luciana mello ribeiro professores universitÁrios: seus...

312
Luciana Mello Ribeiro PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: SEUS VALORES E A OPÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação. Orientadora: Hedy Silva Ramos Vasconcellos Rio de Janeiro, abril de 2008

Upload: others

Post on 25-May-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Luciana Mello Ribeiro

PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS:

SEUS VALORES E A OPÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação.

Orientadora: Hedy Silva Ramos Vasconcellos

Rio de Janeiro, abril de 2008

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

LUCIANA MELLO RIBEIRO

PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS: SEUS VALORES E A OPÇÃO DA EDUCAÇAO AMBIENTAL

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profª. Hedy Silva Ramos de Vasconcellos Orientadora

PUC-Rio

Profª. Tânia Dauster Magalhães e Silva PUC-Rio

Profª Maria de Lourdes Spazziani Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Profª Diva Lopes da Silveira Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ

Prof. Vilson Sérgio de Carvalho Universidade Cândido Mendes

Profº PAULO FERNANDO CARNEIRO DE ANDRADE Coordenador Setorial do Centro

Teologia e Ciências Humanas - PUC-Rio

Rio de Janeiro, ____/_____/____.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da

autora, e do orientador.

Luciana Mello Ribeiro Graduou-se em Ciências Biológicas pela UNESP (1995), é especialista em Meio Ambiente (1997), mestre em Educação Brasileira pela PUC-Rio (2003). Sua área de pesquisa é a Educação Ambiental, tendo desenvolvido diversos projetos e artigos, organizado e participado de eventos na área. Atua também em programas de pós-graduação, inclusive no formato educação à distância.

FICHA CATALOGRÁFICA

Ribeiro, Luciana Mello

Professores universitários : seus

valores e a opção da educação ambiental /

Luciana Mello Ribeiro ; orientadora: Hedy Silva

Ramos Vasconcellos. – 2008.

309 f. : il. ; 30 cm

Tese (Doutorado em Educação)–

Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

Inclui bibliografia

1. Educação – Teses. 2. Educação

ambiental. 3. Docentes universitários. 4.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Aos que desejam se renovar para melhor e renovando-se renovam também ao mundo.

Aos que, fazendo o melhor que podem, ainda conseguem ampliar sua

lucidez e através dela se reposicionarem na grande espiral evolutiva que é a vida, atualizando-se para si mesmos e para todos aqueles com

quem tenham tido ou mantenham relações.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Agradecimentos

Em breves linhas pouco se traduz dos memoráveis e providenciais auxílios que

recebi durante a feitura desta tese. Procurarei me ater à menção do imprescindível,

ficando aqui registrado que meu reconhecimento vai muito além destas palavras e

nomes principais. Há necessidade da informalidade para melhor expressar estes

agradecimentos.

Gratidão, de acordo com o Houaiss, significa “reconhecimento de uma pessoa por

alguém que lhe prestou um benefício, um auxílio, um favor etc.; agradecimento”.

Falar sobre os benefícios reconhecidos é insuficiente para expressar os pequenos e

grandes favores que devo a tantos colaboradores. De modo que me vejo obrigada

a contar com a compreensão de quem me lê para com a limitação das palavras.

Em primeiríssimo lugar minha gratidão a minha orientadora, Hedy Vasconcellos e

à coordenação da Pós-Graduação, na pessoa de Rosália Duarte, que souberam

compreender os desafios e percalços pelos quais passei, temperando seu auxílio

com as doses necessárias de solidariedade e firmeza. Aos demais professores e aos

colegas, sou grata pelo conhecimento compartilhado e por abrirem novas trilhas

em meu pensamento. À banca examinadora, pela atenção e cuidado.

Ao Marcos, agradeço a partilha dos doze anos de aprendizado mútuo.

Devo muito de minha saúde ao amparo de minha fonoterapeuta, Regina Camillo,

cuja intervenção lúcida e acolhedora tem sido importante apoio. A você meu

carinho e reconhecimento. Da mesma forma, pelo socorro e cuidados à minha

coluna, agradeço a minha querida e competente fisioterapeuta, Michelle Pontes,

que me permitiu recuperar fôlego suficiente para estar em pé, me centrar,

trabalhar e equilibrar relacionamentos de todas as naturezas. Você chegou no

momento certo e tem sido valiosa!

Na estruturação deste tipo de trabalho muitos são os detalhes e quase infinitas as

tarefas que passo a passo configuram o que chamamos de tese. Por isso, passo

agora à lista dos agradecimentos aos auxílios operacionais e materiais:

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

• antes dos demais, agradeço aos educadores(as), que muito amavelmente me

receberam e se disponibilizaram a ceder seu escasso tempo para compartilhar um

pouco de seu aprendizado sobre a vida;

• agradeço o apoio na transcrição das 28 fitas cassete de entrevistas, que

recebi de Flávio Amaral, Kathy Homonnay (minha mãe), Aline Dalsgaard, Renata

Ferreira, Daniel Corrêa, Alba Cardoso e Roseane Delgado.

• foi indispensável o amparo, nos momentos em que necessitei de traduções,

oferecido por minha irmã Elisa, por minha mãe, por meu pai, pelo amigo Renzo

Rocha e pela amiga Ana Paula Wauke.

• fico especialmente grata pela acolhida carinhosa e generosa todas as vezes

que precisei ir ao Rio para concluir alguma etapa do trabalho que me exigia a

presença física ali. Sem o apoio de Tereza Ribeiro, Letícia Schelb, Fernanda

Insfrán, Pedro Halbritter e dos manos Régis e Leonel Tractenberg, as entrevistas,

pesquisas de biblioteca, reuniões de orientação teriam sido mais difíceis e

custosas.

• fundamental foi a solidariedade dos amigos Rafael Franco – que me emprestou

um monitor quando o meu queimou – Antonio Fontenelle e Renzo Rocha, que

providenciaram um laptop para a fase final da tese, quando necessitei ter maior

mobilidade para complementação das pesquisas e para a redação. Nos últimos

dias da escrita ainda contei com o presente inesperado de um novo monitor, desta

vez LCD. Família, obrigada!

• preciosas foram as involuntárias e voluntárias dicas de leitura de Waldo

Vieira, Tomas Heidt, Alexandre Zaslavski, Ione Basílio, das irmãs psi Cristiane e

Tânia Ferraro e da amiga de todos os momentos, Eloiza Neves.

• e, claro, imprescindíveis as inspiradas conversas e reflexões acerca do tema,

especialmente com Thais Lima, Michelle Pontes, Paulo Abrantes, Cristiane e

Tânia Ferraro, cujas experiências me foram exemplares.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

• pela busca e envio de livros não encontrados em Foz do Iguaçu, obrigada

Elisa e Paola. E obrigada a Thais Lima, Ana Paula Wauke, Ana Paula Abreu,

Daniel Corrêa e Daniela Seabra por tentarem encontrá-los nas bibliotecas

universitárias de Foz.

• por formatar o texto, sou grata a Daniel Corrêa.

• A Eloiza e à secretaria (EDU), pelos procedimentos finais de entrega da tese.

Aos muitos amigos que permaneceram próximos, estando em Foz, São Paulo,

Rio, ou mesmo mais longe, enquanto meu pai se recuperava da cirurgia. Agradeço

especialmente a Maludy Pekin, amparadora de primeira hora nos socorros a meu

pai e a Áurea Andriolo, amiga de excepcional solidariedade e presença. E muito

especialmente a Elisa.

Aos meus companheiros de convivência doméstica mais próximos, a amiga Ana

Paula Wauke e Daniel Corrêa. Pela paciência e ajuda na organização da vida

prática, contribuindo para reverter tempo para a escrita.

Aos franceses, ingleses, chineses, italianos, gregos e alemães, cujas peculiares

formas de pensar propiciaram maior percepção de mim mesma, de minhas raízes,

das diretrizes de meu trabalho e de aspectos seus que andam a requerer renovação.

A identificação destas afinidades remodelou e ampliou minha atuação existencial

no esforço pela organização/ construção de uma sociedade mais lúcida e saudável.

Recuperar a memória de aprendizados e valores possibilita escolhas mais

acertadas.

Por fim, agradeço à CAPES por ter viabilizado através do programa de bolsas

estes quatro anos de estudo, incluindo a participação em congressos e eventos de

intercâmbio.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

In memorian: mesmo após sua passagem faço questão de reiterar minha gratidão

ao Floriano, pela confiança no trabalho e por me propiciar a oportunidade de

inserção na UDC, faculdade que me recebe agora ao finalizar a tese.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Resumo Ribeiro, Luciana Mello. Professores universitários: seus valores e a opção pela Educação Ambiental. Rio de Janeiro, 2008. 309p. Tese de Doutorado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A Educação Ambiental (EA), um novo paradigma educacional, vem

enfrentando uma série de desafios em seu processo de institucionalização no

Brasil e no mundo, nestes seus pouco mais de 30 anos de trajetória. Desde 1999, a

Lei Nacional de EA garante a obrigatoriedade de sua difusão em todas as

instâncias sociais, seja nos meios de comunicação, nas empresas, no campo, ou

em cada nível do ensino formal. Sua natureza interdisciplinar fez com que se

propusesse incorporá-la de modo transversal nos processos educativos.

Considerando as dificuldades de ordem cultural, burocrática, política, e mesmo

psicológicas e sociais, tal proposição, com todos os avanços que se fez, segue

ainda distante do horizonte desejado. A universidade, idealmente, deveria ser um

dos locus transformadores da realidade, já que se propõe ser um espaço para

formação educacional em diversos sentidos. Entretanto, sendo tradicionalmente

conservadora em termos de práticas, não manifesta situação melhor quanto à EA.

Ainda assim, existem docentes universitários que arrostam as dificuldades e

desenvolvem práticas educativo-ambientais de fato engajadas e transformadoras.

O que os motiva e mobiliza nesse sentido é a questão que orientou esta pesquisa.

Tomou-se por hipótese serem os valores pessoais o fator decisivo nesta opção.

Neste caso, que meios e experiências morais teriam produzido tais valores? De

que forma? Como se expressam? Em busca de entender esta motivação lançou-se

mão da história oral, através de sua modalidade conhecida por depoimentos

pessoais, colhidos estes por meio de entrevistas. Mesclando memórias, práticas

cotidianas e escolhas, a entrevista percorreu a trajetória pessoal e profissional

destes docentes, procurando ir além da mera teorização em torno de valores

desejados. Assim, foram confrontadas a prática e os ideais de cada docente, sendo

tomados por indicadores de alinhamento entre discurso e valores a coerência e a

vergonha. A riqueza dos relatos indica forte relação entre os valores principais de

cada professor e sua prática social. Em comum, tais professores têm um perfil

idealista e gosto pela vida, valorizando a justiça, a solidariedade, a gratidão, a

relação humana e a responsabilidade, elementos aos quais conseguem dar corpo

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

através de grande engajamento e dedicação ao trabalho, entendido e buscado

enquanto meio de realização de seu projeto de vida. Idéias inatas, experiências

familiares, sócio-culturais e educativas parecem ter contribuído para as escolhas

existenciais dos docentes estudados. Espera-se que a identificação destes perfis e

experiências formadoras possa inspirar a criação de processos educativos, iniciais

ou continuados – tendo em vista a generalização do saber ambiental e do sujeito

ecológico. Pretende-se, por fim, que a presente tese venha a contribuir para o

debate acerca do processo pedagógico formador de valores no âmbito da

Educação Ambiental.

Palavras-chave

Educação ambiental, docentes universitários, depoimentos pessoais,

instituições de ensino superior, valores, projeto de vida, formação profissional,

sociedades sustentáveis.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Abstract Ribeiro, Luciana Mello. University Professors: their values and the option for the Environmental Education. Rio de Janeiro, 2008. 309p. PhD Thesis – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Environmental Education (EE), a new educational paradigm, has been

facing several challenges during its institutionalization process in Brazil and in the

world over its thirty years trajectory. Since 1999, the Brazilian EE National Law

made mandatory its diffusion in every social instance, such as the media,

enterprises, countryside municipalities, and within each formal education level.

The EE interdisciplinary nature has indicated its inclusion through a transversal

approach within educational processes. Considering the difficulties within

cultural, bureaucratic, politic and even psychological and social instances, such

proposition continues – besides many developments achieved -, far from its goal.

The institution of higher education, ideally, should be a social changing locus, as

it has the purpose of being a place for educational development in many ways.

However, being traditionally conservative within its practices, it is not doing well

concerning EE. Even so, there are professors whom, despite difficulties, develop

educative-environmental practices truly committed with social change. The

reasons which motivate and mobilize them in this direction are the key matter that

guided this research. By hypothesis, this work proposes that personal values are

decisive factors leading these university teachers into this option. In this case,

what means and moral experiences have produced such values? How was it? How

are they regularly expressed? In order to understand their motivation it was

applied the oral history research approach through personal depositions, obtained

through interviews. Mixing memories, daily practices, and choices, the interviews

explore university teacher’s personal and professional trajectory, trying to proceed

beyond simple theorizations about required values. Furthermore, their practice and

educational ideals were compared, being taken the coherence and the shame as

alignment indicators between their speeches and values. A large quantity of

stories indicates a strong relation between the main values of each teacher and

their social practice. Yet, as a common characteristic, such professors share an

idealistic profile and taste for life, valuing justice, solidarity, gratitude, human

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

relationship and responsibility, elements which they develop by great commitment

and dedication to work, understood and pursued as life project accomplishments.

Innate ideas, family background, educational and social-cultural experiences also

seem to have contributed to the life choices of our research’s participants. It is

expected the investigation of these personal profiles and experiences may inspire

the development of learning processes, within initial or further education levels, in

order to disseminate the Environmental Knowledge and the Ecological Subject

matter. It is intended, ultimately, this thesis can contribute to the discussion about

value-maker pedagogical processes within the Environmental Education field.

Key-words Environmental education, university teachers, institution of higher

education, personal depositions, values, life project, professional development,

sustainable societies.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Sumário

1 Introdução 16

2 Constituição e Instituição da Educação Ambiental 26

2.1. O enraizamento 29

2.1.1. O terceiro setor 32

2.1.2. O meio empresarial 33

2.1.3. Os meios de comunicação de massa 34

2.1.4. O campo ambiental, o sujeito ecológico e o contexto da pesquisa 34

2.2. A universidade educando ambientalmente: como anda este processo

38

3 Implicações pedagógicas da Educação Ambiental 54

3.1. A consciência moral 62

3.2. Valores na educação ambiental 71

4 Sobre a natureza dos valores 78

4.1. Ética e moral 78

4.2. Aspectos históricos do estudo dos valores 82

4.2.1. Na filosofia 82

4.2.2. Na psicologia social 85

4.3. Definindo valores: tipos e estrutura 92

4.4. A percepção de valor 108

4.5. A faculdade de apreciar ou o ato de dar valor 109

4.6. Valores enquanto sistema 112

5 Estrutura da pesquisa 117

5.1. Delimitação do problema 119

5.2. Estratégias e público a pesquisar 122

5.3. Critérios de escolha 131

5.4. Indicadores 132

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

6 Os entrevistados(as): quem são, o que querem e como vivem 135

6.1. Caracterização 135

6.2. As entrevistas 137

6.3. Análise dos dados 138

6.3.1. Os entrevistados(as): quem são 140

6.3.2. Os entrevistados(as): o que querem 141

6.3.2.1. Projetos de vida: opção pela EA 141

6.3.2.2. Projetos de vida: efeitos do trabalho 152

6.3.2.3. Projetos de vida: mudanças no mundo 158

6.3.2.4. Projetos de vida: comportamento 160

6.3.2.5. Projetos de vida: perspectivas 162

6.3.3. Os entrevistados(as): como vivem 164

6.3.3.1. Práticas existenciais: valores em operação 164

6.3.4. Uma palavra sobre os meios de experiência moral 192

7 Utopias: por uma proposta de sociedades sustentáveis 202

7.1. Recapitulando... 202

7.2. A EA enquanto estratégia utópica 203

7.3. Ensinar valores? A universidade como espaço formador 205

7.4. Para formar educadores ambientais/ a pessoa construtora da utopia

sustentabilista 214

8 Conclusões 220

9 Referências Bibliográficas 226

9.1. Webgrafia 232

9.2. Apêndices 233

9.2.1. A1 - Roteiro de entrevista 233

9.2.2. A2 - Mini-Inventário Pessoal: (roteiro de auto-observação) 235

9.2.3. A3 – Lista de Siglas 236

9.2.4. A4 – Lista de Quadros 238

9.2.5. A5 – Lista de Ilustrações 239

9.2.6. A6 – Lista de Esquemas 240

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Acho que os sentimentos se perdem nas palavras. Todos deveriam ser transformados em ações, e em ações que tragam resultados. Florence Nightingale

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

1 Introdução

A princípio, peço licença aos leitores para uma apresentação de caráter

pessoal. A linguagem, informal, que adoto nestas primeiras páginas pretendeu

contribuir para contextualizar a motivação que me conduziu a realizar este estudo,

aproximando o leitor do tema dos valores através de parte da minha história, aqui

mencionada ao modo de “cobaia”, de maneira, ainda, a ilustrar a forma como

pude compreender os educadores pesquisados. Estudar professores(as) e seus

valores na escolha e exercício do ofício educativo significou também resgatar e

reler minha própria trajetória. A história de vida, recurso metodológico da

pesquisa, oportunizou maior aproximação do universo do indivíduo “docente

universitário educador(a) ambiental”, e, certamente, de mim mesma também. Este

fato reafirmou o acerto de minhas escolhas para esta pesquisa – bem como para os

rumos existenciais definidos. E é no sentido, então, de apresentar a um só tempo o

perfil de indivíduos estudados na tese, a forma e o tema, que começo por mim

mesma.

Crises constantes de (re)definição do devir pessoal e profissional. Tudo era

novo e se renovava rapidamente. As pessoas, as informações, os problemas, os

contextos, os aprendizados. O período de graduação, vivido numa universidade

pública de período integral numa pequena cidade do interior de São Paulo poderia

ser resumido em duas palavras: revolução pessoal.

Internamente, intensas foram as mudanças. Havia, é claro, vários tipos de

contribuições, como o fato de ter saído de casa e deixado o emprego de professora

numa promissora escola privada para ir estudar, a 400 km de distância e nenhum

dinheiro. A convivência com pessoas que vinham de todas as partes do país,

trazendo seus costumes, crenças, medos, músicas, palavras e comidas

impossibilitou a continuidade de qualquer convicção, fosse de ordem política,

moral, estética ou profissional, sem que houvesse uma rigorosa e saudável

revisão. Penso que toda pessoa deveria ter a oportunidade de passar por uma tal

experiência...

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

17

Pelas circunstâncias, os laços que se criavam eram intensos e sinceros. O

mundo de repente aumentou muito de tamanho, em todos os sentidos... A

geografia percorrida a pé, de carona ou em ônibus se estendeu para além das

fronteiras estaduais e mesmo nacionais. As possibilidades de atuação ficaram mais

concretas – e os sonhos um tanto mais ousados.

Foi então, num certo dia no quarto ano da faculdade, que me dei conta de

uma opção que influenciaria definitivamente minha trajetória. Sempre me sentira

atraída pelas disciplinas, digamos, sistêmicas: ecologia, evolução, etologia,

metodologia/filosofia/história da ciência, embriologia, fisiologia, etnobotânica,

ética, psicologia/sociologia da educação... Era apaixonada pelo estudo do

comportamento animal (incluindo os humanos). Então, dirigindo-me a mais uma

aula de Etologia, me questionei sobre minhas atividades profissionais futuras. Que

caminho deveria tomar? Se fora apenas por gosto e curiosidade intelectual

certamente teria buscado um estágio e uma pós-graduação nesta área. Mas então

já havia passado por um projeto de extensão, no qual convivera durante dois anos

com comunidades ribeirinhas quilombolas... participara do centro acadêmico

viajando pelo estado todo e fora membro discente do Conselho de Curso – que na

época redesenhava a graduação em Biologia... participava de um projeto para

eliminação do lixão da cidade... organizara algumas Semanas da Biologia e

Semanas de Recepção aos Calouros... convivera três anos com as atividades

científico-culturais do PET (Programa Especial de Treinamento, da CAPES). Não

poderia fazer de conta que não entendia como funcionava a universidade, que não

sabia dos principais problemas sociais, que não conhecera lugares e pessoas em

situações muito diversas. Também não era preciso ser muito esperta para saber

que poucas pessoas se mobilizavam por algo de interesse coletivo. E foi ganhando

dimensão crescente a vontade de fazer diferença, de contribuir, ser útil mesmo.

Coisa de adolescente, dirão – mas treze anos depois essa vontade persiste, se

renova e se reinventa a cada dia. Duas pontas um pouco obscuras acenavam e

pediam para ser entrelaçadas. Soube, num átimo, que eu gostaria de juntar, de

alguma forma, Educação e Meio Ambiente, duas grandes áreas que me

encantavam e que eu sentia, um pouco vagamente, que poderiam potencializar-se

mutuamente, alavancando mudanças sociais necessárias.

Restou um sentimento mesclado de júbilo e de renúncia a algo importante e

interessante. Interessante... mas não prioritário! Passara pela encruzilhada, a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

18

decisão fora tomada e eu sabia que não ficaria feliz escolhendo algo que

redundasse apenas em prazer intelectual. O maior alcance vislumbrado para

minhas potencialidades, esse era o que eu queria.

Enfim, a nova escolha me levou ao Rio de Janeiro um ano e meio depois,

onde experiências diversificadas no terceiro setor fortaleceram cada vez mais a

resolução pela educação ambiental enquanto estratégia profissional e, em grande

parte, existencial.

A Educação Ambiental (EA) questiona diversos paradigmas a um só tempo

(CARVALHO, 2002; LEFF, 1999; TOZONI-REIS, 2004; LOUREIRO, 2004),

propondo a renovação da forma de pensar e sentir surgida com a Modernidade e

uma transformação radical das estruturas sociais e de nossas relações entre

humanos e entre humanos e os demais seres da Terra.

Cinqüenta anos antes já Adorno (2000) criticava a racionalidade

instrumental e sua entranhada persistência na educação, na ciência, na cultura.

Para ele, era o caminho da barbárie. Caminho a que se haveria de dar meia volta o

quanto antes. Concorda com ele e propõe rumos Edgar Morin (2003). Para ele,

seria preciso, em prol da civilização mundializada,

“que acontecessem grandes progressos do espírito humano não tanto em relação a suas capacidades técnicas e matemáticas, não somente no conhecimento das complexidades, mas na sua interioridade psíquica. (...) A necessidade dessa reforma interior dos espíritos e das pessoas, tão indispensável à política, é evidentemente invisível aos políticos (...) As duas vias de uma reforma da humanidade chegaram a um mesmo impasse. A via interior, a dos espíritos e das almas, da ética, da caridade e da compaixão, não conseguiu, até agora, reduzir radicalmente a barbárie humana. A via exterior, a da mudança das instituições e das estruturas sociais, culminou com o extremo e terrível fracasso, pelo qual a erradicação da classe dominante e exploradora provocou a formação de uma nova classe dominante e exploradora, pior que a antecedente. Certamente, as duas vias precisam uma da outra. Seria necessário combiná-las. Como?” Morin prossegue a discussão, defende a esperança e a vontade. “Embora quase ninguém, tenha ainda consciência, jamais existiu causa tão grande, tão nobre, tão necessária quanto a causa pela humanidade para poder, ao mesmo tempo e inseparavelmente sobreviver, viver e humanizar-se” (MORIN, 2003, p.18-20).

A perspectiva assinalada pela Educação Ambiental, se bem entendida,

criativa e articuladamente praticada, persegue a combinação indicada por Morin, o

que obviamente não será possível realizar solitariamente, uma vez que a educação

é parte de uma complexa rede de relações sociais. Mas, uma vez viabilizada sua

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

19

existência e sua difusão na sociedade, certamente derivarão alternativas diversas

para superarmos esse momento de crise civilizatória.

De acordo com Leff (1999, p.111), a crise ambiental entra na história

contemporânea, assinalando os limites da racionalidade econômica, ao mesmo

tempo em que emerge o pensamento da complexidade, “como resposta ao projeto

epistemológico positivista unificador do conhecimento e homogeneizador do

mundo.”

Também a bióloga-antropóloga Fátima Branquinho discute razões para a

configuração da racionalidade moderna. Ela retoma os estudos de Latour,

apontando que as principais conclusões a que ele chegou lhe permitiriam

“afirmar que as sociedades modernas acreditam que conseguem separar suas representações do mundo subjetivo, mítico, enfim, os valores, do mundo que a ciência, a técnica e a economia lhes permitem conhecer, isto é, os fatos. Como conseqüência dessa crença no sucesso da separação entre a natureza e a sociedade, conquistada por meio do fazer científico, os modernos se pensam diferentes das demais culturas: aquelas que misturam as estrelas às famílias, o cosmos ao parentesco, construindo uma segunda separação, dessa vez entre nós e eles (Latour, 1991). Mas, não haveria aí um equívoco? Essas separações não são tão evidentes como nos acostumamos a pensar, uma vez que nossas sociedades modernas relacionam, de um modo bastante elaborado e íntimo o DNA à paternidade, o átomo às guerras, as plantas medicinais à biopirataria e ao direito de patentes, o clone humano à identidade, a inseminação artificial à família, o buraco na camada de ozônio à produção de aerossóis e ao uso obrigatório de protetores solares, as baleias ao Greenpeace” (BRANQUINHO, 2004, p.5).

Desta forma, a crise ambiental se caracterizaria como civilizacional,

marcada pelos seguintes aspectos:

a) “Os limites do crescimento e a construção de novo paradigma de produção sustentável;

b) O fracionamento do conhecimento e a emergência da teoria de sistemas e o pensamento da complexidade;

c) O questionamento à concentração do poder do Estado e do mercado, e as reivindicações da cidadania por democracia, eqüidade, justiça, participação e autonomia.

Estes pontos de ruptura questionam os paradigmas do conhecimento, bem como os modelos societários da modernidade, defendendo a necessidade de construir outra racionalidade social, orientada por novos valores e saberes; por modos de produção sustentados em bases ecológicas e significados culturais; por novas formas de organização democrática.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

20

Esta mudança de paradigma social leva a transformar a ordem econômica, política e cultural, que, por sua vez, é impensável sem uma transformação das consciências e dos comportamentos das pessoas” (LEFF, 1999, p. 112).

Por derivar desse processo, a Educação Ambiental se fundamenta em dois

pilares: em primeiro lugar, “uma nova ética que orienta os valores e comportamentos

para os objetivos de sustentabilidade ecológica e a eqüidade social”; em segundo, “uma

nova concepção do mundo como sistemas complexos, a reconstituição do conhecimento e

o diálogo de saberes.” (LEFF, 1999, p.113) Daí a necessidade da

interdisciplinaridade ser o princípio metodológico da EA.

Em sua análise, perceber a questão ambiental como um problema do

desenvolvimento e entender a interdisciplinaridade enquanto método para um

conhecimento integrado são, na verdade, respostas complementares à crise da

racionalidade da Modernidade.

“Com a emergência da interdisciplinaridade e da complexidade, também surgiu uma filosofia da natureza e uma ética ambiental. Essas ecosofias vão desde a ecologia profunda (NAESS, 1989) e o biocentrismo que defende os direitos da vida ante a intervenção antrópica da natureza, até a ecologia social que imprime novos valores democráticos à reorganização da sociedade a partir dos princípios de convivência, solidariedade, integração, autonomia e criatividade, em harmonia com a natureza. (BOOKCHIN, 1991). A consciência ambiental se manifesta como uma angústia de separação e uma necessidade de reintegração do homem na natureza. A ecologia, como organização sistêmica da natureza, aparece como o paradigma capaz de preencher o vazio que deixa a ciência moderna para reordenar o mundo” (LEFF, 1999, p.117).

Da mesma forma, outros autores apontam para a compreensão ainda

superficial da questão ambiental, retomando o debate da vinculação íntima entre

sociedade e psique.

“A conotação da ecologia deveria deixar de ser vinculada à imagem de uma pequena minoria de amantes da natureza ou de especialistas diplomados. Ela põe em causa o conjunto da subjetividade e das formações de poder capitalísticos (...)” (GUATTARI, 1995, p. 37, grifo nosso).

Menezes (2000) discorda da denominação de crise ambiental para designar

os problemas legados pela Modernidade. Para ela, a crítica à herança iluminista e

ao vazio moral da civilização individualista burguesa decorreriam da adoção da

vertente explicativa pela “crise”. Tal abordagem, contudo, seria insuficiente, pois

vaga. Analisando os resultados da lógica individualista capitalista parece-lhe

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

21

chegar mais próximo das causas que devem ser combatidas para superar o atual

estado de coisas:

“Por exemplo, a economia política clássica tem como pressuposto o fato de que a procura egoística do próprio interesse por parte dos indivíduos conduz, por uma harmonia implícita (a mão invisível), ao interesse geral. A indiferença axiológica (Goldmann, citado por Lowy, 1995:184) do capitalismo resumir-se-ia, quando ameaçado, adaptar-se tão bem ao fascismo e à barbárie como às formas mais civilizadas do sistema democrático. O resultado da lógica individualista radical e da ausência de forças éticas, capazes de subordinarem a utilização da natureza aos fins de uma comunidade, nos parecem elementos mais indicativos na busca de soluções para as contradições entre o meio ambiente e o desenvolvimento do que prolongados debates sobre a finitude do planeta e a ‘crise ambiental’” (MENEZES, 2000, p.42).

Menezes coloca, portanto, o enfrentamento da questão nos ombros da

discussão ética. E de uma ética que questione o individualismo. De toda forma,

continua tratando-se de transformar certa lógica de viver: insensível a quais

valores apóia e sustenta. Tal lógica, penso, produz a doença da apatia e do

conformismo coletivos, que acabam por, involuntariamente, manter e reforçar a

mesma lógica, num círculo vicioso.

Como educadora, mas também como ativista, a mesma pergunta sempre me

inquietava, desde os primeiros tempos de faculdade: como as pessoas aprendem?

Isto é, o que faz diferença para elas, como as experiências são capazes de gerar

mudança (de preferência, para melhor)? Fui testando respostas variadas no plano

pedagógico, mas também, claro, na vida pessoal.

Certamente, a resposta é múltipla, e hoje, graças ao período de estudos

organizados, no mestrado e agora no doutorado, sei algo mais sobre as influências

bio-psico-sociais na aprendizagem. Sobre a identidade e a cultura. Sobre as

representações sociais. Sobre as formas de funcionamento cerebral. Sobre as

influências da modernidade e da “pós-modernidade”. Mas a mais importante

descoberta, acessada por diferentes vias simultâneas, foram os valores.

Em minha dissertação de mestrado procurei descobrir que representações de

ambiente, educação e informação conduziam o trabalho de ecojornalistas e de

professoras que haviam optado pela perspectiva da Educação Ambiental (EA).

Queria saber quais eram, como se formavam e como modulavam as escolhas

destes profissionais. Acabei descobrindo que juntamente com as representações

havia algo mais forte e presente, que interagia com elas e as modulava... os

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

22

valores. Mas então, com o curso já no fim não me era mais possível explorar este

neo-aspecto.

Restava retornar à pesquisa, de modo que me debrucei sobre os estudos,

dando-me esta oportunidade através do programa de doutorado. Novamente com a

ajuda de Puig (1998), que já muito contribuíra na época do mestrado, além de

alguns novos companheiros de jornada.

Tenho trabalhado com a formação ambiental de professores e outros

profissionais. Os valores estão no cerne da proposição da Educação Ambiental,

mas, mesmo agora, 30 anos depois de seu aparecimento (DIAS, 1992), continuam

sendo uma discussão menor neste campo. Há, claro, bastante discurso, mas

pesquisa e propostas acerca do tema são de fato poucas. E nesse sentido, concordo

com Menezes quanto à centralidade dos valores para a superação do que se

convencionou chamar questão ambiental.

Escolhi a universidade como cenário do meu novo estudo. Desde a época

em que decidi trabalhar com a questão ambiental tive clareza de que sua urgência

pedia estratégia. Assim, os primeiros públicos destinatários de um trabalho

formativo ou ao menos de sensibilização deveriam ser os que, entendo, alcançam

maior capilaridade social: jornalistas, professores, gestores públicos, empresários,

coordenadores de ONGs, chefes de Unidades de Conservação, agricultores.

Trabalhar com eles, contudo, requer antes melhor compreendê-los.

Se escolhi os jornalistas e professoras do ensino fundamental para o

primeiro estudo, neste segundo priorizo os docentes universitários, especialmente

por seu papel estratégico na formação profissional das elites brasileiras e também

dos atores sociais relevantes acima mencionados.

A questão ambiental é ainda pouco compreendida na sociedade, apesar de

eventuais estardalhaços na TV ou nos jornais sobre algum problema do momento.

Somente há pouco, em 2007, com o filme de Al Gore, “Uma Verdade

Inconveniente”, e, na seqüência, com a divulgação do relatório do Painel

Intergovernamental da Convenção Climática (IPCC/ ONU), começam a se fazer

mais presentes notícias e medidas de caráter ecológico na sociedade. Certamente

trazer o tema à baila e fazê-lo perdurar há mais de um ano é um mérito e é

louvável. Entretanto, isso apenas não garante melhor entendimento sobre a

dinâmica complexa da questão ambiental.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

23

A Educação Ambiental teve um difícil parto e há não muito tempo vem

conseguindo se institucionalizar no país. Na verdade, o campo ambiental

(CARVALHO, 2002) é recente. Estes fatos e uma série de outros fatores

contribuem para que a universidade ainda não tenha encampado a prática da EA

como seria desejável e necessário.

No entanto, alguns professores universitários praticam, estudam e

pesquisam sobre este novo paradigma educacional (LEFF, 1999). Considerando

as dificuldades, que podem ser de ordem burocrática, epistemológica, cultural e

cronológica, entre outras, que tipo de motivações os teria mobilizado? Sentia-me

intrigada a este respeito e minha faceta educadora considerava que talvez

compreendendo melhor tal aspecto fosse possível aproveitá-lo produtivamente na

formação de novos professores e mesmo na formação continuada.

Minha aposta ou hipótese inicial foi que os valores destes educadores os

colocavam nesta situação de vanguarda (renovação paradigmática) na

universidade. Mas, sendo assim, que valores seriam esses e como se formariam?

Como seriam mobilizados nas situações concretas? Uma questão naturalmente

levava a outra e procuramos respondê-las ao longo deste trabalho, uma vez que as

tomamos por objetivo geral da pesquisa.

“na perspectiva de uma ética ambiental, o respeito aos processos vitais e aos limites da capacidade de regeneração e suporte da natureza deveria ser balizador das decisões sociais e reorientador dos estilos de vida e hábitos coletivos e individuais. Aqui, juntamente com uma ética, se delineiam também uma racionalidade ambiental e um sujeito ecológico que se afirmam contra uma ética dos benefícios imediatos e uma racionalidade instrumental utilitarista que rege o Homo oeconomicus e a acumulação nas sociedades capitalistas. O campo ambiental, portanto, busca afirmar-se na esfera das relações conflituosas entre éticas e racionalidades que organizam a vida em sociedade, buscando influir numa certa direção sobre a maneira como a sociedade dispõe da natureza e produz determinadas condições ambientais” (CARVALHO, 2002, p.37).

Se lembrarmos, com Isabel Carvalho, da existência de certo perfil que

marca o sujeito ecológico – incluindo os educadores ambientais do espaço

universitário – certamente faz diferença aos que trabalham com processos

formativos em educação ambiental saber como se constitui este perfil. Carvalho

(2002) mostrou as tendências históricas que contribuíram para isso. Nosso

interesse, porém, centrou-se nos aspectos individuais – nem por isso menos

históricos, contudo trazendo o foco para as biografias. Ainda que estejamos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

24

estudando um recorte pequeno (docentes acadêmicos e seus valores), o impacto da

atuação deste público no tempo e no espaço justifica investir na compreensão

desse processo, já que dele podemos extrair lições pedagógicas para futuras

práticas educativas da formação inicial e continuada.

Iniciei a nova pesquisa, sabendo que respostas relativas aos valores, sua

formação e atuação, exigem uma compreensão maior do contexto histórico da

pessoa e de sua trajetória. Daí a escolha investigativa através de histórias de vida,

metodologia cujo uso vem sendo cuidadosamente retomado (NÓVOA, 2000) nas

ciências humanas. Nesta investigação adotamos uma vertente deste método,

intitulada depoimentos pessoais, centrada em buscar fragmentos significativos das

biografias estudadas.

Há certamente um paralelo entre o estudo das vidas de educadores e da vida

no planeta. Além do que, ser bióloga me instiga a compreender os seres vivos,

particularmente essa espécie a qual pertencemos.

A tese divide-se em sete capítulos, além desta introdução, ligeiramente

apresentados a seguir. No próximo capítulo, o segundo, elencamos aspectos

marcantes na constituição da Educação Ambiental a partir da idéia do campo

ambiental (de Isabel Carvalho), promotor de seu nascimento. Enfocamos,

sobretudo, o período mais recente, procurando relacionar a situação atual ao

interesse por esse tema e objeto de pesquisa. Quisemos também situar a

universidade nesta investigação, mostrando sua relação com a EA. Ao final do

capítulo, recolocamos a questão orientadora da investigação presente. Localizado

o leitor, passamos a abordar, no terceiro capítulo, as implicações pedagógicas de

práticas educativas consoantes aos fundamentos e espírito proposto: fazer EA

implica atuar sobre os valores e, conseqüentemente, sobre a consciência moral do

indivíduo. De modo que no quarto capítulo tornou-se necessário apresentar as

formas como vêm sendo efetuados os estudos acerca de valores. Dedicamos o

quinto capítulo a detalhar a forma como foi realizada a pesquisa e o sexto a

caracterizar nossos entrevistados. Por fim, no sétimo e oitavo, ensaiamos uma

discussão sobre a necessidade pedagógica de trabalhar com valores na Educação

Ambiental enquanto uma das ferramentas construtoras de sociedades sustentáveis,

aventurando-nos a propor algumas sugestões didáticas. Nos apêndices e anexos,

os leitores encontrarão o roteiro das entrevistas e duas delas a título de exemplo,

além das listas de siglas, quadros, ilustrações e esquemas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Ser proativo é mais do que tomar a iniciativa. É reconhecer que somos responsáveis pelas nossas próprias escolhas e que temos a liberdade de escolher com base em princípios e valores, mais do que em circunstâncias e condições. As pessoas proativas são agentes da mudança e escolhem não ser vítimas, não ser reativas, nem por a culpa nos outros. Stephen Covey

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

2 Constituição e Instituição da Educação Ambiental

Decorridos 31 anos do evento que fundou os objetivos, finalidades e

características da Educação Ambiental – Tbilisi – (DIAS, 1992), seu processo de

institucionalização caminha, tendo alcançado diferentes níveis conforme cada

país. No Brasil, só muito recentemente atingiu o plano das leis de modo

operacional. Data de 1999 a Lei Nacional de EA, cuja regulamentação1 ocorreu

três anos depois, em junho de 2002, juntamente com a criação do Órgão Gestor.

Mas apenas a partir de 2003 essa instância começa a funcionar, fazendo com que

os Ministérios do Meio Ambiente e da Educação passassem a trabalhar

conjuntamente, de modo inédito, pela Educação Ambiental, superando a

dispersão, sobreposição e até mesmo certo antagonismo de esforços antes

existente.

Estando o Órgão Gestor à frente da Política Nacional de Educação

Ambiental (PNEA), cabe-lhe definir as diretrizes, articular, coordenar e

supervisionar programas e projetos de EA, assim como participar e contribuir nas

negociações de financiamentos à EA. O Programa Nacional de Educação

Ambiental (ProNEA), proposto pelo governo, em 1994, foi amplamente divulgado

para ampliar a participação da sociedade. Este programa, após as atualizações

recebidas, foi refeito em 2002 e publicado em 2003 pelo Ministério do Meio

Ambiente passando a ser designado como ProNEA. Há um comitê composto por

diferentes setores da sociedade, a quem cabe assessorar o Órgão Gestor2

1A coordenação da Política Nacional de Educação Ambiental está a cargo do Órgão Gestor, criado com a regulamentação da Lei no 9.795/99 por intermédio do Decreto no 4.281/2002, que é dirigido pelos Ministérios do Meio Ambiente e da Educação, tendo como referencial programático o documento ProNEA, e assessorado pelo Comitê Assessor, consultado quando necessário, conforme o organograma: (MMA, www.mma.gov.br, acessado em 09/01/06, às 19h22) 2 Em sua composição o Comitê Assessor é integrado por um representante de cada um dos seguintes órgãos, entidades ou setores: Setor educacional-ambiental, indicado pelas Comissões Estaduais Interinstitucionais de Educação Ambiental; Setor produtivo patronal, indicado pelas Confederações Nacionais da Indústria, do Comércio e da Agricultura, garantida a alternância; Setor produtivo laboral, indicado pelas Centrais Sindicais, garantida a alternância;

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

27

juntamente com os Colegiados (Comissão Intersetorial de Educação Ambiental,

Câmara Técnica de Educação Ambiental do CONAMA e Comissões

Interinstitucionais de Educação Ambiental nos Estados e no Distrito Federal),

cada qual com sua própria composição, finalidade e competência.

O organograma do Órgão Gestor permite compreender melhor a estrutura.

Ilustração : Organograma do Órgão Gestor da EA Fonte: MMA, 2006.

Até que a EA chegasse a ser reconhecida enquanto ação necessária em cada

país houve um longo caminho e não fosse o trabalho continuado da ONU, através

da UNESCO e PNUMA, o processo teria sido bem mais lento ou quiçá não teria

alcançado o plano mundial. Estes dois braços da ONU elaboraram o Programa

Organizações Não-Governamentais que desenvolvam ações em Educação Ambiental, indicado pela Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Municípios, indicado pela Associação Nacional dos Municípios e Meio Ambiente; Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; Conselho Nacional do Meio Ambiente, indicado pela Câmara Técnica de Educação Ambiental; Conselho Nacional de Educação; União dos Dirigentes Municipais de Educação; Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); Associação Brasileira de Imprensa; Associação Brasileira de Entidades Estaduais de estado de Meio Ambiente.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

28

Internacional de EA, através do qual foi realizada uma série de eventos e

encontros internacionais, nacionais e regionais, promovendo o debate, o

intercâmbio e a articulação em torno do tema. Como diz Isabel Carvalho (2002,

p.79) o

“ambiental, diferentemente de outros campos, já nasce ‘mundializado’. É fruto de um momento de forte debate internacional que permite tanto a difusão e a articulação de experiências da sociedade civil em diferentes países quanto o crescimento de uma certa ordem internacional baseada na articulação dos governos, para o estabelecimento de acordos, políticas e financiamentos internacionais.”

Desde 1975, a Educação Ambiental tornou-se um campo reconhecido,

quando se realizou o I Seminário Internacional de Educação Ambiental, em

Belgrado. Apesar das críticas, Loureiro (2004, p.70) considera que o grande

mérito deste evento foi

“reforçar a necessidade de uma nova ética global e ecológica, vinculada aos processos de erradicação de problemas como fome, miséria, analfabetismo, poluição, degradação dos bens naturais e exploração humana, por meio de um novo modelo de desenvolvimento e do entendimento de que tais problemas estão estruturalmente relacionados. Para isso, enfatizou-se a Educação Ambiental como processo educativo amplo, formal ou não, abarcando as dimensões políticas, culturais e sociais, capaz de gerar novos valores, atitudes e habilidades compatíveis com a sustentabilidade da vida no planeta.”

Seguidamente, foram tratados temas relacionados à constituição da EA

propriamente dita. Assim, em 1976 (Chosica) e em 1977 (Tbilisi) foram definidas

suas características, diretrizes e a necessidade metodológica interdisciplinar. Em

função das medidas propostas, Tbilisi lança a EA no contexto internacional

definitivamente, tornando-se sua Declaração um grande marco até os dias de hoje.

Em 1979 (Costa Rica) e 1988 (Argentina) incluiu-se o patrimônio cultural na

preocupação ambiental e enfatizou-se o papel estratégico da mulher na promoção

de culturas ecológicas, e em 1997 (Thessaloniki), a necessidade das redes e da

formação de profissionais técnicos.

Logo depois tivemos a ECO-92, quando em paralelo à Conferência

Intergovernamental reuniu-se o Fórum Global de ONGs e transcorreu a Jornada

Internacional de EA, durante a qual foi elaborado o documento de maior destaque

após Tbilisi: o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e

Responsabilidade Global. Dois aspectos podem ser ressaltados em relação à

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

29

importância deste documento. Além da forma como foi concebido, contando com

a participação de educadores de todo o mundo, sua proposta contrasta-se e diverge

da Agenda 21, o documento principal gerado pelo acordo entre as nações durante

a Rio-92. Enquanto a Agenda 21 concentra-se no ajuste do atual modelo

econômico a partir da tecnologia e traz um discurso evasivo, o Tratado sugere

medidas concretas reforçando a necessidade de transformar a estrutura das

relações que produzem a degradação ambiental, da qual faz parte a injustiça

social.

Após este período, deu-se continuidade ao ciclo de eventos cuja

preocupação se centrava na relação desenvolvimento-meio ambiente, mas os

encontros voltados exclusivamente para a EA passaram a se dar em nível local e

regional, dentro dos países ou pelo menos dos continentes.

2.1. O enraizamento

Passada a fase de articulação e de sensibilização para o tema, iniciou-se o

chamado processo de enraizamento. Termo que significa colocar em prática os

acordos internacionais a partir de medidas governamentais. Muitas vezes esse

processo efetuou-se pela pressão social, freqüentemente de ONGs. Apenas em

2003 foi realizado o I Congresso Mundial de Educação Ambiental, previsto desde

1992, e que dá início, então, a uma nova série de encontros, ainda apoiados pelo

PNUMA, mas agora destinados a compartilhar experiências. O II e o III

Congressos ocorrem nos anos seguintes e a partir de 2005 o evento passou a ser

bienal.

Enquanto isso, multiplicaram-se as iniciativas e grupos interessados em EA.

Os rendimentos da década de 90 foram bastante significativos no Brasil, com a

inauguração de cursos de pós-graduação, o lançamento de publicações, a criação

da Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA) e uma diversidade de outras

pequenas e médias redes, algumas temáticas, outras regionais. Timidamente, a

universidade foi se aproximando do tema e incorporou-o em suas pesquisas.

Desde 2001, existe a Rede Universitária de Programas de Pesquisa em EA para

Sociedades Sustentáveis, RUPEA. Na ANPED (Associação Nacional de Pós-

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

30

Graduação e Pesquisa em Educação) aos poucos se desenvolveu um grupo de

trabalho (GT) específico, frutos do primeiro lustro do século XXI. Mas, ainda

assim, a EA continua sendo vista de modo marginal por muitos docentes

acadêmicos, quase sempre desconhecedores dos fundamentos e propostas deste

novo paradigma educacional.

Recentemente, a RUPEA elaborou um mapeamento da situação da EA no

meio acadêmico. Merecem registro alguns dados levantados por essa pesquisa,

por explicitarem o nível de engajamento da universidade para com a EA. De

acordo com os respondentes, 70% das instituições afirmam não possuir órgão ou

coordenação responsável pela EA, sendo os 30% restantes bastante diversificados

quanto à abrangência e atribuições. Poderíamos comemorar esse percentual já

engajado não fosse o fato da maioria desses 30% não ter sido

“criada com o propósito explícito e abrangente de acompanhar o processo de inserção da EA no projeto geral da instituição, não estando articulados [tais órgãos] com as realidades locais, nem comprometidos socialmente ou ligados às suas ações concretas. De maneira geral, os órgãos não apresentam um vínculo direto com a estrutura administrativa da instituição (pró-reitorias ou diretorias)” (RUPEA, 2005).

O que também implica, provavelmente, um baixo nível de reconhecimento e

de poder de intervenção na estrutura acadêmica. A relevância disso é que,

segundo o mesmo documento, as experiências de ambientalização da educação

superior

“realizadas na Espanha, na Costa Rica e no Reino Unido tiveram início com a criação de órgãos (comissões ou grupos de trabalho) que foram incumbidos de planejar, promover e avaliar a inserção da EA nas respectivas instituições acadêmicas, a partir da formulação de políticas, de ações de educação permanente para o corpo docente, da divulgação de publicações e outros materiais, e da criação de espaços para a construção de alternativas metodológicas por docentes de diversas áreas do conhecimento” (RUPEA, 2005).

Além disso, os participantes da pesquisa reforçam a necessidade da

articulação e apoio institucional no empreendimento ambientalizador:

“A falta de políticas públicas e institucionais é apontada pelos informantes como um obstáculo para a implementação de programas de EA nas IES. Caberia perguntar-se que fatores estão na origem desse atraso e buscar meios para sua superação” (RUPEA, 2005).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

31

Embora reconhecendo a necessidade de compreender os fatores impeditivos

da EA na universidade, a presente pesquisa preferiu centrar-se no pólo oposto,

verificando as razões da adesão da minoria mencionada. Tanto mais que a

iniciativa de absorção da EA pela universidade brasileira vem se mostrando

dependente de indivíduos específicos, não havendo ainda uma adesão institucional

generalizada, como ilustra a passagem abaixo do mesmo relatório.

“Em várias situações, esses órgãos devem sua origem à dedicação e à experiência acumulada de acadêmicos e grupos de professores que vêm buscando incorporar a EA na formação profissional (ROJAS et al., s/d), e cuja atuação em redes favoreceu a difusão de uma cultura ambiental em suas respectivas instituições (THOMAS, 2004)” (RUPEA, 2005).

Por outro lado, em sendo assim, o fato dos educadores atuarem em rede

amplia as possibilidades de espraiamento da ambientalização. O quadro, portanto,

é alentador no sentido de haver progresso. Contudo, é inevitável registrar a

lentidão desse avanço face à necessidade de sua ampliação. Corroboram essa

afirmação algumas das diretrizes citadas no relatório da RUPEA, no capítulo das

Recomendações:

“Entre suas diretrizes, uma política pública de EA para a educação superior

deveria prever que as IES:

- estimulem a crescente incorporação de preocupações ambientais entre o

conjunto das disciplinas e atividades formadoras oferecidas em seus diversos cursos, promovendo a formação de um profissional ambientalmente responsável;

- internalizem nos seus planos pedagógicos e nas demais definições

institucionais, bem como em todas as suas políticas e decisões, a

preocupação ambiental, tendo em vista a realização plena de seu potencial educador para todos aqueles que nela se formam e trabalham;

- comprometam-se com a oferta de disciplinas e outras atividades curriculares complementares em EA nos cursos de formação de professoras/es e educadoras/es, atendendo à PNEA;

- contemplem, em suas políticas de gestão, os objetivos de uma gestão ambientalmente sustentável em todos os níveis de suas atividades (gestão de resíduos, conforto e salubridade ambientais com um consumo mínimo de energia, oferta de programas de incentivo à cidadania ambiental de alunos, professores e funcionários);

- promovam programas de formação de recursos humanos necessários para a realização das metas anteriormente descritas; (...)” (RUPEA, 2005; destaques nossos).

Essas ações, entre outras, estão por ser conquistadas. Gostaríamos de

destacar a importância dessas informações para a presente investigação. Num

espaço onde estão sendo dados os primeiros passos em termos de Educação

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

32

Ambiental, como é a academia, e onde as dificuldades ainda são muitas, parece-

nos bastante relevante compreender a motivação que impulsiona os docentes

pioneiros, responsáveis por este início de ambientalização. Esse tipo de

compreensão contribui para inspirar processos que estimulem a geração de outros

grupos de trabalho com objetivos semelhantes.

O mapeamento realizado pela RUPEA teve um caráter exploratório, não

podendo ser generalizado para o universo acadêmico do país como um todo.

Entretanto, já que os respondentes investiram tempo em responder ao questionário

da pesquisa, é razoável supor que tais instituições são interessadas e priorizam a

prática da EA. De modo que, apesar de não corresponderem ao conjunto das

universidades brasileiras, de certa forma o representam. Aquelas que não

devolveram o questionário respondido provavelmente têm menor interesse e

prioridade neste aspecto.

Se estas instituições, interessadas e atuantes, trazem demandas básicas como

a inclusão da preocupação ambiental nos currículos, na política e na gestão

universitária, que dizer da situação daquelas instituições onde ainda não nasceu a

preocupação ambiental? Resta muito ainda por fazer.

Durante o V Fórum Brasileiro de Educação Ambiental, realizado em

Goiânia, em 2004, foram divulgados dados de uma pesquisa coordenada pela

pesquisadora Isabel Carvalho, realizada pela REBEA, com apoio do FNMA

(Fundo Nacional de Meio Ambiente). Os resultados indicam o papel fundamental

assumido pelas Secretarias de Meio Ambiente (e em menor escala pelas de

Educação) e pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis) na promoção de ações educativo-ambientais e na formação

de pessoas para atuar sob esta perspectiva.

Além da universidade, outros setores sociais investiram na realização de

projetos de Educação Ambiental e em sua difusão.

2.1.1. O terceiro setor

O Terceiro Setor prossegue sendo um dos mais ativos, realizando projetos e

estabelecendo parcerias entre governos, universidades, associações comunitárias e

empresariado na realização de suas ações. Há uma grande diversidade de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

33

trabalhos neste campo, incluindo desde as organizações mais voltadas à denúncia

e mobilização da opinião pública, ao modo do Greenpeace, passando pelas que se

dedicam a ações e projetos variados (pedagógicos, editoriais, fiscalizadores, de

articulação) até as que se dedicam à pesquisa e a uma decorrente proposição de

diretrizes políticas e legais.

2.1.2. O meio empresarial

A experiência vivida no meio ambientalista revela que as empresas foram

dos últimos atores sociais a aderir. Inicialmente havia uma postura mais

combativa e antagônica à discussão ambiental, já que a pressão social cobrava

maior nível de responsabilidade por parte das empresas no processo produtivo. Ao

mesmo tempo, a EA parte de uma compreensão de mundo que critica a estrutura

econômica tal como vem se apresentando, em função dos problemas

socioambientais decorrentes. E neste sentido, as empresas costumam ser

identificadas como o coração mantenedor do sistema e suas mazelas. Um tanto

desgastadas com os enfrentamentos de diversas ordens, algumas delas mudaram

de perspectiva, buscando ajustar-se às novas legislações ambientais e à exigência

da sociedade, seja ela direta ou indireta. Estas pioneiras tiveram ganhos de

imagem e economia de recursos, ainda que a princípio fossem vistas com certa

desconfiança por um público acostumado a considerá-las inimigas. Aos poucos se

iniciam novas relações entre empresas e ONGs e/ou órgãos do governo, buscando

ações articuladas. Em 1997 constitui-se o Conselho Empresarial para o

Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), representante brasileiro do World

Business Council for Sustainable Development (WBCSD), do qual participam

185 grupos multinacionais. O CEBDS integra uma rede global de mais de 50

conselhos nacionais que entendem estar trabalhando para disseminar no planeta

uma nova maneira de fazer negócios.

No decorrer da primeira década do segundo milênio cresce o discurso da

sustentabilidade empresarial e a idéia de Responsabilidade Socioambiental.

Assim, no diversificado cenário atual, após a implantação de medidas de ajuste

ambiental (licenciamentos, recuperação ambiental, adoção de tecnologias mais

corretas ecologicamente, criação de programas de reciclagem e de economia de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

34

água e energia, entre outras), algumas empresas apóiam projetos de EA de outras

instituições, outras realizam suas próprias atividades, seja com o público interno,

seja com a comunidade na qual estão inseridas. Não é de se estranhar que seus

projetos tenham um perfil mais informativo e pontual, dado que não têm um papel

que tematize a estrutura social. Mas ainda assim, há ganhos.

2.1.3. Os meios de comunicação de massa

Os meios de comunicação de massa em geral tratam da questão ambiental,

porém, ainda de modo pouco articulado, pontual e, geralmente, sem grandes

questionamentos às razões da problemática. Apesar disso, há alguns anos existe

uma corrente que, embora minoritária, faz diferença – são os jornalistas

ambientais ou ecojornalistas. No Brasil, eles constituíram uma rede também, que

atua articulada e troca informações. Contudo, o trabalho realizado por eles, em

geral, não encontra espaço nos grandes jornais, mas nos meios especializados e

nas chamadas nanomídias (boletins eletrônicos, revistas temáticas, certos

programas de rádio, blogs e sites específicos).

2.1.4. O campo ambiental, o sujeito ecológico e o contexto da pesquisa

Todos estes são elementos indicativos de constituição do que Isabel

Carvalho (2004) chama de campo ambiental. Sua pesquisa sobre isso aponta para

a formação de subjetividades específicas, por ela denominadas de sujeito

ecológico, cuja identidade indica a diversidade de perspectivas que alimentam o

profissional educador ambiental e o militante ambientalista, da mesma forma que

aponta para certo ideário em comum, vocabulário, crenças e valores

compartilhados. Em particular, as representações de natureza e sociedade exercem

influência significativa sobre as interpretações, interesses e alianças estabelecidas

entre os sujeitos ecológicos, formando um campo que, ao mesmo tempo, sustenta

conflitos e diálogo. Assim, diferentes ambientalismos informam diferentes

práticas de Educação Ambiental. Não se pode imaginar que o mundo visto pelo

empresariado seja o mesmo concebido pelos movimentos sociais. O que se

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

35

entende por ambiente saudável, sociedade justa e as formas de alcançá-la são

certamente concepções distintas. Em 2004, a Diretoria de Educação Ambiental do

MMA mapeou as diferentes práticas de EA no Brasil e sua pesquisa resultou num

livro, distribuído gratuitamente e intitulado: Identidades da Educação Ambiental

Brasileira. Nele estão registradas as principais tendências teórico-práticas, de

modo que o leitor pode não apenas localizar-se, mas também identificar os

possíveis conflitos entre as diferentes práticas.

Para Isabel Carvalho (2002, p.34), o educador ambiental seria:

“um intérprete dos nexos que produzem os diferentes sentidos do ambiental em nossa sociedade. Ou, ainda, em outras palavras, um intérprete das interpretações socialmente construídas. Desse modo, a EA, como prática interpretativa que desvela e produz sentidos, contribui para a constituição do horizonte compreensivo das relações sociedade-natureza e para a invenção de um sujeito ecológico”.

Em sua pesquisa, Isabel Carvalho correlaciona as trajetórias dos educadores

ambientais com os fatos históricos, constatando a formação de um campo

ambiental que resulta dessas trajetórias ao mesmo tempo em que as conforma. A

existência de pesquisa e produção bibliográfica na área, a instituição de pós-

graduações, algumas disciplinas de graduação e diversos eventos, assim como o

surgimento de legislação específica foram fatores fundamentais para a

consolidação desse campo ambiental, organizado em torno de um problema

específico, entendido como a

“produção e reprodução da crença na natureza como um bem. Algo que se deveria respeitar, admirar e cuidar para além dos interesses imediatos das sociedades. Trata-se de uma problemática eminentemente ética e, uma vez que, na modernidade, se tornou impossível assegurar uma idéia única de bem viver, esse ideal ético busca legitimar-se sobre bens particulares. (...) a constituição de uma ética orientadora das relações sociedade-meio ambiente (...) torna-se distintiva de um campo social específico, o campo ambiental. Assim, o campo social é o universo em que as formulações éticas encontram legitimidade e a partir do qual podem exercer suas pretensões de universalidade, disputando reconhecimento para além de seu campo específico. Na dinâmica conflitiva da sociedade, os campos sociais buscam ampliar a capacidade de influência de seus princípios sobre outros campos. Configura-se, dessa forma, o jogo das disputas pela legitimação de idéias de bem orientadoras das ações morais e políticas de uma determinada época” (CARVALHO, 2002, p. 36; destaques meus).

Apesar da existência de obrigatoriedade legal na incorporação

interdisciplinar da EA em todos os níveis de ensino, ainda é raro vermos

disciplinas de (introdução ou fundamentos de) Educação Ambiental na

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

36

universidade3, quanto mais um projeto grupal e interdisciplinar de todo o corpo

docente ao conjunto dos cursos e alunos, como já indicam os dados do relatório da

RUPEA.

E, no entanto, como introduzir a EA na sociedade de modo consistente, tal

como preconizado pela Lei 9795/99, se o período de preparação profissional das

novas gerações não atende à demanda? Como irão os professores, jornalistas,

engenheiros, médicos, advogados, administradores, economistas, turismólogos,

sociólogos, psicólogos, filósofos, comunicadores e tantos outros profissionais

incorporarem a dimensão ambiental em seu trabalho, sem conhecê-la e valorizá-

la? E as profissões técnicas e pessoas que lidam com ocupações informais, cuja

formação escolar básica é talvez a única oportunidade de estudo e que têm por

meios de acesso à informação apenas a televisão ou rádio? Sem bons professores e

jornalistas, habilitados a promover reflexões civilizatórias, tais pessoas

dificilmente acessarão a complexa forma de pensar do saber ambiental.

Apesar de não ser uma prática expandida, existem indivíduos na Academia

que realmente adotaram a pesquisa e a docência perspectivadas pela EA.

Considerando que a questão ambiental é antes de tudo um dilema ético,

perguntamos: terão sido seus valores que os encaminharam a isso?

Com esta questão-guia nos dirigimos ao público de nossa pesquisa, os

docentes acadêmicos acima caracterizados. Dada a importância da universidade

na formação profissional e seu papel humanizador, teoricamente de vanguarda,

investigamos valores que orientam esses docentes universitários favorecendo suas

práticas educativo-ambientais, além de buscarmos compreender também o

processo de constituição ou de consolidação destes valores. Nesse sentido,

verificamos na pesquisa da RUPEA uma convergência com nossa perspectiva

3 De acordo com a pesquisa da RUPEA (2006), nas universidades pesquisadas existem 38 disciplinas relacionadas à questão ambiental de modo geral, distribuídas em 25 cursos, sendo 10 graduações em Ciências Biológicas, 6 em Turismo e 5 em Pedagogia. Pouco mais da metade dessas disciplinas tem caráter obrigatório, o restante divide-se em optativas e eletivas. Do total de 22 IES respondentes, treze possuem um curso de especialização em meio ambiente. Apenas para contextualizar, recordamos haverem 93 universidades públicas no país, de acordo com informações do MEC, sendo metade (47) federais e outra metade dividida entre estaduais (35) e municipais. Em síntese, então, temos 23,7% do total de universidades respondendo à pesquisa e 14% apresentando cursos relacionados à questão ambiental. Em termos proporcionais, são 59% dos respondentes. De toda forma, esse total não traduz a quantidade de iniciativas relativas à EA, mas à questão ambiental de forma mais geral.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

37

quanto ao papel estratégico da universidade na formação de uma sociedade mais

responsável e conseqüentemente mais próxima da utopia sustentabilista.

“As IES constituem um dos principais loci geradores de conhecimentos e têm a responsabilidade social de constituir-se em espaço educador, bem como contemplar, em suas políticas e serviços, as demandas de formação da sociedade. A formação ambiental, associada a um contexto de participação cidadã favorece um diagnóstico dos problemas sócio-ambientais bem como a necessária implicação individual e coletiva em sua superação.

As IES representam um importante espaço social para reflexão, formação e difusão de novas concepções de desenvolvimento e sustentabilidade, participando numa perspectiva mais ampla do estabelecimento de sociedades mais justas, solidárias e ambientalmente sustentáveis.

Por ter como missão a educação profissional e a formação de educadores, este setor desempenha um papel fundamental na sustentação do processo de incorporação da EA nos demais níveis de ensino, por meio da formação inicial e continuada, e dos programas de extensão e pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado). A EA nos currículos e nas práticas universitárias possui um sentido estratégico na ambientalização da educação e da sociedade” (RUPEA, 2006).

A escolha pelo estudo dos valores também se demarcou por ser recorrente

a afirmativa da formação ou da revisão de valores como propósito de projetos

educativo-ambientais. Também o relatório da RUPEA indica essa recorrência:

“Dadas as expectativas usualmente colocadas para a EA, de “revisão de valores” ou do “resgate de valores”, talvez os cursos devessem recorrer mais a disciplinas específicas desse campo [ética, epistemologia, complexidade] para ampliar os referenciais e as possibilidades metodológicas do trabalho de EA com valores. Embora defendamos que a dimensão valorativa não deva ser exclusivamente trabalhada em disciplinas, elas podem significar ocasiões propícias para questionamentos relativos a valores” (RUPEA, 2006).

Neste caso, perguntaríamos, como promover essa formação/ revisão? É

preciso conhecer um pouco mais acerca desse processo e este foi o interesse da

pesquisa. Concordamos com o trecho anterior do relatório: certamente o espaço de

debates sobre valores, proporcionado por disciplinas voltadas a este foco seria

uma oportunidade formativa. Mas, ainda assim, será melhor aproveitado se além

da discussão teórica sobre a importância dos valores, o(a) docente souber conduzir

didaticamente processo que contribua para sua efetiva formação. E isto depende

da compreensão do metabolismo valorativo.

Estudar os valores de docentes universitários constitui uma aproximação

dessa necessidade, tanto no sentido de melhor compreender tal metabolismo,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

38

como na perspectiva de extrair lições para configurar propostas pedagógicas para

a formação ou questionamento de valores através da EA.

Nesse sentido, interessa compreender melhor o funcionamento da

universidade e sua relação com a educação ambiental. Passo seguinte deste

capítulo.

2.2. A universidade educando ambientalmente: como anda este processo

Boaventura de Sousa Santos (2004) faz uma análise aguda e objetiva da

crise universitária. Para ele, são três as crises – de hegemonia4, de legitimidade5 e

institucional6 – cuja solução depende de um enfrentamento integrado, conjunto e

simultâneo, por meio de amplos programas de ação internos e externos à

universidade. O grande problema, diz ele, foi a ação apenas reativa da

universidade, conforme as pressões, e a “incorporação de lógicas sociais e

institucionais exteriores (dependente) e sem perspectivas de médio ou longo prazo

(imediatista)” (SANTOS, 2004, p.10).

O pesquisador explica o processo de construção de cada uma das crises

detalhadamente, mas podemos resumir suas causas a dois fatores: o

desinvestimento do Estado na universidade pública e a globalização mercantil da

universidade. Ambos fazem parte de uma política global “destinada a mudar

profundamente o modo como o bem público da universidade tem sido produzido,

transformando-o num vasto campo de valorização do capitalismo educacional”

(Santos, 2004: p.18). Em última instância e resumindo, a universidade é altamente

4 Crise de Hegemonia: de acordo com o autor resulta da contradição entre as funções tradicionais da universidade (produção da alta cultura, pensamento crítico e conhecimentos exemplares, científicos e humanísticos necessários à formação da elite) e as novas atribuições que foram sendo incorporadas ao longo do século XX (produção de padrões culturais médios e de conhecimentos instrumentais, úteis na formação de mão de obra qualificada exigida pelo desenvolvimento capitalista). Sem poder desempenhar a contento estas funções contraditórias, tanto Estado como agentes econômicos passam a procurar fora da universidade meios de alcançar esses objetivos. Não sendo mais a única fonte do ensino superior, entra numa crise de hegemonia. 5 Crise de Legitimidade: para ele, esta crise se deve à “contradição entre a hierarquização dos saberes especializados (...) e as exigências sociais e políticas pela democratização da universidade e da reivindicação da igualdade de oportunidades para os filhos das classes populares”. (Santos, 2004: p. 9) 6 Crise Institucional: derivada de outra contradição: por um lado a reivindicação por autonomia na definição dos valores e objetivos da universidade e, por outro, a pressão para submetê-la a critérios de produtividade empresarial ou de responsabilidade social.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

39

dependente da existência de um projeto de nação e tal projeto tem sido combatido

ao longo dos últimos 20 anos pelo avanço da globalização calcada em bases

neoliberais, pois é entendido como uma grande barreira à expansão do capitalismo

global. Santos considera que o único modo eficaz e emancipatório de enfrentar a

globalização neoliberal é contrapor-lhe uma globalização alternativa, contra-

hegemônica. O que no caso da universidade enquanto bem público significa que

“as reformas nacionais da universidade pública devem reflectir um projecto de país centrado em escolhas políticas que qualifiquem a inserção do país em contextos de produção e de distribuição de conhecimentos cada vez mais transnacionalizados e cada vez mais polarizados entre processos contraditórios de transnacionalização, a globalização neoliberal e a globalização contra-hegemónica. Este projecto de país tem de resultar de um amplo contrato político e social desdobrado em vários contratos sectoriais, sendo um deles o contrato educacional e, dentro dele, o contrato da universidade como bem público” (SOUSA, 2004, p.55).

Para ele, o objetivo central da reforma seria atender a demanda pela

democratização radical da universidade, de modo a findar com a exclusão de

grupos sociais e seus saberes. Historicamente, na medida em que a universidade

especializa-se na produção do conhecimento científico e apenas a ele reconhece

como legítimo, contribui para a desqualificação de muitos conhecimentos de

outras origens, com isso marginalizando grupos sociais cujas únicas fontes de

conhecimento eram outras que não a academia. Particularmente esse processo

atinge países pobres em conhecimento científico, que o viram

“sob a forma da ciência económica, destruir as suas formas de sociabilidade, as suas economias, as suas comunidades indígenas e camponesas, o seu meio ambiente. Sob formas muito diferentes, algo semelhante se passa nos países centrais onde os impactos negativos ambientais e sociais do desenvolvimento científico começam a entrar nos debates no espaço público, forçando o conhecimento científico a confrontar-se com outros conhecimentos, leigos, filosóficos, de senso comum, éticos e mesmo religiosos. Por esta confrontação passam alguns dos processos de promoção da cidadania activa crítica” (SANTOS, 2004, p.77).

O autor denomina “ecologia de saberes” ao processo de convivência ativa

entre saberes, partindo-se do pressuposto de que o diálogo pode enriquecê-los

mutuamente. Processo esse que seria um primeiro passo para a construção de uma

postura interdisciplinar e do pensamento complexo. Ambas as posturas constituem

pilares estruturais da EA, seja quando pensamos na proposição histórica de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

40

Tbilisi, seja tomando como referência o Tratado de EA para Sociedades

Sustentáveis e Responsabilidade Global, ou, ainda, incorporando o debate

levantado por Enrique Leff (1999) sobre o saber ambiental.

Como se depreende, uma universidade cujo sentido de existência vem sendo

esvaziado e que tem problemas no relacionamento com outras áreas da sociedade,

agora ainda agravados pelo avanço do capitalismo, certamente enfrenta

dificuldades para incluir o saber ambiental, tal como proposto por Leff (1999).

Este passo é essencial na viabilização de processos de implantação da Educação

Ambiental no meio acadêmico.

Uma das características mais importantes da universidade enquanto bem

público “reside em ser ela a instituição que liga o presente ao médio e longo prazo

pelos conhecimentos e pela formação que produz e pelo espaço público

privilegiado de discussão aberta e crítica que constitui” (SANTOS, 2004, p.114).

Assim sendo, Santos pergunta qual seria o retorno social de pensar o longo

prazo, dispondo de espaços públicos de pensamento crítico e produção de

conhecimentos além daqueles exigidos pelo mercado. Ele mesmo responde que,

se a resposta fosse na lógica do Banco Mundial, certamente seria que

“o retorno é nulo, se existisse seria perigoso e, se não fosse perigoso, não seria sustentável, pois estaria sujeito à concorrência dos países centrais que têm neste domínio vantagens comparativas inequívocas. Se esta lógica global e externa não encontrasse o terreno propício para ser apropriada local e internamente, não seria por certo tão perigosa” (SANTOS, 2004, p.116).

A responsabilidade pela formação de novos profissionais, que determinarão

os rumos futuros e, por vezes, redirecionarão ou reforçarão os atuais também

(pense-se na pós-graduação), não permite que, eticamente, a universidade se furte

ao seu dever formador. Tem prevalecido a dimensão da técnica nos estudos

formais acadêmicos, e pouco espaço se tem dado à reflexão ética e ao

investimento na criticidade. Falar sobre isso na academia chegar a soar quase

como uma superficialidade, veleidade de quem não tem preocupações sérias.

Desperdício de tempo, com tanto conteúdo a ser ministrado... Mas a Educação

pressupõe formação integral do ser humano, em seus aspectos físico, emocional,

intelectual e moral. E o preparo profissional não pode estar isento de uma

dimensão humanizadora, que auxilie as pessoas não apenas a bem

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

41

desempenharem procedimentos técnicos, mas saberem a serviço de que o fazem,

com que custos e conseqüências.

Há tempos a universidade vem se isolando das necessidades sociais. Em seu

mundo quase à parte a vida transcorre como se a realidade se resumisse a ela

mesma. Quando ousa romper essa letargia quase sempre o faz no intuito de

atender a necessidades demandadas pelo mercado, mas então, já se subsumindo à

lógica fragmentária e utilitarista e colocando-se na posição de que deve obedecer

às normas do mercado. Certo, é preciso haver um diálogo entre as demandas

imediatas da vida prática e o pensar acadêmico, repetidas vezes tão teórico apenas

que acaba por ser rechaçado pelo pragmatismo mercantil. Mas, se viver de teoria é

insuficiente para o preparo dos postos de trabalho atuais, focar tão somente na

técnica, sem reflexão sobre seu papel social, sua função existencial, seu caráter

ético ou problemático leva a lançar na sociedade profissionais hemiplégicos.

Incapazes de pensar criticamente, de estabelecer relacionamentos empáticos, de

solucionar problemas criativamente em prol de uma sociedade melhor e,

sobretudo, indiferentes quanto à sua inevitável responsabilidade em contribuir

para a construção de uma cultura mais ética, justa, que valorize a vida em sua

plenitude.

Não apenas a universidade foge da complexidade dessa tarefa, também a

escola muitas vezes se oculta atrás de simplificações inconseqüentes. Coles (1998)

investigou por anos a fio a formação da consciência moral em crianças de escolas

americanas. Relata um caso típico, que poderia se passar na cidade do Rio de

Janeiro tanto quanto em qualquer outra. Uma menina de dez anos, tida por sua

classe, professora e família como excelente aluna, foi denunciada por motivo de

cola por um colega de turma durante uma prova. A professora ignorou-o

completamente, recusando-se a admitir que sua aluna predileta estaria colando.

Com isso, a garota se sente confiante e o esnoba. A classe o ridiculariza. Dias

depois, ainda incomodado com a situação e com o comportamento provocativo da

garota, o menino queixa-se com os pais para que tomem providências. Ao verem

que o incômodo não arrefece com o passar dos dias os pais vão ao encontro da

professora da classe, que faz questão de ignorar solenemente o assunto. O tema

chega à direção e ao psicólogo da escola (o autor) que promovem uma série de

encontros entre a família, bastante influente, a professora e as crianças. Os pais e a

professora tendem a justificar a postura da criança em função da doença terminal

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

42

do avô. A menina atribui as denúncias à mera inveja, defendendo-se friamente e

negando qualquer acusação ainda que outras crianças tenham se somado à

primeira em suas denúncias, já que a situação se repetiu outras vezes

posteriormente. Alguns colegas, inclusive, confessaram em particular, que a

menina já procedia assim desde o início do ano, bem antes da doença do avô. Fica

claro ainda que a garota trapaceia nos esportes também e os pais chegam a admitir

que ela exagera nos fatos, conta “mentiras inocentes e detesta perder”. Mesmo

assim, nem a professora nem a família querem tomar qualquer tipo de providência

e o caso prossegue assim. É provável que seu temperamento e competitividade

tenham permanecido desta forma e talvez crescido com o tempo, já que o

comportamento ficou impune mesmo com repetições posteriores. Neste caso,

temos uma pessoa que justifica quaisquer ações a pretexto de manter seu status e

reconhecimento em alta, ainda que seja a custo de enganar a si e aos demais. Ora,

tal situação não está longe da postura adotada pela universidade em relação à

formação profissional e a ética. Legitima-se a falta de ética (de outros tipos) em

função da técnica. Há uma certa condescendência com os erros morais desde que

haja o acerto intelectual. E com isso, vamos criando uma sociedade moralmente

frágil, cujos reflexos se estendem à estrutura política e econômica. São as

condições favorecedoras da barbárie, como dizia Adorno (1995).

Por natureza e circunstâncias de nascimento a Educação Ambiental

questiona o contexto civilizatório em que vivemos, suas causas, efeitos e possíveis

formas de superação. Critica a mentalidade engendrada na Modernidade em sua

lógica instrumental, que coloca a vida e a ciência a serviço do lucro. Em seu

conteúdo (a questão ambiental, o projeto de sociedade, de vida e de ser humano

que queremos) e em sua forma (a interdisciplinaridade, o pensamento complexo, a

ética da sustentabilidade) a EA vai contra o estado de coisas estabelecido e a

tradicional forma de funcionar da universidade. Em que pese tal situação

incômoda, existe espaço para que esse estado de coisas seja questionado (como

vem sendo) e mesmo para que sejam efetuadas propostas em contrário, já que,

dialeticamente, além de ser um espaço de reprodução social é também brecha para

superação do status quo.

Assim, embora de acordo com a Lei 9795/99 (BRASIL, 1999), todos

tenham direito à Educação Ambiental, cabendo às instituições educativas (nelas

incluídas as universidades) integrar a EA aos seus programas educacionais, não é

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

43

de se estranhar a pequena presença da academia neste processo. Há problemas de

ordem externa (como as pressões do capitalismo à estrutura e função universitária)

e interna (ligados à história do fazer científico conservador e ao elitismo da

universidade).

A determinação legal que mencionamos reforça-se no artigo 10:

“Art. 10. A Educação Ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal.

§ 1o A Educação Ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino.

§ 2o Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico da Educação Ambiental, quando se fizer necessário, é facultada a criação de disciplina específica.

§ 3o Nos cursos de formação e especialização técnico-profissional, em todos os níveis, deve ser incorporado conteúdo que trate da ética ambiental das atividades profissionais a serem desenvolvidas” (BRASIL, 1999. Grifos nossos).

Apesar de já estar claro que esta determinação se refere a todas as profissões

(sejam técnicas ou acadêmicas), a formação de professores recebe atenção

especial, dedicando-se a ela o artigo 11:

“Art. 11. A dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas.

Parágrafo único. Os professores em atividade devem receber formação complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente ao cumprimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental” (Brasil, 1999. Grifos nossos).

Mesmo assim, poucos são os cursos universitários que atendem a esta

norma. Apenas para citar um exemplo próximo, considerando exclusivamente os

cursos de licenciatura das universidades públicas do município do Rio de Janeiro,

somente encontramos a Educação Ambiental, e como disciplina eletiva, nos

cursos de Biologia e de Pedagogia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ)7. Afora isso, apenas seis professores dessa universidade, sendo dois da

área de Educação, um da Ecologia, duas da Psicologia e uma da Biologia, são

7 Conforme consta nos programas disponibilizados em seu site.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

44

reconhecidos na universidade como educadores ambientais. Na Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (UERJ), dentre as 24 opções de licenciatura, apenas

quatro professores afirmam estar trabalhando com EA.

Tomando como exemplo a licenciatura plena em Pedagogia da UERJ,

verificamos entre suas diretrizes político-pedagógicas os dois pontos a seguir8:

“A formação do educador é concebida como uma tarefa social, historicamente situada, comprometida com a maioria da população e com as questões relevantes da educação e da sociedade.

A formação, pressupondo a preparação para um pensamento crítico, deve ser centrada na unidade teoria-prática como alternativa pedagógica, na denúncia dos problemas e no estímulo à capacidade de propor mudanças.”

A questão ambiental é uma problemática atualíssima e crucial de nosso

tempo. A dificuldade de resolvê-la deve-se ao fato de que os recursos naturais são

objeto de conflito quanto a sua posse e/ou uso e as divergências e lutas daí

originadas refletem a estrutura econômica e social de nossos tempos. Não há

pessoa ou grupo que independa do funcionamento ecológico do planeta, já que

dele são extraídos todos os recursos com os quais vivemos. Entram nessa equação

as formas de exploração do trabalho e dos ecossistemas, os modos de destinação

dos resíduos (lixo, poluição, esgoto...), o transporte e a geração de energia, as

possibilidades de lazer (estético, aventura etc.) e até mesmo de interação religiosa,

freqüentemente ocorrida em relação direta com a terra, montanhas, arvoredos,

mares e lagos. A pertinência desta temática no âmbito das diretrizes citadas fica

evidente. Sua ausência reflete desconhecimento da questão ou dificuldade de

estabelecer vínculo entre as questões tradicionalmente vistas como “sociais” e a

materialidade do planeta, a começar pela biologia de nossos corpos.

O mesmo vale para os aspectos citados a seguir, retirados da proposta para

formação do educador (do mesmo curso):

• “Ressalta-se como questão central a formação do homem como ser político, cuja consciência coletiva decorre das relações que se estabelecem entre a formação educativa e o contexto social do qual faz parte. O homem é o ser ativo que, pelo trabalho, domina as forças naturais, humaniza a natureza e se cria a si mesmo, tornando-se construtor da sociedade e sujeito da sua própria história.

8 In: www.uerj.br, acessado em 02/09/05, às 12h59.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

45

• Na concepção dialética adotada para o curso, trata-se de conciliar a capacitação técnica com a formação política, tomada esta última no sentido de que o futuro educador seja capaz tanto de compreender quanto de intervir na realidade social que o cerca.”

Os problemas ambientais não são marginais ao cotidiano da universidade.

Pelo contrário. Estão intrinsecamente ligados a todos os aspectos da vida a cada

momento. Sua invisibilidade se deve, quiçá, à falta de formação para vê-los, à

fragmentação do pensamento e ao distanciamento dos processos ecológicos, que

produz um entendimento distorcido sobre a inserção humana na biosfera e sobre

os ciclos que regulam a vida. Que o professor possa intervir na realidade é o

propósito do curso. Sendo assim, a incorporação da EA não pode ficar de fora

deste programa.

Dentre os princípios norteadores da graduação em Pedagogia, agora da

UFRJ9, destacamos:

• “Propõe-se a análise metódica dos aspectos e elementos contraditórios do contexto sócio-econômico-cultural que permita a produção, o desenvolvimento e a crítica de políticas relativas à escola pública, a valorização das atividades pedagógicas.

• Defende-se uma concepção democrática da educação como possibilidade de instrumentalizar trabalhadores para o domínio da complexidade do processo de produção e de organização do trabalho.”

Novamente, se tratam das mesmas questões. Este último princípio,

particularmente, teria rico material na questão ambiental, já que o contexto do

trabalho reflete intensamente os problemas ambientais, muitas vezes sem que seus

usuários se dêem conta. O próprio processo produtivo é o núcleo do problema, tal

como ele é concebido hoje em dia.

Quanto aos objetivos do curso, encontramos:

• “Situar o aluno em seu momento social e histórico.

• Trabalhar pedagogicamente a realidade dos alunos, da escola e da comunidade, no sentido da consciência crítica e da ação coletiva responsável.

• Capacitar o aluno para uma leitura crítica do mundo do trabalho, para compreensão e intervenção.

9 www.ufrj.br

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

46

• Formar um professor que responda aos questionamentos da sociedade brasileira em seu momento histórico atual; [e que] desenhe projetos pedagógicos que contemplem a pluralidade de demandas de uma sociedade complexa, a multidimensionalidade do processo ensino-aprendizagem e a diversidade da sua história de vida e a de seus alunos.”

Não há contexto hoje que exclua a questão ambiental. Estimular o senso

crítico passa por também conhecê-la e posicionar-se perante ela. De mais

importância se reveste tal ação se considerarmos o efeito-halo produzido pela

universidade na sociedade a partir de seus profissionais – fator mais significativo

quando se trata do profissional docente.

Apesar da pequena iniciativa carioca, outras regiões do Brasil estão

incorporando a EA em seus cursos, ainda que lentamente.

Uma das mais antigas tentativas de incluir a EA no âmbito da extensão,

ensino e pesquisa universitários se deu no Mato Grosso do Sul, com o trabalho da

pesquisadora e escritora Michèle Sato. Ali se encontra uma das mais fortes e

consolidadas redes de Educação Ambiental do país, a Rede Aguapé.

Michèle Sato descobriu parceiros em alguns colegas, mas não há uma

política de EA da universidade. A pesquisadora é bastante conhecida na região,

devido aos bons resultados obtidos com o projeto de extensão que coordena e que

alia EA e comunidades há mais de treze anos.

Uma iniciativa bem mais recente ocorre na UFSCar (Universidade Federal

de São Carlos) a partir do trabalho coordenado pela Professora Haydée Torres de

Oliveira. Ela estudou e propôs a implantação na universidade do processo

denominado ambientalização. Encontramos três artigos (2003) em que

diagnostica o grau de ambientalização curricular do ensino, pesquisa, extensão e

gestão da universidade, e estuda a relação entre o contexto político-pedagógico e a

construção de características para implantar a ambientalização curricular nas

graduações. Este tipo de processo vem sendo debatido e testado em algumas

universidades européias, tendo sido apresentado em âmbito internacional durante

o III Congresso Mundial de Educação Ambiental, realizado na Itália, em outubro

de 2005.

Na pesquisa de Tozoni-Reis (2004), foi possível constatar que há outras

universidades públicas paulistas trabalhando com a EA. Sua preocupação foi

descobrir qual a perspectiva adotada. Tanto no que tange às representações de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

47

ambiente como nas de educação os achados convergem para a mesma

classificação, já anteriormente apresentada: natural, racional e histórica.

A primeira delas (natural), considerada mais ingênua, aponta para a busca

de um mundo orgânico e a autora analisa diversas implicações pedagógicas e

políticas para esta proposta. Reconhece potencial crítico e contestatório desta

perspectiva, e mostra que suas limitações ao recusar o mecanicismo na ciência e

na organização social se devem à busca de superar a modernidade por sua

negação. Por isso, considera insuficientes as idéias desta concepção para formar

educadores ambientais, já que pressupõem um homem puro e a-histórico

juntamente com uma natureza equilibrada e também a-histórica. Levanta, ainda, o

risco de políticas sustentadas nesta perspectiva tornarem-se autoritárias ou

recorrerem a buscas de retorno a concepções naturalistas e romantizadas.

No caso da concepção racional ocorre uma supervalorização dos

conhecimentos científicos, tanto na mediação ser humano-natureza como nos

fundamentos da educação. A base é o racionalismo que fundou a ciência moderna.

A natureza aqui é mecânica. Apesar do rompimento com a Igreja e da

subserviência a ela, promovido pelo racionalismo, a autora considera que houve

grande influência religiosa na formação deste modo de pensar e sua ética

antropocêntrica. Deus sai do centro do palco, mas o ser humano só o assume na

condição de ser forjado a sua imagem e semelhança.

Tozoni-Reis lembra que o racionalismo constitui a base da educação

moderna, desde Comênio.

Esta vertente levaria a uma EA voltada para a transmissão de informações

sobre os processos ecológicos, cujo pressuposto é o controle por meios adequados

do comportamento ambientalmente correto. Indivíduos “conscientes” construiriam

uma sociedade equilibrada ambientalmente. Há, portanto, uma crença na ciência

enquanto organizadora da sociedade. De toda forma, esta perspectiva inviabiliza a

EA, pois prioriza pensar, separada e objetivamente, o mundo, ocultando-se com

isso sua complexidade e interdependência.

Por fim, a última tendência descoberta recebeu o nome de histórica, por

identificar as relações sociais historicamente produzidas enquanto definidoras da

relação ser humano-natureza e educação. O principal referencial epistemológico

dessa visão residiria no pensamento marxista. Nossa autora traz à cena as

propostas educativas de Gramsci, Vygotsky e diversos autores que incluíram o

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

48

mundo material em suas reflexões, a partir de suas perspectivas históricas. Nesse

sentido, a problemática ambiental seria

“o conteúdo histórico-social e cultural da educação ambiental. A perspectiva de superação da forma predatória com que os seres humanos se vêm relacionando com o ambiente só pode ser praticada (pensamento e ação – crítica e consciente) numa sociedade que, intencionalmente, venha a transformar as formas materiais de relação social – alienadoras dos sujeitos – em instrumentos sociais igualitários (conhecimentos, tecnologia) conquistados na diversidade” (TOZONI-REIS, 2004, p.118).

É preciso esclarecer que nenhuma destas tendências se mostrou “pura” e

completa. Tozoni-Reis conclui que estamos num momento de transição de

paradigmas, que se reflete nas concepções dos professores e que aponta para uma

necessidade de superação de entendimentos racionalistas para tratar a questão

ambiental. Em todos os casos, a pesquisadora encontrou uma valorização dos

conhecimentos na determinação da relação ser humano-natureza.

Assim, para ela, no intuito de enfrentar a problemática ambiental é preciso

superar a lógica antropocêntrica e ao mesmo tempo a dominação do homem pelo

homem. De tal forma que a análise da transição paradigmática requer examinar o

campo dos paradigmas científicos (conhecimento) e o dos paradigmas

socioculturais (organização das relações sociais). Ou seja, propõe a

inseparabilidade das dimensões ciência e sociedade. Da mesma forma, o

“confronto entre as dimensões informativa (conhecimentos) e formativa (valores e

atitudes) da educação e da educação ambiental” também se refere a esta reflexão

(TOZONI-REIS, 2004, p.119).

Resumindo, há uma prática educativa ambiental em universidades paulistas

de ordem diversa, mas que retrata as fraturas do pensamento moderno, disputa

legitimidade e encontra-se em transição, havendo ainda grande valorização dos

conteúdos, como instrumento de sensibilização.

O mais provável é que o contínuo e constante questionamento às práticas

pedagógicas destas universidades e o debate, relacionando teoria e ações

concretas, leve a uma renovação e qualificação do entendimento da proposta da

EA, suas dificuldades e desafios. A partilha e o intercâmbio também certamente

serão benéficos para a construção de modos de vida que acolham o potencial

transformador ilustrado pela EA.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

49

De acordo com o mapeamento realizado pela RUPEA (2005), nas

universidades que realizam trabalhos na vertente da EA, predominam projetos

pontuais, sendo mais raras as políticas de ambientalização da universidade:

“(...) a predominância de projetos de EA sobre políticas institucionais de ambientalização da educação superior pode indicar a existência de resistências por parte dos setores mais conservadores no meio universitário, contrários a um debate cujo êxito poderia resultar em rearranjos políticos e institucionais, ou ainda de dificuldades objetivas (organizativas e infra-estruturais) para a formulação/implementação de uma política ou de um plano de ambientalização institucional” (RUPEA, 2005).

O mesmo relatório discute a falta de infra-estrutura e de espaços adequados

e facilitadores para a conquista da ambientalização das IES. Por isso mesmo,

considera que:

“Se considerarmos que podem constituir-se em uma primeira base para o desenvolvimento de projetos interdisciplinares e para a integração das atividades de pesquisa, ensino, extensão e gestão nas IES, somos levadas a concluir que a criação e a estruturação de espaços educativos dedicados à EA não apenas são desejáveis, mas devem tornar-se objeto privilegiado da atenção de políticas institucionais e públicas de ambientalização da educação superior” (RUPEA, 2005).

Observou-se também na pesquisa da RUPEA maior regularidade nos cursos

de extensão oferecidos do que nos de especialização. No geral, apenas os de

extensão foram oferecidos gratuitamente e com parcerias variadas (UCs,

empresas, ONGs, grupos de estudo). Em termos de projetos, prevaleceram aqueles

relacionados à pesquisa e aqueles que combinavam mais de uma ênfase das quatro

possíveis (extensão, gestão, pesquisa e ensino). Atribui-se essa preponderância à

forma de avaliação do profissional acadêmico, centrada na pesquisa. Novamente,

este ponto indica a necessidade de maior articulação entre as esferas de atuação da

universidade para que o processo de ambientalização possa efetivamente se dar, o

que significaria, por suposto, enfatizar estratégias políticas na obtenção deste

intuito. Elencamos, a seguir, os pontos mais relevantes do relatório quanto às

dificuldades de implementação da EA no nível superior de ensino, mostrando o

estágio atual de institucionalização da educação ambiental na academia.

“Entre as dificuldades para a implementação de programas de EA, os informantes apontam resistências de diversa natureza, atribuídas, em parte, à “imaturidade” da

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

50

EA como disciplina10 que ainda não possui arcabouço teórico e metodológico consolidado; por outro lado, não se enquadraria na estrutura científica tradicional nem nas rotinas acadêmicas, tendendo inclusive a suscitar preconceitos na medida em que freqüentemente se encontra associada a atividades de extensão universitária de caráter comunitário (...).

Entre as prioridades de uma política pública de EA para a educação superior, consta a ampliação de recursos financeiros para a implementação de programas de institucionalização da EA (que abarquem todas as instâncias: ensino, pesquisa, extensão e gestão) em todas as IES, além de projetos de pesquisa, intervenção e formação de educadores ambientais.

Uma outra estratégia para o fortalecimento da EA corresponderia à criação de parcerias intra e interinstitucionais (entre IES e outras instituições sociais) que visem articulações políticas e intercâmbios, com a aposta de que tais parcerias poderiam favorecer a realização e o desenvolvimento de trabalhos cooperativos e interdisciplinares.

As respostas exibem certa preocupação com o desconhecimento (e descumprimento) da legislação sobre EA por parte da comunidade acadêmica; por outro lado, defende-se a autonomia dos docentes para propor diferentes formas de ação educativa (conteúdos, métodos, etc.), recomendando-se que as iniciativas para a institucionalização da EA na educação superior preservem a ‘flexibilidade para a ação’” (RUPEA, 2005).

Até este ponto, as dificuldades são de ordem política, financeira, cultural e

administrativa. Na continuidade são abordados elementos facilitadores, uma

síntese das dificuldades e aventadas algumas possíveis causas para o quadro.

“Entre os elementos facilitadores, indica-se, por fim, a necessidade de estruturas ou órgãos responsáveis pela gestão ambiental da IES, ao mesmo tempo em que participem da formulação/execução de políticas ambientais municipais e regionais. Reiteraria-se, desta forma, não apenas a exigência de que a EA atravesse todas as atividades acadêmicas, inclusive as ações de gestão dos campi, mas também seu compromisso com demandas sociais externas. (...)

Entre as dificuldades apontadas pelos informantes, contam-se: a departamentalização da universidade, juntamente com a burocratização, fragmentação, hierarquização, hiper-especialização e desarticulação dos conhecimentos; a conseqüente “territorialização” da epistemologia ambiental; e a dificuldade para a formação de equipes interdisciplinares, devida não só ao desinteresse e ao despreparo da maioria dos docentes, mas também à inexistência de oportunidades objetivas para o diálogo, tais como espaços para a prática da

10 Toulmin (1972 apud PORLÁN, 1998) define as disciplinas como “empresas racionais em evolução” que têm como características: a) um conjunto de problemas específicos conceituais ou práticos; b) a existência de uma comunidade profissional crítica; c) um ponto de vista geral e compartilhado sobre a disciplina (metas e ideais); d) estratégias e procedimentos aceitos; e e) populações conceituais em evolução vinculadas a problemas específicos. Uma disciplina se diz madura apenas quando reúne todos os requisitos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

51

inter/transdisciplinaridade e disponibilidade de carga horária para os docentes se envolverem em atividades cooperativas.

A essas dificuldades, agregam-se outras de natureza mais subjetiva, tais como: a falta de interesse e motivação por parte de alunos e docentes - concomitante ao descaso da sociedade civil – que não teria favorecido a constituição de uma ‘cultura de pesquisa e extensão’. (...)

Os informantes acusam que as práticas de EA tenderiam a sofrer da falta de fundamentação teórica e metodológica.

Por um lado, acreditam alguns, não se tem suficiente clareza com relação à epistemologia ambiental; desconhecem-se as interfaces disciplinares com a EA; não se percebe (nem se compreende) a configuração contemporânea da questão ambiental. Na vertente metodológica, as práticas educativas em EA se ressentiriam da falta de reflexão e ‘práxis; da dicotomia entre competências técnicas e pedagógicas; da incapacidade de enxergar, e conseqüentemente operar, a transversalidade da temática ambiental; e, por fim, das dificuldades didáticas em tratar-se de conteúdos ambientais” (RUPEA, 2005).

Por mais que a proposta educativa da EA seja contra-hegemônica e nesse

sentido paradigmática, todos vivemos ainda sob o domínio da herança Moderna.

Aprender a pensar, sentir e agir de modo distinto daquele em que fomos

culturalmente educados exige empenho e autoconsciência. À medida que se

difunde a idéia da EA para um público mais extenso, também se torna mais

distante no tempo a percepção de sua origem e pressupostos epistemológicos.

Formar pessoas capazes de lidar com o desafio levantado pela EA não é algo que

ocorra espontaneamente. Demanda reflexão e experimentação.

Nessa direção, o relatório também pontua a relação de íntima dependência

entre a qualidade/ efetividade das práticas educativas e a coerência entre as

dimensões epistemológica e metodológica. O que significa embasar as abordagens

didáticas em considerações conceituais, filosóficas e, sobretudo, éticas.

Por fim, para encerrar o tópico da institucionalização, é necessário dizer que

as prioridades listadas pelo relatório para elaborar políticas públicas de EA no

universo das Instituições de Ensino Superior (IES) ultrapassam a valorização,

reconhecimento e apoio às ações educativo-ambientais em curso, referindo-se

enfaticamente à necessidade de criar instrumentos para avaliar, sistematizar e

divulgar a prática. Neste mesmo sentido, é pertinente pensar a questão dos valores

no âmbito da EA. Sem compreender sua dinâmica na pessoa, as estratégias

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

52

pedagógicas que pretendam dar conta de estimulá-los, reelaborá-los ou apenas

refletir sobre eles, tornam-se inócuas ou no mínimo amadorísticas.

Considerando o fato de a apresentação dos citados aspectos conjunturais ter

sido efetuada por docentes de instituições onde a ambientalização já está em

curso, as quais não são maioria no país, pensamos ter demonstrado o estágio

inicial em que ora se encontra a institucionalização da EA na universidade.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

O caminho mais curto e mais certo para viver com honradez neste mundo é ser, de verdade, aquilo que aparentamos ser. Todas as virtudes humanas crescem e se fortalecem pela prática e pela vivência delas. Sócrates

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

3 Implicações pedagógicas da Educação Ambiental

Conhecer os fundamentos da Educação Ambiental traz inquietações e

desafios. Colocá-la em prática requer, pelo menos: a) um agudo senso de

observação da realidade e do comportamento humano; b) formação genérica em

diversas áreas, a fim de compreender a problemática ambiental e dialogar com os

diferentes profissionais que atuam na área; além de c) constantes revisões

internas, a fim de viabilizar práticas que realmente levem aos objetivos

pretendidos pela EA.

A Educação Ambiental constitui importante perspectiva educativa na

atualidade. Fruto da compreensão coletivamente construída no planeta de que a

relação entre os países é intensamente afetada pela forma como são tratadas suas

sociedades e ecossistemas11, a EA pretende ser instrumento de entendimento da

interdependência a qual estamos submetidos, e também agente transformador das

relações, de tal modo que a cidadania seja planetária. O que nos permite a ousadia

de supor ser ela um dos instrumentos possíveis para o estabelecimento dos marcos

de um futuro Estado Mundial, que começa vagamente a se desenhar. Os

documentos de nascimento da EA oficializam uma visão complexa de meio

ambiente. A Declaração de Tbilisi (UNESCO, 1980) é um dos clássicos

fundadores dentre estes documentos.

11 Durante as décadas de 50 e 60 diversos problemas e catástrofes ambientais ocasionadas pela poluição, por uma produção industrial descuidada e pela quase completa ausência de processos de gestão ambiental, levaram a ONU a convocar reuniões internacionais a partir da década de 70, que auxiliassem a refletir sobre a relação entre meio ambiente e desenvolvimento. Sobretudo a água e o ar, ao serem veículos portadores da poluição, completamente alheios à existência de fronteiras geopolíticas, evidenciaram a necessidade de um pensamento sistêmico na criação de políticas econômicas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

55

Considerando as diretrizes da Educação Ambiental12, propostas em Tbilisi, e

considerando ainda seus objetivos13, assentados pela Lei Nacional de Educação

Ambiental (9795/99), percebe-se que a tônica da EA recai sobre a íntima

associação entre aprendizagem, valores, cidadania e participação. São invocadas

as necessidades de estimular e fortalecer o senso crítico, a alteridade, a

responsabilidade, a integração do ser humano consigo próprio e com a biosfera

como um todo. Freqüentes são os discursos enfocando a formação de valores para

a sustentabilidade e o objetivo, difuso, de alcançar uma “nova ética”.14

E aqui entra o impacto da subjetividade dos conceitos tratados nos

documentos. Como critica Loureiro (2004), o generalismo da análise e a ausência

de uma discussão mais aprofundada acerca das implicações ocasionadas sobre as

políticas públicas e ações em EA pelo modo de produção capitalista levam a

“recomendações vagas sem maiores efeitos práticos, sendo muitas destas

12 Facilitar aos indivíduos e coletividades os meios de interpretar a interdependência desses diversos elementos [do ambiente] no espaço e no tempo, a fim de promover uma utilização mais reflexiva e prudente dos recursos do universo para a satisfação das necessidades da humanidade; Contribuir para que se perceba claramente a importância do meio ambiente nas atividades de desenvolvimento econômico, social e cultural; Favorecer em todos os níveis uma participação responsável e eficaz da população na concepção e aplicação das decisões que põem em jogo a qualidade do meio natural, social e cultural; Difundir informações acerca das modalidades de desenvolvimento que não repercutem negativamente no meio, além de fomentar a adoção de modos de vida compatíveis com a conservação da qualidade do mesmo; Mostrar com toda clareza as interdependências econômicas, políticas e ecológicas do mundo moderno, no qual as decisões e comportamentos de todos os países podem ter conseqüências de alcance internacional. (UNESCO, 1980). 13 " I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos; II - a garantia de democratização das informações ambientais; III - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social; IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania; V - o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e macrorregionais, com vistas à construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade; VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia;

VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade." (Lei 9795/99) 14 A “velha ética” é aquela correspondente ao projeto societário instaurado na modernidade e ainda vigente, que permite a superexploração de pessoas e ecossistemas no intuito de garantir a lucratividade de um pequeno punhado de poderosos. A formação de valores para a sustentabilidade estaria, portanto, ligada ao esforço de construção de um novo modelo de sociedade, que viabilize uma forma de estar no mundo afim aos ritmos ecossistêmicos, respeitosa com a vida de modo geral, significativa existencialmente e saudável em todos os sentidos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

56

compatíveis com a ética liberal e com a economia de mercado” (LOUREIRO,

2004, p.74), como ocorre com as já mencionadas iniciativas empresariais. Neste

seu livro, o autor analisa a multiplicidade de interpretações e práticas decorrentes

das recomendações dos documentos para os conceitos de participação e

interdisciplinaridade – ambos considerados pilares da Educação Ambiental.

Neste sentido, é preciso identificar de que se fala ao propor a

interdisciplinaridade e a participação enquanto estratégias. Proceder a uma análise

filosófica verificando a coerência entre os objetivos pretendidos e a pedagogia

derivada das concepções de sustentabilidade (objetivo da EA) que estejam

sustentando o projeto de EA.

Deluiz e Novicki (2005) apontam para três linhas de pensamento quanto à

noção de sustentabilidade e as matrizes filosóficas de onde provêm. Cada matriz

orienta a ação pedagógica a um rumo diferente.

Para estes autores, há necessidade de articular meio ambiente, educação e

trabalho na construção de uma proposta crítica de EA, comprometida com uma

vida de qualidade, socialmente justa e solidária. E nesta articulação, consideram

imprescindível a posição dos atores sociais mais afetados pelos efeitos da

problemática ambiental. Tais pesquisadores defendem a perspectiva da

sustentabilidade democrática, em que a educação é formadora de um sujeito

crítico, que reivindica igualdade e justiça social e articula os três fatores

mencionados a fim de desvelar os aspectos ideológicos, sociais, políticos,

econômicos e culturais que levam à precarização do mundo do trabalho e à

degradação ambiental. Para eles, é preciso superar a ecoeficiência e a auto-

suficiência enquanto sinonímias para desenvolvimento sustentável. Em suas

palavras:

“Na perspectiva de uma Educação Ambiental crítica, torna-se fundamental discutir as várias concepções de desenvolvimento econômico em disputa e as matrizes discursivas que as fundamentam (ideologias, valores, comportamentos), tendo em vista a superação da alienação homem-natureza e a construção de um modelo alternativo de desenvolvimento contra-hegemônico, apoiado na ‘sustentabilidade democrática’ e na superação da desigualdade e da exclusão social, que se reflita nas concepções e práticas educacionais. Desta forma, entendemos que é necessário superar a concepção de desenvolvimento sustentável defendida pelo capital (ecoeficiência/tecnicismo), que não coloca em questão as formas de produção, trabalho e consumo do modo de produção capitalista, e na qual a educação volta-se estritamente para as necessidades do mercado de trabalho, assumindo uma perspectiva produtivista-instrumental4 (SINGER, 1996). Da mesma forma, nesta matriz discursiva de desenvolvimento, a Educação Ambiental pauta-se em uma

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

57

abordagem reducionista, preservacionista, configurando-se como um “adestramento ambiental” (BRÜGGER, 1994), que tem como horizonte unicamente a mudança de comportamento individual e não de valores culturais. Esta ausência de crítica ao modo de produção capitalista direciona a educação para uma ética “comportamentalista-individualista”, que privilegia a performance individual (GUIMARÃES, 2000; LAYRARGUES, 1999), culpabilizando os sujeitos pela sua situação no mundo do trabalho (desemprego/ precarização do trabalho) ou pela degradação ambiental. Consiste numa abordagem educacional acrítica e numa leitura conservadora sobre o mundo do trabalho e a problemática ambiental. Torna-se necessário, igualmente, superar a concepção de desenvolvimento sustentável na lógica da auto-suficiência e da auto-regulação, na qual a relação trabalho e meio ambiente aponta para a subsunção do trabalho à natureza numa perspectiva arcaica e romântica de volta a um passado ultrapassado pelo desenvolvimento científico e tecnológico e pelas necessidades crescentes de melhoria das condições de trabalho e vida das populações. Tanto a primeira concepção de educação quanto a segunda não se pautam por uma ação pedagógica crítico-transformadora, contribuindo para a conservação das atuais relações de dominação” (DELUIZ; NOVICKI, 2005, p.13-14).

Outra autora preocupada com a perspectiva pedagógica adotada conforme

os referenciais teóricos assumidos é Marília Tozoni-Reis (2004). A pesquisadora

estudou a prática de professores dos cursos de Biologia, Química e Geografia das

universidades públicas do estado de São Paulo. Identificou também três

tendências (de certa forma correspondentes às tendências propostas por Deluiz e

Novicki), a seguir apresentadas:

Natural (que corresponderia à auto-suficiência): essa versão compreende a

relação dos sujeitos com o restante do ambiente em que vivem como se pudesse

ocorrer sem a mediação da cultura e da sociedade. Aqui se entende que há

necessidade de igualdade entre os elementos da natureza para voltar ao equilíbrio

natural. Os sujeitos “são representados como vilões que precisam reencontrar seu

lugar, naturalmente determinado. (...) [trata-se de] uma concepção romantizada, na

qual a idéia de integração é sugerida pela volta ao paraíso perdido” (TOZONI-

REIS, 2004, p.33). O efeito prático imediato deste modo de ver é o esvaziamento

dos componentes político e social dessa relação. Uma Educação Ambiental

pautada nesta compreensão pretende adaptar o sujeito à natureza, sendo

instrumento de sensibilização em busca de uma relação dita natural com o mundo.

Racional (correspondente à ecoeficiência): nesta perspectiva quem media

esta relação é a razão, expressa pela supervalorização do conhecimento técnico-

científico na vida dos sujeitos no ambiente. Sendo a razão instrumental entendida

como organizadora da sociedade, a prática educativa reduz-se a transmissão de

informações das ciências ambientais, o tradicional ensino de ecologia. Desta

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

58

concepção vem o famoso lema “conhecer para preservar”, pois se entende que

bastaria o conhecimento (razão) para que uma atitude diferente se manifestasse.

De acordo com Tozoni-Reis (2004, p.34), essa tendência revela-se utilitarista:

“saber (conhecimentos técnicos e científicos) usar, para poder usar mais e sempre,

mas sempre usar.”

Histórica (equivalendo à sustentabilidade democrática): aqui a relação entre

seres humanos e o restante da natureza é marcada pela intencionalidade dos

sujeitos, estando presentes as condições políticas, sociais, históricas econômicas e

culturais. Neste caso, não se diminui a importância do conhecimento técnico-

científico, mas a ele não se atribui um caráter mecânico e direto de transferência

para o comportamento. Segundo esta tendência, a crise civilizatória atual é uma

produção histórica. O descompromisso das pessoas com a resolução dos

problemas ambientais teria sido algo forjado pelas relações sociais historicamente

estabelecidas e abrigaria, dialeticamente, a possibilidade de superação rumo à

construção de sociedades sustentáveis. Na Educação Ambiental, o efeito desta

concepção é a

“valorização do indivíduo em sua dimensão coletiva, de compreensão das relações sociais como tarefa da educação e da Educação Ambiental. (...) a forte presença das idéias de integração, de trabalho coletivo, de interdisciplinaridade na organização do ensino em todos os níveis. (...) os conhecimentos têm, então, função de mediação entre o homem e o ambiente. (...) [destaca-se a] dimensão política da educação (...) e a valorização da formação geral, quando comparada à educação profissional. A expressão da intencionalidade da ação humana no ambiente e do processo educacional, a percepção da dimensão reflexiva do processo educacional e os sinais de valorização do pensar e do agir autônomo como objetivo do processo educativo são também indicadores da abordagem social, histórica e cultural da educação. [há] um movimento de busca de novos paradigmas para as ações educativas(...)” (TOZONI-REIS, 2004, p.78).

Com relação à adoção de abordagens não-históricas da EA lembramos, com

Carvalho (2002, p.32) que o problema

“de um discurso ambiental desacoplado das injunções sócio-históricas é que muito facilmente pode alinhar-se a posições politicamente conservadoras, na medida em que não mobiliza a percepção das diferenças ideológicas e conflitos de interesses que se defrontam no ideário ambiental. Ao contrário, convida a um consenso de observadores, não-implicados – ou impotentes – diante do problema que se apresenta.”

Uma das características essenciais da Educação Ambiental, conforme já

proposto em Tbilisi, é justamente o uso da resolução de problemas (ambientais),

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

59

principalmente ao modo de tema gerador, enquanto estratégia pedagógica de

acesso ao pensamento complexo, à postura interdisciplinar e ao exercício da ética

da sustentabilidade. Ora, se os problemas não são percebidos/analisados

contextualizadamente sua resolução fracassará, por atingir apenas os efeitos

desses problemas e manter uma visão fragmentada daquilo que, na realidade, é

sistêmico. Ademais, pela mesma razão, a eficácia pedagógica de tal estratégia

também se reduz.

Tanto Marília Tozoni-Reis (2004), como Isabel Carvalho (2002), Neise

Deluiz e Vitor Novicki (2005), discutem a questão ambiental enquanto crise dos

referenciais epistemológicos, filosóficos e políticos que sustentam a Modernidade,

isto é, uma crise paradigmática. O que por si só já delineia o desafio pedagógico

assumido pela Educação Ambiental.

Nesse sentido, Leff (1999, p.126) apresenta uma boa síntese do debate que

viemos construindo até aqui:

“A racionalidade ambiental conjuga uma nova ética e novos princípios produtivos com o pensamento da complexidade que problematiza as ciências para incorporar o saber ambiental emergente. Isto leva a arraigar a sustentabilidade ao nível local, a articulá-la com a democracia e com processos de reapropriação da natureza, da vida e da produção (Leff, 1995). Esta perspectiva da sustentabilidade requer um programa de Educação Ambiental compreensivo e complexo, aberto a um amplo espectro de atividades e atores.”

Consultando Puiggrós (1999), Valentin (2005, p.1) constata que esse autor,

ao

“elaborar um panorama da educação latino-americana, no século XX, ressalta seu início marcado pela influência da cultura européia como modelo pedagógico, a esperança depositada na educação e na sua capacidade para produzir progresso. Os movimentos populares nacionalistas, a teoria do desenvolvimento, os movimentos ligados à teologia da libertação, os regimes autoritários e, posteriormente, os governos com tendências neoliberais tentaram converter em realidade essas expectativas com alguns avanços e muitos retrocessos.”

Os desafios da Educação em nosso país apresentam-se redobrados para a

Educação Ambiental, uma vez que esta ainda não é plenamente reconhecida

enquanto necessidade nem pelos governos nem pela academia. Some-se a isso o

fato de lidar obrigatoriamente com conflitos ambientais e buscar fazer uso de um

novo paradigma. Ainda Valentin, citando Moraes (2002, p.42), recorda a

vinculação da EA com a política:

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

60

“Ao colocarmos em pauta os problemas ambientais específicos da América Latina e do Brasil, somos levados a pensar que a ‘questão ambiental está de início imbricada com a questão democrática’. Nosso País sempre foi pensado como um espaço a se ganhar e não como uma sociedade. Os problemas ambientais ultrapassam as barreiras biológicas, estendendo-se às questões social, econômica, cultural e política.”

No Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e

Responsabilidade Global15 fundamenta-se também a origem dos problemas

socioambientais na estrutura socioeconômica abraçada pela ampla maioria dos

países na atualidade:

“As causas primárias de problemas como o aumento da pobreza, da degradação humana e ambiental e da violência podem ser identificadas no modelo de civilização dominante, que se baseia em superprodução e superconsumo para uns e subconsumo e falta de condições para produzir por parte da grande maioria.”

Entre seus princípios educacionais, destacamos alguns para comentários:

1- A educação ambiental é individual e coletiva. Tem o propósito de formar cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a autodeterminação dos povos e a soberania das nações.

Aqui pressupõem-se habilidades cognitivas e valorativas, que resultem em

comportamentos propostos a superar a herança da Modernidade. Da mesma forma

que nos princípios 3, 4, 5, 6, 9, 10, que envolvem, ainda, aspectos como

diversidade cultural e entendimento sistêmico, como segue:

3- A educação ambiental deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar.

4- A educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e interação entre as culturas.

5- A educação ambiental deve tratar as questões globais críticas, suas causas e interrelações em uma perspectiva sistêmica, em seu contexto social e histórico. Aspectos primordiais relacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente, tais como população, saúde, paz, direitos humanos, democracia, fome, degradação da flora e fauna, devem ser abordados dessa maneira.

6- A educação ambiental deve facilitar a cooperação mútua e eqüitativa nos processos de decisão, em todos os níveis e etapas.

15 Em: www.mec.gov.br e www.mma.gov.br

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

61

9- A educação ambiental valoriza as diferentes formas de conhecimento. Este é diversificado, acumulado e produzido socialmente, não devendo ser patenteado ou monopolizado.

10- A educação ambiental deve ser planejada para capacitar as pessoas a trabalharem conflitos de maneira justa e humana.

Os princípios 11, 13 e 14 são voltados mais diretamente ao enfrentamento

das raízes do problema, culminando na conclusão de estarmos vivenciando uma

questão, antes de tudo, ética, valorativa:

11- A educação ambiental deve promover a cooperação e o diálogo entre indivíduos e instituições, com a finalidade de criar novos modos de vida, baseados em atender às necessidades básicas de todos, sem distinções étnicas, físicas, de gênero, idade, religião, classe ou mentais.

13- A educação ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve converter cada oportunidade em experiências educativas de sociedades sustentáveis.

14- A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos.

Em que pesem as críticas a pouca operacionalidade dos enunciados dos

documentos oficiais da EA, vale a pena refletir sobre formas pedagógicas

democráticas e críticas de viabilização de seus princípios e objetivos. O ideal

jamais será real ou próximo dele sem esforço de reflexão e de ação para diminuir

a incoerência, aproximando teoria e prática naquilo que é possível. Um dos

princípios da Declaração de Tbilisi, aqui escolhido especialmente para este

esmiuçamento proposto, enuncia como tarefa básica da EA a de construir as bases

cognitivas e afetivas de uma sociedade ambientalmente saudável (MAZZOTTI,

1997).

Levando em conta a concepção de ambiente adotada pela EA (totalidade

que inclui aspectos ecológicos, sócio-econômicos, culturais, políticos, estéticos,

científicos, psicológicos, morais e éticos), como conjugar a saúde de tantos fatores

simultaneamente?

Esta tarefa requer um intercâmbio da EA com outras áreas do conhecimento

que se dedicam a compreender o ser humano. Interferir na cognição e afetividade

de modo a que as pessoas manifestem saúde nas relações significa, no mínimo,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

62

atuar sobre a percepção e valores dos indivíduos. Aproveitar as pesquisas acerca

da construção do juízo moral constitui exemplo de intercâmbio possível no

sentido de qualificar e embasar este tipo de atuação.

3.1. A consciência moral

Se, como dissemos anteriormente, o campo ambiental se organizou em torno

do problema da produção e reprodução da crença segundo a qual a natureza seria

um bem, e isso constitui uma problemática de ordem ética – cujos sentidos em

disputa buscam se legitimar na sociedade, orientando ações morais e políticas –

então compreender a forma como são produzidas estas ações morais é

fundamental. Pesquisas de Josep Puig (1998) tratam da formação da personalidade

moral e dentro dela, da consciência moral. Quando falamos de valores estamos

tratando de um aspecto, uma das ferramentas de que dispõe a consciência moral.

De acordo com este pesquisador, a moralidade se refere à regulação dos

conflitos interpessoais e sociais, de modo que os comportamentos morais buscam

solucionar conflitos de convívio, atuais ou futuros.

A criação destas soluções que facilitam a adaptação a si mesmo e à

sociedade provém de reguladores morais. Entretanto, devido aos diferentes níveis

de esforços exigidos conforme a complexidade da situação, o tipo de regulador

moral chamado a entrar em ação pode variar. Em termos evolutivos (histórico-

biológico-adaptativos), existe uma hierarquia de reguladores. O regulador moral é

basicamente uma “disposição do sujeito, de índole funcional, que lhe permite

combinar o significado conflitivo da informação moral que recebe do meio com

um tipo de juízo e ações que dão resposta adequada às problemáticas

sociomorais” (PUIG, 1998, p.90).

As pesquisas de Puig indicam que o desenvolvimento sociomoral da espécie

e de cada pessoa se ancora na construção de três reguladores morais: o genoma, o

cérebro e a consciência, sendo cada um deles adequado para as situações

específicas em que foram desenvolvidos.

Isto significa que o genoma será eficiente para organizar o convívio de

pequenos grupos, quase que reduzidos apenas ao convívio familiar, cuja

acumulação cultural seja parca. Neste caso, as condutas geneticamente pré-

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

63

programadas de altruísmo, agressão, proibição do incesto, territorialidade,

acasalamento e outras afins são suficientes para regular a vida. Quando se

desenvolve um nível mais complexo de meio social e cultural, tornando os

agrupamentos humanos densos e diversificados, o cérebro assume a tarefa de

regulador do comportamento moral, a partir do programa cultural estabelecido

pela sociedade intergeracionalmente para regular os inevitáveis conflitos

decorrentes da convivência grupal. Entretanto, esta habilidade cerebral depende de

dois fatores: a) de um processo de socialização que tenha preparado o cérebro

para lidar com problemas em situações complexas e móveis; e b) do nível da

complexidade e diversidade social não chegar ao ponto da necessidade de mediar

normas cujas soluções propostas aos problemas sejam contraditórias. Ao atingir

este ponto é mobilizado o terceiro tipo de regulador, a consciência moral, que

permite a cada sujeito o diálogo consigo próprio e com os demais para tratar das

problemáticas. A consciência moral não traz soluções concretas, mas apresenta

mecanismos que permitem idealizá-las.

De toda forma, o uso dos reguladores não é mutuamente excludente, eles se

superpõem conforme a necessidade, cada qual regendo parte de nossas condutas.

No caso de haver demanda para a consciência moral as condutas pré-programadas

e as socializadas podem ser reinterpretadas, revisadas ou mesmo modificadas.

Nesta hierarquia a influência dos reguladores mais primitivos vai se diluindo com

o uso correto do regulador superior. Sintetizando, Puig afirma que a “consciência

moral não é incondicionada nem onipotente, mas que pretende gerar posições

morais que vão além das programações e dos processos de socialização” (PUIG,

1998, p.94).

Neste processo, a consciência adquire maior flexibilidade e autonomia

conforme ocupa um lugar superior na hierarquia dos reguladores, o que gera,

contudo, perda de segurança e firmeza. Os reguladores inferiores são estáticos e

seguros. Já a consciência está sujeita ao auto-engano e a criar expectativas pouco

adequadas, conduzindo a erros maiores.

A construção da consciência moral parte e se nutre da história social. Com

isso, fica evidente que o surgimento das modalidades tanto heteronômica como

autônoma da consciência se alicerça na inter-relação. É da relação que se origina

um espaço próprio de reflexão, ainda que sempre alimentada pelo contato social.

Revendo Piaget, Puig lembra que as relações de coerção originam uma

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

64

consciência moral heteronômica, enquanto as relações de cooperação produzem

formas morais autônomas. Entretanto, na continuidade do estudo e avançando

além dessa compreensão, propõe, apoiado em Habermas e Mead, que a construção

da consciência moral depende fundamentalmente da mediação efetuada pela

linguagem. É mediante esta que logramos sair de nós mesmos e nos vermos da

perspectiva de outros. Num diálogo, por exemplo, antecipamos as respostas que

suscitamos nos outros, isto é, assumimos seu papel.

A formação da consciência moral estaria ligada, portanto, a dois efeitos da

socialização: levar o indivíduo a agir conforme se espera dele, e, levá-lo a

individualizar-se, construindo a si mesmo. Nas palavras de Puig (1998, p.99-100):

“o sujeito faz suas as diferentes e talvez contraditórias pautas sociais, mas se vê obrigado a generalizar o que é esperado dele e a construir um centro interior, de onde enfrenta as controvérsias e regula seu comportamento de acordo com critérios gerais de valor. (...) a consciência moral autônoma não é a volta a um si mesmo auto-reflexivo, mas supõe o reconhecimento da primazia da intersubjetividade lingüística (...), [o que] supõe a adoção de todos os pontos de vista que podem ser emitidos a propósito de um problema, sua consideração justa e também a adoção de pautas normativas que levem em conta as necessidades e perspectivas de todos os implicados.”

Esperamos ter esclarecido a posição de Puig (1998, p.178), para quem a

consciência moral não constitui “uma instância que se impõe de dentro de cada

um de nós, mas uma oficina onde se forja a deliberação moral”. Ela se configura

num instrumento de trabalho e, assim, é responsabilidade do sujeito direcionar os

trabalhos da consciência para elaborar os próprios ditames. No processo formador

da consciência moral intervêm elementos socioculturais preexistentes e também o

próprio sujeito de modo responsável, autônomo e criativo. O sucesso desse

desenvolvimento depende em larga medida do tipo e da quantidade de problemas

sociomorais que o sujeito é capaz de perceber nos meios de experiência em que se

encontra. A forma como interage com os desafios vai delineando suas

capacidades.

Esta é uma informação importante para a EA, já que a questão ambiental é

amplamente privilegiada em termos de problemas sociomorais.

A educação moral, na visão de Puig, se propõe a ensinar o indivíduo a viver

em comunidade através da ajuda de outros humanos para elaborar estruturas de

personalidade que permitam a integração crítica do sujeito em seu meio

sociocultural. Neste sentido, a EA tem a aprender com a experiência já angariada

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

65

neste ramo do saber. Embora seja propalado este mesmo objetivo geral para a

Educação, abrangendo, portanto, também a própria educação ambiental, é certo

que na atualidade a educação formal pouco se debruça sobre esta questão de

maneira prática. É incomum encontrar instituições educativas que estejam

avaliando seu processo pedagógico no sentido de verificar o alcance deste

objetivo. Conseqüentemente, mais rara ainda será a existência de ajustes e

esforços deliberadamente concentrados nesta direção. Aparentemente, as

instituições absorveram tal objetivo enquanto algo que inerente e

espontaneamente se daria através de suas práticas cotidianas, não sendo necessário

um espaço e tempo próprios para refletir sobre ações específicas ou técnicas nesse

sentido. É como se a educação moral fosse compreendida enquanto processo

naturalmente intrínseco ao ato de educar.

Outro pesquisador, o brasileiro Ives de La Taille (2002) entende o

desenvolvimento moral enquanto algo que se dá ao longo de toda a vida,

abrangendo fatores intelectuais (juízo moral) e afetivos. A capacidade de

abstração (relativa ao juízo moral) está diretamente relacionada à capacidade de

escolha e responsabilidade. Entretanto, segundo o pesquisador, não basta saber o

correto para desejar fazê-lo. Influenciam diretamente nesse querer as emoções. Se

o desenvolvimento das emoções que afetam o agir moral for bem sucedido, a

moralidade se torna parte da identidade. Organizamos o quadro seguinte para

sintetizar as concepções de La Taille (2002) acerca do desenvolvimento da

moralidade. Na primeira coluna elencamos as emoções originais relativas ao

comportamento moral. Na segunda, as características/ comportamentos em que se

transformam da adolescência em diante, caso tenham sido bem estruturadas.

Quadro 1 – Desenvolvimento da moralidade (La Taille)

Inicialmente, na infância surge Posteriormente, na adolescência, se bem

desenvolvida, a emoção se torna

a obediência às regras em função do medo ou do amor que se tenha a figuras de autoridade

culpa e/ou vergonha, independente de autoridades, quando alguma violação moral é cometida

a empatia ou capacidade de comover-se com os sentimentos alheios

Generosidade

o auto-interesse ou julgamento acerca do merecimento, direito pessoal

percepção do próprio direito e do de outrem

a confiança ou necessidade de acreditar que há boas regras e atrás delas boas pessoas

necessidade de ser merecedor de confiança, fidelidade

Fonte: autora

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

66

La Taille (2002) ressalta que se a criança sentir incoerência entre o que se

propõe a ela como agir moral e o que se faz, ela não desejará submeter-se a regras.

É provável que ela então se torne uma pessoa rebelde, indisciplinada, leniente ou

dissimulada.

Josep Puig (1998) considera a formação da personalidade moral dependente

de 1) meios e 2) recursos morais, cada qual contendo fatores que os estruturam, e

ambos somados resultando numa ação moral. No próximo diagrama, também

criado por nós, representamos esse processo, esquematizando as informações de

sua proposição. A seguir, detalhamos cada tópico ligeiramente a fim de

contextualizar o(a) leitor(a).

Ilustração 2: Formação da personalidade moral conforme Puig Fonte: autora

Um mesmo ambiente pode apresentar distintas experiências de

problematização moral, que desencadeiam processos conscientes, voluntários e

autônomos de construção da personalidade moral a partir do uso dos recursos

morais (conforme ilustração 2).

Em termos de experiência de problematização moral trata-se da apreensão

imediata de um conflito, antecedendo o juízo reflexivo. “O importante para

compreender a experiência humana não é ver como é ‘objetivamente’ a situação

que a provoca, mas como é capaz de vivenciá-la cada sujeito” (PUIG, 1998,

p.165). As experiências ganham significado na medida em que nos sentimos

desafiados por um problema que nos leva a buscar uma nova solução. Formam-se

com isso as capacidades de reflexão e ação moral.

Meios sociais ⇒ experiências morais ⇒ problemas morais

+

Recursos morais ⇒ procedimentos da consciência moral (capacidades psicomorais)

⇒ guias culturais de valor (elementos culturais)

⇓⇓⇓⇓

Ação sociomoral

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

67

O reconhecimento de um problema moral inicia o processo formativo que

visa resolver o conflito e transformar alguns elementos da personalidade. Ocorre

uma reelaboração dos critérios, valores e atitudes. Vivenciar o problema é

oportunidade para melhor compreendê-lo. No âmbito dos problemas ambientais,

os dilemas suscitam questões de alteridade e também de identidade. A título de

exemplo citemos a questão do consumo. Há critérios pessoais na escolha dos itens

que consumimos, mas há inúmeros critérios de ordem social, que chegam a ser

sutilmente impostos a partir dos meios de comunicação e das relações sociais.

Questionar a natureza, a necessidade, os efeitos e o impacto socioambiental do

próprio consumo pode se configurar tema de um problema moral.

Há contextos diversos portadores de dificuldades valorativas (problemas

morais), alguns deles particularmente ricos em termos de influências sociais,

culturais e históricas. A interação dessas dificuldades e influências faculta a

formação moral da pessoa – são os chamados meios de experiência moral, como

família, escola, trabalho, lazer, mídia. Também podem ser definidos assim: “(...)

um espaço constituído por uma cultura moral, que se expressa em elementos de

natureza muito variada, dentre os quais cabe destacar, por exemplo, os valores, as

normas ou as formas estabelecidas de inter-relação” (PUIG, 1998, p.154). Cabe,

porém, destacar que a influência do meio

“é uma condição da autonomia do sujeito. O meio de experiência moral exerce influência sobre o sujeito, mas também se deixa transformar pelo sujeito. (...) A autonomia é a construção de um projeto biográfico próprio a partir dos condicionamentos socioculturais oferecidos pelos meios de experiência” (PUIG, 1998, p.153).

Os meios de experiência moral constituem-se de elementos como: metas,

possibilidades de comportamento, formas de relação e regulação, guias de valor e

dispositivos físicos. Para melhor visualização, a estrutura dos meios de

experiência moral pode ser descrita esquematicamente, como segue:

Esquema 1: Estrutura dos meios de experiência moral

Estrutura

Metas

possibilidades de comportamento – atividades, ações, operações

formas de relação e regulação – normas, papéis, inter-relações

guias de valor

dispositivos físicos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

68

Fonte: autora

Olhando um pouco mais detalhadamente para cada componente, temos:

Metas: funções, conhecidas ou desconhecidas que devem ser cumpridas

num determinado meio.

Possibilidades de comportamento: tipo de coisas que podem ou que devem

ser feitas num meio. A maneira como o sujeito organiza essas possibilidades

permite classificá-las em atividades, quando se trate de um projeto pautado por

uma meta típica do meio; em ações, quando se tratar de algum tipo de acordo

dentro do projeto por meio da palavra; em operações, quando se referir a hábitos.

Formas de regulação e relação: refere-se ao modo de organizar os

intercâmbios pessoais, podendo ser, por exemplo, normas (regras e padrões de

conduta), papéis (pautam formas de expressar valores e formas de viver, sendo,

por exemplo, atitudes, comportamentos e relações esperados de alguém que ocupa

determinada posição e esperada das outras pessoas em relação a esta) ou inter-

relações (laços de atenção, interesse, ação, carinho etc.).

Guias de valor: produtos culturais que ajudam os sujeitos a pensar,

comportar-se e construir-se moralmente.

Dispositivos: situações que organizam a vida no interior do meio (ex:

reuniões escolares, o surgimento da agricultura...).

Em termos de problemáticas sociomorais, é especialmente esclarecedor o

conceito de campos de problematização moral. Pretende designar no conjunto,

nas palavras de Puig, tipos homogêneos de problemáticas morais sobre as quais se

prioriza a moralização dos membros de uma sociedade e a aquisição de formas

concretas de organização da sobrevivência e da convivência coletiva (PUIG,

1998: p.170-171). Exemplos disso são questões como o uso da natureza, a

sexualidade, o tratamento diferenciado em função do gênero de uma pessoa,

dentre outras.

São estes campos que configuram nosso modo de vida e nossas opções, a

construção de formas de convivência. Apesar disso, é possível refletir, discutir e

projetar uma conduta moral nos campos de problematização. Em que pese a

recorrência temática, o conteúdo dos campos depende das circunstâncias

históricas da situação e do momento em que eles surgem.

Até aqui tratamos dos meios de experiência moral. Lembrando da fórmula

sintética segundo a qual meio de experiência moral + recursos para enfrentar a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

69

experiência moral = ação moral, nos resta abordar agora o fator seguinte –

recursos.

Constroem a identidade do sujeito os recursos para enfrentar a

experiência moral (PUIG, 1998), quais sejam:

a) os guias culturais de valor (normas, valores e idéias morais); e

b) as capacidades/ procedimentos da consciência moral, tais como juízo (elabora

critérios e princípios), compreensão (integra razão e sentimento) e auto-regulação.

Ao mesmo tempo, esta identidade fornece o conteúdo e direciona o

processo de ação sociomoral. Dentre os recursos destacam-se quatro

procedimentos marcantes no contexto da EA: a) autoconhecimento: fonte da

responsabilidade moral e da coerência pessoal; b) conhecimento dos outros

(empatia); c) disposições para a comunicação e o diálogo: chegando a acordos

justos, racionais e sem pressão dos mais fortes ou influentes; d) auto-regulação

(dela depende a coerência entre o juízo e a ação moral e também a própria

construção voluntária do caráter).

No âmbito dos recursos para enfrentar a experiência moral nos interessam

para a tese os guias culturais de valor, particularmente os próprios valores. Puig

lista cinco tipos de guias: as idéias morais, as tecnologias do eu, os modelos, as

pautas normativas e as instituições sociais.

As idéias morais são elementos simbólicos que descrevem a vida moral,

lhes dão sentido, avaliam-na, projetam-na e pautam sua transformação. Tais

conceitos tratam do “que é” a realidade, “o que deveria ser” ou de como saber “o

que deveria ser”. A forma de ver a realidade acaba sendo também a forma de

vivê-la. As máximas e os valores morais são dois tipos singulares de idéias

morais. As máximas ou provérbios/ ditados funcionam qual muleta ou lembrete

do que devemos e como devemos fazer. Os valores agem como critérios de

julgamento, dizendo como devem ser as coisas. Seu conteúdo “torna-se

característica, signo ou regra que permite reconhecer a retidão dos atos,

instituições ou idéias humanas. Os valores oferecem certezas na determinação do

correto, assim como objetivos e motivação para a conduta humana” (PUIG, 1998,

p.200), embora nem por isso, como afirma o pesquisador catalão, permitam

resolver todos os conflitos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

70

Os demais guias não serão detalhados aqui, por não serem o foco deste

trabalho. No entanto, mencionaremos exemplos de cada um para que o leitor

possa se contextualizar.

Tecnologias do eu: práticas de construção reflexiva de si mesmo,

voluntariamente realizadas pela pessoa, requerendo atenção e vontade, voltadas à

transformação pessoal, como: exame de consciência, diário, meditação, leitura,

oração, cuidado corporal, terapia psicológica, a auto-observação conductual, entre

outras.

Modelos: toda construção simbólica tencionada a exemplificar princípios ou

comportamentos éticos, como histórias, filmes, biografias públicas.

Pautas normativas: descrições claras de condutas que uma coletividade

oferece a si própria, transmitindo-a a todos os seus membros. Tais condutas

devem ser ou evitadas ou seguidas, estando seus receptores obrigados a isso. São

exemplos os costumes sociais, regras, normas, leis e acordos.

Instituições sociais: formas sociais que dirigem e garantem a atividade

humana e cujas finalidades justificam sua existência. Estabelecem “formas de se

conduzir nos campos do trabalho (empresa ou escola), da convivência (família ou

parlamento) e da realização pessoal (igreja ou centros de lazer)” (PUIG, 1998,

p.206). Agem como cristalizadoras de valores e princípios em formas sociais.

A natureza social dos guias culturais orienta a ação sociomoral de modo

inexato, apontando mais para “onde” se deve dirigir. Isto é, orientam, mas não

determinam a ação. Por serem produtos culturais configuram espaço privilegiado

das diferenças e semelhanças morais e permitem a compreensão mútua das

distintas posições culturais. Sobre eles há uma incessante atividade de crítica e

transformação, tanto espontâneas como decorrentes de grandes e deliberados

esforços de melhoria.

Em síntese, podemos dizer que nos meios de experiência moral nos

deparamos com os problemas (desafios morais), cujo enfrentamento é feito a

partir dos recursos sociomorais.

A ação sociomoral é intencional, difere de hábitos e resulta da orquestração

entre os procedimentos da consciência moral, apoiados na combinação de guias

culturais de valor, ao enfrentar dilemas morais. Garante a convivência conforme

critérios de justiça e felicidade (auto-expressão), a partir do diálogo reflexivo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

71

3.2. Valores na educação ambiental

Vê-se que os valores em si fazem parte dos denominados guias culturais de

valor, funcionando qual ferramenta para a ação sociomoral, a exemplo do que

ocorre no espaço do trabalho. A superação da crise ambiental depende da

organização coletiva em torno de ações político-econômico-culturais que auxiliem

a enfrentar a raiz geradora dos problemas ambientais. Mas tanto esta organização

quanto a adesão às medidas propostas a partir de iniciativas coletivas depende do

nível de desenvolvimento da consciência moral que as pessoas tenham alcançado.

Entender como nascem os valores, partícula deste processo de desenvolvimento,

possibilitará ações educativas mais efetivas no trabalho dos educadores

ambientais.

Sendo a questão ambiental um campo de problematização moral16 (Puig,

1998) bastante ativo em nossa época, importa saber de que maneira os valores

morais vêm sendo articulados no referido campo. Pudemos verificar, em pesquisa

realizada por ocasião do mestrado em Educação, que jornalistas ambientais e

professoras os empregam buscando construir uma sociedade sustentável, plena de

sujeitos participativos, que se respeitem entre si e aos demais seres da Terra,

valorizem a si próprios e a tudo que existe, buscando conviver da forma mais

harmoniosa possível (RIBEIRO, 2003). Evidentemente, outros atores sociais, não-

ambientalistas, organizarão sua conduta em torno dos conflitos e problemas

ambientais de maneiras condizentes com seus interesses e histórias. Em termos de

compreensão da moralidade deste contexto histórico trata-se de um rico campo de

estudos, aberto e à espera de investigação.

Tome-se em consideração que os campos de problematização oferecem

experiências morais, cujos dilemas são vividos e enfrentados pelos

procedimentos17 da consciência moral, isto é, instrumentos psicológicos úteis

para analisar os problemas morais, planejar vias de otimização da realidade,

16 O campo de problematização moral também pode ser entendido enquanto conjunto de conteúdos e problemas do âmbito da vida do sujeito que se articulam com os valores morais; espaços sociais de reflexão e ação moral nos quais se produz certa quantidade de saber normativo ou guias de valor que norteiam o comportamento. 17 Relembrando, são eles: Conhecimento (desdobrado em: autoconhecimento e conhecimento dos outros); Pensamento (Juízo moral, Compreensão crítica, Disposições para a comunicação e o diálogo); Sentimento (Capacidades emocionais e de sensibilidade); Atuação (Auto-regulação).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

72

avaliar as conseqüências de cada opção proposta, decidir da melhor forma

possível uma solução e, enfim, pô-la em prática (PUIG, 1998, p.173). Cabem,

então, as seguintes perguntas: a Educação Ambiental, que como educação se

propõe a ser formadora de valores, e, vivendo através da dimensão ambiental, o

faz utilizando o meio ambiente como campo de problematização moral, conhece a

natureza dos procedimentos da consciência moral? E dos guias culturais de valor?

Sabe trabalhá-los? Parece-nos tratar-se de uma implicação pedagógica, necessária,

do trabalho educativo ambiental.

A consciência moral é ferramenta de trabalho que não vem pronta. Requer

esforço aprender a utilizá-la. A questão ambiental exige posicionamento, o tempo

todo. Posicionar-se representa optar entre valores numa dada situação. Trata-se,

pois, de excelente oportunidade metodológica para a EA. O único consenso em

torno da metodologia da EA até o momento parece ser a resolução de problemas

(proposta em Tbilisi), através da interdisciplinaridade e do uso de projetos,

desenvolvidos a partir de temas geradores – com todas as divergências que ainda

se encontram neste campo teórico, acerca da natureza e funcionamento da

interdisciplinaridade. Diversas atividades são apresentadas e utilizadas em práticas

de educação ambiental, geralmente de maneira assistemática, mas freqüentemente

com o título equivocado de “metodologia” por parte de educadores ambientais

pouco versados em Educação. De outra parte, existem tentativas de criar

metodologias específicas, embora sejam raras as discussões e intercâmbios nesta

área.

Compreender a formação da consciência moral e aprender a estimular o

desenvolvimento de seus recursos pode ser a base para a constituição de uma

metodologia mais consistente, que congregue as discussões, propostas e práticas

realizadas até o momento.

Nossa contribuição nesse sentido é o estudo dos valores que movem

educadores ambientais. É possível que a melhor compreensão deste tema viabilize

experiências formadoras de novos educadores ambientais mais efetivas e

contundentes. Trata-se da recapitulação de nossa própria história, de nossas

biografias, a fim de reescrever nossa forma de trabalho. De abrir novas

possibilidades criadoras. De nos relendo, reler a sociedade, e a própria prática

nossa de educadores. A grande tendência com a institucionalização de um novo

saber (o ambiental) em busca de atender novas demandas (superação

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

73

paradigmática) é a acomodação em estruturas já existentes (como a universidade),

com seus modos de proceder já estabelecidos e pouco móveis. Assim, se os

primeiros educadores ambientais tiveram de se fazer, a partir do desafio histórico-

cultural posto (meio de experiência moral), por meio de si próprios e das relações

que mantinham, sobretudo pelo autodidatismo e pelo engajamento prático

ambientalista, os novos educadores ambientais ou candidatos a isso contam agora

com um acervo bibliográfico razoável (produzido pelos primeiros), alguns cursos

de pós-graduação, diversos projetos de extensão, de ONGs ou de órgãos

governamentais em que se mirar, participar, com os quais debater. Contudo, a

formação ofertada pelas pós-graduações nada tem de interdisciplinar, pouquíssimo

de pedagogia de projetos e menos ainda de resolução de problemas. Então, como

formar valores para sociedades sustentáveis se nem ao menos discutimos e

criamos condições para a identificação e revisão dos valores daqueles que se

propõem a educar ambientalmente? Parece-nos que sem experiências práticas, em

si didáticas, como foram as formações dos pioneiros educadores ambientais, esta

formação torna-se empobrecida, pouco problematizadora e desafiadora de

reflexões. Por demais teórica e fragmentada para organizar ações de fato rumo à

sustentabilidade. Os dilemas concretos da vida exigem conjugação de esforços

mentais, emocionais, sociais, econômicos e culturais, resultando em aprendizado.

Por que não aproveitá-los para a reflexão formadora de valores?

Decisões serão tomadas ainda que desconheçamos ou ignoremos qual foi o

valor motivador na ocasião, lembrando que valores funcionam ao modo de

critérios. Mas, se sequer formos capazes de identificar nossos valores, como

qualificar nossa atuação educadora de maneira satisfatória? Preconizar valores é

ineficiente para ensiná-los. Pesquisas nessa área (a exemplo de COLES, 1998; e

de GARDNER, 1999) apontam para a necessidade de exemplificá-los, colocar as

situações dilemáticas em debate.

É importante lembrar que não são os valores almejados ou considerados

adequados que realmente mobilizam o indivíduo, pois geralmente há certa

distância entre valores reais (já adquiridos e consolidados pela experiência) e

valores idealizados (aqueles que o sujeito admira, deseja possuir, mas ainda não

desenvolveu). Freqüentemente, práticas escolares e mesmo dos movimentos

sociais pretendem difundir valores pelo discurso, pela busca de convencimento

ideológico. E nesse sentido, pouco proveito se obtém, justamente porque os

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

74

valores ideais, não sendo reais, não mobilizam o comportamento no sentido

esperado. Além disso, reconhecer um valor real, um valor em transição (pelo qual

estamos nos esforçando) ou um valor ideal, ainda não quer dizer identificá-lo em

ação, já que todo sujeito constrói uma escala hierárquica de seus valores. Qual o

valor que está operando naquela determinada situação? Um complicador a mais é

o fato de que essa escala de priorização pode ser alterada, conforme o que está em

jogo no momento ou também de acordo com os feedbacks fornecidos pelas

renovadoras e constantes experiências do viver (VICENZI, 1999).

Sabendo de toda esta complexidade parece-nos necessário, voltamos a dizer,

que os educadores ambientais convertam em tema de estudo os processos que

desenvolvem o juízo moral. Os valores constituem pequena peça deste jogo, peça

que pretendemos aqui auxiliar a elucidar. Contribuir para criar uma sociedade

ambientalmente saudável (tal como almejado pela EA) implica, pela lógica que

viemos construindo até aqui, fomentar valores que permitam/favoreçam uma

interação sadia do indivíduo consigo mesmo, dele com os outros humanos e

destes com os demais seres vivos. Daí a necessidade de melhor compreender o

tema.

Anteriormente, realizamos pequena incursão no campo deste estudo. É

possível, perguntamos, verificar a existência de valores em comum ao examinar

indivíduos originários de níveis sócio-culturais, profissões e atuações diferentes,

mas cuja relação com o ambiente tenha em comum o fato de ser engajada e ativa?

De acordo com nossa pesquisa de mestrado há indicativos positivos. Pudemos

constatar que jornalistas ambientais e professoras atuando na perspectiva da

Educação Ambiental têm por valores em comum a solidariedade e a

responsabilidade. Outros valores foram identificados, coincidentes no circuito

intragrupal (isto é, apenas entre ecojornalistas e somente entre professoras) e,

claro, também ocorreram valores exclusivamente individuais. O que importa

ressaltar é que estes valores são em boa parte responsáveis pelos posicionamentos,

opções e conduta destes profissionais. Observamos que as circunstâncias de vida e

as experiências vividas pelos sujeitos estudados foram significativas para

constituir, reforçar ou renovar seus valores. Na investigação realizada os fatores

família, universidade, trabalho e convivências da infância em si mostraram-se

importantes meios de experiência moral para problematizar a questão do meio

ambiente. Nestes meios desenrolaram-se experiências morais relevantes para estas

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

75

pessoas, resultando valores que coincidentemente a Educação Ambiental prioriza.

Esta experiência inspirou-nos na escolha da técnica de investigação eleita para

esta pesquisa, ou seja, a análise de trajetórias de vida.

Pareceu-nos que além destes meios de experiência moral, significativa deve

ser a interação que neles se desenvolveu, as experiências morais e as conversas

ocorridas sobre estas experiências – diálogos e questionamentos entre amigos e

familiares e também os embates internos, fruto da reflexão pessoal. Que tipo de

oportunidades houve neste sentido nas biografias estudadas? O que fez a

diferença: a reflexão sobre as experiências? As próprias? Os meios onde elas se

desenrolaram? A influência dos companheiros?

“(...) os estudos que se referem aos ambientes de formação ou ao que temos chamado meios de experiência moral são escassos. Ainda não temos uma visão suficientemente clara quanto ao papel que desempenha o meio na construção da personalidade moral. Também não temos muito claras as idéias sobre a natureza e as qualidades dos diversos meios de experiência moral” (PUIG, 1998).

De modo que este é um campo merecedor de maiores estudos. Mais ainda se

considerarmos, como o faz Carvalho (2002, p.37), a constituição do campo

ambiental necessariamente marcada pela disputa pelo “poder simbólico de nomear

e atribuir sentido ao que seria a conduta humana desejável e um meio ambiente

ideal.”

Com esta introdução acerca a) da consciência moral, e, em seu bojo, dos

valores, e b) da relação entre a filosofia da EA e a natureza da questão ambiental,

pensamos ter apontado para a localização nuclear dos valores no âmbito da

Educação Ambiental.

Veiga-Neto, apud Tozoni-Reis (2004, p.10, grifos nossos) “destaca as

relações entre conhecimento técnico-científico, as propostas educacionais e as

decisões morais sobre o ambiente como ponto de partida para a reflexão sobre a

Educação Ambiental.”

Ou como também já afirmado por Carvalho (2002, p.18) “o ambiental tem-

se apresentado como uma questão catalisadora de um importante espaço

argumentativo acerca dos valores éticos, políticos e existenciais que regulam a

vida individual e coletiva.”

Tratando-se, então, de valores e uma vez que se torna pouco exeqüível

ensinar valores sem praticá-los, pretendemos com esta pesquisa compreender que

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

76

valores aproximaram (e mantiveram próximos) professores universitários da

Educação Ambiental. E que meios e experiências morais teriam produzido tais

valores. De tal sorte que possamos refletir acerca de processos formadores da

sensibilidade ambiental aproveitando o que foi encontrado nas trajetórias de vida

analisadas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

4 Sobre a natureza dos valores

4.1. Ética e moral

Moral e ética são conceitos geralmente empregados como sinônimos,

ambos referindo-se a regras e condutas entendidas como obrigatórias. A existência

de duas palavras deve-se ao fato de as termos importado de origens etimológicas

distintas: ética veio do grego ethos, significando comportamento, modo de ser;

moral tem origem no latim, morales, e refere-se a conduta e aos costumes.

Entretanto, convencionou-se diferenciar ética de moral, atribuindo à moral

um caráter mais prático e rígido. Por outro lado, à ética caberia estudar a aplicação

das normas. Ou seja, configura-se moral como aquilo pertencente às regras,

estabelecido em forma de leis ou incorporado como costumes na sociedade

através da história e cultura, ao passo que a ética constituiria a forma pela qual nos

relacionamos com essas regras a partir dos vínculos estabelecidos com a

sociedade em geral. Assim, a moral estaria posta. A ética, pensada e filosofada.

Para Silvano18 (2008)

“Moral é um conjunto de normas que regulam o comportamento do homem em sociedade, e estas normas são adquiridas pela educação, pela tradição e pelo cotidiano. Durkheim explicava Moral como a “ciência dos costumes”, sendo algo anterior a própria sociedade. A Moral tem caráter obrigatório. Já a palavra Ética, Motta (1984) define como um “conjunto de valores que orientam o comportamento do homem em relação aos outros homens na sociedade em que vive, garantindo, outrossim, o bem-estar social”, ou seja, Ética é a forma que o homem deve se comportar no seu meio social.”

Para sintetizar, recorremos a Vásquez19 (1998), para quem a Ética é teórica e

reflexiva, enquanto a Moral é eminentemente prática. Uma completaria a outra,

18 SILVANO, Thiago Firmino: http://www.coladaweb.com/filosofia/moral.htm 19 VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 18. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

79

interrelacionando-se. A Moral não é somente ato individual, é também um

empreendimento social. Vasquez (1998) cita Moral como um

“sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livres e conscientemente, por uma convicção íntima, e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal”.

O Dicionário Aurélio vem confirmar o dito anteriormente. Em sua definição

ética é "o estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana

susceptível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente

à determinada sociedade, seja de modo absoluto”.

Também para La Taille (2007)20 existe diferença e complementaridade

quando tratamos de moral e ética. Em entrevista concedida ao Jornal ExtraClasse,

o psicólogo responde:

“EXTRA CLASSE – O que é moral e o que é ética?

YVES DE LA TAILLE – A definição habitual de moral e ética refere-se à questão dos princípios e regras de conduta. Moral diz respeito aos deveres; ela regra os princípios inspirados pelos ideais de dignidade, de justiça e de generosidade. São as respostas à pergunta existencial que todos nós nos fazemos: “Como devemos agir?”. Ética é outra coisa; remete à dimensão da vida boa, da felicidade, a aspectos existenciais da vida. É a diferenciação que eu tenho trabalhado. A pergunta da ética é “Que vida eu quero viver?”. Somente merece o nome de ética um projeto de vida que inclua a dimensão moral; portanto, o respeito pela dignidade alheia e pela justiça”21.

Há quem22 diferencie ética e moral das seguintes maneiras:

“1. Ética é princípio, moral são aspectos de condutas específicas;

2. Ética é permanente, moral é temporal;

3. Ética é universal, moral é cultural;

4. Ética é regra, moral é conduta da regra;

5. Ética é teoria, moral é prática.”

20 Entrevista concedida ao Jornal Extra Classe - Porto Alegre – www.sinprors.org.br – março de 2007. 21 http://www.contee.org.br/docente/materia_6.htm 22 http://www.mundodosfilosofos.com.br/vanderlei18.htm

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

80

Campos et al.(2002) considera que o início da ética no Ocidente inicia-se

com Sócrates, para quem o corpo seria a prisão da alma, e desta forma, seria

preciso superar e dominar as paixões e desejos do corpo a fim de viabilizar o

acesso ao conhecimento da alma, morada do “bom em si”, isto é, de uma ética

apriorista.

Já Aristóteles subordinava a ética à política, na forma da ordem vigente.

Para ele, na prática ética somos o que fazemos, visando a uma finalidade boa ou

virtuosa. Assim, agente, ação e finalidade do agir seriam inseparáveis.

Separando a reflexão moral da especulação teorética, Aristóteles traz à

filosofia da moral um estatuto próprio. No pensamento filosófico antigo, os seres

humanos aspiram ao bem e à felicidade, o que poderia ser alcançado com uma

conduta virtuosa. Para ser ético seria preciso estar com contato com a própria

essência, visando à perfeição. Esta ética essencialista possuía três aspectos: a) agir

em conformidade com a razão; b) agir conforme a natureza e caráter natural de

cada pessoa; c) união permanente entre ética (conduta do indivíduo) e política

(valores da sociedade). Com o cristianismo, nega-se a virtude a partir da relação

com a cidade ou com os outros. A referência é o relacionamento com Deus, o

único mediador entre os indivíduos. O auxílio para a melhor conduta é a lei

divina, surgindo a idéia de dever.

Com a Modernidade uma nova visão de ética emerge, segundo a qual os

seres humanos devem sempre ser tratados enquanto fim da ação e jamais como

meio para alcançar seus interesses. Novamente, porém por motivos diferentes,

para sermos morais seria preciso dominar apetites e paixões, pois a natureza nos

induziria ao mal e ao egoísmo. Hegel, no século XIX, complementa esta

abordagem, propondo que a vontade subjetiva deva ser submetida à vontade

social. O encontro de ambas determinaria a vida ética. Na atualidade, ambas as

visões se fundiram. Nem o ser humano é totalmente livre, nem totalmente

determinado pelas leis da natureza.

Se a ética é o estudo do julgamento de bem e de mal, ou seja, do que vale

mais ou vale menos para que a vida mereça ser vivida, o estudo dos valores se

situa neste campo. A questão ambiental se constituiu como questão ética, muito

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

81

mais do que ecológica, desde o princípio. E também nesse sentido ouvimos La

Taille na continuidade de sua entrevista23.

“EC – Com relação ao meio ambiente, o superpovoamento, as cidades cada vez menos habitáveis, as tragédias urbanas, como o senhor vê o futuro da humanidade dentro de uma perspectiva moral e ética?

YVES – Essa é uma questão ética, e não moral. Está essencialmente ligada ao futuro no planeta Terra, às perspectivas da humanidade, à relação entre as diversas gerações. Claro que é uma questão moral de respeitar a vida e as futuras gerações, mas as ações são dificilmente regradas pela moral. Qual é a regra? Então eu não compro mais carro. Eu não ando mais de avião que polui mais ainda, não uso mais aerossol. É difícil você regrar isso. Mas você pode regrar de outra forma: não mato, não minto, ajudo o próximo. A questão da poluição do planeta pode ser colocada em figuras jurídicas, que dizem respeito às empresas. Cada empresa deverá instalar seus equipamentos para reduzir a emissão de poluentes, mas não é uma decisão individual. Do ponto de vista ético, é um belíssimo tema. Para que o planeta não vá de mal a pior, é preciso mudar o estilo de vida, e não apenas deixar de fazer meia dúzia de coisas. É o estilo de vida que tem de mudar. Os valores devem mudar. É o valor do consumo. E esses valores não são morais, são éticos: devem dar conta de questões como “Que vida eu quero viver?”, “O que é ser feliz?”. É ter um carro, um microondas, um celular? Acho que a questão do meio ambiente, do planeta, que pelo jeito ninguém descobre, em relação ao clima, essa hipótese de que a Terra está esquentando foi feita em 1967, antes de o homem ir à lua. Mas ela foi concertada durante muito tempo, por lobbys, que estavam interessados em aumentar, e não em reduzir os poluentes. Agora há uma unanimidade em relação ao superaquecimento da Terra. Surge uma outra questão: esse planeta não agüenta. Se todos quiserem viver com o padrão de vida dos Estados Unidos, será necessário meia dúzia de planetas Terra. Essa é uma questão radicalmente nova, e as questões novas são interessantes, porque dificultam as velhas idéias, que devem ser reinterpretadas, repensadas.”

Entretanto, por buscarmos compreender como a pessoa constrói

biograficamente essa capacidade de julgar o bem e o mal para si e como essa

capacidade opera com os valores no cotidiano, também temos de fazer incursões

no campo da moral. Como diz La Taille24, e com ele concordamos,

psicologicamente essas duas dimensões (moral e ética) se complementam, ou seja,

alguém só vai realmente tornar-se um ser moral se isso fizer sentido existencial

para o indivíduo. Ou dito de outra maneira, “somente respeita outrem (moral) a

pessoa que interpreta este ato como auto-respeito, portanto, como elemento

essencial de uma vida que vale a pena ser vivida (ética).”

O estudo dos valores vem sendo tema de reflexão desde a Antigüidade. Só

para ficar nos filósofos mais conhecidos podemos mencionar Sócrates, Platão e

23 (http://www.contee.org.br/docente/materia_6.htm) 24 (http://www.ip.usp.br/docentes/ytaille/index.htm)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

82

Confúcio. Entretanto, a ocorrência de estudos sistemáticos sobre a natureza, os

tipos, ou as origens dos valores é algo recente. Na Filosofia, de acordo com

Mondin (2005), foi o último grande problema a surgir e deu origem a um novo

campo, a Axiologia.

4.2. Aspectos históricos do estudo dos valores

Os valores vêm sendo estudados pela Filosofia há longo tempo, mas outras

áreas também se interessaram por eles posteriormente, como a Sociologia, a

Antropologia e mais recentemente a Biologia (sociobiologia) e a Psicologia

Social. Procuraremos nos ater às abordagens da filosofia e da psicologia social

neste trabalho. Vejamos, então, um breve resumo de ambas as abordagens.

4.2.1. Na filosofia

Uma dificuldade da Axiologia, ou teoria dos valores, é a falta de acordo

entre suas diversas escolas, não havendo ainda a proposição de uma síntese.

Decorre daí outra dificuldade: uma conceituação única de valor requereria

abranger todos eles, convergindo e sendo conveniente às várias categorias nas

quais se dispersam, como: a honra, o dinheiro, o belo, o dever, o direito etc.

A discussão sobre o que seria “intrinsecamente bom”, e, portanto, de valor,

gerou respostas variadas, conforme a perspectiva adotada. Por exemplo, para os

hedonistas seria o prazer, para os humanistas a auto-realização harmônica, para os

cristãos, o amor a Deus, e assim por diante. Isto quer dizer que a classificação dos

valores dependerá do critério adotado de bem.

Apesar dessas considerações, a Axiologia aborda o estudo dos valores de

modo ampliado, expandindo seu significado e articulando questões econômicas,

éticas, estéticas e lógicas, tradicionalmente consideradas em separado – conforme

aponta a Enciclopédia de Filosofia (2008). Recuperando em breves linhas a

composição deste campo de estudos, temos que:

“Originalmente, o termo valor referia-se principalmente ao valor de troca, como na obra do economista inglês do século XVIII Adam Smith. Durante o século XIX, o termo passou a ser empregado em outras áreas do conhecimento, sob a influência

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

83

de diversos pensadores e escolas: os neokantianos Rudolf Lotze e Albrecht Ritschl; Friedrich Nietzsche, autor de uma teoria sobre a transposição dos valores; e Eduard von Hartmann, filósofo do inconsciente que usou pela primeira vez o termo axiologia no título de uma obra, Grundriss der Axiologie (1909; Esboços de Axiologia). Hugo Münsterberg, considerado o fundador da psicologia aplicada, e Wilbur Urban, autor de Valuation, Its Nature and Laws (1909; A valoração, sua natureza e suas leis) divulgaram as novas concepções nos Estados Unidos, onde o livro General Theory of Value (1926; Teoria geral do valor), de Ralph Perry, foi considerado a obra máxima sobre a nova disciplina. Perry definiu valor, inicialmente, como "qualquer objeto, de qualquer interesse", e logo explorou os oito domínios do valor: moralidade, religião, arte, ciência, economia, política, lei e costumes. Alguns autores distinguem valor instrumental de valor intrínseco, ou seja, o que é bom como meio e o que é bom como fim. John Dewey, em Human Nature and Conduct (1922; A natureza e a conduta humanas) e Theory of Valuation (1939; Teoria da valoração) tentou, sob um enfoque pragmático, acabar com a distinção entre meios e fins. Seu propósito, na verdade, era afirmar que existem, na vida das pessoas, coisas como saúde, saber e virtude que são boas em ambos os sentidos. Outros autores, no caminho inverso, multiplicaram as categorias de valor e opuseram, por exemplo, o valor instrumental (ser bom para alguma finalidade) ao valor técnico (ser bom para fazer alguma coisa) e o valor contribuinte (ser bom como parte de um todo) ao valor final (ser bom como um todo). (...) Enquanto as ciências descritivas como a sociologia, a psicologia e a antropologia procuram determinar com critérios práticos o que é dotado de valor e as qualidades do que é valorizado, a filosofia permanece dedicada à tarefa de questionar a validade objetiva daqueles critérios.” (Enciclopédia de Filosofia, disponível em: http://br.geocities.com/sidereusnunciusdasilva/index.htm)

Mondin (2005) também resgata, com um pouco mais de detalhe, a história

dos estudos axiológicos, a qual procuraremos trazer nos parágrafos restantes desta

seção25, de acordo com a visão deste autor. Para ele, é Nietzsche o pai da

Axiologia, ainda que tenha sido Lotze o propositor. Isto porque Nietzsche, com

sua crítica, buscou derrubar todos os valores absolutos da Lógica (Verdade), da

Moral (Virtude), da Metafísica (Ser) e da Religião (Deus), apontando para sua

decadência e alienação. Em seu lugar propôs o dinamismo do valor da Vida, uma

vida que aceita a si em todas as suas expressões.

Lotze defendeu o estudo de três campos do saber: os fatos, as leis universais

e os valores, sendo que estes se refeririam aos fins, enquanto os dois primeiros aos

meios. Os meios poderiam ser estudados pela razão analiticamente e

25 Lamentavelmente não foi possível inserir as datas das referências apresentadas por Mondin, já que ele mesmo não as cita nem apresenta bibliografia destas em seu livro. Talvez por destinar este livro a um público não necessariamente acadêmico e por ser autor de diversos outros livros, além de livre docente e diretor da Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Urbaniana, em Roma.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

84

mecanicisticamente. Os valores, contudo, somente seriam apreendidos através dos

sentimentos e de uma perspectiva espiritualista. A ele seguiram autores como

Rickert, Eucken e Hartmann.

Hartmann entende que os valores não se fundamentam nem em Deus (que,

em sendo o ser humano livre, não existiria), nem nas pessoas, mas em si mesmos,

de modo semelhante ao mundo das idéias, de Platão. Assim, o valor existe

independentemente de ser reconhecido, o que nesta lógica leva à conclusão de que

não são os valores que variam, mas a percepção deles.

Opuseram-se a Hartmann alguns filósofos alemães, como Ehrenfelds, para

quem os valores seriam simples estados subjetivos (desejo e desiderabilidade). Ou

melhor, uma relação entre um objeto e um sujeito desejante. Max Scheler (1874-

1928) refuta categoricamente a proposição de que os valores sejam meros estados

subjetivos. Recebeu grande influência de Husserl e do método fenomenológico.

Sua análise afasta as teorias do nominalismo, psicologismo, pragmatismo,

formalismo kantiano, idealismo neokantiano, positivismo e outras tendências do

século XIX. Para ele, os valores são objetivos e dispostos em uma ordem eterna e

hierárquica. Para Perry, na mesma linha de Ehrenfelds, algo tem valor porque é

desejado. Já para objetivistas como Hartmann, ocorre o oposto: algo é desejado

justamente porque tem valor. Em ambos os casos, se atribui uma propriedade

cognitiva aos juízos de valor, havendo divergência em relação à inerência do valor

nos objetos. Os não-cognitivistas afirmam que os juízos de valor têm uma função

emocional, em vez de cognitiva. Já aos existencialistas parece não haver qualquer

relação lógica ou ontológica entre fato e valor, pois que o último seria tão somente

um resultado de escolhas individuais.

Além da Alemanha, a Axiologia também despertou interesse

sucessivamente na Itália (com Stefanini e Prini), na França (com Lavelle e Le

Senne), na Espanha (com Ortega e Gasset), Argentina (Derisi), Inglaterra

(Moore), EUA (Dewey) etc.

Lavelle considera que valor e bem não se identificam, pois sua relação é

análoga a da existência com o ser. O ser, para ele, é ato, fonte de toda

determinação e valor.

“Como a existência é o ser enquanto se encarna e se torna concreto, assim o valor é o bem, enquanto referido a um objeto que usamos, a uma vontade que se esforça por captá-lo. Como a existência é o ser, enquanto recebe uma forma interior e

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

85

individual, assim o valor é o bem, que implica uma atividade que tende a realizá-lo. (...) Portanto, o valor não é uma propriedade estática, mas fortemente dinâmica que provoca o sujeito e o arrasta à ação. O erro mais grave é pensar que o valor seja um objeto que se contempla, enquanto, ao contrário, ele é sempre uma ação que se deve fazer, uma prática que se deve seguir” (MONDIN, 2005, p.183).

Os filósofos neotomistas26 defendem a objetividade dos valores, excluindo

tanto a interpretação psicologista que os reduz a sentimentos pessoais, quanto a

ultra-realista que faz dos valores realidades em si, semelhantes às idéias

platônicas. Sua objetividade reside em ser fundada no ser, mas não enquanto

propriedade transcendental do ser, distinta do bem. Para eles, o valor somente se

revela no ato em que é efetivamente amado, desejado.

4.2.2. Na psicologia social

Poderia ser interessante percorrer historicamente as tendências da Psicologia

Social enquanto ciência, para localizar o leitor. Entretanto, consideramos esta

tarefa por demais extensa para a missão que cumpriria, ao ser apenas um detalhe

contextual. Assim, ativemo-nos aqui à forma como os valores vêm sendo

abordados nesta área de pesquisa.

Entretanto, importa pontuar que o estudo de valores tem recebido diversas

influências na Psicologia Social, sobretudo do Positivismo e da Fenomenologia,

acrescentando-se posteriormente o Cognitivismo, de Varela. Silva (2008, p.40)

recapitula algumas definições de valores:

“Segundo Rodrigues (1975, p. 404):

Valores são categorias gerais dotadas também de componentes cognitivo, afetivos e predisponentes de comportamento, diferindo das atitudes por sua generalidade. Uns poucos valores podem encerrar uma infinidade de atitudes. O valor religião, por exemplo, envolve atitudes em direção a Deus, à Igreja, a recomendações específicas da religião, à conduta dos encarregados das coisas da Igreja, etc. etc. Rokeach (1967) propõe que o estudos dos valores recebam maior ênfase em psicologia social, de vez que, por sua generalidade e número reduzido, fornecem ao psicólogo maiores facilidades de estudo que as atitudes, que são inúmeras e por demais específicas.[...] A característica de generalidade dos valores e de especificidade das atitudes faz com que uma mesma atitude possa derivar de dois valores distintos. Assim, por exemplo, uma pessoa pode ter uma atitude favorável a

26 Maritain, Rintelen, De Finance, Derisi e outros.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

86

dar esmola a um pobre por valorizar a caridade, e outra por valorizar o desejo de mostrar-se potentado e superior.”

Apesar de ambos (valor e atitude) possuírem componentes cognitivos,

afetivos e comportamentais, a atitude é mais específica do que um valor e pode ser

uma derivação de um ou mais valores. Na continuidade ela aborda a definição de

Krüger, para quem o tema “valores” é um dos mais significativos da atualidade:

“Alguns filósofos, notadamente os que se localizam no terreno da Axiologia, avocam a si a análise dos valores, sendo o estatuto ontológico destes considerado o primeiro e o mais importante dos problemas. Que são valores? Seriam entidades exteriores à nossa consciência ou teriam sido gerados por nós mesmos? A verdade é que os valores não se rendem facilmente ao escrutínio dos filósofos; [...]. Contudo, ao menos num momento, a interpretação filosófica encontra-se de acordo com a de psicólogos: os valores pressupõem uma orientação preferencial, afetivamente positiva em relação a um conjunto de objetos, pessoas, situações, condutas e estados finais. Valores são o Belo, a Verdade, o Bem, a Virtude e a Justiça. Não os seus opostos (KRÜGER, 1986, p. 38). [...]

[...] São os valores que nos orientam e fornecem parâmetros para o julgamento, avaliação e adoção de condutas, doutrinas, crenças, ideologias e culturas. Esta é a razão pela qual o tema dos valores desfruta de uma particular atenção junto aos psicólogos. Uma das alternativas psicológicas disponíveis para o entendimento dos valores é a que se alicerça no Cognitivismo. Sob esse prisma, os valores são dotados de uma estrutura atitudinal, mas com a característica, que já assinalamos, de não se aplicarem a objetos particularizados. A rigor, sob esse ângulo de apreciação, as atitudes denotam valores, pois, manifestando-se em relação a objetos mais claramente delineados, extraídos (ao menos logicamente) do campo de aplicação do valor correspondente, ensejam ilações quanto àqueles. Convém ilustrar: a reprovação ou condenação da má qualidade do ensino oferecido a pessoas de poder aquisitivo mais limitado, eventualmente manifestada por alguém, permite a conclusão de que, provavelmente, nessa pessoa deve haver uma inclinação favorável à justiça social ou, o que talvez seja mais pertinente afirmar, à crença na igualdade de oportunidades a todos. A atitude, como se está a perceber, é congruente com o valor. Quer dizer, neste caso tem-se acesso à atitude, mas, a partir dela, pode-se chegar, pela inferência, ao valor (KRÜGER, 1986, p. 39).

Citando Rokeach, Krüger mostra que o teórico define valor de outro modo:

[...] interpreta-os como crenças duradouras a respeito de condutas e estados finais da existência classificados como desejáveis (KRÜGER, 1986, p. 39).

Krüger complementa:

Em seus estudos, Rokeach (1981, cap. 7) preservou a diferença entre valores instrumentais (que se referem a formas de ação admitidas como desejáveis) e valores terminais, concernentes a estados futuros imaginados como preferíveis a utros. Um mundo de paz, por exemplo (KRÜGER, 1986, p. 40; grifos do autor).”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

87

Finalmente, Silva (2008) tratando de valores e necessidades, mostra que

muitos pesquisadores os tratam como sinônimos: Maslow (1959), Murray (1938),

White (1951), French e Kahn (1962), todos citados por Rokeach (1973, p. 19).

Entretanto, Rokeach (1973, p.20) os diferencia com o exemplo de um rato: ele

tem necessidades, porém não se pode afirmar ter valores. Para ele, valores são

representações e transformações cognitivas das necessidades e o homem é o único

capaz de fazer tal representação e transformação.

Embora tenha início no século XX (Thomas; Znaniecki, 1918), o tema dos

valores humanos em Psicologia Social vem se constituindo objeto de pesquisa

científica de modo mais concreto nos últimos 30 anos. Segundo Gouveia (2001, p.

133-134), a publicação do livro The nature of human values, de Milton Rokeach,

em 1973, assentou quatro grandes realizações:

“(1) propôs uma abordagem que reuniu aspirações de diversas áreas, como a Antropologia, a Filosofia, a Sociologia e, por suposto, a Psicologia; (2) diferenciou os valores de outros construtos com os quais costumavam ser relacionados, como as atitudes, os interesses e os traços de personalidade; (3) apresentou um instrumento que, pela primeira vez, tratava de medir os valores como um construto legítimo e específico; e (4) demonstrou sua centralidade no sistema cognitivo das pessoas, reunindo dados sobre seus antecedentes e conseqüentes.”

Ainda seguindo o raciocínio de Silva (2008), observa-se que Rokeach

(1973) formulou sua definição baseado em cinco suposições:

“a) o número total de valores que uma pessoa possui é relativamente pequeno; b) todos os seres humanos possuem os mesmos valores em diferente graduação; c) os valores são organizados em sistemas de valores; d) os antecedentes dos valores humanos podem ser rastreados através da cultura, sociedade e suas instituições e personalidade; e) as conseqüências dos valores humanos se manifestarão em, virtualmente, todo fenômeno que os cientistas sociais possam considerar digno de investigação e compreensão.”

Para ele, segundo Silva (2008), essas suposições representam razões para

sustentar que o conceito de valor, mais que qualquer outro, possa ocupar uma

posição central para todo o campo das ciências sociais – sociologia, antropologia,

psicologia, psiquiatria, ciências políticas, educação, economia, e história. Sua

definição de valor, então, é:

“um valor é uma crença persistente em um modo de conduta específica ou um ‘estado final’ (ou meta final) de existência, sendo estes, pessoalmente ou

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

88

socialmente, preferíveis a outros modos opostos (ou inversos) de conduta ou estado final de existência. Um sistema de valores é uma organização de crenças persistente (ou resistente) que diz respeito a modos preferíveis de conduta ou estados finais de existência através de um ‘continuum’ de considerável importância” (ROKEACH, 1973, p. 5).

Rokeach (1973) detalha cada parte da definição. Nas palavras de Silva

(2008, p.45-47, destaques nossos):

“a) O valor é persistente ou resistente: ele considera que se os valores fossem completamente estáveis e firmes, mudanças individuais e sociais seriam impossíveis. Por outro lado, se fossem instáveis, a continuidade da personalidade e da sociedade estaria em risco. Qualquer definição de valor, para ser frutífera, precisa levar em conta a característica de persistência (ou resistência) dos valores assim como a de possibilidade de mudança. Ele propõe que o motivo desse paradoxo está relacionado a aprender-se valores separadamente. Apresenta uma analogia, dizendo que pensa-se, fala-se e tenta-se ensinar aos outros os valores pessoais, como se fossem absolutos, relacionados a algum momento específico pelo qual vive-se, esquecendo-se dos outros. Porém, para compreender-se o comportamento de uma pessoa em uma determinada situação é preciso considerar que há um conjunto de valores ativos e concorrentes no direcionamento deste;

b) O valor é uma crença: ele considera que existam três tipos de crenças:

- crenças descritivas ou existenciais que podem ser falsas ou verdadeiras;

- crenças avaliativas: cujo objeto da crença é julgado como bom ou mau;

- crenças prescritivas ou proscritivas: que dão significado ou o objetivo final das ações e as julga como desejáveis ou indesejáveis.

Um valor é uma crença do terceiro tipo (prescritiva ou proscritiva). Assim com as crenças, para Rokeach, valores têm componentes cognitivos, afetivos e comportamentais e explica:

a) um valor é uma cognição sobre o que é desejável;

b) um valor é afetivo, visto que é possível sentir uma emoção sobre ele, ser afetivamente a favor ou contra ele, aprovar quem apresente exemplos positivos ou desaprovar aqueles que demonstram exemplos negativos;

c) um valor tem um componente comportamental por ser uma variável interveniente que conduz a ação quando ativado.

c) o valor refere-se a um modo de conduta ou ‘meta final de existência: Rokeach explica que na definição, ao considerar que valores dizem respeito a modos de conduta ou estados finais de existência, ele refere-se a dois tipos de valores: instrumentais e terminais. Ou seja, para ele, há uma distinção entre valores-instrumentais (de mediação) e valores-finais (relativos a objetivos ou metas

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

89

existenciais finais). Ele cita vários autores que observaram essa diferenciação e comenta sobre alguns que concentraram sua pesquisa exclusivamente e um desses dois tipos. Entre os mais conhecidos, Rokeach considera que Kohlberg e Piaget se focaram mais naqueles valores relacionados ao modo de vida; enquanto Allport, Vernon e Lindzey, e Maslow focaram-se mais sobre os valores terminais, representantes de metas ou objetivos finais na vida.

Ele considera essa distinção muito importante, não podendo ignorá-la. Razões: o número total de valores terminais não é necessariamente o mesmo que o total de valores instrumentais, além disso, existe uma relação funcional entre eles que não pode ser ignorada.

Ele sugere que, entre várias classificações possíveis, uma precisa ser especialmente mencionada, a de que: valores terminais podem ser autocentrados ou sociocentrados, com foco intrapessoal ou interpessoal. Por exemplo: metas finais de salvação ou paz de espírito são intrapessoais enquanto paz mundial e fraternidade são interpessoais.

Outra distinção ocorre entre os valores instrumentais. Geralmente, eles variam em um eixo entre valores morais e valores de competência. O conceito de valor moral é muito próximo do conceito geral de valor, mas difere deste, pois eles se referem principalmente aos tipos de comportamentos e não necessariamente dizem respeito a estados finais ou metas finais da existência. Por outro lado, valores morais referem-se somente a alguns tipos de valores instrumentais, ou seja, àqueles que têm foco interpessoal, os quais quando violados, provocam pontadas na consciência ou sentimentos de culpa por ter feito ‘a coisa errada’. Outros valores instrumentais são chamados de competência ou valores de auto-realização, têm um foco mais pessoal que interpessoal e não parecem dizer respeito especificamente a moralidade. Sua violação (ou transgressão) conduz a sentimentos de vergonha sobre sua inadequação pessoal mais que a sentimentos de culpa ou estar fazendo ‘a coisa errada’. Assim, agir honesta e responsavelmente conduz a pessoa a sentir que está agindo moralmente, enquanto agir lógica, inteligente e criativamente a faz sentir que está sendo competente. Uma pessoa pode sentir conflitos entre dois valores morais (ex.: agir honestamente ou com amor), entre dois valores de competência (como criativo e logicamente), ou entre um valor moral e um de competência (como: agir polidamente e oferecer suas críticas intelectuais);

d) o valor é uma preferência assim como uma noção do que é preferível: esse tópico fala da importante diferença entre a concepção do que seja desejável e meramente desejado. Ele ressalta a dificuldade de acordo em torno do que seja desejável;

e) o valor é uma noção de alguma coisa que é pessoal e socialmente preferível. Rokeach comenta que uma das mais interessantes propriedades dos valores é que parecem poder ser empregados com extraordinária versatilidade no dia-a-dia das pessoas. Ao mesmo tempo em que, de fato, sabe-se muito pouco sobre as condições que permitem que os valores sejam aplicados tão diversamente.

Explicando sobre a criação dos sistemas de valores, ele propõe que após um valor ser aprendido ele se integra em um sistema de valores no qual cada valor é ordenado por prioridade com relação a outros valores. Dessa forma, com essa concepção de valores relativizada é possível definir mudança como uma

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

90

reordenação de prioridades e, ao mesmo tempo, observar que o sistema completo de valores como relativamente estável todo o tempo. É um sistema estável o suficiente para refletir persistência e continuidade de uma única personalidade socializada com um padrão dado pela cultura e a sociedade, e ainda instável o suficiente para permitir rearranjos de prioridade de valores como resultado de mudanças na cultura, na sociedade e pela experiência pessoal.

Variações nas experiências pessoais, sociais e culturais podem não somente gerar diferenças individuais nos sistemas de valores, mas também diferenças na sua estabilidade. Ambos os tipos de diferenças individuais podem razoavelmente serem esperados como um resultado de diferenças em cada variável como desenvolvimento intelectual, grau de internalização de valores culturais e institucionais, identificação com papéis de gênero (feminino/masculino), identificação política e educação religiosa.”

Silva acompanha a discussão de Rokeach acerca do número de valores

instrumentais e terminais (estes em uma dúzia, apenas); da relação entre estes dois

tipos de valores (sistemas separados, porém interconectados); da função de guias

cotidianos dos valores e de planos de decisão e resolução de conflitos do sistema

de valores. Concorda com ele quanto à forte correlação entre valores e motivação,

pois os valores devem dar expressão às necessidades básicas humanas. Assim,

conclui mostrando as funções dos valores, atribuídas por Rokeach (1973):

“a) motivacional;

b) de adaptação (ou ajustamento);

c) autodefesa (ou defesa do ego);

d) de conhecimento ou auto-atualização, pois muitas pessoas buscam sentido, ou a necessidade de compreender a vida, a tendência para através de uma melhor organização de sua percepção e crença prover clareza e consistência” (SILVA, 2008, p.50).

Silva indica que Rokeach diferencia o modo como define valores do modo

utilizado por Maslow, afirmando que este utiliza o conceito de valor mais ou

menos como um sinônimo de necessidade, sem distinção ente valores

instrumentais e terminais, relacionando valores muito mais a estados finais do que

a formas de comportamento. Apesar disso, Rokeach enfatiza a possibilidade de

uso da classificação entre valores básicos e elevados.

Apesar da pequena quantidade de valores de cada pessoa, suas combinações

são enormes, havendo por isso grandes variações de sistemas de valores.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

91

Considere-se, por exemplo, fatores como cultura, sociedade, instituições,

personalidades.

Porém, acredita Silva (2008), a influência cultural pode ser forte o suficiente

para modelar os sistemas de valores de quem vive sob a mesma cultura. Ela

recorre ao próprio Rokeach para quem as semelhanças poderiam advir ainda de

similaridades de sexo, idade, classe social, raça, identificação política. Uma

mesma sociedade e época tenderia a proporcionar experiências afins e

necessidades semelhantes, reduzindo as diferenças.

Nesse sentido, o conceito de campo ambiental e de sujeito ecológico, de

Isabel Carvalho (2002), mostra-se novamente útil, podendo auxiliar a identificar a

semelhança entre os valores de nossos sujeitos.

Vários pesquisadores seguiram Rokeach (BRAITHWAITE; LAW, 1985;

FEATHER, 1984; SCHWARTZ; BILSKY, 1987). Contudo, as críticas

(GOUVEIA, 1998; MOLPECERES, 1994; TAMAYO, 1997) à estrutura de sua

pesquisa levaram à formulação de outros modelos teóricos (GOUVEIA, 1998),

dentre os quais se destaca o modelo de Shalom H. Schwartz e seus colaboradores

(SCHWARTZ; BILSKY, 1987, 1990; TAMAYO; SCHWARTZ, 1993; GRAD,

ROS, ÁLVARO; TORREGROSA, 1993). (In: SILVA, 2008)

O modelo teórico de Schwartz é uma extensão do modelo proposto por

Rokeach, porém, buscando corrigir falhas encontradas em sua perspectiva

experimental. Uma das correções é a ênfase que passa a ser dada na base

motivacional para explicação da estrutura dos valores. Outra, bastante relevante, é

a sugestão da universalidade da estrutura e do conteúdo dos tipos motivacionais

de valores. Para os psicólogos sociais este modelo tem se mostrado parcimonioso,

e consistente, inclusive quanto à sua validade transcultural (SCHWARTZ;

SAGIV, 1995). Análises intraculturais são também favoráveis, como se constatou

no Brasil (TAMAYO, 1994; TAMAYO; SCHWARTZ, 1993) e em outros países

de padrão cultural próximo, como Espanha (ROS; GRAD, 1991; VERA;

MARTÍNEZ, 1994), México (BILSKY; PETERS, 1999) e Portugal (MENEZES;

CAMPOS, 1997) (GOUVEIA et al., 2001).

Os experimentos da Psicologia Social tornaram mais compreensíveis a

natureza e a estrutura dos valores, de modo que passaremos a explorar estes

aspectos a seguir.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

92

4.3. Definindo valores: tipos e estrutura

De acordo com Mondin (2005, p. 27; 29), valor é “a dignidade de uma

coisa” e esta dignidade provoca a estima, nos leva à valorização. (...) Assim como

o verdadeiro nasce da relação do ser com o conhecimento, o belo de sua relação

com a admiração, assim o valor nasce de sua relação com a estima”, e desta sua

natureza relacional depreendem-se duas dimensões: a subjetiva e a objetiva. O

valor é objetivo na medida em que “está radicado no ser, é um dos seus aspectos

fundamentais.” Mas, para entender a natureza do valor é preciso também

considerar sua dimensão subjetiva, ou seja, a estima, o respeito por parte do ser

humano. Nas palavras de Mondin (2005, p. 30):

“Como não brota a beleza sem a admiração, nem a bondade sem a vontade, assim também, não floresce a dignidade de um ser ou de um ente sem a estima. De fato, o valor emerge no momento em que surge um sujeito, o homem, que realiza um ato positivo de valorização, de estima, e que, assim, reconhece a dignidade de uma coisa, de uma pessoa ou de uma ação (...).”

Para o filósofo citado, os valores podem ser classificados em três grupos:

econômicos (relativos à preservação da vida, saúde, prazer do corpo), culturais

(que contribuem para o cultivo mental), espirituais (que auxiliam o

aperfeiçoamento do espírito). A referência para proceder a esta divisão é a idéia

de projeto, projeto de ser humano, projeto de humanidade, que cada pessoa tenha.

Isto porque os valores não são vividos por uma natureza humana abstrata, mas por

pessoas concretas, históricas. Assim, cada pessoa, para a “realização do próprio

projeto de humanidade, pode estar mais interessada em alguns valores

(econômicos, culturais, espirituais) que em outros” (MONDIN, 2005, p.36).

Entretanto, o autor ressalta que a utilização desta idéia não faz desaparecer a

distinção entre valores absolutos (que merecem respeito e têm dignidade em si

mesmos) e valores instrumentais (cuja dignidade e mérito de estima dependem da

ajuda que conferem à realização dos valores absolutos).

Mondin afirma reconhecer a escala de valores proposta por Scheler, cuja

divisão permite distinguir os vários graus dos valores (hedonistas, vitais,

espirituais e religiosos). Porém, aponta sua inadequação funcional para determinar

as grandes áreas axiológicas, propondo, então, uma classificação empírica, que

pretende sistematizar tudo que possua uma dimensão axiológica. Tais grupos de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

93

valores são: ônticos, pessoais, sociais, econômicos, culturais, somáticos, noéticos,

estéticos, morais, religiosos. Em sua tipologia, cada grupo tem um valor principal,

ao redor do qual são dispostos vários outros. Por exemplo, no grupo dos valores

morais, teríamos como valor primário a bondade, e ao redor dela estariam

dispostos numerosos outros, como prudência, justiça, coerência, generosidade,

perdão, amor, entre muitos outros.

Entrando na perspectiva da Psicologia Social, para Rokeach (1973), há uma

relação direta entre valores e necessidades. Assim, os valores básicos seriam

categorias de orientação desejáveis, baseadas nas necessidades humanas e nas

pré-condições para satisfazê-las. A adoção destas categorias de orientação, ou

valores, pode variar em sua magnitude e nos elementos que as constituem.

A idéia de categoria de orientação pressupõe o entendimento de valor como

algo distinto de crença ou atitude. Existem inúmeras definições para a atitude, mas

a maioria considera ser ela composta de:

“a) um componente cognitivo (a convicção ou pensamentos da pessoa quanto a objeto social);

b) um componente afetivo (ou os sentimentos que se tem com relação à alguém ou algum objeto social);

c) o componente comportamental (ou a predisposição para a ação que se tem quanto ao mesmo objeto social) (WEITEN, 2002, p. 483; HUFFMAN et al., 2003, p. 616)” (SILVA, 2008, p.39).

Silva (2008) lembra que, para Rokeach (1973), uma das funções

psicológicas das atitudes é a expressão de valores. Rokeach (1973, p. 18)

diferencia valor de atitude da seguinte forma:

“a) considerando que a atitude se refere a uma organização de várias crenças sobre um objeto ou situação específica; enquanto, um valor se refere a uma única crença de um tipo muito específico;

b) um valor transcende objetos e situações, enquanto uma atitude é focada sobre um objeto ou situação;

c) uma terceira diferença ainda pode ser observada: um valor é um padrão mas uma atitude não é padronizada. Avaliações favoráveis ou desfavoráveis de numerosas atitudes diante de objetos e situações podem se basear em um número relativamente pequeno de valores que servem como padrão (ou princípios norteadores);

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

94

d) uma pessoa tem tantos valores quanto ela possa ter aprendido, crenças concernentes a modos de conduta desejáveis e estados finais de existência, e tantas atitudes quanto tenha direta ou indiretamente experimentado com objetos e situações específicas. Por isso se estima que as pessoas tenham uma dúzia de valores, enquanto o número de atitudes pode girar em torno de milhares;

e) valores ocupam uma posição mais central que as atitudes na constituição da personalidade e sistema cognitivo de uma pessoa, e eles são por isso determinantes das atitudes assim como do comportamento;

f) valor é um conceito mais dinâmico que atitude, tendo uma conexão mais direta com motivação” (ROKEACH, 1973 citado por SILVA, 2008).

Trata-se de conceber os valores como construtos latentes, tais como a

inteligência e os traços de personalidade, fazendo-se perceber no comportamento

cotidiano das pessoas. Portanto, são ferramentas que capacitam as pessoas a

viverem em sociedade. Esta definição vem ao encontro das proposições de Puig

quanto à natureza da consciência moral.

O fato de ser desejável significa serem eles corretos ou justificáveis do

ponto de vista moral ou racional, podendo se referir tanto a um desejo pessoal

como a uma orientação socialmente desejável. As pré-condições de satisfação das

necessidades guiam o comportamento no sentido de evitar a predominância de

interesses estritamente pessoais em questões que possam ameaçar a harmonia

social.

Entretanto, pontua Gouveia (2003, p.433, destaque nosso), o

“fato dos valores serem representações das necessidades não significa que estes são construtos isomorfos (Kluckhohn, 1951). Embora o número de valores seja limitado, devido à natureza claramente social e cultural que têm, eles superam o número de necessidades. Os valores são uma conseqüência mais do processo de socialização do que um resultado estrito das condições de escassez vividas pelo homem (Inglehart, 1990). Isso significa que as pessoas não dão importância apenas ao que não têm, mas também ao que é reconhecido como sendo importante para suas vidas e o que elas desejam ou receiam perder. (...) [Sendo] construtos latentes, os valores podem ser operacionalizados por diferentes itens, e isso pode levar a construir um banco de itens facilmente adaptável para um contexto cultural ou interesse específico de pesquisa.”

A questão do reconhecimento enquanto critério para definição de um valor

aproxima, neste aspecto, a abordagem psicológica social da abordagem filosófica

de Mondin, para quem a essência dos valores é a dignidade reconhecida de algo.

Todavia, reconhecer a dignidade, isto é, que algo seja merecedor de

respeito, é uma abordagem mais genérica, que leva a classificar inúmeras coisas

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

95

como valor, sejam elas traços, atitudes, crenças, entre outros itens. Reconhecer

uma necessidade é algo um pouco distinto, porque prioriza as categorias de

orientação a partir de fatores de influência inevitável na existência humana.

Tratar valor como categoria de orientação desejável, baseada nas

necessidades humanas e nas pré-condições para satisfazê-las implica explicitar de

que tipo de necessidades se está falando. Gouveia (2001), em seu experimento,

lança mão da Teoria das Necessidades de Maslow, no que se refere à sua lista de

necessidades humanas, que incluem, nesta ordem, necessidades fisiológicas, de

segurança, de amor, de pertença, cognitivas, estéticas, de estima e de auto-

realização, bem como as pré-condições para satisfazê-las27.

Na pesquisa de Gouveia, um conjunto de 24 valores básicos foi identificado

a partir destes critérios. Com isso não se pretende dizer que os valores humanos

sejam universais individualmente, mas que

“seriam universais as motivações que os sustentam. Estas dariam origem aos tipos de valores ou tipos motivacionais, os quais são tratados em termos do seu conteúdo e da sua relação dinâmica de compatibilidade e conflito entre si” (GOUVEIA, 2001, p.135).

Identificar os valores básicos tem sido um esforço de pesquisa de diversos

pesquisadores e filósofos. Por isso, esta expressão, valores básicos, tem sido

usada para descrever diferentes atributos dos valores: grau de generalização

(valores culturais, valores universais), número de valores que são adotados pelos

indivíduos, ênfase em processos básicos que representam (necessidades, motivos)

ou existência de alguma ordem dimensional (tipos de valores, valores de primeira

ou segunda ordem).

Gouveia (2001) investigou a existência e natureza de valores básicos da

humanidade, classificando-os tipologicamente conforme sua correspondência a

27 “Maslow vê o ser humano como eternamente insatisfeito e possuidor de uma série de necessidades, que se relacionam entre si por uma escala hierárquica na qual uma necessidade deve estar razoavelmente satisfeita, antes que outra se manifeste como prioritária. Nesta hierarquia, o indivíduo procura satisfazer suas necessidades fisiológicas, fundamentais à existência, e necessidades de segurança, antes de procurar satisfazer as necessidades sociais, as necessidades de estima e auto-realização. O conceito de auto-atualização tem relevante papel na teoria de Maslow que o definiu como o uso e a exploração plenos de talentos, capacidades, potencialidades etc (FADIMAN, 1979). Para Maslow, auto-atualizar significa fazer de cada escolha uma opção pelo crescimento, escolha esta que depende de o indivíduo estar sintonizado com sua própria natureza íntima, responsabilizando-se por seus atos, independentemente da opinião dos outros.” (ALVES, BIANCA. http://www.existencialismo.org.br/jornalexistencial/biancamotivacao.htm, 28/03/08).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

96

necessidades fundamentais ou condições para satisfazê-las. Para isso, considerou

(e criticou) pesquisas e tipologias propostas anteriormente por Braithwaite, Law

(1985); Braithwaite, Scott (1991); Chinese Culture Connection (1987); Coelho

Júnior (2001); Inglehart (1990); Kraska, Wilmoth (1991); Lapin (1997); Lee

(1991); Levy (1990); Parra (1983); Reeve, Sickenius (1994); Rokeach (1973);

Schwartz (1992); Schwartz, Bilsky (1987); Walsh et al. (1996).28

A partir daqui, importa esclarecer que trabalhamos com a perspectiva de

Gouveia, que nos pareceu mais adequada às necessidades desta pesquisa.

Listamos a seguir os valores básicos, encontrados por Gouveia (2001),

apresentados na respectiva categoria de necessidade ou de pré-condição.

• Necessidades Fisiológicas (água, sol, alimento, oxigênio, sexo, moradia)

a) Sobrevivência. O valor sobrevivência representa as necessidades mais

básicas, como comer e beber. A privação dessas necessidades por um longo

período de tempo é fatal. Evidentemente funciona ao modo de princípio-guia na

28 Braithwaite, V. A., & Law, H. G. (1985). Structure of human values: testing the adequacy of the Rokeach Value Survey. Journal of Personality and Social Psychology, 49, 250-263. Braithwaite, V. A., & Scott, W. A. (1991). Values. In J. P. Robinson, P. R. Shaver & L. S. Wrightsman (Orgs.), Measures of personality and social psychological attitudes (pp. 661-753). Nova York: Academic Press. Chinese Culture Connection, T. (1987). Chinese values and the search for culture-free dimensions of culture. Journal of Cross-Cultural Psychology, 18, 143-164. Coelho Júnior, L. L. (2001). Uso potencial de drogas em estudantes do ensino médio: sua correlação com as prioridades axiológicas. Dissertação de Mestrado não-publicada. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa. Inglehart, R. (1990). Culture shift in advanced industrial society. Princeton, New Jersey: Princeton University Press. Kraska, M. F., & Wilmoth, J. N. (1991). LISREL model of three latent variables from 19 meaning of work items for vocational students. Educational and Psychological Measurement, 51, 767-774. Lapin, N. I. (1997). Modernization of Russians’ basic values. Sociological Research, 36, 6-35. Lee, K. C. (1991). The problem of appropriateness of the Rokeach Value Surveys in Korea. International Journal of Psychology, 26, 299-310. Levy, S. (1990). Values and deeds. Applied Psychology: An International Review, 39, 379-400. Parra, F. (1983). Elementos para una teoría formal del sistema social: uma orientación crítica. Madri: Editorial de la Universidad Complutense. Reeve, J., & Sickenius, B. (1994). Development and validation of a brief measure of the three psychological needs underlying intrinsic motivation: Rokeach, M. (1973). The nature of human values. Nova York: Free Press. Schwartz, S. H. (1992). Universals in the content and structure of values: theoretical advances and empirical tests in 20 countries. In M. Zanna (Org.), Advances in experimental social psychology (Vol. 25, pp. 1-65). Nova York: Academic Press. Schwartz, S. H., & Bilsky, W. (1987). Toward a universal psychological structure of human values. Journal of Personality and Social Psychology, 53, 550-562. Walsh, B. D., Vacha-Haase, T., Kapes, J. T., Dresden, J. H., Thomson, W. A., & Ochoa-Shargey, B. (1996). The values scale: differences across grade levels for ethnic minority students. Educational and Psychological Measurement, 56, 263-275.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

97

vida daquelas pessoas socializadas em um contexto de escassez, mas também na

daquelas que atualmente vivem sem os recursos econômicos básicos.

b) Sexual. Este valor representa a necessidade fisiológica de sexo,

comumente encontrado enquanto padrão de orientação para jovens ou pessoas que

foram/são privadas deste estímulo.

c) Prazer. Corresponde à necessidade orgânica de satisfação, em sentido

amplo. Apesar de relacionado com o valor anterior, difere deste porque a fonte da

satisfação é inespecífica.

d) Estimulação. Representa a necessidade fisiológica de movimento,

variedade e novidade de estímulos. Enfatiza o estar ocupado e em atividade

permanentemente, e descreve alguém que é impulsivo.

e) Emoção. Representa a necessidade fisiológica de excitação e busca de

experiências arriscadas. Difere do valor anterior devido à ênfase dada ao risco,

que necessita estar sempre presente. As pessoas que adotam este valor são menos

conformadas às regras sociais. Este é considerado como parte do valor

estimulação ou estimulação social.

• Necessidade de Segurança (estar livre do medo e das ameaças, de não

depender de ninguém, de autonomia, de não estar abandonado, de proteção, de

confidencialidade, de intimidade, de viver num ambiente equilibrado)

a) Estabilidade Pessoal. A necessidade de segurança é parcialmente

representada por este valor. Enfatiza uma vida planejada e organizada. As pessoas

que assumem esta orientação tentam garantir sua própria existência.

Provavelmente configure o tipo motivacional de segurança, e pode ser relacionado

com itens específicos, tais como ter um trabalho estável e segurança econômica.

b) Saúde. Este também representa a necessidade de segurança. A pessoa

que adota este valor lida com um drama pessoal originado na incerteza implícita

na doença. Assim, o indivíduo se orienta a manter um estado ótimo de saúde,

evitando coisas que possam ameaçar sua vida. Também inclui a busca genérica

por bem-estar.

c) Religiosidade. Este valor também representa a necessidade de segurança.

Independe de qualquer preceito religioso. É reconhecida a existência de uma

entidade superior, através da qual se pode lograr a certeza e a harmonia social

requeridas para uma vida pacífica.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

98

d) Apoio Social. Este valor representa a necessidade de segurança. Expressa

a segurança no sentido de não se sentir sozinho no mundo e receber ajuda quando

a necessite. Recebe diferentes rótulos: amigos próximos que me ajudem,

solidariedade com os demais e contato social.

e) Ordem Social. Este valor completa a lista daqueles que representam a

necessidade de segurança. Implica uma escolha de alguém orientado a padrões

sociais que assegurem uma vida diária tranqüila, um ambiente estável. A exemplo,

os seguintes itens podem representá-lo: ordem nacional, proteção da propriedade

pública e segurança nacional.

• Necessidade de amor e pertença (afiliação, afeto, companheirismo,

relações interpessoais, conforto, comunicação, dar e receber amor).

a) Afetividade. Este valor e o seguinte representam a necessidade de amor e

afiliação. As relações próximas e familiares são enfatizadas, assim como a partilha

de cuidados, afetos e pesares. Relaciona-se com a vida social. Geralmente é

representado por itens como amizade verdadeira, amigo próximo, íntimo, ou

satisfazer relações interpessoais.

b) Convivência. Enquanto o valor anterior descreve uma relação direta

pessoa-pessoa, com ênfase na intimidade, este é centrado na dimensão pessoa-

grupo e tem um sentido de socialização (por exemplo, pertencer a grupos sociais,

conviver com os vizinhos).

c) Êxito. Este valor e os dois seguintes representam a necessidade de

estima. O êxito enfatiza ser eficiente e alcançar metas. As pessoas que adotam este

valor têm uma idéia clara de sucesso e tendem a se orientar nessa direção.

Em nossa sociedade, a tendência no enfoque da vivência dos dois valores

seguintes é de uma perspectiva patológica, embora existam exceções, claro.

d) Prestígio. Enfatiza a importância do contexto social. Não é uma questão

de ser aceito pelos demais, mas de ter uma imagem pública. Os indivíduos que

assumem este valor reconhecem a importância dos demais, desde que isso resulte

em seu próprio benefício. O fator posição social tem um conteúdo similar a este

valor, mas considera um aspecto de autoridade que define o valor poder.

e) Poder. Este valor é menos social do que o anteriormente tratado. As

pessoas que lhe atribuem importância podem não ter a noção de um poder

socialmente constituído. É provavelmente o valor menos socialmente desejado

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

99

entre aquelas pessoas com uma orientação social horizontal (por exemplo,

estudantes universitários).

• Necessidade de auto-realização (auto-expressão, utilidade, criatividade,

produção, diversão e ócio)

Maturidade. A necessidade de auto-realização é representada por este valor.

Enfatiza o sentido de auto-satisfação de uma pessoa que se considera útil como

um ser humano. Os indivíduos que priorizam este valor tendem a apresentar uma

orientação social que transcende pessoas ou grupos específicos. Apesar de certos

elementos como auto-respeito e sabedoria serem incluídos em seu conteúdo, a

idéia central é de crescimento pessoal, sendo expresso no fator auto-realização.

• Necessidades cognitivas (saber, inteligência, estudo, compreensão,

estimulação, valia pessoal)

Conhecimento. As necessidades cognitivas são representadas por tal valor,

de caráter extra-social. As pessoas orientadas por este valor buscam atualização

constante e saber mais sobre temas pouco compreensíveis. Esta definição

corresponde a diferentes descrições (por exemplo, imaginativo, criativo,

intelectual, curioso, instruído, estudioso, conhecedor, informado).

• Necessidades de estética (realização de possibilidades, autonomia

pessoal, ordem, beleza, intimidade, verdade, objetivos espirituais)

Beleza. Representa as necessidades de estética. Evidencia uma orientação

global, sem uma definição precisa de quem se beneficia com o quê; não significa

apreciação de objeto ou pessoa específica, mas a beleza como um critério

transcendental. Este valor tem sido relacionado com a natureza e os espaços

físicos específicos. Inclui a idéia geral de estética.

Os valores básicos citados29 foram classificados a partir da seleção de

necessidades fundamentais. Entretanto, temos ainda os valores relativos às pré-

condições (numeradas a seguir) para satisfazer necessidades:

1- Pré-condição: liberdade

29 Relembrando: Beleza, conhecimento, maturidade, poder, prestígio, êxito, convivência, afetividade, ordem social, apoio social, religiosidade, saúde, estabilidade pessoal, emoção, estimulação, prazer, sexo, sobrevivência.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

100

a) Autodireção. Este e o valor seguinte representam a pré-condição de

liberdade para satisfazer as necessidades. Adotar este valor implica em um

reconhecimento de auto-suficiência. Alguns valores são encontrados na literatura

com uma etiqueta similar, tais como liberdade, autodeterminação, autonomia e

independência.

b) Privacidade. Um espaço privado é necessário no sentido de diferenciar

os diversos aspectos da vida pessoal. Aqueles que adotam este valor não rejeitam

ou subestimam os demais; apenas reconhecem os benefícios de ter seu próprio

espaço íntimo.

2- Pré-condição: justiça

Justiça Social. Este valor representa a pré-condição de justiça ou igualdade

para satisfazer as necessidades. As pessoas que dão importância a este valor

pensam nos outros enquanto membros a mais da espécie humana. Cada um tem os

mesmos direitos e deveres que capacitam uma vida social com dignidade. Em

geral é mencionado com esta denominação ou como igualdade.

3- Pré-condição: honestidade

a) Honestidade. Representa a pré-condição de honestidade e

responsabilidade para satisfazer as necessidades. Enfatiza um compromisso em

relação aos demais, permitindo manter um ambiente apropriado para as relações

interpessoais. As relações em si são consideradas metas.

4- Pré-condição: disciplina

a) Tradição. Este valor e o próximo representam a pré-condição de

disciplina no grupo ou na sociedade como um todo para satisfazer as

necessidades. Sugere respeito aos padrões morais seculares e contribui para

aumentar a harmonia social. Os indivíduos sentem necessidade de respeitar

símbolos e padrões culturais.

b) Obediência. Este valor evidencia a importância de cumprir os deveres e

as obrigações diárias, além de respeitar aos pais e aos mais velhos. É uma questão

de conduta individual; os membros da sociedade assumem um papel e se

conformam à hierarquia social

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

101

c) tradicionalmente imposta. Tal valor é típico de pessoas mais velhas ou

que receberam uma educação tradicional.

Para melhor visualização do leitor, elaboramos um quadro-resumo com os

valores básicos descritos.

Quadro 2 - Relação entre valores, necessidades e condições para realização das

necessidades

Condições Necessidades Valores

Fisiológicas Sobrevivência Sexo Prazer Estimulação Emoção

Segurança Estabilidade Saúde Religiosidade Apoio social Ordem social

(segurança)

Afeto ou

pertença

Afetividade Convivência Êxito Prestígio Poder

Cognitivas Conhecimento

Estéticas Beleza

(natureza e

espaços

específicos)

Auto-

realização

Maturidade

Liberdade Privacidade Autodireção

Justiça Justiça social

Honestidade Honestidade

Disciplina Tradição Obediência

Fonte: autora

Os valores básicos expressam um propósito em si mesmos, configurando

categorias-guia que transcendem situações específicas, mas assumidos em

magnitudes distintas já que emergem associados às experiências de socialização e

dependem do contexto sociocultural de cada pessoa.

Os 24 valores descritos por Gouveia formam um sistema baseado em três

critérios de orientação, cada qual subdividido em duas funções psicossociais:

1- pessoal: a) experimentação e b) realização;

2- central: a) existência e b) suprapessoal;

3- social: a) interacional e b) normativa.

Estes três critérios são apresentados ao modo de solução para um longo

embate analítico entre posições dicotômicas indivíduo x coletividade. A partir daí

Gouveia cria um modelo segundo o qual haveria um grupo compatível de valores

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

102

tanto com aqueles classificados como pessoais quanto com os sociais, daí a

denominação valores centrais. Aproximam-se dos chamados valores mistos, do

modelo de Schwartz, porém diferindo destes por não indicarem oposição.

Gouveia esclarece que no tocante às funções estabelecidas para cada critério

há dois tipos de relação social enfatizados, anteriormente classificados em outros

modelos com a nomenclatura liberdade x igualdade (ROKEACH, 1973) ou

também orientação vertical x horizontal (TRIANDIS, 1995)30. Assim, as funções

psicossociais de experimentação, suprapessoal e interacional representam a

dimensão horizontal, visto que primam pelo princípio de igualdade entre as

pessoas. Por outro lado, as funções de realização, existência e normativa

correspondem à dimensão vertical, indicando que as pessoas são diferentes em

suas capacidades e condições de vida. Em síntese, cada critério tem duas funções,

uma relacionada ao princípio da igualdade e outra ao princípio da diferença, como

visualizado a seguir no quadro que criamos:

Quadro 3 – Modelo de Gouveia para organização do Sistema Básico de 24 Valores

Critério de orientação Função psicossocial Dimensão da

relação

Princípio

da

1- Pessoal 1a) Experimentação

2- Central 2b) Suprapessoal

3- Social 3a) Interacional

Horizontal

Igualdade

1- Pessoal 1b) Realização

2- Central 2a) Existência

3- Social 3b) Normativa

Vertical Diferença

Fonte: autora

O modelo proposto por ele diferencia-se do proposto por Triandis (1995)

por sua ênfase nos valores em lugar das atitudes e ao considerar inexistente a

oposição entre as orientações pessoal e social. Esta abordagem origina um

conjunto de valores que atende às aspirações pessoais sem comprometer a

estrutura social.

30 Triandis, H. C. (1995). Individualism and collectivism. Boulder, Colorado: Westview Press.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

103

Ao adotar princípios-guias (ou valores) em suas vidas, as pessoas seguem

um padrão típico que implica os critérios de orientação anteriormente

mencionados e descritivamente apresentados a seguir.

1- Valores Pessoais. As pessoas que assumem tais valores mantêm

habitualmente uma relação pessoal contratual, visando alcançar metas pessoais,

buscando garantir seus próprios benefícios ou condições em que estes possam ser

obtidos. Considerando suas funções psicossociais, podem ser divididos em:

a. Valores de Experimentação: descobrir e apreciar estímulos novos,

enfrentar situações arriscadas e buscar satisfação sexual são aspectos centrais

destes valores (emoção, estimulação, prazer e sexual); e

b. Valores de Realização: além da experimentação de estímulos novos, o ser

humano deseja também ser importante e poderoso, uma pessoa com identidade e

espaço físico próprios (autodireção, êxito, poder, prestígio e privacidade).

2- Valores Centrais. Figuram entre e são compatíveis com os valores

pessoais e sociais. Atendem a interesses individuais e coletivos. Tomando em

conta suas funções psicossociais, os valores centrais podem ser divididos em dois

grupos:

a) Valores de Existência: o marco central é garantir a própria existência

orgânica (estabilidade pessoal, saúde e sobrevivência). A ênfase recai sobre a

existência individual, não sobre a individualidade. De modo que os valores de

existência se compatibilizam com os pessoais e sociais. São importantes para

todas as pessoas, principalmente em contextos de escassez econômica; e

b) Valores Suprapessoais: as pessoas que vivem sob estes valores procuram

alcançar seus objetivos independentemente do grupo ou da condição social em

que estejam. São indivíduos maduros, com preocupações menos materiais, que

não se atêm a traços específicos para iniciar uma relação ou promover benefícios.

Tais valores (beleza, conhecimento, justiça social e maturidade) enfatizam a

importância de todas as pessoas, não exclusivamente daqueles indivíduos que

compõem o endogrupo. Com isso, são compatíveis com os valores pessoais e

sociais.

3- Valores Sociais. Assumir estes valores significa primar pela convivência.

O perfil de pessoa que adota os valores sociais é de indivíduos que gostam de ser

considerados, desejam ser aceitos e integrados no endogrupo ou pelo menos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

104

manter um nível essencial de harmonia entre os atores sociais em um contexto

específico. A partir de suas funções psicossociais, podem ser divididos em:

a) Valores Normativos: enfatizam a vida social, a estabilidade grupal e o

respeito por símbolos e padrões culturais duradouros. A ordem é valorizada acima

de qualquer coisa (obediência, ordem social, religiosidade e tradição); e

b) Valores Interacionais: estes focalizam o destino comum e o compromisso

com os demais. A pessoa entende serem os companheiros fundamentais para

assegurar sua própria felicidade. Sua especificidade repousa no interesse em ser

amado, ter uma amizade verdadeira e uma vida social ativa (afetividade, apoio

social, convivência e honestidade).

Esta teoria tem sido desenvolvida e testada nos últimos anos, por Gouveia e

colaboradores (2001; 2003), diferindo da teoria de Schwartz (1992) nos seguintes

aspectos: (1) apresenta uma visão benévola da natureza humana, desconsiderando

a idéia de valores negativos ou contra-valores; (2) considera uma teoria específica

sobre as necessidades humanas, qual seja a de Maslow, permitindo tanto derivar

um conjunto de valores potencialmente universais como incluir alguns valores

negligenciados na literatura, como sobrevivência; (3) evita incluir valores

irrelevantes, raramente considerados em análises posteriores, com isso

possibilitando maior parcimônia; e (4) não assume incompatibilidade entre os

valores sem referência a variáveis externas.

Apesar das diferenças os modelos de Gouveia e de Schwartz convergem

devido à natureza motivacional dos valores humanos.

No modelo de Schwartz (1992), com o qual Gouveia debate, existem dez

tipos motivacionais universais de valores: autodireção, estimulação, hedonismo,

realização, poder, benevolência, conformidade, tradição, segurança e

universalismo. Cada um destes dá origem a um grupo de valores, conforme

explicitado no quadro por nós elaborado e a seguir apresentado.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

105

Quadro 4 - Tipos motivacionais universais de valores, segundo Schwartz

Autodireção (AD) Independência no pensamento e na tomada de decisão, criação e

exploração (criatividade, independente, liberdade).

Estimulação (ES) Ter excitação, novidade e mudança na vida (ser atrevido, uma

vida excitante, uma vida variada).

Hedonismo (HE) Prazer ou gratificação sensual para a própria pessoa (desfrutar

da vida, prazer).

Realização (RE) Êxito pessoal como resultado da demonstração de competência

segundo as normas sociais (ambicioso, capaz, obter êxito).

Poder (PO) Posição e prestígio social, controle ou domínio sobre pessoas e

recursos (autoridade, poder social, riqueza).

Benevolência (BE) Preservar e reforçar o bem-estar das pessoas próximas com

quem se tem um contato pessoal freqüente e não casual

(ajudando, honesto, não rancoroso, ter sentido na vida).

Conformidade (CO) Limitar as ações, inclinações e impulsos que possam prejudicar

a outros e violar expectativas ou normas sociais (autodisciplina,

bons modos, obediência).

Tradição (TR) Respeitar, comprometer-se e aceitar os costumes e as idéias que

a cultura tradicional ou a religião impõem à pessoa (devoto,

honra aos pais e mais velhos, humilde, respeito pela tradição,

vida espiritual).

Segurança (SE) Conseguir segurança, harmonia e estabilidade na sociedade, nas

relações interpessoais e na própria pessoa (ordem social,

segurança familiar, segurança nacional).

Universalismo (UN) Compreensão, apreço, tolerância e proteção em direção ao bem-

estar de toda a gente e da natureza (aberto, amizade verdadeira,

igualdade, justiça social, protetor do meio ambiente, sabedoria,

um mundo em paz, um mundo de beleza).

Fonte: adaptação de Schwartz (1992)

Para ele, tais tipos de valores derivam de três requerimentos humanos

universais: as necessidades básicas (organismo), os motivos sociais (interação) e

as demandas institucionais para o bem-estar e a sobrevivência dos grupos. Em

função de quem se beneficia quando a pessoa adota ou se comporta de acordo

com cada tipo de valor, são definidos os diferentes interesses que podem cumprir:

individualista (poder, realização, hedonismo, estimulação e autodireção),

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

106

coletivista (tradição, conformidade e benevolência) ou misto (segurança e

universalismo). Outra classificação no mesmo sentido pode ser efetuada em

função das suas dimensões de ordem superior, representadas nos eixos:

autopromoção x autotranscendência e abertura à mudança x conservação (ver

ilustração 3).

Ilustração 3. Estrutura Bidimensional das Quatro Categorias de Tipos Motivacionais Fonte: adaptado por Gouveia de Schwartz (1992)

A abertura à mudança, representada no lado esquerdo da ilustração 3,

refere-se à tendência das pessoas a a) seguir seus interesses (quando predomina a

autopromoção) ou b) a se manter conforme as normas sociais (quando predomina

a autotranscendência). Já a conservação, representada no lado direito da

ilustração, refere-se à motivação das pessoas para a) promover seus interesses,

mesmo em detrimento dos outros (quando predomina a autopromoção), ou b)

transcender os interesses pessoais, promovendo o bem-estar dos outros e da

natureza, quando predomina a autotranscendência (SCHWARTZ, 1992).

Tomando como base a raiz motivacional dos valores, Schwartz postula

existirem dois tipos básicos de relacionamento entre eles: compatibilidade e

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

107

conflito. Pela ilustração 3, observa-se compatibilidade quanto aos valores que são

limítrofes e conflito com valores em oposição na figura.

Este modelo já foi utilizado para explicar atitudes e comportamentos pró-

ambientais, o uso de preservativo, o trabalho de equipe, a exaustão emocional, o

comprometimento organizacional e para comparar os valores de presidiários e

agentes penitenciários (COELHO, 2006).

Apesar de bastante interessante a proposta de Schwartz, o modelo de

Gouveia atende melhor às necessidades desta pesquisa e foi tomado enquanto

referência para nossa análise de dados.

Nas pesquisas brasileiras, têm-se utilizado bastante o modelo de Schwartz.

Tamayo et al. (1998) consultados por Silva (2008, p. 75-76) explicam as

tendências da pesquisa em valores no Brasil, classificando-as em duas grandes

abordagens:

a) avaliação de prioridades axiológicas usando agrupamento de valores, tais

como: estéticos, econômicos, religioso, políticos, teóricos e sociais; cuja

classificação tinha uma base teórico-filosófica sem relação direta com o indivíduo.

A teorização sobre quais valores cada grupo deveria ter, incluindo a prática

profissional, isto é: sacerdotes enfatizando valores religiosos; homens de negócio,

valores econômicos; advogados, os valores políticos; revelava mais sobre a

natureza da própria profissão do que sobre as reais prioridades axiológicas do

indivíduo;

b) uso de algum instrumento de medida em forma de listagens de valores. A

escala mais utilizada tem sido a Escala de Valores de Rokeach (1967) e vários

instrumentos de medida posteriores nele se basearam. Nessa escala os valores são

estudados individualmente, pois não existe vínculo estrutural entre eles. É

possível observar se um ou mais valores se relacionam com determinado grupo

(ou profissão), contudo, as atitudes e o comportamento não são determinados pela

prioridade dada a um valor particular, mas pela dinâmica existente entre os

múltiplos valores implicados simultaneamente na orientação de um

comportamento ou atitude.

Os vinte anos de pesquisa de Tamayo acerca dos valores, pontua Silva

(2008), recontam a história da pesquisa sobre os valores no Brasil. Abordando

aspectos históricos desse tipo de pesquisa no país, ela também resgata Porto

(2005, p. 99), que recorda serem as medições por ordenamento (ou ranking) ou

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

108

avaliação (ou rating) antigo debate na área de medida de valores quanto às

prioridades axiológicas A exemplos dos dois tipos de medições31 cita:

a) ordenamento: na Escala de Valores de Rokeach (1973);

b) avaliação: utiliza uma escala Likert, ou adaptação desta, atribuindo pesos

e investigando a importância de cada valor que faz parte de uma lista.

Nesta investigação, optamos por outro tipo de análise, conforme descrito no

próximo capítulo.

4.4. A percepção de valor

De que modo o indivíduo poderia perceber o valor de algo é questão

também discutida por diversos filósofos. Para alguns, trata-se de uma disposição

de sentimento, para outros é uma intencionalidade objetiva, enquanto para outros,

ainda, a faculdade perceptiva dos valores é a intuição.

Na visão de Mondin (2005), todas estas propostas têm sua razão de ser, mas

são limitadas. Para ele a percepção dos valores é algo que depende da capacidade

de estimar, faculdade que abrange aspectos afetivos e intelectuais

simultaneamente sem reduzir-se a nenhum deles. Esta faculdade axiológica

funcionaria de diferentes modos conforme o grau dos valores em análise, ou seja,

cada tipo de valor sofreria um tipo diferente de estimação. Ao modo de exemplos,

cita a análise de valores materiais a partir da intuição e/ou do raciocínio, para a

análise de valores absolutos subsistentes (como Deus) seria preciso lançar mão da

fé, e já para valores morais o mais comum é recorrer à empatia.

Ele avalia que a empatia é uma espécie de julgamento por conaturalidade,

isto é, os valores seriam percebidos pela afinidade, sintonia, correspondência com

nosso projeto de humanidade e, por isso, poderiam conduzir-nos plenamente a sua

realização.

A faculdade de estimar teria três funções: a de captar valorativamente, a de

preferir, estabelecendo uma hierarquia, e, a de aspirar, que descobre valores

novos.

31 SILVA (2008, p.76) gentilmente indica as referências para um aprofundamento nos tipos de medição e nas pesquisas desenvolvidas pelos grupos de Brasília e de Goiânia.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

109

Mondin entende que a educação é fundamental e necessária para a

percepção e vivência dos valores, mas não para todos os graus. O que ele

denomina de valores vitais (ar, água, alimento) receberiam uma estimação

instintiva, mas valores culturais e espirituais exigiriam cultivo, investimento

educacional, ainda que houvesse um impulso empático inicial para a manifestação

destes.

4.5. A faculdade de apreciar ou o ato de dar valor

Mondin defende que valor só pode existir onde exista predisposição e

preparação para acolhê-lo, reconhecê-lo. Nesta concepção, as coisas têm valor em

si. Perceber é que depende do indivíduo. Ou seja, a dignidade das coisas é

objetiva, mas “para captá-la é necessária uma adequada educação da faculdade de

apreciação por parte do sujeito”. (MONDIN, 2005, p.31, destaque meu).

Sendo valor algo só perceptível pelo uso da capacidade de apreciar, importa

considerar as implicações desta capacidade, e, para isso, suas características e seu

desenvolvimento.

Podemos compreender melhor a estrutura dessa capacidade ao ver sua

definição. De acordo com os dicionários eletrônicos Michaelis (2001) e Houaiss

(2002), respectivamente, apreciar é:

- “Dar apreço a; estimar, prezar. 2. Avaliar, julgar. 3. Considerar.

- Fazer estimativa de; avaliar, julgar; pôr sob exame; considerar, examinar,

ponderar; dar valor a, ter em apreço, estimar, prezar; ter consideração por;

deleitar-se com; admirar”.

Considerando estas definições, educar a faculdade de apreciação seria,

portanto, ensinar a prezar, a avaliar ou ponderar, a admirar. O que, em termos de

desenvolvimento desta faculdade, nos leva às seguintes questões práticas:

a) como se aprende a prezar? E antes ainda: o que é prezar? Segundo

Michaelis significa “ter grande estima (afeição) ou simpatia por; estimar; ter em

grande consideração (importância); respeitar (honrar: dignificar; / reverenciar)”.

Tomando dos aspectos mencionados, ao modo de idéias-eixo, que reúnem a

essência do ato de prezar, a afeição, a importância, e o respeito que são dados a

algo, somos levados a problematizar o fazer pedagógico em termos de contribuir

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

110

para a formação de pessoas que prezem seu estar no mundo da maneira mais

amplamente respeitosa (saudável). Com isso, prezando conseqüentemente

atitudes, valores e modos de ser que sejam pilares para sociedades sustentáveis. E

voltamos à questão inicial: o que nos faz ter estima por algo? Em tese, poderíamos

dizer que ao menos conhecer, ter familiaridade com a coisa em questão

(conviver), acostumar-se a ela. Provavelmente, também, ter experiências de

retorno afetivo positivo em relação ao tópico analisado. No caso de nossos

entrevistados(as), verificamos que a convivência com belas paisagens (e aqui

entra a interferência da estética: o belo levando ao afeto) e/ou com problemas

socioambientais (tais como favelização, discriminação, desmatamento: a reflexão

crítica pode levar à convocação à ação por perceber-se a importância daquele

tema) mobilizou-os a interessar-se, querer compreender e atuar sobre a questão

ambiental. A dar valor a coisas que sustentam o que hoje se chama discurso/ação

ambientalista: democracia, solidariedade, justiça, cuidado... Já o respeito ao

ambiente muitas vezes ocorreu por meio da admiração, do impacto causado pela

magnitude da expressão dos fenômenos naturais ou pela compreensão de sua

lógica de funcionamento (não à toa, muitos são biólogos e geógrafos). Ou pela

admiração resultante da força ou exemplo de pessoas inseridas num contexto de

conflito ou problema ambiental e até mesmo pela sensação de impacto ao

perceber esse tipo de contexto. E aqui entra a empatia. Aprender a ter algo em

consideração, dar-lhe importância, pode relacionar-se com o tipo de experiências

vividas e reflexões que suscita (ex: conflitos e desigualdade levando à priorização

da busca de justiça social, da paz, da equanimidade).

b) como se aprende a avaliar? Lembrando que avaliar (em Michaelis) é

reconhecer a grandeza, a intensidade, a força; calcular o merecimento de;

verificamos que isso pressupõe tomar contato com o fenômeno em análise e

entender seus efeitos e desdobramentos.

De toda forma, parece que o conceito de empatia consubstancia em si ambas

as necessidades inerentes ao ato de estimar (apreço e avaliação). De acordo com

Houaiss, empatia é “a capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o

que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela

apreende”. É também o “processo de identificação em que o indivíduo se coloca

no lugar do outro e, com base em suas próprias suposições ou impressões, tenta

compreender o comportamento do outro”. O que, é claro, se tornará tão mais fácil

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

111

quanto mais superações tenha feito a pessoa no âmbito do que experimenta o

indivíduo analisado. A compreensão depende do autoconhecimento.

Em ambas as situações, se trata de perceber o outro, seja assimilando-o por

uma habilidade afetiva e energética, seja por uma via mais teórica racionalizada.

Fica evidente o problema para a Educação quando se contrasta a natureza do

aprender a valorizar com a forma defendida - e vivida - pelas sociedades

contemporâneas. Nestas, em vez de se buscar o valor das coisas pela ponderação

(juízo crítico) e pelo sentimento empático, busca-se fazê-lo precificando, ou seja,

reduz-se a existência ao valor de troca e à posse. Ilusão resultante da armadilha

paradigmática cujo domínio se estende por esse tipo de sociedade (urbano-

industrial-capitalista), na qual a medida de todas as coisas é o dinheiro e o poder.

Em síntese, tomando como válida a proposição de Mondin quanto à

necessidade de aprender a apreciar (ou estimar) para determinar o valor de cada

coisa enquanto guia que orienta nossas escolhas na vida, podemos concluir que

desenvolver um valor depende da capacidade de ponderar e de dedicar afeição a

uma dada realidade.

Mondin (2005) avalia que a hierarquia de valores varia muito, tanto na

prática, quanto nos estudos filosóficos. Uma vez que os valores não são coisas

abstratas, mas dimensões da realidade, relações essenciais para o ser humano, é

preciso haver um critério para estabelecer hierarquia entre os valores. E para

Mondin, o critério é a contribuição que a coisa, pessoa, ação pode dar para a

concretização do projeto humano. Assim, as diferenças propostas para as

hierarquias se devem a diferentes projetos de humanidade. O autor exemplifica

citando três filósofos e os ápices que geram e sustentam as respectivas hierarquias

de valores correspondentes aos seus projetos: Nietzche e a vontade de poder,

Marx e o trabalho, Freud e o prazer.

Apesar das proposições de Gouveia e de Mondin diferirem entre si,

pensamos poder aproveitar ambas as definições conjugadamente. Assim, valor

seria, para nós, um atributo baseado em nossa capacidade de estimar, isto é,

estabelecer relações empáticas com determinados projetos de humanidade em

busca de satisfazer determinadas necessidades.

É possível que a capacidade de estimar seja utilizada para o

desenvolvimento de valores novos, aqueles que se encontram no campo do

almejado, em fase de exercitação – já que pressupõe maior nível de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

112

autoconsciência. Atrevemo-nos a dizer que os valores reais, aqueles que de fato

mobilizam comportamentos e ações concretas, são aqueles bem sucedidos no

atendimento às necessidades, resultantes de aprendizado já consolidado.

Auxiliar cada pessoa a identificar os próprios valores, avaliá-los em termos

de satisfação pessoal e de adequação ao próprio projeto existencial (e de

humanidade, conforme diria Mondin) e, enfim, analisá-lo sob a luz da necessidade

de mudança paradigmática é ponto de partida para uma educação libertadora.

Contudo, a formação de sujeitos ecológicos e de educadores ambientais passa não

apenas pelo desenvolvimento e/ou qualificação da empatia, da ponderação, e da

qualificação das necessidades, mas também pelo desenvolvimento e/ou

fortalecimento dos demais recursos da consciência moral.

Nesta pesquisa, para efeito de análise dos dados, adotamos a tipologia de

valores de Gouveia. Ressaltamos, entretanto, que uma compreensão completa do

comportamento humano não é possível tomando em consideração apenas uma

variável (como valores). O ser humano é complexo e dinâmico. Nenhuma linha da

Psicologia ou do conhecimento conseguiu ainda apresentar uma visão global do

ser humano, de modo que cada qual busca explicitar a ênfase que lhe interessa.

Destacamos a análise dos valores em função do recorrente discurso no seio

da educação ambiental quanto à necessidade – com a qual concordamos, mas sem

restringirmo-nos a ela – de investir na formação, revisão e reformulação de

valores em prol da sustentabilidade.

Isto posto, pensamos ser necessário compreender a dinâmica de

manifestação dos valores para sermos capazes de contribuir educativamente neste

sentido.

4.6. Valores enquanto sistema

Algumas pesquisas indicam haver relação entre formação de valores e

atitudes pró-ambientais.

“As atitudes podem ser definidas sucintamente como “uma organização duradoura de crenças e cognições em geral, dotada de carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, que predispõe a uma ação coerente com as cognições e afetos relativos a este objeto” (RODRIGUES, ASSMAR, JABLONSKI, 1999, p.100).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

113

Assim, as atitudes ambientais podem ser consideradas como sentimentos

favoráveis ou desfavoráveis acerca do meio ambiente ou sobre um problema

relacionado a ele, e têm sido definidas como percepções ou convicções relativas

ao ambiente, inclusive fatores que afetam sua qualidade (por exemplo,

superpopulação, poluição). Estas atitudes podem se referir a experiências

subjetivas e aprendidas, apresentando em sua composição as crenças relacionadas

ao objeto atitudinal (neste caso, o meio ambiente) expressas através do

comportamento. São atitudes que se correlacionam significativamente com índices

de comportamento pró-ambiental. No estudo de Coelho (2006), há uma menção a

uma medida avaliadora de atitudes pró-ambientais, desenvolvida por Thompson e

Barton. A partir daí foi proposta a existência de dois tipos de atitudes ambientais:

ecocêntricas e antropocêntricas. Cada uma delas expressa a preocupação

ambiental e o interesse em preservar a natureza e seus recursos por motivos

distintos.

“O antropocentrismo tem como base motivacional o interesse em manter a qualidade de vida, a saúde e a existência humana, e, para tanto, faz-se necessário preservar os recursos naturais e o ecossistema; havendo assim uma relação de troca, em que o homem preserva a natureza para seu benefício. Já para o ecocentrismo, a natureza é uma dimensão espiritual e de valor intrínseco que é refletida nas experiências humanas relacionadas com os sentimentos sobre o ambiente natural; o homem está conectado à natureza e a valoriza por si mesma. Em outras palavras, atitudes antropocêntricas estão baseadas nos efeitos que os problemas ambientais estão causando nos seres humanos, enquanto as ecocêntricas se baseiam em valores intrínsecos da natureza” (COELHO, 2006, p.201-202).

Coelho (2006) recorda-nos acerca da existência da relação entre valores,

atitudes e comportamentos pró-ambientais, a partir da argumentação de Rokeach

(1968/1981) para quem as crenças, atitudes e valores estão atrelados, formando

um sistema cognitivo funcionalmente integrado. De modo que uma mudança em

qualquer parte deste sistema afetará outras partes e culminará em mudança

comportamental. Considerando este aspecto, Coelho comenta os estudos de Stern

e Dietz, que tomaram em conta a orientação segundo a qual valores podem afetar

as crenças e atitudes, e, portanto, o comportamento. Para eles, as normas morais

podem ser ativadas não só por valores socioaltruísticos, mas também por valores

egoístas e biosféricos – o que comprovaram empiricamente: correlação positiva

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

114

dos comportamentos pró-ambientais com valores biosféricos, e negativa com

valores egoístas (COELHO, 2006, p.202).

Este tipo de estudo revela que o estudo de valores também pode ser

estratégico para melhor compreensão das relações entre sujeitos e demais

componentes do ambiente, repercutindo na formulação de processos educativos

para educadores ambientais e/ou pessoas sensíveis e ativas quanto ao cuidado

ambiental.

“Karp (1996), em seu estudo sobre os valores e seus efeitos sobre o comportamento pró-ambiental, utilizou a tipologia proposta por Schwartz (1992, 1994) e verificou que, das quatro categorias de valores sugeridas por este autor, autotranscendência e abertura à mudança apresentaram influência positiva no comportamento pró-ambiental, enquanto autopromoção e conservação apresentaram direção inversa.

Schultz e Zelezny (1999) encontraram resultados semelhantes ao utilizar os tipos motivacionais de valores de Schwartz (1992, 1994) como preditores de atitudes ambientais. Mesmo considerando construtos diferentes, os resultados são comparáveis aos previamente descritos. Concretamente, estes autores verificaram que o tipo motivacional universalismo, que faz parte da categoria autotranscendência, foi o mais forte explicador das atitudes ambientais ecocêntricas. Mais detalhadamente, através de análises de regressão, estes autores verificaram que o tipo motivacional universalismo predisse positivamente as atitudes ecocêntricas, enquanto os tipos motivacionais poder e tradição o fizeram negativamente. Por outro lado, as atitudes antropocêntricas foram preditas positivamente pelos tipos motivacionais poder, tradição, conformidade e segurança, e negativamente, por benevolência” (COELHO, 2006, p. 203)

Estes estudos, porém, trabalham com valores no plano teórico, isto é, na

intenção do sujeito em agir desta forma. Por existir muitas vezes uma distância

entre o que a pessoa diz ou deseja fazer e o que realmente faz, analisar sua história

de vida ou fazer análises experimentais vivenciais pareceu-nos ser mais preciso. O

próprio Coelho confirma esta hipótese:

“Hines e cols. (1987) verificaram que a forma de mensuração destes comportamentos (através de verificação do comportamento real ou através de auto-relatos) atenua a correlação entre atitudes e comportamento; assim, as correlações são maiores quando o comportamento real é mensurado. Por isso, recomenda-se o uso de outros métodos, tais como a observação direta ou os traços de comportamento (CORRAL-VERDUGO; PINHEIRO, 1999)” (COELHO, 2006, p.204).

De acordo com Coelho (2006), no contexto brasileiro também se verificou

que a melhor explicação para o ecocentrismo era o tipo motivacional

universalismo, que representa compreensão, apreço, tolerância e proteção do bem

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

115

estar dos indivíduos e da natureza. Pessoas que assumem esta orientação

valorativa tendem a apresentar atitudes, crenças e compromissos em favor do

meio ambiente em maior medida do que aqueles que não priorizam tais valores.

Ele sugere que o ensino de valores que contemplem a dimensão

universalismo (justiça social, sabedoria, igualdade, um mundo em paz, harmonia

interior, um mundo de beleza, união com a natureza, proteção do ambiente e

abertura) pode favorecer o desenvolvimento de atitudes ecocêntricas e, portanto,

comportamentos pró-ambientais. De fato, corroborando com isso e antecipando

algo dos resultados, em nossa pesquisa ficou constatado haver um predomínio do

tipo motivacional universalista, especialmente na categoria autotranscendência.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Anseio por executar uma tarefa grande e nobre, mas é meu dever principal executar tarefas humildes como se fossem grandes e nobres. O mundo é movido não só pelos vigorosos empurrões dos seus heróis, mas também pelo conjunto dos pequenos empurrões de cada trabalhador honesto. Hellen Keller

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

5 Estrutura da pesquisa

Ao buscar saber que tipo de pesquisas vinha sendo realizado na área da

Educação Ambiental nos deparamos com um artigo de Valentin (2004), cujo

objetivo era exatamente esse. Embora o trabalho da pesquisadora não seja de

âmbito nacional, pareceu-nos indicar tendências freqüentes de fato.

Ela toma como fontes preliminares os Encontros intitulados “Pesquisas em

Educação Ambiental”, ocorridos em 2001 e 2003, e promovidos pela

Universidade Estadual Paulista (UNESP), Universidade de São Paulo (USP) e

Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Ao examiná-los constata que a

maioria das pesquisas foi ou está sendo realizada no ensino formal, geralmente

levantando as concepções, práticas, procedimentos e objetivos da EA para

professores e alunos. Porém, ela verifica que poucos trabalhos revelam o processo

de ensino e aprendizagem da Educação Ambiental que os professores

desenvolvem em suas práticas. Considera necessária a análise de três dimensões

que parecem presentes nas várias abordagens sobre EA: a natureza dos

conhecimentos, a dimensão valorativa (valores éticos e estéticos) e a dimensão

política.

Até o momento, poucos são os trabalhos que analisem, especificamente, os

valores em relação à educação ambiental, o que, mais uma vez, reforça a

importância deste tipo de estudo.

Valentin retoma a discussão proposta por Mazzotti e Gewandsznajder, que

destacam a pobreza teórico-metodológica na abordagem dos temas de pesquisa

educacional no Brasil, já que muitas vezes se restringem a estudos puramente

descritivos e/ou “exploratórios”. Ao realizarem um debate sobre os modelos de

pesquisa em educação, na atualidade, considerados como sucessores do

positivismo: o pós-positivismo, a teoria crítica e o construtivismo, em seus

pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos, apontam para a

possibilidade de acomodação entre eles. Eles observam que as pesquisas

costumam fazer coexistir características e conhecimentos atribuídos a diferentes

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

118

formas de pesquisa. Consideram, é claro, que embora a análise de tais

conhecimentos deva se dar de acordo com a

“metodologia adotada na pesquisa que os gerou, dificilmente um pesquisador pode, ao construir seu problema de pesquisa ou ao comentar seus resultados, ignorar o conhecimento acumulado por pesquisas anteriores na mesma área, pelo fato de estas estarem vinculadas a outros paradigmas. Além disso, uma posição não-compatibilista radical traria enormes dificuldades à realização de Congressos por área de conhecimento, tal como hoje existem, pois não haveria possibilidade de diálogo entre os adeptos de diferentes paradigmas” (Mazzotti e Gewandsznajder, 2001, p.143 apud Valentin, 2004).

Valentin prossegue em seu levantamento dos tipos de pesquisa realizados

em EA e concorda com Gayford, que identifica como principais linhas

investigativas:

a) “Pesquisa derivada da prática de ensinar. Pode ter sua origem no currículo oficial, na investigação da interpretação de professores ou alunos de certos assuntos, como os alunos aprendem ou aspectos da metodologia. Geralmente são pesquisas de observação e análise.

b) Declarações e pontos de vista que descrevem a situação atual, com o propósito de formular futuras instruções para o desenvolvimento do currículo nas escolas. Geralmente relacionam-se com a política e com práticas atuais.

c) Pesquisa relacionada a pensamentos sobre a natureza e propósitos da Educação Ambiental. Apresenta uma dimensão filosófica que considera questões, tais como: a natureza do conhecimento, a influência do pensamento pós-moderno, o propósito da educação e a noção de sustentabilidade. Tais pesquisas, geralmente, tornam-se estudos, que objetivam o estímulo ao debate.

d) Pesquisa-ação, cuja finalidade é freqüentemente iniciar mudanças, encorajando o processo de reflexão para, posteriormente, promover a transformação.

e) Experiências significativas de vida e seu impacto na formação dos educadores ambientais.

f) Pensamentos e perspectivas que as pessoas possuem em relação ao futuro do meio ambiente, com a intenção de superar a tendência natural em relação ao desânimo e impotência dos alunos. São pesquisas para criar atitudes mais otimistas em relação ao meio ambiente, direcionado ao ‘empowerment’.” (Valentin, 2004)

Analisando estas tendências podemos dizer que a presente pesquisa inclui as

preocupações das linhas a, b, c e principalmente e.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

119

Valentin conclui que não mais é possível alegar que um único paradigma de

pesquisa em educação possa proporcionar conhecimentos confiáveis, no que

concordamos, feita a ressalva de que é preciso verificar e apontar os pontos em

que são compatíveis e em que momento cabe o uso de cada um.

5.1. Delimitação do problema

Como dissemos, pela legislação (BRASIL, 2002), a Educação Ambiental

deve ser incorporada pelas universidades, mídia, sociedade civil organizada,

escolas, empresas e outras instâncias. Apesar da aprovação da lei ser de 1999 é

recente sua regulamentação (2002) e mais recente ainda a organização em

estruturas políticas que a viabilizem. Somado a isso, a falta de preparo

profissional e de entendimento acerca do tema na sociedade, o preconceito

acadêmico e a confusão freqüente do leigo entre EA e ensino de ecologia

contribuem para tornar mais lenta a implementação desta forma de educação nas

diversas instâncias sociais.

Mas, apesar das dificuldades e contratempos, pessoas e grupos foram se

apropriando da Educação Ambiental e buscando torná-la realidade. Algumas delas

buscaram o apoio de uma formação acadêmica através de mestrados e doutorados

em diversas universidades e regiões do país (conforme VASCONCELLOS, 2000;

ALVES, 2006). Contudo, uma boa parte das pessoas buscou concretizar a EA de

modo autodidata. Devido às representações de ambiente e de educação e a

projetos de sociedade diferenciados, as práticas realmente executadas tomaram

caminhos um tanto diversos. Tanto assim, que da mesma forma que hoje se fala

em ambientalismos, também é preciso falar em vertentes da Educação Ambiental,

uma vez que esta lhes é tributária. Uma das contribuições atuais do Ministério do

Meio Ambiente (MMA) foi exatamente compilar tais tendências a partir de alguns

eixos classificadores e organizar este levantamento em um livro, gratuitamente

distribuído. Reunidos sob nomes distintos encontramos, grosso modo, dois

grandes grupos: aqueles que pretendem atuar de modo transformador (tanto no

que diz respeito à proposta pedagógica, como relativamente à utopia social) e

aqueles cuja intenção é promover um ajuste comportamental, sendo sua prática

educativa mais conservadora e voltada apenas ao fornecimento de informação.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

120

Pesquisas de Vasconcellos (2002) indicam a existência também de escolas

que estão realizando processos de Educação Ambiental, sem se dar conta disso.

Ou seja, atuam justamente na formação de valores contribuintes para uma vida e

relacionamentos sadios, além de informarem corretamente os alunos quanto a

aspectos ecológicos, políticos, econômicos e sociais. Ainda que estejam longe de

ser maioria no cenário brasileiro, estas escolas são um alento, mostrando que há

sensibilidade para problemas atuais do mundo.

Contudo, é importante ressaltar que no mais das vezes voltam-se à EA

profissionais cujo tema de trabalho é diretamente o meio ambiente. A pequena

participação de pedagogos e educadores atesta uma percepção social ainda fraca

da EA enquanto educação. A falta de pertencimento explícito à área de Educação

ocasiona a realização de atividades e a tomada de atitudes denominadas

educativas, que de fato não o são. Decorre daí certa confusão: a de que explicar

coisas sobre o meio ambiente ou promover a sensibilização ecológica seria o

mesmo que EA. Ainda que ambas as medidas (sensibilizar e informar) sejam

necessárias, a educação ambiental se propõe a muito mais do que isso.

Esclarecemos, então, que a perspectiva de ambiente a ser utilizada por nós

na pesquisa está de acordo com Leff (2002, p.95), para quem meio ambiente não é

simplesmente o meio que circunda as espécies e as populações biológicas, mas

sim

“(...) uma categoria sociológica (e não biológica), relativa a uma racionalidade social, configurada por comportamentos, valores e saberes, bem como por novos potenciais produtivos. Neste sentido, o ambiente do sistema econômico está constituído pelas condições ecológicas de produtividade e regeneração dos recursos naturais, bem como pelas leis termodinâmicas de degradação de matéria e energia no processo produtivo. O ambiente estabelece potenciais e limites às formas e ritmos de exploração dos recursos, condicionando os processos de valorização, acumulação e reprodução do capital.” (destaque nosso)

A questão ambiental, com sua complexidade, gerou a necessidade de

integrar os saberes. Produzir conhecimento é tarefa normalmente tomada a cargo

da academia. Sua estrutura facilita a difusão do que produz devido às publicações,

eventos e à formação contínua de novos profissionais. Certamente, há um canal

influente intergeracional que poderia levar à construção desse novo tipo de saber

requisitado pelos nossos tempos. Tal necessidade, entretanto, parece ter sido

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

121

pouco compreendida e mal dimensionada no espaço universitário,

caracteristicamente conservador.

O mesmo autor (LEFF, 2002, p.103) esclarece o caráter desse novo saber,

denominado ambiental:

“a ‘retotalização do saber’ exigido pela problemática ambiental não é a soma nem a integração dos conhecimentos disciplinares disponíveis. (...) o saber ambiental problematiza o conhecimento, porém sem desconhecer a especificidade das diferentes ciências historicamente constituídas, ideologicamente legitimadas e socialmente institucionalizadas. (...) O saber ambiental tampouco constitui uma ‘dimensão’ neutra e homogênea para ser assimilada pelos paradigmas atuais de conhecimento. Pelo contrário, o saber ambiental depende do contexto ecológico e sociocultural no qual emerge e se aplica. É um saber que nasce diferenciado, em relação com o objeto e o campo temático de cada ciência, questionando e induzindo uma transformação desigual de seus conceitos e métodos. (...) Nesse processo vai se definindo o ‘ambiental’ de cada ciência centrada em seu objeto de conhecimento, que leva a sua transformação para internalizar o saber ambiental que emerge em seu entorno. São esses corpos transformados de conhecimentos os que se estendem para uma articulação interdisciplinar do saber ambiental.” (destaques nossos)

A variedade e a concentração de áreas de estudo na academia favoreceriam

um entendimento rico da questão ambiental. Considerando o papel formador e

profissionalizante da Universidade, podemos inferir que a adoção real da

perspectiva educativo-ambiental neste espaço teria grande capilaridade na

sociedade, contribuindo para disseminar a EA de maneira qualificada em diversas

áreas de atuação. Se isso ainda não ocorreu parece-nos que além dos fatores já

mencionados pode haver resistências devido à demanda de posturas

interdisciplinares, participativas, autobuscadoras e autotransformadoras,

necessárias para que a EA se viabilize para além do discurso. Talvez mesmo as

concepções de educação de nossos professores estejam empobrecidas – um

aspecto que pode ser bastante relevante, uma vez que a formação para a entrada

no meio acadêmico brasileiro jamais priorizou a docência, atividade considerada

menos nobre entre as atividades universitárias. A pesquisa, sim, configurou-se

desde o início passaporte para o exercício acadêmico. Ainda que grande parte do

tempo de nossos pesquisadores seja consumida em atividades docentes – muitas

vezes não desejadas, apenas toleradas como obrigações protocolares.

De toda forma, apesar do conservadorismo e da dificuldade de enfrentar a

retotalização do saber há casos de Educação Ambiental na universidade. O que

nos leva diretamente à questão desta pesquisa: o que ocorre com estes poucos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

122

indivíduos da Academia que adotaram a pesquisa e a docência sob a perspectiva

da EA: terão sido seus valores que os encaminharam a isso? Que meios e

experiências morais os teriam produzido? E de que forma?

Em síntese, dada a importância da universidade na formação profissional e

seu papel humanizador, teoricamente de vanguarda, quisemos investigar que

valores norteariam docentes universitários, de maneira a favorecer práticas

educativo-ambientais; além de buscar saber também de que maneira eles foram

construídos. Como dissemos, conhecer este processo pode contribuir para futuras

ações formadoras de profissionais portadores de um ethos ecológico.

Concordamos com Habermas, integrante da segunda geração da teoria crítica, de

Frankfurt, para quem “a prática científica deveria intervir na realidade social, o

conhecimento científico precisaria estar engajado na transformação ativa da sociedade”

(SILVA, 2008, p.80).

Considerando o espírito que originou o nascimento da EA, tomamos por

base nesta pesquisa predominantemente aqueles educadores ambientais adeptos de

uma prática transformadora (conforme LOUREIRO, 2004), o que por si só indica

estarem eles em melhores condições para enfrentar o desafio paradigmático

proposto pela EA.

5.2. Estratégias e público a pesquisar

Dada a natureza do objeto de pesquisa – valores – e nossa intenção de

compreendê-lo de modo processual e contextual foi conveniente adotar uma

abordagem qualitativa.

Apresentaremos a seguir a perspectiva metodológica utilizada, os recursos

de busca dos dados e uma breve descrição do perfil do público estudado no que

tange a sua inserção no campo ambiental pela via dos valores.

Alves-Mazzotti (1999) analisa as diferentes possibilidades metodológicas no

âmbito da pesquisa qualitativa e encontra em Patton o denominador comum a esta

classe de pesquisa:

“a principal característica das pesquisas qualitativas é o fato de que estas seguem a tradição ‘compreensiva’ ou interpretativa. Isto significa que essas pesquisas partem do pressuposto de que as pessoas agem em função de suas crenças, percepções, sentimentos e valores e que seu comportamento tem sempre um sentido, um

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

123

significado que não se dá a conhecer de modo imediato, precisando ser desvelado.” (ALVES-MAZZOTTI, 1999, p.131)

A autora desdobra em três as características decorrentes desta natureza de

estudo: visão holística, segundo a qual a compreensão de um fenômeno só é

possível a partir do entendimento das inter-relações presentes num certo contexto;

abordagem indutiva, na qual o pesquisador parte de observações livres, deixando

que as dimensões e categorias de interesse emerjam progressivamente com a

coleta e análise de dados; e investigação naturalística, ou seja, aquela na qual a

intervenção do pesquisador no contexto observado se reduz ao mínimo.

Dentre as três grandes possibilidades presentes no campo da pesquisa

qualitativa, construtivismo social, pós-positivismo e teoria crítica, nos

identificamos principalmente com as preocupações da teoria crítica. Nesta

abordagem, procura-se

“investigar o que ocorre nos grupos e instituições relacionando as ações humanas com a cultura e as estruturas sociais e políticas, tentando compreender como as redes de poder são produzidas, mediadas e transformadas. Parte-se do pressuposto de que nenhum processo social pode ser compreendido de forma isolada, como uma instância neutra acima dos conflitos ideológicos da sociedade” (ALVES-MAZZOTTI, 1999, p.131).

Nosso olhar por certo se inspirou nessa perspectiva. E identifica sua adoção

por Isabel Carvalho (2002) em recente pesquisa sobre o sujeito ecológico, quando

a pesquisadora buscou compreendê-lo em sua imbricação com a formação do

campo ambiental, por sua vez também conformador das identidades do sujeito

ecológico, numa rede de mútuas influências. Para ela, o auto-relato “é o locus

desse encontro entre a vida íntima do indivíduo e sua inscrição numa história

social e cultural” (CARVALHO, 2002, p.71).

Em apoio a esta visão de inter-relação e mútua influência geradora entre

sociedade e indivíduo, recorremos também a Zaia Brandão (2002), que, discutindo

sobre a tensão objetivismo/ subjetivismo, agentes/ estruturas – terreno espinhoso

da sociologia – afirma a tendência atual dessas oposições serem superadas pelas

novas sociologias, cuja posição é defender que o

“coletivo é individual e que os níveis microssociais constroem gradativamente padrões de ações e representações que se consubstanciam em estruturas de níveis macrossociais. Essas novas sociologias propõem perspectivas teóricas que podem

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

124

elucidar tanto os processos que vão das estruturas sociais às interações, como os que vão das interações às estruturas sociais.”

Dentre as possibilidades metodológicas, afigurou-se-nos adequado

instrumento de coleta de dados a técnica dos depoimentos biográficos, uma vez

que permite acompanhar o processo de formação do indivíduo, as experiências

que lhe foram significativas, a construção do significado da vida e do mundo e de

sua localização pessoal neste a partir de um projeto de vida.

Tendo em vista que nosso interesse principal é a constituição de valores dos

indivíduos, que os tenham direcionado a um engajamento educativo-ambiental,

tomaremos como pano de fundo as idéias de Puig (1998) quanto à construção da

consciência moral e a proposta filosófica de Guattari (1995), por ele denominada

Ecosofia. Segundo este autor, para que seja eficaz, a articulação entre ética e

política deve integrar os três registros ecológicos: ambiental32, das relações sociais

e da subjetividade humana. Para ele, não haverá

“verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Esta revolução deverá concernir, portanto, não só às relações de forças visíveis em grande escala mas também aos domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo” (GUATTARI, 1995, p.9).

Guattari considera que a valorização das atividades humanas passa hoje por

dois pólos principais e dominantes: o controle das relações sociais e

internacionais pelo meio policial e militar, e, o império do mercado mundial,

responsável pela fragmentação dos sistemas particulares de valor e por tornar

equivalentes bens materiais, bens culturais e paisagens naturais.

Nesse sentido, docentes que optaram por uma proposta pedagógica

participativa e interdisciplinar, que abriga e estimula o pensamento complexo e a

ética da sustentabilidade (LEFF, 1999) e, além disso, que se volta para a formação

da autonomia, de uma coletividade cidadã emancipada e contextualizada

ambientalmente e, por isso mesmo, solidária e de atitude respeitosa para com a

vida, parecem ser profissionais cujos valores se chocam com a realidade

majoritária. Fariam parte, de certa forma, de uma contracultura forjada ao longo

32 Esclarecemos que em nosso entendimento o termo ambiental abarca também a subjetividade e as relações sociais, além das interações ecossistêmicas. Entretanto, para sermos fiéis à terminologia adotada por Guattari, mantivemos o vocábulo na classificação.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

125

dos últimos 40 anos a partir de diversas perspectivas (CARVALHO, 2002):

aproximação do paradigma oriental (unidade mente-corpo, homem-natureza), a

atualização da sensibilidade romântica (contestando a racionalidade instrumental

da modernidade, seu materialismo e belicismo, sem contudo deixar de valorizar a

outra face da modernidade, como o desenvolvimento de valores éticos e

democráticos e uma educação virtuosa do sujeito) e a politização da vida privada,

perspectiva segundo a qual a “mudança pessoal tende a ser vista como contraface

da mudança social, e o auto-aperfeiçoamento como simultaneamente o

aperfeiçoamento do coletivo” (CARVALHO, 2002, p. 60).

Isabel Carvalho entende que o ecologismo contribuiu para trazer à esfera

pública a crítica aos valores do capitalismo industrial ao mesmo tempo em que

promovia um ideário emancipatório – o marco fundador da história política do

campo ambiental. Em seu estudo definiu o sujeito ecológico como aquele “tipo

ideal que alude simultaneamente a um perfil identitário e a uma utopia societária”

(p.71), oferecendo-se à sociedade como modelo ético para o estar no mundo à

medida que o campo ambiental vai se legitimando.

A abrangência da proposta utópica ambientalista pode ser compreendida

também pelo olhar de Guattari (1995, p.15), para quem as principais questões

(racismo, falocentrismo, desastres “legados por um urbanismo que se queria

moderno”, “uma criação artística libertada do mercado”, “uma pedagogia capaz

de inventar seus mediadores sociais etc.”) de nossos tempos são atravessadas

transversalmente por uma mesma perspectiva ético-política. Trata-se, para ele, da

produção da existência humana em novos contextos históricos.

Segundo Guattari (1995, p.24),

“não é justo separar a ação sobre a psique daquela sobre o socius e o ambiente. A recusa a olhar de frente as degradações desses três domínios (...) confina num empreendimento de infantilização da opinião e de neutralização destrutiva da democracia.”

E é este sujeito ecológico, portador de uma busca social firmada na vida de

qualidade, que na situação de docente universitário, constitui o público que nos

interessou.

Especialmente, como nos avisa Nóvoa (2000, p.9-10), porque hoje já se

sabe que

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

126

“não é possível separar eu pessoal do eu profissional, sobretudo numa profissão fortemente impregnada de valores e de ideais e muito exigente do ponto de vista do empenhamento e da relação humana. (...) É que ser professor obriga a opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser.”

Nóvoa falava de professores. Se no contexto docente isso é verdade – e é –

que dizer então da situação de educador(a) ambiental, cuja missão docente (auto-

proposta) se soma à transformação de paradigmas, mentalidades e

comportamentos (inclusive o seu próprio) tendo em vista a saúde das relações

entre os seres vivos?

De modo geral, Isabel Carvalho encontrou em sua pesquisa um espectro de

atributos e valores que traduzem as múltiplas faces do sujeito ecológico. Em sua

percepção, ele pode ser visto em três versões:

“grandiosa, como um sujeito heróico, vanguarda de um movimento histórico, herdeiro de tradições políticas de esquerda, mas protagonista de um novo paradigma político-existencial; em sua versão new age é visto como alternativo, integral, equilibrado, harmônico, planetário, holista; e também em sua versão ortodoxa, na qual é suposto aderir a um conjunto de crenças básicas, uma espécie de cartilha – ou ortodoxia – epistemológica e política da crise ambiental e dos caminhos para enfrentá-la” (CARVALHO, 2002, p.74)

Assim, pensamos que os valores compartilhados pelos educadores

ambientais também constituem elemento da identidade de sujeitos ecológicos.

Estes valores poderão ser melhor compreendidos em seu processo de construção

através de uma abordagem histórico-pessoal, que contemple o desenvolvimento

da pessoa, relacionando-o aos meios de experiência moral com os quais conviveu.

Nesse sentido, cabe explicar como foram abordadas as histórias das pessoas.

Uma técnica antiga para este tipo de pesquisa, em seus primórdios denominada

apenas como “relato”, é a história oral e, dentro dela, a assim chamada história de

vida. Maria Isaura Queiroz (1988) conta que foi uma técnica bastante utilizada

pelos sociólogos nos primeiros 50 anos do século XX. Com o crescimento do uso

dos métodos quantitativos praticamente houve um esquecimento da história de

vida como recurso de pesquisa, até que fosse novamente resgatada anos e anos

depois pela Psicologia Social.

Segundo Queiroz, a história oral pode registrar a história de um só indivíduo

ou de uma coletividade, quando busca-se

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

127

“uma convergência de relatos sobre um mesmo acontecimento ou sobre um período do tempo. A história oral pode captar a experiência efetiva dos narradores, mas também recolhe destes tradições e mitos, narrativas de ficção, crenças existentes no grupo, assim como relatos que contadores de histórias, poetas, cantadores inventam num momento dado” (QUEIROZ, 1988, p.19).

A pesquisadora classifica em quatro tipos principais os relatos da história

oral: história de vida propriamente dita, depoimentos pessoais, biografias e

autobiografias. Cada vertente dessas possui características singulares. Enquanto

as biografias e autobiografias priorizam a história de uma pessoa, principalmente

naquilo que ela tem de único e específico (no caso da biografia buscando

compreender a formação daquela personalidade), as histórias de vida e

depoimentos retratam a pessoa, sim, mas através dela se pode compreender

melhor as relações “com os membros do seu grupo, de sua profissão, de sua

camada social, de sua sociedade global” (QUEIROZ, 1988, p.20). E em nosso

caso específico, os meios de experiência moral e os problemas morais.

O que nos interessa apontar agora são as diferenças entre história de vida e

depoimento pessoal: e a principal delas está na condução da entrevista pelo

pesquisador. Enquanto na história de vida o informante fala sobre o que quiser e é

preciso muito tempo, no depoimento, temos o uso de uma entrevista dirigida ou

semidirigida pelo pesquisador, que colhe da vida de seu informante os aspectos

que se refiram ao seu problema de estudo especificamente. É possível realizá-la

num único encontro, o que já seria bem mais difícil no caso das histórias de vida

clássicas. Outro ponto importante se refere à forma de organização dos dados: no

caso dos depoimentos e até das histórias de vida, quando utilizadas com um olhar

sociológico ou antropológico, é possível fazer recortes e decompor a entrevista em

fragmentos. Já quando as histórias de vida são utilizadas com fins de estudo

psicológico esse procedimento não é recomendável, da mesma forma que ocorre

com as biografias.

Queiroz (1988) indica uma série de cuidados na realização e transcrição das

entrevistas, na organização dos dados, na combinação com outros meios de coleta

de dados e mesmo no momento oportuno durante a pesquisa para utilização da

técnica. Entretanto, seja qual for o momento da aplicação da técnica chega-se com

ela

“aos valores inerentes aos sistemas sociais em que vivem os informantes, que dados como os estatísticos certamente não fornecem. (...) O indivíduo é também

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

128

um fenômeno social. Aspectos importantes de sua sociedade e do seu grupo, comportamentos e técnicas, valores e ideologias podem ser apanhados através de sua história. (...) [da mesma forma] o pesquisador colhe dados que indicam como se formou a personalidade de um indivíduo, através de seqüências de experiências no decorrer do tempo. (...) [ a técnica] se encontra apoiada em duas disciplinas, a psicologia e a sociologia. A história de vida é portanto a técnica que capta o que sucede na encruzilhada da vida individual com o social (QUEIROZ, 1988, p.28, 35,36).

Em certa medida, Carvalho (2002) com sua pesquisa acerca do campo

ambiental traçou alguns destes contornos. Em nossa pesquisa, pretendemos

enfatizar o aspecto da formação dos valores, visto serem eles uma das raízes da

Educação Ambiental.

A análise de Demartini (1988) quanto aos cuidados, às dificuldades e ao

tempo necessário para o estudo através das histórias de vida, somada aos

interesses específicos desta pesquisa, levou-nos a optar pelo uso dos depoimentos

biográficos através de entrevistas semi-estruturadas.

Lembramos, com Moita (2000, p. 116-117) que

“só uma história de vida permite captar o modo como cada pessoa, permanecendo ela própria, se transforma. Só uma história de vida põe em evidência o modo como cada pessoa mobiliza os seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num diálogo com os seus contextos. Numa história de vida podem identificar-se as continuidades, as rupturas, as coincidências no tempo e no espaço, as ‘transferências’ de preocupações e de interesses, os quadros de referência presentes nos vários espaços do quotidiano.”

Reforça essa opção a experiência de Duarte (2004), que em sua análise

sobre instrumentos em pesquisas qualitativas, julga as entrevistas fundamentais

“quando se precisa deseja/mapear práticas, crenças, valores e sistemas

classificatórios de universos sociais específicos, mais ou menos bem delimitados,

onde os conflitos e contradições não estejam claramente explicitados (...)”

(DUARTE, 2004, destaque meu).

Para a pesquisadora citada, as entrevistas constituem recurso trabalhoso,

demandando preparo teórico e competência técnica. Para melhor esclarecer, a

autora sugere uma série de requisitos mantenedores do rigor necessário:

1. Ter os objetivos de pesquisa bem definidos e introjetados;

2. Conhecer razoavelmente bem o contexto onde será realizada a

investigação;

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

129

3. Introjetar o roteiro de entrevista, bem como testá-lo antes de partir para

as entrevistas válidas;

4. Ter segurança e autoconfiança;

5. Manter certa informalidade, sem perder os objetivos de vista;

6. Cuidados na apresentação pessoal, escolhendo roupa neutra que não

induza o entrevistado a falas e comportamentos;

7. Pontualidade.

8. Na análise sugere cuidados relativos à interpretação, à construção de

categorias e com a tendência ainda comum de utilizar apenas os dados que

“confirmem” as hipóteses do pesquisador ou ilustrem teorias que ele absorveu.

Propõe atenção à interferência da subjetividade do pesquisador(a), assumindo-a,

como parte do processo investigativo.

Inicialmente, além das entrevistas, tínhamos também a proposta

complementar de elaboração de um diário (o mais cotidiano possível), durante o

período de uma quinzena, em que os docentes registrariam suas anotações a partir

da seguinte orientação:

⇒ enquanto educador(a) ambiental, registre as decisões e escolhas

tomadas neste período, contextualizando a situação, os sentimentos, reflexões e

motivações que o(a) levaram a cada opção.

Entretanto, dada a intensa atividade e rotina de viagens dos professores

pesquisados optamos por substituir esta estratégia pelo uso de um mini-inventário,

de ordem mais pessoal, o qual na maioria das vezes foi incorporado na entrevista,

a pedido do entrevistado. Nas conversas preliminares à entrevista apresentamos os

instrumentos da pesquisa e solicitamos a cada entrevistado(a) que decidisse se

preferia escrever sobre os tópicos do mini-inventário para enviá-lo por escrito ou

se seria melhor incorporar os temas à entrevista – opção geralmente adotada.

O mini-inventário também permite, de modo semelhante ao do diário,

identificar possíveis valores que possam ter orientado as decisões, pois parte de

escolhas realizadas e suas motivações.

As instruções temáticas para registro no mini-inventário foram as seguintes:

• Liste temáticas dos pensamentos no cotidiano

• Relacione as emoções e sentimentos recorrentes e mais freqüentes do dia

a dia

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

130

• Elenque as principais decisões tomadas na vida

• Identifique as principais motivações pessoais

• Critérios que embasam suas escolhas

• Avalie o perfil pessoal de gastos

• Omissões deficitárias e superavitárias

• Comente situações em que teve vergonha de si mesmo(a) ou se sentiu

culpado(a)

• Escala de Prioridades (reais) da sua vida e sua base

• Hierarquize seus valores a partir da análise realizada neste inventário

Todas elas remetem às escolhas pessoais e à forma como este processo

ocorre: suas motivações, campos de ação, graus de importância, nível de

coerência. São questões alicerçadas no cotidiano e nas ações concretas do sujeito,

de maneira a ir além das idealizações e daqueles valores situados no campo do

almejado.

Estamos cientes das dificuldades deste tipo de proposta e de que a

“qualidade do material produzido depende do grau de implicação de cada participante, do desejo e capacidade de fazer memória de sua vida para a encontrar, exprimir e analisar. Esta implicação gera-se a partir de um ‘contrato de confiança’, de uma negociação clara em torno dos objetivo do trabalho e do que se espera de cada um dos participantes. Esta clarificação contém também as condições deontológicas que se impõem e que dizem respeito ao ‘destino’ do material recolhido e ao eventual anonimato dos intervenientes.” Da mesma forma, sabemos que o tipo de relação “a manter com os narradores é caracterizado pela colaboração, pela partilha, pela escuta empática, por uma atitude que reflecte uma situação de paridade” (Moita, 2000: p.117 e 118).

Na estrutura das entrevistas33 também procuramos incorporar questões as

quais permitissem identificar valores subjacentes às práticas educativo-

ambientais, além de acontecimentos da vida do educador(a) que possam ter

originado ou consolidado os valores que o (ou a) levaram a atuar com a educação

ambiental. Neste sentido, selecionamos alguns tópicos (família, escola,

universidade, trabalho, formação continuada) que podem evidenciar meios de

experiência moral, conforme Puig (1998). Apenas recordando, este autor

classifica os meios de experiência moral em categorias, como: a família, que

impregna valores e normas de convivência fundamentais; a escola, que propicia

33 Roteiro de entrevista no Apêndice.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

131

relações variadas com iguais, com adultos, com normas e tarefas; os âmbitos de

preparação para o trabalho, que abrem um novo horizonte de problemas micro e

macro-éticos; os espaços cívicos, os quais indicam a percepção de novos tipos de

problemas, além de trazer um novo tipo de experiência de ajuda e

responsabilidade; o trabalho; o lazer adulto; a formação da própria família, que

geram novos meios de vida e, portanto, de experiências morais; os meios de

comunicação de massa, que possibilitam relacionar as demais experiências com a

oferecida por esta via.

5.3. Critérios de escolha

Para resolver que docentes fariam parte da pesquisa decidimos pelo uso de

um sistema constituído na legitimação pelo reconhecimento dos pares.

Considerando que as pessoas a serem estudadas assumem o perfil de sujeitos

ecológicos, pareceu-nos bastante adequada a indicação em rede. O critério

reputacional tem sido usado em pesquisas realizadas na área ambiental. Um caso

bastante conhecido é o levantamento do ISER intitulado “o que o brasileiro pensa

do meio ambiente” (CRESPO, 1992, 1997, 2002). Assim, o primeiro professor

entrevistado, de atuação reconhecida no campo ambiental, enquanto docente,

autor, pesquisador e ativista, membro do corpo pedagógico da UFRJ, deveria

indicar um segundo(a) docente, visto como educador(a) ambiental, para o

prosseguimento da coleta de dados.

Convém esclarecer que a pesquisa não pretendeu esgotar o repertório de

educadores ambientais de todo o Brasil, como também não se circunscreveu

especificamente a um município, em função do caráter indicativo de busca dos

sujeitos em estudo. Foi interrompida a cadeia de entrevistas quando se observou

certo padrão e repetição de informações. No caso desta pesquisa, provavelmente

em decorrência do público estudado compor um perfil específico e minoritário na

sociedade e talvez por sua identidade de sujeitos ecológicos, este padrão surgiu

logo no início das entrevistas (na sétima já estava configurado). No entanto, por

uma questão de cuidado, demos prosseguimento às interlocuções, entrevistando 6

pessoas a mais, a fim de nos assegurarmos acerca da identificação correta quanto

à recorrência dos dados.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

132

5.4. Indicadores

Na busca de compreender a escolha profissional destes docentes

revisitamos, também, os significados das palavras escolha e valores. Começando

pelo dicionário Houaiss eletrônico (2000), a escolha é a “preferência que se dá a

alguma coisa que se encontra entre outras; predileção; opção entre duas ou mais

coisas; ato de eleger; eleição; capacidade de escolher bem, de escolher com

discernimento.”

Se a escolha é uma preferência, implica em posicionamento, na aposta de

algo enquanto se abre mão de outro algo. As escolhas, portanto, têm relação direta

com intenção, discernimento, criticidade, sensibilidade.

Ocorre que valor é a escolha consolidada, isto é, um guia recorrente e

introjetado historicamente no percurso do indivíduo, indicando uma tendência ou

preferência no campo das decisões. Trata-se antes de tudo do reconhecimento e

reafirmação daquilo que importa para uma pessoa.

Com a chancela do dicionário Houaiss, seguimos agora com a palavra

valores:

“importância, destaque em uma escala comparativa; reconhecimento, de um ponto

de vista afetivo, da importância ou da necessidade (de algo ou alguém); conjunto de

traços culturais, ideológicos ou institucionais, definidos de maneira sistemática ou em sua

coerência interna; no pensamento moderno de tendência relativista, cada um dos preceitos

ou princípios igualmente passíveis de guiar a ação humana, na suposição da existência de

uma pluralidade incontornável de padrões éticos e da ausência de um Bem absoluto ou

universalmente válido, qualidade humana de natureza física, intelectual ou moral, que

desperta admiração ou respeito (...)”.

Mas valor também traz a idéia de utilidade (“capacidade de satisfazer

necessidades; utilidade, préstimo, serventia”), de legitimidade (“qualidade do que

apresenta validade, do que é legítimo, válido, veraz”), de coragem (“ausência

completa de medo; valentia, coragem, intrepidez”) e de bem-fazer (“qualidade do

que alcança a excelência, do que obtém primazia ou dignidade superior”). É

sinonímia de coragem (“moral forte perante o perigo, os riscos; bravura,

intrepidez, denodo, fimeza de espírito para enfrentar situação emocionalmente ou

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

133

moralmente difícil”). Trata-se, portanto, de uma ferramenta de trabalho no ofício

inevitável e intransferível de viver.

Assim, consideramos estes aspectos também ao modo de indicadores da

presença de valores ao rever o discurso de nossos entrevistados(as).

Em síntese, tais indicadores são: priorização (referente à acepção: destaque

em uma escala comparativa); apego/paixão/motivação (referente ao

reconhecimento afetivo da importância ou necessidade); ser referência (pois trata-

se de um traço cultural, princípio-guia); tendência à firmeza, intrepidez e busca de

legitimidade nas escolhas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Muitas pessoas têm uma idéia errada sobre o que constitui a verdadeira felicidade. Ela não é alcançada por meio da gratificação pessoal, mas através da fidelidade a um objetivo que valha a pena. Hellen Keller Quem tem por que viver pode suportar quase qualquer como. Friedrich Nietzche O homem que jura fidelidade a uma causa impõe-se limitações mais fortes do que a de qualquer escravo, porque deu seu coração. Harry Emerson Fosdick

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

6 Os entrevistados(as): quem são, o que querem e como vivem

Saber quem são e o que querem nossos entrevistados implica compreender a

existência de um horizonte existencial onde se desenvolve certo projeto de vida e

se manifestam desejos. O aspecto referente a como vivem traduz a prática

existencial concreta, as realizações e dificuldades destas pessoas. Tal prática

operacionaliza o projeto de vida dos(as) docentes e a ele subjazem valores.

Conheçamos, então, um pouco melhor estas pessoas.

6.1. Caracterização

Para brevemente caracterizar o público estudado, apresentamos a seguir

alguns aspectos básicos, organizados ao modo de uma ficha, com um quadro-

resumo ao final.

Procedência. Ao todo foram 13 entrevistados(as), estando representadas

através deles as seguintes universidades: UERJ (Universidade Estadual do Rio de

Janeiro), UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), UFRRJ (Universidade

Federal Rural do Rio de Janeiro), UFF (Universidade Federal Fluminense),

UNIRIO (Universidade do Rio de Janeiro), PUC-Rio (Pontifícia Universidade

Católica), Faculdade Católica de Petrópolis, UNISO (Universidade de Sorocaba),

USP (Universidade Estadual de São Paulo), nove ao total.

Gênero. Dos 13, quatro pertencem ao gênero masculino e nove ao feminino.

Localização. Em termos de residência, oito são moradores do município do

Rio de Janeiro, dois da cidade de São Paulo, um de Niterói e duas de Petrópolis.

Formação inicial. Dos 13, seis se graduaram em Ciências Biológicas, uma

em Enfermagem, um em Geografia, uma em Teologia, um em História, uma em

Filosofia, uma em Serviço Social. Três destes profissionais possuem duas

graduações: Teologia e Psicologia, Biologia e Pedagogia, Biologia e Psicologia.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

136

Formação continuada. Todos realizaram especializações e mestrado e

apenas duas não concluíram seus doutorados. As áreas de estudo na pós-

graduação convergiram para a questão socioambiental, sempre havendo

preocupação com as mazelas sociais.

Faixa etária. A maioria encontra-se próxima dos 40 anos (sete pessoas),

duas pessoas têm cerca de 60 anos e os quatro restantes por volta de 50.

No quadro seguinte apresentamos a situação geral dos(as)

entrevistados(as), identificando-os nominalmente por estrelas e constelações.

Quadro 5 – Quadro geral do perfil docente

Docentes Procedência Formação

inicial

Formação

continuada

Gênero Faixa

etária

Localização Local da

entrevista

Perseu (UFRJ) Biologia Doutorado M 40 RJ Universidade

Polux (UFRRJ) Geografia Doutorado M 40 RJ Residência

Auriga (UERJ) Biologia e

Pedagogia

Doutorado F 40 RJ Universidade

Carena (UNIRIO) Biologia e

Psicologia

Mestrado F 50 Petrópolis Universidade

Aquarius (UFF) História Doutorado M 50 Niterói Universidade

Lira (UERJ) Biologia Pós-

Doutorado

F 50 RJ Universidade

Andrômeda (PUC) Biologia Doutorado F 40 RJ Universidade

Vega (UFF) Filosofia Doutorado F 60 RJ Residência

Polaris (Católica de

Petrópolis)

Teologia e

Psicologia

Doutorado

(em curso)

F 40 Petrópolis Universidade

Órion (UNISO) Biologia Doutorado M 50 SP Residência

Aldebaran (USP) Serviço

Social

Livre-

docência

F 60 SP Residência

Capella (UNIRIO) Biologia Doutorado F 40 RJ Universidade

Antares (UNIRIO) Enfermagem Doutorado F 40 RJ Universidade

Fonte: autora

Além destes 13 entrevistados(as) havia outros dois indicados na lista de

candidatos a entrevistas, com os quais não foi possível conversar. O primeiro,

morador das cercanias de Itaboraí, encontrava-se em viagem e com excesso de

trabalho, e apesar de seu interesse, ao longo de vários meses não houve

disponibilidade concreta. O segundo, de Petrópolis, não foi localizado.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

137

6.2. As entrevistas

As entrevistas foram realizadas no primeiro semestre de 2007, geralmente

no espaço de trabalho dos professores(as), na universidade, mas quatro deles (dois

homens e duas mulheres) preferiram receber-nos em sua própria casa e outra no

restaurante ao lado da universidade (para aproveitar o horário de almoço). O

agendamento sempre foi realizado diretamente com o informante, através de

contato telefônico e, eventualmente, através de e-mails.

Foi utilizado um gravador cassete, portátil, para registrar as entrevistas,

sempre pessoalmente e sem auxiliares. Ao todo, foram 28 fitas. Também tomamos

notas acerca do ambiente onde se deu o encontro e das circunstâncias da conversa.

Freqüentemente as entrevistas ocorreram em ambiente acolhedor e informal,

que observamos fazer parte do “estilo” do público estudado. A título de exemplo,

um dos entrevistados(as) presenteou-nos com seus últimos livros; em três casos,

recebemos convite para permanecer no ambiente após a entrevista a fim de

compartilhar a próxima refeição; em dois outros casos foi oferecida carona para o

retorno após a conversa, havendo também a situação de permanecer em contato

por e-mail durante seguidos dias, devido à recém identificada afinidade mútua.

Todas estas manifestações foram espontâneas e posteriores ao encerramento da

gravação.

Quando a entrevista se deu no ambiente de trabalho, observamos que as

salas eram compartilhadas com outras pessoas e, por vezes, fomos interrompidos

momentaneamente para resolução ou encaminhamento de questões do trabalho

(projetos, reuniões, viagens, publicações, estágios). Quando ocorreu na residência

dos entrevistados(as), geralmente fomos recebidos na sala. Uma das vezes,

contudo, a entrevista se deu nos jardins próximos à piscina do edifício onde mora

o professor.

Todas as entrevistas foram transcritas e digitadas, sem edição. A princípio a

idéia era começar com uma única pessoa de referência, mas em função do tempo

reduzido optamos por utilizar três pontos de partida, tomando, porém, o cuidado

de manter os mesmos critérios. Convergentemente, cada um dos três pontos de

partida indicou os outros dois, de modo que a escolha destes pontos acabou por

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

138

ser novamente referendada no campo. Abaixo, o fluxograma das indicações em

rede, incluindo em tracejado as duas entrevistas que não puderam ser aproveitadas

e as duas indicações com quem não conseguimos efetuar as entrevistas.

Esquema 2: Fluxograma das indicações em rede Fonte: autora

Das treze entrevistas, consideramos onze para fins de análise, em virtude

das circunstâncias de sua realização. Encontrar Carena na UNIRIO requereu certa

persistência e tempo, em função de suas viagens e da dificuldade de acesso a ela.

Ao buscar informações para contato junto à sua diretoria foram-nos oferecidas

também, além dos novos dados de Carena, duas indicações de docentes daquela

universidade, atuantes em EA. Realizamos estas entrevistas antes de

conseguirmos contato com Carena. Entretanto, em função da indicação de Capella

e de Antares ter sido efetuada por outra via que não a prevista pela metodologia,

estas entrevistas não foram consideradas na análise. Ainda assim e por isso

mesmo, importa ressaltar a convergência de seus relatos com os demais.

6.3. Análise dos dados

Embora uma primeira classificação proposta para os dados ocorra

costumeiramente a partir de suas semelhanças e diferenças e tenhamos tido em

conta o panorama das idéias de Puig e de Gouveia como eixos orientadores,

entendemos necessário utilizar a reflexão compreensiva na análise, a partir da

associação livre. Segundo Appolinário (2006, p. 40 e 61), citado por Silva (2008,

p.89), a pesquisa qualitativa seria aquela que:

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

139

“prevê uma coleta de dados que parte da interação social entre pesquisador e fenômeno pesquisado ou participante do estudo. Ele destaca ainda que esse tipo de pesquisa prevê que a análise dos dados coletados baseie-se na hermenêutica do próprio pesquisador (ou seja, na capacidade do pesquisador em interpretar os fatos e dar-lhes sentido).”

Certamente é necessário fazer-se acompanhar de muita leitura, reflexão,

testagem das próprias compreensões e questionamento dos pressupostos pessoais

para viabilizar uma desconstrução, que permita, então, a construção de algo novo.

Devido à riqueza dos dados e às várias possibilidades de análise a que se

prestam, privilegiamos as questões da entrevista diretamente relacionadas com a

motivação dos(as) docentes na configuração de seu projeto de vida, uma vez que

as escolhas resultam de valores. Num segundo momento, foi a vez de olhar para

as questões relativas às influências recebidas nas escolhas de vida destas pessoas.

A partir daí, valores e trabalho foram correlacionados, de maneira a verificar o

modo como interagem. Estes três aspectos correspondem às questões da pesquisa

(quais valores se relacionam com a escolha da EA? Como se formaram? Como

atuam?) Entretanto, como as coisas ocorrem organicamente, de modo integrado, à

medida que os dados foram sendo apresentados, as três questões foram também

sendo consideradas.

O mini-inventário e diversas perguntas da entrevista atendem a este objetivo

identificatório dos valores, elencadas na seqüência: 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 14,

18, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30. Das questões listadas as mais relevantes

se encontram em negrito. As demais foram utilizadas em consultas quando houve

necessidade de verificação ou confirmação de uma informação.

Classificamos estas questões nas seções seguintes: opção pela EA; intenção;

comportamento e perspectivas.

Esclarecemos, ainda, que no diálogo com os dados optamos por utilizar

diretamente (evitando citações que poluiriam o texto) os conceitos já apresentados

de Carvalho (2002): campo ambiental e sujeito ecológico; de Puig (1998): meios

de experiência moral, experiência moral, consciência moral; e a tipologia de

valores de Gouveia. Isso significa que os conceitos, já introjetados, operaram

enquanto pano de fundo da análise. Conforme os dados se apresentem,

oportunamente e, muitas vezes, de modo combinado, identificaremos valores,

mostraremos sua forma de operar e a maneira que se formaram ou consolidaram.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

140

6.3.1. Os entrevistados(as): quem são

Pessoas que compartilham desejos, modos de ser e de estar no mundo,

traços de personalidade e prioridades. Diferem no modo de concretizar estes

desejos e prioridades, imprimindo aí sua singularidade pessoal, mas se aproximam

na articulação possível e negociada para ações conjuntas (reuniões, eventos,

livros, projetos, negociações). O elo que os une é o ethos de sujeitos ecológicos,

para usar o dizer de Isabel Carvalho.

Em comum, o perfil de líderes determinados, persistentes, altruístas,

abnegados e workaholics, resultando em grande engajamento, dedicação e

produtividade. Na biografia, partilham idéias inatas quanto às necessidades de

auxílio à humanidade e à vida como um todo, traduzidas pela atenção e cuidado

planetários, além de acontecimentos marcantes na infância ou juventude

desencadeadores de uma série de escolhas relacionadas a posicionar-se quanto a

esta tendência de assistir a outrem e ao modo de fazê-lo. Demonstraram importar-

se e ocupar-se na vida com coisas como gratidão, solidariedade, justiça, trabalho,

estudo, família, relacionamentos interpessoais sadios, amorosidade, cuidado,

respeito. Estas palavras foram mencionadas repetidamente em diversos momentos

da entrevista, por ensejos variados.

São pessoas decididas, comprometidas, que gostam da vida e a significam

principalmente pelo trabalho, escolhido ao modo de estratégia para viabilizar

intervenções sociais relativas à necessidade de cuidado planetário, nele incluídas

as pessoas e relações. As declarações são convictas, entusiásticas, firmes:

“Esse trabalho é o trabalho da minha vida, pro resto da minha vida, vou me aposentar e continuar nele” (LIRA).

“Então acho que um educador ambiental tem que se posicionar muito claramente nesse sentido de ser defensor da mudança, de não ser acomodado, de explicitar seu compromisso. E tem amor, eu acho que tem aí uma coisa mais subjetiva, esse amor maior pela vida. (...) se você pegar isso que eu falei antes, essa minha inquietação, essa minha não aceitação, ela é muito de um amor, de uma paixão pela vida que me moveu muito, eu sou um apaixonado pela vida. (...) você tem que viver intensamente, em todos os sentidos, se você não sentir prazer da vida, né, [tem que] fazer a história” (PERSEU).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

141

Destaca-se um aspecto de compromisso pessoal para com a mudança do

mundo a partir da própria ação articulada.

“Eu acho que a vida e a história é um processo e depende de muitas coisas, inclusive da nossa ação. Acho que não adianta ficar muito sonhando, acho que a gente tem que ir se engajando nas coisas, não é de uma forma pragmática, mas colocando no horizonte lutas que são possíveis, que são necessárias e se engajando nesses trabalhos. Se eu quero melhorar algo não adianta sonhar com uma coisa. A gente tem que ver como é que eu faço historicamente, praticamente, como é que eu me engajo nisso, que papel eu desempenho nisso, quanto que eu consigo fazer, os limites disso também que estão postos dentro da educação, mas principalmente fora da educação. (...) Bem, acho que tenho uma prioridade que tem duas faces. Eu diria, assim, que esta é a prioridade que orienta minha vida. Que é uma prioridade de compromisso com os outros. Então ela tem uma face privada, que é o meu compromisso com a minha família, e a minha face social, que é o meu compromisso com a sociedade na qual eu vivo. Acho que compromisso é uma prioridade número um. Ninguém tem o direito de ser descompromissado, de se desfazer da sua parcela de responsabilidade em qualquer situação. Nós não estamos soltos no mundo. O Sartre diria ‘nós estamos condenados a ser livres’. E, portanto, nós devemos exercer nossa liberdade com responsabilidade, que implica sempre numa relação com outras pessoas” (VEGA).

6.3.2. Os entrevistados(as): o que querem

Analisar o que querem os entrevistados é olhar como se expressam, que escolhas

fazem, a que direcionam seus esforços – e, logo, que valores os movem. Para isso, nada

melhor do que examinar os indícios de projetos existenciais.

6.3.2.1. Projetos de vida: opção pela EA

A opção pela educação ambiental pode ser traduzida na expressão “escolha

de vida”, utilizada pela maioria dos entrevistados(as). As questões respondidas

nesta seção foram a de número 6) por que você é educador(a) ambiental?; e a de

número 4) como se tornou educador ambiental?

A questão “Por que você é educador ambiental?” pretendeu remeter à

motivação que levou a esta escolha. No geral, parece haver um inconformismo

com a situação atual, descrita como de injustiça, desigualdade, degradação,

afastamento de si próprio e dos demais. Como demonstram as afirmativas

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

142

seguintes, fazendo eco a quase todas as demais, cujo mote é que algo tem de ser

feito para que as coisas mudem:

“eu sou um educador ambiental porque sou uma pessoa que não aceita o que tá aí. Essa coisa pra mim, assim, chega a ser insuportável. Absolutamente insuportável. Sofro demais. Sofro. Sou uma pessoa inquieta, que normalmente não aceita a idéia de que o que esta aí, é [no sentido de que tenha de ser assim]. Alguma coisa tem que ser feita para ser diferente” (PERSEU).

“Por que eu sou uma educadora ambiental...? Porque eu penso que o Marx tem razão, que nós somos seres da natureza, que intercambiar com a natureza é um intercâmbio com nós mesmos, que o trabalho faz essa mediação entre nós e a natureza, sobretudo na produção capitalista, levou essa relação a uma relação de espoliação tão gigantesca que nós perdemos a responsabilidade social com a vida, com a sobrevivência. Então, aquilo que Marx chamou da falha metabólica, essa separação do homem com a natureza, a compreensão que o homem tem e que levou a uma alienação progressiva do ser humano em relação aos impactos que ele exerce sobre si mesmo, se entendendo como natureza. Isso é de responsabilidade social muito importante, enfim, eu acho que alguém tem que se ocupar disso. Eu acho que todos têm que se ocupar, mas na medida em que todos não estão se ocupando disso e que há uma inviabilidade de se ocupar disso radicalmente, sobre o modo de produção capitalista, porque o capital não pode fazer essa reflexão, mais radical, porque senão ele se auto-inviabiliza, eu acho que, enfim, é meu papel, formada e preparada, e há longos anos discutindo o mundo do trabalho, eu acho

que quem tem uma reflexão sobre o mundo do trabalho tem que necessariamente

se ocupar da questão ambiental” (VEGA).

A fala de VEGA pressupõe que além de manifestar desgosto pelo mundo

como está, pode-se fazer algo. Aliás, deve-se. Por uma questão de

responsabilidade. Há uma espécie de autoconvocação para a ação.

As respostas a esta questão evidenciaram o valor justiça, traduzido na

indignação e na assunção de responsabilidades, através do trabalho. Algumas

características se expressam a partir dessa mobilização: engajamento, dedicação,

comprometimento, cooperação.

Outro valor que se evidenciou foi a vida, enquanto algo que vale a pena

experimentar em sua plenitude, tendo sido apresentado de diferentes formas:

Porque eu gosto da vida. Acho que a vida tem um valor, enfim... (ÓRION)

Por que eu não sei, eu sei que sou. Acho que porque acredito em projetos coletivos. Educadora Ambiental nunca trabalha só, é impossível, então sempre trabalhei com pesquisa-ação, (...) eu sou uma Educadora Ambiental porque eu acredito na Educação Ambiental, eu acho que é isso. Eu acredito que as pessoas possam se comprometer com uma melhora da qualidade de vida (LIRA).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

143

Os dois próximos depoimentos não se encaixam inteiramente em nenhuma

das categorias de valor34 propostas por Gouveia. Além do valor vida, que ocorre

como nos depoimentos anteriores, evidenciado na descrição da importância do

processo da vida, na natureza da vida e da morte, denominamos de evolutividade

outro aspecto valorizado por POLARIS, algo semelhante a uma mescla dos

valores maturidade e afetividade, resultando em uma vontade de assistir ao outro:

“Eu não me sinto uma educadora ambiental, eu me sinto uma educadora. Agora, eu não consigo imaginar porque que o ambiente não está dentro, acho que é o contrário: por que você é uma educadora? Porque eu tenho paixão pelo ser humano e pela capacidade de transformação dele. Tem um autor que diz “que educar não é encher com cântaro, mas é acender um fogo”. Eu acho que o psicólogo também faz isso, é acender um fogo, mostrar que pode ser diferente. Eu acho que a educação vem por aí, agora o enfoque é que procura ser mais abrangente. Mas eu não sei se eu seria uma educadora onde aparecesse uma disciplina chamada de educação ambiental. Eu não sei se eu gostaria de estar neste lugar, sem falar da morte. Todos os processos para mim são muito interligados. Uma das práticas em aula que eu tenho dentro da educação ambiental é fazer uma visita ao cemitério, que é lidar com a morte. A natureza o tempo inteiro morre, renasce, tem os ciclos, e nós saímos desse processo. Eu acho que vamos ter que trabalhar estas questões todas” (POLARIS).

Ao passo que a resposta de POLUX remete a uma motivação de ordem

vocacional, cujas origens também podem se remeter à justiça, mas tendo em

mente o perfil de POLUX (que o leitor conhecerá ao longo da análise), referem-se

ainda à afetividade e maturidade.

“nasci assim. Na verdade comecei muito cedo, nunca pensei em fazer outra coisa. Pensar até pensei, até comecei uma outra faculdade, mas eu era tão novinho, 16 anos, quando comecei, acho que não estava ainda muito formado. Quando comecei a fazer a formação, isso já estava muito introjetado em mim. É meu mesmo” (POLUX).

Correlacionando esta resposta com as demais de POLUX deduzimos que

esta motivação tenha relação com os valores da justiça, honestidade e maturidade.

Para a questão “como se tornou educador ambiental?” se evidenciaram os

valores da justiça e conhecimento. Com esta questão pretendemos conhecer parte

34 Relembrando (conforme tabela 2): sobrevivência, sexo, prazer, estimulação, emoção (relativos a necessidades fisiológicas); estabilidade, saúde, religiosidade, apoio social, ordem social (relativos à necessidade de segurança); afetividade, convivência, êxito, prestígio, poder (relativos à necessidade de afeto ou pertença); conhecimento (relativo à necessidade cognitiva); beleza (relativo à necessidade estética); maturidade (relativo à necessidade de auto-realização); privacidade e autodireção (relativo à pré-condição de liberdade); justiça social (relativo à pré-condição de justiça); honestidade (relativo à pré-condição de honestidade); tradição e obediência (relativos à pré-condição de disciplina).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

144

da trajetória que levou a escolher o caminho da educação ambiental, tanto no que

tange a motivações como relativamente a aspectos da biografia pessoal.

PERSEU retrata bem a motivação pela justiça e é possível perceber em sua

trajetória a influência de meios de experiência moral que originaram problemas

morais suficientemente desafiadores para motivar uma escolha profissional

engajada, sobre a qual foi investido seu projeto de vida.

“o começo da educação ambiental é o meu próprio começo em termos profissionais, e em termos de opção de vida, tanto é que pra mim nunca houve essa separação entre relação profissional, de compromisso enquanto pessoa, foi uma opção de vida mesmo. A educação ambiental pra mim é isso, uma opção de vida, que eu comecei com... na verdade assim, desde pequenininho, eu, criança, já tinha toda uma preocupação com essa questão da natureza, e o modo como eu observava as coisas... não aturava, não conseguia compreender certas coisas que eu via, tanto na relação entre as pessoas quanto a relação com o mundo, e isso foi me motivando muito cedo a me envolver com as discussões ambientais, e com as questões sociais, e com os movimentos sociais, e com os trabalhos em comunidade... isso muito cedinho mesmo” (PERSEU).

As primeiras experiências morais dilemáticas motivaram para um

aprofundamento na questão. O que PERSEU faz em seguida, envolvendo-se em

movimentos sociais variados e enfrentando, a partir daí novas experiências

morais.

“E aí com 16 para 17 anos eu comecei a atuar na APEDEMA, em formação de grupos ambientalistas aqui no Rio, participei de vários naquela época, e aí, assim que entrei na universidade, já via que a Biologia era importante mas não dava conta dessa discussão, das minhas inquietações, e aí já comecei a puxar para cá mesmo, pra Educação. Fazia licenciatura e bacharelado juntos, naquela época. E aqui conheci um pessoal da Sociologia da Educação, e isso foi facilitando esse trânsito da educação, e da educação e biologia, e aí eu comecei a formular efetivamente sobre educação ambiental, isso em 86 mais ou menos, por aí. (...) E daí pra frente foi crescendo, porque aí já me envolvi com a construção das redes, formei o primeiro grupo aqui, o GEA, na época era o primeiro grupo de educação ambiental em universidade, nos anos 90. E aqui sempre teve muita gente de ONG, movimentos sociais, sindicato, pessoal de universidade, tanto é que os primeiros encontros estaduais surgem daqui, das nossas reuniões, e a rede estadual surge daqui... Enfim, aí me envolvi na organização de vários eventos, inclusive a jornada internacional, na época da confecção do Tratado, o primeiro [encontro] latino-americano, e aí, na definição da política nacional, do PRONEA, com esses documentos todos eu tive uma ligação, e já circulava bastante pelo país, e isso foi crescendo, crescendo, crescendo, até gostaria de pular esse ponto, porque você já sabe (risos...) (PERSEU)

Como se pode depreender, nos meios de experiência moral vividos por

PERSEU (trabalhos em comunidade, grupos ambientalistas, a universidade,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

145

movimentos sociais), significativa interação se desenvolveu. As experiências

morais e as conversas ocorridas sobre estas experiências – sejam questionamentos

interpessoais, sejam embates internos – certamente alimentaram o fortalecimento

desse senso de justiça e modo de encarar a realidade, definindo, e depois,

reforçando, a escolha profissional.

“Eu diria assim, que no início eu não me via como educador ambiental. No início das minhas reflexões, me via como ambientalista, pura e simplesmente, mas realmente foi quando a gente começou a ver a importância da educação nessas questões, e quando eu comecei a fazer Biologia, e via que a Biologia não atingia, não chegava a essas pessoas... foi assim: ‘falta aqui a educação!’ Aí quando a gente começou a montar esse trabalho com menino de rua, aí...: ‘é a educação ambiental mesmo!’ É aquilo que reúne todas essas questões e que pode estar atuando nesse processo de conhecimento, de ação, de reflexão, ali é que comecei a me ver como educador ambiental” (PERSEU).

Já CARENA ilustra a escolha embasada pelo valor conhecimento. Escolhe e

aplica este conhecimento de modo autodidata.

“Estudando sozinha, porque quando eu fiz Biologia no Fundão isso nem existia, nunca nem ouvi falar lá... fui estudando sozinha, lendo... eu sempre tive vontade de ler coisas diferentes sobre as questões ambientais...então eu lia... eu sempre estudei sozinha, nunca fiz nenhum curso de educação ambiental. Eu só vim fazer curso de educação ambiental quando o MEC mandou pra cá para a universidade um convite para eu fazer parte de um grupo de multiplicador de educação ambiental lá em Uberlândia, mas formação de pós-graduação, de mestrado, nunca. Eu sempre estudo sozinha, porque eu acho que a questão ambiental é uma questão de leitura, abertura, filosofia... [pra] entender a questão da sustentabilidade a pessoa tem que estudar a filosofia. A filosofia para mim é a base da educação ambiental, senão fica em ecologia e não tem nada a ver. Você levar a ética pela obrigatoriedade, pela lei de 1999, levar pensadores modernos...levar a ética sob a ótica de diversos pensadores isso é uma coisa bem interessante pros alunos que nunca viram filosofia, nunca nem ouviram falar de ética, não sabiam que existia isso” (CARENA).

Trata-se de um valor e estratégia de mobilização simultaneamente.

CARENA imperceptivelmente toma sua experiência por modelo e busca

reproduzir sua motivação nos alunos, oportunizando-lhes percorrer trajeto

semelhante ao dela, qual seja, o do conhecimento. Sua atuação orienta-se no

sentido de que seus alunos também se mobilizem a partir do conhecimento. Da

mesma forma que ALDEBARAN:

“Se você consegue convencer a pessoa a incorporar certos conhecimentos, ela passa a lutar por aquilo, e buscar transformar a sociedade, numa visão de bem comum. Eu acho que a educação tem papel importantíssimo, é o que me motiva nesta área. É impossível trabalhar simplesmente com meio ambiente ou saúde sem

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

146

trabalhar a educação, que é o que transforma as pessoas, é a partir daí que elas vão transformar o entorno. Claro que não é a gente que transforma a pessoa, ela se transforma, mas o que quero dizer é que vem de dentro para fora... primeiro a pessoa se transforma, para depois transformar o entorno. Isso na educação ambiental (EA) é importantíssimo. Se as pessoas não incorporarem novas idéias e não passarem a atuar em função destas idéias... Eu digo aos meus alunos que não existe EA teórica” (ALDEBARAN).

Embora para ALDEBARAN haja diferença de expectativa. Como se vê, o

conhecimento para ela deve estar explícita e diretamente a serviço da justiça, do

bem comum. Existe para mudar o mundo, viver a própria proposta.

“Sou nascido no interior de SP, fui a SP para estudar Biologia, também trabalhava na Sabesp. Era um trabalho externo, muito bom pra me fazer conhecer a periferia de SP. Me marcou muito. Comecei depois a militar no movimento estudantil, ecológico. Foi no final dos anos 70 e início de 80. Por acidente comecei a dar aulas e me interessei por educação. Minha sogra era professora de Biologia, fez cirurgia um pouco complicada e teve de deixar algumas aulas. Não havia professor. Eu estava no 3º ano. Conversou com o diretor e me chamou pra dar aula no período noturno. Foi do tipo, já que não tem ninguém, vem você. Traz o estudante. Comecei, então, a dar aula para o 3º colegial. O programa deles era Ecologia, na época. Para mim foi muito bom. Muitos dos meus alunos, ou tinham a minha idade ou eram mais velhos, o que me foi um desafio, são os marcos da minha trajetória. Não foi só uma gentileza, nada disso. Aquilo também me provocou. Ali foi uma... você se torna professor” (ÓRION).

O conhecimento, evidentemente importante para ÓRION – que se mudou

para a capital apenas para estudar, com todas as dificuldades que isso supõe – foi

também porta para diversas experiências morais, como o primeiro desafio docente

anteriormente citado. O resultado dessas vivências iniciais foi o envolvimento

maior com a educação:

“Fui fazer licenciatura, um período muito chato... a Educação é uma coisa muito chata... mas acho que as leituras no período, do Paulo Freire, foram muito importantes. Não só as leituras que eu fiz do Paulo Freire, mas as leituras das pessoas com as quais eu convivia. Isso me ajudou muito. E encontrei muita gente pra me apoiar nesta formação. Da biologia, fui fazer o mestrado em Filosofia da Educação, e não encontrei ninguém fazendo este percurso. Até poderia ter, poucos anos depois encontrei colegas neste percurso... mas não eram pessoas da minha convivência, então eu tinha mais possibilidade de encontrar barreiras do que apoios. E encontrei muitos apoios, e isso foi legal. Então... tem essa coisa de assumir-se professor como uma identidade, mas também assumir-se professor profissionalmente. Não ser um professor qualquer, eu acho que eu não sou um professor qualquer” (ÓRION).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

147

A influência do meio teve sua relevância, mas dentro dele parece ser o

contato com os companheiros (pessoas/ leituras) o que realmente fazia diferença

em suas reflexões.

Também para ÓRION conhecimento e justiça se articulam em sua história,

embora de outro modo. Da mesma forma que para PERSEU os meios de

experiência moral que o influenciaram estão relacionados com os movimentos

sociais, especialmente pelo contexto nacional na década de 80.

“Fui para a PUC, estava muito envolvido com a educação, participei do movimento de democratização estudantil, a volta dos exilados, o Gabeira, o Paulo Freire. São Paulo fervia naquela época. Eu participava ativamente disso. Decidi fazer mestrado de Educação. Fui à PUC, estudar com Paulo Freire. Da PUC fui à Bélgica. Quando voltei para o Brasil, depois de acabar o Doutorado, o Brasil estava nos preparativos para a RIO-92. Eu cheguei com formação sólida, num momento bem interessante, como este. Mas eu não tinha perspectiva da Educação Ambiental, que iria ter a importância e a difusão que tem hoje. Era algo que eu queria estudar, mas era muito intuitivo. Acho que marcou bastante e marca ainda o meu trabalho esta coisa da percepção, da intuição, da sensibilidade, do que vai acontecer” (ÓRION).

O mesmo se passou com AQUARIUS, no Rio de Janeiro. Formado em

história, também adquiriu conhecimentos em geografia, psicologia e arquitetura.

Chegou à Educação através de uma experiência semelhante à de ÓRION, através

de um convite ocasional para lecionar, só que neste caso no ensino infantil.

Tomou gosto pela educação e a convivência simultânea com problemas

ambientais e com colegas de uma escola alternativa foi forjando um interesse cada

vez maior pela questão ambiental. Como antes, aqui também as experiências de

problematização moral geradas pela interação com os alunos e com a realidade

escolar contribuíram decisivamente para delinear a educação ambiental enquanto

projeto existencial. AQUARIUS conta que uma de suas experiências

fundamentais nesse sentido se deu quando professor numa escola estadual da zona

rural. Dando aula de geografia, se deparou com a desistência de uma aluna em

função de uma gravidez não planejada. O fato o mobilizou de tal forma que ele

mudou o programa de geografia física para demografia, população, métodos

contraceptivos. Sua impertinência, como ele se refere, de explicar a anatomia e

fisiologia humanas aos alunos da sétima série, custou-lhe a reprovação dos demais

professores, que não entenderam sua atitude. Mas, como disse ele, não podia

sonegar este tipo de informação.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

148

“Nesse esforço de me fazer entender, porque minha intenção não era de agredir ninguém, era de orientar os alunos, eu achava que a escola não podia sonegar essas informações todas, eu comecei a perceber o fosso que existia entre as pautas curriculares tradicionais e as demandas educacionais latentes dos alunos. Isso me provocou um impacto importante na minha perspectiva como professor mesmo. Eu comecei a ter coragem de desobedecer mais a ordem escolar e comecei a ter mais firmeza, porque o conflito não foi pequeno. Eu lembro de uma figura que era evangélica e ela assistiu a esse negócio horrorizada. Passou o resto do ano se benzendo toda vez que encontrava comigo…” (AQUARIUS)

Esta experiência, somada a outras, relativas a demandas reais dos alunos em

contraposição ao conservantismo escolar, levou AQUARIUS a perceber a

necessidade de desobedecer a escola para ser fiel a si mesmo. Mas, também a criar

alianças no âmbito escolar de modo a viabilizar o trabalho. Falando de outro

momento e de um trabalho sobre saneamento básico que desenvolveu com a

quinta série, devido à presença de um valão a céu aberto defronte a escola, conta

sobre o aprendizado dessa necessidade, pois neste projeto não conseguiu fazer a

exposição temática que desejava, aberta para a comunidade.

“Mas foi frustrante, porque percebi a seriedade dos limites com que a gente trabalha em escola, entendeu? Isso me exigiria outros cuidados, políticos até, pra pensar em projetos futuros. Ou bem eu tinha que construir uma aliança interna que me permitisse fazer tais afrontamentos ou eu ia ficar morrendo na praia o tempo todo, entendeu? Então isso me ensinou um pouco sobre a necessidade de buscar alianças internas e de vencer uma coisa que é complicada que é a cultura pedagógica tradicional, que é conservadora, positivista. Mas também isso me ajudou a compreender o fato de que pensar em EA na escola significa também pensar em uma estratégia de combate com relação a esta cultura tradicional. Foi uma situação importante. Fiquei um pouco abatido durante um certo tempo até digerir essa história…” (AQUARIUS)

O fazer docente, então, configurou-se um grande fornecedor de desafios,

requerendo escolhas e posicionamentos frente às experiências morais. Outros

desafios ocorreram, isto é, experiências morais, ainda no mesmo meio de

experiência moral: o trabalho. Mas em circunstâncias diversas, quando consultor

de uma grande estatal para a área ambiental, depois como professor de uma

pequena cidade do interior de Minas, também na militância partidária e na

ambientalista e, finalmente, na docência universitária.

Em todas estas situações, evidenciou-se o valor da justiça e da maturidade

enquanto catalisadores importantes de renovações, aprendizados e fios condutores

da própria vida. O trabalho, neste caso, constitui mero instrumento de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

149

contraposição à injustiça e de contribuição tanto para angariar novos combatentes

lúcidos como para diretamente eliminar a injustiça.

LIRA, por sua vez, representa os três valores conjugados entre si: vida,

justiça e conhecimento.

“Desde quando eu fazia Biologia eu trabalhava nestas classes populares dando aula. Desde sempre eu achei que o ensino simples da biologia estava a serviço de uma discussão sobre a questão ambiental e da saúde. Não haveria conceitos soltos, quer dizer, os conceitos serviriam para entender melhor o ambiente, entender melhor a saúde. Depois que eu fiz Biologia fiz pós-graduação para ser melhor educadora e não bióloga. Depois, eu fui fazer justamente doutorado em Ciências Sociais na Unicamp para ser uma educadora melhor e não bióloga. Eu fui chegando perto das Ciências Sociais, mas sempre para ser uma Educadora melhor, sempre pra tentar fazer com que as pessoas pudessem compreender melhor o seu corpo e o seu meio, para ter uma melhor qualidade de vida e [para] que pudessem contribuir para projetos sustentáveis” (LIRA).

Neste caso, a qualidade de vida seria uma questão de justiça. Poderia ser

alcançada mediante conhecimento, e este, desenvolvido através da prática

educativa, sendo o corpo e o meio pautas do processo pedagógico. Trata-se do

mesmo tipo de situação ocorrida com AURIGA. Inicialmente, AURIGA

desenvolve seu trabalho, ignoradamente com perfil de EA, de maneira intuitiva,

por um senso de dever e de justiça.

“Deixa eu te dizer por que falo isso... eu comecei a trabalhar no Estado em 1976 e fui trabalhar numa área muito carente, que era São João de Meriti, na Baixada Fluminense e lá eu trabalhava com crianças de primeira a quarta série e quinta a oitava... nessa época eu era professora de primeira a quarta, mas tinha feito um curso de estudos adicionais. (...) E eu era a única professora de ciências na escola, uma escola numa área que não tinha asfalto, não tinha esgotamento sanitário, que a água era precária, tinha muito valão aberto... então eu comecei a fazer muito trabalho com as crianças, voltado para a realidade delas... eu saía com as crianças pra que elas olhassem o entorno, a gente deu muita aula em volta do valão do esgoto, conversando com a comunidade sobre como é que era o valão antes... e eu não sabia que estava fazendo diagnóstico socioambiental, que eu estava recuperando memórias... eu não sabia nada disso naquela época... tinha 18 anos, tinha acabado de sair do curso normal, ia fazer 19 anos. Eu achava que aquilo era importante, que as crianças precisavam saber o que era aquilo, como é que tinha sido, o que a gente poderia fazer pra melhorar... A gente fez muita feira de ciências, na época era ditadura militar e eu não sabia nem o risco que estava correndo porque eu insistia em fazer a feira de ciências na praça próxima à escola... carregava as carteiras e ia fazer feira na praça... e todo mundo achava que era uma grande loucura fazer feira numa praça. Mas eu queria que fosse lá porque não adiantava fazer feira de ciências dentro da escola porque a comunidade não ia. Como a comunidade não ia na escola eu achei que eu tinha que sair da escola. Então eu convenci alguns loucos, isso em 78, 77, a levar as crianças pra fora e a gente fazia isso” (AURIGA).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

150

Sua auto-assunção enquanto educadora ambiental se deu muitos anos depois

de estar trabalhando nesta perspectiva, quando começou a estudar o tema por meio

da pesquisa universitária.

“Eu acho que na verdade quando eu comecei a ler sobre educação ambiental, comecei a estudar... Acho que na época do mestrado isso ficou mais claro, comecei a perceber isso de uma forma mais teórica, comecei a me envolver com os teóricos, com legislação, comecei a trabalhar nessa área como pesquisadora, tentar levantar referenciais teóricos e aí fui perceber que aquilo que eu fazia há muito tempo era educação ambiental” (AURIGA).

A justiça e a vida foram ainda o mote de POLARIS, porém sua inserção nos

movimentos sociais se deu por outra via: a Teologia da Libertação, de Leonardo

Boff, de quem foi aluna e com quem ainda trabalha.

“E mais ou menos nos anos 90, 92, nós começamos a questionar essa questão de direitos só humanos. Por que direitos só humanos? Começamos a falar dos direitos sociais, econômicos culturais e ambientais. (...) Então nós começamos a perceber a importância da questão ambiental, mas não também numa perspectiva só ambientalista, e hoje a gente tenta fazer estes diálogos todos, em todas as dimensões. A categoria que a gente usa nem é ambiente, é ecologia, ecologia é entendida como a ciência das intro-retrorrelações, ou seja, busca entender que tudo tem a ver com tudo em alguns sentidos, em alguns pontos, e que precisamos olhar a vida a partir desta integralidade. Então é muito mais a ecologia integral do que propriamente uma preocupação ambiental. Na verdade a gente começou a se interessar por estas questões. As questões da ecologia estão sempre aí, a questão é que a gente é que tem um olhar fragmentado, uma vez que você olha com outro olhar você começa a relacionar todas as questões. Numa primeira fase, nós não trabalhamos com um projeto de ecologia, a gente já teve até um projeto que não deu certo, então a gente começou a perceber que tanto a cultura da paz quanto a ecologia eram eixos, e que deviam atravessar as práticas como um todo” (POLARIS).

A perspectiva democrática atravessa seu trabalho, de modo que os temas

não são propostos aos grupos, ao contrário, eles emergem das comunidades ou dos

alunos. Devido a sua própria formação em Teologia e Psicologia, diferentemente

da maioria, POLARIS não veio de uma origem ambientalista, mas de movimentos

sociais que relacionam seus fundamentos à espiritualidade. De modo que sua

prática ambiental encontra-se impregnada por esta matriz.

“Há 3 anos eu fui convidada para ajudar a pensar em um curso de pós-graduação com os franciscanos de Petrópolis, eles têm um Instituto Teológico Franciscano, eles têm uma das maiores bibliotecas da América Latina e queriam começar a fazer este diálogo. Então comecei a ajudar a pensar e isso se concretizou através de um curso de pós-graduação chamado Educação, Ecologia, Espiritualidade - uma abordagem transdisciplinar. Eu fiquei com a parte de Educação e Ecologia, mas havia muita liberdade para se criar algo, tanto que no primeiro módulo eu trabalhei

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

151

só as questões do paradigma. O mais legal do curso é que vieram pessoas do Brasil inteiro, elas ficavam hospedadas lá durante 20 dias e depois iam embora. A primeira turma terminou em janeiro deste ano. E outras universidades tentaram disputar este curso como Bragança Paulista, outras universidades dos franciscanos. Mas se decidiu que ela vai ficar no Instituto Teológico porque ali ela teve características mais alternativas que dentro de uma universidade formal talvez ela não pudesse ter. O instituto é uma universidade, mas ele não tem os cursos regulares de uma universidade, trabalha mais com os cursos da Teologia” (POLARIS).

Percebe-se que também o conhecimento e a religiosidade atravessam sua

prática como algo valioso, sendo o exemplo anterior mera amostra.

Em POLARIS o valor justiça mobiliza traços de personalidade, como:

criticidade, anticonvencionalismo, afetuosidade, pragmatismo. Que se traduzem

num comportamento engajado, sensível e idealista.

Observamos que os valores agem na escolha dos conteúdos e na forma de

abordá-los e interagem entre si nesse processo. Por exemplo, a justiça tem sido

uma motivação básica, levando a uma prática educativa democrática e

participativa, valorizada por POLARIS e AURIGA. Interagindo justiça com vida,

resultou na importância atribuída por LIRA ao corpo e à morte, por POLARIS.

POLUX também vivenciou meios de experiência moral ligados ao

ambientalismo (no contexto carioca) desde sua juventude, tal como PERSEU e

AQUARIUS. Mas sua motivação inicial está ligada à estética e ao afeto, devido à

convivência:

“Minha primeira grande influência para me tornar um educador ambiental foi minha avó. Ela tinha um sítio em Nova Friburgo, em Muri, que era um lugar paradisíaco e era paradisíaco por conta dela, por ela ser uma pessoa voltada para a natureza, ter mil caprichos, era tudo lindo, impecável, o jardim maravilhoso e era por conta do zelo dela, da paixão dela pela natureza. Eu vivenciei muito essa paixão dela e obviamente isso me influenciou muito. Certamente, isso teve uma importância bastante grande, não pela EA, mas por essa paixão por tudo que esteja relacionado à questão da natureza. Depois disso, quando entrei na universidade, já motivado por essa questão, eu tive um momento em que deu clique com essa coisa, numa Semana do Meio Ambiente, acho que a primeira do curso da UFRJ, em 84. E na preparação da Semana, comecei a me envolver como aluno, tinha na época como professor o Carlos Minc, que hoje é secretário de Estado. Naquela época ele estava vindo da Europa, tinha sido exilado, junto com outros tantos e naquele momento estava se constituindo o Partido Verde aqui no Brasil e, particularmente, no Rio. Tinha o Gabeira, o Minc, o Sirkis e na universidade ficou meio um nucleozinho dessa coisa e eu já me encantando por essa história, acho que ali foi o momento mesmo de decidir que realmente queria profissionalmente ingressar na EA. A partir dali realmente comecei a procurar alguma coisa ligada à EA e já foi alguma coisa pensando em EA porque eu estava na faculdade de geografia e eu queria ser professor. Muitos colegas fizeram bacharelado, eu nem fiz, já queria ser

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

152

realmente professor e nesse momento já pensei em conciliar a geografia com a EA e já comecei a procurar” (POLUX).

Idealista, POLUX quando se formou quis viver no interior e trabalhar com

escolas rurais ou excluídas. Essa experiência gerou importantes frutos: diversos

projetos com a comunidade e dois livros. Os livros, e sua trajetória em seguida,

voltando à academia para o mestrado e doutorado, revelam também ter ele por

valor o conhecimento – articulado de uma forma prática, sempre gerando

resultados, como novos livros. Eis um exemplo de como atuam os valores. Ao

mesmo tempo, revela-se em seu depoimento anterior, a importância de um

ambiente favorável e da convivência com os companheiros de jornada.

“O Pedrini, com seus alunos, que quando me apresenta fala que tenho uma formação de doido, geografia, ciências ambientais, ciências sociais e educação, mas na verdade ela tem um norte que é a EA, todos os meus trabalhos foram orientados para isso e na verdade para a EA essa abordagem é interessante porque me deu uma visão de diferentes campos do conhecimento e isso agrega para essa visão mais ampla da EA” (POLUX).

Além do conhecimento e da justiça, POLUX parece ser movido pelo senso

de fraternidade. É pessoa afetuosa e bem humorada, que explicitamente gosta da

vida e do ser humano, dedicando-se, por isso, à busca de melhor qualidade de vida

para todos. Olhando sua trajetória faz-se necessário acrescentarmos à lista de

valores de POLUX a beleza e a maturidade, ambos relacionados com a escolha da

educação ambiental.

Compromisso com a mudança para melhor parece ser o foco comum do

grupo estudado. O que pode ser confirmado ao observarmos as respostas às

questões do bloco intenção, quais sejam: 4)“O que você gostaria de ver em seus

alunos como efeitos de seu trabalho? 9) “Que mudanças você espera que seu

trabalho promova no mundo?”

6.3.2.2. Projetos de vida: efeitos do trabalho

Considerando o grupo como um todo há dois aspectos que se sobressaem

como efeitos desejados do trabalho: a sensibilização e o engajamento na

militância ecológica. Um total de 60% do grupo para cada aspecto mencionado,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

153

isto é, há pequena faixa de sobreposição, pois AQUARIUS e POLUX alimentam

ambas as expectativas.

No grupo da militância encontramos PERSEU, ALDEBARAN, VEGA,

ÓRION, POLUX e AQUARIUS. A militância para eles não tem valor em si

mesma, mas trata-se de ferramenta para a transformação social, correspondendo,

portanto, ao valor justiça social. A expectativa quanto à forma de expressar esse

engajamento na transformação social, entretanto, varia conforme as tendências

pessoais de cada docente. No caso de PERSEU a ênfase recai sobre a necessidade

de ação e reflexão conjugadas.

“ah, eu gostaria de ver os alunos, todos, não separando teoria de prática, que acho que é terrível nas pessoas, ou vão muito pro praticismo ou vão muito pro teoricismo, o que não leva a lugar nenhum, as duas coisas não levam a lugar nenhum. Talvez essa seja uma marca minha também. As pessoas dizem que tenho uma densidade teórica muito grande, na minha densidade teórica vem uma carga de vivência que poucas pessoas tiveram. Eu acho que isso é um diferencial importante, eu quero ver os meus alunos com essa característica também, pessoas que vão pra prática, mas que não se satisfazem só com a prática, e que sabem fazer a reflexão do mundo, mas tendo vivenciado o mundo. Então, isso eu falo com muito orgulho até, não tem praticamente nada da educação ambiental no Brasil que eu não tenha participado de alguma forma, então eu falo de dentro, e acho isso muito bom. Eu quero ver isso, os meus alunos todos engajados, pessoas que não separam teoria da prática, e que se envolvam com o mundo. Isso é uma coisa que, se pudesse, seria perfeito” (PERSEU).

Evidentemente, isso tem a ver com sua própria forma de ser, crítica,

coerente, mas também com os valores do conhecimento, do êxito (ligado à justiça)

e da maturidade. O aspecto auto-realização (maturidade) e o êxito relativo à

transformação social também são destacados por ALDEBARAN, este último

expresso pelo sucesso na conquista de políticas públicas.

“Eu tenho visto os resultados ao longo dos 25 anos, e quase 15 anos trabalhando com a EA propriamente dita. Pois considero EA uma abordagem de educação. Tenho visto muito bons resultados. Não só pessoas se transformarem por conta do meu trabalho, mas por um trabalho delas próprias, e vislumbrarem oportunidade de mudança pessoal e do seu espaço, e das comunidades. Principalmente, algumas políticas públicas que têm sido viabilizadas com os trabalhos que temos feito a partir destes alunos. Vários alunos foram responsáveis por mudanças importantes a partir de suas pesquisas, tanto nas áreas municipais até a área federal. Isto me traz satisfação... e também ver a forma como os alunos estão trabalhando, por exemplo, a questão da pobreza (isso é o lado assistente social que a gente nunca perde). Tenho estado em vários estados brasileiros com pesquisa e temos visto algumas coisas acontecerem, ainda de forma pontual, mas mesmo assim, com poucas pessoas, tenho visto esta mudança acontecer e isso me satisfaz bastante” (ALDEBARAN).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

154

Com ÓRION também encontramos a valorização do êxito e da maturidade,

especialmente através do conhecimento e da atuação por meio do espaço

acadêmico, que considera uma responsabilidade. Sua personalidade séria, coerente

e rigorosa marca sua atuação.

“Digo pra eles: após 10 anos não vou mais ser professor, vou estar em outros projetos. Então vocês têm que perceber que são meus orientandos, são meus herdeiros. Não é que são pupilos, mas eu tenho que formar gente. Estou numa instituição. Está institucionalizado este tipo de atividade. É uma responsabilidade social. Se eu não deixar pessoas que futuramente possam ocupar estes lugares, com as características delas evidentemente, meu trabalho está incompleto. Eu falo isso pra eles muito. Eu acho que estou conseguindo montar, numa universidade desconhecida, há 9 anos, com a formação que eu tenho, mas por eu não fazer concessões, não entrei em determinados espaços de capital simbólico acadêmico mais elevados. É dali que estou fazendo este grupo. Estão aí... publicando, estão conscientes do que é fazer trabalho em EA, não é só obter certificado, se for só isso, vá procurar outro orientador. Comigo não, comigo precisamos estudar [conhecimento], aprofundar e intervir [êxito]. Nem todos têm condições de fazer isso, mas são as exigências que me coloco e coloco pros meus orientandos. E eles acatam. É uma coisa de engajamento... Sem dúvida. ...e de intervenção, do que eles estão pensando e onde podem intervir. Uns com dimensão mais ampla. Outros mais restrita. Não é o tamanho. Não dá pra medir. Mas é a intensidade, a honestidade, a responsabilidade, a pertinência, acho que isso são os conceitos básicos comuns dos meus orientandos e de que eu não abro mão” (ÓRION).

AQUARIUS repete, como ÓRION, os valores do êxito, da maturidade e da

justiça, vislumbrando também a expressão deles através do conhecimento, isto é,

dos produtos acadêmicos lançados por seus alunos, uma resultante de seu

trabalho.

“São as ambições que a gente tem sempre, né... concretamente falando, você sensibilizar um grupo de alunos, que a essa altura não é pequeno e que estão transformando suas preocupações em projetos, monografias de final de curso... academicamente falando, nós já temos um impacto que não é pequeno, não. Uma porção de gente que já está sinceramente preocupado e ocupado com isso, ou então amadurecendo preocupações nesse sentido. A gente tem conseguido que as pessoas não se desencantem em relação às temáticas ambientais, mas que percam a sua ingenuidade, ganhem mais criticidade [conhecimento], mais consistência [êxito] no trabalho que elas fazem, mais compromisso [justiça] com as questões socioambientais pra além do que as escolas tradicionalmente fazem, que é evocar o desejo da natureza ser preservada... e acho que a gente alcança moderadamente o objetivo nesse sentido. Então estamos criando um campo de interesses nesse sentido! Tem monte de alunos que está começando a arrumar a discussão, leituras e transformando isso em produtos acadêmicos, em monografias, enfim... trabalhos, preocupações. ...eu cruzo com eles por aí e eles me contam o que estão fazendo, me chamam pra ir nas escolas conversar com as equipes, isso tem acontecido com alguma freqüência. Então eu acho que a gente está se tornando uma referência pros alunos em relação às questões ambientais, que é o que a gente pode desejar [maturidade], né?” (AQUARIUS)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

155

Para ele, como para PERSEU, a criticidade é um ponto muito importante.

VEGA, porém, provavelmente seja o exemplo mais emblemático quanto à ênfase

na justiça social, como sendo o coração dos desejos do grupo cuja expectativa se

traduz na militância.

“Eu acho que quem tem uma perspectiva de que a sociedade na qual nós vivemos não é uma boa sociedade, tem a perspectiva de que essa sociedade se transforme numa outra, eu acho que o sonho de todo professor é que seus alunos sejam mais competentes, tenham mais clareza da realidade e nessa medida se movam em direção à transformação social. Então, todo meu empenho seja na área social, seja na área ambiental, seja nas outras áreas nas quais eu atuo em educação, tenho essa perspectiva, de que o discípulo supere o mestre. De que eles venham a fazer muito mais, trabalhos mais consistentes, competentes, coerentes do que eu própria consegui fazer. E que esse movimento nessa medida se amplie e possa disputar politicamente, ideologicamente e também no campo da ética um outro projeto societário. Que mude esse paradigma da corrupção humana, que não seja mais uma produção voltada para o lucro, para a mercantilização da natureza e dos próprios seres humanos, mas que a gente conviva dentro de uma outra perspectiva de sociedade” (VEGA).

De todo modo, é recorrente o nível de seriedade com que encaram seu

trabalho e que esperam de seus alunos.

As diferenças de abordagem são pequenas, no geral havendo uma

convergência de modos de atuar e de expectativas. Verifica-se ainda a existência

de traços em comum: a seriedade, a criticidade, o rigor, a coerência, só para

mencionar alguns.

Sintetizando, para este subgrupo, bastante coeso, a justiça social enquanto

valor maior atua conjuntamente com outros valores importantes: o conhecimento,

provavelmente pela natureza do trabalho que realizam; o êxito, bastante ligado à

própria justiça, mas também ao terceiro valor relevante aqui, a maturidade ou

sentido de auto-realização.

No subgrupo da sensibilização, temos CARENA, LIRA, POLARIS,

AURIGA e novamente POLUX e AQUARIUS. A tônica deste subgrupo parece

ser a importância dada ao valor da vida e ao nível de integração (enquanto

estratégia mobilizada pelo valor) alcançado pelas pessoas: consigo mesmas, com

os demais humanos e seres vivos no geral, com a própria Terra. Pensa-se na

justiça, mas tendo como pano de fundo a vida, a necessidade de preservá-la e de

bem viver. Como ocorre com CARENA e LIRA.

“A expectativa é que eles gostem de realizar e que eles se sensibilizem em relação às questões ambientais, é a minha simples expectativa... a questão ambiental é uma

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

156

questão de sobrevivência... não só o olhar antropocêntrico, mas a questão da natureza mesmo... precisamos sensibilizar pela vida, muito mais que pela questão humana o meu enfoque é pela vida...” (CARENA)

“Eu espero, sobretudo, que [os alunos] saibam que o conhecimento não é uma coisa livresca, não está só nos livros, que o conhecimento está a serviço de uma melhoria de compreensão da relação que a gente tem com a Terra, com a Natureza, com o nosso dia-a-dia, nosso trabalho, que estas coisas não são dissociáveis, que o conhecimento que eles aprendem é algo que é parte deles tal qual as células são parte deles, não é uma coisa separada que está lá na estante, espero que eles se sintam como parte da Terra como o conhecimento é parte deles, eu espero isso. Espero que eles tenham uma relação diferente com o conhecimento a serviço do quotidiano, da vida deles, relação cultura com o ar, mar...” (LIRA)

Mas para, de fato, concretizar este trabalho de sensibilidade, LIRA destaca a

necessidade de recorrer a outros recursos, que ultrapassam o conhecimento

acadêmico convencional e que atuam mais diretamente sobre a sensibilidade. Para

ela, sem isso não se consegue atingir a compreensão cognitiva da questão

ambiental e muito menos mobilizar-se para a ação transformadora.

“(...) Porque é o sentimento, mais do que os conceitos, que faz com que você se sinta parte. O que estamos trabalhando muito agora faz com que você ache (sinta) que a Natureza não está fora de você, que a Natureza está dentro. Você é a Natureza. É mais um sentimento do que conceitos. Eu dei aula anos sobre fatores bióticos, ecossistema... sempre com a maior boa vontade, mas o que se revela sempre um fracasso completo. Isso não faz as pessoas mudarem o comportamento, mas quando você faz com que as pessoas sintam que ao respirarem a sua energia vital muda, elas se sentem melhor, então a coisa mudou de escala pra mim. Então hoje trabalho com Tai Chi Chuan, com meditação, outro tipo de sentir, sensibilidade. Cito exemplos, mas se a gente consegue mexer com a sensibilidade mais do que com o cognitivo, você mexe com o cognitivo a partir da sensibilidade, vários ensaios aparecem no campo cognitivo a partir da sensação, então a gente está investindo nisto agora. Parece nada a ver com a Antropologia da Ciência, Estudos Sociais da Ciência, mas tem também” (LIRA).

A mudança de estratégia didática revela que os comportamentos são

mobilizados pelos valores, neste caso, vida.

POLARIS, de modo semelhante a LIRA, prioriza o estímulo ao afloramento

e desenvolvimento da sensibilidade produtora de subjetividades mais afins a um

projeto de mundo sustentável.

“O que eu vejo é assim, todo o meu método de trabalho é para colocar em crise, desde os meus primeiros textos de trabalho, se você sai incomodada, para mim é que o meu objetivo foi atingido. Porque eu tenho a sensação dentro dessa visão ecológica que a gente precisa interromper o trabalho. Não dá mais, a gente não vai mais construir um modo de vida sustentável. O meu projeto aqui do doutorado é subjetividade sustentável, eu vim para cá para estudar subjetividade, então eu acho

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

157

que existe um tipo de subjetividade que ela vai ser superimportante para que o mundo sustentável aconteça. No momento nós não temos isso, a gente tem projetos sustentáveis com pessoas que reproduzem paradigmas que não correspondem mais. Então o meu trabalho é quase epistemológico, é de interromper o que tá dado, a grande coisa que eu trabalho é “tá bem, nós sabemos que somos parte, da Terra e do universo”, mas entre saber que a gente é parte e a gente sentir que é parte é uma distância muito grande, é importante a gente sentir, então (...) o meu trabalho é isso, é fazer com que as pessoas possam sentir de novo, uma vez que elas sintam, elas já estão convencidas. Agora só o racional, só o ensinar alguma coisa, esse método eu não acredito” (POLARIS).

O mesmo se passa com ANDRÔMEDA, cujo foco da ação pedagógica

também é gerar crises. Enfatiza o trabalho miúdo do dia a dia para sensibilizar os

alunos a partir da chamada de atenção para perceber coisas que sempre estiveram

lá e nunca foram observadas por eles. Considera seu trabalho bem sucedido

quando eles começam a se incomodar com o que percebem e se dispõem a tomar

iniciativas, por menores que sejam, no sentido de solucionarem os problemas.

Mais ainda, quando começam a exercer a sensibilidade sozinhos, tendo

conquistado mais autonomia para a percepção e ação.

Em AURIGA vemos uma priorização da formação ética, a ênfase à

sensibilidade é dada pelo compromisso humanista formador, de termos pessoas

integralmente formadas, não apenas intelectualmente.

“eu acho que tem mais a ver com esse compromisso, social, político... com o outro do que com relação a qualquer outra coisa. Quero que eles sejam bons pesquisadores, sim. Bons professores, sim. Mas acho que eles só serão bons professores e bons pesquisadores se esta dimensão humana deles estiver bem desenvolvida também. Não adianta... por exemplo, tenho muitos problemas lá no centro de pesquisa com excelentes pesquisadores, excelentes professores, mas que não são tão excelentes pessoas... então... isso é complicado!” (AURIGA).

E POLUX, pertencente aos dois subgrupos, tanto espera que os alunos

desenvolvam a sensibilidade no tocante à vida, como a articula com a militância,

ao modo de um pré-requisito.

“Basicamente, como todo educador ambiental, a princípio a gente espera que eles se sensibilizem pela questão ambiental, para que eles percebam isso como algo fundamental pra vida deles e pra vida como um todo, perceber não só no sentido de entender, mas de um sentir sensível a isso. E assim, essa é uma primeira expectativa nesse sentido, mas a expectativa maior é que essa sensibilidade reverta, que eles se tornem militantes também dessa mesma causa, porque é algo que precisa ser militado, as pessoas precisam estar num processo de exercício, de cidadania, com essa perspectiva” (POLUX).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

158

Sucintamente, no subgrupo dos sensibilizadores encontramos a vida

enquanto valor principal, ao qual se articula a justiça também. Outros valores

relacionados a este principal parecem ser a afetividade (ampliada para relações

planetárias), a estética e a maturidade (aqui vinculadas à necessidade de

integração) e a honestidade, que trata do valor que se dá às relações em si

enquanto compromisso existencial.

Interessante observar a variável gênero nestes subgrupos. Entre os militantes

encontramos quatro homens e duas mulheres, o oposto do que ocorreu entre os

sensibilizadores, isto é, cinco mulheres e dois homens, sendo que estes dois

homens também fazem parte do grupo militante. Talvez possamos dizer que o

papel de educar para as emoções e para as relações ainda é percebido mais pelas

mulheres, enquanto o cuidado com o mundo através da priorização da política e

da intelectualidade ainda é mais recorrente entre os homens. Nesse sentido, vemos

a complementaridade necessária para o sucesso no desenvolvimento de projetos.

Equipes mistas são ricas, pois ambas as dimensões, a subjetividade e a

objetividade, são trabalhadas. Excelente oportunidade para a conjugação de

esforços em trabalhos deliberadamente dedicados a explorar ambos os aspectos e

extrair da riqueza da convivência novas experiências morais para todos os

envolvidos.

6.3.2.3. Projetos de vida: mudanças no mundo

No bloco intenção ainda temos a questão relativa às expectativas de

mudança geradas pelo trabalho de cada um no mundo. Novamente sobressai-se a

justiça enquanto valor predominante, especialmente alcançada através da melhoria

da criticidade e da responsabilidade do coletivo humano.

“permanente questionamento crítico de tudo, a construção, a consolidação da educação ambiental com esse viés crítico, onde as pessoas não se acomodem muito diante de coisa alguma” (PERSEU).

Tal desejo quanto ao resultado de seu trabalho com os alunos pode ser

resumido nas palavras-síntese: engajamento e transformação social. Como

expressado também por ALDEBARAN, para quem fazer a EA chegar a diferentes

espaços é sinônimo de oportunizar mudanças locais e novas políticas públicas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

159

Pelo menos assim tem sido em suas experiências com seus alunos, cujos esforços

têm frutificado por todo o país com os mais variados projetos, os quais têm sido,

inclusive, premiados por ministérios: saneamento básico em comunidades

indígenas, enfrentamento da violência contra a mulher, atendimento a crianças

portadoras de necessidades especiais, a formação de professoras em pesquisa,

atuação da medicina veterinária...

Para AURIGA não se pode pretender mudar pessoas, por isso se contenta

com o esforço de sensibilizar e informar, cujos resultados seriam imprevisíveis,

segundo ela. O mesmo se passa com ANDRÔMEDA, que pensa ser suficiente

sensibilizar e incomodar seus alunos (futuros engenheiros) a ponto de que eles

façam diferença nas empresas onde trabalharão.

Tanto POLUX como POLARIS pensam que seu trabalho se destina a somar

com outros, contribuindo para a transformação da realidade, isto é, a vivência

exemplar e coerente daquilo que acreditam alimenta o processo de transição em

que nos encontramos na atualidade.

“Eu acho que o meu trabalho é uma sementinha junto com os outras, mas para mim ele me interessa, porque na medida em que eu consigo vivenciar aquilo que eu acredito, seja na minha casa, seja na instituição, para mim o mundo já é diferente. Agora, infelizmente, a psicologia me ajudou a pensar isso, as pessoas não mudam pelo amor, pela alegria, elas mudam pela dor, é incrível, não que tenha que ser assim, mas é assim. Enquanto não morre alguém, enquanto não fica doente, enquanto não perde alguém... Eu acho que a questão ecológica ela também passa por aí, se vê com a questão do último relatório do IPCC, as pessoas ainda olham para isso e pensam assim... que é lá para frente. Mas na hora que as pessoas começarem a experimentar o que significa não ter, perder... eu, por exemplo, trabalhei numa comunidade lá no Ceará que não tinha água, eu ganhava um balde de água por dia para fazer tudo. Quando eu experimentei esta privação a minha visão da água mudou, então eu acredito que quando o mundo esbarrar com essa crise ele vai pensar em outras saídas” (POLARIS).

“espero, na verdade que esse meu trabalho entre num processo, que contribua com o processo de transformação dessa realidade. O que meu trabalho vai transformar eu não tenho grandes pretensões, que eu consiga ver o que meu trabalho resultou numa transformação, não tenho essa expectativa, acho que não se deve nem alimentar, falo inclusive até disso com meus alunos. Acho que nós, educadores, a gente não tem que ter a perspectiva da finalidade do processo, a gente tem que ter a perspectiva de estar alimentando o processo, essa é a nossa finalidade, alimentar o processo de transformação, para que esse movimento ganhe força pra poder de fato causar transformações. Mas são transformações processuais, né? Por isso que eu até condeno muitas vezes a perspectiva de trabalhar a EA a partir da solução de problemas” (POLUX).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

160

Por fim, AQUARIUS gostaria que os alunos (licenciandos) predispostos se

inserissem no enfrentamento da questão ambiental a partir das escolas,

aprendendo a pensar a educação em tempos de crise e a tornar as escolas algo que

seja mais significativo nas vidas das pessoas, algo que pudesse contribuir para

mudar o modelo de sociedade em que ainda vivemos.

“(...) Minha idéia é tentar não formar peritos no sentido burocrático de alguém que saiba administrar uma ação curricular. Mas de alguém que soma com alguma coragem e tem a capacidade de estar transformando as coisas numa coisa mais significativa pra ele e pros seus alunos. A escola não é só o lugar onde os alunos podem aprender, os professores tem que estar aprendendo também, né? A sair dos impasses que a escola cria. As escolas são muito áridas, estão muito empobrecidas, muito amesquinhadas. Acho que pra sobreviver em escola é preciso trabalhar um pouco na contra-hegemonia, né? (...) Cresce na população de um modo geral um certo senso de risco. Como eu acho que nós não estamos ainda completamente desumanizados acredito que os homens são capazes de resgatar esse fim de humanidade que nos resta ainda pra conseguir um desenho societário mais bacana, né?" (AQUARIUS).

É preciso ressaltar que todos os informantes disseram não ter a pretensão de

mudar o mundo, mas de fazer esforços no sentido de contribuir para isso.

6.3.2.4. Projetos de vida: comportamento

Em termos de comportamento, buscamos verificar as ações recorrentes dos

entrevistados(as), uma vez que os hábitos decorrem daquilo que costumamos

priorizar e as prioridades estão intrinsecamente ligadas aos valores. Importante

mencionar que os hábitos listados na tabela seguinte são autodeclarados, não

decorrendo de observações nossas ou de questões elaboradas para esta inferência.

Vejamos:

Quadro 6 – Relação entre comportamento, traço e valor

Docente Hábito, comportamento Traço Valor

PERSEU Workaholicismo Obstinação Justiça

CARENA Ler, desvendar Autodidatismo Conhecimento

Defender quem é vulnerável Justiça ALDEBARAN

Priorizar o bem comum acima do

bem estar pessoal

Solidariedade

Altruísmo,

abnegação

Religiosidade

Apoio social

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

161

Docente Hábito, comportamento Traço Valor

ANDRÔMEDA Impetuosidade no trato

Levar tudo com bom humor

Impulsividade

Sagacidade

Segurança

Convivência

Honestidade

VEGA Dificuldade em delegar, ir sempre

conferir as tarefas delegadas

Controle,

perfeccionismo

Estabilidade

LIRA Integração (“pausa para conectar-

se com a natureza e fluxo do

cosmos”)

Coerência

Universalismo

Religiosidade

Honestidade

Beleza

Saúde

AURIGA Evitar confrontos desnecessários

POLUX Conciliar

Ponderação

Honestidade

Convivência

Ordem social

POLARIS Repensar, consertar relações

eternamente

Dispersão

Insegurança

Honestidade

Afetividade

Justiça

Cria rotinas na freqüência a

lugares de onde vive e hábitos (por

exemplo, toda terça comer

panqueca no restaurante tal),

buscando fazer seu próprio pequeno

mundo

Sistematicidade Estabilidade

Apoio social

Leitura e estudo sobre ética e

cidadania na política

Autodidatismo Justiça

Conhecimento

Diversão contracultural Rebeldia Prazer

Autodireção

Gratidão à vida Generosidade Religiosidade

ÓRION

Atenção aos amigos Cuidado

Afetuosidade

Afetividade

Honestidade

Apoio social

Fonte: autora

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

162

Em ordem decrescente os valores que marcaram o grupo se reúnem em

quatro conjuntos quanto à freqüência com que ocorrem:

a) justiça;

b) religiosidade/apoio social;

c) conhecimento/convivência/afetividade;

d) segurança/ honestidade/estabilidade/beleza/saúde/ordem

social/prazer/autodireção.

Mais uma vez se evidencia a justiça enquanto valor predominante,

confirmando os dados anteriormente apresentados.

6.3.2.5. Projetos de vida: perspectivas

Em termos de perspectivas de futuro questionamos acerca dos planos de

cada um, já que os anelos costumam corresponder a coisas que as pessoas

consideram importantes para si. A questão efetuada (“quais são seus sonhos?”)

indicou as seguintes priorizações de valor, com sobreposições: 50% no campo da

afetividade (cinco pessoas em dez), 40% igualmente para justiça e para

maturidade (quatro em dez), e 20% para segurança (duas em dez).

No que tange à afetividade, a preocupação principal era ter mais tempo para

a família (AQUARIUS), garantir a boa formação dos filhos (POLARIS,

ANDRÔMEDA), ter convivência mais próxima com os filhos (POLUX) e

pessoas queridas (ÓRION) e encontrar parceiros(as) afinizados(as) com quem

partilhar a vida (POLARIS, POLUX, ANDRÔMEDA).

No tocante à justiça, trata-se de criar uma sociedade não-capitalista

(AQUARIUS) ou uma sociedade melhor (POLARIS), se engajar em lutas justas

participando do que for possível (VEGA, AQUARIUS), reconhecimento da área

com destinação de recursos para o trabalho (ALDEBARAN).

Para maturidade, os anseios se vinculam à auto-realização e tem a ver com

projetos específicos (LIRA, por exemplo, com o projeto da pós-graduação em

meio ambiente e com o projeto de gênero, diversidade cultural e biodiversidade)

ou formas de trabalhar almejadas (VEGA com a vontade de ter mais liberdade pra

dedicar-se ao ambientalismo no formato e tempo adequados, ao invés de

submeter-se a modelos impostos pela universidade; POLARIS com o anelo de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

163

escrever; e CARENA com o anseio de dedicar-se à arte e à clínica psicoterápica).

De toda forma, tais desejos continuam vinculados ao trabalho, como ocorre com

as priorizações relativas à justiça.

Com relação à segurança, temos o valor ordem social, representado pelo

desejo de morar fora do Rio de Janeiro, num lugar tranqüilo (AURIGA e

POLUX).

Há dois grandes pólos registrados nesses quatro valores: a vida afetiva e o

mundo do trabalho, enquanto significador da existência e instrumento de

construção de uma vida melhor e mais justa.

Considerando que a estatística sobre a priorização valorativa neste tópico se

efetuou com sobreposições, em números absolutos podemos dizer que o trabalho

assume maior relevância que a afetividade, se considerarmos a aglutinação das

preocupações e desejos relativos ao trabalho nos itens maturidade e justiça.

Não é à toa que a questão 21) “Quais as dúvidas e dilemas comuns na sua

vida?” teve como dilema básico (para 80% dos entrevistados(as), isto é, oito

pessoas em dez) o que priorizar: justiça ou afetividade? Existe uma grande dúvida

sobre o grau de utilidade (em termos de êxito no processo de transformação

social) de todo o trabalho que cada um está fazendo e sobre a validade dos

sacrifícios impostos aos entes queridos e de convívio próximo em função deste

mesmo trabalho. Trata-se do ideal, do trabalho, da militância versus a família, os

amigos, e o tempo para si mesmos (para a saúde, por exemplo). Há um certo

sentimento de impotência por vezes, de limitação diante de tanta dificuldade e

complexidade, que coloca em xeque o valor de todo o esforço realizado em prol

do idealismo, por roubar tempo afetivo.

“Tem momentos que você olha e fala assim: caramba, (eu) não tenho mais jeito, por um lado, sou muito grato por tudo o que me aconteceu [na carreira], mas quando a gente pensa assim “meu Deus do céu, olha o que tá acontecendo no mundo! Não tem mais saída”, isso realmente gera uma angústia muito forte, e também tem aí uma questão pessoal no sentido de conseguir equilibrar isso com família. Essa sempre é uma dificuldade das pessoas que atuavam em militância e política, e muitas abriram mão de casar, de ter filhos, ou casaram e fracassaram nesse sentido, e eu sempre achei que não, que é possível, continuo achando que é possível, mas entendo cada vez mais porque que é tão difícil conciliar uma coisa com a outra. E claro, isso muitas vezes gera angústia de às vezes não estar tão perto da esposa, estar perto das meninas, até que ponto isso é justo? Será que vale a pena lutar pelo mundo e sacrificar... Se for só eu me sacrificando, até podia ser, mas aí como fica o sacrifício delas? Não necessariamente vivemos os mesmos ideais. Enfim, então claro que isso gera uma certa angústia, uma certa (re)pressão, de saber se a gente não tá sendo injusto, em alguma medida, com aqueles que estão

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

164

mais próximos, né. Mas, eu tento sempre superar lembrando que a gente taí nessa construção mesmo e enfim, que as coisas que acontecem comigo são tão duras, que eu não posso paralisar [as ações militantes]” (PERSEU).

De toda forma, também se constata aí uma relação com a justiça.

As demais questões postas a si referem-se à auto-realização: onde ser mais

útil? Que atividade gerará ao mesmo tempo mais prazer?

Enfim, a perspectiva de futuro continua gerando conflito por haver dois

valores bastante fortes em disputa, um no plano da intimidade, pessoal (a

afetividade) e outro mais relativo ao mundo, de significação existencial mais

ampla (a justiça). Por ser o trabalho a via por onde se expressa a preocupação com

a justiça e a significação da própria vida, o trabalho se converte também em fator

de auto-realização, de modo que seu apelo acaba por vencer a disputa na

concretude diária da agenda. Mas não sem preço. A culpa acompanha a maioria

dos docentes, pois gostariam de conseguir dar mais atenção e prioridade à vida

afetiva (um exemplo da distância entre valores ideais e valores reais: gostariam

que família viesse antes, mas de fato não tem prioridade. No confronto com a

realidade diária isso se evidencia e torna-se conflito). A tendência ao auto-

sacrifício predomina, faltando o equilíbrio que lhes garantiria a saúde, em sentido

lato, para estenderem sua colaboração por mais tempo e em melhores condições

rumo às bases de um planeta mais saudável. O senso de urgência, talvez, move

cada entrevistado a esta escolha existencial.

6.3.3. Os entrevistados(as): como vivem

Com relação ao cotidiano, isto é, a vida prática fazendo uso dos valores,

pode ser melhor compreendida a partir do mini-inventário

.

6.3.3.1. Práticas existenciais: valores em operação

Selecionamos do mini-inventário os tópicos relativos aos itens: decisões,

motivações, critérios das escolhas, gastos, e prioridades. Tanto as decisões como

os critérios e os gastos remetem a uma priorização. As motivações e prioridades

ocorrem em função da importância atribuída aos fatores que as originam. Sendo

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

165

assim, estes tópicos registram adequadamente a preferência valorativa de

nossos(as) entrevistados(as). Procuraremos temperar a identificação dos valores

com as lições aprendidas a partir do modo como pareceram se formar, para já

extrairmos possibilidades de aplicação pedagógica.

a) Decisões

No que tange às decisões, cuja questão era “elenque as principais decisões

tomadas na vida”, temos a seguinte situação: como anteriormente identificado, há

um predomínio de decisões tomadas em função dos valores da afetividade e da

justiça, ambos estando empatados em 85%35, ou seja, seis em sete pessoas. Esta

informação corrobora o que encontramos no tópico dilemas e justifica os

conflitos, já que ambos estão cotados na mesma intensidade.

Interessante pontuar que as pessoas que mais vivem conflitos entre

afetividade e justiça são as mesmas cujas decisões existenciais se apoiaram nestes

dois valores, a saber: LIRA, AURIGA, AQUARIUS e PERSEU.

Em seguida, temos também empatados com 28,5% (duas pessoas em sete),

os valores da maturidade, do conhecimento e da segurança.

As decisões relacionadas à afetividade referiram-se em todos os casos aos

relacionamentos de casal (casamento e separação) e aos filhos.

“A minha profissão, casar, filhos. Foi uma luta escolher a escola deles, eu me lembro disto como uma coisa angustiante até hoje, eu queria que fosse uma coisa muito especial, a minha menina estudou numa escola onde as pessoas tomavam decisões de modo coletivo desde pequena” (LIRA).

“Principais decisões? (...) Certamente a decisão de casar foi forte pra mim, ter filhos. O que de mais importante tem? Acho que essas foram as decisões mais fortes...” (AQUARIUS)

Já as relacionadas à justiça estão relacionadas à escolha da educação

ambiental, da profissão e às escolhas políticas.

“Bem, não ser infeliz, lutar pelo que eu acredito, não consigo compactuar com coisa errada, com injustiça... tentar ser justa o mais possível, tentar aceitar meus limites e meus erros e não me xingar muito por isso. Eu me cobrava muito porque eu não podia fazer coisa errada, hoje eu sei que eu tenho o direito de errar e me perdôo por isso. Ser professora, trabalhar com a questão ambiental... são decisões importantes” (AURIGA).

35 Uma vez que cada entrevistado pode mencionar suas principais decisões na vida, houve sempre dois ou três valores identificados como mais relevantes para cada pessoa. Com isso, temos o somatório de 85% para dois valores diferentes.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

166

O conhecimento foi a base das decisões relativas à profissão (para os

entrevistados(as) que não a escolheram em função da justiça). A maturidade foi

responsável por decisões referentes a ajustes, tanto na carreira profissional, como

nos relacionamentos. Também subsidiou a produtividade escrita. A exemplo,

trazemos as falas de ALDEBARAN e POLUX.

"(...) A segunda decisão importantíssima, já tinha os filhos criados, foi quando decidi ir pra [trabalhar na] faculdade de Saúde Pública na Década de 80. Até então era só meio período, e ficava com os filhos mais. Quando os filhos estavam grandes peguei o período integral. Minha filha mais nova tinha 7 anos. Lógico, eu podia fazer isso, meu marido também podia manter a casa. Mas sempre fui de cuidar dos próprios filhos, e não delegar aos outros. Outra decisão foi largar a prefeitura, optando por trabalho mais efetivo, com continuidade, e qualidade de vida. Foi em 1998, embora ganhando a metade. Mas meus filhos já eram adultos e trabalhavam, não precisavam mais contar comigo tanto e eu podia ser feliz (risos). Optei pela felicidade” (ALDEBARAN).

Note-se que para ALDEBARAN a felicidade está mais ligada à satisfação

do trabalho (auto-realização) do que ao dinheiro recebido por ele.

“(...) Outra decisão importante foi quando estava lá na escola de Lumiar e decidi ir pra fora. No sentido de que aquilo que eu fazia lá, que me satisfazia muito, eu decidi que era algo que precisava ter um alcance maior. Foi quando decidi fazer a publicação, corri atrás, fiquei um ano tentando arrumar lugar pra publicar e que de fato acabou gerando toda uma conseqüência de fazer com que hoje eu tenha uma atuação mais ampla do que era uma atuação localizada na época como professor. Outra decisão importante foi agora, quando terminei esse meu primeiro casamento e me permiti viver uma série de coisas novas que estou vivendo. Inclusive um (segundo) casamento que também já acabou... foi importante pessoalmente me permitir várias coisas que precisava me permitir pra me conhecer melhor e estou experimentando agora. Acho que foram estes os momentos mais marcantes de decisão” (POLUX).

Por fim, a segurança esteve relacionada à aquisição de bens que garantam

uma sobrevivência tranqüila, como apartamento e casa própria.

“Talvez comprar o apartamento, casar, ter filhos, escolher a profissão certa, não desistir dela e acreditar que eu fosse para frente. Acho que só” (ANDRÔMEDA).

b) Prioridades

A questão sobre prioridades (“elabore uma escala de prioridades (reais) da

sua vida”) confirmou a importância conferida ao trabalho pelos entrevistados(as),

muitas vezes ocasionando dilemas internos pela competição do tempo do trabalho

com o tempo da família.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

167

“prioridade pra mim é educação ambiental (risos). É o que eu faço. Essa luta que eu faço no Brasil todo, essa luta política, teórico, prática. Segundo... Família, né? (risos). Minha mulher diz assim: primeiro é o trabalho, segundo é o trabalho, terceiro é o trabalho, quarto é o trabalho, quinto as filhas e sexto é ela (risos). Não diria exatamente assim... Na verdade, primeiro de fato é isso, né, o trabalho, no sentido mais amplo. Não tem como dizer que não, quem me conhece cinco minutos sabe disso, não vou mentir, mas a família tentaria botar junto. Mas não consegui ainda botar no mesmo nível. Enfim, que vem em segundo lugar, se precisa fazer a hierarquia. Eu sou do mundo, então minha família são as pessoas. Então nunca me dei muito direito de estar perto da família, não dá tempo. Em terceiro lugar é a minha saúde, até uma coisa que eu gosto muito é fazer artes marciais (...) eu continuo na formação de algumas artes e algumas lutas, coreanas e chinesas, é um estilo, enfim, muito denso, não tem em academia, e é o que faço até hoje e não pretendo largar, nunca. Então essa questão da disciplina, do respeito, da honra, são coisas que eu carrego muito em função disso, se (...) eu prometer alguma coisa tem que cumprir, não existe a possibilidade de eu não cumprir, isso é uma desonra total, e isso é uma coisa que eu trago muito por causa dessas artes marciais, de respeito, do abrir mão de si para proteger ao outro. Isso pra mim é muito visível (...). E o quatro diria que seria o restante da família. Então seria o trabalho, minha família do centro, nuclear, e terceiro seria eu, esse eu marcial, e o quarto a família como um todo” (PERSEU).

Justiça (representada pelo trabalho, no caso de PERSEU), afetividade

(família) e segurança (saúde) emergem deste depoimento. De fato, PERSEU não

foi o único a priorizar o trabalho.

“O trabalho é uma grande prioridade. E tenho tentado alterar essa prioridade, mas ainda não consigo. Queria de repente que fosse a família e eu não consigo colocar a família como prioridade ou eu mesma, marido, filho... O filho não foi uma prioridade, os netos não são uma prioridade, o marido não é uma prioridade. Não que eu não cuide deles, mas não estão na primeira... nem eu mesma estou na primeira... aliás, eu estou depois deles, estou bem pior, porque normalmente quando sobra algum tempo eu cuido deles. É muito complicado, até porque pra eu ter trabalho e cuidar deles eu tinha que colocar pelo menos eu... não posso ser a última...!” (AURIGA).

Em ambos os casos o trabalho representa a maneira de lutar contra a

injustiça, e sendo esta luta o guia existencial de AURIGA e de PERSEU, a

dificuldade em priorizar a família fica clara como decorrência. O caso de

ALDEBARAN é semelhante, mas por já estar em outro momento de vida,

próxima à aposentadoria, o conflito minimiza-se. O tempo demandado nos

cuidados com a família é menor.

“Minha família me acha workaholic. Isso me dá satisfação, e sou workaholic por que meu trabalho me dá muita satisfação. Não faço questão de domingo ler textos, corrigir teses, fazer projetos, escrever artigos... porque isso me dá muita satisfação. Minhas prioridades são relacionadas ao trabalho e principalmente à família, e hoje os meus netos. Dar uma atenção especial pra cada um deles e ajudar na formação

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

168

deles. Porque a base da família é essencial. Os outros grupos só complementam” (ALDEBARAN).

Neste item, prioridades, destacaram-se os valores da afetividade e

maturidade, empatados em primeiro lugar com 66% (seis pessoas em nove). Em

seguida vem a justiça com 44% (quatro em nove) e logo depois, também

empatados, temos conhecimento e segurança, com 22% (duas em nove), e êxito e

honestidade, com 11% (uma em nove).

Com LIRA e POLUX surge no campo a necessidade de equilíbrio. No caso

deles, o trabalho representa o valor maturidade, estando intrinsecamente ligado à

auto-realização. Também para eles a justiça é importante, mas a relação

construída com o trabalho diverge das anteriormente apresentadas. Talvez por

fazerem parte do grupo mais voltado à sensibilidade, o equilíbrio desponte.

“Eu quero ver se eu chego aos 120, pra fazer bastante coisa ainda, uma das minhas prioridades é fazer tudo isso que eu faço com o maior grau de equilíbrio possível. Parece que é um exagero, então parece que é paradoxal com relação à saúde, mas não é não. Eu faço estas coisas dentro de parâmetros de segurança com relação ao meio ambiente. Para poder manter o equilíbrio existem estratégias, todo dia, se eu não estiver dentro da piscina estou caminhando, até porque tenho pressão alta (lógico que acabei com pressão alta, óbvio, porque algum dia não soube como administrar esta paixão pela educação, essa quantidade enorme de tarefas e mais a família, os filhos, os cursos, fiz o mestrado, doutorado, pós-doutorado, oriento alunos, dou aulas na pós, na graduação, dou entrevista...)” (LIRA).

“Primeiro é ser feliz (risos). Tem uma coisa que acaba sendo prioritária pra ser feliz, que é aquela coisa de viver amando e sendo amado, vida a dois pra mim é uma coisa importante, por isso que eu tô tentando... Viver isso de uma forma serena, tranqüila, buscar construir esse ambiente. Acho que é isso. E repetir isso na minha atuação profissional, de um educador que transmita essa felicidade de viver e por conta disso queira uma vida melhor” (POLUX).

Da fala de VEGA depreendem-se os valores da maturidade e da afetividade,

comparecendo também a justiça e a honestidade, esta traduzida no compromisso

com os relacionamentos. Tais valores mobilizam em VEGA um comportamento

altruísta, responsável, e solidário.

“Bem, acho que tenho uma prioridade que tem duas faces. Eu diria, assim, que esta é a prioridade que orienta minha vida. Que é uma prioridade de compromisso com os outros. Então ela tem uma face privada, que é o meu compromisso com a minha família e a minha face social, que é o meu compromisso com a sociedade na qual eu vivo. Acho que compromisso é uma prioridade número um. Ninguém tem o direito de ser descompromissado, de se desfazer da sua parcela de responsabilidade em qualquer situação. Nós não estamos soltos no mundo. O Sartre diria “nós estamos condenados a ser livres”. E, portanto, nós devemos exercer

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

169

nossa liberdade com responsabilidade, que implica sempre numa relação com outras pessoas. Acho que esse é um valor importante. E acho que os valores da justiça, procurar ser justo consigo mesmo e com os outros. E isso não é você que tem esse critério da justiça, esse critério vai se construindo nas suas relações sociais. A sociedade vai meio que delineando esse ideal de justiça, não é uma coisa que sai do nada, ele sai das suas relações sociais e de certos balizamentos de convívio. Dentro desses balizamentos, as pessoas têm que... pra mim esse é um valor, o valor da justiça. De que as coisas ocorram de uma forma correta e justa. Isso exige que você exerça sempre esse critério do recuo pra olhar as situações e pesar. A justiça tem a ver com isso. É por isso que eu peso as situações. Quando pesamos as situações é bem a balança da justiça. Se você não pesa as situações, não tenta olhar o outro lado, e o que o outro pode estar pensando, ou fazendo, ou dizendo ou tendo a intenção, você pode cometer injustiças. Bom, e depois acho que os valores da solidariedade, da amizade, são coisas que fazem a vida valer a pena, senão também as relações sociais se tornam muito duras, ainda mais numa sociedade como a nossa, que já não é muito pautada por esses princípios” (VEGA).

A maturidade é também a preocupação de fundo de AQUARIUS, traduzida

na busca por sabedoria, autoconhecimento. Esta prioridade organiza todo o

restante da vida de AQUARIUS.

“Bom, tentar ser feliz, né? Em primeiro lugar. Mesmo que o ambiente mais imediato não concorra pra isso. Buscar sabedoria. É um exercício que eu tento me impor. Digamos assim: tentar distinguir o bom combate do combate inútil, focar minhas energias no que é fundamental, aprender a distinguir o que é aparência e o que é essência. São preocupações que eu procuro considerar pra hierarquizar meus movimentos. Mas, sobretudo isso, tentar ser feliz até onde isso é possível no contexto que a gente vive. Às vezes isso não é possível” (AQUARIUS).

c) Critérios

Em termos de critérios foi solicitado aos entrevistados(as) que listassem

aqueles critérios que embasam suas escolhas. Do ponto de vista quantitativo,

tivemos os seguintes resultados: honestidade, com 81% (nove pessoas em onze);

justiça, com 54% (seis em onze); autodireção, com 45% (cinco em onze);

maturidade, afetividade, êxito e estabilidade empatados com 27% (três em onze);

estética e prazer, com 18% (duas em onze); e estimulação, com 9% (uma pessoa).

O fato de honestidade ter sido o critério mais utilizado mostra o quanto é

vivo e forte o compromisso em relação às pessoas. Certamente a justiça, tão

evidenciada em todas as outras questões, é um valor que decorre dessa

importância que se dá ao compromisso com o outro. Nesse sentido, a honestidade

enquanto valor esclarece também o freqüente comportamento altruísta no público

estudado.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

170

A honestidade se viabiliza através de diversos traços de personalidade. Em

VEGA explicita-se imediatamente a capacidade de ponderação.

“Eu acho que eu faço um esforço de hierarquizar as questões, sempre me colocar a pergunta: que questões são efetivamente prioritárias no sentido das conseqüências que elas têm, da responsabilidade que elas implicam. Porque às vezes questões que nos são muito próximas, muito imediatas, parecem ser grandes questões com as quais nós deveríamos nos preocupar muito, mas se você pára um pouco pra pensar, você se dá conta de que numa escala de valores, elas realmente não eram prioritárias, só parecem prioritárias. Eu tendo a não ficar sempre querendo apagar incêndio. Tomar um pouco de distância das coisas e verificar em que medida elas são prioritárias ou eu deva me empenhar tanto nelas. Em que medida elas fazem apenas parte de uma circunstância às vezes até emocional, tanto sua, como do grupo no qual você está envolvido e que então elas assumem proporções maiores do que elas efetivamente têm. Esse é um critério pra mim: tomar um pouco de distância e ponderar as questões antes de enfrentá-las” (VEGA).

Além da honestidade no acervo de nossos educadores também está presente

a generosidade e o cuidado com o outro, como se vê nos dois depoimentos a

seguir.

“A felicidade é extremamente importante. Tanto a minha quanto a dos outros. Acho impossível viver sobre as infelicidades dos outros. Tenho tendência grande em partilhar minhas coisas, minhas vantagens, doar meu tempo, contribuir, adoro dar presentes, isso é da minha natureza, me faz bem. Acho que também tentar lutar por o que queremos, estimular as pessoas a crescerem...” (ALDEBARAN).

“É o que estou sentindo. É vago, né? Deixe eu sentir o que é pra fazer, sentir o que é mais importante por alguma razão, o que diz respeito à vida de alguém, acho que é isso mesmo, tem a ver com a vida de alguém. A vida, tem a ver com a vida” (LIRA).

A honestidade também transparece na busca de relações democráticas e

autênticas, consigo mesmo e com os demais, como ocorre com AQUARIUS e

POLUX, de modos diferentes:

“...pauta ...diário, não tenho o menor saco pra essas coisas! Fazer plano de curso detalhado. Sempre confiei muito no meu instinto, podia entrar pra turma de mãos vazias e conseguir organizar o meu trabalho a partir do contato com os alunos. Em geral os professores fecham muito antes seus planos de curso e chegam lá com o pacote fechado, por exemplo. É mais seguro, é racionalmente mais defensável pros coordenadores. Eu sempre apostei numa situação de risco, apostei numa construção mais coletiva das coisas que eu faço. Tem os riscos que isso implica, às vezes isso não dá muito certo. Mas é o que eu estou te falando, não gosto muito de contrariar minha alma... eu confio um pouco no meu instinto, nas coisas que eu sinto, que eu olho, não sei por que. E a nossa razão está notada numa outra... obedecendo a outras necessidades às vezes. Então o que você está chamando de instinto é a sua percepção, sua intuição... Sim, a intuição. Isso nos associa ao mundo animal, né? E a gente não gosta muito de se aproximar muito dele, mas eu acho que sou

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

171

animal numa certa medida e acho que não me contraria isso, pelo contrário. Isso até me aproxima um pouco da espiritualidade também, num certo sentido. Espiritualidade não tem nada a ver com a razão. Num certo sentido eu acho que os ambientes educativos formais não compreendem os movimentos da alma. Porque se baseiam em princípios científicos pra regular o comportamento e a produção humana. E eu desde cedo desconfiei de que isso é muito... que não devia ser a única maneira que a gente tinha de perceber. Então acho que o instinto é uma coisa importante” (AQUARIUS).

Se para AQUARIUS o importante é equacionar instinto e razão, para

POLUX a prioridade é a saúde emocional. A honestidade consigo neste aspecto é

fundamental porque confere maturidade a outras escolhas, repercutindo inclusive

no seu fazer educativo.

“Primeiro é ser feliz. Tem uma coisa que acaba sendo prioritária pra ser feliz, que é aquela coisa de viver amando e sendo amado, vida a dois pra mim é uma coisa importante, por isso que eu tô tentando... Viver isso de uma forma serena, tranqüila, buscar construir esse ambiente. Acho que é isso. E repetir isso na minha atuação profissional, de um educador que transmita essa felicidade de viver e por conta disso queira uma vida melhor. Acho que critério é ser coerente com essas necessidades minhas, né? Quer dizer, quando decido alguma coisa é pra tentar ser coerente com essa perspectiva de ser feliz, essa perspectiva de que essa decisão permita com que eu viva amorosamente as minhas relações, que eu consiga com essas opções refletir isso na minha atuação de educador de uma forma mais plena. Acho que os critérios estão atrelados a isso, sempre buscando ser coerente com essas opções” (POLUX).

Certamente não seriam pessoas de tanta iniciativa não fosse seu senso de

autonomia, demonstrado pelo valor autodireção. Para propor-se um trabalho de

contra-hegemonia e sustentá-lo com todas as dificuldades que isso implica, tanto

de ordem pública como pessoal, é preciso realmente dispor de recursos íntimos

fortalecidos, como a autonomia. Não é à toa que a coragem é algo patente na

postura da maioria absoluta dos professores e professoras estudados. A fala

anterior de AQUARIUS demonstra um razoável nível de autonomia. Como

também a que se segue:

“(...) nós vivemos eternamente, por conta da formação da gente, do nosso processo civilizatório também, a gente vive experimentando tensões entre razão e instinto. Então são duas fortes motivações. Às vezes a razão se sobrepõe ao instinto. Mas eu não gosto muito de fazer o meu instinto silenciar. Todas as vezes que eu fiz isso eu me arrependi de racionalizar demais uma coisa e as condições estão falando num outro sentido. Isso me perturbou até um certo tempo. Mas acho que hoje eu consigo, digamos assim, temperar minhas decisões. Não tão racionais, nem tão instintivas. Não gosto muito de contrariar minha alma. E às vezes a gente é obrigado a fazer isso, por pragmatismo, mas isso nem sempre vale a pena. Então, meus critérios, acho que transitam de um lado pro outro. Às vezes eu sou mais

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

172

racional, mas às vezes não vale a pena. A decisão, por exemplo, de sair de Viçosa e vir pra cá sem emprego nenhum não tinha nada de racional. Foi uma sensação de asfixia, de “não quero ficar aqui mais tempo”, entendeu? Havia coisas mais subjetivas que foram fortes pra me decidir. Pode não ter sido uma coisa muito ajuizada, com 3 filhos voltar sem ter emprego, sem trabalho nenhum, mas não me arrependi, porque acreditei que eu tinha força pra recomeçar do zero, reconstruir de fato e acabei conseguindo fazer isso. Mas também não são decisões fáceis. (...) Existe um peso burocrático muito grande no que a gente faz. Eu não vejo muito sentido nessas coisas, sou obrigado a fazer algumas coisas que pra mim não tem a menor relevância. Minha alma não gostaria de estar fazendo, mas sou obrigado a fazer, e aí procuro usar esse movimento pendular entre razão e instinto pra também não me aviltar muito, mas também não me expor desnecessariamente a ataques desnecessários” (AQUARIUS).

O exemplo mais sintético de autodireção veio de POLARIS. Sua

personalidade forte e crítica sustenta essa auto-suficiência.

“Os critérios são muito claros. O primeiro e mais forte é sempre a questão: a serviço de quem ou de quê faço isso? Isso que faço ou escolho é ético, justo? Isso que faço ou escolho tem algum significado à luz da minha morte iminente? Isso que faço ou escolho me dá alegria e prazer? São esses os critérios pessoais. Não faço algo que, se morresse hoje, não me daria plenitude” (POLARIS).

Como se percebe, esta fala também demonstra os valores da justiça e da

maturidade.

Afetividade, maturidade, justiça têm sido fatores recorrentes até aqui. O

novo indicador contundente surgido neste último item foi a honestidade. Mas que

nada tem de incongruente com os demais, já que de toda forma se trata da relação

saudável com o outro. Pelo contrário, a honestidade é fundamento para a justiça e

para a afetividade. A maturidade, enquanto auto-realização, também exige sua

cota de honestidade, desta vez da pessoa consigo própria.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

173

Quadro 7 – Critérios: relação entre valores, comportamentos e traços

entrevistado tópico em

análise valores depreendidos comportamentos Traços

1- Aldebaran

Justiça

Maturidade

Honestidade

Afetividade

Êxito

Autodireção

Concessões (o bem comum antes do eu), produtividade

(trabalho),

partilha, lutar pelo que se quer (idealismo/ realização),

incentivar o crescimento alheio

Persistência, altruísmo

2- Carena

Prazer, Saúde, Maturidade,

Beleza, Autodireção,

Honestidade,

Êxito, Estimulação

Avaliação constante de tudo; verificando até que ponto gosta

ou não, quer ou não aquela opção, dá conta ou não, pode se

expressar ou não; selecionar pela qualidade; renovação

autocrítica

honestidade consigo,

criticidade, auto-respeito,

criatividade

3-

Andrômeda Estabilidade, Honestidade

Auto-esclarecimento quanto aos motivos que levaram à

escolha (“tem que ter uma lógica”); controle da

impetuosidade alternado com momentos de impulsividade;

brincadeiras para amenizar posicionamentos drásticos

Controle, racionalidade, bom

humor, cuidado, segurança

4- Vega

Critérios

para

decisões

Justiça, Ordem Social, Ponderação, distanciamento, visão prospectiva, escolher a Logicidade,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

174

entrevistado tópico em

análise valores depreendidos comportamentos Traços

Honestidade prioridade quanto aos efeitos e à responsabilidade responsabilidade, respeito

5- Lira Afetividade, Honestidade Autopercepção, análise, cuidado com o outro, intuição Respeito, sensibilidade,

autoconfiança

6- Perseu Justiça Priorização do trabalho (ideal de luta), estudo constante

Posicionamento firme,

coerência, obstinação,

determinação,

intelectualidade,

compromisso

7- Aquarius Autodireção, Honestidade,

Justiça

Autopreservação, inclusão, partilha, concessão, apostar na

intuição e na construção coletiva (inclusão, co-

responsabilidade, participação, democracia)

Autoconfiança, ponderação,

respeito, empatia,

responsabilidade, ousadia

8- Órion Autodireção, Honestidade,

Beleza, Afetividade, Saúde,

Êxito, Maturidade, Estabilidade,

Prazer

Análise, participação, experimentação de coisas novas,

rotinas prazerosas, acolhimento, verificação do nível ético, da

qualidade, pertinência, bem-estar, beleza, radicalidade,

encontro

Disponibilidade, abertura,

honestidade, criticidade,

posicionamento, coerência,

lealdade,

auto-respeito, lisura,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

175

entrevistado tópico em

análise valores depreendidos comportamentos Traços

generosidade, rigor

9- Auriga Justiça, Honestidade Concessão, ir além dos próprios limites, análise

responsabilidade, franqueza,

exemplarismo, coerência,

persistência,

comprometimento, ansiedade

10- Polaris Justiça, Maturidade (Auto-

Realização), Autodireção

verificação da intencionalidade, ponderação, análise da

relevância e do grau de plenitude nas ações

Criticidade, lisura, coerência,

respeito, alegria

Fonte: autora

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

176

d) Gastos

Os gastos demonstram aqueles aspectos valorizados pelas pessoas, as coisas concretas com que se importam. Os itens de consumo

denunciam as preferências e canalizam as energias, tempo e recursos disponíveis. Daí serem escolhas tão significativas para este estudo.

Quadro 8 – Gastos: relação entre traços, valores e comportamentos

Entrevistado Tópico em

análise

Artigo/

Valores depreendidos Comportamentos Traços

1- ALDEBARAN Cultura, trabalho/

Conhecimento, beleza

Compra de roupas artesanais em viagens como recordação

cultural. Gastos com livro, roupa e viagem. Curiosidade, intelectualidade

2- CARENA Qualidade de vida, bem-estar/Saúde

Desfazer-se de uma coisa antiga ao adquirir outra do

mesmo gênero, questionar-se quanto à necessidade e

utilidade antes da nova aquisição, verificar se não vai

atrapalhar.

Criticidade, ponderação,

comedimento, parcimônia

3-

ANDRÔMEDA

Perfil de

gastos

Conforto, manutenção da

vida/Estabilidade Não passar necessidade, poupança

Priorização, parcimônia,

dignidade

4- VEGA Bens culturais: livros, jornais, revistas,

viagens/Estabilidade e Conhecimento Poupança, valorizar as pessoas e o dinheiro pelo trabalho Parcimônia, intelectualidade

5- LIRA

Viagens/Prazer, Conhecimento Viajar rotineiramente Curiosidade, prodigalidade,

hedonismo, impulsividade

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

177

Entrevistado Tópico em

análise

Artigo/

Valores depreendidos Comportamentos Traços

6- PERSEU

Plano de saúde e esportes, estudo e

trabalho (livros, escola), casa própria,

conforto/Afetividade, Saúde,

Conhecimento, Estabilidade

Fuga de lojas, não come fora, pouco sai, prioriza as

necessidades da família

Intelectualidade, previdência,

autoconfiança, empenho,

cuidado, dedicação, autonomia,

desapego

7- AQUARIUS

Itens relativos à segurança, saúde, cultura,

trabalho/Estabilidade, Saúde,

Conhecimento

Lamento quanto à insuficiência de recursos, investimento

na recuperação da saúde, busca de recursos para casa

própria

Intelectualidade, priorização

8- ÓRION Livros, CDs, Viagens/Conhecimento

Doa livros regularmente, inclusive para bibliotecas; Passa

horas ouvindo música; quando viaja gosta de caminhar

sozinho pelos lugares cotidianos observando o modo de

vida das pessoas

Intelectualidade, sensibilidade

estética, curiosidade,

impulsividade, prodigalidade

(generosidade)

9- AURIGA Comida, roupa/Estabilidade, prazer Desperdício Impulsividade, ansiedade,

desorganização

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

178

Entrevistado Tópico em

análise

Artigo/

Valores depreendidos Comportamentos Traços

10- POLARIS

Gastos de sobrevivência, saúde, livros,

decoração, família/Estabilidade, Saúde,

Justiça, Beleza, Afetividade

Não pechincha, gosta de pagar o justo às pessoas. Com os

extras, investe em livros e objetos de decoração rústica

Quase não compra roupas e acessórios

Sensibilidade estética,

prodigalidade, intelectualidade

11- POLUX Fase nova: companhia (namorada),

viagem, comida/Afetividade e Prazer

Permite-se viajar quando dá vontade, para ver a namorada

que mora longe, sai com amigos, tem relaxado no

planejamento financeiro

Impulsividade, hedonismo,

afetuosidade

Fonte: autora

Os itens de consumo em comum e mais freqüentes foram os relativos à sobrevivência, viagens, livros e bens culturais em geral, indicando a

priorização dos valores conhecimento e estabilidade. Em seguida vem saúde, depois afetividade e prazer empatados. Os itens parecem

acompanhar a pirâmide de necessidades de Maslow: necessidades fisiológicas, de segurança, de afeto, cognitivas, estéticas de auto-realização.

Excetuando-se o valor do conhecimento que atende a necessidades cognitivas e que neste levantamento se equiparou às necessidades de

sobrevivência (fisiológicas e de segurança). Este dado já era esperado, uma vez que o conhecimento é instrumento básico de trabalho e que o

trabalho assume uma dimensão dominante na vida destes educadores.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

179

Os motivos que ocasionaram os gastos e a forma como eles são efetuados se

referem a: trabalho, cuidados com a família, lazer, segurança, saúde,

conhecimento, justiça, aperfeiçoamento. Pudemos classificar os respondentes em

três perfis principais, a saber: emotivo-impulsivo (LIRA, POLUX, POLARIS,

ÓRION, AURIGA); parcimonioso (ANDRÔMEDA, CARENA, AQUARIUS,

VEGA); classe média (ALDEBARAN, PERSEU).

A forma de gastar se relaciona ao aprendizado familiar no uso do dinheiro,

como bem ilustra VEGA, cuja família é de imigrantes europeus, camponeses, que

viveram a cultura do trabalho enquanto algo positivo.

“(...) a experiência de vida dos imigrantes foi de pessoas que perderam tudo e quando vieram pro Brasil lutaram com muitas dificuldades, tiveram que começar do nada, vamos assim dizer. Então, sempre nós vivemos numa cultura da economia, da poupança. Eu desde criança aprendi que a gente não faz gastos supérfluos, que a gente tem que viver com o que é possível, que a gente tem que aprender a viver com menos do que é possível, pra que sobre alguma coisa pros momentos em que não se tem. Então, venho de família que aprendeu a poupar e aprendeu a dar valor ao dinheiro como fruto do trabalho” (VEGA).

Não à toa, o tema de pesquisa de VEGA é justamente o trabalho.

Em termos de educação ambiental, vemos que saber o valor real das coisas a

partir do esforço que se faz, é algo que contribui para criar formas de viver

parcimoniosas, sem desperdício. Uma vez que nossa intenção é estudar os

educadores ambientais pensando também na formação de novos educadores

ambientais, pode ser interessante aproveitar esta experiência no sentido de criar

oportunidades aos estudantes e educadores em formação para que experimentem,

durante certo período, organizar seu consumo a partir de uma cota limitada

proposta e aceita por todos. Isto poderia ser feito, por exemplo, num curso de

imersão e não necessariamente envolveria dinheiro, mas a relação de troca para

atendimento das necessidades. Toda troca deveria ocorrer apenas a partir de certo

esforço de trabalho. A reflexão sobre essa experiência poderia nos indicar quão

apropriada ela foi, mas parece-nos que este é um dos aspectos fundamentais

dentre aqueles a serem desenvolvidos por educadores ambientais, já que,

querendo ou não, o exemplo de tais pessoas inspira e legitima novas práticas.

e) Motivação

“Identificar as principais motivações pessoais” foi a instrução dada para o

levantamento de motivos e razões que movem nossos entrevistados(as)(as). Esta

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

180

questão acaba trazendo não apenas os valores, mas também os contextos

motivadores, fazendo emergir mais aspectos da história de vida de cada um. Ao

perceber isso, percorremos novamente as entrevistas, buscando os trechos em que

a palavra motivação surgia.

Ou seja, ultrapassamos, neste tópico, o espaço da questão em si,

incorporando informações relativas à motivação dos respondentes, mesmo que

estivessem em outras partes da conversa. Com isso, esta seção será destinada

também a analisar a influência dos meios de experiência moral que contribuíram

na conformação dos valores.

“o que me motiva sempre é o que eu te falei, toda vez que eu canso eu lembro o que é que tem do lado. Isso aí é o permanente. Então, assim: ah, tô cansado. Uma criança acabou de tomar um tiro. Alguém morreu de fome. Estão destruindo a Amazônia, estão derrubando uma árvore. Isso é permanente” (PERSEU).

Esta pessoa mostra-se tomada por um senso de urgência, dado pelos fatos da

realidade cotidiana. Sente-se compromissada, convocada a agir. Neste ponto está

óbvia a motivação a partir da injustiça. Mas, PERSEU também tem outras

motivações:

“E tomo como exemplo algumas pessoas. Pô, hoje em dia, às vezes a gente reclama de estar aqui no computador. [Antes, se] Ficava escrevendo no papel, numa situação difícil pra caramba! Marx mesmo foi um cara perseguido, foi prum monte de país, sem dinheiro, o cara era persona não grata, filho morrendo de fome, perdeu três assim, e o cara escreveu o que escreveu. Sartre na II Guerra lá escreveu em papel de pão. Rosa Luxemburgo, perseguida pelo exército, enfim, posso citar aqui um milhão deles. Então, eu vou reclamar que estou aqui no computador, comendo, com a família e tudo?! Não é também pra jogar fora, os exemplos e a realidade, o mundo real, o mundo real me motiva, sim” (PERSEU).

A junção de problemas em contraste com o exemplo de pessoas que

passaram por situações extremamente difíceis e não só as superaram, mas legaram

ao mundo novas idéias e realizações relevantes, compõe um desafio moral a

PERSEU. Ver que é possível enfrentar o que parece ser o mundo contra, que já

houve casos de sucesso antes, é estimulante, desafiador.

Pensando em termos da formação do educador ambiental, percebe-se a

relevância dos meios de experiência moral, que propiciam problemas

suficientemente desafiadores para motivar o engajamento de personalidades cujas

tendências sejam favoráveis a este tipo de enfrentamento. Entre estas tendências,

pelo que vimos até aqui, parece ser fundamental a consideração pelo outro como

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

181

alguém digno, cujas necessidades são legítimas. Esta propensão leva à atitude de

respeito, de relacionamentos honestos, não importando se na divergência ou na

concordância. Essa mesma consideração fundamenta a vivência do valor da

justiça, que aparece claramente direcionando as escolhas profissionais e sua forma

de vivê-las. Mas para além dos meios de experiência moral, conhecer as

experiências morais de outras pessoas também parece ser fator mobilizador, pelo

exemplo, ainda que involuntário. Nesse sentido, podemos pensar num uso

pedagógico de biografias, como fonte de inspiração e debate acerca das

experiências morais e dos recursos com que se conta para enfrentá-las nos dias de

hoje.

PERSEU traz outro aspecto a esta análise, não relacionado com a influência

intencional da família no sentido formador de certa espécie de sensibilidade, mas

que se vincula também à vivência de problemas que aguçam uma sensibilidade já

existente. PERSEU conta que quando criança era especialmente sensível a

qualquer tipo de agressão ou desrespeito que presenciasse, revelando já ser

possuidor latente do valor da justiça e da vida.

“interessante que isso não teve uma relação direta com meu pai e minha mãe não, meu pai é militar, e são pessoas relativamente duras em relação a muita coisa. Ver alguém brigando com outra pessoa, isso me afetava, ver o desrespeito com o negro, e outras cenas assim, desse tipo, de chegar no mercado com a minha mãe, era época de natal, e ver um monte de animal pendurado pelo pescoço, chorava desesperadamente: “porque tinham que pendurar o bicho daquele jeito?”, devia ter 6 anos, 7 anos, e de lá pra cá foi consolidando isso e dando a densidade teórica, digamos, pra sustentar o porquê sou assim, mas é uma coisa muito minha, sem dúvida nenhuma” (PERSEU).

Já no período da adolescência, buscando expressar com mais liberdade suas

próprias tendências, PERSEU se deparou com conflitos familiares:

“Ter essas minhas convicções de esquerda na minha família era meio complicado. Nossa mãe, falar de Che Guevara era morte, e era algo importante pra mim. Tinha uma coisa que era importante pra mim, franciscana mesmo, hoje isso se afastou muito de mim, mas isso também não me abalava não, até porque a família me respeitava, tinha uma discordância, mas respeitava. Porque eu fui muito sempre certo, correto, não tinha o que falar mal, como falar mal. Discordar era opção, nunca fiz bobagem, pelo contrário. Até pra fazer essas coisas que seria o normal da minha geração, de classe média, de sair, beber, e fazer bobagem... eu tive até muita afinidade com essas pessoas que eram mal vistas, até amigo de escola, e me misturava com eles, mas não fazia as mesmas coisas, mas [estava lá] no sentido de mostrar que de certa forma entendia o que eles estavam fazendo...” (PERSEU).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

182

Suas tendências anti-injustiça encontraram no pensamento de esquerda

espaço para se expressarem e viabilizarem em ações concretas. Mas PERSEU

contava com outros recursos. Seu temperamento, a coerência, a retidão de caráter,

tudo isso o auxiliava a enfrentar as experiências e desenvolver-se nesses primeiros

meios de experiência moral. Até mesmo o estar no contrafluxo dos

comportamentos típicos da adolescência evidencia certo esforço de

autoconstrução já em andamento, a escolha crítica e refletida, e talvez, outro

valor, também já latente, a saúde. O fato de andar em companhia dos “mal vistos”

também pode ser indicativo de sua tendência de incluir (excluir seria injustiça),

mas andar próximo a partir de suas próprias regras também demonstra maturidade

e autodireção, valores que mais tarde serão marcantes em sua trajetória e que

acionam comportamentos solidários, assistenciais justos, mobilizando ainda traços

como a empatia e a compaixão.

Sabemos que além dos guias culturais de valor, o indivíduo conta com

outros recursos para a formação da consciência moral, como os procedimentos da

consciência moral (Puig, 1998). No caso de PERSEU estão exemplificados os

procedimentos de compreensão, juízo e auto-regulação, mostrando-se claramente

em ação. Entretanto, por não ser este o objeto da análise desta pesquisa, apenas

sinalizamos aqui a riqueza potencial de um aprofundamento nestas biografias,

considerando todo o acervo que conforma a consciência moral.

Com PERSEU vemos ainda outro fator motivador, que é a gratidão. A

gratidão, neste caso, parece resultar do amor à vida, mas também seria uma

questão de justiça. E a mobilização gerada por ela levou a um engajamento e à

necessidade de compreensão teórica do contexto para melhor poder enfrentá-lo, já

apontando também para outro valor, o conhecimento.

“Sempre procuro demonstrar gratidão pelo que os outros fazem, e pelos lugares, quer dizer, até o lugar que eu fui criado, que é um lugar lindo. Eu sempre sentia gratidão pela Ilha, e achava que gente tinha que fazer alguma coisa pela ilha, tanto é que se pegar esse iniciozinho meu da iniciação do movimento ambientalista ele se dá muito na (floresta da) Tijuca, foram situações específicas, movimentos da Tijuca, mas que estavam ligados à baía de Guanabara, movimento Baía Viva, a APEDEMA. Eu entrei por esse viés de discussão do grupo da baía de Guanabara, e essas (instituições) me motivaram pra essa idéia de gratidão, Paquetá me acolheu, eu tenho que fazer alguma coisa por ela. Não sei se dá para entender essa maluquice. A gente começou a se envolver, e a gente que eu falo é que minha mulher também, se envolvia até antes de mim, com a associação de moradores, criação de uma ONG ambientalista lá, rádio comunitária, e tudo o que tinha de movimento. Até hoje (a gente é imortal da ilha). Isso foi um fator importante

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

183

porque fez eu entrar em alguns movimentos ambientalistas mesmo. Não foi procurando assim do nada, foi muito motivado pela Baía de Guanabara” (PERSEU).

Isto é, motivado por um problema concreto, configurado como experiência

moral. Interessante observar que esta experiência reunia diversos fatores

convergentes: a vivência prática de enfrentamento do problema num contexto

dilemático, conflituoso, que implicava interesses diversos e por isso mesmo

demandava clareza de posicionamento e fundamentação para este

posicionamento; o afeto dedicado ao lugar em questão, alvo dos conflitos; a

reflexão e debate acerca das experiências, já que se tratava de um movimento

coletivo. A justiça, neste caso, foi um valor convocado a partir de outro, a

afetividade.

Este exemplo pode inspirar a criação de contextos didáticos na formação da

sensibilidade ambiental ou ethos ecológico: um problema a enfrentar

coletivamente, relativo a um espaço, paisagem ou situação a que se vota afeto.

Não basta então ser um contexto para aplicar a resolução de problemas como mote

para projetos, preconizada pela EA tradicionalmente. Mas é relevante que sejam

problemas que convoquem também a expressão afetiva dos alunos(as). Pode ser

especialmente interessante resgatar esse senso de gratidão à vida, às coisas que

recebemos, aos lugares e pessoas que nos receberam e que contribuíram para que

sejamos como somos.

As motivações de POLARIS estão todas relacionadas ao trabalho, que se

organiza em torno de três valores: conhecimento, justiça e saúde.

“Minhas motivações são estudar, escrever, trabalhar com grupos, tudo sempre na perspectiva de contribuir para uma mudança qualitativa, uma transformação, um resgate de uma capacidade de resiliência. Todas as minhas ações convergem para um desses princípios que me motivam” (POLARIS).

Quando criança se sentia pessoa fraca, que não sabia o que fazer do mundo,

mas já se reconhecia boa observadora, especialmente das relações. Deduz ela que

seu interesse pela Psicologia veio daí. Esta percepção aguçada chamava desde

cedo sua atenção para pessoas em situações de dificuldade e a mobilizava muito:

“Estava num lugar e percebia que tinha uma pessoa pobre que estava sem dinheiro, eu ia numa festa e via que tinha uma pessoa triste, e isso sempre me chamou a atenção, isso é uma coisa minha. Ia em parque de diversões e via que a criança não tinha dinheiro para comprar o ingresso, aí eu perguntava a minha mãe: “como é

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

184

que pode?” E até hoje eu sou assim, e faço da minha filha assim também, o tempo inteiro eu mostro para ela...e ela começa a fazer já umas conclusões interessantes... “mãe, quer dizer que isso é assim...é injusto, né...” “é isso mesmo, é injusto e a gente tem que mudar, mas não na perspectiva só da crítica, mas na perspectiva da intervenção” (POLARIS).

Com esta fala POLARIS não deixa dúvida, o valor principal, raiz de suas

motivações, é a justiça, mas articulado a partir de outros: conhecimento e saúde.

Novamente vemos aí experiências morais agindo sobre a formação da consciência

moral, demandando resolução de dilemas internos a partir de um posicionamento

claro.

ALDEBARAN partilha com POLARIS da preocupação com a justiça

social, preocupação canalizada para o trabalho. Motiva-se pela própria educação

enquanto ferramenta capaz de auxiliar a transformar a sociedade para o bem

comum. A educação, em sua concepção, motiva a pessoa a se autotransformar, o

que decorre posteriormente em mudanças de ordem estrutural na sociedade. Daí a

importância atribuída por ela à coerência. A educação deve ser algo que promova

essa capacidade. Falar disso é falar de trabalhar as capacidades ou procedimentos

da consciência moral, especificamente a auto-regulação. A preocupação de

ALDEBARAN, que é certamente também a preocupação de inúmeros outros

educadores ambientais, nos leva a pensar que os processos formadores precisam

levar em conta muito além dos valores, a própria formação da consciência moral

como um todo. A questão ambiental é antes de tudo uma questão ética. De modo

que não se trata de obter novas tecnologias ou acordos políticos tão somente. São

aspectos que têm seu lugar e relevância, contudo são acessórios em relação ao

âmago da transformação necessária para que tais acordos se viabilizem ou para

que as tecnologias adequadas de fato entrem em uso.

Para ela, assim como para VEGA, a disparidade de realidades econômicas

com que convivia motivava a uma ação imediata. Criança, ainda, ALDEBARAN

alfabetizava as pessoas que trabalhavam em sua casa, dava-lhes aulas de religião...

Acabou se tornando assistente social. A justiça, aparentemente, também já era um

valor latente para ela desde a infância. A forma de auxiliar poderia ser de qualquer

tipo. No entanto, ela já escolhia a educação, o que revela precocemente o valor do

conhecimento também para ALDEBARAN. Outro valor denunciado nesta prática

é a religiosidade, já que as aulas poderiam ser sobre qualquer tema, e este foi o

escolhido. Justiça, religiosidade e conhecimento acionavam o traço da

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

185

solidariedade e com isso, mais uma vez fica claro que a realidade problemática e

desafiadora moralmente demanda mais da pessoa quando isso implica algum nível

de afeto.

Ainda na infância, VEGA relata que a desigualdade social era para ela um

grande incômodo. A primeira experiência que a fez atentar para isso se deu no

jardim de infância, quando outras crianças queriam comer sua merenda. O fato de

ter continuado a estudar em escola pública36 por toda a vida apenas reforçou essa

primeira experiência com muitas outras similares e aguçou sua observação do

mundo. Ela sintetiza assim:

“talvez estudar na escola pública a vida toda tenha me marcado muito. Mais do que qualquer outra coisa. Mais até do que as coisas que eu aprendia dentro da minha casa. Uma coisa é o discurso do pai e da mãe. Outra coisa é a realidade do mundo. E eu acho que eu aprendi muito com a realidade do mundo pelo fato de ter sido aluna da escola pública” (VEGA).

E com isso voltamos ao tema do discurso versus a realidade. Embora possa

parecer óbvio, a realidade é melhor mestra do que qualquer indução discursiva.

Ela nos convoca à ação, provoca todos os sentidos, exige uma resposta moral. O

discurso, no mais das vezes, mexe apenas com a intelectualidade. Por mais

sensível e sensato que seja atinge o intelocutor apenas num plano teórico. LIRA e

POLARIS têm razão. Há uma enorme necessidade de integração no mundo. Sem

que as informações, a crítica e a sensibilidade se conjuguem na interpretação do

mundo teremos apenas respostas estereotipadas, insuficientes para formar pessoas

saudáveis e ativas na construção de sua própria história, individual e coletiva.

Assim, afigura-se de capital importância criar estratégias metodológicas na

formação de educadores ambientais cujas bases estejam na formação dessa

capacidade integradora, já chamada por Puig de auto-regulação. Trabalhar os

valores, fornecendo oportunidades de viver experiências morais e debatê-las é

essencial. Mas, neste exercício, é preciso estimular ambos, a razão e a

sensibilidade. Por isso tanto falham ou são limitados projetos que busquem tão

somente informar ou exclusivamente sensibilizar quanto aos problemas

ambientais. Esperar que as pessoas se mobilizem à ação transformadora apenas

36 Certamente a escola pública da infância de VEGA guarda diferenças de qualidade e de público com as atuais. Entretanto, o que nos interessa avaliar é o modo como o confronto com um meio problematizador, dilemático, pode afetar a formação dos valores de um sujeito.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

186

porque se encontram emocionalmente sensibilizadas ao problema é ingenuidade.

Se tais pessoas não tiverem em seu acervo pessoal recursos intelectivos e de

relacionamento também desenvolvidos, pouco poderão fazer além de protestos.

Por outro lado, aguardar uma mobilização apenas porque algumas informações

contundentes acerca da degradação ambiental, ou pelo contrário, porque

informações e curiosidades a respeito do funcionamento ecológico foram

transmitidas, também se constitui expectativa fora da realidade. A teoria é

absolutamente insuficiente para mobilizar a grande maioria das pessoas. Enquanto

o sujeito não se depara com um problema concreto que lhe exija reflexão,

posicionamento, que estimule seus sentidos, pouco se pode esperar de suas ações.

“eu acho que a escola pública, mesmo aquelas que são consideradas as boas escolas públicas, que muitas pessoas dizem que são escolas elitistas, acho que mesmo essas, expressam muito claramente as diferenças sociais, expressam as contradições da sociedade e elas têm a liberdade de trabalhar com vários enfoques, várias visões de mundo. Aquilo que a gente espera que uma boa universidade pública viabilize, que é um debate de paradigmas, um confronto de idéias, de referenciais teóricos, acho que a escola pública, toda ela, ela permite essa pluralidade. E acho que isso me marcou muito, porque oportunizou ver a realidade sob vários enfoques, sob várias perspectivas. E conviver com as várias classes e subclasses da sociedade. (...) Então, estudei com as pessoas pobres e as pessoas ricas da minha cidade. Convivi com culturas diferentes, com formas diferentes de se inserir na escola, com as pessoas que precisavam da escola porque lá era o lugar aonde elas iam se alimentar e ganhar os livros, cadernos, uniformes. Mas também com as pessoas que não precisavam de nada disso, que estavam lá porque era uma boa escola. Acho que a escola pública me marcou sempre por essa perspectiva, da necessidade de nós termos visões diferenciadas sobre a realidade pra com isso oportunizar às pessoas a formulação de um pensamento próprio pelo confronto das idéias e a oportunidade de vivenciar as diferentes realidades sociais e econômicas, pra também confrontar as suas idéias com a realidade, pra ver em que medida elas têm uma articulação, elas dizem da realidade ou são pura imaginação. (...) Então, esse foi um elemento importante da minha trajetória escolar, ter essa compreensão e essa valorização do espaço público, como um espaço de liberdade, de expressão de idéias, de confronto de idéias e de confronto de idéias com a realidade concreta. O que na escola particular nem sempre é possível” (VEGA).

Essa experiência calou tão fundo na vida de VEGA que ela e o marido

decidiram que os filhos também estudariam apenas em escolas públicas. E assim

se deu. Mas este relato chama a atenção por outros valores evidenciados. Trata-se

do conhecimento e da liberdade para construí-lo, a autodireção. A questão do

conhecimento já era valorizada por VEGA desde o jardim de infância, quando

teimou em sair da escola porque o jardim não lhe ensinava a ler. Seu objetivo era

esse e não sendo cumprido, não lhe interessava estar ali. A determinação

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

187

certamente era um traço pessoal também já manifesto desde cedo e acionada em

outros momentos que o valor autodireção demandasse.

“(...) porque eu não gostava do jardim, achava que lá eu não aprendia nada de novo, eu queria aprender a ler e a escrever, e no jardim eles não queriam me ensinar isso, então eu fui rebelde, fiquei pouquinho tempo no jardim, minha mãe teve que me tirar da escola, porque eu disse (veemente): aqui eu não fico porque eu não tenho nada pra aprender aqui, quero ir pra um lugar em que eu vá aprender a ler!” (VEGA).

Outra motivação para ela são os próprios relacionamentos, em todas as

instâncias. Sua postura compromissada com todos traz à tona o valor da

honestidade e torna nítido seu temperamento responsável e crítico.

“Ih, as coisas que me motivam são as questões que dizem respeito às minhas relações na sociedade, tanto as relações de foro íntimo, familiares, de amizades, quanto às relações sociais e políticas, quer dizer, o meu enfrentamento diário, a minha situação de professora, de militante política, de mãe, de dona de casa, essas questões nos motivam permanentemente, eu acho” (VEGA).

Por fim, vale a pena pontuar outro valor patente nesta fala, a maturidade.

Ninguém que não tenha interesse em crescimento pessoal, em se melhorar

enquanto pessoa investiria seu tempo em “enfrentamentos diários”. Trata-se

também de um dos recursos da consciência moral, incluído nos guias culturais de

valor e denominado de tecnologias do eu (Puig, 1998). A auto-avaliação mostra-se

precioso recurso formativo da personalidade. De modo que renovamos nossa

sugestão de incluí-lo nos processos formadores da sensibilidade ecológica,

particularmente se estivermos falando de educadores ambientais em formação.

Exercitar-se, como VEGA, na auto-avaliação de seus mais diferentes papéis

desempenhados pode ser rica e imprescindível experiência, possibilitando

compreender a própria postura, desempenho, comportamento, sentimentos,

compreensões. Pode utilizar diversas técnicas e favorece a integração – a auto-

regulação, de cuja importância tratamos há pouco.

ANDRÔMEDA considera estudar sua grande motivação, dividindo-se entre

o trabalho e a família. Por seu relato, a família toda, excetuando-se seus pais, é de

professores. Certamente um meio de experiência moral em que o estudo é

valorizado favorece um relação de apreço com o conhecimento. Mas

ANDRÔMEDA não foi a única.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

188

ÓRION tem outras preocupações e motivações, mas soma-se a

ANDRÔMEDA na priorização do conhecimento e do afeto. Para ele, o que

importa é não ser um farsante, isto é, estudar muito para continuar a ser um

educador profissional de excelência. Importa-se com as pessoas queridas e desde

menino faz questão de desobedecer a ordem estabelecida:

“Foi uma característica pessoal de desobedecer esta ordem estabelecida. No sentido de se não me respondesse, eu não ficaria satisfeito. Isso me marcou com profundidade. Não me venha com respostas óbvias ou simples, que não vai me convencer” (ÓRION).

Conhecimento, honestidade, afetividade e autodireção são, portanto, valores

para ÓRION. Apesar da diferença de motivações, vê-se que os valores continuam

convergindo com os dos demais educadores ambientais entrevistados(as).

Para LIRA o conhecimento desde sempre foi um valor assumido. Quando

criança, por causa disso, sempre era presenteada com livros. Inquirida sobre suas

motivações, enfatizou o estudo, a intelectualidade, o trabalho, mas destacou

também a intuição de perceber o que seja importante para a vida das pessoas com

quem está envolvida. O cuidado com a vida em si importa para ela. E viajar!

Viajar parece ser uma válvula de escape para a intensa rotina de LIRA, mas

parece-nos que também tem relação com seu valor mais evidente, o

conhecimento. Do mesmo modo que ocorre com LIRA para AURIGA

importavam muito a leitura e o estudo quando criança e desde então. Como não

havia recursos para comprar os livros, ela os lia emprestados da biblioteca ou dos

vizinhos. O conhecimento sempre a seduziu.

Mas AURIGA, assim como AQUARIUS, trazem um novo rumo às

motivações observadas até o momento. Foi fator de sensibilização para ambos

poder usufruir livremente das brincadeiras de infância. AURIGA brincava entre os

meninos, exercitando já os valores da autodireção e do prazer. AQUARIUS

brincava em seu próprio quintal. Para ele importava a convivência com os bichos

e plantas, as artes que ali fazia com os irmãos. Tinha um temperamento irrequieto

e rebelde, mas era também bastante observador, passando horas em cima das

árvores à escuta de passarinhos, cujo canto aprendia, assim, a identificar. Trata-se

de um tipo de experiência diferente das anteriores, no sentido de que não foram

situações sociais de injustiça que o mobilizaram nesta fase. Na adolescência e

juventude, sim. Mas na infância o que parece ter sido mais significativo foi o

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

189

prazer da convivência, a curtição da beleza ecológica de seu quintal e da liberdade

usufruída ali. Emergem, então, os valores da autodireção (liberdade), da beleza,

do prazer, da estimulação e do conhecimento, expresso na curiosidade e

movimento para aprender sobre os passarinhos.

Este relato revela a importância de também se oferecer pedagogicamente

não apenas experiências de conflito moral, mas experiências de prazer, de cultivo

da sensibilidade a partir da estética, do belo, da liberdade de experimentação dos

sentidos. O corpo tem sido um grande esquecido nos trabalhos educativos. E

muito embora sejam freqüentes as atividades ao ar livre quando se trata de

educação ambiental, raramente elas têm a intenção deliberada de fortalecer a

autopercepção corporal, e de assim exercitar a autodeterminação, capacidade que

se fortalece também à medida que a pessoa se apropria do próprio corpo.

Outra pessoa cuja motivação nasceu de experiências afetivas e estéticas

intensas é POLUX. Ele passou sua infância e juventude tendo como referência

principal de vida sua avó, residente em um sítio na cidade serrana de Friburgo.

Para POLUX o cuidado e capricho que esta avó tinha com o sítio fazia com que

eles, os netos, tivessem grande prazer em estar ali nas férias, feriados e finais de

semana. Para ele, foi uma experiência de viver a harmonia e a afetuosidade, que

consolidou fortes laços entre os primos até hoje, mesmo que atualmente estejam

distantes fisicamente. Quando já adulto e formado POLUX decide começar seu

trabalho docente e como educador ambiental é para Friburgo que ele se muda.

Continua a conviver com esta avó, de modo bastante próximo durante os cinco

anos em que viveu em Muri (distrito de Friburgo, RJ). Hoje, tem duas grandes

motivações: sua atuação profissional e o autoconhecimento.

“a minha profissão é minha motivação grande, quer dizer, minha atuação profissional. Uma motivação grande que eu tenho é a de me descobrir. De vivendo, me descobrir como pessoa, me conhecer melhor e pra isso vivenciar coisas novas, diferentes. É algo que me motiva. Gosto de vivenciar coisas novas. Apesar de ter essa aparência mais conservadora, mais tímida, gosto da coisa nova. Nesse sentido até sou bastante ousado, não me assusta experimentar coisas novas, isso é uma coisa que me motiva muito. E fazer isso pra me conhecer, entendeu? Experimentar pra me conhecer” (POLUX).

POLUX reúne em si motivação para atuar transformadoramente no mundo

externo e interno. Talvez essa forte referência, como diz ele, que foi a convivência

com a avó e com o belo sítio, tenha ancorado nele forças para buscar retorno ao

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

190

porto da harmonia. Assim, isso é buscado no próprio amadurecimento pessoal e

em sua atuação profissional. Em outro momento POLUX se refere à sua

necessidade de viver as relações todas do modo mais amoroso (em sentido amplo)

possível, de maneira que tal satisfação de viver transpareça e inspire seus alunos.

Deste relato podemos extrair importante lição para a formação de

educadores ambientais. Aparentemente, pessoas cuja vida inicial se estruturou

com base em alguma referência positiva tendem a querer ser úteis, reconstruindo

esta realidade referencial em si e no mundo. Considerando que tanto o ambiente

afetivo, como a apreciação estética da paisagem estiveram garantidos e que estas

não são condições fáceis de garantir na atualidade, podemos, ao menos, enquanto

educadores, oferecer ambientes acolhedores aos nossos alunos, tanto do ponto de

vista do sentimento e da reflexão, como da estética (beleza, harmonia) e do prazer

de estar em contato com plantas, animais, rios, lagoas ou mar37. LIRA e

POLARIS afirmaram a necessidade da integração para formar subjetividades

capazes de construir a utopia da sustentabilidade. Pois, aparentemente, temos

aqui, nos exemplos existenciais de POLUX e AQUARIUS, elementos importantes

para oportunizar tal integração.

Finalmente, no caso de CARENA, suas motivações de infância estiveram

relacionadas com a arte. Tocava violão, cantava no coral, fazia aula de argila... sua

escola tinha uma oficina experimental de artes, a qual era parte do lazer de

CARENA no período em que não estava estudando. Lá aprendia também outros

idiomas e coisas da vida prática, como culinária e calcular o imposto de renda.

Houve, contudo, um outro processo que legou marcas ao promover o

reconhecimento de sua própria singularidade, temas que a acompanharam ao

37 Ainda que estas condições pareçam difíceis de garantir em situações de pobreza, é justamente nestas condições que farão mais diferença, por constituírem-se em um novo referencial. A criatividade e a psicologia ambiental podem fornecer importante auxílio para a construção de espaços acolhedores e favorecedores de uma identidade positiva. A título de inspiração recomendamos aos interessados neste processo conhecer a Escola da Ponte (criada pelo educador José Pacheco, em Portugal: http://www.eb1-ponte-n1.rcts.pt/html2/portug/local/local.htm) e os filmes O triunfo; Vem Dançar; e, Escritores da Liberdade, todos biográficos, abordando os desafios encontrados por professores atuantes em contextos de miséria e violência. O amadurecimento profissional e a criatividade levam estes professores a superarem tais condições extremamente restritivas. Também é possível analisar as motivações e valores destes professores. Fica bastante explícito o perfil idealista e a intenção de realmente ajudar os alunos a amadurecerem. O sucesso destas iniciativas pode ser estudado em seus desdobramentos, já que os exemplos destas pessoas multiplicaram-se em alcance, à medida que tornaram-se institucionalizados. Para mais informações sobre as instituições derivadas destes trabalhos iniciais relatados nos filmes visite: http://www.freedomwritersfoundation.org; http://www.ronclarkacademy.com/ ; pesquise tambémo nome de Pierre Dulaine no Google.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

191

longo de toda a vida. Aprender matemática, na infância, foi a experiência que a

marcou por descobrir através disso que ela era uma pessoa única, com raciocínio e

forma de ser peculiar. Apesar do medo cultural da matemática, partilhado com os

colegas, CARENA aprendia com facilidade, mas jamais seguia os procedimentos

indicados. Construía um raciocínio próprio que a levava à solução das operações

matemáticas, mas que ela mesma não sabia explicar. Foi isso que a fez concluir

que cada pessoa tem seu próprio jeito. Tal descoberta teve um forte efeito de

autovalorização para ela.

Em suas práticas educativas CARENA procura sempre inovar na forma e no

conteúdo, o que para ela é uma necessidade e faz questão de continuar

trabalhando na perspectiva da arte-educação, sua maior fonte de satisfação. Em

termos de valores está claro que para ela o conhecimento, a beleza, o prazer são

fundamentais. É inevitável pensar na relação entre sua formação escolar e seu

generalismo (é bióloga, psicóloga, arte-educadora e fez o mestrado e doutorado

em filosofia) e forte valorização da arte e da estética como um todo.

Assim, esta experiência nos faz refletir sobre a necessidade de cultivar mais

a dimensão do prazer no enfrentamento da questão ambiental. São tantos os

conflitos e problemas ambientais e tão generalizados que, no geral, os educadores

ambientais acabam assumindo a postura, necessária, porém limitadora, de abordar

a questão apenas pelo viés da justiça e do conhecimento, restando menor atenção

aos aspectos afetivos e estéticos. O que se reflete em nossa amostra, já que a

predominância dos valores, em termos de motivação, foi o conhecimento, com

90,9% de incidência, a autodireção, com 45% e a justiça com 36%.

Manter um lado combativo, militante, que disputa espaços de significação e

legitimação na solução da questão ambiental é fundamental, porém extremamente

desgastante em termos de saúde e afetividade para os educadores. E não muito

convidativo para uma grande quantidade de estudantes.

Estamos supondo que promover experiências integrativas pode ser mais

eficiente e mais convidativo a novas adesões para o enfrentamento que propõe a

transformação paradigmática da realidade. Entender a realidade de modo

complexo requer esta integração. A atuação nesse sentido é coisa que precisa ser

aprendida, experimentada, testada. Certamente precisará contar com os talentos e

habilidades de educadores e educadoras de perfis diversos.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

192

6.3.4. Uma palavra sobre os meios de experiência moral

Até aqui, podemos dizer, em síntese, que as experiências morais

favorecedoras da formação desse ethos ecológico de nossos educadores

ambientais estiveram relacionadas com questões de injustiça social, de estudo e de

convivência prazerosa e afetiva com a beleza natural. Em todos os casos foram

importantes as interlocuções desenvolvidas, que enriqueceram os debates e as

reflexões íntimas. A formação da consciência moral é complexa e, pelo menos no

caso dos valores, parece mesmo requerer ambas as coisas: o enfrentamento de

dilemas com auxílio de companheiros de reflexão e com espaço mental para o

aprendizado decorrente da vivência refletida.

Silva (2008, p.66) analisando o modo como se internalizam os valores

converge com o que dissemos, recorrendo a Moscovici (2003, p. 156), para quem

é durante o processo de socialização que a criança internaliza valores, códigos

para se comunicar (como a linguagem) e atitudes sociais. Ela aprende a se

comportar observando os modelos dos adultos e colegas. Adulta, participaria cada

vez mais ativamente do grupo que a preparou para pertencer a ele. Nesse

momento podem surgir dificuldades de adaptação, caso a pessoa não tenha

assimilado de modo apropriado ou não tenha compreendido bem os princípios

norteadores do grupo ou sua aplicação adequada.

Para ele, as pessoas aprendem umas com as outras.

“[...] Os valores não são somente utopias ou apêndices inúteis; os ideais de justiça, verdade, liberdade e dignidade fizeram viver e morrer pessoas que viram neles a razão de não aceitar, indistintamente, qualquer tipo de vida ou morte. É difícil entender por que nós deveríamos esquecer, junto com os psicólogos sociais de hoje, que os processos de revolução, de inovação, de irredutibilidade do conflito, constituem uma parte inerente da evolução dos grupos humanos. (MOSCOVICI, 2003, p. 163, citado por SILVA, 2008”, p.66).

Ainda sobre a aprendizagem e a formação de crenças e valores, Moscovici

(2003, p. 175-176 citado por SILVA, 2008, p.67) considera que:

“[...] quase tudo o que uma pessoa sabe, ela o aprendeu de outra, seja através de narrativas, ou através da linguagem que é adquirida, ou dos objetos que são empregados. Tais coisas constituem, em geral, o conhecimento ligado ao tipo mais antigo, cujas raízes estão submersas no modo de vida e nas práticas coletivas das quais todos participam e que necessitam ser renovadas a cada instante. As pessoas sempre aprenderam umas das outras e sempre souberam que isso é assim. Tal fato

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

193

não é exatamente uma descoberta. A importância dessa proposição, para a nossa teoria é que conhecimento e crenças significativas têm sua origem de uma interação mútua e não são formadas de outro modo.”

Observamos haver uma espécie de experiência fundante para cada pessoa,

que desencadeou um processo continuado, e ainda em curso, formador (ou

reforçador) de valores mobilizadores para a prática da educação ambiental. Tal

experiência obedece a três categorias, referentes ao que dissemos há pouco: a)

conflito social sensibilizador; b) apreciação estético-afetiva continuada; c)

convivência com pessoas já mobilizadas que atuaram ao modo de influência

favorável.

Os meios de experiência moral onde as experiências fundantes ou de reforço

ocorreram encontram-se nesta ordem de influência: trabalho, faculdade, escola,

família.

Quadro 9 – Relação entre docentes e meios de experiência moral

Meios de experiência

moral

Professores que tiveram experiências fundantes ou

de reforço de seus valores, impulsionadores para a

EA

trabalho AQUARIUS, ÓRION, LIRA, CARENA, POLARIS,

VEGA, AURIGA

faculdade ANDRÔMEDA, PERSEU, ÓRION, AQUARIUS,

POLUX, AURIGA

escola ALDEBARAN, VEGA, AURIGA, CARENA

família POLUX, ALDEBARAN, VEGA

Fonte: autora

O trabalho ofereceu o encontro com a educação, com companheiros, com a

literatura, com dificuldades valorativas desafiadoras, principalmente nas escolas.

A formação de graduação propiciou vivências de movimento social,

movimento estudantil, exemplos através de colegas e professores, projetos,

espaços acolhedores em termos de afeto e de estética.

A escola ofertou situações de riqueza e intercâmbio sócio-econômico-

cultural, situações dilemáticas a enfrentar, apoio ao desenvolvimento de traços e

valores latentes.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

194

A vida em família trouxe experiências de valorização do conhecimento, da

parcimônia financeira, da harmonia e da estética, de conflito ou de valorização

quanto à assistência em função das diferenças sociais.

Obviamente, cada um destes espaços proporcionou experiências diversas a

cada pessoa. Absolutamente não estamos afirmando que todas as famílias/

escolas/ faculdades/ trabalhos ofereceram a cada pessoa todos os itens elencados.

Mas procuramos fazer uma síntese do que encontramos, a seguir, para que o leitor

tenha melhor visão de conjunto.

A escolha profissional de LIRA, AQUARIUS e ÓRION se deu de modo

quase casual. Cada um deles foi convidado para fazer a substituição de um

docente, levando-os a trabalhar com a questão ecológica e a tomar gosto por

ambas as coisas, pela educação e pelo ambientalismo.

O trabalho, enquanto espaço de realização de um ideal transformador,

partilhado com companheiros afinizados, trouxe inúmeras experiências morais aos

professores(as). Mostrou-se duplamente rico: pela renovação permanente de

estímulos propiciada pela renovação de alunos, projetos, ambientes e desafios, e

pela experiência de reflexão intercambiada dos educadores(as). O trabalho

oportuniza a realização de projetos em conjunto (sejam de pesquisa, sejam de

intervenção), ações militantes, grupos de estudos, eventos e outras formas de

partilha do saber e da experiência. A própria reflexão sobre cada experiência

profissional, tida como hábito pelos educadores, levou a um aprendizado e

renovação permanente de suas práticas e formas de atuação.

“É, foi renovando minha forma de trabalhar. Porque foi me criando questões que fui respondendo com as pesquisas. Foi gerando perguntas e eu fui tentando melhorar profissionalmente a partir das questões. O trabalho de extensão que eu tinha no Vigário Geral é um fracasso completo. A gente tinha um trabalho magnífico com base na história da ciência mesmo, fotossíntese, por exemplo. As crianças adoravam a história... não mudavam o comportamento delas em nada, nada, domingos jogados fora. Teatro, a gente fazia tudo lúdico, mas ninguém mudava nada no comportamento, aí descobri que eles sabiam lidar com a saúde e foi daí que fiz antropologia, não adiantava explicar como Verdade, eles tinham os seus pontos de vista. O fracasso foi em cima de uma surdez, de uma incompreensão. Se servia para aquele grupo servia para outros tantos. A ciência tem como discurso muito monobloco, né? (...) se não tentarmos fazer direito as coisas, a gente vai viver dizendo que o mundo é plural e não que ele é comum, se não estabelecermos a ponte a gente nunca vai conseguir. Aí fui fazer Antropologia, aí meu trabalho começou a fazer algum sentido. Ainda assim falando em mudança de comportamento de pessoas, ainda assim é muito difícil, mesmo trabalhando o nível de sensibilidade e mesmo trabalhando com as categorias das pessoas porque não é só isso que faz as pessoas mudarem o comportamento. Há muitas outras

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

195

coisas que nem sei ainda quais são. Mas já melhorou. Já não é só lúdico, já toca, já cai pra pensar em ganhar dinheiro com aquilo, já posso juntar as latas, cato lixo, me livro do lixo, ainda ganho um dinheirinho e ainda dá pra fazer a coleta seletiva, entendeu? Mas ainda não é o ideal. Não são partes. Ainda não se sentem parte da natureza. Eles são excluídos. Tem a Justiça Ambiental que é uma exclusão sócio-espacial, tem várias coisas envolvidas que dependem de uma boa aula de Educação Ambiental” (LIRA).

A renovação é permanente, porque os desafios também se renovam.

Enquanto LIRA aprendeu a mudar a partir do retorno dado pelo público com que

trabalhava e das pesquisas que desenvolvia, POLUX foi se construindo no

trabalho coletivo, partilhado com colegas de outras áreas e projetos de consultoria.

“Ao longo desse processo eu comecei a trabalhar numa empresa de consultoria, que eu trabalho até hoje, e foi um trabalho importante porque foi quando eu comecei a trabalhar em equipe pra EA. Essa consultoria em particular é uma consultoria pra empresas, são projetos de empresas de EA, normalmente projetos da empresa para a comunidade, trabalhando com a comunidade, com a escola. Quer dizer, apesar de ser empresa, o público que a gente trabalhava era professor e escola. E foi nessa experiência que eu comecei a trabalhar em equipe. Trabalhava com outros colegas ao mesmo tempo, dávamos cursos juntos, isso foi bastante rico porque pude vivenciar outras formas de trabalhar, de outros colegas e trabalhar junto também. Uma experiência bastante interessante que me influenciou muito no que eu faço hoje. Por essas duas perspectivas: por ter vivenciado outras formas de trabalho a partir da inserção desses outros colegas e por ter essa perspectiva de estar trabalhando junto. E mais, poder ver essas outras formas de trabalhar que outros colegas têm, porque como era uma equipe multidisciplinar. Por exemplo, tinha um professor que era da área de sociologia, mas tinha toda uma formação em teatro, então ele tinha uma coisa muito de dinâmica. Tinha outros professores da área de história que tinham um olhar diferenciado. Então acho que essa diversidade foi legal, me enriqueceu no jeito que eu trabalho. Mesmo quando eu estou trabalhando sozinho. Eu gosto de trabalhar em equipe, de dividir o espaço da sala de aula, da formação, com outras pessoas, me sinto muito à vontade” (POLUX).

Há diversas outras formas, além destas relatadas, encontradas no grupo para

o aprendizado, renovação ou consolidação das formas de ser e de agir.

A faculdade, enquanto espaço formador, mostrou sua riqueza pelo ambiente

oferecido, também rico em trocas e diferenças de todos os tipos. A convivência

solidária e cooperativa na academia foi aspecto relevante na vida de LIRA. A

existência de professores engajados foi motivo de inspiração, como ocorreu com

ÓRION, ANDRÔMEDA e POLUX. A oportunidade de ingressar em movimentos

sociais ou partidários ou pelo menos conviver com eles também fez diferença

(PERSEU, ALDEBARAN, AQUARIUS, POLUX). O espaço para o diálogo entre

os saberes foi fundamental para a maioria dos respondentes.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

196

Para POLUX, foi importante a vivência no próprio campus da universidade

e sua estrutura, bastante rica em bosques, que reforçava sua experiência afetiva

ecológica antes desfrutada com a avó.

Para alguns, ir para a faculdade foi também o momento de sair de casa,

experimentar gerenciar a própria vida, por vezes partilhá-la em repúblicas ou

mesmo encontrar um par. Uma iniciação à adultidade.

A escola revelou-se importante em alguns casos, por dois motivos básicos:

num primeiro caso, quando oferecia algo semelhante ao que dissemos a respeito

do trabalho e da faculdade, isto é, diversidade cultural, econômica, social, entre

outras, como já apontado no depoimento de VEGA. Num segundo caso, por

professores que se destacavam em meio à monotonia escolar, fazendo diferença

para as reflexões e significações existenciais. Para POLARIS, essa diferença foi o

professor de história, já no ensino médio. Para AURIGA, foram dois fatores: no

ensino fundamental as atividades de laboratório, com professores de ciências que

atuavam em projetos de valorização da ciência no país, e depois, o ensino médio

em si, pois na época em que fez o Normal o curso era referência, era valorizado.

Afirma ter aprendido a ser professora no Normal, muito mais do que na

licenciatura, no mestrado ou no doutorado. Sua formação ali foi mais abrangente

do que apenas o cumprimento de grade curricular. Havia a preocupação com a

formação da pessoa em si e das qualidades que caracterizariam uma boa

professora: postura, higiene, vestimenta, forma de lidar com os alunos etc. Da

mesma forma, o curso Normal foi significativo para VEGA, que o cursou numa

época em que a profissão docente tinha status e reconhecimento social. Para ela, a

organização da escola e a forma como os professores se moviam na escola davam-

lhe a sensação de ser a educação algo extremamente importante, motivando-a a

permanecer naquele tipo de espaço e formar-se para trabalhar nele.

A escola também foi marcante quando ofereceu espaços de crescimento e de

manifestação da singularidade individual, como ocorreu com CARENA e as

oficinas de artes. De modo diverso, o mesmo se passou com ALDEBARAN, para

quem a escola foi extremamente significativa. Sua família dava grande

importância à assistência social, especialmente a partir do trabalho da igreja.

“Tive complementação da formação que veio da família, de estar sempre preocupada com o outro. Trabalhávamos com comunidades em periferia. A missão da nossa escola era trabalhar com pessoas mais pobres e dar um pouco do que

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

197

estávamos recebendo. Desde lá comecei a trabalhar numa periferia de Campinas. Dava aula de religião, cuidava das crianças, brincava com as crianças, foi bem planejado, trabalhei 7 anos lá e daí resolvi fazer o Serviço Social. A partir da formação que fui recebendo procurei estudar e planejar minha vida.” (ALDEBARAN)

A escolha profissional de ALDEBARAN, portanto, está intimamente ligada

à experiência continuada de prestar assistência tanto no âmbito familiar como na

formação escolar.

Uma quarta forma de relevância escolar se deu em função da personalidade

do estudante. LIRA, por exemplo, gostava muitíssimo de estudar, de fazer tudo

corretamente, de manter o caderno caprichado, tirar boas notas... Ganhava muitas

medalhas. Neste sentido, apenas funcionou como espaço de acolhimento às

tendências já existentes, não sendo em si uma experiência que tenha aportado

questionamentos valorativos.

A formação de ÓRION foi truncada e dificultada pelas constantes mudanças

domiciliares, pela falta de livros e por estudar à noite. Mesmo assim, conseguiu

extrair daí a vantagem de conviver com lugares e pessoas bastante diferentes. Essa

síntese cultural baliza sua formação desde a infância e prossegue na academia,

anos depois.

“Estudar em colégio noturno nos anos 70, Jarbas Passarinho ministro da Educação, era o mesmo que nada. Só tinha que colocar a opção A, B, C, D. À noite era qualquer coisa. Mas acho que sempre marcou a formação foi o prazer da leitura, da literatura, da poesia, da filosofia... os existencialistas. A música, a contracultura, o rock and roll. A cultura caipira, o circo, tudo isso misturado. Eu acho isso, ao mesmo tempo em que tinha acesso e gosto de coisas muito populares, também fui a espaços muito eruditos, sofisticados. (...) Quando vejo de onde meus colegas vieram, a base social, escolaridade da família, a minha é completamente diferente, e acho isso muito digno. Isso está presente no que eu escrevo, nas minhas aulas. Por exemplo, essa universidade é antiga. Depois fui pra Genebra, Frankfurt, Londres, só estive em universidade que estão entre as 100 mais dos rankings. Não sou oportunista, cheguei pela competência, e permaneci por isso, enfrentando a situação de não ser filho da elite, que tem comportamento padrão, que os professores estão acostumados a receber. Mas é interessante ver o mundo deste lugar que é o meu, e faço questão de enfatizar isso” (ÓRION).

O confronto foi experiência recorrente e de forte significado na formação de

ÓRION, reforçando o que já dissemos sobre o valor da vivência prática de

experiências morais diversificadas. A diversidade que VEGA encontrou na escola,

ÓRION viveu no espaço universitário, ao completar sua formação, sobretudo no

exterior.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

198

“Eu aprendi muito fora do Brasil, me obrigou a refletir sobre minha trajetória. Escrevi, está publicado. Mas nesse confronto em países, culturas, classes sociais, diferentes, aprendi que você tem que se respeitar, de onde você vem. Você passa a ser respeitado, mesmo se as pessoas não concordam [com o que você diz]” (ÓRION).

Ao que tudo indica, criar espaços formativos em EA que proporcionem a

experiência da diversidade, no máximo de sentidos possível, refletindo sobre ela,

pode ser recurso pedagógico significativo. Vários autores, como Tristão (2004),

apontam para a necessidade da inclusão deliberada do multiculturalismo nas

práticas educativo-ambientais. Por mais que a própria natureza complexa da

educação ambiental já devesse ter essa abordagem quase naturalmente, na prática

ainda encontramos certa dificuldade entre os educadores ambientais para lidar

com essa questão da diferença de modo intencional, produtivo, reflexivo e prático.

Estudar apenas na teoria da EA faz parecer um tema bonito, necessário até, mas

pouco se vislumbra de como tratá-lo. A diversidade é inerente à natureza. Nós,

humanos, somos também natureza, inescapavelmente, e nossa diversidade precisa

ser discutida, compreendida, enfrentada, negociada e vivida respeitosamente.

Na família, encontramos fontes formativas variadas. Na família de

POLARIS as mulheres, desde sua avó, são fortes e realizadoras de grandes

mudanças. Na de POLUX, como dissemos, a referência era sua avó, que cultivava

belos jardins no sítio e aglutinava a família. Na de AURIGA, o pai, ex-lavrador,

tinha por ocupação ser mecânico no cais, fazia questão de trabalhar de dia e de

noite para que todos os filhos fossem “doutores”. Em casa, havia todo tipo de

bicho e uma horta, cuidada por AURIGA, sua mãe e seus irmãos. O que foi o

jardim da avó para POLUX foi a horta e o quintal para AURIGA. A família de

ÓRION era de pouca escolaridade e de vida simples. O que o marcou nesse

âmbito foi a necessidades de muitas mudanças. Com AQUARIUS a dificuldade

era o relacionamento com o pai, severo e ex-seminarista. O temperamento rebelde

de AQUARIUS não facilitava o convívio, já cheio de divergências. Mesmo assim,

AQUARIUS seguiu a formação do pai, professor de história. LIRA e

ANDRÔMEDA tiveram família pequena, com pessoas que se entendiam e

apoiavam mutuamente. Esse foi o fator mais importante da vida familiar, que

persiste ainda hoje, mudando apenas o tipo de apoio fornecido. Já CARENA, pelo

contrário, vivia num edifício construído pelo avô, no qual compartilhava as

brincadeiras e brigas da infância com quinze primos e primas. Na época, esse tipo

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

199

de convívio foi bastante importante, mas afirma que atualmente seria impossível

viver ali, em função da falta de senso comunitário, do excesso de individualismo

existente.

VEGA soube aproveitar os exemplos tanto do pai como da mãe em sua

convivência familiar. Com o pai, engenheiro, aprendeu a valorizar a razão e a

crítica, entender o conhecimento enquanto elemento emancipador, o esforço

pessoal no sentido de construir a própria trajetória:

“A idéia de que as pessoas podem fazer suas trajetórias, de que as pessoas se apropriando do conhecimento e desenvolvendo um pensamento lógico (esta sempre foi uma marca da forma dele se comportar diante da realidade) isso seria sempre um elemento que daria ao ser humano uma autonomia e uma igualdade. Que, portanto, os valores materiais, o que eu tenho ou não tenho não deveria privilegiar ninguém e ninguém deveria se sentir inferiorizado por não ter bens materiais. Que a cultura seria um elemento equalizador na sociedade. Ele sempre valorizou muito a educação e a cultura” (VEGA).

Mais tarde, ao estudar a relação entre trabalho e desigualdade incorporou

suas próprias conclusões a respeito deste pensamento do pai. Importa, no entanto,

aqui, para nós, a influência que esta lição exerceu sobre ela quanto ao valor do

conhecimento e da solidariedade. Com a mãe, dona de casa de pouco estudo

formal, que vinha de uma grande família camponesa, aprendeu o autodidatismo, a

curiosidade intelectual, o gosto pela leitura. Foi uma pessoa

“que me mostrou que não necessariamente só a escolarização regular é que dá às pessoas cultura. Que a cultura vem de muitos lugares. Então acho que isso me serve na minha prática educativa a ficar atenta ao conhecimento que os nossos alunos têm, sejam eles de que nível de escolaridade for, porque todas as pessoas têm conhecimentos. Que, portanto, nós não partimos da tábula rasa. Pude vivenciar isso em minha casa desde a minha infância e não aprender isso como teoria educacional aprendida na universidade apenas, mas vivenciar isso desde a minha infância, de que as pessoas fazem suas trajetórias de apropriação da realidade e com isso constroem conhecimento e cultura, para além dos bancos escolares” (VEGA).

ALDEBARAN teve uma vida familiar que valorizava o estudo, detentores

que eram de um nível cultural mais elevado do que a média de sua cidade.

Conversas e leituras eram sempre incentivadas. Havia diversos professores na

família, muitos dos quais mais tarde ajudaram a criar a UNICAMP. Os pais

possuíam uma tendência humanista e escolheram para ela uma escola católica

francesa progressista, que estava em sintonia com a educação familiar. Foram

reforçados, com isso, os valores do conhecimento, da religiosidade e da justiça.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

200

Com cada um destes meios de experiência moral podemos aprender algo

sobre a formação dos educadores ambientais.

Observamos que quando a experiência fundante esteve ligada à apreciação

estético-afetiva era promovida por fatores relativos à família e ainda na infância.

Talvez um estudo com educadores ambientais mais jovens trouxesse outro tipo de

aportes familiares e provavelmente não traria este, já que atualmente é mais

comum a vida em apartamentos, e mais raro haver quintais, sítios e lugares de

beleza destinados ao convívio familiar. Mas de toda forma, parece ser interessante

promover este tipo de situação em cursos para formação em educação ambiental.

As experiências relativas a conflitos sociais mobilizadores aconteceram em

diferentes tempos e meios de experiência moral para diferentes pessoas.

Freqüentemente, se deram no trabalho, mas também ocorreram durante a infância,

na vida cotidiana, situações atentamente observadas, sobretudo porque a criança

saudável encontra-se desperta para entender o mundo, pronta para questionar

tudo. Algumas vezes se deram a partir de projetos e movimentos no âmbito

universitário. E raras vezes se deram a partir da escola. Este é um aspecto a se

lamentar, pois estivesse a escola cumprindo seu papel de problematizar a

realidade, oferecer espaço e oportunidades de reflexão e de ação, teríamos mais

pessoas responsáveis, críticas e solidárias no planeta.

Quando a experiência vinculou-se a pessoas-exemplo já mobilizadas, quase

sempre se deu ou no âmbito do trabalho ou durante a formação acadêmica. Pode

ser interessante a publicação de biografias que possam inspirar as novas gerações

de educadores ambientais, não apenas compartilhando os desafios enfrentados e

métodos utilizados, como também os valores, a coragem, a curiosidade, o amor e

a gratidão pela vida. No mesmo sentido, parece-nos sumamente relevante levar

essas pessoas para conversas informais com estudantes, “ao pé do fogo”, apenas

histórias sendo partilhadas. Nesta troca também se formam pessoas, o contraste

das experiências entre mim e o outro amplia as possibilidades de pensar, sentir e

agir.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

201

Deixe quem desejaria mudar o mundo primeiro mudar a si mesmo. Sócrates Podemos escolher recuar em direção à segurança ou avançar em direção ao crescimento. A opção pelo crescimento tem que ser feita repetidas vezes. E o medo tem que ser superado a cada momento. Abraham Maslow A maior descoberta da minha geração é que podemos modificar a situação em que estamos mudando nossa atitude mental. William James

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

7 Utopias: por uma proposta de sociedades sustentáveis

7.1. Recapitulando...

Ao longo deste trabalho buscamos responder por que razões certos docentes

universitários escolheram atuar através da perspectiva da EA, uma vez que esta

opção encontra tantas dificuldades. Nossa hipótese, aqui corroborada, atribuía tal

escolha aos valores destes professores. Mas além dos valores, evidenciou-se

também a atuação dos demais procedimentos da consciência moral na reafirmação

dessa escolha. Estes outros aspectos, contudo, apesar de sua relevância, não foram

analisados, por não serem objeto deste estudo. Registramos este fato por tratar-se

de ponto merecedor de aprofundamento, que abre perspectivas para uma próxima

pesquisa.

Outrossim, esta investigação ambicionou descobrir como atuariam tais

valores e de que modo teriam se formado – caso a hipótese dos valores se

confirmasse. Nossa intenção, assumida desde o princípio, ao buscar resposta a

essas questões, foi estimular o debate acerca dos valores na prática da EA, de

maneira a qualificar o trabalho dos educadores e educadoras ambientais. Instigar

esses agentes transformadores a conhecer processos que formam ou fortalecem

valores, a fim de que possamos aprender a usá-los pedagogicamente.

Nesse intuito, apresentaremos neste capítulo final a perspectiva de

sociedades sustentáveis enquanto utopia do presente, a que nos dirigimos

principalmente através da EA; e retomaremos o papel estratégico da universidade

nesse sentido, recapitulando seu atual estado de funcionamento e algumas

alternativas facilitadoras do rompimento com este modelo, limitado e insuficiente.

Como nosso objetivo é qualificar a prática da EA, estudar personagens influentes

socialmente, como os docentes acadêmicos, trouxe-nos idéias para colaborar com

a formação de sujeitos ecológicos, aproveitando o aprendizado gerado por essas

biografias. Assim, a partir dos resultados, reconstituímos sinteticamente o perfil

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

203

dos educadores estudados, com o objetivo de, aproveitando suas experiências,

propor diretrizes possíveis para uma prática educativo-ambiental mais proveitosa.

7.2. A EA enquanto estratégia utópica

Não foram poucas as vezes em que a humanidade procurou criar um projeto

societário melhor. As utopias variaram conforme o contexto. Algumas se

restringiram a idéias publicadas, que inspiraram novas idéias e realizações, e

outras encontraram meios de estruturar-se concretamente. A grande dificuldade é

que a maioria das utopias sociais ou foi imposta ditatorialmente ou ficou no plano

das idéias.

A sociedade sustentável, enquanto utopia do presente, busca viabilizar-se

por meio de uma construção coletiva, que atinja tanto a estrutura social em termos

de política, cultura e economia, como às pessoas individualmente, a partir de

autotransformações. Nesse sentido, inova e avança, lembrando a crítica de Morin

(2003) citada no início da tese, segundo a qual até o momento a humanidade não

foi capaz de criar transformações sociais que atingissem ambas as dimensões

equilibradamente, a subjetiva, individual e a estrutural da organização social.

Entretanto, este tipo de sociedade utópica, cujo objetivo fundamental é a vida e

sua qualidade para todos os seres que compartilhamos a Terra exige uma ruptura

paradigmática com a Modernidade. E rupturas desse tipo levam tempo, requerem

o trabalho de algumas gerações.

A educação ambiental foi delineada por pessoas de todo o planeta, com

esforços e reflexões coletivas, com o fim de instrumentalizar essa ruptura

paradigmática. Mas, então, nos deparamos com a necessidade, para viabilizá-la,

de que os educadores promovam primeiramente essa ruptura em si mesmos, no

modo de pensar, sentir e agir. Educar ambientalmente tem sido um aprendizado.

Se no plano teórico as idéias estão bem definidas, na prática a experiência vem

ensinando a cada educador em que consiste este exercício. Quando nos deparamos

com pessoas cujas propensões já apontam para uma vida de ruptura com o modo

mecanicista-cartesiano de viver e interpretar o mundo, a prática educativo-

ambiental se torna mais natural, mais ajustada e coerente. Como ocorre com os

educadores(as) estudados(as) neste trabalho. Quando este não é o caso, surgem

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

204

práticas distorcidas em relação aos objetivos propostos. Por vezes, então, os

educadores vão aprendendo com a interação, com os desafios e dilemas. Mas

muitas outras vezes, os candidatos a educadores ambientais acabam apenas

usando a denominação de educação ambiental, equivocadamente. Daí a

importância de investirmos tanto na formação específica de novos educadores

ambientais, como na formação de sujeitos ecológicos em geral, por toda parte,

através dos mais diferentes trabalhos. A pesquisa revelou ser bastante útil para a

formação de valores problematizar os meios de experiência moral vividos, como,

por exemplo, os meios de comunicação. De modo que, extrapolando, esta poderia

ser uma diretriz para processos pedagógicos em EA.

No tocante à preparação de novos educadores, trata-se de valorizar a riqueza

da experiência humana e auxiliar a expressar os melhores potenciais de cada

pessoa. Com o fito de ultrapassar a estrutura segmentada de pensamento da

Modernidade, refletida na universidade, e ao mesmo tempo, pretendendo

aproveitar os meios de experiência moral vivenciados, pensamos que os formatos

preparatórios em EA devam escapar dos tradicionais cursos com disciplinas

fragmentadas. A formação educativo-ambiental poderia se dar em projetos

concretos, com uma espécie de tutoria ou acompanhamento, que estimulasse a

reflexão sobre si e sobre a prática desempenhada. Outra possibilidade é a

realização de cursos de imersão ou mesmo cursos modulares, mas sempre

organizados em torno da prática, da integração das pessoas consigo, com os

demais membros da turma e com os projetos em si. Sem priorizar as estruturas

cognitivas e afetivas relativas à superação da formatação deste paradigma é quase

inviável pensarmos em educação ambiental. E neste sentido, aprendemos com

nossos pesquisados que enfocar o tema dos valores, a partir dos meios de

experiência moral e dos debates reflexivos acerca das próprias experiências

morais, torna-se fundamental.

A universidade pode desempenhar um papel estratégico na ruptura, devido a

sua função social de inserir novos profissionais no mercado, aperfeiçoar os que já

se encontram nele, analisar os problemas da atualidade e propor soluções a eles,

fomentar a reflexão e o espírito crítico, intervir socialmente por meio de projetos,

experimentar coisas novas. Evidentemente, para isso, necessitará rever-se a si

própria, ao seu modus operandi como um todo.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

205

7.3. Ensinar valores? A universidade como espaço formador

Pudemos verificar o caráter da universidade (na perspectiva de locus de

estudo) enquanto meio de experiência moral. Entre nossos entrevistados(as) ela só

perde para o espaço do trabalho em termos do oferecimento de oportunidades

formativas de valores relacionados à educação ambiental.

Com todas as limitações que podem existir na academia em função de seu

conservadorismo, ainda assim, a diversidade inerente a ela, os movimentos que se

delineiam em seu interior, o exemplo de pessoas que ali convivem, a disputa de

sentidos, fornecem, no conjunto, ensejo a reflexões de ordem moral. A

possibilidade de conviver com pessoas de procedências variadas e de se relacionar

de tantas maneiras distintas na vida universitária, como ocorre em projetos de

extensão, estágios, aulas, laboratórios, centros e diretórios acadêmicos, festas,

reuniões, repúblicas, visitas técnicas, grupos de pesquisa, núcleos

interdisciplinares, espetáculos culturais, entre outros, é passaporte para a vivência

de confrontos e resoluções que forjam ou fortalecem a consciência moral. As

entrevistas apontaram para a requisição de diversos procedimentos da consciência

moral, mas indicaram também a existência de experiências marcantes em termos

de valores. Na universidade, o encontro com os companheiros e o enfrentamento

real de problemas parece ser o aspecto mais relevante nesse sentido.

Assim, consideramos inadiável a necessidade de a universidade assumir sua

função educadora quanto aos valores. Sim, certamente a universidade os ensina,

como também os demais meios de experiência moral o fazem. Mas diversamente

disso, estamos propondo que o faça deliberadamente, com projetos pedagógicos e

de gestão elaborados com este fito. Que a universidade ultrapasse o nível do

ensino involuntário de valores e sua omissão frente a promoção de um debate

aberto e franco sobre isso na formação profissional, passando a uma postura

assumida, clara, firme e responsável em fazer este debate. Há argumentos

justificadores dessa necessidade: a) é inerente à universidade esse papel social,

enquanto instituição educadora que é; b) existe uma demanda de nossos tempos

para que ela o desempenhe; c) já vimos pelos depoimentos de nossos educadores

que ela é também um espaço privilegiado para o fortalecimento de valores.

Ademais, pensando pela perspectiva da Educação Ambiental, que no Brasil se

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

206

propõe legalmente a ser transversal à estrutura acadêmica e, considerando sua

natureza e finalidade, não há como recusar o imperativo moral de tratar da

formação e discussão de valores na universidade. Fazendo eco aos nossos

argumentos, encontramos em La Taille (2007) um bom aliado. Tratando da

mesma questão, porém no âmbito da escola, diz ele, em entrevista:

“ExtraClasse – O senhor afirma que há queixas dos educadores em relação à indisciplina e falta de limites por parte dos alunos. Quais são os mecanismos explícitos a que o senhor se refere como adequados para melhorar as relações no ambiente escolar?

YVES – Entre os vários possíveis, vejo pelo menos três. No campo da moral e da ética, projetos de vida que podem ser trabalhados explicitamente pela escola, e não apenas nas entrelinhas ou de forma isolada. Este é o primeiro ponto: que a questão da ética e da moral seja trabalhada explicitamente. Segundo, que seja feita, sobretudo no caso da moral, de maneira institucional. O que acontece na prática é que cada professor lida com seus problemas de convivência em sala de aula do seu jeito, acha que está autorizado a se ater aos seus próprios valores prescindindo de uma visão de mundo. É como se cada professor ensinasse um conceito diferente de moral e ética. Tem de haver um trabalho institucional para que o aluno possa ter na sua frente um quadro claro do que ele vive e do que esperam dele. E também porque a discussão entre colegas é extremamente rica para esclarecer conceitos, confrontar as idéias, e o trabalho em equipe favorece isso. O terceiro ponto é que de nada adianta deixar um tema claro e até trabalhar isso institucionalmente se a escola não for, ela mesma, uma espécie de micromundo onde a moral de fato vale. Às vezes, a moral fica muito centrada na questão professor-aluno. E a relação com os funcionários da escola, que muitas vezes não são respeitados? A moral é universal, vale para todos, e não apenas para determinadas categorias de pessoas. A escola tem de ter o máximo possível de expressão daquilo que ela própria afirma ser bom, ser correto” (http://www.contee.org.br/docente/materia_6.htm, destaques nossos).

As dificuldades, então, posto que se aceite a incumbência, são de ordem

epistemológica e paradigmática. A estrutura universitária, em que pesem as

melhorias conquistadas nos últimos dez anos, continua fragmentada, desarticulada

e dependente do pensamento reducionista da racionalidade positivista. O grande

desafio da questão ambiental é justamente a necessidade de pensar, sentir e

interagir no mundo dentro de outra lógica, a da complexidade, visando à

sustentabilidade. A universidade está sendo chamada a auxiliar nesse processo de

transição, enquanto meio de problematização moral, a formar pessoas preparadas

a enfrentar este desafio da atualidade. Martha Tristão (2004) o diz de forma

bastante elucidativa:

“O/A professor/a universitário/a, em sua maioria, ainda é resistente à mudança que a dinâmica do conhecimento exige neste início de século. Entretanto, as dinâmicas

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

207

das instituições também são comprometidas dentro de uma lógica parcelada e fragmentada o que implica a necessidade de uma mudança estrutural interna. Continua atrelada ao pensamento analítico racionalista, provocando sérias conseqüências nas estratégias de organização, nas relações que se desenvolvem e na própria estrutura da instituição, estabelecida dentro de uma lógica desagregadora do ambiente e de promoção do individualismo.” (TRISTÃO, 2004, p. 77).

Tristão insiste em apontar a limitação da universidade em função do debate

entre ciências naturais e sociais, cuja premissa básica é que o conhecimento

científico seja das ciências naturais, que objetificam a natureza, simplificando seu

estudo. Ela invoca a análise de Souza Santos quanto a este modelo, lembrando das

tendências que animam tal debate. Interessa-nos a segunda delas, que propõe um

estatuto metodológico e epistemológico próprio para as ciências sociais a partir

das especificidades do ser humano. A relevância de trazer este debate, pensa

Tristão, está ligada à crise de conhecimento na universidade e aos obstáculos

referentes à inserção da EA, cuja proposta é romper com as dicotomias. Ela adota

a premissa de Souza Santos (2004), segundo o qual todo conhecimento científico-

natural é científico social, e reafirma a necessidade de se captar a dimensão

ambiental por múltiplas vias e intercruzamento de saberes. A questão ambiental é,

pois, mote para se aprender a pensar a complexidade do mundo.

Mas, acrescentar disciplinas temáticas no currículo não altera a lógica

fragmentária dos saberes. É distinto de introduzir a dimensão ambiental no

currículo, pois a simples contratação de especialistas em meio ambiente

“não interfere, de modo algum, em uma mudança de concepção, na ruptura com as dualidades consagradas entre as ciências refletindo em tantas outras. Os sentidos produzidos ainda continuam sendo de um conhecimento teórico e funcional orientado a uma simplificação das análises dos fenômenos sociais. É lógico que uma mudança de paradigma, como requer a complexidade (...) não é tarefa fácil, pois propõe repensar valores e reorientar a formação para uma nova racionalidade que valoriza o sentimento, a intuição e o pensamento” (TRISTÃO, 2004, p. 81, destaques nossos).

Considerando que entre os valores de nossos entrevistados(as) predominam

a justiça e a afetividade, percebe-se a formação de um ethos que busca conjugar os

três aspectos pontuados por Tristão. Tanto assim, que nos momentos em que esse

equilíbrio falha nossos professores(as) encontram-se em conflito.

Mas esta é uma questão delicada na universidade, de fato. Falando sobre

isso, AQUARIUS comenta sua percepção, no trecho seguinte da entrevista, acerca

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

208

dos tentames de superação da lógica reducionista. Para ele, ainda há necessidades

que não estão sendo consideradas.

“AQUARIUS: (...) Eu tenho embates históricos com a esquerda, é interessante as provocações a que ela me leva, porque a crença de que a razão é a única possibilidade do homem resolver sua existência é enormemente discutível, somos razão, mas somos alma também, matéria e espírito. E então vencer essa crença cartesiana que a gente tem, também é um dogma, e as escolas não diferenciam, porque a escola não muda, isso também é uma marca muito forte. A crença racionalista é uma doença, acho que um aleijão que a gente tem. E acho que a gente precisa buscar uma espiritualização dos nossos esforços nesse sentido e isso não é uma coisa muito fácil de se fazer, com os paradigmas que muita gente tem, colocados, que orientam a organização dos espaços de saber, das escolas e universidades. Aprender a fazer isso é um puta desafio. Como é que a gente reinventa as nossas experiências educativas em novos paradigmas, tentando buscar uma nova maneira da razão se reconciliar com o espírito, entendeu? Porque acho que disso depende um pouco a nossa… se existe ainda alguma chance da gente ter alguma saída pro beco em que a gente está, eu acho que a gente precisa fazer isso. Isso é um outro tema de estudo que eu tenho de fazer ainda… ainda não tive forças, pernas, pra dar conta ainda, quer dizer, como é que fica essa tensão entre a razão e o espírito, né? É uma coisa que eu quero mobilizar pra trabalhar, me desafia muito e eu estou muito cru ainda pra isso, preciso crescer em algumas leituras ainda pra dar conta disso, mas acho que é uma questão crucial. Não significa que eu esteja desconsiderando outras questões de ordem material, nada disso. Mas é porque o tempo que a gente tem é muito precioso nesse sentido.

Luciana: É um assunto do qual as pessoas falam veladamente, falam e desviam…

AQUARIUS: Faz parte da nossa doença. E que é sério. Mas ainda quero fazer esse movimento. Porque não acredito que a gente possa encontrar uma saída pra uma outra sociedade civilizatória se a gente não resolver esse problema que a Modernidade nos criou. É um desafio fundamental. A Ciência tem feito isso, não digo a Ciência como um todo, mas alguns campos científicos têm feito sérios esforços nesse sentido. Eu tento acompanhar um pouco esses movimentos, mas não tenho tempo pra poder ler, me relacionar com essas questões. Mas ainda estou aquém de poder comprar essa discussão com a urgência que ela merece. Não é em qualquer ambiente que eu levanto essa questão.

Luciana: As pessoas sofrem represálias, né?

AQUARIUS: É. É delicado mesmo. Essa coisa da laicidade, que representa uma conquista inegável da Modernidade, da forma como ela é vivida hoje está nos trazendo um buraco existencial muito grande. Eu participo do LIEAS também, mas é uma questão que a gente não está maduro pra enfrentar ainda. Pelas fidelidades teóricas que a gente tem. Mas não acho uma impossibilidade. A gente tem que buscar mesmo algumas rupturas. Talvez a crise nos ajude nesse sentido. Isso vai doer.”

Outros entrevistados aludiram ao mesmo tema de modo semelhante, porém

não quiseram fazê-lo com o gravador ligado, de modo que não publicamos aqui

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

209

seus comentários. Estas pessoas não apenas discutiram filosoficamente a questão,

como também se referiram a experiências pessoais, digamos, transcendentes38,

demonstrando a cotidianidade do assunto em suas vidas. Para nós, este fato

silenciado revela a necessidade urgente de haver uma quebra de tabus quanto ao

tratamento desta temática no meio acadêmico. O cartesianismo levou a grandes

avanços tecnológicos, mas também a uma existência calcada no materialismo,

sendo tachados aqueles que extrapolam esta forma de pensar de, no mínimo,

ingênuos, quando não enfermos psiquiátricos. Sem excluir estes casos, que

também ocorrem, é claro, vemos que realmente não se trata da regra.

Historicamente, a experiência humana lidou com os aspectos não materiais da

vida a partir das religiões e mitologias. Entretanto, isto se deveu a uma limitação

paradigmática. Não havia ferramentas, nem epistemológicas nem tecnológicas que

nos permitissem agir de modo mais avançado. No momento atual, contudo, esta

forma de proceder vem se tornando anacrônica. Se estamos de fato interessados

em viver conforme uma ruptura paradigmática que nos conduza a uma vida ampla

e generosa, fraterna e interessante, que seja uma ruptura mais completa. O

pensamento complexo é um grande avanço nesse sentido. Nesta encruzilhada

histórica, porém, podemos ir mais além. Existem iniciativas ao redor do planeta

cuja meta tem sido esta. No Brasil, por exemplo, a UNIPAZ (Universidade da

Paz) tem buscado cumprir este objetivo. Há diversas formas de buscar este

enfrentamento. Na falta de ferramentas adequadas, no geral, tem se buscado

resgatar conhecimentos humanos de outros povos e épocas para tratar dos

aspectos imateriais da existência. Com isso, assistimos por um lado a tentativas

frustradas de atender a esta necessidade humana através do uso de drogas. Por

outro, a uma revitalização planetária do xamanismo indígena, a uma

popularização do orientalismo (incluindo ioga, filosofias e religiões), a uma moda

mística e new age, a mesclas irracionais de conhecimentos científicos e tradições

ultrapassadas. Mas também acompanhamos o surgimento de novas áreas e campos

de pesquisa, como tem se dado com a Teoria dos Campos Mórficos (do biólogo

inglês Rupert Sheldrake), com a Psicologia Transpessoal (de Grof, Wilber, Frankl

38 Como precognições, experiências fora do corpo, retrocognições, percepções energéticas do ambiente e das pessoas, entre outras. Vale dizer que buscam formas de expressar e atender a necessidade de entender e/ou viver a transcendência, por exemplo, através de exercícios de meditação, de Tai-chi ou de outras lutas chinesas, do estudo da arteterapia, do budismo, de vertentes da psicologia ou da filosofia e até de práticas sincrético-religiosas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

210

e diversos outros), com a Bioenergética (Lowen, Reich), com a Psicossíntese

(Assagioli) e com a Conscienciologia (Vieira, 1994). Sem entrar no mérito e

limitações de cada uma destas iniciativas, interessa-nos ressaltar que é possível

ultrapassar de vez o materialismo, sem retroceder ao domínio religioso. Fica o

convite aos dispostos e interessados a enfrentar o desafio. A necessidade é

patente. Uma lástima que seja tratada de modo oculto e dissimulado ainda.

É curioso que justamente os educadores por nós classificados como

sensibilizadores, tenham mais afinidade com esta discussão. São pessoas que

estão buscando formas de integração, tanto na vida pessoal, como em sua prática

pedagógica.

Informalmente, observamos existir, também no cenário nacional, no que

tange aos praticantes da educação ambiental, duas grandes tendências recorrentes

quanto a este tópico: pessoas que priorizam uma abordagem mobilizadora, política

e de participação social; e, pessoas que priorizam práticas destinadas a

sensibilizar, aumentar a consciência corporal, integrar o sujeito consigo mesmo e

com o restante do ambiente. Neste último caso, são comumente adotadas

dinâmicas de grupo, adaptações de práticas meditativas e psicológicas.

Entendemos serem ambas as abordagens necessárias e complementares, porque

temos necessidades de ordem subjetiva e de ordem material, social. A

transformação paradigmática exigida pela questão ambiental tem essas duas faces:

a transformação do indivíduo e a da sociedade.

Mas, se ainda não conseguimos dar conta dessa integração mais profunda e

necessária, ao menos para iniciar o processo é possível que os princípios da

sustentabilidade estimulem, como se propõem e como nos lembra Tristão, a

reavaliação das bases do conhecimento e do próprio desenvolvimento da

sociedade.

Pelos motivos expostos, isto é: a) a necessidade histórica de reformulação

paradigmática, urgente, em função da gravidade dos problemas ambientais, uma

vez que o cartesianismo revela-se incapaz de resolvê-los, pois sua solução requer,

por natureza, um pensamento complexo; b) o estratégico papel social

humanizador da universidade; e c) e a força da universidade enquanto meio de

experiência moral favorável ao questionamento, debate e reestruturação de

valores, conforme identificado nesta pesquisa; há necessidade de investimento de

esforços em projetos e políticas voltados de fato à formação de valores. É

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

211

provável que inicialmente este processo seja mais fácil nos cursos de licenciatura,

e, de certa forma, mais estratégico também. Mas as discussões sobre as formas de

promover a reestruturação universitária já se fazem tardias. Provavelmente terão

de partir justamente de pessoas inseridas na universidade cujas atuações já se

pautam pela educação ambiental, angariando aliados entre colegas sensíveis ou

que desenvolvam trabalhos em áreas também exigentes quanto à necessidade do

pensar complexo.

Para enfrentamento do reducionismo universitário e da omissão acadêmica

quanto à formação integral da pessoa, como consta na definição mesma de

Educação, uma proposta possível é a de Celso Wilmer (2004), que conjuga duas

idéias: a de Nova Universidade e a de Metrologia Qualitativa. A Nova

Universidade é uma alusão à necessidade de uma perspectiva ampla e

humanizadora na execução do papel da universidade. Tomando a avaliação como

um de seus aspectos-chaves, Wilmer sugere que passemos a utilizar, além da

tradicional metrologia quantitativa empregada na verificação do conhecimento do

aluno, uma Metrologia Qualitativa, que cuidaria de dar ao aluno condições de

avaliar a qualidade dos demais aspectos de sua relação com a vida, especialmente

consigo e com sua comunidade. A crítica principal é que a universidade tem se

preocupado apenas com o desenvolvimento da intelectualidade e não da

sabedoria. Na metrologia qualitativa as medidas são dadas por qualidades:

Quadro 10 – Metrologia Qualitativa

Relação Medida de qualidade

Social Cidadania

Planetária Participação ecológica

Com a verdade Racionalidade

Com o transcendente Espiritualidade

Consigo Consciência de si

Fonte: autora, adaptado de Wilmer (2004)

Wilmer (2004) destaca a importância desta última medida de qualidade, a

consciência de si, no meio acadêmico. Na consciência de si está incluída a

consciência corporal, emocional e de raciocínio. O ponto de partida é o exercício

de tornar-se presente em si a cada momento. Ele considera que objetivamente o

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

212

ser humano existe e se expressa num universo espaço-temporal dinâmico, quadri-

dimensional. De modo que o sistema metrológico da nova universidade deve ser

igualmente dinâmico. Exemplifica criticando as tradicionais provas e testes, que

não consideram o momento presente do aluno, suas condições físicas e

emocionais no dia da verificação. Pontua, então, a necessidade de uma

complementação no sistema de avaliação, ou mesmo sua substituição. Mas, de

qualquer forma, para um sistema que considere outros aspectos da existência

humana.

“Aliás, não compreendo por que deveria ser da Universidade este papel de determinar quem são os melhores alunos. Que interesse à causa pedagógica tem a avaliação externa, qual seu mérito? Considero que saber quem são os melhores alunos (do ponto de vista puramente de cérebros, diga-se bem) talvez interesse mais ao mercado de trabalho do que à causa educacional, e que cabe portanto a ele a tarefa de apontar os “melhores alunos”, segundo seus próprios interesses. À Universidade caberia a tarefa de ajudar o aluno a produzir sempre o melhor de si, como ser humano completo. (...) Seria mais rica a experiência do aluno, e mais formadora de seu caráter, se a Universidade, no lugar desse papel tanto punitivo quanto paternalista de juiz do aluno, o ajudasse a produzir dando o melhor de si, e a ser responsável por seu destino, dispondo para tal de ferramentas de auto-avaliação, por exemplo” (WILMER, 2004, p.10).

Essa ponderação vem diretamente ao encontro das necessidades de

reformulação da universidade a que aludimos para que seja viável uma

perspectiva paradigmática mais ampla. Wilmer não está só nesta preocupação.

Traz como seu aliado de diálogo Joseph Campbell, citando o seguinte trecho: “O

que estamos aprendendo em nossas escolas não é sabedoria de vida. Estamos aprendendo

tecnologias, estamos acumulando informações. Há uma curiosa relutância de parte da

administração universitária em indicar os valores de vida de seus assuntos”

(CAMPBELL, 1990, citado por WILMER, 2004).

Levando em consideração que a meta da Nova Universidade seja aumentar a

medida de qualidade do aluno com os diversos aspectos da vida (verdade, beleza,

consigo etc.) tal meta imprimiria sua marca nos critérios acerca do quê ensinar,

como ensinar e como avaliar. Wilmer cita alguns exemplos de aplicação destas

idéias na universidade: estimular a apreciação estética do pensamento científico

(atenuando a tendência tecnocrática da ciência); ofertar atividades físicas

integradoras de múltiplos aspectos de si (ele cita o Tai chi chuan como exemplo);

adotar a cooperação como forma de trabalho, pois sendo os humanos sistemas

isomorfos essa postura aumentaria em cada um dos participantes de uma relação

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

213

os valores de suas medidas de qualidade (conhecimento, auto-estima...); favorecer

a empatia em lugar do egoísmo; usar mais freqüentemente a auto-avaliação do

estudante, orientado pelo professor, pois aumentaria o valor da medida de

qualidade da relação consigo, a consciência de si; avaliar para admissão e não

para reprovação39.

Um movimento nesse sentido implica iniciativa e esforço de mudança

daqueles predispostos que se encontram em serviço na universidade. Mas requer

também fortalecimento e continuidade, sendo importante, então, investir na

formação de docentes.

E como diz Martha Tristão (2004, p.70),

“partindo do pressuposto de que a formação de professores/as é um importante contexto a ser explorado porque participa de outros, como a política educacional, a pesquisa e a formação continuada dos professores/as em serviço (...) a formação ambiental, então, entra nesse cenário exigindo um redimensionamento das práticas pedagógicas, de outras diretrizes para um saber ambiental que não é apenas livresco, mas articulado com a prática social e com uma estreita relação entre investigação, ensino, difusão e extensão do conhecimento.”

Por isso mesmo, mais relevante ainda se tornam as abordagens anteriores

que trouxemos, de Wilmer, AQUARIUS e da educação em valores. Como afirma

Tristão inspirada em Maturana “estar vivo é estar em permanente estado de

aprendizagem” (TRISTÃO, 2004, p.69) Daí sua insistência em “criar espaços

pedagógicos que possibilitem a expressão, a criação, a reapropriação do saber, as

diferenças, o equilíbrio, o desequilíbrio, a solidariedade e a experiência de conhecer

outras lógicas do conhecimento” (TRISTÃO, 2004, p.67).

39 “Avaliar um aluno para sua admissão em Cálculo 2 é mais compatível com a meta acima do que avaliar sua aprovação em Cálculo 1. Pois isso favorece uma melhor relação do aluno com o professor, já que desaparece a principal fonte de atrito com este, que são as notas que este precisa lhe conferir ao longo do curso. Também desaparece a obrigatoriedade alienante do aluno marcar presença em sala: a classe voltaria s ser para aqueles que vêem no professor um aliado que pode fornecer-lhe os conhecimentos necessários na admissão ao curso seguinte. Desse modo, melhora ainda a relação do aluno com seus colegas e com o próprio conhecimento” (Wilmer, 2004: p.14).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

214

7.4. Para formar educadores ambientais/ a pessoa construtora da utopia sustentabilista

Se relembrarmos as diretrizes da EA e seus objetivos lembraremos também

que ela associa estreitamente aprendizagem, valores, cidadania e participação.

Para isso, a proposta é trabalhar com a criticidade, alteridade, responsabilidade,

integrando o ser humano consigo mesmo e com a biosfera. Torna-se bastante

complicado e pouco producente trabalhar com os outros aspectos que ainda não

desenvolvemos. Por isso, queremos ressaltar a presença dessas características em

nosso público pesquisado. Além de seus valores, é provável que parte de seu

sucesso enquanto educadores ambientais se deva ao fato de realmente serem

críticos, participativos (engajados), responsáveis, estudiosos e solidários, o que

lhes possibilita promover ações educativas relativas a estes aspectos com a força

da coerência pessoal. Como sabemos, o exemplo é o melhor mestre.

“A qualidade moral de sujeitos e coletividades depende da qualidade moral de seus guias de valor. Daí, a importância em reconhecer que os guias podem evoluir, que na sua evolução participam de maneira consciente os seres humanos e, enfim, que tal participação pode ser impulsionada pela força de vontade e por critérios de valor assumidos responsavelmente” (PUIG, 1998, p.208).

A educação por valores, portanto, depende da qualidade moral dos que se

dispõem a ensiná-los ou questioná-los. Importa ter clareza da possibilidade de

modificação dos valores e da imprescindível deliberação de esforço do interessado

ou interessada. Estes dois aspectos nos dizem do processo educativo, tanto sobre o

perfil do educador(a) como da disposição do aprendente. Há uma necessidade

básica de que ambos os lados, educador e educando, tenham a intenção de

desenvolver-se moralmente.

Não é recente a preocupação com o desenvolvimento moral. Há quase 2.500

anos Confúcio já dizia que “não fazer o que é certo demonstra falta de coragem”.

E que “um homem benevolente com certeza é corajoso” (CONFÚCIO, 2007). O

pressuposto de Confúcio, estudioso da essência da moral, é que

“o único objetivo que um homem pode ter e também a única coisa válida que pode fazer é tornar-se um homem tão bom quanto possível. Isso é algo que tem de ser perseguido somente pelo próprio valor intrínseco e com completa indiferença quanto ao sucesso ou fracasso” (CONFÚCIO, 2007, p.15)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

215

Também para ele a justiça e o conhecimento (“amar a benevolência sem

amar o aprendizado pode levar à tolice”) eram dois valores extremamente

importantes e deveriam estar presentes nos governantes. A melhor maneira de

fazer com que o povo desenvolvesse alto senso moral era o exemplo.

“Obrigações e punição podem, na melhor das hipóteses, garantir um aparente conformismo. O povo vai ficar longe de problemas não porque tenha vergonha de fazer algo errado, mas porque tem medo da punição. Em contraste a isso guie-o pela virtude, mantenha-o em dia com os ritos, e o povo, além de ser capaz de sentir vergonha, reformará a si mesmo. (...) Se um homem é correto, então haverá obediência sem que ordens sejam dadas; mas se ele não é correto, não haverá obediência, mesmo que ordens sejam dadas. (...) alimento e armas não são as coisas mais importantes que o povo deve ter. Sobretudo, é preciso que eles tenham confiança no governante e é preciso que vejam nele um exemplo” (CONFÚCIO, 2007).

De outro modo, mas na mesma direção, também Platão (2007) defende, em

sua República, que sejam os governantes um exemplo moral de justiça e

conhecimento. Entre os gregos antigos já o “bom, o belo e o verdadeiro” eram

defendidos enquanto ideal de vida. Tanto esses valores como o trinômio

liberdade-igualdade-fraternidade da Revolução Francesa continuam em pauta no

mundo atual e voltam a ser resgatados de modo mais detalhado pela proposta da

construção de sociedades ditas sustentáveis. Os contextos mudam, mas uma certa

demanda moral permanece a mesma na humanidade, mostrando que ainda não foi

atendida e quando surgem oportunidades volta a pedir voz e vez. Curiosamente,

os principais valores vividos por nossos entrevistados e entrevistadas são a

afetividade (inclusive por meio de seus parentes próximos, a honestidade e a

convivência), a justiça e o conhecimento. Ou seja, aparentemente, os fatos atuais

confirmam as asserções confucianas e gregas. Realmente, a coerência com estes

valores promove vidas significativas em termos de melhoria social e pessoal.

As questões da entrevista que suscitaram esta conclusão são aquelas

referentes às ações recorrentes, às decisões e ao perfil de gastos, pois são estas

que apontam para a realidade vivida. As demais questões nos dizem de ideais e de

referências buscadas pelos docentes no cotidiano. Mesmo entre estas, tais valores

(afetividade, justiça e conhecimento) se destacam, porém em proporções distintas,

porque nos falam do desejo, do esforço por viver de uma determinada forma.

Revelam-se fortes coadjuvantes os valores da maturidade e da autodireção, que

traduzem a autonomia e a busca de ter uma vida útil, significativa.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

216

Dentre os três critérios40 (pessoal, central, social) embasadores dos 24

valores básicos propostos por Gouveia (2003), observamos haver, no público

estudado, uma incidência majoritária de valores relativos à função suprapessoal

(inseridos no critério central), isto é: justiça, conhecimento, maturidade e beleza.

No âmbito do critério social destacam-se os valores da função interacional

(afetividade e honestidade) e no que tange ao critério pessoal, evidencia-se um

valor cuja função é a realização, qual seja, a autodireção. Lembremos que as

funções suprapessoal e interacional correspondem ao princípio da igualdade, ou

seja, ocorrem em pessoas cuja predisposição é valorizar a condição da igualdade.

Por outro lado, é curioso que o critério de nível pessoal, no caso de nossos(as)

entrevistados(as), traga a função da realização, relativa ao princípio da diferença.

Isto quer dizer que a valorização da diferença por nossos educadores(as) está

vinculada à (capacidade de) realização (leia-se, portanto, valor da autodireção, ou

seja, em última instância, autonomia).

Em poucas palavras podemos sintetizar afirmando que nossos e nossas

docentes tendem a construir, em função de seus valores, relações horizontais. Um

perfil propenso ao altruísmo. A valorização da individualidade se dá pela

necessidade e fortalecimento da autonomia existencial.

Apesar de termos nos concentrado na tipologia de Gouveia, é interessante

pontuar a classificação motivacional correspondente no sistema de Schwartz e

isso por um único motivo: auxilia a elaborar diretrizes educativas. Em primeiro

lugar revelou-se o tipo motivacional universalista, em segundo, o da autodireção

e, em terceiro, o da benevolência. A própria denominação destes três tipos já

evidencia o perfil dos educadores: universalistas, autônomos e benévolos.

Conseguintemente, vêm à luz campos de investimento educativo moral que

poderíamos priorizar.

40 Conforme quadros 2 e 3 (este último reproduzido abaixo e destacadas em negrito as funções a que os valores obedecem no público estudado).

Critério de orientação Função psicossocial Dimensão da relação Princípio da 1- Pessoal 1a) Experimentação 2- Central 2b) Suprapessoal 3- Social 3a) Interacional

Horizontal

Igualdade

1- Pessoal 1b) Realização 2- Central 2a) Existência 3- Social 3b) Normativa

Vertical Diferença

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

217

Gostaríamos de recordar ainda que, dentre os recursos41 para enfrentar a

experiência moral (PUIG, 1998), destacam-se quatro procedimentos mais

relevantes quando se trata de EA: a) autoconhecimento: fonte da responsabilidade

moral e da coerência pessoal; b) conhecimento dos outros (empatia); c)

disposições para a comunicação e o diálogo: chegando a acordos justos, racionais

e sem pressão dos mais fortes ou influentes; d) auto-regulação (dela depende a

coerência entre o juízo e a ação moral e a própria construção voluntária do

caráter).

Foi interessante notar que além de valores relacionados com a questão

ambiental, nossos(as) docentes dispõem desses quatro procedimentos da

consciência moral destacados.

Para Puig, boa parte dos resultados da construção da personalidade moral e

da organização da convivência não são universais. Mas, lhe parece possível falar

de universalidade quanto a alguns procedimentos e valores que permitem encarar

conflitos, respeitadas as diferenças e ressaltando o mínimo permitido por seres

humanos que visam compartilhar a vida e projetar formas de convivência justas e

solidárias. Esta reflexão nos levou a questionar que valores seriam minimamente

necessários para uma convivência solidária e respeitosa com o restante da

natureza.

Estamos, é claro, com este inventário, traçando um perfil de sujeito

ecológico educador. Sabemos que toda tentativa de formatação ou padronização,

quando se trata de ser humano, limita e restringe. Embora não tenhamos a

intenção de excluir perfis ou criar um modelo ideal único, queremos, sim, ressaltar

a importância de alguns pré-requisitos para o fazer educativo-ambiental.

Coerência com o que se quer ensinar é um deles. Saber que a experiência

problematizada e refletida contribui para a formação da consciência moral e

incorporar este procedimento na prática educativa é outro. O hábito de relacionar-

se empaticamente e de buscar a autotransformação e autoqualificação contínua

completam os principais itens aprendidos com as biografias dos educadores

estudados nesta pesquisa.

Entender a educação moral como construção

41 Para mais detalhes, rever páginas 65 (ilustração 2) e 68 (sobre os recursos da consciência moral).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

218

“implica um processo para o qual convergem: a sensibilidade para as experiências conflitivas que apresenta a realidade; o uso dos procedimentos morais para trabalhar tais conflitos; e a ajuda dos guias culturais de valor para mediar a atividade sociomoral que o sujeito realiza. (...) [neste sentido os educadores(as) têm] a grande responsabilidade de não cair em uma pura transmissão impositiva. Devem saber dosar seu compromisso com os guias de valor fundamentais com o respeito à autonomia moral de seus alunos e alunas” (PUIG, 1998, p.209).

Mas, se propor experiências dilemáticas ou analisar aquelas que se vive

pode configurar uma estratégia pedagógica, por outro lado é preciso lembrar que a

simples existência de conflitos de valor não garante nenhum processo formativo.

É necessário o enfrentamento das experiências morais problemáticas com a

consciência moral de cada sujeito.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Por vezes, quando reflito sobre as tremendas conseqüências que resultam das pequenas coisas... fico tentado a pensar que não existem pequenas coisas. Bruce Barton Você vê coisas e diz: “Por quê?” Mas eu sonho com coisas que nunca existiram e digo: “Por que não?” George Bernard Shaw A convicção é inútil, a menos que se transforme em conduta. Thomas Carlyle

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

220

8

Conclusões

Aprendemos com a pesquisa sobre a importância dos valores para a escolha

e reafirmação da escolha pela Educação Ambiental enquanto trabalho e,

simultaneamente, projeto de vida para docentes universitários.

Foi possível identificar os valores mais presentes nesta opção: justiça,

conhecimento, maturidade, honestidade, autodireção.

Ainda, pudemos verificar modos de atuação destes valores no cotidiano do

público estudado, ora estimulando-o a avançar, ora gerando conflitos internos. Os

valores revelados na pesquisa levam nossos(as) docentes a priorizar o trabalho

antes de todo o restante da vida, e conforme a hierarquia de seus valores, a optar

por uma estratégia educativa mais sensibilizadora e integradora do indivíduo

consigo e com os demais ou a enfatizar estratégias mobilizadoras da articulação

política e confrontadora da ordem estabelecida. De toda forma, conformam

relações de generosidade, de engajamento, de gratidão e de curiosidade para com

a vida todos os aspectos de que ela se mostra portadora. Os valores operam de

modo a que eles não se acomodem a situações consideradas injustas, requerendo

deles, pelo contrário, intensa participação na resolução dos problemas percebidos.

Finalmente, com respeito à terceira questão levantada (como se formaram

tais valores?), descobrimos alguns fatores que desencadeiam experiências

formativas e a natureza dos meios de experiência moral onde mais freqüentemente

se encontram oportunidades de experienciar dilemas formativos que contribuem

para a formação do sujeito ecológico.

Nas vidas destes(as) educadores(as) entrevistados(as) nos deparamos com

alguns tipos de experiência marcantes, que levaram ao desenvolvimento e/ou

fortalecimento de algumas formas de ser:

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

221

Quadro 11 – Tipos de experiências morais e seus efeitos

Experiências Efeitos Valores

relacionados

De diversidade e

confronto

(escola de VEGA,

universidade de ÓRION)

Posicionamento, coragem,

criticidade

Respeito a si e aos demais, auto-

afirmação

Justiça, Maturidade

Autodireção,

Honestidade

De sensibilização social

(PERSEU, POLARIS)

Solidariedade, comprometimento,

estudo, ação

Justiça, Conhecimento,

Maturidade

Estético-afetivas

(AQUARIUS, POLUX,

AURIGA)

Integração, afeto, busca de

harmonia

Honestidade,

Afetividade,

Autodireção, Beleza

De restrição na infância

(AURIGA, ÓRION,

VEGA)

Parcimônia, criteriosidade,

valorização do trabalho,

dedicação ao que faz, motivação

para fazer diferença

Sobrevivência,

Estabilidade,

Autodireção

Justiça, Êxito

De incentivo ao estudo na

infância

(LIRA, AURIGA)

Intensificação da curiosidade,

criticidade, hábito de estudar,

priorização do conhecimento

enquanto ferramenta de trabalho

Conhecimento

De convivência com

pessoas-exemplo

(PERSEU com as

biografias e

companheiros de

movimento social,

AQUARIUS, POLUX,

ALDEBARAN)

Fortalecimento da necessidade e

motivação para agir, auto-

sacrifício

Justiça, Maturidade,

Convivência, Êxito,

Autodireção

Fonte: autora

Os tipos de experiências citados foram importantes para o desenvolvimento

ou para acionar os traços e valores correlacionados no quadro 11. Talvez, contudo,

estes efeitos tenham ocorrido porque os valores mencionados (ou parte deles) já

existiam de modo latente nos atores estudados.

Inspirados nestas experiências, podemos criar novas situações didáticas, a

exemplo das listadas abaixo:

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

222

• de confronto: por exemplo, debates, participação de audiências públicas e

reuniões com comunidades, empresários ou outros grupos implicados em algum

problema/conflito ambiental em análise, observação da elaboração de EIA-RIMA,

viagens, entre outros;

• de sensibilização: visita a locais de conflito ambiental instalado ou onde

existam problemas ambientais, entrevistas com os envolvidos, estágios de

vivência;

• estético-afetivas: criação de um espaço de encontro acolhedor (para aula

ou reunião de projetos), com plantas, se possível paisagismo e diversidade

artístico-cultural; visitas a jardins botânicos, parques, sítios; vivências corporais

de autopercepção e de sensopercepção nesses espaços; Trilha da Vida (Matarezzi,

2003), criação de hortas, pomares, jardins, terrários e outras experiências afins,

etc.;

• de restrição: vivências de imersão ou não em que haja cotas de uso dos

recursos disponíveis, as quais devem ser acompanhadas de registros de auto-

observação quanto aos pensamentos e sentimentos decorrentes da experiência,

com posterior debate;

• de incentivo ao estudo: disponibilização de livros, revistas, softwares,

jogos, mapas, laboratórios, que sejam utilizados a partir de demandas específicas e

também espontâneas;

• de convivência: leitura de biografias, entrevistas ou debates com pessoas

de referência, estágios, filmes.

De toda forma, importa que o conjunto das ações permita reflexão e ação

associadas, que o exercício da auto-observação torne-se prazeroso hábito, para

que as mudanças pessoais sejam fruto de trabalho, mas sem perder seu aspecto

lúdico e motivador. No mais das vezes há uma crença generalizada de que mudar

significar sofrer. Mudar para melhor é algo que se reveste de prazer e alívio.

Buscar mudanças pessoais de modo punitivo é decorrência cultural de ordem

religiosa, que pode ser ultrapassada e dispensada. A maior liberdade de qualquer

ser humano é a de autotransformação. Autodeterminação, a fonte dessa liberdade,

é sinal de maturidade. Quanto mais esta prática for incorporada às nossas vidas

mais chances teremos de amadurecer paulatinamente também a estrutura social.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

223

Estas sugestões iniciais buscam atender ao anseio de demonstrar a

possibilidade de aproveitar o conhecimento haurido no corrente processo

investigativo a serviço pedagógico da EA, inter-relacionando os valores

descobertos, seu processo de atuação e suas estratégias de construção ou

fortalecimento. Sendo a disposição da EA, desde o início, renovar a sociedade em

favor de uma vida mais digna e saudável, e tendo ela enfatizado o papel central

dos valores nesta tarefa, é preciso, então, abrir um debate mais intenso e profundo

com esta intenção. Pensamos estar participando das primeiras etapas deste

caminho, que esperamos longo e frutífero e ao qual convidamos educadores e

educadoras a enriquecer.

Construir a utopia da sustentabilidade implica uma série de passos não

lineares. Por um lado, é fundamental investir na negociação política para o avanço

do encaminhamento de conflitos e problemas ambientais em curso. Por outro, é

preciso estimular nas pessoas a formação de um ethos ecológico, de uma

subjetividade da sustentabilidade, como diz POLARIS. Nisso se resume parte da

proposta do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis (1992):

“Consideramos que são inerentes à crise a erosão dos valores básicos e a alienação

e a não-participação da quase totalidade dos indivíduos na construção de seu

futuro.” Temos aí uma conjugação de ambas as coisas, a participação política e a

construção de valores. Entre os princípios do Tratado, os itens 6, 8 e 12 tratam

diretamente da necessidade de valores, traços e comportamentos específicos

requeridos para a convivência.

“A educação ambiental deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos humanos, valendo-se de estratégias democráticas e interação entre as culturas”. (6)

“A educação ambiental deve facilitar a cooperação mútua e eqüitativa nos processos de decisão, em todos os níveis e etapas”. (8)

“A educação ambiental deve ser planejada para capacitar as pessoas a trabalharem conflitos de maneira justa e humana”.(12)

Esses tópicos abordam basicamente os valores da justiça e honestidade,

decorrendo os comportamentos desejados da mobilização destes valores. Os itens

13 e 10 cuidam das formas de concretização de novos modos de organização

social a partir do empoderamento da população, do diálogo e da cooperação, e

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

224

nesse sentido entram em cena, ao modo de pré-requisitos, os valores da

honestidade, convivência, justiça, autodireção.

“A educação ambiental deve promover a cooperação e o diálogo entre indivíduos e instituições, com a finalidade de criar novos modos de vida, baseados em atender às necessidades básicas de todos, sem distinções étnicas, físicas, de gênero, idade, religião, classe ou mentais.” (13)

“A educação ambiental deve estimular e potencializar o poder das diversas populações, promover oportunidades para as mudanças democráticas de base que estimulem os setores populares da sociedade. Isto implica que as comunidades devem retomar a condução de seus próprios destinos.” (10)

Os itens 15 e 7 falam da necessidade de crítica, pensamento complexo e

aproveitamento de experiências para um aprendizado orientado à construção de

sociedades sustentáveis. Os valores implicados aqui são o conhecimento, a justiça,

a ordem social.

“A educação ambiental deve integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. Deve converter cada oportunidade em experiências educativas de sociedades sustentáveis.” (15)

“A educação ambiental deve tratar as questões globais críticas, suas causas e inter-relações em uma perspectiva sistêmica, em seu contexto social e histórico. Aspectos primordiais relacionados ao desenvolvimento e ao meio ambiente, tais como população, saúde, paz, direitos humanos, democracia, fome, degradação da flora e fauna, devem ser abordados dessa maneira.” (7)

Finalmente, o item 16 traz a questão nuclear em termos de epistemologia e

prática e atinge em cheio o valor da convivência, entendido de maneira ampliada

às relações planetárias:

“A educação ambiental deve ajudar a desenvolver uma consciência ética sobre todas as formas de vida com as quais compartilhamos este planeta, respeitar seus ciclos vitais e impor limites à exploração dessas formas de vida pelos seres humanos.” (16)

Estamos diante de um desafio ético de nosso tempo. Para que a EA possa

ser mais do que apenas um discurso interessante e da moda faz-se necessário

assumir todo o seu potencial. Oxalá, as experiências compartilhadas das vidas de

nossos educadores(as) possam inspirar nossa criatividade realizadora, rumo às

autotransformações oportunas e a práticas educativas cada vez mais generosas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

225

Aquilo que prende a atenção determina a ação. William James

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

225

Aquilo que prende a atenção determina a ação. William James

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

9 Referências Bibliográficas

ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

ALVES, Luciana e Sá; VASCONCELLOS, Hedy Silva Ramos de; Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. A educação ambiental e a pós-graduação: um olhar sobre a produção discente. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith e GEWANDSZNAJDER, Fernando. O método nas ciências naturais e sociais – pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 1998.

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1985. v.1: Magia e técnica, arte e política.

BRANDÃO, Zaia. Pesquisa em educação – conversas com pós-graduandos. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio; São Paulo: Edições Loyola, 2002.

BRASIL, Lei nº 9795, de 27 de abril de 1999 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental. Disponível em: <http://www.MMA.gov.br/port/sdi/ea/ Lei%209795.cfm>. Acesso em 20 jan. 2002.

CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. São Paulo: Editora Palas Athena, 1990.

CAMPOS, Michele; Greik, Michl; Vale, Tacyanne do. História da Ética. CienteFico. Ano II, v.I, Salvador, agosto-dezembro 2002.

CARVALHO, Anna Maria Pessoa; GIL PÉREZ, Daniel. Formação de professores de ciências: tendências e inovações. São Paulo: Cortez, 2000.

CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. As transformações na cultura e o debate ecológico: desafios políticos para a Educação Ambiental. In: O. NOAL, Fernando; REIGOTA, Marcos & H. L. BARCELOS, Valdo (Orgs.) Tendências da Educação Ambiental brasileira. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1998.

______. A invenção ecológica: narrativas e trajetórias da Educação Ambiental no Brasil. 2 ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

CARVALHO, Marcos. O que é natureza, São Paulo: Ed. Brasiliense, 1991.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

227

CARVALHO, Vilson Sérgio de. A ética na Educação Ambiental e a ética da Educação Ambiental. In: MACHADO, Carly Barboza. Educação Ambiental consciente. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2003.

CASTRO, Ronaldo de Sousa. Epistemologia da Biologia e Educação Ambiental. In: PEDRINI, Alexandre de G. (Org.). Educação Ambiental – reflexões e práticas contemporâneas. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

COELHO, Jorge Artur Peçanha de Miranda; GOUVEIA, Valdiney Veloso; MILFONT, Taciano Lemos. Valores humanos como explicadores de atitudes ambientais e intenção de comportamento pró-ambiental. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 1, p. 199-207, jan./abr. 2006.

COLES, Robert. Inteligência moral das crianças. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

COLL, César. Psicologia e currículo – uma aproximação psicopedagógica à elaboração do currículo escolar. São Paulo: Editora Ática, 1999.

CONFÚCIO. Os Analectos; Tradução do inglês de Caroline Chang; Tradução do chinês, introdução e notas de D.C. Lau; Porto Alegre, RS: L&PM, 2007.

CRESPO, Samyra e LEITÃO, Pedro. O que o brasileiro pensa da ecologia – o Brasil na era verde. Rio de Janeiro: MAST/MMA/ISER/CNPq, 1992.

CRESPO, Samyra. O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: MMA/MCT e ISER, 1997.

______. O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: ISER/ MMA, 2002.

DALL´ AGNOL, Darlei. Bioética: princípios morais e aplicações. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

DAUSTER, Tânia. Representações Sociais e Educação. In: CANDAU, Vera M. Linguagens, Espaços e Tempos no Ensinar e Aprender. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.

DEMARTINI, Zeila de Brito Fabri. Histórias de vida na abordagem de problemas educacionais. In: SIMSON, Olga de Moraes Von (Org.). Experimentos com histórias de vida: Itália-Brasil. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos tribunais, 1988.

DIAS, Genebaldo F. Os quinze anos da Educação Ambiental no Brasil: um depoimento. Em Aberto, Brasília: ano 10, n. 49, p. 3-14, jan./mar. 1991.

______. Educação Ambiental: princípios e práticas. São Paulo: Gaia, 1992.

DIEGUES, Antonio Carlos. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec, 1996.

DUARTE, Rosália. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Rio de Janeiro: 2004.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

228

FARR, Robert M. Representações Sociais: a teoria e sua história. In: GUARESCHI, Pedrinho A. ; JOVOCÊHELOVITCH, Sandra (Orgs.). Textos em Representações Sociais. Petrópolis: Vozes, 1995.

FAZENDA, Ivani C. A. Interdisciplinaridade: História, Teoria e Pesquisa. Campinas: Papirus, 1994.

GARDNER, Howard. O verdadeiro, o belo e o bom – os princípios básicos para uma nova educação. Rio de Janeiro: editora Objetiva, 1999.

GIASSI, Maristela G. Educar para um ambiente melhor. Perspectiva, v.15, n.27, p 147-158, Florianópolis, jan./jun. 1997.

GOUVEIA, Valdiney V. A natureza motivacional dos valores humanos: evidências acerca de uma nova tipologia. Estudos de Psicologia, 2003, 8(3), 431-443.

______; MARTÍNEZ, Eva; MEIRA, Maja; MILFONT, Taciano L. A estrutura e o conteúdo universais dos valores humanos: análise fatorial confirmatória da tipologia de Schwartz. Estudos de Psicologia, v. 6, n. 2, p. 133-142, 2001.

GUATTARI, Felix. As três ecologias. Campinas: Papirus,1995.

HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e agir comunicativo, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

HOLLY, Mary Louise. Investigando a vida profissional dos professores: diários biográficos. In: NÓVOA, António. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2000.

HOUAISS, Antonio. Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0.5. Rio de Janeiro, Editora Objetiva Ltda., 2002.

LA TAILLE, Yves de. Desenvolvimento moral: princípios, sentimentos, valores. São Paulo: Atta, 2002 (Vídeo).

_________. Jornal Extra Classe - Porto Alegre – www.sinprors.org.br – março de 2007 (entrevista).

LAYRARGUES, Phillipe Pomier. Resolução de problemas ambientais: tema-gerador ou atividade-fim da Educação Ambiental? In: VASCONCELLOS, Hedy Silva Ramos (org.). Educação Ambiental em debate – 20 anos de Educação Ambiental pós-Tbilisi, Rio de Janeiro: Anais do Simpósio Brasileiro de EA, PUC-Rio/ UFRJ/ FAPERJ, 1997.

LEFF, Enrique. Educação Ambiental e desenvolvimento sustentável. In: REIGOTA, Marcos (org.). Verde cotidiano – o meio ambiente em discussão. Rio de Janeiro: De Paulo Ed., 1999.

______________. Epistemologia Ambiental. São Paulo: Cortez Editora, 2002.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

229

LEME, Maria Alice Vanzolini da Silva. O impacto da teoria das representações Sociais. In: SPINK, Mary Jane (org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectivas da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995.

LOUREIRO, Carlos Frederico Bernardo. Trajetória e fundamentos da Educação Ambiental. São Paulo: Cortez Editora, 2004.

LÜDKE, Menga & ANDRÈ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: E.P.U., 1986.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2007.

MARTÍNEZ, Pilar Pestaña de. Aproximación conceptual al mundo de los valores. REICE – Revista Electrónica Iberoamericana sobre Calidad, Eficacia y Cambio en Educación, 2004, vol.2, no 2, Madri/ Espanha, México, pp. 67-82.

MATAREZZI, José. A trilha da vida. I Encontro sobre "Percepção e Conservação Ambiental: a Interdisciplinaridade no Estudo da Paisagem", Rio Claro: Revista Olam, 2004.

MAZZOTTI, Tarso B. Representação social de “problema ambiental”: uma contribuição à Educação Ambiental. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília: v.78, n.188/189/190, p. 86-123, jan./dez. 1997.

MENEZES, Laís Almeida de. Internalizando as externalidades: a perspectiva neo-clássica. HERCULANO, Selene (Org.). Meio ambiente: questões conceituais. Niterói: Pós-Graduação em Ciências Ambientais da UFF: Riocor, 2000.

MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. Programa Nacional de Educação Ambiental. Brasília: 1997.

MOITA, Maria da Conceição. Percursos de formação e de trans-formação. In: NÓVOA António (Org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 2000.

MONDIN, BATTISTA. Os valores fundamentais. Bauru, SP: Edusc, 2005.

MOSCOVICI, Serge. Representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978.

MORIN, Edgar. Para além da globalização e do desenvolvimento: sociedade mundo ou império mundo? In: CARVALHO, Edgar Assis; MENDONÇA, Terezinha. Ensaios de complexidade 2. Porto Alegre: Sulina, 2003.

NÓVOA, António (Org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995.

PEDRINI, Alexandre de G. (Org.). Educação Ambiental – reflexões e práticas contemporâneas. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

PERRENOUD, Philippe. Práticas Pedagógicas, Profissão Docente e Formação – Perspectivas Sociológicas. Lisboa: Dom Quixote, 1993.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

230

PLATÃO. Diálogos. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

_______. A República. São Paulo: Martin Claret Ltda., 2007.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. O desafio ambiental. Organizador: Emir Sader – Rio de Janeiro: Ed. Record, 2004

PUIG, Josep Maria. A construção da personalidade moral, São Paulo: Editora Ática, 1998.

PUIGGRÓS, Adriana. Crónica de la educación en Latinoamérica. Cuadernos de Pedagogia. Revistas n. 286. Barcelona: R.B.A, Diciembre, 1999.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível”. In: SIMSON, Olga de Moraes Von (Org.). Experimentos com histórias de vida: Itália-Brasil. São Paulo: Vértice, Editora Revista dos tribunais, 1988.

REIGOTA, Marcos (Org.). O que é Educação Ambiental. Rio de Janeiro: Ed. Brasiliense, 1992.

RIBEIRO, Luciana Mello. O papel das representações sociais na (educ)ação ambiental. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação) - CTCH, PUC-Rio: Rio de Janeiro.

RUPEA. Mapeamento da Educação ambiental em Instituições Brasileiras de Educação Superior: elementos para discussão sobre políticas públicas. São Carlos, UFSCar, 2005. Relatório.

SÁ, Celso Pereira. Representações Sociais: o conceito e o estado atual da teoria. In: SPINK, Mary Jane (Org.). O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectivas da psicologia social. São Paulo: Brasiliense, 1995.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. São Paulo: Cortez, 2004.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas, S.P.: Editora Autores Associados, 1999.

SHAINESS, Natalie. Doce sofrimento. São Paulo: Melhoramentos, 1984.

SILVA, Tânia F. G. Um estudo sobre os valores, segundo Rokeach e Moscovici, em uma instituição pública: o caso da UNIOESTE, campus de Foz do Iguaçu, 2008. 175f. Monografia (especialização) – Programa de Pós-Graduação em Gestão das Organizações. Centro de Ciências Sociais Aplicadas-CCSA, da UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Foz do Iguaçu, PR, 2008.

SIQUEIRA, Josafá C. de. Ética e meio ambiente. São Paulo: Loyola, 1998.

TARDIF, Maurice. Elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério. PUC-Rio/Pelotas: outubro de 1999. fotocópia

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

231

TAVARES, Carla. Lugar do lixo é no lixo: estudo de caso de assimilação da informação. 2003. Dissertação (Mestrado em Informação) – PPGCI, UFRJ/ECO, Rio de Janeiro.

TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. Educação Ambiental: natureza, razão e história. Campinas, SP: Autores Associados, 2004.

TRISTÃO, Martha. A educação ambiental na formação de professores – redes de saberes. SP: Annablume; Vitória: FACITEC, 2004.

UNESCO. La educación ambiental – las grandes orientaciones de la Conferencia de Tbilisi, Paris: 1980.

VASCONCELLOS, Hedy S. R. de. Educação Ambiental em debate: 20 anos pós Tbilisi. Anais do Simpósio Brasileiro de EA, realizado em novembro/ 97 na PUC. Rio de Janeiro: PUC/ UFRJ, 1997.

______; SILVA, Jorge Eduardo Vieira da; FERREIRA, Catherine Rodrigues Costa; GUIMARÃES, Raquel Pereira. A Educação Ambiental na Universidade: um Banco de Dados. Educação, n. 51, p. 1-79, 1999. (PUC/RJ), Rio de Janeiro.

_____. (Coord.). Inovação pedagógica? A Educação Ambiental e em saúde no currículo da escola pública. Relatório Final do Projeto Integrado, CNPq/ PUC-Rio: Rio de Janeiro, 2002.

_____. Educação Ambiental para uma sociedade justa e sustentável. In: Fonseca, Denise Pini Rosalem; Siqueira, Josafá Carlos (Orgs.). Meio Ambiente, Cultura e Desenvolvimento Sustentável – somando esforços, aceitando desafios. Rio de Janeiro: Sette Letras: Historia y Vida, 2002.

VASCONCELLOS, Maria das Mercês Navarro. Educação Ambiental: ponte entre diversas áreas do conhecimento. Dissertação (Mestrado em Educação). – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Orientador: Hedy Silva Ramos de Vasconcellos, 1994.

VICENZI, Luciano. Coragem para evoluir, Rio de Janeiro: Editora IIPC, 2001.

VIEIRA, Waldo. 700 Experimentos da Conscienciologia, Rio de Janeiro: Editora IIPC, 1994.

WILMER, Celso. Um estudo sobre a aplicação da idéia de Consciência de si entre alunos da universidade: suas implicações em termos de avaliação do aluno; a idéia de uma Metrologia Educacional Qualitativa. Plano de pesquisa. Rio de Janeiro: Departamento de Artes, PUC-Rio, 2004. mimeo.

ZAJDSZNAJDER, Luciano. Ética, estratégia e comunicação na passagem da modernidade à pós-modernidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

232

9.1. Webgrafia

BRANQUINHO, Fátima. Contribuição da antropologia da ciência à educação em ciência, ambiente, saúde. In: www. anped.Org.br. Acesso em 13/09/05, às 14h45.

CARVALHO, Luiz Marcelo de; CAMPOS, Maria José de Oliveira; CAVALARI, Rosa Maria Feiteiro. Educação ambiental e materiais impressos: conceitos, valores e participação política. Disponível em <www.ecoar.org.br/avaliando2/downloads/EA1-Conceitos.doc>, acessso em 12/10/2007, às 20h05.

DELUIZ, Neise; NOVICKI, Vitor. Trabalho, meio ambiente e desenvolvimento sustentável: implicações para uma proposta crítica de Educação Ambiental. Disponível em: <www.anped.org.br> Acesso em 13/09/2005.

JACOBI, Pedro; LUZZI, Daniel. Educação e Meio Ambiente – um diálogo em ação. Disponível em: <www.anped.org.br> Acesso em 13/09/2005.

Enciclopédia de Filosofia. <http://br.geocities.com/sidereusnunciusdasilva/index.htm> Acesso em 25/02/2008.

ISER. O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável – pesquisa nacional de opinião. Relatório para divulgação, Rio de Janeiro: out. 2001. Disponível em: <http://www.iser.org.br/portug/meio_ambiente_brasil.pdf>. Acesso em: 11/01/03.

OLIVEIRA, Haydée Torres de. Disponível em: <http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/index.jsp>. (Currículo Lattes).

Organograma. Disponível em: www.mma.gov.br. Acesso em 09/01/06.

VALENTIN, Leirí. Tendências das pesquisas em Educação Ambiental no Brasil. Disponível em: <www.anped.org.br>. Acesso em 13/09/2005.

<www.uerj.br>. Acesso em 02/09/05.

<www.ufrj.br>. Acesso em 02/09/05.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

233

9.2. Apêndices

9.2.1. A1 - Roteiro de entrevista

1. Como você se tornou educador ambiental? Em algum momento de sua vida

houve mudanças na trajetória profissional? Houve momentos de maior

investimento pessoal na carreira? Se sim, quando? Houve momentos de

desânimo? Em que situações?

2. Você acha que é exemplo de que na sua vida?

3. Como gostaria de ser lembrado(a)?

4. O que você gostaria de ver em seus alunos como efeitos de seu trabalho?

5. Na sua visão, que valores predominam na sociedade?

6. Por que você é educador ambiental?

7. O que na sua vida foi marcante para esta escolha?

8. Qual sua perspectiva de EA? Dê um exemplo da sua ação prática.

9. Que mudanças você espera que seu trabalho promova no mundo?

10. A experiência profissional exerceu alguma mudança na sua forma de

trabalhar, no seu jeito de entender e se relacionar com o mundo? Qual? Por quê?

11. Fale um pouco de sua família de origem: onde você nasceu? Onde morava na

infância? Quais eram suas preocupações mais importantes naquela época? Em que

você estava interessado? Durante a sua infância e juventude, que experiências em

sua vida familiar foram importantes para a escolha da profissão?

12. O que o fez decidir (diferencial) trabalhar com a questão ambiental na

universidade?

13. Como você trabalha a questão ambiental na universidade onde atua?

14. Como você imagina uma universidade preocupada com o meio ambiente?

15. Como era a escola em que estudou? Houve fatos, situações e pessoas que

influenciaram sua escolha profissional ou marcaram o seu jeito de ser professor?

16. E a faculdade, como era? O que foi marcante?

17. Você tem o hábito de fazer cursos para a formação continuada? (quais?

onde? periodicidade) Por que?

18. Quais você considera serem os seus valores principais? Como você os

descobriu?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

234

19. Como você imagina que se construíram estes valores? O que influenciou?

20. Como eles o ajudam na sua prática de educador(a) ambiental?

21. Quais as dúvidas e dilemas comuns na sua vida?

22. Que tipo de ação costuma ser recorrente em seu comportamento?

23. Como se vê com relação ao trabalho que realiza? Como crê que é visto pelos

outros (colegas, direção, aluno)?

24. Como concilia a vida profissional com a vida pessoal?

25. O que você acha que estará fazendo daqui a 10 anos?

26. Quais são seus sonhos?

27. Se não fosse professor(a), qual seria a sua profissão?

28. Que significa formar/instruir gente?

29. Quais são as exigências e as características inerentes a um trabalho que tem

esse objetivo e esse “objeto”?

30. Que valores você considera importantes para vivermos num meio ambiente

mais saudável? Como eles podem ser adquiridos/ desenvolvidos?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

235

9.2.2. A2 - Mini-Inventário Pessoal: (roteiro de auto-observação)

• Listar temáticas dos pensamentos no cotidiano

• Relacionar as emoções e sentimentos recorrentes e mais freqüentes do dia-a-

dia

• Elencar as principais decisões tomadas na vida

• Identificar as principais motivações pessoais

• Critérios que embasam suas escolhas

• Avaliar o perfil pessoal de gastos

• Omissões deficitárias e superavitárias

• Comentar situações em que teve vergonha de si mesmo(a) ou se sentiu

culpado(a)

• Escala de Prioridades (reais) da sua vida e sua base

• Hierarquize seus valores a partir da análise realizada neste inventário.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

236

9.2.3. A3 – Lista de Siglas

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente

ECO-92 – o mesmo que Rio-92, apelido dado à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), ocorrida em 1992 na cidade do Rio de Janeiro

FNMA – Fundo Nacional para o Meio Ambiente

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável

IES – Instituições de Ensino Superior

IPCC – Painel Intergovernamental de Conferência Climática

ISER – Instituto de Estudos da Religião

MEC – Ministério da Educação

MMA – Ministério do Meio Ambiente

ONG – Organização não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PET – Programa Especial de Treinamento

PNEA – Política Nacional de Educação Ambiental

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

PRONEA – Programa Nacional de Educação Ambiental

REBEA – Rede Brasileira de Educação Ambiental

RUPEA – Rede Universitária de Programas de Pesquisa em EA para Sociedades Sustentáveis

SP – São Paulo

UCs – Unidades de Conservação

UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

237

UNIPAZ – Universidade da Paz

UNIRIO – Universidade do Rio de Janeiro

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFSCar – Universidade Federal de São Carlos

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

WBCSD – World Business Council for Sustainable Development

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

238

9.2.4. A4 – Lista de Quadros

Quadro 1 – Desenvolvimento da moralidade (La Taille) ...................................... 65

Quadro 2 - Relação entre valores, necessidades e condições para realização das

necessidades......................................................................................................... 101

Quadro 3 – Modelo de Gouveia para organização do Sistema Básico de 24

Valores ................................................................................................................. 102

Quadro 4 - Tipos motivacionais universais de valores, segundo Schwartz......... 105

Quadro 5 – Quadro geral do perfil docente ......................................................... 136

Quadro 6 – Relação entre comportamento, traço e valor .................................... 160

Quadro 7 – Critérios: relação entre valores, comportamentos e traços ............... 173

Quadro 8 – Gastos: relação entre traços, valores e comportamentos .................. 176

Quadro 9 – Relação entre docentes e meios de experiência moral ..................... 193

Quadro 10 – Metrologia Qualitativa .................................................................... 211

Quadro 11 – Tipos de experiências morais e seus efeitos .................................. 221

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

239

9.2.5. A5 – Lista de Ilustrações

Ilustração 1: Organograma do Órgão Gestor da EA Fonte: MMA, 2006. ............ 27

Ilustração 2: Formação da personalidade moral conforme Puig Fonte: autora ..... 66

Ilustração 3. Estrutura Bidimensional das Quatro Categorias de Tipos

Motivacionais Fonte: adaptado por Gouveia de Schwartz (1992) ...................... 106

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

9.2.6. A6 – Lista de Esquemas

Esquema 2: Estrutura dos meios de experiência moral ......................................... 67

Esquema 3: Fluxograma das indicações em rede Fonte: autora ......................... 138

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

9.2.7.Anexos – Duas entrevistas

Entrevistada: VEGA

Datas: 22 e 29 de maio de 2007, sábados. Período: manhã.

Local: residência da entrevistada, RJ.

Você poderia começar se apresentando...?

Bem, eu sou formada em Filosofia, fiz o mestrado em Filosofia da Educação

pela Getúlio Vargas e doutorado em Filosofia da Educação pela UFRJ. Eu estou

ligada ao campo temático de pesquisa da área Trabalho e Educação, há 22 anos já

e paralelamente às discussões do mundo do trabalho eu venho me ocupando das

questões referentes a meio ambiente por um caminho que, pouco a pouco, eu

estou fazendo com que eles possam se aproximar cada vez mais, mas eles foram

durante muito tempo dois caminhos um pouco paralelos. Então, ao mesmo tempo

em que eu sou há 15 anos professora da universidade, sempre responsável por

disciplinas e orientação de alunos na graduação e na pós-graduação, mestrado e

doutorado, na área de Trabalho e Educação, eu trabalhei nos anos 90 no Centro de

Ciências do estado do Rio de Janeiro, coordenando uma equipe que realizava um

trabalho de formação continuada de professores no ensino fundamental e do

ensino médio, escola normal, na busca de pensar o ensino de ciências e

matemática como um espaço onde se deveria interdisciplinarizar os

conhecimentos. De forma que os professores do ensino fundamental, que não têm

a formação disciplinar específica na área de ciências, pudessem enfrentar esse

desafio com mais tranqüilidade. E nós desenvolvemos toda uma metodologia,

quer dizer, com a professora Letícia Parente, que era doutora em Química,

professora da PUC, e que infelizmente ainda quando diretora do centro de ciências

faleceu, desenvolvemos todo um trabalho baseado em centros de interesse ou em

trabalhos que buscavam um tema transversal para discutir os conteúdos das

diversas ciências. E aí nós trabalhávamos, por exemplo, a cidade, o campo, os

grandes ecossistemas, o mar, o campo pensando a terra, trabalhamos os setores de

serviços, como, por exemplo, o tratamento da água, o setor industrial, analisando

algumas indústrias em Nova Friburgo, mas sempre dentro da perspectiva

ambiental. Ou seja, como é que nós poderíamos abordar os conteúdos específicos

de primeira a quarta série ou da escola de formação de professores

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

242

transversalizando os conhecimentos das ciências exatas e da natureza e a

matemática? A partir de temas que fizessem referência à relação homem-natureza.

Então, são muitos anos trabalhando também dentro dessa perspectiva. Também

tive uma experiência muito interessante, durante muitos anos, de uma interlocução

com os professores de física, que sempre me convidavam pra escola de verão de

física, que eles fazem para os professores de física. Então solicitavam alguma

conversa, uma palestra, alguma coisa que abordasse a filosofia da educação de

forma que nós pudéssemos pensar a formação do professor de física, à luz de uma

perspectiva mais ampla, não restrita ao campo da física. Então essas foram

experiências que eu fui fazendo, que foram me aproximando cada vez mais das

discussões em torno da questão ambiental. Por outro lado, no campo Trabalho e

Educação, eu tenho na minha formação, desde o tempo que eu concluí a

graduação em Filosofia, uma perspectiva de análise da realidade brasileira, onde

eu venho sempre discutindo os modelos e as perspectivas e as concepções de

desenvolvimento e de progresso que a sociedade brasileira vem priorizando pra

estabelecer o seu modelo de industrialização, a sua forma de inserção no

capitalismo internacional, é a maneira como o Brasil por ora, em certos momentos

parece que adere completamente ao capitalismo mundializado, outras horas parece

que resiste buscando um caminho próprio e todos esses momentos são, por assim

dizer, atravessados por uma concepção de desenvolvimento. E essa concepção de

desenvolvimento está muito baseada numa perspectiva de trabalho e, portanto, da

atividade humana, que se exerce nessa relação homem-natureza dentro de uma

perspectiva de que o Brasil é um país muito rico em natureza, de uma natureza

inesgotável e que, portanto, nós podemos nos aventurar livremente sobre os

recursos naturais. Então, esta perspectiva que de alguma forma está presente no

mundo do trabalho no Brasil é alguma coisa que também eu venho me

preocupando desde sempre. E aí, a questão do meio ambiente entra pelo lado

Trabalho e Educação. Então, minha aproximação com a EA é menos com a EA e

mais com a relação trabalho-educação-meio ambiente. Como é que o mundo do

trabalho contempla ou não as questões ambientais e em que medida isso se reflete

nas nossas propostas educacionais. Não só nas propostas de EA, mas também nas

propostas de educação tecnológica, de educação geral, em que medida esses temas

relacionados ao meio ambiente são uma questão ou não. E me dou conta de que

não são uma questão! Tanto que no nosso curso de Pedagogia, eu já há oito anos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

243

venho oferecendo uma atividade, que na universidade o professor XXX já deve ter

explicado isso pra você, nós temos disciplinas obrigatórias, eletivas, optativas

como todos os cursos têm e nós temos alguma outra coisa que outros cursos não

têm que nós chamamos componentes curriculares que têm uma outra

característica e um componente curricular “atividade” que tem a característica de

buscar dar aos alunos do curso de Pedagogia uma formação mais ampla do ponto

de vista social e cultural, que alargue a sua visão de mundo e que lhe permita

trabalhar temas que normalmente não estão contemplados no nosso currículo. E

foi dentro dessa perspectiva que eu criei essa atividade de Meio Ambiente e

Educação e que eu partilho com o AQUARIUS até hoje. Depois que ele fez o

concurso e entrou na nossa faculdade como professor, começamos a trabalhar

juntos. Essa preocupação de novo vem porque eu acho que as universidades são

justamente as mais renitentes, as mais difíceis, as mais impermeáveis a mudanças,

porque são justamente os espaços onde há uma demarcação muito clara dos

espaços próprios de cada área do conhecimento e então há uma luta política até

pela importância de cada área, pelo destaque de cada área, e isso se reverte depois

na disputa também pelos recursos pra pesquisa. Então, acho que a universidade é

mais engessada, ela tem mais dificuldade de aceitar temas novos, de trabalhar de

forma interdisciplinar, de compreender a complexidade da realidade, de

compreender que essas múltiplas determinações do real precisam de sínteses mais

amplas. Parece contraditório síntese e amplidão, mas acho que a complexidade da

realidade exige essas mudanças. Isso pra mim foi ficando muito evidente na

minha participação, por exemplo, das reuniões anuais da SBPC. Onde

apresentação de trabalhos sobre EA vinham fundamentalmente dos professores do

ensino fundamental e médio. Não vinham das universidades. Durante muitos

anos, os trabalhos apresentados na SBPC que diziam respeito ao meio ambiente e

especificamente EA vinham dos professores do ensino fundamental, Porque eles

já têm uma perspectiva de trabalho mais integrado. Pra eles era mais fácil

compreender essa integração e trabalhar com ela do que aos professores

universitários. E acho que embora todos, se você fizer uma pesquisa eles dirão: “a

EA é fundamental, a questão ambiental é importantíssima”, no entanto, se você

olhar os currículos dos cursos de pedagogia no Brasil você não vai encontrar essa

temática organizada curricularmente. Nem ela é uma disciplina, porque já é uma

proposta consolidada no Brasil de que a EA não seja uma disciplina, mas ela

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

244

poderia na universidade até ter se transformado numa disciplina e se nós

pensarmos num tema transversal também nós não vamos encontrar, a não ser da

mesma forma que encontramos no segundo grau, é uma atribuição do professor de

Biologia, a prática de ensino de ciências ou didática de biologia. Então, as pessoas

atribuem a este professor, e a este campo do conhecimento tratar das questões

ambientais.

E como você imagina que seja uma universidade preocupada

ambientalmente? Que saísse dessa perspectiva...

Bem, eu só vejo essa possibilidade no momento em que nós

compreendermos que o nosso modelo de desenvolvimento, a nossa compreensão

do que seja o desenvolvimento das forças produtivas, do que sejam as relações de

produção e no momento em que nós tivermos uma mudança da organização da

sociedade é que nós vamos efetivamente ter uma universidade preocupada com as

questões ambientais. Porque enquanto nós pautarmos toda atividade humana pela

perspectiva do capital e, portanto, pela mercantilização de todos os espaços da

vida, a natureza sempre será um objeto comercializável e explorável nessa

perspectiva. Então eu não vejo que a universidade vá se tornar ambientalmente

correta porque as ciências não trabalham ainda nessa perspectiva e não trabalham

porque a realidade do mundo produtivo não espelha essa preocupação. Mesmo

hoje quanto o tema do Aquecimento Global e outros temas referentes, preservação

das florestas etc se tornam um tema possível e, portanto um tema amplamente

explorado na mídia, ele só se tornou possível e amplamente explorado no

momento em que o capital conseguiu mercantilizar essa temática. Através das

ISOs, através dos selos verdes, através do valor agregado aos produtos, dizendo

“este é um produto ambientalmente correto”, “esta é um produto que se preocupa,

esta é uma empresa que se preocupa com meio ambiente” e isso agregou valor aos

produtos, tornou no mercado esses produtos mais competitivos, com diferencial

para o consumo de uma classe social mais alta, mais escolarizada, mais

intelectualizada. Enfim, só neste momento é que estes temas se tornaram temas

pra todo mundo. Todos abraçam a questão ambiental, mas principalmente porque

conseguem tirar algum proveito disso. Então, acho que é muito difícil que a

universidade venha a se tornar... a utopia dos educadores ambientais é que

desapareça a EA, que a educação ela seja toda ela ambiental, que toda educação se

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

245

compreenda como responsável pelas questões ambientais. Mas acho que isso

implica numa mudança de um paradigma societal no qual nós vivemos. Que é o

paradigma da mercantilização de todos os espaços da vida. Só no momento em

que nós mudarmos essa perspectiva, que de alguma forma retomemos uma

perspectiva de que a natureza é o espaço no qual nos movemos e que nós próprios

somos natureza e que nesse intercâmbio com a natureza nós produzimos bens de

uso pra nossa sobrevivência, pra nosso processo de humanização, que ela se torna

um valor nesse sentido, diferente do valor mercadoria, é que nós vamos trabalhar

seriamente, responsavelmente e também de uma forma congruente, porque nós

dizemos uma coisa e fazemos outra, nós defendemos certos princípios em relação

ao meio ambiente enquanto sociedade humana, mas nós na verdade nos

comportamos de uma maneira totalmente conflitiva com essa perspectiva. Então,

são discursos propalados, mas não objetivados, não concretizados. E eu sou muito

cética em relação a isso. Agora acho que a universidade tem um papel importante,

acho que é estratégico que exista no Brasil um grupo de professores universitários,

pesquisadores que a despeito de saberem que eles se constituem numa minoria e

durante muito tempo foi olhada até como uma minoria às vezes exótica, às vezes

ecochata e às vezes romântica, mas acho que hoje já há uma compreensão maior

de que essa é uma temática importante e, portanto acho que é estratégico esse

trabalho que nós fazemos. Embora ainda seja um trabalho muito pontual, muito

isolado, mas se eu penso assim, se eu faço um cálculo numérico, assim: sendo

professora da universidade há 15 anos, já passaram pela minha sala de aula em

torno de 3500 professores, futuros professores, acho que isso tem de alguma

forma alguma repercussão. E se nós nos multiplicamos no Brasil a gente abrange

um número bastante significativo de futuros formadores. Estamos formando

futuros formadores de pessoas, de jovens, de crianças, então acho que isto também

tem alguma influência. Agora com certeza a educação nem resolve as coisas

sozinha, e acho que nesse momento nem ela é a mais importante se ela se isolar

apenas como um espaço de produção do conhecimento, que não tem associado à

produção do conhecimento a ação prática e política.

O que significa pra você essa questão de formar pessoas?

Acho que formar pessoas é um compromisso social, ético e político de

disponibilizar pra um número maior de pessoas aquele conhecimento ao qual você

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

246

teve acesso. E possibilitar, dar instrumentos de análise da realidade, contribuir pra

que essas pessoas construam seu próprio conhecimento. Porque na verdade, nós

não formamos as pessoas no sentido de que nós produzimos um conhecimento

que nós repassamos pra essas pessoas. Nós disponibilizamos um conhecimento e

acho que esse é o compromisso e acho que um servidor público tem esse

compromisso de uma maneira mais ampla pelo fato de ser um servidor público em

primeiro lugar e depois pelo fato de ser um professor, de disponibilizar com o

máximo de competência e de compromisso possível esse conhecimento. E

viabilizar que num trabalho coletivo as pessoas construam seus próprios

conhecimentos, seus próprios referenciais, enfim, e façam leituras do mundo cada

vez mais agudas; mais pertinentes, mais profundas, mais complexas, de forma que

elas possam se situar no mundo também como produtoras de conhecimento e

como pessoas engajadas nas transformações sociais. Acho que esta é que é a

responsabilidade de quem está nos espaços formativos, sejam eles espaços

formais, sejam espaços não-formais.

E quais seriam as exigências e as características de um trabalho desse

tipo?

Acho que a primeira exigência eu vejo que é nós fazermos o máximo de

empenho possível pra nos capacitarmos, ou seja, estarmos abertos aos

conhecimentos que a humanidade produz, dialogarmos com estes conhecimentos,

dialogarmos de uma forma, digamos orientada por uma perspectiva ético-política,

que eu acho que o conhecimento não pode ser diletante, acho que nenhum

conhecimento na verdade é diletante, aqueles que acham que o conhecimento é

neutro, é diletante, ele não deve ter uma função imediata, na verdade essa é uma

perspectiva de produção do conhecimento, então ela em si já não é neutra.

Expressa uma concepção de mundo. Como eu acho que o conhecimento tem que

estar a serviço de uma transformação da realidade, naqueles aspectos da realidade

com os quais eu não concordo então acho que ele tem que viabilizar essa minha

inserção na realidade de uma forma não-neutra, de uma forma onde sempre tomo

partido, onde sempre me posiciono, onde sempre expresso uma postura diante da

realidade. Por isso acho que a produção do conhecimento implica primeiro nesse

empenho pessoal de sempre buscar uma participação maior, depois acho que a

compreensão de que nós fazemos parte de uma sociedade que não é uma

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

247

sociedade homogênea, que é uma sociedade dividida em classes, que é uma

sociedade onde as pessoas têm acesso diferenciado aos bens sociais, culturais,

econômicos... e que portanto, nós também temos que nos posicionar em relação a

esses interesses da sociedade a aí acho que só um trabalho coletivo é que

potencializa esse nosso conhecimento pessoal. O trabalho isolado tem seus

méritos, mas acho que ele muitas vezes é inócuo. Acho que só o trabalho coletivo

é que realmente faz avançar o conhecimento. Até porque hoje nós vivemos num

mundo que produz e que amplia os conhecimentos exponencialmente. Nenhum de

nós nunca vai, quer dizer, os sonhos dos enciclopedistas e do Iluminismo ficaram

pra trás. Nós só podemos pensar nas idéias da Modernidade, como o

conhecimento sendo um elemento libertador do ser humano, que vai nos propiciar

uma vida melhor, um avanço de nossa capacidade de nos humanizarmos se nós

compreendermos que esse avanço é um avanço de um sujeito que é coletivo. Só

esse avanço desse sujeito coletivo é que vai permitir que os sujeitos individuais

também avancem. Porque as lutas individualizadas, acho que elas não levam

muito longe.

E foi por isso que você escolheu o espaço universitário como o espaço de

trabalho dessa questão?

Acho que o espaço universitário é um espaço, mas eu não descuidei de

outros espaços. Eu estou inserida no espaço universitário, mas eu, na medida do

possível (eu digo na medida do possível porque a universidade como espaço de

trabalho, como parte do mundo do trabalho é prisioneira de todas as outras

características que afetam o mundo do trabalho hoje em geral, que é a exigência

da produtividade, a ampliação da exploração dos tempos de trabalho que faz com

que nós estejamos cada vez mais absorvidos dentro da universidade), mas eu faço

o possível pra me integrar também em outros espaços de participação política

onde o conhecimento que eu trago da universidade se potencialize em outros

espaços. Então, movimentos sociais, no próprio movimento político-acadêmico

nas associações de pesquisa, junto com a Hedy, com o Marcos Reigota, lutamos

pra que os próprios educadores ambientais acreditassem que era importante

disputar o espaço da academia e se dispusessem a criar o GT de EA. Existia muita

resistência das pessoas, “a universidade não é um locus importante, porque lá há

um elitismo, porque lá o trabalho militante do educador ambiental não tem

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

248

espaço”, então foi uma época assim, de convencimento. Foi uma discussão muito

grande no IV Fórum, lá me Guarapari, pra que isso se materializasse. Até o

Marcos Reigota dá um depoimento sobre isso num relatório que ele faz a

existência do GT. Então acho que essa é uma dimensão política. Vem da

universidade, mas não se restringe à universidade. É uma disputa política

ideológica na sociedade brasileira. A participação nos fóruns, a participação no

MST, a participação nos espaços não-formais. Nós fizemos há duas semanas um

encontro no jardim Botânico, um encontro de espaços não-formais de educação

que se prestam a trabalhos de EA, como o núcleo de EA do Jardim Botânico, o

Museu de Astronomia, o Museu da Vida da FIOCRUZ... são espaços onde

também nós disputamos uma determinada concepção de EA. E são espaços que

também divulgam, difundem essa questão. Enfim, acho que tem muitos lugares.

Eu própria sou fundadora da associação de moradores do bairro do Jardim

Botânico, onde a questão ambiental é sempre presente. Em todas as disputas que

nós tivemos e foram disputas muito acirradas, porque essa é uma região onde

pessoas muito poderosas vivem, com grande poder de difusão de suas idéias e

também com grande poder econômico, como por exemplo, a rede Globo. Os

grandes supermercados, o Jockey Clube, o Clube dos Militares... então, nós

tivemos vários embates sobre a poluição, sobre o problema do transporte, a

criação que foi prevista de uma via expressa na rua Jardim Botânico, da

construção de muitos prédios na encosta da rua Benjamin Batista, da criação de

um hipermercado na Jardim Botânico onde hoje é o lar Monjope, a criação de um

shopping center embaixo do hipódromo... foram lutas gigantescas, em que nós

tivemos que contratar advogados, contratar laudos técnicos de universidades, que

tivemos de solicitar na Assembléia Legislativa audiências públicas... justamente

pra brecar que por motivos econômicos não só se descaracterizasse o bairro mas

alterasse o regime de águas dentro do Jardim Botânico ou da Lagoa Rodrigo de

Freitas, quer dizer o controle sempre da poluição, dos esgotos clandestinos, da

água com sabão do Toalheiro Brasil. Acho que são outros espaços onde tenho

historicamente me inserido sempre dentro dessa perspectiva de disputa. Acho que

faltou falar de uma coisa que nós criamos em noventa e dois, noventa e três, na

universidade, que foi uma pós-graduação lato sensu em EA. Foi uma parceria de

duas universidades, infelizmente só houve uma turma. Havia uma demanda

gigantesca, muita gente nos procurou ainda por muitos anos para que nós

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

249

fizéssemos uma outra turma. Agora estamos repensando. Naquele tempo quem

coordenava o curso éramos eu e Roberto Leher (pela universidade B), também

Ronaldo lá da B e depois o PERSEU que passou a integrar esse grupo no sentido

de que... a idéia era que nós fizéssemos uma turma na universidade A e a turma

seguinte na B, e depois fôssemos alternando. Só que esbarramos na universidade

B, naquele momento, com uma certa má vontade do nível central, com as pós-

graduações lato sensu. Já existia essa idéia de que a lato sensu não é tão

importante, de que ela deveria ser autofinanciada. Aí não abrimos mais nenhuma

turma, depois disso também cada um de nós esteve ocupado com outras coisas, o

Carlos Frederico foi fazer o doutorado. O Roberto Leher foi pouco a pouco

assumindo a liderança sindical da universidade, terminou sendo presidente do

ANDES, enfim, nós, fomos também em certa medida nos assoberbando com

outras atividades lá na universidade e acabamos não restaurando o curso. Mas é

nossa idéia agora, a partir até dessa nossa rearticulação em torno do LIEAS,

retomarmos a preparação de uma pós-graduação lato sensu, que esteja aberta aos

professores em geral e a outras pessoas que trabalham com a questão ambiental e

que tenham interesse em aprofundar suas discussões. Nós estamos lá pelo LIEAS

agora, por conta de um curso com o CEP. Enfim, estamos com algumas iniciativas

que a gente pensa que possam consolidar o grupo e disponibilizar de forma mais

ampla, as pesquisas e os trabalhos que cada um de nós faz na sua instituição de

origem. Nós somos seis instituições federais públicas representadas messe grupo.

O que você imagina ou gostaria de ver como efeito do seu trabalho com

os alunos, enfim, com qualquer tipo de público com o qual você trabalhe?

Eu acho que quem tem uma perspectiva de que a sociedade na qual nós

vivemos não é uma boa sociedade, tem a perspectiva de que essa sociedade se

transforme numa outra, eu acho que o sonho de todo professor é que seus alunos

sejam mais competentes, tenham mais clareza da realidade e nessa medida se

movam em direção à transformação social. Então, todo meu empenho seja na área

social, seja na área ambiental, seja nas outras áreas nas quais eu atuo em

educação, tenho essa perspectiva, de que o discípulo supere o mestre. De que eles

venham a fazer muito mais, trabalhos mais consistentes, competentes, coerentes

do que eu própria consegui fazer. E que esse movimento nessa medida se amplie e

possa disputar politicamente, ideologicamente e também no campo da ética um

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

250

outro projeto societário. Que mude esse paradigma da corrupção humana, que não

seja mais uma produção voltada para o lucro, para a mercantilização da natureza e

dos próprios seres humanos, mas que a gente conviva dentro de uma outra

perspectiva de sociedade.

Nesse tipo de sociedade que a gente vive, que valores você acha que

predominam?

Primeiro, são valores absolutamente individualistas e egoístas, depois os

valores amparados nos princípios da propriedade privada de todos os bens, não só

dos bens materiais, como também dos bens imateriais. Quer dizer, a disputa pelos

espaços de educação, pelos espaços de cultura... se nós formos ver desde o mapa

da cidade até qualquer outros parâmetro, nós vamos ver que para determinadas

categorias da sociedade, pra uma classe social, certas coisas estão próximas das

suas residências, estão disponíveis e outras regiões da cidade não dispõe de

absolutamente nada. O próprio entorno das moradias, a urbanização, enfim, a

gente tem vários indicadores de como essa sociedade se organiza e o que é que ela

valoriza.

E por outro lado, que tipo de valores seriam necessários ou

desenvolvidos ou adequados a uma sociedade que fosse mais saudável?

Acho que um primeiro valor são os valores igualitários, acho que o direito

de todos ao acesso aos bens naturais, aos bens sociais, aos bens culturais deveria

ser um valor. E, portanto, isso implica nos valores da solidariedade, de uma

participação coletiva nas decisões dos rumos que a sociedade tem que tomar.

Então, não tem valores que se estabelecem, digamos assim, abstratamente. Acho

que a sociedade tem que ter clareza de como ela se estrutura e propor seus

próprios valores. E nessa medida lutar por eles. Então eu não sei que sociedade...

o que no futuro será considerado uma boa sociedade. Mas eu tenho clareza que a

sociedade na qual nós vivemos é uma sociedade extremamente perversa, na

medida em que ela... mesmo pra aqueles poucos que supõem que têm uma boa

vida porque são proprietários de muitos bens, porque têm acesso a uma boa

escola, uma escola que lhes permite muito êxito social, muito êxito no mercado de

trabalho, há aí também uma ilusão, porque é uma sociedade que vive atormentada

pelo medo das suas propriedades e até, hoje, da sua vida. Portanto, essa suposta

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

251

qualidade de vida é muito questionável, mesmo pra aqueles que a gente aponta

como sendo os poucos que têm acesso a uma boa qualidade de vida. Acho que

mesmo esses não têm uma boa qualidade de vida. E também estão subsumidos a

esta mesma lógica produtivista, a essa mesma aceleração dos tempos, a esse

mesmo grau de competição. Então isso, embora para alguns se reverta em ganhos

salariais e em maior acúmulo de bens, não dá a eles o que eu penso que as pessoas

julgariam que é uma boa vida.

Nessa sua trajetória profissional, você consegue identificar momentos

de mudança, coisas que afetaram a sua forma de trabalhar e se relacionar

com o mundo?

Bem, eu acho que o fato de eu ter feito um curso de filosofia, e você até

como bióloga vai achar isso engraçado, porque quando eu fui fazer vestibular eu

tinha muita dúvida se eu faria um vestibular para Filosofia, que era uma coisa que

me chamava muita atenção a partir da escola Normal onde estudei Filosofia da

Educação, que era a idéia de nós podermos refletir sobre a realidade com vistas a

uma mudança dessa realidade e por outro lado, eu tinha uma imensa curiosidade

de estudar Botânica. Então eu cheguei a pensar em estudar Biologia, mas confesso

que a Zoologia me desanimou. Como eu sou do tempo em que o vestibular

implicava em provas específicas já das áreas e só das áreas eu fiquei desanimada.

E acho que acabei fazendo uma escolha que pra mim acabou sendo extremamente

positiva, porque diferentemente das ciências que buscam sempre avançar no

conhecimento a filosofia sempre repõe as mesmas perguntas: quem eu sou, de

onde eu venho, pra onde eu vou. Cada época histórica teve as suas respostas, elas

não são melhores nem piores umas do que as outras. Elas só são mais adequadas a

me permitir compreender a realidade. Umas são mais adequadas, são mais

potentes pra responder a realidade do que outras. Mas as teorias no campo da

Filosofia não é propriamente que elas evoluam. Elas se transformam

historicamente e nessa medida elas respondem de uma maneira mais satisfatória

ou menos satisfatória a essas perguntas. Então acho que o curso de Filosofia pra

mim foi muito importante. Principalmente marcado pela figura do professor Gerd

Borheim, que já mais para o final da sua vida foi uma pessoa que também teve

uma influência na área ambiental, porque ele tinha uma reflexão muito

interessante sobre os compromissos ético-políticos que as pessoas tinham ao

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

252

longo das suas trajetórias com as mudanças da realidade. E que nós não podemos

transferir para os outros as responsabilidades que temos historicamente. Então, ele

vai na contramão daquela famosa frase de: “vamos formar as gerações futuras”, o

compromisso com as gerações futuras, vamos promover uma EA que leve as

gerações futuras a ter um outro comportamento “... Acho que o Gerd sempre se

contrapôs a essa perspectiva, porque ele sempre defendeu na sua postura filosófica

que nós não podemos abrir mão, não podemos nos livrar, não temos o direito de

nos livrar de nossas responsabilidades históricas! Cada um é responsável pelo

momento em que vive e pelo que faz de sua vida. Acho que essa foi uma coisa

muito importante na minha vida. Perder o Gerd foi uma perda irreparável

(chorando...), mas ele formou muita gente no Brasil todo. Por outro lado, eu fui

uma pessoa que tive o privilégio de trabalhar em alguns projetos que foram

pioneiros, que mesmo não tendo durado muito tempo eles significaram desafios à

realidade instituída. Por exemplo, o projeto dos CIEPs foi um projeto

completamente diferente, um projeto polêmico, mas eu acho que ninguém que

trabalhou no projeto dos CIEPs aqui no Rio de Janeiro, entrou e saiu do mesmo

jeito. Porque foi um projeto que disse “a escola pode ser diferente, os filhos da

classe trabalhadora têm direito a uma escola de horário integra, tem direito a ter

uma biblioteca que não tenha apenas livro didático, mas que tenha livros da

procura geral, que as crianças cujas famílias não tem condições de que as crianças

possam ir pra escola e ficar na escola, e que estão em situações de emergência,

pudessem, por exemplo, morar na escola sob a orientação de um pai social”. Acho

que foram desafios, propostas que criaram grandes celeumas, criaram grandes

atritos, muitas discussões, geraram muitas teses de doutorado, porque também a

ciência da educação teve que se ocupar dessa proposta, acompanhar essa proposta,

verificar em que medida ela deu certo, em que medida ela deu errado, que vai

desde a arquitetura do prédio até a proposta pedagógica... então, acho que tive

muito privilégio de poder ter participado desse programa. Um outro programa que

foi muito importante foi o do Centro de Ciências. Formação continuada de

professores da rede. Chegamos a atender 35 municípios do interior do Rio de

Janeiro e aprendemos muito com os professores que freqüentavam o curso!

Porque aprendemos de realidades que a gente não imagina. Nós vivemos na

capital e não temos noção do que é o interior do Rio de Janeiro! De professores

que vinham e aproveitavam que estavam em Nova Friburgo pra comprar um

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

253

jornal de domingo porque na sua cidade não tinha nenhum jornal! Tinha uma

professora que quando perguntamos se ela queria um kit de ciências pra escola ela

disse “não, eu quero livros de história, porque eu copio os livros de história pras

crianças, copio à mão, porque na minha escola não tem livros de história.” Das

professoras que viam naquele curso oportunidade não só de aprender coisas

novas, mas de serem respeitadas como profissionais. Elas diziam assim: “ai, aqui

é tão bom”,elas ficavam sexta, sábado e domingo na escola, “que eu posso me

sentar pra almoçar e pra jantar e sou servida. Na minha casa eu como de pé,

porque eu como no intervalo das aulas da manhã e da tarde, servindo meu marido

e meus filhos, então eu não posso sequer me sentar.” Então acho que foi uma

experiência, muito importante porque o professor não é só o que ensina, é o que

aprende também, né? Se ele não aprender ele não ensina nada. Foi uma

experiência muito interessante. Acho que uma terceira experiência que pra mim

foi fundamental também foi logo que eu ingressei na universidade. A universidade

estava fazendo sua reforma curricular do curso de Pedagogia. E estava fazendo

sua reforma curricular em Niterói a partir de uma proposta inovadora, pioneira, de

formação de professores em Angra dos Reis. Um convênio com a prefeitura de

Angra dos Reis. E que foi um curso que está agora infelizmente se extinguindo

por embates com a prefeitura que não quer mais, porque acho que até a nossa

capacidade de resistência dentro da universidade meio que se esgotou, mas que foi

um curso emblemático, mostrando também que era possível organizar

curricularmente um curso de Pedagogia de outra forma, articulado a uma

problemática local, comprometendo o poder político local com os direitos dos

trabalhadores da educação. Porque para que nós fizéssemos o curso lá em Angra a

prefeitura se comprometeu com plano de carreira, com salário adequado, com

liberação de professores, com uma série de quesitos que acho que deram aos

professores um respeito social diferenciado. E oportunizaram pra esses

professores uma formação de nível superior numa universidade pública, coisa que

o município não dispunha. De nenhuma universidade! Então, a nossa inserção em

Angra dos reis, que já dura 15 anos praticamente foi também um trabalho muito

interessante, porque foi um trabalho muito articulado. Os professores tinham e

tem a prática de uma reunião semanal de planejamento, uma reunião semestral

com a totalidade dos alunos e dos professores, a avaliação do que ocorreu naquele

período e de proposição do período subseqüente. Então de avaliação e

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

254

planejamento coletivo. Acho que essas questões todas, pra mim, foram muito

importantes. Foram três experiências que eu vivi aqui no Rio de Janeiro muito

interessantes.

Mas que mudaram o que em você?

Acho que elas foram me dando uma compreensão mais madura dos

diferentes aspectos do processo educativo, das várias faces que o processo

educativo tem. Acho que essa é uma questão. E por outro, acho que nessas

experiências eu pude conviver com profissionais formados em diversas áreas do

conhecimento. Então isso pra mim também foi enriquecedor. Porque pude

trabalhar com profissionais dos diferentes níveis de ensino, do fundamental até a

pós-graduação, mas também com diferentes áreas do conhecimento. Eu também

trabalhei como professora no mestrado em Ciências Ambientais, da universidade.

Ajudei a construir aquele mestrado. Também foi uma experiência importante, a

lato sensu em EA também foi importante. Mas acho que esses três grandes

programas, justamente porque eles eram programas coletivos, que tinham um

impacto diferenciado numa realidade, eles nos permitiram compreender a

realidade educacional de uma forma diferenciada. Fora momentos muito

significativos. E depois eu acho que uma coisa que atravessa minha vida, desde o

tempo em que eu estava no segundo grau, que é uma militância política. Eu hoje

faço parte da diretoria de nosso sindicato. Então sou uma pessoa que tem um

inserção dentro da universidade, não apenas do ponto de vista acadêmico, como

professora, mas me compreendo, fiz uma opção, eu acho, de vida, não

propriamente por ser uma professora, mas por ser uma servidora pública. Então,

eu já trabalhei em vários espaços públicos com essa perspectiva de me constituir

como uma servidora pública. E nessa medida tenho um compromisso ético-

político com o serviço público. Então, desde que ingressei na universidade sempre

tenho militado no nosso sindicato dentro dessa perspectiva mais ampla, de que

não represento os interesses, de que não me agrego aos interesses específicos dos

docentes, mas dos servidores públicos em geral. E nessa medida, trabalho

juntamente com os servidores administrativos e com os estudantes. Porque o

serviço público se consolida não só pelo trabalho daqueles que ficam lá sempre,

professores e funcionários, mas também pela presença dos alunos. A forma como

os alunos se inserem no espaço público modifica o espaço público. Garante o

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

255

espaço público, não garante o espaço público. Ajuda a privatizar o espaço

público. Porque os estudantes estão lá e eles têm uma vida efêmera como

estudantes, mas eles são representantes da sociedade brasileira. Então expressam

também uma perspectiva do papel que a universidade tem que desempenhar na

sociedade.

Você estava falando da sua opção pelo serviço público, antes da

universidade com que você trabalhava?

Bom, eu fui professora concursada do estado, da área de Filosofia e

trabalhei então na Secretaria de Educação do Município, na Secretaria de

Educação do estado, na Secretaria de Ciência e Tecnologia, através do ensino de

ciências. Então pude também participar dos níveis decisórios. Trabalhei na

FAPERJ, assessorando a presidência da FAPERJ. E antes ainda de fazer concurso

pro estado como professora, eu trabalhei durante um tempo na EMBRATEL. No

tempo em que a EMBRATEL não havia sido privatizada, junto à vice-presidência

da EMBRATEL, num lugar que tinha sob a orientação dessa vice-presidência a

área de recursos humanos. Então trabalhei nos cursos que buscavam dar aos

profissionais da EMBRATEL uma visão mais ampliada da responsabilidade do

setor das Telecomunicações para o desenvolvimento do país. Então, era um setor

que buscava trabalhar conhecimento sobre a história do Brasil, sobre a história da

industrialização brasileira, sobre a história da cultura brasileira. Foi um período

muito interessante também, e naquele período, isso foi nos anos 80, nós chegamos

a realizar alguns trabalhos do uso da informática na educação, com a rede pública

do Distrito Federal, e também com algumas experiências em regiões faveladas do

Rio de Janeiro. Como as crianças se apropriavam do uso do computador e em que

medida isso poderia ser uma estratégia interessante dentro da escola e era uma

necessidade se nós quiséssemos ampliar as possibilidades sociais do povo

brasileiro de partilhar de uma sociedade mundial altamente tecnologizada. Então

também foi um período muito interessante este de vivenciar a vida de uma

empresa nacional que trabalhava com conhecimento de ponta e altamente

estratégico, que é o das telecomunicações. Transmite, enfim, as comunicações do

país inteiro, responsável por uma forma de integração nacional muito interessante.

Se no tempo do Juscelino as estradas tinham esse papel e era objetivo ao criar a

Belém-Brasília, a Transamazônica no período militar, enfim, se as vias físicas

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

256

eram importantes e eram entendidas como integradoras, as vias da comunicação

são absolutamente estratégicas hoje. Então também foi uma experiência... apesar

de muito curta, dois anos, mas foi muito interessante também. Que vinha de uma

situação de afastamento do Brasil. Porque eu depois que terminei a universidade

fui embora do Brasil, fiquei sete anos na Alemanha.

Por que? Foi estudar...?

Não. Eu e meu marido éramos militantes políticos e aquele momento foi um

momento extremamente complicado pra nós, vários dos nossos professores foram

cassados, inclusive o Gerd e saímos do Brasil numa situação bastante complicada

e ficamos lá sete anos. Então, eu pude também vivenciar uma outra realidade

social, uma outra forma de organização da sociedade, da educação, da produção

material da vida, dos espaços culturais, que aquela sociedade desfrutava, porque

isso foi no período dos anos 70, então foi um momento em que a sociedade

européia desfrutava do chamado welfare state. Então a classe trabalhadora tinha

conseguido obter ganhos de qualidade de vida, acesso a serviços públicos, toda a

educação gratuita, saúde gratuita, postos de saúde, o atendimento das creches,

enfim, uma série de bens que eram bastante coletivos naquele momento na

Alemanha. E também pude, lá, vivenciar o surgimento dos partidos verdes.

Porque o Partido Verde alemão é um partido pioneiro no mundo, que se constituiu

como uma força política muito importante, a partir da conferência de Estocolmo e

da discussão da questão ambiental no sentido mais amplo. Essa também

certamente não é uma questão menor na minha sensibilização pra temática

ambiental. O fato de nos anos 70 eu ter sido alertada já pra estas questões a partir

dessa discussão intensa que houve na Alemanha a respeito, por exemplo, das

fontes de energia, como Angra 1 e Angra 2, e agora Angra 3. Enquanto lá já se

contestava a energia atômica como uma forma de energia, o Brasil estava

comprando da Alemanha essas centrais. Pude viver esse conflito de posições. A

indústria alemã vendendo alguma coisa que a sociedade alemã contestava. Acho

que essas foram vivências que me auxiliaram a ficar alerta pras questões

ambientais.

Sua família é alemã, não?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

257

É... é o sobrenome do meu marido, que é um sobrenome alemão, mas eu, de

origem, sou neta de alemães, italianos e franceses. Por parte de mãe eu sou 100%

italiana. Por parte de pai eu sou 50% alemã e 50% francesa. Então é uma mistura

muito comum no Rio Grande do Sul. Neta de imigrantes que vieram no final do

século XIX para o Brasil.

Falando de família, como é que era sua infância, sua relação com a sua

família, o que que foi importante...?

Acho que falar de família relacionado com as questões educacionais e mais

ao tema que você está abordando acho que poderia dizer o seguinte: o meu pai,

sendo engenheiro, teve uma formação científica e tecnológica que me fez atribuir

à razão e à capacidade crítica, um valor. O fato de meu pai ter essa formação fez

com que ele nos ensinasse que o conhecimento é um elemento emancipador, é um

elemento libertador, porque quanto mais eu conheço, quanto mais eu compreendo

a realidade, mais eu tenho autonomia pra interferir nessa realidade. Então eu diria

que, se eu quisesse sintetizar com uma palavra este tipo de influência, que ele é

um homem que defendeu muito os valores liberais. A idéia de que as pessoas

podem fazer suas trajetórias, de que as pessoas se apropriando do conhecimento e

desenvolvendo um pensamento lógico (esta sempre foi uma marca da forma dele

se comportar diante da realidade) isso seria sempre um elemento que daria ao ser

humano uma autonomia e uma igualdade. Que, portanto, os valores materiais, o

que eu tenho ou não tenho não deveria privilegiar ninguém e ninguém deveria se

sentir inferiorizado por não ter bens materiais. Que a cultura seria um elemento

equalizador na sociedade. Ele sempre valorizou muito a educação e a cultura.

Acho que esta é uma coisa que marca essa minha trajetória e provavelmente tem

alguma influência no fato de eu ter escolhido o campo da educação. Por outro

lado, do lado da minha mãe, que vinha de uma família muito grande, de uma

família camponesa, de uma família que vivia da terra, ela compreendia que a

realidade do campo era uma realidade que se por um lado garantia a sobrevivência

física das pessoas, por outro lado não era um espaço onde as pessoas pudessem

partilhar o conhecimento. E ela embora não tenha tido uma escolaridade regular,

foi uma autodidata e ela ao longo da vida sempre procurou novos conhecimentos.

Então, era uma pessoa que lia muito, que sempre fez muitos cursos, era uma dona

de casa, mas ela não se restringia ao espaço da casa, o que era uma coisa

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

258

surpreendente pra geração dela, pro meio do qual ela vinha. Então era uma pessoa

que não só procurou fazer aqueles cursos típicos da mulher do lar, de culinária,

costura, bordado, ela sabia todas essas coisas, como ela foi aprender encadernação

de livros, outras coisas que se distinguiam das coisas do lar. Como depois foi

fazer curso de francês, de inglês, ela lia um pouco de italiano, era uma pessoa que

tinha uma curiosidade intelectual. Que me mostrou que não necessariamente só a

escolarização regular é que dá às pessoas cultura. Que a cultura vem de muitos

lugares. Então acho que isso me serve na minha prática educativa a ficar atenta ao

conhecimento que os nossos alunos têm, sejam eles de que nível de escolaridade

for, porque todas as pessoas têm conhecimentos. Que, portanto, nós não partimos

da tabula rasa. Pude vivenciar isso em minha casa desde a minha infância e não

aprender isso como teoria educacional aprendida na universidade apenas, mas

vivenciar isso desde a minha infância, de que as pessoas fazem suas trajetórias de

apropriação da realidade e com isso constroem conhecimento e cultura, para além

dos bancos escolares. Acho que esses são dois elementos familiares que me

trouxeram alguns valores em relação ao conhecimento, à cultura, à educação, à

autonomia, que eu acho que isso também foi importante pela minha condição de

mulher. Porque eu também sou de uma geração que nos anos 60 vai lutar pela

emancipação da mulher, pela igualdade de direitos etc, mas que luta com isso até

hoje como uma luta que não pode cessar porque essa igualdade não se estabeleceu

e se ela não existe hoje há quarenta, cinqüenta anos atrás ela existia menos ainda.

Então, acho que eu venho de uma casa e de uma família que incentivavam esses

valores da autonomia da mulher, dos direitos da mulher e da necessidade da

mulher, enfim, ter o seu espaço próprio na sociedade, ser um ser autônomo que se

coloca diante da sociedade, que tem a sua própria forma de pensar, que não se

subordina ao homem e isso eu aprendi tanto do meu pai, quanto da minha mãe.

Então, acho que essas coisas também são valores que estão subjacentes não na

minha trajetória educacional, profissional apenas, mas na minha trajetória de vida.

E em que você estava interessada, preocupada nessa época de criança?

O que chamava sua atenção?

Olha, eu acho que a questão da desigualdade social sempre foi pra mim um

problema. Desde a minha infância. Desde o meu jardim de infância. Então, por

exemplo, o pouquinho tempo em que estive no jardim de infância... porque eu não

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

259

gostava do jardim, achava que lá eu não aprendia nada de novo, eu queria

aprender a ler e a escrever, e no jardim eles não queriam me ensinar isso, então eu

fui rebelde, fiquei pouquinho tempo no jardim, minha mãe teve que me tirar da

escola, porque eu disse: aqui eu não fico porque eu não tenho nada pra aprender

aqui, quero ir pra um lugar em que eu vá aprender a ler! Eu tinha o sonho de

aprender a ler. Mas a minha vivência do jardim que eu me lembro era de crianças

querendo comer a merenda que eu tinha levado de casa. Porque eram coisas que

eles não tinham na casa deles. Então aquilo, desde essa época, a questão da

desigualdade social pra mim é uma questão que me chama a atenção. E como eu

sempre estudei em escola pública, acho que foi... talvez estudar na escola pública

a vida toda tenha me marcado muito. Mais do que qualquer outra coisa. Mais até

do que as coisas que eu aprendia dentro da minha casa. Uma coisa é o discurso do

pai e da mãe. Outra coisa é a realidade do mundo. E eu acho que eu aprendi muito

com a realidade do mundo pelo fato de ter sido aluna da escola pública.

Por que? Como que a escola foi marcante pra você?

Eu acho que a escola pública, mesmo aquelas que são consideradas as boas

escolas públicas, que muitas pessoas dizem que são escolas elitistas, acho que

mesmo essas, expressam muito claramente as diferenças sociais, expressam as

contradições da sociedade e elas têm a liberdade de trabalhar com vários

enfoques, várias visões de mundo. Aquilo que a gente espera que uma boa

universidade pública viabilize, que é um debate de paradigmas, um confronto de

idéias, de referenciais teóricos, acho que a escola pública, toda ela, ela permite

essa pluralidade. E acho que isso me marcou muito, porque oportunizou ver a

realidade sob vários enfoques, sob várias perspectivas. E conviver com as várias

classes e subclasses da sociedade. Porque estudei em escolas públicas. Estudei no

Instituto de Educação. Fiz escola normal, fiz o ginásio no Instituto de Educação.

Em Porto Alegre. Então, estudei com as pessoas pobres e as pessoas ricas da

minha cidade. Convivi com culturas diferentes, com formas diferentes de se

inserir na escola, com as pessoas que precisavam da escola porque lá era o lugar

onde elas iam se alimentar e ganhar os livros, cadernos, uniformes. Mas também

com as pessoas que não precisavam de nada disso, mas que estavam lá porque era

uma boa escola. Acho que a escola pública me marcou sempre por essa

perspectiva, da necessidade de nós termos visões diferenciadas sobre a realidade

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

260

pra com isso oportunizar as pessoas a formulação de um pensamento próprio pelo

confronto das idéias e a oportunidade de vivenciar as diferentes realidades sociais

e econômicas, pra também confrontar as suas idéias com a realidade, pra ver em

que medida elas têm uma articulação, elas dizem da realidade ou são pura

imaginação. Enfim, acho que isso também balizou muito a decisão que eu e meu

marido tomamos de que os nossos filhos só estudariam em escolas públicas. E os

dois só estudaram em escolas públicas! Então, esse foi um elemento importante da

minha trajetória escolar, ter essa compreensão e essa valorização do espaço

público, como um espaço de liberdade, de expressão de idéias, de confronto de

idéias e de confronto de idéias com a realidade concreta. O que na escola

particular nem sempre é possível.

E aí, como foi essa sua opção pelo curso Normal?

Eu hoje não saberia dizer exatamente o que me moveu em direção ao curso

normal. Eu penso que de alguma forma a compreensão de que a educação é um

elemento, tem uma dimensão emancipadora. Acho que pensar que você pode

formar as pessoas pra que elas se emancipem, ganhem mais autonomia, sejam

mais protagonistas das suas vidas. Agora, até que ponto eu naquele momento

podia ter consciência disso é difícil dizer. Essas trajetórias nem sempre são tão

claras pra nós, como elas se organizam... talvez pelo fato de que eu tenha ido pro

Instituto de Educação na quinta série... porque a minha família me apresentou

duas possibilidades quando eu terminei o primário (vou usar agora a terminologia

da minha época). Quando eu terminei o primário eu tinha a possibilidade de ir

para uma escola, que até talvez fosse condizente com a minha posição social, uma

escola particular de freiras, ou ir para uma escola pública, portanto, laica. E eu

disse: pra escola religiosa não vou em hipótese alguma! E até sou formada dentro

de uma família católica. Mas essa separação entre a igreja, que é da esfera privada

e a cultura e a educação que são da esfera pública, isso era demarcado, talvez mais

pela influência do meu pai e então eu disse “pra escola religiosa não vou em

hipótese alguma”. Me habilitei talvez pro vestibular mais difícil que eu fiz na

minha vida, que foi disputar uma vaga no Instituto de Educação. Pra ir pra quinta

série, fazer o famoso “admissão”. Então, acho que o ambiente do Instituto de

Educação, o fato de ser uma escola enorme, de ser uma escola que tinha o ginásio

e a escola normal, me mostrou o mundo da educação assim muito interessante, ele

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

261

era muito imponente, o próprio prédio era muito imponente, a forma como as

pessoas se moviam dentro da escola, os professores eram pessoas muito

respeitadas, eles tinham um status social. Não do ponto de vista econômico, mas

do ponto de vista social, porque a educação era respeitada, as pessoas que estavam

ali significavam, elas não eram o que elas eram como pessoas, mas o que elas

significavam na sociedade e a educação era uma coisa que parecia pela forma

como a escola se organizava, aquilo parecia ser uma coisa importante pra

sociedade brasileira. Então, talvez isso tenha me movido a permanecer dentro

daquela escola e enfim, ingressar na escola normal.

Teve algum momento que você sentiu que se dedicou mais a construir

ou modificar deliberadamente sua trajetória profissional?

Na medida em que eu tive uma trajetória de vida um tanto atípica eu acho

que quando eu voltei pro Brasil eu fui fazer minha trajetória pós-graduação e aí

acho que eu também já estava numa fase em que meus filhos estavam numa idade

que já não precisavam tanto de mim. O fato de eu ter ficado fora do Brasil muito

tempo, isso afasta muito as relações sociais, o fato de eu estar fora do lugar onde

vivia minha família fez com que eu também como unidade familiar fosse uma

unidade muito restrita. Não contava com os apoios tradicionais no Brasil, da

sogra, da mãe, da tia, da vizinha, disso, daquilo. Achei que era também meu

compromisso, atender, cuidar dos meus filhos na sua fase inicial de vida.

Quando vocês viajaram eles eram pequenos...

Não, quando nós viajamos eles não existiam. Voltei da Alemanha com um

filho de três anos. Aí quando nós chegamos meu marido fez concurso pra uma

universidade em Belo Horizonte e nós moramos um ano em BH. Nosso segundo

filho nasceu em Belo Horizonte. Então de novo foi uma mudança. Depois em

seguida nós viemos pro Rio. Então, nós fomos sempre nos desenraizando. Isso

exigia um mínimo de estabilidade, eu achava, pras crianças. E acho que fiz certo.

Então, só depois que eles realmente entraram no primeiro ano da escola regular é

que eu achei que poderia daí investir realmente na minha carreira profissional. Aí

fui fazer concurso. Pro estado, depois pra universidade e consolidar a minha

carreira. Por isso a minha carreira é uma carreira tardia. Estou chegando num

ponto que os meus colegas de turma da faculdade já estão todos aposentados.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

262

Porque aqueles sete anos que eu fiquei fora do Brasil são anos que não contam pra

minha trajetória profissional. Contam em termos qualitativos, mas não contam na

trajetória profissional para aposentadoria, direitos sociais, essas coisas, né. Então,

nesse sentido acho que foi a partir daquele momento que eu pude efetivamente

consolidar uma direção.

E teve algum momento em que você se sentiu desanimada ou isso não

fez parte?

Olha, acho que faz parte da trajetória humana momentos de muitas dúvidas

sobre os caminhos a seguir e depois na medida em que eu sempre fui uma pessoa

engajada politicamente claro que todo o período da ditadura foi um período muito

desanimador numa série de momentos, uns maiores outros menores, mas enfim, a

idéia de que o país se mantinha sob uma ditadura há tanto tempo e que nós lá na

nossa ingenuidade de militante logo depois do golpe achávamos que aquilo não se

sustentaria por mais do que alguns meses, quando aquilo não só se estendeu por

meses como por vários anos isso foi bastante desalentador. Todos nós vivemos

momentos de desânimo. Mas por outro lado, a própria militância, dialeticamente

pensando, por outro lado também diz o seguinte: as nossas trajetórias individuais

são importantes, mas elas só se realizam plenamente no sentido da transformação

no campo do coletivo e o coletivo é histórico. Então, não podemos pensar em

tempos muito curtos. A gente sempre tem que pensar numa perspectiva histórica

de prazos mais longos. Então nessa medida a gente sempre é impulsionado a viver

e a buscar concretizar a esperança de um outro mundo. Possível, necessário,

realizável, embora talvez não se realize durante o tempo de vida histórico de um

sujeito, mas se realize no tempo de vida histórico de várias gerações. Então, claro

que eu vivi vários momentos de desânimo e de descrença... “será que vai ser

possível, quando que vai ser possível? Será que nós vamos voltar a fazer alguma

coisa que faça sentido? Será que nós vamos encontrar outras pessoas que pensem

da mesma maneira?” Porque você tem momentos em que parece que uma

sociedade toda pensa por um determinado lado, né? Isso nunca é verdade, mas

tem momentos em que se obscurecem as outras alternativas. Então, acho que

vivemos no mundo vários momentos. Quando houve o que a gente chama

emblematicamente de a época da queda do muro de Berlim, quer dizer, o fim da

perspectiva socialista, então será que isso é um fim definitivo? Será que esta

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

263

perspectiva utópica nunca mais vai se colocar pra humanidade? E a gente vê que

são visões de mundo que continuam em disputa, que continuam presentes, que

continuam postas para a humanidade, como perspectiva histórica, mas são

momentos em que as forças sociais sofrem revezes. A minha geração viveu

muitos revezes, porque nós fomos assim... claro, todas as gerações, as gerações

que viveram a primeira guerra mundial, a segunda guerra mundial, também devem

ter tido uma sensação de fim de mundo, a minha geração viveu a guerra do

Vietnã, viveu o fim do muro, viveu as ditaduras todas da América Latina.

Vivemos vários momentos muito aflitivos. Hoje vivemos um período das guerras

declaradas, como a do Iraque, mas também vivemos a guerra do desemprego em

massa, da violência, continuamos vivendo a guerra da exploração do trabalho

infantil, dos maus tratos às mulheres, enfim, todas as gerações têm lutas que são

muito maiores do que o indivíduo consegue pensar e se posicionar diante delas.

Cada geração tem seus desafios e em certos momentos parecem avassaladores,

que você nunca vai dar conta daquilo, que nunca vai chegar o dia seguinte, mas

acho que são momentos que passam, felizmente. Não sou uma pessoa desanimada

da vida, pelo contrário. (risos)

E os seus dilemas e as suas dúvidas, quais são?

Eu tenho me perguntado muito em função das reformas educacionais que

estão em curso no país onde nós deveríamos investir melhor as nossas energias.

Tem momentos que parece que é nos dedicando integralmente à educação, por

exemplo, no âmbito da graduação, formar os professores. Outros momentos

parece que no âmbito da pesquisa e da política científica e tecnológica do país.

Em outros momentos parece que deveríamos investir o melhor das nossas energias

nos movimentos sociais. Nas lutas políticas mais explícitas e mais específicas.

Então, acho que esses são dilemas que eu vivo pessoalmente, mas que expressam

também dilemas de uma certa geração e de certos grupos políticos. Acho que

dentro da universidade a gente vivencia um pouco desse dilema hoje, quer dizer,

essas reformas todas que estão vindo e que vão afetar profundamente a escola e

agora mais especificamente a universidade, acho que isso traz a perspectiva de

que talvez a gente vá viver ainda um tempo grande sendo pautados pelos

paradigmas produtivistas, de que não importa o que você faz, mas quanto você

faz. Como você quantifica o que você faz. Quantas horas, quantos trabalhos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

264

escritos, quantos livros publicados, quantos, quantos, quantos... sem a gente

refletir sobre o impacto dessa nossa produção, sua relevância social, em que

medida o que nós fazemos pela sociedade se reverte numa melhoria da educação,

ou numa melhoria da vida das pessoas ou seja lá o que for. Então acho que esse,

por exemplo, é um dilema grande. Ao que devemos dedicar as nossas melhores

energias nesse momento? Onde? Qual o lugar mais estratégico, mais importante?

Não acho que tem uma resposta só. Cada pessoa, no lugar aonde estiver, tem que

fazer o melhor que puder.

Você acha que você é exemplo do que na sua vida?

Essa é uma pergunta muito complicada. Acho que não somos nós que temos

de responder do que nós somos exemplo. (Risos...) Acho que são os outros, se é

que somos exemplo de alguma coisa, é que vão dizer do que somos exemplo. Eu

não sei, realmente não saberia dizer.

Não, não é que seja um exemplo intencional, mas querendo ou não as

pessoas convivem e se observam mutuamente. Então, sempre se acaba sendo

exemplo de coisas.

Eu não sei, acho que talvez o que me incomode mais seja a palavra

exemplo. Porque acho que o exemplo, talvez de uma forma equivocada de minha

parte, eu veja como modelo a ser seguido. Mas eu acho que não se trata disso.

Mas talvez uma característica que as pessoas me atribuam é que eu sou uma

pessoa que busco incessantemente coerência entre teoria e prática. Então, procuro

não dizer por palavras nem por textos escritos, coisas que eu não pratico. Então

acho que a coerência teórico-prática talvez seja uma característica que as pessoas

me atribuam. Depois uma outra característica que também as pessoas me atribuem

e que eu própria me atribuo e me esforço por é ser uma pessoa militante naquilo

que eu faço e acredito, é ser uma pessoa que transcendo meu espaço individual e

procuro no coletivo me entrosar politicamente e procuro nessa medida influenciar

a direção que as coisas tomam. Acho que o nosso grupo LIEAS hoje busca

direcionar pra uma perspectiva de apreensão e de definição do que seja EA. Nesse

sentido nós estamos influindo, não estamos sendo neutros e dialogando

fraternalmente com as outras posições. Acho que nós temos uma posição,

afirmamos esta posição e disputamos essa posição no campo da EA. Então, acho

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

265

que sou uma pessoa que disputo posições no campo acadêmico. E aí, eu diria que

sou reconhecida pelas funções que as pessoas me atribuem. Aí as pessoas me

atribuem coordenação disso, participação naquilo, eu acho que as pessoas fazem

essa leitura.

E como você acha que as pessoas vêem o seu trabalho?

Acho que as pessoas vêem o meu trabalho como um trabalho sério,

competente, como um trabalho, talvez aí por parte dos alunos, os alunos da PG

sempre têm muita dúvida da minha permanência na PG. Pelo fato da PG estar

sendo pautada cada vez mais por critérios produtivistas, com os quais eu não

concordo. Então, eu sempre me pergunto, eu sou professora da PG há 14 anos, se

eu devo continuar ou abandonar a PG. E o que me mantém na PG até hoje é o

retorno dos alunos de mestrado e doutorado que vêem em mim uma professora

que se ocupa desses trabalhos deles de uma maneira muito criteriosa, de uma

maneira exigente, mas de uma maneira extremamente respeitosa. Com isso não

dizendo que os outros professores não sejam extremamente respeitosos também.

Mas que, não sei por que motivo, eu teria uma característica que eu conseguiria

ver nos trabalhos deles coisas que eles próprios às vezes não vêem, eles mesmos

não valorizam. Acho eu sou valorizada por esse aspecto pelos alunos da PG,

muito mais por este aspecto do que pela minha produção bibliográfica que nem é

grande. Mas a maneira como eles insistem, por exemplo, para que participe das

bancas ou de projetos, bancas de dissertação, bancas de tese, como eles insistem e

valorizam que eu coordene uma disciplina que nós temos na PG, que nós do

campo de pesquisa trabalho e educação chamamos de orientação coletiva, que é a

construção do objeto de pesquisa, mas que nós fazemos coletivamente. Porque

eles acham que eu tenho uma forma de ler os trabalhos deles que ajuda. Então,

acho que essa é uma característica do meu trabalho que eu meço dessa maneira, a

partir do retorno dos alunos e que me mantém na PG. Então, acho que toda pessoa

tem uma certa especificidade de forma de ser, que vai evidenciando

características, que são qualidades, mas aí não são essas qualidades exemplares.

São características que outros colegas têm porque são excelentes orientadores do

ponto de vista da metodologia, outros porque têm textos que se constituem na

nossa bibliografia básica, por exemplo. Então eles têm esse valor de terem escrito

textos que se tornam clássicos na área. Então, acho que da sua pergunta o que me

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

266

incomodou foi a palavra modelo, quer dizer, exemplo. Exemplo pra mim é assim

um pouco de modelo e acho que isso ninguém quer ser, modelo pra ninguém.

E como você mesma vê o seu trabalho?

Eu acho que o nosso trabalho assim... eu não vejo primeiro o meu trabalho

descolado do trabalho coletivo. Tanto é que tenho dificuldade de dizer assim “meu

trabalho”. Mas pra dizer o meu trabalho ele tem méritos, no sentido de que eu

sou uma professora que procura se capacitar sempre mais pra realizar um trabalho

de melhor qualidade, porque eu sou muito atenta aos alunos, porque eu procuro

através do meu trabalho fortalecer a instituição na qual estou inserida, garantindo

a qualidade do espaço público. Mas eu acho que também tem momentos em que a

gente tem a sensação de um certo esgotamento da nossa capacidade de trabalho e

que a gente precisa se reciclar, por assim dizer. Precisa se afastar daquele

trabalho, ter uma interlocução maior com o trabalho de outros, pra se realimentar

e voltar a ser interessante. Então, eu acho que eu vivo momentos em que eu acho

que fico meio repetitiva, meio desinteressante porque a gente começa a entrar

numa rotina de trabalho que eu acho que não é boa. Por exemplo, eu estou agora

entrando com uma solicitação no meu departamento pra fazer uso de uma licença

que é assegurada aos servidores públicos de que a cada 5 anos eles têm direito a

três meses de afastamento para capacitação. Então, estou entrando com este

pedido pra ver se de setembro a novembro eu me afasto pra poder me dedicar

mais a uma pesquisa nova, poder me afastar fisicamente do prédio da

universidade, porque chega uma hora que a gente trabalha tanto, tanto, tanto, que

fica a sensação de que a gente não sai de dentro daquele prédio de segunda a

segunda, porque sábado e domingo você traz as teses e dissertações pra ler em

casa, então a sala de trabalho de lá fica prolongada na sala da sua casa. Então, essa

sensação de que não consigo sair dali vai me dando uma sensação de afogamento.

E eu não gosto disso. Você vê pela minha trajetória que eu não sou a filha de um

único lugar. Eu às vezes escuto colegas assim: “ah, eu estou aqui toda minha vida,

porque fui aluna aqui na graduação, depois na pós-graduação, depois virei

professora, depois me aposentei e continuei aqui”. Então se a pessoa teve a

trajetória ligada a uma instituição, ou a uma cidade... Eu já morei em muitas

cidades, em muitas casas, em mais de um país, fiz muitas coisas, já convivi com

grupos muito diferenciados e acho que tudo isso foi de uma riqueza muito grande.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

267

Eu aproveitei muito essa possibilidade dessa diferenciação de enfoques, de

perspectivas, de espaços institucionais e não-institucionais. Então, eu nesse

momento me ressinto disso, de até por motivos familiares, de doença da minha

mãe, do meu pai, precisei ficar no Rio de Janeiro o tempo todo nos últimos anos e

isso pra mim agora está se tornando um peso. Eu sinto que eu tenho necessidade

de voltar a ter essa interlocução mais abrangente com o mundo. Respirar.

E como você faz pra conciliar essa vida profissional agitada com a vida

particular?

Do jeito que todas as mulheres fazem, cinco jornadas de trabalho... (risos)

...é isso, é uma sobrecarga de trabalho que no longo prazo é uma loucura... Isso eu

acho que não é exemplo pra ninguém! Acho que essa forma como estamos

organizando a nossa vida ela não é um mérito, não é alguma coisa que deve nos

botar no pedestal dos mártires! Eu acho isso um horror. Acho que devemos

organizar a nossa vida de forma que nós possamos diversificar as coisas que

fazemos, devemos ter espaços diferenciados de vivência no cotidiano que não se

resumam ao nosso trabalho, que não subsumam todas as nossas esferas da vida ao

trabalho, que os nossos amigos não se reduzam aos nossos colegas de trabalho,

porque acho que isso não nos enriquece, isso nos empobrece, porque isso vai

tornando as nossas próprias reflexões muito endógenas, muito fechadas num certo

grupo. Então, eu gostaria de poder trabalhar menos, de me organizar melhor de

forma que eu pudesse separar melhor essas esferas das minhas vivências. Isso não

é bom, ter essas jornadas. E depois é situação própria de quem vive em

megacidades. Qualquer cidade que tenha mais de dois milhões de habitantes é

ingerenciável. Por todos os motivos. Eu acho que é um absurdo que eu gaste todos

os dias três a três horas e meia no trânsito, indo do Jardim Botânico ao campus do

Gragoatá e voltando ao Jardim Botânico. Todos os dias, três horas e meia de

vários ônibus é um absurdo, e mesmo que fosse carro, seria a tensão de estar

dirigindo, do medo de ser assaltada, de ficar num engarrafamento, de andar

sozinha, então eu acho que existem problemas que não são da esfera pessoal, são

da esfera de organização da vida social que são desastrosos, pra nós e pra toda a

população que vive sob essas condições, eu acho isso intolerável.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

268

O que você acha que é uma característica sua muito marcante, uma ação

recorrente do seu comportamento?

Eu não parei pra pensar nisso. Por que aí você... isso já seria uma coisa do

campo da psicologia! Uma análise psicanalítica.

Não tenho essa pretensão, nem é da minha área. Mas não é tão difícil da

gente observar também. Existem certas atitudes, certos tipos de

comportamento que a gente tende a repetir, né?

Talvez eu seja uma pessoa muito controladora. Em que sentido? Na medida

em que eu fui vendo que a relação teoria-prática na minha vida não se desarticula,

eu tenho sempre a necessidade de saber o que está se passando, pra me orientar

como eu vou me conduzir e pra refletir sobre a minha forma de me conduzir.

Então, isso se reveste pra mim às vezes de um sentimento de uma certa

insegurança se eu não tenho clareza de todos esses aspectos. Então, isso me

sobrecarrega muito de trabalho, porque eu sou uma pessoa que tenho uma certa

dificuldade de delegar tarefas, porque eu delego e vou conferir. Então eu faço os

dois trabalhos, um, delegar e depois conferir, que é quase fazer de novo. Eu até

acho que nem é só uma característica, eu apontaria essa característica, no sentido

que você deu à característica, de algum comportamento que se repete, como um

defeito! É uma coisa que não me faz bem e acho que não faz bem aos outros

também! Então... mas é uma característica. Porque se mesmo tendo consciência de

que ela não é uma coisa sempre positiva... é claro que em algumas situações ela é

positiva porque me antecipo a certas coisas, eu evito certos problemas. Mas acho

que no geral funciona mais negativamente porque me mantém num estado alerta,

de tensão, maior do que se eu não fosse assim e imagino que é uma característica

na medida em que embora ciente e consciente de que isso nem sempre é positivo

eu não consigo alterar isso muito. Acho que já alterei um pouco, mas ainda

preciso completar.

É, esse tipo de exercício às vezes é de longo prazo mesmo.

Às vezes é de longuíssimo prazo! (risos)

Como você gostaria de ser lembrada?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

269

Eu acho que essa pergunta eu passo. Eu acho que ninguém vive a vida, e

nem é produtivo viver a vida na expectativa de ser lembrado por isso ou aquilo.

Acho que é uma, não vou dizer que é uma dimensão indevida pro ser humano,

mas eu acho que seria uma perspectiva que amesquinharia o que a gente faz. Acho

que na medida em que você tiver essa intencionalidade, você vai limitar sua ação,

vai direcionar sua ação, por um motivo que ainda que seja legítimo, acho que ele é

menor. Então, não faz parte de minhas expectativas. Por isso eu digo que eu

passo. Eu nem tematizaria essa pergunta.

O que você imagina estar fazendo daqui a uns dez anos?

Acho que tendo liberdade pra me dedicar às mesmas coisas as quais eu me

dedico, e que hoje eu me sinto obrigada a fazer. Então não é mudar de trajetória,

não é assim: eu tive um sonho e no dia em que eu me aposentar eu vou fazer. Não!

Eu faço exatamente o que eu gosto de fazer, só que eu acho que hoje eu não tenho

a liberdade de fazer. Sou obrigada a fazer em tempos que eu não acho que sejam

os melhores, nos formatos que eu não acho que sejam os melhores. Eu acho, por

exemplo, que eu gostaria de me dedicar à questão ambiental de uma maneira mais

militante, mais política. E no entanto eu sou obrigada, pelo meu contrato

profissional, meu contrato de trabalho, a transformá-la numa questão acadêmica.

A academicizar demais a questão, que pra mim nesse momento o espaço da

disputa não é o espaço acadêmico o mais importante, é o espaço político. Eu acho

que, por exemplo, o embate que nós temos hoje em torno da questão do IBAMA

mostra que tem uma dimensão política aí muito importante, que nós precisamos

nos capacitar muito teoricamente pra fazer esse debate, mas que nós não podemos

transformar isso primeiro em não sei quantos papers, avaliados por não sei

quantos comitês científicos, pra daí isso se tornar uma questão importante. Eu

acho que a gente tem uma urgência histórica que nos levaria a uma outra ação,

que não dispensa a teoria, mas que trabalha com a teoria de outra forma. Então eu

acho que no momento em que eu puder ter um pouco mais de liberdade pra

transitar de uma coisa pra outra, eu vou me sentir mais feliz.

Quais seriam seus sonhos?

Eu sou uma pessoa que não tem sonhos. Eu tenho expectativas de mudanças

e me empenho nessas mudanças. Eu não tenho sonhos assim “ah, coisas

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

270

grandiosas vão acontecer”. E eu acho que quem trabalha radicalmente a questão

ambiental tem a mesma perspectiva que eu e um grupo de pessoas trabalhamos

nas Ciências Ambientais, que, portanto, pensamos na materialidade da vida... acho

que sonho fica uma coisa meio desfocada. Primeiro que se nós nos

compreendermos como natureza, nós fazemos parte de uma natureza, de um

planeta, de um universo, que tem uma temporalidade histórica tão

gigantescamente maior que a nossa que, enfim, temos de nos contentar com a

nossa insignificância. Eu brinco muito com meus alunos hoje que a gente tem

colocado a questão ambiental de uma maneira muito equivocada: “Temos que

salvar o planeta!” Não temos que salvar o planeta, porque o planeta não precisa

ser salvo, ele já foi de várias formas e continuará existindo da mesma forma

depois da nossa ilustre presença. Nós temos é que garantir a viabilidade da nossa

sobrevivência no planeta. E isso interessa a nós, não ao planeta. Vamos colocar os

termos nos seus devidos lugares! Mas por outro lado, eu acho que a história da

humanidade, ela tende e ela se enfrenta com problemas (isso é próprio de cada

momento histórico) onde existem lutas grandiosas, mesquinharia... existe de tudo!

Eu acho que é importante que as pessoas se compreendam no momento em que

vivem e lutem coletivamente pela melhoria dessa vida. Então, se isso a gente pode

chamar de sonho, o meu sonho é que eu consiga, enquanto tiver condições, me

engajar em lutas que me pareçam justas. Mas eu não tenho um sonho assim: que

tal coisa vá se realizar. Eu acho que a vida e a história é um processo e depende de

muitas coisas, inclusive da nossa ação. Acho que não adianta ficar muito

sonhando, acho que a gente tem que ir se engajando nas coisas, não é de uma

forma pragmática, mas colocando no horizonte lutas que são possíveis, que são

necessárias e se engajando nesses trabalhos. Se eu quero melhorar algo não

adianta sonhar com uma coisa. A gente tem que ver como é que eu faço

historicamente, praticamente, como é que eu me engajo nisso, que papel eu

desempenho nisso, quanto que eu consigo fazer, os limites disso também que

estão postos dentro da educação, mas principalmente fora da educação.

Se você não fosse professora, você seria o que?

Olha, eu já pensei, não ao invés de ser professora. Pensei até ainda enquanto

professora. Pensei em ter uma carreira política formal. Não apenas em me

constituir enquanto um ser político que somos todos, queiramos ou não, mas eu

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

271

pensei até em uma carreira política. Um dia conversando sobre essas coisas aqui

na minha casa com meu filho, ele foi me perguntando: mãe você já pensou que

um vereador quando ele se elege vereador, ele tem que conhecer o município, ele

tem que conhecer todas as leis, ele tem que... e aí ele foi me arrolando, ele era

bem menino, foi arrolando tantas coisas que um vereador precisava saber, e disse:

“você já imaginou que os recursos públicos, pagos pelo povo, pagam o salário

desse vereador durante quatro anos e ele ainda vai ter que aprender tudo isso?

Quanto dinheiro desperdiçado! Então, se você não está preparada, se você não tem

todas essas condições, eu acho que não é justo você se candidatar!” Eu estava

fazendo uma brincadeira, não era nem uma coisa séria, quer dizer, foi uma época

que, isso já tem uns dez anos, que não sei, havia toda uma disputa aqui no Rio de

Janeiro e a gente falando que os partidos estavam ruins, ninguém sabia em quem

ia votar, não valia a pena votar, os vereadores eram uns ignorantes, faziam tudo

errado... nem se falava da corrupção ainda violenta que temos hoje. Essa é uma

preocupação que eu tenho até hoje, por exemplo, é uma coisa que se eu tivesse

mais tempo eu gostaria de me dedicar, à formação política da classe política. Eu

acho que um vereador no seu município, se ele não tiver uma compreensão do

papel social que ele desempenha é um desserviço à população brasileira. Então,

essa é uma questão que formalmente ou informalmente sempre me acompanha.

Uma preocupação de como se dá o exercício político mesmo com todas as

limitações de uma democracia que a gente sabe que é uma democracia meramente

formal, que ela não garante os direitos de todos, que a história de que somos todos

iguais perante a lei não é verdade, de que todos votamos e seremos representados

pelos representantes do povo lá no Congresso, que eles não representam o povo

coisa nenhuma, mas ainda assim eu acho que é o que nós temos e o que nós temos

é da pior qualidade. Seria muito bom se nós pudéssemos fazer com que essa classe

política fosse de melhor qualidade, que essas pessoas tivessem um espaço onde

elas pudessem se formar mais e melhor que é uma tarefa que os partidos políticos

não exercem, abriram mão, formar os seus quadros políticos. Os próprios partidos

também estão nessa salada, nisso que ninguém sabe muito bem o que é. As

pessoas trocam de partido de A pra B de B pra C sem nenhum sentimento de

culpa, porque tanto faz como tanto fez.

Por fim, por que você é uma educadora ambiental?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

272

Por que que eu sou uma educadora ambiental...? Porque eu penso que o

Marx tem razão, que nós somos seres da natureza, que intercambiar com a

natureza é um intercâmbio com nós mesmos, que o trabalho que faz essa

mediação entre nós e a natureza, sobretudo na produção capitalista, levou essa

relação a uma relação de espoliação tão gigantesca que nós perdemos a

responsabilidade social com a vida, com a sobrevivência. Então, aquilo que Marx

chamou da falha metabólica, essa separação do homem com a natureza, a

compreensão que o homem tem e que levou a uma alienação progressiva do ser

humano em relação aos impactos que ele exerce sobre si mesmo, se entendendo

como natureza, que isso é de responsabilidade social muito importante, que enfim

eu acho que alguém tem que se ocupar disso. Eu acho que todos têm que se

ocupar, mas na medida em que todos não estão se ocupando disso e que há uma

inviabilidade de se ocupar disso radicalmente, sobre o modo de produção

capitalista, porque o capital não pode fazer essa reflexão, mais radical, porque

senão ele se auto-inviabiliza, eu acho que, enfim, é meu papel, formada e

preparada, e há longos anos discutindo o mundo do trabalho, eu acho que quem

tem uma reflexão sobre o mundo do trabalho tem que necessariamente se ocupar

da questão ambiental. Então não é propriamente da EA, é da questão ambiental.

Como é que a questão ambiental hoje entra na universidade? Ela só está entrando

via EA e a passos muito pequenos, de tartaruga, na produção do conhecimento. Eu

acho que a Física tinha que estar preocupada com isso. A química, a biologia, a

história. Todas elas estão construindo o seu conhecimento a partir de determinada

concepção da relação sujeito-objeto que é uma concepção equivocada, é uma

concepção que não leva essa dimensão em consideração. Então não é uma tarefa

dos educadores. Acho que é uma tarefa dos produtores de conhecimento

sistematizado.

Será que você poderia falar um pouco dos tipos de pensamento que te

ocupam no cotidiano?

Eles variam, mas eles estão sempre presos ao mesmo espaço, que são as

tarefas do dia a dia e do trabalho. Então, como organizar as tarefas de forma a me

desempenhar delas e nelas corretamente e sem me descuidar principalmente

daquelas que envolvem outras pessoas, meus alunos, colegas. Não descuidar dos

compromissos com as pessoas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

273

Além do trabalho tem mais alguma coisa que seja comum pra você?

Além do trabalho nós temos o cotidiano do país, que interfere sempre nas

nossas vidas, noticiários, eventos, acontecimentos que condicionam o tempo todo

e facilitam ou impedem muitas vezes que você realize seus propósitos da maneira

que você gostaria. Essa é uma preocupação recorrente, tanto as preocupações

referentes à cidade, o fato de morar numa cidade grande tem muitos intervenientes

que a todo momento você tem que se deparar com eles, quanto os eventos

nacionais que vão interferindo nas políticas públicas, as perspectivas que você tem

sempre de se enfrentar com mudanças não previstas e muitas vezes não

desejáveis.

E em termos de motivação, quais são as coisas que te motivam

pessoalmente?

Ih, as coisas que me motivam são as questões que dizem respeito às minhas

relações na sociedade, tanto as relações de foro íntimo, familiares, de amizades,

quanto as relações sociais e políticas, quer dizer, o meu enfrentamento diário, a

minha situação de professora, de militante política, de mãe, de dona de casa, essas

questões nos motivam permanentemente, eu acho.

Você chegou alguma vez a pensar quais são os critérios que te ajudam

tomar decisões?

Eu acho que eu faço um esforço de hierarquizar as questões, sempre me

colocar a pergunta: que questões são efetivamente prioritárias no sentido das

conseqüências que elas têm, da responsabilidade que elas implicam. Porque às

vezes questões que nos são muito próximas, muito imediatas, parecem ser grandes

questões com as quais nós deveríamos nos preocupar muito, mas se você pára um

pouco pra pensar, você se dá conta de que numa escala de valores, elas realmente

não eram prioritárias, só parecem prioritárias. Eu tendo a não ficar sempre

querendo apagar incêndio. Tomar um pouco de distância das coisas e verificar em

que medida elas são prioritárias ou eu deva me empenhar tanto nelas. Em que

medida elas fazem apenas parte de uma circunstância às vezes até emocional,

tanto sua, como do grupo no qual você está envolvido e que então elas assumem

proporções maiores do que elas efetivamente têm. Esse é um critério pra mim:

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

274

tomar um pouco de distância e ponderar as questões antes de enfrentá-las. Quer

dizer, este é um critério, nem sempre a gente segue os critérios. Mas pelo menos

eu acho que é um critério bom, que ajuda. Não é muito fácil, mas acho que a gente

tem que fazer este exercício, acho que a gente evita muito aborrecimento e evita

criar mal entendidos. Vou só te dar um exemplo. No uso da informática, da

internet, eu me dou conta que as pessoas se comunicam de uma forma muito

pouco pensada, muito pouco refletida. E dizem coisas das quais depois elas se

arrependem. Porque ao comunicar... não é mais a forma tradicional de uma escrita

manual, uma carta, um telegrama, um bilhete. Você por outro lado, também não

está falando e ouvindo a voz do outro. Você não está interagindo diretamente.

Portanto, você não tem o retorno do outro, seja através da voz, da entonação da

voz você se apercebe do sentimento que você está causando no outro, que faz com

que você então modere o que está dizendo ou pensando ou fazendo, ou o olhar do

outro ou o gesto do outro. Então, acho que a internet dá uma pseudoliberdade pras

pessoas meio de fazerem e dizerem o que querem e isso é muito impulsivo e gera

muitas vezes mal entendidos. Quando a gente lê as mensagens das redes, a gente

vê quantas situações às vezes constrangedoras se criam a partir de um mal

entendido porque a pessoa se precipitou em entrar na conversa, por assim dizer,

respondendo imediatamente, sem parar pra pensar sobre aquilo, se aquela era

efetivamente a sua posição. Este é um exemplo de uma situação que quando você

não toma distância, não para pra refletir, não amadurece o mínimo sobre aquilo,

você acaba fazendo uma coisa que você não quer. Aquilo que parece que está

facilitando a sua vida, às vezes está complicando a sua vida. Evito muito isso.

Em termos de decisões, quais teriam sido as suas principais decisões ao

longo da vida?

Acho que as decisões, da minha geração pelo menos, foram coisas muito

marcantes. Tomar uma decisão de escolha profissional, pra minha geração, que

viveu um mundo do trabalho bastante mais estável, em que as pessoas mudam

menos de profissão e de postos de trabalho e de atividades dentro do próprio

trabalho, decidir a profissão foi uma coisa importante, que teve conseqüência.

Depois, certamente as minhas escolhas políticas também definiram muito o rumo

da minha vida. Tive que arcar com as conseqüências dessas decisões. Acho que

estamos sempre redefinindo, quando você escolhe enveredar por um campo de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

275

pesquisa, isso termina também lhe propiciando encontros e desencontros, não

apenas teóricos, mas também pessoais, profissionais. Eu acho que os educadores

ambientais, por exemplo, nos seus locais de trabalho, eles têm uma especificidade,

são vistos com uma certa singularidade, uma certa diferença, então também é uma

escolha que faz uma diferença na vida das pessoas.

Você incluiria também nesse rol de decisões a viagem que vocês fizeram

para fora do Brasil, esse tipo de coisa...?

Ah, sim, sem dúvida. Isso também foi um momento de decidir. Não sei se

tivesse sido num outro momento a decisão fosse a mesma. Mas havia toda uma

conjuntura política nacional que nos pressionava a tomar uma decisão daquele

tipo, por um lado. Por outro lado também você aos 23 anos toma decisões que às

vezes são um pouco intempestivas, você não têm muitos parâmetros de

comparação com outras decisões, porque você ainda não tomou grandes decisões

na vida. Então, certamente foi uma decisão que fez uma diferença radical na

minha vida, da qual eu fui ter conseqüências para sempre. O fato de ter vivido

dentro de uma outra cultura, de ter aprendido uma outra língua, de ter conhecido

pessoas de muitas outras partes do mundo, de ter saído de perto da minha família

e ficado sete anos longe e portanto, tido de me organizar e conviver em outras

situações sem nenhum tipo de apoio familiar, ter vivenciado os meus primeiros

anos do meu casamento destas influências familiares, que para o bem e para o mal

ajudam e atrapalham. Enfim, em todos os âmbitos da minha vida, essa foi uma

decisão que me impactou muito.

Você já se pegou alguma vez numa situação de omissão? Seja de

omissão superavitária ou deficitária?

Eu muitas vezes tenho essa sensação de omissão, mas eu diria que não são

coisas de grande relevância. Eu não tenho assim alguma coisa da qual eu me

arrependa, radicalmente que eu digo. Aquilo eu devo a mim mesma e devo aos

outros, ter me omitido diante daquela situação. Porque eu acho que eu não sou

uma pessoa com esse perfil de me omitir ou de me acovardar diante das situações.

Acho que eu faço o esforço de enfrentar. Uma coisa que leva muitas à omissão é

quando a pessoa mede ou pesa o quanto ela poderá perder pelo fato de tomar

aquela decisão, aquele partido, por exemplo. O quanto ela estará se expondo e o

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

276

que isso poderá implicar pra ela em termos de perdas pessoais, seja perda de

reconhecimento social, de estima, de conceito, profissional etc. Como eu acho que

as coisas que nós fazemos individualmente têm importância, mas elas têm uma

importância que também é relativa porque elas têm que estar articuladas com o

coletivo, acho que eu tenho menos essa preocupação, isso não tolhe as minhas

ações. Eu já me expus em muitas situações bastante arriscadas que outras pessoas

na minha posição, social, profissional, não tomariam e não tomaram. Por conta

disso. Porque se viam quase como uma intimidade muito inseparável, portanto,

aquilo pra elas poderia ter um significado negativo muito forte, então as pessoas

preferiram se omitir em certas situações. Acho que eu não tenho assim, coisas que

eu considere dívidas por omissão.

Às vezes nem são dívidas, às vezes é o melhor a se fazer mesmo, porque

pode ser que a pessoa não esteja num momento bom pra ouvir ou...

Com certeza. Mas acho que aí também não é uma omissão. Talvez eu não

tenha referido as coisas nesse sentido. Quando você age de uma forma mais

ponderada e você não se impõe numa situação. Porque às vezes você quer impor

ou a sua posição ou o seu ponto de vista ou... numa relação de poder que é muito

comum nas relações de trabalho, você querer se fazer valer apenas porque você

está disputando um poder. Nesse sentido você ponderar e recuar muitas vezes é o

mais sábio, na mesma direção daquilo que eu falei da internet. Pra você tomar

realmente uma certa distância das coisas e ver no que aquilo realmente está

contribuindo, ou se aquilo é uma exposição meramente às vezes até quase que

exibicionista, né? Na ânsia de se fazer presente. O que às vezes não leva a nada e

às vezes leva a coisas muito ruins, como no exemplo que você deu, você pode

magoar uma pessoa simplesmente porque você fez questão de manifestar sua

opinião. Às vezes as pessoas dizem assim: ah, mas eu sou muito franca. Ah, sou

franca, mas às vezes essa franqueza é agressiva, desmedida, inoportuna...

Pensando na sua vida inteira, de criança até hoje, teve alguma situação

em que você se envergonhou de você mesma? Não precisa nem ser nada

importante mas alguma situação que te trouxe essa sensação e que não foi

por exposição.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

277

Acho que da mesma forma que a omissão. Eu já passei muitos

constrangimentos, fiquei encabulada até por uma situação, isso tem a ver com a

história de vida, família e tudo mais, acho que por ser a primeira filha, pela forma

de ser dos meus pais, eles sempre tiveram muita expectativa com relação a mim.

Então isso sempre significava que se você não fazia o mais bem feito ou o melhor

significava uma falha. Talvez não fosse nem que eles vivenciassem como falha,

mas eu reconhecia dessa maneira. Então, eu sou uma pessoa que sempre me

cobrei muito, procuro sempre as coisas da melhor forma, então, isso gera, é claro,

muita insegurança. Muitas vezes eu tenho a sensação “será que vou dar conta

desse treco? Será que isso não é algo maior do que eu posso, maior do que eu?”

Essas são questões que geram pra você,quando você pensa que há uma

expectativa em relação a você, um constrangimento.

E em termos de sentimentos, o que são as coisas mais comuns pra você

no dia a dia?

Acho que sou uma pessoa excessivamente preocupada, com tudo e com

todos. Talvez por alguma coisa que eu já falei pra você na outra vez, essa

impressão de que ao ter compromisso com os outros você tem certas

responsabilidades, o que causa uma preocupação de você não... de você se

precaver pra evitar que aconteçam os problemas, que as coisas não ocorram como

devem ocorrer, então isso gera uma preocupação permanente.... você nunca fica

assim totalmente relaxada, “ah, se aconteceu, aconteceu, se eu me atrasei não tem

problema, se não entreguei no prazo, não tem problema”. Essas coisas me

deixam, sempre, por um lado preocupada, e por outro lado, é um tipo de tensão

permanente, que acho que é uma coisa ruim, que não tem uma justificativa real.

Ela é uma percepção, vem do subjetivo, muitas vezes não se confirma na

realidade, mas só que você verifica isso só a posteriori. Você não fez aquilo no

prazo e tá-tá-tá. Aí fica naquela tensão e ansiedade. Ansiedade é o outro lado

dessa preocupação. Aí você se dá conta de que ninguém tinha feito, de que não

tinha importância. Que o prazo foi mudado. Então eu nunca pressuponho que vai

ser assim, eu sempre acho que o último dia é o último dia, que tal coisa só pode

ser feita daquela maneira. Isso em faz ser uma pessoa preocupada e ansiosa.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

278

E em termos de uso do dinheiro, como é o seu perfil de gastos, como são

direcionados os seus recursos?

Bem, aí tem um componente familiar cultural. As pessoas, porque eu vim do

sul do Brasil, que são fundamentalmente netos de imigrantes, são pessoas que

aprenderam... que viveram primeiro a cultura do trabalho, o trabalho é um valor

positivo na vida, não é um valor negativo, e aí não há uma separação, uma

hierarquização entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, tal como a cultura

dominante no Brasil coloca. A marca da escravidão no Brasil foi muito forte e fez

com que o trabalho manual fosse muito desqualificado. Tanto que pros europeus

não há essa mesma perspectiva. Então, primeiro a cultura do trabalho, que é um

valor e que agrega valor pra pessoa, o ser humano que trabalha já tem um valor

nele mesmo, ele não depende tanto dos bens que ele tem pra se valorizar. Por

outro lado, a experiência de vida dos imigrantes foi de pessoas que perderam tudo

e quando vieram pro Brasil lutaram com muitas dificuldades, tiveram que

começar do nada, vamos assim dizer. Então, sempre nós vivemos numa cultura da

economia, da poupança. Eu desde criança aprendi que a gente não faz gastos

supérfluos, que a gente tem que viver com o que é possível, que a gente tem que

aprender a viver com menos do que é possível, pra que sobre alguma coisa pros

momentos em que não se tem. Então, isso vem dessa origem, dessas levas de

milhares de pessoas que saíram da Europa porque ficaram na miséria, porque

eram camponeses, basicamente, os que vieram pro Brasil eram lavradores e que

saíram de lá porque não tinham mais onde trabalhar, não tinham mais terra, não

tinham como sustentar suas famílias, lutaram com muita dificuldade quando aqui

chegaram. Então, venho de família que aprendeu a poupar e aprendeu a dar valor

ao dinheiro como fruto do trabalho. Portanto, a não se envolver e não ter

necessidade de coisas supérfluas. Claro que o supérfluo é uma coisa muito

subjetiva e muito marcada pela classe social. Certamente que pra classe

trabalhadora brasileira que vive com dois dólares por dia, tudo que eu tenho ou

quase tudo que eu tenho seria considerado pra eles supérfluo, uma casa com três

mil livros certamente é uma coisa absolutamente supérflua num país semi-

analfabeto. Então, perfil de gastos, afora os gastos básicos da sobrevivência, nós,

por um perfil profissional, consumimos muito dos nossos recursos em livros e

consumos culturais, que são os livros, jornais, as revistas, o cinema, algumas

viagens, que tem sempre essa dimensão de você se aprimorar, se aperfeiçoar

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

279

naquilo que é fundamental pro seu trabalho. Um professor que tem uma cultura

mais ampla, em várias áreas do conhecimento, sempre estará mais preparado para

o seu trabalho. Então, é fundamentalmente isso. Nós somos uma família muito

regrada. Mesmo os meus filhos que já nasceram numa condição muito melhor do

que a minha e a do meu marido quando éramos crianças, já encontraram uma

situação muitíssimo melhor, mesmo eles têm uma vida extremamente espartana,

eu diria, em termos de consumo. Gastos muito moderados, uma vida muito

simples, sem exigências, sem nenhum fascínio pelas marcas e símbolos de status.

As suas prioridades, se você fosse fazer uma escala com as prioridades

de fato, não aquelas que a gente idealiza, quais seriam?

Bem, acho que tenho uma prioridade que tem duas faces. Eu diria, assim,

que esta é a prioridade que orienta minha vida. Que é uma prioridade de

compromisso com os outros. Então ela tem uma face privada, que é o meu

compromisso com a minha família e a minha face social, que é o meu

compromisso com a sociedade na qual eu vivo. Acho que compromisso é uma

prioridade número um. Ninguém tem o direito de ser descompromissado, de se

desfazer da sua parcela de responsabilidade em qualquer situação. Nós não

estamos soltos no mundo. O Sartre diria “nós estamos condenados a ser livres”. E,

portanto, nós devemos exercer nossa liberdade com responsabilidade, que implica

sempre numa relação com outras pessoas. Acho que esse é um valor importante. E

acho que os valores da justiça, procurar ser justo consigo mesmo e com os outros.

E isso não é você que tem esse critério da justiça, esse critério vai se construindo

nas suas relações sociais. A sociedade vai meio que delineando esse ideal de

justiça, não é uma coisa que sai do nada, ele sai das suas relações social e de

certos balizamentos de convívio. Dentro desses balizamentos, as pessoas têm

que... pra mim esse é um valor, o valor da justiça. De que as coisas ocorram de

uma forma correta e justa. Isso exige que você exerça sempre esse critério do

recuo pra olhar as situações e pesar. A justiça tem a ver com isso. É por isso que

eu peso as situações. Quando pesamos as situações é bem a balança da justiça. Se

você não pesa as situações, não tenta olhar o outro lado, e o que o outro pode estar

pensando, ou fazendo, ou dizendo ou tendo a intenção, você pode cometer

injustiças. Bom, e depois acho que os valores da solidariedade, da amizade, são

coisas que fazem a vida valer a pena, senão também as relações sociais se tornam

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

280

muito duras, ainda mais numa sociedade como a nossa, que já não é muito

pautada por esses princípios.

Falando das prioridades você já identificou os valores... estava

pensando aqui... como esses valores te ajudam na sua prática de educadora?

Acho que o compromisso, por exemplo, me ajuda. Não posso delegar a

ninguém a responsabilidade de ser uma professora competente. Acho que houve

um momento em que foi retirada até dos professores esta responsabilidade, com a

criação dos especialistas dentro da escola, do orientador, do supervisor, das tarefas

técnicas, né?, do livro didático. Um pouco foi como se o professor... tivesse se

diluído a responsabilidade dele enquanto educador. Acho que faz parte do

compromisso do educador ele ser competente e exercer dignamente a sua tarefa.

Acho que essa é uma questão importante, que interfere diretamente na minha

forma de me comportar. Compromisso de me preparar para as aulas, levar a sério

o trabalho que eu faço, levar a sério o que os alunos fazem. Por outro lado, essa

preocupação com ser justo, interfere muito na minha forma de avaliar, acho que

esse é um nó do exercício profissional do magistério, o processo de avaliação.

Porque nós falamos assim, um médico pode matar o paciente. Mais recentemente

nós falamos: os economistas podem matar as pessoas com as suas políticas

econômicas. Eu acho que os professores podem matar os alunos na sua

criatividade, na sua disponibilidade pra aprender, de se relacionar com coisas

novas, pra buscar dentro de si capacidades. Então, acho que se nós não formos

bastante cautelosos na avaliação, o que não significa ser frouxo, nem pouco

exigente. Eu ontem participei de uma banca de uma professora que já está há 34

anos no magistério, terminando uma dissertação de mestrado que eu até avaliei

como uma das poucas que eu diria essa é uma tese de doutorado, de tão boa que

ela está. E ela num momento disse assim: não, eu já vou explicar isso aqui, antes

que a professora VEGA me puxe as orelhas (risos). Eu tive até que rir, porque os

alunos até acham que eu sou uma pessoa muito suave, mas muito rigorosa. Então,

me chamou a atenção essa brincadeira dela. Então a questão da justiça, esse valor

interfere na forma como avalio e me relaciono com meus alunos. Como é que eles

percebem a aprendizagem deles, por que eles se dedicam a certas coisas e não a

outras, em que medida eu sou co-responsável pelo que eles aprendem e também

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

281

pelo que eles não aprendem? Então, acho que essas coisas são exemplos de como

esses valores interferem no dia a dia.

Se você fosse fazer uma hierarquia dos seus valores, como seria?

É tão difícil, eu acho, hierarquizar, porque eu falei dois ou três valores só e

são tão grandes. Por exemplo, o valor da responsabilidade, o valor da justiça, o

valor do respeito, da solidariedade... são valores que pra mim é difícil separá-los.

Pra você poder hierarquizar é supor que você pode exercer um sem o outro. Acho

que eles são meio indissociáveis. Como você pode ser solidário com o outro se

você não tem o critério de compromisso com o outro? São formas diferentes da

mesma coisa. E como você exerce isso se você não procura ser justo? Acho que

compromisso e solidariedade podem ser coisas muito piegas se você não tem um

critério de também avaliar dentro da sociedade o que é mais justo. Então, não sei.

Não saberia hierarquizar esses três valores. É claro que a gente também tem

muitos outros valores, mas, enfim... os valores da harmonia, da estética, do

acolhimento. São valores, por exemplo, que estão na minha esfera privada... claro

que se manifestam também na minha esfera mais pública, mas aí se manifestam

de formas diferentes.

VEGA, obrigada.

Nada. Que você tenha muita sorte no seu trabalho.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

282

Entrevistado: POLUX, 08 de maio de 2007, terça-feira. Período: tarde.

Local: pátio do prédio onde reside, RJ.

Você poderia se apresentar...

Bom, sou POLUX, hoje sou professor da universidade XXX, trabalho com

EA há muitos anos, minha formação de graduação é a geografia, depois as

formações complementares foram todas na área de EA. Na verdade, não na área

porque não tinha, mas meus trabalhos foram direcionados para isso desde que saí

da universidade na década de 80 e trabalho com EA desde essa época. No início

em paralelo com minha profissão que era professor de geografia, mas hoje quase

que exclusivamente trabalho com EA ou coisas correlatas com a EA, gestão

ambiental...

Como você considera que se tornou um educador ambiental?

Isso é interessante, já me perguntaram outras vezes. Minha primeira grande

influência para me tornar um educador ambiental foi minha avó. Ela tinha um

sítio em Nova Friburgo, em Muri, que era um lugar paradisíaco e era paradisíaco

por conta dela, por ela ser uma pessoa voltada para a natureza, ter mil caprichos,

era tudo lindo, impecável, o jardim maravilhoso e era por conta do zelo dela, da

paixão dela pela natureza. Eu vivenciei muito essa paixão dela e obviamente isso

me influenciou muito. Certamente isso teve uma importância bastante grande, não

pela EA, mas por essa paixão por tudo que esteja relacionado à questão da

natureza. Depois disso, quando entrei na universidade, já motivado por essa

questão, eu tive um momento em que deu clique com essa coisa, numa Semana do

Meio Ambiente, acho que a primeira do curso da UFRJ, em 84. E na preparação

da Semana, comecei a me envolver como aluno, tinha na época como professor, o

Carlos Minc que hoje é secretário de Estado, naquela época ele estava vindo da

Europa, tinha sido exilado, junto com outros tantos e naquele momento estava se

constituindo o Partido Verde aqui n Brasil e particularmente no Rio, tinha o

Gabeira, o Minc, o Sirkis e na universidade ficou meio um nucleozinho dessa

coisa e eu já me encantando por essa história, acho que ali foi o momento mesmo

de decidir que realmente queria profissionalmente ingressar na EA. A partir dali

realmente comecei a procurar alguma coisa ligada à EA e já foi alguma coisa

pensando em EA porque eu estava na faculdade de geografia e eu queria ser

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

283

professor, muitos colegas fizeram bacharelado, eu nem fiz, já queria ser realmente

professor e nesse momento já pensei em conciliar a geografia com a EA e já

comecei a procurar. Durante a faculdade teve também o primeiro encontro em

nível nacional que discutiu educação e meio ambiente, que foi promovido pela

FBCN, que foi em 85. Nesse encontro várias pessoas que estão hoje atuando

estiveram presentes, porque foi legal, teve muita gente bacana que veio,

palestrantes, foi um reforço bom. Aí quando saí da faculdade saí com esse

objetivo mesmo de trabalhar com as duas coisas. Mas já tinha um projeto de sair

do Rio, uma coisa meio bicho-grilo, lá da época, de ir pra uma cidade do interior.

Eu tinha me colocado como opção buscar essa coisa, então o primeiro ano depois

que me formei eu fiquei aqui no Rio trabalhando em escolas particulares,

esperando que tivesse concurso público no estado, queria ser professor do estado,

e foi então no ano seguinte ao que me formei. Aí já tinha me casado, me casei

com uma professora também, colega de faculdade e aí, então, a gente tinha feito

essa opção de sair do Rio. Aí nós dois fizemos concurso, passamos, fomos pra

Friburgo e morei em Friburgo e trabalhei numa escola em Friburgo. Quando fiz a

opção da escola, escolhi a escola que ninguém queria, eu tinha tirado primeiro

lugar, então eu podia escolher a melhor escola, mas escolhi a de Lumiar, que pra

todo mundo era a pior porque era a mais longe, mais afastada. Mas eu já tinha ido

com essa opção, né? De trabalhar em escolas mais afastadas, alternativas, um

pouco rural. Eu fiquei 5 anos nessa escola, foi uma experiência ótima,

superimportante porque lá eu tive liberdade de trabalhar nessa perspectiva de

professor de geografia que trabalha com EA, eu cheguei a implementar projetos

de EA nessa escola, tinha apoio da comunidade, as pessoas me incentivavam

bastante nisso, a direção da escola... e fiquei 5 anos nessa escola até que ao longo

da experiência nessa escola eu fiz uma especialização em Ciências Ambientais e

fiz minha monografia em EA. Durante essa escola, por conta dessa coisa que

querer fazer EA eu fui preparando materiais de trabalho e aí disso acabei juntando

esse material e publicando dois livros, um de histórias infantis e outro meio

paradidático, com propostas de atividades pra trabalhar em escola, fruto dessa

experiência lá. A monografia transformei depois num livro, meu primeiro livro

pra público universitário, educadores ambientais. Foi A Dimensão Ambiental na

Educação. Acabou sendo um livro que teve muita saída. E aí em 92, eu saí dessa

escola, por conta de... primeiro porque minha mulher estava querendo voltar pro

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

284

Rio e ao mesmo tempo eu também comecei a me interessar em fazer mestrado.

Entrei no mestrado em Educação na UFF, em 93, em Educação, aí comecei a

trabalhar com ensino superior, a princípio particular, aí fiz doutorado, em ciências

sociais, mas sempre voltado para EA e aí hoje estou há menos de um ano fiz o

concurso pra Federal e estou lá trabalhando nessa área.

Uma trajetória já desde o início marcada...

Já, desde o início. O Pedrini, com seus alunos, que quando me apresenta fala

que tenho uma formação de doido, geografia, ciências ambientais, ciências sociais

e educação, mas na verdade ela tem um norte que é a EA, todos os meus trabalhos

foram orientados para isso e na verdade para a EA essa abordagem é interessante

porque me deu uma visão de diferentes campos do conhecimento e isso agrega

para essa visão mais ampla da EA.

Então você já se reconhecia como educador ambiental desde essa época

da graduação...

Eu já me reconhecia como educador ambiental, desde que comecei a

trabalhar, quando saí da faculdade como professor, já me reconhecia como

educador ambiental, em 87. Mal se falava de EA nessa época, por isso hoje me

chamam de dinossauro... não é à toa...

Enquanto você percorreu essa trajetória toda, teve alguma coisa que

você identifica que foi mais marcante na construção do seu jeito de trabalhar

com EA?

Olha, tem sim. Ao longo desse processo eu comecei a trabalhar numa

empresa de consultoria, que eu trabalho até hoje, e foi um trabalho importante

porque foi quando eu comecei a trabalhar em equipe pra EA. Essa consultoria em

particular é uma consultoria pra empresas, são projetos de empresas de EA,

normalmente projetos da empresa para a comunidade, trabalhando com a

comunidade, com a escola. Quer dizer, apesar de ser empresa, o público que a

gente trabalhava era professor e escola. E foi nessa experiência que eu comecei a

trabalhar em equipe. Trabalhava com outros colegas ao mesmo tempo, dávamos

cursos juntos, isso foi bastante rico porque pude vivenciar outras formas de

trabalhar, de outros colegas e trabalhar junto também. Uma experiência bastante

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

285

interessante que me influenciou muito o que eu faço hoje. Por essas duas

perspectivas: por ter vivenciado outras formas de trabalho a partir da inserção

desses outros colegas e por ter essa perspectiva de estar trabalhando junto. E mais,

poder ver essas outras formas de trabalhar que outros colegas têm, porque como

era uma equipe multidisciplinar. Por exemplo, tinha um professor que era da área

de sociologia, mas tinha toda uma formação em teatro, então ele tinha uma coisa

muito de dinâmica. Tinha outros professores da área de história que tinha um

olhar diferenciado. Então acho que essa diversidade foi legal, me enriqueceu no

jeito que eu trabalho. Mesmo quando eu estou trabalhando sozinho. Eu gosto de

trabalhar em equipe, de dividir o espaço da sala de aula, da formação, com outras

pessoas, me sinto muito à vontade.

Além de momentos de renovação profissional, teve alguma época em

que você se sentiu desanimado?

Não, eu tenho uma motivação grande pra EA. Às vezes até vejo alguns

colegas desanimarem um pouco, mas não tenho isso muito, não, sabe? Eu vejo as

dificuldades como fazendo parte do processo, então isso não chega a me causar

desmotivação. Às vezes você está muito atribulado com muito trabalho você fica é

meio emperrado mesmo. Mas não desmotivado, às vezes você tem dificuldade de

resolver algumas coisas, mas desmotivação realmente não senti, não. Até porque

eu acho que sempre fui muito feliz, a vida sempre me deu muita oportunidade

com essa coisa da EA, talvez até por eu ter começado tão cedo, eu sempre tive

muitas oportunidades boas de trabalho com EA, então não posso reclamar disso

mesmo não... boas possibilidades, trabalhos motivantes.

E dentro desse trabalho teve algum momento em que você sentiu que

estava fazendo um investimento maior?

Eu na verdade, me considero muito mais... pensando na formação de pós-

graduação, mestrado, doutorado, normalmente as pessoas normalmente fazem

mestrado e doutorado pensando como pesquisador, eu fiz me pensando muito

mais como educador. Eu agora como professor universitário tenho que

desenvolver pesquisa, mas por identidade dou educador. O que gosto mesmo é

estar em sala de aula, fazendo estas intervenções. O que procuro hoje é aliar a

pesquisa com minha prática, o que procuro fazer hoje é pesquisar esta minha

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

286

prática, podendo fazer servir isso como objeto de estudo, o que me leva a ter de

estar fazendo isso também. Então este processo de formação foi com este

princípio também, de me capacitar mais pra me tornar um educador melhor.

Como era sua época de criança, com que você estava preocupado, como

era sua relação com sua família?

A relação com minha avó é uma relação muito forte na minha vida. Na

verdade, em família a gente percebe como a minha avó foi importante pra todos

nós, netos dela, aliás, somos A forma como ela lidava, particularmente com este

sítio, este sítio é uma referência muito grande, porque o nosso contato com ela, o

principal era lá, de férias, fim de semana... e ela tinha toda essa preocupação de

fazer com que aquela coisa fosse super harmoniosa, a gente vivenciou muita

harmonia nesse lugar, era uma coisa que sempre trouxe muita satisfação. Então

não era motivo de preocupação, muito pelo contrário, conviver com ela, viver

naquele lugar, era sempre motivo de muita satisfação, pude experimentar muita

harmonia. Então isso foi uma coisa importante mesmo nessa fase e que gerava

inclusive nessa coisa familiar uma coisa legal, da família, pelo menos naqueles

momentos, viver de uma forma bastante harmoniosa. Esses laços perduram. Esses

primos, apesar de cada um estar num canto, a gente tem laços bastante sólidos.

São pessoas que eu continuo em contato apesar de tantos anos e de cada um ter

tomado um rumo. São laços fortes que ficaram consolidados desta época.

Sua vó morava no Rio mesmo...

Ela morava no Rio, mas grande parte da vida dela ela praticamente morava

lá no sítio. Chegou uma época em que ela não tinha nem mais apartamento aqui.

Quando ela vinha pro Rio ela ficava no apartamento da minha tia. Ela vivia

grande parte da vida dela no sítio.

E o sítio era...?

Em Friburgo, Muri. Por isso que eu escolhi Friburgo também. Em Muri que

é meio de caminho para Lumiar. Lumiar já era uma referência por conta dessa

minha vivência lá.

Foi um resgate...

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

287

É... quer dizer, não foi nem um resgate, porque eu nunca me afastei. Até na

época de faculdade eu tinha todo esse convívio, sempre que podia eu estava no

sítio junto com minha avó. E depois, quando me casei, a princípio a gente foi

morar lá enquanto não arrumava lugar pra morar. Então morei uns meses no sítio

com ela, depois que a gente arrumou um apartamento pra morar. Na minha

vivência lá em Friburgo também ela estava muito presente, quer dizer, ela ainda

era viva nessa época. Então eu morava lá, mas tinha o sítio como referência e o

sítio continuou ainda até depois enquanto ela estava viva ainda, quer dizer, depois

de eu voltar para o Rio ela ainda estava lá no sítio. Essa referência foi minha vida

toda praticamente.

E aqui no Rio, você morava aonde?

Ih, agora... em um monte de lugar... resumindo, morei uma época em

Botafogo, quando voltei de Friburgo; depois fui morar em Niterói, na época do

mestrado; depois voltei de novo pra Botafogo; depois voltei pra Niterói, construí

uma casa lá em Niterói, fui morar lá com minha mulher e meus filhos; me separei,

continuei morando em Niterói; me casei de novo, me separei de novo e agora

estou morando aqui... Já morei no Rio em vários lugares, mas sempre assim, Rio -

Niterói, e essa passagem de 5 anos em Friburgo. E quando criança, (nasci em

Niterói, mas) fui criado no Rio, na Tijuca. Até casar morava na Tijuca.

E vocês eram em quantos irmãos?

Eu e minha irmã só.

Da sua família, seu pai, sua mãe, o pessoal com quem você morava, o

que era importante pra você quando era criança nessa relação?

Tive uma família muito normalzinha, sabe? Às vezes acho isso ruim, às

vezes acho bom. A gente vê famílias que dão cada pepino, né? A minha família

sempre foi muito normalzinha, aquele tipinho padrão assim, classe média, com

aqueles valores de classe média, sem muitas discrepâncias... o que não quer dizer

que tenha sido perfeita, porque meus pais depois se separaram quando eu já era

adulto. Mas durante minha infância e adolescência minha família sempre foi

muito normal, sem grandes conflitos ou problemas. Não tem nada muito marcante

da vida familiar. Por outro lado é bom, porque também não tem nada marcante de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

288

ruim, que muitas famílias têm. De família o que é marcante é minha avó. Pra

todos nós.

E ainda nesse período de criança, a vida escolar teve alguma coisa

marcante?

Também não, eu sempre fui um aluno mediano, nunca fui um aluno

brilhante. Principalmente no início. No segundo grau comecei a me destacar um

pouco mais. Mas nunca fui também um grande aluno. Não tem nada de mais.

Você falou sobre o evento, dos projetos que vocês fizeram... o que a

universidade contribuiu pra você enquanto ser humano?

Eu me formei na UFRJ, mas na verdade tive uma passagem que foi

importante, marcante na Rural, comecei minha vida universitária na Rural, onde

hoje sou professor. Fiz um ano e meio de Geologia na Rural. E o que foi marcante

pra mim não foi o curso, pelo contrário, o curso até nem gostei muito, tanto que

depois mudei pra Geografia, já na UFRJ. Mas assim, a vida universitária, foi uma

experiência de vida importante essa ida pra Rural. Porque eu fui novo, com 17

anos, fui morar em república, então a saída da família, foi uma coisa importante

na minha vida. E a Rural tem uma aura muito legal ligada a essa coisa do natural,

da natureza, que foi marcante também, quer dizer, acho que reforçou também essa

coisa que já vinha da minha avó... eu comecei essa vida universitária nesse

ambiente da Rural, experimentando uma coisa nova, uma vivência nova, de viver

mias sozinho, mais responsável por mim, morando em república que foi uma

experiência interessante, que era uma coisa de coletivo... foi uma experiência

bacana. Quando fui pra UFRJ aí já fui com uma perspectiva meio de me formar,

mais focado nessa coisa do trabalho, já tinha essa preocupação de ter uma

formação pra uma atuação mais profissional. A UFRJ como experiência de vida

não foi tão rica como a Rural, mas ela me propiciou esta formação, este encontro

mais específico com a EA. O curso de Geografia é um curso que eu acho muito

interessante pra esta perspectiva da questão ambiental, não só da EA, mas pra

questão ambiental como um todo. É um curso que dá uma visão também ampla. A

geografia não é focada, ela tem até essa coisa da geografia física e humana, que

por um lado pra Geografia sempre foi complicado, mas pra questão ambiental é

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

289

uma coisa que enriquece o olhar do geógrafo. Então, essa formação achei bacana,

como formação profissional achei boa.

Aí depois, já no mestrado e doutorado, essa convivência não era mais

tão importante...?

É. Não, no mestrado e doutorado a gente já está muito sozinho mesmo, a

gente faz aquelas disciplinas... já está muito focado. Acho que a experiência

universitária é mesmo na graduação.

E a pesquisa em si, a convivência com outros pesquisadores, teve algum

impacto ou não?

A própria pesquisa, como comecei cedo, quando entrei na especialização,

mas principalmente no mestrado e no doutorado, tive que fazer muita coisa

sozinho, porque você não tinha orientação específica de EA. Os primeiros

doutores em EA estão chegando agora na universidade. Então eu sempre tive

orientadores em outras áreas que se sensibilizavam pela minha proposta e me

pegavam como orientado. Então, a minha pesquisa sempre foi muito solitária. Até

o próprio orientador não era muito parceiro por não ser da área, tinha dificuldades

também. Minha orientadora de mestrado foi superbacana, obviamente me deu

apoio, algumas orientações importantes, mas a discussão dela não era essa área.

Da mesma forma o doutorado. Acho até engraçado que eu me formei como

educador nessa coisa do coletivo e na pesquisa como uma coisa solitária. Talvez

até isso me leve a não ter uma visão que me encante tanto na pesquisa quanto me

encanta como educador. Talvez por conta dessa coisa solitária que eu não gosto

muito. Mas eu me formei dessa forma, então hoje tenho até uma certa dificuldade,

procuro até participar de grupos de pesquisa, mas é uma coisa de me forçar,

porque a minha prática de pesquisador é uma prática muito solitária...

E você pensando em você como educador; você já constatou que é

exemplo de quê?

A gente vai chegando numa idade que a gente começa a perceber que... é até

engraçado, quando a gente está na graduação, a gente está ali começando, então a

gente até tem uns referenciais, uns ícones, né? Professores, professores sempre

são referências. E hoje começo a me perceber como referência pra quem está

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

290

começando, isso é uma coisa interessante. Ás vezes até me surpreende um pouco

isso, porque você tem de deixar de ter aquela percepção (que era a que você tinha

quando estava começando) pra você ter outra percepção. Então você tem de

abandonar aquela percepção anterior, porque às vezes até te surpreende por que

você se vê ainda pensando daquela forma. Então, às vezes percebo que tem muita

gente nova, tá começando, e como eu tenho livros publicados as pessoas me vêem

como referência, e chegam a mim com essa postura. Mas pra mim sempre foi

muito importante a relação com o aluno. O momento de sala de aula, o momento

de trabalho como educador sempre foi uma coisa muito motivante pra mim

mesmo. E muito por conta dessa relação com o aluno. Isso eu acho que é uma

coisa meio de vocação. Sempre tive facilidade, apesar de ser muito tímido desde o

início, sou ainda, lógico, hoje muita coisa superada, mas no início eu era muito

tímido, mas eu entrava em sala de aula e essa coisa não era um empecilho, porque

tinha uma coisa de vocação nessa relação professor aluno, sempre foi muito boa

minha relação com os alunos. E isso é uma coisa que me satisfaz, é uma coisa que

eu procuro manter, fazer com que essa coisa não se perca. Então, se eu tenho um

grau, um modelo a estabelecer por mim mesmo, é um pouco isso, essa boa relação

com meus alunos, de respeito, de humildade, frente a eles, de aproximação,

porque eles têm muita aproximação comigo. Até hoje, por exemplo, ao me

perceber algo assim como uma referência, é uma coisa que pra mim tem de ser até

mais intencional porque essa coisa cria um certo afastamento, de ícone, de ídolo e

acaba gerando essa coisa que eu falei. Mas eu consigo quebrar isso com muita

facilidade num ambiente de aula, então isso é uma coisa que pra mim é

importante, ter isso, viver dessa forma.

E depois que você faz seu trabalho com os alunos o que você espera que

mude?

Basicamente, como todo educador ambiental, a princípio a gente espera que

eles se sensibilizem pela questão ambiental, para que eles percebam isso como

algo fundamental pra vida deles e pra vida como um todo, perceber não só no

sentido de entender, mas de sentir sensível a isso. E assim, essa é uma primeira

expectativa nesse sentido, mas a expectativa maior é que essa sensibilidade

reverta que eles se tornem militantes também dessa mesma causa, porque é algo

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

291

que precisa ser militado, as pessoas precisam estar num processo de exercício, de

cidadania, com essa perspectiva.

Como você gostaria de ser lembrado?

Ixi…! (risos) Aqui jaz... (risos) Gostaria de ser lembrado como uma pessoa

boa. Mais que isso já é muito, né? Uma pessoa que tentou fazer o melhor, tanto

pessoalmente como profissionalmente e que isso possa até servir de alguma forma

pra contribuir de algum jeito para o mundo ter se tornado um pouquinho melhor.

Acho que é essa minha razão.

Quais os valores que você acha que a sociedade manifesta hoje?

Isso é nítido, a nossa sociedade é muito individualista, as pessoas são muito

focadas em si, a perspectiva do coletivo é muito secundarizada, as pessoas têm

isso como não prioritário, a prioridade são os interesses individuais, particulares...

a coisa da competição, que está atrelada, né? Porque as pessoas são

individualistas, estão interessadas em si, então elas entram em competição pra se

apropriar daquilo que interessa a elas, menosprezando a coisa mais coletiva.

Então, isso ainda é muito forte na sociedade, faz parte da própria racionalidade da

sociedade, estar focada no indivíduo e este indivíduo não se percebendo

pertencente a esse coletivo, isso faz parte desta racionalidade e isso é muito

arraigado e incentivado e tem ficado cada vez mais evidenciada essa postura, esse

valor. Ao ponto que a gente tem hoje uma crise socioambiental que em muito é

fruto disso. A sociedade realmente está se dissolvendo na perspectiva individual.

A sociedade é um coletivo, mas se a gente está tão focado no indivíduo que a

sociedade está enfraquecendo, perdendo seus laços e eu acho que o fortalecimento

destes laços sociais deve ser uma perspectiva mais solidária, a solidariedade é que

reforça esses laços e a gente não tem essa perspectiva. Tem a perspectiva da

competição que faz com que a solidariedade seja sempre uma coisa secundária.

Então, acho que esses valores levam a sociedade a ser o que ela é hoje, aí vem

atrelado a isso a idéia de consumo, voltado pra atender esses interesses que são

criados por essa sociedade com interesses individuais, em que as pessoas vivem

pra buscar esses valores e esses interesses. Então tudo isso reforça uma sociedade

que é muito, muito individualista e aí tem uma série de mazelas por conta disso,

sociais, ambientais, de saúde pública, as pessoas enlouquecendo, se sentindo

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

292

psicologicamente fragilizadas, síndrome do pânico, as pessoas no meio da

multidão se sentem solitárias, depressão... são mazelas desse próprio modelo de

sociedade, que está levando a isso tudo.

Dentro disso, qual sua perspectiva de EA?

Acho que é a denúncia dessa realidade, desses referenciais, eu trabalho com

a idéia de paradigmas, e esses paradigmas dessa sociedade precisam ser

desvelados pra se tornarem conscientes, porque hoje eles estão inconscientes,

influenciam nossa vida, nosso jeito de ser de forma inconsciente, então tornar isso

consciente é papel da educação, fazer com que as pessoas percebam essa

realidade, como está se estruturando e a influência que isso tem na sua própria

vida e na sua prática, não só individual, mas na prática social, fazendo com que a

gente acabe reproduzindo na nossa vida esses referenciais sem perceber. Porque

está tão introjetado, referenciado em nossa visão de mundo que a gente olha pro

mundo dessa forma, compreende dessa forma e age dessa forma, por estar

inconsciente. Então acho que primeiro o papel da educação é desvelar isso, para

que se torne consciente e seja possível buscar fazer alguma coisa diferente, poder

fazer alguma coisa diferente. Agora o que acho que faz parte desse processo

educativo é demonstrar pras pessoas também, fazer com que elas percebam, que

não basta apenas elas também estarem conscientes dessa realidade, que pra essa

realidade se transformar e para que ela própria possa se transformar também, esse

processo de transformação se dá numa perspectiva de atuação política, que é

coletiva. Então, faz parte do processo educativo, desvelar, tornar isso consciente,

nesse processo de conscientização fazer com que as pessoas... permitam a elas

irem pra uma prática diferenciada disso que está aí como normal. Mas pra que elas

possam ter essa prática diferenciada, elas também tem que se perceber como

sendo pertencentes a um coletivo que quer essa diferença. Com essa ação coletiva,

política, é que a gente tem condições de começar a transformar a sociedade e nos

transformarmos ao mesmo tempo. Conforme a gente está participando disso a

gente tem condições de abrir outras opções, outros leques, outras formas de ver,

de entender, é aquela coisa que a gente fala: você estar se transformando no

próprio mundo, você interage com o mundo pra poder se transformar

individualmente. Interagir com o mundo é interagir com os outros. Acho que

nesse processo coletivo você tem chance de se transformar e de causar uma força

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

293

suficiente nessas relações sociais pra que você gere uma visão contra-hegemônica,

diferente da que predomina, da que é dominante, pra então você poder nessa

contraposição, nesta posição que não é a dominante, gerar pressão pra que alguma

coisa mude. Acho que é assim que as coisas mudem. O que eu vejo da EA é isso,

desvelar e ao mesmo tempo instrumentalizar o educando pra que ele se torne esse

sujeito coletivo, agente de transformação da realidade, em prol de um ideal que a

gente está construindo em cima da idéia de sustentabilidade, que ainda é uma

perspectiva ideal, mas que é a perspectiva ideal que a gente está arrumando, nossa

referência de rumo e é no dia a dia, nesse cotidiano, nesse fazer diferenciado que a

gente vai construindo também essa sustentabilidade, nessa contraposição contra o

que está aí. A sustentabilidade, a meu ver, é a perspectiva ideal. A perspectiva real

é justamente essa contraposição que faz com que as coisas se transformem em

direção a essa sustentabilidade ideal. E a gente vai tendo as transformações. As

conquistas e às vezes retrocessos. Mas é sempre nessa disputa, nesse embate que

se coloca entre forças hegemônicas e contra-hegemônicas. É a forma como

enxergo a constituição da realidade.

Você poderia dar um exemplo de como é um trabalho seu nessa

perspectiva?

Por exemplo... a gente hoje... eu, como indivíduo, cidadão, professor...

poderia estar trabalhando nas minhas aulas, com meus alunos, exercendo essa

perspectiva nesse meu lado profissional de professor na relação com meus alunos.

Sei lá, acho que é importante, eu procuro fazer isso na minha relação com meus

alunos. Mas, além disso, eu acho que é fundamental criar uma perspectiva de

militância de estar me constituindo com o coletivo. Então, eu procuro estar me

inserindo em coletivos que estejam se organizando com essa perspectiva. De certa

forma, em uns momentos mais, em outros menos, eu estou, estou envolvido com a

formação de redes de educadores ambientais. Hoje, mais particularmente, eu estou

bastante envolvido com a formação de um grupo acadêmico, que envolve várias

instituições, como a UFF, a Rural, a FIOCRUZ, o Pedro II e vários alunos de Pós-

Graduação. O grupo, LIEAS, está sediado na UFRJ e é interinstitucional, e tem

como objetivo formar um coletivo que defende, que tem uma identidade de

pensamento, teórica, e que procura se constituir como um grupo para fortalecer

essa identidade e fazer com que essa identidade se reflita na constituição dessa

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

294

realidade socioambiental que a gente está vivendo. Acho que isso é um exemplo

de militância nessa perspectiva de um sujeito coletivo. E é uma coisa que eu busco

fazer, embora ache difícil uma atuação da escola pública, a gente sempre tem a

esfera privada. Tem momentos que você consegue mais, outros menos. Nesse

momento eu estou me dedicando mais a este grupo do que à própria constituição

das redes. Venho participando desde o início, em alguns momentos mais, outros

menos. Neste momento estou menos atuante.

E como exemplo de ação pedagógica...?

De ação pedagógica, participar em projetos Agora mesmo, o LIEAS, ele fez

uma articulação com o sindicato de professores do estado do Rio de Janeiro, o

SEPE. E a gente está trabalhando na formação de lideranças no sindicato. A gente

está começando cursos com eles, no sábado passado foi o primeiro curso e a idéia

é que esse grupo faça esse processo de formação dessas lideranças por

entendermos que seria importante passar esta nossa perspectiva pra essas

lideranças sindicais do professorado estadual, para que eles estejam sensíveis a

isso e incorporem isso na militância política sindical deles. A gente considerou

isso importante e como grupo a gente está atuando nesse processo de formação

deles.

Na universidade, eu tenho procurado constituir... eu estou recém chegado

nessa universidade, estou lá há oito meses e por isso ainda estou tomando pé da

situação. O campus de expansão ainda é muito desestruturado, tem muitas

deficiências, a gente está ainda num lugar provisório, numa escola municipal, tem

dificuldade mesmo de espaço, então, assim, essa atuação na universidade ainda

está meio prejudicada, mas o cenário é de constituição de grupos também. A gente

já tem um grupo de EA, que é o da Rural, da sede, e a idéia é que eu esteja

fazendo também com que esse grupo tenha uma área de influência na Baixada

Fluminense, porque eu estou nessa área de Nova Iguaçu, a universidade está

abrindo esse campus novo... então que esse grupo se expanda aí pra Baixada,

através da minha participação, das minhas ações. Estou também desenvolvendo

pesquisa, atualmente eu estou liderando um grupo de pesquisa dentro desse

instituto que eu tô, que é o LIEME, do campus de expansão em Nova Iguaçu. É

um grupo de pesquisa que ainda está se estruturando, as pesquisas estão

começando. É um grupo não só de EA, mas de estudos ambientais, mas que tem

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

295

uma linha de EA exatamente pela minha participação, que é minha área de

atuação. Então, dentro das minhas limitações eu tenho procurado criar estes

espaços em que a EA possa estar sendo pensada numa perspectiva de pesquisa,

docência, extensão, tentando ganhar espaço dentro da universidade, porque essa

perspectiva de EA (a EA como um todo, mas essa perspectiva mais crítica em

particular) está em um movimento de embate dentro do espaço acadêmico. Então,

me percebo também como um militante dentro da minha própria instituição, junto

a outros colegas, também sensíveis a isso, está buscando criar espaço pra EA

dentro dessa perspectiva, assim como vários colegas estão fazendo em suas

instituições. E eu acho que, por exemplo, o LIEAS, tem essa perspectiva de

reforçar também essa atuação dentro de cada uma dessas instituições, pra que a

gente tenha mais peso, mais poder político de pressão, pra fazer com que a EA se

institucionalize dentro de nossas instituições, mas com esse caráter mais crítico.

O LIEAS é composto só por universidades...

A FIOCRUZ, que tem esse caráter de pesquisa, o Pedro II, que tem um

departamento de pesquisa por ser um colégio federal, mas aí também muito em

particular porque a pessoa do Pedro II era interessada na PG, fez um mestrado na

UFF, estava interessada no doutorado da Educação e este ano acabou de entrar no

doutorado do EICOS, se eu não me engano, da UFRJ. Então, por conta do próprio

interesse dela levou o Pedro II, mas o Pedro II tem esse departamento de pesquisa.

E é um grupo que pega só universidades do Rio de Janeiro?

É, hoje ele é só Rio de Janeiro. Na plataforma LATTES ele é visto como um

grupo da UFRJ. Por questões burocráticas ele ficou sediado lá, coordenado pelo

Fred, mas, desde o início, ele se reuniu... inclusive no início eu participava não

como universidade federal, mas como universidade privada (da qual eu fazia

parte), então hoje ele só tem realmente as universidades públicas, mas não são

todas, a UERJ não está presente, a UENF, a UNIRIO. Na verdade, assim, são

pessoas dessas instituições que tem esse interesse, que se reuniram, se aglutinaram

em torno do LIEAS, mas com a intenção de transformar as mesmas em um grupo

interinstitucional. Inclusive na própria plataforma LATTES do CNPq, mas por

enquanto a gente ainda está caminhando assim como um grupo da UFRJ e os

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

296

outros professores são pesquisadores colaboradores. Já deve estar chegando

próximo dos dois anos.

Você estava falando da sua postura enquanto pesquisador, militante,

professor... e na sala de aula, você tem um exemplo de como funciona este

trabalho que ao mesmo tempo é de denúncia desse paradigma e de

articulação das pessoas em prol da militância?

Por exemplo, em turmas de graduação, minha perspectiva, até pelo pouco

tempo (a gente tem seis meses e depois perde o contato), tem sido mais a de

desvelar e estimular pra que eles busquem essa militância. Mas na disciplina

propriamente, até por questões práticas mesmo, das dificuldades do dia a dia de

articular (já há muitos anos trabalho com graduação noturna, já na época da

privada e agora também na pública), a gente tem certa dificuldade em fazer com

que esses alunos tenham uma atuação mais sistematizada para além da sala de

aula, muitos trabalham... então, assim, meu trabalho em sala de aula é muito mais

de estar denunciando, desvelando e estimulando pra que eles entrem na militância

como sujeitos, cidadãos. Mas não ofereço, em si, por exemplo, um projeto em que

eles possam estar se inserindo de forma articulada pra estar fazendo alguma coisa.

Isso eu faço ao nível dos projetos que eu participo, e aí chamando alguns alunos,

aqueles que mais se destacam, que têm maior interesse... participam de projetos de

pesquisa, projetos de extensão, estágio...

O que você espera que esse trabalho seu promova de mudança no

mundo?

Espero, na verdade que esse meu trabalho entre num processo, que

contribua com o processo de transformação dessa realidade. O que meu trabalho

vai transformar eu não tenho grandes pretensões, que eu consiga ver o que meu

trabalho resultou numa transformação, não tenho essa expectativa, acho que não

se deve nem se alimentar, falo inclusive até disso com meus alunos. Acho que

nós, educadores, a gente não tem que ter a perspectiva da finalidade do processo, a

gente tem que ter a perspectiva de estar alimentando o processo, essa é a nossa

finalidade, alimentar o processo de transformação, para que esse movimento

ganhe força pra poder de fato causar transformações. Mas são transformações

processuais, né? Por isso que eu até condeno muitas vezes a perspectiva de

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

297

trabalhar a EA a partir da solução de problemas. Eu não gosto muito desse termo,

que é muito usado em EA. Porque acho assim, que isso gera uma preocupação,

uma expectativa no professor que não é pra gerar. Aí é comum, trabalho de escola,

né? Trabalho de EA vai trabalhar com a questão do lixo, do saneamento, aí o

problema da escola é o valão que tem ao lado. Pô, o professor vai identificar

aquilo como um problema. Ele vai solucionar aquilo ali? Não vai, né?! Entendeu?

Só vai gerar uma ansiedade nele...! Agora, se ele pegar aquele problema e usar

aquilo ali como motivação pra todo um processo pedagógico, de discussão, de

questionamento, problematização, ele está atingindo a finalidade dele, que é levar

as pessoas a perceberem isso, se tornarem sensíveis e ativos no sentido de

questionar e politicamente se articular pra poder mudar aquela realidade. Se a

gente consegue fazer isso, acho que a gente já atingiu a finalidade. Então, não

tenho realmente a pretensão de que a minha ação vá mudar alguma coisa. Que eu

consiga ver concretamente “ah, isso mudou por conta do que fiz”, mas as

mudanças como um todo, estou participando desse processo, acho que é o papel

do educador.

Uma coisa mais de correnteza do rio, né? De fazer o rio engrossar.

É, eu uso muito a analogia do rio, mas justamente ao contrário, porque eu

falo assim que a correnteza do rio é um pouco a correnteza paradigmática, do

pensamento mínimo, tipo assim, se você entrar nesse rio e ficar boiando você vai

ser carregado por ele na direção da correnteza. Eu falo justamente que o

movimento é um movimento de contra-correnteza, a gente criar esse movimento

de contra-correnteza pra nessa posição, aí sim, a gente criar um novo equilíbrio

daquela situação e buscar a partir dali uma síntese que seria diferenciar aquela

realidade. Gosto muito da analogia da contra-correnteza, não da correnteza.

Você hoje tem uma idéia de quais são os seus valores principais?

Eu estou num momento pessoal assim de vida, que eu tenho como valor

muito importante a questão da felicidade, entendendo que a felicidade não se faz

sozinha. Não consigo ser feliz sozinho. Então, acho que um valor importante pra

mim, hoje, é que eu possa estar propiciando coisas boas pra que eu faça os outros

felizes e pra eu possa ser feliz também. Na minha vida pessoal e na minha vida

profissional. Meu valor maior é o de buscar ter uma boa intenção. O que não quer

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

298

dizer que se efetive sempre em bons resultados. Mas eu acho que ter a boa

intenção é fundamental, e aí entra uma perspectiva ética. Eu, eticamente, procuro

estar sempre atuando da melhor forma, com uma boa intenção, de buscar estar

reforçando valores que eu acredito que são valores que possam estar agregando a

uma nova realidade, a qual eu defendo. Então, assim, a questão da solidariedade, é

algo importante de ser estimulado, incentivado; as relações amorosas, amorosas

no sentido mais amplo, das pessoas resgatarem a questão da afetividade com o

Outro, outro-indivíduo, outro-espécie. Na verdade, estabelecer uma relação de

afetividade. Desfocar dessa coisa tão centrada na gente, em nós próprios, e focar

na relação. E que essa relação seja uma relação afetiva. Então isso pra mim é uma

valor importante. É uma coisa que eu tenho procurado fazer, em mim como

pessoa, e na minha própria atuação, estabelecer isso como um valor importante de

ser estimulado e trabalhado.

Como você imagina que esses valores foram sendo construídos em

você?

Olha, acho que isso faz parte da trajetória de vida mesmo. Vem bem coisa

familiar mesmo, desde o início. Eu posso dizer que, desde essa perspectiva eu sou

privilegiado, sempre tive condições de ter uma vida sem grandes dificuldades

materiais, dificuldades psicológicas, emocionais. Então, acho que isso vem bem

desde esse início, mas ao longo desse processo também, com a minha própria

experiência de vida, estudantil, profissional, nas minhas relações pessoais... acho

que isso foi sendo consolidado. Realmente, não só consolidado, mas como

também percebido e buscado. Muitas vezes procurando construir mesmo, pra que

essa coisa se aflorasse mais, essa coisa da afetividade, por exemplo, é uma coisa

que eu senti necessidade de construir porque eu, por características pessoais

minhas, talvez até por timidez, no início eu tinha essa dificuldade pessoal de ter

uma relação mais afetiva. Por conta dessa timidez... uma coisa mais rígida. Então,

isso foi uma coisa a ser construída em mim. Pessoal, mas também refletindo no

profissional, então, na minha relação com os alunos... faz parte dessa trajetória

mesmo.

Se você não fosse professor, o que você seria?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

299

Difícil... eu não sei se eu seria, mas acho que eu gostaria de ser artista,

cantor, por exemplo, mas não sei se eu conseguiria. Acho aquela coisa do show

business bacana. A coisa da apresentação... eu falo isso porque eu participei do

coral da universidade. Então, assim, eu adorava as apresentações. É uma coisa

assim que me dava êxtase, me estimulava muito. Acho que é uma coisa que eu

gostaria, não sei se eu conseguiria, mas eu gostaria. (risos)

Quais que são seus sonhos, o que você tem em mente pra futuro...?

Eu sou pouco ambicioso com essa coisa de sonhos... eu sonho de ter uma

vida sossegada. Vida sossegada pra mim significa morar num lugar tranqüilo,

num esquema que eu consiga construir um lar, e aí lar que eu entendo, é família,

família é uma coisa importante – apesar de dois casamentos, é uma coisa que eu

considero importante, eu tô tentando, né? Então, eu tenho como sonho conseguir

construir um lar que tenha como característica essa coisa da tranqüilidade, do

sossego e aí, isso passa por uma coisa externa que é, por exemplo, morar num

lugar melhor do que esse que eu moro hoje. Isso é um sonho que na verdade já era

desde o passado, que é essa coisa de sair do grande centro, morar num lugar mais

sossegado. Eu continuo alimentando isso, essa minha ida pra Niterói é um pouco

essa tentativa de conciliar essa necessidade profissional de estar aqui, mas ao

mesmo tempo não estar no meio do furacão... mas acho que eu tenho ainda o

sonho de me afastar mais um pouco, morar num lugar mais sossegado e construir

essa coisa de família, de laços, aí a família até numa perspectiva mais ampla, laços

de afetividade onde eu estiver, criar esses laços de afetividade, relação de

amizade, onde eu estiver. Eu tenho grandes amigos, estão aqui no Rio. (risos)

Podia tentar fazer uma comunidade fora... (risos)... então assim, na verdade, é um

processo de construção. É uma busca também. Nas próprias relações profissionais

hoje eu tenho grandes amigos na área profissional. Acho que faz parte desse

processo criar novas relações afetivas. Acho que meu sonho é esse. Na verdade

não tenho grandes sonhos. Materiais não tenho grandes sonhos. É de ter um lugar

tranqüilo. Certamente, nessa sociedade, ter um lugar mais tranqüilo significa você

ter uma casinha própria, sem ser ameaçado de ser despejado (risos). Você ter

possibilidades de locomoção, de ir e vir, que de alguma forma seja sem grandes

transtornos. É basicamente isso.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

300

O que você imagina estar fazendo daqui uns dez anos?

Estar trabalhando com EA, dando aula... (risos) ...até porque daqui a dez

anos eu não devo estar aposentado. Mas assim, quando eu me penso na velhice, eu

me penso trabalhando, trabalhando como educador ambiental, não sei se na

universidade, mas de alguma forma trabalhando.

Como você faz pra conciliar sua vida profissional, que é tão agitada

com viagens, cursos e rede, com a vida pessoal?

Isso é um drama, né?, que acho que essa nossa sociedade moderna está

fazendo com que a gente tenha que lidar. A questão do tempo é uma coisa que

acaba oprimindo. Na falta de tempo pra tudo, na verdade acaba faltando tempo pra

tudo, até pro aspecto profissional, pro aspecto pessoal... é algo que me oprime e

que eu ainda não consegui lidar muito bem, eu volta e meia escuto conversas de

pessoas e vejo que é uma ansiedade de muitos e que muitos também não estão

sabendo lidar muito com isso. A gente tem cada vez mais uma demanda maior de

trabalho. As tecnologias que facilitam também nos enchem de sobretrabalho, de

tempo extra pro trabalho, a gente tá em casa e tá sempre trabalhando... o que

obviamente compromete o lado pessoal, né? Eu tenho procurado fazer assim,

entrar num movimento que é muito oscilante, às vezes você se dedica mais a uma

coisa, menos a outra, depois você tenta compensar, mas eu tenho tentado não ficar

workaholic, ter momentos pra mim, pra namorar, pra estar com meus filhos... mas

é duro, é difícil, viu? Uma coisa que eu tenho conseguido, não tem nem sido

muito intencional, mas tenho visto como sendo uma coisa que ajuda é namorar

pessoa da área, que aí você trabalha junto. (risos) Mas isso não é muito bom, não,

porque aí você acaba trabalhando em vez de namorar... (risos)

Fora o tempo, quais são suas dúvidas, os dilemas mais comuns na sua

vida...?

Grandes dilemas na minha vida...? acho que um dilema seria essa coisa da

gente às vezes se achar incapaz de conseguir mudar essa realidade. Eu geralmente

sou muito otimista, mas às vezes você se pega meio assim questionando a sua

impotência, não só a sua, mas a impotência de transformar essa situação. Mas eu

rapidamente me vejo...(risos) acho que é até meio um papel do educador, acho que

a gente não pode fraquejar nisso, se a gente fraquejar a gente pára, então

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

301

rapidamente me vejo numa posição otimista de que é possível, é possível

transformar. Mas é difícil, tem situações bem difíceis... mas... (risos) não tenho

mesmo esse dilema... acho que não tenho dilemas.

Nem como pessoa, nem como profissional?

Acho que hoje não.

A gente pode dizer que você é... bem resolvido?

(Risos) ...nem tanto, né? Senão eu tava casado...(risos) mas acho que não,

acho que até isso fez parte, foi uma experiência importante de crescimento, de

entender melhor a vida, pessoal. Não sei, acho que na verdade eu não sou bem

resolvido, mas eu estou tentando me resolver bem. Conforme vai caminhando, né?

Não sei, daqui pra frente de repente posso me deparar com uma situação em que

eu não me veja bem resolvido, mas por enquanto eu estou me sentindo sem

grandes problemas pra enfrentar as coisas que eu preciso enfrentar.

Que tipo de ação você vê que é recorrente no seu comportamento?

É uma perspectiva conciliatória, que nem sempre é... nem toda situação é

desejável. Às vezes essa perspectiva conciliatória me leva a ter menos força em

momentos que eu preciso ter mais força. Acho que isso é uma coisa que é

recorrente, é muito forte, eu sempre fui muito por essa linha de conciliação,

buscar... mas isso de certa forma se contradiz até com a linha teórica que eu

acredito e que eu milito, que é a do embate, nesse embate tem momentos em que

você precisa mesmo ir pra força, uma posição de força, de resistência. Então essa

posição conciliatória é uma questão que eu às vezes preciso me policiar pra poder

ficar coerente com isso eu estou propondo. Acho que isso é forte.

Tem mais alguma? Marca pessoal registrada do POLUX?

Acho que às vezes, até por essa coisa da timidez, às vezes de me isentar de

alguns posicionamentos, acho que às vezes eu necessitava me posicionar mais.

Não que eu não faça, às vezes eu faço, mas muitas vezes eu me percebo por conta

de uma expectativa que as pessoas têm em mim. Isso me leva a me posicionar,

mas é uma coisa meio, que eu preciso fazer de forma intencional, me forçar a

fazer isso. A minha situação de conforto é realmente ficar na minha, quietinho,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

302

sem confronto, sem estar muito exposto, essa é uma tendência minha, mas eu vejo

que em certos momentos isso é necessário, é um esforço que eu tenho que fazer.

Essa tendência é recorrente. Não quer dizer que eu vou ser sempre assim. Mas

muitas vezes acabo pecando de não fazer porque isso é uma situação de conforto.

E como você acha que as outras pessoas vêem o seu trabalho?

Acho que essa idéia de conciliador é muito vista pelos outros, porque várias

vezes já vi as pessoas falando assim: “ah, chama o POLUX pra resolver isso aqui,

a situação está complicada, então o POLUX é que vai pra poder não criar mais

problema, não criar mais briga...” Acho que essa visão eu carrego. As pessoas

percebem. Dá pra perceber porque realmente é uma postura muito forte. Mas eu

mesmo muitas vezes condeno, acho que não é a todo momento que ela é

importante. Mas acho que muitas vezes sou visto dessa forma, como conciliador

mesmo, pessoa que não está muito nessa perspectiva do confronto. E por isso

também eu sou bem aceito nos diferentes grupos, por não ter muito confronto,

né?, de certa forma eu consigo circular muito nos diferentes grupos, nas diferentes

opções. Tem o lado bom e o lado ruim. As pessoas vêem isso também como não-

posicionamento, em cima do muro. O que de certa forma, não deixa de ser

também. Não é o tempo todo, mas às vezes eu não me posiciono.

E você, como você se vê em relação ao seu trabalho?

Olha, eu me vejo assim também. Eu assumo essa minha postura menos

confrontacionista, de buscar conciliar, buscar consensos. Mas assim, por

experiência ao longo da vida, eu vejo que isso nem sempre é possível. E em

alguns momentos eu me coloquei, até à frente pra puxar algumas posições mais de

força. Então, assim, eu no meu trabalho me percebo assim, como tendo essa

característica. Mas, hoje, por conta da experiência, acho que eu consigo um

pouco, em determinados momentos, ir exercendo isso de uma forma mais

coerente, pelas coisas que eu defendo. Mas isso é fruto da experiência, da minha

trajetória, porque de início o que prevalecia era essa postura mais de acordo,

conciliador. Eu me vejo assim. E acho que é importante também ter essa pessoa

que consiga circular entre diferentes grupos, pra conseguir consensos, conseguir

avançar, às vezes você precisa de coisas assim.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

303

E os seus valores, aqueles que você já citou, outros que você lembra,

como que eles te ajudam na sua prática de educador ambiental?

Eles na verdade não me ajudam, eles na verdade estão presentes na minha

prática, se não estivessem presentes não seriam valores, poderiam ser retórica.

Mas acho que se eu consigo no meu trabalho de educador, de certa forma tocar os

outros, e eu acho, modestamente falando, eu acho que eu consigo muitas vezes, é

porque eu consigo ser verdadeiro nisso. Se eu não fosse eu não teria esse retorno

que tenho dos meus alunos. Então, acho que eles estão presentes na minha prática

e eu procuro ser o máximo possível fiel a esses valores na minha prática. Acho

que eles estão presentes na minha prática e acho que é fundamental como

educador você ter essa prática coerente com aquilo que você está falando. Acho

isso muito importante, pra um educador acho isso muito importante. E eu procuro

fazer isso (ênfase). Nem sempre isso é possível, mas eu procuro. Minha tentativa é

essa, fazer com que a minha prática seja coerente com meus valores, com a minha

fala, meu discurso, minha postura mesmo. E a coerência acho que é um valor que

eu persigo muito. Ser coerente. Tudo que eu faço eu procuro muito buscar o

sentido da coisa, do que está acontecendo, que estou vivendo. E ao construir esse

sentido, procuro ser coerente com esse sentido que eu construí. É uma coisa que

eu busco sempre, em todos os sentidos, pessoal, profissional. Posso até estar

errado, mas estou sendo coerente com aquilo que eu estou acreditando e que

procuro inclusive expor pra que os outros entendam com o que eu estou sendo

coerente. Acho que de certa forma, isso é uma forma também de as pessoas

viverem uma relação mais transparente. Isso gera uma confiabilidade maior,

mesmo as pessoas discordando. Pra um educador isso é importante.

Nesse sentido, que valores você acha que são importantes pra uma

sociedade que tenha uma relação mais saudável com o ambiente?

Acho que o valor de ser solidário com o outro é fundamental. Ser solidário

com o outro é ter esse olhar pra fora, inverter o olhar que a gente está hoje, pra

dentro, e colocar pra fora. Isso se dá a partir de valores que prezam a questão da

solidariedade, a questão do sentimento de pertencimento ao todo, ao coletivo, uma

perspectiva de vida mais ampla... valores que levem as pessoas a mudar o olhar

mesmo, de estar priorizando a relação com o outro, não é nem priorizar o outro,

mas a relação com o outro. A gente rompeu muito essa coisa de estabelecer as

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

304

relações, por conta dessa coisa tão focada no indivíduo. Então, assim, a gente

resgatar essa perspectiva de viver olhando pra relação é uma forma nova de você

viver e aí vem tudo. A relação é afetividade, relação de amor, de solidariedade,

companheirismo, amizade. Tudo isso que leva à perspectiva de relação deve ser

valorizado.

E como é que isso pode ser formado, construído?

Acho que num processo educativo é levando as pessoas primeiro a perceber

que estão vivendo nessa perspectiva, a meu ver, focada pra dentro e fazer com que

elas percebam a necessidade de voltar pra fora. E praticar isso, ou seja, criar no

processo pedagógico possibilidades. Esse desconstruir essa perspectiva pra

construir uma nova se dá justamente no fazer, no experimentar, no estar

vivenciando isso de alguma forma dentro do próprio processo pedagógico. Então,

assim, ações de EA têm que ter a questão da prática. A prática é fundamental. Mas

desde que seja uma prática reflexiva, que repute essa reflexão que leve a se

perceber a necessidade de se fazer diferente. E aí ter a oportunidade de fazer

diferente é fundamental. Criar um ambiente educativo que oportunize se fazer

diferente, eu acho que é extremamente pedagógico. Nessa perspectiva de você

estar desconstruindo isso. Porque essa desconstrução não é só uma desconstrução

teórica, é uma desconstrução na práxis. Acho que é por aí.

Se você fosse resumir, por que você é um educador ambiental?

Nasci assim. Na verdade comecei muito cedo, nunca pensei em fazer outra

coisa. Pensar até pensei, até comecei uma outra faculdade, mas eu era tão

novinho, 16 anos, quando comecei, acho que não estava ainda muito formado.

Quando comecei a fazer a formação isso já estava muito introjetado em mim. É

meu mesmo.

Que tipo de coisas você costuma estar pensando no seu cotidiano, o que

são pensamentos recorrentes... temas que sempre voltam...?

Na própria questão profissional, a questão ambiental é muito recorrente.

Está sempre presente na minha prática e, portanto, no meu pensar também. A

questão ambiental é muito recorrente. A questão da violência também é recorrente

porque a gente vive no cotidiano, a gente hoje precisa estar se precavendo porque

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

305

a violência social é muito recorrente... a temática da educação em si também, por

conta profissional, da minha atuação como professor universitário, é também

presente... é... acho que é isso... eu não fujo muito disso porque isso me ocupa

muito, né? Eu vivo muito a minha profissão, né? Acabam sendo também as

questões mais presentes na minha vida pessoal...

Em termos de emoções, de sentimentos, o que você identifica que é mais

comum com você?

Emoções? Depois de dois anos de casamento e descasamento acho que as

emoções estão bastante mexidas, né? Algumas coisas hoje passam pela emoção,

que são fortes. Tem essa questão da busca de uma outra pessoa, de uma

companheira, né? Isso faz parte desse momento de vida assim, que foi forte,

vários momentos de união e ruptura. Isso é uma coisa forte, está presente. Uma

emoção muito presente na minha vida é a emoção dada pela música, é uma coisa

que me emociona muito, me toca muito... Eu sinto muita paixão pela vida, sabe?!

De viver, por viver. A vida é uma coisa que eu vivo com certo prazer, às vezes até

as dificuldades, entendeu? A experiência de vida é uma emoção que me dá

satisfação, me dá sentido de realização. Sinto muito sentido de realização ao longo

da minha vida, mesmo nos momentos mais difíceis, obviamente que tem também.

Sei que assim na hora que você está vivendo um momento difícil é complicado,

mas quando passa eu geralmente consigo perceber um sentimento de realização

que me dá essa satisfação, esse prazer, de viver a vida, experimentar. Esse tipo de

emoção tenho vivenciado de forma bastante intensa. E aí, em alguns momentos,

me gera algum sentimento de êxtase por perceber essa satisfação. Em outros

momentos, em certas dificuldades, claro que vivencio assim, emoção de

insegurança... mas que faz parte do movimento. E acaba entrando nessa

perspectiva de olhar para trás, que isso fez parte. Uma emoção que acho que é

muito presente também por conta da nossa vida cotidiana é a própria insegurança.

A insegurança física mesmo, não aquela insegurança psicológica. É uma coisa

muito presente. Mas acho até que eu lido bem, porque eu vejo colegas na

faculdade que estão apavorados, Baixada Fluminense, à noite, as pessoas se

mobilizam todas por conta disso. Eu não sou lá tanto, mas há momentos em que é

uma preocupação.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

306

Em relação a coisas que você já tenha vivido que você sinta vergonha ou

culpa, insatisfação consigo mesmo...?

Atualmente acho que é... não me arrependo muito das coisas que eu fiz, não,

sabe? Mas assim, hoje, por exemplo, eu tô vivendo uma coisa mais... com a

separação, da minha mulher, dos meus filhos, eu sinto um sentimento meio de

afastamento com os meus filhos. Isso às vezes me gera essa sensação de... até por

conta daquela coisa de tempo que a gente falou, me sinto meio culpado de não

estar conseguindo corresponder ou lidar bem com essa situação ao ponto que

muitas vezes eu sinto esse afastamento deles e por parte deles em relação a mim,

às vezes minha em relação a eles também. Isso às vezes me incomoda um pouco,

até por conta disso, de eu estar tão voltado pra essa coisa da afetividade e por

conta da situação que eu estou vivendo eu às vezes sinto um pouco esse

distanciamento, a mim me incomoda.

E em termos de gastos, como é o seu perfil?

De dois anos pra cá minha vida mudou de ponta-cabeça. Eu sempre fui... no

meu primeiro casamento, que foi um casamento estável, longo, 18 anos, eu

sempre fui uma pessoa extremamente comedida, até porque minha mulher

também era certinha, organizada, comedida. Então, até dois anos atrás se você me

perguntasse eu ia falar, olha, eu gasto o necessário, tudo planejado. Mas de dois

anos pra cá eu meio me descontrolei, me permiti também, na verdade, não ficar

uma coisa assim tão rígida de planejamento. Mas assim, eu não sou consumista.

Não sou consumista de bens materiais. Hoje eu sou consumista de bens imateriais.

Então, hoje, se eu estou apaixonado por uma pessoa do outro lado do Brasil, então

vou pro outro lado do Brasil quando me dá vontade porque eu me permito. Depois

tenho que lidar com essa coisa. Agora, bens materiais eu nunca fui muito ligado.

Carro, por exemplo. Agora estou com um carro novo porque era mais vantajoso

ter um carro novo, mais econômico, mas não ligo pra carro assim, ter um carro

bacana...

Mas que tipo de coisa você gasta normalmente? Não que seja demais ou

de menos, é só o tipo de coisa.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

307

O que eu gasto é saindo pra comer, me divertir com amigos, namorada,

viajar. Isso é que eu gasto. Muito telefone (risos)... a namorada é de longe...

pouquíssima roupa...

Em termos de omissões, você poderia dar algum exemplo de alguma

que você já tenha feito? Ou deficitária ou superavitária...

Essa minha postura muito reclusa tem a tendência a me omitir, tipo

deficitária. Peco por me omitir, não estar participando de forma mais ativa. Às

vezes, assim, por exemplo, pra não gerar um conflito entre eu e outra pessoa ou

um grupo, às vezes acabo me omitindo de dar opinião, de colocar uma posição

mais firme e algumas vezes acabo me arrependendo... o contrário ocorre menos.

Me colocar além do que deveria colocar, dificilmente acontece isso.

E em termos de motivações, quais são as suas principais?

A minha profissão é minha motivação grande, quer dizer, minha atuação

profissional. Uma motivação grande que eu tenho é de me descobrir, de vivendo,

me descobrir como pessoa, me conhecer melhor e pra isso vivenciar coisas novas,

diferentes, é algo que me motiva. Gosto de vivenciar coisas novas. Apesar de ter

essa aparência mais conservadora, mais tímida, gosto da coisa nova, nesse sentido

até sou bastante ousado, não me assusta experimentar coisas novas, isso é uma

coisa que me motiva muito. E fazer isso pra me conhecer, entendeu?

Experimentar pra me conhecer.

Vai ver que vem daí o seu prazer de viver...

É, eu tenho isso. Pra mim isso é muito claro. Eu tenho prazer em viver. Vejo

pessoas que não têm. Pra quem a vida é uma coisa pesada. Pra mim a vida é uma

coisa muito leve. Mas ao mesmo tempo eu não sou uma pessoa que vive em

êxtase. Eu sou uma pessoa que vive muito na linha média do estado psicológico.

Não tenho grandes euforias, mas também nunca tive uma depressão na vida. Não

sei o que é ser deprimido. Mas contabilizando, tenho uma satisfação de viver

grande, me sinto satisfeito na vida.

E na vida, no geral, quais foram suas grandes decisões?

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

308

Acho que a primeira grande decisão foi quando realmente decidi ser

professor. Teve um dia marcado. Foi o dia que eu abandonei o curso de Geologia

e entrei na Geografia pra ser professor, pra trabalhar... nesse dia já pensei na coisa

de sair do Rio, foi uma decisão importante, que virou um projeto de vida. Aí

depois disso conheci a minha primeira mulher, na época da faculdade, que

também fazia geografia e que levou inclusive a ela entrar nesse meu projeto de

vida e a gente a sair juntos do Rio... depois a gente acabou descobrindo que o

projeto era meu, não era dela, por isso ela também não se adaptou tanto. Essa foi

uma decisão importante. Outra decisão importante foi quando estava lá na escola

de Lumiar e decidi ir pra fora. No sentido de que aquilo que eu fazia lá, que me

satisfazia muito, eu decidi que era algo que precisava ter um alcance maior. Foi

quando decidi fazer a publicação, corri atrás, fiquei um ano tentando arrumar

lugar pra publicar e que de fato acabou gerando toda uma conseqüência de fazer

com que hoje eu tenha uma atuação mais ampla do que era uma atuação

localizada na época como professor. Outra decisão importante foi agora, quando

terminei esse meu primeiro casamento e me permiti viver uma série de coisas

novas que estou vivendo, inclusive um casamento que também já acabou (risos)...

Foi importante pessoalmente me permitir várias coisas que precisava me permitir

pra me conhecer melhor e estou experimentando agora. Acho que foram estes os

momentos mais marcantes de decisão.

E a sua escala de prioridades...?

Primeiro é ser feliz (risos). Tem uma coisa que acaba sendo prioritária pra

ser feliz, que é aquela coisa de viver amando e sendo amado, vida a dois pra mim

é uma coisa importante, por isso que eu tô tentando... Viver isso de uma forma

serena, tranqüila, buscar construir esse ambiente. Acho que é isso. E repetir isso

na minha atuação profissional, de um educador que transmita essa felicidade de

viver e por conta disso queira uma vida melhor.

Então, o que você toma como critérios pra essas suas decisões?

Acho que critério é ser coerente com essas necessidades minhas, né? Quer

dizer, quando decido alguma coisa é pra tentar ser coerente com essa perspectiva

de ser feliz, essa perspectiva de que essa decisão permita com que eu viva

amorosamente as minhas relações, que eu consiga com essas opções refletir isso

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Professores Universitários: Seus Valores e a Opção da Educação Ambiental

309

na minha atuação de educador de uma forma mais plena. Acho que os critérios

estão atrelados a isso, sempre buscando ser coerente com essas opções.

Depois dessa sabatina toda (risos), como você hierarquizaria seus

valores?

Eu tenho dificuldade de nomear os valores. Acho que hoje o mais

importante é o estabelecimento de relações amorosas com a vida, bem amplo.

Hoje é o aspecto mais importante que eu vejo da minha tentativa, minha busca.

Isso entraria em primeiro lugar. Em segundo lugar... um elemento que eu

consideraria importante... faz parte do que eu falei antes, no primeiro lugar, mas é

estar militando por uma causa que eu acredito que é uma posição de vida mesmo.

Então, assim, eu poder estar exercendo isso nos diferentes ambientes que eu

circulo, então, a militância dessa posição, pra mim, hoje, é uma coisa importante,

é uma busca que eu tenho como sendo importante. Defender as posições que eu

acredito como posições válidas, hoje é uma coisa que me move a fazer o que eu

faço no meu dia a dia.

Então, em primeiro lugar, as relações; em segundo, a militância...

Essa militância nessa perspectiva, militância por esse ideal, essa forma de

vida. Em terceiro...? Não sei... isso é tão abrangente que acaba pegando tudo...

tenho dificuldade de dizer o que é valor... não sei... acho que essas duas coisas são

tão abrangentes que acabam abrangendo meu comportamento como um todo.

É? (pausa) Então, tá, vou deixar você em paz... risos... Obrigada!

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0410351/CA

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo