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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO MESTRADO EM EDUCAÇÃO PATRÍCIA REGINA MOREIRA MARQUES LUTO NA ESCOLA: UM CUIDADO NECESSÁRIO SÃO BERNARDO DO CAMPO 2012

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

PATRÍCIA REGINA MOREIRA MARQUES

LUTO NA ESCOLA: UM CUIDADO NECESSÁRIO

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2012

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PATRÍCIA REGINA MOREIRA MARQUES

LUTO NA ESCOLA: UM CUIDADO NECESSÁRIO

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-Graduação em Educação da

Faculdade de Humanidades e Direito,

da Universidade Metodista de São

Paulo, como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em

Educação, sob a orientação da Profª

Drª Zeila de Brito Fabri Demartini,

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2012

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Dedico esse trabalho às pessoas que fisicamente não estão mais aqui, mas

permanecem na minha vida e memória. Em especial ao meu pai Francisco Rosa

Marques, que me ensinou O Caminho, e por quem vivenciei pela primeira vez as

etapas do luto por morte. O luto antecipatório ocorreu por vários meses, e meu

pai foi o mentor nesse processo.

À minha amiga-irmã, Marta Leite Gaia (in memoriam). Nossa sala de aula,

nunca mais foi a mesma desde a sua partida.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que conhece as inquietações e indagações que permeiam

meu caminho. Mostrou-me que sou capaz.

A minha orientadora Profª Drª Zeila de Brito Fabri Demartini, por

acreditar em mim, e neste tema tão desafiador para o ambiente acadêmico.

A professora-amiga, Drª Blanches de Paula, que me acompanhou

desde a graduação em Teologia. Grande incentivadora para continuidade de

meus estudos. Seu rigor acadêmico me convenceu a convidá-la a integrar a

banca do Mestrado. Sou grata também por seu desprendimento no empréstimo

de dezenas de livros para minha investigação científica.

Ao professor Dr. Antonio Joaquim Severino, por compor a banca do

Mestrado, por suas observações pertinentes e pela alegria em conhecê-lo.

As três mulheres lá de casa: Ana Luzia, Maria Julia e Ana Priscila,

pelo apoio sempre presente, por entenderem que a solidão às vezes fazia parte

do processo do luto na minha luta, por suportarem minha impaciência e

ansiedade durante os estudos acadêmicos.

A minha querida amiga Coca, por sempre estar ao meu lado desde os

primeiros lutos que passei, por me acolher em sua casa e cuidar de mim.

A minha amiga Dagmar, por zelar em todos os sentidos, em casa, na

igreja, na companhia sempre presente, quando eu mesma nem queria a minha.

E também por transcrever todas as entrevistas.

Aos meus queridos amigos Neil e Lourdes, que por diversas vezes me

acolheram em sua casa, sempre com palavras de incentivo e reconhecimento de

minha capacidade. Em especial ao Prof. Dr. Neil Ferreira Novo, por me

introduzir no fantástico mundo da estatística.

Ao dentista-amigo, Dr. Américo Nepomuceno. Desde que nos

conhecemos, foi o grande incentivador para minhas conquistas.

À Maria Márcia Pereira da Silva, secretaria do Programa de Pós

Graduação, que nas horas de solidão, me incentivou a prosseguir com fé e

persistência.

A todos os amigos que regaram a amizade através de telefonemas e

e-mail, sempre disponibilizando a cooperar durante o processo do Mestrado.

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A Igreja Metodista no Brasil, que concedeu a bolsa de estudos. A

Igreja Metodista em Santana, por acompanharem e entenderem essa fase tão

importante na minha vida.

Ao meu irmão Fernando Cezar e minha cunhada, Vera Regina que

colaboraram com a tradução do texto em inglês.

Ao meu irmão Ricardo Nilton, por regar minhas manhãs com nossas

conversas a distância. Por um período, foi meu companheiro no computador.

Ao meu amigo de infância, Paulo Matuí, pela tradução da entrevista

do Dr. Colin Murray Parkes.

Aos amigos que fiz na academia, em especial a Fabiana Cabrera

Silva, que contribuiu com a revisão ortográfica.

Ao Samuel Rocha de Oliveira, por todo o incentivo e palavras sábias

durante nosso convívio nas disciplinas.

Ao Claudio de Oliveira Ribeiro, que com seu olhar crítico, muito me

incentivou na pesquisa acadêmica.

Enfim, a todos que diretamente ou indiretamente me ajudaram na

construção desta pesquisa. Vocês me ensinaram a parar para ouvir, silenciar,

chorar e sorrir, participando e construindo a minha história...

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Crepúsculo

Patrícia Regina Moreira Marques

“Era uma menininha...” pareço ainda ouvir a voz do médico ao me dar a notícia do

aborto espontâneo que tive no hospital. Em um período de 24 meses era o segundo aborto

espontâneo e a dor tornava-se tão intensa como o primeiro. Sonhos interrompidos, pesar,

sensação de tristeza, impotência, incapacidade, vazio existencial, fizeram parte da minha

vida durante alguns anos. A perda não se fez presente somente pela falta do bebê. A

insensibilidade de meu ex-marido me abandonar logo após a saída do hospital,

praticamente duas horas depois da alta, fez com que aprendesse a lidar com o luto por

morte e perdas diversas. O interesse por essa pesquisa surgiu pelo fato de me colocar à

disposição de pessoas que vivem o luto e não sabem como agir. A vida foi me ensinando,

e na academia fui infiltrando as leituras que muito contribuem para a minha formação.

Sou testemunha do que leio. A experiência me legitima este legado. Procuro ajudar e ter

um olhar diferenciado a todos que sofrem a perda do “objeto perdido”.

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RESUMO

O presente trabalho trata de uma investigação sobre a presença e o processo do luto por morte nas escolas e, também, como professores, coordenadores e diretores podem apoiar estudantes enlutados. Um significativo índice de mortes de estudantes demonstra que o processo experimentado por estudantes enlutados é realidade presente nas escolas. Por sua relevância, entende-se ser fundamental que o tema seja considerado na educação escolar. A opção metodológica para o desenvolvimento do estudo pautou-se pela realização de uma revisão da literatura para teoricamente traçar uma perspectiva histórica e social fundamentada principalmente em Paiva (2011), Kovács (2003), Franco (2002), Kübler-Ross (1996). Optou-se, também, por usar noticiários e documentários. Para a realização da pesquisa empírica, a investigação teve como campo 2 escolas públicas da Grande São Paulo e 23 sujeitos entre os quais professores, coordenador e diretores. Desse universo, 13 sujeitos eram da escola A e 10 da escola B; todos atuando diretamente com os alunos. Realizou-se, em uma primeira etapa, a aplicação de um questionário estruturado, respondido inicialmente pelos 23 sujeitos. Na segunda etapa da pesquisa, utilizou-se como método a entrevista de aprofundamento com uma amostra de 10 profissionais (dois diretores, uma coordenadora e sete professores). Após responderem ao questionário, esses profissionais desejaram participar espontaneamente dessa segunda etapa, para que se pudesse obter maior aprofundamento das questões relacionadas à investigação. Por meio da análise de conteúdo dos relatos obtidos, foram construídos três temas: significado em perder uma pessoa por morte; facilidades e/ou dificuldades em lidar com as questões de luto/morte na escola; papel de gestores e educadores frente às manifestações de luto entre estudantes na escola. Como referências para análises dos dados, elencaram-se Queiroz (2003) e Demartini (2001). A pesquisa permitiu averiguar a presença e o processo de luto por morte nas escolas e como professores, coordenadores e diretores abordam o tema da morte, do luto e da perda. A pesquisa procurou também conhecer e refletir sobre os significados que os educadores têm acerca do luto e morte no contexto escolar. Esse conhecimento possibilitou conhecer como alguns professores e outros profissionais da educação trabalham (ou não) com o processo do luto na escola. As análises construídas a partir dos temas revelaram que alguns profissionais que vivenciam ou vivenciaram a dor pela perda por morte têm dificuldades em lidar com o tema na escola por não saberem lidar com essa situação. Outra questão considerada é a falta de apoio da escola e a falta de preparo dos profissionais ao lidar com o luto na escola. Os relatos apresentam a morte interdita de jovens como uma realidade presente nas escolas e ocupando cada vez mais espaço. Esse assunto desafiador não se encerra. Há muitas ações que a escola necessita realizar. Este trabalho propõe caminhos para novas investigações e desafios. Palavras-chave: Cuidado. Luto. Escola. Morte de estudantes.

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ABSTRACT

The present work deals with an investigation about the presence and the process of mourning for death in schools and also how teachers, coordinators and principals can support bereaved students. A significant rate of student deaths demonstrates that the process experienced by bereaved students is reality present in schools. For its relevance, it is understood to be essential that the issue be considered in school education. The methodology option for the development of the study was guided by conducting a literature review, in order to theoretically outline a historical and social perspective established mainly for Paiva (2011), Kovács (2003), Franco (2002), Kübler-Ross (1996). It was decided, also, to make use of news and documentaries. To perform the empirical research, the investigation was focused in two public schools at Greater Sao Paulo and 23 subjects including teachers, principals and coordinators. In this series, 13 subjects were from school A and 10 from school B, and all of them work directly with the students. In a first step, a structured questionnaire was applied and answered initially by 23 subjects. In the second stage of the research, it was used the depth interview as a method with a sample of 10 professionals (two principals, one coordinator and seven teachers). After answering the questionnaire, these professionals wished to participate voluntarily of the second step, in order to get further deepening about of issues related to the research in school. As references for data analysis, Queiroz (2003) and Demartini (2001) were chosen. The research allowed determining the presence and the process of mourning and death in schools and how teachers, coordinators and principals address the topic of the death, the mourning and the loss. The survey also sought to understand and ponder on the meanings that the educators have about death and mourning in the school context. This knowledge allowed to know how some teachers and other education professionals work (or not) with the grieving process in school. The analyses obtained from the themes revealed that some professionals who experience or experienced the pain of bereavement have difficulties in dealing with the theme at school because they not know how to handle this situation. Another considered issue is the lack of support from the school and the lack of staff training to deal with bereavement in school. The reports have shown the death of young people as a present reality in schools and occupying more and more space. This challenging issue does not end. There are many actions that schools need to make happen. This work proposes directions to further investigations and challenges. Keywords: Care. Bereavement. School. Death of students.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Idade, tempo de atuação ............................................................... 51

TABELA 2 - Área de atuação .............................................................................. 52

TABELA 3 – Crença religiosa ............................................................................. 53

TABELA 4 – Perda por morte ............................................................................. 54

TABELA 5 – Ajuda no luto .................................................................................. 54

TABELA 6 – Apoio no luto .................................................................................. 54

TABELA 7 – Escola como rede de apoio ........................................................... 55

TABELA 8 – Refletindo sobre questões que levam a morte .............................. 55

TABELA 9 – Ajuda no luto .................................................................................. 56

TABELA 10 – Escola como rede de apoio ......................................................... 56

TABELA 11 – Importância do apoio a estudantes enlutados ............................. 57

TABELA 12 – Significado em perder uma pessoa por morte (gestores) ........... 60

TABELA 13 – Significado em perder uma pessoa por morte (professores) ...... 65

TABELA 14 – Facilidades e ou dificuldades em lidar com o luto na escola

(gestores). ............................................................................................................ 70

TABELA 15 – Facilidades e ou dificuldades em lidar com o luto na escola

(professores) ........................................................................................................ 74

TABELA 16 – Papel de gestores e educadores frente as manifestações de

luto entre estudantes (gestores) .......................................................................... 81

TABELA 17 – Papel de gestores e educadores frente as manifestações de

luto entre estudantes (professores) ..................................................................... 85

TABELA 18 - Livros infantis que abordam o tema da morte, organizados por

categorias...........................................................................................................90

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LISTA DE SIGLAS

CEP Comitê de Ética em Pesquisa

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

LEM Laboratório de Estudos sobre a Morte

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UMESP Universidade Metodista de São Paulo

USP Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO: PESQUISADORA E TRAJETÓRIA PROFISSIONAL ........ 12

CAPÍTULO 1- ENTENDENDO CONCEITOS: POSSÍVEIS CAMINHOS PARA

COMPREENDER A MORTE, O LUTO E A PERDA ........................................... 18

1.1.1 Considerações gerais sobre o luto ............................................................. 21 1.1.2 Processo de luto ......................................................................................... 24 1.1.3 Estágios do morrer – implicações para o luto ............................................ 25 1.1.4 Luto normal e patológico ............................................................................ 27

1.2 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO PARA A MORTE ................................... 29

1.3 FALANDO DE MORTE NA ESCOLA ............................................................ 32

FITA VERDE NO CABELO: NOVA VELHA HISTÓRIA....................................... 37

1.3.2 A Função humanizadora da literatura infantil ............................................. 41

1.4. O CENÁRIO DA MORTE NO BRASIL ......................................................... 43

CAPÍTULO 2 - LUTO NA ESCOLA: OPINIÃO DE PROFESSORES,

COORDENADORES E DIRETORES .................................................................. 46

2.1 O CAMINHO DA PESQUISA E O MATERIAL COLETADO ......................... 46

2.1.1 A não entrevista .......................................................................................... 48

2.2 A PESQUISA EM DUAS ESCOLAS .............................................................. 50

2.2.1 O perfil dos participantes ............................................................................ 51

2.2.2 Algumas observações a partir dos questionários....................................... 53

CAPÍTULO 3 - SIGNIFICADO DA PERDA POR MORTE E ATUAÇÃO DA

ESCOLA AO ENFRENTAR O LUTO (2ª ETAPA) .............................................. 58

3.1 AS CATEGORIAS DE ANÁLISES ................................................................. 59

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 93

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REFERÊNCIAS ................................................................................................... 98

OBRAS CONSULTADAS ................................................................................. 101

ANEXO A – ENTREVISTA ................................................................................ 103

ANEXO B – RELATOS ..................................................................................... 104

ANEXO C – CARTA DE APRESENTAÇÃO ..................................................... 112

ANEXO D – QUESTIONÁRIO ........................................................................... 113

ANEXO E – TRANSCRIÇÕES .......................................................................... 118

ANEXO F – PERGUNTAS SEMIESTRUTURADAS DA ENTREVISTA .......... 147

ANEXO G – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ........ 148

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APRESENTAÇÃO: PESQUISADORA E TRAJETÓRIA

PROFISSIONAL

Em 1984, por insistência de minha mãe, conclui o magistério na

Escola Estadual João Cursino em São José dos Campos, período em que já

estava matriculada no 2º ano no curso de Pedagogia da Fundação

Valeparaibana de Ensino, na mesma cidade. Desde 1982, trabalhava como

auxiliar de classe no ensino infantil, na Pré-Escola Metodista Jean Piaget.

Em 1985 assumi, como professora titular, uma classe de

alfabetização. Nesse período, realizei diversos cursos oferecidos pela prefeitura

municipal de São José dos Campos, e outros cursos na área do construtivismo,

deslocando-me diversas vezes para São Paulo. Minha trajetória confirmava a

vocação como educadora a cada descoberta que realizava entre um curso e

outro.

Em 1989 conclui uma especialização em Metodologia do Ensino

Superior na Faculdade de Educação de Guaratinguetá. Continuando na Pré-

escola Metodista Jean Piaget, fui convidada em 1990 a dar aulas em outra

escola na cidade de São José dos Campos com uma proposta totalmente

diferente do construtivismo. No ano seguinte, recebi a proposta para lecionar

também em uma escola da rede particular, ali, a direção posicionou-se

demonstrando grande interesse em conhecer a proposta construtivista. Até

aquele momento, essa proposta havia sido colocada de modo equivocado, ou

seja, como uma maneira de total liberdade aos alunos. Meu posicionamento

frente aos alunos sempre foi de facilitar-lhes a expressão de sentimentos,

baseada em uma relação de confiança, resultando, assim, em um ensino-

aprendizagem com uma abordagem dialógica. Nesse sentido, houve uma

relação simbiótica entre alunos e professores e fui “construindo-me” como

educadora sempre preocupada com a esfera emocional dos alunos.

Em 1997, recebi o convite para assumir a coordenação e direção da

Pré-Escola Metodista Jean Piaget. Nesse período, uma aluna tímida e com olhar

sempre tristonho, chamou- me muito a atenção. Assim, comecei a aproximar-me

mais dela e entre uma conversa e outra em minha sala, ou na sala de leitura, ela

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foi, aos poucos, revelando-me sua tristeza. Sua mãe havia se jogado do 13º

andar, há apenas um ano, antes de efetuar sua matricula escolar. Confesso que,

inicialmente, não sabia o que dizer nem tampouco como lidar com a situação.

Na ocasião, não contávamos na escola com apoio de uma equipe

multidisciplinar ou de outros profissionais afins, como psicólogos. Por se tratar

de uma escola confessional, tínhamos a presença e apoio da pastoral escolar,

contudo, decidi não recorrer a esta parceria no momento. Isto porque, conquistar

a confiança da aluna implicava um processo difícil e fiquei receosa dela afastar-

se de mim, uma vez que se posicionava de um modo um tanto arredio. Minha

atitude foi de oferecer-lhe minha companhia, bem como amor e atenção, em

todo o período que estava na escola, tendo em vista ser demasiada sua

carência. A partir desse momento, comecei a me preocupar com a questão do

luto e das perdas, presentes no contexto escolar. Na ocasião, lembrei-me da

perda de uma grande amiga-irmã, que ocorreu quando cursava a 8ª série do

primeiro grau. Foi um choque conviver com a ausência dela, e visualizar por

muitos meses, sua carteira que permanecia vazia, pelo fato dos responsáveis

não terem o hábito de modificarem o mobiliário da sala, Creio que esse episódio

foi o início de minha inquietação de como a escola pode lidar com assuntos

relacionados a morte, ao luto, pois percebia que a abordagem era difícil tanto

para os alunos, como professores e diretora.

Uma vez notória, em mim, a vocação pastoral, iniciei, em 2011, a

graduação em Teologia na Faculdade de Teologia da Igreja Metodista.

Inicialmente, fui convidada a participar do grupo de pesquisa “Teologia Prática e

Aconselhamento” do Curso de Teologia da Universidade Metodista de São

Paulo. A temática da morte e, consequentemente, do luto, foi objeto de

investigação no Trabalho de Conclusão de Curso intitulada: “Um estudo do luto

parental como subsídio para o Aconselhamento Pastoral em situações de

morte”. Esta reflexão possibilitou-me conhecer o que Kovács (2003) chama de

morte invertida, ou seja, a dor de pais que enterram seus filhos, muitas vezes

jovens. Embora estudos sobre o luto por morte tenham sido realizados por

diversos estudiosos, que há anos vêm contribuindo para uma melhor

compreensão e conhecimento do assunto, há ainda um vasto campo a ser

investigado no que se refere à área específica na Teologia. Este trabalho, o qual

resulta em pesquisa com recorte bibliográfico, correlaciona dois temas

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teológicos que, por si só, inter-relacionam-se, isto é, o luto parental e o

aconselhamento pastoral. Num primeiro momento, apresenta o fenômeno do

luto e seus desdobramentos na vida humana para, a seguir, abordar o conceito

e implicações do luto parental na vida de pais que perderam, precocemente,

seus filhos. Nesse sentido, o trabalho estabelece diálogos com outras áreas da

Ciência que incorrem em pesquisas sobre essa mesma questão, visando à

sociedade contemporânea, como, por exemplo, a Psicologia. O trabalho

apresenta ainda resultados significativos que sugerem, inclusive, rompimentos

de paradigmas sociais. Isso porque, a pesquisa mostrou que o número de filhos

mortos tem aumentado grandemente em relação à morte de seus pais. Esse tipo

de luto provoca mudanças relevantes no cotidiano das pessoas, que podem ser

identificadas na ótica da psicologia, como indivíduos que agem, exclusivamente,

de modo comportamental, emocional ou racional, resultando em lutos mal

resolvidos, os quais gerariam desestruturação familiar e eventuais doenças. A

relevância do trabalho de “pastoreio” entendido como acompanhamento pastoral

em situação de crise parental, torna-se uma ação emergente em nossas

comunidades eclesiásticas.

Em 2008, conclui especialização em Aconselhamento Pastoral na

Universidade Metodista, pesquisando sobre o luto por morte. Focalizei, neste

trabalho, o cuidado necessário no âmbito eclesiástico, cujo tema foi: “A morte

precoce de jovens e adolescentes, dor e o sofrimento de pais que enterram seus

filhos. A importância da Educação para a Morte, responsabilidade também da

igreja”.

Retomando a trajetória de minha formação, efetuei, no segundo

semestre de 2009, minha matrícula, como aluna especial no Programa de

Mestrado em Educação, na Universidade Metodista de São Paulo, em virtude do

interesse em investigar o processo do luto nas escolas, em decorrência do

crescente número de violências e consequentemente de mortes, considerando

também mortes naturais que ocorrem diariamente. A partir de minha inquietação

e constatação de significativo número de mortes de jovens estudantes, nasceu o

interesse pela investigação junto a educadores, diretores e coordenadores sobre

esse assunto, assim como o significado que atribuem ao luto. Através de

pesquisa bibliográfica, constatei que alguns educadores, ainda que poucos,

realizam atividades de apoio aos enlutados na escola. A proposta de apresentar

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algumas ações na qual a escola pode tornar-se uma rede de apoio e constituir-

se como um elo de consolo e abrigo, pode ser uma situação possível no

enfrentamento e desafio que a própria temática pressupõe, constituindo assim

um elo de apoio entre a equipe educacional e os enlutados.

Em abril de 2011, o acontecimento trágico na Escola Tasso da

Silveira em Realengo, no Rio de Janeiro, que culminou com a morte de 12

crianças, despertou meu interesse em deslocar-me até a cidade e investigar o

luto coletivo, as ações realizadas pela escola em relação ao apoio às famílias e

estudantes enlutados. Em contato com a Diretoria de Ensino e funcionários da

referida escola, foi me orientado a não me deslocar para a realização da

pesquisa. Conforme relato no telefone: “- Ainda estamos aprendendo a lidar com

essa situação: a morte, a perda, o luto. Quem sabe daqui uns dois anos,

podemos ser modelo para alguma escola, no sentido que você deseja!” Aprendi

que no luto, o processo é construído conforme a vivência, e nesse momento a

escola Tasso, estava reconstruindo sua história.

No ano de 2011, nossa turma de Mestrado, foi assolada com a notícia

do falecimento do nosso querido prof. Dr. Danilo Di Manno. Justamente naquela

manhã, encontramos a sala vazia, pois havia falecido no hospital instante antes

do horário habitual de nossos encontros matutinos, assim chamava nossas

aulas. Uma tristeza inundava nossos corações e corredores. Naquela manhã

muitos de nós estudantes, vivenciamos o luto presente no contexto escolar.

Várias ações foram realizadas por parte da pastoral universitária no sentido do

consolar alunos, colegas, funcionários. Nossa querida coordenadora do

Mestrado, profª Drª Roseli Fischmann, quem assumiu as aulas do Danilo,

sabiamente foi construindo um caminho para nossas incertezas sem o querido

mestre. O processo do luto, tão presente nas aulas, culminou com o

encerramento da disciplina Abordagens Filosóficas da Educação com uma

homenagem póstuma. Seguimos nosso caminho, vivenciando o paradoxo do

tema que se torna infeliz, enquanto vivenciamos a o processo luto e suas

implicações, feliz talvez pela relevância do próprio tema, descobrindo e

vivenciando o que a teoria propõe.

Apresentado minha trajetória formativa e profissional, justificando

também o interesse pela investigação, vejamos o enfoque e objetivos da

pesquisa. O enfoque se dá a partir do significado do luto por morte de

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professores, coordenadores e diretores, como sujeitos de um processo de

interação com alunos, e como podem realizar atividades que proporcionam

apoio àqueles que sofrem pelas consequências da dor no luto, algumas vezes

sem o conhecimento da própria comunidade escolar.

A pesquisa foi realizada em 2 escolas públicas da Grande São Paulo.

São escolas que não diferem entre si, mas que trazem histórico semelhante da

violência urbana. Inicialmente nossa proposta consistia em três escolas, porém

após várias tentativas na escola que denominamos “C”, não foi possível a

realização. Cheguei a ter um contato com a diretora e entregar o questionário

estruturado, que se prontificou a aplicá-los com os 20 profissionais da escola,

que voluntariamente se propuseram a responder. No dia da entrega dos

mesmos, a diretora não se encontrava na escola. Após mais de uma hora de

espera, fui informada que não seria possível a entrega dos questionários, desta

maneira, a impossibilidade da pesquisa. No Capítulo II, - Luto na escola: opinião

de professores, coordenadores e diretores apresento um subtítulo que revela a

não entrevista, que por si só torna-se tema sugestivo para um estudo de caso. O

que não foi possível de realizar nessa investigação, mas que considero

pertinente relatar na pesquisa.

O objetivo dessa pesquisa é compreender qual o significado do luto

por morte para professores, coordenadores e diretores e suas concepções sobre

o tema do luto na escola e a relevância que atribuem a mesma como rede de

apoio oferecido a estudantes em situações de luto.

No capítulo 1 – Entendendo conceitos – apresento uma breve reflexão

dos conceitos sobre a morte, e o luto. Como referências para a organização

desse capítulo, foram selecionadas os seguintes autores: Elisabete Kübler-Ross

(2000), Maria Helena Pereira Franco (2002), Maria Julia Kovács (2004), Lucélia

Elizabeth Paiva (2011). Revisito a pesquisa com recorte bibliográfico realizada

por mim, por ocasião da conclusão do curso de bacharel em Teologia, cujo tema

foi: “Um estudo do luto parental como subsídio para o aconselhamento pastoral

em situações de morte”. Também traçamos sucintamente o cenário da morte no

Brasil, a partir de os dados apresentados em noticiários. Apresento a proposta

do Laboratório de Estudos sobre a Morte - LEM – USP, que aborda a

necessidade de apoio e ações que a escola pode desenvolver frete a estudantes

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enlutados. Também, a experiência de uma professora que desenvolve

atividades de apoio mediante o luto.

Para referência de um caso de morte na escola, em Realengo, Rio de

Janeiro, aportamos dados em pesquisas em alguns noticiários e documentários.

O capítulo 2 - Luto na escola! Opinião de professores, coordenadores

e diretores - é dedicado à apresentação da metodologia da pesquisa de campo.

Na primeira fase encaminhei um questionário estruturado às duas escolas

públicas, ambas situadas na Grande São Paulo, com o retorno de 23 respostas.

Na segunda fase, foi realizada a entrevista de aprofundamento com 8 perguntas

semiestruturadas. Essa etapa foi realizada com 10 sujeitos sendo 4 sujeitos da

escola “A” e 6 da escola “B” que se apresentaram voluntariamente e que

participaram da primeira fase para a realização da investigação,

Para o capítulo 3 - Significado da perda por morte e a atuação da

escola no enfrentamento do luto - realizo a análise dos conteúdos, apresentando

3 temas: significado em perder uma pessoa por morte; dificuldades e ou

facilidades em lidar com as questões de luto/morte na escola; papel de gestores

e educadores frente as manifestações de luto entre estudantes na escola.

A referência para análise de conteúdo dos dados coletados se apoiou

em Zeila de Brito Fabri Demartini (2001) e Maria Isaura Pereira de Queiroz

(2003). Nas considerações finais recupero, em síntese, as discussões realizadas

nos capítulos articuladas com as análises das representações que a pesquisa

possibilitou.

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CAPÍTULO 1- ENTENDENDO CONCEITOS: POSSÍVEIS

CAMINHOS PARA COMPREENDER A MORTE, O LUTO E A

PERDA

O objetivo deste capítulo é apresentar alguns conceitos chaves que

possibilitam compreender a temática desta pesquisa. Nesse sentido, antes

mesmo de iniciar a reflexão sobre o processo do luto na escola e como a equipe

escolar (professores, coordenadores e diretores) pode ajudar estudantes

enlutados a lidarem com essa situação considerada desafiadora e até mesmo

difícil de ser superada, considero pertinente trazer alguns conceitos que podem

elucidar os caminhos que a morte, o luto, e a perda trazem consigo.

Neste capítulo ainda, apresento o referencial teórico que nos permite

discutir os conceitos acima anunciados, tais como as contribuições de Maria

Julia Kovács1, Maria Helena Pereira Franco2, Elisabete Kübler-Roos3 e Lucélia

Elizabeth Paiva4, referências em estudos do luto no campo da Psicologia e da

Educação.

Destaco a importância da temática de uma educação para a morte, a

partir da abordagem de Kovács (2003), e o uso da literatura infantil como

recurso para abordar a morte com crianças e adolescentes, proposta de Lucélia

Paiva (2011). O conto de Guimarães Rosa, Fita verde no cabelo - Nova velha

história5 proporciona a reflexão acerca da linguagem metafórica como um

1 Professora livre docente do Instituto de Psicologia da USP, Coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM). Renomado nome nos estudos e contribuições sobre a morte no Brasil. 2

Psicóloga, mestre e doutora em Psicologia Clinica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), pós-doutorada pela University College London, Londres. Coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em situações de perdas e luto. 3

Psiquiatra dedicou seus estudos a pacientes terminais e cuidados em meio às perdas. Referência internacional no que se refere às situações de luto, morte e morrer. 4 Psicóloga, com atuação nas áreas clinica hospitalar e educacional. Doutora em Psicologia pela

Universidade de São Paulo (USP). Ministra palestras, cursos nas aéreas de tanatologia, luto infantil, literatura infantil e cuidado ao cuidador. Centraliza suas pesquisas também em situações de crise, emergência, doenças, morte, perdas e luto. 5 Texto na íntegra se encontra no item 1.3 (FALANDO DE MORTE NA ESCOLA, p.37), retirado do site http://amorecultura.vilabol.uol.com.br/fitaverd.htm. Acesso em 05/05/12 às 23h15

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recurso facilitador na abordagem do tema da morte. Importante recurso nas

questões que abrangem o processo de apoio a situações do luto.

1.1 O FENÔMENO DO LUTO E SEUS DESDOBRAMENTOS

Nesse item vamos abordar os seguintes aspectos: uma abordagem

geral sobre o luto, suas etapas, com destaque para o luto normal e patológico, e

os estágios do morrer, abordagem elaborada por Kübler-Ross (2000). Após

conceitos fundamentais sobre o luto, apresento a importância do tema da morte

na escola é apresentada por algumas abordagens que compõem recursos que

podem ser trabalhados com estudantes enlutados, como o uso da literatura

infantil e sua função humanizadora.

A morte apresenta-se como tema desafiador e difícil porque nos leva

a uma reflexão existencial. O medo da morte, presente no ser humano,

contribuiu para que o assunto seja tratado como distante da realidade. Ela, a

morte, nos incomoda. Frente a ela nos sentimos nus, impotentes.

Dificilmente aceitamos que a morte faz parte do desenvolvimento

humano. Muitas são as indagações sobre a morte e o morrer. O conhecimento e

a vivência na vida podem nos levar a muitos caminhos que podemos escolher,

mas infelizmente - porque deixar de refletir sobre a morte é deixar de refletir

sobre a própria vida - não são muitos os que optam por “viver o seu morrer”.

Em uma sociedade voltada para hedonismo6, observam-se índices

violentos de homicídios, acidentes, fatalismos. Pouco se fala sobre a morte em

si, mas com certeza se pensa nela. Poupamos as crianças de falar sobre a

morte de avós ou parentes próximos. Apenas tentamos dar um sumiço naqueles

que morreram. Nesse sentido, cabe a pergunta de Kovács (2005): até quando

lutos mal resolvidos estarão presentes devido à própria negação da morte? Ou

ainda, é possível uma educação para a morte no século XXI?

6 O hedonismo surgiu na Grécia. Do grego hedonê, ("prazer", "vontade") é uma teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o supremo bem da vida humana. O hedonismo filosófico moderno procura fundamentar-se numa concepção mais ampla de prazer entendida como felicidade para o maior número de pessoas. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hedonismo, acesso em 25/04/2012 às 18h10.

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A fim de aproximarmos de um conceito sobre a palavra morte, recorri

à versão do Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, que diz:

A palavra morte tem origem da palavra grega (thanatos). Desta palavra decorrem outras raízes ligadas à morte, como

(thanatoo- matar), (athanasia- imortalidade),

(henesko-morrer, apothnesko-morrer),

(synapothnesko-morrer juntamente com alguém),

(thnestos-mortal)7

A centralidade do significado de thanatos “ato de morrer” permite o

desenvolvimento dessa pesquisa: o enfoque do luto por morte. A palavra luto

remete a outros tipos de perdas, como enfrentamento de desemprego, divórcios,

separação física, entre outras. O senso comum algumas vezes leva a associar a

palavra luto apenas a morte; por essa razão, a importância em considerar o luto

por morte, apresentando a origem da palavra grega. A morte é a cessação da

vida. A maneira como entendemos este e outros conceitos teóricos que

perpassam nossa realidade pode orientar nossa postura diante do luto. O ideal é

que cada um possa percorrer este caminho consciente de que, embora o

reconhecendo como difícil e doloroso, trata-se de algo inerente a todo ser

humano.

Diante disso, em entrevista ao Programa Café Filosófico8, a jornalista

Rosely Sayão9 afirma que atualmente presenciamos uma reação frente ao luto

que pode ser concebida por alguns como banalização do tema ou mesmo um

tabu, ou o apagamento da morte, quando algumas pessoas evitam abordar o

assunto especialmente com as crianças. Aborda entre outros assuntos, a morte

como um tabu entre algumas famílias que, provavelmente, não sabem lidar com a

temática.

A abordagem da jornalista proporciona uma importante e significativa

visão de como a sociedade atual lida com assuntos considerados não prazerosos.

7 Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. BROWN, Colin; COENEN, Lothar

(orgs); {tradução Gordon Chown} – 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. p. 1315 8

www.cpflcultura.com.br/evento/filhos-melhor-nao-te-los-rosely-sayao. Acesso em 10/03/2012 às 23h45 9

Psicóloga e consultora educacional. Possui vasta experiência em clínica, supervisão e docência. Presta consultoria em empresas e escola dissertando sobre cidadania e sobre educação de crianças e adolescentes.

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Ressalto neste trabalho a importância de que a temática não seja transferida ao

cuidado da escola, mas a escola precisa estar preparada para enfrentar o diálogo,

o apoio, visto que algumas famílias não realizam tal ato. A abordagem a seguir,

apresenta alguns conceitos e definições sobre o luto por morte e suas

implicações, informações que podem contribuir no enfrentamento de situações de

luto no contexto escolar.

1.1.1 Considerações gerais sobre o luto

A temática do luto está ligada ao sentimento de perda ou ausência de

algo ou de alguém. Já a forma como o enlutado viverá a experiência da perda e

consequentemente do luto será definida pelas condições em que tal processo se

dará.

Para facilitar nosso entendimento, recorremos a alguns significados

em dicionários. No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa verificamos:

1. Sentimento de tristeza profunda por motivo da morte de alguém. 2. Luto originado por outras causas (separação, partida, rompimento, etc.); amargura, desgosto. 3. Tempo durante o qual devem manifestar-se certos sinais de luto. 4. O fato de perder um parente ou pessoa querida; perda por morte. 5. A roupa, geralmente preta, que traja a pessoa enlutada e p. ext. os crepes, os panos negros usados para forrar a câmara ardente, a casa, a igreja, a fachada de edifícios, etc. em sinal de luto por alguém; dó. 6. Conjunto de sinais externos (por exemplo, negro no vestuário do mundo cristão, mas azul no Japão, branco na China, etc.) que os costumes associam à perda de parente próximo ou pessoa querida. 7. Antrpl: observância de formas de comportamento costumeiras e convencionais que expressam a desolação e o desespero por parte dos parentes do morto no período que se segue ao seu falecimento {podem incluir, além de prescrições relativas às roupas, o isolamento, o jejum, o a abstenção de sexo, a automutilação, o corte dos cabelos p/ raiz, etc}- Guardar luto: respeitar o período do luto, de acordo com os costumes de cada sociedade10.

10 HOUAISS, Antônio (1915-1999), VILLAR, Mauro de Salles (1939-). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa/ Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar, elaborado no Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados Ltda Língua Portuguesa S/C Ltda. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.1784.

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A maioria das culturas, se não todas, têm maneiras aprovadas de

satisfazer as necessidades em ocasiões de luto, conforme as definições 5, 6 e 7

do conceito apresentado. Se é verdade que, em se tratando de luto, um

determinado comportamento ou ritual é considerado expressivo e significativo

em certa cultura enquanto que em outra o mesmo não carrega importância

semelhante, também é verdade que cada sociedade manifesta seu sentimento

em relação ao “ente querido’’ seja “guardando o luto’’, ou desenvolvendo outra

prática como forma de expressar a saudade do ente querido.

A palavra luto encontrada no Novíssimo Dicionário Latino – Português

nos remete ao sentido de que no luto a dor, lamento, pesar, são situações que

podem fazer parte do processo desencadeador.

Luctus: dor, mágoa, lástima, dó, nojo, aflicção. Magoar

profundamente a alguém. Lamentos, gemidos, ais, soluços, choros, lágrimas. Estar banhado em lágrimas. Perda, morte. Estar em desespero pela morte do filho”11.

A citação acima faz com que estejamos atentos também a possível

dor presente entre jovens enlutados. Jovens, algumas vezes, têm dificuldades

em expressar seus sentimentos, e mesmo a tristeza, a lágrima vertida pela

ausência, perda de alguém por morte pode não estar expresso de uma maneira

nítida. Por esse motivo, torna-se importante conhecer os desdobramentos

possíveis no processo do luto.

No decorrer deste capítulo verificamos que em cada estágio do luto os

conceitos apresentados nos dicionários fazem parte do dia-a-dia dos enlutados.

Vejamos, o que diz o Dicionário Interdisciplinar da Pastoral da Saúde:

Luto: 1 A separação na vida - O nascimento constitui a primeira separação e é o protótipo de todas as outras. A criança deve abandonar a segurança e a proteção do ventre materno e ser introduzida no mundo para tornar-se criatura independente. Seu primeiro gemido, mostra que chegou à família humana. Para crescer, deve aprender a arte da separação: abandona a infância para entrar na juventude, diz adeus à juventude para entrar na maturidade, deixa a maturidade para entrar na terceira idade e na

11 Novíssimo dicionário Latino - Português. Regido segundo o plano de L. Quicherat. Compilado por F.R. dos Santos Saraiva. 11ª.ed. Belo Horizonte/Rio de Janeiro. Livraria Garnier, 2000. p. 691.

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velhice. A vida é cheia de despedidas e de ritos que educam para o provisório, aceitando a dor, enfrentando a solidão para poder descobrir novos horizontes. Deixa-se a casa para ir a escola; as brincadeiras para trabalhar; a família de origem para construir uma nova; o trabalho para aposentar-se; a vida para encontrar a morte; a morte para entrar na vida eterna. A vida impõe a lei da morte. Há quem perde o próprio contexto cultural ou o trabalho, os bens materiais ou os humanos e espirituais, os laços afetivos ou a saúde, a própria identidade e até a esperança. Toda perda lembra a caducidade de todas as coisas: “Para tudo há momento e tempo: tempo para dar a luz e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de chorar e tempo de rir...” (Ecl 3, 1-8) Sempre se diz adeus a alguém ou a algo e as pequenas separações nos preparam para enfrentar as mais difíceis e definitivas. O luto é o preço que se paga pelos próprios apegos e afeições12.

A definição acima completa o entendimento do ciclo vital do ser

humano. Nasce, cresce se desenvolve e, um dia, morre. Nesse ciclo sistemático,

alguns de nós precisamos (re) aprender a viver. E, para tanto, o conhecimento

do significado da palavra luto é fundamental, possibilitando diferentes posturas

diante da morte.

As definições referentes a pesar, dor, tristeza, perda apresentam

similaridades. Notavelmente, a perda está presente no luto. Ela é o fator

desencadeante para esse processo; não há luto sem perdas.

Estas ocorrem por diferentes motivos, não somente por morte, mas

também por divórcios, rompimentos de diferentes relacionamentos afetivos,

rupturas no dia-a-dia, etc. Franco (2002, p.133), afirma que “o luto é um

processo de elaboração e resolução de uma perda real ou fantasiosa pelo qual

todas as pessoas passam em vários momentos da vida, com maior ou menor

sucesso” Com êxito, o enlutado pode ser motivado à busca de novos

significados para questões norteadoras de sua vida enquanto o fracasso pode

levar a situações que requerem ajuda de especialistas da área ou pessoas

próximas, que geralmente são os primeiros “ajudadores”.

Embora o sentido da perda se faça por diferentes significados,

considero importante evidenciar que no luto por morte a perda física, a ausência

de um ente querido, poderá ser considerada uma dificuldade no enfrentamento

12 CINÀ, Giuseppe. LOCCI, Efísio. ROCCHETA, Carlo. Dicionário Interdisciplinar da Pastoral

da Saúde. Trad. Calisto Vendrame, Leocir Pessini e equipe. São Paulo: Paulus, 1999. p. 708

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no processo do luto. Apresento no item seguinte alguns apontamentos

considerados pertinentes ao processo do luto.

1.1.2 Processo de luto

Para Bowlby (1985), só existe luto quando houve um vínculo que

tenha sido rompido, o vínculo entre indivíduos se forma à medida que se obtém

uma base de segurança e se faça presente sempre como ponto de apoio nos

momentos de riscos e ameaças. Quando se perde essa base, passa-se a uma

situação temerosa e ameaçadora, fazendo com que o luto e a desvinculação da

proteção e sobrevivência dessa resulte em sofrimento pela perda, sofrimento

esse expresso de forma diferente, de acordo com cada cultura.

Entendo que entre estudantes o vínculo mantido pela convivência

diária, a aproximação pelos mesmos interesses, possibilitam que o

relacionamento seja construído à medida que os vínculos vão se tornando cada

vez mais significativos. A morte de um colega de classe, ou a morte de alguma

pessoa que mantenha o vínculo, pode trazer ao enlutado uma dificuldade de

uma maneira geral, não somente na escola. Se considerarmos que no processo

do luto a perda pode ser uma dificuldade para a resignação da vida, torna-se

importante conhecer as reações possíveis.

Para Bowlby (1985, p.119) o processo de luto, por definição, é um

conjunto de reações diante de uma perda, e compõe-se de quatro fases:

1. Fase de choque que tem a duração de algumas horas ou semanas e pode vir acompanhada de manifestações de desespero ou de raiva. 2. Fase de desejo e busca da figura perdida, que pode durar também meses ou anos. 3. Fase de desorganização e desespero. 4. Fase de alguma organização.

Na primeira fase, quando ocorrem expressões emocionais intensas,

ataques de pânico e raiva, é aconselhável a companhia de outras pessoas. Isso

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porque, nessa fase, a pessoa se sente frágil e desprotegida. Alterações

emocionais deixam-na em estado de choque.

Na segunda fase, da negação, o/a enlutado/a alimenta a esperança

de que tudo não passou de um pesadelo. Quando enfim ocorre, definitivamente,

a percepção de que houve efetivamente uma perda, aparece,

compreensivelmente, a raiva e a revolta. A consciência da realidade da morte

provoca desespero, insônia e preocupação.

Na fase de desorganização e desespero, muitos/as enlutados/as, com

medo de continuar a vida sozinhos/as, procuram alguém que possa ocupar o

lugar da pessoa ausente. São poucos os que optam por permanecerem

sozinhos/as, readaptando-se a uma nova vida.

A última fase caracteriza-se pela aceitação da perda e constatação de

que uma nova vida precisa ser iniciada. Se quando atingida, essa fase

pressupõe a elaboração e o desenvolvimento de um processo saudável de luto.

Isso porque, se o enlutado antes dependia de seu ente querido para realizar

desde pequenas até grandes tarefas, passa agora a adaptar-se a uma nova

realidade.

1.1.3 Estágios do morrer – implicações para o luto

A seguir, apresento a síntese do pensamento de Kübler-Ross (2000,

p.43-118) acerca dos estágios da morte e as implicações consequentes para o

luto. Abordagem que esclarece também as possíveis situações de luto normal

ou patológico, assunto apresentado posteriormente a este.

Uma forma de encarar e conhecer o processo da morte e do luto é

apresentada pela autora Kübler-Ross (2000) que utiliza o conceito de “estágios”.

Para ela, são cinco os estágios presentes no processo do luto. O conhecimento

desses estágios permite um entendimento maior do processo que o enlutado

também poderá passar, uma vez que, seja ele próximo ou distante do

moribundo, sofrerá o luto antecipado ou o pós-morte.

A relação inicia-se com o estágio chamado de Negação: a notícia é

uma surpresa e aqueles que a recebem negam-na ou isolam-se, fugindo muitas

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vezes do convívio social. Negam aceitar que algo errado possa estar

acontecendo. A ira é o estágio que substitui a negação por sentimentos de

raiva, revolta e ressentimento. A raiva contra Deus, contra as pessoas ou a

própria vida podem ser nutridas pelo sentimento de medo, traição (de Deus) e

pelo descontrole emocional. Na barganha tenta-se negociar com Deus, na

esperança de recuperar um passado não muito saudável com a pessoa que

morreu. Na depressão, o paciente ou enlutado é tomado de sentimentos de

grande perda e experiências, sintoma clínico de depressão. A conscientização

da morte, de que ela é inevitável, pode levá-lo/a ao desespero e a viver sem

esperança. Na recuperação, a pessoa percebe que sua vida continuará com um

novo ajuste e objetivos diferentes. Para algumas pessoas, esta fase é

passageira enquanto que para outras, longínqua, podendo levá-las à morte. No

estágio, aceitação, o paciente concebe que a morte se aproxima e que a

possibilidade de cura em seu tratamento é impossível. Provavelmente desistindo

de “lutar” com a morte, o paciente se entrega a ela. Também pode acontecer no

momento de “partir”, consciente da chegada final. Muitas pessoas passam pela

fase da depressão e entram na fase da aceitação. A pessoa entende que vai

morrer, mas tem uma perspectiva sobre a sua morte. Essa perspectiva tem

muito a ver com o centro de sua vida, as crenças, a fé, sua teologia. Outros

fatores importantes são o tipo de apoio da família, amigos, e também grupos de

apoio.

O que diferencia a enlutado e o paciente nos estágios da morte

obviamente é a interrupção da vida daquele que partiu. Enlutados vivenciam

esses estágios e a esperança pode ser uma perspectiva de motivação em

continuar vivendo. Fazer do sentimento de saudade novas perspectivas de vida

pode ser fator desencadeante para a elaboração do luto normal.

Sobre esse assunto, passamos a refletir sobre luto normal e

patológico, também conhecido como luto complicado. Conforme Freud (1984,

p.108), algumas pessoas reagem de maneiras diferentes frente ao luto. Vejamos

o que afirma:

Freud definiu o luto como sendo uma reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante. Em algumas pessoas, as mesmas influências

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produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos que essas pessoas possuem uma disposição patológica13.

O conhecimento do processo do luto normal e patológico possibilita

uma maior compreensão das reações adversas, assim como de perdas objetais.

Para tanto, me apoio em Franco (2002) para compreendermos essa

diferenciação entre os dois tipos de luto apresentados pelo autor.

1.1.4 Luto normal e patológico

As reações apresentadas durante o processo do luto diferem de

pessoa para pessoa. Não se fala dessa ou daquela reação como certa ou

errada, positiva ou negativa. As reações podem, no entanto, serem

consideradas como características de luto normal ou patológico.

Muitas pessoas que vivenciaram lutos indagam se suas reações

diante do sofrimento são normais. As implicações que as reações trazem à sua

nova maneira de viver, agora sem o seu ente querido, refletem-se no dia a dia e

são perceptíveis nas várias alterações que provocam não somente na rotina,

mas no físico, no emocional, forma de conceber o sentido da existência.

Franco (2002) pontua que, de acordo com a American Psychiatric

Association, o luto normal não é considerado doença mental. No luto normal,

reações adversas diante do sofrimento são consideradas normais e mesmo

esperadas. Entre essas reações encontram-se quadros depressivos com alguns

sintomas como insônia, diminuição de apetite e perda de peso.

Apresento a seguir um quadro compilado por Franco (2002) que

exemplifica características importantes no processo de lutos normais e

patológicos:

13 Freud menciona a perda desconhecida que se produz na melancolia. Isso nos leva a

relacionar a melancolia com a perda do objeto que é subtraída a consciência. È um processo duplo pelo qual o indivíduo vai se constituir, a partir da perda do primeiro objeto.

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Quadro 1 - Diferenciação entre o luto normal e o luto patológico

LUTO NORMAL LUTO PATOLÓGICO

1) Identificação normal com o falecido. 1) Identificação excessiva e anormal com o falecido.

2) Pouca ambivalência para com o falecido.

2) Maior ambivalência e raiva inconsciente para com o falecido.

3) Choro; perda ou aumento de peso; libido diminuída; retraimento; insônia; hipersonia; irritabilidade; concentração e atenção diminuídas.

3) Similar ao luto, em relação a qualidade, mas com maior intensidade.

4) Idéias suicidas raras. 4) Idéias suicidas comuns.

5) Auto-imposição de culpa relacionada ao modo como o falecido foi tratado.

5) A auto-imposição de culpa é global.

6) Ausência de sentimentos globais de inutilidade.

6) A pessoa pensa ser inútil ou má em termos gerais.

7) Evoca empatia e solidariedade no médico.

7) Geralmente evoca aborrecimento e irritação médica.

8) Com o tempo, os sintomas cedem; autolimitados desaparecem de uma maneira geral em seis meses, podendo se estender até ao redor de dois anos.

8) Os sintomas não aliviam com o tempo, e podem piorar, podendo persistir por vários anos se não tratados.

9) Vulnerabilidade a doenças físicas e psíquicas.

9) Vulnerabilidade a doenças físicas e psíquicas.

10) Resposta a reasseguramento e contatos sociais.

10) Ausência de resposta a reasseguramento; afasta contatos sociais.

11) Não ajudado por medicamentos antidepressivos.

11) Ajudado por medicamentos antidepressivos.

Fonte: Dados apresentados por FRANCO, 2002, p. 136

O quadro acima apresenta características do luto normal e patológico

também conhecido como complicado. Como em outros tipos de luto por morte,

conhecê-las proporciona requisitos prévios que podem contribuir para uma

melhor compreensão do processo do luto no contexto escolar.

A proposta seguinte é refletirmos acerca da importância da educação

para a morte, consequentemente a presença do luto por morte na escola.

Em seus estudos, Kovács (2003) aborda a importância da educação

para a morte na escola, momento que possibilita conhecermos a parceria do

LEM- Laboratório de estudos da Morte, com a Escola de Aplicação da USP e

atividades sugeridas pelo Projeto Falando de Morte. Posteriormente, apresento

a experiência da educadora Carlyne Cardoso Paiva, e sua práxis em sala de

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aula, relato esse apresentado na I Jornada do Luto, organizada pelo LEM-USP

em maio de 2012.

1.2 A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO PARA A MORTE

Para Kovács (2003), é necessário pensar na ampliação do escopo da

educação para a morte numa sociedade em que a morte interdita se torna cada

vez mais presente.

A morte escancarada bate a nossa porta a cada dia, não escolhendo

gênero, idade, nível cultural ou econômico. Diversas e diferentes imagens

mostram a morte desencadeada por acontecimentos drásticos que resultam na

morte precoce de adolescentes e jovens. Mas, não podemos esquecer as

mortes ocorridas naturalmente e das pessoas que se encontram enfermas,

algumas em fase terminal. Considerando que “o avanço da medicina traz a

possibilidade de maior convívio com os processos de morrer, alguns com

intenso sofrimento tanto para familiares como para profissionais da área de

saúde e educação” (ibid., p.155), a reflexão sobre a temática de uma educação

para a morte ´torna-se relevante também no contexto escolar.

A importância de uma educação para a morte se torna um paradoxo:

o desejo talvez de ocultar a morte e adiar o processo de morrer, e a

necessidade de espaços de compartilhamento sobre o tema. Nesse sentido,

refletir sobre a morte com estudantes, sejam enlutados, e equipe técnica, torna-

se uma temática relevante. A partir dessas considerações, considero importante

a discussão do tema da morte na escola, assunto abordado a partir da proposta

significativa de Kovács (2003) e do Laboratório de Estudos sobre a Morte da

USP.

Atualmente, ainda que algumas escolas desenvolvam programas de

apoio a estudantes enlutados, ainda é um assunto considerando ausente do

cenário escolar e, infelizmente não é dada a importância que o tema sugere.

Provavelmente pela falta de preparo de professores, ou até mesmo a dificuldade

em lidar com essa temática, não somente na escola, como na vida de uma

maneira geral, alguns profissionais na escola não desenvolvem ações que

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contemplem abordagens que possibilitam apoio mediante situações em que a

morte, o luto e perdas estão presentes.

À titulo de exemplo dessa possível parceria, o LEM - Laboratório de

Estudos sobre a Morte - oferece parcerias entre a Universidade e escola.

Fundado em março de 2000, o Laboratório faz parte do Departamento de

Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). A

justificação para sua criação é a importância dos estudos sobre a morte e o

morrer. Kovács é a coordenadora do LEM e apresenta algumas propostas de

atividades oferecidas (op. cit., p. 156):

1- Oferecimento da disciplina “Psicologia da Morte” especialmente para professores ou convidados a frequentarem a regularmente, oferecida no Instituto de Psicologia da USP. 2- Criação de espaços de treinamento em serviço na própria escola, com módulos específicos como, por exemplo: comunicação com uma criança que sofreu a perda de pessoas significativas; integração de uma criança gravemente enferma nas atividades didáticas e de recreação; discussão e reflexão sobre comportamentos autodestrutivos e suicídio entre jovens, mortes de jovens em acidentes. 3- Oferecimento de assessoria contínua sobre aspectos como: a) Preparação de atividades pedagógicas para abordar o tema da morte na escola. b) Manejo dos educadores com crianças e adolescentes que estejam passando por situações de perda e luto. c) Proposição de bibliografia, específica ou correlata, para subsidiar a formação de professores. d) Apresentação, discussão e preparação dos professores para o uso dos DVDs do Projeto Falando de Morte: a criança e adolescente. Propor reflexão dos temas abordados e como poderão ser usados em atividades didáticas e regulares para esse fim.

Em sua descrição, Kovács (2003), apresenta outra iniciativa do LEM

que é a pesquisa na Escola de Aplicação da USP, via programa de Iniciação

Científica, utilizando-se da série de filmes do Projeto: Falando de Morte. O

projeto trata-se de recursos audiovisuais que possibilitam reflexão e abordagem

com a temática da morte especialmente aos públicos: infantil, adolescente e

idoso.

O Projeto tem como objetivos principais a produção de filmes com

roteiros e imagens que facilitem a sensibilização e a comunicação entre o tema

da morte; proporcionar que os filmes sejam instrumentos facilitadores para a

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discussão da temática da morte em diversos locais como escolas, hospitais,

domicílios (ibid., p. 133). O último DVD da série, lançado na I Jornada de Luto e

Morte, realizado na USP em maio de 2012, completa a série sobre a temática:

Falando de morte na escola. O filme é direcionado a estudantes que passam por

situações de perdas e luto. A proposta do LEM é para uma discussão sobre o

tema abordado, em que a opinião dos estudantes que assistiram ao filme, pode

ser o início de um diálogo, tendo o próprio filme como tema facilitador para a

comunicação.

Em palestra proferida na I Jornada do Luto em maio de 2012, a convite

do LEM- USP, a professora Carlyne Cardoso Paiva14 apresentou sua prática

pedagógica em abordagens sobre as temáticas do luto e morte e o apoio

essencial que a escola pode oferecer a alunos enlutados. Em entrevista

concedida15 a mim logo após sua palestra, relata sua experiência iniciada

aproximadamente 8 anos.

A ênfase em sua palestra ressalta sua experiência mais recente com

alunos do Ensino Fundamental I em uma escola da Grande São Paulo. À convite

da coordenadora da escola, Carlyne iniciou ações que possibilitaram reflexão e

apoio mediante ao luto. Na ocasião, o acontecimento do massacre em uma

escola em Realengo: “estavam todos muito abalados, se perguntando se aquilo

poderia acontecer na escola deles também”, conta a educadora. Essa situação

proporcionou o início da abordagem do tema da morte e luto entre estudantes e

educadora.

Carlyne foi a “escolhida” porque utiliza ferramentas de sua disciplina –

histórias e poemas – para trabalhar sobre morte e perda com os estudantes de

ensino fundamental II e médio. No caso do massacre de Realengo, pediu aos

alunos que falassem sobre o que estavam sentindo. As próprias crianças

propuseram fazer um minuto de silêncio em homenagem às vítimas, reunir-se

numa roda de orações (da qual só participou quem quis) e enviar cartas de apoio

14 Mestre em Teoria Literária, Universidade de São Paulo. Possui Bacharelado e Licenciatura em Letras, com habilitação em português, Universidade de São Paulo (2004). Atualmente é Profa. do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, na disciplina de Língua Portuguesa, pela Prefeitura Municipal de São Paulo. 15 ANEXO A - Entrevista com a professora Caryne Paiva.

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aos colegas do Rio. “A gente tem que legitimar a dor do enlutado em sala de aula

e ouvir o sentimento do aluno”, defende a professora.

Poucas semanas depois, a própria Carlyne experimentou o luto, com a

perda da mãe. Foi então que seus alunos do sexto ano (crianças de 10/11 anos)

proporcionaram o acolhimento à sua dor: entregaram-lhe cartas e cartões com

mensagens do tipo “pera aí, você ainda tem a gente pra cuidar!”; deram-lhe um

banner com a foto da turma e fizeram ainda uma festinha em sala de aula porque

não queriam ver a professora triste. “Adultos não fariam isso. Os abraços de

muitos adultos foram uma formalidade, mas aquilo que as crianças fizeram veio

do coração. Foi o melhor presente que alguém já me deu”, diz Carlyne: “vale a

pena falar sobre o tema na escola, até para que as crianças desenvolvam

condições de lidar com a morte – um fato natural e inescapável da vida – de

forma mais saudável”.

Essa experiência confirma a importância da abordagem da temática da

morte, o apoio em situações de enfrentamento do luto, e no caso específico da

professora, o apoio pela perda de sua mãe foi primordial na sua dor, como já

citado anteriormente, sendo essa ação o melhor presente. O desafio maior da

equipe escolar talvez seja o enfrentamento de desafios inerentes à própria vida, a

morte. Explorar recursos didáticos e pedagógicos que proporcionem a abordagem

é a proposta que proponho a seguir.

1.3 FALANDO DE MORTE NA ESCOLA

Nas reflexões feitas até agora, vimos conceitos fundamentais sobre a

morte e o luto que possibilitam clarificar o processo desencadeador presente no

luto. Também refletimos sobre a importância da educação para a morte, tema

desafiador para educadores em abordagens com estudantes na escola.

Proponho a seguir a abordagem da literatura infantil como recurso possível de

ser utilizado em situações do enfrentamento da morte e seus desdobramentos.

Paiva (2011) apresenta a literatura infantil como recurso para abordar

a morte com crianças e educadores. A autora parte do pressuposto de que o

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luto infantil não pode ser desconsiderado, faz parte da vivência da criança,

consequentemente, também é vivenciado no contexto escolar.

Em entrevista a jornalista Isabela Nóbrega16, a educadora Lucélia,

afirma que “podemos falar da morte com as crianças desde sempre. Não

devemos excluir o tema da morte de nossa vida”. Reconhecendo como um tema

difícil de ser abordado por alguns educadores, sugere que se fale com

naturalidade, com amor e humor, explicando que faz parte do ciclo da vida.

Indica também o uso da literatura infantil como recurso nas abordagens da

temática da morte também com estudantes e educadores.

Atualmente o número de crianças que passam a maior parte do dia

nas escolas aumentou consideravelmente devido aos horários de trabalhos dos

pais ou responsáveis, que exercem papel profissional e social que requerem

cada vez mais tempo fora do lar. Paiva (2011) reflete sobre a importância da

escola lidar com novas descobertas e aprendizados, entre eles, o luto, que faz

parte da história dos estudantes. “A escola não pode ignorar tal fato, ela ocupa

um espaço importante e significativo na vida da criança, e de estudantes de um

modo geral” (ibid., p. 52). Ao fundamentar sua reflexão, a autora se pauta em

Pavoni:

educar é formar e informar. Isso significa que temos que habilitar as crianças a viverem neste mundo felizes, sem conflitos, de maneira a não se desestruturarem. Isso implica que a educação deverá atender a criança nas suas características presentes [...] (1989, p. 54).

Essa afirmativa reforça que cabe a escola também construir caminhos

novos com alunos enlutados, pois reencontrar o sentido da vida é um desafio

em situações de perdas e luto. Se no processo do luto não houver apoio

necessário, certamente o luto se tornará patológico, assunto esse apresentado

anteriormente. Reconstruir e resignificar o sentido da vida mediante ao luto, a

dor, a perda, também faz parte da vivência escolar.

Conforme a proposta de Paiva (2011) podemos considerar a literatura

infantil um caminho que oferece reflexão, aprendizado, indagações e até mesmo

16 Entrevista concedida para Revista Construir Notícias, p.5.

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respostas que abarcam a morte, o morrer, a dor, a luta no luto. Nesse sentido,

passamos a refletir o uso da literatura como recurso na abordagem da temática

sobre a morte, e luto. Entre alguns autores destaco: Bettelheim (2002), Brenman

(2005) e Radino (2003), para eles, o uso da literatura infantil é fundamental para

a comunicação de diversos assuntos.

A importância dos contos de fadas para o desenvolvimento cognitivo e

emocional das crianças foi defendida por um dos maiores psicólogos infantis,

Bruno Bettelheim17 em seu livro A psicanálise dos contos de fadas (16 ed., 2002)

aborda a importância dos contos de fadas e da literatura infantil como recursos

que podem auxiliar na compreensão de problemas interiores dos seres humanos

e soluções corretas nos “predicamentos em qualquer sociedade [...] (p.13)”.

Afirma que por ser a vida frequentemente desconcertante para a criança “ela

precisa ter a possiblidade de se entender neste mundo complexo com o qual vai

aprender a lidar [...]. Para ser bem sucedida neste aspecto, a criança deve

receber ajuda para que possa dar algum sentido coerente ao seu turbilhão de

sentimentos” (p.13) Nesse sentido, Bettelheim afirma que a criança encontra nos

contos de fada e literatura, a busca de significado, do sentido da vida, “[...]

através deles, podemos aprender mais sobre os problemas interiores dos seres

humanos” (ibid., p.13).

A criança passa por diversas situações conflitantes e

desconcertantes, que podem ser trabalhadas através dos contos de fadas, e da

literatura infantil. Conforme Bettelheim (2002, p.14), “o sentido mais profundo

dos contos de fadas para as crianças começam onde a criança se encontra no

seu ser psicológico e emocional. Os contos são capazes de “falar” com a criança

com suas pressões internas de um modo que ela inconscientemente

compreenda e desta maneira, encontre nos contos soluções tanto temporárias

quanto permanentes para possíveis dificuldades”.

Um aspecto importante na afirmativa de Brenman (2005) e que vai ao

encontro à reflexão de Bettelheim (2002), é a importância da interação entre

educadores e alunos. Brenman (2005, p.123.) menciona a roda de conversa

como espaço de encontro, pois nesta, “a criança ouve atentamente as histórias

e tira delas seu próprio aprendizado”. Para ele, ao ouvir histórias, a criança entra

17 Nasceu na Áustria em 1903 e morreu nos Estados Unidos em 1990.

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em outro mundo, “o mundo da imaginação, que é atemporal”. Talvez esse seja

um desafio para alguns educadores, suscitar a imaginação do aluno. O recurso

da metáfora pode proporcionar tal prática, facilitando assim o entendimento de

temas considerados difíceis como a morte, a perda. No próximo subtema,

apresentamos um conto de Guimarães Rosa, que exemplifica nossa

argumentação.

Para Radino (2003), a imaginação da criança pode ser motivada a

partir do momento que é estimulada a ler. Ao imaginar o que lê, é estimulada a

ler melhor. Ao adquirir tal hábito, busca na leitura a possível solução de

problemas, o que para Brenman (2005) e Bettelheim (2002), nas palavras de

Lucélia Paiva, fica destituído, quando o que se lê não acrescenta nada de

importante à vida. Lucélia Paiva ao citar Bettelheim, reafirma que não há idade

específica para se utilizar a literatura infantil. “A história se faz na vida de cada

um. Cada um se faz na história18”. A importância da literatura infantil como

recurso para abordar a temática da morte torna-se significativa, pois possibilita

uma comunicação aberta com o estudante e oportuniza o diálogo de uma forma

natural. Para ela, as perguntas surgem de acordo com as dúvidas. Conforme

Cagneti e Zotz (1986), “a leitura é fonte inesgotável de assuntos para melhor

compreender a si e o mundo”, (Paiva 2011, p.75). Dessa maneira, a interação

de estudantes com a história, e com o próprio educador pode ser um momento

facilitador na abordagem da temática sobre a morte.

Histórias podem tocar, sensibilizar, comover pessoas que enfrentam o

luto. Cabe ao educador fazer com que essa realidade se torne possível. Sua

vocação possibilita que esses atos sejam possíveis mediante também a temática

da morte e do luto. Como nos afirma Rubem Alves (1984) “professor é profissão,

não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é

profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma

esperança” (p.11). Como educadores somos chamados diariamente à ação

“humanizadora do ser”, e essa ação pode também ser realizada no

enfrentamento do luto, ao apoio a estudantes enlutados.

Reencontrar o sentido da vida mediante situações de morte, dor,

perdas e luto, pode ser um caminho percorrido através do imaginário possível

18 Palestra proferida no dia 08/05/2012, na Associação Viva e Deixe Viver.

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que as histórias proporcionam. Abramovjch (1999) concebe que o uso de

história nos leva a:

[...] suscitar o imaginário, ter a curiosidade respondida em relação a tantas perguntas, encontrar ideias para solucionar questão...É uma possibilidade de descobrir o mundo imenso dos conflitos, dos impasses, das soluções que todos nós vivemos e atravessamos – dum jeito ou de outro – através dos problemas que serão defrontados, enfrentados (ou não), resolvidos (ou não) pelas personagens de cada história (cada um a seu modo)...E cada vez ir se identificando com outra personagem (cada qual no momento que corresponde àquele vivido pela criança), e assim esclarecer melhor as próprias dificuldades ou encontrar um caminho para a resolução delas... É ouvindo histórias que também se pode sentir emoções importantes, como tristeza, raiva, irritação, bem-estar, medo, alegria, pavor, insegurança, tranquilidade e tantas outras mais, e viver profundamente tudo o que as narrativas provocam em quem as ouve. Ouvir, sentir e enxergar com os olhos do imaginário! (p.17).

A literatura infantil é um recurso significativo para abordagens do

tema sobre a morte na escola e pode ser oferecido com leituras, dramatizações,

e outros recursos que podem ser explorados proporcionando que o imaginário

dos estudantes seja uma forma de compreensão de situações vivenciadas, no

caso, enfrentamentos que a vida de uma forma ou de outra proporciona, ou em

situações como a morte, por exemplo.

A seguir, apresento o conto Fita verde no cabelo: a velha nova

história19, de Guimarães Rosa, como recurso, para abordagem de situações que

envolvam morte, luto, dor, perdas. Esse conto inicialmente pode ser uma

maneira para abordar talvez a própria dificuldade da equipe escolar,

(professores, coordenadores e diretores) em relação à temática da morte. Lidar

inicialmente com as próprias dificuldades pode facilitar lidar com a dor do outro.

A compreensão do processo do luto presente no conto pode proporcionar

ressignificações e novas abordagens sobre o processo de morrer, e de

enfrentamentos diante à morte e luto.

19 Fita verde no cabelo: a velha nova escola. Disponível em:

http://amorecultura.vilabol.uol.com.br/fitaverd.htm . Acesso em 05/05/12 às 23h15

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FITA VERDE NO CABELO: NOVA VELHA HISTÓRIA

Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos

e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e

meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma

meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita

inventada no cabelo. Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a

amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita - Verde partiu, sobre logo, ela

a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava

vazio, que para buscar framboesas. Daí, que, indo no atravessar o bosque, viu só

os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido, nem

peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então ela, mesma, era

quem dizia: "Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a

mamãe me mandou". A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele

moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.

E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo e não o

outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe

correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com

inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se

cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a

gente tanto passa por elas passa. Vinha sobejadamente. Demorou, para dar com

a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu: -

"Quem é?" - "Sou eu..." - e Fita Verde descansou a voz. - "Sou sua linda netinha,

com cesto e com pote, com a Fita Verde no cabelo, que a mamãe me mandou."

Vai, a avó difícil, disse: - "Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus a

abençoe." Fita Verde assim fez, e entrou e olhou. A avó estava na cama,

rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado

um ruim defluxo. Dizendo: - "Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de

mim, enquanto é tempo." Mas agora Fita Verde se espantava, além de

entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo

atada; e estava suada, com enorme fome de almoço.

Ela perguntou: - "Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que

mãos tão trementes!" - "É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha

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neta...." - a avó murmurou. - "Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados". - "É

porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta..." - a avó suspirou. -

"Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?" -

"É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha...." - a avó ainda

gemeu. Fita Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.

Gritou: - "Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!..." Mas a avó não estava mais lá,

sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.

1.3.1 O uso da literatura infantil no enfrentamento da morte: uma

Possibilidade

Como se trata de um assunto complexo, o uso da metáfora como

recurso utilizado na literatura infantil, pode ser instrumento facilitador para

abordagens da temática da morte.

Paiva (2011), ao abordar os recursos literários como contribuições

significativas em temáticas sobre luto, morte e perdas no contexto escolar

(AMARAL, 1992; ALMEIDA, 2006) enfatiza que há várias modalidades de textos

possíveis de serem trabalhadas na literatura infantil: contos de fadas, fábulas,

contos maravilhosos lendas, biografias, momentos históricos romanceados,

documentários e textos narrativos. A escolha do conto de Guimarães Rosa para

suscitar nossa reflexão, se faz pela riqueza da mensagem metafórica, e também

pela genialidade com que o autor constrói a história.

O conto apresenta uma “meninazinha”, que a pedido de sua mãe, sai

para uma visita à sua avó. Leva consigo uns quitutes, para compor com

framboesas apanhadas no caminho. A menina é conhecida como Fita Verde, por

estar sempre com fitas dessa cor no cabelo. Escolhe o próprio caminho para

chegar a casa da vovó, não considerando os cuidados de sua mãe: “E ela

mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o

outro, encurtoso”.

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Não encontra com o lobo pelo caminho, exterminado provavelmente

pelos lenhadores na floresta. Na casa da avó, se depara com uma situação

talvez conflitante, para ela.

Conforme Nerynei Bellini20 (2012), “A obra Fita verde no cabelo: nova

velha estória, de Guimarães Rosa, como o título prenuncia recupera uma velha

história, ou seja, a de Chapeuzinho Vermelho21, e apresenta uma nova história,

pois renova a linguagem e as soluções temáticas diferentemente do conto

clássico. Pode-se dizer que ocorre um “movimento pendular” de aproximação e

afastamento da história de Rosa em relação à tradicional, (afirma Nerynei

Bellini). Por isso, sob a forma do mágico e do maravilhoso traz o mito da

inocência e da morte, vigente nas entrelinhas da história Chapeuzinho

Vermelho, e propõe-lhe ressignificações. Isto porque, no conto de fadas há uma

solução feliz para a morte, pois, Chapeuzinho e a vovó são retiradas vivas da

barriga do lobo. Em Fita verde, a menina visualiza e presencia a morte, na figura

moribunda da avó, fato que lhe gera solidão e angústia. Entrar em contato com

situações de morte podem trazer momentos em que o inesperado se faz

presente.

Nerynei (2012) apresenta o conto como provavelmente a primeira e

intensa experiência traumática da menina, isto é, presenciar a morte da avó

moribunda. Isto na ótica da menina:

Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.” E ela se depara com seu aspecto desgastado e mórbido: “(...) rebuçada e só. Falar agagado e fraco e rouco”, “braços tão magros, mãos trementes”; “ a avó murmurou”; “lábios arroxeados”; “olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido (op. cit).

O diálogo travado entre a menina e a avó traduz a presença iminente

da morte:

20 Professora

da Universidade Estadual do Norte do Paraná, Centro de Letras, Comunicação e

Artes, de Jacarezinho. Tem experiência na área de Língua Espanhola, Leitura e Produção de Textos e Literatura Comparada, com ênfase em Letras e Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: projeto, atividades, publicações, literatura comparada, literatura brasileira, língua espanhola, teoria literária, modernidade, leitura, linguagens, língua portuguesa. 21

Autoria dos Irmãos Grimm.

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-Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes! -É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta... – a avó murmurou. -Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados! -É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta... -a avó suspirou. -Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido? -É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha... a avó gemeu. Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez. Gritou: - Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!...(op. cit)

A fisionomia moribunda da avó, a proximidade da morte, o tempo se

esvaindo e a tentativa de estarem juntas no pouco momento que lhes restava,

verifica-se nas palavras que ela diz à neta: “vem para perto de mim, enquanto é

tempo” (op. cit).

Depois dessa visão, desses fatos, a menina percebe que perdeu a fita

verde do cabelo, perdeu a ingenuidade, a inocência diante dos reveses da vida,

perdeu a esperança diante da morte, mas ganhou experiência e maturidade.

Tem-se aqui o valor do conto de fadas, ou seja, levar o leitor seja ele infante,

púbere, jovem ou adulto a se deparar com os entraves da vida, como a perda de

alguém.

O narrador diz que a menina parece ter juízo pela primeira vez,

quando diz: “Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!” (op. cit)

O lobo simboliza a morte presente e premente na vida de Fita-Verde.

O conto termina com a ausência da avó e a menina sozinha diante de

um corpo frio e sem vida. Tristeza e desilusão encerram a narrativa. A garota

tem que encarar seus medos e, com isso, atinge a maturidade.

Apresento a seguir uma breve reflexão sobre a questão humanizadora

da literatura infantil sob a ótica de Paiva (2011). Importante ressaltar que a

função humanizadora pode ser compreendida como aquela que vem de

encontro com as contribuições possíveis de serem construídas a partir da

história do aluno.

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1.3.2 A Função humanizadora da literatura infantil

Histórias fazem parte da vida da maioria das pessoas. Com elas

podemos abrir as portas da imaginação, descobrir novos mundos, solucionar até

mesmo problemas que às vezes não conseguimos lidar em nossos dilemas.

Histórias agradam não somente crianças, jovens, mas pessoas de qualquer

idade. Conforme Brenman histórias proporcionam “força, poesia, simplicidade

complexa, imagens e força criadora de novas palavras para velhos sentimentos”

(2003, p.125). Bettelheim (2002), afirma histórias é um recurso que favorece o

relacionamento interpessoal, fortalecendo vínculos, formando uma cumplicidade.

Nesse sentido, concebemos que a literatura infantil é uma ferramenta

fundamental para a pedagogia e para o tratamento terapêutico.

Segundo Paiva (2011, p. 78) “algumas escolas já priorizam a hora do

conto como um momento especial no dia da criança, contribuindo para o

desenvolvimento dos pequenos e lhes dando oportunidade de transitar por este

universo mágico”. Essa afirmativa da educadora enfatiza a importância da

literatura infantil no contexto escolar. Ela, a literatura, possibilita o

desenvolvimento da linguagem, da escrita, da organização de pensamentos, da

ampliação do vocabulário da imaginação e da concentração.

As histórias têm o poder terapêutico, pois ajudam emocionalmente as

crianças a enfrentarem suas dificuldades psicológicas. A criança identifica o seu

mundo real com o mundo mágico da literatura ocorrendo um vínculo que

possibilita a resolução dos conflitos internos. Tal consequência positiva que a

historia proporciona na vida da criança nos remete a importância de uma

literatura prazerosa.

A leitura deve ser prazerosa e para cada pessoa a história poderá ter

um sentido diferente. Cada história pode ser entendida e vivenciada de

maneiras diferentes. E a literatura, sendo prazerosa, adquire-se o hábito pela

leitura.

O ouvir histórias desenvolve a capacidade de escutar, o que em

tempos modernos tem sido prejudicado pela falta de comunicação entre as

pessoas e o ouvir permite entrar no mundo da imaginação.

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O tema morte aparece em várias histórias sendo instrumento

importante para a formação da criança. Este tema pode trazer um sentimento de

tristeza, de dor e de perda que muitas vezes é um assunto desconhecido, mas

quando abordado nas histórias as crianças pedem para recontar outras vezes.

Nos estudos de Paiva (2011) a importância da literatura infantil como

recurso em abordagens na temática da morte são considerações relevantes e

que precisam ser conhecidas e praticadas por aqueles que desejam oferecer

suporte, consolo, ajuda a pessoas enlutadas.

Concordo plenamente com Paiva (2011, p.81) quando afirma que “a

literatura só tem valor quando o que se lê acrescenta algo de importante na vida

do leitor”. Ainda afirma que “a riqueza em se trabalhar com histórias é poder

entrar na brincadeira “do faz de conta”.

Com os argumentos apresentados, o convite é para mergulharmos no

mundo mágico da literatura infantil e construirmos uma relação humanizadora

com nossos alunos. O suporte em situações que envolvam a morte e o luto pode

ser um caminho possível de ser trilhado.

Finalizando esse item do trabalho, apresento a seguir, alguns dados

do cenário da morte de jovens no Brasil. Para que eu pudesse conhecer um

pouco da realidade da presença da morte nas escolas, recorri a noticiários e

documentários. Infelizmente foram inúmeros casos sobre tragédias em escolas.

Por ter o conhecimento de que a repercussão do fato ocorrido em Realengo, no

Rio de Janeiro, na escola Tasso da Silveira possibilitou o início da abordagem

sobre o tema da morte com os alunos da profª Caryne, considerei pertinente

registrar esse lamentável episódio, pois a temática da morte de estudantes e

consequentemente o luto, se faz presente.

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1.4. O CENÁRIO DA MORTE NO BRASIL

Provavelmente algumas citações, entre elas o índice de mortalidade

no Brasil, não poderão ser conhecidas por alguns jovens estudantes devido

infelizmente ao fato de fazer parte dessa estatística. O que podemos entender

como a morte invertida, pois, não se espera a morte precoce de jovens. Por

mais relutantes ao tema, a morte é uma realidade na vida de cada indivíduo,

alguns de nós, concebemos que deveria ter um momento certo. Dificilmente

aceitamos que a morte de jovens pode tornar-se uma realidade possível e

presente, tornando-se tão próxima, principalmente quando perdemos alguém.

Não pretendo investigar todos os tópicos que compõem o cenário da

morte no Brasil, mas registrar alguns dados coletados pelo IBGE - Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística - que nos aponta índices lamentavelmente

significativos.

Conforme dados do (IBGE), 201022 aponta que o índice de mortes

entre jovens na faixa dos 15 a 24 anos por causas externas chega a 67%. A

região sudeste do país lidera com 91,9%. De acordo com o IBGE, o indicador

“Taxa de Mortalidade por Causas Externas” apresenta-se dividido segundo os

principais tipos de acidentes e violências, entre elas destaco: Taxa de

mortalidade por Agressões e Intervenções legais, (homicídio); Taxa de

mortalidade por Lesões Autoinfligidas (suicídios); Taxa de mortalidade por

demais causas externas; e Taxa de mortalidade por lesões onde se ignora se

foram acidental ou intencionalmente infligidas.

Diariamente, seja por noticiários ou in loco, constatamos casos em

que estudantes de diferentes idades estão envolvidos com essas causas

externas. Infelizmente mortes estão cada vez mais presentes dentro da escola.

Estudantes portando armas dentro da escola, e o crescimento do uso e tráfico

de drogas. Desta maneira a violência se faz cada vez mais presente no

cotidiano de jovens estudantes. Devemos considerar também, a morte

silenciosa, isso é: a morte não divulgada em índices, como morte naturais de

22 Disponível em: seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?...mortalidade...jovens. Acesso em

15/06/2012 às 22h40.

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estudantes, e também causas diversas como enfermidades, as mortes que não

envolvem a violência, também se faz presente no dia a dia da escola. Um

aspecto importante mediante essa situação é lembrarmos que o luto estará

presente entre os que conviviam com aquele que partiu. Nesse sentido, o apoio

aos enlutados pode se tornar uma ação na escola.

Nesse sentido, apresento, o fato ocorrido na escola municipal Tasso

da Silveira, em Realengo - RJ, considerado a maior tragédia em escolas da

América Latina. Justifico a escolha devido à necessidade e importância da

escola estar atenta às situações inesperadas. Conforme pesquisa em

noticiários23, a escola tornou-se modelo de superação. As informações a seguir

foram pesquisas em documentários e revistas. Apresento a seguir uma síntese a

partir desses dados.

Na manhã do dia 7 de abril de 2011, um jovem de 23 anos chegou à

escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo no Rio de Janeiro, e fez com

que o Brasil entrasse, infelizmente, para a história de países que contabilizam

massacres de estudantes nas escolas, seguido de suicídio. Munido de armas e

muita munição, o ex-estudante desta escola, matou 12 crianças, sendo 10

meninas e feriu gravemente outros 12 alunos, entre meninos e meninas. Uma

aluna sobrevivente relatou que o atirador parecia ter a pretensão de apenas

machucar os meninos, atirando nas pernas e braços, já as meninas, levavam

tiros na cabeça, indicio de desejo de matá-las mesmo. Por ocasião de o fato ter

ocorrido há um ano, o programa “A Liga”, da Rede Bandeirantes de televisão,

apresentou no dia 10 de abril de 2012, uma reportagem completa sobre o

trágico acidente24. A data do dia 7 de abril de 2012 foi marcada por um dia

tenebroso principalmente às famílias das crianças que tiveram suas vidas

ceifadas de uma maneira brutal e desumana. O franco atirador, um jovem com a

aparência como de outro de sua idade, entrou livremente na escola e disparou

conforme relato mais de 100 tiros a queima-roupa, até ser detido por um policial.

O suicídio já era algo premeditado, conforme o assassino já havia escrito em

23 Jornal “O Estado de São Paulo” – Cidades/Metrópole – C6, 01/04/2012– “Escola de Realengo ensina superação”. 24 Programa apresentado no dia 10/04/2012 às 23h30 na Rede Bandeirantes. Documentário completo no site http:/youtube.com/watch?v=2j3noWfSVrA. Acesso em 14/04/2012 às 18h45.

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cartas, momento também que expressa sua revolta por ter sofrido bullying e

desprezo por parte de seus colegas da Tasso da Silveira.

Após um ano do fato, a escola já pode ser considerada como modelo

de superação. Reformas no prédio, ações para a segurança, como identificação

para entrar na escola, porteiro e a Guarda Municipal presente constantemente

na escola, apoio psicológico aos alunos e funcionários da escola, estendido

também aos familiares dos alunos mortos são estratégias realizadas como

suporte ao luto coletivo. Por se tratar de uma escola pública, essas ações

consideradas normais talvez em escolas privadas, estão possibilitando o

recomeço em meio a dor. O diálogo travado entre profissionais da área de

saúde e pessoas que já passaram por situações de perdas e lutos por morte,

também possibilitam o apoio aos enlutados. Outra prática realizada na escola

são oficinas direcionadas a apoio que possibilitam a expressão de um recomeço

de vida coletivo.

O caminho até aqui trilhado procurou mostrar que a temática do luto

por morte se torna muito importante no contexto escolar, pois são situações

desafiadoras não somente para a equipe escolar, como para os próprios alunos

enlutados que podem apresentar dificuldades em agir ou reagir mediante a dor.

Em um primeiro momento, vimos conceitos pontuais sobre luto, perdas, seguido

de algumas abordagens de como trabalhar com a temática na escola.

No próximo capítulo apresento o relato dos caminhos percorridos para

a realização da pesquisa empírica; a não entrevista, conteúdo que proporciona

reflexão acerca do desafio da abordagem do tema na escola; o perfil dos

entrevistados, que participaram da primeira etapa da pesquisa respondendo o

questionário estruturado. Através dos dados respondidos, criei as tabelas que

possibilitam conhecer opiniões acerca da importância da educação para a

morte, na escola.

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CAPÍTULO 2 - LUTO NA ESCOLA: OPINIÃO DE PROFESSORES,

COORDENADORES E DIRETORES

Esse capítulo apresenta os caminhos que percorridos para o

desenvolvimento da pesquisa de campo que teve como objetivo conhecer o

significado da perda por morte para professores, coordenadores e diretores suas

dificuldades em lidar com situações com o luto e morte, presentes também na

escola. Justifico a escolha do campo, apresentando os sujeitos que participaram

do processo da pesquisa. Também apresento a “não entrevista”, momento que

proporcionou uma reflexão acerca de ações inesperadas durante o processo de

investigação.

2.1 O CAMINHO DA PESQUISA E O MATERIAL COLETADO

Um dos procedimentos realizados primeiramente para dar início à

pesquisa foi o aparato ético que busquei juntamente ao Comitê de Ética da

Universidade Metodista de São Paulo em agosto de 2011. Após aprovação25 do

projeto de pesquisa, iniciei os contatos com as escolas26. Já havíamos decidido

anteriormente, que faríamos a pesquisa de campo em três escolas públicas da

Grande São Paulo. A primeira escola pública que chamamos de “A” foi uma

indicação de uma mestranda. Ao conhecer a temática da pesquisa, sugeriu

entrar em contato com a diretora da escola, que já havia vivenciado situações de

morte, luto e violência nessa mesma escola e que sinalizara falta de apoio

nessas situações. Juntamente com minha orientadora, decidimos que seria uma

investigação pertinente a nossa inquietação. O critério da escolha da escola, “B”

se deu por estar inserida em uma região considerada alguns anos atrás como

uma das mais violentas na cidade de São Paulo. Localizada em um bairro com

mais de 100 mil habitantes, a maior favela da capital paulista, traz juntamente

25 Parecer deliberado e aprovado sobre o número 01000 0 214 214-11.

26 Os nomes das escolas são fictícios, para manter o sigilo da identidade das mesmas.

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com essa referida escola, um histórico trágico de morte de estudantes. A

comunidade tem participado de projetos sociais oferecidos pelo município com o

apoio do governo federal e algumas organizações não governamentais, porém,

o índice de violência ainda é significante. A escolha da escola “C” foi uma

sugestão minha mesma pelo fato de estar localizada bem próxima a minha

residência. Provavelmente esse critério ingênuo da escolha da escola, resultou

em inquietação, pois, não foi possível a realização da pesquisa na escola “C”.

No subtítulo a não entrevista, apresento com maiores detalhes essa trajetória.

Apresentam contextos socioeconômicos e culturais semelhantes.

Para nossa surpresa, no segundo contato com os diretores das escolas “A” e

“B”, ouvimos os relatos da trajetória de acontecimentos que marcaram a vida de

alguns alunos, profissionais, e da comunidade do bairro onde a escola está

inserida. Logo de início solicitei autorização para registrar tais fatos. Optei por

manter a narrativa integral desses relatos que apresentam detalhes importantes

que compõem esclarecimentos algumas vezes não expressos na entrevista de

aprofundamento que realizei momentos diferentes a estes. A diretora da escola

“A” apresentou o relato da morte de dois alunos-irmãos que foram esquartejados

pelo pai e madrasta27. O relato do diretor da escola “B”28 também apresentou

pontuações importantes para a compreensão de toda a situação vivenciada na

escola a partir da morte de uma aluna muito participativa e admirada por todos,

como revela sua fala na entrevista. No mesmo dia em que ouvi o relato do

diretor da escola “B”, praticamente fui cercada por uma funcionária que se

encontrava na secretaria da escola que ao ter conhecimento da pesquisa,

solicitou me insistentemente que fosse entrevistada, pois, vivia situações de luto

pela perda de seu esposo e se sentia “deixada de lado, esquecida”. Atendi o

exigente pedido feito e após apresentar o Termo Livre de Consentimento para a

realização da entrevista, iniciei o que tanto a professora almejava: alguém que

lhe escutasse. Esta vivência na pesquisa me fez remeter ao que afirma

Demartini (2001): o processo de pesquisa é sempre muito complexo, envolvendo

descobertas e impasses. Através da manifestação espontânea dessa

27 ANEXO C. Em uma conversa informal, a diretora apresentou detalhadamente o ocorrido. Esse

momento não foi gravado. Em um segundo momento, a diretora apresentou o mesmo relato, porém de uma forma sucinta. 28

Os nomes das pessoas foram mudados para preservar a identidade das mesmas.

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professora, estava à frente de um dilema que não envolve apenas alunos

enlutados, mas também funcionários da escola. Percebi que as informações

expressas permitiriam um novo olhar em relação à investigação proposta; uma

nova realidade. Essas observações permitiram também construir a análise de

conteúdo a partir das questões apresentadas pelo diretor no tema: dificuldades e

facilidades em lidar com o luto na escola.

Apresento a seguir os procedimentos realizados na escola “C”. A não

entrevista, com o diálogo inexpressível travado com a diretora, algo talvez

inusitado, poderia se tornar se um novo problema de investigação.

2.1.1 A não entrevista

A escolha da escola “C”, se deu pelo fato da escola se localizar

relativamente perto da minha residência. Ingenuamente acreditei que os trâmites

para a realização da pesquisa poderiam ser fáceis, assim como o deslocamento,

pois, para a escola “B” a distância de mais de 60km mais o trânsito para

atravessar toda a cidade, foi um percurso desafiador. Os primeiros contatos com

a escola “C” foram extremamente difíceis. Desloquei-me várias vezes para o

estabelecimento escolar sem sucesso de ser atendida. Alguns contatos por

telefone também expressaram a mesma dificuldade em me receber. Em

novembro consegui me reunir com o coordenador pedagógico que se prontificou

a entregar os 20 questionários aos profissionais da escola. No mês de dezembro

de 2011, foi marcado várias datas para a devolutiva dos questionários

respondidos, porém sem nenhum sucesso. Finalmente foi marcado um horário

com a diretora, que foi relutante em me receber. Como já era de seu

conhecimento e já havia autorizado a pesquisa, me surpreendeu com seu

argumento: “- Aqui não temos tempo pra isso, temos muitas outras coisas pra

fazer! A morte fica só do lado de fora da escola. Eles morrem é lá na rodovia.

Sempre tem um dos nossos lá”.

Admirada por tal argumento, agradeci a atenção e saí sem saber

primeiramente que rumo retomar. A diretora mencionou que eu poderia tentar

recolher os questionários agendando com o coordenador. Insisti por três vezes

sem nenhum êxito. Importante ressaltar que a escola se situa apenas alguns

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metros de uma importante rodovia federal. Não há passarelas próximo à

rodovia, nem tão pouco um posto policial nas proximidades.

Essa fala da não entrevista me inquietou: a direção concebe a morte

como um caso isolado? Como podemos entender a concepção da diretora em

relação à humanização que deveria estar presente na escola? Como a escola

poderia evitar a morte precoce de seus alunos que são vítimas de acidentes na

rodovia? Não poderia juntamente com a comunidade ou autoridades

competentes efetivar ações para o trágico problema dos acidentes ocorridos na

rodovia? Como tratar do luto, sem entender que a morte precoce poderia ser

evitada entre seus alunos? Temas como morte e violência são excluídos da

educação de crianças e jovens? Há uma tentativa de apagamento da morte?

Como os alunos reagem a indiferença da escola em relação à morte de seus

colegas?

Seria o caso do indizível como nos pontua Queiroz (2003): a experiência

do indizível se procura traduzir em vocábulos. O sentido da narrativa oral desta

professora estaria interligado a sua própria experiência e dificuldade em lidar

com o tema da morte?

Um tanto frustrada e sem saber o caminho a percorrer, fui acalentada,

mais uma vez, pelas sábias palavras que minuciosamente li algumas vezes,

compreendendo, assim, o caminho percorrido na pesquisa.

O processo da pesquisa é sempre muito complexo, envolvendo descobertas e impasses que devem ser analisados; coloca os pesquisadores sempre em situação de incerteza mais que em condições de trilhar caminhos previamente definidos (DEMARTINI, 2001, p.51).

As palavras de Demartini pareciam soar ao meu ouvido como um

incentivo na incerteza. Compreendi assim, que a incerteza traduz a persistência.

Dessa maneira a pesquisa seria realizada apenas nas duas escolas já

contatadas anteriormente.

O desejo em tornar a “fala” da diretora da escola “C”, em estudo de caso

como objeto de investigação estava evidente. Porém, quem sabe, para a

continuidade em estudos futuros.

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2.2 A PESQUISA EM DUAS ESCOLAS

Na primeira etapa da pesquisa, na escola “A”, entreguei a carta de

apresentação29 e os 20 questionários30 estruturado contendo 16 questões

abertas e fechadas sobre os cuidados da diretora que se prontificou a entrega-

los aos interessados. No dia marcado para a devolução, o que ocorreu somente

uma semana após, recebi, o total de 10 questionários. Ingenuamente esperava a

entrega total, mas entendi que para o caminho da pesquisa, esse número

poderia ser considerado expressivo. Na escola “B”, o contato inicial foi com o

diretor que se interessou muito pela pesquisa, relatando todo trabalho realizado

na escola a partir do número de mortes ocorridas no bairro, e nas imediações da

escola, e também mortes de familiares dos alunos. Após esse primeiro contato,

me encaminhou para coordenadora pedagógica. Em um segundo momento, a

pedido da coordenadora foi apresentado na reunião pedagógica, a proposta e os

objetivos da pesquisa, juntamente com a carta de apresentação e o questionário

estruturado Prontamente, 20 profissionais manifestaram o desejo de participar

da pesquisa.

No dia seguinte, data agendada para a retirada dos questionários,

recebi apenas 13. A ansiedade em receber todos os questionários ainda estava

presente, uma frustração que considerei ingênua também.

Na segunda etapa da pesquisa, as entrevistas de aprofundamento

foram realizadas com 10 sujeitos que participaram da primeira etapa

respondendo o questionário estruturado, sendo 5 de casa escola. Na escola “A”,

contamos com a participação de 3 professoras, a coordenadora e a diretora. Na

escola “B” os entrevistados foram 4 professoras e o diretor. A seguir apresento,

o perfil dos profissionais pesquisados nas duas escolas, dados que possibilitam

conhece-los.

29 ANEXO D

30 ANEXO E

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2.2.1 O perfil dos participantes

Com todos os questionários em mãos, constatamos que o grupo de

participantes ficou constituído por 23 sujeitos que participaram desta primeira

fase da pesquisa. Entre os participantes observamos apenas a presença de um

homem, o que nos chamou muita atenção. Conforme pontua Demartini (1993),

em uma sociedade patriarcal, onde se determinava exclusivamente o papel

social de homens e também de mulheres, a presença das mulheres nas escolas

se tornou algo predominante, atrelada a crença de que somente elas estavam

preparadas para a função de professoras (principalmente com crianças).

Atualmente sabemos que as mulheres ocupam diferentes posições profissionais,

porém, parece-nos que na área de ensino continuam sendo a maioria. Será que

essa realidade continua presente atualmente em nossa sociedade?

Conforme a tabela a seguir, verifica-se a faixa etária dos participantes

e o tempo de atuação na função. Em destaque, os dados do único homem

participante, com 54 anos de idade e 24 de atuação.

Tabela 1 – Idade, Tempo de Atuação

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores de curso e diretores das escolas públicas A e B, segundo a idade e tempo de atividade profissional, em anos. Que participaram da primeira fase da pesquisa.

Escola A Escola B

Idade Tempo de atuação

Idade Tempo de atuação

31 12 29 7

39 18 33 13

39 14 35 16

35 10 36 12

42 19 41 20

46 20 44 7

47 10 45 12

48 28 48 18

48 18 57 25

51 21

53 20

53 21

54 24

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Os participantes das escolas “A” e “B” totalizando 22 do sexo feminino

e 1 do sexo masculino não demonstram uma diferença significativa na faixa

etária, assim como no tempo de atuação, o que é considerado homogeneidade

entre essas variáveis.

Dentro do perfil dos participantes, considero importante conhecer a

área de atuação de cada profissional. Constatei que não foram todos os

participantes que pontuaram este item. Na tabela abaixo, apresento conforme os

dados coletados.

Tabela 2 - Área de atuação

Área

Escola Humanas Exatas ou Biológicas

Total

A 4 1 5

B 10 0 10

Total 14 1 15

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores de curso e diretores das escolas públicas A e B, segundo a área de atuação.

Quanto a área de atuação, observa-se que na escola “A” 4

profissionais atuam na área de Humanas e um profissional na área de Exatas ou

Biológicas. A escola “B” apresentou um número maior de profissionais da área

de Humanas, totalizando 10 profissionais, e apenas um profissional da área de

Exatas ou Biológicas. Evidentemente não posso afirmar que o interesse pela

pesquisa se deu somente devido ao fato de profissionais da área de Humanas

terem um interesse maior em assuntos que tratam diretamente com a questão

humanísticas, mas uma interrogação deixa em suspense o interesse ou não da

participação da pesquisa.

A tabela 3, nos mostra a crença religiosa dos participantes.

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Tabela 3 – Crença religiosa

Cristã

Escola Sim Não Total

A 8 2 10

B 9 0 9

Total 17 2 19

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores, segundo a crença religiosa.

Na tabela acima, coloquei o item religião por considerar importante

conhecer a crença religiosa do participante, pois a concepção da morte, muitas

vezes pode estar atrelada ao sentido que ela, a morte tem para cada religião.

Diante desta questão, constatei que não há diferença significativa em relação

aos participantes das escolas em relação aos cristãos ou não cristãos. Esta

informação se torna importante, pois pelas respostas “abertas”, a crença

religiosa torna-se o suporte para o apoio no luto, tanto para os cristãos como

para os que se declararam não cristãos.

Não cristãos concebem a morte não como momento de perda, mas de

passagem, no sentido de uma possibilidade de outra vida, ou uma missão

cumprida talvez. Concebem que o apoio se torna necessário pela ausência

física da pessoa. Tais relatos, encontramos nas entrevistas de aprofundamento

abordado no capítulo III e nos diálogos informais, momentos que antecederam a

entrevista.

2.2.2 Algumas observações a partir dos questionários

Elenquei algumas questões do questionário estruturado, que pontuam

a importância da reflexão do tema da morte, perdas, violência, e apoio no luto.

Algumas respostas estão agrupadas por se encontrarem na mesma categoria.

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Tabela 4 – Perda por morte

1. Você já perdeu alguém por morte?

Escola Sim Não Total

A 12 1 13

B 9 1 10

Total 21 2 23

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo a perda de alguém por morte.

Tabela 5 – Ajuda no luto

2. Houve alguma instituição ou alguém que lhe ajudou no momento do luto?

Escola Sim Não Total

A 7 6 13

B 8 2 10

Total 15 8 23

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo ajuda recebida no momento do luto.

Como podemos observar, tanto em relação à perda, quanto ao apoio,

as escolas não mostraram diferenças significativas.

Tabela 6 – Apoio no luto

3. Considerou importante um apoio nesse momento?

Apoio

Escola Sim Não Total

A 10 3 13

B 8 2 10

Total 18 5 23

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo apoio (sim) ou falta de apoio (não) no momento do luto.

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Em relação à questão 3, notamos que o número de profissionais das

escolas “A” e “B” consideram importante o apoio no momento do luto.

Tabela 7 – Escola como rede de apoio

5. Você acha que a escola pode ser uma rede de apoio a pessoas que passam por luto?

Apoio

Escola Sim Não Total

A 10 3 13

B 9 1 10

Total 19 4 23

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, em relação a escola como rede de apoio a pessoas enlutadas.

Diante da questão, podemos constatar que os profissionais de ambas

escolas concebem que a escola pode se tornar uma rede de apoio aos

enlutados.

Tabela 8 – Refletindo sobre questões que levam a morte

8. Você acha que a escola pode ajudar estudantes a refletir sobre diferentes questões que podem levar a morte?

Apoio

Escola Sim Não Total

A 13 0 13

B 8 2 10

Total 21 2 23

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo situações que podem levar a morte.

Em relação à questão 8, observamos que todos os profissionais da

escola “A” responderam sim, e apenas 2 da escola “B”, não consideram tal tema

relevante na escola.

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Tabela 9 – Ajuda no luto

9. Você acha que o professor/coordenador/diretor podem ajudar estudantes que sofrem por luto?

Apoio

Escola Sim Não Total

A 12 1 13

B 8 2 10

Total 20 3 23

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo ajuda a estudantes enlutados.

Na questão relacionada ao possível apoio dos profissionais aos

estudantes que sofrem por luto observamos que a escola “B” apresentou dois

profissionais que discordam do apoio da escola em relação ao tema enunciado.

A maioria dos profissionais da escola “A”, 12 concorda que os profissionais

podem oferecer o apoio no momento do luto.

Tabela 10 – Escola como rede de apoio

10. Você acha que a escola pode ser uma rede de apoio na prevenção de mortes de estudantes?

Apoio

Escola Sim Não Total

A 10 3 13

B 10 0 10

Total 20 3 23

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo a escola como rede de apoio

Não há uma diferença significativa nos resultados apresentados. A

prevenção de mortes de estudantes é um assunto considerado pertinente em

ambas as escolas.

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Tabela 11 – Importância do apoio a estudantes enlutados

16- Você considera importante o apoio a estudantes enlutados?

Apoio

Escola Sim Não Total

A 12 1 13

B 10 0 10

Total 22 1 23

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora - Professores, coordenadores ou diretores das escolas A ou B, segundo a importância de apoio aos estudantes enlutados

Consideramos as respostas dos profissionais pertinentes, uma vez

que a proposta de nossa pesquisa é o apoio a estudantes enlutados e a escola

como rede de apoio a eles. Apenas um profissional entre os 22 participantes,

não considera importante tal apoio.

A apresentação realizada proporcionou conhecermos o perfil dos

entrevistados, e suas opiniões acerca da temática do luto, morte e perdas. A

importância da temática do luto e o apoio possível na escola, nos leva a

considerar a importância da educação para a morte, proposta de Kovács (2003),

que se faz emergente no contexto educacional.

Passo as análises de conteúdos, que permitem construir um cenário

significativo da importância da abordagem da temática do luto no contexto

escolar.

No capítulo seguinte, serão apresentadas as análises das respostas

dos pesquisados. Com base nos dados, reflito na proposta da investigação: a

presença e o processo do luto por morte nas escolas, e como professores,

coordenadores e diretores podem apoiar estudantes enlutados.

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CAPÍTULO 3 - SIGNIFICADO DA PERDA POR MORTE E

ATUAÇÃO DA ESCOLA AO ENFRENTAR O LUTO (2ª ETAPA)

Neste último capítulo apresento as analises dos dados coletados nas

entrevistas. Agrupei coordenadora e diretores em um mesmo grupo para

análise, pois considero que têm funções semelhantes na escola em relação ao

contato e relacionamento com os alunos. Desta forma, o grupo de gestores ficou

formado por 3 profissionais e os professores no total de 7. Todas as transcrições

das entrevistas se encontram nos anexos31. Para uma maior compreensão,

descrevo o procedimento com os participantes. A partir desses dados, inicio as

análises.

Para a realização das entrevistas de aprofundamento, entrei em

contato com os diretores da escola “A” e “B” solicitando que os profissionais que

responderam ao questionário e que sinalizaram anteriormente o desejo em

participar dessa segunda etapa, fossem contatados e convidados a participar

desta segunda etapa da pesquisa.

Esse contato só foi possível no inicio mês de fevereiro de 2012,

porém consegui marcar as entrevistas somente para o mês de março de 2012.

Conforme proposta, realizei 10 entrevistas, 4 na escola A e 6 na escola B. Os

entrevistados já haviam respondido o questionário anteriormente e,

demonstravam muito interesse em participar. A entrevista propôs um roteiro32 de

8 questões, para direcionar a investigação proposta. Apresentei o Termo de

Consentimento Livre esclarecido, e as perguntas que compõem a entrevista

semiestruturada.

O local da entrevista dos diretores e coordenadora de ambas as

escolas foi a própria sala da direção, e as entrevistas realizadas com as

professoras das mesmas, foi a sala de leitura, por ser um ambiente de

tranquilidade e por não estarem sendo ocupadas no horário combinado.

31 ANEXO E

32 ANEXO F

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A primeira a ser entrevistada33 foi a diretora da escola A, seguida pela

coordenadora dessa mesma escola. A entrevista com o diretor da escola B, foi

realizada dias após o contato. Para análise, diretores e coordenadores foram

agrupados em um grupo que nomeie como gestores. A separação em grupos

para análises foi realizada por escolas e por funções exercidas. Por considerar

importante o relato da professora readaptada da escola B, que praticamente

implorou para que eu a entrevistasse, trago algumas observações importantes

para a reflexão e análises.

Para análise dos dados, optei trabalhar com os trechos dos relatos

coletados e colocá-los em temas ou subtemas com alguns recortes, agrupando-

as conforme as categorias formadas. Conforme Demartini (2001) essa medida

permite uma visão mais aprofundada das questões a serem analisadas. A

narrativa integral dos entrevistados foi mantida, pois procurei manter

integralmente a fala dos entrevistados evitando perder a riqueza de dados

expressos. No relato da escola B, foi trocado os nomes pronunciados pelo

diretor para preservar a identidade das pessoas que fizeram parte do processo

apresentado, assim como o nome das comunidades citadas. Construí 3

categorias para análise, com os seguintes temas: 1) significado em perder uma

pessoa por morte; 2) facilidades e ou dificuldades em lidar com as questões de

luto/morte na escola; 3) papel de gestores e educadores frente às manifestações

de luto entre estudantes na escola.

A seguir apresento as três categorias. Os trechos grifados em

destaque apontam caminhos para interpretação.

3.1 AS CATEGORIAS DE ANÁLISES

Ao realizar as análises dos conteúdos construí 3 temas relevantes nas

falas dos entrevistados e que formam importantes unidades de significado na

investigação: 1) Significado em perder uma pessoa por morte; 2) Facilidades e

ou dificuldades em lidar com o luto na escola; 3) Papel de gestores e

educadores frente as manifestações de luto entre estudantes. Para uma melhor

33 As transcrições das entrevistas se encontram na sequência no ANEXO E.

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compreensão, destaco em negrito dentro dos temas, as unidades de significado.

O relato integral dos entrevistados foi mantido, por considerar a riqueza do

material coletado. Como forma de organização na seleção de temas, recorro a

utilização de tabelas que facilitam a compreensão e sistematização dos dados.

Para análise dos conteúdos, considerei além das entrevistas semiestruturadas,

depoimentos informais ocorridos nos primeiros contatos em ambas as escolas.

O relato da professora readaptada na escola B, também faz parte do material

analisado, por apresentar importantes situações ocorridas no processo do luto.

Os entrevistados foram divididos em dois grupos: gestores, composto

por diretores e coordenadora, e professoras. Essa mesma divisão será

considerada para as tabelas apresentadas. Vejamos a primeira tabela que se

refere ao primeiro tema: Significado em perder uma pessoa por morte.

Tabela 12 – Significado em perder uma pessoa por morte

Gestores

Entrevistados Tema: Significado em perder uma pessoa por

morte

Escola A: Diretora

[...] eu acho que perder uma pessoa por morte é

cortar vínculos.

Escola A: Coordenadora

[...] é uma perda... quando a gente perde uma

pessoa, creio que é parte assim...da nossa

convivência, nossa...a gente vai ficar com uma

lacuna difícil de preencher, né?

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Escola B: Diretor

[...] primeiro, uma reflexão muito profunda sobre

o sentido do porque estamos aqui, né...e aí vem

uma certa dor ou dúvida, que se a morte encerra

tudo, qual seria o sentido do tudo? Eu acho que

provoca uma reflexão que leva a gente a (pausa),

ou a fé ou a uma dúvida...” “Então eu acho que é

uma reflexão sobre o que é o caminho que todos

nós temos que passar.

[...] eu acho que a morte vem fazer a gente a se

ver como gente”.

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora

Analisando a fala dos gestores (Tabela 12) observo que a diretora da

escola “A” pontua o sentido da morte atrelado ao vínculo existente entre os

envolvidos. Ao mencionar: “perder uma pessoa por morte é cortar vínculos”, a

diretora não especifica o tipo de vínculo, permitindo entendê-lo de uma forma

abrangente. Desta forma, a fala da referida diretora nos permite a seguinte

análise e reflexão acerca da construção do vínculo afetivo, seguindo a proposta

de Jonh Bowlby (1985)34. Este autor, em suas implicações, afirma que só existe

luto quando houve um vínculo que tenha sido rompido. Concebe que a

construção dos vínculos construídos desde a infância são considerados

mediante a perda e seu significado nos relacionamentos construídos,

considerando que são implicações que podem estar presentes até a fase adulta.

Na trilogia “Apego, Separação e Perda”, Bowbly (1985), apresenta

suas concepções atreladas ao desenvolvimento humano. Para ele, a maneira

como as relações afetivas na infância foram construídas têm implicações no

desenvolvimento da personalidade de cada pessoa. Já a autora Paula (2011) 35

ao abordar o luto e os vínculos afetivos, afirma que o vínculo dialoga com a

capacidade de lidar com as frustrações e separações ocorridas desde a infância.

Desta maneira, podemos considerar que a fala da diretora A, pode estar

34 Psicanalista inglês, renomado estudioso de assuntos relacionado ao luto, perdas.

35 Professora da Universidade Metodista de São Paulo. Doutora em Ciências da Religião na área

de Pastoral pela Universidade Metodista de São Paulo. Concentra sua pesquisa no luto por morte. Coordena o grupo de Teologia Prática e Aconselhamento da Faculdade de Teologia da UMESP.

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atrelada a concepção de rompimento de vínculos, a partir da história construída

com a pessoa que partiu.

Para a coordenadora da escola “A”, o significado em perder uma

pessoa por morte defini-se na seguinte afirmação feita pela mesma:“uma lacuna

difícil de preencher”. Nota-se que o sentido da perda parece estar relacionado a

uma dificuldade em ressignificar a vida, ou seja, continuar vivendo sem a

presença daquele que morreu. Nesse sentido, para o psicanalista inglês Colin

Murray Parkes (1998) pontua que nos Estágios de Grief36, os enlutados podem

vivenciar situações de melancolia, desgosto, pesar, mágoa, tristeza, e

descontentamento, não de uma maneira rígida, engessada de ser

compreendida, mas cada pessoa pode reagir de maneira diferente. Podem

retroceder e avançar, como há pessoas que podem vivenciar todo o processo de

uma só vez. Parkes afirma37 que sentir a falta da pessoa perdida um período

muito aflitivo, pode resultar da pessoa enlutada mover-se para um processo de

transtorno depressivo, que para psiquiatras não ocorre de forma episódica,

como vivenciado no Estágio de Grief. As pessoas nesse estágio podem entrar e

sair, reagindo e se organizando. A partir da teoria de Parkes, a afirmação da

coordenadora “uma lacuna difícil de preencher” pode ser uma sinalização da

possibilidade de uma vivencia do Estágio de Grief.

Partindo para as contribuições dos sujeitos da escola "B", as

considerações do diretor dessa escola sinalizam sua preocupação com o sentido

da vida quando diz:

[...] uma reflexão muito profunda sobre o sentido do porque estamos aqui, né...e aí vem uma certa dor ou dúvida, que se a morte encerra tudo, qual seria o sentido do tudo? Eu acho que provoca uma reflexão que leva a gente a (pausa), ou a fé ou a uma dúvida (...). Então eu acho que é uma reflexão sobre o que é o caminho que todos nós temos que passar. [...] eu acho que a morte vem fazer a gente a se ver como gente.

36

Estágios concebidos por Parkes, como um processo que as pessoas vivenciam durante o luto. Traduzido na língua portuguesa como melancolia. 37 Entrevista na íntegra no site http://vimeo.com/22678451 Appendiz4: Bereavemente/Colin Murray Parkes. Acesso em 05/05/2012 às 23h20.

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O trecho acima extraído da fala do diretor da escola "B" aproxima-se

do que Paula (2011) afirma que “frente à morte do outro, pensamos na nossa

vida”38 Nesse sentido, a morte do próximo, faz com que interrogações estejam

presentes na trajetória da vida, como apresenta o diretor quando ele afirma na

seguinte passagem: “[...] se a morte encerra tudo, qual seria o sentido do tudo?”

Cabe aqui ressaltar e contextualizar o momento no qual o trecho da

fala do diretor foi pronunciado, principalmente nesta passagem: “[...] eu acho

que a morte vem fazer a gente a se ver como gente”, nossas lágrimas, minhas e

dele, pareciam saltar. Eu ali, uma aprendiz. Parecia que poderíamos encerrar

com essas palavras. Aqui estava o sentido da vida, talvez rever o caminho da

nossa existência a partir da morte do outro. Respirei fundo, e continuei a

pesquisa, ciente que a teoria estava ali concreta nas sábias palavras do diretor.

Mais uma vez observamos a questão do vínculo afetivo. Como

concebe Rodrigues:

Mas nenhum caminho se iguala à experiência da morte do próximo, à um ser ao qual se está afetivamente ligado, com o qual se constituí um “nós”, com quem se edificou uma comunidade que parece romper. Na medida em que esta comunidade é, de algum modo, eu mesmo, experimento um quê de morte dentro de mim. Por essa via a morte do outro evocará sempre minha própria morte; testemunhará minha precariedade, forçar-me á a pensar-me nos meus limites. Por toda parte, a ruptura dos laços afetivos é a mais verossímil metáfora do nada (2007, p.131).

No relato do diretor da escola “B”, sobre a morte trágica de uma

aluna, há uma triste, porém significativa, expressão que vem de encontro com a

citação acima. Ao se deparar com a aluna morta, ele e o professor que o

acompanhava se incomodaram ao ponto de mobilizarem-se frente à situação

vivenciada na comunidade como pontua o relato abaixo do diretor da escola "B":

Saindo dali do velório, lá do hospital, e eu “tava” com o professor de português, professor Ciro, e aí falei: - Ciro, nós somos omissos! Naquela época a gente tinha 4 períodos aqui, 1.800 alunos na época... e eu falei:

38 Perda, luto e Renovo de Esperança”. Palestra proferida no dia 26/11/2011 na Escola Estadual

Profª Palmira Ferreira da Silva. São Bernardo do Campo – SP.

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- A gente sabe tudo o que acontece, e... nós temos medo, não temos coragem, de nos decidirmos por uma ação, pra mostrar pra essa comunidade que nós não aceitamos essa banalização da vida. E eu olhei pra ele e falei: - Você ajuda a organizar uma caminhada pela paz, pelas ruas e vielas de Carmelópolis?

Essa iniciativa, conforme destacado na fala acima, após 14 anos

dessa tragédia, a Caminhada Sou da Paz, conta com o apoio da comunidade. O

índice de mortes e violência no bairro diminuiu significativamente. Essa

experiência pode ser um paradoxo da morte e vida: a reconstrução do novos

caminhos trilhados a partir da morte, dor, perdas, sofrimento, e situações em

que o limite de vida insiste se fazer presente.

Outro aspecto apresentado pelo diretor da escola “B” se faz através

de um discurso que pode ser entendido como religioso. Ao mencionar: “[...] uma

reflexão que leva a gente a (pausa), fé ou a uma dúvida. Então eu acho que é

uma reflexão sobre o que é o caminho que todos nós temos que passar”. Esta

fala nos permite compreender a importância da religião (ou não), na vida das

pessoas. Para ele, a morte parece ter caminhos e interpretações diferentes que

podem levar a reflexões que permeiam fé e dúvidas, mas que todos vivenciam.

Nesse sentido, o enfrentamento do luto perpassa pelo significado religioso na

compreensão da morte. O suporte religioso pode ser entendido como resposta

para tantas interrogações que a morte traz consigo.

Assim, apresentadas as análises de conteúdo do grupo de gestores,

passamos a seguir, a conhecer o significado da morte para o segundo grupo, os

professores, segundo a tabela abaixo.

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Tabela 13 – Significado em perder uma pessoa por morte

Professores

Escola A: Professores

[...] é difícil de entender, a gente não entende porque existe

a morte né? É complicado, é muito difícil.

(Professora 1)

[...] é uma realidade, é um fato que temos todos que sentir,

é isso aí, né? Mas é um processo de muita descoberta da

nossa pessoa, do meu eu, de como eu devo proceder

daqui pra frente, o que eu devo refletir, valores que eu

devo começar a rever na minha vida, então a morte ao

mesmo tempo que é uma coisa muito triste, é uma dor

imensa, é uma ponte de reflexão muito importante, na

minha opinião.

(Professora 2)

Escola B: Professores

Na verdade, pra mim a morte não é uma perda, né..., é uma

questão de passagem [...].

(Professora 1).

[...] é uma perda muito grande, algo que afeta muito,

principalmente quando as pessoas são mais próximas [...]

se a pessoa tem mais idade, você vai se acostumando

com essa perda, vai aceitando, mas, agora, se for uma

perda drástica, acho que é mais complicado [...]

(Professora 2).

[...] faz parte mesmo de um processo de começo, meio e

fim [...] esse é um processo que naturalmente vai

acontecer, logicamente que o baque que inesperadamente

isso provoca, um certo choque né? Mas, de qualquer

forma, a gente tenta na medida que o tempo vai passando,

de encarar isso como uma forma natural, porque é um

processo natural da vida do ser humano [...]

[...] o processo da morte, significa né [...] o ato de morrer,

encarar como não um fim, né [...] mas um meio de poder

continuar num outro plano [...].

(Professora 3)

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Escola B: Professores

“Acho que é um dos processos mais difíceis na vida da

gente, né, que é o recomeçar”.

(Professora 4)

[...] é um processo doloroso, principalmente se a pessoa

for muito próxima, né...hã...e também depende da

hã...situação em si, em que envolveu esta morte, em que

período, por exemplo, o ano passado eu...meu pai é falecido

há 40 anos, e eu lidava de uma forma com a morte do meu

pai, a partir da terapia que eu estava fazendo o ano

passado, num determinado dia, a gente comentou sobre a

morte dele, e eu senti que era como hã...se ele tivesse

morrido naquele momento pra mim, até então eu lidava

com a morte dele de um jeito, quer dizer, eu acredito que

há 40 anos atrás eu nem chorei pela morte do meu pai e

naquele dia eu acabei chorando, enterrei naquele dia.

Então pra mim a morte é sempre dolorosa, né.

(Professora 5)

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora

Antes de debruçar-me sobre os conteúdos do significado em perder

uma pessoa por morte segundo os professores, trago as sábias palavras de

Paula, (2011), que sugere que o luto, pode trazer um novo sentido. Talvez seja a

procura de algumas pessoas, entre elas, as entrevistadas.

O luto é um evento que pode trazer um novo sentido ao que antes não tinha significado, por exemplo, a própria vida. É uma vivência que escancara nossa inquietação diante da morte, da perda de si mesmo, da perda do outro. O luto toca o solo de nossa existência e nos refaz. (PAULA, 2011, p.208).

A professora 1 da escola “A” ao expressar “[...] É complicado, é muito

difícil”, pode estar relacionando sua dificuldade em lidar com tema na escola

com seus questionamentos em relação a morte, reforçando sua dificuldade ao

dizer: “é difícil de entender, a gente não entende porque existe a morte [...]”.

Provavelmente não saber lidar com o tema da morte, dificultará a abordagem

com os alunos.

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Acredito que essa dificuldade possa ser uma realidade entre outros

educadores, no sentido do despreparo e de dificuldades próprias em relação a

situações que envolvam as temáticas como perdas, morte e luto. Kovács (2010)

em pesquisa realizada com adolescentes entre 13 a 18 anos, afirma que alguns

pontuaram que a comunidade escolar não estava preparada para lidar com o

tema, não havendo proposta geral de cuidados e acolhimento aos alunos.

Alguns entrevistados pontuaram que não confiavam nos educadores, outros

afirmavam que a dificuldade com o tema estava no próprio educador.

Considero que o diálogo entre alunos e professores pode ser uma

significativa oportunidade para abordagem da temática do luto. Educadores

devidamente orientados podem realizar ações de apoio a estudantes enlutados.

Ressalto a importância do “Projeto Falando de Morte”, realizado pelo LEM-USP.

O Projeto propõe situações para abordagem do assunto na escola, de uma

forma que os vínculos como a confiança e acolhimento são realizados de uma

maneira natural, isto é, cada situação e cada turma de alunos podem vivenciar

de maneira diferente, como no caso, o grupo de alunos que ofereceu apoio a

professora Caryne, ocasião da perda de sua mãe. Proporcionar momentos de

interação do/a aluno/a com o/a professor/a, pode a vir a ser uma ação que

proporciona e facilite a dinâmica necessária em abordagens sobre a morte, o

luto, as perdas.

A próxima professora entrevistada, apresenta uma concepção

diferente da professora 1. Considera a morte uma oportunidade para

crescimento e reflexão:

[...] é um processo de muita descoberta da nossa pessoa, do meu eu, de como eu devo proceder daqui pra frente, o que eu devo refletir, valores que eu devo começar a rever na minha vida, então a morte ao mesmo tempo que é uma coisa muito triste, é uma dor imensa, é uma ponte de reflexão muito importante...” (Professora 2, escola "A").

Sua afirmação está relacionada ao significado da vida. Sobre essa

relação, Paula (2011) nos diz que “a morte do outro possibilita pensar na minha

própria morte”. Ou seja, proporciona a reflexão que leva a rever a trajetória da

vida, como expressa a professora 2 na fala acima destacada. Essa reflexão

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torna-se importante em abordagens com estudantes, pois, pensar em atos em

que a morte interdita se faz presente, pode ser entendido como uma educação

para a morte. Em outras palavras, alertados de possibilidades em que a morte

se faz presente, podem refletir diferentes situações que vivenciam, seja a morte

natural ou situações trágicas ocorridas com pessoas próximas e até mesmo

aquelas pessoas distantes.

Conforme Kovàcs (2010) que afirma:

[...] na atualidade, os acontecimentos globalizados trazem à nossa vida cotidiana milhares de imagens sobre a morte de pessoas anônimas, distantes geograficamente, e que também podem ser tornar próximas quando ocorrem identificações pela idade, aparência, profissão, criando a impressão de ser “gente como a gente”. Por outro lado, o prolongamento da vida pelo avanço da medicina traz a possibilidade de maior convívio com processos de morrer, alguns com intenso sofrimento tanto para familiares como para profissionais da área de saúde e educação. Vemos então, o paradoxo: uma necessidade tão grande de ocultar, escamotear a morte, e ao mesmo tempo, a de se abrir espaços de compartilhamento sobre o tema [...] (p.145).

Não ocultar a temática sobre a morte e o morrer, pode ser uma

alternativa para abordar assuntos que possibilitem a reflexão apresentada pela

professora entrevistada. Infelizmente noticiários internacionais e nacionais,

relatam mortes entre estudantes, seja na escola ou locais públicos e privados. A

presença da morte pode estar mais perto do que se imagina. Considerar essa

possibilidade é permitir ser uma questão a ser refletida entre estudantes.

Interessante destacar que nas falas das professoras 4 e 5 da tabela

13, a palavra processo tem o sentido de difícil e doloroso, mas uma

possibilidade de um recomeço, como podemos ver nos trechos destacados a

seguir:

Acho que é um dos processos mais difíceis na vida da gente, né, que é o recomeçar. (Professora 4, escola “B”) [...] é um processo doloroso, principalmente se a pessoa for muito próxima... (Professora 5, escola “B”).

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Provavelmente a experiência com o processo de morte de alguém

próximo, interfere na concepção que ambas apresentam. Como já discutido no

decorrer deste trabalho, o vínculo estabelecido com a pessoa que morreu, pode

dificultar ou facilitar o processo do luto.

Para Bowlby (Kovács apud 2002), alguns aspectos podem afetar o

processo de luto, entre eles destaco: 1) a identidade e papel da pessoa que foi

perdida; 2) as circunstâncias sociais e psicológicas que afetam o enlutado, na

época e após a perda; 3) as causas e circunstâncias da perda. Essas

características podem ser percebidas nas referências que as professoras

apresentam:

[...] é uma perda muito grande, algo que afeta muito, principalmente quando as pessoas são mais próximas. [...] se a pessoa tem mais idade, você vai se acostumando com essa perda, vai aceitando, mas, agora, se for uma perda drástica, acho que é mais complicado [...]. (Professor 2, escola “B”). [...] a gente tenta na medida que o tempo vai passando, de encarar isso como uma forma natural, porque é um processo natural da vida do ser humano [...] o processo da morte, significa né [...] o ato de morrer, encarar como não um fim, né [...] mas um meio de poder continuar num outro plano [...]. (Professora 3, escola “B”).

Além das características apresentadas, destaco ainda algumas

pontuações em que a espiritualidade se faz presente, como a citada pela

professora 3 da escola “B”: “[...] o ato de morrer, encarar como não um fim, [...]

mas um meio de poder continuar num outro plano [...]”. Podemos entender como

um sentido de esperança que a morte traz para algumas pessoas. Assim, a

morte seria encarada como uma continuidade da vida e de novas oportunidades.

Para alguns, morte e vida caminham paralelamente. Mas esse assunto,

considerado tão complexo para algumas pessoas, é uma investigação para

outras pesquisas dada a sua importância.

Como a investigação procura conhecer o significado da morte e como

professores, coordenadores e diretores lidam com o processo do luto por morte

no contexto educacional, procurou-se compreender as facilidades e ou

dificuldades por eles apresentadas no enfrentamento do assunto no contexto

escolar, conforme se observa na tabela abaixo.

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Tabela 14 – Facilidades e ou dificuldades em lidar com o luto na escola.

Gestores

Entrevistados Gestores

Tema: Facilidades e/ou dificuldades em lidar com as questões de luto na escola.

Escola A: Diretora

Eu acho [...] o que facilita é a aproximação dos professores

com o aluno, o convívio, e o que dificulta é a religião, que cada

um é...enxerga a morte de uma maneira, é. [...] então vivencia

a morte, diferente, então isso é um fator que dificulta, porem

dá abertura pra você enxergar de formas diferentes, né [...]

eles também conhecerem como as diversas religiões encaram

a morte, cada religião tem seu ponto, isso aí não tem como

não passar.

Escola A: Coordenadora

A principio seja por gente não conhecer a realidade das

famílias, quando a gente conhece, quando a gente já sabe que o

aluno tem alguma falta, que o aluno não tem a mãe, que o aluno

não tem o pai, a gente já procura assim [...] não tratar diferente,

mas a gente procura ser um pouco mais suave, mais afável

nas palavras, assim justamente.

Escola B: Diretor

O que dificulta, (pausa) eu acho que o que dificulta é a

insensibilidade mesmo quanto a esse tema, entendeu, eu acho

que não adianta [...] não adianta pensar ou não pensar, então eu

acho só a insensibilidade. O que facilita é a natureza humana, ela

tá ali e [...] e a coisa tá pra ser encarada, ser uma pessoa serena,

tranquila, e [...] no final da sua vida, ela consegue até dar

esperança pra aqueles que ficam, entendeu? E a maior parte traz

desespero pra todo mundo, né, a gente precisa aprender com isso,

falando sobre. A insensibilidade é o que dificulta, e a natureza

humana é o que faz parte, é o que eu disse, tem que ser

completada, a gente tem que se educar para”.

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora

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A contribuição de Sung (2005) ao afirmar que uma das dificuldades em

lidar com o tema da morte é o nosso limite, permite entendermos algumas

pontuações apresentadas pelas professoras.

A nossa dificuldade em aceitar a nossa condição vem do fato de que ela nos lembra dos nossos limites, não somente o do conhecimento ou da realização dos nossos desejos mais corriqueiros, mas também do último limite, o insuperável, aquele que sempre nos recorda que somos seres humanos e não deuses: a morte (p.108).

A partir das falas dos entrevistados constatamos que não há uma

unanimidade em relação aos temas. As respostas se diferem acentuadamente,

os gestores trazem elementos diferentes a serem discutidos. Interessante notar

que sinalizam com maior ênfase as dificuldades possíveis. A diretora da escola

“A” pontua a dificuldade presente na religião, notável em sua fala quando afirma:

“falar da religião que cada um é (...) enxerga a morte de uma maneira, é (...)

então vivencia a morte”, podemos entender que a opção religiosa que cada um

tem e as diferentes maneiras de conceber a morte, influenciam na maneira de

como lidar com o luto. Ao mesmo tempo afirma que essa dificuldade pode

favorecer ao entendimento de como diferentes religiões encaram a morte.

Demonstra ainda ter consciência da pluralidade religiosa presente na escola e o

cuidado no trato de um assunto delicado como este. Essa afirmação última

mostra que a diretora apresenta sensibilidade e cuidado em relação a

pluralidade religiosa no sentido de favorecer o conhecimento de como as

pessoas encaram a morte.

No primeiro contato que tive com a diretora, momento que não me

senti confortável solicitar autorização para gravar, esta mencionou que diversas

pessoas de diferentes religiões tentaram dar uma explicação para a tragédia

com as crianças esquartejadas. Mencionou que ouvia cada uma delas,

respeitava cada posicionamento, mas, que ainda não havia encontrado uma

resposta para si mesma. Esse fato explicita seu posicionamento em relação a

algumas dificuldades com o tema.

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A coordenadora da escola “A” traz em seu argumento, em relação as

dificuldades, o desconhecimento da realidade dos alunos e seus familiares. Ao

mencionar:

[...] quando a gente já sabe que o aluno tem alguma falta, que o aluno não tem a mãe, que o aluno não tem o pai, a gente já procura assim não tratar diferente, mas a gente procura ser um pouco mais suave, mais afável nas palavras [...].

Conhecer situações que permeiam a vida dos alunos torna-se um

fator relevante no apoio a estudantes enlutados, facilitando a maneira como lidar

com o aluno no processo do luto. Talvez a coordenadora ciente da situação de

limite de vida que alguns alunos vivenciam juntamente com seus familiares ou

pessoas próximas na comunidade, resultando na maioria das vezes em mortes,

seja um fator que a leve considerar o tema importante de ser tratado na escola.

Dificuldades e ou facilidades em tratar do assunto no ambiente escolar podem

ser consideradas a partir do conhecimento da equipe escolar em relação as

situações que permeiam a vida do aluno.

Interessante notar que o diretor da escola “B” explicita a

insensibilidade das pessoas ao lidar com o tema como uma das dificuldades.

Argumenta que a dificuldade maior está também na insensibilidade que o

próprio tema proporciona. Para ele, essa questão deveria ser trabalhada com

uma educação voltada para situações que levam o ser humano a refletir acerca

do tema. Ao afirmar: “[...] a gente tem que se educar para [...]”, o diretor nos

aponta o que Kovács (2003b) propõe a respeito de uma educação para a morte:

como pensar a educação para a morte no novo milênio, o que propor? Devemos pensar na ampliação do escopo da educação para a morte numa sociedade onde convivem a morte interdita, a busca da sua reumanização (p.155).

Entendemos que a “educação para” como nos fala o diretor, é uma

das maneiras de se intervir educando para a vida. Nesse sentido, podemos

entender que a proposta do diretor consiste uma maneira de levar os alunos a

refletirem sobre a possibilidade de a morte estar presente no cotidiano que os

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cercam, com o enfoque de que algumas reflexões que podem de certa forma

tornar-se atos preventivos, como no caso do bairro, o tráfico de drogas, e

violências geradas por diferentes motivos. O programa de tutoria que a escola

realiza com professores voluntários e grupos de alunos também voluntários,

formam uma ação significativa de cuidados que podem ser discutidos e assim,

gerar novas posturas em relação a diferentes situações, inclusive de mortes, e

lutos.

Pensar na morte, é refletir na própria vida, assim encontramos no

relato do diretor, escola “B”, ao se deparar com o corpo da aluna que morreu

com os nove tiros na cabeça. Momentos antes de realizar a entrevista para

aprofundamento das questões, em uma conversa informal, o diretor informou

algumas ações, não sistematizadas, que sua escola realiza na tentativa de

proporcionar momentos aos alunos para uma reflexão sobre a vida, sobre atos

de solidariedade, e o mais importante, momentos nos quais os alunos

conversam sobre os mais diferentes assuntos, inclusive sobre a morte (quase

que diária) de alguém da família ou pessoas próximas ou conhecidas,

moradoras da comunidade próxima da escola.

Educação para a morte nessa escola é formada por ações, como a

caminhada da paz realizada uma vez ao ano (esse ano de 2012, completam a

14ª caminhada Sou da Paz), com o apoio da comunidade local e com adesões

de outras escolas próximas. A tutoria com os alunos, momento em que

professores voluntários se encontram quinzenalmente com os alunos para um

bate-papo. Com essas ações que a escola “B” realiza e que o diretor faz

questão de participar, reafirma que a dificuldade é a insensibilidade, do próprio

tema, e das pessoas.

Finalizando a análise dos gestores das escolas, constatamos que a

escola “B” trata do assunto da morte e do luto com os alunos, de uma forma

mais direcionada, talvez pela vivencia de alguns alunos em situações

desafiadoras em que a morte torna-se uma realidade próxima.

Outro fato considerado, é o histórico da morte de estudantes da

escola, como a aluna que foi morta com 9 tiros. A partir da morte dessa aluna, a

escola iniciou abordagens com o tema da morte, violência e situações que

proporcionam reflexões acerca do limite de vida. Outros temas relevantes como

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solidariedade, companheirismo, paz, respeito mútuo são assuntos que a escola

prioriza entre os alunos.

Tabela 15 – Facilidades e ou dificuldades em lidar com o luto na escola

Professores

Escola A

Professores

Não tem não, dificuldades. Quando acontece, todo mundo ali

compartilha sempre umas com as outras.

(Professora 1)

[...] quando você fala em luto, você fala em luto [...], eu sei, por

morte...mas assim por morte direcionada mais ao grupo aluno, ao

[...] fator que facilita pra mim, né [...] tratar desse assunto no

recinto escola, é por ser um local aonde que o aluno...por isso

que eu perguntei se é a morte aqui, tratando de aluno, né; por ser

um ambiente, um recinto onde que a própria pessoa convivia,

estava, então as lembranças do local são muito presentes, eu acho

que isso favorece, porque dá um ponto assim de referência, sabe,

é [...] facilita por esse lado, você estar tratando um assunto, mas

aonde que aquela pessoa...olha, a escola faz parte da história

deles; agora o ponto que dificulta, no se tratar esse assunto na

escola (pausa grande), não saberia que há algum ponto aqui que

dificultaria esse assunto né, talvez eu não entendi [...], o fator

religião, ele é muito complicado, ele é muito complicado

porque é [...] como nós temos varias, é [...] varias crenças, né, as

pessoas elas misturam uma série, é [...] porque quando eu falo em

Deus, eu falo em Universo, porque Deus, ele é Universal, agora

quando eu falo de religiosidade, é uma coisa muito pessoal, né,

então eu creio que talvez o fator religião seja um dos obstáculos

pra se tratar.

(Professora 2)

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Escola B Professores

Escola B Professores

[...] Bom, a facilidade é do próprio projeto que a gente tem aqui

na escola, né; e a dificuldade é [...] individual, não coletiva,

individual, né [...] que cada pessoa tem com esse, com esse

significado da morte, né, [...] e tá procurando uma pessoa pra

conversar ou mais, ou grupo, enfim, mas aqui, quanto a abertura

na escola, o projeto tá muito aberto, pra tudo né, pra nós

falarmos de todos os assuntos que permeiam a vida humana”.

(Professora 1)

O que facilita acho que é a proximidade que eles têm com o

professor e o aluno, o que dificulta acho que é o ato da perda

mesmo, né...às vezes a pessoa não tá...não aceitou, o aluno

principalmente, tem situação que é difícil, né...tem alunos aqui

que já perderam pai, mãe...é complicado, eu acho que ele não

aceitou a perda, né...e...tem mais dificuldade de falar tudo aqui.

(Professora 2)

Olha, facilita no momento em que as crianças, elas estão

acostumadas, não só crianças, mas como as pessoas em geral,

funcionários, professores, né, cada um tem a sua experiência

de vida, que tem como passar isso, né..., de enfrentar uma

situação dessa né, então pelo que eu percebo aqui, os fatores

que facilitam, é o fato de você poder é...é...tocar no assunto de

uma maneira bem tranquila, sem agredir, sem utilizar de uma

forma de...de...ofensa, entendeu, quer dizer, respeitando o

sentimento do outro, né...e as dificuldades também,

não...porque no ambiente escolar, as crianças também estão

acostumadas com o dia a dia, né, com o impacto das coisas,

com atropelamento na rua, com aquela violência que é gerada

lá fora, né...então, esse...esse desenho né...de violência tá

muito inserido na vida deles, né, então a morte é mais uma

consequência disso, que pra eles, eu acredito nisso, que ao meu

ver faz parte da rotina, muitas vezes eles presenciam na

comunidade em que eles vivem

(Professora 3)

Eu acho que o facilitador é quando você perde alguém e você

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Escola B Professores

sente a pessoa junto, e eu acho que a grande dificuldade é

quando viram, sabe não se importam, não demonstram não se

unem pra mandar uma coroa, não estou falando aqui do colégio,

estou falando de uma situação geral; acho que a pessoa que está

do lado de lá, tá precisando de muito carinho, muito amor.

(Professora 4)

Alguns alunos têm medo do tema morte, então não gosta de

falar, ele acha que não falando é melhor, eu não lembro que ela

existe, mas, boa parte deles tem medo da morte, de morrer ou

de perder algum querido por morte, né.

(Professora 5)

Eu sou professora readaptada, por coincidência depois que eu

fiquei viúva, não consegui retornar à sala de aula, então...no

momento eu acho que o acolhimento das pessoas que estão

de luto né...dos funcionários, é muito bom. Mas, no meu tempo

foi muito ruim, eu não sei se descriminada, perseguida, né... Não

tive apoio na escola, da direção, da parte administrativa, da

coordenação, aqui mesmo, né...e...tem 10 anos, e eu acho que

isso prejudicou a minha carreira, digamos assim, porque eu

estava começando carreira quando fiquei viúva, né...então foi

muito difícil, e aí você fica, eu penso, um pouco triste, você

fica tão condoída, porque você sabe o quanto dói, que você

não consegue lidar de uma maneira positiva com seu aluno,

você acaba ficando com pena dele também, então é o seguinte,

não consegue lidar direito com a situação, ter um apoio pro

funcionário, o luto é luto pra todo mundo, o luto é luto pro

adulto, o luto é pra criança, o luto é luto pro filho, é luto pro

aluno, ele é luto pra esposa, ele é luto pra funcionário, né...O

luto...o luto de um modo geral.

(professora readaptada)

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora

Considerando a fala das professoras na tabela 14, em relação às

facilidades/e ou dificuldades em lidar com o luto na escola, há uma notória

diferença entre as respostas das professoras entrevistadas das escolas “A” e

“B”.

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As professoras da escola “A” apresentaram certa dificuldade em

responder a questão. A professora 1 demorou para formular a resposta em

relação às dificuldades encontradas na escola. Levou-me a pensar não na falta

de dificuldades na escola, mas sim na dificuldade que a professora possa ter

com a temática da morte, do luto. Logo em seguida, mencionou que a facilidade

se faz no compartilhar: “[...] quando acontece, todo mundo ali compartilha

sempre umas com as outras”.

A professora 2, também apresentou dificuldade em se expressar

frente ao tema proposto. Não conseguiu articular as ideias. Houve pausas

durante a entrevista, e, algumas vezes solicitou minha interferência perguntando

se era a morte direcionada ao grupo de alunos. Parece que a professora

demostra ter dificuldade em lidar com o tema da morte, do luto, não somente na

escola. Para ela, a facilidade está no ambiente escolar “[...] fator que facilita pra

mim [...]. Tratar desse assunto no recinto escola [...]”, ainda concluiu: “[...] a

escola faz parte da história deles [...]”. A afirmativa da professora retrata que a

escola é um local de socialização, portanto, um espaço que pode ser (ou deveria

ser) de suporte aos alunos enlutados.

Depois de uma longa pausa, a professora 2, da escola "A", expressou

que a religião pode ser uma dificuldade, e até mesmo um obstáculo nas

abordagens do luto: “[...] eu creio que o fator religião seja um dos obstáculos pra

se tratar”. É importante levar em conta que no diálogo estabelecido entre

profissionais da escola e alunos enlutados, o respeito a crença religiosa seja

considerado. O diálogo pode se tornar um espaço para compartilhar as

experiências, uma forma de apoio sem confrontos religiosos, observação bem

pautada pela professora.

Provavelmente pelo projeto realizado na escola “B”, as professoras

entrevistadas parecem ter mais facilidades em lidar com o tema. Três das cinco

professoras entrevistadas da escola “B”, afirmam que um dos fatores que

proporcionam facilidades em lidar com o luto na escola é o projeto desenvolvido

na escola. Momento de diálogo, aproximação, professor e aluno, e a própria

abertura que a escola oferece para reflexão acerca de assuntos decorrentes de

mortes por diferentes contextos, seja a violência ainda presente no bairro, seja

mortes ocasionadas por diferentes situações que envolvam os alunos, parentes

ou mesmo morte considerada longínqua, como anunciados em documentários.

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Na tutoria os alunos podem trazer os assuntos que desejam debater,

entre eles, a morte se faz sempre presente, afirmou o diretor da escola “B” em

nossas conversas informais. Encontramos nas falas das professoras:

[...] Bom, a facilidade é do próprio projeto que a gente tem aqui na escola [...]; (professora 1,escola “B”); O que facilita acho que é a proximidade que eles têm com o professor e o aluno (Professora 2, escola “B”) [...] pelo que eu percebo aqui, os fatores que facilitam, é o fato de você poder (...) é tocar no assunto de uma maneira bem tranquila, sem agredir, sem utilizar de uma forma de (...) ofensa, entendeu, quer dizer, respeitando o sentimento do outro [...]. (Professora 3, escola B)

Como se pode ver, as facilidades mencionadas são desenvolvidas a

partir do projeto desenvolvido na escola e que possibilita o preparo dos

professores.

Para a professora 4 (escola "B"), a facilidade está no apoio e cuidado

recebido e não se sentir só no momento da perda: “[...] o facilitador é quando

você perde alguém e você sente a pessoa junto”. Esse posicionamento da

professora pode ser entendido na dimensão do cuidado. Para Boff (1999), o

cuidado representa uma atitude, pois,

cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro (p.33).

Entendo que a referida professora esteja falando de companhia e

apoio no luto, e não pontuando a questão da espiritualidade, pois logo em

seguida ao expressar as dificuldades, sinaliza a falta de apoio, de união: “[...]

dificuldade é quando viram, sabe não se importam, não demonstram não se

unem [...]”.

As dificuldades sinalizadas pelas professoras 1 e 2, da escola "B",

nesta sequência como são apresentadas abaixo, estão no significado da morte:

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[...] dificuldade é individual, não coletiva, individual, né [...] que cada pessoa tem com esse, com esse significado da morte, não é [...]? [...] o ato da perda mesmo, né...às vezes a pessoa não tá...não aceitou [...].

Na descrição da professora 3 (ainda da mesma escola) dimensão do

significado pode ser compreendido na aceitação da morte. Para a professora, a

dificuldade está na banalização da morte, por ser uma situação presente

diariamente na vida dos alunos:

[...] as dificuldades também, não porque no ambiente escolar, as crianças também estão acostumadas com o dia a dia, né, com o impacto das coisas, com atropelamento na rua, com aquela violência que é gerada lá fora, então, esse desenho de violência tá muito inserido na vida deles, né, então a morte é mais uma consequência disso, que pra eles, eu acredito nisso, que ao meu ver faz parte da rotina, muitas vezes eles presenciam na comunidade em que eles vivem.

Para Kovács (2010, p.145), "a morte escancarada ocorre nas

situações de violência, na rua, e tem crescido de forma significativa nas cidades

pelos homicídios, acidentes que infelizmente, vitimam mais os jovens." Não

banalizar a morte, torna-se essencial em situações de enfrentamento de

situações de limite de vida. Creio conviver com a morte interdita seja um desafio.

Nas palavras de Kovács (2003a) encontramos um suporte que pode

ser uma superação para esse desafio:

Não temos uma resposta simples, única, total, dogmática e padronizada, e, sim, a possibilidade de busca inerente ao ser humano que, mesmo esmagado por uma sociedade desumana e massificadora, pode florescer e se desenvolver (contracapa).

Nesse sentido, professores vivenciam o que Freire (1996) chama de

ser transformador. “assumir-se como ser social e histórico como ser pensante,

comunicante, transformador [...]” (p. 41). Para transformarmos precisamos nos

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transformar também. Talvez lidar com o tema da morte, seja um ato desafiador

para mudanças, mas possível de ser realizado.

O relato da funcionária readaptada39 da escola “B” possibilita refletir

acerca de sua necessidade de dar voz ao seu silêncio, vivenciados há 10 anos,

tempo de sua viuvez. Pontua suas dificuldades no processo do luto. A falta de

apoio da equipe escolar e provavelmente de suas próprias dificuldades em lidar

com a situação, contribuíram para o seu afastamento das atividades escolares.

Como citou em conversa informal: “perdi tanta coisa nesse tempo e ainda

ganhei esse nome que pesa até hoje 'professora readaptada”. Ao expressar que

não conseguiu retornar as atividades escolares, deixa claro o quanto considera

importante na escola o apoio e ajuda a qualquer pessoa enlutada, não apenas

estudantes.

Nossa conversa informal seguiu por alguns longos segundos e ela

pontuou com muita precisão que em minha pesquisa faltava investigar o cenário

dos professores, de como a escola lidava com o luto do/a professor/a, suas

perdas, sua solidão e suas necessidades diversas. Como iniciante no mundo da

pesquisa, desejava no momento um manual imaginário de respostas, para de

alguma forma fazer o que ninguém nestes dez anos teve a sensibilidade de

fazer. Consciente da inexistência de manual concordei com suas palavras, e na

prática vivenciei o surpreendente caminho da pesquisa, o que Martins (1991)

chama de flexibilidade, em relação à coleta de dados, “incorporando aquelas

mais adequadas à observação que está sendo feita” (p.167). Pontual em sua

fala, a professora afirmou com certa eloquência: "Você precisa pesquisar esse

cenário, verá quantas situações nós vivemos".

A entrevista concedida foi encerrada com as palavras sábias da

professora: “o luto é luto pra todo mundo, o luto é luto pro adulto, o luto é pra

criança, o luto é luto pro filho, é luto pro aluno, ele é luto pra esposa, ele é luto

pra funcionário, [...] O luto de um modo geral”.

Ressalto que é importante considerar que a escola não deveria ser a

única a oferecer apoio à professora. Outros profissionais de outras áreas do

saber poderiam ter contribuído no processo do luto. Sem um apoio torna-se

difícil passar de uma fase para outra. No luto, o que Franco (2002, p. 129),

39 Entrevista na íntegra no ANEXO B.

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concebe como quadro do luto patológico: “os sintomas não aliviam com o tempo,

e podem piorar, podendo persistir por vários anos se não tratados”. O luto

patológico que a professora readaptada (segundo o nome a ela foi dada pela

escola) apresenta por esses 10 anos pela perda de seu marido, pode ser

compreendido também na afirmativa de Kovács (1992).

A morte do outro configura-se como a vivência da morte em vida. É a experiência da morte que não é própria, mas é vivida como se uma parte nossa morresse, uma parte ligada ao outro pelos vínculos estabelecidos (p.160).

É com essa afirmação que proponho o apoio ao enfrentamento no

processo do luto. A equipe escolar precisa estar atenta a situações que

enlutados vivenciam no contexto escolar. Essa reflexão possibilita rever a

importância da temática envolvendo toda a comunidade escolar. Desafio para

próximas pesquisas.

Tabela 16 – Papel de gestores e educadores frente as manifestações de

luto entre estudantes

Gestores

Entrevistados Gestores

Tema: Papel de gestores e educadores frente às manifestações

de luto entre estudantes

Escola A: Diretora

È...a gente não pode deixar a questão virar “oba oba”, né? A

gente tem que tratar a situação do luto com respeito, porém

cada um tem sua forma de viver o luto a seu tempo, então é...,

é.... mais difícil pra nós, que nós não temos aonde “se” apoiar,

eles têm a gente, mas a gente não tem..., se fosse ao contrário,

que a gente perca, né... esse auxílio para a perca... Nós não

temos...não se pode nem fechar a escola, oficialmente nós não

podemos deixar nem de ter aula, quando acontece uma situação de

luto, morreu alguém, você pode ir até para o enterro, para o velório,

mas você não pode fechar a escola, porque se você fechar a escola,

a Secretaria da Educação vai falar:-“Você vai ter que repor esse dia

letivo.” Então tem horas que pra Secretaria da Educação, a situação

é muito fria, né...e...então...no papel é tudo muito frio, mas as

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situações da escola não podem ser frias, você está lidando com o

ser humano, então você vai ter que ter pena todos os dias, você vai

ter choro todos os dias, você tem um aluno...que morreu um colega,

morreu o pai, morreu o avô, pessoa que era muito apegada, ele tem

que voltar pra escola, e muitas vezes, a pessoa não volta preparada,

e muitos querem contar o que aconteceu, então é assim,...o adulto é

assim, nós sempre temos que estar preparados, e muitas vezes os

professores não têm suporte, tem professor que não aguenta, e aí

então, com é que fica? “... nós somos seres que precisamos uns

dos outros”.

Escola A: Coordenadora

Uma ação importante é ouvi-los, ouvir a família, né...quem tiver

envolvido (na) na situação, e pelo menos a gente, acho, ouvindo

eles e respeitando a situação, creio que já é uma boa ação,

agora, uma ação específica a gente não...eu particularmente não

tenho de onde hã...assim sem contar...eu assim hã...não tenho uma

referência pra dar pra você.

Escola B: Diretor

[...] Eu acho que é...levar esse aluno a refletir, refletir também;

é...conviver, hã...de uma forma muito respeitosa e com cuidado

e um carinho muito grande por todo esse sofrimento, seja o

sofrimento daquela pessoa que tem um grande entendimento

das coisas, seja o sofrimento daquela pessoa que “estão”

mesmo na ignorância, porque tem gente que está sofrendo,

e...ele é o autor principal do sofrimento, e...ele não tem

consciência que ele é que é o autor principal do sofrimento,

é....de responsabilizar todo mundo, na busca de um sentido, na

busca de um cuidado, para que a gente viva melhor, da melhor

forma possível.

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora

Esta tabela demonstra as possíveis ações de gestores no

enfrentamento de situações relacionadas ao luto.

Os entrevistados apontam semelhanças em relação ao papel que

pode ser realizado entre gestores a estudantes enlutados. Todos os

entrevistados sinalizam a importância do apoio através do ouvir, do respeito,

acolhimento e cuidados no processo do luto. Tornam-se claro alguns desafios

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em relação ao apoio e cuidados, como a falta de apoio de instâncias maiores,

caso apontado pela diretora da escola “A”:

[...] não se pode nem fechar a escola, oficialmente nós não podemos deixar nem de ter aula, quando acontece uma situação de luto, morreu alguém, você pode ir até para o enterro, para o velório, mas você não pode fechar a escola, porque se você fechar a escola, a Secretaria da Educação vai falar: “Você vai ter que repor esse dia letivo.” Então tem horas que pra Secretaria da Educação, a situação é muito fria, né...e...então...no papel é tudo muito frio, mas as situações da escola não podem ser frias, você está lidando com o ser humano [...].

Embora a diretora reconheça a importância do apoio aos enlutados,

alguns desafios burocráticos dificultam a prática na escola. Essa dificuldade se

faz presente também pela falta de apoio direcionado a gestores que também

sofrem pela situação e não têm a quem recorrer. Em sua fala a diretora encerra,

afirmando que há professores que não têm o suporte e alguns não aguentam

essa situação difícil, que é lidar com o tema da morte. Enfatizo que a concepção

da diretora em relação ao cuidado, é que este deveria ser uma ação direcionada

a todos: “[...] nós somos seres que precisamos uns dos outros.” A dimensão do

cuidado vai além do que a escola parece exercer. É estar atenta a realidade de

cada um, seja discente, docente ou outro funcionário da escola.

Conforme Leonardo Boff (p.90) a palavra cuidar tem a mesma raiz da

palavra cura. Do latim coera era comumente usado em relações de amor e

amizade40. A palavra cuidado, derivada do latim cogitare-cogitatus, remete ao

mesmo sentido da palavra cura: cogitar, mostrar interesse, revelar uma atitude

de desvelo e preocupação. Nesse sentido, o cuidar no contexto escolar deveria

estar presente também com esses sentidos.

Gostaria de resgatar nesse momento a falta do cuidado na entrevista

não realizada na escola C. Momento que a diretora afirma: “aqui não temos

tempo para isso, temos muitas coisas pra fazer! A morte fica só do lado de fora

40 Não é meu intuito aprofundar o significado da palavra cuidado nas diferentes dimensões

possíveis, mas chamar atenção do leitor que a palavra pode ser direcionada no sentido de ações de desvelo, atenção, como práticas direcionadas no contexto escolar, especificamente no cuidado aos enlutados.

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da escola, eles morrem é lá na rodovia. Sempre tem um dos nossos lá”41. Ao

realizar essa afirmativa, a diretora pressupõe um descompasso em relação a

realidade e o papel da escola frente aos desafios da comunidade. Será que

cabe a escola apenas a dimensão cognitiva? Esse seria um assunto pertinente

para futuras pesquisas que permite diversas inquietações as quais não

possibilitam tendo em vista o objeto de pesquisa do presente trabalho.

Boff (idem) enfatiza que o cuidar se estende a uma dimensão que

possibilita o conviver relacional que envolve a dignidade numa relação que abre

mão do poder dominador. “A partir desse valor substantivo que emerge a

dimensão da alteridade, de respeito, [...] de reciprocidade e de

complementaridade” (p.96). Cuidar de uma pessoa que sofre a perda de alguém

por morte é se enveredar por caminhos que podem levar a uma reflexão como

este autor propõe, a dimensão ontológica. Ações de cuidado no cotidiano

escolar podem ficar a margem, talvez por uma agenda burocrática a ser

cumprida.

A dimensão do cuidado holístico também está presente no argumento

dos gestores entrevistados. A coordenadora “A”, ao citar que uma ação

importante é “[...] ouvir os alunos, a família, ou outra pessoa envolvida.”,

argumenta a relevância da abordagem do tema do cuidado em questões na qual

a morte e o luto estão presentes. Talvez engessada por tantos outros papéis a

cumprir, a entrevistada parece querer argumentar outras ações ao mencionar:

“[...] uma ação específica [...] não tenho para dar para você”. A coordenadora,

nesta fala, parece desconhecer que o ouvir se caracteriza como um cuidado,

talvez uma característica de poucos, mediante tantas situações em que o tempo

para parar e se prontificar a ouvir o outro, torna-se cada vez mais ausente.

Talvez a coordenadora esteja equivocada em querer dar outras referências.

A interação do cuidado surge também com o interesse em ouvir o

outro. Nesse sentido, a reflexão argumentada pelo diretor “B”, demostra sua

sensibilidade e relevância em relação ao tema da morte, do luto, de perdas na

vida e também na escola. Ouvir a voz daquele que sofre, ou daquele que se

torna o protagonista de seu próprio sofrimento, ou sofrimento alheio, é uma ação

41 Temática abordada por essa pesquisadora no ítem 3.1.1 – A não entrevista.

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relevante na afirmativa do diretor. Vejamos algumas de suas inquietações nesse

sentido:

[...] refletir de uma forma muito respeitosa e com cuidado e um carinho muito grande por todo esse sofrimento, seja o sofrimento daquela pessoa que tem um grande entendimento das coisas, seja o sofrimento daquela pessoa que “estão” mesmo na ignorância, porque tem gente que está sofrendo, [...] ele é o autor principal do sofrimento; ele não tem consciência que ele é que é o autor principal do sofrimento, é de responsabilizar todo mundo, na busca de um sentido, na busca de um cuidado, para que a gente viva melhor, da melhor forma possível.

Para o diretor, viver da melhor forma possível não isenta de lidar com

temas desafiadores como a morte, mas refletir e aprender com novas

possibilidades e significados.

A seguir verificamos o papel dos professores frente às manifestações

de luto entre estudantes.

Tabela 17 – Papel de gestores e educadores frente as manifestações de

luto entre estudantes

Professores

Escola A: Professores

É aquilo mesmo, né, você vai entrar em choque e depois você vai

ficar tentando amenizar a dor da pessoa. Não tem muito o que

tratar, aconteceu, você vai fazer o que? Não tem muito o que

falar, é complicado.

(Professora 1)

O papel do professor, do docente, né, mediante a essas situações

quando acontecem, ele tem que deixar o pedagógico totalmente

de lado, né, aí ele sai da função pedagógica, aí entra na função

humanista, né...a função de ser humano, é...um pouco

psicólogo, sabe, tentar trabalhar o emocional dessa pessoa,

é...acho que todo educador, ele tem um pouco de psicólogo, um

pouco de terapeuta, né, é procurar desenvolver mais esse lado

mesmo, humano, né...humano em si, e se entregar mais nesse

lado [...]

(Professora 2)

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Escola B: Professores

Escola B: Professores

Bom... aqui foi o início de tudo né..., o nosso projeto se deu por

conta de uma, de uma morte, de uma garota, né..., e...o nosso

papel de tudo aqui, o coração, foi exatamente isso, né..., o que

pulsa, o que nos pulsa pra esse projeto é justamente, é...por

causa do luto, é...de uma, de uma garota que nós ficamos assim,

todos nós, e principalmente o diretor, né...e...enfim, não tinha como

continuar, se a gente não tratasse dessa questão.

(Professora 1)

[...] o papel é de confortar, de mostrar pra eles que isso está

presente na nossa vida [...] [...] ela está presente e a gente tem

que aceitar da melhor forma, e entender, não só aceitar,

entender a situação humana, pra passar esse processo de luto,

a gente tem que vivenciar uma perda pra depois amadurecer a

ideia; também não pode ignorar, ignorar é bem ruim, porque eu

acho fica guardado, aí no futuro pode aparecer.

(Professora 2)

[...] esse fator é importante porque a gente tenta mostrar

exatamente que o processo, a manifestação frente a esses

acontecimentos, no caso do luto dentro da escola, tem que ser

muito respeitado, porque afinal de contas, as pessoas que

perdem seu ente querido, dentro de uma, de uma, de um

ambiente, não importa que ele seja escolar ou não, mas aqui no

caso, o papel do professor, do coordenador, é o que...é você dar

todo aparato, né...é poder dialogar, poder apoiar, aquilo que for

necessário para poder fazer com que a pessoa consiga absorver

nessa perda.

(Professora 3)

[...] é muito complicado, porque eu acho que nem nós estamos

preparados pra lidar com isso de verdade, cada um sai atirando

prum lado [...] [...] pra mim a morte representa a dor, pra outro

não [...] [...] é tudo é uma questão de encarar, os japoneses não

comemoram? È uma tendência deles, que eles acham que ali vai

começar, vai ter uma outra coisa, então depende da visão que

têm, então fica difícil.

(Professora 4)

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Acho que a maior manifestação é a “Caminhada pela Paz”, são os

coordenadores, a direção passando na sala, sempre lembrando

disso, mesmo quando eles geram algum problema de violência

dentro da sala, está se colocando sempre o nosso trabalho pela

paz, a caminhada, o que que gerou a caminhada, sempre se

coloca isso, com certeza nenhum aluno aqui da escola, que você

perguntar, ele, vai estar falando que esse é um fato marcante pra

nós durante estudante.

(Professora 5)

Fonte: Tabela criada por esta pesquisadora

Para a professora 1 (escola “A”) “[...] o papel do professor é amenizar

a dor [...] Não tem muito o que tratar, aconteceu, você vai fazer o que? Não tem

muito o que falar, é complicado". Ela não explicita como esse amenizar pode ser

realizado. Ao afirmar “que não tem muito o que fazer, é complicado”, podemos

entender que de alguma forma, o papel do professor não seja ignorar o luto

evidentemente, mas que não há muitas questões que podem ser realizadas.

Apesar de reconhecer o luto como uma situação complicada, não se esquiva de

tratar do assunto.

O argumento da professora 2 da mesma escola evoca inicialmente

apenas o sentido da função pedagógica de educadores no que tange ao aspecto

cognitivo:

[...] tem que deixar o pedagógico totalmente de lado, aí ele sai da função pedagógica, aí entra na função humanista, né...a função de ser humano, é um pouco psicólogo, sabe, tentar trabalhar o emocional dessa pessoa, é...acho que todo educador, ele tem um pouco de psicólogo, um pouco de terapeuta, né, é procurar desenvolver mais esse lado mesmo, humano, humano em si, e se entregar mais nesse lado [...].

Concebo que a função pedagógica perpassa a função humanista.

Como afirma Nóvoa “[...] a profissão docente continua a ser uma profissão

apaixonante, porque não há atividade mais exaltante do que contribuir para a

formação dos seres humanos” (1991, p. 16). Nesse sentido a questão

humanística está presente na tarefa do professor. Instiga-me a questão do

professor assumir na afirmativa da entrevistada, somente o viés pedagógico, no

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qual a construção do conhecimento está desvinculada do compromisso de outra

formação do ser humano.

Encontramos em Severino (2002) um aporte que vem ao encontro de

nossa compreensão:

A atividade do educador pressupõe uma percepção explícita das referências existenciais dos sujeitos envolvidos. Para estes, tais referências dizem respeito à compreensão de si mesmos, dos outros e de suas relações recíprocas, bem como de sua integração ao grupo social e à humanidade como um todo. Não é possível desenvolver a educação sem conhecer e compreender a inserção dos sujeitos na rede complexa da vida subjetiva, nas relações de poder que formam a vida social e no fluxo histórico que constrói a humanidade. (p.147).

As professoras 1,3,5 da escola “B” apresentam unanimidades nas

respostas acerca do papel dos professores frente as manifestações de luto na

escola. O projeto desenvolvido na escola há 14 anos, contribui para que ações

de apoio, acolhimento, diálogos, sejam realizadas na escola.

A professora 1, argumenta que a questão do luto é que justifica a

realização do projeto: “[...] o que nos pulsa pra esse projeto é justamente, por

causa do luto; é de uma garota que nós ficamos assim, todos nós, e

principalmente o diretor, enfim, não tinha como continuar, se a gente não

tratasse dessa questão”.

O processo do luto apresentado pela professora 3, através das ações

realizadas, permite que o enfrentamento se consolide de uma forma saudável.

Para ela, o papel dos educadores permeia a dimensão do cuidado quando faz a

seguinte colocação:

[...] esse fator é importante porque a gente tenta mostrar exatamente que o processo, a manifestação frente a esses acontecimentos. No caso do luto dentro da escola, tem que ser muito respeitado porque, afinal de contas, as pessoas que perdem seu ente querido, dentro de um ambiente, não importa que ele seja escolar ou não, mas aqui no caso, o papel do professor, do coordenador, é você dar todo aparato; é poder dialogar, poder apoiar, aquilo que for necessário para poder fazer com que a pessoa consiga absorver nessa perda (escola "B").

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Para a professora 5, ainda da mesma escola, o papel do professor é

realizado a partir do projeto realizado na escola:

[...] a maior manifestação é a “Caminhada pela Paz”, são os coordenadores, a direção passando na sala, sempre lembrando disso, mesmo quando eles geram algum problema de violência dentro da sala, está se colocando sempre o nosso trabalho pela paz, a caminhada, o que que gerou a caminhada o que que gerou a caminhada, sempre se coloca isso, com certeza nenhum aluno aqui da escola, que você perguntar, ele, vai estar falando que esse é um fato marcante pra nós durante estudante.

Como já apresentado anteriormente, a Caminhada da Paz foi iniciada

por ocasião da morte de uma aluna, desde então, várias ações são realizadas

oportunizando momentos para reflexão conforme as situações vivenciadas na

escola, bairro, ou outras situações pontuadas por alunos ou professores. Os

alunos são convidados a pensar nas ações que podem contribuir para uma

convivência melhor, seja no âmbito escolar, ou na comunidade que vivem.

Vivenciam o que Paula (2010) apresenta: “a reflexão sobre o luto nos

convida a pensarmos como estamos vivendo nossos dias. É claro que não é

regra que precisaremos nos enlutar para pensar sobre o que estamos fazendo

com nossa vida e quais os sentidos que encontramos em nossas escolhas” (p.

212).

Podemos perceber que na escola “B” o tema da morte, luto, perdas,

não está ausente. A escola procura realizar o enfrentamento do luto, preparando

os professores apoiando alunos e realizando atividades que promovem o

diálogo, primordial para construção do desenvolvimento do projeto.

Saber lidar com situações que envolvam a morte, perda, luto, está

imbricado com a concepção que cada pessoa traz isso por meio de experiências

e vivencias. A Professora 4, explicita esse processo ao argumentar:

[...] é muito complicado porque eu acho que nem nós estamos preparados pra lidar com isso de verdade, cada um sai atirando para um lado [...]. Para mim a morte representa a dor, para o outro não [...] é tudo é uma questão de encarar, os japoneses não comemoram? É uma tendência deles, que eles acham que ali vai começar, vai ter uma outra coisa, então depende da visão que têm, então fica difícil (escola B).

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Cada pessoa concebe o luto de uma maneira, como expressa a

professora. Saber lidar com os próprios lutos, favorece o cuidar do outro. A

escola como espaço socializador pode favorecer esse cuidado, e professores

podem ser fundamentais na concretização desse processo. Apesar das

dificuldades, encontrar caminhos parece ser uma tarefa também aos

educadores.

Considerando assim a importância da literatura no cuidado com o

luto, especialmente no âmbito escolar, a seguir, aponto alguns caminhos

percorridos por educadores que trabalham com a temática do luto, morte e

perdas e que podem ser uma referência e incentivo em abordagens na escola.

Entre esses caminhos, alguns sites que visitem e considero importantes fontes

de divulgação de trabalhos realizados por educadores preocupados com a

abordagem do tema nas escolas.

Deixo também algumas “dicas” que fui anotando entre a participação

de cursos que participei durante o processo de investigação.

Paiva (2011, p.139), selecionou 36 livros. As categorias,

apresentadas proporciona conhecer as temáticas possíveis de serem

abordadas. A seguir, copilo parcialmente o quadro apresentado por Paiva (2011.

p. 139-141).

Tabela 18 – Livros infantis que abordam o tema da morte, organizados por categorias

Categorias Títulos

Velhice O Teatro de Sombras de Ofélia

Animal de estimação

Os Porquês do Coração

No Céu

A Mulher Que Matou os Peixes

O Dia em Que o Passarinho Não Cantou

Avós

Histórias da Boca

Cadê Meu Avô?

Vó Nana

Vovô Foi Viajar

Por Que vovô morreu?

Menina Nina

O Anjo da Guarda do Vovô

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Quando seus avós morrem

Pai A Montanha Encantada dos Gansos Selvagens

Mãe

Eu Vi Mamãe nascer

Não é Fácil, Pequeno Esquilo

A história de Pedro e Lia

Criança/irmãos Emmanuela

Ciclo de Vida

Tempos de vida

Caindo Morto

O Dia em que a Morte Quase Morreu

O Medo da Sementinha

A Sementinha Medrosa

A História de uma Folha

Explicativos

Morte: O que Está Acontecendo?

Ficar Triste Não é Ruim

Quando os Dinossauros Morrem

Interativos Quando Alguém muito especial Morre

Fantásticos

A Revelação do Segredo

Pingo de Luz

Pingo de Luz – De volta à casa do Pai

Outros

O decreto da Alegria

A Felicidade dos Pais

Um Dente de Leite, um Saco de Ossinhos

Lançado em 2012, o Manual de leitura e Caderno para colorir e

aprender de Carla Luciano Codani Hisatugo, cujo título “Conversando sobre a

morte”, possibilita uma abordagem interativa com o educando. De uma forma

lúdica, a abordagem pode ser apresentada de forma mais suave.

Em maio do mesmo ano foi lançado o CD “ Falando de Morte na

Escola”, pelo LEM. Apresentado na 1ª Jornada do Luto, na USP, ocasião que

conheci também algumas pessoas que abordam o assunto da morte na escola,

o recurso visual torna-se uma ferramenta indispensável para professores e

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equipe escolar. Maiores informações para aquisição e programações de cursos

do LEM no site: http://www.ip.usp.br/laboratorios/lem/lem.htm42.

Outra iniciativa pertinente à discussão do tema refere-se a Associação

Viva e Deixe Viver43 é uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público - que treina e capacita voluntários para se tornarem

contadores de histórias em hospitais para crianças e adolescentes. Atualmente,

os principais recursos dessa Associação são a leitura de obras infantis, as

brincadeiras, a criatividade e o bom humor de seus voluntários.

Durante a investigação, visitei alguns sites44 que julgo relevante a

divulgação dos endereços eletrônicos para divulgação. Entre eles, destaco:

http://www.amigosdozippy.org.br

http://www.abclinicadoluto.com

http://revistaescola.abril.com.br

http://www.psiqweb.med.br

Essas ferramentas possibilitaram conhecer algumas atividades

desenvolvidas por profissionais que provavelmente inspiram outras pesquisas

futuras.

42

Acesso em 22/11/2012 às 10h45.

43 Maiores informações: http://www.vivaedeixeviver.org.br/ acesso em 29/10/2010 às 18h45.

44 Acesso em 04/05/2011 às 22h25.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Falar da morte talvez seja um dos temas mais desafiadores para

algumas pessoas, quanto mais no ambiente acadêmico. Confesso que foi um

desafio somado a uma coragem e curiosidade epistemológica. Até delimitar qual

seria o problema a ser investigado, em relação ao luto no contexto escolar,

foram muitas as questões que elenquei como inquietações para a pesquisa. Ao

concluir o tema final - Luto na escola: um cuidado necessário - novas

indagações permearam esse processo de construção a partir do objeto de

pesquisa definido, devida a complexidade do assunto. Porém, havia

necessidade de me debruçar no que havia proposto: conhecer e refletir sobre os

significados que os educadores têm acerca do luto e morte no contexto escolar.

Esse conhecimento possibilitou conhecer como professores e outros

profissionais da educação trabalham com o processo do luto na escola.

Pela complexidade do tema da morte, os desafios foram somados a

cada descoberta e também as exigências acadêmicas. O caminho trilhado

inicialmente com a escolha do material bibliográfico foi também um momento

desafiador. Pois, encontrar uma bibliografia específica sobre a morte não foi um

desafio uma vez que já tinha tido a oportunidade de conhecer algumas

publicações, inclusive participando de alguns cursos na USP-SP, com duas

autoras dos livros consultados. Na verdade, a dificuldade maior foi encontrar

autores da área da educação que versassem sobre o tema luto pelo fato do

tema ainda ser pouco explorado na área educacional. Com esse desafio, recorri

também ao uso da literatura infantil como ferramenta pedagógica, por ser um

instrumento facilitador para abordagens da temática da morte e por ter uma

função humanizadora e terapêutica, favorecendo, dessa forma, abordar temas

desafiadores, como a morte, luto, perdas.

Outro desafio encontrado no caminho da pesquisa foi a entrevista não

realizada em uma das escolas escolhidas para a realização do presente

trabalho. Foram várias as tentativas para a realização da pesquisa nessa escola.

O maior problema encontrado foi a insensibilidade da diretora em relação ao

tema da morte e do luto. A diretora mencionou que os alunos morrem na rodovia

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próxima, e não dentro da escola, e que em sua escola não tinham tempo para

lidar com essa situação. Esse percalço sinaliza a morte escancarada presente

no cotidiano das pessoas, principalmente nas grandes metrópoles, invadindo

espaços nas ruas, nas casas e escolas, talvez cada dia mais perto de nossa

realidade. Os alunos morrem ao atravessar a rodovia para irem a escola. A

rodovia não possui uma passarela para a travessia. Eles convivem diariamente

com o limite da vida. Ao negar a abordagem da morte, a diretora também

sinaliza um problema social que parece tratar como algo irrelevante.

Diante desse contexto, a problemática nos leva a refletir sobre o papel

socializador da escola e suas intervenções diante de determinadas situações –

tal como o luto. Este trabalho então compreende que a escola deveria sair de

dentro de si mesma e estar atenta às necessidades dos alunos, do bairro, da

sociedade da qual esta inserida. Evidentemente outros tipos de morte poderiam

estar presente entre os estudantes, porém conhecendo a situação e se omitindo

de suas responsabilidades, a escola colabora, de certo modo, para o

crescimento da mortalidade de jovens estudantes.

As duas escolas que fizeram parte desse trabalho têm um histórico de

violência seguida de morte. Ir ao encontro de situações jamais imaginadas de

mortes de estudantes, possibilitou-me uma reflexão profunda sobre a morte

interdita de jovens que a cada dia mais se tornam vulneráveis devido às

situações que a própria vida ingratamente oferece.

A partir dos relatos dos professores e outros agentes da educação, o

processo de pesquisa foi construído. Os dados revelados pelos entrevistados

permitiram um confronto entre a teoria e a prática. Em cada relato ou nas

respostas das entrevistas das perguntas semiestruturadas, minhas indagações

foram tomando uma nova compreensão acerca do luto, e das pessoas que lidam

com a temática.

Dentre as aprendizagens construídas nesse processo de pesquisa,

destaco uma que tive durante a pesquisa de campo, com os relatos dos dois

diretores das escolas. Momento que apresentam a triste experiência de mortes

com estudantes. Em alguns momentos houve pausas para nos recompormos de

nossas lágrimas. Em um primeiro momento não sabia como me comportar

perante o entrevistado. Depois reconheci que no caminho da pesquisa, a

subjetividade também faz parte do processo do estudo. A partir dos relatos,

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constatei alguns dilemas encontrados pelos entrevistados: a falta de apoio no

momento em que também passam por um luto é uma questão abordada; a falta

de apoio e preparo para lidar com a temática na escola também é uma

realidade; não saber lidar com o próprio luto dificulta a abordagem do tema com

os alunos; não conseguir resignificar a vida com a ausência da pessoa perdida é

uma das dificuldades encontradas não somente para retomar a vida na escola,

mas em um sentido amplo. Para alguns profissionais, a religião é uma questão

que pode dificultar a abordagem do tema, pois cada um tem uma concepção

acerca da morte.

Os relatos me proporcionou também conhecer as facilidades que os

profissionais pontuaram em relação à abordagem do tema. Entre elas, o diálogo

entre professores e alunos é considerado muito importante. Uma das escolas

realiza um projeto em que temas como a morte, luto, perdas, violência, têm uma

relevância no programa desenvolvido pela escola. A tutoria realizada entre

professores e alunos permite uma aproximação maior. O diálogo sobre os temas

citados, é uma prática fundamental que permite conhecer as dificuldades dos

alunos e apoiá-los no que for possível.

Outro dado importante que constatei, por meio do estudo, é a

possibilidade que a temática da morte proporciona repensar acerca do caminho

trilhado. Nesse sentido, a morte do outro, faz com que pensemos na nossa

trajetória de vida. Lidar com a morte como parte do processo da vida, parece ser

um desafio para alguns dos entrevistados. Nesse sentido, a escola pode

proporcionar apoio, preparando a equipe de educadores a lidar com esse tema

tão desafiador.

Os cuidados que a escola pode oferecer são diversificados no que

tange ao resgate da vida dos enlutados. Não abordo aqui questões religiosas,

pois cada religião traz sua interpretação da morte em si, e sim uma perspectiva

de apoio, de ao menos tratar do assunto com possibilidade de conteúdos que

possam ser abordados.

A importância da educação para a morte é um assunto que necessita

ser tratado e repensado conforme a experiência e necessidade de cada escola.

É de suma importância que essa temática seja abordada no contexto escolar,

visto que a possibilidade da morte entre estudantes é uma realidade já

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vivenciada em algumas escolas, como foi apresentado na pesquisa por meio

dos relatos dos profissionais. A morte interdita é uma realidade presente.

Desta forma, julgo de grande importância uma formação continuada

para professores, preparando-os para lidar com o enfrentamento de diversas

situações, inclusive o luto por morte. Educadores devidamente orientados

podem realizar ações de apoio a estudantes enlutados.

Constituir-se educadores se faz ao decorrer do tempo, de

experiências somadas e vividas. Envolve o âmbito de conhecer-se e conhecer o

próximo. Educadores podem realizar em conjunto ações afetivas e efetivas

como apoio no processo do luto. A esperança é construída no encontro da dura

realidade da perda com a possibilidade de continuar a caminhada, perfazendo

momentos difíceis, mas também de um novo sentido de vida.

Considerando as reflexões que a pesquisa proporcionou, trago

algumas inquietações que poderão futuramente tonar-se estudos para novas

pesquisas: a capacitação de professores por meio de formação continuada

abordando a temática do luto e morte; uma investigação acerca de profissionais

que não conseguem retomar suas funções em detrimento por vivenciarem lutos

patológicos; abordar algumas questões de violência que assolam jovens e

resultam em mortes precoces.

O trabalho não apresentou a presença da morte de estudantes por

motivos naturais ou enfermidades, mas não podemos desconsiderar tais

possibilidades. Provavelmente casos dessa natureza podem infelizmente

contribuir para o índice de mortalidade de jovens estudantes.

Ainda que esse trabalho tenha constatado que algumas escolas

realizam atividades de apoio e preparam a equipe escolar para lidar com a

situação, é emergente o despertar de outras escolas em relação à importância e

relevância do tema.

Realizar essa pesquisa permitiu-me conhecer um universo

apresentado nos referenciais teóricos e nos relatos obtidos dos entrevistados

que aceitaram o desafio de participar e colaborar com este trabalho -

ferramentas que contribuíram e possibilitaram um caminhar com novas

aprendizagens, desafios e incentivo a futuras pesquisas

Certamente muitos desafios abrem novas possibilidades para a

pesquisa sobre o processo do luto no contexto escolar. A trajetória da pesquisa

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realizada permite que outros diálogos sejam travados e novas descobertas

sejam trilhadas. Por isso, essa pesquisa pode ser uma contribuição para novas

discussões e o tema da mesma não se esgota nesse trabalho.

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ANEXO A – ENTREVISTA

ENTREVISTA COM A PROFESSORA CARYNE PAIVA

Há quanto tempo trabalha com a temática da morte? Poderia relatar um

pouco de sua experiência?

Comecei a trabalhar o tema da morte na escola já faz algum tempo, acho que

uns 8 ou 9 anos, e essa necessidade minha surgiu ao perceber o enlutamento

de crianças, e então comecei a trabalhar a partir disso. Começo a trabalhar com

sequências didáticas, me utilizo também de livros paradidáticos, de poesias,

bastante poesia, porque sou professora de português.

Qual a importância da abordagem no contexto escolar?

A importância ela se dá porque pelo luto todos nós vamos passar, mas a

diferença está em ter recursos para passar bem por esse luto, porque sofrer,

todo mundo vai sofrer, mas legitimar com as crianças a dor que elas estão

sentindo, que muitas vezes não é legitimada na escola, ou então acontece um

interdito que a gente acaba não comunicando. Acho que a única experiência que

foi realizada a pedido da escola, foi aquela que eu narrei, que foi a respeito do

Realengo, que a coordenadora pediu para eu falar.

Você mencionou que sua experiência com a temática ocorreu tanto na

escola pública e privada. Há diferenças nas abordagens?

Não, não há. Porém, na escola privada, como no caso a mantida por uma

religião, você tem o ensino religioso, e nessa questão o ensino religioso entra

muito, principalmente na questão da compreensão da espiritualidade e das

mortes nas diversas religiões.

Porque você defende essa ideia de que é o próprio professor que deve

abordar o assunto com o aluno?

Porque o vínculo está estabelecido naquele que ele tem mais confiança, é que

ele vai se abrir mais.

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ANEXO B – RELATOS

RELATO DA DIRETORA DA ESCOLA “A”

É aquilo lá que eu te falei, como como aconteceu a morte daquelas

duas crianças e foi uma morte trágica, porque elas foram...foram esquartejadas

pela madrasta e pelo pai, eu não tive ninguém, ninguém da Secretaria da

Educação aqui para ajudar a gente no dia né? Estavam preocupados com a

política da escola, e a família do pai entrou na escola querendo impor, que a

gente declarasse algumas coisas que eram inverdades, né...nós tínhamos as

crianças que estudavam com eles, desesperadas aqui e... a mídia então é que

não faltava, fiquei uns 15 dias entrando e saindo da escola escondida, né...então

é...a...mídia, eles procuravam sempre ver se a escola tem culpa, né? E dessa

vez, graças a Deus, eles viram que a escola não tinha culpa, que quando a

escola viu que eles apanhavam, que apareciam com marcas, nós tomamos as

providências, chamamos o Conselho, levamos o problema ao Fórum. Então, já

havia uma situação anterior, só que nós ficamos totalmente desamparados,

totalmente, veja...(pausa) o ano passado, era dia da formatura deles, e os

alunos não tinham lembrado, mas um ou outro lembrando:-“Ah. Eles poderiam

estar aqui hoje, né? Os meninos poderiam estar aqui hoje...”, você vê

isso...(pausa) é uma coisa que eles não esquecem, e a imprensa, mesmo que

acabou o caso, acabam falando nesse caso, né (pausa). Mesmo que as pessoas

queiram esquecer, elas lembram dos alunos, né...eu continuo do mesmo jeito,

eu não esqueço um dia, eu lembro todos os dias, não tem como, é...parece que

ficou assim, uma situação mal resolvida, né...o que a gente poderia ter feito pra

que a tragédia não tivesse acontecido, como algumas religiões dizem, né...

(pausa) cada um...um vive o seu verdadeiro tempo, né? O tempo deles era

aquele, temos que nos consolar.

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RELATO DO DIRETOR DA ESCOLA “B”

Em 1999, uma aluna nossa que estudava aqui na escola, no EJA,

saiu daqui às 23h00, quando fez 23h45 ela foi assassinada covardemente com

cinco tiros na cabeça, né, cinco tiros na cabeça, e...isso faz a gente pensar,

como pode né? Uma menina que tinha, é... 15 anos de idade, faltavam 3 meses

pra completar 16 anos, vem pra escola, porque está sonhando, tem perspectiva

de vida, aí de repente sai da escola, aparecem algumas pessoas, e é

assassinada brutalmente. E...eu fui ao velório, eu e o professor Ciro, e... eu

fiquei de um lado e o professor Ciro do outro, quando eu olhei e vi é...a face da

Zuleika, eu não vi a Zuleika, eu vi uma coisa horrível, uma cor preta, é...

azulada, e como ela ficou muito tempo, até o IML chegar, secou o sangue, aí

limparam, e ficou aquelas... entre a gengiva e os dentes, aquelas... aqueles

círculos né, de sangue, e quando eu olhei aquilo eu quase desmaiei, foi a

primeira vez que eu percebi, que quando morre alguém da família, que as

pessoas choram, desmaiam, eu achava que aquilo, as pessoas estavam

,0fazendo gênero, então eu vi pela primeira vez que aquilo era real e que eu

quase desmaiei, eu fiquei muito indignado, então a Zuleika era uma menina

alegre, uma menina sociável, né, amiga de todos aqui, e ela, nos intervalos,

antes da entrada, você encontrava sempre em uma rodinha batendo papo,

quando passava alguém da escola ela parava e cumprimentava.

Saindo dali do velório, lá do hospital, e eu “tava” com o professor de

português, professor Ciro, e aí... falei: - Ciro, nós somos omissos!‟ Naquela

época a gente tinha 4 períodos aqui, 1.800 alunos na época, e eu falei: - A gente

sabe tudo o que acontece, e... nós temos medo, não temos coragem, de nos

decidirmos por uma ação, pra mostrar pra essa comunidade que nós não

aceitamos essa banalização da vida. E eu olhei pra ele e falei: - Você ajuda a

organizar uma caminhada pela paz, pelas ruas e vielas de Carmelópolis? Ele

nem pensou, o professor Ciro, ele falou: - “Lógico”; então falei – “ A partir de

hoje você começa a conversa, lá na escola, com os professores, boca a boca,

não caia na “besteira” de “botar” todos eles numa sala, os medrosos vão

amedrontar os outros, pra tudo precisa de estratégia.”

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E aí o Ciro foi conversando com os professores, de vez em quando

ele me dava o mapa: -“Olha, fulano e sicrano “topa” estar junto na frente, este

aqui está em cima do muro, este aqui não adianta esperar nada dele; e aí,

quando a gente percebeu que já tinham vários que podiam difundir a ideia, aí

colocamos todo mundo junto e fizemos a discussão.

Mas o mais importante é que, no dia que saímos lá do velório da

Zuleika, nós passamos aqui na Rua da Fortuna, e o professor Ciro tinha me

dado carona; aí falei: - “Para o carro.” E ele parou o carro e eu desci a pé a Rua

da Fortuna, e...onde tem a sede da comunidade do bairro; e...chamei o João das

Neves, que era o presidente na época e pedi pra ele, se tinha mais alguém da

comunidade, que o assunto que tinha pra conversar com eles era sério, aí ele

chamou. –“Olha, infelizmente a Zuleika foi assassinada, não tem mais volta, mas

nós podemos utilizar o impacto, pra mostrar pra essa comunidade que nós não,

e..., aceitamos a banalização da vida, queremos transformar ainda hoje e agora

, e sair pra mostrar a nossa indignação.” E falei pro João das Neves :- “Você me

ajuda a organizar uma caminhada pela paz, pelas ruas e vielas de

Carmelópolis?” João falou:-“ Ô , meu irmão e meu amigo, você não precisa

perguntar uma coisa dessas pra nós, se a escola está, nós já estamos, porque

pra nós não existe a escola lá e nós aqui, nós somos a mesma coisa.” E aí, né,

trabalhamos 3 meses com grande dificuldade; passamos nas escolas, as

pessoas com medo de se comprometer, a época era a época do toque de

recolher, então tinha período que as escolas não funcionavam, aqui à noite,

fechava. E... aí quando a gente conseguiu fechar com as 3 escolas próximas

daqui junto com a comunidade, nós marcamos a data e fizemos a primeira

caminhada pela paz em Carmelópolis. Esse ano agora, dia 14 de julho, vamos

fazer a 14ª caminhada; então a primeira foi em 1999, quando a Zuleika foi

assassinada, inclusive (pausa), tem um texto do professor Oiro, que ele

escreveu, é...”A Morte que Virou Vida”, que é essa questão do movimento “sou

da paz”, de todas as...e acho que seria uma pessoa que você deveria entrevistar

também; esse texto “A Morte que Virou Vida”, saiu numa revista da prefeitura, só

que o jornalista da prefeitura deturpou todo o texto dele. Ele ficou revoltado. O

professor Ciro é o braço direito nosso aqui. Desde o início é eu, ele e o João das

Neves que demos início a caminhada da paz .

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Esta morte ligada à questão da violência é.. diminuíram muito, muito,

muito; eu...quando teve o movimento “sou da paz”, a gente tem uma reunião

mensal, a próxima reunião já é pra organizar a 14ª caminhada pela paz.

E...durante esse período eu ouvi muitos relatos, entendeu? E...de família na

frente de tiroteio, de matarem 10...14 pessoas e... e... e... eles deitados no chão

de terra batida, e o sangue correndo e entrando dentro da casa é...e eles não

poderem mexer, ficar ali, no meio do sangue. Já vi depoimento assim da

Lindalva, que é uma das diretoras da comunidade de bairro, só liderança,

mulher daqui da região, já vi depoimento dela, que haviam momentos em que

pra entrarem, tinham que pular pra poder passar, de tantos corpos que

encontravam, e... tem também um vídeo, que foi feito por três escolas e...que as

escolas e...tomaram como exemplos, que ao invés de reproduzir a violência

dentro delas, é...deram a volta por cima, no sentido de influenciar, para que a

comunidade fosse menos violenta e...nesse vídeo, esqueci o nome do vídeo,

e...era tudo, homem, mulher...e os alunos, não sei se 2ª série, 3ª série, e eu

perguntei pra eles ali, e...-“Quem de vocês já...já teve algum familiar que foi

assassinado? Um tio, avô, pai, mãe...levanta a mão?” E...quase a metade,

é...mais que a metade. Aí eu perguntei:- “Quem de vocês já viu um corpo ou um

morto, com bala ou tiro, levanta a mão?” Quase todos levantaram a mão. Então

hoje, se você pergunta isso, fica meio estranho pra eles, então né...agora vamos

às perguntas, eu só queria falar pra contextualizar mais. Só queria falar mais

uma coisinha... Eu acho que...que...tem algumas coisas, já notei, que você não

sabe, né?

No processo aqui, não tem nada parado, né..., chega num lugar,

parece que paralisa, né, aí tem comportamentos desagradáveis, aí...a gente tem

que buscar outra estratégia, é...hoje aqui na escola, além da tutoria, que é um

professor, né...que tem um grupo de alunos, de 12 a 15 alunos, isso aqui no

nível II, que é de 5ª a 8ª , porque a monitoria de 1ª a 4ª série, não tem, nós não

temos como fazer grupo menor, então os grupos são de uns 30 alunos, então

fica meio difícil, porque a,a,a principal, é..., o principal instrumento da monitoria

é o diálogo, é o professor alcançar o aluno pelo diálogo, e é aí que eu acho que

toda vida do aluno, mesmo as respostas sobre a morte é muito mais fácil.

E...professor em grupos de 12...15, estar fazendo essas conversas, é muito

mais produtivo; e essa é a monitoria, que é através do diálogo, o professor

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conseguir criar dentro destes alunos, desses alunos, a sustentabilidade pra que

ele possa aproveitar o máximo possível, todas as atividades da escola, dentro

do salão, na sala de orientação de roteiro...e tudo mais, mas...(pausa) tem um

outro instrumento de participação do aluno, que é a condição mediadora do

aluno, dentro de cada um dos salões. Então os alunos da 5ª série elegeram, já

elegeram, das séries de 5ª a 8ª, um grupo de 10 colegas, que eles vão ser é.... a

comissão mediadora dos salões, com poder inclusive de estar convocando pais

daqueles alunos que vandalizam muito o ambiente, que cria problema, e o

professos interfere e não adianta, que ele chama pra conversar e não resolve o

problema,...ele tem o poder de até chamar pai pra vir pra cá; e essa diferença do

nosso projeto, começou isso em 2008.

Em 2008, a comissão da 5ª série, que são os mais novos do período

do nível II, foi uma comissão que funcionou muito bem, muito bem, e...eu me

lembro um dia, que “tava”, eu “tava” meio triste, preocupado com uma série de

problemas, e a coordenadora descobriu, e a professora de matemática Mércia, e

aí elas viram que eu estava triste. –“Ah..., viemos falar uma coisa pra você, pra

você ficar animado. Ontem os alunos da 5ª série convocaram os pais de meu

aluno, e o pai veio, você precisa ver com que profundidade eles discutiram o

problema do aluno, você precisa ver a competência deles, eles tem capacidade

sim, e o pai foi embora encantado.” Passou algum tempo, novamente a

coordenadora e essa professora, vieram falar que eles tinham convocado...veio

o irmão mais velho, e a hora que terminou a reunião, o irmão mais velho falou: -

“Gente..., vocês precisam filmar isso, essas meninas e esses menininhos não

existem...”. E... a terceira vez, e...eu “tava”, aí chegou uma mãe; chegou uma

funcionária: -“ Marcos, tem uma mãe aí brava, que falou que não fala com aluno,

só fala com o diretor.” Eu já percebi que a comissão que convocou a mulher...e

eu falei:-“A senhora que só fala com o diretor?”...” “È, não falo com criança”. Eu

falei assim:-“Sei quem são eles, a senhora respeita as crianças desta

comunidade, eles têm competência, a senhora pode não querer falar com eles,

então não é escola sua, a senhora vai ter que procurar outra escola, porque

nessa a senhora vai ter que falar com a criança, sim”. –“ Ah..é assim Marcos?.”(

aí nessa hora eu tinha até nome, né...), aí então eu falo”. Levei até lá, expliquei

pra elas

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-“A mãe chegou aqui brava e precisa falar com vocês.” Aí expliquei

pra elas, e foi isso aí...aí eu „sentei e fiquei lá também; olha...eles começaram a

reunião e eu ficava arrepiado. Sabe...vendo a desenvoltura deles, e eles

falando...é...coisa que nem adulto muito especial faz, eles fazem, eles pensam,

eles têm capacidade, eles são competentes, e...é....aí estava demorando, falei:-

“Ai, ai, ai...será que eu vou ter que entrar e dar um encaminhamento, é...eu

pensando, nesta coisa, e tal”... E aí uma menina falou assim: -“Sabe mãe, um

dos princípios do projeto da nossa escola, é a solidariedade, então nós estamos

aqui para ajudar, o que que a senhora acha que você, que ela, que nós

podemos fazer para ajudar você?” Então a menina falou:_-”Vocês lembram

quando eu era do grupo tal...”? –“É...lembramos”. –“Eu não era diferente?” –

“Era, realmente você era mais envolvida, mais concentrada, mas nós não temos

autonomia para mudar você de grupo, nós vamos conversar com os

professores, pra ver se há essa possibilidade.” Terminou a reunião, nunca mais

essa menina veio na minha sala, só que essas soluções de salão, que “é” eleita

por eles, muitas vezes eles dominam, porque eles não querem uma

organização, porque a partir do momento que tem uma organização, tem regras,

e a partir do momento que tem regras, você não pode mais tripudiar, você não

pode mais fazer o que quer, por que? Porque os próprios colegas oprimem o

poder deles, porque eles sabem, consciente ou inconscientemente, que eles

fazem de tudo para demonstrar essa organização, e a gente percebe, que

algumas comissões de salão, têm dado certo, e tem outras, que eles são

dominados pelos...então é...então já escolheram os membros da comissão deste

ano, agora..., cada comissão está escolhendo um representante da comissão,

entre os da comissão eles que escolhem, deixa a turma votar, para ser um

deles, membro do Conselho de Escola, e essa mesma pessoa, vai ser da

comissão eleitoral; que nós vamos fazer da escola como se fosse uma

prefeitura; portanto vamos fazer essa comissão eleitoral, vai tem também

professores junto com essa comissão, portanto eles vão fazer regras, nós vamos

eleger o Prefeito da escola, os vereadores da escola, e cada salão vai eleger os

seus representantes. Depois prefeito, vereadores eleitos, vão sentar e vão

formar as secretarias; por exemplo, uma eu vou impor: Secretaria da

Diversidade e da Convivência, essa é a única imposição, e o que achar que

devem colocar aí, entendeu?

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Então qual é a diferença dessa escola? Essa escola quer um aluno

respeitoso sim (bate a mão na mesa), e não vai ser omissa nisso, a única

diferença, é que essa escola está chamando o aluno para ser parceiro, pra

ajudar a construir a escola, então é...tudo isso é motivo...de repente pode ter

uma secretaria do luto, não é? Se você estivesse aqui como aluna, já ia

participar dessa secretaria do luto.

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RELATO DA PROFESSORA (READAPTADA) DA ESCOLA “B”

Eu sou professora readaptada, por coincidência depois que eu fiquei

viúva, não consegui retornar à sala de aula, então...no momento eu acho que o

acolhimento das pessoas que estão de luto né...dos funcionários, é muito bom.

Mas, no meu tempo foi muito ruim, eu não sei se descriminada, perseguida, né...

Não tive apoio na escola, da direção, da parte administrativa, da coordenação,

aqui mesmo, né...e...tem 10 anos, e eu acho que isso prejudicou a minha

carreira, digamos assim, porque eu estava começando carreira quando fiquei

viúva, né...então foi muito difícil, e aí você fica, eu penso, um pouco triste, você

fica tão condoída, porque você sabe o quanto dói, que você não consegue lidar

de uma maneira positiva com seu aluno, você acaba ficando com pena dele

também, então é o seguinte, não consegue lidar direito com a situação, ter um

apoio pro funcionário, o luto é luto pra todo mundo, o luto é luto pro adulto, o luto

é pra criança, o luto é luto pro filho, é luto pro aluno, ele é luto pra esposa, ele é

luto pra funcionário, né...O luto...o luto de um modo geral. É... é claro que a

gente pode analisar a particularidade da influência aí do luto, da perda, no

desenvolvimento da aprendizagem, na vida da criança, mas a escola não tem só

a criança, tem tudo o que a criança precisa receber; mas no luto de uma forma

geral, está a perda.

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ANEXO C – CARTA DE APRESENTAÇÃO

Prezada Professor (a),

Meu nome é Patrícia Regina Moreira Marques, sou mestranda da

Universidade Metodista de São Paulo.

Venho por meio desta, pedir a sua permissão, para uma primeira

aproximação de uma parceria da pesquisa que estou realizando, como aluna de

Mestrado do Programa de Pós Graduação da Universidade Metodista de São

Paulo – UMESP – Campus Vergueiro em São Bernardo do Campo/SP. Pesquisa

esta, sobre a presença e o processo do luto na escola e como professores,

coordenadores, diretores podem contribuir mediante o processo de luto, entre

estudantes.

A participação de vocês é muito importante para a conclusão desse

trabalho. Assim, conto com a colaboração de todos.

Obrigada!

_________________________________

Patrícia Regina Moreira Marques

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ANEXO D – QUESTIONÁRIO

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO-SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO

MESTRANDA: PATRÍCIA REGINA MOREIRA MARQUES ORIENTADORA: PROFª DRª ZEILA DE BRITO FABRI DEMARTINI

Questionário aplicado aos 23 professores, coordenadores e diretores que

fizeram parte da primeira etapa da Pesquisa

1. Apresentação:

Idade _____________ Sexo: _____________ Estado Civil: _____________

Tem filhos? ( ) Sim ( ) Não Moram com você? ( ) Sim ( ) Não

Religião: __________________

2. Formação

Curso:_________________________________________________________

Ano que iniciou: ______________ Ano de Conclusão: ___________________

Tempo que exerce a função de Professor/coordenador e/ou diretor:

________________________________________________________________

Já exerceu outra função na escola:

________________________________________________________________

Possui outro tipo de emprego: ( ) Sim ( ) Não – se sim qual?

________________________________________________________________

Nome da Escola em que atua:_______________________________________

Turma: ___________________________________

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3. Questionário

1)Você já perdeu alguém por morte?

( ) Sim ( ) Não

Explicitar ______________________________________________________________

______________________________________________________________

2)Houve alguma instituição ou alguém que lhe ajudou no momento de luto?

( ) Sim ( ) Não

Explicitar ________________________________________________________________

3)Considerou importante um apoio nesse momento?

( ) Sim ( ) Não

Explicitar

______________________________________________________________

______________________________________________________________

4)Há pessoas dentro da escola que lhe ajudaram no momento do luto?

( ) Sim ( ) Não

Explicitar

______________________________________________________________

______________________________________________________________

5)Você acha que a escola pode ser uma rede de apoio à pessoas que passam

por luto?

( ) Sim ( ) Não

Explicitar

______________________________________________________________

______________________________________________________________

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6)Você acha que a escola pode cuidar do ser humano em que aspectos?

( ) éticos ( ) emocionais ( ) Sociais e culturais

( ) todas as anteriores ( ) outros?

Quais?_________________________________________________________

7) Você percebe que estudantes que vivenciam o luto necessitam de um apoio

na escola?

( ) Sim ( ) Não

Explicitar

______________________________________________________________

______________________________________________________________

8)Você acha que a escola pode ajudar estudantes a refletir sobre diferentes

questões que podem levar a morte?

( ) Sim ( ) Não

Explicitar

______________________________________________________________

______________________________________________________________

9)Você acha que o educador/coordenador/diretor podem ajudar estudantes que

sofrem por luto?

( ) Sim ( ) Não

Explicitar

______________________________________________________________

______________________________________________________________

10)Você acha que a escola pode ser uma rede de apoio na prevenção de mortes

de estudantes?

( ) Sim ( ) Não

Explicitar

______________________________________________________________

______________________________________________________________

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11)Você já acompanhou algum estudante envolvido por doença?

( ) Sim ( ) Não

Comente

______________________________________________________________

______________________________________________________________

12)Você já acompanhou algum estudante envolvido por doença e que chegou a

óbito?

( ) Sim ( ) Não

Comente

______________________________________________________________

______________________________________________________________

13)Você já acompanhou algum estudante envolvido por alguma violência e que

chegou a óbito?

( ) Sim ( ) Não

Comente

______________________________________________________________

______________________________________________________________

14)Você já acompanhou algum estudante envolvido por alguma situação de

limite de vida e que chegou a óbito?

( ) Sim ( ) Não

Comente

______________________________________________________________

______________________________________________________________

15)Você já acompanhou amigos de estudante que faleceu?

( ) Sim ( ) Não

Comente

______________________________________________________________

______________________________________________________________

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16)Você considera importante o apoio a estudantes enlutados?

( ) Sim ( ) Não

Comente

______________________________________________________________

______________________________________________________________

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ANEXO E – TRANSCRIÇÕES

TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA45 REALIZADA COM A DIRETORA DA

ESCOLA “A”

O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?

Eu acho que é cortar vínculos, eu acho que perder uma pessoa por morte é

cortar vínculos.

Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto

por morte? Quais?

Geralmente eu não tenho, no geral não, mas existem questões, existem

situações em que você fica se perguntando, se aquela situação poderia ser

evitada, a morte no caso.

Na escola onde você trabalha você sente por parte da equipe abertura para

tratar do assunto luto?

Sim, é tratado com naturalidade, nós temos um caso recente, depois da

pesquisa que você fez aqui, tivemos uma tragédia que aconteceu com um aluno

daqui, e foi tratada com naturalidade, a gente procura não valorizar tanto, mas

também não menosprezar o que cada um sente.

Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do

assunto no ambiente escolar?

Eu acho...o que facilita é a aproximação dos professores com o aluno, o

convívio, e o que dificulta é a religião, que cada um é...enxerga a morte de uma

maneira, é...então vivencia a morte, diferente, então isso é um fator que dificulta,

porem dá abertura pra você enxergar de formas diferentes, né...e eles também

45

Realizada em 08/03/2012 às 15h30h.

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conhecerem como as diversas religiões encaram a morte, cada religião tem seu

ponto, isso aí não tem como não passar.

De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar

com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por

exemplo.

É...nos aprendemos na prática, então a vivencia é uma clínica, né...mas a

experiência ajuda, porque eu vim aprendendo na prática, sem nenhum apoio de

fora, não existe essa coisa de fora, então na verdade, assim...os professores, os

profissionais da escola, eles tem que estar preparados para sofrer o luto, né...,

um do outro; não estão consegue nem ele mesmo cuidar dessa perda, um do

outro, o professor cuidar dessa perda, nós aprendemos na experiência.

Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?

Por quê?

Eu acho...é...(pausa) existem situações que seriam evitáveis, né...o ano

passado nós perdemos um aluno com um tiro acidental, e ele, aluno do 2º ano

do ensino médio, e...foi uma coisa que poderia ser evitada, né...se eles tivessem

colocado em prática aquilo que todo dia a televisão fala, os pais falam, a escola

fala, que é não manusear arma de fogo, então eu assim, assim...(pausa) a gente

tem que estar sempre falando; tem gente que não gosta de falar de morte,

né...mas não da pra evitar, todos nós vamos morrer um dia, mas a gente tem

que falar, principalmente em relação a violência, a gente tem que estar falando,

batendo, enquanto a gente puder evitar.

Como lidar com as questões violência, morte, luto, no ambiente escolar?

Ó...como é assunto que aconteceu em outras regiões, pode ser que o que

aconteceu aqui nessa escola, seja pouco; a gente não tem muito essa questão

de violência, né...”morreu com um tiro porque foi na boca de fumo...”, né... essas

coisas a gente não tem, então a gente tem que ver só a questão do luto, né, pra

alguns o luto é contido, para outros o luto é maior, atrapalha o rendimento

escolar deles quando acontece, isso atrapalha muito, tem alunos que não

conseguem nem ficar na escola, então ele tenta muito falar, ele chora, coisa que

ele não faz com a família, ele procura alguém que seja mais próximo dele, ou

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um professor, ou um funcionário, aquele colega que esteja emocionalmente

mais preparado.

Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às

manifestações do luto entre estudantes na escola?

È...a gente não pode deixar a questão virar “oba oba”, né...a gente tem que

tratar a situação do luto com respeito, porém cada um tem sua forma de viver o

luto a seu tempo, então é..., é....mais difícil pra nós, que nós não temos aonde

“se” apoiar, eles têm a gente, mas a gente não tem, se fosse ao contrário, que a

gente perca, né...esse auxílio para a perca...Nós não temos...não se pode nem

fechar a escola, oficialmente nós não podemos deixar nem de ter aula, quando

acontece uma situação de luto, morreu alguém, você pode ir até para o enterro,

para o velório, mas você não pode fechar a escola, porque se você fechar a

escola, a Secretaria da Educação vai falar:-“Você vai ter que repor esse dia

letivo.” Então tem horas que pra Secretaria da Educação, a situação é muito fria,

né...e...então...no papel é tudo muito frio, mas as situações da escola não

podem ser frias, você está lidando com o ser humano, então você vai ter que ter

pena todos os dias, você vai ter choro todos os dias, você tem um aluno...que

morreu um colega, morreu o pai, morreu o avô, pessoa que era muito apegada,

ele tem que voltar pra escola, e muitas vezes, a pessoa não volta preparada, e

muitos querem contar o que aconteceu, então é assim,...o adulto é assim, nós

sempre temos que estar preparados, e muitas vezes os professores não têm

suporte, tem professor que não aguenta, e aí então, com é que fica? Tem uma

professora, que depois daquele caso do menino, do João Vitor, ela começou a

ficar ruim, ela começou a ficar doente, aí...no outro ano ela pegou aula,

começou a não ter paciência com os alunos, ela não conseguia mais criar laços;

aí...ela sofreu um acidente, e quando ela sofreu esse acidente, que ela foi se

tratar, ela acabou tendo que passar por um psiquiatra, e descobriu, que isso veio

naquela época...então tudo que ela não conseguia fazer, naquela época, era

dela...porque ela não conseguiu viver aquele luto como ela deveria ter vivido.

Acho que falta apoio, nem na escola particular, também não deve ter, acho que

falta apoio..., não é porque é professor, e é da educação, que está preparado

pra enfrentar tudo, não é bem assim, nós somos seres que precisamos uns dos

outros.

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TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA46 REALIZADA COM A COORDENADORA

PEDAGÓGICA DA ESCOLA “A”

O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?

É...a pergunta mesmo já está falando, né...é uma perda, né...perder alguma

coisa..., quando a a a gente perde um objeto nosso, assim..., a gente já se sente

de certa forma prejudicado, se a gente...a gente tiver algum apego, a gente,

assim...já sente mesmo; quando a gente perde uma pessoa, creio que é parte

assim...da nossa convivência, nossa...a gente vai ficar com uma lacuna difícil de

preencher, né.

Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situações de

luto por morte? Quais?

Olha...creio que não tenho tantas dificuldades assim, mas por ter assim...,

amparo da família, e por conhecer e por ter uma crença, creio que isso seja um

respaldo assim..., que, que não deixa a gente se sentir tão mal, né...resumindo

em palavras simples, assim...acredito que esse lado ajuda muito, porque não,

não, não percebo assim uma grande dificuldade, mas lógico que a, a, a

saudade, a falta, assim..., isso aí, convive com a gente todos os dias.

Na escola onde você trabalha você sente por parte da equipe abertura para

tratar do assunto luto?

Sim, a gente trata, é....mesmo porque a gente tem...devido a gente ter um

grande volume, né... de culturas, de realidades que a gente tem aqui, então a

gente precisa estar aberta, a gente precisa, na verdade, estar aberta para

conversar, sim.

Em sua opinião quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do

assunto no ambiente escolar?

46 Realizada em 08/03//2012 às 17h25.

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A principio seja por gente não conhecer a realidade das famílias, quando a

gente conhece, quando a gente já sabe que o aluno tem alguma falta, que o

aluno não tem a mãe, que o aluno não tem o pai, a gente já procura

assim...hã...não tratar diferente, mas a gente procura ser um pouco mais suave,

mais afável nas palavras, assim justamente.

De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar

com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por

exemplo.

É um choque bem grande, “que nem” aconteceu, já aqui, aconteceu o ano

passado, em 2011, e já aconteceu em outros anos também, inclusive foram

crianças, crianças mesmo, estavam na 5ª série, porque foi um choque

assim...pra comunidade toda, tanto pra gente professor, como pros colegas que

estavam na classe com eles.

Você acha importante lidar com as questões de violência/morte na escola?

Por quê?

É importante, para que a gente possa, é...realmente trabalhar assim, e conhecer

um pouco deles, saber é...saber as dificuldades deles, pra gentepoder exigir,

esse balanço aí é...é...deve sempre ser feito, né...o que é que eu posso fazer,

qual o aluno que já tem dificuldade; ele chega na escola com dificuldade, a

gente precisa observar isso, a gente tem que observar...tem algo que precisa

ser observado muitas vezes, porque a gente realmente tem coisas que se a

gente não observa, eles fazem falta pra gente todo dia.

Como lidar com as questões violência, morte, luto, no âmbito escolar?

Não...primeiramente creio que não escondendo nome de ninguém, né...não

querendo camuflar situação, nem...assim...medir muito as palavras, mas ser o

mais é...é...discreto, no sentido de não expor os envolvidos, “que nem” a gente

tem o, o, o...um aluno, na parte do período da manhã, que participou da situação

toda da cena, então a gente...a gente precisa ser o mais discreto, pra ele se

sentir à vontade e pra gente também não ter maiores, maiores problemas, pra

isso mesmo.

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Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às

manifestações do luto entre estudantes na escola?

Uma ação importante é ouvi-los, ouvir a família, né...quem tiver envolvido na, na

situação, e pelo menos a gente, acho, ouvindo eles e respeitando a situação,

creio que já é uma boa ação, agora, uma ação específica a gente não...eu

particularmente não tenho de onde hã...assim sem contar...eu assim hã...não

tenho uma referência pra dar pra você.

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TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA47 REALIZADA COM O DIRETOR DA

ESCOLA “B”

O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?

Eu acho que significa, é...primeiro, uma reflexão muito profunda sobre o sentido

do porque estamos aqui, né...e aí vem uma certa dor ou dúvida, que se a morte

encerra tudo, qual seria o sentido do tudo? Eu acho que provoca uma reflexão

que leva a gente a(pausa), ou a fé ou a uma dúvida; e...que parece que são

poucas as pessoas que conseguem falar – “Não...eu tenho fé, vai ser legal...”,

parece não duvidar nunca; porque eu, pela minha experiência com conversa

com pessoas religiosas, tem momento que o religioso também ele duvida, né?

Ele duvida... ele duvida, e ele começa a...(pausa). Então eu acho que é uma

reflexão sobre o que é o caminho que todos nós temos que passar.

Eu por exemplo, nessas férias, não foi muito legal pra mim; porque eu há 35

anos, eu vou duas vezes visitar meu pai, minha mãe, duas vezes por ano, vou

em janeiro e vou no meio do ano, então quando chega o Natal eu fico feliz,

porque o Natal eu passo aqui com minha mulher e...com os parentes dela, e aí

de madrugada vamos para Jales e a gente passa o Ano Novo com meus pais.

E...no dia 23, eu estava na expectativa de ir pra lá e tal, e recebo um telefonema

que minha mãe tinha caído (silêncio, olhos lagrimejam) e tinha quebrado a

bacia, e...ficava de cama e...tinha que repousar por três meses; e aí eu chego lá,

a minha mãe na cama, é...imobilizada, é...imobilizada pela dor, não..(pausa) ,

é...e eu fiquei 11 dias é..., dando banho na minha mãe, limpando cocô, e...assou

tudo, vagina, anus, virilha e...carne viva, e fazendo curativos; e aí a gente

refletiu muito sobre esta questão, no sentido mesmo da vida, né...então eu vejo

a minha mãe é...do passado, né, uma fortaleza né..., de fibra, trabalhou na roça,

era ela que tirava leite, era ela que amansava cavalo, nós nunca tivemos terra,

vivemos sempre na terra dos outros, aí de repente você vê ela numa cama,

totalmente dependente, é... você é quase que obrigado a ser humilde né,

mesmo, porque se você não tiver essa garantia do sentido do que é a vida, o

47 Realizada em 05/03/2012 às 11h35h.

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que que nós temos, então eu acho que a morte vem fazer a gente a se ver como

gente.

Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situações de

luto por morte? Quais?

Olha, eu, eu, eu não... a, a situação da morte, pra mim ela, ela é difícilpor causa

das pessoas que ficam, porque se essa questão da morte fosse trabalhada de

uma forma que todo mundo fosse autônomo e que não fosse dependente do

outro, eu acho que seria tudo mais simples, é...eu me lembro que, quando meu

avô morreu, o pai da minha mãe..., a minha vó, ela é uma pessoa meio

sistemática, e no dia da morte, lá em Araçatuba, no cemitério, eu imaginava o

que que ela ia passar por não ter mais o meu avô, e...o que ela iria passar na

mão dos filhos, né...porque ela era sistemática, ela era sistemática, e...aí eu

lembro que todos os esforços que eu fazia de mostrar que a vida não tinha

acabado, que teria jeito, que teria sentido...(pausa) mas depois que meu avô

morreu, a vida dela não teve mais significado, ela não teve mais sentido, então a

minha dificuldade é de não conseguir entrar dentro daqueles que ficam, e ajudar

essas pessoas. Autonomia pra poder viver independente da perda que ele teve,

né. (pausa). Eu acho que é isso.

Na escola onde você trabalha você sente por parte da equipe abertura para

tratar do assunto do luto?

Aqui a gente tem sempre a seguinte fala, né...que a gente tem sempre a

seguinte fala, né...que a gente tem que estar tranquilo naquilo que nós fazemos,

porque a morte, ela vem mesmo, né...e...que aqueles que lutam, aqueles que

trabalham, aqueles que se envolvem, é..., quando ele se aposenta ele está

cheio de vida, porque tem projeto de vida, é..., e que aquele que está aqui no

trabalho, sofrendo, e tão longe de não sei o que, na hora que ele aposenta, a

vida vai acabar o mais rápido possível, o sentido vai acabar, então a gente tem

(pausa), hum...tem tido aí professores, que saíram, que morreram, né...que

aposentaram, gente que depois de dois anos, coitada, de aposentada,

é...morrer; então eu acho que a pessoa de uma certa forma até que trabalha

bem esta questão da perda, que passa. Então... nós temos uma pessoa aqui,

coitada, que está com a mãe há muitos anos já, de cama hã...conforme o jeito

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que se mexe, os ossos quebram, e agora ela nem tem coragem de falar, e o

marido também está com uma doença, (pausa), não sei se câncer, né...e ela

está inteira, trabalhando, né...inteira para nós, né...agora, como ela está dentro

dela, nós não sabemos, porque eu acho que a morte da mãe, seria libertação,

né..., o sofrimento da mãe e o sofrimento dela também, então aparentemente,

parece que a pessoa tem um certa abertura, mas de forma geral, e...sem pensar

nas pessoas daqui, parece que as pessoas vivem como se não fossem morrer,

não fossem morrer, eu acho que esse é um dos grandes desafios que os

teólogos tem em ensinar, os filósofos tem, é... houve ocasião mesmos que

deviam levar as pessoas a aprender a morrer. E... eu vejo, não aqui dentro da

escola, mas muitos pais...fazem até uma chantagem...”Ai, tô mal...eu vou

morrer...”, “eu não sei que...” e acontece que os filhos não gostam de ouvir

essas coisas, porque chega uma hora, que vão passar pela mesma coisa, e eles

não vão estar nem perto, não pode reclamar, como estão reclamando, eu acho

que aprender a morrer é um desafio mesmo.

Em sua opinião quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do

assunto no ambiente escolar?

O que dificulta, (pausa) eu acho que o que dificulta é a insensibilidade mesmo

quanto a esse tema, entendeu, eu acho que não adianta...não adianta pensar ou

não pensar, então eu acho só a insensibilidade. O que facilita é a natureza

humana, ela tá ali e....e a coisa tá pra ser encarada, ser uma pessoa serena,

tranquila, e....no final da sua vida, ela consegue até dar esperança pra aqueles

que ficam, entendeu? E a maior parte traz desespero pra todo mundo, né, a

gente precisa aprender com isso, falando sobre. A insensibilidade é o que

dificulta, e a natureza humana é o que faz parte, é o que eu disse, tem que ser

completada, a gente tem que se educar para...

De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar

com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por

exemplo.

Olha eu, eu acho que uma morte e..., de uma criança, e...adolescente, (pausa),

e...ela nunca é aceita assim como algo natural, embora a gente saiba é é é, que

acontece, e...eu acho que a escola está preparada, no sentido em que ela não

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se furta nenhuma espécie de dialogo, então essas coisas acontecem, querendo

a gente ou não, eu acho que conversar é algo que nós podemos fazer, e eu

acho que o o o, a a a pessoa, o sujeito, se constitui através da fala, não estou

falando só da fala “fala”, estou falando de todas as formas de expressão,

né...e...quando ocorre um episódio desse, conversar sobre, ou falar sobre, ajuda

a pessoa a dar sustentabilidade para pessoas, a continuar a viver, a continuar a

buscar.

Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?

Por quê?

Eu acho fundamental, inclusive, após trabalhar 15 anos nesta escola...a gente

percebeu que tá tendo uma coisa muito errada na nossa sociedade, a

coordenadora pedagógica Amélia, falou pra mim de uma pesquisa, e eu quero

ver essa pesquisa, onde colocam que as crianças ricas, os adolescentes ricos,

eles mandam nos pais, aliás, inclusive eles estão manipulando os pais em

matéria de consumo, e...a classe média também, e os pobres mais ainda, e isso

é uma coisa que a gente está descobrindo agora, e a gente está entendendo o

que é esse “manda”; por exemplo, na sexta-feira, a professora mandou um aluno

pra cá uma vez, veio um aluno aqui, porque a gente está tentando aqui, fazer

com que eles entendam que as regras é pra facilitar a vida, e a gente vai

chamar, para ajudar a elaboração e fazer as regras; e aí...um aluno,

descumprindo as regras do salão, a professora falou:-“Vocês querem mandá”, e

nós não estamos mais aceitando esse tipo de coisa, então os professores já tem

um acordo comigo...não vamos deixar acontecer esse tipo de coisa. E... nosso

aluno veio falar:-„Qual é a regra? E tá tá tá”. –“Você sabe qual é a regra, então

você está querendo mandar, você está querendo mandar em nós, estamos

chamando você para ser parceiro, e você está querendo mandar.” Eu comecei a

perceber que é isso que acontece.

Hoje, por exemplo, eu e....levei dois alunos em casa, e...um deles desrespeitou

a professora, desrespeitou a mim, dentro do salão, quando a gente “estávamos”

resolvendo um problema, discutindo um problema, peguei e levei em casa; e

com outro, estava lá...correndo, e a professora falou com ele, e ele tacou a

cadeira no chão, “catei” e levei em casa; e um deles, na hora que eu vou

conversar com a mãe...quando você está sozinho com ele, você até conversa,

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mais ou menos, e perto da mãe, é im-pos-sí-vel, porque ele manda na mãe, ele

manda em todo mundo e ele foi bem claro –“esse é o meu jeito, eu sou assim e

não vou mudar”, olha o,o,o tipo de conversa; então eu acho que esta questão

da,da,da ...de respeito, temos como nosso objeto, nosso quesito é a

solidariedade, então eu não consigo acreditar que se não tiver um trabalho para

que se viva a questão da solidariedade, desde o nascimento, a nossa sociedade

vai estar muito mal, porque as pessoas vão tomar uma série de decisões, como

se o outro não existisse, e já tá tendo consequências horríveis e vai continuar a

ter consequências. Eu acho que a morte deveria trazer as pessoas “pro chão”,

deveria trazer as pessoas pra realidade, e nada é bem do jeito que eu faço, que

eu quero, e todo mundo quer viver, né..., e...viver é aqui mesmo, e não é isso

que acontece, então eu acho que a questão da violência, a questão da vida, da

vida (pausa), tem que ser tema todo dia dentro da escola e tem que levar as

pessoas a a a aprender a a a conviver da melhor forma possível, da forma mais

respeitosa possível, é....dentro da escola, dentro da sua casa, na sua rua, na

sua igreja, e em qualquer outro lugar, daí da sociedade. E...por exemplo, só que

essa questão de trabalhar pela paz, né...pelo diálogo, pela compreensão, não é

um processo fácil não, é....processo, não é uma coisa natural, exige muita

estratégia, exige postura. Quando a gente analisa esta escola aqui, em termos

de violência, comparando com 16 anos atrás, houve um progresso imenso,

sabe...quem olha a violência que acontece hoje, acha que é um absurdo

acontecer o que acontece aqui, mas em comparação, houve um avanço muito

grande...muito grande, e...trabalhado nesse tema morte, levando as pessoas a

ser humilde, né...Ainda bem que sou um tipo que entende que se depende de

Deus, ou dessa relação que só é possível, vivendo junto com o outro, eu acho

muito difícil, é...muito difícil...só que eu acredito na capacidade do ser humano,

de construir uma sociedade onde tenha mais vida prá todo mundo, respeito,

dignidade, mais dignidade.

Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às

manifestações do luto entre estudantes na escola?

Eu acho que é...levar esse aluno a refletir, refletir também; é...conviver, hã...de

uma forma muito respeitosa e com cuidado e um carinho muito grande por todo

esse sofrimento, seja o sofrimento daquela pessoa que tem um grande

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entendimento das coisas, seja o sofrimento daquela pessoa que “estão” mesmo

na ignorância, porque tem gente que está sofrendo, e...ele é o autor principal do

sofrimento, e...ele não tem consciência que ele é que é o autor principal do

sofrimento, é....de responsabilizar todo mundo, na busca de um sentido, na

busca de um cuidado, para que a gente viva melhor, da melhor forma possível.

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TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA48 REALIZADA COM A PROFESSORA 1 DA

ESCOLA “A”

O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?

Difícil, né...muito difícil, ah...sei lá, é muito difícil você perder um ente querido, é

difícil de entender, a gente não entende porque existe a morte né? É

complicado, é muito difícil.

Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto

por morte? Quais?

Dificuldade assim como? De não saber o que vai falar? É difícil né...porque tá

ali, sabendo que a pessoa está ali triste, porque perdeu alguém, você fica sem

saber o que vai fazer, o que vai dizer, então é melhor a gente só consolar e ficar

quietinho.

Na escola onde você trabalha você sente por parte da equipe abertura para

tratar do assunto luto?

Sim, a gente tem sim, porque a gente comenta né, aconteceu, a gente

compartilha, né, ali, da dor do outro, né.

Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do

assunto no ambiente escolar?

Não tem não, dificuldades. Quando acontece todo mundo ali compartilha sempre

umas com as outras.

De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar

com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por

exemplo.

48 Realizada em 09/03//2012 às 13h15.

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Preparada ninguém tá, né, sempre é difícil (risos), como dizer tô preparada, não,

independente de quem seja, se você gosta ou não gosta, se se da bem...mas é

sempre difícil.

Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?

Por quê?

Ah...é importante sim, mas é porque você vai conversar com a pessoa, sempre

esclarecendo alguma duvida, aconselhando, né.

Como lidar com as questões violência, morte, luto, no ambiente escolar?

Não sei.

Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às

manifestações do luto entre estudantes na escola?

Qual o papel deles? Como assim, o papel que eles devem fazer? É aquilo

mesmo, né, você vai entrar em choque e depois você vai ficar tentando

amenizar a dor da pessoa. Não tem muito o que tratar, aconteceu, você vai fazer

o que? Não tem muito o que falar, é complicado.

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TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA49 REALIZADA COM A PROFESSORA 2 DA

ESCOLA “A”

O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?

Pra mim é uma realidade, é um fato que temos todos que sentir, é isso aí, né?

Mas é um processo de muita descoberta da nossa pessoa, do meu eu, de como

eu devo proceder daqui pra frente, o que eu devo refletir, valores que eu devo

começar a rever na minha vida, então a morte ao mesmo tempo que é uma

coisa muito triste, é uma dor imensa, é uma ponte de reflexão muito importante,

na minha opinião.

Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto

por morte? Quais?

Sim, eu já tive várias, várias perdas na minha vida, né, meu marido, minha mãe,

meu sogro, recentemente, é...eu tenho e creio que todo mundo tem, é eu tenho,

mas eu procuro lidar com a morte, deixando meu lado espiritual falar mais alto,

meu lado espiritual é que é o calmante da minha alma, mas eu tenho dificuldade

sim e acho que sempre vou ter, né.

Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura

para tratar do assunto luto?

Sim, sinto, tem pessoas trabalhando numa equipe grande aqui, de profissionais,

né, tanto as professoras, quanto é...inspetores, o corpo todo né, mas algumas

vezes, a grande maioria se preparam pra tratar desse assunto

Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do

assunto no ambiente escolar?

O que facilita...(pausa) quando você fala em luto, você fala em luto... , eu sei,

por morte...mas assim por morte direcionada mais ao grupo aluno, ao...hã...fator

que facilita pra mim, né...tratar desse assunto no recinto escola, é por ser um

49 Realizada em 09/03//2012 às 14h20.

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local aonde que o aluno...por isso que eu perguntei se é a morte aqui, tratando

de aluno, né; por ser um ambiente, um recinto onde que a própria pessoa

convivia, estava, então as lembranças do local são muito presentes, eu acho

que isso favorece, porque da um ponto assim de referência, sabe, é...facilita por

esse lado, você estar tratando um assunto, mas aonde que aquela

pessoa...olha, a escola faz parte da história deles; agora o ponto que dificulta,

no se tratar esse assunto na escola (pausa grande), não saberia que há algum

ponto aqui que dificultaria esse assunto né, talvez eu não entendi..., o fator

religião, ele é muito complicado, ele é muito complicado porque é ...como nós

temos varias, é...varias crenças, né, as pessoas elas misturam uma série,

é...porque quando eu falo em Deus, eu falo em Universo, porque Deus, ele é

Universal, agora quando eu falo de religiosidade, é uma coisa muito pessoal, né,

então eu creio que talvez o fator religião seja um dos obstáculos pra se tratar.

De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar

com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por

exemplo.

Não,...(pausa), nós já tivemos o caso de alguns anos atrás de...que já deve ter

tido o conhecimento, tudo que chocou, porque eu acho que o que falta também

é um trabalho muito grande pro corpo docente, discente, sobre esse assunto,

né, porque a morte é um assunto que nunca ninguém vai estar preparado, né...é

perda de algo, é uma perda que enquanto estivermos aqui, neste mundo, nesta

vida natural, não teremos mais condições de rever a pessoa, então é um

assunto que tem que ser sim tratado, delicadamente, com muita atenção,

principalmente porque é um assunto que ninguém quer falar sobre a morte, mas

eu creio que aqui...ou se tem algum lugar preparado pra isso.

Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?

Por quê?

O que eu acho no meu ponto de vista, lidar com essas questões: violência, luto,

tudo, é o tete a tete, é o conversar, é trazer o aluno, né, ou o profissional, você

está falando do aluno, também tem o casos de profissionais, amigas, colegas

nossas, é trazer essas pessoas que estão mais próximas da gente, tocar mais

essa...dar uma atenção maior pra essas pessoas, e sem sombra de duvidas eu

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não consigo ver nada, na minha vida, sem colocar Deus à frente, né, então,

jogar o valor, é conversar, é ouvir, é participar desse luto junto com a pessoa e

sempre trazendo comigo Deus.

Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às

manifestações do luto entre estudantes na escola?

Bem, o papel do professor, do docente, né, mediante a essas situações quando

acontecem, ele tem que deixar o pedagógico totalmente de lado, né, aí ele sai

da função pedagógica, aí entra na função humanista, né...a função de ser

humano, é...um pouco psicólogo, sabe, tentar trabalhar o emocional dessa

pessoa, é...acho que todo educador, ele tem um pouco de psicólogo, um pouco

de terapeuta, né, é procurar desenvolver mais esse lado mesmo, humano,

né...humano em si, e se entregar mais nesse lado, né.

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TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA50 REALIZADA COM A PROFESSORA 1 DA

ESCOLA “B”

O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?

Na verdade, pra mim a morte não é uma perda, né..., é uma questão de

passagem, né..., então a morte tem esse significado pra mim.

Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto

por morte? Quais?

Na verdade, há 5 anos atrás eu passei por essa vivência com uma das pessoas

mais importantes que eu tinha comigo, que é a minha mãe; e...,é....chorei o luto,

né, mas não assim com aquela dor de...eternidade, né, foi uma dor sim, mas

uma dor, se é que eu posso colocar, que dor é...um pouco, mais ou menos, eu

diria que uma dor com...com certo alivio, por saber que..., por causa da filosofia

que eu tenho a ver com a questão morte, eu tenho uma filosofi), por causa do

sofrimento, e assim, trabalho muito a questão do ...do assim...do mundo egoísta

né, porque acho que eu tenho esse significado pra mim, que a morte é uma

passagem, né, que a gente...as pessoas não são eternas pra nós, né, o tempo

que a gente acha que têm que ficar conosco.

Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura

para tratar do assunto luto?

Totalmente, já tratei dessas questões, assim...dessa mesma vivência que eu

tive, né..., com várias pessoas, devido a...a abertura, também a...a vivência da

pessoa também, né..., então a gente faz essa troca assim, total liberdade aqui,

total abertura.

Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do

assunto no ambiente escolar?

Bom, a facilidade é do próprio projeto que a gente tem aqui na escola, né; e a

dificuldade é...é...individual, não coletiva, individual, né...que cada pessoa tem

50 Realizada em 07/03//2012 às 15h15.

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com esse, com esse significado da morte, né,...e ta procurando uma pessoa pra

conversar ou mais, ou grupo, enfim, mas aqui, quanto a abertura na escola, o

projeto tá muito aberto, pra tudo né, pra nós falarmos de todos os assuntos que

permeiam a vida humana.

De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar

com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por

exemplo.

Acho que preparada já, não, porque a gente fechou um quadro, né..., porque eu

acho que a preparação é uma coisa constante né..., mas...eu acho que abertura,

eu me sinto, eu sinto que tem essa..., eu sinto que tem essa abertura aqui na

escola, sim, agora..., fechada essa questão eu acho, não sei ainda, se todos nós

poderíamos dizer que está fechada, né.

Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?

Por quê?

Olha...eu acho que isso é tudo, né..., isso é o...é o...inverso da vida, né, da vida,

da felicidade..., então a violência, a morte, principalmente aqui né..., a escola é

um pedaço do mundo né..., então...é....eu acho muito, muito importante.

Como lidar com as questões violência, morte, luto, no ambiente escolar?

Eu acho que...dessa forma que a gente lida aqui né..., tendo abertura para você

falar de...de...de todos os temas, né...,é...então essa é uma abertura pra nós

profissionais e consequentemente para os alunos também.

Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às

manifestações do luto entre estudantes na escola?

Bom...aqui foi o início de tudo né..., o nosso projeto se deu por conta de uma, de

uma morte, de uma garota, né..., e...o nosso papel de tudo aqui, o coração, foi

exatamente isso, né..., o que pulsa, o que nos pulsa pra esse projeto é

justamente, é...por causa do luto, é...de uma, de uma garota que nós ficamos

assim, todos nós, e principalmente o diretor, né...e...enfim, não tinha como

continuar, se a gente não tratasse dessa questão, né.

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TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA51 REALIZADA COM A PROFESSORA 2 DA

ESCOLA “B”

O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?

Eu acho que é uma perda muito grande, algo que afeta muito, principalmente

quando as pessoas são mais próximas, né, mas é complicado, mas (pausa) se a

pessoa tem mais idade você vai se acostumando com essa perda, vai aceitando,

mas agora, se for uma perda drástica, acho que é mais complicado mesmo.

Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto

por morte? Quais?

Acho que a gente nunca está preparado100% para a morte, né...acho que a

dificuldade é perder seu ente querido, que se foi e você não vai encontra-lo

mais, perder é isso, você quer que a pessoa esteja perto, a pessoa pode estar

até sofrendo, mas você quer que a pessoa esteja ainda...

Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura

para tratar do assunto luto?

Sim, aqui a gente tem bastante contato direto com os alunos, e tem alunos que

pelo assunto já perderam e chegam na gente, e já conversam, assim...aqui a

gente respeita, tem aluno que não quer falar sobre o assunto, a gente fica

sabendo, mas também respeitam, mas também a maioria dos alunos chegam e

falam.

Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do

assunto no ambiente escolar?

O que facilita acho que é a proximidade que eles têm com o professor e o aluno,

o que dificulta acho que é o ato da perda mesmo, né...às vezes a pessoa não

tá...não aceitou, o aluno principalmente, tem situação que é difícil, né...tem

alunos aqui que já perderam pai, mãe...é complicado, eu acho que ele não

aceitou a perda, né...e...tem mais dificuldade de falar tudo aqui.

51 Realizada em 07/03//2012 às 16h55.

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De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar

com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por

exemplo.

Preparada, eu acho que sim, até...na realidade, a escola tem esse processo de

caminhada da paz, de tratar sobre a paz, e tudo isso partiu da morte de uma

estudante, né...então, né...na realidade, não seria preparada a palavra certa, eu

acho, porque preparada quer dizer que você aceita esta morte, e...a escola não

aceita esta morte, né...mas a partir dessa morte, foi feita toda uma campanha,

né...toda uma motivação, e com isso já se foi 12 anos, se não me engano, em

cima dessa morte né...então, não seria preparada, porque ninguém aceita a

morte de um adolescente, mas lidar com a morte, saber lidar com a morte, a

morte física, né.

Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?

Por quê?

Então, aqui a gente trata bastante disso dentro da sala, é tratado bastante a

questão da violência, e isso é bastante utilizado aqui, porque a gente está num

ambiente, numa sociedade muito agressiva, né...e...às vezes eles vêm alguma

coisa na televisão, eles trazem pra gente, e a gente discute bastante sobre isso,

há bastante diálogo.

Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às

manifestações do luto entre estudantes na escola?

Eu acho que o papel é de confortar, de...mostrar pra eles que isso está presente

na nossa vida, né...apesar que tem vários tipos de luto, de morte, né...tem morte

acidental, tem morte por doença, então às vezes é meio complicado, mas entre

nós, a nossa situação é muito da natureza, ela está presente e a gente tem que

aceitar da melhor forma, e entender, não só aceitar, entender a situação

humana, pra passar esse processo de luto, a gente tem que vivenciar uma perda

pra depois amadurecer a ideia; também não pode ignorar, ignorar é bem ruim,

porque eu acho fica guardado, aí no futuro pode...aparecer.

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TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA52 REALIZADA COM A PROFESSORA 3 DA

ESCOLA “B”

O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?

É...particularmente é..., pelo que eu...eu posso dizer é minha família, eu não

posso entender a outras, mas pelo que eu vejo na minha família, o processo da

perda de uma pessoa, né, em caso da morte, né...ela é encarada de uma

forma...faz parte mesmo de um processo de começo, meio e fim,

né...então...esse é um processo que naturalmente vai acontecer, logicamente

que o baque que inesperadamente isso provoca, um certo choque né, mas de

qualquer forma a gente tenta na medida que o tempo vai passando, de encarar

isso como uma forma natural, porque é um processo natural da vida do ser

humano, né...e por ser a família, uma família que já tem uma certa participação,

uma certa...um certo conhecimento de estudo, em relação ao que é o processo

da morte, significa né...o ato de morrer, encarar como não um fim, né...mas um

meio de poder continuar num outro plano, né.

Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto

por morte? Quais?

Não...(pausa) é o que eu te falei, né...tanto é que a questão de alguns anos

atrás, com a perda também de uma pessoa da família, no caso a minha avó,

questões como essa, da dificuldade em lidar , elas não aconteceram, porque

naturalmente a família, né...é...sabia do que estava acontecendo, do que estava

passando com a pessoa, né...no caso né...estava num processo de

envelhecimento, então naturalmente, a morte era alguma coisa que viria a

ocorrer, e em relação ao que permeia né...a morte, logicamente que são coisas

que a gente tinha que discutir, não tinha como você deixar de discutir os

procedimentos que você teria que providenciar tudo, então quer dizer, as

dificuldades em atenção, aí não houve, não.

52 Realizada em 07/03//2012 às 17h25.

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Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura

para tratar do assunto luto?

Sim, aqui a gente não tem nenhum preconceito não, em conversar, em discutir,

em tocar nesse assunto de...de luto, tanto é que as poucas vezes que eu fiquei

sabendo do falecimento de pessoas da família né, isso tudo foi conversado de

uma maneira bem natural, e...e...é... estendemos isso, logicamente as...as

nossas condolências, né...às pessoas que perderam seus entes, mas assim...a

vida continua, né...tá...isso mesmo.

Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do

assunto no ambiente escolar?

Olha, facilita no momento em que as crianças, elas estão acostumadas, não só

crianças, mas como as pessoas em geral, funcionários, professores, né, cada

um tem a sua experiência de vida, que tem como passar isso, né..., de enfrentar

uma situação dessa né, então pelo que eu percebo aqui, os fatores que

facilitam, é o fato de você poder é...é...tocar no assunto de uma maneira bem

tranquila, sem agredir, sem utilizar de uma forma de...de...ofensa, entendeu,

quer dizer, respeitando o sentimento do outro, né...e as dificuldades também,

não...porque no ambiente escolar, as crianças também estão acostumadas com

o dia a dia, né, com o impacto das coisas, com atropelamento na rua, com

aquela violência que é gerada lá fora, né...então, esse...esse desenho né...de

violência tá muito inserido na vida deles, né, então a morte é mais uma

consequência disso, que pra eles, eu acredito nisso, que ao meu ver faz parte

da rotina, muitas vezes eles presenciam na comunidade em que eles vivem.

De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar

com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por

exemplo.

Ah...não, isso é uma coisa que choca, lógico, porque a gente sabe, né, que você

não tá preparado, você nunca espera uma notícia ruim, ainda mais de uma

pessoa que tá na...na essência de uma vida, na idade jovial, né, de repente você

vem a saber que essa pessoa faleceu, e muitas vezes por uma morte violenta

que ainda também é mais o que deixa as pessoas perplexas, o que você espera

é o trâmite normal da vida, né, que a pessoa desenvolva, cresça, forme sua

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família, né e naturalmente a morte, ela vem com o passar do tempo, então eu

acho que a morte precoce de estudantes, por exemplo, é uma coisa assim, que

eles tem que ter uma verdadeira noção de como aconteceu, aqui já aconteceu

uma vez, e foi uma coisa assim muito marcante, então eu acho que eles

deveriam ter isso mais incutido na cabeça, pra poder pensar na violência que

existe por aí e tentar evitar, né...situações que tem levam a esse tipo de

situação.

Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?

Por quê?

Olha, a violência, a morte, o luto, é aquilo que eu falei, né...ela está inserida em

todos os âmbitos da sociedade, dentro da escola, logicamente que ela, ela tem

uma ...uma participação muito maior, porque você tem uma concentração de

pessoas né, então naturalmente quando você tem esse fluxo, né, de pessoas,

consequentemente também as...as atitudes também acabam é...é...fazendo com

que isso acabe gerando uma certa violência, que cada temperamento é

diferente, né, então no âmbito escolar, a morte, a violência, o luto, elas são

totalmente inseridas no dia a dia, exatamente por isso né, por acontecimentos

inevitáveis, não tem como você é...é...buscar uma situação que muitas vezes

gera essa violência, e culmina com uma morte, né, mas eu digo assim, no

âmbito escolar, aqui dentro, a gente não tem esse problema, graças a Deus, né,

o máximo que a gente tem é uma discussão, uma briga que é normal,

corriqueira, mas em termos de ameaça de morte, isso nunca existiu.

Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às

manifestações do luto entre estudantes na escola?

Então, esse fator é importante porque a gente tenta mostrar exatamente que o

processo, a manifestação frente a esses acontecimentos, no caso do luto dentro

da escola, tem que ser muito respeitado, porque afinal de contas, as pessoas

que perdem seu ente querido, dentro de uma, de uma , de um ambiente, não

importa que ele seja escolar ou não, mas aqui no caso, o papel do professor, do

coordenador, é o que...é você dar todo aparato, né...é poder dialogar, poder

apoiar, aquilo que for necessário para poder fazer com que a pessoa consiga

absorver nessa perda, né.

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TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA53 REALIZADA COM A PROFESSORA 4 DA

ESCOLA “B”

O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?

Acho que é um dos processos mais difíceis na vida da gente, né, que é o

recomeçar.

Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto

por morte? Quais?

Tenho, eu acho que é o recomeçar, recomeçar é muito difícil, depois de toda

aquela história do enterrar...tudo, recomeçar é muito triste.

Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura

para tratar do assunto luto?

Sim, apesar de não ter perdido ninguém na faze que eu estou aqui no colégio,

né.

Em sua opinião, quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do

assunto no ambiente escolar?

Eu acho que o facilitador é quando você perde alguém e você sente a pessoa

junto, e eu acho que a grande dificuldade é quando viram, sabe não se

importam, não demonstram não se unem pra mandar uma coroa, não estou

falando aqui do colégio, estou falando de uma situação geral; acho que a

pessoa que está do lado de lá, tá precisando de muito carinho, muito amor.

De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar

com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por

exemplo.

Acho que sim, pela experiência que teve com a aluna que morreu pelo que eu

vejo, mas eu não vivenciei, pelo que eu ouço sim.

53 Realizada em 07/03//2012 às 18h00.

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Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?

Por quê?

Sim, porque (gaguejo) isso tudo atinge a cada um de nós a todo momento, então

eu acho que a gente tem que tentar fazer alguma coisa.

Como lidar com as questões violência, morte, luto, no ambiente escolar?

Difícil, porque todos irão passar isso algum dia, agora, como você lidar, porque

até cada um recebe de uma maneira, então o que é bom pra mim, às vezes não

é bom para os outros, eu acho que a questão da violência, a gente tenta

transformar essa sociedade que está aí, numa coisa mais agradável, mais

amiga, mais...o mundo deles é muito difícil.

Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às

manifestações do luto entre estudantes na escola?

É...então, é muito complicado, porque eu acho que nem nós estamos

preparados pra lidar com isso de verdade, cada um sai atirando prum lado, e o

que sabe, o que entende por morte? Que por exemplo, pra mim a morte

representa a dor, pra outro não, e aí, né...então é como ela encara a morte, e

tudo é uma questão de encarar, os japoneses não comemoram? É uma

tendência deles, que eles acham que ali vai começar, vai ter uma outra coisa,

então depende da visão que tem, então fica difícil.

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TRANSCRIÇÃO DA ENTREVISTA54 REALIZADA COM A PROFESSORA 5 DA

ESCOLA “B”

O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?

Eu...pra mim é um processo doloroso, principalmente se a pessoa for muito

próxima, né...hã...e também depende da hã...situação em si, em que envolveu

esta morte, em que período, por exemplo, o ano passado eu...meu pai é falecido

a 40 anos, e eu lidava de uma forma com a morte do meu pai, à partir da terapia

que eu estava fazendo o ano passado, num determinado dia, a gente comentou

sobre a morte dele, e eu senti que era como hã...se ele tivesse morrido naquele

momento pra mim, até então eu lidava com a morte dele de um jeito, quer dizer,

eu acredito que a 40 anos atrás eu nem chorei pela morte do meu pai e naquele

dia eu acabei chorando, enterrei naquele dia. Então pra mim a morte é sempre

dolorosa, né.

Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situação de luto

por morte? Quais?

Não, é só mesmo a dor, a saudade que fica e isso é difícil da gente administrar,

e...ela é, a morte mesmo, é não ter mesmo mais a pessoa, é a saudade que

fica, eu acho que é isso.

Na escola onde você trabalha, você sente por parte da equipe abertura

para tratar do assunto luto?

Sim, o ano passado na monitoria, com a minha turma, nós chegamos a

conversar a respeito, e inclusive eu tenho umas anotações à respeito, você quer

que eu vá pegar? mas é sempre assim, eles relacionam o luto, desde que seja

com uma pessoa muito próxima, da família..., pra eles, a morte de um colega, de

um conhecido, parece que eles lidam melhor, assim....(pausa), não esquentam

muito, o problema é a pessoa da família, ou uma pessoa muito próxima também.

54 Realizada em 07/03//2012 às 18h00.

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Em sua opinião quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do

assunto no ambiente escolar?

Alguns alunos têm medo do tema morte, então não gosta de falar, ele acha que

não falando é melhor, eu não lembro que ela existe, mas, boa parte deles tem

medo da morte, de morrer ou de perder algum querido por morte, né.

De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar

com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes, por

exemplo.

Ah! eu acredito sim, porque a gente até foi...à partir da morte de uma estudante,

que nós iniciamos o projeto aí, da “Caminhada pela Paz”, então a gente (pausa)

trabalha bastante com isso com eles, mas de qualquer forma não é um tema, a

morte em si, não é um tema que eles gostem de tratar, não gostam... A gente

trabalha, não é, principalmente que a gente tá sempre lembrando, na

“Caminhada pela Paz”, o que que ocasionou todo esse projeto aí, que é a morte

da...da aluna ...

Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?

Por que?

Eu...(pausa), eu acho importante lidar, pra eles, hã...pra eles não “passar”..., é a

realidade, a violência a gente tem que falar nela, tem que mostrar, e mostrar o

que que gera essa violência, eu sei que cada um pode fazer pra evitar essa

violência, só que é um, é um tema difícil mesmo, porque até a paz, com eles

é...difícil da gente trabalhar em sala de aula, quer dizer, a gente faz a

“Caminhada”, é toda uma preparação, existe um minuto de silêncio diário que se

faz, mas mesmo assim, a gente tem casos de violência, briga entre eles, de

agressão física mesmo, além da...da...agressão verbal mesmo, né.

Como lidar com as questões violência, morte, luto, no âmbito escolar?

Eu acho que é só lidar, é...tratando, é falando, mesmo eles sendo reticentes,

quanto ao assunto morte, quanto a luto, eles não gostam de falar, eu acho

importante aí, a gente estar falando, principalmente usando a monitoria, que é o

momento em que o professor está mais próximo com os alunos, na sala de aula

normalmente não dá, porque são muitos alunos, hã...a inquietação deles

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dificulta, mas nos momentos que a gente tem de proximidade, com a monitoria,

que a gente fica com 16 a 20 alunos uma vez por semana, eu acho importante

tar falando, mesmo porque, cada um, apesar desse medo geral do assunto, mas

cada um acaba trazendo alguma coisinha que conforta, que faz cada um pensar

um pouquinho, e aos pouquinhos a gente hã...fazer o aluno entender que isso é

natural da vida, é morte, que é a única certeza que a gente tem mesmo na vida,

é a morte... É assim, nós temos programado, existe um horário que a escola

propõe, pra que cada professor fique monitor de 4 a 5 meses, dentro do salão, e

a gente sempre sai pela...dois professores sempre saem ao mesmo tempo, pra

fazer as suas monitorias, em qualquer espaço da escola, ou aqui de todo

complexo, né.

Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às

manifestações do luto entre estudantes na escola?

Acho que a maior manifestação é a “Caminhada pela Paz”, são os

coordenadores, a direção passando na sala, sempre lembrando disso, mesmo

quando eles geram algum problema de violência dentro da sala, está se

colocando sempre o nosso trabalho pela paz, a caminhada, o que que gerou a

caminhada, sempre se coloca isso, com certeza nenhum aluno aqui da escola,

que você perguntar, ele, vai estar falando que esse é um fato marcante pra nós

durante estudante.

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ANEXO F – PERGUNTAS SEMIESTRUTURADAS DA ENTREVISTA

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO-SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO

MESTRANDA: PATRÍCIA REGINA MOREIRA MARQUES ORIENTADORA: PROFª DRª ZEILA DE BRITO DEMARTINI

PERGUNTAS SEMIESTRUTURADASG DA ENTREVISTA, REALIZADA COM A

AMOSTRA DE DIRETORES EPROFESSORES QUE FIZERAM PARTE DA PRIMEIRA ETAPA DA PESQUISA

1) O que significa para você o processo de perder uma pessoa por morte?

2) Você tem alguma dificuldade em lidar com as questões de situações de luto

por morte? Quais?

3) Na escola onde você trabalha você sente por parte da equipe abertura para

tratar do assunto do luto?

4) Em sua opinião quais são os fatores que facilitam e/ou dificultam tratar do

assunto no ambiente escolar?

5) De uma forma geral, você acha que sua escola está preparada para lidar

com as questões de limite de vida? Morte precoce de estudantes por exemplo.

6) Você acha importante lidar com as questões da violência/morte na escola?

Por quê?

7) Como lidar com as questões violência, morte, luto, no âmbito escolar?

8) Qual o papel de professores, coordenadores e diretores frente às

manifestações do luto entre estudantes na escola?

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ANEXO G – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, ________________________________________________consinto, de minha livre e espontânea vontade, em participar da pesquisa Luto na escola: um cuidado necessário. O estudo se justifica como atendimento a projeto de pesquisa do Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação UMESP (Universidade Metodista de São Paulo). O objetivo geral da pesquisa é - Conhecer o processo e a presença do luto na escola entre estudantes a partir de experiências vividas por professores, coordenadores e diretores em três escolas públicas da Grande São Paulo, e os específicos são: a) Compreender a relevância de apoio oferecido por professores, coordenadores e diretores a estudantes no contexto escolar em situações de luto; b) Compreender os significados da morte e do luto para professores, coordenadores e diretores ; c) Realizar uma investigação com professores, coordenadores, diretores de três escolas públicas da Grande São Paulo, visando uma reflexão acerca de suas concepções sobre o tema do luto e como lidam com as questões que envolvem o luto na escola; d) Realizar uma investigação da possibilidade da formação de uma rede de apoio na escola à estudantes enlutados.A sua participação na pesquisa, respondendo a entrevista, não acarretará nenhum desconforto ou riscos para sua saúde, nem represálias da instituição onde trabalha. Portanto, não estão previstos retornos para você em forma de benefícios. Como o estudo não inclui em seus procedimentos nenhum tipo de tratamento, não estão previstos acompanhamentos e assistência. O pesquisador se coloca à sua disposição para maiores esclarecimentos sobre sua participação. Você tem total liberdade para se recusar a participar da pesquisa, bastando que não participe da entrevista. Asseguro a preservação dos aspectos pessoais do seu relato visto que os dados da pesquisa serão analisados coletivamente de forma a reunir todos os participantes. Como a sua participação na pesquisa não implica em custos, despesas, danos ou represálias para você, não estão previstas formas de ressarcimento nem de indenização. Eu, Patrícia Regina Moreira Marques, RG 17610502, CPF 062538528-41, pesquisadora responsável pelo estudo, me comprometo a zelar pelo cumprimento de todos os esclarecimentos prestados neste documento. Fone: (11)97104-1114.

Local ____________________ Data___/___/2012

____________________________________________ Assinatura do participante da pesquisa ou responsável

Documento de Identificação: ____________________

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