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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
PATRÍCIA REGINA MOREIRA MARQUES
LUTO NA ESCOLA: UM CUIDADO NECESSÁRIO
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2012
PATRÍCIA REGINA MOREIRA MARQUES
LUTO NA ESCOLA: UM CUIDADO NECESSÁRIO
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da
Faculdade de Humanidades e Direito,
da Universidade Metodista de São
Paulo, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Educação, sob a orientação da Profª
Drª Zeila de Brito Fabri Demartini,
SÃO BERNARDO DO CAMPO
2012
Dedico esse trabalho às pessoas que fisicamente não estão mais aqui, mas
permanecem na minha vida e memória. Em especial ao meu pai Francisco Rosa
Marques, que me ensinou O Caminho, e por quem vivenciei pela primeira vez as
etapas do luto por morte. O luto antecipatório ocorreu por vários meses, e meu
pai foi o mentor nesse processo.
À minha amiga-irmã, Marta Leite Gaia (in memoriam). Nossa sala de aula,
nunca mais foi a mesma desde a sua partida.
AGRADECIMENTOS
A Deus, que conhece as inquietações e indagações que permeiam
meu caminho. Mostrou-me que sou capaz.
A minha orientadora Profª Drª Zeila de Brito Fabri Demartini, por
acreditar em mim, e neste tema tão desafiador para o ambiente acadêmico.
A professora-amiga, Drª Blanches de Paula, que me acompanhou
desde a graduação em Teologia. Grande incentivadora para continuidade de
meus estudos. Seu rigor acadêmico me convenceu a convidá-la a integrar a
banca do Mestrado. Sou grata também por seu desprendimento no empréstimo
de dezenas de livros para minha investigação científica.
Ao professor Dr. Antonio Joaquim Severino, por compor a banca do
Mestrado, por suas observações pertinentes e pela alegria em conhecê-lo.
As três mulheres lá de casa: Ana Luzia, Maria Julia e Ana Priscila,
pelo apoio sempre presente, por entenderem que a solidão às vezes fazia parte
do processo do luto na minha luta, por suportarem minha impaciência e
ansiedade durante os estudos acadêmicos.
A minha querida amiga Coca, por sempre estar ao meu lado desde os
primeiros lutos que passei, por me acolher em sua casa e cuidar de mim.
A minha amiga Dagmar, por zelar em todos os sentidos, em casa, na
igreja, na companhia sempre presente, quando eu mesma nem queria a minha.
E também por transcrever todas as entrevistas.
Aos meus queridos amigos Neil e Lourdes, que por diversas vezes me
acolheram em sua casa, sempre com palavras de incentivo e reconhecimento de
minha capacidade. Em especial ao Prof. Dr. Neil Ferreira Novo, por me
introduzir no fantástico mundo da estatística.
Ao dentista-amigo, Dr. Américo Nepomuceno. Desde que nos
conhecemos, foi o grande incentivador para minhas conquistas.
À Maria Márcia Pereira da Silva, secretaria do Programa de Pós
Graduação, que nas horas de solidão, me incentivou a prosseguir com fé e
persistência.
A todos os amigos que regaram a amizade através de telefonemas e
e-mail, sempre disponibilizando a cooperar durante o processo do Mestrado.
A Igreja Metodista no Brasil, que concedeu a bolsa de estudos. A
Igreja Metodista em Santana, por acompanharem e entenderem essa fase tão
importante na minha vida.
Ao meu irmão Fernando Cezar e minha cunhada, Vera Regina que
colaboraram com a tradução do texto em inglês.
Ao meu irmão Ricardo Nilton, por regar minhas manhãs com nossas
conversas a distância. Por um período, foi meu companheiro no computador.
Ao meu amigo de infância, Paulo Matuí, pela tradução da entrevista
do Dr. Colin Murray Parkes.
Aos amigos que fiz na academia, em especial a Fabiana Cabrera
Silva, que contribuiu com a revisão ortográfica.
Ao Samuel Rocha de Oliveira, por todo o incentivo e palavras sábias
durante nosso convívio nas disciplinas.
Ao Claudio de Oliveira Ribeiro, que com seu olhar crítico, muito me
incentivou na pesquisa acadêmica.
Enfim, a todos que diretamente ou indiretamente me ajudaram na
construção desta pesquisa. Vocês me ensinaram a parar para ouvir, silenciar,
chorar e sorrir, participando e construindo a minha história...
Crepúsculo
Patrícia Regina Moreira Marques
“Era uma menininha...” pareço ainda ouvir a voz do médico ao me dar a notícia do
aborto espontâneo que tive no hospital. Em um período de 24 meses era o segundo aborto
espontâneo e a dor tornava-se tão intensa como o primeiro. Sonhos interrompidos, pesar,
sensação de tristeza, impotência, incapacidade, vazio existencial, fizeram parte da minha
vida durante alguns anos. A perda não se fez presente somente pela falta do bebê. A
insensibilidade de meu ex-marido me abandonar logo após a saída do hospital,
praticamente duas horas depois da alta, fez com que aprendesse a lidar com o luto por
morte e perdas diversas. O interesse por essa pesquisa surgiu pelo fato de me colocar à
disposição de pessoas que vivem o luto e não sabem como agir. A vida foi me ensinando,
e na academia fui infiltrando as leituras que muito contribuem para a minha formação.
Sou testemunha do que leio. A experiência me legitima este legado. Procuro ajudar e ter
um olhar diferenciado a todos que sofrem a perda do “objeto perdido”.
RESUMO
O presente trabalho trata de uma investigação sobre a presença e o processo do luto por morte nas escolas e, também, como professores, coordenadores e diretores podem apoiar estudantes enlutados. Um significativo índice de mortes de estudantes demonstra que o processo experimentado por estudantes enlutados é realidade presente nas escolas. Por sua relevância, entende-se ser fundamental que o tema seja considerado na educação escolar. A opção metodológica para o desenvolvimento do estudo pautou-se pela realização de uma revisão da literatura para teoricamente traçar uma perspectiva histórica e social fundamentada principalmente em Paiva (2011), Kovács (2003), Franco (2002), Kübler-Ross (1996). Optou-se, também, por usar noticiários e documentários. Para a realização da pesquisa empírica, a investigação teve como campo 2 escolas públicas da Grande São Paulo e 23 sujeitos entre os quais professores, coordenador e diretores. Desse universo, 13 sujeitos eram da escola A e 10 da escola B; todos atuando diretamente com os alunos. Realizou-se, em uma primeira etapa, a aplicação de um questionário estruturado, respondido inicialmente pelos 23 sujeitos. Na segunda etapa da pesquisa, utilizou-se como método a entrevista de aprofundamento com uma amostra de 10 profissionais (dois diretores, uma coordenadora e sete professores). Após responderem ao questionário, esses profissionais desejaram participar espontaneamente dessa segunda etapa, para que se pudesse obter maior aprofundamento das questões relacionadas à investigação. Por meio da análise de conteúdo dos relatos obtidos, foram construídos três temas: significado em perder uma pessoa por morte; facilidades e/ou dificuldades em lidar com as questões de luto/morte na escola; papel de gestores e educadores frente às manifestações de luto entre estudantes na escola. Como referências para análises dos dados, elencaram-se Queiroz (2003) e Demartini (2001). A pesquisa permitiu averiguar a presença e o processo de luto por morte nas escolas e como professores, coordenadores e diretores abordam o tema da morte, do luto e da perda. A pesquisa procurou também conhecer e refletir sobre os significados que os educadores têm acerca do luto e morte no contexto escolar. Esse conhecimento possibilitou conhecer como alguns professores e outros profissionais da educação trabalham (ou não) com o processo do luto na escola. As análises construídas a partir dos temas revelaram que alguns profissionais que vivenciam ou vivenciaram a dor pela perda por morte têm dificuldades em lidar com o tema na escola por não saberem lidar com essa situação. Outra questão considerada é a falta de apoio da escola e a falta de preparo dos profissionais ao lidar com o luto na escola. Os relatos apresentam a morte interdita de jovens como uma realidade presente nas escolas e ocupando cada vez mais espaço. Esse assunto desafiador não se encerra. Há muitas ações que a escola necessita realizar. Este trabalho propõe caminhos para novas investigações e desafios. Palavras-chave: Cuidado. Luto. Escola. Morte de estudantes.
ABSTRACT
The present work deals with an investigation about the presence and the process of mourning for death in schools and also how teachers, coordinators and principals can support bereaved students. A significant rate of student deaths demonstrates that the process experienced by bereaved students is reality present in schools. For its relevance, it is understood to be essential that the issue be considered in school education. The methodology option for the development of the study was guided by conducting a literature review, in order to theoretically outline a historical and social perspective established mainly for Paiva (2011), Kovács (2003), Franco (2002), Kübler-Ross (1996). It was decided, also, to make use of news and documentaries. To perform the empirical research, the investigation was focused in two public schools at Greater Sao Paulo and 23 subjects including teachers, principals and coordinators. In this series, 13 subjects were from school A and 10 from school B, and all of them work directly with the students. In a first step, a structured questionnaire was applied and answered initially by 23 subjects. In the second stage of the research, it was used the depth interview as a method with a sample of 10 professionals (two principals, one coordinator and seven teachers). After answering the questionnaire, these professionals wished to participate voluntarily of the second step, in order to get further deepening about of issues related to the research in school. As references for data analysis, Queiroz (2003) and Demartini (2001) were chosen. The research allowed determining the presence and the process of mourning and death in schools and how teachers, coordinators and principals address the topic of the death, the mourning and the loss. The survey also sought to understand and ponder on the meanings that the educators have about death and mourning in the school context. This knowledge allowed to know how some teachers and other education professionals work (or not) with the grieving process in school. The analyses obtained from the themes revealed that some professionals who experience or experienced the pain of bereavement have difficulties in dealing with the theme at school because they not know how to handle this situation. Another considered issue is the lack of support from the school and the lack of staff training to deal with bereavement in school. The reports have shown the death of young people as a present reality in schools and occupying more and more space. This challenging issue does not end. There are many actions that schools need to make happen. This work proposes directions to further investigations and challenges. Keywords: Care. Bereavement. School. Death of students.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 – Idade, tempo de atuação ............................................................... 51
TABELA 2 - Área de atuação .............................................................................. 52
TABELA 3 – Crença religiosa ............................................................................. 53
TABELA 4 – Perda por morte ............................................................................. 54
TABELA 5 – Ajuda no luto .................................................................................. 54
TABELA 6 – Apoio no luto .................................................................................. 54
TABELA 7 – Escola como rede de apoio ........................................................... 55
TABELA 8 – Refletindo sobre questões que levam a morte .............................. 55
TABELA 9 – Ajuda no luto .................................................................................. 56
TABELA 10 – Escola como rede de apoio ......................................................... 56
TABELA 11 – Importância do apoio a estudantes enlutados ............................. 57
TABELA 12 – Significado em perder uma pessoa por morte (gestores) ........... 60
TABELA 13 – Significado em perder uma pessoa por morte (professores) ...... 65
TABELA 14 – Facilidades e ou dificuldades em lidar com o luto na escola
(gestores). ............................................................................................................ 70
TABELA 15 – Facilidades e ou dificuldades em lidar com o luto na escola
(professores) ........................................................................................................ 74
TABELA 16 – Papel de gestores e educadores frente as manifestações de
luto entre estudantes (gestores) .......................................................................... 81
TABELA 17 – Papel de gestores e educadores frente as manifestações de
luto entre estudantes (professores) ..................................................................... 85
TABELA 18 - Livros infantis que abordam o tema da morte, organizados por
categorias...........................................................................................................90
LISTA DE SIGLAS
CEP Comitê de Ética em Pesquisa
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LEM Laboratório de Estudos sobre a Morte
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UMESP Universidade Metodista de São Paulo
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO: PESQUISADORA E TRAJETÓRIA PROFISSIONAL ........ 12
CAPÍTULO 1- ENTENDENDO CONCEITOS: POSSÍVEIS CAMINHOS PARA
COMPREENDER A MORTE, O LUTO E A PERDA ........................................... 18
1.1.1 Considerações gerais sobre o luto ............................................................. 21 1.1.2 Processo de luto ......................................................................................... 24 1.1.3 Estágios do morrer – implicações para o luto ............................................ 25 1.1.4 Luto normal e patológico ............................................................................ 27
1.2 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO PARA A MORTE ................................... 29
1.3 FALANDO DE MORTE NA ESCOLA ............................................................ 32
FITA VERDE NO CABELO: NOVA VELHA HISTÓRIA....................................... 37
1.3.2 A Função humanizadora da literatura infantil ............................................. 41
1.4. O CENÁRIO DA MORTE NO BRASIL ......................................................... 43
CAPÍTULO 2 - LUTO NA ESCOLA: OPINIÃO DE PROFESSORES,
COORDENADORES E DIRETORES .................................................................. 46
2.1 O CAMINHO DA PESQUISA E O MATERIAL COLETADO ......................... 46
2.1.1 A não entrevista .......................................................................................... 48
2.2 A PESQUISA EM DUAS ESCOLAS .............................................................. 50
2.2.1 O perfil dos participantes ............................................................................ 51
2.2.2 Algumas observações a partir dos questionários....................................... 53
CAPÍTULO 3 - SIGNIFICADO DA PERDA POR MORTE E ATUAÇÃO DA
ESCOLA AO ENFRENTAR O LUTO (2ª ETAPA) .............................................. 58
3.1 AS CATEGORIAS DE ANÁLISES ................................................................. 59
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 93
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 98
OBRAS CONSULTADAS ................................................................................. 101
ANEXO A – ENTREVISTA ................................................................................ 103
ANEXO B – RELATOS ..................................................................................... 104
ANEXO C – CARTA DE APRESENTAÇÃO ..................................................... 112
ANEXO D – QUESTIONÁRIO ........................................................................... 113
ANEXO E – TRANSCRIÇÕES .......................................................................... 118
ANEXO F – PERGUNTAS SEMIESTRUTURADAS DA ENTREVISTA .......... 147
ANEXO G – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ........ 148
12
APRESENTAÇÃO: PESQUISADORA E TRAJETÓRIA
PROFISSIONAL
Em 1984, por insistência de minha mãe, conclui o magistério na
Escola Estadual João Cursino em São José dos Campos, período em que já
estava matriculada no 2º ano no curso de Pedagogia da Fundação
Valeparaibana de Ensino, na mesma cidade. Desde 1982, trabalhava como
auxiliar de classe no ensino infantil, na Pré-Escola Metodista Jean Piaget.
Em 1985 assumi, como professora titular, uma classe de
alfabetização. Nesse período, realizei diversos cursos oferecidos pela prefeitura
municipal de São José dos Campos, e outros cursos na área do construtivismo,
deslocando-me diversas vezes para São Paulo. Minha trajetória confirmava a
vocação como educadora a cada descoberta que realizava entre um curso e
outro.
Em 1989 conclui uma especialização em Metodologia do Ensino
Superior na Faculdade de Educação de Guaratinguetá. Continuando na Pré-
escola Metodista Jean Piaget, fui convidada em 1990 a dar aulas em outra
escola na cidade de São José dos Campos com uma proposta totalmente
diferente do construtivismo. No ano seguinte, recebi a proposta para lecionar
também em uma escola da rede particular, ali, a direção posicionou-se
demonstrando grande interesse em conhecer a proposta construtivista. Até
aquele momento, essa proposta havia sido colocada de modo equivocado, ou
seja, como uma maneira de total liberdade aos alunos. Meu posicionamento
frente aos alunos sempre foi de facilitar-lhes a expressão de sentimentos,
baseada em uma relação de confiança, resultando, assim, em um ensino-
aprendizagem com uma abordagem dialógica. Nesse sentido, houve uma
relação simbiótica entre alunos e professores e fui “construindo-me” como
educadora sempre preocupada com a esfera emocional dos alunos.
Em 1997, recebi o convite para assumir a coordenação e direção da
Pré-Escola Metodista Jean Piaget. Nesse período, uma aluna tímida e com olhar
sempre tristonho, chamou- me muito a atenção. Assim, comecei a aproximar-me
mais dela e entre uma conversa e outra em minha sala, ou na sala de leitura, ela
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foi, aos poucos, revelando-me sua tristeza. Sua mãe havia se jogado do 13º
andar, há apenas um ano, antes de efetuar sua matricula escolar. Confesso que,
inicialmente, não sabia o que dizer nem tampouco como lidar com a situação.
Na ocasião, não contávamos na escola com apoio de uma equipe
multidisciplinar ou de outros profissionais afins, como psicólogos. Por se tratar
de uma escola confessional, tínhamos a presença e apoio da pastoral escolar,
contudo, decidi não recorrer a esta parceria no momento. Isto porque, conquistar
a confiança da aluna implicava um processo difícil e fiquei receosa dela afastar-
se de mim, uma vez que se posicionava de um modo um tanto arredio. Minha
atitude foi de oferecer-lhe minha companhia, bem como amor e atenção, em
todo o período que estava na escola, tendo em vista ser demasiada sua
carência. A partir desse momento, comecei a me preocupar com a questão do
luto e das perdas, presentes no contexto escolar. Na ocasião, lembrei-me da
perda de uma grande amiga-irmã, que ocorreu quando cursava a 8ª série do
primeiro grau. Foi um choque conviver com a ausência dela, e visualizar por
muitos meses, sua carteira que permanecia vazia, pelo fato dos responsáveis
não terem o hábito de modificarem o mobiliário da sala, Creio que esse episódio
foi o início de minha inquietação de como a escola pode lidar com assuntos
relacionados a morte, ao luto, pois percebia que a abordagem era difícil tanto
para os alunos, como professores e diretora.
Uma vez notória, em mim, a vocação pastoral, iniciei, em 2011, a
graduação em Teologia na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista.
Inicialmente, fui convidada a participar do grupo de pesquisa “Teologia Prática e
Aconselhamento” do Curso de Teologia da Universidade Metodista de São
Paulo. A temática da morte e, consequentemente, do luto, foi objeto de
investigação no Trabalho de Conclusão de Curso intitulada: “Um estudo do luto
parental como subsídio para o Aconselhamento Pastoral em situações de
morte”. Esta reflexão possibilitou-me conhecer o que Kovács (2003) chama de
morte invertida, ou seja, a dor de pais que enterram seus filhos, muitas vezes
jovens. Embora estudos sobre o luto por morte tenham sido realizados por
diversos estudiosos, que há anos vêm contribuindo para uma melhor
compreensão e conhecimento do assunto, há ainda um vasto campo a ser
investigado no que se refere à área específica na Teologia. Este trabalho, o qual
resulta em pesquisa com recorte bibliográfico, correlaciona dois temas
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teológicos que, por si só, inter-relacionam-se, isto é, o luto parental e o
aconselhamento pastoral. Num primeiro momento, apresenta o fenômeno do
luto e seus desdobramentos na vida humana para, a seguir, abordar o conceito
e implicações do luto parental na vida de pais que perderam, precocemente,
seus filhos. Nesse sentido, o trabalho estabelece diálogos com outras áreas da
Ciência que incorrem em pesquisas sobre essa mesma questão, visando à
sociedade contemporânea, como, por exemplo, a Psicologia. O trabalho
apresenta ainda resultados significativos que sugerem, inclusive, rompimentos
de paradigmas sociais. Isso porque, a pesquisa mostrou que o número de filhos
mortos tem aumentado grandemente em relação à morte de seus pais. Esse tipo
de luto provoca mudanças relevantes no cotidiano das pessoas, que podem ser
identificadas na ótica da psicologia, como indivíduos que agem, exclusivamente,
de modo comportamental, emocional ou racional, resultando em lutos mal
resolvidos, os quais gerariam desestruturação familiar e eventuais doenças. A
relevância do trabalho de “pastoreio” entendido como acompanhamento pastoral
em situação de crise parental, torna-se uma ação emergente em nossas
comunidades eclesiásticas.
Em 2008, conclui especialização em Aconselhamento Pastoral na
Universidade Metodista, pesquisando sobre o luto por morte. Focalizei, neste
trabalho, o cuidado necessário no âmbito eclesiástico, cujo tema foi: “A morte
precoce de jovens e adolescentes, dor e o sofrimento de pais que enterram seus
filhos. A importância da Educação para a Morte, responsabilidade também da
igreja”.
Retomando a trajetória de minha formação, efetuei, no segundo
semestre de 2009, minha matrícula, como aluna especial no Programa de
Mestrado em Educação, na Universidade Metodista de São Paulo, em virtude do
interesse em investigar o processo do luto nas escolas, em decorrência do
crescente número de violências e consequentemente de mortes, considerando
também mortes naturais que ocorrem diariamente. A partir de minha inquietação
e constatação de significativo número de mortes de jovens estudantes, nasceu o
interesse pela investigação junto a educadores, diretores e coordenadores sobre
esse assunto, assim como o significado que atribuem ao luto. Através de
pesquisa bibliográfica, constatei que alguns educadores, ainda que poucos,
realizam atividades de apoio aos enlutados na escola. A proposta de apresentar
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algumas ações na qual a escola pode tornar-se uma rede de apoio e constituir-
se como um elo de consolo e abrigo, pode ser uma situação possível no
enfrentamento e desafio que a própria temática pressupõe, constituindo assim
um elo de apoio entre a equipe educacional e os enlutados.
Em abril de 2011, o acontecimento trágico na Escola Tasso da
Silveira em Realengo, no Rio de Janeiro, que culminou com a morte de 12
crianças, despertou meu interesse em deslocar-me até a cidade e investigar o
luto coletivo, as ações realizadas pela escola em relação ao apoio às famílias e
estudantes enlutados. Em contato com a Diretoria de Ensino e funcionários da
referida escola, foi me orientado a não me deslocar para a realização da
pesquisa. Conforme relato no telefone: “- Ainda estamos aprendendo a lidar com
essa situação: a morte, a perda, o luto. Quem sabe daqui uns dois anos,
podemos ser modelo para alguma escola, no sentido que você deseja!” Aprendi
que no luto, o processo é construído conforme a vivência, e nesse momento a
escola Tasso, estava reconstruindo sua história.
No ano de 2011, nossa turma de Mestrado, foi assolada com a notícia
do falecimento do nosso querido prof. Dr. Danilo Di Manno. Justamente naquela
manhã, encontramos a sala vazia, pois havia falecido no hospital instante antes
do horário habitual de nossos encontros matutinos, assim chamava nossas
aulas. Uma tristeza inundava nossos corações e corredores. Naquela manhã
muitos de nós estudantes, vivenciamos o luto presente no contexto escolar.
Várias ações foram realizadas por parte da pastoral universitária no sentido do
consolar alunos, colegas, funcionários. Nossa querida coordenadora do
Mestrado, profª Drª Roseli Fischmann, quem assumiu as aulas do Danilo,
sabiamente foi construindo um caminho para nossas incertezas sem o querido
mestre. O processo do luto, tão presente nas aulas, culminou com o
encerramento da disciplina Abordagens Filosóficas da Educação com uma
homenagem póstuma. Seguimos nosso caminho, vivenciando o paradoxo do
tema que se torna infeliz, enquanto vivenciamos a o processo luto e suas
implicações, feliz talvez pela relevância do próprio tema, descobrindo e
vivenciando o que a teoria propõe.
Apresentado minha trajetória formativa e profissional, justificando
também o interesse pela investigação, vejamos o enfoque e objetivos da
pesquisa. O enfoque se dá a partir do significado do luto por morte de
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professores, coordenadores e diretores, como sujeitos de um processo de
interação com alunos, e como podem realizar atividades que proporcionam
apoio àqueles que sofrem pelas consequências da dor no luto, algumas vezes
sem o conhecimento da própria comunidade escolar.
A pesquisa foi realizada em 2 escolas públicas da Grande São Paulo.
São escolas que não diferem entre si, mas que trazem histórico semelhante da
violência urbana. Inicialmente nossa proposta consistia em três escolas, porém
após várias tentativas na escola que denominamos “C”, não foi possível a
realização. Cheguei a ter um contato com a diretora e entregar o questionário
estruturado, que se prontificou a aplicá-los com os 20 profissionais da escola,
que voluntariamente se propuseram a responder. No dia da entrega dos
mesmos, a diretora não se encontrava na escola. Após mais de uma hora de
espera, fui informada que não seria possível a entrega dos questionários, desta
maneira, a impossibilidade da pesquisa. No Capítulo II, - Luto na escola: opinião
de professores, coordenadores e diretores apresento um subtítulo que revela a
não entrevista, que por si só torna-se tema sugestivo para um estudo de caso. O
que não foi possível de realizar nessa investigação, mas que considero
pertinente relatar na pesquisa.
O objetivo dessa pesquisa é compreender qual o significado do luto
por morte para professores, coordenadores e diretores e suas concepções sobre
o tema do luto na escola e a relevância que atribuem a mesma como rede de
apoio oferecido a estudantes em situações de luto.
No capítulo 1 – Entendendo conceitos – apresento uma breve reflexão
dos conceitos sobre a morte, e o luto. Como referências para a organização
desse capítulo, foram selecionadas os seguintes autores: Elisabete Kübler-Ross
(2000), Maria Helena Pereira Franco (2002), Maria Julia Kovács (2004), Lucélia
Elizabeth Paiva (2011). Revisito a pesquisa com recorte bibliográfico realizada
por mim, por ocasião da conclusão do curso de bacharel em Teologia, cujo tema
foi: “Um estudo do luto parental como subsídio para o aconselhamento pastoral
em situações de morte”. Também traçamos sucintamente o cenário da morte no
Brasil, a partir de os dados apresentados em noticiários. Apresento a proposta
do Laboratório de Estudos sobre a Morte - LEM – USP, que aborda a
necessidade de apoio e ações que a escola pode desenvolver frete a estudantes
17
enlutados. Também, a experiência de uma professora que desenvolve
atividades de apoio mediante o luto.
Para referência de um caso de morte na escola, em Realengo, Rio de
Janeiro, aportamos dados em pesquisas em alguns noticiários e documentários.
O capítulo 2 - Luto na escola! Opinião de professores, coordenadores
e diretores - é dedicado à apresentação da metodologia da pesquisa de campo.
Na primeira fase encaminhei um questionário estruturado às duas escolas
públicas, ambas situadas na Grande São Paulo, com o retorno de 23 respostas.
Na segunda fase, foi realizada a entrevista de aprofundamento com 8 perguntas
semiestruturadas. Essa etapa foi realizada com 10 sujeitos sendo 4 sujeitos da
escola “A” e 6 da escola “B” que se apresentaram voluntariamente e que
participaram da primeira fase para a realização da investigação,
Para o capítulo 3 - Significado da perda por morte e a atuação da
escola no enfrentamento do luto - realizo a análise dos conteúdos, apresentando
3 temas: significado em perder uma pessoa por morte; dificuldades e ou
facilidades em lidar com as questões de luto/morte na escola; papel de gestores
e educadores frente as manifestações de luto entre estudantes na escola.
A referência para análise de conteúdo dos dados coletados se apoiou
em Zeila de Brito Fabri Demartini (2001) e Maria Isaura Pereira de Queiroz
(2003). Nas considerações finais recupero, em síntese, as discussões realizadas
nos capítulos articuladas com as análises das representações que a pesquisa
possibilitou.
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CAPÍTULO 1- ENTENDENDO CONCEITOS: POSSÍVEIS
CAMINHOS PARA COMPREENDER A MORTE, O LUTO E A
PERDA
O objetivo deste capítulo é apresentar alguns conceitos chaves que
possibilitam compreender a temática desta pesquisa. Nesse sentido, antes
mesmo de iniciar a reflexão sobre o processo do luto na escola e como a equipe
escolar (professores, coordenadores e diretores) pode ajudar estudantes
enlutados a lidarem com essa situação considerada desafiadora e até mesmo
difícil de ser superada, considero pertinente trazer alguns conceitos que podem
elucidar os caminhos que a morte, o luto, e a perda trazem consigo.
Neste capítulo ainda, apresento o referencial teórico que nos permite
discutir os conceitos acima anunciados, tais como as contribuições de Maria
Julia Kovács1, Maria Helena Pereira Franco2, Elisabete Kübler-Roos3 e Lucélia
Elizabeth Paiva4, referências em estudos do luto no campo da Psicologia e da
Educação.
Destaco a importância da temática de uma educação para a morte, a
partir da abordagem de Kovács (2003), e o uso da literatura infantil como
recurso para abordar a morte com crianças e adolescentes, proposta de Lucélia
Paiva (2011). O conto de Guimarães Rosa, Fita verde no cabelo - Nova velha
história5 proporciona a reflexão acerca da linguagem metafórica como um
1 Professora livre docente do Instituto de Psicologia da USP, Coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM). Renomado nome nos estudos e contribuições sobre a morte no Brasil. 2
Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia Clinica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-doutorada pela University College London, Londres. Coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em situações de perdas e luto. 3
Psiquiatra dedicou seus estudos a pacientes terminais e cuidados em meio às perdas. Referência internacional no que se refere às situações de luto, morte e morrer. 4 Psicóloga, com atuação nas áreas clinica hospitalar e educacional. Doutora em Psicologia pela
Universidade de São Paulo (USP). Ministra palestras, cursos nas aéreas de tanatologia, luto infantil, literatura infantil e cuidado ao cuidador. Centraliza suas pesquisas também em situações de crise, emergência, doenças, morte, perdas e luto. 5 Texto na íntegra se encontra no item 1.3 (FALANDO DE MORTE NA ESCOLA, p.37), retirado do site http://amorecultura.vilabol.uol.com.br/fitaverd.htm. Acesso em 05/05/12 às 23h15
19
recurso facilitador na abordagem do tema da morte. Importante recurso nas
questões que abrangem o processo de apoio a situações do luto.
1.1 O FENÔMENO DO LUTO E SEUS DESDOBRAMENTOS
Nesse item vamos abordar os seguintes aspectos: uma abordagem
geral sobre o luto, suas etapas, com destaque para o luto normal e patológico, e
os estágios do morrer, abordagem elaborada por Kübler-Ross (2000). Após
conceitos fundamentais sobre o luto, apresento a importância do tema da morte
na escola é apresentada por algumas abordagens que compõem recursos que
podem ser trabalhados com estudantes enlutados, como o uso da literatura
infantil e sua função humanizadora.
A morte apresenta-se como tema desafiador e difícil porque nos leva
a uma reflexão existencial. O medo da morte, presente no ser humano,
contribuiu para que o assunto seja tratado como distante da realidade. Ela, a
morte, nos incomoda. Frente a ela nos sentimos nus, impotentes.
Dificilmente aceitamos que a morte faz parte do desenvolvimento
humano. Muitas são as indagações sobre a morte e o morrer. O conhecimento e
a vivência na vida podem nos levar a muitos caminhos que podemos escolher,
mas infelizmente - porque deixar de refletir sobre a morte é deixar de refletir
sobre a própria vida - não são muitos os que optam por “viver o seu morrer”.
Em uma sociedade voltada para hedonismo6, observam-se índices
violentos de homicídios, acidentes, fatalismos. Pouco se fala sobre a morte em
si, mas com certeza se pensa nela. Poupamos as crianças de falar sobre a
morte de avós ou parentes próximos. Apenas tentamos dar um sumiço naqueles
que morreram. Nesse sentido, cabe a pergunta de Kovács (2005): até quando
lutos mal resolvidos estarão presentes devido à própria negação da morte? Ou
ainda, é possível uma educação para a morte no século XXI?
6 O hedonismo surgiu na Grécia. Do grego hedonê, ("prazer", "vontade") é uma teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o supremo bem da vida humana. O hedonismo filosófico moderno procura fundamentar-se numa concepção mais ampla de prazer entendida como felicidade para o maior número de pessoas. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hedonismo, acesso em 25/04/2012 às 18h10.
20
A fim de aproximarmos de um conceito sobre a palavra morte, recorri
à versão do Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, que diz:
A palavra morte tem origem da palavra grega (thanatos). Desta palavra decorrem outras raízes ligadas à morte, como
(thanatoo- matar), (athanasia- imortalidade),
(henesko-morrer, apothnesko-morrer),
(synapothnesko-morrer juntamente com alguém),
(thnestos-mortal)7
A centralidade do significado de thanatos “ato de morrer” permite o
desenvolvimento dessa pesquisa: o enfoque do luto por morte. A palavra luto
remete a outros tipos de perdas, como enfrentamento de desemprego, divórcios,
separação física, entre outras. O senso comum algumas vezes leva a associar a
palavra luto apenas a morte; por essa razão, a importância em considerar o luto
por morte, apresentando a origem da palavra grega. A morte é a cessação da
vida. A maneira como entendemos este e outros conceitos teóricos que
perpassam nossa realidade pode orientar nossa postura diante do luto. O ideal é
que cada um possa percorrer este caminho consciente de que, embora o
reconhecendo como difícil e doloroso, trata-se de algo inerente a todo ser
humano.
Diante disso, em entrevista ao Programa Café Filosófico8, a jornalista
Rosely Sayão9 afirma que atualmente presenciamos uma reação frente ao luto
que pode ser concebida por alguns como banalização do tema ou mesmo um
tabu, ou o apagamento da morte, quando algumas pessoas evitam abordar o
assunto especialmente com as crianças. Aborda entre outros assuntos, a morte
como um tabu entre algumas famílias que, provavelmente, não sabem lidar com a
temática.
A abordagem da jornalista proporciona uma importante e significativa
visão de como a sociedade atual lida com assuntos considerados não prazerosos.
7 Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. BROWN, Colin; COENEN, Lothar
(orgs); {tradução Gordon Chown} – 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 1315 8
www.cpflcultura.com.br/evento/filhos-melhor-nao-te-los-rosely-sayao. Acesso em 10/03/2012 às 23h45 9
Psicóloga e consultora educacional. Possui vasta experiência em clínica, supervisão e docência. Presta consultoria em empresas e escola dissertando sobre cidadania e sobre educação de crianças e adolescentes.
21
Ressalto neste trabalho a importância de que a temática não seja transferida ao
cuidado da escola, mas a escola precisa estar preparada para enfrentar o diálogo,
o apoio, visto que algumas famílias não realizam tal ato. A abordagem a seguir,
apresenta alguns conceitos e definições sobre o luto por morte e suas
implicações, informações que podem contribuir no enfrentamento de situações de
luto no contexto escolar.
1.1.1 Considerações gerais sobre o luto
A temática do luto está ligada ao sentimento de perda ou ausência de
algo ou de alguém. Já a forma como o enlutado viverá a experiência da perda e
consequentemente do luto será definida pelas condições em que tal processo se
dará.
Para facilitar nosso entendimento, recorremos a alguns significados
em dicionários. No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa verificamos:
1. Sentimento de tristeza profunda por motivo da morte de alguém. 2. Luto originado por outras causas (separação, partida, rompimento, etc.); amargura, desgosto. 3. Tempo durante o qual devem manifestar-se certos sinais de luto. 4. O fato de perder um parente ou pessoa querida; perda por morte. 5. A roupa, geralmente preta, que traja a pessoa enlutada e p. ext. os crepes, os panos negros usados para forrar a câmara ardente, a casa, a igreja, a fachada de edifícios, etc. em sinal de luto por alguém; dó. 6. Conjunto de sinais externos (por exemplo, negro no vestuário do mundo cristão, mas azul no Japão, branco na China, etc.) que os costumes associam à perda de parente próximo ou pessoa querida. 7. Antrpl: observância de formas de comportamento costumeiras e convencionais que expressam a desolação e o desespero por parte dos parentes do morto no período que se segue ao seu falecimento {podem incluir, além de prescrições relativas às roupas, o isolamento, o jejum, o a abstenção de sexo, a automutilação, o corte dos cabelos p/ raiz, etc}- Guardar luto: respeitar o período do luto, de acordo com os costumes de cada sociedade10.
10 HOUAISS, Antônio (1915-1999), VILLAR, Mauro de Salles (1939-). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa/ Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar, elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados Ltda Língua Portuguesa S/C Ltda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.1784.
22
A maioria das culturas, se não todas, têm maneiras aprovadas de
satisfazer as necessidades em ocasiões de luto, conforme as definições 5, 6 e 7
do conceito apresentado. Se é verdade que, em se tratando de luto, um
determinado comportamento ou ritual é considerado expressivo e significativo
em certa cultura enquanto que em outra o mesmo não carrega importância
semelhante, também é verdade que cada sociedade manifesta seu sentimento
em relação ao “ente querido’’ seja “guardando o luto’’, ou desenvolvendo outra
prática como forma de expressar a saudade do ente querido.
A palavra luto encontrada no Novíssimo Dicionário Latino – Português
nos remete ao sentido de que no luto a dor, lamento, pesar, são situações que
podem fazer parte do processo desencadeador.
Luctus: dor, mágoa, lástima, dó, nojo, aflicção. Magoar
profundamente a alguém. Lamentos, gemidos, ais, soluços, choros, lágrimas. Estar banhado em lágrimas. Perda, morte. Estar em desespero pela morte do filho”11.
A citação acima faz com que estejamos atentos também a possível
dor presente entre jovens enlutados. Jovens, algumas vezes, têm dificuldades
em expressar seus sentimentos, e mesmo a tristeza, a lágrima vertida pela
ausência, perda de alguém por morte pode não estar expresso de uma maneira
nítida. Por esse motivo, torna-se importante conhecer os desdobramentos
possíveis no processo do luto.
No decorrer deste capítulo verificamos que em cada estágio do luto os
conceitos apresentados nos dicionários fazem parte do dia-a-dia dos enlutados.
Vejamos, o que diz o Dicionário Interdisciplinar da Pastoral da Saúde:
Luto: 1 A separação na vida - O nascimento constitui a primeira separação e é o protótipo de todas as outras. A criança deve abandonar a segurança e a proteção do ventre materno e ser introduzida no mundo para tornar-se criatura independente. Seu primeiro gemido, mostra que chegou à família humana. Para crescer, deve aprender a arte da separação: abandona a infância para entrar na juventude, diz adeus à juventude para entrar na maturidade, deixa a maturidade para entrar na terceira idade e na
11 Novíssimo dicionário Latino - Português. Regido segundo o plano de L. Quicherat. Compilado por F.R. dos Santos Saraiva. 11ª.ed. Belo Horizonte/Rio de Janeiro. Livraria Garnier, 2000. p. 691.
23
velhice. A vida é cheia de despedidas e de ritos que educam para o provisório, aceitando a dor, enfrentando a solidão para poder descobrir novos horizontes. Deixa-se a casa para ir a escola; as brincadeiras para trabalhar; a família de origem para construir uma nova; o trabalho para aposentar-se; a vida para encontrar a morte; a morte para entrar na vida eterna. A vida impõe a lei da morte. Há quem perde o próprio contexto cultural ou o trabalho, os bens materiais ou os humanos e espirituais, os laços afetivos ou a saúde, a própria identidade e até a esperança. Toda perda lembra a caducidade de todas as coisas: “Para tudo há momento e tempo: tempo para dar a luz e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de chorar e tempo de rir...” (Ecl 3, 1-8) Sempre se diz adeus a alguém ou a algo e as pequenas separações nos preparam para enfrentar as mais difíceis e definitivas. O luto é o preço que se paga pelos próprios apegos e afeições12.
A definição acima completa o entendimento do ciclo vital do ser
humano. Nasce, cresce se desenvolve e, um dia, morre. Nesse ciclo sistemático,
alguns de nós precisamos (re) aprender a viver. E, para tanto, o conhecimento
do significado da palavra luto é fundamental, possibilitando diferentes posturas
diante da morte.
As definições referentes a pesar, dor, tristeza, perda apresentam
similaridades. Notavelmente, a perda está presente no luto. Ela é o fator
desencadeante para esse processo; não há luto sem perdas.
Estas ocorrem por diferentes motivos, não somente por morte, mas
também por divórcios, rompimentos de diferentes relacionamentos afetivos,
rupturas no dia-a-dia, etc. Franco (2002, p.133), afirma que “o luto é um
processo de elaboração e resolução de uma perda real ou fantasiosa pelo qual
todas as pessoas passam em vários momentos da vida, com maior ou menor
sucesso” Com êxito, o enlutado pode ser motivado à busca de novos
significados para questões norteadoras de sua vida enquanto o fracasso pode
levar a situações que requerem ajuda de especialistas da área ou pessoas
próximas, que geralmente são os primeiros “ajudadores”.
Embora o sentido da perda se faça por diferentes significados,
considero importante evidenciar que no luto por morte a perda física, a ausência
de um ente querido, poderá ser considerada uma dificuldade no enfrentamento
12 CINÀ, Giuseppe. LOCCI, Efísio. ROCCHETA, Carlo. Dicionário Interdisciplinar da Pastoral
da Saúde. Trad. Calisto Vendrame, Leocir Pessini e equipe. São Paulo: Paulus, 1999. p. 708
24
no processo do luto. Apresento no item seguinte alguns apontamentos
considerados pertinentes ao processo do luto.
1.1.2 Processo de luto
Para Bowlby (1985), só existe luto quando houve um vínculo que
tenha sido rompido, o vínculo entre indivíduos se forma à medida que se obtém
uma base de segurança e se faça presente sempre como ponto de apoio nos
momentos de riscos e ameaças. Quando se perde essa base, passa-se a uma
situação temerosa e ameaçadora, fazendo com que o luto e a desvinculação da
proteção e sobrevivência dessa resulte em sofrimento pela perda, sofrimento
esse expresso de forma diferente, de acordo com cada cultura.
Entendo que entre estudantes o vínculo mantido pela convivência
diária, a aproximação pelos mesmos interesses, possibilitam que o
relacionamento seja construído à medida que os vínculos vão se tornando cada
vez mais significativos. A morte de um colega de classe, ou a morte de alguma
pessoa que mantenha o vínculo, pode trazer ao enlutado uma dificuldade de
uma maneira geral, não somente na escola. Se considerarmos que no processo
do luto a perda pode ser uma dificuldade para a resignação da vida, torna-se
importante conhecer as reações possíveis.
Para Bowlby (1985, p.119) o processo de luto, por definição, é um
conjunto de reações diante de uma perda, e compõe-se de quatro fases:
1. Fase de choque que tem a duração de algumas horas ou semanas e pode vir acompanhada de manifestações de desespero ou de raiva. 2. Fase de desejo e busca da figura perdida, que pode durar também meses ou anos. 3. Fase de desorganização e desespero. 4. Fase de alguma organização.
Na primeira fase, quando ocorrem expressões emocionais intensas,
ataques de pânico e raiva, é aconselhável a companhia de outras pessoas. Isso
25
porque, nessa fase, a pessoa se sente frágil e desprotegida. Alterações
emocionais deixam-na em estado de choque.
Na segunda fase, da negação, o/a enlutado/a alimenta a esperança
de que tudo não passou de um pesadelo. Quando enfim ocorre, definitivamente,
a percepção de que houve efetivamente uma perda, aparece,
compreensivelmente, a raiva e a revolta. A consciência da realidade da morte
provoca desespero, insônia e preocupação.
Na fase de desorganização e desespero, muitos/as enlutados/as, com
medo de continuar a vida sozinhos/as, procuram alguém que possa ocupar o
lugar da pessoa ausente. São poucos os que optam por permanecerem
sozinhos/as, readaptando-se a uma nova vida.
A última fase caracteriza-se pela aceitação da perda e constatação de
que uma nova vida precisa ser iniciada. Se quando atingida, essa fase
pressupõe a elaboração e o desenvolvimento de um processo saudável de luto.
Isso porque, se o enlutado antes dependia de seu ente querido para realizar
desde pequenas até grandes tarefas, passa agora a adaptar-se a uma nova
realidade.
1.1.3 Estágios do morrer – implicações para o luto
A seguir, apresento a síntese do pensamento de Kübler-Ross (2000,
p.43-118) acerca dos estágios da morte e as implicações consequentes para o
luto. Abordagem que esclarece também as possíveis situações de luto normal
ou patológico, assunto apresentado posteriormente a este.
Uma forma de encarar e conhecer o processo da morte e do luto é
apresentada pela autora Kübler-Ross (2000) que utiliza o conceito de “estágios”.
Para ela, são cinco os estágios presentes no processo do luto. O conhecimento
desses estágios permite um entendimento maior do processo que o enlutado
também poderá passar, uma vez que, seja ele próximo ou distante do
moribundo, sofrerá o luto antecipado ou o pós-morte.
A relação inicia-se com o estágio chamado de Negação: a notícia é
uma surpresa e aqueles que a recebem negam-na ou isolam-se, fugindo muitas
26
vezes do convívio social. Negam aceitar que algo errado possa estar
acontecendo. A ira é o estágio que substitui a negação por sentimentos de
raiva, revolta e ressentimento. A raiva contra Deus, contra as pessoas ou a
própria vida podem ser nutridas pelo sentimento de medo, traição (de Deus) e
pelo descontrole emocional. Na barganha tenta-se negociar com Deus, na
esperança de recuperar um passado não muito saudável com a pessoa que
morreu. Na depressão, o paciente ou enlutado é tomado de sentimentos de
grande perda e experiências, sintoma clínico de depressão. A conscientização
da morte, de que ela é inevitável, pode levá-lo/a ao desespero e a viver sem
esperança. Na recuperação, a pessoa percebe que sua vida continuará com um
novo ajuste e objetivos diferentes. Para algumas pessoas, esta fase é
passageira enquanto que para outras, longínqua, podendo levá-las à morte. No
estágio, aceitação, o paciente concebe que a morte se aproxima e que a
possibilidade de cura em seu tratamento é impossível. Provavelmente desistindo
de “lutar” com a morte, o paciente se entrega a ela. Também pode acontecer no
momento de “partir”, consciente da chegada final. Muitas pessoas passam pela
fase da depressão e entram na fase da aceitação. A pessoa entende que vai
morrer, mas tem uma perspectiva sobre a sua morte. Essa perspectiva tem
muito a ver com o centro de sua vida, as crenças, a fé, sua teologia. Outros
fatores importantes são o tipo de apoio da família, amigos, e também grupos de
apoio.
O que diferencia a enlutado e o paciente nos estágios da morte
obviamente é a interrupção da vida daquele que partiu. Enlutados vivenciam
esses estágios e a esperança pode ser uma perspectiva de motivação em
continuar vivendo. Fazer do sentimento de saudade novas perspectivas de vida
pode ser fator desencadeante para a elaboração do luto normal.
Sobre esse assunto, passamos a refletir sobre luto normal e
patológico, também conhecido como luto complicado. Conforme Freud (1984,
p.108), algumas pessoas reagem de maneiras diferentes frente ao luto. Vejamos
o que afirma:
Freud definiu o luto como sendo uma reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas, as mesmas influências
27
produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos que essas pessoas possuem uma disposição patológica13.
O conhecimento do processo do luto normal e patológico possibilita
uma maior compreensão das reações adversas, assim como de perdas objetais.
Para tanto, me apoio em Franco (2002) para compreendermos essa
diferenciação entre os dois tipos de luto apresentados pelo autor.
1.1.4 Luto normal e patológico
As reações apresentadas durante o processo do luto diferem de
pessoa para pessoa. Não se fala dessa ou daquela reação como certa ou
errada, positiva ou negativa. As reações podem, no entanto, serem
consideradas como características de luto normal ou patológico.
Muitas pessoas que vivenciaram lutos indagam se suas reações
diante do sofrimento são normais. As implicações que as reações trazem à sua
nova maneira de viver, agora sem o seu ente querido, refletem-se no dia a dia e
são perceptíveis nas várias alterações que provocam não somente na rotina,
mas no físico, no emocional, forma de conceber o sentido da existência.
Franco (2002) pontua que, de acordo com a American Psychiatric
Association, o luto normal não é considerado doença mental. No luto normal,
reações adversas diante do sofrimento são consideradas normais e mesmo
esperadas. Entre essas reações encontram-se quadros depressivos com alguns
sintomas como insônia, diminuição de apetite e perda de peso.
Apresento a seguir um quadro compilado por Franco (2002) que
exemplifica características importantes no processo de lutos normais e
patológicos:
13 Freud menciona a perda desconhecida que se produz na melancolia. Isso nos leva a
relacionar a melancolia com a perda do objeto que é subtraída a consciência. È um processo duplo pelo qual o indivíduo vai se constituir, a partir da perda do primeiro objeto.
28
Quadro 1 - Diferenciação entre o luto normal e o luto patológico
LUTO NORMAL LUTO PATOLÓGICO
1) Identificação normal com o falecido. 1) Identificação excessiva e anormal com o falecido.
2) Pouca ambivalência para com o falecido.
2) Maior ambivalência e raiva inconsciente para com o falecido.
3) Choro; perda ou aumento de peso; libido diminuída; retraimento; insônia; hipersonia; irritabilidade; concentração e atenção diminuídas.
3) Similar ao luto, em relação a qualidade, mas com maior intensidade.
4) Idéias suicidas raras. 4) Idéias suicidas comuns.
5) Auto-imposição de culpa relacionada ao modo como o falecido foi tratado.
5) A auto-imposição de culpa é global.
6) Ausência de sentimentos globais de inutilidade.
6) A pessoa pensa ser inútil ou má em termos gerais.
7) Evoca empatia e solidariedade no médico.
7) Geralmente evoca aborrecimento e irritação médica.
8) Com o tempo, os sintomas cedem; autolimitados desaparecem de uma maneira geral em seis meses, podendo se estender até ao redor de dois anos.
8) Os sintomas não aliviam com o tempo, e podem piorar, podendo persistir por vários anos se não tratados.
9) Vulnerabilidade a doenças físicas e psíquicas.
9) Vulnerabilidade a doenças físicas e psíquicas.
10) Resposta a reasseguramento e contatos sociais.
10) Ausência de resposta a reasseguramento; afasta contatos sociais.
11) Não ajudado por medicamentos antidepressivos.
11) Ajudado por medicamentos antidepressivos.
Fonte: Dados apresentados por FRANCO, 2002, p. 136
O quadro acima apresenta características do luto normal e patológico
também conhecido como complicado. Como em outros tipos de luto por morte,
conhecê-las proporciona requisitos prévios que podem contribuir para uma
melhor compreensão do processo do luto no contexto escolar.
A proposta seguinte é refletirmos acerca da importância da educação
para a morte, consequentemente a presença do luto por morte na escola.
Em seus estudos, Kovács (2003) aborda a importância da educação
para a morte na escola, momento que possibilita conhecermos a parceria do
LEM- Laboratório de estudos da Morte, com a Escola de Aplicação da USP e
atividades sugeridas pelo Projeto Falando de Morte. Posteriormente, apresento
a experiência da educadora Carlyne Cardoso Paiva, e sua práxis em sala de
29
aula, relato esse apresentado na I Jornada do Luto, organizada pelo LEM-USP
em maio de 2012.
1.2 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO PARA A MORTE
Para Kovács (2003), é necessário pensar na ampliação do escopo da
educação para a morte numa sociedade em que a morte interdita se torna cada
vez mais presente.
A morte escancarada bate a nossa porta a cada dia, não escolhendo
gênero, idade, nível cultural ou econômico. Diversas e diferentes imagens
mostram a morte desencadeada por acontecimentos drásticos que resultam na
morte precoce de adolescentes e jovens. Mas, não podemos esquecer as
mortes ocorridas naturalmente e das pessoas que se encontram enfermas,
algumas em fase terminal. Considerando que “o avanço da medicina traz a
possibilidade de maior convívio com os processos de morrer, alguns com
intenso sofrimento tanto para familiares como para profissionais da área de
saúde e educação” (ibid., p.155), a reflexão sobre a temática de uma educação
para a morte ´torna-se relevante também no contexto escolar.
A importância de uma educação para a morte se torna um paradoxo:
o desejo talvez de ocultar a morte e adiar o processo de morrer, e a
necessidade de espaços de compartilhamento sobre o tema. Nesse sentido,
refletir sobre a morte com estudantes, sejam enlutados, e equipe técnica, torna-
se uma temática relevante. A partir dessas considerações, considero importante
a discussão do tema da morte na escola, assunto abordado a partir da proposta
significativa de Kovács (2003) e do Laboratório de Estudos sobre a Morte da
USP.
Atualmente, ainda que algumas escolas desenvolvam programas de
apoio a estudantes enlutados, ainda é um assunto considerando ausente do
cenário escolar e, infelizmente não é dada a importância que o tema sugere.
Provavelmente pela falta de preparo de professores, ou até mesmo a dificuldade
em lidar com essa temática, não somente na escola, como na vida de uma
maneira geral, alguns profissionais na escola não desenvolvem ações que
30
contemplem abordagens que possibilitam apoio mediante situações em que a
morte, o luto e perdas estão presentes.
À titulo de exemplo dessa possível parceria, o LEM - Laboratório de
Estudos sobre a Morte - oferece parcerias entre a Universidade e escola.
Fundado em março de 2000, o Laboratório faz parte do Departamento de
Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). A
justificação para sua criação é a importância dos estudos sobre a morte e o
morrer. Kovács é a coordenadora do LEM e apresenta algumas propostas de
atividades oferecidas (op. cit., p. 156):
1- Oferecimento da disciplina “Psicologia da Morte” especialmente para professores ou convidados a frequentarem a regularmente, oferecida no Instituto de Psicologia da USP. 2- Criação de espaços de treinamento em serviço na própria escola, com módulos específicos como, por exemplo: comunicação com uma criança que sofreu a perda de pessoas significativas; integração de uma criança gravemente enferma nas atividades didáticas e de recreação; discussão e reflexão sobre comportamentos autodestrutivos e suicídio entre jovens, mortes de jovens em acidentes. 3- Oferecimento de assessoria contínua sobre aspectos como: a) Preparação de atividades pedagógicas para abordar o tema da morte na escola. b) Manejo dos educadores com crianças e adolescentes que estejam passando por situações de perda e luto. c) Proposição de bibliografia, específica ou correlata, para subsidiar a formação de professores. d) Apresentação, discussão e preparação dos professores para o uso dos DVDs do Projeto Falando de Morte: a criança e adolescente. Propor reflexão dos temas abordados e como poderão ser usados em atividades didáticas e regulares para esse fim.
Em sua descrição, Kovács (2003), apresenta outra iniciativa do LEM
que é a pesquisa na Escola de Aplicação da USP, via programa de Iniciação
Científica, utilizando-se da série de filmes do Projeto: Falando de Morte. O
projeto trata-se de recursos audiovisuais que possibilitam reflexão e abordagem
com a temática da morte especialmente aos públicos: infantil, adolescente e
idoso.
O Projeto tem como objetivos principais a produção de filmes com
roteiros e imagens que facilitem a sensibilização e a comunicação entre o tema
da morte; proporcionar que os filmes sejam instrumentos facilitadores para a
31
discussão da temática da morte em diversos locais como escolas, hospitais,
domicílios (ibid., p. 133). O último DVD da série, lançado na I Jornada de Luto e
Morte, realizado na USP em maio de 2012, completa a série sobre a temática:
Falando de morte na escola. O filme é direcionado a estudantes que passam por
situações de perdas e luto. A proposta do LEM é para uma discussão sobre o
tema abordado, em que a opinião dos estudantes que assistiram ao filme, pode
ser o início de um diálogo, tendo o próprio filme como tema facilitador para a
comunicação.
Em palestra proferida na I Jornada do Luto em maio de 2012, a convite
do LEM- USP, a professora Carlyne Cardoso Paiva14 apresentou sua prática
pedagógica em abordagens sobre as temáticas do luto e morte e o apoio
essencial que a escola pode oferecer a alunos enlutados. Em entrevista
concedida15 a mim logo após sua palestra, relata sua experiência iniciada
aproximadamente 8 anos.
A ênfase em sua palestra ressalta sua experiência mais recente com
alunos do Ensino Fundamental I em uma escola da Grande São Paulo. À convite
da coordenadora da escola, Carlyne iniciou ações que possibilitaram reflexão e
apoio mediante ao luto. Na ocasião, o acontecimento do massacre em uma
escola em Realengo: “estavam todos muito abalados, se perguntando se aquilo
poderia acontecer na escola deles também”, conta a educadora. Essa situação
proporcionou o início da abordagem do tema da morte e luto entre estudantes e
educadora.
Carlyne foi a “escolhida” porque utiliza ferramentas de sua disciplina –
histórias e poemas – para trabalhar sobre morte e perda com os estudantes de
ensino fundamental II e médio. No caso do massacre de Realengo, pediu aos
alunos que falassem sobre o que estavam sentindo. As próprias crianças
propuseram fazer um minuto de silêncio em homenagem às vítimas, reunir-se
numa roda de orações (da qual só participou quem quis) e enviar cartas de apoio
14 Mestre em Teoria Literária, Universidade de São Paulo. Possui Bacharelado e Licenciatura em Letras, com habilitação em português, Universidade de São Paulo (2004). Atualmente é Profa. do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, na disciplina de Língua Portuguesa, pela Prefeitura Municipal de São Paulo. 15 ANEXO A - Entrevista com a professora Caryne Paiva.
32
aos colegas do Rio. “A gente tem que legitimar a dor do enlutado em sala de aula
e ouvir o sentimento do aluno”, defende a professora.
Poucas semanas depois, a própria Carlyne experimentou o luto, com a
perda da mãe. Foi então que seus alunos do sexto ano (crianças de 10/11 anos)
proporcionaram o acolhimento à sua dor: entregaram-lhe cartas e cartões com
mensagens do tipo “pera aí, você ainda tem a gente pra cuidar!”; deram-lhe um
banner com a foto da turma e fizeram ainda uma festinha em sala de aula porque
não queriam ver a professora triste. “Adultos não fariam isso. Os abraços de
muitos adultos foram uma formalidade, mas aquilo que as crianças fizeram veio
do coração. Foi o melhor presente que alguém já me deu”, diz Carlyne: “vale a
pena falar sobre o tema na escola, até para que as crianças desenvolvam
condições de lidar com a morte – um fato natural e inescapável da vida – de
forma mais saudável”.
Essa experiência confirma a importância da abordagem da temática da
morte, o apoio em situações de enfrentamento do luto, e no caso específico da
professora, o apoio pela perda de sua mãe foi primordial na sua dor, como já
citado anteriormente, sendo essa ação o melhor presente. O desafio maior da
equipe escolar talvez seja o enfrentamento de desafios inerentes à própria vida, a
morte. Explorar recursos didáticos e pedagógicos que proporcionem a abordagem
é a proposta que proponho a seguir.
1.3 FALANDO DE MORTE NA ESCOLA
Nas reflexões feitas até agora, vimos conceitos fundamentais sobre a
morte e o luto que possibilitam clarificar o processo desencadeador presente no
luto. Também refletimos sobre a importância da educação para a morte, tema
desafiador para educadores em abordagens com estudantes na escola.
Proponho a seguir a abordagem da literatura infantil como recurso possível de
ser utilizado em situações do enfrentamento da morte e seus desdobramentos.
Paiva (2011) apresenta a literatura infantil como recurso para abordar
a morte com crianças e educadores. A autora parte do pressuposto de que o
33
luto infantil não pode ser desconsiderado, faz parte da vivência da criança,
consequentemente, também é vivenciado no contexto escolar.
Em entrevista a jornalista Isabela Nóbrega16, a educadora Lucélia,
afirma que “podemos falar da morte com as crianças desde sempre. Não
devemos excluir o tema da morte de nossa vida”. Reconhecendo como um tema
difícil de ser abordado por alguns educadores, sugere que se fale com
naturalidade, com amor e humor, explicando que faz parte do ciclo da vida.
Indica também o uso da literatura infantil como recurso nas abordagens da
temática da morte também com estudantes e educadores.
Atualmente o número de crianças que passam a maior parte do dia
nas escolas aumentou consideravelmente devido aos horários de trabalhos dos
pais ou responsáveis, que exercem papel profissional e social que requerem
cada vez mais tempo fora do lar. Paiva (2011) reflete sobre a importância da
escola lidar com novas descobertas e aprendizados, entre eles, o luto, que faz
parte da história dos estudantes. “A escola não pode ignorar tal fato, ela ocupa
um espaço importante e significativo na vida da criança, e de estudantes de um
modo geral” (ibid., p. 52). Ao fundamentar sua reflexão, a autora se pauta em
Pavoni:
educar é formar e informar. Isso significa que temos que habilitar as crianças a viverem neste mundo felizes, sem conflitos, de maneira a não se desestruturarem. Isso implica que a educação deverá atender a criança nas suas características presentes [...] (1989, p. 54).
Essa afirmativa reforça que cabe a escola também construir caminhos
novos com alunos enlutados, pois reencontrar o sentido da vida é um desafio
em situações de perdas e luto. Se no processo do luto não houver apoio
necessário, certamente o luto se tornará patológico, assunto esse apresentado
anteriormente. Reconstruir e resignificar o sentido da vida mediante ao luto, a
dor, a perda, também faz parte da vivência escolar.
Conforme a proposta de Paiva (2011) podemos considerar a literatura
infantil um caminho que oferece reflexão, aprendizado, indagações e até mesmo
16 Entrevista concedida para Revista Construir Notícias, p.5.
34
respostas que abarcam a morte, o morrer, a dor, a luta no luto. Nesse sentido,
passamos a refletir o uso da literatura como recurso na abordagem da temática
sobre a morte, e luto. Entre alguns autores destaco: Bettelheim (2002), Brenman
(2005) e Radino (2003), para eles, o uso da literatura infantil é fundamental para
a comunicação de diversos assuntos.
A importância dos contos de fadas para o desenvolvimento cognitivo e
emocional das crianças foi defendida por um dos maiores psicólogos infantis,
Bruno Bettelheim17 em seu livro A psicanálise dos contos de fadas (16 ed., 2002)
aborda a importância dos contos de fadas e da literatura infantil como recursos
que podem auxiliar na compreensão de problemas interiores dos seres humanos
e soluções corretas nos “predicamentos em qualquer sociedade [...] (p.13)”.
Afirma que por ser a vida frequentemente desconcertante para a criança “ela
precisa ter a possiblidade de se entender neste mundo complexo com o qual vai
aprender a lidar [...]. Para ser bem sucedida neste aspecto, a criança deve
receber ajuda para que possa dar algum sentido coerente ao seu turbilhão de
sentimentos” (p.13) Nesse sentido, Bettelheim afirma que a criança encontra nos
contos de fada e literatura, a busca de significado, do sentido da vida, “[...]
através deles, podemos aprender mais sobre os problemas interiores dos seres
humanos” (ibid., p.13).
A criança passa por diversas situações conflitantes e
desconcertantes, que podem ser trabalhadas através dos contos de fadas, e da
literatura infantil. Conforme Bettelheim (2002, p.14), “o sentido mais profundo
dos contos de fadas para as crianças começam onde a criança se encontra no
seu ser psicológico e emocional. Os contos são capazes de “falar” com a criança
com suas pressões internas de um modo que ela inconscientemente
compreenda e desta maneira, encontre nos contos soluções tanto temporárias
quanto permanentes para possíveis dificuldades”.
Um aspecto importante na afirmativa de Brenman (2005) e que vai ao
encontro à reflexão de Bettelheim (2002), é a importância da interação entre
educadores e alunos. Brenman (2005, p.123.) menciona a roda de conversa
como espaço de encontro, pois nesta, “a criança ouve atentamente as histórias
e tira delas seu próprio aprendizado”. Para ele, ao ouvir histórias, a criança entra
17 Nasceu na Áustria em 1903 e morreu nos Estados Unidos em 1990.
35
em outro mundo, “o mundo da imaginação, que é atemporal”. Talvez esse seja
um desafio para alguns educadores, suscitar a imaginação do aluno. O recurso
da metáfora pode proporcionar tal prática, facilitando assim o entendimento de
temas considerados difíceis como a morte, a perda. No próximo subtema,
apresentamos um conto de Guimarães Rosa, que exemplifica nossa
argumentação.
Para Radino (2003), a imaginação da criança pode ser motivada a
partir do momento que é estimulada a ler. Ao imaginar o que lê, é estimulada a
ler melhor. Ao adquirir tal hábito, busca na leitura a possível solução de
problemas, o que para Brenman (2005) e Bettelheim (2002), nas palavras de
Lucélia Paiva, fica destituído, quando o que se lê não acrescenta nada de
importante à vida. Lucélia Paiva ao citar Bettelheim, reafirma que não há idade
específica para se utilizar a literatura infantil. “A história se faz na vida de cada
um. Cada um se faz na história18”. A importância da literatura infantil como
recurso para abordar a temática da morte torna-se significativa, pois possibilita
uma comunicação aberta com o estudante e oportuniza o diálogo de uma forma
natural. Para ela, as perguntas surgem de acordo com as dúvidas. Conforme
Cagneti e Zotz (1986), “a leitura é fonte inesgotável de assuntos para melhor
compreender a si e o mundo”, (Paiva 2011, p.75). Dessa maneira, a interação
de estudantes com a história, e com o próprio educador pode ser um momento
facilitador na abordagem da temática sobre a morte.
Histórias podem tocar, sensibilizar, comover pessoas que enfrentam o
luto. Cabe ao educador fazer com que essa realidade se torne possível. Sua
vocação possibilita que esses atos sejam possíveis mediante também a temática
da morte e do luto. Como nos afirma Rubem Alves (1984) “professor é profissão,
não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é
profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma
esperança” (p.11). Como educadores somos chamados diariamente à ação
“humanizadora do ser”, e essa ação pode também ser realizada no
enfrentamento do luto, ao apoio a estudantes enlutados.
Reencontrar o sentido da vida mediante situações de morte, dor,
perdas e luto, pode ser um caminho percorrido através do imaginário possível
18 Palestra proferida no dia 08/05/2012, na Associação Viva e Deixe Viver.
36
que as histórias proporcionam. Abramovjch (1999) concebe que o uso de
história nos leva a:
[...] suscitar o imaginário, ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas, encontrar ideias para solucionar questão...É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso dos conflitos, dos impasses, das soluções que todos nós vivemos e atravessamos – dum jeito ou de outro – através dos problemas que serão defrontados, enfrentados (ou não), resolvidos (ou não) pelas personagens de cada história (cada um a seu modo)...E cada vez ir se identificando com outra personagem (cada qual no momento que corresponde àquele vivido pela criança), e assim esclarecer melhor as próprias dificuldades ou encontrar um caminho para a resolução delas... É ouvindo histórias que também se pode sentir emoções importantes, como tristeza, raiva, irritação, bem-estar, medo, alegria, pavor, insegurança, tranquilidade e tantas outras mais, e viver profundamente tudo o que as narrativas provocam em quem as ouve. Ouvir, sentir e enxergar com os olhos do imaginário! (p.17).
A literatura infantil é um recurso significativo para abordagens do
tema sobre a morte na escola e pode ser oferecido com leituras, dramatizações,
e outros recursos que podem ser explorados proporcionando que o imaginário
dos estudantes seja uma forma de compreensão de situações vivenciadas, no
caso, enfrentamentos que a vida de uma forma ou de outra proporciona, ou em
situações como a morte, por exemplo.
A seguir, apresento o conto Fita verde no cabelo: a velha nova
história19, de Guimarães Rosa, como recurso, para abordagem de situações que
envolvam morte, luto, dor, perdas. Esse conto inicialmente pode ser uma
maneira para abordar talvez a própria dificuldade da equipe escolar,
(professores, coordenadores e diretores) em relação à temática da morte. Lidar
inicialmente com as próprias dificuldades pode facilitar lidar com a dor do outro.
A compreensão do processo do luto presente no conto pode proporcionar
ressignificações e novas abordagens sobre o processo de morrer, e de
enfrentamentos diante à morte e luto.
19 Fita verde no cabelo: a velha nova escola. Disponível em:
http://amorecultura.vilabol.uol.com.br/fitaverd.htm . Acesso em 05/05/12 às 23h15
37
FITA VERDE NO CABELO: NOVA VELHA HISTÓRIA
Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos
e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e
meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma
meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita
inventada no cabelo. Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a
amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita - Verde partiu, sobre logo, ela
a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava
vazio, que para buscar framboesas. Daí, que, indo no atravessar o bosque, viu só
os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido, nem
peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então ela, mesma, era
quem dizia: "Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a
mamãe me mandou". A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele
moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo e não o
outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe
correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com
inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se
cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a
gente tanto passa por elas passa. Vinha sobejadamente. Demorou, para dar com
a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu: -
"Quem é?" - "Sou eu..." - e Fita Verde descansou a voz. - "Sou sua linda netinha,
com cesto e com pote, com a Fita Verde no cabelo, que a mamãe me mandou."
Vai, a avó difícil, disse: - "Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus a
abençoe." Fita Verde assim fez, e entrou e olhou. A avó estava na cama,
rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado
um ruim defluxo. Dizendo: - "Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de
mim, enquanto é tempo." Mas agora Fita Verde se espantava, além de
entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo
atada; e estava suada, com enorme fome de almoço.
Ela perguntou: - "Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que
mãos tão trementes!" - "É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha
38
neta...." - a avó murmurou. - "Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados". - "É
porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta..." - a avó suspirou. -
"Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?" -
"É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha...." - a avó ainda
gemeu. Fita Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
Gritou: - "Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!..." Mas a avó não estava mais lá,
sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.
1.3.1 O uso da literatura infantil no enfrentamento da morte: uma
Possibilidade
Como se trata de um assunto complexo, o uso da metáfora como
recurso utilizado na literatura infantil, pode ser instrumento facilitador para
abordagens da temática da morte.
Paiva (2011), ao abordar os recursos literários como contribuições
significativas em temáticas sobre luto, morte e perdas no contexto escolar
(AMARAL, 1992; ALMEIDA, 2006) enfatiza que há várias modalidades de textos
possíveis de serem trabalhadas na literatura infantil: contos de fadas, fábulas,
contos maravilhosos lendas, biografias, momentos históricos romanceados,
documentários e textos narrativos. A escolha do conto de Guimarães Rosa para
suscitar nossa reflexão, se faz pela riqueza da mensagem metafórica, e também
pela genialidade com que o autor constrói a história.
O conto apresenta uma “meninazinha”, que a pedido de sua mãe, sai
para uma visita à sua avó. Leva consigo uns quitutes, para compor com
framboesas apanhadas no caminho. A menina é conhecida como Fita Verde, por
estar sempre com fitas dessa cor no cabelo. Escolhe o próprio caminho para
chegar a casa da vovó, não considerando os cuidados de sua mãe: “E ela
mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o
outro, encurtoso”.
39
Não encontra com o lobo pelo caminho, exterminado provavelmente
pelos lenhadores na floresta. Na casa da avó, se depara com uma situação
talvez conflitante, para ela.
Conforme Nerynei Bellini20 (2012), “A obra Fita verde no cabelo: nova
velha estória, de Guimarães Rosa, como o título prenuncia recupera uma velha
história, ou seja, a de Chapeuzinho Vermelho21, e apresenta uma nova história,
pois renova a linguagem e as soluções temáticas diferentemente do conto
clássico. Pode-se dizer que ocorre um “movimento pendular” de aproximação e
afastamento da história de Rosa em relação à tradicional, (afirma Nerynei
Bellini). Por isso, sob a forma do mágico e do maravilhoso traz o mito da
inocência e da morte, vigente nas entrelinhas da história Chapeuzinho
Vermelho, e propõe-lhe ressignificações. Isto porque, no conto de fadas há uma
solução feliz para a morte, pois, Chapeuzinho e a vovó são retiradas vivas da
barriga do lobo. Em Fita verde, a menina visualiza e presencia a morte, na figura
moribunda da avó, fato que lhe gera solidão e angústia. Entrar em contato com
situações de morte podem trazer momentos em que o inesperado se faz
presente.
Nerynei (2012) apresenta o conto como provavelmente a primeira e
intensa experiência traumática da menina, isto é, presenciar a morte da avó
moribunda. Isto na ótica da menina:
Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.” E ela se depara com seu aspecto desgastado e mórbido: “(...) rebuçada e só. Falar agagado e fraco e rouco”, “braços tão magros, mãos trementes”; “ a avó murmurou”; “lábios arroxeados”; “olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido (op. cit).
O diálogo travado entre a menina e a avó traduz a presença iminente
da morte:
20 Professora
da Universidade Estadual do Norte do Paraná, Centro de Letras, Comunicação e
Artes, de Jacarezinho. Tem experiência na área de Língua Espanhola, Leitura e Produção de Textos e Literatura Comparada, com ênfase em Letras e Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: projeto, atividades, publicações, literatura comparada, literatura brasileira, língua espanhola, teoria literária, modernidade, leitura, linguagens, língua portuguesa. 21
Autoria dos Irmãos Grimm.
40
-Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes! -É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta... – a avó murmurou. -Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados! -É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta... -a avó suspirou. -Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido? -É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha... a avó gemeu. Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez. Gritou: - Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!...(op. cit)
A fisionomia moribunda da avó, a proximidade da morte, o tempo se
esvaindo e a tentativa de estarem juntas no pouco momento que lhes restava,
verifica-se nas palavras que ela diz à neta: “vem para perto de mim, enquanto é
tempo” (op. cit).
Depois dessa visão, desses fatos, a menina percebe que perdeu a fita
verde do cabelo, perdeu a ingenuidade, a inocência diante dos reveses da vida,
perdeu a esperança diante da morte, mas ganhou experiência e maturidade.
Tem-se aqui o valor do conto de fadas, ou seja, levar o leitor seja ele infante,
púbere, jovem ou adulto a se deparar com os entraves da vida, como a perda de
alguém.
O narrador diz que a menina parece ter juízo pela primeira vez,
quando diz: “Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!” (op. cit)
O lobo simboliza a morte presente e premente na vida de Fita-Verde.
O conto termina com a ausência da avó e a menina sozinha diante de
um corpo frio e sem vida. Tristeza e desilusão encerram a narrativa. A garota
tem que encarar seus medos e, com isso, atinge a maturidade.
Apresento a seguir uma breve reflexão sobre a questão humanizadora
da literatura infantil sob a ótica de Paiva (2011). Importante ressaltar que a
função humanizadora pode ser compreendida como aquela que vem de
encontro com as contribuições possíveis de serem construídas a partir da
história do aluno.
41
1.3.2 A Função humanizadora da literatura infantil
Histórias fazem parte da vida da maioria das pessoas. Com elas
podemos abrir as portas da imaginação, descobrir novos mundos, solucionar até
mesmo problemas que às vezes não conseguimos lidar em nossos dilemas.
Histórias agradam não somente crianças, jovens, mas pessoas de qualquer
idade. Conforme Brenman histórias proporcionam “força, poesia, simplicidade
complexa, imagens e força criadora de novas palavras para velhos sentimentos”
(2003, p.125). Bettelheim (2002), afirma histórias é um recurso que favorece o
relacionamento interpessoal, fortalecendo vínculos, formando uma cumplicidade.
Nesse sentido, concebemos que a literatura infantil é uma ferramenta
fundamental para a pedagogia e para o tratamento terapêutico.
Segundo Paiva (2011, p. 78) “algumas escolas já priorizam a hora do
conto como um momento especial no dia da criança, contribuindo para o
desenvolvimento dos pequenos e lhes dando oportunidade de transitar por este
universo mágico”. Essa afirmativa da educadora enfatiza a importância da
literatura infantil no contexto escolar. Ela, a literatura, possibilita o
desenvolvimento da linguagem, da escrita, da organização de pensamentos, da
ampliação do vocabulário da imaginação e da concentração.
As histórias têm o poder terapêutico, pois ajudam emocionalmente as
crianças a enfrentarem suas dificuldades psicológicas. A criança identifica o seu
mundo real com o mundo mágico da literatura ocorrendo um vínculo que
possibilita a resolução dos conflitos internos. Tal consequência positiva que a
historia proporciona na vida da criança nos remete a importância de uma
literatura prazerosa.
A leitura deve ser prazerosa e para cada pessoa a história poderá ter
um sentido diferente. Cada história pode ser entendida e vivenciada de
maneiras diferentes. E a literatura, sendo prazerosa, adquire-se o hábito pela
leitura.
O ouvir histórias desenvolve a capacidade de escutar, o que em
tempos modernos tem sido prejudicado pela falta de comunicação entre as
pessoas e o ouvir permite entrar no mundo da imaginação.
42
O tema morte aparece em várias histórias sendo instrumento
importante para a formação da criança. Este tema pode trazer um sentimento de
tristeza, de dor e de perda que muitas vezes é um assunto desconhecido, mas
quando abordado nas histórias as crianças pedem para recontar outras vezes.
Nos estudos de Paiva (2011) a importância da literatura infantil como
recurso em abordagens na temática da morte são considerações relevantes e
que precisam ser conhecidas e praticadas por aqueles que desejam oferecer
suporte, consolo, ajuda a pessoas enlutadas.
Concordo plenamente com Paiva (2011, p.81) quando afirma que “a
literatura só tem valor quando o que se lê acrescenta algo de importante na vida
do leitor”. Ainda afirma que “a riqueza em se trabalhar com histórias é poder
entrar na brincadeira “do faz de conta”.
Com os argumentos apresentados, o convite é para mergulharmos no
mundo mágico da literatura infantil e construirmos uma relação humanizadora
com nossos alunos. O suporte em situações que envolvam a morte e o luto pode
ser um caminho possível de ser trilhado.
Finalizando esse item do trabalho, apresento a seguir, alguns dados
do cenário da morte de jovens no Brasil. Para que eu pudesse conhecer um
pouco da realidade da presença da morte nas escolas, recorri a noticiários e
documentários. Infelizmente foram inúmeros casos sobre tragédias em escolas.
Por ter o conhecimento de que a repercussão do fato ocorrido em Realengo, no
Rio de Janeiro, na escola Tasso da Silveira possibilitou o início da abordagem
sobre o tema da morte com os alunos da profª Caryne, considerei pertinente
registrar esse lamentável episódio, pois a temática da morte de estudantes e
consequentemente o luto, se faz presente.
43
1.4. O CENÁRIO DA MORTE NO BRASIL
Provavelmente algumas citações, entre elas o índice de mortalidade
no Brasil, não poderão ser conhecidas por alguns jovens estudantes devido
infelizmente ao fato de fazer parte dessa estatística. O que podemos entender
como a morte invertida, pois, não se espera a morte precoce de jovens. Por
mais relutantes ao tema, a morte é uma realidade na vida de cada indivíduo,
alguns de nós, concebemos que deveria ter um momento certo. Dificilmente
aceitamos que a morte de jovens pode tornar-se uma realidade possível e
presente, tornando-se tão próxima, principalmente quando perdemos alguém.
Não pretendo investigar todos os tópicos que compõem o cenário da
morte no Brasil, mas registrar alguns dados coletados pelo IBGE - Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística - que nos aponta índices lamentavelmente
significativos.
Conforme dados do (IBGE), 201022 aponta que o índice de mortes
entre jovens na faixa dos 15 a 24 anos por causas externas chega a 67%. A
região sudeste do país lidera com 91,9%. De acordo com o IBGE, o indicador
“Taxa de Mortalidade por Causas Externas” apresenta-se dividido segundo os
principais tipos de acidentes e violências, entre elas destaco: Taxa de
mortalidade por Agressões e Intervenções legais, (homicídio); Taxa de
mortalidade por Lesões Autoinfligidas (suicídios); Taxa de mortalidade por
demais causas externas; e Taxa de mortalidade por lesões onde se ignora se
foram acidental ou intencionalmente infligidas.
Diariamente, seja por noticiários ou in loco, constatamos casos em
que estudantes de diferentes idades estão envolvidos com essas causas
externas. Infelizmente mortes estão cada vez mais presentes dentro da escola.
Estudantes portando armas dentro da escola, e o crescimento do uso e tráfico
de drogas. Desta maneira a violência se faz cada vez mais presente no
cotidiano de jovens estudantes. Devemos considerar também, a morte
silenciosa, isso é: a morte não divulgada em índices, como morte naturais de
22 Disponível em: seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?...mortalidade...jovens. Acesso em
15/06/2012 às 22h40.
44
estudantes, e também causas diversas como enfermidades, as mortes que não
envolvem a violência, também se faz presente no dia a dia da escola. Um
aspecto importante mediante essa situação é lembrarmos que o luto estará
presente entre os que conviviam com aquele que partiu. Nesse sentido, o apoio
aos enlutados pode se tornar uma ação na escola.
Nesse sentido, apresento, o fato ocorrido na escola municipal Tasso
da Silveira, em Realengo - RJ, considerado a maior tragédia em escolas da
América Latina. Justifico a escolha devido à necessidade e importância da
escola estar atenta às situações inesperadas. Conforme pesquisa em
noticiários23, a escola tornou-se modelo de superação. As informações a seguir
foram pesquisas em documentários e revistas. Apresento a seguir uma síntese a
partir desses dados.
Na manhã do dia 7 de abril de 2011, um jovem de 23 anos chegou à
escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo no Rio de Janeiro, e fez com
que o Brasil entrasse, infelizmente, para a história de países que contabilizam
massacres de estudantes nas escolas, seguido de suicídio. Munido de armas e
muita munição, o ex-estudante desta escola, matou 12 crianças, sendo 10
meninas e feriu gravemente outros 12 alunos, entre meninos e meninas. Uma
aluna sobrevivente relatou que o atirador parecia ter a pretensão de apenas
machucar os meninos, atirando nas pernas e braços, já as meninas, levavam
tiros na cabeça, indicio de desejo de matá-las mesmo. Por ocasião de o fato ter
ocorrido há um ano, o programa “A Liga”, da Rede Bandeirantes de televisão,
apresentou no dia 10 de abril de 2012, uma reportagem completa sobre o
trágico acidente24. A data do dia 7 de abril de 2012 foi marcada por um dia
tenebroso principalmente às famílias das crianças que tiveram suas vidas
ceifadas de uma maneira brutal e desumana. O franco atirador, um jovem com a
aparência como de outro de sua idade, entrou livremente na escola e disparou
conforme relato mais de 100 tiros a queima-roupa, até ser detido por um policial.
O suicídio já era algo premeditado, conforme o assassino já havia escrito em
23 Jornal “O Estado de São Paulo” – Cidades/Metrópole – C6, 01/04/2012– “Escola de Realengo ensina superação”. 24 Programa apresentado no dia 10/04/2012 às 23h30 na Rede Bandeirantes. Documentário completo no site http:/youtube.com/watch?v=2j3noWfSVrA. Acesso em 14/04/2012 às 18h45.
45
cartas, momento também que expressa sua revolta por ter sofrido bullying e
desprezo por parte de seus colegas da Tasso da Silveira.
Após um ano do fato, a escola já pode ser considerada como modelo
de superação. Reformas no prédio, ações para a segurança, como identificação
para entrar na escola, porteiro e a Guarda Municipal presente constantemente
na escola, apoio psicológico aos alunos e funcionários da escola, estendido
também aos familiares dos alunos mortos são estratégias realizadas como
suporte ao luto coletivo. Por se tratar de uma escola pública, essas ações
consideradas normais talvez em escolas privadas, estão possibilitando o
recomeço em meio a dor. O diálogo travado entre profissionais da área de
saúde e pessoas que já passaram por situações de perdas e lutos por morte,
também possibilitam o apoio aos enlutados. Outra prática realizada na escola
são oficinas direcionadas a apoio que possibilitam a expressão de um recomeço
de vida coletivo.
O caminho até aqui trilhado procurou mostrar que a temática do luto
por morte se torna muito importante no contexto escolar, pois são situações
desafiadoras não somente para a equipe escolar, como para os próprios alunos
enlutados que podem apresentar dificuldades em agir ou reagir mediante a dor.
Em um primeiro momento, vimos conceitos pontuais sobre luto, perdas, seguido
de algumas abordagens de como trabalhar com a temática na escola.
No próximo capítulo apresento o relato dos caminhos percorridos para
a realização da pesquisa empírica; a não entrevista, conteúdo que proporciona
reflexão acerca do desafio da abordagem do tema na escola; o perfil dos
entrevistados, que participaram da primeira etapa da pesquisa respondendo o
questionário estruturado. Através dos dados respondidos, criei as tabelas que
possibilitam conhecer opiniões acerca da importância da educação para a
morte, na escola.
46
CAPÍTULO 2 - LUTO NA ESCOLA: OPINIÃO DE PROFESSORES,
COORDENADORES E DIRETORES
Esse capítulo apresenta os caminhos que percorridos para o
desenvolvimento da pesquisa de campo que teve como objetivo conhecer o
significado da perda por morte para professores, coordenadores e diretores suas
dificuldades em lidar com situações com o luto e morte, presentes também na
escola. Justifico a escolha do campo, apresentando os sujeitos que participaram
do processo da pesquisa. Também apresento a “não entrevista”, momento que
proporcionou uma reflexão acerca de ações inesperadas durante o processo de
investigação.
2.1 O CAMINHO DA PESQUISA E O MATERIAL COLETADO
Um dos procedimentos realizados primeiramente para dar início à
pesquisa foi o aparato ético que busquei juntamente ao Comitê de Ética da
Universidade Metodista de São Paulo em agosto de 2011. Após aprovação25 do
projeto de pesquisa, iniciei os contatos com as escolas26. Já havíamos decidido
anteriormente, que faríamos a pesquisa de campo em três escolas públicas da
Grande São Paulo. A primeira escola pública que chamamos de “A” foi uma
indicação de uma mestranda. Ao conhecer a temática da pesquisa, sugeriu
entrar em contato com a diretora da escola, que já havia vivenciado situações de
morte, luto e violência nessa mesma escola e que sinalizara falta de apoio
nessas situações. Juntamente com minha orientadora, decidimos que seria uma
investigação pertinente a nossa inquietação. O critério da escolha da escola, “B”
se deu por estar inserida em uma região considerada alguns anos atrás como
uma das mais violentas na cidade de São Paulo. Localizada em um bairro com
mais de 100 mil habitantes, a maior favela da capital paulista, traz juntamente
25 Parecer deliberado e aprovado sobre o número 01000 0 214 214-11.
26 Os nomes das escolas são fictícios, para manter o sigilo da identidade das mesmas.
47
com essa referida escola, um histórico trágico de morte de estudantes. A
comunidade tem participado de projetos sociais oferecidos pelo município com o
apoio do governo federal e algumas organizações não governamentais, porém,
o índice de violência ainda é significante. A escolha da escola “C” foi uma
sugestão minha mesma pelo fato de estar localizada bem próxima a minha
residência. Provavelmente esse critério ingênuo da escolha da escola, resultou
em inquietação, pois, não foi possível a realização da pesquisa na escola “C”.
No subtítulo a não entrevista, apresento com maiores detalhes essa trajetória.
Apresentam contextos socioeconômicos e culturais semelhantes.
Para nossa surpresa, no segundo contato com os diretores das escolas “A” e
“B”, ouvimos os relatos da trajetória de acontecimentos que marcaram a vida de
alguns alunos, profissionais, e da comunidade do bairro onde a escola está
inserida. Logo de início solicitei autorização para registrar tais fatos. Optei por
manter a narrativa integral desses relatos que apresentam detalhes importantes
que compõem esclarecimentos algumas vezes não expressos na entrevista de
aprofundamento que realizei momentos diferentes a estes. A diretora da escola
“A” apresentou o relato da morte de dois alunos-irmãos que foram esquartejados
pelo pai e madrasta27. O relato do diretor da escola “B”28 também apresentou
pontuações importantes para a compreensão de toda a situação vivenciada na
escola a partir da morte de uma aluna muito participativa e admirada por todos,
como revela sua fala na entrevista. No mesmo dia em que ouvi o relato do
diretor da escola “B”, praticamente fui cercada por uma funcionária que se
encontrava na secretaria da escola que ao ter conhecimento da pesquisa,
solicitou me insistentemente que fosse entrevistada, pois, vivia situações de luto
pela perda de seu esposo e se sentia “deixada de lado, esquecida”. Atendi o
exigente pedido feito e após apresentar o Termo Livre de Consentimento para a
realização da entrevista, iniciei o que tanto a professora almejava: alguém que
lhe escutasse. Esta vivência na pesquisa me fez remeter ao que afirma
Demartini (2001): o processo de pesquisa é sempre muito complexo, envolvendo
descobertas e impasses. Através da manifestação espontânea dessa
27 ANEXO C. Em uma conversa informal, a diretora apresentou detalhadamente o ocorrido. Esse
momento não foi gravado. Em um segundo momento, a diretora apresentou o mesmo relato, porém de uma forma sucinta. 28
Os nomes das pessoas foram mudados para preservar a identidade das mesmas.
48
professora, estava à frente de um dilema que não envolve apenas alunos
enlutados, mas também funcionários da escola. Percebi que as informações
expressas permitiriam um novo olhar em relação à investigação proposta; uma
nova realidade. Essas observações permitiram também construir a análise de
conteúdo a partir das questões apresentadas pelo diretor no tema: dificuldades e
facilidades em lidar com o luto na escola.
Apresento a seguir os procedimentos realizados na escola “C”. A não
entrevista, com o diálogo inexpressível travado com a diretora, algo talvez
inusitado, poderia se tornar se um novo problema de investigação.
2.1.1 A não entrevista
A escolha da escola “C”, se deu pelo fato da escola se localizar
relativamente perto da minha residência. Ingenuamente acreditei que os trâmites
para a realização da pesquisa poderiam ser fáceis, assim como o deslocamento,
pois, para a escola “B” a distância de mais de 60km mais o trânsito para
atravessar toda a cidade, foi um percurso desafiador. Os primeiros contatos com
a escola “C” foram extremamente difíceis. Desloquei-me várias vezes para o
estabelecimento escolar sem sucesso de ser atendida. Alguns contatos por
telefone também expressaram a mesma dificuldade em me receber. Em
novembro consegui me reunir com o coordenador pedagógico que se prontificou
a entregar os 20 questionários aos profissionais da escola. No mês de dezembro
de 2011, foi marcado várias datas para a devolutiva dos questionários
respondidos, porém sem nenhum sucesso. Finalmente foi marcado um horário
com a diretora, que foi relutante em me receber. Como já era de seu
conhecimento e já havia autorizado a pesquisa, me surpreendeu com seu
argumento: “- Aqui não temos tempo pra isso, temos muitas outras coisas pra
fazer! A morte fica só do lado de fora da escola. Eles morrem é lá na rodovia.
Sempre tem um dos nossos lá”.
Admirada por tal argumento, agradeci a atenção e saí sem saber
primeiramente que rumo retomar. A diretora mencionou que eu poderia tentar
recolher os questionários agendando com o coordenador. Insisti por três vezes
sem nenhum êxito. Importante ressaltar que a escola se situa apenas alguns
49
metros de uma importante rodovia federal. Não há passarelas próximo à
rodovia, nem tão pouco um posto policial nas proximidades.
Essa fala da não entrevista me inquietou: a direção concebe a morte
como um caso isolado? Como podemos entender a concepção da diretora em
relação à humanização que deveria estar presente na escola? Como a escola
poderia evitar a morte precoce de seus alunos que são vítimas de acidentes na
rodovia? Não poderia juntamente com a comunidade ou autoridades
competentes efetivar ações para o trágico problema dos acidentes ocorridos na
rodovia? Como tratar do luto, sem entender que a morte precoce poderia ser
evitada entre seus alunos? Temas como morte e violência são excluídos da
educação de crianças e jovens? Há uma tentativa de apagamento da morte?
Como os alunos reagem a indiferença da escola em relação à morte de seus
colegas?
Seria o caso do indizível como nos pontua Queiroz (2003): a experiência
do indizível se procura traduzir em vocábulos. O sentido da narrativa oral desta
professora estaria interligado a sua própria experiência e dificuldade em lidar
com o tema da morte?
Um tanto frustrada e sem saber o caminho a percorrer, fui acalentada,
mais uma vez, pelas sábias palavras que minuciosamente li algumas vezes,
compreendendo, assim, o caminho percorrido na pesquisa.
O processo da pesquisa é sempre muito complexo, envolvendo descobertas e impasses que devem ser analisados; coloca os pesquisadores sempre em situação de incerteza mais que em condições de trilhar caminhos previamente definidos (DEMARTINI, 2001, p.51).
As palavras de Demartini pareciam soar ao meu ouvido como um
incentivo na incerteza. Compreendi assim, que a incerteza traduz a persistência.
Dessa maneira a pesquisa seria realizada apenas nas duas escolas já
contatadas anteriormente.
O desejo em tornar a “fala” da diretora da escola “C”, em estudo de caso
como objeto de investigação estava evidente. Porém, quem sabe, para a
continuidade em estudos futuros.
50
2.2 A PESQUISA EM DUAS ESCOLAS
Na primeira etapa da pesquisa, na escola “A”, entreguei a carta de
apresentação29 e os 20 questionários30 estruturado contendo 16 questões
abertas e fechadas sobre os cuidados da diretora que se prontificou a entrega-
los aos interessados. No dia marcado para a devolução, o que ocorreu somente
uma semana após, recebi, o total de 10 questionários. Ingenuamente esperava a
entrega total, mas entendi que para o caminho da pesquisa, esse número
poderia ser considerado expressivo. Na escola “B”, o contato inicial foi com o
diretor que se interessou muito pela pesquisa, relatando todo trabalho realizado
na escola a partir do número de mortes ocorridas no bairro, e nas imediações da
escola, e também mortes de familiares dos alunos. Após esse primeiro contato,
me encaminhou para coordenadora pedagógica. Em um segundo momento, a
pedido da coordenadora foi apresentado na reunião pedagógica, a proposta e os
objetivos da pesquisa, juntamente com a carta de apresentação e o questionário
estruturado Prontamente, 20 profissionais manifestaram o desejo de participar
da pesquisa.
No dia seguinte, data agendada para a retirada dos questionários,
recebi apenas 13. A ansiedade em receber todos os questionários ainda estava
presente, uma frustração que considerei ingênua também.
Na segunda etapa da pesquisa, as entrevistas de aprofundamento
foram realizadas com 10 sujeitos que participaram da primeira etapa
respondendo o questionário estruturado, sendo 5 de casa escola. Na escola “A”,
contamos com a participação de 3 professoras, a coordenadora e a diretora. Na
escola “B” os entrevistados foram 4 professoras e o diretor. A seguir apresento,
o perfil dos profissionais pesquisados nas duas escolas, dados que possibilitam
conhece-los.
29 ANEXO D
30 ANEXO E
51
2.2.1 O perfil dos participantes
Com todos os questionários em mãos, constatamos que o grupo de
participantes ficou constituído por 23 sujeitos que participaram desta primeira
fase da pesquisa. Entre os participantes observamos apenas a presença de um
homem, o que nos chamou muita atenção. Conforme pontua Demartini (1993),
em uma sociedade patriarcal, onde se determinava exclusivamente o papel
social de homens e também de mulheres, a presença das mulheres nas escolas
se tornou algo predominante, atrelada a crença de que somente elas estavam
preparadas para a função de professoras (principalmente com crianças).
Atualmente sabemos que as mulheres ocupam diferentes posições profissionais,
porém, parece-nos que na área de ensino continuam sendo a maioria. Será que
essa realidade continua presente atualmente em nossa sociedade?
Conforme a tabela a seguir, verifica-se a faixa etária dos participantes
e o tempo de atuação na função. Em destaque, os dados do único homem
participante, com 54 anos de idade e 24 de atuação.
Tabela 1 – Idade, Tempo de Atuação
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores de curso e diretores das escolas públicas A e B, segundo a idade e tempo de atividade profissional, em anos. Que participaram da primeira fase da pesquisa.
Escola A Escola B
Idade Tempo de atuação
Idade Tempo de atuação
31 12 29 7
39 18 33 13
39 14 35 16
35 10 36 12
42 19 41 20
46 20 44 7
47 10 45 12
48 28 48 18
48 18 57 25
51 21
53 20
53 21
54 24
52
Os participantes das escolas “A” e “B” totalizando 22 do sexo feminino
e 1 do sexo masculino não demonstram uma diferença significativa na faixa
etária, assim como no tempo de atuação, o que é considerado homogeneidade
entre essas variáveis.
Dentro do perfil dos participantes, considero importante conhecer a
área de atuação de cada profissional. Constatei que não foram todos os
participantes que pontuaram este item. Na tabela abaixo, apresento conforme os
dados coletados.
Tabela 2 - Área de atuação
Área
Escola Humanas Exatas ou Biológicas
Total
A 4 1 5
B 10 0 10
Total 14 1 15
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores de curso e diretores das escolas públicas A e B, segundo a área de atuação.
Quanto a área de atuação, observa-se que na escola “A” 4
profissionais atuam na área de Humanas e um profissional na área de Exatas ou
Biológicas. A escola “B” apresentou um número maior de profissionais da área
de Humanas, totalizando 10 profissionais, e apenas um profissional da área de
Exatas ou Biológicas. Evidentemente não posso afirmar que o interesse pela
pesquisa se deu somente devido ao fato de profissionais da área de Humanas
terem um interesse maior em assuntos que tratam diretamente com a questão
humanísticas, mas uma interrogação deixa em suspense o interesse ou não da
participação da pesquisa.
A tabela 3, nos mostra a crença religiosa dos participantes.
53
Tabela 3 – Crença religiosa
Cristã
Escola Sim Não Total
A 8 2 10
B 9 0 9
Total 17 2 19
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores, segundo a crença religiosa.
Na tabela acima, coloquei o item religião por considerar importante
conhecer a crença religiosa do participante, pois a concepção da morte, muitas
vezes pode estar atrelada ao sentido que ela, a morte tem para cada religião.
Diante desta questão, constatei que não há diferença significativa em relação
aos participantes das escolas em relação aos cristãos ou não cristãos. Esta
informação se torna importante, pois pelas respostas “abertas”, a crença
religiosa torna-se o suporte para o apoio no luto, tanto para os cristãos como
para os que se declararam não cristãos.
Não cristãos concebem a morte não como momento de perda, mas de
passagem, no sentido de uma possibilidade de outra vida, ou uma missão
cumprida talvez. Concebem que o apoio se torna necessário pela ausência
física da pessoa. Tais relatos, encontramos nas entrevistas de aprofundamento
abordado no capítulo III e nos diálogos informais, momentos que antecederam a
entrevista.
2.2.2 Algumas observações a partir dos questionários
Elenquei algumas questões do questionário estruturado, que pontuam
a importância da reflexão do tema da morte, perdas, violência, e apoio no luto.
Algumas respostas estão agrupadas por se encontrarem na mesma categoria.
54
Tabela 4 – Perda por morte
1. Você já perdeu alguém por morte?
Escola Sim Não Total
A 12 1 13
B 9 1 10
Total 21 2 23
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo a perda de alguém por morte.
Tabela 5 – Ajuda no luto
2. Houve alguma instituição ou alguém que lhe ajudou no momento do luto?
Escola Sim Não Total
A 7 6 13
B 8 2 10
Total 15 8 23
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo ajuda recebida no momento do luto.
Como podemos observar, tanto em relação à perda, quanto ao apoio,
as escolas não mostraram diferenças significativas.
Tabela 6 – Apoio no luto
3. Considerou importante um apoio nesse momento?
Apoio
Escola Sim Não Total
A 10 3 13
B 8 2 10
Total 18 5 23
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo apoio (sim) ou falta de apoio (não) no momento do luto.
55
Em relação à questão 3, notamos que o número de profissionais das
escolas “A” e “B” consideram importante o apoio no momento do luto.
Tabela 7 – Escola como rede de apoio
5. Você acha que a escola pode ser uma rede de apoio a pessoas que passam por luto?
Apoio
Escola Sim Não Total
A 10 3 13
B 9 1 10
Total 19 4 23
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, em relação a escola como rede de apoio a pessoas enlutadas.
Diante da questão, podemos constatar que os profissionais de ambas
escolas concebem que a escola pode se tornar uma rede de apoio aos
enlutados.
Tabela 8 – Refletindo sobre questões que levam a morte
8. Você acha que a escola pode ajudar estudantes a refletir sobre diferentes questões que podem levar a morte?
Apoio
Escola Sim Não Total
A 13 0 13
B 8 2 10
Total 21 2 23
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo situações que podem levar a morte.
Em relação à questão 8, observamos que todos os profissionais da
escola “A” responderam sim, e apenas 2 da escola “B”, não consideram tal tema
relevante na escola.
56
Tabela 9 – Ajuda no luto
9. Você acha que o professor/coordenador/diretor podem ajudar estudantes que sofrem por luto?
Apoio
Escola Sim Não Total
A 12 1 13
B 8 2 10
Total 20 3 23
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo ajuda a estudantes enlutados.
Na questão relacionada ao possível apoio dos profissionais aos
estudantes que sofrem por luto observamos que a escola “B” apresentou dois
profissionais que discordam do apoio da escola em relação ao tema enunciado.
A maioria dos profissionais da escola “A”, 12 concorda que os profissionais
podem oferecer o apoio no momento do luto.
Tabela 10 – Escola como rede de apoio
10. Você acha que a escola pode ser uma rede de apoio na prevenção de mortes de estudantes?
Apoio
Escola Sim Não Total
A 10 3 13
B 10 0 10
Total 20 3 23
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo a escola como rede de apoio
Não há uma diferença significativa nos resultados apresentados. A
prevenção de mortes de estudantes é um assunto considerado pertinente em
ambas as escolas.
57
Tabela 11 – Importância do apoio a estudantes enlutados
16- Você considera importante o apoio a estudantes enlutados?
Apoio
Escola Sim Não Total
A 12 1 13
B 10 0 10
Total 22 1 23
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo a importância de apoio aos estudantes enlutados
Consideramos as respostas dos profissionais pertinentes, uma vez
que a proposta de nossa pesquisa é o apoio a estudantes enlutados e a escola
como rede de apoio a eles. Apenas um profissional entre os 22 participantes,
não considera importante tal apoio.
A apresentação realizada proporcionou conhecermos o perfil dos
entrevistados, e suas opiniões acerca da temática do luto, morte e perdas. A
importância da temática do luto e o apoio possível na escola, nos leva a
considerar a importância da educação para a morte, proposta de Kovács (2003),
que se faz emergente no contexto educacional.
Passo as análises de conteúdos, que permitem construir um cenário
significativo da importância da abordagem da temática do luto no contexto
escolar.
No capítulo seguinte, serão apresentadas as análises das respostas
dos pesquisados. Com base nos dados, reflito na proposta da investigação: a
presença e o processo do luto por morte nas escolas, e como professores,
coordenadores e diretores podem apoiar estudantes enlutados.
58
CAPÍTULO 3 - SIGNIFICADO DA PERDA POR MORTE E
ATUAÇÃO DA ESCOLA AO ENFRENTAR O LUTO (2ª ETAPA)
Neste último capítulo apresento as analises dos dados coletados nas
entrevistas. Agrupei coordenadora e diretores em um mesmo grupo para
análise, pois considero que têm funções semelhantes na escola em relação ao
contato e relacionamento com os alunos. Desta forma, o grupo de gestores ficou
formado por 3 profissionais e os professores no total de 7. Todas as transcrições
das entrevistas se encontram nos anexos31. Para uma maior compreensão,
descrevo o procedimento com os participantes. A partir desses dados, inicio as
análises.
Para a realização das entrevistas de aprofundamento, entrei em
contato com os diretores da escola “A” e “B” solicitando que os profissionais que
responderam ao questionário e que sinalizaram anteriormente o desejo em
participar dessa segunda etapa, fossem contatados e convidados a participar
desta segunda etapa da pesquisa.
Esse contato só foi possível no inicio mês de fevereiro de 2012,
porém consegui marcar as entrevistas somente para o mês de março de 2012.
Conforme proposta, realizei 10 entrevistas, 4 na escola A e 6 na escola B. Os
entrevistados já haviam respondido o questionário anteriormente e,
demonstravam muito interesse em participar. A entrevista propôs um roteiro32 de
8 questões, para direcionar a investigação proposta. Apresentei o Termo de
Consentimento Livre esclarecido, e as perguntas que compõem a entrevista
semiestruturada.
O local da entrevista dos diretores e coordenadora de ambas as
escolas foi a própria sala da direção, e as entrevistas realizadas com as
professoras das mesmas, foi a sala de leitura, por ser um ambiente de
tranquilidade e por não estarem sendo ocupadas no horário combinado.
31 ANEXO E
32 ANEXO F
59
A primeira a ser entrevistada33 foi a diretora da escola A, seguida pela
coordenadora dessa mesma escola. A entrevista com o diretor da escola B, foi
realizada dias após o contato. Para análise, diretores e coordenadores foram
agrupados em um grupo que nomeie como gestores. A separação em grupos
para análises foi realizada por escolas e por funções exercidas. Por considerar
importante o relato da professora readaptada da escola B, que praticamente
implorou para que eu a entrevistasse, trago algumas observações importantes
para a reflexão e análises.
Para análise dos dados, optei trabalhar com os trechos dos relatos
coletados e colocá-los em temas ou subtemas com alguns recortes, agrupando-
as conforme as categorias formadas. Conforme Demartini (2001) essa medida
permite uma visão mais aprofundada das questões a serem analisadas. A
narrativa integral dos entrevistados foi mantida, pois procurei manter
integralmente a fala dos entrevistados evitando perder a riqueza de dados
expressos. No relato da escola B, foi trocado os nomes pronunciados pelo
diretor para preservar a identidade das pessoas que fizeram parte do processo
apresentado, assim como o nome das comunidades citadas. Construí 3
categorias para análise, com os seguintes temas: 1) significado em perder uma
pessoa por morte; 2) facilidades e ou dificuldades em lidar com as questões de
luto/morte na escola; 3) papel de gestores e educadores frente às manifestações
de luto entre estudantes na escola.
A seguir apresento as três categorias. Os trechos grifados em
destaque apontam caminhos para interpretação.
3.1 AS CATEGORIAS DE ANÁLISES
Ao realizar as análises dos conteúdos construí 3 temas relevantes nas
falas dos entrevistados e que formam importantes unidades de significado na
investigação: 1) Significado em perder uma pessoa por morte; 2) Facilidades e
ou dificuldades em lidar com o luto na escola; 3) Papel de gestores e
educadores frente as manifestações de luto entre estudantes. Para uma melhor
33 As transcrições das entrevistas se encontram na sequência no ANEXO E.
60
compreensão, destaco em negrito dentro dos temas, as unidades de significado.
O relato integral dos entrevistados foi mantido, por considerar a riqueza do
material coletado. Como forma de organização na seleção de temas, recorro a
utilização de tabelas que facilitam a compreensão e sistematização dos dados.
Para análise dos conteúdos, considerei além das entrevistas semiestruturadas,
depoimentos informais ocorridos nos primeiros contatos em ambas as escolas.
O relato da professora readaptada na escola B, também faz parte do material
analisado, por apresentar importantes situações ocorridas no processo do luto.
Os entrevistados foram divididos em dois grupos: gestores, composto
por diretores e coordenadora, e professoras. Essa mesma divisão será
considerada para as tabelas apresentadas. Vejamos a primeira tabela que se
refere ao primeiro tema: Significado em perder uma pessoa por morte.
Tabela 12 – Significado em perder uma pessoa por morte
Gestores
Entrevistados Tema: Significado em perder uma pessoa por
morte
Escola A: Diretora
[...] eu acho que perder uma pessoa por morte é
cortar vínculos.
Escola A: Coordenadora
[...] é uma perda... quando a gente perde uma
pessoa, creio que é parte assim...da nossa
convivência, nossa...a gente vai ficar com uma
lacuna difícil de preencher, né?
61
Escola B: Diretor
[...] primeiro, uma reflexão muito profunda sobre
o sentido do porque estamos aqui, né...e aí vem
uma certa dor ou dúvida, que se a morte encerra
tudo, qual seria o sentido do tudo? Eu acho que
provoca uma reflexão que leva a gente a (pausa),
ou a fé ou a uma dúvida...” “Então eu acho que é
uma reflexão sobre o que é o caminho que todos
nós temos que passar.
[...] eu acho que a morte vem fazer a gente a se
ver como gente”.
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora
Analisando a fala dos gestores (Tabela 12) observo que a diretora da
escola “A” pontua o sentido da morte atrelado ao vínculo existente entre os
envolvidos. Ao mencionar: “perder uma pessoa por morte é cortar vínculos”, a
diretora não especifica o tipo de vínculo, permitindo entendê-lo de uma forma
abrangente. Desta forma, a fala da referida diretora nos permite a seguinte
análise e reflexão acerca da construção do vínculo afetivo, seguindo a proposta
de Jonh Bowlby (1985)34. Este autor, em suas implicações, afirma que só existe
luto quando houve um vínculo que tenha sido rompido. Concebe que a
construção dos vínculos construídos desde a infância são considerados
mediante a perda e seu significado nos relacionamentos construídos,
considerando que são implicações que podem estar presentes até a fase adulta.
Na trilogia “Apego, Separação e Perda”, Bowbly (1985), apresenta
suas concepções atreladas ao desenvolvimento humano. Para ele, a maneira
como as relações afetivas na infância foram construídas têm implicações no
desenvolvimento da personalidade de cada pessoa. Já a autora Paula (2011) 35
ao abordar o luto e os vínculos afetivos, afirma que o vínculo dialoga com a
capacidade de lidar com as frustrações e separações ocorridas desde a infância.
Desta maneira, podemos considerar que a fala da diretora A, pode estar
34 Psicanalista inglês, renomado estudioso de assuntos relacionado ao luto, perdas.
35 Professora da Universidade Metodista de São Paulo. Doutora em Ciências da Religião na área
de Pastoral pela Universidade Metodista de São Paulo. Concentra sua pesquisa no luto por morte. Coordena o grupo de Teologia Prática e Aconselhamento da Faculdade de Teologia da UMESP.
62
atrelada a concepção de rompimento de vínculos, a partir da história construída
com a pessoa que partiu.
Para a coordenadora da escola “A”, o significado em perder uma
pessoa por morte defini-se na seguinte afirmação feita pela mesma:“uma lacuna
difícil de preencher”. Nota-se que o sentido da perda parece estar relacionado a
uma dificuldade em ressignificar a vida, ou seja, continuar vivendo sem a
presença daquele que morreu. Nesse sentido, para o psicanalista inglês Colin
Murray Parkes (1998) pontua que nos Estágios de Grief36, os enlutados podem
vivenciar situações de melancolia, desgosto, pesar, mágoa, tristeza, e
descontentamento, não de uma maneira rígida, engessada de ser
compreendida, mas cada pessoa pode reagir de maneira diferente. Podem
retroceder e avançar, como há pessoas que podem vivenciar todo o processo de
uma só vez. Parkes afirma37 que sentir a falta da pessoa perdida um período
muito aflitivo, pode resultar da pessoa enlutada mover-se para um processo de
transtorno depressivo, que para psiquiatras não ocorre de forma episódica,
como vivenciado no Estágio de Grief. As pessoas nesse estágio podem entrar e
sair, reagindo e se organizando. A partir da teoria de Parkes, a afirmação da
coordenadora “uma lacuna difícil de preencher” pode ser uma sinalização da
possibilidade de uma vivencia do Estágio de Grief.
Partindo para as contribuições dos sujeitos da escola "B", as
considerações do diretor dessa escola sinalizam sua preocupação com o sentido
da vida quando diz:
[...] uma reflexão muito profunda sobre o sentido do porque estamos aqui, né...e aí vem uma certa dor ou dúvida, que se a morte encerra tudo, qual seria o sentido do tudo? Eu acho que provoca uma reflexão que leva a gente a (pausa), ou a fé ou a uma dúvida (...). Então eu acho que é uma reflexão sobre o que é o caminho que todos nós temos que passar. [...] eu acho que a morte vem fazer a gente a se ver como gente.
36
Estágios concebidos por Parkes, como um processo que as pessoas vivenciam durante o luto. Traduzido na língua portuguesa como melancolia. 37 Entrevista na íntegra no site http://vimeo.com/22678451 Appendiz4: Bereavemente/Colin Murray Parkes. Acesso em 05/05/2012 às 23h20.
63
O trecho acima extraído da fala do diretor da escola "B" aproxima-se
do que Paula (2011) afirma que “frente à morte do outro, pensamos na nossa
vida”38 Nesse sentido, a morte do próximo, faz com que interrogações estejam
presentes na trajetória da vida, como apresenta o diretor quando ele afirma na
seguinte passagem: “[...] se a morte encerra tudo, qual seria o sentido do tudo?”
Cabe aqui ressaltar e contextualizar o momento no qual o trecho da
fala do diretor foi pronunciado, principalmente nesta passagem: “[...] eu acho
que a morte vem fazer a gente a se ver como gente”, nossas lágrimas, minhas e
dele, pareciam saltar. Eu ali, uma aprendiz. Parecia que poderíamos encerrar
com essas palavras. Aqui estava o sentido da vida, talvez rever o caminho da
nossa existência a partir da morte do outro. Respirei fundo, e continuei a
pesquisa, ciente que a teoria estava ali concreta nas sábias palavras do diretor.
Mais uma vez observamos a questão do vínculo afetivo. Como
concebe Rodrigues:
Mas nenhum caminho se iguala à experiência da morte do próximo, à um ser ao qual se está afetivamente ligado, com o qual se constituí um “nós”, com quem se edificou uma comunidade que parece romper. Na medida em que esta comunidade é, de algum modo, eu mesmo, experimento um quê de morte dentro de mim. Por essa via a morte do outro evocará sempre minha própria morte; testemunhará minha precariedade, forçar-me á a pensar-me nos meus limites. Por toda parte, a ruptura dos laços afetivos é a mais verossímil metáfora do nada (2007, p.131).
No relato do diretor da escola “B”, sobre a morte trágica de uma
aluna, há uma triste, porém significativa, expressão que vem de encontro com a
citação acima. Ao se deparar com a aluna morta, ele e o professor que o
acompanhava se incomodaram ao ponto de mobilizarem-se frente à situação
vivenciada na comunidade como pontua o relato abaixo do diretor da escola "B":
Saindo dali do velório, lá do hospital, e eu “tava” com o professor de português, professor Ciro, e aí falei: - Ciro, nós somos omissos! Naquela época a gente tinha 4 períodos aqui, 1.800 alunos na época... e eu falei:
38 Perda, luto e Renovo de Esperança”. Palestra proferida no dia 26/11/2011 na Escola Estadual
Profª Palmira Ferreira da Silva. São Bernardo do Campo – SP.
64
- A gente sabe tudo o que acontece, e... nós temos medo, não temos coragem, de nos decidirmos por uma ação, pra mostrar pra essa comunidade que nós não aceitamos essa banalização da vida. E eu olhei pra ele e falei: - Você ajuda a organizar uma caminhada pela paz, pelas ruas e vielas de Carmelópolis?
Essa iniciativa, conforme destacado na fala acima, após 14 anos
dessa tragédia, a Caminhada Sou da Paz, conta com o apoio da comunidade. O
índice de mortes e violência no bairro diminuiu significativamente. Essa
experiência pode ser um paradoxo da morte e vida: a reconstrução do novos
caminhos trilhados a partir da morte, dor, perdas, sofrimento, e situações em
que o limite de vida insiste se fazer presente.
Outro aspecto apresentado pelo diretor da escola “B” se faz através
de um discurso que pode ser entendido como religioso. Ao mencionar: “[...] uma
reflexão que leva a gente a (pausa), fé ou a uma dúvida. Então eu acho que é
uma reflexão sobre o que é o caminho que todos nós temos que passar”. Esta
fala nos permite compreender a importância da religião (ou não), na vida das
pessoas. Para ele, a morte parece ter caminhos e interpretações diferentes que
podem levar a reflexões que permeiam fé e dúvidas, mas que todos vivenciam.
Nesse sentido, o enfrentamento do luto perpassa pelo significado religioso na
compreensão da morte. O suporte religioso pode ser entendido como resposta
para tantas interrogações que a morte traz consigo.
Assim, apresentadas as análises de conteúdo do grupo de gestores,
passamos a seguir, a conhecer o significado da morte para o segundo grupo, os
professores, segundo a tabela abaixo.
65
Tabela 13 – Significado em perder uma pessoa por morte
Professores
Escola A: Professores
[...] é difícil de entender, a gente não entende porque existe
a morte né? É complicado, é muito difícil.
(Professora 1)
[...] é uma realidade, é um fato que temos todos que sentir,
é isso aí, né? Mas é um processo de muita descoberta da
nossa pessoa, do meu eu, de como eu devo proceder
daqui pra frente, o que eu devo refletir, valores que eu
devo começar a rever na minha vida, então a morte ao
mesmo tempo que é uma coisa muito triste, é uma dor
imensa, é uma ponte de reflexão muito importante, na
minha opinião.
(Professora 2)
Escola B: Professores
Na verdade, pra mim a morte não é uma perda, né..., é uma
questão de passagem [...].
(Professora 1).
[...] é uma perda muito grande, algo que afeta muito,
principalmente quando as pessoas são mais próximas [...]
se a pessoa tem mais idade, você vai se acostumando
com essa perda, vai aceitando, mas, agora, se for uma
perda drástica, acho que é mais complicado [...]
(Professora 2).
[...] faz parte mesmo de um processo de começo, meio e
fim [...] esse é um processo que naturalmente vai
acontecer, logicamente que o baque que inesperadamente
isso provoca, um certo choque né? Mas, de qualquer
forma, a gente tenta na medida que o tempo vai passando,
de encarar isso como uma forma natural, porque é um
processo natural da vida do ser humano [...]
[...] o processo da morte, significa né [...] o ato de morrer,
encarar como não um fim, né [...] mas um meio de poder
continuar num outro plano [...].
(Professora 3)
66
Escola B: Professores
“Acho que é um dos processos mais difíceis na vida da
gente, né, que é o recomeçar”.
(Professora 4)
[...] é um processo doloroso, principalmente se a pessoa
for muito próxima, né...hã...e também depende da
hã...situação em si, em que envolveu esta morte, em que
período, por exemplo, o ano passado eu...meu pai é falecido
há 40 anos, e eu lidava de uma forma com a morte do meu
pai, a partir da terapia que eu estava fazendo o ano
passado, num determinado dia, a gente comentou sobre a
morte dele, e eu senti que era como hã...se ele tivesse
morrido naquele momento pra mim, até então eu lidava
com a morte dele de um jeito, quer dizer, eu acredito que
há 40 anos atrás eu nem chorei pela morte do meu pai e
naquele dia eu acabei chorando, enterrei naquele dia.
Então pra mim a morte é sempre dolorosa, né.
(Professora 5)
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora
Antes de debruçar-me sobre os conteúdos do significado em perder
uma pessoa por morte segundo os professores, trago as sábias palavras de
Paula, (2011), que sugere que o luto, pode trazer um novo sentido. Talvez seja a
procura de algumas pessoas, entre elas, as entrevistadas.
O luto é um evento que pode trazer um novo sentido ao que antes não tinha significado, por exemplo, a própria vida. É uma vivência que escancara nossa inquietação diante da morte, da perda de si mesmo, da perda do outro. O luto toca o solo de nossa existência e nos refaz. (PAULA, 2011, p.208).
A professora 1 da escola “A” ao expressar “[...] É complicado, é muito
difícil”, pode estar relacionando sua dificuldade em lidar com tema na escola
com seus questionamentos em relação a morte, reforçando sua dificuldade ao
dizer: “é difícil de entender, a gente não entende porque existe a morte [...]”.
Provavelmente não saber lidar com o tema da morte, dificultará a abordagem
com os alunos.
67
Acredito que essa dificuldade possa ser uma realidade entre outros
educadores, no sentido do despreparo e de dificuldades próprias em relação a
situações que envolvam as temáticas como perdas, morte e luto. Kovács (2010)
em pesquisa realizada com adolescentes entre 13 a 18 anos, afirma que alguns
pontuaram que a comunidade escolar não estava preparada para lidar com o
tema, não havendo proposta geral de cuidados e acolhimento aos alunos.
Alguns entrevistados pontuaram que não confiavam nos educadores, outros
afirmavam que a dificuldade com o tema estava no próprio educador.
Considero que o diálogo entre alunos e professores pode ser uma
significativa oportunidade para abordagem da temática do luto. Educadores
devidamente orientados podem realizar ações de apoio a estudantes enlutados.
Ressalto a importância do “Projeto Falando de Morte”, realizado pelo LEM-USP.
O Projeto propõe situações para abordagem do assunto na escola, de uma
forma que os vínculos como a confiança e acolhimento são realizados de uma
maneira natural, isto é, cada situação e cada turma de alunos podem vivenciar
de maneira diferente, como no caso, o grupo de alunos que ofereceu apoio a
professora Caryne, ocasião da perda de sua mãe. Proporcionar momentos de
interação do/a aluno/a com o/a professor/a, pode a vir a ser uma ação que
proporciona e facilite a dinâmica necessária em abordagens sobre a morte, o
luto, as perdas.
A próxima professora entrevistada, apresenta uma concepção
diferente da professora 1. Considera a morte uma oportunidade para
crescimento e reflexão:
[...] é um processo de muita descoberta da nossa pessoa, do meu eu, de como eu devo proceder daqui pra frente, o que eu devo refletir, valores que eu devo começar a rever na minha vida, então a morte ao mesmo tempo que é uma coisa muito triste, é uma dor imensa, é uma ponte de reflexão muito importante...” (Professora 2, escola "A").
Sua afirmação está relacionada ao significado da vida. Sobre essa
relação, Paula (2011) nos diz que “a morte do outro possibilita pensar na minha
própria morte”. Ou seja, proporciona a reflexão que leva a rever a trajetória da
vida, como expressa a professora 2 na fala acima destacada. Essa reflexão
68
torna-se importante em abordagens com estudantes, pois, pensar em atos em
que a morte interdita se faz presente, pode ser entendido como uma educação
para a morte. Em outras palavras, alertados de possibilidades em que a morte
se faz presente, podem refletir diferentes situações que vivenciam, seja a morte
natural ou situações trágicas ocorridas com pessoas próximas e até mesmo
aquelas pessoas distantes.
Conforme Kovàcs (2010) que afirma:
[...] na atualidade, os acontecimentos globalizados trazem à nossa vida cotidiana milhares de imagens sobre a morte de pessoas anônimas, distantes geograficamente, e que também podem ser tornar próximas quando ocorrem identificações pela idade, aparência, profissão, criando a impressão de ser “gente como a gente”. Por outro lado, o prolongamento da vida pelo avanço da medicina traz a possibilidade de maior convívio com processos de morrer, alguns com intenso sofrimento tanto para familiares como para profissionais da área de saúde e educação. Vemos então, o paradoxo: uma necessidade tão grande de ocultar, escamotear a morte, e ao mesmo tempo, a de se abrir espaços de compartilhamento sobre o tema [...] (p.145).
Não ocultar a temática sobre a morte e o morrer, pode ser uma
alternativa para abordar assuntos que possibilitem a reflexão apresentada pela
professora entrevistada. Infelizmente noticiários internacionais e nacionais,
relatam mortes entre estudantes, seja na escola ou locais públicos e privados. A
presença da morte pode estar mais perto do que se imagina. Considerar essa
possibilidade é permitir ser uma questão a ser refletida entre estudantes.
Interessante destacar que nas falas das professoras 4 e 5 da tabela
13, a palavra processo tem o sentido de difícil e doloroso, mas uma
possibilidade de um recomeço, como podemos ver nos trechos destacados a
seguir:
Acho que é um dos processos mais difíceis na vida da gente, né, que é o recomeçar. (Professora 4, escola “B”) [...] é um processo doloroso, principalmente se a pessoa for muito próxima... (Professora 5, escola “B”).
69
Provavelmente a experiência com o processo de morte de alguém
próximo, interfere na concepção que ambas apresentam. Como já discutido no
decorrer deste trabalho, o vínculo estabelecido com a pessoa que morreu, pode
dificultar ou facilitar o processo do luto.
Para Bowlby (Kovács apud 2002), alguns aspectos podem afetar o
processo de luto, entre eles destaco: 1) a identidade e papel da pessoa que foi
perdida; 2) as circunstâncias sociais e psicológicas que afetam o enlutado, na
época e após a perda; 3) as causas e circunstâncias da perda. Essas
características podem ser percebidas nas referências que as professoras
apresentam:
[...] é uma perda muito grande, algo que afeta muito, principalmente quando as pessoas são mais próximas. [...] se a pessoa tem mais idade, você vai se acostumando com essa perda, vai aceitando, mas, agora, se for uma perda drástica, acho que é mais complicado [...]. (Professor 2, escola “B”). [...] a gente tenta na medida que o tempo vai passando, de encarar isso como uma forma natural, porque é um processo natural da vida do ser humano [...] o processo da morte, significa né [...] o ato de morrer, encarar como não um fim, né [...] mas um meio de poder continuar num outro plano [...]. (Professora 3, escola “B”).
Além das características apresentadas, destaco ainda algumas
pontuações em que a espiritualidade se faz presente, como a citada pela
professora 3 da escola “B”: “[...] o ato de morrer, encarar como não um fim, [...]
mas um meio de poder continuar num outro plano [...]”. Podemos entender como
um sentido de esperança que a morte traz para algumas pessoas. Assim, a
morte seria encarada como uma continuidade da vida e de novas oportunidades.
Para alguns, morte e vida caminham paralelamente. Mas esse assunto,
considerado tão complexo para algumas pessoas, é uma investigação para
outras pesquisas dada a sua importância.
Como a investigação procura conhecer o significado da morte e como
professores, coordenadores e diretores lidam com o processo do luto por morte
no contexto educacional, procurou-se compreender as facilidades e ou
dificuldades por eles apresentadas no enfrentamento do assunto no contexto
escolar, conforme se observa na tabela abaixo.
70
Tabela 14 – Facilidades e ou dificuldades em lidar com o luto na escola.
Gestores
Entrevistados Gestores
Tema: Facilidades e/ou dificuldades em lidar com as questões de luto na escola.
Escola A: Diretora
Eu acho [...] o que facilita é a aproximação dos professores
com o aluno, o convívio, e o que dificulta é a religião, que cada
um é...enxerga a morte de uma maneira, é. [...] então vivencia
a morte, diferente, então isso é um fator que dificulta, porem
dá abertura pra você enxergar de formas diferentes, né [...]
eles também conhecerem como as diversas religiões encaram
a morte, cada religião tem seu ponto, isso aí não tem como
não passar.
Escola A: Coordenadora
A principio seja por gente não conhecer a realidade das
famílias, quando a gente conhece, quando a gente já sabe que o
aluno tem alguma falta, que o aluno não tem a mãe, que o aluno
não tem o pai, a gente já procura assim [...] não tratar diferente,
mas a gente procura ser um pouco mais suave, mais afável
nas palavras, assim justamente.
Escola B: Diretor
O que dificulta, (pausa) eu acho que o que dificulta é a
insensibilidade mesmo quanto a esse tema, entendeu, eu acho
que não adianta [...] não adianta pensar ou não pensar, então eu
acho só a insensibilidade. O que facilita é a natureza humana, ela
tá ali e [...] e a coisa tá pra ser encarada, ser uma pessoa serena,
tranquila, e [...] no final da sua vida, ela consegue até dar
esperança pra aqueles que ficam, entendeu? E a maior parte traz
desespero pra todo mundo, né, a gente precisa aprender com isso,
falando sobre. A insensibilidade é o que dificulta, e a natureza
humana é o que faz parte, é o que eu disse, tem que ser
completada, a gente tem que se educar para”.
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora
71
A contribuição de Sung (2005) ao afirmar que uma das dificuldades em
lidar com o tema da morte é o nosso limite, permite entendermos algumas
pontuações apresentadas pelas professoras.
A nossa dificuldade em aceitar a nossa condição vem do fato de que ela nos lembra dos nossos limites, não somente o do conhecimento ou da realização dos nossos desejos mais corriqueiros, mas também do último limite, o insuperável, aquele que sempre nos recorda que somos seres humanos e não deuses: a morte (p.108).
A partir das falas dos entrevistados constatamos que não há uma
unanimidade em relação aos temas. As respostas se diferem acentuadamente,
os gestores trazem elementos diferentes a serem discutidos. Interessante notar
que sinalizam com maior ênfase as dificuldades possíveis. A diretora da escola
“A” pontua a dificuldade presente na religião, notável em sua fala quando afirma:
“falar da religião que cada um é (...) enxerga a morte de uma maneira, é (...)
então vivencia a morte”, podemos entender que a opção religiosa que cada um
tem e as diferentes maneiras de conceber a morte, influenciam na maneira de
como lidar com o luto. Ao mesmo tempo afirma que essa dificuldade pode
favorecer ao entendimento de como diferentes religiões encaram a morte.
Demonstra ainda ter consciência da pluralidade religiosa presente na escola e o
cuidado no trato de um assunto delicado como este. Essa afirmação última
mostra que a diretora apresenta sensibilidade e cuidado em relação a
pluralidade religiosa no sentido de favorecer o conhecimento de como as
pessoas encaram a morte.
No primeiro contato que tive com a diretora, momento que não me
senti confortável solicitar autorização para gravar, esta mencionou que diversas
pessoas de diferentes religiões tentaram dar uma explicação para a tragédia
com as crianças esquartejadas. Mencionou que ouvia cada uma delas,
respeitava cada posicionamento, mas, que ainda não havia encontrado uma
resposta para si mesma. Esse fato explicita seu posicionamento em relação a
algumas dificuldades com o tema.
72
A coordenadora da escola “A” traz em seu argumento, em relação as
dificuldades, o desconhecimento da realidade dos alunos e seus familiares. Ao
mencionar:
[...] quando a gente já sabe que o aluno tem alguma falta, que o aluno não tem a mãe, que o aluno não tem o pai, a gente já procura assim não tratar diferente, mas a gente procura ser um pouco mais suave, mais afável nas palavras [...].
Conhecer situações que permeiam a vida dos alunos torna-se um
fator relevante no apoio a estudantes enlutados, facilitando a maneira como lidar
com o aluno no processo do luto. Talvez a coordenadora ciente da situação de
limite de vida que alguns alunos vivenciam juntamente com seus familiares ou
pessoas próximas na comunidade, resultando na maioria das vezes em mortes,
seja um fator que a leve considerar o tema importante de ser tratado na escola.
Dificuldades e ou facilidades em tratar do assunto no ambiente escolar podem
ser consideradas a partir do conhecimento da equipe escolar em relação as
situações que permeiam a vida do aluno.
Interessante notar que o diretor da escola “B” explicita a
insensibilidade das pessoas ao lidar com o tema como uma das dificuldades.
Argumenta que a dificuldade maior está também na insensibilidade que o
próprio tema proporciona. Para ele, essa questão deveria ser trabalhada com
uma educação voltada para situações que levam o ser humano a refletir acerca
do tema. Ao afirmar: “[...] a gente tem que se educar para [...]”, o diretor nos
aponta o que Kovács (2003b) propõe a respeito de uma educação para a morte:
como pensar a educação para a morte no novo milênio, o que propor? Devemos pensar na ampliação do escopo da educação para a morte numa sociedade onde convivem a morte interdita, a busca da sua reumanização (p.155).
Entendemos que a “educação para” como nos fala o diretor, é uma
das maneiras de se intervir educando para a vida. Nesse sentido, podemos
entender que a proposta do diretor consiste uma maneira de levar os alunos a
refletirem sobre a possibilidade de a morte estar presente no cotidiano que os
73
cercam, com o enfoque de que algumas reflexões que podem de certa forma
tornar-se atos preventivos, como no caso do bairro, o tráfico de drogas, e
violências geradas por diferentes motivos. O programa de tutoria que a escola
realiza com professores voluntários e grupos de alunos também voluntários,
formam uma ação significativa de cuidados que podem ser discutidos e assim,
gerar novas posturas em relação a diferentes situações, inclusive de mortes, e
lutos.
Pensar na morte, é refletir na própria vida, assim encontramos no
relato do diretor, escola “B”, ao se deparar com o corpo da aluna que morreu
com os nove tiros na cabeça. Momentos antes de realizar a entrevista para
aprofundamento das questões, em uma conversa informal, o diretor informou
algumas ações, não sistematizadas, que sua escola realiza na tentativa de
proporcionar momentos aos alunos para uma reflexão sobre a vida, sobre atos
de solidariedade, e o mais importante, momentos nos quais os alunos
conversam sobre os mais diferentes assuntos, inclusive sobre a morte (quase
que diária) de alguém da família ou pessoas próximas ou conhecidas,
moradoras da comunidade próxima da escola.
Educação para a morte nessa escola é formada por ações, como a
caminhada da paz realizada uma vez ao ano (esse ano de 2012, completam a
14ª caminhada Sou da Paz), com o apoio da comunidade local e com adesões
de outras escolas próximas. A tutoria com os alunos, momento em que
professores voluntários se encontram quinzenalmente com os alunos para um
bate-papo. Com essas ações que a escola “B” realiza e que o diretor faz
questão de participar, reafirma que a dificuldade é a insensibilidade, do próprio
tema, e das pessoas.
Finalizando a análise dos gestores das escolas, constatamos que a
escola “B” trata do assunto da morte e do luto com os alunos, de uma forma
mais direcionada, talvez pela vivencia de alguns alunos em situações
desafiadoras em que a morte torna-se uma realidade próxima.
Outro fato considerado, é o histórico da morte de estudantes da
escola, como a aluna que foi morta com 9 tiros. A partir da morte dessa aluna, a
escola iniciou abordagens com o tema da morte, violência e situações que
proporcionam reflexões acerca do limite de vida. Outros temas relevantes como
74
solidariedade, companheirismo, paz, respeito mútuo são assuntos que a escola
prioriza entre os alunos.
Tabela 15 – Facilidades e ou dificuldades em lidar com o luto na escola
Professores
Escola A
Professores
Não tem não, dificuldades. Quando acontece, todo mundo ali
compartilha sempre umas com as outras.
(Professora 1)
[...] quando você fala em luto, você fala em luto [...], eu sei, por
morte...mas assim por morte direcionada mais ao grupo aluno, ao
[...] fator que facilita pra mim, né [...] tratar desse assunto no
recinto escola, é por ser um local aonde que o aluno...por isso
que eu perguntei se é a morte aqui, tratando de aluno, né; por ser
um ambiente, um recinto onde que a própria pessoa convivia,
estava, então as lembranças do local são muito presentes, eu acho
que isso favorece, porque dá um ponto assim de referência, sabe,
é [...] facilita por esse lado, você estar tratando um assunto, mas
aonde que aquela pessoa...olha, a escola faz parte da história
deles; agora o ponto que dificulta, no se tratar esse assunto na
escola (pausa grande), não saberia que há algum ponto aqui que
dificultaria esse assunto né, talvez eu não entendi [...], o fator
religião, ele é muito complicado, ele é muito complicado
porque é [...] como nós temos varias, é [...] varias crenças, né, as
pessoas elas misturam uma série, é [...] porque quando eu falo em
Deus, eu falo em Universo, porque Deus, ele é Universal, agora
quando eu falo de religiosidade, é uma coisa muito pessoal, né,
então eu creio que talvez o fator religião seja um dos obstáculos
pra se tratar.
(Professora 2)
75
Escola B Professores
Escola B Professores
[...] Bom, a facilidade é do próprio projeto que a gente tem aqui
na escola, né; e a dificuldade é [...] individual, não coletiva,
individual, né [...] que cada pessoa tem com esse, com esse
significado da morte, né, [...] e tá procurando uma pessoa pra
conversar ou mais, ou grupo, enfim, mas aqui, quanto a abertura
na escola, o projeto tá muito aberto, pra tudo né, pra nós
falarmos de todos os assuntos que permeiam a vida humana”.
(Professora 1)
O que facilita acho que é a proximidade que eles têm com o
professor e o aluno, o que dificulta acho que é o ato da perda
mesmo, né...às vezes a pessoa não tá...não aceitou, o aluno
principalmente, tem situação que é difícil, né...tem alunos aqui
que já perderam pai, mãe...é complicado, eu acho que ele não
aceitou a perda, né...e...tem mais dificuldade de falar tudo aqui.
(Professora 2)
Olha, facilita no momento em que as crianças, elas estão
acostumadas, não só crianças, mas como as pessoas em geral,
funcionários, professores, né, cada um tem a sua experiência
de vida, que tem como passar isso, né..., de enfrentar uma
situação dessa né, então pelo que eu percebo aqui, os fatores
que facilitam, é o fato de você poder é...é...tocar no assunto de
uma maneira bem tranquila, sem agredir, sem utilizar de uma
forma de...de...ofensa, entendeu, quer dizer, respeitando o
sentimento do outro, né...e as dificuldades também,
não...porque no ambiente escolar, as crianças também estão
acostumadas com o dia a dia, né, com o impacto das coisas,
com atropelamento na rua, com aquela violência que é gerada
lá fora, né...então, esse...esse desenho né...de violência tá
muito inserido na vida deles, né, então a morte é mais uma
consequência disso, que pra eles, eu acredito nisso, que ao meu
ver faz parte da rotina, muitas vezes eles presenciam na
comunidade em que eles vivem
(Professora 3)
Eu acho que o facilitador é quando você perde alguém e você
76
Escola B Professores
sente a pessoa junto, e eu acho que a grande dificuldade é
quando viram, sabe não se importam, não demonstram não se
unem pra mandar uma coroa, não estou falando aqui do colégio,
estou falando de uma situação geral; acho que a pessoa que está
do lado de lá, tá precisando de muito carinho, muito amor.
(Professora 4)
Alguns alunos têm medo do tema morte, então não gosta de
falar, ele acha que não falando é melhor, eu não lembro que ela
existe, mas, boa parte deles tem medo da morte, de morrer ou
de perder algum querido por morte, né.
(Professora 5)
Eu sou professora readaptada, por coincidência depois que eu
fiquei viúva, não consegui retornar à sala de aula, então...no
momento eu acho que o acolhimento das pessoas que estão
de luto né...dos funcionários, é muito bom. Mas, no meu tempo
foi muito ruim, eu não sei se descriminada, perseguida, né... Não
tive apoio na escola, da direção, da parte administrativa, da
coordenação, aqui mesmo, né...e...tem 10 anos, e eu acho que
isso prejudicou a minha carreira, digamos assim, porque eu
estava começando carreira quando fiquei viúva, né...então foi
muito difícil, e aí você fica, eu penso, um pouco triste, você
fica tão condoída, porque você sabe o quanto dói, que você
não consegue lidar de uma maneira positiva com seu aluno,
você acaba ficando com pena dele também, então é o seguinte,
não consegue lidar direito com a situação, ter um apoio pro
funcionário, o luto é luto pra todo mundo, o luto é luto pro
adulto, o luto é pra criança, o luto é luto pro filho, é luto pro
aluno, ele é luto pra esposa, ele é luto pra funcionário, né...O
luto...o luto de um modo geral.
(professora readaptada)
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora
Considerando a fala das professoras na tabela 14, em relação às
facilidades/e ou dificuldades em lidar com o luto na escola, há uma notória
diferença entre as respostas das professoras entrevistadas das escolas “A” e
“B”.
77
As professoras da escola “A” apresentaram certa dificuldade em
responder a questão. A professora 1 demorou para formular a resposta em
relação às dificuldades encontradas na escola. Levou-me a pensar não na falta
de dificuldades na escola, mas sim na dificuldade que a professora possa ter
com a temática da morte, do luto. Logo em seguida, mencionou que a facilidade
se faz no compartilhar: “[...] quando acontece, todo mundo ali compartilha
sempre umas com as outras”.
A professora 2, também apresentou dificuldade em se expressar
frente ao tema proposto. Não conseguiu articular as ideias. Houve pausas
durante a entrevista, e, algumas vezes solicitou minha interferência perguntando
se era a morte direcionada ao grupo de alunos. Parece que a professora
demostra ter dificuldade em lidar com o tema da morte, do luto, não somente na
escola. Para ela, a facilidade está no ambiente escolar “[...] fator que facilita pra
mim [...]. Tratar desse assunto no recinto escola [...]”, ainda concluiu: “[...] a
escola faz parte da história deles [...]”. A afirmativa da professora retrata que a
escola é um local de socialização, portanto, um espaço que pode ser (ou deveria
ser) de suporte aos alunos enlutados.
Depois de uma longa pausa, a professora 2, da escola "A", expressou
que a religião pode ser uma dificuldade, e até mesmo um obstáculo nas
abordagens do luto: “[...] eu creio que o fator religião seja um dos obstáculos pra
se tratar”. É importante levar em conta que no diálogo estabelecido entre
profissionais da escola e alunos enlutados, o respeito a crença religiosa seja
considerado. O diálogo pode se tornar um espaço para compartilhar as
experiências, uma forma de apoio sem confrontos religiosos, observação bem
pautada pela professora.
Provavelmente pelo projeto realizado na escola “B”, as professoras
entrevistadas parecem ter mais facilidades em lidar com o tema. Três das cinco
professoras entrevistadas da escola “B”, afirmam que um dos fatores que
proporcionam facilidades em lidar com o luto na escola é o projeto desenvolvido
na escola. Momento de diálogo, aproximação, professor e aluno, e a própria
abertura que a escola oferece para reflexão acerca de assuntos decorrentes de
mortes por diferentes contextos, seja a violência ainda presente no bairro, seja
mortes ocasionadas por diferentes situações que envolvam os alunos, parentes
ou mesmo morte considerada longínqua, como anunciados em documentários.
78
Na tutoria os alunos podem trazer os assuntos que desejam debater,
entre eles, a morte se faz sempre presente, afirmou o diretor da escola “B” em
nossas conversas informais. Encontramos nas falas das professoras:
[...] Bom, a facilidade é do próprio projeto que a gente tem aqui na escola [...]; (professora 1,escola “B”); O que facilita acho que é a proximidade que eles têm com o professor e o aluno (Professora 2, escola “B”) [...] pelo que eu percebo aqui, os fatores que facilitam, é o fato de você poder (...) é tocar no assunto de uma maneira bem tranquila, sem agredir, sem utilizar de uma forma de (...) ofensa, entendeu, quer dizer, respeitando o sentimento do outro [...]. (Professora 3, escola B)
Como se pode ver, as facilidades mencionadas são desenvolvidas a
partir do projeto desenvolvido na escola e que possibilita o preparo dos
professores.
Para a professora 4 (escola "B"), a facilidade está no apoio e cuidado
recebido e não se sentir só no momento da perda: “[...] o facilitador é quando
você perde alguém e você sente a pessoa junto”. Esse posicionamento da
professora pode ser entendido na dimensão do cuidado. Para Boff (1999), o
cuidado representa uma atitude, pois,
cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro (p.33).
Entendo que a referida professora esteja falando de companhia e
apoio no luto, e não pontuando a questão da espiritualidade, pois logo em
seguida ao expressar as dificuldades, sinaliza a falta de apoio, de união: “[...]
dificuldade é quando viram, sabe não se importam, não demonstram não se
unem [...]”.
As dificuldades sinalizadas pelas professoras 1 e 2, da escola "B",
nesta sequência como são apresentadas abaixo, estão no significado da morte:
79
[...] dificuldade é individual, não coletiva, individual, né [...] que cada pessoa tem com esse, com esse significado da morte, não é [...]? [...] o ato da perda mesmo, né...às vezes a pessoa não tá...não aceitou [...].
Na descrição da professora 3 (ainda da mesma escola) dimensão do
significado pode ser compreendido na aceitação da morte. Para a professora, a
dificuldade está na banalização da morte, por ser uma situação presente
diariamente na vida dos alunos:
[...] as dificuldades também, não porque no ambiente escolar, as crianças também estão acostumadas com o dia a dia, né, com o impacto das coisas, com atropelamento na rua, com aquela violência que é gerada lá fora, então, esse desenho de violência tá muito inserido na vida deles, né, então a morte é mais uma consequência disso, que pra eles, eu acredito nisso, que ao meu ver faz parte da rotina, muitas vezes eles presenciam na comunidade em que eles vivem.
Para Kovács (2010, p.145), "a morte escancarada ocorre nas
situações de violência, na rua, e tem crescido de forma significativa nas cidades
pelos homicídios, acidentes que infelizmente, vitimam mais os jovens." Não
banalizar a morte, torna-se essencial em situações de enfrentamento de
situações de limite de vida. Creio conviver com a morte interdita seja um desafio.
Nas palavras de Kovács (2003a) encontramos um suporte que pode
ser uma superação para esse desafio:
Não temos uma resposta simples, única, total, dogmática e padronizada, e, sim, a possibilidade de busca inerente ao ser humano que, mesmo esmagado por uma sociedade desumana e massificadora, pode florescer e se desenvolver (contracapa).
Nesse sentido, professores vivenciam o que Freire (1996) chama de
ser transformador. “assumir-se como ser social e histórico como ser pensante,
comunicante, transformador [...]” (p. 41). Para transformarmos precisamos nos
80
transformar também. Talvez lidar com o tema da morte, seja um ato desafiador
para mudanças, mas possível de ser realizado.
O relato da funcionária readaptada39 da escola “B” possibilita refletir
acerca de sua necessidade de dar voz ao seu silêncio, vivenciados há 10 anos,
tempo de sua viuvez. Pontua suas dificuldades no processo do luto. A falta de
apoio da equipe escolar e provavelmente de suas próprias dificuldades em lidar
com a situação, contribuíram para o seu afastamento das atividades escolares.
Como citou em conversa informal: “perdi tanta coisa nesse tempo e ainda
ganhei esse nome que pesa até hoje 'professora readaptada”. Ao expressar que
não conseguiu retornar as atividades escolares, deixa claro o quanto considera
importante na escola o apoio e ajuda a qualquer pessoa enlutada, não apenas
estudantes.
Nossa conversa informal seguiu por alguns longos segundos e ela
pontuou com muita precisão que em minha pesquisa faltava investigar o cenário
dos professores, de como a escola lidava com o luto do/a professor/a, suas
perdas, sua solidão e suas necessidades diversas. Como iniciante no mundo da
pesquisa, desejava no momento um manual imaginário de respostas, para de
alguma forma fazer o que ninguém nestes dez anos teve a sensibilidade de
fazer. Consciente da inexistência de manual concordei com suas palavras, e na
prática vivenciei o surpreendente caminho da pesquisa, o que Martins (1991)
chama de flexibilidade, em relação à coleta de dados, “incorporando aquelas
mais adequadas à observação que está sendo feita” (p.167). Pontual em sua
fala, a professora afirmou com certa eloquência: "Você precisa pesquisar esse
cenário, verá quantas situações nós vivemos".
A entrevista concedida foi encerrada com as palavras sábias da
professora: “o luto é luto pra todo mundo, o luto é luto pro adulto, o luto é pra
criança, o luto é luto pro filho, é luto pro aluno, ele é luto pra esposa, ele é luto
pra funcionário, [...] O luto de um modo geral”.
Ressalto que é importante considerar que a escola não deveria ser a
única a oferecer apoio à professora. Outros profissionais de outras áreas do
saber poderiam ter contribuído no processo do luto. Sem um apoio torna-se
difícil passar de uma fase para outra. No luto, o que Franco (2002, p. 129),
39 Entrevista na íntegra no ANEXO B.
81
concebe como quadro do luto patológico: “os sintomas não aliviam com o tempo,
e podem piorar, podendo persistir por vários anos se não tratados”. O luto
patológico que a professora readaptada (segundo o nome a ela foi dada pela
escola) apresenta por esses 10 anos pela perda de seu marido, pode ser
compreendido também na afirmativa de Kovács (1992).
A morte do outro configura-se como a vivência da morte em vida. É a experiência da morte que não é própria, mas é vivida como se uma parte nossa morresse, uma parte ligada ao outro pelos vínculos estabelecidos (p.160).
É com essa afirmação que proponho o apoio ao enfrentamento no
processo do luto. A equipe escolar precisa estar atenta a situações que
enlutados vivenciam no contexto escolar. Essa reflexão possibilita rever a
importância da temática envolvendo toda a comunidade escolar. Desafio para
próximas pesquisas.
Tabela 16 – Papel de gestores e educadores frente as manifestações de
luto entre estudantes
Gestores
Entrevistados Gestores
Tema: Papel de gestores e educadores frente às manifestações
de luto entre estudantes
Escola A: Diretora
È...a gente não pode deixar a questão virar “oba oba”, né? A
gente tem que tratar a situação do luto com respeito, porém
cada um tem sua forma de viver o luto a seu tempo, então é...,
é.... mais difícil pra nós, que nós não temos aonde “se” apoiar,
eles têm a gente, mas a gente não tem..., se fosse ao contrário,
que a gente perca, né... esse auxílio para a perca... Nós não
temos...não se pode nem fechar a escola, oficialmente nós não
podemos deixar nem de ter aula, quando acontece uma situação de
luto, morreu alguém, você pode ir até para o enterro, para o velório,
mas você não pode fechar a escola, porque se você fechar a escola,
a Secretaria da Educação vai falar:-“Você vai ter que repor esse dia
letivo.” Então tem horas que pra Secretaria da Educação, a situação
é muito fria, né...e...então...no papel é tudo muito frio, mas as
82
situações da escola não podem ser frias, você está lidando com o
ser humano, então você vai ter que ter pena todos os dias, você vai
ter choro todos os dias, você tem um aluno...que morreu um colega,
morreu o pai, morreu o avô, pessoa que era muito apegada, ele tem
que voltar pra escola, e muitas vezes, a pessoa não volta preparada,
e muitos querem contar o que aconteceu, então é assim,...o adulto é
assim, nós sempre temos que estar preparados, e muitas vezes os
professores não têm suporte, tem professor que não aguenta, e aí
então, com é que fica? “... nós somos seres que precisamos uns
dos outros”.
Escola A: Coordenadora
Uma ação importante é ouvi-los, ouvir a família, né...quem tiver
envolvido (na) na situação, e pelo menos a gente, acho, ouvindo
eles e respeitando a situação, creio que já é uma boa ação,
agora, uma ação específica a gente não...eu particularmente não
tenho de onde hã...assim sem contar...eu assim hã...não tenho uma
referência pra dar pra você.
Escola B: Diretor
[...] Eu acho que é...levar esse aluno a refletir, refletir também;
é...conviver, hã...de uma forma muito respeitosa e com cuidado
e um carinho muito grande por todo esse sofrimento, seja o
sofrimento daquela pessoa que tem um grande entendimento
das coisas, seja o sofrimento daquela pessoa que “estão”
mesmo na ignorância, porque tem gente que está sofrendo,
e...ele é o autor principal do sofrimento, e...ele não tem
consciência que ele é que é o autor principal do sofrimento,
é....de responsabilizar todo mundo, na busca de um sentido, na
busca de um cuidado, para que a gente viva melhor, da melhor
forma possível.
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora
Esta tabela demonstra as possíveis ações de gestores no
enfrentamento de situações relacionadas ao luto.
Os entrevistados apontam semelhanças em relação ao papel que
pode ser realizado entre gestores a estudantes enlutados. Todos os
entrevistados sinalizam a importância do apoio através do ouvir, do respeito,
acolhimento e cuidados no processo do luto. Tornam-se claro alguns desafios
83
em relação ao apoio e cuidados, como a falta de apoio de instâncias maiores,
caso apontado pela diretora da escola “A”:
[...] não se pode nem fechar a escola, oficialmente nós não podemos deixar nem de ter aula, quando acontece uma situação de luto, morreu alguém, você pode ir até para o enterro, para o velório, mas você não pode fechar a escola, porque se você fechar a escola, a Secretaria da Educação vai falar: “Você vai ter que repor esse dia letivo.” Então tem horas que pra Secretaria da Educação, a situação é muito fria, né...e...então...no papel é tudo muito frio, mas as situações da escola não podem ser frias, você está lidando com o ser humano [...].
Embora a diretora reconheça a importância do apoio aos enlutados,
alguns desafios burocráticos dificultam a prática na escola. Essa dificuldade se
faz presente também pela falta de apoio direcionado a gestores que também
sofrem pela situação e não têm a quem recorrer. Em sua fala a diretora encerra,
afirmando que há professores que não têm o suporte e alguns não aguentam
essa situação difícil, que é lidar com o tema da morte. Enfatizo que a concepção
da diretora em relação ao cuidado, é que este deveria ser uma ação direcionada
a todos: “[...] nós somos seres que precisamos uns dos outros.” A dimensão do
cuidado vai além do que a escola parece exercer. É estar atenta a realidade de
cada um, seja discente, docente ou outro funcionário da escola.
Conforme Leonardo Boff (p.90) a palavra cuidar tem a mesma raiz da
palavra cura. Do latim coera era comumente usado em relações de amor e
amizade40. A palavra cuidado, derivada do latim cogitare-cogitatus, remete ao
mesmo sentido da palavra cura: cogitar, mostrar interesse, revelar uma atitude
de desvelo e preocupação. Nesse sentido, o cuidar no contexto escolar deveria
estar presente também com esses sentidos.
Gostaria de resgatar nesse momento a falta do cuidado na entrevista
não realizada na escola C. Momento que a diretora afirma: “aqui não temos
tempo para isso, temos muitas coisas pra fazer! A morte fica só do lado de fora
40 Não é meu intuito aprofundar o significado da palavra cuidado nas diferentes dimensões
possíveis, mas chamar atenção do leitor que a palavra pode ser direcionada no sentido de ações de desvelo, atenção, como práticas direcionadas no contexto escolar, especificamente no cuidado aos enlutados.
84
da escola, eles morrem é lá na rodovia. Sempre tem um dos nossos lá”41. Ao
realizar essa afirmativa, a diretora pressupõe um descompasso em relação a
realidade e o papel da escola frente aos desafios da comunidade. Será que
cabe a escola apenas a dimensão cognitiva? Esse seria um assunto pertinente
para futuras pesquisas que permite diversas inquietações as quais não
possibilitam tendo em vista o objeto de pesquisa do presente trabalho.
Boff (idem) enfatiza que o cuidar se estende a uma dimensão que
possibilita o conviver relacional que envolve a dignidade numa relação que abre
mão do poder dominador. “A partir desse valor substantivo que emerge a
dimensão da alteridade, de respeito, [...] de reciprocidade e de
complementaridade” (p.96). Cuidar de uma pessoa que sofre a perda de alguém
por morte é se enveredar por caminhos que podem levar a uma reflexão como
este autor propõe, a dimensão ontológica. Ações de cuidado no cotidiano
escolar podem ficar a margem, talvez por uma agenda burocrática a ser
cumprida.
A dimensão do cuidado holístico também está presente no argumento
dos gestores entrevistados. A coordenadora “A”, ao citar que uma ação
importante é “[...] ouvir os alunos, a família, ou outra pessoa envolvida.”,
argumenta a relevância da abordagem do tema do cuidado em questões na qual
a morte e o luto estão presentes. Talvez engessada por tantos outros papéis a
cumprir, a entrevistada parece querer argumentar outras ações ao mencionar:
“[...] uma ação específica [...] não tenho para dar para você”. A coordenadora,
nesta fala, parece desconhecer que o ouvir se caracteriza como um cuidado,
talvez uma característica de poucos, mediante tantas situações em que o tempo
para parar e se prontificar a ouvir o outro, torna-se cada vez mais ausente.
Talvez a coordenadora esteja equivocada em querer dar outras referências.
A interação do cuidado surge também com o interesse em ouvir o
outro. Nesse sentido, a reflexão argumentada pelo diretor “B”, demostra sua
sensibilidade e relevância em relação ao tema da morte, do luto, de perdas na
vida e também na escola. Ouvir a voz daquele que sofre, ou daquele que se
torna o protagonista de seu próprio sofrimento, ou sofrimento alheio, é uma ação
41 Temática abordada por essa pesquisadora no ítem 3.1.1 – A não entrevista.
85
relevante na afirmativa do diretor. Vejamos algumas de suas inquietações nesse
sentido:
[...] refletir de uma forma muito respeitosa e com cuidado e um carinho muito grande por todo esse sofrimento, seja o sofrimento daquela pessoa que tem um grande entendimento das coisas, seja o sofrimento daquela pessoa que “estão” mesmo na ignorância, porque tem gente que está sofrendo, [...] ele é o autor principal do sofrimento; ele não tem consciência que ele é que é o autor principal do sofrimento, é de responsabilizar todo mundo, na busca de um sentido, na busca de um cuidado, para que a gente viva melhor, da melhor forma possível.
Para o diretor, viver da melhor forma possível não isenta de lidar com
temas desafiadores como a morte, mas refletir e aprender com novas
possibilidades e significados.
A seguir verificamos o papel dos professores frente às manifestações
de luto entre estudantes.
Tabela 17 – Papel de gestores e educadores frente as manifestações de
luto entre estudantes
Professores
Escola A: Professores
É aquilo mesmo, né, você vai entrar em choque e depois você vai
ficar tentando amenizar a dor da pessoa. Não tem muito o que
tratar, aconteceu, você vai fazer o que? Não tem muito o que
falar, é complicado.
(Professora 1)
O papel do professor, do docente, né, mediante a essas situações
quando acontecem, ele tem que deixar o pedagógico totalmente
de lado, né, aí ele sai da função pedagógica, aí entra na função
humanista, né...a função de ser humano, é...um pouco
psicólogo, sabe, tentar trabalhar o emocional dessa pessoa,
é...acho que todo educador, ele tem um pouco de psicólogo, um
pouco de terapeuta, né, é procurar desenvolver mais esse lado
mesmo, humano, né...humano em si, e se entregar mais nesse
lado [...]
(Professora 2)
86
Escola B: Professores
Escola B: Professores
Bom... aqui foi o início de tudo né..., o nosso projeto se deu por
conta de uma, de uma morte, de uma garota, né..., e...o nosso
papel de tudo aqui, o coração, foi exatamente isso, né..., o que
pulsa, o que nos pulsa pra esse projeto é justamente, é...por
causa do luto, é...de uma, de uma garota que nós ficamos assim,
todos nós, e principalmente o diretor, né...e...enfim, não tinha como
continuar, se a gente não tratasse dessa questão.
(Professora 1)
[...] o papel é de confortar, de mostrar pra eles que isso está
presente na nossa vida [...] [...] ela está presente e a gente tem
que aceitar da melhor forma, e entender, não só aceitar,
entender a situação humana, pra passar esse processo de luto,
a gente tem que vivenciar uma perda pra depois amadurecer a
ideia; também não pode ignorar, ignorar é bem ruim, porque eu
acho fica guardado, aí no futuro pode aparecer.
(Professora 2)
[...] esse fator é importante porque a gente tenta mostrar
exatamente que o processo, a manifestação frente a esses
acontecimentos, no caso do luto dentro da escola, tem que ser
muito respeitado, porque afinal de contas, as pessoas que
perdem seu ente querido, dentro de uma, de uma, de um
ambiente, não importa que ele seja escolar ou não, mas aqui no
caso, o papel do professor, do coordenador, é o que...é você dar
todo aparato, né...é poder dialogar, poder apoiar, aquilo que for
necessário para poder fazer com que a pessoa consiga absorver
nessa perda.
(Professora 3)
[...] é muito complicado, porque eu acho que nem nós estamos
preparados pra lidar com isso de verdade, cada um sai atirando
prum lado [...] [...] pra mim a morte representa a dor, pra outro
não [...] [...] é tudo é uma questão de encarar, os japoneses não
comemoram? È uma tendência deles, que eles acham que ali vai
começar, vai ter uma outra coisa, então depende da visão que
têm, então fica difícil.
(Professora 4)
87
Acho que a maior manifestação é a “Caminhada pela Paz”, são os
coordenadores, a direção passando na sala, sempre lembrando
disso, mesmo quando eles geram algum problema de violência
dentro da sala, está se colocando sempre o nosso trabalho pela
paz, a caminhada, o que que gerou a caminhada, sempre se
coloca isso, com certeza nenhum aluno aqui da escola, que você
perguntar, ele, vai estar falando que esse é um fato marcante pra
nós durante estudante.
(Professora 5)
Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora
Para a professora 1 (escola “A”) “[...] o papel do professor é amenizar
a dor [...] Não tem muito o que tratar, aconteceu, você vai fazer o que? Não tem
muito o que falar, é complicado". Ela não explicita como esse amenizar pode ser
realizado. Ao afirmar “que não tem muito o que fazer, é complicado”, podemos
entender que de alguma forma, o papel do professor não seja ignorar o luto
evidentemente, mas que não há muitas questões que podem ser realizadas.
Apesar de reconhecer o luto como uma situação complicada, não se esquiva de
tratar do assunto.
O argumento da professora 2 da mesma escola evoca inicialmente
apenas o sentido da função pedagógica de educadores no que tange ao aspecto
cognitivo:
[...] tem que deixar o pedagógico totalmente de lado, aí ele sai da função pedagógica, aí entra na função humanista, né...a função de ser humano, é um pouco psicólogo, sabe, tentar trabalhar o emocional dessa pessoa, é...acho que todo educador, ele tem um pouco de psicólogo, um pouco de terapeuta, né, é procurar desenvolver mais esse lado mesmo, humano, humano em si, e se entregar mais nesse lado [...].
Concebo que a função pedagógica perpassa a função humanista.
Como afirma Nóvoa “[...] a profissão docente continua a ser uma profissão
apaixonante, porque não há atividade mais exaltante do que contribuir para a
formação dos seres humanos” (1991, p. 16). Nesse sentido a questão
humanística está presente na tarefa do professor. Instiga-me a questão do
professor assumir na afirmativa da entrevistada, somente o viés pedagógico, no
88
qual a construção do conhecimento está desvinculada do compromisso de outra
formação do ser humano.
Encontramos em Severino (2002) um aporte que vem ao encontro de
nossa compreensão:
A atividade do educador pressupõe uma percepção explícita das referências existenciais dos sujeitos envolvidos. Para estes, tais referências dizem respeito à compreensão de si mesmos, dos outros e de suas relações recíprocas, bem como de sua integração ao grupo social e à humanidade como um todo. Não é possível desenvolver a educação sem conhecer e compreender a inserção dos sujeitos na rede complexa da vida subjetiva, nas relações de poder que formam a vida social e no fluxo histórico que constrói a humanidade. (p.147).
As professoras 1,3,5 da escola “B” apresentam unanimidades nas
respostas acerca do papel dos professores frente as manifestações de luto na
escola. O projeto desenvolvido na escola há 14 anos, contribui para que ações
de apoio, acolhimento, diálogos, sejam realizadas na escola.
A professora 1, argumenta que a questão do luto é que justifica a
realização do projeto: “[...] o que nos pulsa pra esse projeto é justamente, por
causa do luto; é de uma garota que nós ficamos assim, todos nós, e
principalmente o diretor, enfim, não tinha como continuar, se a gente não
tratasse dessa questão”.
O processo do luto apresentado pela professora 3, através das ações
realizadas, permite que o enfrentamento se consolide de uma forma saudável.
Para ela, o papel dos educadores permeia a dimensão do cuidado quando faz a
seguinte colocação:
[...] esse fator é importante porque a gente tenta mostrar exatamente que o processo, a manifestação frente a esses acontecimentos. No caso do luto dentro da escola, tem que ser muito respeitado porque, afinal de contas, as pessoas que perdem seu ente querido, dentro de um ambiente, não importa que ele seja escolar ou não, mas aqui no caso, o papel do professor, do coordenador, é você dar todo aparato; é poder dialogar, poder apoiar, aquilo que for necessário para poder fazer com que a pessoa consiga absorver nessa perda (escola "B").
89
Para a professora 5, ainda da mesma escola, o papel do professor é
realizado a partir do projeto realizado na escola:
[...] a maior manifestação é a “Caminhada pela Paz”, são os coordenadores, a direção passando na sala, sempre lembrando disso, mesmo quando eles geram algum problema de violência dentro da sala, está se colocando sempre o nosso trabalho pela paz, a caminhada, o que que gerou a caminhada o que que gerou a caminhada, sempre se coloca isso, com certeza nenhum aluno aqui da escola, que você perguntar, ele, vai estar falando que esse é um fato marcante pra nós durante estudante.
Como já apresentado anteriormente, a Caminhada da Paz foi iniciada
por ocasião da morte de uma aluna, desde então, várias ações são realizadas
oportunizando momentos para reflexão conforme as situações vivenciadas na
escola, bairro, ou outras situações pontuadas por alunos ou professores. Os
alunos são convidados a pensar nas ações que podem contribuir para uma
convivência melhor, seja no âmbito escolar, ou na comunidade que vivem.
Vivenciam o que Paula (2010) apresenta: “a reflexão sobre o luto nos
convida a pensarmos como estamos vivendo nossos dias. É claro que não é
regra que precisaremos nos enlutar para pensar sobre o que estamos fazendo
com nossa vida e quais os sentidos que encontramos em nossas escolhas” (p.
212).
Podemos perceber que na escola “B” o tema da morte, luto, perdas,
não está ausente. A escola procura realizar o enfrentamento do luto, preparando
os professores apoiando alunos e realizando atividades que promovem o
diálogo, primordial para construção do desenvolvimento do projeto.
Saber lidar com situações que envolvam a morte, perda, luto, está
imbricado com a concepção que cada pessoa traz isso por meio de experiências
e vivencias. A Professora 4, explicita esse processo ao argumentar:
[...] é muito complicado porque eu acho que nem nós estamos preparados pra lidar com isso de verdade, cada um sai atirando para um lado [...]. Para mim a morte representa a dor, para o outro não [...] é tudo é uma questão de encarar, os japoneses não comemoram? É uma tendência deles, que eles acham que ali vai começar, vai ter uma outra coisa, então depende da visão que têm, então fica difícil (escola B).
90
Cada pessoa concebe o luto de uma maneira, como expressa a
professora. Saber lidar com os próprios lutos, favorece o cuidar do outro. A
escola como espaço socializador pode favorecer esse cuidado, e professores
podem ser fundamentais na concretização desse processo. Apesar das
dificuldades, encontrar caminhos parece ser uma tarefa também aos
educadores.
Considerando assim a importância da literatura no cuidado com o
luto, especialmente no âmbito escolar, a seguir, aponto alguns caminhos
percorridos por educadores que trabalham com a temática do luto, morte e
perdas e que podem ser uma referência e incentivo em abordagens na escola.
Entre esses caminhos, alguns sites que visitem e considero importantes fontes
de divulgação de trabalhos realizados por educadores preocupados com a
abordagem do tema nas escolas.
Deixo também algumas “dicas” que fui anotando entre a participação
de cursos que participei durante o processo de investigação.
Paiva (2011, p.139), selecionou 36 livros. As categorias,
apresentadas proporciona conhecer as temáticas possíveis de serem
abordadas. A seguir, copilo parcialmente o quadro apresentado por Paiva (2011.
p. 139-141).
Tabela 18 – Livros infantis que abordam o tema da morte, organizados por categorias
Categorias Títulos
Velhice O Teatro de Sombras de Ofélia
Animal de estimação
Os Porquês do Coração
No Céu
A Mulher Que Matou os Peixes
O Dia em Que o Passarinho Não Cantou
Avós
Histórias da Boca
Cadê Meu Avô?
Vó Nana
Vovô Foi Viajar
Por Que vovô morreu?
Menina Nina
O Anjo da Guarda do Vovô
91
Quando seus avós morrem
Pai A Montanha Encantada dos Gansos Selvagens
Mãe
Eu Vi Mamãe nascer
Não é Fácil, Pequeno Esquilo
A história de Pedro e Lia
Criança/irmãos Emmanuela
Ciclo de Vida
Tempos de vida
Caindo Morto
O Dia em que a Morte Quase Morreu
O Medo da Sementinha
A Sementinha Medrosa
A História de uma Folha
Explicativos
Morte: O que Está Acontecendo?
Ficar Triste Não é Ruim
Quando os Dinossauros Morrem
Interativos Quando Alguém muito especial Morre
Fantásticos
A Revelação do Segredo
Pingo de Luz
Pingo de Luz – De volta à casa do Pai
Outros
O decreto da Alegria
A Felicidade dos Pais
Um Dente de Leite, um Saco de Ossinhos
Lançado em 2012, o Manual de leitura e Caderno para colorir e
aprender de Carla Luciano Codani Hisatugo, cujo título “Conversando sobre a
morte”, possibilita uma abordagem interativa com o educando. De uma forma
lúdica, a abordagem pode ser apresentada de forma mais suave.
Em maio do mesmo ano foi lançado o CD “ Falando de Morte na
Escola”, pelo LEM. Apresentado na 1ª Jornada do Luto, na USP, ocasião que
conheci também algumas pessoas que abordam o assunto da morte na escola,
o recurso visual torna-se uma ferramenta indispensável para professores e
92
equipe escolar. Maiores informações para aquisição e programações de cursos
do LEM no site: http://www.ip.usp.br/laboratorios/lem/lem.htm42.
Outra iniciativa pertinente à discussão do tema refere-se a Associação
Viva e Deixe Viver43 é uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público - que treina e capacita voluntários para se tornarem
contadores de histórias em hospitais para crianças e adolescentes. Atualmente,
os principais recursos dessa Associação são a leitura de obras infantis, as
brincadeiras, a criatividade e o bom humor de seus voluntários.
Durante a investigação, visitei alguns sites44 que julgo relevante a
divulgação dos endereços eletrônicos para divulgação. Entre eles, destaco:
http://www.amigosdozippy.org.br
http://www.abclinicadoluto.com
http://revistaescola.abril.com.br
http://www.psiqweb.med.br
Essas ferramentas possibilitaram conhecer algumas atividades
desenvolvidas por profissionais que provavelmente inspiram outras pesquisas
futuras.
42
Acesso em 22/11/2012 às 10h45.
43 Maiores informações: http://www.vivaedeixeviver.org.br/ acesso em 29/10/2010 às 18h45.
44 Acesso em 04/05/2011 às 22h25.
93
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Falar da morte talvez seja um dos temas mais desafiadores para
algumas pessoas, quanto mais no ambiente acadêmico. Confesso que foi um
desafio somado a uma coragem e curiosidade epistemológica. Até delimitar qual
seria o problema a ser investigado, em relação ao luto no contexto escolar,
foram muitas as questões que elenquei como inquietações para a pesquisa. Ao
concluir o tema final - Luto na escola: um cuidado necessário - novas
indagações permearam esse processo de construção a partir do objeto de
pesquisa definido, devida a complexidade do assunto. Porém, havia
necessidade de me debruçar no que havia proposto: conhecer e refletir sobre os
significados que os educadores têm acerca do luto e morte no contexto escolar.
Esse conhecimento possibilitou conhecer como professores e outros
profissionais da educação trabalham com o processo do luto na escola.
Pela complexidade do tema da morte, os desafios foram somados a
cada descoberta e também as exigências acadêmicas. O caminho trilhado
inicialmente com a escolha do material bibliográfico foi também um momento
desafiador. Pois, encontrar uma bibliografia específica sobre a morte não foi um
desafio uma vez que já tinha tido a oportunidade de conhecer algumas
publicações, inclusive participando de alguns cursos na USP-SP, com duas
autoras dos livros consultados. Na verdade, a dificuldade maior foi encontrar
autores da área da educação que versassem sobre o tema luto pelo fato do
tema ainda ser pouco explorado na área educacional. Com esse desafio, recorri
também ao uso da literatura infantil como ferramenta pedagógica, por ser um
instrumento facilitador para abordagens da temática da morte e por ter uma
função humanizadora e terapêutica, favorecendo, dessa forma, abordar temas
desafiadores, como a morte, luto, perdas.
Outro desafio encontrado no caminho da pesquisa foi a entrevista não
realizada em uma das escolas escolhidas para a realização do presente
trabalho. Foram várias as tentativas para a realização da pesquisa nessa escola.
O maior problema encontrado foi a insensibilidade da diretora em relação ao
tema da morte e do luto. A diretora mencionou que os alunos morrem na rodovia
94
próxima, e não dentro da escola, e que em sua escola não tinham tempo para
lidar com essa situação. Esse percalço sinaliza a morte escancarada presente
no cotidiano das pessoas, principalmente nas grandes metrópoles, invadindo
espaços nas ruas, nas casas e escolas, talvez cada dia mais perto de nossa
realidade. Os alunos morrem ao atravessar a rodovia para irem a escola. A
rodovia não possui uma passarela para a travessia. Eles convivem diariamente
com o limite da vida. Ao negar a abordagem da morte, a diretora também
sinaliza um problema social que parece tratar como algo irrelevante.
Diante desse contexto, a problemática nos leva a refletir sobre o papel
socializador da escola e suas intervenções diante de determinadas situações –
tal como o luto. Este trabalho então compreende que a escola deveria sair de
dentro de si mesma e estar atenta às necessidades dos alunos, do bairro, da
sociedade da qual esta inserida. Evidentemente outros tipos de morte poderiam
estar presente entre os estudantes, porém conhecendo a situação e se omitindo
de suas responsabilidades, a escola colabora, de certo modo, para o
crescimento da mortalidade de jovens estudantes.
As duas escolas que fizeram parte desse trabalho têm um histórico de
violência seguida de morte. Ir ao encontro de situações jamais imaginadas de
mortes de estudantes, possibilitou-me uma reflexão profunda sobre a morte
interdita de jovens que a cada dia mais se tornam vulneráveis devido às
situações que a própria vida ingratamente oferece.
A partir dos relatos dos professores e outros agentes da educação, o
processo de pesquisa foi construído. Os dados revelados pelos entrevistados
permitiram um confronto entre a teoria e a prática. Em cada relato ou nas
respostas das entrevistas das perguntas semiestruturadas, minhas indagações
foram tomando uma nova compreensão acerca do luto, e das pessoas que lidam
com a temática.
Dentre as aprendizagens construídas nesse processo de pesquisa,
destaco uma que tive durante a pesquisa de campo, com os relatos dos dois
diretores das escolas. Momento que apresentam a triste experiência de mortes
com estudantes. Em alguns momentos houve pausas para nos recompormos de
nossas lágrimas. Em um primeiro momento não sabia como me comportar
perante o entrevistado. Depois reconheci que no caminho da pesquisa, a
subjetividade também faz parte do processo do estudo. A partir dos relatos,
95
constatei alguns dilemas encontrados pelos entrevistados: a falta de apoio no
momento em que também passam por um luto é uma questão abordada; a falta
de apoio e preparo para lidar com a temática na escola também é uma
realidade; não saber lidar com o próprio luto dificulta a abordagem do tema com
os alunos; não conseguir resignificar a vida com a ausência da pessoa perdida é
uma das dificuldades encontradas não somente para retomar a vida na escola,
mas em um sentido amplo. Para alguns profissionais, a religião é uma questão
que pode dificultar a abordagem do tema, pois cada um tem uma concepção
acerca da morte.
Os relatos me proporcionou também conhecer as facilidades que os
profissionais pontuaram em relação à abordagem do tema. Entre elas, o diálogo
entre professores e alunos é considerado muito importante. Uma das escolas
realiza um projeto em que temas como a morte, luto, perdas, violência, têm uma
relevância no programa desenvolvido pela escola. A tutoria realizada entre
professores e alunos permite uma aproximação maior. O diálogo sobre os temas
citados, é uma prática fundamental que permite conhecer as dificuldades dos
alunos e apoiá-los no que for possível.
Outro dado importante que constatei, por meio do estudo, é a
possibilidade que a temática da morte proporciona repensar acerca do caminho
trilhado. Nesse sentido, a morte do outro, faz com que pensemos na nossa
trajetória de vida. Lidar com a morte como parte do processo da vida, parece ser
um desafio para alguns dos entrevistados. Nesse sentido, a escola pode
proporcionar apoio, preparando a equipe de educadores a lidar com esse tema
tão desafiador.
Os cuidados que a escola pode oferecer são diversificados no que
tange ao resgate da vida dos enlutados. Não abordo aqui questões religiosas,
pois cada religião traz sua interpretação da morte em si, e sim uma perspectiva
de apoio, de ao menos tratar do assunto com possibilidade de conteúdos que
possam ser abordados.
A importância da educação para a morte é um assunto que necessita
ser tratado e repensado conforme a experiência e necessidade de cada escola.
É de suma importância que essa temática seja abordada no contexto escolar,
visto que a possibilidade da morte entre estudantes é uma realidade já
96
vivenciada em algumas escolas, como foi apresentado na pesquisa por meio
dos relatos dos profissionais. A morte interdita é uma realidade presente.
Desta forma, julgo de grande importância uma formação continuada
para professores, preparando-os para lidar com o enfrentamento de diversas
situações, inclusive o luto por morte. Educadores devidamente orientados
podem realizar ações de apoio a estudantes enlutados.
Constituir-se educadores se faz ao decorrer do tempo, de
experiências somadas e vividas. Envolve o âmbito de conhecer-se e conhecer o
próximo. Educadores podem realizar em conjunto ações afetivas e efetivas
como apoio no processo do luto. A esperança é construída no encontro da dura
realidade da perda com a possibilidade de continuar a caminhada, perfazendo
momentos difíceis, mas também de um novo sentido de vida.
Considerando as reflexões que a pesquisa proporcionou, trago
algumas inquietações que poderão futuramente tonar-se estudos para novas
pesquisas: a capacitação de professores por meio de formação continuada
abordando a temática do luto e morte; uma investigação acerca de profissionais
que não conseguem retomar suas funções em detrimento por vivenciarem lutos
patológicos; abordar algumas questões de violência que assolam jovens e
resultam em mortes precoces.
O trabalho não apresentou a presença da morte de estudantes por
motivos naturais ou enfermidades, mas não podemos desconsiderar tais
possibilidades. Provavelmente casos dessa natureza podem infelizmente
contribuir para o índice de mortalidade de jovens estudantes.
Ainda que esse trabalho tenha constatado que algumas escolas
realizam atividades de apoio e preparam a equipe escolar para lidar com a
situação, é emergente o despertar de outras escolas em relação à importância e
relevância do tema.
Realizar essa pesquisa permitiu-me conhecer um universo
apresentado nos referenciais teóricos e nos relatos obtidos dos entrevistados
que aceitaram o desafio de participar e colaborar com este trabalho -
ferramentas que contribuíram e possibilitaram um caminhar com novas
aprendizagens, desafios e incentivo a futuras pesquisas
Certamente muitos desafios abrem novas possibilidades para a
pesquisa sobre o processo do luto no contexto escolar. A trajetória da pesquisa
97
realizada permite que outros diálogos sejam travados e novas descobertas
sejam trilhadas. Por isso, essa pesquisa pode ser uma contribuição para novas
discussões e o tema da mesma não se esgota nesse trabalho.
98
REFERÊNCIAS
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Scipione, 1999. ALVES, R. Conversas com quem gosta de ensinar. 7ª Ed. São Paulo: Cortez,
1984. BETTELHEIM, B. A Psicanálise dos contos de fadas.16 ed. Trad. A. Caetano.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. BOWLBY, J. Perda: tristeza e depressão. Trilogia Apego e Perda. São Paulo:
Martins Fontes. v.3. 1990. BRENMAN, I. Através da vidraça da escola: formando novos leitores. São
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WALSH, F.; MCGOLDRICK, M. Morte na família: sobrevivendo às perdas. Trad. Claúdia Oliveira Dornelles. Porto Alegre: Arimed, 1998.
103
ANEXO A – ENTREVISTA
ENTREVISTA COM A PROFESSORA CARYNE PAIVA
Há quanto tempo trabalha com a temática da morte? Poderia relatar um
pouco de sua experiência?
Comecei a trabalhar o tema da morte na escola já faz algum tempo, acho que
uns 8 ou 9 anos, e essa necessidade minha surgiu ao perceber o enlutamento
de crianças, e então comecei a trabalhar a partir disso. Começo a trabalhar com
sequências didáticas, me utilizo também de livros paradidáticos, de poesias,
bastante poesia, porque sou professora de português.
Qual a importância da abordagem no contexto escolar?
A importância ela se dá porque pelo luto todos nós vamos passar, mas a
diferença está em ter recursos para passar bem por esse luto, porque sofrer,
todo mundo vai sofrer, mas legitimar com as crianças a dor que elas estão
sentindo, que muitas vezes não é legitimada na escola, ou então acontece um
interdito que a gente acaba não comunicando. Acho que a única experiência que
foi realizada a pedido da escola, foi aquela que eu narrei, que foi a respeito do
Realengo, que a coordenadora pediu para eu falar.
Você mencionou que sua experiência com a temática ocorreu tanto na
escola pública e privada. Há diferenças nas abordagens?
Não, não há. Porém, na escola privada, como no caso a mantida por uma
religião, você tem o ensino religioso, e nessa questão o ensino religioso entra
muito, principalmente na questão da compreensão da espiritualidade e das
mortes nas diversas religiões.
Porque você defende essa ideia de que é o próprio professor que deve
abordar o assunto com o aluno?
Porque o vínculo está estabelecido naquele que ele tem mais confiança, é que
ele vai se abrir mais.
104
ANEXO B – RELATOS
RELATO DA DIRETORA DA ESCOLA “A”
É aquilo lá que eu te falei, como como aconteceu a morte daquelas
duas crianças e foi uma morte trágica, porque elas foram...foram esquartejadas
pela madrasta e pelo pai, eu não tive ninguém, ninguém da Secretaria da
Educação aqui para ajudar a gente no dia né? Estavam preocupados com a
política da escola, e a família do pai entrou na escola querendo impor, que a
gente declarasse algumas coisas que eram inverdades, né...nós tínhamos as
crianças que estudavam com eles, desesperadas aqui e... a mídia então é que
não faltava, fiquei uns 15 dias entrando e saindo da escola escondida, né...então
é...a...mídia, eles procuravam sempre ver se a escola tem culpa, né? E dessa
vez, graças a Deus, eles viram que a escola não tinha culpa, que quando a
escola viu que eles apanhavam, que apareciam com marcas, nós tomamos as
providências, chamamos o Conselho, levamos o problema ao Fórum. Então, já
havia uma situação anterior, só que nós ficamos totalmente desamparados,
totalmente, veja...(pausa) o ano passado, era dia da formatura deles, e os
alunos não tinham lembrado, mas um ou outro lembrando:-“Ah. Eles poderiam
estar aqui hoje, né? Os meninos poderiam estar aqui hoje...”, você vê
isso...(pausa) é uma coisa que eles não esquecem, e a imprensa, mesmo que
acabou o caso, acabam falando nesse caso, né (pausa). Mesmo que as pessoas
queiram esquecer, elas lembram dos alunos, né...eu continuo do mesmo jeito,
eu não esqueço um dia, eu lembro todos os dias, não tem como, é...parece que
ficou assim, uma situação mal resolvida, né...o que a gente poderia ter feito pra
que a tragédia não tivesse acontecido, como algumas religiões dizem, né...
(pausa) cada um...um vive o seu verdadeiro tempo, né? O tempo deles era
aquele, temos que nos consolar.
105
RELATO DO DIRETOR DA ESCOLA “B”
Em 1999, uma aluna nossa que estudava aqui na escola, no EJA,
saiu daqui às 23h00, quando fez 23h45 ela foi assassinada covardemente com
cinco tiros na cabeça, né, cinco tiros na cabeça, e...isso faz a gente pensar,
como pode né? Uma menina que tinha, é... 15 anos de idade, faltavam 3 meses
pra completar 16 anos, vem pra escola, porque está sonhando, tem perspectiva
de vida, aí de repente sai da escola, aparecem algumas pessoas, e é
assassinada brutalmente. E...eu fui ao velório, eu e o professor Ciro, e... eu
fiquei de um lado e o professor Ciro do outro, quando eu olhei e vi é...a face da
Zuleika, eu não vi a Zuleika, eu vi uma coisa horrível, uma cor preta, é...
azulada, e como ela ficou muito tempo, até o IML chegar, secou o sangue, aí
limparam, e ficou aquelas... entre a gengiva e os dentes, aquelas... aqueles
círculos né, de sangue, e quando eu olhei aquilo eu quase desmaiei, foi a
primeira vez que eu percebi, que quando morre alguém da família, que as
pessoas choram, desmaiam, eu achava que aquilo, as pessoas estavam
,0fazendo gênero, então eu vi pela primeira vez que aquilo era real e que eu
quase desmaiei, eu fiquei muito indignado, então a Zuleika era uma menina
alegre, uma menina sociável, né, amiga de todos aqui, e ela, nos intervalos,
antes da entrada, você encontrava sempre em uma rodinha batendo papo,
quando passava alguém da escola ela parava e cumprimentava.
Saindo dali do velório, lá do hospital, e eu “tava” com o professor de
português, professor Ciro, e aí... falei: - Ciro, nós somos omissos!‟ Naquela
época a gente tinha 4 períodos aqui, 1.800 alunos na época, e eu falei: - A gente
sabe tudo o que acontece, e... nós temos medo, não temos coragem, de nos
decidirmos por uma ação, pra mostrar pra essa comunidade que nós não
aceitamos essa banalização da vida. E eu olhei pra ele e falei: - Você ajuda a
organizar uma caminhada pela paz, pelas ruas e vielas de Carmelópolis? Ele
nem pensou, o professor Ciro, ele falou: - “Lógico”; então falei – “ A partir de
hoje você começa a conversa, lá na escola, com os professores, boca a boca,
não caia na “besteira” de “botar” todos eles numa sala, os medrosos vão
amedrontar os outros, pra tudo precisa de estratégia.”
106
E aí o Ciro foi conversando com os professores, de vez em quando
ele me dava o mapa: -“Olha, fulano e sicrano “topa” estar junto na frente, este
aqui está em cima do muro, este aqui não adianta esperar nada dele; e aí,
quando a gente percebeu que já tinham vários que podiam difundir a ideia, aí
colocamos todo mundo junto e fizemos a discussão.
Mas o mais importante é que, no dia que saímos lá do velório da
Zuleika, nós passamos aqui na Rua da Fortuna, e o professor Ciro tinha me
dado carona; aí falei: - “Para o carro.” E ele parou o carro e eu desci a pé a Rua
da Fortuna, e...onde tem a sede da comunidade do bairro; e...chamei o João das
Neves, que era o presidente na época e pedi pra ele, se tinha mais alguém da
comunidade, que o assunto que tinha pra conversar com eles era sério, aí ele
chamou. –“Olha, infelizmente a Zuleika foi assassinada, não tem mais volta, mas
nós podemos utilizar o impacto, pra mostrar pra essa comunidade que nós não,
e..., aceitamos a banalização da vida, queremos transformar ainda hoje e agora
, e sair pra mostrar a nossa indignação.” E falei pro João das Neves :- “Você me
ajuda a organizar uma caminhada pela paz, pelas ruas e vielas de
Carmelópolis?” João falou:-“ Ô , meu irmão e meu amigo, você não precisa
perguntar uma coisa dessas pra nós, se a escola está, nós já estamos, porque
pra nós não existe a escola lá e nós aqui, nós somos a mesma coisa.” E aí, né,
trabalhamos 3 meses com grande dificuldade; passamos nas escolas, as
pessoas com medo de se comprometer, a época era a época do toque de
recolher, então tinha período que as escolas não funcionavam, aqui à noite,
fechava. E... aí quando a gente conseguiu fechar com as 3 escolas próximas
daqui junto com a comunidade, nós marcamos a data e fizemos a primeira
caminhada pela paz em Carmelópolis. Esse ano agora, dia 14 de julho, vamos
fazer a 14ª caminhada; então a primeira foi em 1999, quando a Zuleika foi
assassinada, inclusive (pausa), tem um texto do professor Oiro, que ele
escreveu, é...”A Morte que Virou Vida”, que é essa questão do movimento “sou
da paz”, de todas as...e acho que seria uma pessoa que você deveria entrevistar
também; esse texto “A Morte que Virou Vida”, saiu numa revista da prefeitura, só
que o jornalista da prefeitura deturpou todo o texto dele. Ele ficou revoltado. O
professor Ciro é o braço direito nosso aqui. Desde o início é eu, ele e o João das
Neves que demos início a caminhada da paz .
107
Esta morte ligada à questão da violência é.. diminuíram muito, muito,
muito; eu...quando teve o movimento “sou da paz”, a gente tem uma reunião
mensal, a próxima reunião já é pra organizar a 14ª caminhada pela paz.
E...durante esse período eu ouvi muitos relatos, entendeu? E...de família na
frente de tiroteio, de matarem 10...14 pessoas e... e... e... eles deitados no chão
de terra batida, e o sangue correndo e entrando dentro da casa é...e eles não
poderem mexer, ficar ali, no meio do sangue. Já vi depoimento assim da
Lindalva, que é uma das diretoras da comunidade de bairro, só liderança,
mulher daqui da região, já vi depoimento dela, que haviam momentos em que
pra entrarem, tinham que pular pra poder passar, de tantos corpos que
encontravam, e... tem também um vídeo, que foi feito por três escolas e...que as
escolas e...tomaram como exemplos, que ao invés de reproduzir a violência
dentro delas, é...deram a volta por cima, no sentido de influenciar, para que a
comunidade fosse menos violenta e...nesse vídeo, esqueci o nome do vídeo,
e...era tudo, homem, mulher...e os alunos, não sei se 2ª série, 3ª série, e eu
perguntei pra eles ali, e...-“Quem de vocês já...já teve algum familiar que foi
assassinado? Um tio, avô, pai, mãe...levanta a mão?” E...quase a metade,
é...mais que a metade. Aí eu perguntei:- “Quem de vocês já viu um corpo ou um
morto, com bala ou tiro, levanta a mão?” Quase todos levantaram a mão. Então
hoje, se você pergunta isso, fica meio estranho pra eles, então né...agora vamos
às perguntas, eu só queria falar pra contextualizar mais. Só queria falar mais
uma coisinha... Eu acho que...que...tem algumas coisas, já notei, que você não
sabe, né?
No processo aqui, não tem nada parado, né..., chega num lugar,
parece que paralisa, né, aí tem comportamentos desagradáveis, aí...a gente tem
que buscar outra estratégia, é...hoje aqui na escola, além da tutoria, que é um
professor, né...que tem um grupo de alunos, de 12 a 15 alunos, isso aqui no
nível II, que é de 5ª a 8ª , porque a monitoria de 1ª a 4ª série, não tem, nós não
temos como fazer grupo menor, então os grupos são de uns 30 alunos, então
fica meio difícil, porque a,a,a principal, é..., o principal instrumento da monitoria
é o diálogo, é o professor alcançar o aluno pelo diálogo, e é aí que eu acho que
toda vida do aluno, mesmo as respostas sobre a morte é muito mais fácil.
E...professor em grupos de 12...15, estar fazendo essas conversas, é muito
mais produtivo; e essa é a monitoria, que é através do diálogo, o professor
108
conseguir criar dentro destes alunos, desses alunos, a sustentabilidade pra que
ele possa aproveitar o máximo possível, todas as atividades da escola, dentro
do salão, na sala de orientação de roteiro...e tudo mais, mas...(pausa) tem um
outro instrumento de participação do aluno, que é a condição mediadora do
aluno, dentro de cada um dos salões. Então os alunos da 5ª série elegeram, já
elegeram, das séries de 5ª a 8ª, um grupo de 10 colegas, que eles vão ser é.... a
comissão mediadora dos salões, com poder inclusive de estar convocando pais
daqueles alunos que vandalizam muito o ambiente, que cria problema, e o
professos interfere e não adianta, que ele chama pra conversar e não resolve o
problema,...ele tem o poder de até chamar pai pra vir pra cá; e essa diferença do
nosso projeto, começou isso em 2008.
Em 2008, a comissão da 5ª série, que são os mais novos do período
do nível II, foi uma comissão que funcionou muito bem, muito bem, e...eu me
lembro um dia, que “tava”, eu “tava” meio triste, preocupado com uma série de
problemas, e a coordenadora descobriu, e a professora de matemática Mércia, e
aí elas viram que eu estava triste. –“Ah..., viemos falar uma coisa pra você, pra
você ficar animado. Ontem os alunos da 5ª série convocaram os pais de meu
aluno, e o pai veio, você precisa ver com que profundidade eles discutiram o
problema do aluno, você precisa ver a competência deles, eles tem capacidade
sim, e o pai foi embora encantado.” Passou algum tempo, novamente a
coordenadora e essa professora, vieram falar que eles tinham convocado...veio
o irmão mais velho, e a hora que terminou a reunião, o irmão mais velho falou: -
“Gente..., vocês precisam filmar isso, essas meninas e esses menininhos não
existem...”. E... a terceira vez, e...eu “tava”, aí chegou uma mãe; chegou uma
funcionária: -“ Marcos, tem uma mãe aí brava, que falou que não fala com aluno,
só fala com o diretor.” Eu já percebi que a comissão que convocou a mulher...e
eu falei:-“A senhora que só fala com o diretor?”...” “È, não falo com criança”. Eu
falei assim:-“Sei quem são eles, a senhora respeita as crianças desta
comunidade, eles têm competência, a senhora pode não querer falar com eles,
então não é escola sua, a senhora vai ter que procurar outra escola, porque
nessa a senhora vai ter que falar com a criança, sim”. –“ Ah..é assim Marcos?.”(
aí nessa hora eu tinha até nome, né...), aí então eu falo”. Levei até lá, expliquei
pra elas
109
-“A mãe chegou aqui brava e precisa falar com vocês.” Aí expliquei
pra elas, e foi isso aí...aí eu „sentei e fiquei lá também; olha...eles começaram a
reunião e eu ficava arrepiado. Sabe...vendo a desenvoltura deles, e eles
falando...é...coisa que nem adulto muito especial faz, eles fazem, eles pensam,
eles têm capacidade, eles são competentes, e...é....aí estava demorando, falei:-
“Ai, ai, ai...será que eu vou ter que entrar e dar um encaminhamento, é...eu
pensando, nesta coisa, e tal”... E aí uma menina falou assim: -“Sabe mãe, um
dos princípios do projeto da nossa escola, é a solidariedade, então nós estamos
aqui para ajudar, o que que a senhora acha que você, que ela, que nós
podemos fazer para ajudar você?” Então a menina falou:_-”Vocês lembram
quando eu era do grupo tal...”? –“É...lembramos”. –“Eu não era diferente?” –
“Era, realmente você era mais envolvida, mais concentrada, mas nós não temos
autonomia para mudar você de grupo, nós vamos conversar com os
professores, pra ver se há essa possibilidade.” Terminou a reunião, nunca mais
essa menina veio na minha sala, só que essas soluções de salão, que “é” eleita
por eles, muitas vezes eles dominam, porque eles não querem uma
organização, porque a partir do momento que tem uma organização, tem regras,
e a partir do momento que tem regras, você não pode mais tripudiar, você não
pode mais fazer o que quer, por que? Porque os próprios colegas oprimem o
poder deles, porque eles sabem, consciente ou inconscientemente, que eles
fazem de tudo para demonstrar essa organização, e a gente percebe, que
algumas comissões de salão, têm dado certo, e tem outras, que eles são
dominados pelos...então é...então já escolheram os membros da comissão deste
ano, agora..., cada comissão está escolhendo um representante da comissão,
entre os da comissão eles que escolhem, deixa a turma votar, para ser um
deles, membro do Conselho de Escola, e essa mesma pessoa, vai ser da
comissão eleitoral; que nós vamos fazer da escola como se fosse uma
prefeitura; portanto vamos fazer essa comissão eleitoral, vai tem também
professores junto com essa comissão, portanto eles vão fazer regras, nós vamos
eleger o Prefeito da escola, os vereadores da escola, e cada salão vai eleger os
seus representantes. Depois prefeito, vereadores eleitos, vão sentar e vão
formar as secretarias; por exemplo, uma eu vou impor: Secretaria da
Diversidade e da Convivência, essa é a única imposição, e o que achar que
devem colocar aí, entendeu?
110
Então qual é a diferença dessa escola? Essa escola quer um aluno
respeitoso sim (bate a mão na mesa), e não vai ser omissa nisso, a única
diferença, é que essa escola está chamando o aluno para ser parceiro, pra
ajudar a construir a escola, então é...tudo isso é motivo...de repente pode ter
uma secretaria do luto, não é? Se você estivesse aqui como aluna, já ia
participar dessa secretaria do luto.
111
RELATO DA PROFESSORA (READAPTADA) DA ESCOLA “B”
Eu sou professora readaptada, por coincidência depois que eu fiquei
viúva, não consegui retornar à sala de aula, então...no momento eu acho que o
acolhimento das pessoas que estão de luto né...dos funcionários, é muito bom.
Mas, no meu tempo foi muito ruim, eu não sei se descriminada, perseguida, né...
Não tive apoio na escola, da direção, da parte administrativa, da coordenação,
aqui mesmo, né...e...tem 10 anos, e eu acho que isso prejudicou a minha
carreira, digamos assim, porque eu estava começando carreira quando fiquei
viúva, né...então foi muito difícil, e aí você fica, eu penso, um pouco triste, você
fica tão condoída, porque você sabe o quanto dói, que você não consegue lidar
de uma maneira positiva com seu aluno, você acaba ficando com pena dele
também, então é o seguinte, não consegue lidar direito com a situação, ter um
apoio pro funcionário, o luto é luto pra todo mundo, o luto é luto pro adulto, o luto
é pra criança, o luto é luto pro filho, é luto pro aluno, ele é luto pra esposa, ele é
luto pra funcionário, né...O luto...o luto de um modo geral. É... é claro que a
gente pode analisar a particularidade da influência aí do luto, da perda, no
desenvolvimento da aprendizagem, na vida da criança, mas a escola não tem só
a criança, tem tudo o que a criança precisa receber; mas no luto de uma forma
geral, está a perda.
112
ANEXO C – CARTA DE APRESENTAÇÃO
Prezada Professor (a),
Meu nome é Patrícia Regina Moreira Marques, sou mestranda da
Universidade Metodista de São Paulo.
Venho por meio desta, pedir a sua permissão, para uma primeira
aproximação de uma parceria da pesquisa que estou realizando, como aluna de
Mestrado do Programa de Pós Graduação da Universidade Metodista de São
Paulo – UMESP – Campus Vergueiro em São Bernardo do Campo/SP. Pesquisa
esta, sobre a presença e o processo do luto na escola e como professores,
coordenadores, diretores podem contribuir mediante o processo de luto, entre
estudantes.
A participação de vocês é muito importante para a conclusão desse
trabalho. Assim, conto com a colaboração de todos.
Obrigada!
_________________________________
Patrícia Regina Moreira Marques
113
ANEXO D – QUESTIONÁRIO
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO-SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO
MESTRANDA: PATRÍCIA REGINA MOREIRA MARQUES ORIENTADORA: PROFª DRª ZEILA DE BRITO FABRI DEMARTINI
Questionário aplicado aos 23 professores, coordenadores e diretores que
fizeram parte da primeira etapa da Pesquisa
1. Apresentação:
Idade _____________ Sexo: _____________ Estado Civil: _____________
Tem filhos? ( ) Sim ( ) Não Moram com você? ( ) Sim ( ) Não
Religião: __________________
2. Formação
Curso:_________________________________________________________
Ano que iniciou: ______________ Ano de Conclusão: ___________________
Tempo que exerce a função de Professor/coordenador e/ou diretor:
________________________________________________________________
Já exerceu outra função na escola:
________________________________________________________________
Possui outro tipo de emprego: ( ) Sim ( ) Não – se sim qual?
________________________________________________________________
Nome da Escola em que atua:_______________________________________
Turma: ___________________________________
114
3. Questionário
1)Você já perdeu alguém por morte?
( ) Sim ( ) Não
Explicitar ______________________________________________________________
______________________________________________________________
2)Houve alguma instituição ou alguém que lhe ajudou no momento de luto?
( ) Sim ( ) Não
Explicitar ________________________________________________________________
3)Considerou importante um apoio nesse momento?
( ) Sim ( ) Não
Explicitar
______________________________________________________________
______________________________________________________________
4)Há pessoas dentro da escola que lhe ajudaram no momento do luto?
( ) Sim ( ) Não
Explicitar
______________________________________________________________
______________________________________________________________
5)Você acha que a escola pode ser uma rede de apoio à pessoas que passam
por luto?
( ) Sim ( ) Não
Explicitar
______________________________________________________________
______________________________________________________________
115
6)Você acha que a escola pode cuidar do ser humano em que aspectos?
( ) éticos ( ) emocionais ( ) Sociais e culturais
( ) todas as anteriores ( ) outros?
Quais?_________________________________________________________
7) Você percebe que estudantes que vivenciam o luto necessitam de um apoio
na escola?
( ) Sim ( ) Não
Explicitar
______________________________________________________________
______________________________________________________________
8)Você acha que a escola pode ajudar estudantes a refletir sobre diferentes
questões que podem levar a morte?
( ) Sim ( ) Não
Explicitar
______________________________________________________________
______________________________________________________________
9)Você acha que o educador/coordenador/diretor podem ajudar estudantes que
sofrem por luto?
( ) Sim ( ) Não
Explicitar
______________________________________________________________
______________________________________________________________
10)Você acha que a escola pode ser uma rede de apoio na prevenção de mortes
de estudantes?
( ) Sim ( ) Não
Explicitar
______________________________________________________________
______________________________________________________________
116
11)Você já acompanhou algum estudante envolvido por doença?
( ) Sim ( ) Não
Comente
______________________________________________________________
______________________________________________________________
12)Você já acompanhou algum estudante envolvido por doença e que chegou a
óbito?
( ) Sim ( ) Não
Comente
______________________________________________________________
______________________________________________________________
13)Você já acompanhou algum estudante envolvido por alguma violência e que
chegou a óbito?
( ) Sim ( ) Não
Comente
______________________________________________________________
______________________________________________________________
14)Você já acompanhou algum estudante envolvido por alguma situação de
limite de vida e que chegou a óbito?
( ) Sim ( ) Não
Comente
______________________________________________________________
______________________________________________________________
15)Você já acompanhou amigos de estudante que faleceu?
( ) Sim ( ) Não
Comente
______________________________________________________________
______________________________________________________________
117
16)Você considera importante o apoio a estudantes enlutados?
( ) Sim ( ) Não
Comente
______________________________________________________________
______________________________________________________________
118
ANEXO E – TRANSCRIÇÕES
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA45 REALIZADA COM A DIRETORA DA
ESCOLA “A”
O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?
Eu acho que é cortar vínculos, eu acho que perder uma pessoa por morte é
cortar vínculos.
Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto
por morte? Quais?
Geralmente eu não tenho, no geral não, mas existem questões, existem
situações em que você fica se perguntando, se aquela situação poderia ser
evitada, a morte no caso.
Na escola onde você trabalha você sente por parte da equipe abertura para
tratar do assunto luto?
Sim, é tratado com naturalidade, nós temos um caso recente, depois da
pesquisa que você fez aqui, tivemos uma tragédia que aconteceu com um aluno
daqui, e foi tratada com naturalidade, a gente procura não valorizar tanto, mas
também não menosprezar o que cada um sente.
Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do
assunto no ambiente escolar?
Eu acho...o que facilita é a aproximação dos professores com o aluno, o
convívio, e o que dificulta é a religião, que cada um é...enxerga a morte de uma
maneira, é...então vivencia a morte, diferente, então isso é um fator que dificulta,
porem dá abertura pra você enxergar de formas diferentes, né...e eles também
45
Realizada em 08/03/2012 às 15h30h.
119
conhecerem como as diversas religiões encaram a morte, cada religião tem seu
ponto, isso aí não tem como não passar.
De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar
com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por
exemplo.
É...nos aprendemos na prática, então a vivencia é uma clínica, né...mas a
experiência ajuda, porque eu vim aprendendo na prática, sem nenhum apoio de
fora, não existe essa coisa de fora, então na verdade, assim...os professores, os
profissionais da escola, eles tem que estar preparados para sofrer o luto, né...,
um do outro; não estão consegue nem ele mesmo cuidar dessa perda, um do
outro, o professor cuidar dessa perda, nós aprendemos na experiência.
Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?
Por quê?
Eu acho...é...(pausa) existem situações que seriam evitáveis, né...o ano
passado nós perdemos um aluno com um tiro acidental, e ele, aluno do 2º ano
do ensino médio, e...foi uma coisa que poderia ser evitada, né...se eles tivessem
colocado em prática aquilo que todo dia a televisão fala, os pais falam, a escola
fala, que é não manusear arma de fogo, então eu assim, assim...(pausa) a gente
tem que estar sempre falando; tem gente que não gosta de falar de morte,
né...mas não da pra evitar, todos nós vamos morrer um dia, mas a gente tem
que falar, principalmente em relação a violência, a gente tem que estar falando,
batendo, enquanto a gente puder evitar.
Como lidar com as questões violência, morte, luto, no ambiente escolar?
Ó...como é assunto que aconteceu em outras regiões, pode ser que o que
aconteceu aqui nessa escola, seja pouco; a gente não tem muito essa questão
de violência, né...”morreu com um tiro porque foi na boca de fumo...”, né... essas
coisas a gente não tem, então a gente tem que ver só a questão do luto, né, pra
alguns o luto é contido, para outros o luto é maior, atrapalha o rendimento
escolar deles quando acontece, isso atrapalha muito, tem alunos que não
conseguem nem ficar na escola, então ele tenta muito falar, ele chora, coisa que
ele não faz com a família, ele procura alguém que seja mais próximo dele, ou
120
um professor, ou um funcionário, aquele colega que esteja emocionalmente
mais preparado.
Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às
manifestações do luto entre estudantes na escola?
È...a gente não pode deixar a questão virar “oba oba”, né...a gente tem que
tratar a situação do luto com respeito, porém cada um tem sua forma de viver o
luto a seu tempo, então é..., é....mais difícil pra nós, que nós não temos aonde
“se” apoiar, eles têm a gente, mas a gente não tem, se fosse ao contrário, que a
gente perca, né...esse auxílio para a perca...Nós não temos...não se pode nem
fechar a escola, oficialmente nós não podemos deixar nem de ter aula, quando
acontece uma situação de luto, morreu alguém, você pode ir até para o enterro,
para o velório, mas você não pode fechar a escola, porque se você fechar a
escola, a Secretaria da Educação vai falar:-“Você vai ter que repor esse dia
letivo.” Então tem horas que pra Secretaria da Educação, a situação é muito fria,
né...e...então...no papel é tudo muito frio, mas as situações da escola não
podem ser frias, você está lidando com o ser humano, então você vai ter que ter
pena todos os dias, você vai ter choro todos os dias, você tem um aluno...que
morreu um colega, morreu o pai, morreu o avô, pessoa que era muito apegada,
ele tem que voltar pra escola, e muitas vezes, a pessoa não volta preparada, e
muitos querem contar o que aconteceu, então é assim,...o adulto é assim, nós
sempre temos que estar preparados, e muitas vezes os professores não têm
suporte, tem professor que não aguenta, e aí então, com é que fica? Tem uma
professora, que depois daquele caso do menino, do João Vitor, ela começou a
ficar ruim, ela começou a ficar doente, aí...no outro ano ela pegou aula,
começou a não ter paciência com os alunos, ela não conseguia mais criar laços;
aí...ela sofreu um acidente, e quando ela sofreu esse acidente, que ela foi se
tratar, ela acabou tendo que passar por um psiquiatra, e descobriu, que isso veio
naquela época...então tudo que ela não conseguia fazer, naquela época, era
dela...porque ela não conseguiu viver aquele luto como ela deveria ter vivido.
Acho que falta apoio, nem na escola particular, também não deve ter, acho que
falta apoio..., não é porque é professor, e é da educação, que está preparado
pra enfrentar tudo, não é bem assim, nós somos seres que precisamos uns dos
outros.
121
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA46 REALIZADA COM A COORDENADORA
PEDAGÓGICA DA ESCOLA “A”
O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?
É...a pergunta mesmo já está falando, né...é uma perda, né...perder alguma
coisa..., quando a a a gente perde um objeto nosso, assim..., a gente já se sente
de certa forma prejudicado, se a gente...a gente tiver algum apego, a gente,
assim...já sente mesmo; quando a gente perde uma pessoa, creio que é parte
assim...da nossa convivência, nossa...a gente vai ficar com uma lacuna difícil de
preencher, né.
Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situações de
luto por morte? Quais?
Olha...creio que não tenho tantas dificuldades assim, mas por ter assim...,
amparo da família, e por conhecer e por ter uma crença, creio que isso seja um
respaldo assim..., que, que não deixa a gente se sentir tão mal, né...resumindo
em palavras simples, assim...acredito que esse lado ajuda muito, porque não,
não, não percebo assim uma grande dificuldade, mas lógico que a, a, a
saudade, a falta, assim..., isso aí, convive com a gente todos os dias.
Na escola onde você trabalha você sente por parte da equipe abertura para
tratar do assunto luto?
Sim, a gente trata, é....mesmo porque a gente tem...devido a gente ter um
grande volume, né... de culturas, de realidades que a gente tem aqui, então a
gente precisa estar aberta, a gente precisa, na verdade, estar aberta para
conversar, sim.
Em sua opinião quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do
assunto no ambiente escolar?
46 Realizada em 08/03//2012 às 17h25.
122
A principio seja por gente não conhecer a realidade das famílias, quando a
gente conhece, quando a gente já sabe que o aluno tem alguma falta, que o
aluno não tem a mãe, que o aluno não tem o pai, a gente já procura
assim...hã...não tratar diferente, mas a gente procura ser um pouco mais suave,
mais afável nas palavras, assim justamente.
De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar
com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por
exemplo.
É um choque bem grande, “que nem” aconteceu, já aqui, aconteceu o ano
passado, em 2011, e já aconteceu em outros anos também, inclusive foram
crianças, crianças mesmo, estavam na 5ª série, porque foi um choque
assim...pra comunidade toda, tanto pra gente professor, como pros colegas que
estavam na classe com eles.
Você acha importante lidar com as questões de violência/morte na escola?
Por quê?
É importante, para que a gente possa, é...realmente trabalhar assim, e conhecer
um pouco deles, saber é...saber as dificuldades deles, pra gentepoder exigir,
esse balanço aí é...é...deve sempre ser feito, né...o que é que eu posso fazer,
qual o aluno que já tem dificuldade; ele chega na escola com dificuldade, a
gente precisa observar isso, a gente tem que observar...tem algo que precisa
ser observado muitas vezes, porque a gente realmente tem coisas que se a
gente não observa, eles fazem falta pra gente todo dia.
Como lidar com as questões violência, morte, luto, no âmbito escolar?
Não...primeiramente creio que não escondendo nome de ninguém, né...não
querendo camuflar situação, nem...assim...medir muito as palavras, mas ser o
mais é...é...discreto, no sentido de não expor os envolvidos, “que nem” a gente
tem o, o, o...um aluno, na parte do período da manhã, que participou da situação
toda da cena, então a gente...a gente precisa ser o mais discreto, pra ele se
sentir à vontade e pra gente também não ter maiores, maiores problemas, pra
isso mesmo.
123
Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às
manifestações do luto entre estudantes na escola?
Uma ação importante é ouvi-los, ouvir a família, né...quem tiver envolvido na, na
situação, e pelo menos a gente, acho, ouvindo eles e respeitando a situação,
creio que já é uma boa ação, agora, uma ação específica a gente não...eu
particularmente não tenho de onde hã...assim sem contar...eu assim hã...não
tenho uma referência pra dar pra você.
124
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA47 REALIZADA COM O DIRETOR DA
ESCOLA “B”
O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?
Eu acho que significa, é...primeiro, uma reflexão muito profunda sobre o sentido
do porque estamos aqui, né...e aí vem uma certa dor ou dúvida, que se a morte
encerra tudo, qual seria o sentido do tudo? Eu acho que provoca uma reflexão
que leva a gente a(pausa), ou a fé ou a uma dúvida; e...que parece que são
poucas as pessoas que conseguem falar – “Não...eu tenho fé, vai ser legal...”,
parece não duvidar nunca; porque eu, pela minha experiência com conversa
com pessoas religiosas, tem momento que o religioso também ele duvida, né?
Ele duvida... ele duvida, e ele começa a...(pausa). Então eu acho que é uma
reflexão sobre o que é o caminho que todos nós temos que passar.
Eu por exemplo, nessas férias, não foi muito legal pra mim; porque eu há 35
anos, eu vou duas vezes visitar meu pai, minha mãe, duas vezes por ano, vou
em janeiro e vou no meio do ano, então quando chega o Natal eu fico feliz,
porque o Natal eu passo aqui com minha mulher e...com os parentes dela, e aí
de madrugada vamos para Jales e a gente passa o Ano Novo com meus pais.
E...no dia 23, eu estava na expectativa de ir pra lá e tal, e recebo um telefonema
que minha mãe tinha caído (silêncio, olhos lagrimejam) e tinha quebrado a
bacia, e...ficava de cama e...tinha que repousar por três meses; e aí eu chego lá,
a minha mãe na cama, é...imobilizada, é...imobilizada pela dor, não..(pausa) ,
é...e eu fiquei 11 dias é..., dando banho na minha mãe, limpando cocô, e...assou
tudo, vagina, anus, virilha e...carne viva, e fazendo curativos; e aí a gente
refletiu muito sobre esta questão, no sentido mesmo da vida, né...então eu vejo
a minha mãe é...do passado, né, uma fortaleza né..., de fibra, trabalhou na roça,
era ela que tirava leite, era ela que amansava cavalo, nós nunca tivemos terra,
vivemos sempre na terra dos outros, aí de repente você vê ela numa cama,
totalmente dependente, é... você é quase que obrigado a ser humilde né,
mesmo, porque se você não tiver essa garantia do sentido do que é a vida, o
47 Realizada em 05/03/2012 às 11h35h.
125
que que nós temos, então eu acho que a morte vem fazer a gente a se ver como
gente.
Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situações de
luto por morte? Quais?
Olha, eu, eu, eu não... a, a situação da morte, pra mim ela, ela é difícilpor causa
das pessoas que ficam, porque se essa questão da morte fosse trabalhada de
uma forma que todo mundo fosse autônomo e que não fosse dependente do
outro, eu acho que seria tudo mais simples, é...eu me lembro que, quando meu
avô morreu, o pai da minha mãe..., a minha vó, ela é uma pessoa meio
sistemática, e no dia da morte, lá em Araçatuba, no cemitério, eu imaginava o
que que ela ia passar por não ter mais o meu avô, e...o que ela iria passar na
mão dos filhos, né...porque ela era sistemática, ela era sistemática, e...aí eu
lembro que todos os esforços que eu fazia de mostrar que a vida não tinha
acabado, que teria jeito, que teria sentido...(pausa) mas depois que meu avô
morreu, a vida dela não teve mais significado, ela não teve mais sentido, então a
minha dificuldade é de não conseguir entrar dentro daqueles que ficam, e ajudar
essas pessoas. Autonomia pra poder viver independente da perda que ele teve,
né. (pausa). Eu acho que é isso.
Na escola onde você trabalha você sente por parte da equipe abertura para
tratar do assunto do luto?
Aqui a gente tem sempre a seguinte fala, né...que a gente tem sempre a
seguinte fala, né...que a gente tem que estar tranquilo naquilo que nós fazemos,
porque a morte, ela vem mesmo, né...e...que aqueles que lutam, aqueles que
trabalham, aqueles que se envolvem, é..., quando ele se aposenta ele está
cheio de vida, porque tem projeto de vida, é..., e que aquele que está aqui no
trabalho, sofrendo, e tão longe de não sei o que, na hora que ele aposenta, a
vida vai acabar o mais rápido possível, o sentido vai acabar, então a gente tem
(pausa), hum...tem tido aí professores, que saíram, que morreram, né...que
aposentaram, gente que depois de dois anos, coitada, de aposentada,
é...morrer; então eu acho que a pessoa de uma certa forma até que trabalha
bem esta questão da perda, que passa. Então... nós temos uma pessoa aqui,
coitada, que está com a mãe há muitos anos já, de cama hã...conforme o jeito
126
que se mexe, os ossos quebram, e agora ela nem tem coragem de falar, e o
marido também está com uma doença, (pausa), não sei se câncer, né...e ela
está inteira, trabalhando, né...inteira para nós, né...agora, como ela está dentro
dela, nós não sabemos, porque eu acho que a morte da mãe, seria libertação,
né..., o sofrimento da mãe e o sofrimento dela também, então aparentemente,
parece que a pessoa tem um certa abertura, mas de forma geral, e...sem pensar
nas pessoas daqui, parece que as pessoas vivem como se não fossem morrer,
não fossem morrer, eu acho que esse é um dos grandes desafios que os
teólogos tem em ensinar, os filósofos tem, é... houve ocasião mesmos que
deviam levar as pessoas a aprender a morrer. E... eu vejo, não aqui dentro da
escola, mas muitos pais...fazem até uma chantagem...”Ai, tô mal...eu vou
morrer...”, “eu não sei que...” e acontece que os filhos não gostam de ouvir
essas coisas, porque chega uma hora, que vão passar pela mesma coisa, e eles
não vão estar nem perto, não pode reclamar, como estão reclamando, eu acho
que aprender a morrer é um desafio mesmo.
Em sua opinião quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do
assunto no ambiente escolar?
O que dificulta, (pausa) eu acho que o que dificulta é a insensibilidade mesmo
quanto a esse tema, entendeu, eu acho que não adianta...não adianta pensar ou
não pensar, então eu acho só a insensibilidade. O que facilita é a natureza
humana, ela tá ali e....e a coisa tá pra ser encarada, ser uma pessoa serena,
tranquila, e....no final da sua vida, ela consegue até dar esperança pra aqueles
que ficam, entendeu? E a maior parte traz desespero pra todo mundo, né, a
gente precisa aprender com isso, falando sobre. A insensibilidade é o que
dificulta, e a natureza humana é o que faz parte, é o que eu disse, tem que ser
completada, a gente tem que se educar para...
De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar
com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por
exemplo.
Olha eu, eu acho que uma morte e..., de uma criança, e...adolescente, (pausa),
e...ela nunca é aceita assim como algo natural, embora a gente saiba é é é, que
acontece, e...eu acho que a escola está preparada, no sentido em que ela não
127
se furta nenhuma espécie de dialogo, então essas coisas acontecem, querendo
a gente ou não, eu acho que conversar é algo que nós podemos fazer, e eu
acho que o o o, a a a pessoa, o sujeito, se constitui através da fala, não estou
falando só da fala “fala”, estou falando de todas as formas de expressão,
né...e...quando ocorre um episódio desse, conversar sobre, ou falar sobre, ajuda
a pessoa a dar sustentabilidade para pessoas, a continuar a viver, a continuar a
buscar.
Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?
Por quê?
Eu acho fundamental, inclusive, após trabalhar 15 anos nesta escola...a gente
percebeu que tá tendo uma coisa muito errada na nossa sociedade, a
coordenadora pedagógica Amélia, falou pra mim de uma pesquisa, e eu quero
ver essa pesquisa, onde colocam que as crianças ricas, os adolescentes ricos,
eles mandam nos pais, aliás, inclusive eles estão manipulando os pais em
matéria de consumo, e...a classe média também, e os pobres mais ainda, e isso
é uma coisa que a gente está descobrindo agora, e a gente está entendendo o
que é esse “manda”; por exemplo, na sexta-feira, a professora mandou um aluno
pra cá uma vez, veio um aluno aqui, porque a gente está tentando aqui, fazer
com que eles entendam que as regras é pra facilitar a vida, e a gente vai
chamar, para ajudar a elaboração e fazer as regras; e aí...um aluno,
descumprindo as regras do salão, a professora falou:-“Vocês querem mandá”, e
nós não estamos mais aceitando esse tipo de coisa, então os professores já tem
um acordo comigo...não vamos deixar acontecer esse tipo de coisa. E... nosso
aluno veio falar:-„Qual é a regra? E tá tá tá”. –“Você sabe qual é a regra, então
você está querendo mandar, você está querendo mandar em nós, estamos
chamando você para ser parceiro, e você está querendo mandar.” Eu comecei a
perceber que é isso que acontece.
Hoje, por exemplo, eu e....levei dois alunos em casa, e...um deles desrespeitou
a professora, desrespeitou a mim, dentro do salão, quando a gente “estávamos”
resolvendo um problema, discutindo um problema, peguei e levei em casa; e
com outro, estava lá...correndo, e a professora falou com ele, e ele tacou a
cadeira no chão, “catei” e levei em casa; e um deles, na hora que eu vou
conversar com a mãe...quando você está sozinho com ele, você até conversa,
128
mais ou menos, e perto da mãe, é im-pos-sí-vel, porque ele manda na mãe, ele
manda em todo mundo e ele foi bem claro –“esse é o meu jeito, eu sou assim e
não vou mudar”, olha o,o,o tipo de conversa; então eu acho que esta questão
da,da,da ...de respeito, temos como nosso objeto, nosso quesito é a
solidariedade, então eu não consigo acreditar que se não tiver um trabalho para
que se viva a questão da solidariedade, desde o nascimento, a nossa sociedade
vai estar muito mal, porque as pessoas vão tomar uma série de decisões, como
se o outro não existisse, e já tá tendo consequências horríveis e vai continuar a
ter consequências. Eu acho que a morte deveria trazer as pessoas “pro chão”,
deveria trazer as pessoas pra realidade, e nada é bem do jeito que eu faço, que
eu quero, e todo mundo quer viver, né..., e...viver é aqui mesmo, e não é isso
que acontece, então eu acho que a questão da violência, a questão da vida, da
vida (pausa), tem que ser tema todo dia dentro da escola e tem que levar as
pessoas a a a aprender a a a conviver da melhor forma possível, da forma mais
respeitosa possível, é....dentro da escola, dentro da sua casa, na sua rua, na
sua igreja, e em qualquer outro lugar, daí da sociedade. E...por exemplo, só que
essa questão de trabalhar pela paz, né...pelo diálogo, pela compreensão, não é
um processo fácil não, é....processo, não é uma coisa natural, exige muita
estratégia, exige postura. Quando a gente analisa esta escola aqui, em termos
de violência, comparando com 16 anos atrás, houve um progresso imenso,
sabe...quem olha a violência que acontece hoje, acha que é um absurdo
acontecer o que acontece aqui, mas em comparação, houve um avanço muito
grande...muito grande, e...trabalhado nesse tema morte, levando as pessoas a
ser humilde, né...Ainda bem que sou um tipo que entende que se depende de
Deus, ou dessa relação que só é possível, vivendo junto com o outro, eu acho
muito difícil, é...muito difícil...só que eu acredito na capacidade do ser humano,
de construir uma sociedade onde tenha mais vida prá todo mundo, respeito,
dignidade, mais dignidade.
Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às
manifestações do luto entre estudantes na escola?
Eu acho que é...levar esse aluno a refletir, refletir também; é...conviver, hã...de
uma forma muito respeitosa e com cuidado e um carinho muito grande por todo
esse sofrimento, seja o sofrimento daquela pessoa que tem um grande
129
entendimento das coisas, seja o sofrimento daquela pessoa que “estão” mesmo
na ignorância, porque tem gente que está sofrendo, e...ele é o autor principal do
sofrimento, e...ele não tem consciência que ele é que é o autor principal do
sofrimento, é....de responsabilizar todo mundo, na busca de um sentido, na
busca de um cuidado, para que a gente viva melhor, da melhor forma possível.
130
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA48 REALIZADA COM A PROFESSORA 1 DA
ESCOLA “A”
O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?
Difícil, né...muito difícil, ah...sei lá, é muito difícil você perder um ente querido, é
difícil de entender, a gente não entende porque existe a morte né? É
complicado, é muito difícil.
Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto
por morte? Quais?
Dificuldade assim como? De não saber o que vai falar? É difícil né...porque tá
ali, sabendo que a pessoa está ali triste, porque perdeu alguém, você fica sem
saber o que vai fazer, o que vai dizer, então é melhor a gente só consolar e ficar
quietinho.
Na escola onde você trabalha você sente por parte da equipe abertura para
tratar do assunto luto?
Sim, a gente tem sim, porque a gente comenta né, aconteceu, a gente
compartilha, né, ali, da dor do outro, né.
Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do
assunto no ambiente escolar?
Não tem não, dificuldades. Quando acontece todo mundo ali compartilha sempre
umas com as outras.
De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar
com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por
exemplo.
48 Realizada em 09/03//2012 às 13h15.
131
Preparada ninguém tá, né, sempre é difícil (risos), como dizer tô preparada, não,
independente de quem seja, se você gosta ou não gosta, se se da bem...mas é
sempre difícil.
Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?
Por quê?
Ah...é importante sim, mas é porque você vai conversar com a pessoa, sempre
esclarecendo alguma duvida, aconselhando, né.
Como lidar com as questões violência, morte, luto, no ambiente escolar?
Não sei.
Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às
manifestações do luto entre estudantes na escola?
Qual o papel deles? Como assim, o papel que eles devem fazer? É aquilo
mesmo, né, você vai entrar em choque e depois você vai ficar tentando
amenizar a dor da pessoa. Não tem muito o que tratar, aconteceu, você vai fazer
o que? Não tem muito o que falar, é complicado.
132
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA49 REALIZADA COM A PROFESSORA 2 DA
ESCOLA “A”
O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?
Pra mim é uma realidade, é um fato que temos todos que sentir, é isso aí, né?
Mas é um processo de muita descoberta da nossa pessoa, do meu eu, de como
eu devo proceder daqui pra frente, o que eu devo refletir, valores que eu devo
começar a rever na minha vida, então a morte ao mesmo tempo que é uma
coisa muito triste, é uma dor imensa, é uma ponte de reflexão muito importante,
na minha opinião.
Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto
por morte? Quais?
Sim, eu já tive várias, várias perdas na minha vida, né, meu marido, minha mãe,
meu sogro, recentemente, é...eu tenho e creio que todo mundo tem, é eu tenho,
mas eu procuro lidar com a morte, deixando meu lado espiritual falar mais alto,
meu lado espiritual é que é o calmante da minha alma, mas eu tenho dificuldade
sim e acho que sempre vou ter, né.
Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura
para tratar do assunto luto?
Sim, sinto, tem pessoas trabalhando numa equipe grande aqui, de profissionais,
né, tanto as professoras, quanto é...inspetores, o corpo todo né, mas algumas
vezes, a grande maioria se preparam pra tratar desse assunto
Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do
assunto no ambiente escolar?
O que facilita...(pausa) quando você fala em luto, você fala em luto... , eu sei,
por morte...mas assim por morte direcionada mais ao grupo aluno, ao...hã...fator
que facilita pra mim, né...tratar desse assunto no recinto escola, é por ser um
49 Realizada em 09/03//2012 às 14h20.
133
local aonde que o aluno...por isso que eu perguntei se é a morte aqui, tratando
de aluno, né; por ser um ambiente, um recinto onde que a própria pessoa
convivia, estava, então as lembranças do local são muito presentes, eu acho
que isso favorece, porque da um ponto assim de referência, sabe, é...facilita por
esse lado, você estar tratando um assunto, mas aonde que aquela
pessoa...olha, a escola faz parte da história deles; agora o ponto que dificulta,
no se tratar esse assunto na escola (pausa grande), não saberia que há algum
ponto aqui que dificultaria esse assunto né, talvez eu não entendi..., o fator
religião, ele é muito complicado, ele é muito complicado porque é ...como nós
temos varias, é...varias crenças, né, as pessoas elas misturam uma série,
é...porque quando eu falo em Deus, eu falo em Universo, porque Deus, ele é
Universal, agora quando eu falo de religiosidade, é uma coisa muito pessoal, né,
então eu creio que talvez o fator religião seja um dos obstáculos pra se tratar.
De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar
com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por
exemplo.
Não,...(pausa), nós já tivemos o caso de alguns anos atrás de...que já deve ter
tido o conhecimento, tudo que chocou, porque eu acho que o que falta também
é um trabalho muito grande pro corpo docente, discente, sobre esse assunto,
né, porque a morte é um assunto que nunca ninguém vai estar preparado, né...é
perda de algo, é uma perda que enquanto estivermos aqui, neste mundo, nesta
vida natural, não teremos mais condições de rever a pessoa, então é um
assunto que tem que ser sim tratado, delicadamente, com muita atenção,
principalmente porque é um assunto que ninguém quer falar sobre a morte, mas
eu creio que aqui...ou se tem algum lugar preparado pra isso.
Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?
Por quê?
O que eu acho no meu ponto de vista, lidar com essas questões: violência, luto,
tudo, é o tete a tete, é o conversar, é trazer o aluno, né, ou o profissional, você
está falando do aluno, também tem o casos de profissionais, amigas, colegas
nossas, é trazer essas pessoas que estão mais próximas da gente, tocar mais
essa...dar uma atenção maior pra essas pessoas, e sem sombra de duvidas eu
134
não consigo ver nada, na minha vida, sem colocar Deus à frente, né, então,
jogar o valor, é conversar, é ouvir, é participar desse luto junto com a pessoa e
sempre trazendo comigo Deus.
Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às
manifestações do luto entre estudantes na escola?
Bem, o papel do professor, do docente, né, mediante a essas situações quando
acontecem, ele tem que deixar o pedagógico totalmente de lado, né, aí ele sai
da função pedagógica, aí entra na função humanista, né...a função de ser
humano, é...um pouco psicólogo, sabe, tentar trabalhar o emocional dessa
pessoa, é...acho que todo educador, ele tem um pouco de psicólogo, um pouco
de terapeuta, né, é procurar desenvolver mais esse lado mesmo, humano,
né...humano em si, e se entregar mais nesse lado, né.
135
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA50 REALIZADA COM A PROFESSORA 1 DA
ESCOLA “B”
O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?
Na verdade, pra mim a morte não é uma perda, né..., é uma questão de
passagem, né..., então a morte tem esse significado pra mim.
Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto
por morte? Quais?
Na verdade, há 5 anos atrás eu passei por essa vivência com uma das pessoas
mais importantes que eu tinha comigo, que é a minha mãe; e...,é....chorei o luto,
né, mas não assim com aquela dor de...eternidade, né, foi uma dor sim, mas
uma dor, se é que eu posso colocar, que dor é...um pouco, mais ou menos, eu
diria que uma dor com...com certo alivio, por saber que..., por causa da filosofia
que eu tenho a ver com a questão morte, eu tenho uma filosofi), por causa do
sofrimento, e assim, trabalho muito a questão do ...do assim...do mundo egoísta
né, porque acho que eu tenho esse significado pra mim, que a morte é uma
passagem, né, que a gente...as pessoas não são eternas pra nós, né, o tempo
que a gente acha que têm que ficar conosco.
Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura
para tratar do assunto luto?
Totalmente, já tratei dessas questões, assim...dessa mesma vivência que eu
tive, né..., com várias pessoas, devido a...a abertura, também a...a vivência da
pessoa também, né..., então a gente faz essa troca assim, total liberdade aqui,
total abertura.
Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do
assunto no ambiente escolar?
Bom, a facilidade é do próprio projeto que a gente tem aqui na escola, né; e a
dificuldade é...é...individual, não coletiva, individual, né...que cada pessoa tem
50 Realizada em 07/03//2012 às 15h15.
136
com esse, com esse significado da morte, né,...e ta procurando uma pessoa pra
conversar ou mais, ou grupo, enfim, mas aqui, quanto a abertura na escola, o
projeto tá muito aberto, pra tudo né, pra nós falarmos de todos os assuntos que
permeiam a vida humana.
De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar
com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por
exemplo.
Acho que preparada já, não, porque a gente fechou um quadro, né..., porque eu
acho que a preparação é uma coisa constante né..., mas...eu acho que abertura,
eu me sinto, eu sinto que tem essa..., eu sinto que tem essa abertura aqui na
escola, sim, agora..., fechada essa questão eu acho, não sei ainda, se todos nós
poderíamos dizer que está fechada, né.
Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?
Por quê?
Olha...eu acho que isso é tudo, né..., isso é o...é o...inverso da vida, né, da vida,
da felicidade..., então a violência, a morte, principalmente aqui né..., a escola é
um pedaço do mundo né..., então...é....eu acho muito, muito importante.
Como lidar com as questões violência, morte, luto, no ambiente escolar?
Eu acho que...dessa forma que a gente lida aqui né..., tendo abertura para você
falar de...de...de todos os temas, né...,é...então essa é uma abertura pra nós
profissionais e consequentemente para os alunos também.
Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às
manifestações do luto entre estudantes na escola?
Bom...aqui foi o início de tudo né..., o nosso projeto se deu por conta de uma, de
uma morte, de uma garota, né..., e...o nosso papel de tudo aqui, o coração, foi
exatamente isso, né..., o que pulsa, o que nos pulsa pra esse projeto é
justamente, é...por causa do luto, é...de uma, de uma garota que nós ficamos
assim, todos nós, e principalmente o diretor, né...e...enfim, não tinha como
continuar, se a gente não tratasse dessa questão, né.
137
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA51 REALIZADA COM A PROFESSORA 2 DA
ESCOLA “B”
O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?
Eu acho que é uma perda muito grande, algo que afeta muito, principalmente
quando as pessoas são mais próximas, né, mas é complicado, mas (pausa) se a
pessoa tem mais idade você vai se acostumando com essa perda, vai aceitando,
mas agora, se for uma perda drástica, acho que é mais complicado mesmo.
Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto
por morte? Quais?
Acho que a gente nunca está preparado100% para a morte, né...acho que a
dificuldade é perder seu ente querido, que se foi e você não vai encontra-lo
mais, perder é isso, você quer que a pessoa esteja perto, a pessoa pode estar
até sofrendo, mas você quer que a pessoa esteja ainda...
Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura
para tratar do assunto luto?
Sim, aqui a gente tem bastante contato direto com os alunos, e tem alunos que
pelo assunto já perderam e chegam na gente, e já conversam, assim...aqui a
gente respeita, tem aluno que não quer falar sobre o assunto, a gente fica
sabendo, mas também respeitam, mas também a maioria dos alunos chegam e
falam.
Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do
assunto no ambiente escolar?
O que facilita acho que é a proximidade que eles têm com o professor e o aluno,
o que dificulta acho que é o ato da perda mesmo, né...às vezes a pessoa não
tá...não aceitou, o aluno principalmente, tem situação que é difícil, né...tem
alunos aqui que já perderam pai, mãe...é complicado, eu acho que ele não
aceitou a perda, né...e...tem mais dificuldade de falar tudo aqui.
51 Realizada em 07/03//2012 às 16h55.
138
De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar
com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por
exemplo.
Preparada, eu acho que sim, até...na realidade, a escola tem esse processo de
caminhada da paz, de tratar sobre a paz, e tudo isso partiu da morte de uma
estudante, né...então, né...na realidade, não seria preparada a palavra certa, eu
acho, porque preparada quer dizer que você aceita esta morte, e...a escola não
aceita esta morte, né...mas a partir dessa morte, foi feita toda uma campanha,
né...toda uma motivação, e com isso já se foi 12 anos, se não me engano, em
cima dessa morte né...então, não seria preparada, porque ninguém aceita a
morte de um adolescente, mas lidar com a morte, saber lidar com a morte, a
morte física, né.
Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?
Por quê?
Então, aqui a gente trata bastante disso dentro da sala, é tratado bastante a
questão da violência, e isso é bastante utilizado aqui, porque a gente está num
ambiente, numa sociedade muito agressiva, né...e...às vezes eles vêm alguma
coisa na televisão, eles trazem pra gente, e a gente discute bastante sobre isso,
há bastante diálogo.
Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às
manifestações do luto entre estudantes na escola?
Eu acho que o papel é de confortar, de...mostrar pra eles que isso está presente
na nossa vida, né...apesar que tem vários tipos de luto, de morte, né...tem morte
acidental, tem morte por doença, então às vezes é meio complicado, mas entre
nós, a nossa situação é muito da natureza, ela está presente e a gente tem que
aceitar da melhor forma, e entender, não só aceitar, entender a situação
humana, pra passar esse processo de luto, a gente tem que vivenciar uma perda
pra depois amadurecer a ideia; também não pode ignorar, ignorar é bem ruim,
porque eu acho fica guardado, aí no futuro pode...aparecer.
139
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA52 REALIZADA COM A PROFESSORA 3 DA
ESCOLA “B”
O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?
É...particularmente é..., pelo que eu...eu posso dizer é minha família, eu não
posso entender a outras, mas pelo que eu vejo na minha família, o processo da
perda de uma pessoa, né, em caso da morte, né...ela é encarada de uma
forma...faz parte mesmo de um processo de começo, meio e fim,
né...então...esse é um processo que naturalmente vai acontecer, logicamente
que o baque que inesperadamente isso provoca, um certo choque né, mas de
qualquer forma a gente tenta na medida que o tempo vai passando, de encarar
isso como uma forma natural, porque é um processo natural da vida do ser
humano, né...e por ser a família, uma família que já tem uma certa participação,
uma certa...um certo conhecimento de estudo, em relação ao que é o processo
da morte, significa né...o ato de morrer, encarar como não um fim, né...mas um
meio de poder continuar num outro plano, né.
Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto
por morte? Quais?
Não...(pausa) é o que eu te falei, né...tanto é que a questão de alguns anos
atrás, com a perda também de uma pessoa da família, no caso a minha avó,
questões como essa, da dificuldade em lidar , elas não aconteceram, porque
naturalmente a família, né...é...sabia do que estava acontecendo, do que estava
passando com a pessoa, né...no caso né...estava num processo de
envelhecimento, então naturalmente, a morte era alguma coisa que viria a
ocorrer, e em relação ao que permeia né...a morte, logicamente que são coisas
que a gente tinha que discutir, não tinha como você deixar de discutir os
procedimentos que você teria que providenciar tudo, então quer dizer, as
dificuldades em atenção, aí não houve, não.
52 Realizada em 07/03//2012 às 17h25.
140
Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura
para tratar do assunto luto?
Sim, aqui a gente não tem nenhum preconceito não, em conversar, em discutir,
em tocar nesse assunto de...de luto, tanto é que as poucas vezes que eu fiquei
sabendo do falecimento de pessoas da família né, isso tudo foi conversado de
uma maneira bem natural, e...e...é... estendemos isso, logicamente as...as
nossas condolências, né...às pessoas que perderam seus entes, mas assim...a
vida continua, né...tá...isso mesmo.
Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do
assunto no ambiente escolar?
Olha, facilita no momento em que as crianças, elas estão acostumadas, não só
crianças, mas como as pessoas em geral, funcionários, professores, né, cada
um tem a sua experiência de vida, que tem como passar isso, né..., de enfrentar
uma situação dessa né, então pelo que eu percebo aqui, os fatores que
facilitam, é o fato de você poder é...é...tocar no assunto de uma maneira bem
tranquila, sem agredir, sem utilizar de uma forma de...de...ofensa, entendeu,
quer dizer, respeitando o sentimento do outro, né...e as dificuldades também,
não...porque no ambiente escolar, as crianças também estão acostumadas com
o dia a dia, né, com o impacto das coisas, com atropelamento na rua, com
aquela violência que é gerada lá fora, né...então, esse...esse desenho né...de
violência tá muito inserido na vida deles, né, então a morte é mais uma
consequência disso, que pra eles, eu acredito nisso, que ao meu ver faz parte
da rotina, muitas vezes eles presenciam na comunidade em que eles vivem.
De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar
com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por
exemplo.
Ah...não, isso é uma coisa que choca, lógico, porque a gente sabe, né, que você
não tá preparado, você nunca espera uma notícia ruim, ainda mais de uma
pessoa que tá na...na essência de uma vida, na idade jovial, né, de repente você
vem a saber que essa pessoa faleceu, e muitas vezes por uma morte violenta
que ainda também é mais o que deixa as pessoas perplexas, o que você espera
é o trâmite normal da vida, né, que a pessoa desenvolva, cresça, forme sua
141
família, né e naturalmente a morte, ela vem com o passar do tempo, então eu
acho que a morte precoce de estudantes, por exemplo, é uma coisa assim, que
eles tem que ter uma verdadeira noção de como aconteceu, aqui já aconteceu
uma vez, e foi uma coisa assim muito marcante, então eu acho que eles
deveriam ter isso mais incutido na cabeça, pra poder pensar na violência que
existe por aí e tentar evitar, né...situações que tem levam a esse tipo de
situação.
Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?
Por quê?
Olha, a violência, a morte, o luto, é aquilo que eu falei, né...ela está inserida em
todos os âmbitos da sociedade, dentro da escola, logicamente que ela, ela tem
uma ...uma participação muito maior, porque você tem uma concentração de
pessoas né, então naturalmente quando você tem esse fluxo, né, de pessoas,
consequentemente também as...as atitudes também acabam é...é...fazendo com
que isso acabe gerando uma certa violência, que cada temperamento é
diferente, né, então no âmbito escolar, a morte, a violência, o luto, elas são
totalmente inseridas no dia a dia, exatamente por isso né, por acontecimentos
inevitáveis, não tem como você é...é...buscar uma situação que muitas vezes
gera essa violência, e culmina com uma morte, né, mas eu digo assim, no
âmbito escolar, aqui dentro, a gente não tem esse problema, graças a Deus, né,
o máximo que a gente tem é uma discussão, uma briga que é normal,
corriqueira, mas em termos de ameaça de morte, isso nunca existiu.
Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às
manifestações do luto entre estudantes na escola?
Então, esse fator é importante porque a gente tenta mostrar exatamente que o
processo, a manifestação frente a esses acontecimentos, no caso do luto dentro
da escola, tem que ser muito respeitado, porque afinal de contas, as pessoas
que perdem seu ente querido, dentro de uma, de uma , de um ambiente, não
importa que ele seja escolar ou não, mas aqui no caso, o papel do professor, do
coordenador, é o que...é você dar todo aparato, né...é poder dialogar, poder
apoiar, aquilo que for necessário para poder fazer com que a pessoa consiga
absorver nessa perda, né.
142
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA53 REALIZADA COM A PROFESSORA 4 DA
ESCOLA “B”
O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?
Acho que é um dos processos mais difíceis na vida da gente, né, que é o
recomeçar.
Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto
por morte? Quais?
Tenho, eu acho que é o recomeçar, recomeçar é muito difícil, depois de toda
aquela história do enterrar...tudo, recomeçar é muito triste.
Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura
para tratar do assunto luto?
Sim, apesar de não ter perdido ninguém na faze que eu estou aqui no colégio,
né.
Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do
assunto no ambiente escolar?
Eu acho que o facilitador é quando você perde alguém e você sente a pessoa
junto, e eu acho que a grande dificuldade é quando viram, sabe não se
importam, não demonstram não se unem pra mandar uma coroa, não estou
falando aqui do colégio, estou falando de uma situação geral; acho que a
pessoa que está do lado de lá, tá precisando de muito carinho, muito amor.
De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar
com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por
exemplo.
Acho que sim, pela experiência que teve com a aluna que morreu pelo que eu
vejo, mas eu não vivenciei, pelo que eu ouço sim.
53 Realizada em 07/03//2012 às 18h00.
143
Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?
Por quê?
Sim, porque (gaguejo) isso tudo atinge a cada um de nós a todo momento, então
eu acho que a gente tem que tentar fazer alguma coisa.
Como lidar com as questões violência, morte, luto, no ambiente escolar?
Difícil, porque todos irão passar isso algum dia, agora, como você lidar, porque
até cada um recebe de uma maneira, então o que é bom pra mim, às vezes não
é bom para os outros, eu acho que a questão da violência, a gente tenta
transformar essa sociedade que está aí, numa coisa mais agradável, mais
amiga, mais...o mundo deles é muito difícil.
Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às
manifestações do luto entre estudantes na escola?
É...então, é muito complicado, porque eu acho que nem nós estamos
preparados pra lidar com isso de verdade, cada um sai atirando prum lado, e o
que sabe, o que entende por morte? Que por exemplo, pra mim a morte
representa a dor, pra outro não, e aí, né...então é como ela encara a morte, e
tudo é uma questão de encarar, os japoneses não comemoram? É uma
tendência deles, que eles acham que ali vai começar, vai ter uma outra coisa,
então depende da visão que tem, então fica difícil.
144
TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA54 REALIZADA COM A PROFESSORA 5 DA
ESCOLA “B”
O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?
Eu...pra mim é um processo doloroso, principalmente se a pessoa for muito
próxima, né...hã...e também depende da hã...situação em si, em que envolveu
esta morte, em que período, por exemplo, o ano passado eu...meu pai é falecido
a 40 anos, e eu lidava de uma forma com a morte do meu pai, à partir da terapia
que eu estava fazendo o ano passado, num determinado dia, a gente comentou
sobre a morte dele, e eu senti que era como hã...se ele tivesse morrido naquele
momento pra mim, até então eu lidava com a morte dele de um jeito, quer dizer,
eu acredito que a 40 anos atrás eu nem chorei pela morte do meu pai e naquele
dia eu acabei chorando, enterrei naquele dia. Então pra mim a morte é sempre
dolorosa, né.
Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto
por morte? Quais?
Não, é só mesmo a dor, a saudade que fica e isso é difícil da gente administrar,
e...ela é, a morte mesmo, é não ter mesmo mais a pessoa, é a saudade que
fica, eu acho que é isso.
Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura
para tratar do assunto luto?
Sim, o ano passado na monitoria, com a minha turma, nós chegamos a
conversar a respeito, e inclusive eu tenho umas anotações à respeito, você quer
que eu vá pegar? mas é sempre assim, eles relacionam o luto, desde que seja
com uma pessoa muito próxima, da família..., pra eles, a morte de um colega, de
um conhecido, parece que eles lidam melhor, assim....(pausa), não esquentam
muito, o problema é a pessoa da família, ou uma pessoa muito próxima também.
54 Realizada em 07/03//2012 às 18h00.
145
Em sua opinião quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do
assunto no ambiente escolar?
Alguns alunos têm medo do tema morte, então não gosta de falar, ele acha que
não falando é melhor, eu não lembro que ela existe, mas, boa parte deles tem
medo da morte, de morrer ou de perder algum querido por morte, né.
De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar
com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes, por
exemplo.
Ah! eu acredito sim, porque a gente até foi...à partir da morte de uma estudante,
que nós iniciamos o projeto aí, da “Caminhada pela Paz”, então a gente (pausa)
trabalha bastante com isso com eles, mas de qualquer forma não é um tema, a
morte em si, não é um tema que eles gostem de tratar, não gostam... A gente
trabalha, não é, principalmente que a gente tá sempre lembrando, na
“Caminhada pela Paz”, o que que ocasionou todo esse projeto aí, que é a morte
da...da aluna ...
Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?
Por que?
Eu...(pausa), eu acho importante lidar, pra eles, hã...pra eles não “passar”..., é a
realidade, a violência a gente tem que falar nela, tem que mostrar, e mostrar o
que que gera essa violência, eu sei que cada um pode fazer pra evitar essa
violência, só que é um, é um tema difícil mesmo, porque até a paz, com eles
é...difícil da gente trabalhar em sala de aula, quer dizer, a gente faz a
“Caminhada”, é toda uma preparação, existe um minuto de silêncio diário que se
faz, mas mesmo assim, a gente tem casos de violência, briga entre eles, de
agressão física mesmo, além da...da...agressão verbal mesmo, né.
Como lidar com as questões violência, morte, luto, no âmbito escolar?
Eu acho que é só lidar, é...tratando, é falando, mesmo eles sendo reticentes,
quanto ao assunto morte, quanto a luto, eles não gostam de falar, eu acho
importante aí, a gente estar falando, principalmente usando a monitoria, que é o
momento em que o professor está mais próximo com os alunos, na sala de aula
normalmente não dá, porque são muitos alunos, hã...a inquietação deles
146
dificulta, mas nos momentos que a gente tem de proximidade, com a monitoria,
que a gente fica com 16 a 20 alunos uma vez por semana, eu acho importante
tar falando, mesmo porque, cada um, apesar desse medo geral do assunto, mas
cada um acaba trazendo alguma coisinha que conforta, que faz cada um pensar
um pouquinho, e aos pouquinhos a gente hã...fazer o aluno entender que isso é
natural da vida, é morte, que é a única certeza que a gente tem mesmo na vida,
é a morte... É assim, nós temos programado, existe um horário que a escola
propõe, pra que cada professor fique monitor de 4 a 5 meses, dentro do salão, e
a gente sempre sai pela...dois professores sempre saem ao mesmo tempo, pra
fazer as suas monitorias, em qualquer espaço da escola, ou aqui de todo
complexo, né.
Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às
manifestações do luto entre estudantes na escola?
Acho que a maior manifestação é a “Caminhada pela Paz”, são os
coordenadores, a direção passando na sala, sempre lembrando disso, mesmo
quando eles geram algum problema de violência dentro da sala, está se
colocando sempre o nosso trabalho pela paz, a caminhada, o que que gerou a
caminhada, sempre se coloca isso, com certeza nenhum aluno aqui da escola,
que você perguntar, ele, vai estar falando que esse é um fato marcante pra nós
durante estudante.
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ANEXO F – PERGUNTAS SEMIESTRUTURADAS DA ENTREVISTA
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO-SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO
MESTRANDA: PATRÍCIA REGINA MOREIRA MARQUES ORIENTADORA: PROFª DRª ZEILA DE BRITO DEMARTINI
PERGUNTAS SEMIESTRUTURADASG DA ENTREVISTA, REALIZADA COM A
AMOSTRA DE DIRETORES EPROFESSORES QUE FIZERAM PARTE DA PRIMEIRA ETAPA DA PESQUISA
1) O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?
2) Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situações de luto
por morte? Quais?
3) Na escola onde você trabalha você sente por parte da equipe abertura para
tratar do assunto do luto?
4) Em sua opinião quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do
assunto no ambiente escolar?
5) De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar
com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por exemplo.
6) Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?
Por quê?
7) Como lidar com as questões violência, morte, luto, no âmbito escolar?
8) Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às
manifestações do luto entre estudantes na escola?
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ANEXO G – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ________________________________________________consinto, de minha livre e espontânea vontade, em participar da pesquisa Luto na escola: um cuidado necessário. O estudo se justifica como atendimento a projeto de pesquisa do Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação UMESP (Universidade Metodista de São Paulo). O objetivo geral da pesquisa é - Conhecer o processo e a presença do luto na escola entre estudantes a partir de experiências vividas por professores, coordenadores e diretores em três escolas públicas da Grande São Paulo, e os específicos são: a) Compreender a relevância de apoio oferecido por professores, coordenadores e diretores a estudantes no contexto escolar em situações de luto; b) Compreender os significados da morte e do luto para professores, coordenadores e diretores ; c) Realizar uma investigação com professores, coordenadores, diretores de três escolas públicas da Grande São Paulo, visando uma reflexão acerca de suas concepções sobre o tema do luto e como lidam com as questões que envolvem o luto na escola; d) Realizar uma investigação da possibilidade da formação de uma rede de apoio na escola à estudantes enlutados.A sua participação na pesquisa, respondendo a entrevista, não acarretará nenhum desconforto ou riscos para sua saúde, nem represálias da instituição onde trabalha. Portanto, não estão previstos retornos para você em forma de benefícios. Como o estudo não inclui em seus procedimentos nenhum tipo de tratamento, não estão previstos acompanhamentos e assistência. O pesquisador se coloca à sua disposição para maiores esclarecimentos sobre sua participação. Você tem total liberdade para se recusar a participar da pesquisa, bastando que não participe da entrevista. Asseguro a preservação dos aspectos pessoais do seu relato visto que os dados da pesquisa serão analisados coletivamente de forma a reunir todos os participantes. Como a sua participação na pesquisa não implica em custos, despesas, danos ou represálias para você, não estão previstas formas de ressarcimento nem de indenização. Eu, Patrícia Regina Moreira Marques, RG 17610502, CPF 062538528-41, pesquisadora responsável pelo estudo, me comprometo a zelar pelo cumprimento de todos os esclarecimentos prestados neste documento. Fone: (11)97104-1114.
Local ____________________ Data___/___/2012
____________________________________________ Assinatura do participante da pesquisa ou responsável
Documento de Identificação: ____________________
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