macdonald, patricia - imperdoavel

Upload: samanta

Post on 02-Mar-2018

260 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    1/168

    - 1 de 168 -

    IMPERDOVEL(The Unforgiven - 1981)

    Patrcia Macdonald

    Jane Rotrosen, Sandi GelIes-Cole e Jackie Schwartz

    me ajudaram e encorajaram sempre.

    A cada uma os meus sinceros agradecimentos.

    PRLOGO

    A luz gelada da Lua projetou a sombra das grades no rosto de uma jovem que jazia rgida numcatre. Ela conseguia ouvir o pingar constante da torneira e as vozes de mulheres inquietasencurraladas nos seus pesadelos ecoando pelas grutas de cimento da priso. Tudo estava quaseem paz.

    Naquela noite, como em todas as noites, as outras prisioneiras se contorciam nos coletes-de-fora dos seus prprios sonhos. Mas ter conhecimento disso no a confortava. Com a alvoradaseriam libertadas dos seus medos. Como fantasmas, deslizariam para fora das suas celas embusca dela. Mulheres-vampiro que atacavam de dia. Maggie, querida, o que aconteceu? muitoboa para ns? Vai se foder, puta. Vamos acabar com voc, puta.Umas vezes cantando, outraspraguejando, perseguiam-na, gozavam com ela. Tentara se manter parte. Isso fora o suficientepara faz-las quererem destru-la. A amargura e o alvio invadiram-na. No dia seguinte, quando achamassem, ela no estaria l. Nessa altura teria partido. Talvez sentissem a falta dela.Precisariam encontrar uma nova vtima.

    Maggie deslizou para a extremidade do catre e depois se acocorou ao lado dele. Levantou ocolcho fino e tateou, tendo o cuidado de no fazer tinir a rede metlica. Ao fim de um minutoencontrou o que procurava. Agarrou na garrafa de plstico e puxou-a para si, rolando. Quando

    estava quase na ponta, desceu o colcho e se levantou cambaleando. No canto da cela, sob ajanela estreita com grades, se encontrava uma cadeira metlica articulada. Pegou na cadeira e

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    2/168

    - 2 de 168 -

    colocou-a de frente para a cama. Encontrou a caneca de metal na prateleira por cima dolavatrio. P-la na cadeira. Depois voltou a enfiar a mo debaixo do colcho e tirou de l agarrafa de plstico. Uma tosse spera vinda do outro lado do corredor assustou-a, e ela ficoumuito quieta. Mas quem estava dormindo pigarreou e no acordou.

    Maggie encostou a garrafa ao peito. No fora fcil arranj-la. Roubara-a depois do jantar de umcarrinho que se encontrava porta dos chuveiros. Mais tarde ou mais cedo algum daria porfalta dela. Tinha de agir rapidamente. Segurando-a luz da Lua conseguiu ver o rtulo, onde selia Desinfetante. Abriu a tampa. O cheiro do lquido custico lhe chegou s narinas eembrulhou o estmago. Sem se dar tempo para pensar, verteu o liquido para a caneca e ps agarrafa ao lado dela no assento da cadeira. Sentou-se como que hipnotizada, olhando para ela.

    A configurao dos objetos na cadeira f-la se recordar de algo h muito esquecido. Viu umaltar, ou uma mesa preparada para a ltima Ceia. Uma gargalhada angustiada lhe subiu pelagarganta. Aquela iria ser certamente a sua ltima ceia, pensou. Estava prestes a cometer um

    pecado mortal. No importava. J estava condenada de qualquer forma. Era sempre isso que aIrm Dolorita lhe dizia quando vinha visit-la.

    A visita dela naquela manh fora inesperada, mas isso no era estranho. No trouxera qualquerrecado da me de Maggie, e isso, claro, tambm era costume. Maggie notou que j noesperava receber notcias dela. A guarda aparecera quando soara o sinal de sada, enquanto asoutras desfilavam para o ptio de exerccios, para lhe dizer que a freira a aguardava na sala dasvisitas. Ao fim de quase dois anos daquelas visitas intermitentes, Maggie sabia o que esperar.Quase se recusara a ir, mas depois se sentira impelida para a sala por um estranho sentimentode dever. A Irm Dolorita estivera de p durante a visita, os seus olhos negros, semelhantes a

    contas de um rosrio no rosto plido, fixos nos de Maggie. Ordenou a Maggie que seconfessasse e Maggie insistiu cansada, como j o fizera muitas vezes, que no matara Roger.Esse crime no estava entre os seus pecados.

    Quando regressou cela encontrou o dirio em cima da almofada. Estava encharcado.Ensopado em urina. Tinham andado atarefadas durante a sua ausncia. A tinta estava borrada ecorria pelas pginas como se um milho de lgrimas tivesse sido vertido sobre elas. O cheiro dodirio sujo era nojento. Maggie desviou o olhar da caneca e da garrafa na cadeira para o dirioencharcado, que estava ao canto da cela. Tinha vinte e dois anos e suportara aquele infernodurante quase dois. Se tivesse sorte, ainda teria mais dez anos dele pela frente. No seria capaz

    de sobreviver. Tinha certeza. Ironicamente, se Roger estivesse vivo... Se ela soubesse que eleestava l no exterior, e que acreditava nela, talvez conseguisse aguentar. Vieram-lhe lgrimasaos olhos... Ignorou-as. No queria se sentir triste. No queria sentir nada.. Ocorreu-lhe que ame iria se sentir vingada quando soubesse.

    Maggie se endireitou e olhou para a cadeira sua frente Depois estendeu o brao e pegou nacaneca. Levou-a aos lbios. O cheiro lhe deu vontade de vomitar, mas ela forou o estmago ase descontrair. Desviou o olhar por um momento e respirou fundo. Levantou-a e depois bebeu,engolindo o lquido venenoso. Imobilizou-se quase de imediato. Abriu muito os olhos e a canecalhe caiu das mos, batendo no cho junto aos seus ps. Maggie levou uma mo boca, e alguns

    fios de lquido escuro escaparam pelos seus dedos. Ergueu-se e andou para frente, tentando se

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    3/168

    - 3 de 168 -

    agarrar cadeira. Nessa altura, ela e a cadeira tombaram no cho. O desinfetante entornou edeslizou rapidamente pela cela at ao corredor.

    O estrondo da cadeira repercutiu pelos corredores silenciosos. Passado um momento, o som devozes irritadas comeou a ecoar pelo corredor.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    4/168

    - 4 de 168 -

    CAPTULO 1

    As gaivotas batiam as asas em um ritmo regular, se mantendo flutuando apenas a alguns metrosda proa. Conduziam o barco atravs do nevoeiro em direo ilha que acabara de ficar vista.Sozinha no tombadilho, Maggie Fraser apertou a capa fina e se debruou sobre a amurada,

    tentando ver os contornos de Heron's Neck. Parecia maior do que ela esperara, se formando distncia como uma mancha comprida de carvo. Tinha muito nevoeiro para se conseguir ver osedifcios, o nico ponto visvel era o farol numa extremidade, se erguendo como um dedoossudo.

    O ferryboat balanava atravs do oceano cinzento-esverdeado, cuspindo espuma branca deambos os lados da proa. Maggie semicerrou os olhos e tentou distinguir os contornos do seunovo lar. Lar. Ao fim de doze anos o mundo parecia estranho a Maggie. Tentou igual-lo na suamente quela ilha do Atlntico, uma hora da costa da Nova Inglaterra. Era a primeira vez nasua vida que iria viver junto ao mar. Uma rajada de vento soprou no rosto de Maggie, e ela

    estremeceu. Pela dcima vez naquele dia desejou ter vestido qualquer coisa mais quente do quea capa sem forro. Ainda era apenas outubro, mas por vezes o ar j estava gelado. Isso f-la sesentir inquieta, como se tivesse aceitado um convite e ao chegar descobrisse que tinha oendereo errado.

    Ocorreu-lhe que o fato de no estar preparada para o clima era um mau comeo. Tivera tantocuidado com os preparativos daquela viagem. Tentou se lembrar de quando comeara aimagin-la. Naquele momento lhe pareceu que a ideia fora concebida quando recebera aqueleprimeiro bilhete formal do editor havia pouco mais de um ano. Apenas umas breves palavras defelicitaes recebidas pouco depois de lhe ser entregue o diploma da faculdade numa cerimnia

    na priso. Um homem ocupado dispusera de tempo para um gesto atencioso, destinado aencorajar algum como ela. Mas entre as linhas ela entrevira uma possibilidade para si. Agora,ao pensar naquilo, notou que a ideia daquela viagem lhe ocorrera enquanto redigia com cuidadoa primeira resposta.

    A correspondncia que se iniciara entre ela e William Emmett tinha um certo cunho jornalstico.Maggie satisfez a curiosidade dele sobre a vida na priso, enquanto ele a informava sobre opequeno jornal que dirigia na reforma. E por fim, obtivera os resultados que ela mal tiveracoragem de esperar. Maggie enfiou instintivamente a mo no bolso da capa. O envelope, comoum talism, continuava no seu lugar. Naquele dia ela iria comear a trabalhar no jornal de

    Emmett.

    O som de uma porta metlica se abrindo interrompeu os seus pensamentos. Maggie se virou eviu um homem aparecer nas escadas, vindo do tombadilho inferior, as mos segurando ostornozelos de uma criana gorducha que vinha s suas costas. A criana gritava de prazer ebalanava para cima e para baixo, o impermevel amarelo brilhando com os salpicos do mar.

    Upa, upa, disse o homem, levantando a criana dos ombros e agarrando-a pela cintura.Ps uma fatia de po nas suas mozinhas. Faz isso em migalhas, ordenou. A criana fez o quelhe mandavam, sem parar de rir, depois segurou um pouco de po na mo estendida enquanto o

    pai a agarrava. Aqui, gaivota! Chamou ela.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    5/168

    - 5 de 168 -

    Mantenha o brao estendido, indicou o homem. Ela vem comer hoje? Perguntou a criana. Claro que vem! Que jogo perigoso, pensou Maggie pouco { vontade. A criana podialhe fugir dos braos e cair no mar. Maggie olhou para eles, a criana se contorcendo de rir nosbraos do homem. Mas ela est|adorando..

    Estamos quase chegando, papai? Estamos, assegurou o homem.

    Quase chegando. Apesar da chuva miudinha, a boca de Maggie estava seca. O que os outrosiriam pensar de si? Alisou o vestido que trazia sob a capa. Era cor de pssego e gostara muito dese ver com ele na loja, justo ao corpo, contrastando com a sua pele branca. Durante anos no adeixaram se vestir como uma mulher. Sentira-se quase feliz quando enfiara o vestido. Tornava-aatraente. Bonita, at. Agora, de repente, isso lhe parecia quase demasiado.

    A criana no tombadilho gritou de prazer quando uma gaivota desceu a pique e lhe tirou o po

    dos dedinhos. Pegou imediatamente noutro pedao de po e uma segunda gaivota pairou porbreves momentos, depois mergulhou para a cdea. A criana bateu palmas e se virou, lanandoos braos ao pescoo do pai e cobrindo-o de beijos molhados.

    Ela levou-o! Exclamou.

    O homem apertou-a contra o peito, a sua mo envolvendo a coxa rechonchuda sob oimpermevel, os lbios esticados para receber os beijos dela. Maggie olhou para os dois com umcerto desdm. Que coisa mais inconsciente, pensou. Queria se aproximar deles e gritar:Tenham cuidado, n~o faam isso!. Mas em vez disso virou as costas. O que eles faziam no era

    da sua conta. J tinha com que se preocupar.

    Olhou para a gua, voltando a pensar no vestido. muito curto. Talvez ainda tivesse tempopara mudar de roupa. Fechou os olhos e tentou visualizar o contedo da mala, mas na suamente surgiu outra imagem. Por um momento viu o rosto da Irm Dolorita fitando-a, os seusolhos brilhantes cheios de imprecaes. N~o, pensou irritada, abanando a cabea para afastara imagem desagrad|vel. Visto o que eu quero.. Notou com tristeza que muito embora a IrmDolorita j tivesse morrido h vrios anos no conseguia se libertar da recordao dela.

    Com esforo baniu os pensamentos dolorosos e tentou se concentrar no que a esperava. Ia para

    uma vida completamente nova, onde ningum a conhecia e o seu passado seria um segredoguardado de todos os intrusos. Perguntou a si mesma se seria visvel nela, como a marca daslgrimas depois do choro. Maggie meditou na ideia, depois rejeitou-a. Esfregou as mos geladasuma na outra e se repreendeu pela sua impacincia. Em breve iria saber.

    No um grande dia para se estar aqui fora, algum disse interrompendo os seuspensamentos. Maggie se virou e viu um jovem tripulante com uma capa de borracha caquisegurando uma corda. No me importo, respondeu ela. Bem, disse ele encolhendo os ombros, melhor ir para baixo. Estamos quase

    chegando.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    6/168

    - 6 de 168 -

    Maggie olhou em volta e reparou que era verdade. Estivera to imersa nos seus pensamentosque mal reparara na rpida aproximao ilha. Viu o cais, vrias casas bonitas com telhados demadeira cinzentos se estendendo em volta. A areia plida cor de giz se estendia a partir do caispara um lado e para o outro.

    Quando os motores pararam e o barco deslizou at ao cais, Maggie reparou em duas crianasque brincavam nas tbuas gastas pelo tempo. Estavam acocoradas lado a lado com os seuscasacos iguais, o vento levantando o cabelo claro do rapaz mais velho e agitando os caracispretos do mais novo. Ao v-los sentiu um estranho prazer misturado com arrependimento. Hmuito tempo que no via crianas brincando. Na verdade, h alguns anos mal reparava nessesmomentos inocentes. O barco deslizou lentamente para o ancoradouro, e Maggie se inclinousobre a amurada para ver melhor as crianas. De repente, empalideceu com o que viu.

    Entre os dois rapazes, nas tbuas do cais, viu uma tartaruga com as patas para cima. O animalfustigava o ar com as patas duras, tentando se endireitar. O rapaz mais velho, o louro, pegou

    num pau aguado. Picou com ele as pernas do pobre animal e, quando a tartaruga recolheu aspernas feridas para dentro da carapaa, enfiou o pau no refgio da tartaruga, picando-a deforma implacvel, enquanto a criana menor gritava de alegria. O rapaz mais velho enfiou o pauem todos os orifcios, acertando por fim naquele onde a tartaruga metera a cabea. Enfiou o paudevagar no orifcio, depois tirou-o e voltou a enfi-lo com toda a fora. Maggie ficou sem flego,com o estmago s voltas. Comeou a tremer, como se estivesse sentindo a agonia do pobreanimal. Vai ver ainda h| pouco tempo andava muito descansado pela areia, pensou. Agoraestava sendo torturado.

    Ei, rapazes, saiam da! E deixem o animal em paz.

    Maggie olhou para cima e viu o jovem de impermevel caqui ameaando as crianas com opunho debruado sobre a amurada. O rapaz mais velho deu um pontap forte na tartaruga eesta voou para a gua, ainda com o pau espetado. As duas crianas se viraram e saram correndodo cais.

    Olhe, menina, melhor ir andando. Julga que ficaremos aqui o dia todo?

    Maggie abanou a cabea e passou uma mo trmula pelo cabelo. Acalme-se, disse a si mesma.Sentiu uma enorme apreenso. Obrigou-se a inspirar profundamente golfadas de ar salgado at

    que se sentiu mais calma. Vai correr tudo bem. Pegou nas malas e se dirigiu para o topo dasescadas. O homem e a filha j estavam descendo, a criana agarrada ao pescoo dele. O pai lhemurmurou qualquer coisa, o rosto encostado ao impermevel amarelo dela. Maggie viu-osdesaparecer e depois, com pernas trmulas, seguiu-os para a escurido do tombadilho inferior.

    * * *

    Os escritrios do Cove News ficavam numa casa pintada de branco precisando de uma demo,numa rua secundria de cho empedrado. Num dos lados ficava uma grande casa particular, deaspecto escuro e abandonado, e do outro um pequeno edifcio que tinha instalada uma padaria

    bem iluminada de onde emanava um aroma delicioso e anunciava na vitrine a venda de posempre quente.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    7/168

    - 7 de 168 -

    Maggie subiu a calada at casa branca precisando de pintura, passando pela pequena placaque indicava o News. Abriu a porta e entrou. Viu-se num vestbulo escuro com papel de parededesbotado, de frente para umas escadas de madeira. direita se encontrava um bengaleiro comuns ganchos de ferro pretos. Maggie despiu a capa encharcada e pendurou-a, tirando a carta do

    bolso. Ps as malas junto ao bengaleiro e depois, alisando o vestido ligeiramente hmido que secolava ao seu corpo, percorreu o corredor at primeira porta aberta e entrou.

    Era uma sala grande e bem iluminada com janelas de vidraas pequenas quase completamentetapadas pelas rvores frondosas no exterior. Havia trs mesas na sala, embora s uma estivesseocupada naquele momento. Uma mulher de aspecto simples com cerca de quarenta anos,cabelo castanho curto com madeixas louras e culos de armaes prateadas se encontravasentada datilografando numa velha mquina Royal. Maggie ficou parada junto porta enquantoa mulher parecia ignor-la, absorta na sua tarefa.

    Com licena, disse por fim. A mulher olhou para cima e observou-a por detrs dos culos,mas no se riu nem se levantou. Vim falar com o editor.

    A mulher limpou as mos na saia de tweed e se levantou devagar. Desenrolou as mangas docasaco de malha e caminhou na direo de Maggie.

    Creio que no a conheo, disse. O tom da mulher irritou Maggie, mas ela manteve umaexpresso neutra. A terra era pequena. A mulher devia conhecer toda a gente na ilha. Acabei de chegar, esclareceu. Foi o que pensei, retorquiu a mulher, satisfeita consigo prpria.

    Estou aqui a trabalho, disse Maggie numa voz que at a ela pareceu tensa. A mulher ficoucalada, mas olhou com ar crtico o vestido de seda de Maggie e os seus sapatos de salto alto.Maggie se sentiu corar. Mister Emmett me mandou vir. Gostaria que dissesse ao editor queestou aqui. Margaret Fraser. Qual o assunto? Perguntou a mulher, semicerrando os olhos. Maggie enfrentou o olhardela. Trabalho. Venha comigo.

    Maggie seguiu-a pelo corredor cheio de correntes de ar at outra sala grande ao fundo. Tambm

    havia vrias mesas naquela sala, cheias de papis e jornais. Um homem com cerca de trinta anos,com uma camisa de flanela quadriculada e gravata se encontrava sentado na ponta de uma dasmesas explicando qualquer coisa numa folha a uma jovem de ar apatetado com cerca de dezoitoanos. A jovem tinha cabelo da cor de folhas mortas e olhos claros parecidos com os ovos plidosde um azulo que Maggie vira uma vez no celeiro de sua casa. A jovem parecia estar maisinteressada em estudar o rosto magro e expressivo do homem do que em ouvir o que ele lhedizia.

    Jess, disse a mulher ao lado de Maggie, e o homem olhou para ela. Sim...

    Esta jovem quer falar consigo. Diga-me outra vez o seu nome. Margaret.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    8/168

    - 8 de 168 -

    O homem fitou-a com uma expresso absorta. Depois, ao reparar no rosto tenso mas atraente eno corpo da mulher diante de si, um sorriso se formou nos seus lbios e se estendeu aos seusolhos. Prazer e desafio animaram a sua expresso quando ele se inclinou para frente e estendeua mo desconhecida.

    Ol, cumprimentou. um prazer conhec-la. Perplexa, Maggie apertou a mo que lheestendia. O senhor Jess. Ele assentiu, segurando a mo dela durante mais tempo do que aqueleque devia. No estava minha espera? Perguntou. Vim por causa do trabalho.

    Com relutncia, Jess lhe largou a mo. O seu sorriso se transformou numa carranca. Maggieolhou confusa para o homem e para a jovem com que ele estivera falando. A jovem observou-acom curiosidade.

    Que trabalho? Perguntou Assistente do diretor. Mister Emmett no lhe disse? Esse o meu trabalho! Exclamou Grace. O que ela est fazendo aqui? Jess pousou umamo no brao de Grace. Sossegue, disse ele. Recomece. Maggie tentou manter a voz calma e decidida. Mister Emmett me contratou para trabalhar no jornal. Para comear j. Mister Emmett no est aqui. Est fora, em servio, explicou Jess. Eu sei, retorquiu Maggie impaciente. Ele me disse para vir e ir comeando. Aqui est acarta.

    Jess estendeu a mo e pegou no envelope. Tirou a folha e desdobrou-a. Grace se ps ao ladodele e olhou irritada para a carta, que ele no se esforou por esconder enquanto lia. A jovemcontinuou a observar Maggie. Jess acabou de ler e passou a mo pelo cabelo espesso.

    E esta agora? O velhote nunca me falou de si, nunca tocou no assunto. Maggie sentiuraiva. Bem, como pode ver estava minha espera. Jess concordou, observando a expressoabalada de Grace com ar preocupado. Evy, acabou por dizer, V buscar um copo de gua para Miss Fraser. Concentrada emobservar Maggie, a jovem no reparou que falavam com ela.

    Oh! Exclamou, como se tivesse acabado de acordar. Claro! Foi at ao lavatrio docanto e encheu um copo de papel. Sem se aproximar muito, estendeu-o a Maggie.

    Maggie bebeu um gole e tentou se acalmar. Enfrentou o olhar bondoso e preocupado do editor.

    Parece-me que seria boa ideia o senhor ligar para ele para confirmar. Jess suspirou. Infelizmente no posso fazer isso. Ele saiu daqui s pressas dizendo que ia para fora dailha em servio. Nem sabemos quando volta. Podamos tentar o escritrio dele em Boston,acho... Bem, ela no pode entrar aqui e me roubar o trabalho, protestou Grace.

    Olhe, no sei o que est acontecendo aqui, disse carrancuda, Mas vim de muito longepor causa deste trabalho.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    9/168

    - 9 de 168 -

    De onde mesmo que disse que vinha? Perguntou. Maggie ficou imediatamente desobreaviso. Da Pensilvnia, mentiu. Oh, trabalhou no velho jornal do Emmett em burg? Inquiriu Jess. Harrisburg? No. Os olhos deles pareciam lmpadas brilhantes voltadas para o seu rosto.

    No sei. Jess tornou a suspirar e abanou a cabea. Quem sabe o que Bill tinha nacabea? Ele tem andado um pouco esquecido. Maggie olhou para ele. Os seus pensamentos nose agruparam nas palavras que ela precisava. Talvez voc deva comear, prosseguiu Jess, E depois vemos o que ele quer fazer quando regressar. Ela no pode ficar com o meu trabalho, repetiu Grace categoricamente. No se preocupe, Grace, tranquilizou-a Jess. Ningum vai ficar com o seu trabalho. Hmuita coisa para fazer aqui. Grace olhou para ele, no parecendo muito convencida. Para alm disso, acrescentou Jess com uma gargalhada, Sempre faz falta mais umrosto bonito. Acho que Miss Fraser vai animar bastante este lugar.

    Evy se voltou e olhou para ele. Durante um segundo os seus olhos brilharam furiosos. Depoisbaixou a cabea e olhou para os sapatos. Maggie inspirou devagar. Sentia a cor regressar ao seurosto.

    Muito bem, disse. Obrigada. O que que fao? Jess indicou a porta com a mo. V- e instalar, respondeu. J arranjou moradia? Ainda no, admitiu. Bom, v tratar disso. Depois volte quando estiver instalada. Est bem, disse Maggie atrapalhada, recuando para a porta. Vou fazer isso. No se esquea do casaco sada, observou com sarcasmo. Vai morrer congelada

    nesse vestido.

    * * *

    Havia apenas alguns clientes na sala de jantar apainelada e hmida da Estalagem Four Winds.Maggie se sentou a uma mesa junto janela, longe das outras que estavam espalhadas pela sala.Pediu um bolo e um ch empregada, uma jovem de cabelo entranado, que tomou nota dopedido e se afastou. De onde estava sentada Maggie conseguia ver as poucas luzes das lojas queestavam abertas em Mam Street. Recordou a cena na sede do jornal. As coisas tinham logocorrido mal. A mulher mais velha, Grace, j contestava a sua chegada. Provavelmente iria lhe

    fazer a vida negra. Se ao menos Mr. Emmett lhes tivesse dito que ela estava para chegar. Pedira-lhe que guardasse segredo sobre o seu passado, mas no esperara que ele a deixasse naquelasituao. Tambm reparara que a jovem no gostara da forma como o editor a cumprimentara.Deve ter um fraquinho por ele, pensou Maggie. Deteve -se imediatamente. Aquilo era a ltimacoisa que queria. Apesar de todos os seus planos, as coisas no tinham corrido bem. Quiseraaparecer discretamente, como um mergulhador num lago, com a superfcie da gua a envolv-latranquila, sem deixar rasto do local onde entrara. Em vez disso, atrara as a atenes sobre si.

    Maggie olhou para o porto. Algumas luzes brilhavam volta dele no crepsculo, mas no se vianingum. Perguntou-se onde estariam os rapazes que tinham maltratado a tartaruga naquela

    tarde. Em casa comendo biscoitos, sem dvida, os seus rostos queimados do sol com umaexpresso angelical iluminada pelo brilho do televisor, sintonizado nos desenhos animados.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    10/168

    - 10 de 168 -

    Maggie estremeceu ao pensar neles. A garonete regressou e pousou as coisas frente deMaggie. Esta olhou para o prato sem apetite. Devia ir embora agora, pensou. Fugir antes queas coisas se compliquem. Mas sabia bem que no tinha para onde ir. Aquela era a sua nicaopo. Tinha de enfrentar o fato de que iria se sentir sempre pouco vontade junto das pessoasnormais. Teria de aprender a se adaptar. Ir| sempre haver problemas aonde quer que voc

    v|..

    Precisa tentar, disse em voz alta, olhando depois em volta, atrapalhada.

    Aquele no era o tipo de lugar onde podia falar sozinha em voz alta sem que ningum reparasse.No era a priso. Maggie fechou os olhos e tapou o rosto com as mos. Massajou as tmporascom os dedos. Tinham-na todos observado com ar suspeito. Como se pudessem pressentir quehavia qualquer coisa de errado nela.

    Com licena. Maggie se endireitou de repente.

    Evy, a jovem plida do escritrio, se encontrava de p junto mesa com um mao de livros epapis na mo.

    No queria assust-la. No assustou, mentiu Maggie. Calculei que estivesse aqui. Este o nico hotel aberto, agora que o vero acabou. Quer sentar? Perguntou Maggie. No posso, respondeu Evy. Maggie no fazia ideia do que a jovem queria de si, mas a suaexpresso deixou-a pouco vontade. Desejou que ela fosse embora.

    Jess me mandou aqui, explicou Evy, como que em resposta s perguntas silenciosas deMaggie. Esta pegou na faca e comeou a pr manteiga no bolo. Ah sim? Achou que voc podia querer ver isto. Alguns nmeros atrasados, livros sobre a ilha ecoisas do gnero. Obrigada. Foi muito simptica, disse Maggie, pegando no material e colocando-o nacadeira ao seu lado. Vou gostar de l-los. Encolheu-se interiormente com o tom oco das suaspalavras. De nada. Maggie observou Evy para ver se a sua expresso era sarcstica, mas Evyentregara o recado com grande desprendimento.

    Espero que a minha vinda para o jornal no seja um problema, disse Maggie, uma vez quea jovem no dizia mais nada. No, respondeu Evy, surpresa. Porque haveria de ser? Maggie forou um sorriso. Tenho a sensao de que Grace no ficou muito satisfeita ao me ver. Um ligeiro sorrisobailou nos lbios de Evy, e nos seus olhos. Oh! A Grace. s vezes ela uma chata. Maggie se sentiu absurdamente grata pelocomentrio da jovem. Porque no bebe um ch? Perguntou. Evy hesitou, como se considerasse o convite.Depois abanou a cabea. No, tenho de regressar. Mas continuou sem se mexer. Maggie olhou confusa para o

    rosto plido e oval. O que foi? Perguntou Evy.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    11/168

    - 11 de 168 -

    Nada, respondeu Maggie, desviando o olhar. Obrigada pelos livros. Foi muitosimptica t-los trazido. A jovem fitou Maggie com o seu olhar curioso e avaliador e depois,inesperadamente, sorriu. Calculei que gostaria.

    Maggie ficou admirada com o sorriso. Mas to depressa como surgira, desaparecera.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    12/168

    - 12 de 168 -

    CAPTULO 2

    Maggie ouviu umas campainhas ao abrir a porta da agncia imobiliria e entrar. O escritrioestreito e abafado estava repleto de cadeiras grandes, um sof e vrias mesas. Numa delas seencontrava uma jarra com gernios e tulipas de plstico cheias de p. Ao fundo da sala estava

    uma enorme mesa coberta de papis. Atrs da mesa um velhote com um bon de capito domar comia um sanduche e estudava um mapa. Levantou a cabea ao ouvir a campainha eobservou Maggie por cima das lentes bifocais, limpando mostarda amarela do bigode brancocom as costas da mo.

    Maggie olhou para os letreiros na beira da mesa. Um dizia Planeje com Antecedncia, com asletras escorrendo pela margem. O outro Henry Blair.

    Mister Blair? Perguntou ela. s suas ordens, respondeu o velhote com elegncia, pousando o sanduche meio comido

    num monte de papis. Vim interromper o seu almoo, se desculpou. No h problema. Em que posso ajud-la? Sente-se, Miss?... Fraser, respondeu Maggie, se sentando. Ando procura de algo para alugar. Umapartamento. Ou uma pequena casa aqui na vila. Por quanto tempo? Perguntou o velhote com voz grave. Maggie encolheu os ombros. Indefinidamente. Mudou-se para a ilha? Perguntou Henry Blair. Tenho trabalho no jornal, admitiu Maggie. Muito bem, muito bem, disse o agente imobilirio, remexendo nos papis e tombando o

    sanduche. Onde est instalada? Passei a noite na Estalagem Four Winds. Ento precisa de uma casa imediatamente. O mais depressa possvel, respondeu Maggie. No se pode ficar em hotis. So muito caros. A jovem precisa de uma casa. Maggieesboou um ligeiro sorriso, concordando. O velhote se levantou e se dirigiu a um arquivo verde aum canto. Conhece a ilha? Maggie abanou a cabea. Hummmm, fez ele, tirando um dossido arquivo e voltando a sentar. Tamborilou com os dedos na mesa enquanto olhava para ospapis. No tenho muita coisa aqui na vila. Nada muito confortvel, sabe. Nada?! Exclamou ela preocupada. O velhote deu um estalido com a lngua.

    Pouca coisa. H um pequeno apartamento por cima do bar, mas no muito prprio parauma jovem. Maggie olhou com ar triste para a vitrine, para a chuva que caa l fora, puxada avento. Talvez no seja mau, disse. Ficaria muito melhor fora da vila, aconselhou o velhote. H muitas casas vazias. Hpessoas aqui que tm duas ou trs casas no campo. S passam um ou dois fins-de-semana novero. Pode alugar uma delas. S precisar sair de frias quando eles voltarem para casa. Cai perfeio. H vrias pessoas aqui que fazem isso. Maggie suspirou. Parece boa ideia, mas calculo que precisarei de um carro se for morar no campo. E notenho carro.

    No tem carro. Isso um problema, murmurou o velhote. No tem carteira?

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    13/168

    - 13 de 168 -

    Oh, tenho, respondeu Maggie, perguntando a si mesma quanto tempo ela levaria parachegar. Tambm se perguntou se ainda saberia dirigir. S no tenho carro. Espere um momento, disse o velhote, cofiando o bigode. Talvez tenha uma coisa parasi. Levantou-se e tornou a ir ao arquivo, guardando o dossi e tirando outro de l. S mais umminuto. Ah! Sorriu alegremente, revelando a falta de dois dentes em baixo.

    O que foi? Maggie mexeu as mos no regao. A casa dos Thornhill, exultou Blair. Fica perto. Em Liberty Road. A seguir ao cemitrio.Boa casa. Muito boa. No muito grande, mas bastante confortvel. Tem muito terreno volta,por isso ningum a incomodar. E. Fez uma pausa para criar suspense, H um velho Buick nagaragem que alugado junto com a casa. Parece bom, respondeu Maggie com dvidas. Quer v-la? Perguntou Blair. Podemos ir l. J estava retirando o casaco do cabide.Maggie se levantou. E os donos? Vm para aqui no vero? Os Thornhill? Talvez uma ou duas semanas. Esto num cruzeiro neste momento.

    Precisaremos ver quando voltam, se a jovem gostar da casa. Gostaria de v-la, sugeriu Maggie. O velhote j abrira a porta da rua e se encontrava noalpendre. A chuva est diminudo, observou. J no cai com tanta fora. Maggie se juntou a eleno alpendre. O meu carro est ali, disse o homem, apontando para um carro velhoestacionado na berma. No vai querer o apartamento, disse ele, indicando com o queixo obar ao topo da rua. Esta casa muito melhor. Rezando para que ele tivesse razo, Maggieseguiu o agente imobilirio at ao carro.

    * * *

    A casa dos Thornhill ficava bastante afastada da estrada. As suas ripas gastas mal se viamatravs dos abetos quando Henry Blair virou para o caminho de acesso garagem. Os vizinhosmais prximos nem se viam da casa, notou Maggie com satisfao. Ficava afastada de toda agente. Tal como ela queria.

    Aqui est, anunciou Blair, parando o carro em frente garagem. Maggie olhou para acasa. O exterior parecia velho, mas ainda no perdera o encanto, com as paredes marrons e osarremates pretos. Esqueletos de roseiras rodeavam a porta principal. Blair saiu do carro eindicou a Maggie que o seguisse. melhor ir ver se o carro ainda funciona antes de

    entrarmos. No vale a pena ver a casa se o carro no andar, no verdade? Esboou um sorrisoagradvel para Maggie, que concordou. O agente imobilirio comeou a rodar a maanetametlica que abria a garagem. V dando uma olhadela enquanto eu trato disto, sugeriu.

    Maggie fez o que lhe indicavam, passando pelos degraus do alpendre dos fundos, olhando paraa porta de rede e para as janelas escuras. O silncio da casa parecia reconfortante, como seestivesse pronta a proteger a solido de Maggie. Esta continuou a contornar a casa. Era umapropriedade acidentada. Mesmo atrs da casa ficava um campo com erva alta, a se tornarprateada, e um pinhal orlava o permetro esquerdo do terreno. A luz fraca e cinzenta do dia noera suficientemente forte para penetrar no pinhal e iluminar os seus cantos escuros. O ligeiro

    restolhar dos pinheiros e da erva ondulante suavizava a paisagem agreste.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    14/168

    - 14 de 168 -

    Maggie observou o campo e a elevao atrs dele, coberta com arbustos de doce-amarga. O seuolhar pousou nos ramos nus de um macio de macieiras, visveis atrs da elevao. Agarradasaos ramos finos e cinzentos ainda estavam algumas mas encarquilhadas. Maggie se dirigiu srvores, avanando por entre a erva e subindo a elevao. Viu que esta descia quase na verticaldo outro lado, at margem de um riacho. Deteve-se numa rocha lisa e inspecionou a rea. A

    gua gelada corria no leito rochoso. Do outro lado do riacho Maggie viu um sapo na superfcieescorregadia de uma pedra observando-a com os seus olhos negros preguiosos. Susteve arespirao para no o assustar. Foi invadida por uma sensao de paz e de solido. Sentia-sebem ali. O terreno era um luxo que no sonhara ter. O roncar sbito de um motor quebrou omomento. O sapo saltou da rocha e desapareceu no riacho. Maggie se virou e voltou para agaragem, abrindo caminho entre a erva.

    Consegui coloc-lo para funcionar, anunciou Blair radiante quando Maggie entrou nagaragem. timo.

    Vamos ento ver a casa, disse ele, saindo do carro e desligando o motor. No era umacasa grande pelos padres da ilha, mas estava limpa e bem tratada. A rea de habitao ficavatoda no rs-do-cho, com um poro e um sto por cima. Blair conduziu Maggie pelos quartos,comentando as antiguidades entre os vrios mveis, que no combinavam, mas pareciam serconfortveis. Tem aqui tudo o que precisa, informou, abrindo a porta de um roupeiro do ladode fora do quarto. O banheiro um pouco antiquado, mas tudo funciona. Maggie olhou lpara dentro e viu a banheira funda de ps, e o sanitrio de corrente. A lareira funciona,observou Blair ao atravessar a sala. E a cozinha tem todos os utenslios necessrios. perfeita, interrompeu Maggie. Gostaria de alug-la. Tem certeza de que no fica muito isolada aqui? Perguntou o velhote. Maggie esticou os

    lbios e desviou o olhar. No. Serve perfeitamente. Bem, tenho a certeza de que uma jovem bonita como a moa h de fazer amigosdepressa. Bem, agora preciso de algumas referncias e depois estamos tratados. Maggie olhoupara ele. Referncias? Onde morou antes, essas coisas. Maggie sentiu as gotas de suor lhe brotarem no courocabeludo. Olhou em volta, tentando pensar numa resposta. Daria o contato dos meus pais, s que eles j morreram. Um patro ou algum do gnero, respondeu Blair pacientemente. N~o h| ningum,

    pensou Maggie, fechando os olhos. Algum problema? Perguntou o velhote. No, respondeu ela. No. E que tal Mister Emmett? Ele pode dar referncias. O Bill Emmett? Oh, claro, est timo. Maggie suspirou de alvio. Ele est fora, em servio, mas talvez quando voltar? Chega perfeitamente, concordou Blair. Agora voltemos vila para a jovem assinar ospapis. Depois mandamos ligar a luz e pode se mudar ainda hoje se desejar. Maggie assentiugrata. Obrigada, disse. O senhor tornou isto to fcil. Tive muito gosto, disse ele, fazendo continncia. Dirigiu-se para a porta dos fundos.Maggie lanou um olhar esperanoso para os aposentos escuros da sua nova casa antes de

    segui-lo.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    15/168

    - 15 de 168 -

    * * *

    Nessa noite, Maggie olhou para o contedo da mala de couro velha que se encontrava abertasobre a colcha de l~. Que cole~o, pensou, abanando a cabea. Preciso mesmo de algumasroupas.. Uma a uma tirou as blusas desbotadas e as camisolas pudas do fundo da mala. Levou -

    as para a cmoda e colocou-as na gaveta aberta forrada com papel branco. Passou um dedopelo colarinho de uma blusa de algodo com flores azuis que havia sido uma das suas preferidasna escola. Encontrara-a nas caixas dos seus pertences salvas por uma vizinha, Mrs. Bellotti,quando a casa fora vendida para pagar as dvidas, trs anos aps a morte da me. A princpio,Maggie no queria ficar com a roupa que ali encontrara. Eram demasiado juvenis para ela, hmuito fora de moda, e a maior parte fazia-a recordar coisas tristes. Mas o senso comum acabarapor prevalecer. Ela tinha pouco dinheiro e estava comeando num emprego. Precisava vestiralguma coisa.

    Maggie fechou a gaveta devagar e abriu a outra acima. Depois regressou cama e outra mala,

    menor, que continha a roupa interior, alguns lenos e algumas luvas. Em menos de vinteminutos desfizera as duas malas e organizara o quarto sua maneira. Fechou as malas vazias ecolocou-as na prateleira de cima do roupeiro. Depois se sentou na beira da cama de casalencovada. J| estou instalada, pensou. O abajur ao lado da cmoda espalhava uma luz suavepelo quarto e Maggie olhou em volta. Tinha uma cama verdadeira para dormir. Uma cozinha spara si. Uma sala com lareira. Um emprego para onde ir pela manh. Ao contar esses bens sesentiu invadida por uma onda de felicidade. O corretor imobilirio fora simptico naquelamanh, e o aluguel da casa correra bem. Tudo correra, com exceo das suas referncias.Maggie fez uma careta, se lembrando de como isso a abalara. Coisas que eram naturais para asoutras pessoas lhe pareciam obst|culos inultrapass|veis. Chega, pensou. Tudo se resolveu e

    est| instalada. Agora tem um lar..

    Abruptamente, Maggie se levantou e foi at { cozinha, deixando o abajur aceso. Que se lixe aconta da eletricidade, pensou. Queria ter luz { sua volta. Luz e conforto. Passara tanto tempono escuro. Abriu a geladeira e tirou uma garrafa de suco. Colocou um pouco num copo e bebeu,se maravilhando com o luxo de ter a sua prpria geladeira e de poder ench-la com o quequisesse. Encostou-se ao lava-loua e pensou no dia seguinte, o seu primeiro dia de trabalho.Vai correr tudo bem, disse a si prpria. Vai se sair bem. N~o entre em p}nico. Mantm acabea fria. Olhou para o relgio da cozinha. Estava ficando tarde. Sentiu o pescoo tensodevido {s emoes do dia. Um banho, disse em voz alta, e depois cama. Com um aceno de

    cabea, pousou o copo no lava-loua e regressou ao quarto para ir buscar o roupo. Depois foipara o banheiro e abriu a gua da banheira.

    A princpio, o disco metlico perfurado do velho chuveiro libertou apenas um fio de gua, masaos poucos a presso aumentou. Maggie se iou para a banheira alta, desviando a cortina queestalou devido idade. Voltou a fech-la e virou o rosto para o chuveiro. Torrentes de gua lheensoparam o cabelo e deslizaram pelo seu corpo. Sentiu todos os seus msculos sedescontrarem sob a presso constante. Ficou assim durante uns momentos, saboreando o calorda gua e a privacidade. Depois tateou procura do sabonete na saboneteira em forma deconcha no parapeito da janela e comeou languidamente a se ensaboar. De repente, ficou sem

    flego e largou o sabonete, como se este a tivesse queimado. Olhou para as mos cheias deespuma, depois para o sabonete, que escorregara pela banheira e se encontrava agora a

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    16/168

    - 16 de 168 -

    centmetros dos seus ps. Esquecera-se de verificar. Pela primeira vez em muitos anos no selembrara de examinar o sabonete.

    Maggie olhou para o seu corpo. luz forte do banheiro, a rede de cicatrizes finas como cabelos,se intersectando diagonalmente de ambos os lados, era claramente visvel. A sua mente

    regressou impotente quela noite horrvel. Sentiu os joelhos fraquejarem ao se lembrar disso.Retirara o sabonete do seu singelo estojo de higiene e se enfiara sob os chuveiros mornos dapriso na cabina comum que cheirava a mofo e a desinfetante. Estava atrasada, pois trabalharaum turno a mais como castigo pelos socos que dera a uma das suas atormentadoras. A guardaesperava impaciente que ela terminasse. Maggie fechou os olhos e deixou que a gua lheescorresse pelo corpo dorido. Devagar, comeou a ensaboar o tronco e os sovacos.

    Rpido vamos! Latiu a guarda.

    A gua parecia pic-la. Por um momento, pensou que devia ser uma espcie de alergia. Depois

    olhou para baixo. O sangue escorria pelo corpo. Fios escarlates deslizavam por onde deslizara agua. Nos lugares onde a gua incidia havia golpes alaranjados e ensanguentados. Demasiadohorrorizada para conseguir gritar, ficou perplexa ao ver o seu corpo mutilado. O seu olharpousou no sabonete que segurava na mo trmula. Ao se mover, viu algo brilhar. Tornou aolhar. A ponta da lmina brilhava agora, a lmina ameaadora fitando-a do seu esconderijo nosabonete.

    Apesar do calor do chuveiro, Maggie estremeceu devido recordao. Dobrou-se, e commovimentos trmulos limpou a espuma do sabonete. A gua lhe bateu nas costas quando ela sedobrou. Devagar, comeou de novo a ensaboar-se. J| n~o precisa voltar a verific|-lo, recordou

    a si prpria. Est| em segurana.. Rodou pensativa o sabonete nas m~os. J| n~o preciso termedo de nada..

    L fora, a tempestade se afastara empurrada pelo vento que continuava a soprar, abanando asvidraas das janelas ressequidas da casa dos Thornhill. Fiapos de nuvens, como trapos cinzentos,passavam frente da Lua. Algumas estrelas espalhadas furavam o cu. O ar estava infectado porum frio hmido de outono. A luz do abajur dentro da casa dos Thornhill brilhava pelas janelas,que lanavam quadrados de luz fraca e amarelada na relva castanha sob os parapeitos. Dentroda casa era visvel a figura solitria de uma mulher sentada na cama, depois se movendo at cozinha para ir beber qualquer coisa, e finalmente at o banheiro, onde despiu o roupo e se

    preparou para o banho. Atrs da cobertura densa de um abeto, logo a seguir relva iluminada,um par de olhos observava o progresso de Maggie pela casa. Esses olhos no vacilaram. Podiase pensar que eram capazes de ver atravs das paredes, pegando fogo atravs nas tbuas com asua intensidade.

    As mos do observador se fecharam em torno de um ramo baixo da rvore, apertando-o comtanta fora que os ns dos dedos pareceram brilhar na escurido, como osso. A respirao dovulto rgido era superficial, com arquejos rpidos e febris, quase como a de um lobo, enquantoos olhos, protegidos e sem pestanejarem, seguiram a presa. O outro nico som, praticamenteinaudvel devido ao vento, era o ranger continuado dos dentes do observador.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    17/168

    - 17 de 168 -

    CAPTULO 3

    Maggie hesitou, parada no corredor escuro e cheio de correntes de ar, porta da sala do editor.A porta estava entreaberta e ela ouvia o murmrio de vozes vindas da sala iluminada. Sentia-secomo um intruso janela, estremecendo, os papis abanando na mo. Ao fim de dois dias ainda

    se sentia pouco vontade sempre que entrava numa sala, como se os seus membros pudessemse vergar subitamente, traindo o desconforto que ela tentava ocultar. No cometera um grandenmero de erros para quem estava h pouco tempo num emprego. Calculara mal ocomprimento de um cabealho, arquivara os discursos do presidente da cmara no lugar erradoe ligara para a grfica mais vezes do que era necessrio. Maggie pensou que o seu trabalho nojornal da priso lhe fora til. At Grace, que deixara bem claro que estaria atenta aos deslizes,fora forada a engolir as suas queixas. Mas isso no tranquilizou Maggie. Na priso aprenderaque os erros, mesmo os menores, mereciam castigo. Era um cdigo simples, realmente. Econseguia transtorn-la, mesmo agora que estava do lado de fora dos portes trancados.Maggie apurou os ouvidos para detectar uma pausa na conversa. Tinha relutncia em

    interromper. Mas a altura mais propcia no chegava. Com medo, bateu porta.

    Entre, disse Jess. Quando entrou, Jess e Evy olharam para cima. Jess se debruou sobre amesa, uniu as mos e sorriu. Evy se sentou na cadeira encostada mesa. Fechou a boca ecomeou a morder o lado de dentro das bochechas com ar ausente. Desculpem interromper, disse Maggie. Acabei a coluna sobre pesca e achei que deviaquerer v-la. Entregou o manuscrito a Jess. Quer se sentar? Perguntou Evy, se erguendo um pouco da cadeira. Maggie abanou acabea e fez sinal a Evy para que ficasse onde estava. Jess deu uma olhadela nos papis. Tudo o que voc sempre quis saber sobre amijoas, disse ele com secura.

    E mais, admitiu Maggie. Ele soltou uma gargalhada e abanou a cabea. Comeou a ler aspginas datilografadas, assentindo e escrevendo de vez em quando algumas coisas. Maggietentou pensar em algo para dizer a Evy no silncio. Antes de conseguir falar, Evy olhou para ela. Sabe que horas so? Perguntou a jovem. Maggie mostrou os pulsos nus. No tenho relgio. Um quarto para o meio-dia, disse Jess, levantando o olhar. Bom trabalho, Maggie.Conseguiu fazer com que a prosa nutica do Billy Silva se assemelhe a ingls. Maggie corou deprazer com o elogio. Ele tem um estilo bastante fora do comum, disse ela, sorrindo para os ps. As Crnicas de BilI, a Craca, acrescentou Jess.

    Jess, interveio Evy. Preciso saber quantas colunas que h para cartas esta semana.Ele olhou-a, vagamente surpreso. Oh, acho que as do costume, trs por cima da dobra. Pegou nas folhas de Maggie com ardistrado. Aqui tem, Maggie. Esta pegou nas folhas que o editor colocara ponta da mesa. Desbito, Jess se inclinou e lhe pegou na mo. Que anel to bonito, comentou, olhando para apedra violeta no dedo dela. Maggie fitou-o, admirada com aquele toque. Obrigada. Onde que o arranjou? Perguntou ele sem lhe largar a mo. Jess, interrompeu Evy, Quer me falar destas alteraes? Jess franziu o sobrolho. Mais tarde, est bem? Evy assentiu de forma quase imperceptvel e se levantou.

    Avise-me quando estiver disponvel, disse, com ar tenso.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    18/168

    - 18 de 168 -

    Depois de almoo, prometeu ele. Maggie, sente um pouco. Maggie notou que Evyficara ofendida. Hesitou, sem querer ocupar o lugar que a jovem acabara de deixar vago. No se importar, disse Jess a Evy. Era uma afirmao. Evy abanou a cabea, mas Maggienotou a tenso no erguer pouco natural do seu queixo. A jovem saiu da sala sem tornar a olharpara eles. Maggie se sentou. Posso v-lo? Perguntou Jess educadamente. Maggie olhou para

    ele confusa. O qu? O anel. Parece ser antigo. Ah! Maggie tirou o anel do dedo e entregou-o. Por um momento se sentiu desapontadacom o genuno interesse dele pelo anel. Notou de repente que julgara que fora um pretextopara det-la. Jess examinou o anel com curiosidade, segurando-o contra a luz da janela esemicerrando os olhos. Ametista, declarou. Sim. Era da minha av, explicou Maggie. O meu pai me deu. Pouco depois morreu...Maggie se calou.

    Ai, sim? Murmurou ele. A minha me faz coleo de joias antigas. O entusiasmo dela contagiante. O meu pai no capaz de passar por uma vitrine sem entrar na loja. Por acaso, merecordo de um pendente de ametista que ele andou namorando para ela durante muito tempo...Maggie tentou se concentrar nas palavras dele, mas no foi capaz. Ao ver o anel girar nos dedosdele, a ansiedade comeou a lhe inchar no peito e a lhe apertar a garganta, como uma memriah muito sepultada retornando. No tirou os olhos do anel, mas a sua mente recuou no tempo. O que tem a? A pergunta abrupta da me sobressaltou-a. Estava sentada no cho da sala,brincando com o seu tesouro. Escondeu-o dentro da mo. Nada, murmurou. No minta. Eu vi qualquer coisa, insistiu a me, lhe agarrando no brao e espreitando

    para dentro dos dedinhos fechados. No, meu! Exclamou ela, tentando libertar a mo. Batendo-lhe nos ns dos dedos, ame obrigou-a a abrir a mo, e o anel caiu aos ps da me. Devagar, a mulher se dobrou e pegouno anel. Olhou muito plida para a jovem. Onde arranjou isto? Perguntou com voz trmula. Encontrei-o, insistiu a jovem muito chorosa, evitando os olhos da me. No pode t-lo encontrado. Estava na cmoda do seu pai.

    A criana se enroscou, cruzando os braos sobre o peito, num gesto protetor.

    Apanhou-o! Exclamou a me, como se tentasse se convencer. Tirou-o depois delemorrer, admite. Sacudiu a criana, desesperada. No! Gritou Maggie em tom de desafio. Ele me deu.

    De sbito ouviu o som familiar e ameaador de tecido pesado a ser arrastado pelo carpete. Ovulto escuro da me parou mesmo junto dela, tapando o raio de sol que iluminava o carpete nolocal onde ela estava sentada. A criana se encolheu e no olhou para cima.

    Sabemos onde o conseguiu. uma criana pecadora, m, disse a Irm Dolorita, cuspindoas palavras. pior que o ladro. A criana comeou a tremer, mas se recusou a olhar para os

    olhos acusadores da freira.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    19/168

    - 19 de 168 -

    No, sussurrou, abanando a cabea. Depois viu algo brilhar pelo canto do olho. E outravez. Era a cruz de prata oscilando na corrente presa ao pulso da freira. Maggie. A mulher se sobressaltou, depois olhou para Jess que lhe estendia o anel comuma expresso perplexa. Algum problema? Perguntou ele. No, estava s... No foi nada. Pegou no anel e tornou a enfi-lo no dedo.

    muito bonito, ele comentou. Obrigada. Durante um minuto, o olhar de Jess no se desviou do seu. Bem, que tal est achando isto? Perguntou ele abruptamente. O trabalho? Perguntou Maggie. Ora, o trabalho, a ilha. J arranjou casa? Oh, sim. Aluguei a casa dos Thornhill em Liberty Road. O aluguel at inclui a utilizao dovelho Buick deles. confortvel? Bastante, concordou Maggie. Todo aquele espao. E a propriedade muito bonita.To afastada de tudo.

    isso que eu gosto nesta ilha. D-nos espao para respirar. Privacidade. Voc vivia numapartamento antes de vir para c? Maggie evitou o olhar dele. Sim. Quer dizer, no estou habituada a... Estou habituada a espaos menores. Mas crescinuma fazenda, acrescentou. Na Pensilvnia? Sim, respondeu Maggie. Jess parecia querer lhe fazer outra pergunta. Rapidamente, elamudou de assunto. Estou gostando do trabalho. Jess assentiu. Parece ter se adaptado bem. Estou fazendo o meu melhor. Algum problema com a Grace?

    Com a Grace? No. O tom falso pairou no ar. Jess tranquilizou-a. Vai dar tudo certo. Havemos de esclarecer as coisas quando Emmett voltar. Certo, retorquiu Maggie com ligeireza. Acho que melhor regressar ao trabalho.Levantou-se. Maggie, disse Jess, olhando para o relgio. Eu ia parar para o almoo. Quer me fazercompanhia? Corada, Maggie mordeu o lbio. Oh, obrigada. No, no posso... Jess fitou-a com ar expectante. Bem, tenho de ir scompras, sabe? Tudo bem. Compreendo. Talvez na prxima. Sim, talvez, concordou ela, se levantando e recuando at porta. Desculpe. Fechou a

    porta atrs de si. Olhe para frente, se queixou Grace. Na penumbra do corredor Maggie no vira Grace seaproximar. Desculpe, Grace. A mulher mais velha adotou uma expresso sofredora. Enquanto est entretida na conversa, o trabalho se acumula na sua mesa.

    Sem uma palavra, Maggie seguiu Grace at a sala de ambas. Foi at cadeira junto janela,pegou na bolsa e se dirigiu para a porta. Ao passar junto mesa de Grace, sentiu a mulher maisvelha observando-a. Ignorando a ansiedade, falou calmamente.

    Fao depois do almoo. Saiu sem olhar para trs.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    20/168

    - 20 de 168 -

    Sua idiota, se repreendeu ao chegar { rua e comear a andar. Recusou o convite dele comouma colegial tmida. Ele o seu chefe. S estava querendo ser simp|tico.. Mas a combina~ode exultao e apreenso que lhe deixava o estmago s voltas desmentia o sermo queMaggie dera a si prpria. Foi andando com cuidado pelo passeio empedrado e comeou a olharpara as vitrines das lojas. Por entre a folhagem escassa das rvores entre as lojas viu as ondas

    cheias de espuma. N~o era s trabalho, pensou. Ele estava sendo simp|tico. Mas o problemafoi esse. N~o podia sequer considerar a hiptese de um namoro que acabasse por se tornarnuma coisa mais sria. A menos que quisesse lhe dizer onde passara os ltimos doze anos. E issoera impossvel. Ao constatar melancolicamente essa verdade perdeu o apetite. Com um suspiro,pensou que um passeio podia lhe fazer melhor do que o almoo.

    Deteve-se junto vitrine escura da loja de presentes e viu roupinhas de criana com as palavrasHeron's Neck individuais com o mapa da ilha e um expositor de postais cheio de p. Olhoupensativa para as caladas desertas e tentou imaginar como ficariam no vero, apinhados deturistas de tnis e chapus de marinheiro, de adolescentes tomando sorvete e escutando

    msica. O que viu sua frente foi uma rua larga, praticamente sem ningum, com alguns carrosestacionados porta das poucas lojas que se encontravam abertas. Um pouco mais acima paroujunto sorveteria e espreitou pela vitrine escura. L dentro, o imponente balco castanho-avermelhado, as mesas com tampo de mrmore e as cadeiras de ferro forjado formavam umacena curiosa, como o cenrio de uma pea vitoriana na penumbra espera da chegada dosatores e do acender das luzes. Esperam em v~o, pensou Maggie.

    No tem ningum a.

    Maggie se endireitou e viu um homem com um casaco de lenhador quadriculado e com um rolo

    de arame farpado na mo.

    Eu estava s vendo, protestou ela.

    O homem olhou-a com ar desconfiado. Maggie reparou que a mo dele sangrava ligeiramenteno lugar onde segurava o arame.

    Fechado para o Inverno, disse ele com ar funesto.

    Maggie assentiu e se afastou. Sentiu o olhar dele posto em si, ao se afastar. Na esquina seguinte

    viu uma placa indicando a loja Croddick . Estava quase passando pela loja, julgando que tambmestava fechada, quando viu uma mulher sair de l com um grande saco que tinha a palavraCroddick impressa com letras floreadas. Curiosa, Maggie abriu a porta e entrou. A loja tinhauma iluminao suave e cheirava a loureiro. Algumas mulheres olhavam para as roupas, e a umcanto um homem arranjava um expositor com cintos e lenos. Virou-se e sorriu a Maggie.

    Ol, cumprimentou. Maggie retribuiu o cumprimento. Eu sou Tom Croddick, disse ele,se aproximando. Acho que ainda no nos conhecemos. Maggie sentiu um certoaborrecimento perante aquela invaso do seu anonimato. No entanto, respondeu comdelicadeza.

    Chamo-me Maggie Fraser. nova na ilha? Perguntou.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    21/168

    - 21 de 168 -

    Sim, respondeu ela. O lojista olhou-a com ar expectante. Trabalho no jornal,acrescentou Maggie, contrariada. Ai, sim? Ora, bem-vinda, bem-vinda. Esteja vontade. Fiquei admirada por ver que esta loja estava aberta. Oh, sim. Seja vero ou Inverno, as senhoras gostam sempre de ter coisas novas para

    vestir, disse Tom filosoficamente. Esteja vontade. Veja o que quiser. Virou-se e regressou aoexpositor.

    Maggie comeou a ver as roupas, fazendo deslizar os cabides, encostando de vez em quandouma saia ou uma blusa ao corpo para ver como ficava com elas. Reparou, surpresa, que asroupas na loja de Croddick eram modernas e bem confeccionadas. Tambm pareciam caras,embora ela tivesse conscincia de que ainda estava se habituando aos preos das coisas, quepareciam ter triplicado enquanto estivera presa. L dentro se mantivera a par da moda. Nasrevistas que a deixavam ler, vinha de vez em quando artigos sobre moda. E tambm prestavaateno nos anncios e nas coisas que as pessoas usavam na televiso. Mas continuava a se

    sentir acabrunhada com tudo. Ao sair para comprar roupas se sentia como um extraterrestretentando arranjar uma roupa que lhe permitisse passar despercebido na sociedade humana.

    Maggie se afastou do expositor de saias e blusas e foi at uma mesa com bijuteria e coisas parao cabelo. Servindo-se do espelho oval orlado a ouro, experimentou diversos colares, se sentindotonta mas satisfeita com o jogo. Depois tirou tudo e voltou a colocar as coisas onde estavam.Enfiando uma pulseira em cada um dos pulsos estreitos, virou-os para admirar o efeito. Emseguida tirou-as e arrumou-as no lugar. Estava prestes a se afastar do balco quando viu doisganchos de prata iguais com ris em flor gravadas. Pegando neles com um sorriso, afastou para olado o cabelo e prendeu um de cada lado da cabea. Gostou do seu aspecto. O penteado parecia

    lhe realar o rosto, fazendo-a parecer menos cansada, mais despreocupada. Decidiu deix-lospostos mais algum tempo, embora recordasse a si prpria que no podia se dar ao luxo degastar dinheiro em frivolidades.

    No entanto, se sentiu mais animada com os ganchos. Passeou pelo meio dos cabides, lanandoum olhar vago s roupas srias de que precisava e sendo atrada para roupas mais frvolas elingerie rendada. Passou os dedos pelos tecidos macios das camisolas de noite finas e perguntoua si mesma quem que em Heron's Neck seria capaz de usar as camisolas de noitetransparentes que Tom Croddick pusera em exposio sobre as prateleiras de roupa interior.Julgou que j vira tudo o que havia para ver na loja quando descobriu de repente um cabide com

    vestidos de noite ao fundo, junto cabina de provas. Maggie comeou a passar os dedos pelosvestidos compridos ao som das missangas e do frufru do tafet quando de repente um vestidolhe chamou a ateno. Era cinzento-azulado acetinado, com um corpete simples e decotado queparecia ir se colar a todas as curvas do corpo de uma mulher. Maggie agarrou no cabide epuxou-o. Olhou para o preo e assobiou baixinho. Sentia-se grata por no precisar minimamentedaquele vestido. Pe-o no lugar, pensou. Mas era t~o tentador. Cantarolando baixinho, valsoudiscretamente at porta espelhada da cabina de provas, aliviada por ver que ningum reparavaem si. Tirou o vestido do cabide e encostou-o ao corpo, cobrindo a saia pouco elegante e ablusa. Virando-se para um lado e para o outro, Maggie se admirou furtivamente. A cor dovestido lhe empalidecia a pele e combinava bem com os seus olhos cinzentos. O seu cabelo

    arruivado brilhava devido ao contraste. Ainda bem que no tinha cabelos brancos. Tinha apenastrinta e dois anos, mas j vira mulheres de vinte e cinco ficarem todas brancas ao fim de um ano

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    22/168

    - 22 de 168 -

    na priso. E continuava elegante. Mais elegante at do que quando fora presa. Mas claro queningum esperava aumentar de peso na priso. Reparou que estava um pouco plida e decidiuapanhar mais ar fresco. Queria parecer bonita.

    Durante um momento se imaginou a danar dentro daquele vestido. O seu par era Jess Herlie.

    Viu-o a lhe sorrir, o olhar descendo pelo pescoo, admirando-o. Estremeceu de prazer e sorriupara a sua imagem no espelho. De sbito, ficou muito rgida. O espelho refletia outro rosto quea observava, de olhos semicerrados. Maggie corou violentamente, apanhada no seu devaneio.Podia ver, sem se virar, que quem a observava estava do lado de fora da loja, olhando para elaatravs da vitrine. A luz do meio-dia tornara o vulto escuro e amorfo, mas no havia dvidas deque o olhar estava posto em si enquanto ela se pavoneava em frente ao espelho. Sentindo-seridcula e irritada consigo prpria, Maggie pegou no cabide e voltou a prender nele o vestidocom m~os trmulas. Devia estar fazendo uma linda figura, pensou, esticando os l|bios, o seurosto reluzente devido fantasia romntica. No devia ter pensado aquilo sobre Jess. Nunca.Fora precisamente o que prometera a si prpria no fazer. O tipo de fantasias que queria evitar.

    E agora fora apanhada em flagrante. Era bem feito. Agarrando o vestido com as duas mos,Maggie foi at ao bengaleiro e tornou a pendurar o vestido. Depois, de cabea baixa, para evitaros olhares dos outros clientes que tivessem reparado nas suas poses, se dirigiu para a porta. Aopousar a mo na maaneta de cobre, uma mo agarrou-a pelo brao.

    Onde que julga que vai? Maggie se virou para trs e viu o lojista grisalho fitando-a portrs dos seus culos. Olhou para ele durante um momento, perplexa. Ele fixava o seu cabelocom uma expresso carrancuda. Tenciona pag-los? Perguntou o homem com dureza. Nosolhos de Maggie surgiu o reconhecimento. Levantou a mo livre e apalpou o gancho. Oh, os ganchos. Esboou uma careta de atrapalhao. Peo desculpas. No tencionara

    comprar os ganchos. Eram muito caros para o seu magro oramento. Mas parecia ftil tentarexplicar isso ao irritado lojista. Esqueci que os tinha colocado. Claro que tenciono pag-los,disse Maggie com nervosismo.

    O lojista foi para trs do balco, para a caixa registadora e Maggie levantou a mo para a bolsa.Evitou olhar para a expresso ofendida dele. Resignada ao fato de que teria de pagar pela suaimpulsividade, abriu a bolsa e mexeu dentro dela. Pelo menos poderia usar os ganchos. Nessemomento, isso no a confortou.

    So dezenove e noventa e cinco, disse o homem. Maggie notou que era quase metade do

    dinheiro que tinha. Seria humilhante pedir um adiantamento a Jess. Pensou em dizer ao lojistaque no podia pag-los, mas a expresso dele era proibitiva. Maggie tateou dentro da bolsa procura da carteira. No meio da confuso, reparou que no conseguia enfiar a mo l dentro.Abriu a bolsa e olhou l para dentro. A minha carteira desapareceu, disse. O lojista transferiu o peso do corpo para o outro pe ficou calado. Algum deve t-la levado. No est aqui. O homem fitou-a. Ento sugiro que tire esses ganchos, imediatamente.

    Maggie olhou para o homem e ele retribuiu o olhar sem pestanejar. Um msculo se contraiu noseu rosto, mas ele no desviou o olhar.

    Algum deve t-la levado, repetiu.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    23/168

    - 23 de 168 -

    Ento, muito corada, levantou as mos e libertou os ganchos do cabelo. Pousou-os no balco ese virou para a porta, evitando o olhar de Croddick. Ao estender a mo para a maaneta daporta sentiu o olhar dele nas suas costas, um olhar de descrena, como um lquido frio na suacoluna.

    Ali estava ela. Sorrindo para a sua imagem no espelho. A se imaginar dentro do vestidocomprido que tinha na mo. Provavelmente pensando que era uma espcie de princesaencantada. Os lbios do observador se curvaram numa horrenda pardia de sorriso. Os olhosempedernidos brilharam ao observarem Maggie diante do espelho. Sem notar nada. Erafascinante. Mas no podia ficar ali parado muito tempo, na calada em frente a uma loja deroupas, numa rua soprada pelo vento. Algum podia parar. Dizer qualquer coisa. Era melhor irandando.

    Um ltimo olhar. O vestido que Maggie segurava era cinzento-azulado e decotado. O

    observador imaginou os ombros brancos, o pescoo branco, salpicado de feridas, purpreas evermelhas, onde as veias rebentavam. As unhas irregulares se cravaram nas mos doobservador. As pontas dos dedos formigavam. Maggie levantara a cabea. Os seus olhares seencontraram. Depois Maggie comeou a mexer no vestido.

    Rapidamente, em silncio, o observador se afastou da vitrine e comeou a descer a rua.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    24/168

    - 24 de 168 -

    CAPTULO 4

    J tem tudo? Perguntou Grace passando por Maggie, que estava parada porta doedifcio do News, olhando para a rua.

    Instintivamente Maggie enfiou a mo na bolsa, embora j tivesse procurado a carteira duasvezes antes de se levantar da mesa. No dia anterior, quando regressara da loja de Croddick aindacorada devido ao humilhante incidente, desabafara com a desinteressada Grace que algum lheroubara a carteira, e viu-a olhar para a sua mesa.

    O que aquilo ali? Perguntara Grace.

    Estava na sua mesa. Ouviu Grace fungar e murmurar qualquer coisa entre dentes antes derecomear a escrever mquina. Maggie olhara para a carteira durante bastante tempo antesde pegar nela e de coloc-la na bolsa. No tinham voltado a tocar no assunto durante o resto do

    dia. Maggie olhou para a rua e suspirou. Bastava-lhe suportar s mais aquela tarde e a semanateria chegado ao fim. Ansiava pela casa de Liberty Road, onde fugiria das tenses daquele novoemprego. Dois dias inteiros de paz e solido. O snack bar estava fechado. Isso significava queteria de passar pela loja de Croddick, e naquele dia ela queria evitar isso. Maggie decidiu sedirigir ao porto. Lembrava-se de ter passado por uma loja de mariscos no dia em que chegara. Ovento fustigou-a e ela baixou a cabea, comeando a se dirigir para a gua.

    Maggie. Ela parou e olhou para cima. O grito estava perto, como uma corda atirada parao outro lado de um desfiladeiro. Calculando que era apenas o vento, continuou a andar. Desbito, Maggie ouviu passos atrs de si e, quando se virou, Jess j se aproximara correndo.

    Julguei que me tinha ouvido, disse ele ofegante. Fiquei na dvida. J comeu? No, admitiu ela. Eu tambm no, disse ele. Quer me fazer companhia? Se no tiver mais nada parafazer, claro.

    Maggie estudou o rosto dele durante um momento. Jess sorria, os seus olhos sinceros e escuroscomo lagos na floresta. O seu rosto anguloso, embora jovem, j estava sulcado pelas rugas.Reprimiu um sbito desejo de levantar a mo e seguir o contorno das mas do rosto dele at

    face encovada. s um almoo, argumentou com a voz que a avisava.

    Ok, concordou. Tem certeza de que no da Nova Inglaterra? Perguntou Jess num tom lisonjeiro. Maggieabanou a cabea e pegou na ementa. to reservada, ele comentou. Isso mesmo tpico dos ianques. Ela se permitiu sorrir. E voc tem certeza do que ?Admoestou. Jess assentiu. Nasci aqui, cresci, casei... Casou?! Exclamou Maggie, se arrependendo imediatamente do seu tom. Deixe-me terminar, retorquiu ele. Divorciei-me aqui. H cerca de cinco anos. O nico

    grande perodo de tempo que passei fora daqui foi quando fui para a faculdade. Depois do curso

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    25/168

    - 25 de 168 -

    trabalhei alguns anos em Boston, mas senti a falta disto. Portanto, voltei. Maggie hesitou,relutante em verbalizar a pergunta que tinha na cabea. A sua famlia ainda mora aqui? Inquiriu. No. pena. Os meus pais se mudaram para Sanibel, a ilha junto costa da Flrida,quando o meu pai se reformou. Os Invernos eram muito cruis para eles. Tive um irmo, mas

    morreu no Vietnam. Lamento, disse Maggie, mordendo o lbio. Jess encolheu os ombros. Ele est sepultado aqui na ilha. E s resto eu. E a sua mulher? Arriscou ela. Jess sorriu. A minha ex? No. Sharon sempre culpou este lugar pelos nossos problemas. Era umapessoa do vero quando a conheci. Os pais dela tm casa aqui e costumavam vir em julho. Poracaso, a casa deles fica perto da dos Thornhill. Bem, depois de casarmos, eu quis passar a viveraqui o ano inteiro, mas ela comeou a odiar isto. Disse que era demasiado soturno e solitrio.Andava deprimida oito meses por ano. Mas voc no quis ir embora? Perguntou Maggie com um tom acusador.

    Jess empalideceu um pouco e passou a lngua pelos lbios. Maggie reparou que ele tentara falarde um assunto doloroso com a maior ligeireza possvel. Sentiu remorsos ao observar aexpresso perturbada dele.

    verdade que eu quis ficar, admitiu ele. Adoro a ilha. o meu lar. Mas acho que aculpa no foi toda minha. No precisa me explicar, interrompeu ela. Tivemos alguns problemas, como a maior parte dos casais. No quis ser bisbilhoteira. No tenho nada a ver com isso. Comeou a estudar a ementa.

    Sentiu os olhos dele a observ-la enquanto fingia escolher. No faz mal, disse ele com um sorriso. No me importo. Alarmada pela doura da vozdele, Maggie evitou olh-lo. Que tal a comida aqui? Experimente a salada de lagosta, sugeriu. Um silncio embaraoso envolveu-os. Evoc? Perguntou por fim Jess. J foi casada? Maggie baixou a ementa e fitou-o. No, respondeu. Nunca? Ele parecia surpreso. Sentindo que lhe devia uma confidncia, Maggie tentouarranjar uma explicao simples. Houve um homem, admitiu. Amei-o, mas as coisas no aconteceram.

    Porque no? Insistiu Jess. Porque no, respondeu Maggie num tom firme. Costuma v-lo? Maggie olhou-o nos olhos. Ele morreu. Abalado com a resposta abrupta dela, Jess se apressou a pedir desculpas. s vezes sou mesmo idiota. Mas gostaria de saber mais coisas a seu respeito. No foiminha inteno tocar num assunto sensvel... No tem importncia, disse Maggie, regressando ementa. J o ultrapassei.

    As palavras na ementa vacilaram e comearam a se dissolver diante dos seus olhos. Sentia oolhar preocupado de Jess pousado em si, mas por momentos achou que se levantasse a cabea

    veria Roger sentado sua frente. Viu-o com nitidez na sua mente, com os seus olhos meigos querefletiam sempre uma grande tristeza apesar das linhas de expresso que os rodeavam.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    26/168

    - 26 de 168 -

    Eu podia ficar aqui sentado para sempre olhando para voc, Maggie. Ainda ouvia a vozdele. Quem me dera que ficasse, disse ela muito sria. Roger sorriu. As coisas para voc so muito simples, no so? Maggie encolheu os ombros.

    Amo-o. to simples como isso. Roger suspirou e virou a cabea para olhar pela janela.O que foi? Perguntou ela apertando a mo que segurava a sua sob a mesa. Ele fitou-a comuma expresso perturbada. Isto to injusto para voc. Merece um homem mais novo. Um homem que possa sairconsigo abertamente. Que passe consigo todas as noites, todos os momentos. No quero outro homem, protestou ela com teimosia. Mas assim no pode ser feliz, insistiu ele. Sou feliz consigo disse, baixando o olhar. O resto no interessa. Isso era mentira, masela no queria se queixar-. A perspectiva de perd-lo era pior do que a solido ou a vergonha queteria de suportar por causa da relao.

    Precisamos voltar ao escritrio, disse Roger calmamente, pousando o guardanapo aolado do prato.

    Maggie olhou para ele e esboou um sorriso corajoso. Mas notou que ele no se deixavaenganar pelos seus protestos. Sabia que nem tudo estava bem, mas no podia mudar nada.

    J sabe o que vai comer? Perguntou Jess com meiguice. Maggie se assustou e olhou-ocom uma expresso confusa. Depois sorriu. Vou experimentar a tal salada de lagosta, respondeu, esperando agradar.

    Jess se reclinou na cadeira e fez sinal ao garom. Quando ele se virou, Maggie reparou, com umasaudade um pouco familiar, na linha do seu maxilar, na largura do seu peito. H muitos anos queum homem no a abraava. A ltima vez havia sido na noite em que Roger morrera. Jess se viroupara ela e mudou a posio da jarra na mesa para poder ver Maggie melhor.

    Anime-se, disse. Se no gostar da lagosta, podemos mand-la para trs e encomendaroutra coisa. Maggie pensou na franqueza dele. Sentiu um peso no cora~o. Mude de assunto. Estive pensando em arranjar um cachorrinho. Para o almoo? Jess fingiu indignao. Maggie soltou uma gargalhada. Lembrei-me de que voc podia me dizer onde posso ir procura de um. Sinto-me sozinha

    naquela casa. Assim de repente... Mas posso investigar. Ficaria muito grata. Obrigou-se a sorrir. Bem, e agora me fale de como crescer aqui.

    Maggie esperou nos degraus enquanto Jess pagava a conta. O almoo correu bastante bem,pensou ela satisfeita. A conversa, depois do embarao inicial, fora surpreendentemente fcil.

    Parece que esquentou um pouco, observou Jess, se juntando a ela. A porta bateu atrsdeles. Est muito mais agradvel agora, concordou Maggie.

    No me calei, no ? Parecia uma matraca. Maggie soltou uma gargalhada. Eu gostei, insistiu.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    27/168

    - 27 de 168 -

    Normalmente sou do tipo alto, moreno, bem-parecido, forte... E calado, protestou ele. No uma gralha. Estava apenas respondendo s perguntas. Por esta vez passa, minha senhora. Mas para a prxima a sua vez.

    Maggie franziu o sobrolho e lhe virou costas. N~o considerara uma prxima. Nem aperspectiva de sua vez. Comeou a descer os degraus.

    Acho que melhor voltarmos. Ei, para que a pressa? Perguntou ele alcanando-a. Tenho muito que fazer esta tarde. Quer que eu me sinta mal? No, claro que no. Estou brincando.

    Caminharam lado a lado em silncio, Maggie marcando o ritmo com rapidez. A confiana quesentira no restaurante comeava a se desvanecer. Tinha vontade de olhar para o rosto dele,para ver se estava aborrecido, ou chateado. Mas manteve os olhos postos no cho empedrado sua frente. J| tinha me esquecido do que estar prximo de um homem. Tantos anos c ommulheres. Devo-lhe parecer ridcula.. Quando dobraram a esquina para Mam Street, Jessquebrou o silncio.

    Sabe, gosto de estar consigo, disse ele com ar pensativo. J passou muito tempo.Parecia que tinha sido picada com um alfinete. Fitou-o com os olhos muito abertos de surpresa.Nesse momento, o seu salto ficou preso entre duas pedras e ela cambaleou. Jess agarrou-a

    antes que casse e prendeu o brao dela no seu. Voc est bem? Perguntou. Machucou-se?Maggie corou de alvio e embarao. S o meu orgulho, admitiu.

    Jess deu uma gargalhada. Passado um momento, Maggie comeou tambm a rir. Estavamparados na rua, de brao dado, rindo. O olhar de Maggie se suavizou ao olhar para ele.

    Vamos, disse ele por fim.

    Viraram-se e comearam a andar. De sbito, Maggie estacou. Do outro lado da rua, de olhos

    muito abertos, estava Evy. A jovem olhava para Jess e Maggie, para o brao de Maggie no braode Jess. O seu corpo tremeu dentro do casaco castanho-claro que ela tinha vestido, e o seucabelo espetado estava em desalinho por causa do vento.

    Olhe, est ali a Evy. Jess viu a jovem e lhe acenou. Venha, disse, arrastando Maggie. Podemos regressar juntos. Maggie libertou o brao. No, respondeu, pouco vontade. Vo andando. Jess olhou para ela, perplexo. H algum problema? No, insistiu ela. Tinha me esquecido. Ainda preciso de passar pela farmcia. Fez umgesto vago. Jess encolheu os ombros.

    Est bem. At j.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    28/168

    - 28 de 168 -

    Maggie viu-o atravessar a rua na direo de Evy. A jovem cumprimentou-o com frieza. Trocaramalgumas palavras e em seguida Maggie viu Evy sorrir para ele timidamente. Os dois se viraram ecomearam a andar em direo ao escritrio. Evy tinha o rosto virado para Jess. O corpo grandedele parecia proteg-la da brisa do mar. Ao lado de Jess, Evy parecia frgil e muito jovem.Sobressaltada, Maggie notou que deveria ter a idade de Evy quando se apaixonara por Roger.

    Recordou o prazer que sentira da primeira vez que ele a fizera se levantar da cadeira e a puxarapara si. Depois de meses imaginando um momento daqueles. Ficara muito feliz e ignorara todosos sentimentos de culpa provocados pelo beijo roubado. Se ao menos tivesse sabido como tudoiria acabar. Maggie se forou a esquecer a recordao e viu Jess e Evy desaparecerem no topoda rua. Perguntou-se se haveria alguma coisa entre eles. A jovem estava visivelmenteapaixonada por Jess. Talvez j tivesse havido alguma coisa entre os dois. Um namoro, ou umcaso. Vai ver ainda durava. Isso provocou em Maggie uns cimes inesperados.

    Perturbada, comeou a se dirigir { farm|cia. Seja o que for ou o que tenha sido, n~o vou memeter, pensou. Era evidente que Evy o queria e que gostava dele. Mais uma raz~o para ela se

    manter afastada de Jess.

    S passados vinte minutos que Maggie conseguiu regressar ao escritrio. Uma mulher deidade com um casaco de pele de foca bastante velho estava discutindo os mritos dos vriosmedicamentos para a indigesto com o farmacutico e parecia no ter pressa. Maggie aindapensou em deixar as compras para mais tarde, mas depois se lembrou de que era sexta-feira equeria evitar ir vila durante o fim-de-semana. Olhou apreensiva para o relgio ao se apressarem direo ao edifcio do Cove News. Abriu a porta o mais silenciosamente possvel e entrou,fechando-a em seguida.

    Ficou aliviada ao ver que no havia ningum no corredor. Despiu o casaco e pendurou-o em umdos cabides. Ao se aproximar da porta da sala, ouviu vozes. Comps uma expresso calma, sepreparando para entrar e interromper a conversa. De sbito, ouviu o seu nome no meio de umafrase. Recuou.

    No sei onde ela est, disse Grace. J devia ter voltado h meia hora. Acabe a histria, Tom. Maggie reconheceu a voz monocrdica de Evy. O homempigarreou e falou numa voz que era vagamente familiar a Maggie. Bem, ento eu levantei a cabea e l estava ela, prestes a sair pela porta com os meusdois ganchos de prata no cabelo, muito descontrada, disse indignado.

    No me diga! Comentou Grace. Digo sim. E eu fui atrs dela. E quando lhe perguntei se tencionava pag-los, ela me veiocom a histria de que no tinha a carteira. Deixou-a aqui, interveio Evy. O som dos risos incrdulos chegou ao corredor. Digo uma coisa, prosseguiu o homem. Estava pensando em falar disto com JackSchmale. Por qu? Perguntou Evy. Ela devolveu-os, no verdade? A questo no essa, minha menina, retorquiu Tom. A questo que ela nova na ilha ecomeou logo tentando me roubar. O Jack estar ausente at segunda, disse Grace. Foi se encontrar com os chefes da

    policia estadual.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    29/168

    - 29 de 168 -

    No entendo qual o problema, disse Evy. Se ela os devolveu e se se ofereceu parapag-los, no vejo por que precisa ir fazer queixa dela. Qualquer pessoa pode cometer um erro... Ei, afinal est do lado de quem? Perguntou Grace irritada. Do lado de ningum, insistiu Evy. Estava apenas dizendo... Ora, Grace, talvez a jovem tenha razo. Talvez eu no deva incomodar o Jack com isto.

    Mas podem crer que vou ficar de olho nela. Afinal de contas, nunca de mais ter cuidado compessoas estranhas...

    Grace e Evy mudaram abruptamente de posio nas suas cadeiras, e Grace pigarreou. Notandoque perdera o pblico, Tom Croddick olhou para trs. Maggie estava porta, os olhoscuidadosamente inexpressivos.

    Oh! O embarao deixou Tom com voz rouca. Ol.

    Maggie ignorou-o e se dirigiu mesa. Pegou num manuscrito e se concentrou nele. Tom

    arqueou as sobrancelhas atrs dos culos e olhou para as outras duas mulheres.

    Bem, parece que vocs tm muito que fazer! Exclamou animado. melhor eu irandando tambm. Grace assentiu. At logo, Tom. O lojista comeou a se dirigir para a porta. Adeus, meninas.

    Na porta quase colidiu com um homem grande de barba grisalha que vinha entrando, com umamquina fotogrfica pendurada no pescoo.

    Ol, Tom. Ol, Owen. Como vai? Bem, bem. O homem grande apertou a mo ao lojista e depois se virou para as outras. Ol Grace, Evy. Olhou para Maggie e depois adquiriu uma expresso intrigada. Ela nova aqui, explicou Grace. Emmett contratou-a. Sou Owen Duggan, disse ele a Maggie. Magnfico fotgrafo da vida selvagem e porvezes paparazzo do Cove News. Maggie apertou a mo que lhe era estendida. Muito prazer. Sou Maggie Fraser. Prazer em conhec-la, Maggie. Mas voc est muito plida. Devia sair mais vezes.Apanhar o ar do mar. Bateu no peito largo com a mo aberta. Maggie forou um sorriso.

    Ele fitou-a atentamente durante uns segundos. Desde que olhara para ela assaltara-o umasensao de familiaridade. Tinha certeza de que j a vira antes. Estava prestes a diz-lo, masdepois encolheu os ombros. Sentou-se ponta da mesa de Grace e se inclinou para ela com umsorriso travesso.

    O Charley a tem feito feliz, Grace? Pode crer! Exclamou Grace, sacudindo o cabelo num gesto coquete. E como vo ascoisas consigo? Bem, respondeu Owen, batendo com as palmas das mos uma na outra e esfregando-as.

    Daqui a umas semanas vou fazer outra viagem Nova Iorque. Um editor da revista L+E est

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    30/168

    - 30 de 168 -

    pensando em publicar um artigo com aquelas fotografias dos pssaros selvagens que eu tirei.Vim aqui buscar os negativos. O Jess usou alguma fotografia? Usou uma, respondeu Grace, Mas j esto aqui todas outra vez. Maggie, v buscar osnegativos do Owen, ordenou. Acho que esto no arquivo. Venho do quartel dos bombeiros, comentou Owen. Acabaram de receber a nova

    ambulncia. Ah, sim, o Charley me falou disso ontem noite.

    Maggie acompanhou apenas vagamente a conversa enquanto se dirigia ao arquivo. Tentou seconcentrar na tarefa simples que precisava executar, mas a sua mente ainda andava as voltascom o que ela ouvira no corredor. Devia ter adivinhado que isso iria acontecer. Numa ilha comoaquela, os boatos se espalhavam em menos de nada. Ainda bem que Jess no estivera na salaouvindo. Mais tarde ou mais cedo acabaria por saber. Pelo menos Evy defendera-a. Tentou sealegrar com isso, sabendo que deveria se sentir melhor. Tentara tanto passar despercebida, masparecia que tudo o que fazia causava uma impresso errada.

    Mesmo ao nvel dos olhos, por cima de um arquivo, Maggie viu as faixas pretas dos negativosnum estojo de papelo. Grata por no ter de procur-los, Maggie pegou neles. S quando jestava apanhando-os que viu a caneca de caf fumegando. Encontrava-se em cima do arquivo,parcialmente sobre os negativos. Ao pux-los, Maggie viu a caneca girar, entornar e comear arolar. O lquido quente lhe caiu na mo e ela ouviu a xcara se estilhaar no cho.

    Aaaii! Gritou Maggie agarrada mo latejante. Os negativos caram no cho e comearama se enrolar devido ao calor do caf. Merda! Gritou Owen. Os meus negativos! Correu a pegar neles enquanto Maggie

    apertava e abanava a mo dolorida. O que fez? Perguntou Grace irritada, se aproximando. Evy estava atrs, olhando. Graceestendeu o brao na direo da mo de Maggie. No me toque, sibilou Maggie, recuando. No se preocupe, no quero toc-la. Comeou a falar entre dentes enquanto se abaixavapara apanhar os cacos. Owen estava acocorado ao seu lado, gemendo e inspecionando aspelculas.

    Maggie cerrou os dentes e tentou obrigar a dor a desaparecer. Levantou a cabea e viu Evy aobserv-la, com um ligeiro sorriso nos lbios.

    Onde que est a piada? Perguntou irritada, sacudindo a mo. Em lado nenhum, respondeu Evy num tom magoado. Devia pr gua fria nisso.Maggie lhe virou as costas. Venha, deixe-me ajud-la, disse Evy. Pegou no brao de Maggie econduziu-a at ao lavatrio.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    31/168

    - 31 de 168 -

    CAPTULO 5

    Est| se arriscando muito, pensou Jess ao estacionar o carro em Mam Street. Talvez ela n~oqueira passar o s|bado consigo. Desligou o motor e ficou sentado ao volante, olhando para oconsole. Sabia que devia ter telefonado primeiro, mas calculou que ela teria mais dificuldade em

    lhe dizer que n~o cara a cara. J| passara tanto tempo, refletiu, desde que se sentira toinapto. Perguntou a si mesmo se no seria melhor passar o dia sozinho, como de costume.Depois, determinado, saiu do carro e bateu com a porta.

    Ao subir a rua e olhar para as vitrines tentou pensar em Sharon e naquilo que ela gostara. Sconseguiu se lembrar do colar de dente de cachalote que lhe oferecera um dia, numa altura emque ela se sentia em baixo. Ela abrira a tampa da caixa e olhara para o colar com apatia. Odesenho esculpido era o de um barco, de velas enfunadas, e Jess achara-o muito bonito.Esperou que ela sorrisse. Em vez disso, Sharon pegara no colar e fizera-o girar entre os dedos.Depois se virara abruptamente e atirara-o para o outro lado da sala. Foi bater num dos armrios

    da cozinha e caiu na tigela da salada. Sem uma palavra, Sharon virara e se afastara dele. Jesssuspirou e olhou sem ver para a vitrine mais prxima at que o ardor nos seus olhos diminusse.Depois continuou a subir a rua.

    Fisicamente, as duas mulheres no eram nada parecidas. Sharon era loura e pequena, a pelebronzeada no vero, quando ele a conhecera. No Inverno, a pele adquiria um tom amarelado. Apele branca de Maggie fazia lhe lembrar pedra polida, e gostava do seu cabelo ruivo. Talvezdevesse comprar um leno para usar em volta do pescoo branco. Lembrou-se de Sharon,sentada no toucador, comentando que se sentia feliz por no ser ruiva. Se assim fosse, haviamuitas cores que no poderia usar. Jess franziu o sobrolho e perguntou a si mesmo se seria

    verdade. Parecia-lhe que Maggie ficaria bem com qualquer cor. Pensou em flores, e issosignificaria ir at estufa em Eagle Rock Road. Mas as flores murchavam depressa e tinham deser jogadas fora. Queria lhe dar uma coisa com que ela pudesse ficar. Uma coisa que a fizessepensar nele de cada vez que a usasse. Ficou parado na berma um momento, batendo com o p,impaciente.

    Talvez um perfume, disse em voz alta. Olhou para um lado e para o outro, depoisatravessou a rua, com passadas longas, at farmcia.

    Junto casa dos Thornhill, Jess virou para o caminho de acesso garagem e estacionou ao lado

    do velho Buick preto. Deu uma risada ao se lembrar da descrio que Maggie fizera dele aoalmoo. Inclui um carro pronto a ir para a sucata, gr|tis.. A casa parecia estranhamentesilenciosa, e ele se perguntou se Maggie ainda estaria dormindo. Era quase meio-dia. Ningumdormia at t~o tarde, pensou, saindo do carro e subindo os degraus do alpendre. Abriu a portade rede e bateu na madeira. No houve resposta. Jess tornou a bater e gritou, mas ningumveio abrir. Debruando-se sobre o gradeamento do alpendre, esticou o pescoo a fim deespreitar pela janela da cozinha. Estava tudo arrumado, mas n~o havia sinal de Maggie. Deviater telefonado primeiro, pensou ele aborrecido. Virou-se e desceu os degraus. Nessa altura viu-a, de costas para ele, fechando a porta lateral da garagem. Tinha um leno na cabea, as mos eos antebraos sujos de gordura preta. Jess sorriu e chamou-a.

    Ol! Maggie deu um salto e se virou, olhando-o surpresa.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    32/168

    - 32 de 168 -

    Ol, repetiu ele. No ouviu o meu carro? Maggie abanou a cabea. Andainspecionando a propriedade? Perguntou Jess com um riso nervoso, avanando para ela.Maggie foi se encontrar com ele entre a casa e a garagem. S queria ver o que tinha l dentro, explicou. Encontrou alguma coisa interessante? Maggie olhou para as mos engorduradas e depois

    para ele, corando. Bem, h uma bicicleta. Mas precisa ser consertada. H quanto tempo est aqui? H uns minutos. Como no abriu a porta, fiquei com receio de ter me desencontrado. Quer entrar? Perguntou, evitando olh-lo. No est zangada por eu ter vindo, no ? Maggie enfrentou o seu olhar apreensivo. Nopodia lhe dizer que passara a manh pensando nele. Mas agora que estava ali, se sentiaperturbada. Jurara a si mesma que iria manter se longe dele. Notou que o seu silncio o deixavapouco vontade. Estou contente por voc ter vindo, disse, afastando uma madeixa da testa com as costasda mo. S que estou num estado miservel.

    Est linda. Ela tentou sorrir, mas s conseguiu fazer uma careta. Entre, disse. Virou-se e subiu os degraus da casa. Jess seguiu-a pela porta dos fundos. A casa espetacular, comentou, olhando em volta para a sala. Pois , concordou Maggie. Fique vontade. Tenho de ir me lavar.

    Jess se sentou. Ouviu a gua correndo na cozinha. De repente, se lembrou do embrulho quetinha no bolso do casaco. Maggie entrou na sala limpando as mos num pano de cozinha. Tirarao leno e o cabelo lhe pendia solto em volta do rosto. Jess tirou o embrulho do bolso eentregou-o.

    Trouxe-lhe uma coisa. Maggie olhou para o embrulho, depois para ele, com umaexpresso interrogadora. Abra, ele incitou. Reparou que os dedos dela tremiam aodesembrulhar o papel e que o sol que entrava pela janela brilhava dourado no cabelo acobreadoque lhe emoldurava o rosto. Ela levantou o frasco pequeno em forma de pera, atado com umcordel dourado. um perfume. Por momentos se lembrou de Sharon, mexendo em silnciono fio. Maggie mordeu o lbio inferior, depois levantou a cabea e lhe sorriu, nos olhos umaexpresso receosa mas satisfeita. Obrigada, disse. Foi muito simptico da sua parte. Aliviado, Jess encolheu os ombros. Lembrei-me de que talvez voc gostasse de ir ver uns cachorrinhos. Uns conhecidosmeus tiveram uma ninhada. Maggie hesitou.

    No sei. Ora, v l. Pelo menos vamos v-los. No precisa trazer um se no quiser. Bem, eu gostaria de ter um cachorrinho. V buscar um casaco, ordenou Jess. Hoje est ventando. Eu espero no carro.

    Maggie ficou porta vendo-o se dirigir ao carro. O seu andar era ligeiro e a msica quecantarolava chegou at ela trazida pela brisa. Olhou para o frasco que ele levara. Brilhava napalma da sua mo, como uma lgrima gigantesca, trmula. Quando levantou a cabea, ele jestava no carro, encostado porta aberta. Fez-lhe sinal para que se apressasse. Uma nuvemencobrira o sol, lanando uma sombra no rosto meigo dele e provocando um estremecimento

    em Maggie.

  • 7/26/2019 Macdonald, Patricia - Imperdoavel

    33/168

    - 33 de 168 -

    Aproximou-se da lareira e pousou o frasco na prateleira, admirando o seu brilho ambarino luzdo sol. Destapou-o e cheirou. O aroma era delicioso. Voltou a tap-lo e colocou-o entre doiscastiais. Era quase demasiado bonito para ser usado, pensou. Com um suspiro satisfeito, sedirigiu ao quarto e cmoda, procura de uma roupa adequada.

    * * *

    Cinco traseiros brancos e castanhos apareciam sob a me de olhos tristes. A cadela e oscachorros se encontravam numa caixa de papelo larga e baixa, sobre uma colcha suj