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1 DESAFIOS DA GOVERNANÇA DO SISTEMA POLICIAL NO BRASIL: O CASO DA POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO DAS POLÍCIAS EM MINAS GERAIS 1 Luis Flavio Sapori Scheilla Cardoso P. de Andrade A política pública de controle da criminalidade, e conseqüente manutenção da ordem pública, constitui um exemplo típico de exercício da governança. A noção de governança tem um sentido mais amplo do que o de governo ao considerar que os serviços públicos são providos por um network organizacional complexo. Governança diz respeito ao gerenciamento de redes, ao gerenciamento dos nexos e relações estabelecidas entre organizações. E tais redes são em boa medida auto-organizativas, ou seja, muitas das organizações que a compõem controlam a si mesmas em boa medida, de modo que a capacidade de controle do governo sobre elas é limitada. O governo é apenas um dos atores que influenciam o curso dos eventos na rede, não tendo poder suficiente para impor seus desejos e vontades. A governança, definida em termos de gerenciamento de redes interorganizacionais auto-organizativas, ajuda-nos a entender melhor diversos aspectos das políticas públicas em alguns setores. Ela impõe desafios quanto à coordenação interorganizacional pelo governo, principalmente em termos de cooperação e controle. Os resultados da ação administrativa do governo, sob esta ótica, não são mero resultados da implementação de regras pré-estabelecidas, mas sim o resultado de uma co-produção da administração central juntamente com o network organizacional. Reconhecer que a manutenção da ordem pública envolve, necessariamente, o exercício da governança, implica reconhecer que a competência da ação governamental é institucionalmente constrangida. A provisão deste bem coletivo está sujeita à intervenção potencial de diversos veto players, de modo que o direcionamento e o ritmo da política pública não dependem apenas da decisão política do governante. Supor a possibilidade de uma intervenção governamental integrada na manutenção da ordem pública envolve a viabilidade de combinar esforços, iniciativas e investimentos de organizações diversas que não estão sujeitas à autoridade do governo, que é a instância de Estado responsável pela elaboração e execução de políticas públicas concernentes à 1 Os dados empíricos apresentados nesse artigo são oriundos do relatório da pesquisa Percepção da Política de Integração, conforme demanda da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais ao CRISP/UFMG, em 2009, e com participação do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC Minas.

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DESAFIOS DA GOVERNANÇA DO SISTEMA POLICIAL NO BRASIL:

O CASO DA POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO DAS POLÍCIAS EM MINAS GERAIS1

Luis Flavio Sapori

Scheilla Cardoso P. de Andrade

A política pública de controle da criminalidade, e conseqüente manutenção da

ordem pública, constitui um exemplo típico de exercício da governança. A noção de

governança tem um sentido mais amplo do que o de governo ao considerar que os

serviços públicos são providos por um network organizacional complexo. Governança

diz respeito ao gerenciamento de redes, ao gerenciamento dos nexos e relações

estabelecidas entre organizações. E tais redes são em boa medida auto-organizativas, ou

seja, muitas das organizações que a compõem controlam a si mesmas em boa medida,

de modo que a capacidade de controle do governo sobre elas é limitada. O governo é

apenas um dos atores que influenciam o curso dos eventos na rede, não tendo poder

suficiente para impor seus desejos e vontades.

A governança, definida em termos de gerenciamento de redes

interorganizacionais auto-organizativas, ajuda-nos a entender melhor diversos aspectos

das políticas públicas em alguns setores. Ela impõe desafios quanto à coordenação

interorganizacional pelo governo, principalmente em termos de cooperação e controle.

Os resultados da ação administrativa do governo, sob esta ótica, não são mero

resultados da implementação de regras pré-estabelecidas, mas sim o resultado de uma

co-produção da administração central juntamente com o network organizacional.

Reconhecer que a manutenção da ordem pública envolve, necessariamente, o

exercício da governança, implica reconhecer que a competência da ação governamental

é institucionalmente constrangida. A provisão deste bem coletivo está sujeita à

intervenção potencial de diversos veto players, de modo que o direcionamento e o ritmo

da política pública não dependem apenas da decisão política do governante. Supor a

possibilidade de uma intervenção governamental integrada na manutenção da ordem

pública envolve a viabilidade de combinar esforços, iniciativas e investimentos de

organizações diversas que não estão sujeitas à autoridade do governo, que é a instância

de Estado responsável pela elaboração e execução de políticas públicas concernentes à

1 Os dados empíricos apresentados nesse artigo são oriundos do relatório da pesquisa

Percepção da Política de Integração, conforme demanda da Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais

ao CRISP/UFMG, em 2009, e com participação do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC Minas.

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área. As organizações policiais, as prisões e mesmo as defensorias públicas são

administradas e mantidas pelo Executivo, seja federal, estadual ou municipal. Já os

tribunais estão inseridos na estrutura do Judiciário. As promotorias, por seu turno, estão

parcialmente vinculadas aos Executivos, usufruindo de algum grau de autonomia

administrativa e financeira. No que tange à elaboração dos estatutos legais que definem

o arcabouço normativo da ação estatal, prevalece a primazia das instâncias legislativas.

O sistema de justiça criminal caracteriza-se por ser uma arena de conflito e de

negociação de segmentos organizacionais frouxamente conectados. Pode ser melhor

caracterizado como um loosely coupled system. A frouxa articulação na justiça criminal

pode se expressar nos níveis de conflito existentes nas relações entre as organizações do

network. O caráter adversarial é constitutivo da justiça criminal, principalmente no

embate entre defesa e acusação. Entretanto, o arranjo formal do fluxo processual

pressupõe complementaridade das atribuições da polícia, dos prosecutors e dos juízes.

Se por um lado a divergência não pode ser concebida a priori como anomalia, por outro

lado, a complexa estrutura formal institucionalizada prescreve uma divisão de trabalho

que deve garantir coerência e racionalidade na atuação das diversas instâncias do poder

público. Entretanto, tal coerência e racionalidade não imperam necessariamente quando

da atuação do Estado na provisão da ordem pública.

Os diferentes segmentos organizacionais, ao contrário, tendem a agir segundo

lógicas distintas e muitas vezes conflitantes, contrariando a divisão de trabalho

harmoniosa inicialmente prevista. Disputas por espaços de poder são recorrentes além

da competição por recursos escassos. Sistemas policiais pluralistas enfrentam esse

fenômeno com freqüência, como também não são raras as situações de confronto entre

as organizações policiais e o Ministério Público. Críticas recíprocas entre os diversos

segmentos organizacionais são comuns, atribuindo-se mutuamente responsabilidades

por eventuais fracassos do sistema.

O sistema de justiça criminal é, antes de tudo, um network organizacional e

como tal está sujeito à emergência de ethoi organizacionais distintos. Organizações são

coletividades estruturadas, caracterizadas pela existência de mecanismos de poder,

metas estabelecidas e pela utilização de procedimentos tecnológicos. Em suas trajetórias

históricas, as organizações adquirem características singulares, resultado das interações

estabelecidas com o ambiente externo. Nesse sentido, as costuras que o processo

criminal define para o network da justiça criminal não determinam unicamente os

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padrões das interações organizacionais. Cada organização tende a institucionalizar uma

cultura singular, que não está prevista pelo arcabouço formal do sistema, e que acaba

por afetar em boa medida a percepção de cada uma delas acerca de seu papel e das

outras na dinâmica do fluxo processual. Organizações têm vida própria, constroem

trajetórias institucionais que escapam, em boa medida, aos ditames previstos por seus

criadores.

Quando nos debruçamos sobre o desenho institucional da justiça criminal na

sociedade brasileira, por sua vez, observamos singularidades que potencializam a frouxa

articulação em sua dinâmica. Um dos focos de frouxa articulação no sistema de justiça

criminal na sociedade brasileira é, sem dúvida alguma, a divisão organizacional do

policiamento ostensivo e do policiamento investigativo. Conflitos políticos e

institucionais entre as polícias militares e as polícias civis nos diversos estados são

recorrentes, reforçando o diagnóstico de que tal disjunção acentua a incerteza da

punição, tornando-se obstáculo à eficiência no controle da criminalidade.

O tema da integração das polícias emerge nesse contexto, sendo apresentada

como ação mitigadora das disfuncionalidades do modelo policial vigente. Assim

ocorreu em Minas Gerais no ano de 2003, quando o governo Aécio Neves definiu seu

plano estadual de segurança pública. Um programa de integração das polícias é

viabilizado desde então, tendo continuidade até o momento. Em nenhum outro estado

brasileiro se viabilizou política pública similar em termos de duração e abrangência na

última década.

Soma-se a isso o fato de que ela foi baseada inteiramente em mecanismos

gerenciais de governança. Não houve uma atuação verticalizada da Secretaria de Estado

de Defesa Social sobre as polícias, impondo-lhes um modelo de integração elaborado a

priori. Todo o processo da política pública contou com participação direta e intensiva

das polícias, desde a formulação dos projetos até a implementação dos mesmos.

Argumentamos em artigo anterior que o modelo de governança da integração das

polícias em Minas Gerais estava se caracterizando, até 2006, por conflitos e pela

morosidade, porquanto teria a capacidade de criar ao longo do tempo arranjos

institucionais sólidos e, simultaneamente, de alcançar elevados níveis de legitimidade

entre os policiais de ambas as corporações. Eis a hipótese que fundamentou estudo

posterior, cujos resultados são apresentados no presente artigo. Avaliou-se a política de

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integração das polícias em Minas Gerais no período de 2003 a 2009 em termos do grau

de institucionalização alcançado, destacando-se os avanços, percalços e desafios de uma

experiência de governança do sistema policial na sociedade brasileira2.

A POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO DAS POLÍCIAS EM MINAS GERAIS

O modelo de integração concebido para Minas Gerais pautou-se na constituição

dos centros integrados de comunicações e informações como organismos estratégicos

para aproximação das instituições policiais responsáveis, respectivamente, pela ação

ostensiva e pela ação investigativa. Esses centros seriam responsáveis por municiar de

informações as unidades territoriais geograficamente integradas, que, por seu turno,

deveriam realizar a ação policial lato sensu (exercício das atividades de polícia

ostensiva e de investigações) mediante o estabelecimento de um planejamento

operacional conjunto.

Assim, a política de integração das organizações policiais em Minas Gerais teve

como estratégias principais a integração das informações, das áreas geográficas de

atuação e do planejamento operacional. Isso porque o não compartilhamento de in-

formações entre as organizações policiais, especialmente de seus sistemas

informatizados, a incompatibilidade de áreas territoriais de atuação e a inexistência de

planejamento conjunto de ações foram considerados os principais focos de disjunção do

trabalho policial. Para resolver esses problemas, foram propostos três projetos: na área

informacional – Sistema Integrado de Defesa Social (SIDS); no que tange à integração

geográfica – Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP); e para o planejamento

operacional – Integração da Gestão em Segurança Pública (IGESP).

Como estratégias complementares foram eleitas a integração do trabalho

correcional, bem como dos processos de formação e treinamento das polícias estaduais.

A atividade correcional foi escolhida para que pudessem ser padronizados os

procedimentos de investigação e punição nos casos de desvio de conduta de policiais,

bem como para que as corregedorias de polícia fossem fortalecidas e reestruturadas. A

2 Foram utilizados três instrumentos de coleta de dados na pesquisa. Aplicou-se um survey, que visou aferir o

nível de legitimidade alcançado pela política de integração junto aos policiais militares e civis. Além disso, foram

realizadas entrevistas qualitativas com os atores considerados relevantes para a política de integração policial, tais

como a Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais, a Polícia Militar de Minas Gerais e a Polícia Civil de

Minas Gerais, que buscou aferir o seu nível de institucionalização. Outro instrumento de coleta de dados foi a análise

de documentos e normatizações produzidas ao longo da implementação da política de integração das polícias.

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formação e o treinamento integrados seriam realizados em algumas disciplinas e cursos

em que fosse possível a instrução conjunta, especialmente aqueles conteúdos que im-

plicavam atuação integrada de ambas as polícias na atividade operacional.

A INSTITUCIONALIZAÇÃO3 DA POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO NO ÂMBITO

DAS INFORMAÇÕES

Os trabalhos do SIDS são distribuídos entre dois centros operativos em função da

natureza do trabalho a ser desenvolvida. O Centro Integrado de Atendimento e

Despacho (CIAD) e o Centro Integrado de Informações de Defesa Social (CINDS) são

os dois centros operativos do SIDS que cuidam, de acordo com a competência atribuída,

da gestão integrada das informações geradas no âmbito das organizações policiais. O

CIAD é responsável pela gestão das atividades operacionais, centralizando os

atendimentos radiofônicos das Polícias Civil, da Militar e do Corpo de Bombeiros,

processando e direcionando as chamadas aos órgãos competentes. Já a função do

CINDS é coordenar a gestão das informações sistematizadas, especialmente a produção

de estatística e análise criminal.

O CIAD foi a primeira estrutura integrada, visto que já existiam os centros nas

suas instituições. Além disso, foi possível transferi-los de seu local original para o

prédio do Comando-Geral da Polícia Militar e ajustar toda a sua infra-estrutura de

comunicação para aquele endereço. A criação do CIAD permitiu o atendimento mais

agilizado das chamadas radiofônicas, a visualização da área geográfica do local

referente aos eventos especificamente, a comunicação imediata do efetivo incumbido do

atendimento e a atuação melhor direcionada de policiais. Os módulos que possibilitam a

aglutinação de informações em forma de banco de dados são o Controle de

Atendimento e Despacho - CAD e o Registro de Eventos de Defesa Social - REDS. Há

também o PCNet que é um outro sistema de gestão do inquérito policial criado pela

Polícia Civil.

O módulo CAD é importante para o processo do ciclo policial porque ali ocorre o

tratamento inicial do evento de defesa social. O evento é encaminhado adequadamente a

3 O conceito de institucionalização aqui adotado é oriundo de TOLBERT,P.,ZUCKER,L. (1996). Nesse sentido,

processo de institucionalização envolve (a) criação de arranjos estruturais e formais em resposta a certos tipos de

problemas - HABITUALIZAÇÃO; (b) desenvolvimento de certo grau de consenso entre os decision-makers

organizacionais sobre o valor dessas estruturas - OBJETIVAÇÃO ; (C) continuidade no tempo das estruturas criadas,

mantendo-se ao longo de gerações seguintes dos membros das organizações - SEDIMENTAÇÃO.

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quem é responsável (PM, PC ou CBM) para as devidas providências. A integração dos

trabalhos policiais por meio do CAD permitiu acompanhamento simultâneo de uma

ocorrência, atualização com novos registros e alocação adequada de efetivos pela

Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros sem acontecer acúmulo de efetivos

numa mesma chamada. Isto representa um grande avanço, “[...] porque antes os centros

eram separados e as pessoas não tinham uma visam clara do que estava acontecendo no

momento [...]” (Entrevista, policial militar).

Contudo, tanto o treinamento como o atendimento das chamadas é subdividido em

função do órgão em que o servidor atua. Desse modo, cada despachante é treinado na

sua equipe e tem competência para atender apenas as ligações direcionadas à sua

corporação. A equipe militar atende o 190, a equipe civil o 197 e a equipe bombeiros o

193. O trabalho integrado configura-se apenas em nível de sistema, pois cada

corporação prefere manter seu efetivo separado das outras, embora a Polícia Militar

receba uma demanda consideravelmente maior que o Corpo de Bombeiros e a Polícia

Civil.

O REDS é a porta de entrada dos eventos de defesa social para o SIDS. Ele

consiste num boletim de ocorrências policiais e de bombeiro padronizado e único para

as instituições no qual são tratados todos os registros de eventos de defesa social. Este

módulo do CIAD é uma ferramenta que passou a ser fundamental para o SIDS, tendo

em vista o armazém de dados dele proveniente e o alinhamento que possui com os

módulos CAD e PCNet. Todo fato cadastrado no REDS possui um número e este

acompanhará o fato até a conclusão do inquérito – caso este tenha sido gerado. Depois

que os dados são lançados no REDS eles não podem ser alterados, a menos que haja

permissão de superiores ou o servidor possua liberação de sua instituição para acessar

essa ferramenta. Além disso, toda edição no sistema é registrada na senha de quem o faz

e praticamente inexistem duplicidades de registros no sistema. O REDS funciona no

sentido de evitar o duplo registro de ocorrências pelas instituições, assim como de

garantir a continuidade do processamento de uma ocorrência entre as polícias Militar e

Civil. À medida que os registros vão sendo alimentados dentro do REDS, existe essa

sincronia imediata. Uma ocorrência registrada pela Polícia Militar seria

obrigatoriamente repassada para a Polícia Civil via web, que consulta e procede ou não

o aceite da ocorrência, dando, ainda, os encaminhamentos que sua função constitucional

determina (abertura de inquéritos, tomadas de providências, diligências policiais etc.).

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Esse registro de ocorrências deve alimentar automaticamente o módulo PCNet de forma

a evitar o retrabalho na entrada de dados.

A entrada de dados por meio dos terminais de atendimento e despacho do CIAD e

dos terminais das unidades policiais interligados via web ao sistema REDS

proporcionam a gradual integração das informações de defesa social em todo o estado.

O compartilhamento de dados por meio deste sistema, na opinião dos entrevistados, é

um dos grandes avanços para todo o processo do ciclo policial. Somado a este avanço, a

superação das duplicidades de registros alcançada após a implementação do REDS,

parecem ter contribuído para aumentar ainda mais o nível de aprovação deste sistema.

Apesar da unanimidade em torno do desempenho tecnológico do CIAD, o ponto

de conflito que ainda perdura entre as polícias Civil e Militar é a discordância com

relação à permanência do hardware do sistema no prédio do Comando-Geral da Polícia

Militar. Existe inclusive uma diretriz no Alinhamento Estratégico dos Órgãos de Defesa

Social que prevê o estabelecimento dos bancos de dados do SIDS num ambiente físico

comum. Embora ela não defina que local será este, a Polícia Civil considera que os

hardwares dos sistemas REDS e CAD deveriam estar num espaço físico vinculado à

SEDS, o que garantiria a inexistência de privilégios de acesso aos bancos de dados tanto

por parte da Polícia Militar quanto da Polícia Civil. Esse ponto de conflito tem sua

origem no fato de os bancos de dados do CIAD, composto pelos bancos de dados do

REDS e do CAD, estarem num ambiente de produção e desenvolvimento de sistemas

no prédio do Comando-Geral da Polícia Militar e serem supervisionados por

representantes da Polícia Militar. Existe a reivindicação da Polícia Civil de que esta

situação seja resolvida transportando estes armazéns para um ambiente PRODEMGE,

que é a companhia de tecnologia da informação do executivo estadual, assim como

acontece com o PCNet que nesta instituição está estabelecido e passa pelos processos de

produção e desenvolvimento do sistema executados por analistas contratados junto a

esta mesma instituição.

Existem outras questões a serem observadas principalmente com relação à

disponibilização deste sistema em todas as regiões do estado de Minas Gerais, conforme

prevê o projeto de disseminação do acesso aos sistemas de informação. O projeto está

funcionando plenamente nas cidades sede das Regiões Integradas de Segurança Pública,

que são, atualmente, 18 cidades. A expansão do SIDS para todo o interior do estado de

Minas Gerais depende em grande medida da instalação do REDS nas cidades abarcadas

pelas respectivas RISPs. À medida que o REDS é implementado, uma estrutura de

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coleta, armazenamento e disseminação de dados vem a reboque. Mas existem

dificuldades principalmente referentes à tecnologia e ao orçamento destinado a estas

ações. Estas dificuldades são as mesmas enfrentadas para a disseminação do sistema

PCNet que também compõe o SIDS na parte investigatória do ciclo policial.

O PCNet, por sua vez, possibilita o controle de ocorrências, inquéritos, autos de

prisão em flagrante e termos circunstanciados de ocorrência, dentre outros

procedimentos de investigação, voltando-se em grande medida para a gestão dos

trabalhos da Polícia Civil. Pode-se dizer também que é um sistema que cuida de todas

as rotinas de uma delegacia, pois seus usuários, de acordo com suas especificidades,

competências legais ou carreiras, lançam mão desta ferramenta para executarem boa

parte dos trabalhos. Como o PCNet é interligado ao sistema REDS, o servidor na

Polícia Civil tem acesso quase imediato às ocorrências preenchidas e devidamente

encaminhadas a esta corporação. Seja o policial civil ou militar, responsável pelo

preenchimento do REDS, após a conclusão de seu preenchimento, este policial deve

encaminhar o REDS via web para a execução os procedimentos seguintes do ciclo

policial no PCNet, quais sejam, abertura de inquéritos, tomadas de providências,

diligências policiais, entre outros procedimentos conforme determinar a legislação.

Então, a migração das informações do REDS é o processo que interliga o trabalho da

ocorrência e da investigação, fornecendo as informações, já digitalizadas e

categorizadas à Polícia Civil.

Entretanto, há alguns aspectos institucionais que de certa forma podem

comprometer a institucionalização do PCNet e conseqüentemente do SIDS. A questão

crítica foi a não disponibilização de informações do PCNet para o sistema SIDS, ou

seja, para o acesso da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar. Na percepção da

PMMG, ocorre uma “quebra” no ciclo de compartilhamento das informações entre o

REDS e o PCNet. As informações do REDS são compartilhadas, mas o PCNet não é um

sistema compartilhado. Há informações dos inquéritos que, segundo informantes, são

subsídios para o trabalho militar. Por exemplo, no trabalho de prevenção existe a

necessidade de dados sobre autores de crimes, de motivação para cometerem os crimes

ou o modus operandi dos criminosos. Além disso, a divulgação de informações sobre o

andamento do inquérito ao cidadão só pode ser feita após o repasse desse tipo de dado

pelo PCNet. Entretanto, o entendimento da Polícia Civil é de que as outras instituições

militares não apresentam o arcabouço necessário para interpretar adequadamente as

informações que são internas do inquérito policial:

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“[...] Ou seja, eles não têm um instituto de criminalística, eles não tem um IML, o cara

que fez as perícias, os laudos eles dependem dos nossos institutos, porque todos são

vinculados a Polícia Civil em Minas Gerais. Então não justifica o módulo PCNet que é

todo voltado à policia investigativa, ser aberto – vamos assim dizer, um link, pra essas

instituições militares – então nós temos vários sub-módulos lá dentro, módulos de laudos

periciais, de cartas precatórias, de processos administrativos de pontuação de infração de

transito, processo administrativo disciplinar do trânsito [...]” (Entrevista, policial civil)

A leitura que se pode fazer dessa situação é que o PCNet parece ser também um

bem simbólico usado pela Polícia Civil para se resguardar nas decisões colegiadas que

envolvem a integração das informações do Sistema de Defesa Social. Adotam uma

atitude protecionista aumentando o grau de complexidade para a construção do

consenso.

O CINDS, por sua vez, conforme a Resolução Conjunta n. 54/08, de 18 de junho

de 2008, se fundamenta na análise, qualitativa e quantitativa, no tempo e no espaço, das

informações produzidas no âmbito do Sistema Integrado de Defesa Social . Os artigos

1º e 2º desta Resolução descrevem os principais objetivos do centro operativo CINDS

que dentre outras atividades, foca-se na gestão de informações que, de alguma forma,

contribuam para o trabalho de prevenção e investigação criminal, natureza processual,

cumprimento de medidas socioeducativas, execução penal, prevenção de sinistros e

proteção, socorro e salvamento.

As principais fontes de dados usadas pelo CINDS são os sistemas REDS, o SM20

da Polícia Militar e o SEAB da Polícia Civil. A Polícia Militar possui o sistema SM20,

mais antigo e presente em todo o Estado, que conta com o armazenamento das

ocorrências. Contudo, não possui um padrão de entrada de dados compatível com o

sistema do REDS. À medida que o REDS é implementado, o SM20 é desarticulado e

substituído, apesar de contestações iniciais dos policiais da ponta. No caso da Polícia

Civil, à medida que implanta o PCNet, vai desarticulando o sistema SEAB que não

conta com um armazém de informações tão elaborado quanto os demais. Ele produz

informações de criminosos, veículos condutores e informações de indivíduos e não

oferece ferramentas estatísticas.

A Polícia Civil manteve por longo tempo uma Diretoria de Análise Criminal

onde eram processadas todas as informações criminais e prisionais que também

poderiam ser realizadas no CINDS. Neste caso, as atividades de estatística sendo

realizadas por mais de uma instância prejudicava o CINDS no sentido de não estarem

nesta unidade integrada os profissionais mais bem capacitados da Polícia Civil para a

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atividade de estatística. Somente em 2011 essa duplicidade de estruturas foi resolvida,

com a incorporação dessa Diretoria ao CINDS.

Segundo os entrevistados, desde a implantação do CINDS, o efetivo da Polícia

Civil sempre foi muito inferior em relação ao da Polícia Militar e, ao invés de

aumentarem, acabaram diminuindo na proporção do aumento de estações de trabalho

para mais efetivos, do aumento do número de militares e de outras urgências da própria

Polícia Civil. A questão numérica dos efetivos também pode estar relacionada com a

estrutura logística que, segundo informantes, sempre esteve aquém das necessidades

reais da Polícia Civil, embora o processo de reestruturação que enfrentou tenha

melhorado um pouco questões logísticas, o número de viaturas, melhoria dos

equipamentos de segurança, a reestruturação da unidade de inteligência e informação,

entre outras melhorias. Desse modo, a gestão do CINDS fica debilitada em relação ao

trabalho integrado entre as policiais visto que, as demandas que deveriam ser

compartilhadas entre as corporações acaba sendo executada em boa medida apenas por

militares. E os trabalhos neste centro operativo acabam servindo muito mais à Polícia

Militar do que à Polícia Civil.

Outra questão relevante que envolve o CINDS é sua concepção como centro

operativo integrante do sistema de inteligência policial em Minas Gerais. Nessa

perspectiva, algumas das informações oriundas do CINDS teriam as agências de

inteligência como destinatárias, com vistas à formulação de ações para o enfrentamento

tanto da macro quanto da micro-criminalidade. Essa função impõe a própria

modernização do conceito de inteligência policial para além das questões habitualmente

tratadas pelas agências de inteligência, voltadas à defesa do Estado contra eventuais

“perigos” internos e externos. Pode-se afirmar que, a política de integração não foi

capaz de formular uma estratégia consistente no que diz respeito à integração da

inteligência policial e, ao contrário, aumentou o número de agências com a criação do

GISP (Gabinete Integrado de Segurança Pública) e da Assessoria Consolidação de

Informações, ambos ligados à SEDS, para além das já existentes em cada uma das

organizações policiais. Essa situação demonstra não somente a ausência de diretriz em

relação ao tema, mas a indefinição de um conceito único de inteligência policial e,

sobretudo, a negligência da política para com esse evidente ponto de conflito entre as

organizações policiais, já que a PMMG segue ampliando o escopo de sua atuação,

enquanto a PCMG continua a afirmar que o exercício desse tipo de atividade pela PM

configura usurpação da função investigativa. Em 2011 foi formalmente criado o Sistema

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Estadual de Inteligência, com vistas a integrar o trabalho de todas as agências de

inteligência dos órgãos do Sistema de Defesa Social, mas a sua

implantação/operacionalização está sendo iniciada.

A INTEGRAÇÃO NO ÂMBITO DAS ÁREAS DE ATUAÇÃO

A análise das resoluções conjuntas que dispõem sobre o projeto AISP revelou que

houve um volume substancial de avanços principalmente no que se refere à

correspondência circunscricional de áreas entre Polícia Militar e Polícia Civil. Pode-se

perceber que no período que corresponde à publicação da Resolução Conjunta n.

13/2003, de 17 de setembro de 2003, que instituiu as primeiras AISP, ACISP e RISP no

Estado de Minas, até a publicação da Resolução Conjunta n. 117/2009, de 09 de

dezembro de 2009, houve um profícuo movimento de negociações e acordos entre as

duas instituições para que houvesse o mapeamento e a delimitação desta nova estrutura

integrada desde a RMBH até o interior. São instituídas neste período pelo menos 313

AISP’s e 71 ACISP’s no estado inteiro e praticamente todas 18 RISP’s estaduais, com

exceção da última com sede em Poços de Caldas que até a conclusão das pesquisas se

encontrava em processo de implantação.

Ademais, a apreciação das Resoluções Conjuntas aponta a existência de uma

lógica territorial de implementação da metodologia do projeto Áreas Integradas de

Segurança Pública, referente à sistematização do trabalho policial em espaços

geográficos coincidentes. Esta lógica parece definir etapas de trabalho de maneira que o

processo de formatação destas áreas avançasse até o interior do Estado.

A terceira fase do projeto Áreas Integradas de Segurança Pública foi designada

pela Resolução Conjunta n. 39/2006, de 5 de julho de 2006, que determinou as Regiões

Integradas de Segurança Pública para todo o Estado. Além da RISP já instituídas em

Belo Horizonte e das duas RISPs criadas na Região Metropolitana, sediadas nos

municípios de Contagem (RISP 2) e Vespasiano (RISP 3), outras treze RISPs foram

cunhadas em Minas Gerais, com sede nos respectivos municípios: Juiz de Fora (RISP

4), Uberaba (RISP 5), Lavras (RISP 6), Divinópolis (RISP 7), Governador Valadares

(RISP 8), Uberlândia (RISP 9), Patos de Minas (RISP 10), Montes Claros (RISP 11),

Ipatinga (RISP 12), Barbacena (RISP 13), Curvelo (RISP 14), Teófilo Otoni (RISP 15) e

Unaí (RISP 16). Já as duas últimas RISP’s com sede em Pouso Alegre e Poços de

Caldas respectivamente, foram instituídas recentemente em 2009 e 2010.

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A partir da análise do conteúdo das Resoluções Conjuntas que dispõem sobre o

projeto Áreas Integradas de Segurança Pública, concluímos, primeiramente, que todas

as Regiões Integradas de Segurança Pública (RISPs), do Estado de Minas Gerais, são,

efetivamente, compostas pela Região de Polícia Militar e Departamento de Polícia

Civil, assim como as Áreas de Coordenação Integrada de Segurança Pública (ACISPs)

compatibilizam a área de um Batalhão de Polícia Militar (BPM) ou uma Companhia

Independente de Polícia Militar (Cia Ind) e a área de uma Delegacia Regional de Polícia

Civil, da mesma forma que as Áreas Integradas de Segurança Pública (AISPs)

conjugam as áreas de uma Companhia, Pelotão ou Destacamento de Polícia Militar com

as áreas de uma Delegacia de Polícia Civil. É importante mencionar que o Decreto n.

44.712, de 30 de janeiro de 2008 modificou e padronizou a nomenclatura de Delegacia

de Polícia de Município, Distrito, ou de Comarca, para Delegacia de Polícia Civil, como

componentes das Áreas Integradas de Segurança Pública. Portanto, cada um dos níveis

de organização da Polícia Militar apresenta uma correspondência com os níveis de

organização da Polícia Civil, em termos de RISP, ACISP e AISP, no Estado de Minas

Gerais. Além disso, as RISPs podem apresentar, em suas sedes, mais de uma ACISP,

assim como as ACISPs, mesmo quando numa sede de RISP, subdividem-se em AISPs.

No que diz respeito à percepção dos entrevistados em relação às dificuldades para

a implementação do projeto Áreas Integradas de Segurança Pública, os maiores

problemas apontados consiste na alocação de recursos. Isso porque essas unidades

demandam um aporte considerável de recursos financeiros, especialmente porque se

optou pela construção de novos prédios, concebidos especialmente para abrigar as duas

corporações policiais com todas as suas peculiaridades. Além disso, de acordo com um

dos implementadores da política de integração policial de Minas Gerais, representante

da PCMG, a alocação de recursos humanos também é outro limite encontrado neste

projeto:

“[...] O principal desafio da Polícia Civil em relação ao projeto Áreas Integradas de

Segurança Pública consiste na questão de pessoal, de efetivo. Realmente temos essa

carência. [...] A polícia civil passa por uma remodelagem e um dos itens que a polícia tem

trabalhado é o seu quadro de efetivos. Nós temos um estudo chamado dimensionamento

e, nesse estudo, existe a previsão do complemento do nosso quadro, o que ainda não

ocorreu. Em questão de logística, nós estamos praticamente em equivalência aos outros

órgãos da defesa social, no que diz respeito a área de informática, de telecomunicações,

de viaturas, armamentos, até mesmo na capacitação de nossos policiais. Mas, o nosso

desafio maior, realmente, é o número de servidores[...]”. (Entrevista, policial civil)

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Portanto, em relação aos empecilhos para a efetivação do projeto Áreas Integradas

de Segurança Pública, a discrepância numérica entre os efetivos das polícias consiste

em outra dificuldade para a concreta implementação das áreas integradas. O efetivo da

Polícia Civil é considerado reduzido e incapaz de cobrir as necessidades de

policiamento, assim como mal distribuído no Estado de Minas Gerais. Outro fato

decorrente do número insuficiente de policiais civis são os freqüentes casos de

delegados respondendo por mais de uma AISP, a chamada ampliação de competência,

ferindo a diretriz do projeto Áreas Integradas de Segurança Pública. Conforme está

estabelecido, é pré-requisito da Polícia Civil é tentar fazer uma AISP corresponder com

uma Comarca, de forma que o delegado da Comarca seria o delegado da AISP,

responsável apenas por uma AISP. Contudo, o que acontece é uma adaptação a este

modelo de integração em função do número de delegados disponíveis.

INTEGRAÇÃO DO PLANEJAMENTO OPERACIONAL4

O projeto Gestão Integrada em Segurança Pública (IGESP) foi implantado em

2005, compreendendo a incorporação da gestão por resultados na ação policial. O

estabelecimento de metas, a cobrança constante de resultados, a premiação dos

melhores resultados, constituem os mecanismos característicos desse modelo de

gerência intensiva e proativa das atividades de policiamento ostensivo e investigativo.

Além disso, a metodologia contempla a integração policial no planejamento operacional

como também institui o método de solução de problemas (problem-solving policing)

como racionalidade que deve instruí-lo. A participação das demais organizações do

sistema de justiça criminal é incentivada, em especial o Ministério Público, o Judiciário

e o sistema prisional, como também das prefeituras municipais.

O projeto IGESP parte do princípio de que as unidades de ponta das

organizações policiais é que devem ser valorizadas e cobradas no sentido da obtenção

da queda dos indicadores de criminalidade. Gestão por resultados, portanto, significa

fomentar as atividades policiais necessárias que propiciem a segurança objetiva e não

apenas a segurança subjetiva do cidadão. As unidades policiais componentes das AISPs

são colocadas em foco. Seus respectivos comandos, delegados e oficiais, passam a

ocupar posição de destaque no gerenciamento intensivo da ação policial. Os respectivos

4 A análise aqui apresentada desse item baseou-se em pesquisa coordenada por Zilli(2009)

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comandos das polícias na AISP são convocados para participar de uma grande reunião

de trabalho, a ser coordenada pelo representante da Secretaria de Estado de Defesa

Social e assessorada pelos comandantes regionais de ambas as polícias. A reunião

realiza-se sempre no mesmo espaço físico, que é uma grande sala, especialmente

montada para esse fim. Em cada reunião do IGESP, duas AISPs apresentam seus planos

de ação operacional. Durante as apresentações, o coordenador da reunião ou mesmo os

comandantes das polícias presentes podem intervir, tirando dúvidas, problematizando os

diagnósticos, determinando alteração de prioridades e, principalmente, avaliando o

trabalho policial que está sendo executado na AISP.

Primeiramente, vale destacar que o IGESP propiciou maior contato entre as

polícias, a partir da formatação das áreas integradas e dos encontros sistemáticos, e

conseqüentemente, a visualização pessoal dos diversos atores que compõem o sistema,

sendo que, desta forma, hoje eles sabem a quem, como e onde recorrer quando

necessitam do auxílio de uma determinada agência. Ainda sob este aspecto, segundo os

relatos, enquanto no interior este contato já ocorria por meio da informalidade, nas

cidades grandes, o desenho do IGESP institucionalizou esta proximidade, o que sem

dúvida, constitui um primeiro passo para estreitar as trocas e o compartilhamento de

informações. Outro avanço refere-se à pactuação de metas e acordos de resultados que

inseriu na prática policial a gestão pautada na transparência e “accountability”. Embora

verifiquem-se graus distintos de aprovação entre as corporações do modelo de gestão

por resultados, em ambas as polícias, constatou-se discursos que reconhecem o aumento

de transparência e produtividade no trabalho policial a partir da adoção deste modelo de

gestão.

Por outro lado, dentro das próprias corporações, ainda persistem limites

estruturais e cognitivos que restringem o sucesso da metodologia, tais como a redução

dos princípios básicos do IGESP em instrumentos de operacionalização percebidos,

pelas polícias, de forma mecânica como meios de prestação de contas ao Estado. Além

disso, foram observadas as seguintes questões:

sobreposição de

funções e até mesmo uma perda de identidade desta corporação frente à PM. Isto pode

ser verificado em situações nas quais a PM solicita mandado de busca e apreensão sem

aquiescência da Polícia Civil, bem como na forma isolada e autônoma da Polícia Militar

realizar ações de cunho investigativo;

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de infra estrutura logística e de pessoal da PC que tende a criar

uma baixa auto-estima dos policiais e descrença na corporação, discurso comum aos

delegados;

um grau distinto de envolvimento com a metodologia IGESP, entre as

polícias, especialmente quanto à execução das tarefas cobradas aos policiais, reforçando

o lugar de coadjuvante da PC. Este fato produz também uma assimetria de informações

entre a PM e PC. Vale destacar que nos relatos muitos delegados assumem desconhecer

a origem das metas pactuadas, a existência do DOGESP (documento que deveria ser

gerado antes de cada reunião pelos responsáveis pela AISP), o que reforça a imagem

verticalizada da PC sobre a metodologia, bem como o papel secundário assumido pelos

policiais civis.

FORMAÇÃO E TREINAMENTO POLICIAL INTEGRADOS

A integração do ensino teve quatro objetivos principais: 1) sensibilização dos

policiais para o processo de integração das organizações policiais; 2) disseminação de

novas técnicas policiais contidas nos principais projetos de integração; 3) aproximação

dos policiais civis e militares; 4) disseminação de instrumentos através dos quais os

servidores de todo o sistema de defesa social consigam refletir criticamente sobre este

sistema. A intenção era promover uma educação profissional adequada, atualizada,

abrangente e contínua que contribuísse para a integração e articulação das ações das

organizações policiais.

Nessa perspectiva, um dos principais cursos ofertados consistiu no Módulo

Integrado de Formação Policial, que se refere à integração dos cursos de formação para

ingressos nas carreiras de base das organizações policiais, civil e militar. O seu primeiro

e único módulo foi realizado no final de 2004, com 40 horas/aula de duração, sendo

ministradas as seguintes disciplinas: Sensibilização para o trabalho integrado, Ética

Profissional, Polícia Comunitária, Ciclo do Trabalho Policial, Sistema de Persecução

Criminal e Sistema de Informação de Segurança Pública.

Outra iniciativa importante consistiu no Treinamento Policial Integrado, com uma

carga horária de 40 horas/aula, realizado no período de uma semana, na qual são

ministradas nove disciplinas teóricas e práticas. Esse curso visava à capacitação de

profissionais da Polícia Militar e da Polícia Civil de forma integrada, com a participação

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contígua do corpo docente e discente, composto por professores oriundos de ambas as

organizações policiais, que elaboram e executam as disciplinas de maneira conjunta.

Este curso foi ministrado, alternadamente, nas dependências da Academia de

Polícia Militar e na Academia de Polícia Civil, sendo treinados, aproximadamente,

1.700 policiais civis e militares ao longo do ano de 2005. A terceira fase do

Treinamento Policial Integrado foi realizada em 2006, nos mesmos moldes dos TPIs

realizados na primeira e segunda fase do projeto, sendo todo o planejamento,

monitoramento e coordenação desta fase de responsabilidade da comissão integrada,

designada oficialmente pela Resolução Conjunta n. 034/2006, tendo as suas atividades

parcialmente previstas no Convênio SENASP/MJ n. 033/2006.

Os municípios que participaram deste módulo localizam-se no interior de Minas

Gerais, já possuindo delimitação de AISP na época de realização do Treinamento

Policial Integrado, sendo, os mesmos, listados, abaixo, com o respectivo número de

policiais treinados: Uberlândia (385); Uberaba (210); Montes Claros (200); Governador

Valadares (175); Juiz de Fora (344). Ao todo, participaram da terceira fase deste projeto

2.289 policiais (MINAS GERAIS, 2006).

Além do Módulo Integrado de Formação Policial e do Treinamento Policial

Integrado, diversos outros cursos são realizados de forma integrada, para policiais civis

e militares do Estado de Minas Gerais, como é o caso do Curso Integrado de Direitos

Humanos que se subdivide em dois cursos: Curso de Promotor de Direitos Humanos,

com carga horária de 68 horas/aula e Curso de Multiplicador de Direitos Humanos, com

carga horária de 128 horas/aula, este último visando a formação de docentes para atuar

em diversos cursos referentes a área dos direitos humanos. Foi realizado o treinamento

de duas turmas em ambos os cursos.

Ainda pode-se citar o Curso Integrado de Promotores e Multiplicadores de Polícia

Comunitária. O curso disponibilizou 3 mil vagas, sendo que quinhentas foram

destinadas para policiais civis, divididas em 100 turmas integradas, distribuídas nas 13

RISPs, contando com a duração de 40 horas/aula, sendo capacitados 2.985 policiais de

todo o Estado de Minas Gerais.

Ainda nesta linha de atuação, outros cursos foram realizados de forma integrada,

como o Curso Integrado de Inteligência: vertentes analista, operacional e gerência. Este

curso teve como objetivo a capacitação do efetivo que integraria a agência de

inteligência integrada ligada à SEDS denominada GISP, bem como das outras agências

de inteligência dos órgãos de Defesa Social. Ao todo, estes três cursos apresentaram 280

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vagas, distribuídas em turmas mistas de 40 alunos, tendo como público-alvo servidores

integrantes das instituições que compõem o Sistema de Defesa Social. Os cursos

ocorreram na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, sendo treinados 236 alunos.

A partir do levantamento das ações realizadas pela Secretaria Estadual de Defesa

Social de Minas Gerais no período compreendido entre 2003 e 2009, conclui-se que o

Módulo Integrado de Formação Policial apenas ocorreu em 2004, com a participação de

1.640 policiais militares e civis. Dessa forma, a estagnação da integração da formação

consiste o maior gargalo da integração da área ensino, pois o cerne do processo não

avançou. Com relação à percepção de um dos implementadores da política de

integração policial de Minas Gerais, representante da SEDS, acerca do que seja o cerne

da integração da área de ensino, ou seja, a integração da formação policial.

“[...] O núcleo [da integração da área de ensino] refere-se à formação. (...) [Pensar em

integração da área de ensino] é pensar, principalmente, em integração da formação,

[pois], não existe ali nenhum processo anterior de constituição de concepção do que se

entende por defesa social, por segurança pública, por competência de cada uma das

instituições [que compõem o sistema de defesa social]. O público encontra-se

completamente favorável à discussão dessas propostas. (...) Não existe, ainda, imbuídos,

dentro deles, esta questão cultural tão forte, tão segmentada – eu sou policial militar, eu

sou policial civil [...]” (Entrevistado, funcionário da SEDS).

Com relação às causas da estagnação da integração da formação policial, ou

empecilhos para a sua efetivação, alguns fatores foram elencados. É o caso do zelo das

polícias com relação à identidade da própria organização, assim como a carência de um

maior incentivo da SEDS e a falta de interesse das cúpulas de ambas as instituições

policiais.

“[...] Eu percebi que as pessoas achavam a área de ensino, uma área mais leve, mais

tranqüila, por exemplo, do que a área correcional, do que a área que trabalha a questão da

informação, seja sistemas informatizados, seja de inteligência, mas não é. A área de

ensino é uma área, principalmente nas instituições policiais, extremamente reservada. As

polícias apresentam uma resistência muito grande à interferência externa, mesmo que

essa interferência seja qualificada. Porque é que há uma resistência? Porque é na

academia, no universo da academia, que reside o embrião da corporação. Ali que está o

núcleo central do que vai se tornar a instituição, futuramente. Então, quando se mexe na

formação, necessariamente, se mexe no capital humano, e o capital humano que faz a

instituição acontecer, que define o futuro da instituição. [...]” (Entrevista, funcionário da

SEDS).

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Percepção de representante da PMMG, envolvido diretamente com a implantação

da política de integração policial em Minas Gerais, em especial, com a integração da

área de ensino, referente aos empecilhos para a integração da formação policial:

“[...] Em relação à formação policial integrada, se nós mencionarmos currículos

integrados, o posicionamento nosso é contrário. Se nós mencionarmos atividade de

integração durante a formação, somos completamente favoráveis. Quando mexemos no

currículo, nós mexemos na identidade da própria organização, e a própria proposta do

projeto de integração é que sejam respeitadas as identidades organizacionais das diversas

entidades envolvidas. [...] Fazer currículos integrados, interferindo no sistema de

formação das instituições, não é a política da PM de Minas. [...]” (Entrevista, policial

militar)

Em relação à integração das academias de polícia, os implementadores da política

de integração policial envolvidos diretamente com a área de ensino consideram que as

academias de polícia não são integradas. De acordo com um dos implementadores,

representante da Polícia Militar de Minas Gerais:

“[...] Trabalhar de forma integrada [nas academias de polícia] não é uma realidade. O que

nós temos são atividades pontuais, em que promovemos a integração do corpo discente,

através de palestras, exposições, seminários. Agora, trabalhar de forma integrada na

academia, isso não acontece. [...]” (Entrevista, policial militar).

Quando arguidos acerca de quais as atividades têm sido desenvolvidas no sentido

de aproximação das academias de polícia, além do Módulo Integrado de Formação

Policial, que ocorreu apenas uma vez, um dos implementadores desta política,

representante da SEDS, afirmou que uma proposta de criação de comissão integrada

direcionada para a integração da formação, foi discutida no Colegiado de Integração.

Entretanto, o processo não avançou.

“[...] Teve uma discussão, muito recentemente, mas talvez a mais emblemática, para

resgatarmos um pouco deste assunto que ninguém quer conversar, que é a integração da

área ensino, a integração da formação, independente do que se espera disso, porque não

dá mais para fazer política de integração sem discutir formação. Não dá para levar uma

política de integração, que é planejada em gabinete e despejada na tropa – vamos assim

dizer, entre aspas. O que foi feito, neste sentido? Levamos, para o Colegiado de

Integração, essa demanda, que todo mundo sabe que existe e que ninguém quer conversar

sobre ela, e que precisa de apoio político, pois não é uma questão técnica, não é uma

questão de planejar e executar – isso é o que se faz com os treinamentos – isso está na

esfera técnica. [...]” (Entrevista, funcionário da SEDS)

Em relação ao Treinamento Policial Integrado, o curso apenas informa sobre a

política de integração, visando à sensibilização dos policiais para esse processo. Ainda

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que as organizações policiais sejam menos receosas no que se refere à execução deste

curso, em comparação com a realização da formação integrada, devido às suas menores

pretensões, mesmo assim, identificamos diversos gargalos no que diz respeito a

concretização do Treinamento Policial Integrado.

Primeiramente, o pressuposto básico para a realização do Treinamento Policial

Integrado, que é a delimitação de Áreas Integradas de Segurança Pública, não consistiu

em um critério rigorosamente levado em conta. A partir da análise do número de cursos

realizados, sendo consideradas a sua distribuição espacial no território de Minas Gerais,

constatamos que esses cursos se concentraram mais em Belo Horizonte e na sua região

metropolitana, ocorrendo um déficit de treinamento no interior do estado. De acordo

com a percepção de alguns implementadores desta política pública, representante da

SEDS e da PMMG, respectivamente, quando inquirido se a implantação das AISPs foi

acompanhada pela realização do TPI.

“[...] No meu entendimento, [atualmente], não está havendo um vínculo direto entre a

instalação das áreas integradas e a realização do treinamento policial integrado. O que nós

temos é o calendário dos cursos, com estas temáticas de interesse, e o movimento de

instalações de AISPs ocorrendo paralelo. Eu não conseguiria fazer uma leitura que o TPI

está acontecendo porque a AISP está sendo criada. (...) Por parte da nossa escola

[academia da polícia militar], temos um setor específico de treinamento, onde reside o

treinamento integrado, e eu não tenho dirigido atividade, nem recebido demandas

específicas de promover treinamentos integrados em áreas onde as AISPs estão sendo

instaladas. [...]” (Entrevista, policial militar)

Além de não haver uma lógica para a definição da realização do Treinamento

Policial Integrado, verifica-se que o número de cursos realizados é insuficiente para

alcançar todo o efetivo policial, ou parte expressiva dele. Segundo o posicionamento de

um dos implementadores desta política pública, representante da SEDS:

”[...] O ideal de realização do treinamento policial integrado seria, além da interiorização,

a realização contínua do TPI, mesmo onde ele já ocorreu. Precisamos ter um universo

total de policiais que passassem por este treinamento, é o mínimo. Mas não fizemos isso,

não tínhamos condições para isso, nem condição operacional e nem de recurso. Então,

não houve, e não há uma sistematicidade para a execução do TPI. [...]” (Entrevista,

funcionário da SEDS)

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INTEGRAÇÃO DO TRABALHO CORRECIONAL

No que diz respeito à integração da atividade correcional das organizações

policiais de Minas Gerais, o desdobramento mais significante dessa diretriz consiste na

instituição do Sistema Integrado de Corregedorias de Defesa Social (SICODS).

Vale ressaltar que a congregação em um mesmo ambiente físico das corregedorias

do sistema de defesa social foi fundamental para a aproximação das corregedorias de

polícia. Isso extrapola a aproximação física, pois a diminuição da distância espacial

proporcionou a interlocução das mesmas, facilitando o contato entre as corregedorias e

o intercâmbio de informações, impulsionado, também, pela criação do Colegiado de

Corregedorias dos Órgãos da Defesa Social. Os avanços proporcionados por estas

diretrizes são percebidos pelos implementadores da política em questão:

“[...] Antes, as corregedorias trabalhavam de forma separada, muitas vezes, até quando

um fato envolvia mais de uma corregedoria. Hoje, essa troca é feita espontaneamente, de

forma facilitada, porque [as corregedorias] estão [congregadas] no mesmo espaço – basta

pegar o elevador ou descer uma escada, e você já tem essa troca, além de você ter outros

mecanismos, além do SICODS e do Colegiado, que possibilitam esta integração. [...]”

(Entrevista, funcionário da SEDS)

Um dos empreendimentos iniciais na perspectiva de integração da atividade

correcional das organizações policiais de Minas Gerais consistiu na implantação do

Colegiado de Corregedorias dos Órgãos da Defesa Social, formalizado através do

Decreto Estadual n. 43.695, de 11 de dezembro de 2003, competindo-lhe planejar,

organizar, coordenar, gerenciar e avaliar as ações operacionais das atividades de

correição administrativa, dos órgãos que o compõem.

Segundo esse decreto Estadual, este Órgão Colegiado apresenta em sua

composição, como membros natos, o Secretário Adjunto de Defesa Social, que o

preside, o Corregedor-Geral da Polícia Civil; o Corregedor da Polícia Militar; o

Corregedor do Corpo de Bombeiros Militar; o Diretor de Correições da Subsecretaria de

Administração Penitenciária; o Ouvidor da Polícia. Fazem parte do Colegiado de

Corregedorias dos Órgãos da Defesa Social, como membros designados, indicados

pelos respectivos órgãos ou entidades e designados pelo Governador do Estado para um

mandato de dois anos, permitido a recondução: um representante do Ministério Público

Estadual; um representante da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia

Legislativa do Estado de Minas Gerais; um membro da Ordem dos Advogados do

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Brasil, Seção Minas Gerais. Deve-se ressaltar que o Colegiado de Corregedorias dos

Órgãos da Defesa Social funciona e encontra-se organizado em conformidade com o

que está estabelecido neste decreto que o institui.

Em relação à regularidade dos encontros do Colegiado, detectamos que as

reuniões são realizadas, conforme o previsto, em caráter ordinário, mensalmente,

podendo ser convocadas, em caráter extraordinário, por seu Presidente. Essas reuniões

são registradas em atas, e, segundo os entrevistados, os assuntos mais recorrentes

consistem no acompanhamento de procedimentos correcionais de relevância, assim

como daquelas investigações que contemplem servidores de mais de um dos órgãos

envolvidos, o aprimoramento dos mecanismos disciplinares e correcionais, visando à

melhoria da qualidade da atividade policial.

“[...] Em um terço do tempo discutimos a análise conjunta de casos concretos, alguns

casos mais recorrentes, alguns casos de maior repercussão, outros casos entendidos como

mais sérios, mesmo que não tenha tido nenhuma repercussão. Uma segunda parte da

reunião é feita com base em discussões de melhoria da atividade correcional,

propriamente dita. O SICODS existe, também, como fim de crescimento, de melhoria, de

ampliação, de fortalecimento do trabalho correcional. A terceira parte da reunião,

também, é voltada para a discussão de melhorias da atividade policial. [...]” (Entrevista,

policial civil)

Em relação à percepção dos implementadores do SICODS acerca da contribuição

do Colegiado para que o trabalho das corregedorias seja realizado de forma integrada,

um dos entrevistados, representante da SEDS, considera o Colegiado fundamental,

“uma idéia genial”:

“[...] porque ali se tem um espaço, de dia e hora marcado, para se conversar,

organizadamente, então, eu não acho que haja algo melhor do que isso, discutir o que se

está fazendo, com uma pauta, e com a participação, inclusive, da sociedade, representada

através da OAB, da Assembléia Legislativa, da Defensoria Pública, do Ministério

Público. Assim, [o colegiado de corregedorias] contribui muito, sendo o “fiel da balança”

nesse processo, pois ele referenda, ele respalda, e, ao mesmo tempo, é uma representação

das próprias corregedorias, acrescida da sociedade. [...]” (Entrevista, funcionário da

SEDS)

A partir do levantamento de dados referente ao que se desenvolveu, no sentido de

integração das corregedorias de polícia, pode-se afirmar que as mesmas trabalham de

forma integrada. Nessa perspectiva, entende-se por trabalho correcional integrado a

cooperação nas atividades de planejamento, gestão e avaliação das ações operacionais

dos procedimentos de correição administrativa, respeitadas as competências e a

autonomia de cada instituição policial. Portanto, verifica-se que as estratégias adotadas,

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nesse sentido, alcançaram o objetivo proposto, de facilitar a permuta e o acesso de

informações referente a questões correcionais, promover uma aproximação efetiva entre

estas corregedorias, pautada por uma lógica dialógica, desenvolver ações de prevenção

do desvio de conduta dos respectivos servidores.

“[...] A importância da integração das corregedorias é facilitar a discussão e a análise de

fatos transgressionais dentro de uma mesa única de discussão, partindo do pressuposto de

que o problema de uma instituição é o problema de outra instituição. Acho que a grande

irresponsabilidade, talvez, do passado, seja achar, acreditar que, se um policial civil

cometesse uma transgressão, um abuso de autoridade, uma corrupção ou um simples

desvio de comportamento, que isso seria um problema único e exclusivo da instituição

polícia civil. Eu entendo que não. (...) Então, eu acho que isso tenha sido, talvez, o grande

prejuízo do passado, e acho que a grande vantagem dessa integração é tentar permitir a

quebra desse paradigma. [...]” (Entrevista: policial civil)

A LEGITIMIDADE DA POLÍTICA DE INTEGRAÇÃO

Para se investigar em que medida a política de integração alcançou legitimidade

entre as corporações militar e civil, foram analisados os dados produzidos pela pesquisa

de opinião de praças, oficiais da Policia Militar e dos delegados e demais carreiras da

Polícia Civil.

Inicialmente foram analisados, dentre outros aspectos, o conhecimento e a

concordância dos entrevistados com os fundamentos, objetivos e justificativas desta

política pública, consubstanciada por seus projetos. Daí buscou-se perceber a opinião

destes policiais sobre os resultados decorrentes da sua implementação e suas percepções

no que diz respeito ao trabalho integrado entre as corporações. Por último foi analisado

o conhecimento sobre os projetos especificamente. A observação dos dados foi

controlada principalmente pelas variáveis “Corporações” e “Patentes ou carreiras”. A

análise dos dados foi organizada em dois tópicos principais: 1) Percepções sobre a

política de integração; 2) o relacionamento entre as policiais.

A percepção inicial dos entrevistados com relação aos efeitos da Política de

Integração das Polícias foi de que houve uma melhoria considerável nas condições de

infra-estrutura (armas, equipamentos de proteção individual, viaturas, instalações

físicas) das suas corporações. Os dados estão na Tabela 2.

Dos entrevistados da Polícia Militar houve um percentual de 72,7% que

informaram ter percebido melhorias sensíveis nas condições de infra-estrutura de

trabalho. Outra parcela correspondente a 25,1% acharam que estas condições não se

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alteraram. Os entrevistados da Polícia Civil também perceberam melhorias. Num total

de 285 entrevistados, entre delegados, agentes de polícia, médicos legistas, peritos

criminais, escrivães de polícia, 146 informaram que também houve melhorias em

função da Integração. Este número se refere a 51,2% da amostra de policiais civis. Boa

parte deles considerou que na verdade houve uma continuação dos processos, estruturas

e dos resultados alcançados, não melhorando e não se alterando. 40,4% dos policiais

civis e 25,1% dos policiais militares tiveram essa percepção com relação às condições

de infra-estrutura. 1,1% dos militares e 7,4% dos civis consideraram que pioraram as

condições.

Tabela 2. As condições de infra-estrutura de sua organização – Corporações.

Corporações

Total

Policiais militares

Policiais civis

As condições de infra-estrutura de sua organização

Melhorou 1.348 72,7%

146 51,2%

1.494 69,9%

Não alterou 466 25,1%

115 40,4%

581 27,2%

Piorou 21 1,1%

21 7,4%

42 2,0%

Não sabe/não respondeu

18 1,0%

3 1,1%

21 1,0%

Total 1.853 100,0%

285 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Quando se cruza a variável “condições de infra-estrutura de sua organização” com

“patente ou carreira” os oficiais e praças da Polícia Militar parecem se posicionar mais

positivamente em relação aos efeitos da política de integração.

Tabela 3. As condições de infra-estrutura de sua organização – Patente ou carreira –

Patente ou carreira Total

Oficiais Praças Delegados de polícia

Demais carreiras da polícia civil

As condições de infra-estrutura de sua organização

Melhorou 95 75,4%

1.253 72,6%

33 55,9%

113 50%

1.494 69,9%

Não alterou 28 22,2%

438 25,4%

20 33,9%

95 42,0%

581 27,2%

Piorou 1 0,8%

20 1,2%

5 8,5%

16 7,1%

42 2,0%

Não sabe/não respondeu

2 1,6%

16 0,9%

1 1,7%

2 0,9%

21 1,0%

Total 126 100,0%

1.727 100,0%

59 100,0%

226 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

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24

Enquanto 55,9% dos delegados e 50% dos outros servidores nas outras carreiras

da Polícia Civil percebem melhorias nas condições de infra-estrutura de sua

organização, a grande maioria dos militares, ou seja, 75,4% dos oficiais e 72,6% dos

praças entrevistados, também tiveram essa percepção. Boa parte dos policiais civis

entrevistados também considerou que na verdade houve uma continuação dos

processos, estruturas e dos resultados alcançados, não melhorando, mas apenas não se

alterando. Dos policiais das outras carreiras da Polícia Civil 42% responderam não ter

havido alterações. Dos militares o número mais expressivo de entrevistados que não

identificaram melhorias foram 25,4% entre os praças.

No que diz respeito à percepção sobre a eficiência no enfrentamento da

criminalidade, observa-se que tanto policiais militares quanto civis concordam que

houve uma melhoria desta eficiência. 68,6% dos entrevistados da Polícia Militar e

56,1% da Polícia Civil consideram que houve aumento da eficiência no enfrentamento

da criminalidade, sendo que, 67% do total perceberam alguma melhoria. De maneira

geral existe uma percepção de aumento da eficiência em função da Política de

Integração. Além disso, os policiais civis apresentam uma percepção menos otimista se

comparados com os policiais militares.

Tabela 4. A eficiência no enfrentamento da criminalidade – Corporações.

Corporações Total

Policiais Militares

Policiais civis

A eficiência no enfrentamento da criminalidade

Melhorou 1.272 68,6%

160 56,1%

1.432 67,0%

Não alterou 546 29,5%

101 35,4%

647 30,03%

Piorou 20 1,1%

19 6,7%

39 1,8%

Não sabe/não respondeu

15 0,8%

5 1,8%

20 0,9%

Total 1.853 100,0%

285 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Se comparadas as opiniões dos efetivos das duas polícias pode-se constatar que a

percentagem de ambos estão muito próximas e que as duas corporações apresentaram

um número considerável de entrevistados que não sentiram alteração da eficiência no

enfrentamento da criminalidade.

Os dados mostram 15,9% de oficiais e 30,5% de praças na Polícia Militar dizendo

que a eficiência não se alterou. Já na Polícia Civil há 28,8% dos delegados e 37,2% nas

demais carreiras da Polícia Civil. Mas os percentuais dos delegados e demais carreiras

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25

da polícia civil apresentam-se um pouco mais elevados do que os percentuais referentes

a oficiais e praças militares. Além disso, a opinião “piorou” aparece maior entre os

civis, e menor entre os militares quando analisada em função das carreiras e patentes.

Menos de 1,5% dos oficiais e praças responderam que piorou esta eficiência, enquanto

que 5,1% dos delegados, 7,1% dos servidores nas outras carreiras da Polícia Civil

tiveram esta percepção.

Tabela 5. A eficiência no enfrentamento da criminalidade – Patente ou carreira –

Patente ou carreira Total

Oficiais Praças Delegados de polícia

Demais carreiras da polícia civil

A eficiência no enfrenta-mento da criminalidade

Melhorou 103 81,7%

1.169 67,7%

37 62,7%

123 54,4%

1.342 67,0%

Não alterou 20 15,9%

526 30,5%

17 28,8%

84 37,2%

647 30,3%

Piorou 1 0,8%

19 1,1%

3 5,1%

16 7,1%

39 1,8%

Não sabe/não respondeu

2 1,6%

13 0,8%

2 3,4%

3 1,3%

20 0,9%

Total 126 100,0%

1.727 100,0%

59 100,0%

226 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Desse modo, embora haja uma visão geral de melhoria no enfrentamento da

criminalidade após a integração das polícias, os militares são mais otimistas se

comparados com os civis – os delegados são um pouco mais otimistas do que o restante

das carreiras da Polícia Civil. Isso indica que os militares têm mais chance de responder

que houve melhoria no enfrentamento da criminalidade em função da Política de

Integração do que os entrevistados da Polícia Civil. Essa análise leva em consideração

que o efetivo da primeira é maior que o efetivo da segunda.

O cruzamento da variável “seu desempenho na atividade policial” com a variável

“corporações” também evidencia esta tendência mais otimista dos militares em relação

aos civis. Mais da metade do total de entrevistados, isto é, 59,9%, disseram ter havido

um aumento no seu desempenho profissional. Dos militares, foram 61,1% e dos

policiais civis foram 51,6%. Este último, um pouco menos do que o primeiro, mas ainda

assim corroborando para a percepção geral de aumento na produtividade.

Tabela 6. Seu desempenho na atividade policial – Corporações.

Corporações Total

Policiais Militares

Policiais civis

Seu desempenho na atividade policial

Aumentou 1.133 61,1%

147 51,6%

1.280 59,9%

Não alterou 682 36,8%

120 42,1%

802 37,5%

Page 26: Luis Flavio Sapori - ABCP€¦ · cultura singular, que não está prevista pelo arcabouço formal do sistema, e que acaba por afetar em boa medida a percepção de cada uma delas

26

Diminuiu 15 0,8%

8 2,8%

23 1,1%

Não sabe/não respondeu

23 1,2%

10 3,5%

33 1,5%

Total 1.853 100,0%

285 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Quando questionados sobre o grau de importância da Política de Integração as

respostas obtidas são mostradas na Figura 1.

Figura 1. Importância da política de integração. Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Somados os valores percentuais das categorias “muito necessária” e “necessária”,

91% de todos os entrevistados responderam positivamente à importância da Política de

Integração.

Contudo 2,7% dos militares e 7% dos policiais civis responderam que a política

de integração é desnecessária. Embora a percentagem de entrevistados que responderam

ser desnecessária a Integração das Polícias (3,3%) seja bem pequena, entre delegados

(8,5%) e demais carreiras da Polícia Civil (6,6%) há um percentual maior – levando-se

em consideração a diferença numérica do efetivo da Polícia Civil em relação à Polícia

Militar. Pode-se constatar alguma tendência em Policiais Civis serem um pouco mais

críticos em relação à necessidade desta política do que os militares.

Tabela 7. Importância da integração – Patente ou carreira – Crosstabulation.

Patente ou carreira Total

Oficiais Praças Delegados de polícia

Demais carreiras da polícia civil

Importância da

Desnecessária 1 0,8%

49 2,8%

5 8,5%

15 6,6%

70 3,3%

Page 27: Luis Flavio Sapori - ABCP€¦ · cultura singular, que não está prevista pelo arcabouço formal do sistema, e que acaba por afetar em boa medida a percepção de cada uma delas

27

integração Pouco necessária

1 0,8%

91 5,3%

1 1,7%

25 11,11%

118 5,5%

Necessária 44 34,9%

800 46,3%

26 44,1%

111 49,1%

981 45,9%

Muito necessária

80 63,5%

781 45,2%

27 45,8%

74 32,7%

962 45,0%

Não sabe/não respondeu

0 0,0%

6 0,3%

0 0,0%

1 0,4%

7 0,3%

Total 126 100,0%

1.727 100,0%

59 100,0%

226 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Os dados a seguir revelam a mesma tendência checada na análise da percepção

dos policiais civis e militares sobre os efeitos produzidos pela política de integração.

Pode-se perceber que os policiais militares são mais otimistas em relação aos resultados

produzidos se comparados com as opiniões dos policiais civis. Na Figura 2 temos um

exemplo de como a política de integração produziu efeitos no sentido de reduzir os

conflitos entre estas duas corporações.

Figura 2. Relacionamento pessoal entre policiais militares e civis. Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Mais da metade dos entrevistados (58%) perceberam melhorias no

relacionamento pessoal entre policiais civis e militares e apenas 2% disseram haver

piorado o relacionamento. Estes dados são melhor visualizados em função das carreiras

e patentes:

Tabela 8. O relacionamento pessoal entre policiais militares e civis – Patente ou carreira.

Patente ou carreira Total

Oficiais Praças Delegados de polícia

Demais carreiras da polícia civil

O relacionamento pessoal entre

Melhorou 93 73,8%

999 57,8%

36 61,0%

103 45,6%

1.231 57,6%

Page 28: Luis Flavio Sapori - ABCP€¦ · cultura singular, que não está prevista pelo arcabouço formal do sistema, e que acaba por afetar em boa medida a percepção de cada uma delas

28

policiais militares e civis

Não alterou 31 24,6%

680 39,4%

17 28,8%

112 49,6%

840 39,3%

Diminuiu 0 0,0%

33 1,9%

3 5,1%

7 3,1%

43 2,0%

Não sabe/não respondeu

2 1,6%

15 0,9%

3 5,1%

4 1,8%

24 1,1%

Total 126 100,0%

1.727 100,0%

59 100,0%

226 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Os dados apresentam um grau elevado de legitimidade da política de integração

visto que as ações realizadas melhoraram em boa medida o relacionamento pessoal

entre os efetivos das duas corporações. No entanto, uma parcela dos entrevistados

(39,3%) não perceberam mudanças, dentre os quais o percentual um pouco maior é de

civis – 28,8% dos delegados e 49,6% dos servidores nas demais carreiras –

configurando uma visão menos otimista entre os Policias Civis em comparação com os

Policiais Militares. Nesta perspectiva foram observadas opiniões diferentes das duas

corporações em relação aos conflitos de competência (Fig. 3).

Figura 3. A Política de Integração e os conflitos de competência. Fonte: Cepesp/PUC Minas.

De maneira geral, mais da metade dos entrevistados (63%) responderam que

houve uma redução dos conflitos de competência entre os policiais civis e militares. Se

analisados estes dados em função das corporações temos os resultados apresentados na

Tabela 9.

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29

Tabela 9. Percepção de conflitos de competência – Corporações.

Corporações Total

Policiais militares

Policiais civis

Percepção de conflitos de competência

Contribuiu para a REDUÇÃO dos conflitos

1.227 66,2%

121 42,5%

1.348 63,0%

Não alterou o número de conflitos

402 21,7%

80 28,1%

482 22,5%

Contribui para o AUMENTO dos conflitos

151 8,1%

77 27,0%

228 10,7%

Não havia e ainda não há conflitos

60 3,2%

6 2,1%

66 3,1%

Não sabe/não respondeu 13 0,7%

1 0,4%

14 0,7%

Total 1.853 100,0%

285 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Dos policiais militares, 66% responderam que a Política de Integração contribui

para a redução e 21,7% responderam que não alterou o número de conflitos. Dos

entrevistados na Polícia Civil, 42,5% perceberam contribuição para a redução dos

conflitos de competência e 28% não perceberam alteração neste número. Além disso,

27% dos policiais civis perceberam um aumento contra 8% dos militares. Embora haja

uma percepção geral de que a Política de Integração produziu avanços, revelando um

bom nível de legitimidade das ações implementadas ainda transparece a tendência mais

crítica da Polícia Civil. As Figuras 4 e 5 apresentam mais dados observados.

Figura 4. Conflitos de competência: opinião dos civis. Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Page 30: Luis Flavio Sapori - ABCP€¦ · cultura singular, que não está prevista pelo arcabouço formal do sistema, e que acaba por afetar em boa medida a percepção de cada uma delas

30

Figura 5. Conflitos de competência: opinião dos militares. Fonte: Cepesp/PUC Minas.

A metade dos servidores da Polícia Civil respondeu que a Política de Integração

não contribuiu para resolver o problema dos conflitos de competência. Se por um lado

não alterou a freqüência dos conflitos, por outro contribuiu para aumentá-los ainda

mais. Isso mostra também que a metade dos policiais civis entrevistados entende que as

medidas adotadas pela Política de Integração não foram suficientes para resolver este

problema totalmente. Já a percepção dos policiais militares é mais positiva com relação

aos avanços em direção à sua superação.

Os policiais militares apontaram um avanço maior na redução dos conflitos de

competência (66%) e uma minoria (8%) disse que houve aumento. Além disso, num

total de 1.853 militares entrevistados, 402 responderam não haver alteração, o que

corresponde a 22% desse total. A compreensão que se tem é de que a Polícia Militar

percebe uma clareza maior no estabelecimento de limites entre os procedimentos

exclusivos das corporações do que a Polícia Civil. A análise da opinião dos

entrevistados sobre a possibilidade de uma organização estar executando tarefas

exclusivas da outra também nos mostra esta mesma perspectiva.

Em relação à possibilidade da Polícia Militar realizar trabalhos exclusivos da

Polícia Civil temos os dados apresentados na Tabela 10.

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31

Tabela 10. Possibilidade da PM realizar o trabalho da PC – Corporações.

Corporações Total

Policiais militares

Policiais civis

Possibilidade da PM realizar o trabalho da PC

Aumentou essa possibilidade

751 40,5%

137 48,1%

888 41,5%

Não alterou essa possibilidade

1.021 55,1%

130 45,6%

1.151 53,8%

Diminuiu essa possibilidade

61 3,3%

12 4,2%

73 3,4%

Não sabe/não respondeu

20 1,1%

6 2,1%

26 1,2%

Total 1.853 100,0%

285 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

A percentagem de policiais civis que consideraram um aumento da possibilidade

da Polícia Militar realizar o seu trabalho foi 48%, e quem não percebeu diferença 45,5%

dos entrevistados. Em se tratando de conflitos de competência, a percepção dos policiais

civis está entre a não alteração da possibilidade dos militares também executarem suas

funções exclusivas e o aumento dessa possibilidade. Já a percepção dos militares está

mais para a não alteração dessa possibilidade (55%) do que seu aumento (40,5%). Mas

de maneira geral, de todos os entrevistados, uma maioria não tanto expressiva (53,8%)

considera a não alteração dessa possibilidade.

Já a possibilidade da Polícia Civil realizar os trabalhos da Polícia Militar está

descrita na Tabela 11, nas opiniões dos entrevistados discriminados em carreiras e

patentes. Visivelmente há uma tendência em não ter havido qualquer alteração nesta

possibilidade. Tanto por parte de oficiais (70,6%) e praças (66,8%) quanto Delegados

(64,4%) e demais carreiras policiais (73,5%). De todos os entrevistados 67,6% tiveram

esta percepção. Em termos de conflitos de competência, a maioria confirma pouca

frequência de atividades exclusivas da Polícia Militar sendo executadas por policiais

civis. O mesmo não se pode dizer das atividades exclusivas da Polícia Civil. Estas

variáveis são indicadores da percepção mais crítica dos entrevistados da Polícia Civil

com relação aos benefícios produzidos pela Política de Integração.

Page 32: Luis Flavio Sapori - ABCP€¦ · cultura singular, que não está prevista pelo arcabouço formal do sistema, e que acaba por afetar em boa medida a percepção de cada uma delas

32

Tabela 11. Possibilidade da PC realizar o trabalho da PM – Patente ou carreira.

Patente ou carreira Total

Oficiais Praças Delegados de polícia

Demais carreiras da polícia civil

Possibilidade da PC realizar o trabalho da PM

Aumentou a possibilidade

21 16,7%

325 18,8%

7 11,9%

34 15,0%

387 18,1%

Não alterou essa possibilidade

89 70,6%

1.153 66,8%

38 64,4%

166 73,5%

1.446 67,6%

Diminuiu essa possibilidade

13 10,3%

225 13,0%

12 20,3%

23 10,2%

273 12,8%

Não sabe/não respondeu

3 2,4%

24 1,4%

2 3,4%

3 1,3%

32 1,5%

Total 126 100,0%

1.727 100,0%

59 100,0%

226 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Além disso, na percepção dos entrevistados civis, houve um prejuízo maior para a

sua corporação do que para as outras organizações envolvidas pela política estudada. A

Figura 6 demonstra esta tendência.

Figura 6. Organização mais PREJUDICADA: opinião da Polícia Civil. Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Dos civis, 32% consideraram a sua organização como a mais prejudicada no

processo de integração dentre todas as organizações envolvidas. Por outro lado, mais da

metade de todos os policiais civis (61%) responderam que não houve organização mais

prejudicada, informando alto grau de legitimidade da política. Embora este percentual

seja tão alto, quase 1/3 (um terço) do total de entrevistados civis perceberam mais

prejuízos para a Polícia Civil. Por isso, será analisado este percentual em função das

carreiras desta organização (Tab. 12).

Houve maior freqüência de crítica à Política de Integração por parte de delegados

(40,7%) do que dos demais servidores da Polícia Civil (30%). Desse modo, muitos

delegados viram mais prejuízos em função da Política de Integração das polícias,

Page 33: Luis Flavio Sapori - ABCP€¦ · cultura singular, que não está prevista pelo arcabouço formal do sistema, e que acaba por afetar em boa medida a percepção de cada uma delas

33

embora a maioria dessa carreira (54,2%) preferiu se posicionar de maneira neutra,

dizendo que não houve organização mais prejudicada.

Tabela 12. Organização mais prejudicada pela Política de Integração – Patente ou

carreira.

Patente ou carreira Total

Oficiais Praças Delegados de polícia

Demais carreiras da polícia civil

Organização mais prejudicada pela Política de Integração

Polícia Militar 7 5,6%

149 8,6%

0 0,0%

3 1,3%

159 7,4%

Polícia Civil 1 0,8%

48 2,8%

24 40,7%

68 30,1%

141 6,6%

Secretaria de Estado e Defesa Social

0 0,0%

2 0,1%

0 0,0%

0 0,0%

2 0,1%

Corpo de Bombeiros Militar

2 1,6%

32 1,9%

1 1,7%

4 1,8%

39 1,8%

Não houve uma organização mais prejudicada

115 91,3%

1.444 83,6%

32 54,2%

143 63,3%

1.734 81,1%

Outra

1 0,8%

8 0,5%

0 0,0%

0 0,0%

9 0,4%

Não sabe/não respondeu

0 0,0%

44 2,5%

2 3,4%

8 3,5%

54 2,5%

Total 126 100,0%

1.727 100,0%

59 100,0%

226 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Dentre os militares a maioria também não percebeu organização mais prejudicada.

Figura 7. Organização mais PREJUDIADA: opinião da Polícia Militar. Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Conforme a Figura 7, 84% dos entrevistados consideram não haver organização

mais prejudicada pela Política de Integração. A visão de 8% foi de mais prejuízos para a

Polícia Militar do que para o restante das organizações. Com relação aos benefícios

também temos essa mesma tendência de neutralidade das opiniões, isto é, a maioria dos

Page 34: Luis Flavio Sapori - ABCP€¦ · cultura singular, que não está prevista pelo arcabouço formal do sistema, e que acaba por afetar em boa medida a percepção de cada uma delas

34

entrevistados das duas corporações considerou homogeneidade em termos de

benefícios.

Dos entrevistados, 68% consideraram não haver uma organização mais

beneficiada do que as outras. Mas 36,1% dos entrevistados apenas da Polícia Civil,

consideraram que a Polícia Militar foi a mais beneficiada entre as organizações. E,

agora, esta percepção fica mais presente entre as demais carreiras da Polícia Civil.

Tabela 13. Organização mais beneficiada pela Política de Integração – Corporações.

Corporações Total

Policiais militares

Policiais civis

Organização mais beneficiada pela Política de Integração

Polícia Militar 115 6,2%

103 36,1%

218 10,2%

Polícia Civil 157 8,5%

4 1,4%

161 7,5%

Secretaria de Estado e Defesa Social

148 8,0%

20 7,0%

168 7,9%

Corpo de Bombeiros Militar

20 1,1%

0 0,0%

20 0,9%

Não houve uma organiza-ção mais beneficiada

1.311 70,8%

148 51,9%

1.459 68,2

Outra 57 3,1%

1 0,4%

58 2,7%

Não sabe/não respondeu 45 2,4%

9 3,2%

54 2,5%

Total 1.853 100,0%

285 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas. Tabela 14. Organização mais beneficiada pela Política de Integração – Patente ou

carreira.

Patente ou carreira Total

Oficiais Praças Delegados de polícia

Demais carreiras da polícia civil

Organização mais beneficiada pela Política de Integração

Polícia Militar 11 8,7%

104 6,0%

18 30,5%

85 37,6%

218 10,2%

Polícia Civil 15 11,9%

142 8,2%

1 1,7%

3 1,3%

161 7,5%

Secretaria de Estado e Defesa Social

13 10,3%

135 7,8%

6 10,2%

14 6,2%

168 7,9%

Corpo de Bombeiros Militar

0 0,0%

20 1,2%

0 0,0%

0 0,0%

20 0,9%

Não houve uma organi-zação mais prejudicada

80 63,5%

1.231 71,3%

32 54,2%

116 51,3%

1.459 68,2%

Outra

6 4,8

51 3,0

0 0,0

1 0,4

58 2,7

Não sabe/não respondeu

1 0,8

44 2,5

2 3,4

7 3,1

54 2,5

Total 126 100,0%

1.727 100,0%

59 100,0%

226 100,0%

2.138 100,0%

Fonte: Cepesp/PUC Minas.

Page 35: Luis Flavio Sapori - ABCP€¦ · cultura singular, que não está prevista pelo arcabouço formal do sistema, e que acaba por afetar em boa medida a percepção de cada uma delas

35

Na Tabela 14, os dados comprovam a tendência dos entrevistados civis em serem

menos otimistas com relação aos resultados da Política de Integração. 30,5% dos

delegados entrevistados e 37,6% de entrevistados das demais carreiras perceberam

parcialidade em relação aos benefícios recebidos uma vez que a Polícia Militar foi, na

visão desta parcela dos policiais civis, a mais beneficiada dentre todas as organizações

envolvidas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A política de integração das polícias em Minas Gerais conseguiu bons resultados

no que se refere à institucionalização do trabalho articulado entre as polícias no período

analisado. Essa institucionalização foi alcançada pela implantação de novos arranjos

institucionais que fomentaram e delimitaram a integração das polícias em várias

dimensões, a saber, nas informações criminais, nas áreas geográficas de atuação, no

planejamento operacional, no ensino e na correição. Um complexo arcabouço de

atividades cooperadas foi estruturado, consubstanciado em um sofisticado emaranhado

de novas nomenclaturas e siglas que passaram a fazer parte da dinâmica do sistema

policial no estado (SIDS, IGESP, AISP, SICODS, TPI).

Pode-se afirmar que esse arcabouço institucional constitui uma manifestação de

estruturas de governança, envolvendo instâncias colegiadas com representação paritária

das polícias e da SEDS com o intuito de viabilizar o funcionamento das estruturas

criadas. Houve uma intensa formalização de procedimentos, com a elaboração de

normas conjuntas, resoluções e decretos.

Analisando-se, por sua vez, a percepção dos policiais mineiros acerca da política

de integração, constata-se ampla legitimidade, com maior destaque para os policiais

militares, em especial os oficiais. Entre os policiais civis, praticamente 2/3 dos

entrevistados manifestaram aprovação da política de integração. O elevado grau de

institucionalização e legitimidade do processo de integração, entretanto, não foram

capazes de eliminar as disputas corporativas entre as polícias, mantendo-se focos

crônicos de conflitos de interesses bem como de rejeição à integração em alguns setores.

Em outras palavras, a política de integração das polícias em Minas Gerais não

conseguiu superar a animosidade e as disputas corporativas entre as polícias.

O fenômeno manifesta-se explicitamente na questão do não compartilhamento

dos dados contidos no sistema PCNet, pertencente à Polícia Civil. A insatisfação da

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Polícia Militar com o fato é notória, ao passo que a Polícia Civil utiliza-se desse

procedimento como trunfo diante da supremacia política alcançada pela PMMG no

processo. Eis, inclusive, a principal objeção explicitada por segmento expressivo da

Polícia Civil, praticamente 1/3 da corporação, à política de integração implementada

pelo governo mineiro. Os policias civis interpretam que a Polícia Militar foi a

organização mais beneficiada com a política, da mesma maneira que apontam a Polícia

Civil como a que foi mais prejudicada.

Em trabalho recente, Andrade(2006) já alertava que a trajetória da política de

segurança pública em Minas Gerais era marcada pelos embates entre propostas

alternativas, em um contexto institucional caracterizado pela superioridade dos atores

representantes dos interesses da Polícia Militar, que acabaram por pautar a concepção

inicial da Política de Integração. A repartição desigual de recursos e de informações

decorrente de ações governamentais anteriores ampliou a possibilidade de intervenção

da Polícia Militar na formulação das estratégias de integração, que incrementariam a

capacidade de atuação da instituição mesmo isoladamente. O modelo “Polícia de

Resultados”, implementado pela Polícia Militar no período de 1998 a 2001, e as ações

do projeto de integração das organizações policiais, iniciado em 2003 pela Secretaria de

Estado de Defesa Social, possuem pontos comuns, que constituem a espinha dorsal de

ambos. A intensificação do uso da tecnologia para modernização dos procedimentos

internos e ações finalísticas, bem como o fortalecimento das unidades básicas de

policiamento territorial foram diretrizes do modelo da PMMG, que, devido ao sucesso

obtido na diminuição da criminalidade durante toda a sua implementação, serviram de

parâmetro para os projetos SIDS, AISP e IGESP. Com isso, verifica-se, então, que as

principais ferramentas operacionais sugeridas pela Política de Integração das polícias

não eram estranhas à instituição militar, que não só internalizou os princípios

modernizantes anteriormente ao início da Política, como também a pautou. Ainda sob o

ponto de vista técnico, destaca-se a ausência da recomposição dos quadros de efetivo da

Polícia Civil, que é um empecilho para a implementação de alguns dos principais

projetos da política de integração, em especial IGESP e AISP.

Embora tenha sido verificado que a política de integração das polícias em Minas

Gerais alcançou elevado grau de institucionalização, principalmente na dimensão da

estruturação e formalização de novos procedimentos, o processo encontra sérias

dificuldades para se consolidar. Os interesses corporativos não foram superados pelo

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arranjos estruturais e formais implantados, persistindo focos crônicos de resistência aos

diversos projetos implantados. Persiste a desconfiança na relação entre as respectivas

organizações, o que tem impossibilitado a plena objetivação do processo, que por sua

vez, dificulta sua sedimentação ao longo do tempo. O pequeno avanço da integração na

área de ensino é reveladora de como o processo ainda é percebido como ameaça à

identidade das respectivas organizações policiais.

Além disso, nos últimos anos alguns eventos ocorridos no âmbito político

recrudesceram a disputa organizacional entre as polícias. Em 2010 foram aprovadas

emendas à Constituição do Estado de Minas Gerais, sendo a primeira delas de

reincorporação dos Delegados de Polícia às carreiras jurídicas do Executivo Estadual.

Meses depois, a segunda emenda que concedeu status jurídico-militar aos oficiais da

PMMG, inovação sem precedentes no sistema policial brasileiro. As representações

sindicais da Polícia Civil têm questionado judicialmente a constitucionalidade dessa

mudança de status dos oficiais da PMMG, sob a alegação de que a atividade de

policiamento ostensivo não necessita da obrigatoriedade da formação jurídica. Outra

conquista da Polícia Civil foi meses depois também obtida pela PMMG, qual seja, a

transformação das carreiras de base em carreiras de nível superior. Já em 2011, as

negociações salariais das polícias com o novo Governo tiveram desfechos diferentes.

Enquanto as entidades de classe da PMMG aceitaram o percentual de reajuste, de mais

de 100% escalonado nos quatro anos de Governo, as da PCMG recusaram o reajuste e

decidiram entrar em greve.

A conjuntura nacional também não tem sido favorável à integração das polícias.

Desde a realização da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, em 2009, surgiu

uma nova alternativa à configuração do sistema policial brasileiro: a constituição, no

âmbito dos estados, de duas polícias de ciclo completo, diferenciadas pelos tipos de

crimes que seriam competentes para atuar. Ou seja, lançou-se a idéia de que as polícias

militares se ocupassem do patrulhamento e investigação de crimes menos graves,

enquanto as polícias civis tratariam de crimes mais graves. Esse cenário pode ser

considerado favorável para determinadas mudanças em curso na PMMG, desde a já

citada obrigatoriedade do bacharelado em Direito para seus oficiais, até o incremento

significativo de suas estruturas de inteligência policial.

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Por outro lado, a Polícia Civil tem tentado romper o acordo tácito subjacente à

política de integração, que preconiza a paridade salarial entre as Instituições Policiais.

As lutas pelo retorno dos Delegados de Polícia às carreiras jurídicas do Executivo

Estadual, pelo nível superior para o ingresso das carreiras de base (investigador e

escrivão de polícia) e, finalmente, a recusa de reajuste idêntico ao da PMMG são claros

indícios dessa tentativa da Polícia Civil em se diferenciar cada vez mais da Polícia

Militar. A PMMG age no sentido inverso, de forma a não romper o pretenso tratamento

igualitário entre as polícias militar e civil, com padrões remuneratórios similares. Em

suma, enquanto a Polícia Civil pretende reafirmar um status profissional superior

calcado na função investigativa, a Polícia Militar segue persistindo na paridade e no

incremento de suas ações no campo da inteligência policial, para que numa eventual

mudança do aparato institucional da segurança pública esteja em condições de se

transformar em uma instituição de ciclo completo.

Isso nos faz repensar a afirmativa apresentada em trabalho anterior, quando

analisamos a política de integração em Minas Gerais no período de 2003 a 2006.

Pode-se concluir, nesse sentido, que a prevalência de mecanismos de governança na gestão da política de integração das polícias fortaleceu o processo, criando arranjos institucionais sólidos que têm grandes chances de serem mantidos nos próximos anos, a despeito dos governos estaduais que se sucederão em Minas Gerais. (SAPORI; ANDRADE, 2008)

A integração das polícias em Minas Gerais não está consolidada e não há

garantia de que os arranjos institucionais criados sejam capazes de minimizar os

confrontos corporativos. Os avanços substantivos alcançados nos primeiros quatro anos

de execução do programa foram rapidamente interrompidos nos quatro anos seguintes.

Os mecanismos de governança adotados não foram suficientes para superar as

desconfianças entre as organizações, como chegamos a acreditar em uma primeira

avaliação.

A mais audaciosa experiência em curso no Brasil de integração das polícias

completa oito anos de execução com nítidos indícios de esgotamento. Tal fato nos leva a

problematizar a capacidade de políticas de segurança pública de atenuarem os efeitos

perversos oriundos da frouxa articulação do sistema policial brasileiro. As sérias

limitações da política de integração remete-nos à constatação de que fazem-se

necessárias mudanças substantivas no arcabouço institucional do sistema policial, a

começar do artigo 144 da Constituição Federal.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Scheilla S. C. Polícia bipartida: uma reflexão sobre o sistema policial mineiro.

Dissertação (Mestrado em Administração Pública) – Fundação João Pinheiro/Escola de

Governo, Belo Horizonte, 2006.

BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis, Vozes, l977.

RHODES, R. A. W. Understanding governance – policy networks, governance, reflexity

and accountability. Maidenhead Open University Press. 1997.

SAPORI, L. F. Segurança pública no Brasil: desafios e perspectivas. Rio de Janeiro: Fundação

Getúlio Vargas, 2007.

SAPORI, Luís Flávio; ANDRADE, Scheilla Cardoso P. de. Integração policial em Minas

Gerais: Desafios da governança da política de segurança pública. Civitas, Porto Alegre, v. 8, n.

3, p. 428-453, set.-dez. 2008.

TOLBERT, Pamela; ZUCKER, Lynne G. A institucionalização da teoria institucional. In:

Handbook de estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1998, p. 196-226. Disponível em:

http://hfmartins.sites. uol.com.br/Publicacoes/publi_03.pdf. Acessado em 18 de abril de 2010. Zilli, Felipe - Avanços e limites do processo de Integração dos Órgãos de Defesa Social em

Minas Gerais: Uma Avaliação da Metodologia IGESP. CRISP/UFMG, 2009