luiz ruffato no correio braziliense 30 set 2013

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C M Y K C M Y K Diversão&arte Brasília, segunda-feira, 30 de setembro de 2013 CORREIO BRAZILIENSE 3 Concordo que houve avanços, mas são muito pequenos para que a gente possa bater no peito e dizer ‘ah, somos a 7ª economia do mundo’” Total de vendas, na primeira semana, da 1ª parte de The 20/20 experience 1 MILHÃO DE CÓPIAS Total de visualizações do clipe de Take back tonigh 7,6 MILHÕES www.correiobraziliense.com.br Confira o clipe da música Take back the night. MÚSICA Justin Timberlake: novo rei do pop aposta em shows simples O (novo) rei do pop » LUIZ PRISCO O ano de 2013 tem tudo para marcar um novo ciclo na indús- tria fonográfica. Quatro anos após a morte de Michael Jackson, o trono do mundo pop finalmen- te tem um forte candidato: Justin Timberlake. Depois de perfor- mances de tirar o fôlego no Video Music Awards (VMA) e no Rock in Rio, o cantor lança, hoje, a segun- da parte do disco The 20/20 expe- rience e se consagra como o prin- cipal popstar da atual geração. Disponibilizado há uma se- mana para audição em strea- ming, o novo álbum é um com- plemento ao anterior. Nele, o cantor continua apostando na parceria com grandes nomes da indústria fonográfica, como os produtores e rappers Jay-Z e Timbaland. De acordo com Erin Coulehan, da Rolling Stone ,o artista acertou nas escolhas do novo trabalho. “Timberlake canta com desejo predatório e fantasioso em músicas como True blood e na recentemente lançada T.K.O, além de trazer versos em parceria com Jay-Z, em Murder , e com Drake, em Cabaret”, disse o crítico. As publicações norte-ameri- canas especializadas em músi- ca pop já sacramentaram o ex- integrante do N’Sync como o novo rei do pop. Toda a empol- gação em torno de Justin não é exagerada. Os números do can- tor realmente chamam a aten- ção: em uma semana de ven- das, a primeira parte de The 20/20 experience vendeu quase 1 milhão de cópias. O lançamento de hoje tam- bém promete ter números im- pactantes. O primeiro clipe do disco, Take back the night, lança- do há pouco mais de um mês, já conta com cerca de 7,6 milhões de visualizações no YouTube. Usuário assíduo das redes so- ciais, o cantor conta com 26,3 milhões de seguidores no Twit- ter e 27 milhões no Facebook. Sem comparações Justin não é Michael Jackson. No entanto, alguns elementos que marcaram um dos maiores astros pop de todos os tempos estão presentes no atual rei do pop. Timberlake também aposta em coreografias, em uma sonori- dade que une o R&B aos metais, e lança videoclipes com mega- produções (ver crítica ao lado). Uma diferença entre os dois popstars é a simplicidade de Justin em suas apresentações. Quem o viu no Rock in Rio pode notar que o cantor dispensa a pirotecnia nos palcos e ganha a platéia com as músicas e a ban- da de apoio The Tennessee Kids. Crítica// ★★★★ O mundo pop foi tomado de as- salto em março, com o lançamento de The 20/20 experience, aclama- do por crítica e público, flertando com uma mistura deliciosa de R&B e soul. Do mesmo forno é servida a continuação.No primeiro momen- to, a impressão é de que são sobras do trabalho anterior.Mesmo assim, o sabor ainda é marcante. A dan- çante Take back the night é um pri- mor (inegável sua defesa no legado pop de Michael Jackson). True blood e TKO conquistam facilmen- te. O álbum encerra na ótima Not a bad thing. Na sobremesa, a faixa escondida Pair of wings é arrepian- te. As cartas da música pop estão nas mãos de Justin Timberlake. O ouvinte não tem opção além de se render. (Tomaz de Alvarenga,es- pecial para o Correio) Pop irresistível Justin Timberlake — The 20/20 experience 2 of 2 RCA, 11 faixas/ US$ 10 RCA /Divulgação Ysuyoshi Chiba/AFP - 16/9/13 >> Ponto-a-ponto LUIZ RUFFATO O escritor fala do seu novo trabalho e lamenta o fato de o país não avançar mais rumo a uma democracia verdadeira Um Brasil que patina » NAHIMA MACIEL L uiz Ruffato acaba de che- gar de Nova Déli. Foi à ci- dade indiana a convite do Departamento de Portu- guês de uma universidade e retor- nou um tanto chocado com o que viu na Índia. Os números são sem- pre superlativos nesse país de 1,23 bilhão de pessoas. Quando aterrissou em São Paulo, Ruffato até achou que a capital paulista era pouco populosa se compara- da às metrópoles indianas. Sim, tem gente demais no mundo, mas isso não é necessariamente um problema. E o escritor mineiro aproveitou a experiência — e o choque — para bolar o discurso programado para a Feira do Livro de Frankfurt, que tem abertura marcada para o próximo dia 9 e este ano homenageia o Brasil. Ruffato é o orador — e tam- bém alvo de críticas que questio- nam o porquê da escolha dos 70 autores da lista de convidados para se apresentar na feira — e pensou em costurar um discurso no qual mescla a literatura e a di- versidade de leituras possibilita- das pela ficção. “Esse é um ponto do meu discurso: ver o outro co- mo inimigo ou como aquele que dá a você o estatuto de existência, porque eu só sou se você me re- conhece. Se você não existir, eu simplesmente não existo porque ninguém me dá o estatuto de gente. Mas você existir também me incomoda profundamente. É muito curioso isso”, diz. A lista de 70 autores que com- põem a comitiva oficial de convi- dados para Frankurft foi elabora- da pelo Ministério da Cultura, sob curadoria do crítico Manuel da Costa Pinto; do coordenador de programação, Antonio Marti- nelli; e da professora Antonieta Cunha. Desse total, 21 vêm de São Paulo, 12 do Rio de Janeiro e 12 de Minas Gerais (o brasiliense Nicolas Behr é um dos convida- dos). Entre eles, há apenas dois negros e um índio. Os números, admite Ruffato, refletem a reali- dade brasileira quando se trata de literatura. “Esses três lugares devem significar 60% a 70% da população brasileira. Em termos de presença econômica, deve re- presentar até mais do que isso. Is- so reflete muito nossa desorgani- zação”, garante o escritor. “Por exemplo, quantos autores negros tem? Isso é culpa da curadoria? De jeito nenhum. É que não tem. Não tem porque, na nossa socie- dade, não tem mesmo.” Ruffato não dá muito ouvido às outras críticas, aquelas que questionam os nomes. “Nunca são coisas sérias. São sempre pessoais. Quando alguém fala ‘por que não chamaram fulano?’ na verdade queria falar ‘por que não me chamaram?’. Acho que se tivessem chamado 700 nomes haveria 7.000 falando ‘ah, chama- ram só 700’”, avisa. A literatura vai até bem na vi- da do escritor. Ele trocou a edito- ra Record pela Companhia das Letras, que este ano começa a re- publicar sua obra. O primeiro, Eles eram muitos cavalos, já está na 10ª edição. Em 2014, o autor lança Flores artificiais, o nono ro- mance. Dessa vez, ele avisa que resolveu se afastar da zona de conforto. Conhecido pelo trato com personagens pobres e dis- tantes da classe média que povoa o romance contemporâneo bra- sileiro, Ruffato vai, desta vez, es- crever sobre a elite. Lembranças O novo romance é também uma brincadeira com a noção de autoria: o escritor aparece na narrativa como alguém que aju- da o personagem a escrever his- tórias. Na ficção, o mundo ima- ginário e o real muitas vezes se encontram, embora com fre- quência a realidade seja mais uma criação do autor. Ruffato an- da bastante impressionado com algumas abordagens de conheci- dos que juram serem as histórias do mineiro memórias comparti- lhadas. Outro dia, um colega de escola disse ter reconhecido to- das as lembranças da infância em um dos romances do escritor. Es- se é o barato da literatura: cada texto é um texto que depende da experiência do leitor. Já na vida real, Ruffato não en- contra tanto barato. Está mais para a desilusão. “Tenho a sensação de que estivemos na iminência de dar um passo à frente no sentido polí- tico, econômico e social no país, mas a gente não deu. Pode ser que eu esteja equivocado — e quero estar equivocado — , pode ser que ainda vamos dar esse passo, mas não é o que sinto. Nem o que me parece”, lamenta, ao se lembrar das manifestações de julho. “Concordo que houve avan- ços, mas são muito pequenos pa- ra que a gente possa bater no pei- to e dizer ‘ah, somos a 7ª econo- mia do mundo’. Ok. Mas como is- so se relaciona com a realidade do país? Temos problemas com segurança pública, saúde lazer...” Ruffato esteve em Brasília para participar de um debate no Sebi- nho e conversou com o Diversão & Arte sobre a realidade brasileira contemporânea. O escritor — que é torneiro mecânico e filho de um pipoqueiro — se tornou um dos nomes mais importantes da produção atual e um dos pou- cos a trazer a classe C para a lite- ratura de hoje. DESILUSÃO X LITERATURA Minha desilusão não é com a literatura. A literatura é o que me sustenta financeiramente e afeti- vamente. Tiramos 42 milhões de pessoas da pobreza nos últimos 15 anos, mas não demos esse passo à frente para pensar juntos o que queremos do país. E como intelectual, meu papel é de dis- cordar mesmo. DEMOCRACIA X FRUSTRAÇÃO Nossos ricos continuam ri- quíssimos, nunca estiveram tão bem e não é à toa que não há ne- nhuma contradição entre os mui- to ricos e o governo do PT. No fun- do, há um problema estrutural mesmo. Não vai ser um governo petista, dois governos petistas, três governos petistas e muito menos 50 anos de democracia com vários governos que vão re- solver porque os problemas es- truturais são muito pesados e os passos que são dados são muito limitados. Ninguém duvida de que o grande problema político do Brasil é a estrutura política que herdamos da ditadura militar. To- do mundo fala em fazer uma re- forma política, mas ninguém faz. E sem essa reforma, as outras não vão acontecer porque você tem que ficar o tempo inteiro fazendo negociações. Negociar é da de- mocracia, mas no Brasil não se negocia pela democracia, se ne- gocia por privilégios. Por que nos- so Congresso é tão ruim do ponto de vista da qualidade dos políti- cos? Porque fazer política no Bra- sil é muito caro e as pessoas bem intencionadas não conseguem arrecadar dinheiro. Temos uns pobres muito ruins também. Não vamos falar só da elite. Pobres que votam pensando em seus direitos pessoais. Todo mundo no Brasil pensa individualmente, ninguém pensa coletivamente. COLETIVO X INDIVIDUAL Herdamos uma cultura extre- mamente estranha que é de apro- priação do bem público. Isso é uma coisa da nobreza ibérica: um desprezo profundo pelo trabalho e apropriação do bem público pa- ra interesse privado. Nosso inte- resse na política é sempre no sen- tido de se dar bem. A gente fala muito dos americanos. Eu fui es- critor residente em Berkley, uma universidade com 60 mil alunos. Andando pela universidade perce- bi hall fulano de tal, banco fulano de tal, praça fulano de tal. São ex- alunos que, quando começaram a ganhar dinheiro pensaram “eu te- nho que dar alguma coisa em tro- ca”. Aqui ninguém faz isso. O cara estuda na USP com dinheiro pú- blico, sai de lá médico formado na melhor universidade da América Latina e vai ser médico cobrando R$ 1.000 por uma consulta. Nunca vai passar pela cabeça dele dar um real disso para a universidade. Aliás, se ele puder vai fraudar a re- ceita. Continuamos com a menta- lidade de chegar aqui, pegar todo o pau-brasil e levar embora. Quan- do se fala em corrupção, a gente nunca lembra que todos nós so- mos corruptos no dia a dia, seja por omissão, seja por ação. En- quanto não pensarmos que so- mos um país e que temos que pen- sar coletivamente, não vamos chegar a lugar nenhum. MERCADO LITERÁRIO O mercado ainda é muito amador e os escritores são os principais responsáveis porque continuam com uma mentali- dade de escrever por diletantis- mo. No ano passado, o mercado faturou 5 bilhões de dólares. Só os escritores não ganharam di- nheiro. É um mercado muito pessoal. Temos poucos agentes literários, o que torna as rela- ções pessoais. Isso é péssimo porque são relações de negó- cios. É muito esquisito. Quando você tem um agente, ele vai in- termediar a relação. Sem agen- te, é uma discussão pessoal. O amadorismo é dos escritores principalmente. É uma visão di- letante, elitista. Carlos Vieira/CB/D.A Press LITERATURA

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Matéria de Nahima Maciel com Luiz Ruffato, publicada no Correio Braziliense em 30 set 2013

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Page 1: Luiz Ruffato no Correio Braziliense 30 set 2013

C M Y KCMYK

Diversão&arte • Brasília, segunda-feira, 30 de setembro de 2013 • CORREIO BRAZILIENSE • 3

Concordo quehouve avanços,mas sãomuitopequenos para quea gente possabater no peito edizer ‘ah, somosa 7ª economiadomundo’”

Total de vendas, na primeirasemana, da 1ª parte deThe 20/20 experience

1MILHÃO

DECÓPIAS

Total de visualizaçõesdo clipe de

Take back tonigh

7,6MILHÕES

www.correiobraziliense.com.br

Confira o clipe da músicaTake back the night.

MÚSICA

Justin Timberlake: novo rei do pop aposta em shows simples

O (novo) reidopop» LUIZ PRISCO

O ano de 2013 tem tudo paramarcar um novo ciclo na indús-tria fonográfica. Quatro anosapós a morte de Michael Jackson,o trono do mundo pop finalmen-te tem um forte candidato: JustinTimberlake. Depois de perfor-mances de tirar o fôlego no VideoMusic Awards (VMA) e no Rock inRio, o cantor lança, hoje, a segun-da parte do disco The 20/20 expe-rience e se consagra como o prin-cipal popstar da atual geração.

Disponibilizado há uma se-mana para audição em strea-ming, o novo álbum é um com-plemento ao anterior. Nele, ocantor continua apostando naparceria com grandes nomes daindústria fonográfica, como osprodutores e rappers Jay-Z eTimbaland. De acordo com ErinCoulehan, da Rolling Stone, oartista acertou nas escolhas donovo trabalho. “Timberlakecanta com desejo predatório efantasioso em músicas comoTrue blood e na recentementelançada T.K.O, além de trazer

versos em parceria com Jay-Z,em Murder, e com Drake, emCabaret”, disse o crítico.

As publicações norte-ameri-canas especializadas em músi-ca pop já sacramentaram o ex-integrante do N’Sync como onovo rei do pop. Toda a empol-gação em torno de Justin não éexagerada. Os números do can-tor realmente chamam a aten-ção: em uma semana de ven-das, a primeira parte de The20/20 experience vendeu quase1 milhão de cópias.

O lançamento de hoje tam-bém promete ter números im-pactantes. O primeiro clipe dodisco, Take back the night, lança-do há pouco mais de um mês, jáconta com cerca de 7,6 milhõesde visualizações no YouTube.Usuário assíduo das redes so-ciais, o cantor conta com 26,3milhões de seguidores no Twit-ter e 27 milhões no Facebook.

SemcomparaçõesJustin não é Michael Jackson.

No entanto, alguns elementos

que marcaram um dos maioresastros pop de todos os temposestão presentes no atual rei dopop. Timberlake também apostaem coreografias, em uma sonori-dade que une o R&B aos metais,e lança videoclipes com mega-produções (ver crítica ao lado).

Uma diferença entre os doispopstars é a simplicidade deJustin em suas apresentações.Quem o viu no Rock in Rio podenotar que o cantor dispensa apirotecnia nos palcos e ganha aplatéia com as músicas e a ban-da de apoio The Tennessee Kids.

Crítica//★★★★

O mundo pop foi tomado de as-salto em março, com o lançamentode The 20/20 experience, aclama-do por crítica e público, flertandocom uma mistura deliciosa de R&Be soul. Do mesmo forno é servida acontinuação.No primeiro momen-to, a impressão é de que são sobrasdo trabalho anterior.Mesmo assim,o sabor ainda é marcante. A dan-çante Take back the night é um pri-mor (inegável sua defesa no legadopop de Michael Jackson). Trueblood e TKO conquistam facilmen-te.O álbum encerra na ótima Not abad thing. Na sobremesa, a faixaescondida Pair of wings é arrepian-te. As cartas da música pop estãonas mãos de Justin Timberlake. Oouvinte não tem opção além de serender. (Tomaz de Alvarenga, es-pecial para o Correio)

Pop irresistível

Justin Timberlake—The 20/20experience 2 of 2

RCA, 11 faixas/ US$ 10

RCA/Divu

lgação

Ysuyoshi Chiba/AFP - 16/9/13

>>Ponto-a-pontoLUIZRUFFATO

O escritor fala do seu novo trabalho elamenta o fato de o país não avançarmais rumo a uma democracia verdadeira

UmBrasilquepatina

» NAHIMAMACIEL

L uiz Ruffato acaba de che-gar de Nova Déli. Foi à ci-dade indiana a convite doDepartamento de Portu-

guês de uma universidade e retor-nou um tanto chocado com o queviunaÍndia.Osnúmerossãosem-pre superlativos nesse país de1,23 bilhão de pessoas. Quandoaterrissou em São Paulo, Ruffatoaté achou que a capital paulistaera pouco populosa se compara-da às metrópoles indianas. Sim,tem gente demais no mundo, masisso não é necessariamente umproblema. E o escritor mineiroaproveitou a experiência — e ochoque — para bolar o discursoprogramado para a Feira do Livrode Frankfurt, que tem aberturamarcada para o próximo dia 9 eeste ano homenageia o Brasil.

Ruffato é o orador — e tam-bém alvo de críticas que questio-nam o porquê da escolha dos 70autores da lista de convidadospara se apresentar na feira — epensou em costurar um discursono qual mescla a literatura e a di-versidade de leituras possibilita-das pela ficção. “Esse é um pontodo meu discurso: ver o outro co-mo inimigo ou como aquele quedá a você o estatuto de existência,porque eu só sou se você me re-conhece. Se você não existir, eusimplesmente não existo porqueninguém me dá o estatuto de

gente. Mas você existir tambémme incomoda profundamente. Émuito curioso isso”, diz.

A lista de 70 autores que com-põem a comitiva oficial de convi-dados para Frankurft foi elabora-da pelo Ministério da Cultura,sob curadoria do crítico Manuelda Costa Pinto; do coordenadorde programação, Antonio Marti-nelli; e da professora AntonietaCunha. Desse total, 21 vêm deSão Paulo, 12 do Rio de Janeiro e12 de Minas Gerais (o brasilienseNicolas Behr é um dos convida-dos). Entre eles, há apenas doisnegros e um índio. Os números,admite Ruffato, refletem a reali-dade brasileira quando se tratade literatura. “Esses três lugaresdevem significar 60% a 70% dapopulação brasileira. Em termosde presença econômica, deve re-presentar até mais do que isso. Is-so reflete muito nossa desorgani-zação”, garante o escritor. “Porexemplo, quantos autores negrostem? Isso é culpa da curadoria?De jeito nenhum. É que não tem.Não tem porque, na nossa socie-dade, não tem mesmo.”

Ruffato não dá muito ouvidoàs outras críticas, aquelas quequestionam os nomes. “Nuncasão coisas sérias. São semprepessoais. Quando alguém fala‘por que não chamaram fulano?’na verdade queria falar ‘por quenão me chamaram?’. Acho que setivessem chamado 700 nomes

haveria 7.000 falando ‘ah, chama-ram só 700’”, avisa.

A literatura vai até bem na vi-da do escritor. Ele trocou a edito-ra Record pela Companhia das

Letras, que este ano começa a re-publicar sua obra. O primeiro,Eles eram muitos cavalos, já estána 10ª edição. Em 2014, o autorlança Flores artificiais, o nono ro-mance. Dessa vez, ele avisa queresolveu se afastar da zona deconforto. Conhecido pelo tratocom personagens pobres e dis-tantes da classe média que povoao romance contemporâneo bra-sileiro, Ruffato vai, desta vez, es-crever sobre a elite.

LembrançasO novo romance é também

uma brincadeira com a noção deautoria: o escritor aparece nanarrativa como alguém que aju-da o personagem a escrever his-tórias. Na ficção, o mundo ima-ginário e o real muitas vezes se

encontram, embora com fre-quência a realidade seja maisuma criação do autor. Ruffato an-da bastante impressionado comalgumas abordagens de conheci-dos que juram serem as históriasdo mineiro memórias comparti-lhadas. Outro dia, um colega deescola disse ter reconhecido to-das as lembranças da infância emum dos romances do escritor. Es-se é o barato da literatura: cadatexto é um texto que depende daexperiência do leitor.

Já na vida real, Ruffato não en-contra tanto barato. Está mais paraa desilusão. “Tenho a sensação deque estivemos na iminência de darum passo à frente no sentido polí-tico, econômico e social no país,mas a gente não deu. Pode ser queeu esteja equivocado — e queroestar equivocado — , pode ser que

ainda vamos dar esse passo, masnão é o que sinto. Nem o que meparece”, lamenta, ao se lembrardas manifestações de julho.

“Concordo que houve avan-ços, mas são muito pequenos pa-ra que a gente possa bater no pei-to e dizer ‘ah, somos a 7ª econo-mia do mundo’. Ok. Mas como is-so se relaciona com a realidadedo país? Temos problemas comsegurança pública, saúde lazer...”Ruffato esteve em Brasília paraparticipar de um debate no Sebi-nho e conversou com o Diversão& Arte sobre a realidade brasileiracontemporânea. O escritor —que é torneiro mecânico e filhode um pipoqueiro — se tornouum dos nomes mais importantesda produção atual e um dos pou-cos a trazer a classe C para a lite-ratura de hoje.

DESILUSÃOXLITERATURAMinha desilusão não é com a

literatura. A literatura é o que mesustenta financeiramente e afeti-vamente. Tiramos 42 milhões depessoas da pobreza nos últimos15 anos, mas não demos essepasso à frente para pensar juntoso que queremos do país. E comointelectual, meu papel é de dis-cordar mesmo.

DEMOCRACIAXFRUSTRAÇÃONossos ricos continuam ri-

quíssimos, nunca estiveram tãobem e não é à toa que não há ne-nhuma contradição entre os mui-to ricos e o governo do PT. No fun-do, há um problema estrutural

mesmo. Não vai ser um governopetista, dois governos petistas,três governos petistas e muitomenos 50 anos de democraciacom vários governos que vão re-solver porque os problemas es-truturais são muito pesados e ospassos que são dados são muitolimitados. Ninguém duvida deque o grande problema políticodo Brasil é a estrutura política queherdamos da ditadura militar. To-do mundo fala em fazer uma re-forma política, mas ninguém faz.E sem essa reforma, as outras nãovão acontecer porque você temque ficar o tempo inteiro fazendonegociações. Negociar é da de-mocracia, mas no Brasil não se

negocia pela democracia, se ne-gocia por privilégios. Por que nos-so Congresso é tão ruim do pontode vista da qualidade dos políti-cos? Porque fazer política no Bra-sil é muito caro e as pessoas bemintencionadas não conseguemarrecadar dinheiro. Temos unspobres muito ruins também. Nãovamos falar só da elite. Pobres quevotam pensando em seus direitospessoais. Todo mundo no Brasilpensa individualmente, ninguémpensa coletivamente.

COLETIVOX INDIVIDUALHerdamos uma cultura extre-

mamente estranha que é de apro-priação do bem público. Isso é

uma coisa da nobreza ibérica: umdesprezo profundo pelo trabalhoe apropriação do bem público pa-ra interesse privado. Nosso inte-resse na política é sempre no sen-tido de se dar bem. A gente falamuito dos americanos. Eu fui es-critor residente em Berkley, umauniversidade com 60 mil alunos.Andando pela universidade perce-bi hall fulano de tal, banco fulanode tal, praça fulano de tal. São ex-alunos que, quando começaram aganhar dinheiro pensaram “eu te-nho que dar alguma coisa em tro-ca”. Aqui ninguém faz isso. O caraestuda na USP com dinheiro pú-blico, sai de lá médico formado namelhor universidade da América

Latina e vai ser médico cobrandoR$ 1.000 por uma consulta. Nuncavai passar pela cabeça dele darum real disso para a universidade.Aliás, se ele puder vai fraudar a re-ceita. Continuamos com a menta-lidade de chegar aqui, pegar todoopau-brasilelevarembora.Quan-do se fala em corrupção, a gentenunca lembra que todos nós so-mos corruptos no dia a dia, sejapor omissão, seja por ação. En-quanto não pensarmos que so-mosumpaísequetemosquepen-sar coletivamente, não vamoschegar a lugar nenhum.

MERCADOLITERÁRIOO mercado ainda é muito

amador e os escritores são osprincipais responsáveis porquecontinuam com uma mentali-dade de escrever por diletantis-mo. No ano passado, o mercadofaturou 5 bilhões de dólares. Sóos escritores não ganharam di-nheiro. É um mercado muitopessoal. Temos poucos agentesliterários, o que torna as rela-ções pessoais. Isso é péssimoporque são relações de negó-cios. É muito esquisito. Quandovocê tem um agente, ele vai in-termediar a relação. Sem agen-te, é uma discussão pessoal. Oamadorismo é dos escritoresprincipalmente. É uma visão di-letante, elitista.

Carlos Vieira/CB/D.A Press

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