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LUTO – O Luto Normal e o Luto Patológico
PsiquiatriaHospital de Magalhães Lemos
Dezembro de 2010Diana Mota
LutoConjunto de reacções que ocorrem em consequência de uma perda significativa
Envolve um processo de recuperação e reparação psíquica perante mudanças e situações que acarretam perdas e provocam desequilíbrio,
afectando a ideia que temos de nós próprios, da vida e do mundo
•Bereavement (perda de alguém + processo de luto): inclui a situação e o processo de adaptação à perda de alguém significativo
•Grief (dor - componente emocional): respostas emocionais que caracterizam as fases do processo de luto
•Mourning (Luto): padrões de comportamento e expressão emocional culturalmente aceitáveis durante o processo de luto
Luto
Luto
Reacções ao luto:• Sentimentos intensos• Estratégias para lidar com a situação• Alterações no funcionamento biopsicossocial• Reflectem
▫ Personalidade do indivíduo▫ Experiências passadas▫ Significado da perda/relação com o falecido▫ Rede de apoio social▫ Saúde▫ (…)
Luto – 5 Fases de Kubler-Ross (1969)•Choque/Negação: particularmente
proeminente quando a perda é inesperada
•Revolta: dirigida a si próprio, a Deus, aos médicos ou a outro alvo
•Depressão: sintomas depressivos
•Negociação: com os médicos, Deus…
•Aceitação: apercebem-se da realidade do acontecimento; recuperação funcional progressiva
Luto – 4 Fases de Bowlby (1980)• Choque/Negação: falha no registo da perda
da figura de vinculação
• Protesto: preocupação com a pessoa perdida e com a tentativa de conseguir o seu regresso. Ansiedade, medo, revolta
• Desespero e desorganização: resultante da constatação da ineficácia em trazer de volta a figura de vinculação. Desespero, tristeza, solidão
• Reorganização: recuperação gradual com interesse por actividades sociais e outras
•Choque e Incredulidade: embotamento inicial ao saber do acontecimento. Duração 1-2 dias onde o comportamento pode ficar profundamente perturbado
•Preocupação: com a pessoa falecida
•Aceitação e resolução: retorno ao normal. Pode demorar vários meses até esta fase acontecer e tempo variável até que esteja completa
Luto – 3 Fases (Brown JT, Stoudemire GA. Normal and Pathological Grief JAMA 1983; 250:378)
Fases do luto não complicado (Por Brown JT, Stoudemire GA. Normal and Pathological Grief. JAMA 1983; 250:378)
Luto – Perspectivas Biológicas
Luto resposta fisiológica + resposta emocional
• Perturbação dos ritmos biológicos
• Comprometimento do funcionamento imunológico
(< proliferação de linfócitos e células NK)
• Maior mortalidade entre população viúva logo após a morte do cônjuge (causa?)
Luto - DuraçãoA maioria das sociedades apresenta um padrão
de reacções e duração do luto
Em geral:• Regresso ao trabalho/escola:algumas semanas• Estabelecer equilíbrio: alguns meses• Estabelecer novas relações: 6 meses – 1 ano
O processo de luto não termina dentro de um intervalo prescrito - alguns aspectos podem persistir indefinidamente para muitos indivíduos normais e com bom funcionamento
Luto – Reacções de AniversárioQuando o desencadeador da dor da perda é
uma ocasião especial
Primeiro ano - período mais difícil:▫ 1º aniversário sem o falecido▫ 1º Natal▫ 1ª Páscoa▫ (…)
Reacções tendem a tornar-se mais leves com o passar do tempo mas quando surgem podem assemelhar-se
à dor original e persistir durante horas ou dias
Luto – O processo de “mourning”
Crenças, costumes e comportamentos relacionados com o luto
Padrões específicos, cerimónias, rituais (Funeral, enterro/cremação…):
• reconhecimento na natureza real e final da morte contrapondo a negação
• Incentivar tributo• Facilitar expressões de tristeza• Protecção do isolamento e vulneravilidade• Estabelecer limites para o luto (velório, funeral,
missa de sétimo dia…)
Luto normal e Depressão
Luto Episódio Depressivo Major
• Sintomas podem ser depressivos mas raramente há culpabilização, ideação suicida ou lentificação psicomotora e sensação de inutilidade
• Disforia associada a lembranças
• Iniciação em 2 meses após o luto
• Duração sintomas depressivos aproximadamente 2 meses
• Défice funcional leve e transitório
• Qualquer sintoma definido no DSM-IV-TR
• Disforia permanente• Inicio em qualquer período
da vida• Frequentemente torna-se
crónica, intermitente ou episódica
• Défice funcional significativo e limitativo
Reacções de Luto Normal ≠ Episódio Depressivo Major
Luto normal e Depressão• Maioria dos indivíduos em
processo de luto experienciam intensa tristeza, mas poucos cumprem os critérios do DSM-IV-TR para Episódio Depressivo Major
• Luto é fluido e mutante - estado evolutivo em que a intensidade emocional diminui gradualmente
• No luto aspectos positivos e reconfortantes do relacionamento perdido acabam por surgir
• Na depressão a tristeza é mais difundida e caracterizada por grande dificuldade em ter sentimentos positivos
• A dor do luto dependente do estímulo vinculado
Luto e Stress Pós-TraumáticoMortes violentas e anti-naturais (homicídio, suicídio ou morte no contexto de terrorismo) - mais propensas a precipitar PTSD do que quando a morte ocorre por causa expectável
Questões sobre violência, vitimização e vontade+
Sofrimento, angústia, medo, horror, vulnerabilidade
• Descrença, desespero, ansiedade
• Preocupação com falecido e circunstâncias da morte
• Isolamento e disforia
• Hipervigilância
Poucos estudos em pacientes sobreviventes de morte súbita
A maioria dos especialistas concorda que a atenção inicial deve ser focada no stress traumático
Apoio através de farmacoterapia, psicoterapia e grupos de auto-ajuda
Luto e Stress Pós-Traumático
Mais intensos e prolongados maior risco de outras complicações
O Luto Patológico
O luto é uma experiência universal
“Prolonged Grief Disorder” - Padrões de luto ineficaz e/ou prolongado,
experimentados por ~10% a 20% da população
Luto Patológico
Luto Patológico“ O meu marido, David, tinha apenas 22 anos quando morreu. Inesperadamente, tornei-me uma jovem viúva e mãe solteira de duas filhas, ambas menores de dois anos.
Olhando para trás, a experiência é surreal até mesmo para mim… fui confrontada com súbito choque, horror e devastação. O David tinha um linfoma não-Hodgkin, grau IV, com metástases no fígado, baço e vértebras. Claro que eu sabia que ele estava muito doente, mas era jovem demais para compreender a gravidade da situação.
Não consegui compreender a morte apenas seis meses após o diagnóstico. Eu não estava preparada para a morte ”
(…)
Luto Patológico
DSM IV e CID 10 excluem o luto como perturbação mental
Na consequência de uma perda significativa alguns indivíduos experienciam: “sintomas psicológicos ou comportamentais clinicamente significativos que se relacionam com défice funcional e angustia marcada” - requisitos para a inclusão de um distúrbio mental no DSM IV
Luto PatológicoDSM – IV - TR CID - 10
• Código “V”: Outras condições que podem ser foco de atenção médica
• Código “Z”: situações em que circunstâncias, que não doença ou lesão, são registadas pelos cuidadores como problemas que afectam a prestação de cuidados
DSM IV e o CID 10 focam-se na distinção entre “luto normal” e Epidódio Depressivo Major mas não reconhecem que o luto,
per se, pode ser patológico
Desenvolvimento de critérios para inclusão no DSM V e CID 11
(Prigerson et al.,2009)
Luto Patológico(…)
“ Ao anoitecer de 12 de junho de 1993, estava sentada sozinha na cabeceira de David, perguntava porquê e como poderia ter acontecido connosco e com a nossa pequena família.
Da minha perspectiva, Deus permitiu que o David morresse. Deus abandonou David, assim, por sua vez, levei passos deliberados para abandonar a minha crença em Deus.
Dentro de mim senti raiva, pecado e ódio em resposta à minha tristeza, solidão e desespero confuso
(…)
Luto Patológico
Classificação de luto
patológico segundo o tempo de
duração, tipo de sintomas
apresentados, intensidade
destes mesmos sintomas e altura de instalação
Luto Patológico
• Ausente ou diferido: ausente ou inibido de tristeza quando se espera encontrar sinais e sintomas evidentes e agudos. Negação prolongada
• Excessivo: mais prevalente depois de uma morte súbita e inesperada. As estratégias de enfrentar a situação habituais são ineficazes e o isolamento é frequente. Frequentemente assume um curso prolongado embora atenuado ao longo do tempo
• Prolongado: mais comum; Mais frequente quando: a relação era muito próxima ou dependente, quando o apoio social/familiar é escasso
Luto Patológico
• Luto Traumático - simultaneamente prolongado e excessivo. Caracterizado por: ▫ Dor recorrente e intensa com saudade persistente e
enfraquecimento ▫ Imagens recorrentes da morte▫ Mistura de evitação e preocupação com as
lembranças da perda▫ Lembranças positivas são frequentemente
bloqueadas ou encaradas como excessivamente tristes
▫ Grave défice funcional▫ História de doença psiquiátrica pode estar presente
Luto Patológico(…) “O meu luto tornou-se um comportamento
desorganizado. Fiz o luto da morte do meu marido, pelo menos 10 anos.Cada fracasso decepção ou desilusão agravavam os sentimentos e comecei a pensar em suicídio.
Super-reagia a pequenos contra-tempos com choro intenso, e explosões de fúria. O meu luto ineficaz levantou uma parede de negação e de incapacidade de estabelecer relacionamentos saudáveis. Rejeitei a religião, a família e os meus amigos.
Desenvolvi medos e ansiedade sobre a morte, envelhecer sozinha, ou ser desprezível e indigna de felicidade. Tornei-me ansiosa todas as vezes que as minhas filhas ou eu saíamos de casa, temendo que um evento trágico acontecesse”
(…)
• Indivíduos em fase de luto apresentam maiores níveis de défice funcional e uso de medicação
• Sintomas que traduzem luto patológico são distinguíveis daqueles que surgem no luto normal - apenas os 1ºs estão associados a disfunção significativa
• Taxas de mortalidade e morbilidade maiores concentram-se apenas emalguns indivíduos
• Desafio - identificar os mais vulneráveis
• Melhorar intervenção
Luto Patológico - Características
Luto Patológico – Prolonged Grief Disorder: Psychometric Validation of Criteria Proposed for DSM-V and ICD-11 (Prigerson et al.,2009)
Objectivo: validação de critérios para o diagnóstico de PGD de forma a identificar e tratar indivíduos em fase de luto com factores de risco para desenvolvimento de patologia e disfunção
Material e métodos: 3 inquéritos a 291 indivíduos em fase de luto; 0-6 meses/6-12 meses/12-24 meses após a perda
O propósito desta inclusão assenta nos diferentes fenómenos, etiologia, curso, resposta ao tratamento e
resultados associados aos sintomas de PGD
Luto Patológico – Prolonged Grief Disorder: Psychometric Validation of Criteria Proposed for DSM-V and ICD-11 (Prigerson et al.,2009)
Luto Patológico – Factores de risco• História de ansiedade de separação em criança • Pais controladores• Abuso parental • Morte parental • Relação extremamente próxima com o falecido, • Estilo de ligação inseguro• Dependência do falecido• Falta de preparação para a morte• História Psiquiátrica prévia (Depressão, doença
bipolar…)
Identificação o mais precoce possível - Prevenção
Luto Patológico - Complicações
• Taxas mais elevadas de ideação e tentativas de suicídio
• Cancro
• Disfunção imunológica
• Doença cardiovascular
• Hospitalização
• Qualidade de vida reduzida
Indivíduos em fase de luto (3 grupos):
• Luto agudo (sintomas dos 0-6 meses mas não dos 6-12): praticamente resolvido ao final de 12-24 meses
• Luto ausente (sintomas ausentes dos 0-6 e presentes dos 6-12): associado a aumento da ideação suicida e diminuição da qualidade de vida
• Luto prolongado (sintomas presentes dos 0-6 e dos 6-12): associado a outros psiquiátricos, ideação suicida e diminuição da qualidade de vida
Luto Patológico – Prolonged Grief Disorder: Psychometric Validation of Criteria Proposed for DSM-V and ICD-11 (Prigerson et al.,2009)
Avaliação do valor preditivo dos critérios propostos
Luto Patológico – Prolonged Grief Disorder: Psychometric Validation of Criteria Proposed for DSM-V and ICD-11 (Prigerson et al.,2009)
• Os critérios estabelecidos parecem eficazes para identificação das pessoas em processo de luto com maiores riscos de desenvolverem distúrbio prolongado e défice funcional
• Os resultados apresentados apoiam a validade psicométrica dos critérios propostos para a inclusão da PGD no DSM-V e CID-11
Luto Patológico – Prolonged Grief Disorder: Psychometric Validation of Criteria Proposed for DSM-V and ICD-11 (Prigerson et al.,2009)
Luto Patológico - Tratamento
Se a PGD for reconhecida e tratada eficazmente ~1 milhão de pessoas que sofrem actualmente deste distúrbio, poderá começar a usufruir de algum nível
de apoio
Objectivos major ▫ Prevenção - controlo do stress, ansiedade e raiva ▫ Resolução dos pensamentos intrusivos, momentos “dissociativos” e flashbacks▫ Diminuição da ideação suicida ▫ Reintegração e apoio social▫ Reorganização da vida diária
Luto Patológico -TratamentoPoucos estudos em intervenção farmacológica - a
pesquisa sugere:• Investigação acessória é necessária
• Inibidores Selectivos da Recaptação da Serotonina ou Anti-depressivos Tricíclicos eficazes na Depressão Major e Stress Pós-Traumático mas não no PGD
• Psicoterapia comum ineficaz
• Complicated Grief Therapy (CGT) – Psicoterapia orientada especificamente para o luto - individual ou em grupo
• Terapia através da escrita
Luto Patológico - CGT• Resultados impressionantes - aproximadamente o
dobro da taxa de melhoria da alcançada em psicoterapia geral
• Exploração e expressão do sofrimento • Adaptação a uma nova vida - regresso ao
trabalho e reestabelecer relacionamentos sociais
• Procedimentos específicos para realizar essas tarefas:▫ reviver a história da perda▫ criação de oportunidades para reorganizar os
objectivos futuros
Luto Patológico(…)
“Escrever a minha história tem proporcionado um processo de cura, e agora tenho um nome para o meu sofrimento, PGD.
Finalmente, depois de uma grande dose de introspecção e apoio familiar, sinto-me inteira novamente. Tenho actualmente um relacionamento feliz, mas continuo a lutar com problemas de insegurança.
Estou orgulhosa de poder olhar para trás, e saber que sou uma sobrevivente.
Ganhei sabedoria através da minha experiência pessoal e, como enfermeira, espero usar essa sabedoria para guiar e confortar os pacientes.”
(…)
Luto Patológico
(…)“Na realidade, o tempo cura todas as feridas (desde que consigamos integrar
a cura)”Lizel Craig
Bibliografia• SADOCK, B.J.;SADOCK, V.A. Kaplan & Sadock’s Synopsis of
Psychiatry: Behavioral Sciences/Clinical Psychiatry, 10th Edition. 2007 Lippincott Williams & Wilkins.
• Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th Edition, Text Review. Washington, DC, American Psychiatric Association, 2000.
• Prigerson, H.G., Horowitz, M.J., Jacobs, S.C., Parkes, C.M., Aslan, M., Goodkin, K., … Maciejewski, P.K. (2009). Prolonged grief disorder: Psychometric validation of criteria proposed for DSM-V and ICD-11. PLOS Medicine, 6(8), 1–12. doi: 10.1371/journal.pmed.1000121
• Craig, L., RN, BSN Prolonged Grief Disorder. Oncol Nurs Forum. 2010;37(4):401-406. © 2010 Oncology Nursing Society
• Neimeyer, R.A., Curries J.M. Grief Therapy Evidence of Efficacy and Emerging Directions, Department of Psychology, University of Memphis, and 2Memphis VA Medical Center, a Journal of the Association for Psychological Research
• Brown JT, Soudemire A. Normal and pathological grief. JAMA 1983;250:378