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TEXTO: JOHNNY OLIVEIRA E TAINÁ RIOS FOTOS: LEONARDO STÜRMER D epois de uma longa espera pela entre- ga do frete, finalmente chegou o gera- dor, e o dia de colocá-lo para funcionar. A compra feita em um site não muito confiável e de marca duvidosa foi o passo que faltava para pôr em prática o plano que vinha sendo pensado há algum tempo. Ao imaginar o barulho que o pequeno motor amarelinho de 20 quilos poderia fazer, preocuparam-se em não ligá-lo dentro dos quartos. Levaram o apa- relho para o pátio do apartamento. “Não deu 10 minutos de gerador ligado para os vizinhos começarem a reclamar desesperadamente para a gente desligar”, lembra Mario Arruda. “Qualquer lugar pode ser nossa casa.” Esse é o lema do trio formado por Mario, Maurício Maurição Pflug e Ricardo Harry Giacomoni. Moradores do bairro Bom Fim, na Capital, os estudantes de Jornalismo, Relações Públicas e Psicologia, respectivamente, decidiram levar arte para rua. “Começamos a fazer festas dentro de casa. Aumentaram tanto que levamos para fora”, diz Harry. Antes, o barulho dos instrumentos ligados aos amplificadores não era bem apreciado por todos os moradores do prédio número 321 da Rua Felipe Camarão. Em represália, os vizinhos preparavam armadilhas. “Colocaram um peixe dentro da nossa caixa de correio!”, lembra Ma- rio, apavorado. Não tinha jeito, eles necessitavam de um novo espaço. Foi então que decidiram levar al- guns objetos de casa para a calçada. Com um carrinho de supermercado, passaram a carre- gar notebook, caixas de som, amplificadores, violão e o gerador para lugares como corredor de ônibus em obras, rótulas e parques. Uma vez instalados, disponibilizam o material da festa e liberam o lugar do DJ contando com o bom sen- so dos frequentadores. Nascia assim o Geramor, uma das festas itinerantes que hoje tomam as ruas de Porto Alegre. Jovens transformam a via pública em ponto de encontro, com arte, festa e confraternização A RUA É NOSSA Segue na página 2 O Geramor abastece a alegria na Praça dos Açores e nas calçadas em frente ao bar Tutti Giorni PUBLICAÇÃO EXPERIMENTAL DO CURSO DE JORNALISMO DA UNISINOS PORTO ALEGRE - EDIÇÃO 2 - NOVEMBRO/2013 ABRIGO RESIDENCIAL PROTEGE VÍTIMAS DE RUPTURA FAMILIAR CRIANÇAS E JOVENS, RETIRADOS DO CONVÍVIO DOS PAIS POR MAUS TRATOS E EM ALTA VULNERABILIDADE SOCIAL, CONTAM COM 20 ESTABELECIMENTOS NA CAPITAL E TEM + ESTUDANTES PODEM FICAR SEM CASA l JOGANDO E TRABALHANDO NA CLANDESTINIDADE QUEM CONHECE O PARQUE KNIJNIK? l OCULTO. ASSIM TONIOLO QUER FICAR AGORA COMO É SER VEGANO NA CAPITAL DO CHURRASCO l O QUE AS PROSTITUTAS NÃO EXPÕEM NAS RUAS FOTO: CINTIA FERNANDES

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Jornal experimental Lupa (edição 2). A publicação é produzida por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos (campus Porto Alegre/RS). Veicula notícias e reportagens sobre uma comunidade da capital gaúcha. Esta edição é dedicada ao bairro Cidade Baixa. Com 4 páginas, é impresso em cor. A tiragem é de 1.000 exemplares, que são distribuídos na localidade escolhida.

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Page 1: Lupa 2

TEXTO: JOHNNY OLIVEIRA E TAINÁ RIOSFOTOS: LEONARDO STÜRMER

Depois de uma longa espera pela entre-ga do frete, finalmente chegou o gera-dor, e o dia de colocá-lo para funcionar. A compra feita em um site não muito

confiável e de marca duvidosa foi o passo que faltava para pôr em prática o plano que vinha sendo pensado há algum tempo. Ao imaginar o barulho que o pequeno motor amarelinho de 20 quilos poderia fazer, preocuparam-se em não ligá-lo dentro dos quartos. Levaram o apa-relho para o pátio do apartamento. “Não deu 10 minutos de gerador ligado para os vizinhos começarem a reclamar desesperadamente para a gente desligar”, lembra Mario Arruda.

“Qualquer lugar pode ser nossa casa.” Esse é o lema do trio formado por Mario, Maurício Maurição Pflug e Ricardo Harry Giacomoni. Moradores do bairro Bom Fim, na Capital, os estudantes de Jornalismo, Relações Públicas e Psicologia, respectivamente, decidiram levar arte para rua.

“Começamos a fazer festas dentro de casa. Aumentaram tanto que levamos para fora”, diz Harry. Antes, o barulho dos instrumentos ligados aos amplificadores não era bem apreciado por todos os moradores do prédio número 321 da Rua Felipe Camarão. Em represália, os vizinhos preparavam armadilhas. “Colocaram um peixe dentro da nossa caixa de correio!”, lembra Ma-rio, apavorado.

Não tinha jeito, eles necessitavam de um novo espaço. Foi então que decidiram levar al-guns objetos de casa para a calçada. Com um carrinho de supermercado, passaram a carre-gar notebook, caixas de som, amplificadores, violão e o gerador para lugares como corredor de ônibus em obras, rótulas e parques. Uma vez instalados, disponibilizam o material da festa e liberam o lugar do DJ contando com o bom sen-so dos frequentadores. Nascia assim o Geramor, uma das festas itinerantes que hoje tomam as ruas de Porto Alegre.

Jovens transformam a via pública em ponto de encontro, com arte, festa e confraternização

A RUA É NOSSA

Segue na página 2

O Geramor abastece a alegria na Praça dos Açores e nas calçadas em frente ao bar Tutti Giorni

PUBLICAÇÃO EXPERIMENTAL DO CURSO DE JORNALISMO DA UNISINOS PORTO ALEGRE - EDIÇÃO 2 - NOVEMBRO/2013

ABRIGO RESIDENCIAL PROTEGEVÍTIMAS DE RUPTURA FAMILIARCRIANÇAS E JOVENS, RETIRADOS DO CONVÍVIO DOS PAIS POR MAUS TRATOS E EM ALTA VULNERABILIDADE SOCIAL, CONTAM COM 20 ESTABELECIMENTOS NA CAPITAL

E TEM+ ESTUDANTES PODEM FICAR SEM CASA l JOGANDO E TRABALHANDO NA CLANDESTINIDADE

QUEM CONHECE O PARQUE KNIJNIK? l OCULTO. ASSIM TONIOLO QUER FICAR AGORA

COMO É SER VEGANO NA CAPITAL DO CHURRASCO l O QUE AS PROSTITUTAS NÃO EXPÕEM NAS RUAS

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EDIT

ORI

AL Com frequência, o jornalismo pauta-se pela superfície. Fatos e pessoas que despontam

no cotidiano estão na agenda das redações – que procuram sintonizá-la com a agenda da sociedade – e compõem grande parte das notícias.

Mas, ora, a graça do jornalismo não é o nado, é o mergulho. E os alunos de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre resolveram ir a fundo nesta edição, produzindo-a a partir de um tema: a Porto Alegre oculta. Quiseram buscar, das histórias, as que não eram contadas; das imagens, as que escapavam à visão; das memórias, as que andavam esquecidas. É assim a Porto Alegre que emerge nestas páginas, uma cidade vista com outros olhos.

Então, mergulhe na leitura e renove o olhar com este LUPA.

LUPAJORNAL.UNICOS.CC

VEJA MAISINFORMAÇÕESSOBRE ASMATÉRIAS NO

FORA DO BAR, A FESTA É AINDA MAIOREm junho de 2012,

na noite fria de uma terça-feira, Porto Alegre dava o primeiro passo para a ocupação dos lu-gares públicos. Nas escadas do Viaduto Otávio Rocha, em fren-te ao Tutti Giorni, mais de 1 mil pessoas se reuniam para pro-testar contra o fechamento do bar, reduto dos cartunistas, por problemas com a administração do prédio. Meses depois, o Tutti Giorni reabriria ali perto, na Ave-nida Loureiro da Silva, criando em frente um novo espaço para encontros: as árvores e o lago da Praça dos Açorianos. Assim como antes, o bar atraiu muita gente do lado de fora, abasteci-das por ambulantes. Só que com frequência muito maior. O bar fecha e alguns clientes continu-

am a festa na rua, o que desa-grada o dono, Ernani Marchio-reto, o Nani: “Tem gente que passa dos limites, aí ninguém pode fazer nada”.

AQUI NÃO É LUGAR DE CARRO!

Duas vezes ao mês, quando o relógio da Praça da Matriz marca 18h05min e o Merca-do Público começa a fechar as portas, acontece o Largo Vivo. Numa dessas noites, em setem-bro, em meio aos automóveis estacionados, quatro amigos es-tavam sentados sobre suas can-gas no chão. “Todos sabem que existe uma força maior contra a privatização das praças e dos largos, mas todo mundo vem para beber, fumar e fazer novos

amigos”, explicava o estudante Breno Garcia, 19 anos. O Largo Vivo quer ocupar os espaços pú-blicos com pessoas, não carros.

O cheiro e a fumaça dos ci-garros tomavam conta do lugar e o sol começava a se pôr na Capital. Cada vez mais esteiras eram estendidas no Largo Glênio Peres, tudo em um clima muito amigável. “Já presenciei muito amor aqui”, observou a estudan-te Letícia Peixoto, 23 anos.

Passadas duas horas, as pes-soas já haviam tomado o lugar dos veículos e uma grande roda de música se formava. Mais à frente, no Chalé da Praça XV, concentravam-se os artistas de rua, cantando, tocando violão e batucando em tambores. E, en-tre eles, um músico quieto, Leo-

nardo Barbosa, sentado com um livro. “A energia é muito boa, mas todos poderiam sair daqui com algo a mais”, avaliava Leo-nardo, observando as rodas que não interagiam.

O COMBUSTÍVEL ACABA, A ANIMAÇÃO NÃO

Numa cidade onde fazer fes-ta na rua é basicamente proibi-do, às vezes essas festas até se encontram. Em outubro, o gera-dor de Mario, Harry e Maurição foi instalado na Praça dos Aço-rianos, entre os frequentadores do Tutti Giorni, atraindo também o público do Largo Vivo. Até que a gasolina do gerador acabou, e o som parou. O efeito: as rodas de conversa aumentaram. Al-

guns partiram para buscar mais combustível e, ao reabastece-rem o Geramor, foram recebidos com gritos e excitação.

De cabelo black power e pele branca, com camisa multi-colorida, Nicholas Zilz, 18 anos, não perde um Geramor: “É tudo que eu sempre quis, festinha fre-ek (louca e de graça, na gíria da turma) para todos”. Para ele, al-gumas pessoas não se animam a fazer festas na rua por “medo de diversão”.

Passando das 4h, toalhas e latinhas vazias são recolhidas do chão. Mais uma festa termi-nou, mas, para muitos, as ruas e os espaços públicos ganharam um significado diferente. “Trans-formamos o lugar de passagem em convívio”, conclui Maurição.

Continuação

BRINCANDO DE CARNAVALAo mesmo tempo em que artistas e

foliões investem muito em fantasias e es-colas de samba chegam a gastar milhões com carros alegóricos, surge em Porto Alegre um grupo que resgata o carnaval pela sua essência e simplicidade: o Bloco da Laje. Em atividade desde 2012 e for-mado originalmente com o objetivo de reunir amigos, artistas e simpatizantes do carnaval, o Bloco hoje superou suas pró-prias expectativas. Já no primeiro ano que foi realizada sua primeira saída (chama-da por eles de cortejo), conseguiu reunir mais de duas mil pessoas nas ruas do bairro Cidade Baixa.

O Bloco é formado essencial-mente por artistas, em sua grande maioria provenientes do teatro. Mesmo sendo profissionais da arte, eles lembram que os cortejos não são apresentações. Segundo Thiago Lázeri, integrante do cole-tivo, a ideia não é e nunca foi se apresentar, mas sim brincar e sair convidando as pessoas a brinca-rem junto com o Bloco. Sofia Ferrei-ra, a “rainha de bateria” do Bloco da Laje, conta que existem muitos personagens dentro do coletivo, desde o bicheiro ao presidente, mas que nenhum representa al-

guma hierarquia entre eles. “Tudo é uma grande brincadeira que possui um caráter cênico muito forte”, conclui a “rainha”.

O grupo propõe a deselitização do carnaval . “Utilizar o espaço público nos possibilita uma interação total entre as pessoas, porque não se sabe nem se distin-gue quem vai chegar aqui: pode ser alguém das classes baixas, alguém da elite ou das classes intermediárias”, diz Juliano Barros, o “presidente” do Bloco. A revitalização de espaços públicos da cidade também é uma pauta dentro do coletivo. A opção de utili-zar locais de uso geral, como a Redenção e a própria rua, é quase como uma esco-

lha política. O coletivo não quer privatizar o Carnaval, afinal, ele pertence às massas. “É a energia das pessoas que faz com que o Bloco se mova”, conclui Barros.

Nos ensaios abertos, que normalmente ocorrem no Recanto Europeu da Reden-ção, a batucada se inicia um pouco tímida: os artistas começam a tocar e logo se vê alguns curiosos, outros já conhecedores e todos começam a se juntar. “Quem quiser brincar, quem quiser que brinque agora”. A letra convidativa faz efeito e a timidez sai de lado, dando espaço para a folia e a alegria. Dessa mesma forma os cortejos nas ruas de Porto Alegre são realizados:

o Bloco da Laje sai para brincar e a população o acompanha. Sem intenções pré-estabelecidas e sem pretensão alguma: o grupo, um pouco sem querer e outro pouco querendo muito, deseja relembrar a essência do carnaval. O Bloco da Laje só quer levar as suas cores (o vermelho, o branco, o amarelo e o azul) pra colorir a cidade e a vida das pessoas.

TEXTO: LAÍS ALBUQUERQUE. FOTO: REBECCA ROSA

Coletivo revisita e reinventa festas de rua em Porto Alegre

Bloco da Laje colore as ruas e cativa foliões por onde passa

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FOTOS LEONARDO STURMER

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Maus tratos, violência sexual e rompimento de vínculo familiar. Es-

ses são alguns dos problemas que levam crianças de zero a 18 anos a serem retiradas de suas famílias judicialmente e levadas para abrigos residen-ciais. Em Porto Alegre, cerca de 20 abrigos recebem crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social alta. Um desses é o Abrigo Residencial Sabiá 1, localizado no bairro Restinga.

O lar possui um ar aconche-gante. Com uma sala de estar com confortáveis sofás, quar-tos separados para meninas e meninos, uma sala de estudos, cozinha e refeitório, o AR 1, como é conhecido, tem capa-cidade para até 30 abrigados, mas no momento, recebe 16 crianças e adolescentes. “Tí-nhamos 18 até recentemente, dois evadiram. Um de 13 anos

e outro de três meses. Dois ir-mãos” – conta a educadora Lenir Wegner, para quem é nor-mal isso acontecer, pois alguns são muito apegados à família e não aceitam a medida prote-tiva que os coloca sob guarda judicial. Em casos de evasão, a Justiça insiste em se manter com a guarda dos menores, uma vez que foram retirados de suas famílias por não exis-tir a possibilidade de continuar sob a proteção delas.

No abrigo, as crianças e ado-lescentes possuem uma rotina bastante movimentada. Quem estuda pela manhã, frequenta projetos educativos à tarde e vice-versa. Lá, eles são acompa-nhados por psicólogos, educa-dores, cuidadores e assistentes sociais que dão todo o apoio psicossocial para que os abri-gados possam continuar a viver normalmente, depois de todos os problemas enfrentados.

A história de cada um tem sua particularidade. Um dos abrigados do AR 1, por exem-plo, costuma ir e voltar devido às drogas. De acordo com Le-nir, ele ajuda a limpar a casa, a cuidar dos mais novos, mas às

vezes some e aparece de ma-drugada, sujo e descomposto. Nesses casos, a ação da assis-tência social tenta buscar, jun-tamente com a equipe discipli-nar, acompanhamento médico e psicológico. Segundo a assis-

tente social Daniela Oliveira, esse menino já foi internado uma vez, mas tem resistência ao tratamento, nega a depen-dência química e por ser muito tímido, solicitou acompanha-mento individual.

Em todos os casos, quando os jovens chegam a um abrigo, é dever dos funcionários buscar informações sobre eles e tentar resgatar e reconstruir a histó-ria de cada um. “É um quebra cabeça que tentamos montar. Procuramos contato com a fa-mília para ver se há condições dessas crianças e adolescentes visitarem familiares nos finais de semana” – conta Daniela.

UM LUGAR DE RECOMEÇO Abrigo residencial protege vítimas de ruptura familiar

TEXTO: CAROLINE GARSKE. FOTO: CINTIA FERNANDES

TEXTO: MATHEUS MARTINS. FOTOS: REBECCA ROSA TEXTO: DOUGLAS DEMOLINER. FOTO: LUCIANO DEL SENT

UM PARQUE ESCONDIDO. DOS CIDADÃOS, PELA PREFEITURA

CENTRO COMUNITÁRIO ATENDEMORADORES DA ZONA NORTE

Poucos porto-alegrenses sabem da existência de um parque localizado na Zona Sul de Porto Alegre, e que é des-conhecido até por vizinhos. O Parque Gabriel Knijnik, localizado na Estrada Amapá, conta com uma área de quase 12 hectares, e tem sido esquecido pela administração municipal.

Situado no bairro Vila Nova, o par-que foi incorporado em 1997 às áreas verdes do município de Porto Alegre. No passado, foi área de lazer e sítio do engenheiro civil Gabriel Knijnik, que lhe dá nome. Knijnik doou a área ao município, em testamento, com o desejo de transformá-la em parque turístico para a capital.

Somente após sete anos é que o parque foi urbanizado e inaugurado

em outubro de 2004. No local, há di-versas espécies de árvores e também um banhado. Foram construídos nes-sa época, também, sanitários, o play-ground, cinco churrasqueiras, duas quadras de futebol em saibro, uma cancha de bocha, o mirante e um es-tacionamento para 100 carros.

Apesar de toda a beleza, o par-que necessita de manutenção e cui-dados nos jardins, já que o amparo que recebe ainda é pouco.

A Secretaria do Meio Ambien-te (SMAM), quando procurada, não quis se pronunciar sobre o assunto. Porém, segundo funcionários da pre-feitura, a atenção ao Parque Knijnik é menor que a dada a outros de mes-mo porte na cidade.

O Centro Esportivo da Vila Ingá (Cevi), fundado nos anos 1970 pelo Governo Federal, vem sendo o esteio de muitas crianças há cerca de 40 anos. Crianças, adolescentes, adultos e até idosos utilizam o prédio na rua Desivério Severino, 227 - Vila Ingá, para realizar atividade esportivas, como gi-nástica, futebol e natação. Com verbas da Prefeitura, o centro comunitário di-vide suas atividades entre as estações do ano. No inverno são realizadas nas quadras, já no verão, nas piscinas.

O CEVI atende cerca de 300 pesso-as. Seu objetivo, como conta o profes-sor Rondon Medeiros, é a inclusão de crianças em diversos esportes, princi-palmente coletivos. Segundo Medeiros, o futebol é o mais procurado. Foram nessas quadras que diversas crianças tentaram o sonho de ser jogadores de futebol, e pelo menos dois deles conse-guiram chegar ao Grêmio: Yuri Mamu-te e Matheus Bitencourt (Biteco).

“Foi um lugar especial, joguei lá quando tinha 10 anos e fiquei dois anos treinando com o Professor Tóvi. Apren-di muito, principalmente o respeito e a disciplina. Lá ti-nha que apresentar boletins de colégio para poder jogar,

se tirasse nota abaixo da média era cortado dos jogos”, disse Biteco.

O complexo conta com três qua-dras poliesportivas, quadra de fu-tebol sete, além dos salões para gi-nástica, salas de aula e piscinas. A verba que mantém o CEVI vem da Prefeitura de Porto Alegre e também de iniciativas privadas, e é utilizada para reformas e manutenção. Esses recursos mantém modalidades como basquete, futsal, futebol sete e ativi-dades com a terceira idade. O Centro realiza ainda ações complementares em parceria com creches da região.

No Centro atuam três professores, sendo dois estagiários, e quatro fun-cionários. Um quarto professor come-çou agora com atividades para a ter-ceira idade, Para outros esportes como o vôlei, as turmas são autônomas.

Para usufruir do Cevi, basta le-var um comprovante de residência e carteira de identidade ou certidão de nascimento.

Em Porto Alegre, cerca de 20 abrigos recebem crianças e adolescentesem medida protetiva

Crianças são os que mais usufruem das

dependências do Centro Comunitário Vila Ingá

Descaso e baixo investimento da

Prefeitura no local são justificados pela pouca

afluência de público

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“Uma mulher da vida era, ela própria, um anúncio luminoso aceso na noite ou a competir

com o sol desde seu nascer até o domínio do meio-dia”

Gey Espinheira, sociólogo, no livro Ruínas, Cinzas, Recordações

Passava das 7 horas da noite. São Carlos, rua de paralelepípedos com pouca iluminação. Diversos carros estacionados. Perto da esquina com

a Avenida Farrapos, uma feira coberta de lonas ainda estava aberta. Na calçada, a 10 metros dali, onde a única ilumina-ção era de um poste, Samantha (nome falso, a pedido dela), 25 anos, espera os primeiros clientes com os olhos fixos nos automóveis que passam devagar. Está acompanhada por uma amiga, também prostituta.

Com cabelos loiros “de farmácia” até a cintura, Samantha usa uma calça leg-ging floreada para ressaltar o bumbum, grande atrativo de seu corpo. Está sorrin-do, mas dentro de si guarda lembranças tristes. A história dela é como a de muitas naquela rua.

REBELDIA SEMPRE TEM SEU PREÇO

Samantha fugiu de casa aos 15 anos porque a mãe não a deixava sair para fes-tas com companhias “erradas”. Foi mo-rar com elas, em uma casinha de quatro de peças. Já viciada em drogas (cocaína, maconha e ecstasy), assim como todos os amigos, a então adolescente foi parar na rua. “Para sobreviver, roubava, principal-mente mulheres. Eu, pelo menos, achava mais fácil roubar mulheres. Mais fácil do que obedecer minha mãe”, relata Sa-mantha. Depois de um tempo conturbado

na rua, passou oito meses na Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa). Quando ganhou novamente a liberdade, voltou a morar com a mãe.

“Sempre quando voltamos de algum lugar em que ficamos presos a vontade é de melhorar. Eu queria ser uma pessoa melhor para minha mãe. Ela merecia. Mas meu corpo não respondia à minha vonta-de. Ele necessitava de drogas”, lamenta.

Até então, tivera três empregos fixos: em padaria, atacado e pizzaria. Nenhum pagava o que ela ganha com os progra-mas. Samantha entrou no mundo da pros-tituição aos 21 anos, em uma boate, e ali ficou durante dois anos. Os motivos para se tornar prostituta, explica, foram mui-tos. Demitida dos trabalhos anteriores, pensou que as portas estavam se fechan-do. Na visão dela, restava apenas uma, a prostituição. “Achei que seria a única ma-neira de conseguir dinheiro.”

Para algumas prostitutas, a rua é melhor do que casas noturnas. Segundo Samantha, dentro da boate as garotas são exploradas. A casa fica com grande parte do dinheiro dos programas. Para ter liberdade, poder escolher os clientes, cobrar valores e ficar com o dinheiro todo, além de trabalhar somente quan-do quer, Samantha foi para as ruas. “Por mais que eu esteja mais exposta à vio-lência e outros perigos, faço meu traba-lho por conta.”

“Não me orgulho do que faço. Mas, no escuro, a única maneira que achei de acender a luz foi a prostituição. Quando todos fecharam a porta, só sobrei eu. O meu corpo. As pessoas me julgam, mas não sabem o que eu passo. De como é lidar com um vício que não consegui ar-rancar dentro de mim. É mais fácil ficar julgando do que realmente ver a verdade e ajudar”, desabafa Samantha.

ANTES DE PROSTITUTA, MÃE

Na região da Rua São Carlos, às 10 horas da noite, há um intenso movimen-to de carros. Dentro deles, homens jovens, idosos, feios, bonitos. Todos olhando para as calçadas à procura de uma prostituta que os agrade. Em cada esquina, reúnem-se pelo menos duas mulheres, com roupas curtas e gestos sedutores para chamar atenção dos homens – além de um tra-vesti. Na metade de uma ruazinha deser-ta e cercada de árvores, sentada sobre as raízes na calçada, Daniele (nome que ela usa na noite) lê um livro com fones nos ouvidos. Não parece prostituta, mas esse é seu ofício há sete anos. Tem os cabelos pretos presos em um rabo de cavalo, veste calça branca e jaqueta jeans. Aos 28 anos, é mãe de uma menina de três.

A vida tornou Daniele garota de pro-grama por meio de uma amiga. Por mês, hoje ela arrecada cerca de R$ 5 mil. O programa custa R$ 80 “drive” (no carro) e R$ 100 no motel. É justamente pelo dinheiro que ela não sai da prostituição. Achar um emprego que pague quase o que Daniele consegue é muito difícil, e, para ela, juntar dinheiro é ainda mais. “Eu não tenho orgulho disso. Não acho que seja um serviço. Não gosto dessa situação. Eu estou aqui para sustentar a minha filha,” conta a jovem.

Nas ruas, a principal queixa de Daniele – assim como a de Samantha – é a falta de segurança. Ela já foi assaltada muitas ve-zes. Uma noite lhe roubaram R$ 400. Por esse motivo, prefere ficar em frente a um motel do bairro Floresta, onde há câmeras e pessoas chegando e saindo.

Mas a violência não é o único perigo. A Aids é um grande inimigo. “Tem gente com HIV que vem aqui para nos contagiar. Oferece mais dinheiro para transar sem camisinha. Se cobra R$ 100, eles oferecem

R$ 200.” Além disso, Daniele ainda sofre com as humilhações. Uma delas foi quan-do um carro parou perto de onde estava e dois garotos cuspiram nela. E isso acon-tece muito. Mesmo assim, a jovem não vê outra maneira de ganhar dinheiro senão a prostituição. O dinheiro não vem fácil, mas sustenta ela e a filha.

”ADORO ESSA VIDA DE PROSTITUTA”

Na esquina da Rua São Carlos com a Rua Hoffmann, Kelly (nome falso), de vesti-do branco curto e salto alto, conversa com um cliente, acertando valores. Grande par-te das prostitutas da região carrega o vício ou o sustento da família. Ela é diferente. Gosta da profissão e não pretende sair.

Kelly cresceu em uma família de classe média alta. Tem o próprio apartamento, presente dos pais. Estudou nas melhores escolas de Porto Alegre. Formada em Ciên-cias Sociais, hoje faz pós-graduação. Tudo pago pelos pais. O dinheiro que ganha na noite é gasto em roupas, sapatos, luxos e festas. Todos podem falar que ela não pre-cisa estar ali, já tem a vida ganha. Entre-tanto, Kelly está se prostituindo por prazer.

“Gosto de ser prostituta. Têm muitas por aí dando de graça. Eu cobro”, Kelly tem uma página no Facebook, por onde homens a contratam para ser acompa-nhante em festas e jantares ou só para acompanhá-los em uma noite fria. “Tem velhos carentes por aí”, afirma.

Há cinco anos se prostituindo, Kelly conta que começou a fazer programa por diversão. Muitas amigas da facul-dade faziam isso para pagar os estudos. “Pode me chamar do que quiser. Não me importo. Adoro essa vida de prostituta. Não é questão de luxos. Para isso, tenho o dinheiro do meu pai e o que ganho como acompanhante de luxo. Estou na rua para me aventurar.”

HISTÓRIAS QUE A NOITE ESCONDEDrogas, exploração, humilhação, desemprego e até prazer são marcas na alma de quem vende o corpo

TEXTO: LUANA SCHRANK. FOTO: LUIS FELIPE MATOS

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Folheando despretensiosa-mente uma revista Con-tigo! uma senhora está deitada em uma cama de

papelão. O travesseiro é sua mochila. Carros, ônibus e pes-soas passam. Atrás dela, dois carrinhos de supermercado com sacos e algumas latas. “A se-nhora pode conversar?” “Não. Tô ocupada.” Em volta, não é possível avistar seu compromis-so. Ela vira a página. O Viaduto dos Açores acima dela oferece a sombra para o seu descanso.

Geneci Soares da Silva saiu da casa dos pais em Esteio “quando ainda eram vivos, não sei dizer quantos anos atrás”. Naquela época não sabia ler, e assim permanece. “Na verda-de, fico olhando as fotos das moças com vestidos bonitos.” Veio para a capital à procura de emprego e por algum tempo foi empregada doméstica. Conta nos dedos: “uns dez anos que tô na rua”. Agora, com 53 anos, tem aparência de, no mínimo, 20 a mais. “O sol castiga a gente”, explica. Não tem mais a casa dos pais para voltar. O imóvel era alugado e hoje pertence a outra família. Dos três irmãos, encontrou um apenas uma vez. Também morando na rua, mas, segundo ela, com uma diferen-

ça: caiu nas drogas. “Hoje não comi, mas sem-

pre conseguimos algo. Tenho as latas pra vender.” Para Geneci, não existe a possibilidade de não comer. Anda pela cidade in-teira catando. As mãos cortadas são por conta de cacos de vidros e outros materiais pontiagudos que atravessam seu caminho.

Sobre as pessoas e o modo como a veem, Geneci sorri, com no máximo cinco dentes na boca. “Esses de terno não olham”, afirma, e completa: “estão muito ocupados com o trabalho, né? Eles têm o tra-balho deles, eu tenho o meu. Quem dá comida, às vezes, são as pessoas mais normais, mas eu não peço”. As pessoas mais normais são as de classes mais baixas.

O instinto é sobreviver, não há tempo para cansaço. Vive para catar materiais que possa vender. Quando há tempo ou não é vencida pelo cansaço, vai para albergues. Geneci está so-

zinha com os carrinhos, as latas e a revista, que, se ela soubesse ler, entenderia a ironia do nome. Belo slogan: Contigo!, a revista para quem não tem ninguém.

A PRAÇA, A PONTEE A CRASE

O Largo dos Açorianos é uma praça pública. Nela está um monumento que leva o mesmo nome. A obra lembra uma cara-vela formada por corpos entre-laçados. Há também a Ponte de Pedra, construída por escravos a mando do Duque de Caxias. Hoje, além dos corpos entrelaça-dos no monumento, outros ha-bitam a praça. Os moradores de rua, sob olhar artístico, também formam exímios monumentos: corpos entrelaçados na miséria.

Senhores de terno cruzam a Ponte de Pedra argumentando sobre gramática. Comentam as sentenças de um magistrado que fala latim, mas, segundo um dos homens, não sabe usar cra-

se, “muito menos os hífens de acordo com o novo acordo or-tográfico”. Gargalhadas ecoam. Sequer notam a mulher parada perto de seus pés.

ALBERGUE NÃOÉ PARA TODOS

O local parece um depósito, mas se trata do Albergue Muni-cipal. Serve de abrigo para mo-radores de rua. Há um grande número de beliches disponíveis para descanso. É servida comida para todos. Ainda assim, morado-res como Jorge Araujo Santos, 43 anos, não vão lá. Afinal, há regras.

Jorge começa e termina a conversa com um sorriso no ros-to. Os olhos vermelhos e cansa-dos são distantes e opacos, tor-nando o semblante do homem uma séria antítese sorridente. Ao ser perguntado sobre o motivo de morar na rua, faz uma care-ta e com o polegar imita o sinal de acender um isqueiro. Com o mesmo dedo, joga uma moeda

para cima. “Não tem nada aí pra ajudar, camarada?”, pergunta para um rapaz que passa. Tudo indica que não, assim como tudo indica que Jorge nem está ali. Seguindo o exemplo do ra-paz, a maioria das pessoas que passa nem olha.

Viver nas ruas, filosoficamen-te, significaria viver só por suas regras. Na prática, se a rotina aprisiona o homem, a falta dela tem o mesmo efeito. Como diz um velho provérbio – e todos os provérbios são velhos –, “a men-te ociosa é o jardim do diabo”.

É culpa do jardim constru-ído por seu diabo particular que ele não consegue manter a conversa. Os reflexos que a droga e a falta dela causam são nítidos. “Quando consigo comi-da, como. Quando acho latas, vendo. Com o dinheiro, compro drogas. Tentou ficar em alber-gues, mas saía no meio da noite. Não suportou a calma do local. Na rua e nas drogas, buscou a calma necessária. Embaixo do viaduto, perto de Jorge, há mais três moradores com expressões distantes. Em volta dos homens, o que é lixo para muitos, para eles é objeto de sustento. Dentro de seus cérebros está algo con-siderado como infortúnio, mas, para eles, é paz.

POUCOS DENTES, MUITAS LATAS E SOLIDÃO

Em uma tarde na Praça dos Açores, podemos conhecer uma senhora despreocupada, advogados discutindo

gramática e um homem que se agita em lugares calmos

TEXTO: SERGIO TRENTINI ROLIM E GUILHERME LEMCHEN MOSCOVICH

FOTOS: JOAQUIM ORESKO

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SORRIA, PORTO ALEGRE. VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADA!

Avenida Washington Luiz, Centro de Porto Alegre. Tri-pés com jogos de luzes ilu-minam um escritório. Duas

poltronas, de frente uma para a ou-tra, aguardam a chegada dos per-sonagens principais da história. En-quanto isso, há tempo para conferir os últimos detalhes: “Câmera 1... OK!”, “Câmera 2... OK!”, “Lapela... OK!”, “Luz...OK!”. Ajustes prontos, retoques finais na maquiagem, todos em suas posições. O diretor levanta a mão e o silêncio toma conta da sala, somente os carros na rua passam a ser escutados, é um momento de concentração. Um assistente toma posição diante de uma das câmeras e, com uma claquete, dá o sinal para iniciar a gravação – apenas uma das tantas que ocorrem na capital.

Porto Alegre já é referência no mercado audiovisual brasileiro. Dia-riamente, comerciais, documentá-rios, curtas-metragens e até longas são produzidos na cidade. Você está sentado no sofá da sala, assistindo a novela das oito – ou das nove, como preferir – e a vinheta chama o inter-valo. Quatro minutos se passam e você nem se dá conta de que muitos dos comerciais que você – e todo o país – assistiu foram gravados aqui. As produtoras de vídeo estão em constante crescimento e o mercado já está no nível do tradicional eixo Rio-São Paulo.

“Fora o período de férias, Porto Alegre tem produção e gravação de conteúdo praticamente todos os dias do ano”, conta Betinho Nunes, chefe de locação, há 10 anos no mercado. Ele é um dos responsáveis pelo do-cumentário “Falange Gaúcha”, ba-seado no livro homônimo de Renato Dornelles, com histórias sobre o Pre-sídio Central. A produção terá veicu-lação nacional.

PROFISSIONAIS QUALIFICADOS

André Campanhol, chefe maqui-nista, grava cerca de 15 comerciais por mês em Porto Alegre e afirma que a mão de obra gaúcha é de qualida-de: “Temos equipamentos modernos e, principalmente, técnicos qualifica-dos!”. Além da estrutura, a atuação se destaca. “O Rio Grande do Sul é um celeiro de gente bonita. Larrisa Ma-

ciel, Sharon Menezes, Rafael Cardoso, Tainá Müller... todos começaram aqui, gravando comerciais, e a visibilidade nacional que obtiveram os permitiu alçar voos mais altos. Hoje os quatro fazem parte do casting da Globo”, relata Fabianne Freitas, produtora de elenco e publicitária. Para a modelo Cláudia Kramer, que recentemente gravou em Porto Alegre com a top Gisele Bündchen, é viável sustentar-

se no mercado gaúcho: “Estou há dez anos na profissão e decidi não residir em São Paulo. Com dedicação e uma boa agência é possível ganhar bem por aqui”, admite.

PRESENTE PROBLEMÁTICO, FUTURO PROMISSOR

De acordo com a Agência Nacional do Cinema (Ancine), Porto Alegre é a quarta cidade do país que mais regis-tra conteúdo atualmente, sejam docu-mentários, filmes ou produções comer-ciais. A capital perde apenas para São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. Com a demanda cada vez maior, aumentam também as oportunidades para novos profissionais. “Temos boas locações, elenco, as pessoas se ajudam no tra-balho, são abertas para uma criação mais coletiva, o que deixa o ambiente mais leve”, diz Rafael Ferreti, publici-tário e diretor de comerciais há mais de 20 anos.

Mas, apesar do bom momento, Porto Alegre tem muito a evoluir. Esse tratamento informal faz com que o mercado tenha problemas. “São atra-sos de horário, desrespeito a condições de trabalho, falta de comprometimen-to”, desabafa Ferreti. Sobre o futuro, ele é claro: “O mercado vai continuar crescendo. O grande número de pro-dutoras hoje por aqui é consequência do aumento da oferta de qualificação. Mas precisamos nos organizar, ainda perdemos muitos trabalhos para o centro do país por conta de coisas que beiram o amadorismo”.

A capital é o cenário e você nem sabia. Diariamente comerciais e filmes são rodados na cidade

TEXTO: MAURICIO TRILHA E GRAZIELA BUSATTA. FOTO: LEO BARCELOS

Filmagens do documentário Falange Gaúcha, que deverá ter veiculação nacional

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D’Andréa fundou jornal no Asilo Padre Cacique

Fiéis frequentammesquita para rezar

CADÊ O TONIOLO? O nome mais encontrado nas ruas da Capital é um símbolo da expressão popular

Pichações em spray e adesivos (como acima) não poupam os poderes constituídos

TEXTO: MARINA LEHMANN. FOTOS: LUIS FELIPE MATOS

TEXTO: PEDRO HENRIQUE NUNES. FOTO: JOSI BAROLI TEXTO: ÉRIKA FERRAZ. FOTO: FABÍOLA MOLINA TEXTO: STÉPHANY FRANCO. FOTO: JOÃO DANIEL AITA

Alguém já parou para con-tar quantas vezes leu a palavra Toniolo nas pa-

redes, postes, viadutos das ruas de Porto Alegre? Essas inter-venções urbanas questionam a sociedade sobre a forma como a população é tratada pelo Es-tado. Apesar de onipresentes na cidade, o autor dessas ma-nifestações opta por manter-se oculto. Nem sempre foi assim.

Sérgio José Toniolo, 68 anos, é filho de uma família tradicio-nal de Porto Alegre. Seu avô era um comerciante influente do Bairro Petrópolis e proprietário do terreno onde hoje se locali-za o Colégio Santa Inez. Sérgio trabalhava como escrivão na Polícia Federal e no auge da di-tadura militar, em 1972, come-çou a ser impedido de expressar sua opinião através das colunas de leitores nos jornais. Suas crô-nicas criticavam o sistema e o Conselho Superior de Polícia,

responsável por promover os policiais. Após recusar assinar seus textos com outro nome, foi afastado e aposentado por um suposto atestado médico que, segundo ele, nunca existiu.

O ANÔNIMO MAIS FAMOSO

“Sou o inventor da picha-ção com hora marcada”. To-niolo começou a pichar aos 37 anos, em 1982, ano que concor-reria a deputado estadual pelo PMDB, a convite de Tancredo Neves. Porém, a Justiça Eleito-ral barrou sua candidatura, sob alegação de que era filiado ao PTB (informação que ele nega). Segundo o pichador, foi uma fraude de pessoas que não queriam que ele concorresse. A partir daí, o número 1543, pretendi-do por Toniolo na época, o acompanharia para sempre a cada ano elei-

toral, inclusive a presidente da República, pelo fictício Partido Anarquista.

Toniolo, além de usar adesi-vos e pandorgas com o próprio nome, inovou ao avisar com an-tecedência suas intervenções. Em janeiro de 1984, o último ano do regime militar no Brasil, anunciou no programa “Guaíba Revista”, na época apresentado por Lasier Martins, na Rádio Gua-íba AM: “No dia 17 deste mês, às cinco da tarde, vou pichar o Palácio Piratini”. Mesmo com

um policiamento ostensivo em frente ao prédio, na hora marcada ninguém suspeitou do homem que saía da Catedral Metropolitana e se dirigia à sede do go-verno. Ele conseguiu pichar as letras T, O, N, I, O, e quando concluiu

o L, foi detido.

Nos anos seguintes, con-tinuou operando nas ruas da Capital, tornando cada vez mais seu nome conhecido. O spray sempre foi seu principal

instrumento, e ele afirma que só deixará de usá-lo “quando os políticos não sujarem mais a cidade”. Mesmo sem saber o que significa, não há um mora-dor que não tenha se deparado com Toniolo. Até hoje, as pesso-as questionam o que significa, mas para todos certamente este personagem faz parte da história recente de Porto Alegre.

VEGANOS NA TERRADO CHURRASCO

MUÇULMANOS EM PORTO ALEGRE

A “VOZ” DO ASILOPADRE CACIQUE

Para a maioria dos gaúchos, domingo é sinônimo de casa lotada e muito churrasco. Mas para outros, o cardápio é totalmente inverso: muita salada e vege-tais. Os veganos, ainda pouco visíveis na sociedade, adotam uma filosofia de vida totalmente diferente. Eles são uma derivação mais radical dos vegetaria-nos, que excluem de seu cardápio todo alimento de origem animal, além de não usarem couro, pele ou cosméticos testados em animais. Não há um número exato de veganos no Brasil, mas segundo o IBOPE, 8% da população são vegetarianos.

O Café Pasito, na Cidade Baixa, tem clima agra-dável e simpático. Seu proprietário, Tiago Pasito, 32 anos, cursava Engenharia da Computação antes de montar seu próprio negócio. Fez diversos cursos profissionalizantes para montar um comércio rela-cionado ao veganismo. “Foi fácil encontrar pessoas para trabalharem aqui. Pensei que ia ser mais com-plicado“. Tiago con-tratou Luciano, um chefe que estudou gastronomia vega-na na Índia. O lugar mistura a culinária com apresentações de música e dança.

Fábio Chaves, dono do Vista-se, o portal vegetariano mais conhecido do Brasil, dá dicas para quem quer se tornar vegano: “Informe-se bastante e tenha sempre em mente o motivo pelo qual você está fazendo isso: os animais. Essas duas coisas vão ajudar muito a superar as pos-síveis dificuldades do dia a dia”.

Alguns profissionais de saúde criticam o veganis-mo. Segundo eles, o organismo precisa de proteínas e vitaminas presentes em alimentos de origem animal.

Entre os preconceitos relacionados aos muçulma-nos estão os de que são terroristas, que os homens são machistas e que todos são árabes. Mas, na ver-dade, eles discordam das guerras, os homens tratam muito bem as mulheres e qualquer um pode ser mu-çulmano. Quem conta sobre a rotina de ser muçul-mana é a brasileira Márcia Lima, que ga-rante se sentir muito bem em Porto Alegre.

Ao se chegar à mesquita, no Centro de Porto Alegre, ob-serva-se que mulhe-res ficam separadas dos homens. Deve-se tirar os sapatos para pisar no tapete, sobre o qual não há qualquer significado “divino”. Nas escrituras sobre o profeta Muhammed (a trans-crição como “Maomé” é errada, segundo Márcia, “porque nome próprio não se traduz”) consta que o tapete serve originalmente para não queimar a testa na areia quente, no momento de reverência à Allah, costume que permanece até os dias atuais.

Márcia morou um ano no Rio de Janeiro e não gostou da cidade, porque as pessoas a forçavam a tirar o hijab (vestimenta que permite apenas que a mulher mostre o rosto e as mãos), alegando que no Brasil é muito quente e ela não precisaria usar, por não estar no seu suposto país de origem: “As pesso-as não entendiam que a vestimenta fazia parte da cultura do muçulmano”.

Existem vários modelos, como o hejab, o nikab, a burka), cuja função é proteger dos olhares estra-nhos: “A maioria das pessoas se produz para sair, já o muçulmano pensa ao contrário, nos dedicamos ao marido e ele a nós”.

O Cacique é um jornal institucional do Asilo Pa-dre Cacique, fundado no ano de 2005, que busca promover os costumes e práticas individuais e co-letivas do ambiente social em que está inserido. O jornal estabelece vínculos com os indivíduos e com a comunidade, seja morador, seja funcionário.

Morador, poeta e jornalista, Hermínio D’An-dréa, 88 anos, fundou o jornal para manter os mo-radores informados sobre como a instituição em que vivem é vista pela sociedade, por estímulo de um ex-presidente, já falecido.

D’Andréa, que trabalhou nos jornais da Caldas Junior e na RBS, foi morar no Padre Cacique em 2002, logo após a morte de sua esposa, com quem manteve um casamento de 48 anos. O jornalista se sentia só, visto que não tiveram filhos no matrimô-nio, e decidiu mudar-se para o asilo.

Três anos após a sua chegada no lar, D’Andréa foi convidado a vol-tar a exercer suas atividades como jor-nalista. O Cacique tornou-se a válvula de escape do jor-nalista, que ainda sentia pela perda da esposa.

O jornal con-quistou a todos logo na sua primeira edi-ção e com o passar dos anos ganhou leitores assídu-os. Atualmente, conta com oito páginas coloridas. O jornal, inteiramente elaborado no asilo, é mensal e tem tiragem de 2.500 exemplares.

Além de D’Andréa, que produz e cuida da dia-gramação, conta também com a ajuda dos funcio-nários, que tiram fotos e auxiliam na execução das pautas. O jornal tornou-se a voz dos moradores.

Salada de agrião com tabule da Café Pasito

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Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Av. Luiz Manoel Gonzaga, 744, Bairro Três Figueiras - São Leopoldo/RS. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: [email protected]. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: José Ivo Follmann. Pró-reitor Acadêmico: Pedro Gilberto Gomes. Pró-reitor de Administração: João Zani. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente de Bacharelados: Gustavo Fischer. Coordenadora do Curso de Jornalismo: Thaís Furtado — REDAÇÃO — O Lupa é um jornal produzido por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos Porto Alegre. TEXTOS – Orientação: professores Felipe Boff e Luiz Antônio Nikão Duarte. Repórteres: alunos das disciplinas de Jornalismo Impresso I e II. FOTOGRAFIAS – Orientação: professor Flávio Dutra. Fotógrafos: alunos da disciplina de Fotojornalismo. ARTE – Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico: aluna Amanda Heredia. Diagramação: jornalista Marcelo Garcia. Logotipo: estagiário Lucas Inhaia.

DO LIXO AO LUXOGrupo de artesãs trabalha com a comunidade há 13 anos, modificando a realidade do Morro da Cruz

TEXTO: VINICIUS FERRARI. FOTO: LUCIANO DEL SENT

Elevar a autoestima, ocupar o tempo vago e gerar renda para 50 mulheres do Morro

da Cruz, uma das regiões mais vulneráveis de Porto Alegre. Somam-se estes ingredientes a vontade de transformar a re-alidade da periferia com a peça fundamental desta mistura: pre-ocupação ambiental. Foi assim que nasceu o Clube de Recicla-gem Morro da Cruz, entidade que completa 13 anos neste mês.

“O Clube nasceu a partir da vontade de se aproveitar o que a indústria entende por lixo. Do

lixo nós produzimos o luxo”, conta Élida Noemi Severo Nunes, uma das fundadoras do grupo. A ideia é simples: utilizar retalhos doados pelas indústrias para a confecção de roupas e artigos de decoração. O produto final e a técnica aplicada nas peças são por conta da criatividade de cada artesã. O resultado são bolsas, tapetes, almofadas, pufes entre outros adornos que custam em média entre 50 e 300 reais.

As grandes responsáveis por revelar o trabalho desenvolvido no Morro para o resto da cida-

de (e até mesmo no interior do estado) são as “Top Avós”, gru-po composto por sete senhoras que desfilam as produções do grande grupo nas universidades, escolas, shoppings e eventos, em troca de um estande para a venda dos materiais. Muito mais que visar vantagens financeiras a grande preocupação do Clube é com o superávit social: durante o ano são realizadas festas be-neficentes em datas como Natal, Dia das Crianças e Páscoa. A pre-feitura fecha as ruas do entrono e mais de seiscentas crianças ga-

nham brinquedos e lanche. Em tempos em que as

crianças já nascem fazendo “check-in” na maternidade, é difícil imaginá-las fazendo tricô

com a avó “Quem me ensinou a fazer fuxico foi a minha neta e assim como ela as crianças que aqui estão se criando não frequentam o clube apenas por diversão: elas pegam na agulha e fazem tricô, fuxico... Daqui a treze anos são elas que estarão aqui, dando entrevista sobre o Clube”, conta Élida.

TEXTO: VANESSA VARGAS. FOTO: JOSI BAROLI TEXTO: LUIS FELIPE MATOS. FOTO: LUCAS PROENÇA

CASA DE ESTUDANTES PODE FECHAR APÓS 79 ANOS

BINGOS NA CLANDESTINIDADE

A Casa do Estu-dante Universitário Aparício Cora de Al-meida (CEUACA), a mais antiga de Porto Alegre, com 79 anos de existência, cor-re o risco de fechar e desalojar seus 66 ocupantes atuais, oriundos do Interior e de países africanos. Decisão nesse sentido foi tomada pela juíza Lilian Cristiane Siman, sob o argumento de garantir a segurança e a integridade física dos moradores. O secretário de da Educação, José Clóvis de Azevedo, é apontado como réu, devendo deter-minar a desocupação em 20 dias, sob pena de multa diária de R$ 300,00, além de despejo compulsório.

O prédio havia sido interditado em 2007 para reforma, por questões de segurança. Mas o Estado e os estu-dantes nunca chegaram a um acordo quanto à realocação. Os estudantes souberam da decisão em assembleia no dia 17 de setembro deste ano.

Carta aberta assinada pelo seu presidente, Thomas Victor e os de-mais representantes da Comissão Diretiva, afirma que um laudo técnico de inspeção predial solicitado pelo secretário de Justiça e dos Direitos Huma-nos, Fabiano Pereira, e elaborado em 2012 pelos peritos audito-res em Engenharia Diagnóstica Luiz Al-cides Capoani e Mar-celo Suarez Saldanha, chegou à conclusão

de que a reforma pode ser realizada com os moradores dentro.

Os moradores contam com o apoio da União Estadual dos Estu-dantes e da União Nacional dos Es-tudantes. Em nota, a Secretaria da educação informa que trabalha em conjunto com a de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), de Administração e Recursos Humanos (SARH), de Obras Públicas (SOP) e com Procuradoria Geral do Estado (PGE), em busca de uma solução para a CEUACA.

Apesar de proibidos desde 2004, ainda há bingos clandestinos em Por-to Alegre. Alguns recebem dezenas - muitas vezes, centenas - de aposta-dores diariamente.

Nina, 65 anos, professora do Ensino Fundamental e moradora do Interior do Estado, cultivou o hábito do jogo do bingo acompanhando sua irmã, já falecida, em frequentes viagens a Porto Alegre, no perí-odo em que o jogo ainda era liberado. Di-ferente daquela época, na clandestinidade os bingos não oferecem muitos cuidados. O ambiente é sujo, as mesas “enjambra-das” e o local fechado fica contaminado pelo cigarro. Ela entende que o jogo real-mente leva muitos ao vício, mas diz que sabe estabelecer seus limites.

Sílvia Carvalho, 44 anos, diarista, criou seus dois filhos trabalhando durante 16 anos em bingos. Atuou em grandes ca-sas, como o Bingo Roma, mas preferia a tranquilidade dos estabelecimentos me-nores. Com Carteira de Trabalho assinada e rendimento médio diário em torno de R$ 100,00, a proibição colocou Sílvia na infor-malidade. Na incerteza de ter onde trabalhar na semana seguinte, em 2005, ela decidiu que era hora de buscar

novos caminhos.Comandante do 11º Batalhão de

Polícia Militar de Porto Alegre, o tenente-coronel Eduardo Biacchi conta que a Po-lícia chega até os bingos pelas denúncias anônimas, através do telefone 190. Muitas vezes, a denúncia parte de jogadores que não podem pagar suas dívidas. Constatan-do a irregularidade, a Polícia invade o local, os jogadores são identificados e liberados. O explorador do jogo é autuado por con-travenção penal, um delito de menor po-tencial ofensivo, com pena inferior a dois anos. É assinado um termo circunstancia-do - praticamente na totalidade, por “la-ranjas”-, alguns fichados mais de 20 ve-zes. As penas costumam ser trocadas por serviço comunitário, multas ou doações de cestas básicas.

O material apreendido é encaminhado para o depósito do Batalhão, a seguir ao depósito judicial, para compor as provas do flagrante. Após o processo, caso o ma-terial possa ser aproveitado, é repassado a

creches e escolas.O 11º BPM já rea-

lizou 86 fechamentos em 38 bingos diferen-tes em 2013. Em uma dessas batidas, foram flagradas 111 pessoas envolvidas entre explo-radores e jogadores.

Élida Nunes é uma das sete “Top Avós” que além de realizarem os trabalhos manuais (abaixo) também são responsáveis por sua divulgação em todo o RS

Moradores e hóspedes em frente à CEUACA