquisadores da área ao longo dos últimos anos: “o livro

didático é tido como um dos exemplos de desigualdades racial na educação

(Rosemberg, 2003, p. 53)”. Os materiais didáticos e paradidáticos passam por mudanças

em relação a conteúdos racistas e preconceituosos, mas, contudo, alguns livros ainda

veiculam imagens e textos que discriminam a população negra.

Os estudos realizados por Costa (2004) sobre percepções de alunos e professores

acerca dos conteúdos de discriminação racial contidos nos textos verbais e não verbais

nos livros didáticos de língua portuguesa apontou que, diferente dos professores que

negam a existência de conteúdos que subalternizam o segmento negro, os alunos

percebem-nos e reproduzem as situações de discriminação.

A pesquisa sobre as interações de alunos negros e não negros realizada por

Alexandre (2007), constatou que a discriminação racial ocorre nos espaços escolares,

seja de forma implícita ou explícita, como também é motivo para estigmatizar, depreciar

51

e evitar os colegas negros. Logo, a possibilidade de gozação e de utilização de

xingamentos raciais torna a interação com os demais um campo propício e básico para a

formação e o desenvolvimento de preconceitos raciais.

A omissão do professor e da escola diante das questões raciais foi também

constatada por Alexandre (2007) na sua pesquisa. O papel do professor é

importantíssimo diante das questões raciais para formação do aluno negro, podendo

atuar:

[…] na promoção e melhoria da qualidade educacional para o aluno negro,

fazendo as intervenções necessárias, conduzindo a prática pedagógica para

reflexão não somente sobre o material didático utilizado e os estereótipos

veiculados à imagem do negro; mas em todo discurso e comportamentos não

verbais que colaboram para a manutenção do preconceito (Alexandre, 2007,

p. 25).

O comportamento de omissão das diretoras em relação ao tratamento aos alunos

negros nas situações de discriminação racial, na maioria das vezes, é por despreparo

delas em lidar com essas situações: justificam atribuindo a culpa na formação superior.

Constituindo assim também mecanismos intraescolares de discriminação. É necessária

formação antirracista para os profissionais da educação, para que possa entender e

buscar transformar esses mecanismos que atuam determinando a trajetória de insucesso

escolar desses alunos.

52

CAPÍTULO III- RELAÇÕES RACIAIS NA ESCOLA: A QUESTÃO RACIAL

NOS DOCUMENTOS E NAS PERCEPÇÕES DOS ALUNOS

A questão racial no Projeto Político Pedagógico

A Secretaria Municipal de Educação de Cuiabá, na sua proposta curricular,

apresenta referência para uma Educação das Relações Étnicorraciais. O documento11

apresenta uma proposta no sentido de oferecer às escolas um suporte didático-

pedagógico, para que os profissionais da Educação possam desenvolver uma ação

educativa voltada para formação de valores e posturas que contribuam para que

cidadãos, valorizando seu pertencimento étnico-racial, tornem-se parceiros em uma

nova cultura antirracista, do fortalecimento da dignidade e da promoção da igualdade

real de direitos.

Cabe à escola rever a História e assumir a tarefa da reparação, de promover os

direitos culturais e educacionais de um povo na sua diversidade, na sua integridade.

Constitui-se, portanto, em uma referência estruturante do currículo das escolas

municipais, na direção da valorização da identidade e da autoestima dos discentes

negros que formam a maioria das salas de aulas no Município de Cuiabá e de

reeducação de todos acerca da necessidade de construirmos relações sociais não

racializadas.

A proposta afirma que não se trata de mais um documento formal, mas de

instrumento de trabalho docente, que se alimenta de uma prática coletiva de

planejamento pedagógico, balizado pela avaliação processual contínua. Esta se

subordina ao objetivo maior de um laboratório de construção coletiva, no interior de

cada escola, na luta pela redução da imensa disparidade de acesso ao sistema

educacional de qualidade entre negros e brancos na sociedade brasileira, especialmente

a cuiabana.

11

O documento refere-se à matriz curricular da rede Municipal de Cuiabá. Esse documento apresenta as

capacidades de cada disciplina para cada ano de escolarização. Dentre elas as capacidades para

educação das étcnicorraciais.

53

Nesse sentido, cada escola deve contemplar na sua proposta curricular ações

inclusivas na perspectiva da educação das relações raciais contempladas na matriz

curricular da Secretaria.

Nas escolas, onde se realizou esta pesquisa, as diretoras afirmam que a escola

possui o Projeto Político Pedagógico e que este é elaborado por todo segmento escolar.

Os relatos, a seguir, demonstram o exposto aqui:

O projeto político pedagógico é muito importante para a escola, é a cara da

escola, aqui todos participaram da elaboração (Diretora da escola A).

O nosso projeto político pedagógico foi elaborado por todo o segmento da

escola, é um projeto importante dentro da escola. (Diretora da escola B).

O Projeto Político Pedagógico da escola A diz que este é o plano global da

instituição, é a sistematização, nunca definitiva de um processo de planejamento

participativo, se aperfeiçoa e se concretiza na caminhada, define claramente o tipo de

ação educativa que se quer realizar. A diretora da escola A afirma que:

O Projeto Político Pedagógico da escola foi elaborado com a participação dos

professores, alunos, pais, funcionários, equipe gestora e conselho escolar

comunitário, uma vez que a escola, dentro de um processo de mudança sente

a necessidade de refletir e planejar ações que contemplem todos os alunos.

(Diretora da Escola A).

Ao analisar o Projeto Político Pedagógico, verificou-se a proposta curricular.

Pois, o currículo é base fundamental do Projeto Político Pedagógico, pois é a partir dele

que se define o que, para que, como e quem a escola deve ensinar.

O currículo só adquire sentido estando vinculado a reais necessidades da

comunidade escolar e ser resultado do trabalho desenvolvido com a participação de

todos. Requer discussão, considerando seu caráter histórico provisório que reflete

contradições da realidade, participação, análise reflexiva e crítica da sociedade. Ao

construir o currículo, não se pode ignorar a existência da múltipla diversidade presente

no contexto escolar.

54

Neste sentido o currículo que contempla as questões raciais e se realiza na práxis

pedagógica torna-se um dos mecanismos de enfrentamento do indivíduo negro contra

mecanismos sociais excludentes, definidos culturalmente na nossa sociedade, no sentido

de interromper o silêncio que ocorre acerca do racismo, preconceito e discriminação no

cotidiano escolar. Ao conhecer a proposta curricular das escolas pesquisadas e quais os

projetos desenvolvidos via currículo formal, percebi que as questões raciais não estavam

contempladas. Perguntamos para as diretoras então como as questões raciais estão sendo

trabalhadas na escola:

Em sala de aula a gente faz várias atividades e apresenta na culminância dos

trabalhos no final de cada bimestre. Também na consciência negra no dia 20

de novembro a gente trabalha, onde são apresentados vários trabalhos

voltados para a discriminação. Diretora da escola A

Trabalhamos no currículo principalmente na história e em todas as áreas. A

escola trabalha com textos que falam sobre discriminação. Diretora da escola

B

Ao analisar o Projeto Político Pedagógico da Escola A, percebemos que a

proposta curricular para a educação das relações raciais aparece na forma de um projeto

que aborda as questões de forma estereotipada, com festividades esporádicas - no dia 20

de novembro. As atividades nesse projeto ficam centradas em aspectos como costumes

alimentares ou dança. “Caracterizada pela folclorização e superficialidade da questão”

(OLIVEIRA, 2006, p. 199).

Na proposta curricular da Escola B, as questões raciais e as suas capacidades,

foram copiadas da Matriz de Referência da Secretaria Municipal de Educação de

Cuiabá, não houve construção da proposta. A seguir, as capacidades definidas na Matriz

de Referência, alusiva à temática racial da Secretaria Municipal de Educação.

CAPACIDADES – 1º ano

1. Realizar resgate de jogos e brincadeiras em tempos e espaços diferenciados.

2. Identificar e organizar os movimentos da cultura corporal nos Jogos e Danças regionais.

3. Produzir e registrar as manifestações corporais vivenciadas na escola e na comunidade.

4. Promover trabalho de pesquisa histórica sobre festas e danças religiosas, sobretudo aquelas

55

ligadas à cultura negra.

CAPACIDADES – 2º ano

1. Identificar os mitos africanos, montando representações teatrais e peças com fantoches

criados pelos próprios alunos.

2. Reproduzir através de dramatizações histórias infantis e contos africanos.

3. Reconhecer a invisibilidade de negros e negras na mídia.

4. Valorizar a leitura como fonte de formação, informação e via de acesso ao mundo das

diversas obras literárias, estimulando a leitura de textos de vários gêneros que valorizem a

cultura, as famílias e os antepassados dos alunos e alunas.

CAPACIDADES – 3º Ano

1. Compreender como a ancestralidade africana se manifesta na dança, na música e nas artes

visuais.

2. Identificar as linguagens matemáticas presentes no cotidiano, as quais expressam diversas

formas de quantificar, agrupar, medir, localizar, orientar e inferir.

3. Valorizar as variedades linguísticas da Língua Portuguesa, utilizando a língua para combater

preconceitos, discriminação, intolerância.

4. Desenvolver o senso crítico através de questionamentos sobre as identidades: racial, de

gênero, cultural, política, de classe, de regionalidade.

5. Identificar e desconstruir estereótipos de representação étnico-racial encontrados nas artes,

na publicidade e na mídia.

A inclusão do ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana no Projeto

Político Pedagógico e outros projetos voltados para a valorização da diversidade racial

não pode ser reproduzido, ele precisa ser realmente construído, precisa de uma gestão

que possibilite a participação democrática de todos os segmentos nessa construção. É

preciso que as pessoas envolvidas no processo escolar realmente entendam e coloquem

em prática uma educação para a igualdade, reconhecendo as práticas de racismo na

escola.

56

Segundo Canen (2005), cabe à escola e à formação de professores criarem

estratégias multiculturais a fim de preparar o profissional da educação para lidar com a

diversidade cultural e de diminuir ou extinguir os diversos tipos de preconceitos

presentes no ambiente escolar, por intermédio, por exemplo, da construção coletiva de

um Projeto Político Pedagógico em que a questão da identidade negra seja visível.

Segundo Candau (2003), o trabalho didático ainda tem se orientado por um

currículo que mantém a invisibilidade do negro, na qual as formas de discriminação

racial ainda se fazem presentes nesse currículo, que exclui a expressão cultural,

transitando pela linguagem não verbal até comportamentos e práticas explícitas.

A escola precisa se organizar para demonstrar a todos a importância da

pluralidade racial na sociedade. “Os educadores devem contemplar a discussão de

diversidade racial na sociedade, discutir os problemas raciais em suas diferentes

proporções, que atingem os grupos sociais” (CAVALLEIRO, 2002, p. 100).

A escola precisa construir e colocar em prática um currículo que contemple

todos os grupos que fazem parte do seu contexto.

Livros de ocorrência: o encontro com os alunos

O levantamento das situações registradas nos livros de ocorrência teve como

objetivo identificar se havia registros de conflitos de cunho racial entre alunos e quem

eram os alunos que apareciam nos registros.

O livro de ocorrência para registrar os fatos do dia a dia é comum nas escolas.

Para as diretoras da escola A e B:

O livro de ocorrência é de grande importância, pois é através dele que a

escola pode registrar as situações corriqueiras até as mais relevantes. Este

serve de apoio ou subsídio para que a equipe gestora tome as providências

necessárias em relação ao aluno. Cada unidade escolar determina os seus

critérios para registrar as ocorrências dos alunos (Diretora da escola A).

57

É muito importante, pois nós registramos as ocorrências dos alunos,

conversamos com eles, com a família, se precisar a gente chama o conselho,

é um documento para a escola, eu registro tudo aqui na escola (Diretora da

escola B).

Com a autorização das diretoras, deu-se início ao levantamento das situações

registradas nos livros de ocorrência. Foram analisados 80 registros12

, sendo 40 registros

da escola A e 40 da escola B. As situações que mais apareceram nesses livros de

ocorrências das duas escolas foram: agressão verbal entre alunos – xingamentos e

apelidos. Em seguida, aparece a agressão física (socos, pontapés, tapas e outros) que

acontecia quando um aluno colocava apelido no outro. Nenhuma das situações,

encontradas nos livros de ocorrência refere-se à questão racial de forma explícita, mas

sim implícita. Os quadros: III e IV - elaborados pela pesquisadora a partir dos livros de

ocorrência das escolas - demonstram o número de situações de conflitos registradas.

Quadro IV – Situações de conflitos registradas – Escola A

SITUAÇÕES DE CONFLITOS REGISTRADAS QUANTIDADE DE CASOS

Agressão verbal entre alunos/ xingamentos e apelidos 10

Agressão física entre alunos 05

Comportamentos inadequados13

dos alunos 15

Agressão verbal aluno para professor 05

Agressão verbal aluno para diretor 03

Destruição do patrimônio da escola 02

Fonte: Livro de ocorrência da escola A

Quadro V – Situações de conflitos registradas – Escola B

SITUAÇÕES DE CONFLITOS REGISTRADAS QUANTIDADES DE CASOS

Agressão física entre alunos 06

Comportamentos inadequados dos alunos 14

12

Os registros foram selecionados a partir de novembro de 2010 a abril de 2011 nas duas escolas.

13 Comportamentos inadequados segundo as ocorrências (fugiu da sala, não fez a tarefa, esqueceu o

livro, falta muito as aulas).

58

Agressão verbal aluno para professor 12

Agressão verbal aluno para diretor 05

Destruição do patrimônio da escola 02

Fonte: Livro de ocorrência da escola B

Percebe-se que, das ocorrências verificadas nas escolas A e B, 29 dizem respeito

ao comportamento inadequado dos alunos, 22 à agressão verbal. De acordo com os

registros, as agressões aconteciam verbalmente quando um aluno colocava apelido no

outro, provocava-o com palavrões, entre outras. Além disso, foram registrados os casos

de agressões físicas como socos, pontapés, tapas.

É importante destacar que os registros não representam a totalidade das situações

de conflitos naquelas instituições escolares. Os casos registrados, segundo as diretoras,

são aqueles que, de alguma forma, representam certa gravidade. Outra questão

registrada nas ocorrências dizia respeito às providências das diretoras diante das

agressões registradas. Dentre elas, a registrada com maior incidência é a comunicação/

convocação de responsáveis (57 casos) para esclarecimentos dos fatos. Houve ainda 15

advertências verbais, 02 casos de encaminhamento para o conselho tutelar, 04 para

atendimento médico em postos de saúde, 02 suspensão das atividades, como aulas de

educação física.

Quadro VI – Registros das providencias tomadas – Escola A

REGISTROS DE PROVIDÊNCIAS TOMADAS QUANTIDADE

Comunicação/ convocação dos responsáveis 30

Advertência verbal 06

Presença do conselho tutelar 02

Suspensão das atividades na escola 02

Fonte: Livro de ocorrência da escola A

Quadro VII – Registros das providências tomadas – Escola B

REGISTROS DE PROVIDÊNCIAS TOMADAS QUANTIDADE

Comunicação/ convocação dos responsáveis 28

Advertência verbal 11

Suspensão das atividades na escola 01

Fonte: Livro de ocorrência da escola B

59

O que se percebe, segundo os registros de ocorrências, que o diálogo com as

famílias e os alunos tem sido a principal alternativa das diretoras. Contudo, as relações

entre as diretoras, alunos e famílias nem sempre ocorria de forma pacífica. Durante a

observação, presenciei o registro de algumas ocorrências, nelas a secretária da escola

descrevia o motivo dos conflitos entre os alunos e as diretoras exigiam que eles

assinassem o livro. No momento dos registros, os alunos sentiam medo e muitos pediam

para os responsáveis não serem chamados. Nesse momento, recebia advertência da

diretora, que dizia que não adiantava chorar e ter medo, que o aluno provocou a situação

e tinha de assumir a sua indisciplina. Essas situações eram constantes na sala da

diretora.

Nos livros de ocorrências, verifiquei quais foram os motivos que levaram aos

registros; se havia algum que caracterizava discriminação racial e quais foram os

encaminhamentos dados pelas diretoras aos registros. Diante das leituras das

ocorrências e para apresentar nesta pesquisa, trouxe as que, de certo modo caracterizam

discriminação racial. Um foco de muitas incidências de problemas disciplinares,

registrados nos livros, refere-se aos momentos do recreio. Nesse momento de quinze

minutos, ocorriam conflitos entre os alunos e alguns por discriminação racial e esses

chegavam, na maioria das vezes na sala da diretora. Serão apresentadas algumas

ocorrências registradas. Foram utilizadas somente as iniciais dos nomes dos alunos e

responsáveis citados nas ocorrências. Algumas ocorrências estavam com datas e outras

não. Faz-se necessário também relatar que, nas ocorrências, não constava a cor dos

alunos, mas, ao fazer o levantamento e conhecer os alunos dos registros, a cor se

destaca: a maioria é negra. A identificação da cor dos alunos nas ocorrências foi

acrescentada pela pesquisadora.

Ocorrência 1: (turma 6° ano) Aos vinte e dias do mês de março, a diretora,

durante o recreio chamou os alunos P. (branco) e M. (negra) para uma

conversa. Os dois foram chamados porque estavam brigando durante o

recreio e o P. puxou o cabelo da M. falando que o cabelo dela era duro e

xingou a colega. O aluno disse a diretora que estava só brincando, que eles

sempre brincam. A diretora disse para M. não importar, que seu cabelo vai

crescer e ficar muito bonito. Após essa conversa os alunos foram mandados

de volta para o recreio.

Percebe-se que a diretora falou somente com a aluna que foi a vítima da

discriminação, em nenhum momento falou com o aluno que puxou o seu cabelo. A

atitude do aluno, ao insultar a colega e não ser punido reforça e legitima que o seu

60

comportamento não está errado em relação a sua colega. A autora Ana Canen (2006), ao

tratar sobre o assunto no Documentário „Eu Sou Assim‟, alerta que os professores,

gestores não podem admitir esse tipo de brincadeira. Precisam se questionar, porque só

é brincadeira quando todos acham graça. Agora, se só o opressor acha graça e a vítima

não, sente se ofendida, como pode ser considerada brincadeira. Isso é discriminação

nesse caso da ocorrência, sem dúvida de cunho racial.

Desde muito cedo, ainda nos primeiros anos do ensino fundamental, as crianças

negras já começam a serem vítimas de preconceito e discriminação racial, pois apelidos

pejorativos em forma de brincadeiras lhes são direcionados. Vê se assim, que a escola se

patenteia como um ambiente em que, além das questões de formação, propicia atitudes

discriminatórias.

Ocorrência 2: (turma do 6º ano) Aos 12 dias do mês de abril, a professora

trouxe os alunos K. e W. porque estavam brigando, a aluna K. (negra) disse

que W (negro) vive xingando ela de negra, ela disse que ele provoca muito

ela. A diretora conversou com os alunos e pediu que assinassem a ata.

A diretora não ouviu os alunos, a coordenadora escreveu a ata e mandou os

alunos saírem da sala. Esses registros parecem ignorar as diferenças étnicas raciais que

se fazem presentes nos espaços da escola. A não percepção da discriminação nas

relações dos alunos contribui para a permanência de manifestações racistas na escola.

Ocorrência 3: (turma 4° ano) Aos trinta dias do mês de maio o aluno G.

(negro) reclamou para a professora que o aluno W. (branco) está provocando-

o, tomou o seu pirulito. A professora encaminhou para a direção. A diretora e

a coordenadora conversaram com os alunos e pediram para o G. não fazer

mais isso.

Ocorrência 4: Aos dez dias do mês de março de dois mil e onze reuniram-se

na sala da diretora os alunos M. (negro), V. (negra), P. (branco) e J. (negro) e

as senhoras M, S, J, o senhor C, responsáveis por esses alunos. O motivo da

reunião foi que o aluno P foi na sala de material de limpeza, pegou um vidro

com Q‟boa, que não estava identificado, trouxe para a sala dizendo que ia

limpar as mesas da sala. Diante disso derramou nos colegas manchando as

camisetas, e jogou umas gotas na sua colega V, dizendo que ela iria ficar

branca. Os responsáveis colocaram suas posições exigindo que a responsável

do aluno comprasse outra camiseta para os alunos. Conversaram e tudo foi

resolvido, a responsável vai comprar camisetas novas para os alunos. Sem

mais nada a tratar encerro a presente ata.

61

A preocupação da direção era com a mancha da camiseta e quem ia

disponibilizar outras camisetas, em nenhum momento colocou o ato de discriminação

praticado pelo aluno para discussão.

Ocorrência 5: O aluno W. (negro) pulou a janela da sala xingando palavrão e

foi embora. A professora disse que este aluno só atrapalha a aula, é

indisciplinado, não faz as atividades, vem na escola só para brigar. A diretora

chamou o aluno de volta conversou com ele e lhe entregou um bilhete

chamando o responsável, e disse para o aluno que ele só entra com o

responsável.

Ao mandar o aluno ir embora, a diretora reforçou para o aluno que ele só entra

com o seu responsável, comentando que a família desse aluno não comparece à escola,

que esse aluno é muito agressivo. A falta de estrutura familiar é enfatizada pelas

diretoras como a causa dos comportamentos agressivos dos alunos. Elas reforçam nas

suas declarações que a dificuldade de relacionamento dos alunos é porque os pais não

acompanham a vida dos filhos.

Ocorrência 6: O aluno J. V. (negro) não faz as atividades, vive brigando com

os colegas , senta sempre na última carteira. A professora disse que é um

aluno já repetente, que está fora da faixa etária dos alunos da sala. Este é um

aluno se continuar assim vai reprovar novamente. O aluno tem muita

dificuldade para aprender. Os responsáveis foram chamados para conversar

sobre os aluno, este aluno tem a autoestima muito baixa que dificulta a sua

aprendizagem.

Essa ocorrência relaciona a discriminação com a dificuldade de aprendizagem

do aluno, pois constatei que os alunos que as diretoras falavam que eram repetentes, que

não iam aprender eram negros. Afirma que a sua origem familiar é desajustada e isso

afeta significativamente suas condutas, criando sérias dificuldades para o desempenho

escolar. As diretoras, ao se referirem a esses alunos, sempre destacam que eles não

sabem nada, não fazem nada. Quando aparecia algum responsável do aluno a diretora

pedia para que eles ajudassem essas crianças em casa e dizia que essas crianças

precisavam de apoio da família.

62

Ocorrência 7: Na aula de educação física aconteceu uma briga entre os alunos

N. (branco) e B. (negro). O aluno N. xingou o B. de ladrão. A professora de

Educação física disse que esses alunos são violentos, não respeitam as regras,

são indisciplinados. O aluno N. disse que o B. roubou o seu relógio, a

diretora disse que o aluno tem que devolver o relógio, o aluno B. disse que

não roubou. A diretora mandou um bilhete convocando o responsável do

aluno B. O aluno só entra com o responsável.

Ocorrência 8: A professora de língua estrangeira retirou o aluno W( negro).

da sua aula, pois o mesmo estava atrapalhando a sua aula, briga, xinga,

perturba os alunos. A diretora conversou com o aluno e disse que o mesmo

deve procurar outra escola para estudar, pois a escola não agüenta mais

conversar com este aluno, ele traz muitos problemas para a escola. O

responsável deve ser convocado.

Ocorrência 9: A professora do 6° ano B chamou a diretora na sua sala, pois a

sala está muito indisciplinada. A professora relatou que os alunos não

respeitam nada, estão sempre brigando. A diretora disse que estes alunos não

têm jeito. Os responsáveis desses alunos serão chamados para uma reunião.

Ocorrência 10: A diretora estava no corredor da escola quando um aluno V.

(negro) sai correndo da sala. A diretora chamou o aluno para a sua sala. O

aluno chorando diz que pegaram seu dinheiro. A diretora diz que vai chamar

a sua avó para confirmar se ele tinha dinheiro. O aluno confirma que tinha

dinheiro. A professora comparece na sala da diretora e fala que nem sabia

que o aluno tinha dinheiro. O aluno foi dispensado para comparecer com a

sua avó.

Essas ocorrências evidenciam racismo e revela uma forte associação da imagem

do negro à marginalidade. Nos conflitos escolares, quando se trata de sumiço de algum

objeto o negro é sempre “suspeito”. As ocorrências revelam que os alunos negros, no

ambiente escolar, em situações conflitivas, são constantemente sujeitos às depreciações.

Neste estudo, no levantamento das ocorrências e nas entrevistas com as diretoras, pude

perceber a dificuldade dessas profissionais para lidar com situações de conflitos no

contexto escolar, principalmente quando se tratava de conflitos de cunho racial.

A discriminação racial revelada pelos alunos

Explicitar a percepção dos alunos sobre as relações raciais são elementos

importantes para apreender as formas interpretativas dos alunos sobre os conflitos na

63

escola, uma vez que as suas falas confirmavam a existência de discriminação racial

contra os negros.

Foi realizado grupo focal com os alunos das turmas do 3° ao 6° anos, eles

falaram sobre as situações de discriminação racial vivenciadas no cotidiano escolar.

Como já foi relatado anteriormente, esse grupo focal foi realizado nas Escolas A e B

com 05 grupos, sendo 04 grupos com 10 alunos e um grupo com 08 alunos, no período

matutino, todos com autorização dos responsáveis. A princípio seriam 05 grupos com

10 alunos, mais um grupo ficou com 08 alunos porque os responsáveis não autorizaram

a participação dos seus filhos na pesquisa.

No dia marcado e no momento da realização do grupo focal os alunos chegaram

alegres, curiosos sobre o que iria acontecer, foi feita uma breve explicação e

começamos os trabalhos com as perguntas. Foram feitas duas perguntas: a) Vocês

sabem o que é discriminação? b) Vocês já sofreram alguma discriminação na escola?

Conte como aconteceu.

Com as respostas dos alunos sobre discriminação racial, o que se compreende é

que ela perpassa a vida desses alunos no espaço escolar e nos espaços que ultrapassam

esse contexto, ou seja, na comunidade. No início, ninguém falou sobre o assunto.

Quando perguntava se alguém já passou por situações de discriminação, a princípio

negava. Após um tempo de conversa, começaram a falar das situações de discriminação

vivenciadas por outras pessoas, colegas, parentes.

Professora, eu sei o que é discriminar […] um dia a professora foi trabalhar

sobre escravos, foi uma bagunça, os alunos começaram a rir e falar que a B.

era escrava, preta tinha que apanhar. A professora mandou parar, ela chorou.

(Aluno negro, 5° ano, Escola A).

[…] tem um guri, professora, na sala, ele fala para o outro, o L. que ele é

macaco, e ele fica quieto, fosse eu batia nele, a tia deixa. (Aluno negro, 6°

ano, Escola A).

Professora, eu acho que discriminar é colocar apelido, xingar o outro de

preto, fedido. Tem um guri lá perto de casa que fala que preto é macaco,

fedido, sujo. (Aluno negro, 4° ano, Escola A).

Minha avó não gosta de preto, ela fala que preto é bagunceiro, preguiçoso ela

é racista. (Aluna negra, 6° ano B, Escola A).

64

O que se observa é que os alunos têm consciência da discriminação racial nas

relações. Alguns alunos falam sobre as situações de discriminação decorrentes das suas

próprias experiências.

[…] eu não gosto que eles falam que eu sou biscoito torrado, carvão, eu brigo

com eles, na hora do lanche eles ficam me perturbando. A coordenadora foi

na sala e pediu para eles pararem, mas eles continuam me chamando por

apelido. (Aluna negra 5° ano A, Escola A).

[…] o C. fica falando que eu sou preto, macaco, eu falei para a tia, ela não

fala nada. (Aluno negro 3° ano A, Escola B).

[…] o tia, A. falou que eu sou feia, bruxa, ela não brinca comigo, na

educação física ela não brinca de roda comigo. (Aluna negra do 3° ano,

Escola B)

O depoimento de um aluno negro me chamou a atenção, ele disse que não sofre

discriminação, que na escola não tem discriminação. Os colegas insistiam para ele dizer

que sofre discriminação:

[…] eu não sinto nada, eu não ligo, eu não acho que é discriminação, meu

irmão é branco, porque meu padrasto é branco, minha mãe é morena, eu sou

moreno. Eu não sou preto. Eu sou mais claro do que o W., eu acho que ele é

preto. (Aluno negro, 6° ano B, Escola A).

Esse aluno estava sempre sozinho, era muito calado, não participava das

brincadeiras, comemoração e, poucas vezes, conversava com outros alunos. O silêncio

denuncia situação de discriminação. Esse aluno pode estar passando por um processo de

internalização de estigma de ser negro. É como se o aluno vivenciasse um ostracismo a

ele imposto, como nos traz Elias e Scotson (2000), quando se referem à internalização

dos estereótipos pelos outsiders, imputados pelo grupo estabelecido. Segundo esses

teóricos, a estigmatização aos quais os indivíduos são submetidos faz com que se

“sintam, eles mesmos, carentes de virtudes, julgando-se humanamente inferiores”

(2000, p. 20).

Havia outros alunos negros também isolados nos espaço da escola, no momento

do recreio, nas aulas de educação física, estavam sempre sozinhos e também percebi

que alguns alunos não saia da sala no recreio. O isolamento desses alunos no contexto

escolar é gerado por um sentimento de inferioridade decorrente da interiorização de

estereótipos negativos acerca da imagem do negro que circulam nos ambientes de

convivência desses sujeitos.

65

O mito da democracia racial no Brasil traz a ideia de que neste país há uma

relação harmônica entre as pessoas, isto é, não há preconceito nesta sociedade. Para D‟

Adesky (2005, p. 174), numa sociedade em que a ideia de cordialidade é disseminada,

na qual o mito da democracia racial persiste como um ideal, a ausência de conflitos é

uma norma de comportamento. Como também nos assinala Gomes (2001, p.92) “[...] o

racismo no Brasil é um caso complexo e singular, pois ele se afirma pela sua própria

negação. [...] mas mantém-se presente no sistema de valores que regem o

comportamento de nossa sociedade”.

Nas falas dos alunos, alguns casos exemplificam situações de discriminação nas

relações entre eles.

[…] tia, no trabalho em grupo a G. e P. não quer sentar com a A. nem com a

M. fala que ela é preta. (Aluno negro do 3° ano B, Escola A).

[…] o W. fica me chamando de preta, fedida, a professora não fala nada (5°

ano A)

De acordo com Silva (2001), “as pessoas agem com preconceito, desenvolvem

crenças simplificadas sobre as minorias, essas crenças simplificadas são o que

chamamos de estereótipos e nesse sentido eles podem produzir preconceitos”.

Compartilhando com essa afirmação, Fazzi (2004) diz que a discriminação, por sua vez,

é o aspecto comportamental do preconceito e, no que diz respeito ao preconceito racial,

abrange relações de exploração, comportamento competitivo, agressão e

comportamento de evitação.

A percepção da discriminação racial pelos alunos, evidenciada nas entrevistas,

leva a concluir que o mito da democracia racial não vigora no contexto nas relações

entre os alunos, as práticas de discriminação racial persistem no cotidiano escolar. A

discriminação racial é percebida pelos alunos em vários contextos sociais das suas

relações. No entanto, a consciência da existência do racismo não impede a manifestação

do preconceito e discriminação racial entre eles.

As percepções dos alunos sobre as relações raciais e as análises de como eles

percebem essas relações passam a ser elementos importantes para apreender sobre o

racismo.

66

O cabelo como critério de exclusão

O cabelo foi motivo de muitos relatos de discriminação dos alunos durante as

observações e grupo focal. Eles falavam de cabelo bonito, arrumado e se dirigiam às

crianças de cabelo crespo como cabelo ruim, feio, desarrumado. A escola estabelece

padrões de beleza como o cabelo que, para ser símbolo de beleza, deve ser liso,

comprido. É exigido dos alunos um padrão uniforme. Uma das exigências é arrumar o

cabelo. Mas o que é cabelo arrumado para a escola?

Na escola, a exigência de “arrumar o cabelo”, não é novidade para os alunos e

para a sua família. Mas essa exigência, muitas vezes, chega até a família com um

sentido muito diferente daquele atribuído pelas mães ao cuidarem dos seus filhos e

filhas. Em alguns momentos, o cuidado das mães não consegue evitar que, mesmo

apresentando-se bem penteada e arrumada, a criança negra deixa de ser alvo das piadas

e apelidos pejorativos no ambiente escolar. (GOMES, 2002, p. 45).

Nas observações, as meninas aparecem como os principais alvos de

discriminação por causa do cabelo. Constatei uma situação na escola que me chamou

muito a atenção. Essa situação aconteceu durante a entrada da aula. Uma aluna negra

chega à escola com os cabelos soltos. Os alunos começaram a rir. Um mostrava para o

outro e continuava rindo, a aluna foi para o final da fila. Uma professora comenta com a

outra professora e também ri/sorri. Nos outros dias, percebi que a aluna não soltou mais

os cabelos.

O fato de tratamento irônico em relação às crianças negras representa um dado a

ser considerado, pois todo comentário realizado no espaço escolar, principalmente

diante de outras crianças, poderá ser por elas absorvido e entendido como um

comportamento que pode ser reproduzido, visto que suas professoras o fazem. Ofensas

e ironias ocultam preconceito latente.

São freqüentes as situações de discriminações ocorridas nos espaços da escola

referentes ao cabelo, praticadas por crianças e professores, de maneira direta ou velada.

“… tia, os meninos fala que o meu cabelo é duro, cabelo de repolho.” [Como

você se sente] eu fico muito triste, lá em casa minha avó cortou o meu

cabelo, eu não queria cortar, mais ela cortou, e todo mundo riu. (aluna do 5°

ano, negra).

67

Os alunos negros, mesmo com os cabelos penteados, são alvos de apelidos

pejorativos e piadas no ambiente escolar. “[…] uma coisa é nascer negro, ter cabelo

crespo e viver dentro da comunidade negra, outra coisa é ser criança negra, ter cabelo

crespo e estar entre brancos” (GOMES, 2000, p. 45).

No espaço escolar, as relações interpessoais e a aprendizagem das crianças

negras muitas vezes são prejudicadas devido aos apelidos pejorativos dirigidos a essas

crianças pela sua cor ou seu cabelo. […] a rejeição do cabelo, muitas vezes, leva a uma

sensação de inferioridade e de baixa autoestima. (GOMES, 2002, p. 47).

Fazzi (2004), em sua pesquisa, perguntou a uma menina se ela gostava do seu

cabelo, ela disse que não, que ele necessitava de tratamento:

“[…] a gente tem que cuidar do nosso cabelo assim ele vai ficar igual ao de

qualquer um” a expressão “ficar igual ao de qualquer um” denuncia a

tentativa de igualar o cabelo crespo ao cabelo liso, constituindo este último

tipo de cabelo um modelo natural a ser seguido.” (Fazzi, 2004, p. 118).

Na realização da entrevista uma aluna fez um depoimento cheio de sentimento

de negatividade, de inferioridade sobre si mesma e o seu tipo de cabelo.

[…] tia, eu não gosto do meu cabelo, minha mãe vai alisar. [Porque você não

gosta do seu cabelo?] ele é feio, eu sou feia, minha prima alisou o cabelo

dela. Agora o menino não fica rindo dela. Eu quero o meu cabelo liso. (Aluna

do 4° ano, negra).

O tipo de cabelo, no contexto desta pesquisa, era requisito para ser aceito pelo

grupo. As crianças de cabelo liso tinham poder de escolher ou rejeitar quem participava

do grupo. O tipo de cabelo era o critério mais utilizado para discriminar e segregar. A

sociedade valoriza e padroniza determinadas qualidades e aquelas que fogem a esses

padrões geralmente não são aceitas:

Sabemos que em nossa sociedade de maneira geral, as concepções sobre o

negro são bastante negativas. Elas dizem respeito à estética, morais e

intelectuais. São essas concepções, que ocorrem de maneira, difusa em nossa

sociedade, que criam todas as maneiras e formas de evitação, de mal estar, de

“antipatia” que teimam por penalizar aqueles que não possuem um fenótipo

evidentemente branco. (MÜLLER; OLIVEIRA; TEIXEIRA, 2006, p. 14).

As referências negativas aos cabelos dos alunos negros aconteceram em vários

momentos no espaço da escola. As alunas negras percebiam e sofriam com a

discriminação com relação ao seu cabelo, mas prevalece o silêncio. Às vezes

68

reclamavam para a diretora, mas nenhum trabalho era realizado, a discriminação

continua no espaço escolar.

Diretora o K. falou que o meu cabelo é de bombril, seco. (aluna negra do 4º

ano). Deixa pra lá, vai brincar. (diretora da escola B).

Comemorações escolares: os convidados e os excluídos

Nas escolas pesquisadas, fazem parte do calendário as datas comemorativas. As

salas preparam as comemorações para os alunos apresentar nos dias marcados e os

responsáveis são convidados para assistir. Nas entradas das aulas, também fazem

pequenas apresentações com músicas, orações em que cada dia uma sala é responsável.

Percebi que os alunos que estavam nas apresentações eram sempre os mesmos. O que

não pude deixar de observar foi que alguns alunos não participavam das apresentações,

mesmo levantando a mão que queriam participar. Para Gonçalves (1987, p. 28), “na

escola existe um ritual pedagógico que vem reproduzindo a exclusão e,

consequentemente, a marginalização escolar de crianças e de jovens negros”.

Na ocasião da Páscoa uma cena me chamou a atenção.

Situação 1

Durante o ensaio, um aluno não queria pegar na mão de uma aluna negra. Fazia

brincadeira fingindo que ia pegar na mão da aluna e soltava. A professora começou a

falar para o aluno não fazer isso, que todos deveriam pegar nas mãos dos coleguinhas,

que todos são iguais, um tem que respeitar o outro. A aluna saiu do ensaio, a professora

continuou o ensaio e não chamou a aluna para o ensaio. No dia da apresentação essa

aluna não apareceu.

Já em outra situação no dia das mães, percebi que os alunos negros estavam

todos nas últimas filas, à frente estavam os alunos brancos. As roupas da escola para as

apresentações estavam com os alunos da frente, a escola dispõe de roupas para algumas

apresentações, perguntei por que só os da frente estavam com as roupas da

apresentação, as professoras disseram que a escola não tem roupa para todos os alunos.

69

Uma aluna se aproxima da professora e pede para participar dizendo que uma aluna

havia faltado.

… tia, deixa participar, eu sei dançar [você não sabe nada, erra tudo] deixa,

eu nunca danço, a P. faltou [não]. (Aluna negra).

Durante toda a observação, os alunos das apresentações eram sempre os

mesmos, a rejeição dos colegas para com os alunos negros e a não percepção dos

professores e da diretora reforçavam isso. Segundo Cunha (1987), as crianças negras

são impedidas de assumir posições de destaque em festividades e demais eventos na

escola:

Ocorre também situação em que a criança é impedida de ocupar

posição de destaque por ser negra. É muito frequente em festas escolares

onde, por exemplo, a noiva da dança da quadrilha não pode ser uma menina

negra; ou nos enquetes de teatro, quando os anjos também não podem ser

negros. (CUNHA, 1987, p. 53)

O que se percebeu é que a escola e os seus profissionais ainda não estão

preparados para lidar com as diferenças, ainda trabalham com alunos idealizados.

O recreio: momento de discriminação

No recreio, o que pude perceber é que nas “brincadeiras” acontecem muitas

discriminações. Alunos negros isolados das brincadeiras, que se constrangem ao falar

dos seus apelidos e tratamentos discriminatórios que enfrentam nas escolas. Os

profissionais da escola, inclusive as diretoras, negam que há práticas racistas na escola,

xingamentos, apelidos são justificados por esses profissionais como “brincadeiras”.

“[…] eles fazem muitas brincadeiras nas salas de aula e no recreio, os alunos negros não

gostam, ai sai às brigas. E complementou: … eu não vejo muita discriminação na

escola, às vezes tem uma briga por causa de apelidos, ou porque chamou de preto, mas a

gente resolve ou às vezes nem interfiro, pois logo estão brincando”. (Diretora da escola

A).

70

Segundo Abramovay (2006), mais problemático do que posturas que alimentam

o racismo é a miopia social, ou seja, o não reconhecimento que a diferença, a

discriminação e o preconceito existem e a falha em considerar brincadeiras, apelidos e

tratamentos violentos aos que são negros podem, na prática, significar a produção do

racismo.

Durante o recreio, observei que as crianças negras, na sua maioria, brincam com

as negras e são excluídas das brincadeiras das crianças brancas. Quando aceitas, elas

não podem escolher ou opinar sobre as brincadeiras. Em alguns momentos, percebi que

os alunos negros, para participar da brincadeira, devem dar algo em troca, veja:

“[… ]dá um pouco de skiny que eu deixo você brincar” (Aluna (branca) da

escola B).

“… deixa ficar com a sua bolacha, eu que mando nesta brincadeira” (Aluna

(branca) escola A).

Sobre os conflitos entre alunos negros e brancos na hora do recreio, Santos faz a

seguinte observação:

[…] mesmo com essas cenas de conflitos, o recreio não deixa de explicitar

uma aparente integração, exprimindo a dualidade das interações raciais. É

observável alguns dos alunos anteriormente envolvidos em desavenças,

participando do coletivo das brincadeiras durante o recreio, como pega-pega,

polícia e ladrão e outras. (SANTOS, 2006, p. 76).

Durante o recreio, observei várias situações de discriminação, os alunos

formavam grupos para brincar, alguns alunos negros ficavam próximos, mas não eram

chamados para participar e muitas vezes esses alunos se tornavam motivo das

„brincadeiras”.

[…] tia, o V. puxou o meu cabelo (aluna negra) [não importa, ele é bobo,

deixa este menino], mas ele não para. [ele está brincando com você.] (escola

B).

[…] oh, oh, o P. tomou o meu lanche (aluna negra) [que lanche menina, você

não traz lanche] o meu salgadinho [sossega, você não estava com salgadinho

nada] vai brincar, come o lanche da escola (escola B).

71

No ambiente escolar os estereótipos sobre o negro são amplamente difundidos

sob brincadeiras. Mesmo os alunos denunciando as práticas de discriminação, as

diretoras interpretavam estas atitudes como brincadeiras. As “brincadeiras” naturalizam

os preconceitos na escola. Assim a discriminação racial passa a ser minimizada

escamoteando o sofrimento dos alunos alvos dessas brincadeiras.

Ofensas, xingamentos e apelidos

As manifestações depreciativas em relação ao negro estão presentes nas relações

entre alunos através de apelidos, xingamentos que muitas vezes constituem

instrumentos na propagação do racismo.

Nas conversas com os alunos, eles revelavam a discriminação racial sofrida e

vivenciada no dia a dia da escola. O cabelo constituiu a característica fenotípica mais

marcada de discriminação aos alunos negros.

[como eles discriminam?] Eles fica colocando apelido nos outros, fala que meu cabelo é

feio… (Aluna do 6° ano, Escola A, negra).

Já sofreu alguma discriminação aqui na escola] Já, tia, eles (mostra os meninos) vivem me

chamando de cabelo de arame, até cortei o meu cabelo. (Aluna do 6° ano, Escola A, negra).

Segundo Gomes (2002), as experiências de preconceito racial vividas na escola,

que envolvem o corpo, o cabelo e a estética, ficam guardadas na memória do sujeito.

Mesmo depois de adulto, quando adquirem maturidade e consciência racial que lhes

permitem superar a introjeção do preconceito, as marcas do racismo continuam

provendo a sua memória.

No depoimento abaixo a diretora A diz o seguinte:

[Nos conflitos entre alunos você percebe se há discriminação racial?] Não, os alunos usa mais

apelido pela cor, à vezes chama de neguinho, e muitas vezes pelo cabelo, aqui a gente constata

muita briga por causa do cabelo das crianças. As crianças entram em conflito porque uma tem

cabelo liso, bom e o outro cabelo ruim, crespo, aí chama de cabelo seco, de Bombril. (Diretora

da escola A).

72

A diretora não faz a relação da discriminação racial com apelidos. Percebe-se

que a diretora ao referir ao cabelo liso reforça que é bom e o cabelo crespo é ruim. As

afirmações sobre uso de expressões pejorativas a respeito do cabelo dos alunos negros

são de fácil constatação. Gomes (2001) assinala que ambos, o cabelo e a cor da pele,

são largamente usados no nosso país como critério de classificação racial para apontar

quem é negro é quem é branco. Assim também afirma:

O cabelo do negro, visto como “ruim”, é expressão do racismo e da

desigualdade racial que recai sobre esse sujeito. Ver o cabelo do negro como

“ruim” e do branco como “bom” expressa um conflito. Estamos, portanto, em

uma zona de tensão. É dela que emerge um padrão de beleza corporal real e

ideal. No Brasil, esse padrão ideal é branco, mas o real é negro e pardo. O

tratamento dado ao cabelo pode ser considerado uma das maneiras de

expressar essa tensão. (Gomes, 2002, p.03).

Durante a observação presencie um momento em que a diretora foi chamada

para resolver um conflito na sala de aula do 6º ano.

A diretora é chamada pela professora na sala do 6° ano para conversar com os

alunos. A professora relata que a sala está em constante confusão por causa de apelidos.

Um aluno negro diz para a diretora que tem um aluno que fica colocando apelidos em

todo mundo. Ele chama a M. de nariz de porco, preta, cabelo de arame, que o P. é

macaco chipanzé. A diretora leva o aluno (branco) apontado pelos alunos, pede para a

secretaria fazer o registro no livro de ocorrências e diz que ele não deve colocar

apelido: você tem que respeitar seus colegas (Diretora da escola A). E manda o aluno

voltar para a sala.

As declarações mencionadas aos alunos negros na situação acima, como “cabelo

de arame”, “nariz de porco”, “macaco”, são insultos raciais que para Guimarães (2002,

p. 173) “são instrumentos de humilhação eficazes para demarcar a diferença do

insultador em relação ao insultado, remetendo este último para o terreno da pobreza, da

anomia social, sujeira e da animalidade”.

O espaço da sala de aula parece ser um local privilegiado de manifestações de

práticas racialmente discriminatórias. “Isto se dá, principalmente, pela costumeira

vinculação do negro com situações ou coisas pejorativas, através de apelidos ou

comparações grosseiras e desagradáveis.” (Souza, 2005, p. 66).

73

CAPÍTULO IV- ORGANIZAÇÃO ESCOLAR E O CONTEXTO DO

TRABALHO DAS DIRETORAS NAS ESCOLAS PESQUISADAS

As diretoras sujeitos dessa pesquisa são efetivas (concursadas) da rede municipal

de Cuiabá, eleitas pela comunidade escolar para assumir a função de diretora. A diretora

da Escola A, está no seu primeiro mandato e a diretora da Escola B no seu segundo

mandato. A rede Municipal de Educação tem como forma de provimento da função

eleição respaldada na Lei nº 5029/07 de Gestão Democrática.

Durante a pesquisa verificou-se quais são os papéis exercido pelas diretoras no

cotidiano escolar, uma vez que essas profissionais representam fortes lideranças neste

contexto, principalmente diante de propostas, como a da educação para relações raciais.

Esta proposta requer mudança de postura dos diretores no desenvolvimento das suas

ações, requer o envolvimento de todos e todas no intuito de transpor o preconceito, a

discriminação e a exclusão.

Com a intenção de compreender o trabalho realizado pelas diretoras

cotidianamente, solicitei que elas relatassem um dia do seu trabalho.

Bom, chego dou uma olhada geral na escola faço entrada, converso com

alguns pais, há dias tranqüilos, outros não. Converso com funcionários,

professores. Recebo os alunos que os professores mandam para conversar.

Vou à cozinha olho a merenda. (Diretora da escola B).

Chego cedo à escola, olho tudo e converso com os funcionários, professores.

Faço entrada com a coordenadora, ai vou fazer o meu serviço com o

secretario, olhar os ofícios, e-mail da secretaria, preencho algum papel

(Diretora da escola A).

De acordo com as falas das diretoras e durante a observação percebe-se que elas

acompanham o que acontece na escola. No entanto a sua prática ainda está voltada para

as questões administrativas. Esta situação e outras que acompanhei revelam que há

ainda uma separação do pedagógico e do administrativo, no qual as questões

pedagógicas são de responsabilidade do coordenador e as administrativas do diretor. De

acordo com as diretoras o seu papel na escola é:

74

“estou aqui para administrar, cumprir as determinações da Secretaria, pois

temos as pessoas que ajuda a organizar a escola.” Diretora da escola A.

temos que cumprir as nossas obrigações de administração respondendo a

Secretaria os documentos que dela é solicitado. Diretora da escola B.

Durante muito tempo a administração escolar foi marcada por concepções

burocráticas, funcionalistas, sendo um reflexo da organização empresarial. Conforme

Libâneo (2005), “a escola era organizada de modo centralizado, hierarquizado é o

diretor decide , impõe as ordens e os direcionamentos a todo corpo administrativo e

pedagógico do espaço escolar”. Segundo ele, cada individuo da escola deve cumprir a

sua função que é especifica e limitada.

Algumas características dessa administração como a prescrição detalhada de

funções, a divisão técnica do trabalho escolar; poder centralizador, as relações de

subordinação ainda se fazem presente nas ações das diretoras:

[...] agora estou incorporando ser diretora, no começo apanhei na

administração, sempre fui coordenadora e trabalhava a parte pedagógica. No

começo fiquei perdida não tinha companheirismo na equipe. No começo

desta escola não tinha coordenadora fazia tudo sozinha. (Diretora escola B).

...aqui na escola cada um sabe o seu papel, e faz a sua parte, eu procuro

sempre cumprir com os meus compromissos, a parte administrativa eu tenho

que dar conta a pedagógica a coordenadora desempenha e resolve, ás vezes

eu também participo. (Diretora da escola A).

A partir da pesquisa percebe-se que a escola ainda continua reproduzindo o

sistema seriado, apesar de receber nos documentos o nome de escola ciclada (escola que

tem seus currículos organizados por ciclo que considera as fases de formação e

desenvolvimento humano), os alunos são divididos por classe, aulas com tempo

marcado , conteúdos divididos por bimestre entre outros. Esta forma de organização tem

como característica as tendências conservadoras que separa o pensamento/ ação.

Na visão burocrática a tarefa do diretor é cumprir as tarefas administrativas

deixando de lado o trabalho pedagógico. Este pensamento ainda faz parte da concepção

de administração das diretoras.

...Para mim a diretora tem que saber administrar, saber gerenciar a parte financeira,

administrativa e pedagógica dentro do ambiente escolar, ter a escola como ambiente

75

harmônico e sempre com objetivo de melhorar a administração e a aprendizagem dos

alunos. (diretora escola A).

Diretora tem que procurar o melhor para a escola, administrar bem os recursos, os

funcionários para tudo correr bem, uma coisa leva a outra. (diretora escola B).

Nas escolas pesquisadas havia uma grande preocupação das diretoras para

cumprir e responder os ofícios recebidos da secretaria. As diretoras faziam a seguinte

afirmação.

Aqui na escola, respondemos todos os ofícios da Secretaria rapidamente e

entregamos todos os documentos solicitados (Diretora da escola A).

A escola tem a prática de cumprir com os seus documentos, tentamos andar

em dia com a Secretaria (Diretora da escola B).

Verificou-se uma preocupação das diretoras com andamento da escola nos

aspectos como: merenda escolar, limpeza da escola, documentos requisitados pela

Secretaria, com a falta de algum funcionário.

Eu cumpro mais a parte administrativa, a coordenadora a parte pedagógica,

senão a escola não anda. A gente não dá conta de tudo, ás vezes nem

participo. (Diretora da escola A). E continua

Estou aqui para administrar, as determinações da Secretaria, pois temos as

pessoas que ajudam a organizar a escolar e fazê-la caminhar (Diretora da

escola A).

Eu faço de tudo um pouco, mais fico mais com a parte burocrática, às vezes

intrometo na parte pedagógica porque já fui coordenadora, mais eu falo,

espera ai, isso é da coordenadora ( Diretora da escola B).

Outro ponto de dificuldade na condução do trabalho pedagógico nas escolas segundo a

diretora é a participação dos responsáveis dos alunos, muitos são ausentes e não participam das

reuniões da escola.

Muitos pais são ausentes da escola, aqueles que mais precisam participar não

participam. Eles não ajudam a escola (Diretora da escola B).

Há uma participação dos pais, mais ainda não é a ideal. Eles deveriam

participar mais. Tem responsável que nunca veio à escola (Diretora da escola

A).

Há outros fatores segundo as diretoras que dificulta as suas atividades, entre eles

a mudança constante dos projetos de educação.

76

Os projetos de educação muda muito, conforme quem está no poder, no

governo na secretaria, não tem estabilidade. (Diretora B).

A autonomia da escola não é uma “autonomia” segundo a diretora da escola

A principalmente com relação a verbas (Diretora da escola A) E continua

Nós recebemos as verbas, mas temos que saber com que podemos gastar.

Não podemos comprar qualquer coisa, ou até mesmo algo que a escola está

precisando, mais se aquela verba não é destinada para aquilo não pode

adquirir. (Diretora da escola A).

Há projetos federais que as verbas vêm determinadas no que pode gastar.

Temos que fazer projetos, pesquisa, por um lado está certo, mas por outro

não. Por exemplo, às vezes temos outras necessidades no momento, mais a

verba vem para outra coisa, entende. (Diretora da Escola B).

O sistema educacional autoritário e hierárquico não deixa para a escola muita opção

para decidir os seus projetos, as suas prioridades. E dificulta uma educação voltada para o

respeito e valorização de todo alunado no sentido de promover uma educação antirracista.

Perguntei sobre a Lei 10639/03 se conheciam. Os depoimentos evidenciaram o

seguinte: já ouviram falar e a diretora da Escola B relata que já fez curso sobre a mesma.

É a lei que insere dentro do ensino a história da África, e a escola tem que

trabalhar. Nós aqui já estamos trabalhando. Desenvolvemos projetos com

música, bonecas, teatro, está no Projeto Político Pedagógico. (Diretora da

Escola B).

Sim. A Lei n° 10.639/03 refere-se ao ensino da história da África e dos afros-

descendentes e passa a ser incluído no currículo das escolas. Nós já

desenvolvemos a Lei aqui na escola, através do diálogo, conscientizando os

alunos por meio de leituras, histórias, filmes. (Diretora da Escola A).

Nas falas observa que as diretoras sabem o conteúdo da Lei, mais na prática não

está se efetivando, pois o que observamos foi discurso das diretoras, a respeito da

importância da lei 10.639/03, e que mesmo reconhecendo a importância do trato da

questão racial na escola para valorização da história do negro não há uma prática efetiva

nesse sentido.

Com relação aos projetos que as escolas desenvolvem para contemplar a Lei

10639/03 pedi que as diretoras relatassem como estes projetos são desenvolvidos:

77

eu e a coordenadora fazemos a implementação do projeto voltado para a

discriminação. Pedimos para os professores desenvolver os projetos para que

as crianças possam respeitar o outro, nós estamos pedindo para os professores

trabalharem isto na sala de aula, mostrando o que é certo ou errado.

Discriminar é errado. Diretora da escola A

Nós trabalhamos os projetos com músicas, teatro, danças, sempre

combatendo os preconceitos os alunos têm que saber conviver com o

diferente. Diretora da escola B

Nas relações interpessoais as diretoras relataram que hoje na escola esta questão

é administrada bem, os funcionários se relacionam muito bem. Mais que já tiveram

problemas na administração das relações.

Não temos problemas de relacionamento hoje aqui nessa escola os

professores, funcionários se dão bem um respeita o outro. (Diretora da Escola

B).

Aqui na escola antes tinha muito problemas de relacionamento, mais

melhorou, temos trabalhado muitos cursos de autoestima, isso vem mudando.

(Diretora da Escola A)

Mesmo diante dos relatos das diretoras no que se refere às relações interpessoais

constatei algumas dificuldades quanto essas questões. Na escola A presenciei alguma

dificuldade da diretora para conduzir as reuniões ou conversas com alguns funcionários

e professores. Apesar de afirmar que na escola tudo resolve no diálogo percebi a sua

imposição e autoridade na condução de algumas questões na escola. E reforça isso em

um dos seus depoimentos:

Estou aqui para administrar, e ás vezes tenho que impor alguma coisa, porque

senão a coisa não anda, há funcionário que confunde as coisas, acha que tem

que deixar tudo solto, confunde tudo, trabalho com o pessoal, confesso que

esta é uma parte difícil no nosso trabalho. (Diretora da Escola A).

A diretora da escola B disse que na escola hoje esta bem, mais no começo do seu

trabalho foi difícil, o relacionamento entre as pessoas era complicado. Percebi o

relacionamento entre as pessoas nessa escola muito distante, a diretora nas suas

atividades, a coordenadora na sua sala, entre os professores não vi muito diálogo. Os

funcionários também cada um na sua atividade. Em uma reunião administrativa percebi

78

que a diretora apesar de conduzir a mesma, ouve os segmentos mais decide as questões

com a coordenadora.

Quanto às relações raciais na escola também fiz entrevistas com as diretoras para

compreender melhor qual a sua compreensão sobre esse assunto.

RELAÇÕES RACIAIS NA ESCOLA: PERCEPÇÕES DAS DIRETORAS

Discriminação racial: o que dizem as diretoras

Após análise das percepções dos alunos e analisar o contexto do trabalho das

diretoras passaremos as suas percepções para maior compreensão sobre as relações

raciais no cotidiano escolar. Para conhecer essas percepções foram realizadas

observações e entrevistas. Nas entrevistas, foram elaboradas duas questões norteadoras.

A primeira foi à seguinte: “nos conflitos entre alunos você percebe discriminação

racial?”. A segunda questão foi: “qual a sua atitude frente a situações de preconceito

racial entre os alunos?”.

Em relação à primeira questão, as diretoras disseram que os conflitos que

acontecem entre alunos devido a apelidos, xingamentos, piadas são “brincadeiras”: “…

os alunos brancos fazem muitas brincadeiras nas salas de aula com os alunos negros e

eles não gostam, aí sai as brigas”, Diretora (A). E complementou: “[…] Eu não vejo

discriminação na escola, às vezes tem uma briguinha por causa de apelidos, mas a gente

resolve”.

Perguntei: “resolve como?”. E a Diretora A respondeu: “[…] Ah, a gente

conversa, diz que não pode fazer isso, e pedimos para os alunos pedir desculpas. Ou às

vezes não interfiro, pois logo estão brincando”. Também temos um projeto.

[…] Ah, também temos o projeto voltado para o bullying, pedimos para os

professores desenvolverem os projetos para que as crianças possam pesquisar

na internet, jornais, revistas, fazendo com que os alunos coloquem a teoria e

não a prática deste preconceito, nós estamos pedindo para os professores

trabalharem isto na sala de aula, mostrando às crianças o que é certo ou

errado (pausa), discriminar é errado, você não pode discriminar o outro

79

porque é branco ou preto, cabelo liso ou crespo, todos devem ser tratados da

mesma forma principalmente no ambiente escolar. Por isso eu falo aqui não

tem discriminação racial. (Diretora da escola A).

Entende-se nos depoimentos que as diretoras não percebem a extensão da

discriminação racial nesses conflitos. Não identifica neles atitudes de preconceito e

discriminação racial e sim brincadeiras, não percebe que elas podem causar marcas

profundas nos sentimentos dos discriminados, não há o estabelecimento do diálogo que

possa permitir aos alunos corrigir suas posturas, atitudes e palavras que impliquem

desrespeito e discriminação.

A criança branca não é punida e sua atitude agressiva implicitamente legitimada

quando qualificada como brincadeira. Cavalleiro (2000) mostra como a cumplicidade de

pais e professores no silêncio sobre as ideias e atitudes racistas reforçam o sentimento

de inferioridade e baixa autoestima de criança afro-brasileira.

É importante salientar que as diretoras entrevistadas negaram perceber conflitos

de motivação racial entre os alunos. Observei certa tendência entre elas em apontar

como conflito apenas comportamento agressivo que leva à violência física. Por

conseguinte, a reprodução da discriminação por meio de xingamentos, apelidos que não

deflagram a violência física, não é vista pelas diretoras como conflitos e sim como um

fator que colabora para a consolidação de relação hierarquizada entre os alunos. É

relevante lembrar que no grupo focal com os alunos nos seus depoimentos afirmaram a

existência de conflitos em muitos aspectos do relacionamento entre eles, indicando,

inclusive, a ocorrência de agressões físicas decorrentes de apelidos de cunho racial.

No depoimento da Diretora B, ela diz:

… quando acontece algum ato aqui, por exemplo, briga entre alunos brancos

e negros porque um falou mal do outro, discriminação, eu acho, a gente

resolve, converso com os alunos, falo para a criança negra não ligar, pois nós

somos todos iguais. E tudo se resolve. (Diretora B).

Notou-se que o comportamento da diretora diante dos atos discriminatórios de

crianças brancas para com as crianças negras é de „apoio‟ à criança negra, mas não

alerta a criança branca para a ação discriminatória cometida. E importante ressaltar que

esta atitude pode levar o aluno a não problematizar ou repensar os conteúdos da sua

fala. Ao contrário, pode reforçar a desvalorização da imagem do negro e provocar a

sensação de baixa estima.

80

Nos depoimentos das diretoras sobre o que é discriminação racial e se na escola

acontece discriminação, veja o que diz a Diretora A: “… não, aqui na escola não, as

crianças se comportam muito bem entre eles, as professoras não tratam as crianças com

discriminação.

O que fica evidente é que tanto professores, diretores e alunos são vítimas do

imaginário social que colabora para naturalizar a ideologia do branqueamento forjada

pela classe dominante branca que não quer perder seu poder e espaço.

Em entrevistas com a diretora B, percebe-se que quando ela diz: “… aqui

agimos com naturalidade, eu acho que deve agir com naturalidade, tudo é

discriminação, não é assim” (Diretora B). E continua: “… quando uma criança

discrimina a outra nós alertamos para não fazer isso” (Diretora B). Percebe-se que para

essa diretora discriminar é um ato natural.

Ou como nos afirma Piza:

“… prevaleceu no universo escolar, um estatuto de branquitude, na qual a

vítima precisa ser „alertada‟, mas ao vitimizador não tem o que dizer,

simplesmente porque este permanece no mesmo território de branquitude, no

qual atitudes e comportamentos discriminatórios são parte do cotidiano e de

território racial idêntico.” (PIZA, 2000, p. 59).

Segundo Cavalleiro (1998), o cotidiano escolar apresenta-se marcado por

práticas discriminatórias que condicionam a percepção negativa das possibilidades

intelectuais, profissionais, econômicas e culturais e propicia, ao longo dos anos, a

formação de indivíduos, brancos e negros, com fortes ideias e comportamentos

hierarquicamente racializados e carregados de estereótipos.

Quando perguntada sobre o conceito de discriminação, a Diretora B diz que é a

falta de igualdade, respeito, como nos revela o depoimento a seguir:

“… quando se fala em racismo e discriminação muito já falam sobre cor, ele

é negro, ele é preto, eu não quero ser amigo dele, então já olha com olhos

diferentes, aqui nós estamos trabalhando sobre igualdade e respeito, todos

nós somos iguais perante Deus” (Diretora B).

Segundo Gomes (1995, p. 61), democracia racial é uma corrente ideológica que

pretende eliminar as distinções e desigualdades entre a formação da sociedade brasileira

(negra, indígena e a branca), afirmando que existe igualdade entre todos, o que se

percebe é que ainda está presente o mito da igualdade. A impressão que se tem com as

81

respostas das diretoras é que tudo na sociedade está perfeito, nós é que temos de tolerar,

aceitar as normas e mesmo endossar as formas existentes de desigualdade racial, o

preconceito racial.

Quando a diretora A diz:

… às vezes a gente fala assim eu não discrimino ninguém, mas discrimina

sim, mas você tem alguma coisa, com a pessoa, de você mesma, e você sabe

que não é certo, mas está dentro de você.

Em outro depoimento ela reafirma: “… falar de discriminação é complicado,

porque a gente sabe que existe, mas não faz nada, mas eu respeito às pessoas… olha

aqui, na escola eu não percebo discriminação não, os alunos chamam o outro de preto,

mas não vejo briga por causa disso”.

Como se percebe, o relato dessa diretora evidencia que ela reconhece o

preconceito contido nos conflitos. No entanto, tem-se a impressão de que a sutileza é

tida por ela como uma característica que torna as práticas racistas mais amenas.

Segundo D‟ Adesky (2005, p. 174) os brasileiros podem até negar a existência do

preconceito racial, mas a sociedade em geral, rejeita o racismo explícito. Observa-se

ainda, que muitas vezes as diretoras fazem da sutileza uma desculpa para não agir, como

se isso retirasse do racismo sua violência. Assim, atribuem à sutileza a culpa pela

omissão na mediação de conflitos de motivação racial entre alunos.

O preconceito racial no Brasil envolve atitudes e comportamentos negativos das

pessoas em relação ao negro, os quais se dão em função da cor. Como nos afirma

Hasenbalg (1979, p.23), “a essência do preconceito racial reside na negação total ou

parcial da humanidade do negro e outros não brancos e constitui a justificativa para

exercitar o domínio sobre os povos de cor”. Falar que não existe preconceito ou

racismo no Brasil é uma falsa ideia. O preconceito está presente na sociedade brasileira,

no cotidiano dos indivíduos, nas relações sociais (família, escola, trabalho). Para

Cavalleiro (2000), a discriminação acarreta prejuízos econômicos, além de psicológicos

decorrentes das experiências traumáticas vividas pelos negros.

Algumas falas evidenciaram aquilo que os autores chamam de mito da

democracia racial. Quando se perguntou se percebia discriminação na escola: “… não,

eu não acho que existe discriminação aqui na escola, os alunos brancos brincam com os

82

negros, sentam juntos” (Diretora B); “… não, eu não vejo como discriminação as brigas

entre os alunos, ou na sala de aula, eles brigam por tudo, principalmente por lanche.

Mas isto não é discriminação.” (Diretora A).

Da Matta (1984) nos explica essas falas afirmando que o mito da democracia

racial nega a existência de conflitos entre brancos e negros. Tende a negar a existência

de discriminação na sociedade brasileira. E, Munanga (1999, p. 26) critica o “racismo

brasileiro silenciado” ou dissimulado, que nega a existência do preconceito e da

discriminação racial na educação básica. Para ele, esse tipo de racismo é fundamentado

pelo discurso da democracia racial.

Neste trabalho ficou evidente nas falas e atitudes das diretoras, que não existe

intervenção nos comportamentos discriminatórios ocorridos nos conflitos entre alunos.

Mesmo porque ela nem admite que atos de discriminação aconteçam entre alunos.

[…] nós não temos discriminação aqui, os alunos são maioria negros, com

relação à cor não tem discriminação. Aqui eles discriminam mais os

deficientes, por exemplo, eu dou boneca preta no recreio para eles brincarem,

arrancaram a perna da boneca negra, agora ninguém quer brincar com esta

boneca. (Diretora da escola B)

Observou-se que a escola não desenvolveu um trabalho com os alunos com

relação à destruição da boneca. Este fato poderia ser trabalhado na escola pela diretora,

professores mais este foi visto com naturalidade. Ficou evidente que não existe um

trabalho na escola que aborda o assunto sobre diversidade, como também é inexpressiva

a interferência pedagógica nos comportamentos discriminatórios dos alunos. Para Silva

Júnior (2002, p.38) “a sistemática negação de uma justa imagem do outro, a negação e a

visão estereotipada dos negros é um dos mecanismos mais violentos vividos na escola.”

A alegação da existência de uma maioria negra entre os alunos é utilizada pela

diretora para justificar que não existem discriminação e conflitos de motivação racial

entre os alunos.

Para Cavalleiro (2005, p.12) “a escola e seus agentes, os profissionais da

educação em geral, têm demonstrado omissão quanto ao dever de respeitar a

diversidade racial, reconhecer com dignidade as crianças e a juventude negra”. Essas

83

ações têm provocado a evasão e/ou fracasso escolar de milhares de estudantes negros.

Além de gerar nesses indivíduos um processo de total negação de identidade, é a

ausência de referência positiva na vida da criança e da família, no livro didático […]

“que esgarça os fragmentos de identidade da criança negra, que muitas vezes chega à

fase adulta com total rejeição a sua origem racial, trazendo-lhe prejuízo à sua vida

cotidiana” (MUNANGA, 2005, p. 120).

As diretoras e os conflitos raciais entre alunos

As diretoras afirmaram em vários momentos que na questão racial são os

próprios alunos que se discriminam, tem problema de autoestima, a escola não faz

distinção entre alunos. A escola trabalha com as diferenças, apresenta teatro, faz

brincadeiras de integração. Mesmo que as diretoras insistam em afirmar o tratamento

igualitário entre negros e brancos, a realidade escapa e mostra outra coisa. As situações

apresentadas abaixo revelam que as discriminações estavam presentes nos conflitos

entre alunos.

Situação 1:

Uma aluna negra reclama para a diretora durante o recreio que as outras crianças

não querem brincar com ela e que a estão provocando. A diretora não dá muita atenção

e manda a aluna brincar. E diz: „esta menina vive reclamando que ninguém gosta dela,

eu acho que a autoestima dela é baixa, já falei com a mãe dela, mas ela não fez nada, ela

chora toda hora e vive pelos cantos da escola, ela nunca fica nos grupos‟. Momentos

depois a funcionária traz a aluna para a direção dizendo que ela estava brigando com

outros alunos (Escola B).

A ausência de iniciativas diante de conflitos raciais entre alunos pode manter o

quadro de discriminação. Diante disso, a omissão revela conivência com tais

procedimentos. Em vários momentos durante a pesquisa, alunos denunciavam para as

diretoras que estavam sendo discriminados, elas continuavam suas atividades

administrativas mandando os alunos voltarem à sala de aula. A sua intervenção ocorria

quando as brigas chegavam às agressões físicas. Não havia uma proposta efetiva nas

84

escolas para trabalhar as questões raciais. Havia trabalhos esporádicos, para cumprir

obrigações. Suas atitudes se resumiam em registrar nos livros de ocorrência e às vezes

chamar o responsável.

Cavalleiro (2003, p. 101) também confere grande destaque para o silêncio que

impera no ambiente escolar quanto ao tema das relações raciais:

Ao silenciar, a escola grita inferioridade, desrespeito e desprezo. Neste

espaço, a vergonha de hoje somada à de ontem e, muito provavelmente, à de

amanhã leva a criança negra a representar suas emoções, conter os seus

gestos e falas para, quem sabe, passar despercebida num espaço que não é

seu.

As duas escolas receberam do MEC (Ministério de Educação e Cultura) o

projeto „A Cor da Cultura‟, que é um projeto de valorização da cultura afro-brasileira. A

escola participou da formação do projeto e, após a formação, tem de desenvolver as

atividades. As duas escolas relataram que estão desenvolvendo o projeto. Presenciei o

desenvolvimento de algumas atividades do projeto nas escolas. Estas se resumiam em

danças, músicas, cartazes, mas de forma superficial. Não há um trabalho contínuo na

escola.

Gonçalves (1987), na sua pesquisa em escola pública, afirma que é possível

verificar a existência de um ritual pedagógico que vem reproduzindo a exclusão e,

consequentemente, a marginalização escolar da criança e do jovem negros. Para ele “o

ritual pedagógico do silêncio exclui dos currículos escolares a história de luta dos

negros na sociedade brasileira e impõe às crianças negras um ideal de ego branco”

(1987, p. 28).

Durante a pesquisa, as falas das diretoras são cercadas de cuidados em ser

corretas. Inicialmente, negam a ocorrência de comportamentos e atitudes racistas entre

alunos.

[…] aqui não há racismo, discriminação não. Eu não vejo. Aqui a

comunidade é composta de negros, a maioria dos alunos são negros.

(Diretora B). “o preconceito aqui é contra os deficientes, mas com o negro

não.” (Diretora Escola B).

85

Munanga (1996) critica o “racismo silenciado” ou dissimulado, brasileiro, que

nega a existência do preconceito e da discriminação racial e contribui para a produção

das desigualdades sociais e raciais dificultando a ascensão social do negro.

aqui na minha escola não há discriminação, as brigas são por outro motivo,

mas não vejo discriminação pela cor não. Hoje é mais o bullying, virou

modismo, é o que nós temos visto frequentemente na mídia e isto tem

refletido no comportamento dos alunos na escola. (Diretora escola A).

Percebe-se no depoimento da diretora, quando atribui à discriminação racial

como bullying, modismo, há minimização das consequências das práticas racistas no

trabalho com os alunos.

Segundo Pahim (1998) as escolas ao invés de engajarem na luta contra a

discriminação racial criam um ambiente hostil quando, em seu espaço, as questões

referentes às praticas são tratadas com indiferença e descaso, prevalecendo sempre o

silêncio ou a premissa de que o racismo não existe e que a discussão e a

problematização de tais questões fogem ao âmbito da escola.

A rotina da escola constituía-se com alunos que eram mandados para a sala da

diretora, os quais recebiam punição oral ou era relatado no livro de ocorrência em que

muitas vezes era chamado o responsável do aluno para vir à escola. Algumas vezes os

alunos eram impedidos de entrar na sala sem a presença do responsável. Outras vezes os

alunos ficavam na direção de castigo em pé ou fazendo cópias. E muitas vezes ficavam

sem educação física, a aula que eles mais gostavam. Quando esses alunos iam para a

direção a diretora lhes dirigia frases agressivas, conforme segue:

Esse aluno não tem jeito, parece um louco, ninguém aguenta mais esse aluno,

vou falar, a escola não está conseguindo controlar mais, eles não tem

controle. (Diretora A).

Na pesquisa, percebeu que a relação das diretoras com os alunos constitui

relações de poder à medida que as elas oferecem tratamento desigual para os alunos,

quando outorgam direitos e privilégios somente para alguns e usam da posição que

ocupam para preterição de alunos pela cor. Deixavam muitas vezes os alunos negros de

castigo e mandavam o aluno branco de volta para a sala, punindo somente o aluno

negro. Como nos afirma Elias (2000), na construção da auto-imagem de um grupo tido

como melhor, se constrói o poder deste sobre o outro.

86

A diretora dizia que o regimento e as regras de convivência eram para todos,

mas, no entanto, percebeu-se que alguns alunos “comportados”, “obedientes”,

“educados”, segundo ela não tinha nenhum castigo aplicado, mesmo sendo mandados

para a sua sala. Na verdade, quem sofria punições eram sempre os mesmos alunos

carimbados de “bagunceiros”, “desobedientes”, os que não têm jeito, candidatos à

reprovação, „assanhados‟,” não são “boa companhia”, segundo a diretora e outros

profissionais da escola. Os alunos que sempre estavam na sala da diretora com esses

atributos eram os alunos negros.

[…] a professora disse para a gente não ficar com a T. (negra) porque ela não

é boa companhia, ela é repetente, grita muito, não gosta de estudar, não é

bom andar com ela. (depoimentos de duas alunas brancas para a diretora

sobre a conversa com a professora. Alunas do 6° ano B, Escola A).

Os estereótipos citados acima dão origem ao estigma que, imputado ao aluno

negro no cotidiano escolar, dificulta sua aceitação, colocando-o na condição de

desacreditado. (Goffman, 1982).

Na sala da diretora, quando ela recebia os alunos brancos ficava evidente

tratamento diferenciado. Algumas vezes a diretora demonstrava preferência com

carinhos, gestos, para com os alunos brancos. Não presenciei nenhuma situação em que

as diretoras demonstrassem afeto para com os alunos negros. Essas profissionais ainda

não estão conscientes de que a manutenção de preconceitos seja um problema. Dessa

forma, interiorizam atitudes e comportamentos discriminatórios que passam a fazer

parte do seu cotidiano. Em uma situação:

Situação 2

A professora entra na direção com dois alunos, um negro e outro branco, e

reclama que eles não a deixam dar aula, que o aluno branco o tempo todo xinga o aluno

(negro) de frango de macumba, saci. A diretora da escola A olha para o aluno negro e

diz: por que você brigou, não tem jeito mesmo. Olha para o aluno branco e fala: até

você, eu não acredito, você sempre tão quetinho, faz todas as tarefas. Olha para o aluno

negro e diz: você está de castigo. Registra no livro de ocorrências e adverte o aluno

negro que ele deve trazer o responsável.

87

Ficava evidente a valorização do aluno branco nas atitudes das diretoras. Para

Munanga (1999):

A essência das teorias científicas sobre raça postula a raça branca como

suprema e pura. Na visão dos racistas os brancos ultrapassam todos os outros

em beleza física. Os brancos que não têm o sangue de brancos aproximam-se

da beleza, mas não a atingem.

Percebe-se na situação acima que quanto mais próximo o indivíduo se encontra

do extremo branco mais se percebe legitimado para utilizar insultos raciais contra outros

indivíduos de pele mais escura. Muita gente não gosta da denominação “preta” ou

“negra” por serem essas denominações utilizadas como insulto em situações de

relacionamento social conflituoso ou, então, como uma forma de inferiorizar alguém

(Guimarães, 2002).

Se voltarmos um pouco em nossa história, no final do século XIX e XX, há uma

tendência à defesa do branqueamento da nação. As teorias racistas da época apontavam

para influência negativa do negro, em virtude de sua herança inferior. Os negros serão

tidos como inferiores, no momento após a abolição, eles têm de se introduzir num novo

momento histórico. O racismo atribui a inferioridade a uma raça e está baseada em

relações de poder, legitimados pela cultura dominante.

Sabendo que existem relações de poder nas relações diretor/alunos e racismo na

sociedade brasileira, por meio das contribuições de Norbert Elias, entendeu-se essas

relações, bem como sua influência nos processos de estigmatização no comportamento e

tratamento aos alunos. Compreender o processo de desigualdade, estabelecida nas

relações de poder entre indivíduos ou grupos, no qual um exerce influência na vida do

outro, os estigmatizando.

Apresenta a seguir o estudo de Norbert Elias e Scotson (2000) que pesquisaram

as relações de poder entre grupos na Comunidade de Wiston Parva. No estudo dessa

comunidade foi constatada a demarcação das relações de poder, que se estabeleciam

entre os moradores residentes na região há duas ou três gerações, que se viam como

superiores, em relação aos recém-chegados.

Segundo os autores, o poder é um atributo das relações sociais, é fruto do

contato entre indivíduos e das suas ações a todo instante, sejam elas no campo político,

econômico, cognitivo, entre outros. „O poder deixa de ser uma substância para se

88

transformar numa relação entre duas ou mais pessoas ou objetos naturais, assim, o poder

é um atributo destas relações que se mantêm num equilíbrio instável de forças. ‟ (Nobert

Elias e Scotson, 2000)

Em Winston Parva, ainda da realização da sua pesquisa, os autores identificaram

uma determinada figuração marcada pela existência de um grupo de moradores antigos

que se colocava como pessoas de valor humano mais elevado que a dos moradores

novos, sendo estes estigmatizados pelos primeiros. Essa figuração foi classificada por

Norbert Elias como estabelecidos e outsiders.

Nas atitudes das diretoras em relação aos alunos, ficavam evidentes as relações

de superioridade caracterizando a figuração de estabelecidos e outsiders. As diretoras,

em vários momentos, demonstram preferência com gestos e palavras aos alunos

brancos:

Este aluno é indisciplinado, porque ele é muito carente, a mãe abandonou, ele

é bonzinho. (Diretora da Escola B).

Percebe-se que quando a diretora fala dos alunos brancos acrescenta sempre uma

justificativa para o seu comportamento. Nas situações de conflitos entre alunos brancos

e negros sempre é o negro que recebe a culpabilidade.

Esse aqui (aluno negro) não tem jeito, briga o tempo todo, parece que tem

uma coisa no corpo, esse aqui (aluno branco) não briga, não sei o que

aconteceu, mas com certeza V(negro) provocou. (Diretora da Escola A).

As práticas discriminatórias no cotidiano escolar sempre são acompanhadas de

justificativas que culpam a vítima pela agressão sofrida.

“… eles (alunos brancos) fazem muitas brincadeiras nas salas e os alunos negros

vão para as brigas” (Diretora da Escola A).

Segundo Cavalleiro (1998), o cotidiano escolar apresenta-se marcado por

práticas discriminatórias que condicionam a percepção negativa das possibilidades

intelectuais, profissionais, econômicas e culturais e propicia, ao longo dos anos, a

formação de indivíduos, brancos e negros com fortes ideias e comportamentos

hierarquicamente racializados e carregados de estereótipos.

89

Percebe-se, nesse depoimento, que a diretora não enxerga a extensão da

discriminação racial e que esta pode causar marcas profundas nos sentimentos dos

discriminados. Observe este fato acontecido:

Situação 3

Uma professora entra na sala da diretora com dois alunos negros, dizendo que

não aguenta mais os alunos; que os alunos são debochados; não fazem nada. A diretora

A olha para os alunos dizendo que novamente são eles que estão na direção, que eles

são alunos indisciplinados, não fazem nada, só atrapalham as aulas. Um dos alunos

argumenta com a diretora que a professora briga muito com eles e disse que vão ser

expulsos da escola e continua dizendo que a professora pensa que ela é maior ,que ela

manda aqui. A diretora continua dizendo para os alunos que eles não gostam de estudar,

que devem procurar outra escola, parar de dar trabalho na escola. A diretora em nenhum

momento conversa com a professora para saber o que realmente aconteceu.

Observa-se que durante todo o tempo os alunos tentam conversar com a diretora,

mas ela não ouve, não conversa com a professora, na sua concepção esses alunos não

têm jeito. Na sala da direção, durante a observação, muitos alunos procuravam a

diretora para fazer denúncia de algum colega por motivos de xingamentos, apelidos

entre outros. Muitos pediam providência da diretora. Sempre ela mandava esse aluno

voltar e resolver com a professora. Algumas vezes esse aluno que reclamou voltava de

castigo porque brigou na sala e bateu no colega. E muitos justificavam ao chegar à

direção:

“… diretora, eu disse que ele estava me xingando e agora rasgou o meu

caderno”. (Aluno 5° ano, negro).

A ausência de atitudes da diretora sinaliza ao aluno discriminado que ele não

pode contar com o seu auxílio. Para o aluno que discrimina, sinaliza que ele pode

continuar praticando discriminação, pois nada irá acontecer a ele. O consentimento por

parte dessas profissionais nas escolas banaliza a discriminação racial.

Segundo Elias e Scotson, os estabelecidos censuram frequentemente os

outsiders, atribuindo-lhes conduta anômicas, sendo esses últimos vistos como “indignos

de confiança”, „indisciplinados”, “desordeiros”. Ouvi durante a pesquisa que os alunos

negros são os “bagunceiros”, “indisciplinados”, “terror da escola”, “os que não

90

aprendem”. A questão da culpabilidade é tão forte que um aluno negro faltou à aula

vários dias da semana, ele é considerado por todos da escola como o “pior” da turma, o

culpado por toda bagunça da sala, e ele já assumiu os estigmas:

“… quando eu venho na aula eu bagunço, brigo com meus colegas, a

professora manda eu de castigo, ou fico sem educação física, aí eu bagunço

mesmo, falto aula, eu vou sair desta escola.” (Aluno 6° ano, negro).

Esse aluno provavelmente vai ser um excluído do espaço escolar, porque não

satisfaz as regras e padrões de comportamentos da escola. Ele é punido de diversas

formas, a escola contribui para a exclusão desse aluno.

De acordo com Dayrell (2002) a construção de auto-imagens, como a de “mau

aluno”, ou as reprovações são alguns dos mecanismos internos à organização escolar

que terminam por levá-los à exclusão. A forma como muitos elaboram a saída da escola

é marcada pela culpa e pelo arrependimento: consideram-se os únicos responsáveis pela

falta de qualificação na qual se encontram atualmente. Não levam em conta os

mecanismos sociais perversos que interferiram nas suas escolhas, com um sentimento

de culpa que tende a minar a autoestima.

A discriminação racial tem sido identificada como fator de estímulo à evasão

escolar e à baixa autoestima entre alunos afro-brasileiros, prejudicando seu rendimento

escolar, argumentando a possibilidade de repetência e reduzindo sua frequência às salas

de aula.

Patologização do aluno negro: Cadê o médico?

No cotidiano escolar, encontrei alguns alunos que já têm o diagnóstico feito

pelas diretoras: que não aprendem, têm dificuldade para entender as atividades porque

esses alunos (negros) são doentes. Observe o depoimento:

… Estes alunos não aprendem, já foram reprovados e vão continuar este ano.

Eles precisam ir ao médico, deve ter alguma coisa. Mas cadê o médico?

(Diretora da Escola A).

91

Patto (1990) discute o papel dessa prática indutora da “profecia auto realizada”,

por meio da qual as professoras vêem confirmadas suas previsões feitas logo no início

do ano a respeito do aluno. E afirma:

“na prática, outra motivação fala mais alto: cada professora tenta livrar-se dos

alunos que lhes são indesejáveis, ou porque contribuirão para aumentar os

índices de reprovação em sua classe ou porque perturbam a ordem…” (Op.

Cit., p. 214).

Os alunos que divergem das normas estabelecidas para aprendizagem são

“rotulados” de alunos que não aprendem, não são inteligentes, têm problema

neurológico. A escola faz uma ligação dos alunos que apresentam dificuldade na

aprendizagem como disfunção neurológica. Müller (1999, p.53) diz “espera-se que as

pessoas mais escuras não sejam inteligentes ou não sejam suficientemente esforçados,

espera-se o seu fracasso”.

Collares e Moysés (apud Gonçalves, 2006), ao estudarem as razões do “não

aprender”, mostram como os “achados” médicos e científicos podem ser tornar

distorcidos, sustentando uma ótica preconcebida, preconceituosa quanto às razões do

não aprender. Dentro dessa visão, os não aprendentes são estabelecidos como “doentes”

e doentes não se destinam à escola, mas a classes especiais. “Entre as crenças

inviabilizadoras da aprendizagem, os autores apresentam: fatores nutricionais,

disfunções neurológicas, imaturidade afetiva, imaturidade intelectual (p. 77)”.

O que observei foi que as diretoras acreditavam em fatores neurológicos como

causa dos problemas dos alunos.

[…] aqui tem uns alunos que não aprende, deve ter problema, mas a gente

conversa com a família, pede para levar ao médico, elas não levam, diz que

não encontra médico, e vai rolando aí, reprovando de um ano para o outro, a

escola não tem o que fazer. (Diretora da Escola A).

[…] esse aluno não aprende, vem aqui, só fazer bagunça, deve ter algum

problema na cabeça, briga demais (Diretora da Escola B).

A escola ou a diretora espera sempre que a família resolva os problemas dos

alunos, como aprendizagem, que é um problema da escola. O aluno não aprende o

conteúdo, não consegue fazer as tarefas em sala, mas e a escola o que está fazendo?

Quais são as ações desenvolvidas pela escola para que esse aluno aprenda? Já foi

realizado um diagnóstico desses alunos para saber quais são as suas dificuldades? A

92

escola não pode responsabilizar somente os alunos pelas suas dificuldades. As diretoras

revelam que a escola participa do Programa Saúde na escola e que já foram feitos

diagnósticos desses alunos mais que nem todos os responsáveis dão continuidade no

tratamento.

As falas das diretoras demonstram que está cristalizada a idéia de que os

problemas de aprendizagem apresentados pelos alunos são em virtude de uma pretensa

doença, que impede a aprendizagem escolar.

Collares e Moysés (1996) chamam a esse processo de buscar causas e soluções

médicas a nível organicista e individual, para problemas de origem eminentemente

social de “medicalização do ensino”.

Ao conversar com as diretoras sobre as dificuldades dos alunos, as reprovações,

elas sempre falam que o aluno é doente e culpa a família, diz que as maiorias das

famílias são desestruturadas; que os alunos não têm referência de família. O que se

percebeu é que a escola ainda trabalha com modelo de família composta de pai, mãe e

filhos. Ou às vezes coloca a culpa na falta de escolarização dos pais.

Reuniões com as famílias: a ata da exclusão

A discussão empreendida nesse tópico diz respeito a uma reunião que aconteceu

em uma das escolas pesquisadas. Achei oportuna trazer este assunto porque a presença

da família na escola é mais um ponto favorável na educação.

As escolas estabelecem a reunião de pais no seu calendário escolar para entrega

de avaliações. Essa é uma prática das escolas e também das escolas pesquisadas no

fechamento de cada bimestre. A reunião é marcada e os professores entregam as

avaliações realizadas durante o bimestre.

Participei de uma reunião para entrega das avaliações e presenciei uma prática

comum nas escolas, não sendo nesta diferente. Os pais dos alunos que obtiveram as

notas altas eram parabenizados. Os pais dos alunos que obtiveram notas consideradas

baixas ouviam que seus filhos eram indisciplinados, que não querem estudar. Percebe-se

93

que as escolas priorizam o comportamento dos alunos na reunião deixando de lado as

questões de aprendizagem.

Após essa reunião, em que muitos pais não compareceram, a diretora e os

professores resolveram fazer outra reunião com os responsáveis faltosos e dessa vez

convocar o conselho tutelar.

Nessa outra reunião o principal assunto foi à indisciplina dos alunos. A diretora

explicou que o conselho tutelar foi chamado para apresentar aos pais a sua

responsabilidade para com a educação dos seus filhos. Algumas mães questionaram a

presença do conselho tutelar na reunião dizendo que não achava necessária a presença

do conselho na reunião.

A diretora começou a reunião explicando o seu objetivo que era falar sobre o

comportamento dos alunos. Dizia que os alunos eram indisciplinados, que atrapalhavam

as aulas. Ela justificava o tempo todo que esses alunos eram os problemáticos da escola,

que o seu comportamento prejudicava as aulas, que se não melhorar vão receber a

transferência. As queixas de indisciplina dos alunos feitas pela direção eram muitas:

bagunça, agressividade, indisciplina vista como distúrbio, entre outras. Ao final da

reunião foi acordado que os pais devem comparecer à escola uma vez por semana e

assinar o caderno dos filhos.

Quando um aluno é publicamente rotulado de indisciplinado ele está sendo

violentado e excluído. A escola não ouviu esses alunos e não considerou as suas

justificativas, dessa forma está reproduzindo desigualdades e provavelmente esses

alunos que vão abandonar a escola.

A gestão escolar na educação das relações raciais

A gestão educacional pode exercer papel primordial no combate ao racismo

escolar, uma vez que a discriminação racial se manifesta nesse ambiente que,

aparentemente, é livre de preconceitos, mas pode gerar danos ao grupo negro inserido

na escola.

94

A educação das relações raciais surge a partir da Lei n° 10.639/03. O papel do

diretor é fundamental na implementação dessa Lei. Ela foi sancionada e alterou a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação14

nº 9.394/1996, estabelecendo a inclusão da temática

História e Cultura Afro-Brasileira, no currículo oficial da rede de ensino. A partir dessa

Lei, tornou-se obrigatória, no currículo escolar da educação básica, a inclusão do

“[…] estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no

Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade

nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social,

econômica e política pertinente à História do Brasil.” (BRASIL, 1996, SP).

A Lei 10.639/03 acrescentou à Lei n° 9.394/96 os seguintes artigos:

“Artigo 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais

e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-

Brasileira.

§ 1° O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o

estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a

cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,

resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e

política pertinentes à História do Brasil.

§ 2° Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão

ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de

Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.”

“Artigo 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como „Dia

Nacional da Consciência Negra‟” (Lei 10.639/03).

A Lei n° 10.639/03 traz a necessidade de aprofundar o estudo sobre a questão

racial no Brasil e estabelece a obrigatoriedade da temática história e cultura africana e

afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino, o que significa ruptura com um tipo de

postura pedagógica que não reconhece as diferenças resultantes do nosso processo de

14

A Lei 10.639/03 de 9 de janeiro altera o artigo 26 da LDB tornando obrigatório o estudo da história e

cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e

privados.

95

formação nacional na tentativa de resgatar a contribuição do povo negro na construção

da sociedade brasileira.

A educação das relações raciais para o movimento negro relaciona-se com o

desarraigamento de práticas racistas no cotidiano escolar, ou seja, constitui-se em

educação antirracista. Para Cavalleiro (2001, p.157):

Uma educação antirracista prevê necessariamente um cotidiano escolar que

respeite, não apenas em discurso, mas também em prática, as diferenças raciais. É

indispensável para a sua realização a criação de condições que possibilitem a

convivência positiva entre todos.

Constitui-se em elemento essencial no processo de construção/reconstrução,

conhecimento/reconhecimento e valorização de diferentes perspectivas e compreensões

concernentes à formação e às configurações da sociedade brasileira contemporânea, no

sentido de desconstruir as significações e representações preconceituosas e racistas que

têm se configurado nos conteúdos didáticos e no espaço escolar (VALENTIM e

BACKES, 2007, p. 03). O alcance dos objetivos da Lei n° 10.639/03 está condicionado

à adoção de uma postura antirracista e inclusiva. A implementação da lei no contexto

escolar discutindo os temas propostos contribuirá para enfrentar as desigualdades raciais

na educação brasileira.

A Lei n° 10.639/03 vem reconhecer a escola como lugar da formação de

cidadãos e afirmar a relevância da escola para promover a necessária valorização das

matrizes culturais que fizeram do Brasil o país rico, múltiplo e plural que somos.

Outro documento surge para a implantação dos marcos legais da Lei, é o Plano

Nacional de implementação das diretrizes curriculares raciais que aborda a educação

das relações raciais passando pelos níveis da educação básica: educação infantil, ensino

fundamental, ensino médio, e educação de jovens e adultos (EJA), sinalizando que o

plano deve ser implantado por meio do Projeto Político Pedagógico e da proposta

curricular da escola.

As características para uma gestão antirracista são: Reconhecer a existência do

racismo na sociedade brasileira; Implementar a Lei nº 10639/03 para a construção

positiva , valorização e reconhecimento da identidade dos afro-brasileiros; Considerar a

96

diversidade e a pluralidade cultural da sociedade brasileira; Comprometimento ético

com relação á questão racial; Estudos e reflexões aprofundadas acerca das questões

raciais na sociedade brasileira; Contemplar na matriz curricular as diretrizes que aborda

a educação das relações raciais; Promover diálogos nos conflitos raciais com todos os

envolvidos; Contextualizar os conflitos raciais e ampliar as discussões. Os conflitos

raciais devem ser vistos como possibilidade educativa.

Promover uma educação antirracista é levar para o espaço escolar a discussão

sobre as desigualdades na sociedade. Promover uma gestão antirracista precisa de um

posicionamento claro diante dos desafios e vontade que fazem a diferença. A educação

antirracista reconhece o ambiente escolar como espaço para a realização de um trabalho

que possibilite o conhecimento respeitoso das diferenças raciais.

97

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa procurou compreender as relações raciais no ambiente escolar de

duas escolas municipais de Cuiabá-MT, com enfoque nas percepções de diretoras e

alunos. Percebi pelos dados da pesquisa que ao retratar a discriminação racial, as

diretoras asseguram algumas ideias constituídas em seus discursos, ora negando a

discriminação, ora a demonstrando e até mesmo denunciando algumas das suas facetas.

Os relatos dos alunos permitiram entender no movimento das suas relações que

estereótipos sobre o negro circulam entre eles por meio de piadas, apelidos entre outros.

Nesse sentido, características como a cor, cabelos, formato dos lábios, nariz dos alunos

negros são referências negativas que atuam anulando o negro.

Com relação à percepção dos alunos, evidenciou-se que eles têm consciência de

que a discriminação racial existe e que ela vigora tanto no cotidiano escolar quanto fora

dele, mas essa preocupação não os impede de práticas e atitudes de preconceito e

discriminação, como xingamentos e apelidos de cunho racista como “brincadeiras”.

Os depoimentos dos alunos permitiram perceber que os estereótipos sobre o

negro circulam entre eles através de piadas, apelidos, entre outros. Desta forma,

características como a cor e cabelos dos alunos negros são referenciais negativos que

agem anulando o ser negro.

Na análise dos dados na percepção dos alunos, pôde-se verificar que a falta de

trabalhos acerca das relações raciais na escola leva muitos alunos negros a serem

vitimizados, ocasionando até mesmo a auto negação de sua identidade.

A pesquisa mostrou, na percepção das diretoras, que tudo está caminhando

dentro da normalidade e não há nada que as incomoda. Entretanto, a situação dos alunos

negros continua a mesma, ou seja, continuam sendo discriminados, esquecidos,

recebendo julgamentos negativos.

Vi uma discriminação caracterizada pelo silêncio e pelo mito da democracia

racial. Presenciei a invisibilidade da questão racial na escola e a reprodução do racismo

98

no seu cotidiano. Faz-se necessário uma reflexão-ação em torno dos problemas que

coexistem no cotidiano escolar, racismo, discriminação racial e preconceito que são

negados ou ignorados pelos agentes educacionais.

Destacou-se o silêncio das diretoras em relação às práticas racistas entre os

alunos, acompanhadas da falta de atitude firme e contundente diante das ocorrências de

conflitos. Não há trabalhos, diálogos que permitem aos alunos corrigir suas posturas,

atitudes que aludam discriminação e não há um trabalho de amparo aos que sofrem

discriminação. O silêncio, a minimização das ofensas de cunho racial entre alunos, por

parte das diretoras, evidencia certa conivência com os comportamentos e atitudes

racistas na trajetória de vida dos alunos, assim como as sequelas, decorrentes de

preconceito e discriminação, na formação de suas identidades.

As entrevistas com as diretoras evidenciaram que a atuação delas frente à

educação das relações raciais encontra-se bastante superficial, faltam ações voltadas

para promoção de uma educação antirracista. Em nenhum momento questionam sobre a

extensão de atitudes racistas na vida dos alunos.

As entrevistadas revelaram que para a escola todos são tratados como iguais, e

que nenhum professor ou funcionário apresenta atitudes racistas. Isso de alguma forma

colabora para que as questões raciais não sejam propostas e discutidas de forma a

combater manifestações de discriminação e preconceito racial. Quando na prática esses

alunos na concepção das diretoras são os danados, agressivos, revoltados, doentes, são

estigmatizados como incapazes intelectualmente, desinteressados. Essas percepções das

diretoras estão enraizadas no imaginário social que teve forte influência das teorias

racistas.

Enfatizei que pouco pode ser feito sem o comprometimento e sensibilidade do

educador mediante o reconhecimento da sua responsabilidade neste processo de

mudanças proposto pela Lei nº 10.639/03, e sobre o reconhecimento da história e

cultura africana e afro-brasileira, como construtores de uma educação das relações

raciais.

É importante ressaltar que, apesar da existência da Lei n° 10.639/03, as relações

sociais no ambiente da escola continuam carregadas de ideologias racistas contra os

99

alunos negros. É incontestável a maneira naturalizada do preconceito racial que

alimenta relações de poder desiguais entre alunos negros e brancos.

É preciso ressaltar a necessidade de formação do educador, gestor para a prática

profissional que considere a diversidade étnica racial no contexto escolar. Entretanto, o

não acesso à formação específica sobre as questões étnicas raciais, não o excetua da

responsabilidade e sensibilidade com o tratamento da diversidade e amparo dos alunos

frente às situações de discriminação. A omissão das diretoras diante das discriminações

raciais acaba autorizando que continue a prática do racismo no cotidiano das relações

estabelecidas na escola.

Procurei mostrar a partir dos dados coletados como as relações raciais no

cotidiano escolar são marcadas por conflitos raciais, que confirmam um contexto de

desigualdades entre negros e brancos na sociedade brasileira. As incidências de racismo

estão presentes nas relações hierarquizadas entre os alunos e nas atitudes das diretoras

quando privilegiam o aluno branco em detrimento do aluno negro.

Ademais, gostaria muito de externar o quanto foi importante realizar esta

pesquisa considerando este tema tão relevante, apresentando as percepções das diretoras

a respeito das relações raciais entre os alunos, ou seja, o foco desta vez foi à gestão da

escola e os alunos, não professores, família. Entendo que a gestão educacional pode

exercer papel primordial no combate ao racismo escolar, uma vez que a discriminação

racial se manifesta nesse ambiente que, aparentemente, é livre de preconceitos, mas

pode gerar danos ao grupo negro inserido na escola. Nesse sentido, foi sofrido

desenvolver esta pesquisa, ao me deparar com as manifestações de discriminação racial

na escola, mas foi gratificante porque pude dar visibilidade ao papel da gestão,

segmento importante para que a educação das relações raciais realmente se efetive na

escola.

100

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108

ANEXOS

ANEXO A- TERMO DE CONSENTIMENTO DE ENTREVISTA

Prezada senhora

Na condição de Mestranda da Universidade Federal de Mato Grosso, eu Malsete

Arestides Santana, encontro-me, no momento, realizando uma pesquisa sobre Conflitos

entre alunos em duas escolas municipais de Cuiabá/MT. Na referida pesquisa busco

compreender quais são os fatores que leva os alunos entrarem em conflitos. Para tanto,

necessito de sua colaboração, enquanto diretora da unidade escolar, no sentido de

conceder-me entrevista sobre o assunto desta pesquisa.

Um dos procedimentos metodológicos a serem utilizados nesta pesquisa resume-

se aos depoimentos obtidos em entrevista realizada com as diretoras. As entrevistas

serão gravadas, posteriormente transcritas, e de uso exclusivo para esta pesquisa. Os

dados coletados serão utilizados, ainda, para apresentação em eventos acadêmicos, além

de publicação de artigos.

Asseguro que a sua participação é totalmente voluntária, garantindo-lhe a total

liberdade de participar ou não desta pesquisa. Informo ainda, que seu depoimento

permanecerá totalmente confidencial, caso não queira se identificar, esclarecendo que

neste caso o uso das informações fornecidas se dará de forma completamente anônima.

Eu, ___________________________________________________________________,

li e entendi as informações fornecidas pela pesquisadora e sinto-me esclarecida para

participar da pesquisa.

Local e data

109

ANEXO B- PERGUNTAS ORIENTADORAS PARA AS ENTREVISTAS COM

AS DIRETORAS

Nome

Tempo de serviço na rede Municipal

Para você o que é ser diretora?

Quais aspectos no desempenho da sua função consideram mais relevantes? E quais

consideram relevantes e não consegue desempenhar?

Quais são os principais problemas enfrentados pelo diretor (a) na gestão da escola?

Quais são as situações de conflitos entre alunos que você mais presencia na escola?

Poderia descrever os fatores dos conflitos entre alunos?

Como você faz a intervenção nos conflitos entre alunos?

Dentre estes conflitos algum está relacionado à questão racial? O que você entende por

discriminação racial?

Como você lida com as situações de discriminação racial no ambiente escolar? Se você

percebe algum tipo de discriminação entre os alunos qual é a sua intervenção?

A escola desenvolve algum trabalho na perspectiva da lei 10.639/03? Como são

trabalhadas as questões raciais aqui na escola?

A escola possui Projeto Político Pedagógico? Como foi elaborado?

Qual a importância do livro de ocorrência para a escola?

ANEXO C- PERGUNTAS ORIENTADORAS PARA O GRUPO FOCAL COM

OS ALUNOS

1- Você tem apelido, gosta do seu apelido?

110

2- Você sabe o que é discriminação?

3- Você sabe o que é preconceito?

4-Já passou por alguma situação de discriminação aqui na escola? Conte como

aconteceu.

ANEXO D -QUADRO 1 – FICHA DE CLASSIFICAÇÃO DE COR

1-QUAL O SEU NOME?________________________

2-QUANTOS ANOS VOCÊ TEM?______________________

3- QUAL É A SUA COR? _______________________

4-A COR QUE VOCÊ SE IDENTIFICA É:

BRANCA ( ) PRETA ( ) AMARELA ( ) PARDA( ) INDÍGENA( )

5-CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISADORA

BRANCA ( ) PRETA ( ) AMARELA ( ) PARDA( ) INDÍGENA( )

ANEXO E- TERMO DE CONSENTIMENTO DA PESQUISA

Senhores pais ou responsáveis

Estou realizando uma pesquisa nesta escola com a participação do seu filho (a). Para

tanto, necessito da sua autorização. Serão realizadas entrevistas. O depoimento será

confidencial, o uso das informações se dará de forma anônima (sem colocar o nome do

aluno).

Eu.....................................................................................................autorizo meu filho(a)

.........................................................................................................participar da pesquisa.

Obrigada