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'1lll!" -j:f~t;.; VIII Violência doméstica: um problema de saúde pública entre quatro paredes Flávia Batista 1. Introdução Mulheres e crianças, muitas vezes, encontram-se em grande perigo num lugar onde deveriam estar completamente seguras: seus lares. Para muitas, o "lar" é o palco onde se deparam com um regime de terror e violência nas mãos de alguém intimamente ligado a elas, um alguém em quem deveriam poder confiar. a termo ''violência doméstica" inclui aquela praticada por um parceiro íntimo ou por outro membro da família, em qualquer situação ou forma. a mais comum neste contexto é a violência do homem ,contra a mulher. Trata-se de um fenômeno mundial que não respeita fronteiras de classe Social, etnia, religião, idade e grau de escolaridade (Saftioti, 1995). Nas últimas décadas tem ocorrido um grande avanço noestudoeentendi- mento da violência doméstica, suas causas e conseqüências, e tem se de- senvolvido um consenso intemacional da necessidade de se lidar com este assunto. Segundo aUnicef üunho,2000), aviolência doméstica éaforma de violência mais prevalente no mundo contra mulheres e crianças, embora seja relativamente ignorada ou encoberta. Estudos com dados estatísticos confiáveis ainda são rarl

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VIIIViolência doméstica: um problema desaúde pública entre quatro paredes

Flávia Batista

1. IntroduçãoMulheres e crianças, muitas vezes, encontram-se em grande perigo

num lugar onde deveriam estar completamente seguras: seus lares. Paramuitas, o "lar" é o palco onde se deparam com um regime de terror eviolência nas mãos de alguém intimamente ligado a elas, um alguém emquem deveriam poder confiar.

a termo ''violência doméstica" inclui aquela praticada por um parceiroíntimo ou por outro membro da família, em qualquer situação ou forma. amais comum neste contexto é a violência do homem ,contra a mulher.Trata-se de um fenômeno mundial que não respeita fronteiras de classeSocial, etnia, religião, idade e grau de escolaridade (Saftioti, 1995).Nas últimas décadas tem ocorrido um grande avanço no estudo e entendi-

mento da violência doméstica, suas causas e conseqüências, e tem se de-senvolvido um consenso intemacional da necessidade de se lidar com esteassunto. Segundo a Unicef üunho, 2000), a violência doméstica é a forma deviolência mais prevalente no mundo contra mulheres e crianças, embora sejarelativamente ignorada ou encoberta. Estudos com dados estatísticosconfiáveis ainda são rarl

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Flávia Batista

a país, entre 20 e 50% das mulheres já experimentaram violência física nasmãos de companheiros íntimos ou membros da família (WHO, 1996).

A violência doméstica, com suas múltiplas faces e questões, aparece.no cenário mundial como um problema legal, econêmico, educacional, dedesenvolvimento, e, acima de tudo, um problema de saúde pública e dedireitos humanos.

Tem sido estabelecida forte correlação entre violência doméstica e sui-cídio, baseada em estudos realizados nos Estados Unidos, Fiji, Nova Guiné,Peru, índia, Bangladesh e Sri Lanka. É descrita tentativa de suicídio como12 vezes superior entre as mulheres vítimas de violência doméstica comrelação às mulheres que não viveram tal situação (WHO, 1989)..

2. DesenvolvimentoA ONU tem definido a violência contra a mulher como "qualquer ato de

violência que resulte ou possa resultar em lesão ou sofrimento físico, se-xual ou psicológico para as mulheres, inclusive ameaças de tais atos,coerção ou privação arbitrária da liberdade, quer ocorra na vida pública oUprivada" (UN, 1993). A violência no ambiente doméstico tende a consistirem atos recorrentes, cometidos por pessoas conhecidas da vítima, e quederivam de conflitos familiares ou conjugais.

Ao avaliar como a violência afeta a saúde da mulher e a saúde de seusfilhos, a definição da ONU, no entanto, acarreta alguns problemas meto-dológicos. Saucedo (1997) declara que "usar definições e caracterizar oproblema tem sido o primeiro obstáculo para seu estudo adequado. Esteproblema, como outros relacionados com aspectos específicos das rela-ções sociais e significados culturais, não pode ser compreendido utilizan-do-se os instrumentos de saúde pública tradicionais e, por isso, àsavaliações epidemiológicas da violência contra as mulheres, deve-se acres-centar o conhecimento específico das dimensões culturais e sociais rela-cionadas com a valorização de gênero".

A ReSquisa sobre a violência doméstica na América latina.eno_Caribecom-eçou'na décadad~ 1980: com-cerc-aaede~';;os de atra~o- emrelação a E.U.A., Canadá ~ Europa. Os primeiros estudos foram bél?j:c<l._II1~rl!.~u,,ªªU~ªQOSPOLQNGs,.comoobjetivJ) Ç"enfraLdeatrair a alen.çãop~rªJJmPJoblema que permanecia envolvido.em silêncio (Morrisol1&J~leh(2000). '. --- -. '. .-.----. .-

A questão da violênCia contra as mulheres tem sido recentemente in-r.IiJÍda nas acendas de muitos Qovernos nacionais e várias organizações

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Violência doméstica: um problema de saúde pública entre quatro paredes

internacionais. Um sumário do tratamento dispensado à violência domés-tica nos fóruns internacionais é apresentada abaixo:• Primeira Conferência Mundial sobre as Mulheres, Cídade do México,

1975. A questão do conflito dentro da família é mencionada .• Assembléia Geral da ONU, 1979. É aprovada a Convenção sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres.A violência contra as mulheres foi tratada apenas de forma secundária.Não houve nenhuma definição de violência sexual.

• Segunda Conferência Mundial sobre as Mulheres -Igualdade, Desenvolvi-mento e Paz, Copenhague, 1980.Os problemas de mulheres espancadase violência doméstica foram discutidos objetivamente. Foi adotada umaresolução sobre "mulheres espancadas e violência doméstica".

• Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos, Viena, 1993.A violên-cia contra as mulheres foi reconhecida como uma violação dos direitoshumanos. A declaração final incluiu uma proposta para designar umrelator especial sobre violência contra as mulheres.

• Declaração da ONU sobre a Eliminação da Violência contra as Mulhe-res, 20 de dezembro de 1993. Reconhece a necessidade urgente daaplicação universal às mulheres dos direitos de todos os seres huma-nos, em relação à igualdade, liberdade, integridade e dignidade_

• Convenção Interamericana sobre Prevenção, Punição e Erradicação daViolência contra as Mulheres, Belém do Pará, 09 de junho de 1994. Pro-posta pela OEA, considera que "o reconhecimento e pleno respeito portodos os direitos das mulheres é condição essencial para seu desenvol-vimento como pessoas e para a criação de uma sociedade mais justa,unida e pacífica". Define ainda a violência contra as mulheres como "qual_quer ato ou comportamento sexual que cause morte ou sofrimento físi-co, sexual e psicológico para as mulheres, na esfera pública ou privada".

• Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres, Pequim, 1995. Definea expressão "violência contra as mulheres", tal como usada na Decla-ração da ONU de 1993.

A evolução da idéia de violência doméstica para violência sexual (comona definição da Convenção de Belém do Pará, 1994) representa uma mu-dança na conceituação da violência contra as mulheres e uma compreen-são dos fatores de risco associados à violência sexual. A visão de que aviolência contra as mulheres é violência sexual. baseia-se no pressupostode que a desigualdade de poder nas relações entre homens e mulheresconstitui um fator relevante na escala de gravidade da violência. "A diferença

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Flâvia Batista Violência doméstica: um problema de saúde pública entre quatro paredes

do que responda adequadamente pe-stinguir entre fatores que atuam nosia.aior propensão para a violência ocorremico relativamente baixo, desempre-'abetos, ou entre aqueles que abusamas (Huesmann et alii. 1984).

to sugerem que a violência domésti-integrado, intimamente interligado eolência é principalmente aprendida, aaprender a ser violento acontece den-ntes ou a partir de outros modelos deRecompensas paternas para o com-maus-tratos paternos ou modelos pa-mecanismos pelos quais as criançasvida, sugerindo que vivenciar ou tes-pode ser o ponto de partida de umncia para se exercer controle socialitos interpessoais (Bandura, 1973;

Wolfe (1989) postularam que criançaspontos de vista inadequados sobreolência como um meio de resolver

Tanto a violência doméstica quanto a social constituem questões dedireitos humanos. Segund6 a OMS (PAHO, WHO, Sep. 1996), ''viver umavida livre do medo da violência é um direito humano básico". A violência éde fato uma séria ameaça à saúde pública, pois conduz ao aumento tantoda morbidade quanto da mortalidade da população .

A violência pode ser classificada segundo diferentes variáveis: indiví-duos que sofrem a violência (mulheres ou crianças, por exemplo); motivo(político, racial, emocional, etc.); e relacionamento entre a vítima e seuagressor (parente, amigo, conhecido ou estranho).

a violência doméstica têm sido feitastidade de suas vítimas. Pode ser, en-esse contexto, a violência domésticafísica; ocorre quando a mulher é víti-ntes, tem seus pertences pessoaisas e gritos como meios predominan-

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País Tipo de amostra Amostra Resultados ."J

Aleatória representativa 33.9% psicológica.•. *:

:hile 11994) de 22 a 55 anos,de Santiago em relacionamento 10,7% flsica

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de 2 anos ou mais lagressão grave) ;;:

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Colômbia (19901 Amostra nacional 3 272 mulheres urbanas 33,9% psicológica';1 ,

aleatória 2 118 mulheres rurais 20% flsica ,10% sexual

Costa Rica (1994 Representativa da área , 31 2 mulheres 75% psicológica:.';'.metropolitana de São Jos~ 10% flsica •• 0>'

6% confinamento-~.

mutuamente fortalecido. Como a ,no lar ...f

Equador (1992) Amostra intencional 200 mulheres 60% flsica-v:~;. primeira oportunidade para alguén

de bairro de Quito de baixa renda ~~,

tro de casa, na casa dos pais, par

Guatemala (1990 Amostra aleatória 1 000 mulheres 49% vllimas.~, comportamento (Endelson, 1999)

em Sacatepequez de maus.tratos ifj portamento agressivo, bem como74% delas por um ternos violentos, são alguns dosparceiro masculino .,,"" ...•

fntimo ~~,aprendem a violência bem cedo n

Haili (19941 Amostra nacional 1 705 mulheres 70% v[limas "1;' temunhar violência crônica no la

representativa de maus.tratos padrão constante de uso da viol,36% delas por um 'j. ~

".'t sobre outros e para resolver COIparceiro fntimo .•

Paraguai (19941 Amostra nacional 9,4% flsica t., Berkowitz, 1993). Jaffe, Wilson &,,"'representativa , 31,1 % psicológica F expostas à violência doméstica tê

-~México (1994) Amostragem 1.086 mulheres 45,2% vflimas

'~a aceitabilidade e a utilidade da

representativa em de maus.tratos " conflitos,9 munic[pios 17,5% flsica :i;: Entretanto, não há um fator isol,de Monterrey e sexual

15,6% flsica' I.•.' los altos níveis de violência. É útil'j'e psicológica " níveis individual, familiar e comunitI. '

Canadê (1993) Representativa nacional 12 300 mulheres acima 25% flsica

~Dentre os fatores individuais, a r

de 18 anos

E.U.A. (19861 Probabilidade nacional 2 143 casais em 28% flsica ,i entre rapazes, com nível socioecor

união legal ou nãogados ou subempregados, semi-ano

---~-- \ do álcool ou consomem drenas ilíc"

ntre esse tipo de violência e outras formas de coação e agressão é que oltor de risco ou vulnerabilidade é o simples fato de ser mulher" (Rico, 1996).Segundo estudos do Banco Mundial (1993), os níveis de violência do-

léstica são alarmantes nos países da América Latina e Caribe. Entre 3050% das mulheres adultas com parceiros são vítimas de maus-tratossicológicos a cada ano, enquanto 10 a 35% sofrem violência física.) quadro abaixo mostra a prevalência de violência doméstica contra mu-leres nas Américas, segundo Heise, Pitanguy & Germain (1994):

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Flávia Batista

Fatoresnanívelfamiliar são igualmente relevantes para uma análiseabrangentedavio.lênciadoméstica e social. Os fatores mais importantessão promiscuidade,rendafamiliar per capita, e dinâmica e normas familia-res - so.bretudo.seas normas predominantes são mais autoritárias do queigualitárias(Levlnso.n,1989).Alguns escritores têm enfatizado relações de-siguais entreassexoscomo fator central na explicação da violência do-méstica contraas mulheres. Nos E.U.A., por exemplo, uma pesquisanacional sabre~Io.lênciafamiliar, feita em 1975, constatou que na maioriadas vezesavlalenciacontraesposas ocorria quando elas eram dependenteseconômicaePSloolo.gicamentedos maridos dominantes (Berkowitz, 1993).

Fatorescomunitáriose societários também têm seu papel na gêneseda violênci~.Maisaindado que a pobreza, a desigualdade de renda acen-tua as naçoesdeprivação e frustração, que podem ser poderosos prece-dentes paraa co.mportamento violento. Níveis altos de pobreza edesigualdadefiguramentre os problemas mais refratários que contribuem,direta oUIndiretamente,para a violência social e doméstica na AméricaLatina ecan~e(Moser,1996).

A culturaetambémuma importante determinante do comportamento.A violênCiaeaprendidano tecido cultural de muitas sociedades e se tornaparte deumcon~untode normas que orientam o comportamento e contri-buem nafarmaçaode identidades de gnupo (vide conflitos atuais do OrienteMédio).

No Brasil,a Ministério da Justiça, através do Conselho Nacional dosDireitosdaMulher(1997), reconheceu como necessária uma estratégiade igualdadede gênero na área da saúde. Assim, propõe "sensibilizar ecapacitarprofissionaispara o atendimento de mulheres em situação defragilidade.e~o.cional,como a que ocorre no pré-parto, estágio puerperal,estupro,vlolencladoméstica, abuso sexual e outros". O mesmo docu-mento,aba!dandoa questão da prevenção e combate à violência, postulauma atuaçaago.vernamental para "coordenar ações interministeriais quedesenvalvams:rviços relacionados à violência, considerando prioritáriasas áreasdasaude, educação e cultura". Sugere ainda "implementar umsistemadeproteção às vítimas de violência doméstica e sexual e seusfamiliaresem~asode risco de vida" e "garantir o atendimento psicológicoàs mulheresVitimas de violência, pelas equipes de hospitais e rede doSUS".

Cabedizeraqui, que ao contrário da maioria dos países da AméricaLatina,aBr~sllnão possui legislação específica sobre a questão da vio-lência damestlca(Hermann, 2000). Esta não constitui, no ordenamento

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Violência doméstica; um problema de saúde pública entre quatro paredes

jurídico brasileiro, um tipo penal específico, mas se encaixa em tipificaçõesgenéricas como lesões corporais (artigo 129 do Código Penal Brasileiro),ameaça (artigo 147), etc. (Franco, 1996).

Segundo Andrade (1998), na década de 1980 foi se demarcando umanova atitude da sociedade, com a criação de "instituições femininas deapoio", como as delegacias da mulher (criadas no Brasil em 1984). Otrabalho de taís instituições, que objetiva receber queixas específicas deviolência de gênero, trouxe à tona uma realidade oculta, ou seja, a de queos maus tratos e víolêncía sexual contra as mulheres ocorriam muito maisfreqüentemente do que se imaginava.

Essa realidade veio trazer a público uma "margem oculta" de vitimaçãodas mulheres que, até então, era vista como um problema privado, "entrequatro paredes", e que, uma vez revelada, vai se convertendo em proble-ma penal, induzindo uma "demanda criminalizadora" (Hermann, 2000).

Quando se fala em violência doméstica, a demanda criminalizadora de-fronta-se com a posliura individual das próprias vítimas, uma vez que a maioriadelas hesita em recorrer à justiça, e, quando o faz, segundo Izumino (1998),adota uma atitude que vislumbra como "extrema", e age principalmente im-pulsionada pela repetição das agressões e pelo desejo de obter uma via demediação que lhe permita a renegociação de seu "pacto doméstico".

A hesitação da vítima de violência doméstica em recorrer à justiça re-trata a debilidade do sistema penal de nosso país no papel de proteção àsmulheres vítimas da violência, já que o mesmo não previne a reiteração daconduta por parte do agressor, e fecha-se às reais necessidades da víti-ma no sentido da resolução do conflito.

No Rio de Janeiro, segundo levantamento do Conselho Estadual dosDireitos da Mulher (Cedim), são registradas nas delegacias da mulher5098 ocorrências de violência doméstica por mês, ou 170 por dia, o queequivale a dizer que a cada hora há sete mulheres em situação de violên-cia naquela cidade (Harazim, 1998). O Poder Judiciário, por sua vez, aoreceber tais casos, tende a desconsiderar o conflito de origem e dispen-sar ao episódio de violência doméstica o mesmo tratamento que dispen-saria a qualquer outro, priorizando o andamento do processo em detrimentoao compromisso de pacificação, que deveria, em tese, nortear a atividadejurisdicional (Wolkmer, 1994). O resultado é que o sistema acaba por jo-gar na vala comum o conflito doméstico, cuja potencialidade lesiva é alta,porque a víolência ocorre num âmbito eminentemente privado, costumaaumentar de intensidade e é normalmente repetitiva, implicando, geral-mente, risco de vida constante e crescente para a vítima.

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Flávia Batista

A realidade é que vítima e agressor convivem sob um mesmo teto namaioria absoluta dos casos de conflitos domésticos. Entretanto, essesepisódios de violência são muitas vezes vistos como "mero incidente do-méstico" ao quai deve ser aplicado os ditados populares: "em briga demarido e mulher não se mete a colher" e "roupa suja se lava em casa".Essa visão "cultural" da violência doméstica muitas vezes obriga a mulher aconviver com o perigo e lhe sonega, principalmente às vítimas que perten-cem às camadas sociais mais baixas, o acesso a instâncias e mecanis-mos de mediação que possam assessorá-Ias adequadamente (médicos,

psicólogos, psiquiatras).O impacto da violência doméstica na saúde mental das mulheres en-

volvidas pode trazer importantes conseqüências. Mulheres abusadas emseus lares, segundo publicou a Unicef (2000), apresentam maior inci-dência de síndrome do estresse pós-traumático, síndrome do pânico,depressão, transtornos alimentares e alcoolismo. Já em 1996, a Organi-zação Mundial da Saúde, em sua publicação Vio/ence against women,relacionava uma lista das conseqüências da violência sobre a saúde da

mulher.

Conseqüências físicas:• Lesões (dilacerações, fraturas e lesões de órgãos internos)

• Gravidez não desejada• Problemas ginecológicos• DST, incluindo HIV / Aids• Aborto• Moléstia Inflamatória Pélvica (Mipa)• Asma• Cefaléias• .Síndrome do intestino irritávelConseqüências sobre a saúde mental:• Depressão• Ansiedade• Baixa auto-estima• Disfunções sexuais• Transtornos alimentares• TOC• PTSDConseqüências fatais:

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Violênda doméstica; um problema de saúde pública entre quatro pôlrcdcs

• Homicídio• Mortalidade materna• HIV/Aids

Um estudo conduzido por Woods & Campbell em 1993demonstrouque mulheres vítimas de violência no lar apresentavam distúrbios psicoló-gicos associados com a síndrome do estresse pós-traumático três vezesmais freqüentemente do que as mulheres sem histórico de violência. Ou-tro estudo, realizado pela Associação Mexicana contra a Violência contraas Mulheres, em 1996, revelou que 35% das mulheres maltratadas decla-ravam sofrer de depressão, 28% de medo e ansiedade, e 10% de alcoolis-mo e tendências suicidas.

Os custos econõmicos da violência doméstica para a família e a socie-dade também são amplos. Incluem o valor dos serviços de saúde usadosem tratamento ou prevenção da violência doméstica, bem como o valorde bens e serviços que deixam de ser produzidos quando os maus-tratoslevam ao aumento do absentismo, ao decréscimo da produtividade noemprego e à perda do emprego. Os custos anuais de tratamento médicoe da perda de produtividade no trabalho nos E.U.A. foram estimados em 5a 10 milhões de dólares (Meyer, 1992).

3. ConclusãoA violência contra a mulher no contexto familiar tem se destacado como

um problema crítico, com conseqüências devastadoras, físicas e emocio-nais, para as mulheres, crianças e famílias envolvidas. É uma das formasmais comuns de manifestação da violência e, no entanto, uma das maisinvisíveis, sendo uma das violações dos direitos humanos mais pratica-das do mundo.

A maioria dos dados disponíveis em violência contra a mulher é tidanãó somente como conservàdora, mas também não confiável. Estudosde prevalência com amostras populacionais representativas são bastanteraros, além de haver grande dificuldade na comparação desses estudosdevido à inconsistência na definição de violência doméstica, e com rela-ção aos parâmetros usados, que variam de abuso físico isolado, até abu-so físico, sexual e psicológico .A violência doméstica aparece no cenário mundial não somente como

um problema de saúde pública mas como um mal que afeta todos osníveis da sociedade, pois ~ gerada em seu principal alicerce: a família.

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Flávia Batista

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Há necessidade de propostas amplas para dar às mulheres os instru-mentos de que precisam para instituir a igualdade de gênero e exercerplenamente seus direitos humanos. Programas que ofereçam assistên-cia às vítimas de violência doméstica deverão se tornar parte essencialdas políticas internacionais. E, finalmente, é preciso realizar mais pesqui-sas para se adquirir uma noção confiável da extensão da violência do-méstica no Brasil, usando-se instrumentos estatísticos que produzamdados comparáveis e possibilitem medir o progresso das intervenções eseu impacto.

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IXÁlcool e crime

Danilo Antonio Baltieri

Sidnéia Peres de Freitas

1. Álcool

1.1 - Aspectos históricosO interesse dos seres humanos pelas substâncias psicoativas parece

ser tão antigo quanto a própria existência do planeta, O álcool etílico talvezseja a droga mais antiga utilizada pela espécie humana, havendo vestígiosda sua existência desde períodos paleolíticos (Westermeyer, 1991),

Acredita-se que, há mais de sete mil anos antes de Cristo, o vinho jáera fabricado em certas regiões do Oriente Médio. No Egito e na Assíria,festas de veneração aos deuses da agricultura culminavam em bebedei-ras coletivas que duravam dias seguidos (Fernandes & Fernandes, 2002).

Apesar dos relatos pré-históricos do consumo de bebidas alcoólicas,foi somente a partir do século XVIII que o conceito de beber excessi-vamente teve descrição clínica na literatura. Benjamim Rush, nos EstadosUnidos, e Thomas Trotter, na Inglaterra, introduziram o conceito de alcoo-lismo na comunidade médica, começando a relacionar o consumo exces-sivo do álcool com o conceito de doença. Até a metade do séc. XIX, outrospesquisadores tiveram influência sobre o álcool na literatura: Bruhl-Cramer,

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Danilo Antonio Baltieri • Sidncia Peres de Freitas

da Rússia, descreveu a dipsomania como um desejo anormal involuntárioem relação ao álcool; Esquirol, na França, considerava o alcoolismocomo uma monomania sem delírio; e Magnus Clauss, na Suécia, des-creveu o alcoolismo crônico, considerando como uma condição de into-xicação crônica na qual sintomas psiquiátricos, somáticos e mistossurgiam (Laranjeira & Nicastri, 1996). Os anos que se seguiram mostra-ram uma grande produção de idéias com muitas classificações de alcoo-lismo em vários países. Bowman e Jellinek analisaram várias classifi-cações de alcoolismo e propuseram, em 1960, uma espécie de tipologiado alcoolismo:a) tipo alfa: o álcool é utilizado como uma forma de 'tratar" o desconforto.

Não há o beber excessivo ou descontrolado;b) tipo beta: o alcoolismo é manifestado por complicações físicas, mas

não ocorre dependência e síndrome de abstinência;c) tipo gama: o alcoolismo é manifestado por tolerância, beber descon-

trolado e sintomas de abstinência;d) tipo delta: esta fase é similar ao tipo gama, mas o alcoolista não conse-

gue manter nenhum período de abstinência;e) tipo ípsilon: esta fase é o alcoolismo periódico, caracterizado pela

ingestão maciça e intermitente de álcool, como na dipsomania (Jellinek,1960).

Nas últimas décadas, o uso dessa substância tem se tornado um pro-blema de saúde pública, havendo a necessidade do desenvolvimento in-tenso de projetos preventivos (Andrade et alii, 1985).

1.2 - Aspectos epidemiológicosA atual importância do alcoolismo no Brasil e em outros países é evi-

dente. Estudos epidemiológicos americanos indicam que a dependênciado álcool afetará 10% da população em algum momento das suas vidas,sendo que os homens serão mais afetados do que as mulheres (Garbuttet alii, 1999). Em estudo realizado em 1984, nos E.U.A., cerca de 14% dapopulação podia ser considerada dependente de álcool (Robins et alii,1984). Em outro estudo, em 1997, neste mesmo país, 13,3% da popula-ção podia ser considerada dependente desta substância psicoativa (Grant,1997).

Segundo a Eurocare (1999), a Europa é a região do mundo que maisproduz e consome bebidas alcóolicas. Em Portugal, por exemplo, 300 a

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Álcool e crime

500 mil indívíduos (de um total de 9,2 milhões de habitantes) são depen-dentes do etano!. Na França, cerca de 2 milhões de pessoas (de um totalde 58,3 milhões de habitantes) podem ser consideradas dependentesdessa substância psicoativa.

.No Brasil, conforme o Centro de Informações sobre Drogas Psicotrópi-cas do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de SãoPaulo - Cebrid (Carlini et alii, 2001), o uso de álcool foi de 68,7%, porcen-tagem bem menor do que o levantamento domiciliar realizado nos E.U.A.,em 2000, onde o uso de álcool foi de 81%. Há uma estimativa de cerca de11,2% de população dependente de bebidas alcoólicas no Brasil, o querepresenta mais de 5,2 milhões de pessoas.

Várias mazelas sociais são, freqüentemente, associadas ao usoindevido de etano!. Em vários países, o álcool etílico parece ser respon-sável por 30 a 50% dos acidentes fatais de trânsito (Marin & Queiroz,2000; Gazal-Carvalho et alii, 2002). O consumo dessa substância temsido associado à perpetração de 50% de todos os homicídios, mais de30% dos suicídíos e tentativas de suicídios, e a uma ampla gama de com-portamentos violentos (Minayo & Deslandes, 1998). Tem sido verificado,também, que o consumo de bebidas alcoólicas precede comportamentossexuais crimínosos tanto entre os agressores quanto entre as vítimas dosatos ilícitos, em cerca de 34 a 72% dos casos (Taylor, 1995).

1.3 - Aspectos clínicosHá alguns anos, o alcoolismo era evidenciado como um problema in-

curável, relacionado a deficiências de caráter, caracterizado pelo descon-trole, impulsividade e postura de um indivíduo fraco que bebe por ócio.Hoje, entende-se o alcoolismo como um fenômeno emergente, que surgeem uma rede causal complexa, onde interagem fatores biológicos, gené-ticos, sociais, culturais e psicológicos, sendo compreendido como umadoença (Edwards et alii, 1999).

Várias são as complicações psiquiátricas e neuropsiquiátricas advindasdo consumo de etano!.

1.3.1 - Intoxicação alcoólica

O consumo excessivo do álcool pode causar desde euforia, diminui-ção da atenção, prejuízo do julgamento, irritabilidade, agressividade, de-pressão, labilidade emocional, redução do nível de consciência e,eventualmente, coma (Janicak et alH, 1995).

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Danilo Antonio Balticri • Sidnéia Peres de Freitas

Pode-se realizar uma correlação entre a concentração sé rica de etanol~s alterações do comportamento em pessoas que não desenvolveram

erãncia à substância:níveis entre 50 a 100 mgldl: euforia, agressividade e incoordenação

motora;níveis entre 100 a 200 mgldl: fala embriagada, ataxia, tonturas, náuseas;níveis entre 200 e 300 mgldl: letargia, discurso incoerente, agressividade;níveis entre 300 e 400 mg/dl: estupor e coma;níveis acima de 500 mgldl: depressão respiratória e morte (França,

2001 ).

1.3.2 - Abuso de álcoolO quadro de abuso de álcool é caracterizado por um padrão maljaptativo de uso do álcool levando a um sério dano ou sofrimento c1inica-lente significativo, manifestado por um ou mais dos seguintes critérios,antro de um período de doze meses, segundo critérios da Associaçãosiquiátrica Americana (APA, 1995):) uso recorrente do álcool resultando em fracasso em cumprir obrigaçõesimportantes relativas a seu papel no trabalho, na escola ou em casa;

) uso recorrente do álcool em situações nas quais há perigo físico (porexemplo, quando se dirige embriagado);

) problemas legais relacionados ao uso do álcool;) uso da substância, apesar dos problemas sociais ou interpessoais per-sistentes ou recorrentes causados ou exacerbados pelos efeitos do

álcool;,) os sintomas nunca satisfizeram os critérios de síndrome de dependên-

cia ao álcool.

1.3.3 - Síndrome de dependência ao álcoolO quadro de dependência ao álcool é diagnosticado a partir de um

ladrão mal adaptativo de uso de álcool, acarretando sérios prejuízos oulofrimento significativo, manifestado por pelo menos três dos critérios,

legundo aAPA(1995):~) evidência de tolerância;J) estado ou síndrome de abstinência;J) a substância é freqüentemente usada em maiores quantidades ou por

um período mais longo do que o desejado;::I) existe um desejo persistente ou esforços mal sucedidos de reduzir ou

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Álcool e crime

e) muito tempo é gasto em atividades necessárias para a obtenção dasubstância, na utilização da mesma ou na recuperação dos seus efei.tos;

f) importantes atividades sociais, ocupacionais ou recreativas são aban-donadas por causa do uso do álcool;

g) o uso da substância continua apesar da consciência de ter um problemafísico ou psicológico persistente ou recorrente.

1.3.4 - Síndrome de abstinência ao álcoolQuadro clínico que se inicia após a cessação ou redução abrupta do

consumo crônico e intenso do álcool. Pelo menos dois dos seguintes cri-térios devem existir:a) hiperatividade autonômica;b) tremor das mãos;c) insônia;d) náuseas e vômitos;e) ilusões ou alucinações transitórias;f) ansiedade;g) convulsões do tipo "grande mal";h) agitação psicomotora (Seibel, 2001).

1.3.5 - Delirium por abstinência alcoólicaEste quadro pode ocorrer após a interrupção ou redução abrupta do

uso crônico e intenso de álcool, em pacientes clinicamente comprometi-dos. Há confusão mental, acentuada hiperatividade autonômica, alucina-ções vívidas (visuais, táteis, olfativas), delírios, tremor, agitação, febre econvulsões. (Edwards et alii, 1999).

1.3.6 - Transtorno amnéstico relacionado ao álcoolTranstorno amnéstico ou "blackout" são episódios transitórios de am-

nésia que acompanham vários graus de intoxicação alcoólica. Há, aqui,amnésia retrógrada para eventos e comportamentos ocorridos durante operíodo de intoxicação, embora o nível da consciência do indivíduo intoxi-cado não esteja aparentemente anormal quando observado por terceiros.Tais episódios podem estar associados com o beber excessivo em indiví-duos dependentes ou não. No entanto, os "blackouts" parecem ser maiscomuns nos pacientes em fases tardias da dependência ao álcool (Castel

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Danilo Antonio Baltieri • Sidnéia Peres de Freitas

1.3.7 - Alucinose alcoólica ou transtorno psicótico relacionado aoconsumo do álcool

Caracteriza-se pela presença de alucinações vívidas e persistentes(freqüentemente visuais e auditivas) sem alteração do nível da consciên-cia, após a diminuição ou cessação do consumo do álcool, em pacientesdependentes dessa substância. O quadro pode persistir e evoluir parauma forma crônica semelhante à esquizofrenia. Alguns pacientes podemapresentar quadros paranóides (Schuckit, 1999).

1.3.8 -Intoxicação alcoólica patológica (ou idiossincrática)Caracteriza-se por um comportamento desadaptativo (freqüentemente

~gressivo) após a ingestão de pequenas quantidades de álcool. Tal com-)ortamento deve ser atípico, quando comparado às situações em que ondivíduo não bebeu. Freqüentemente, há amnésia para o período de into-<icação (Laranjeira & Nicastri, 1996).

1.3.9 - Síndrome demencial alcoólicaDanos cognitivos progressivos e importantes em pacientes usuários

:rônicos de álcool, muito semelhante, clinicamente, à Demência de~Izheimer (Gitlow & Seixas, 1991).

1.3.10- Síndrome de WernickeCaracteriza-se, clinicamente, por ataxia, desorientação espaciotemporal,

:onfusão mental e oftalmoplegia (Fonseca, 1993). A etiologia dessa condi-:ão está associada à deficiência de tiamina (vitamina B1). Aproximada-nente, 25% dos pacientes alcoolistas admitidos em hospitais universitárioslOS E.U.A. apresentam déficit desta vitamina (Rivlin, 1993).

1.3.11 - Síndrome de Korsakoff

Também associada ao alcoolismo crônico, esta síndrome caracteriza-se,linicamente, por amnésia de fixação 0\1 de evocação, confabulação eesorientação espaciotemporal (Morris, 1989).

1.3.12 - Mielinólise Central Pontina e Doença de MarchiafavaBignami

São duas raras condições encontrad(ls em alcoolistas crônicos e desnu-idos. Na Mielinólise Central Pontina, podem ocorrer disfagia, disartria, afonia,ificuldades para engolir, oftalmoplegia completa, falta de reação corneana,uadriparesia ou quadriplegia hipo ou arreflexia e, finalmente, a morte.

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Álcool e crime

A Doença de Marchiafava Bignami, reconhecida pela necrose do corpocaloso, manifesta-se por deterioração neurológic(l rápida. O paciente apre-senta agitação, confusão mental, alucinações, negativismo, ataxia, disartria,hipertonia, julgamento prejudicado e desorientação. Pode haver disfagia,ecolalia, distúrbios da marcha, incontinência urinária e fecal, perseveração. do pensamento (Sanvito, 1977; Alia, 2000).

2. Crime

Crime é a infração da lei penal. E lei é aquilo que se escreve ou se dize se passa de geração a geração, que penaliza o infrator com multa, pri-são, reclusão ou com a figura do pecado, objetivando manter a ordem e otecido social dentro de padrões predeterminados (Segre, 1996).Caracteriza-se o ato criminoso como antijurídico, atípico e culpável.

Dessa forma, há tanto elementos objetivos quanto subjetivos no ato crimi-noso. Os primeiros dizem respeito à antijuridicidade e à tipicidade do ato;e o elemento subjetivo diz respeito à culpa (Maranhão, 1995).Abrahamsen (1960) descreveu o que denominara "a fórmula do crime":

C " (T + S) / R, ondeC " ato criminoso, T " tendências criminosas, S " situação global eR " resistências emocionais e mentais da pessoa ao crime.

Para este autor, o ato criminoso é a soma das tendências criminosasde uma pessoa com a sua situação global, dividida pelo acervo das suasresistências. "As tendências criminosas de uma pessoa e suas resis-tências a elas podem resultar numa ação criminosa (anti-social) ou emato socialmente aceitável, na dependência de qual dessas forças venha apredominar".

Apesar da grande simplicidade dessa fórmula, ela é clara e judiciosa.Todavia, embora atraente, esta fórmula rígida não dá a real noção da com-plexidade do ato criminoso, sua gênese e sua abordagem. Fica ao cargoda Criminologia, enquanto ciênci(l interdisciplinar, avaliar o crime, a pes-soa do infrator, a vítima e o controle social do comportamento delitivo, e, apartir disso, gerar uma informação válida sobre a gênese, dinâmica e va-riáveis do crime, bem como elaborar programas de prevenção e técnicasde intervenção.

Em razão da complexidade do ato criminoso, o saber empírico daCriminologia torna-se cada vez mais relativo e inseguro. Esta ciênciaacaba por não descobrir a exatidão das leis de causa e efeito, mas sim

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Danilo Antonio Baltieri • Sidnéia Peres de Freitas

1 conformar-se em conseguir uma informação válida sobre a realidade.Ilão trata de exatidão, mas de conexões menos exigentes. Lembrar que olomem não é objeto do acontecer e da História mas sim o sujeito da mes-na justifica a abordagem da Criminologia. Assim, o crime é um fenômenolumano e cultural, e compreendê-lo exige do investigador uma atitude fle-<Ível, intuitiva e empática, capaz de captar a complexidade de um profun-jo problema humano e comunitário (Gomes & Molina, 2000). Assim sendo,Jrocurar entender um crime a partir de um fator causal único consiste em3.titude altamente simplista e pouco válida.

De qualquer forma, é certo afirmar que determinados fatores sociais,como a miséria, a promiscuidade, a doença, o uso de drogas, o abandonode menores, as más condições de habitação etc. influenciam nacriminalidade (Segre, 1996).

3. Álcool e crimeo álcool está, realmente, implicado em vários prejuízos tanto aos seus

usuários quanto à sociedade de uma forma geral. Doenças relacionadasao consumo do álcool etílico e danos financeiros à sociedade em razãodos gastos com o tratamento do alcoolismo e suas conseqüências sãobem conhecidos na literatura internacional. Entretanto, a relação entre ocrime e a bebida é extremamente complexa, sendo que uma causalidadedireta e unidirecional entre crime e álcool raramente é suficiente (Edwardset alii, 1999).

Estudos que associam o consumo de substâncias psicoativas comatividades delitivas apontam, em geral, três fatores de conexão:a) os próprios efeitos psicofarmacológicos das substâncias provocariam

comportamentos desadaptativos e violentos, o que resultaria em ativi-dades ilícitas;

b) as necessidades econômicas dos usuários conduziriam a atos crimi-nosos por parte do dependente para sustentar o próprio vício;

c) a própria violência associada ao tráfico e ao mercado de drogas - cri-me organizado (Martin & Bryant, 2001).

Aceita-se, em geral, que o mau uso do álcool etílico está relacionado aocrime. Contudo, tal associação é de difícil execução, porque, além de boaparte dos estudos serem retrospectivos, baseados nos relatos dos pró-prios apenados, o comportamento criminoso é complexo e multifatorial

e. ao mesmo tempo,

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Álcool e crime

predispõem ao consumo pesado de bebidas alcoólicas, e estão associa-dos às atividades criminosas, a saber: baixo nível socioeconômico,disfunções famíliares, transtornos precoces do comportamento, abusosexual ou físico infantil, dentre outros (Cohen, 1999; Wildom, 2001),

No entanto, as associações positivas entre o consumo do álcool etílicoe a atividade criminosa são bastante disseminadas na literatura interna-cional (Fergusson & Horwood, 2000; Wildom, 2001).

Pessoas com diagnóstico de transtorno de personalidade do tipo anti-social costumam apresentar consumo precoce inadequado de álcool eoutras drogas e problemas com a Justiça. O risco da realização de umcrime violento (contra a pessoa) tende a ser aumentado entre indivíduos como duplo diagnóstico: alcoolismo e transtorno de personalidade anti-social(Poldrugo, 1998).

Dessa forma, parece haver relativo consenso na literatura sobre doisfatores intimamente associados à atividade criminosa:a) o duplo diagnóstico concomitante de alcoolismo e transtorno de personali-

dade anti-social do infrator;b) a história pregressa de atividade criminal, ou seja, a reincidência criminal

(Poldrugo, 1998; Hernandez-Avila et alii, 2000).

Possivelmente, por razões culturais, os homens são mais agressivosdo que as mulheres, e uma história pregressa de atividade criminosa éimportante fator preditivo da reincidência criminal.

Por outro lado, Hodgins (1992) tem encontrado um risco aumentadopara atividades criminosas entre indivíduos com retardo mental que abu-sam de álcool.

Algumas abordagens antropológicas têm sugerido que o grau em queas pessoas se comportam violenta ou sexualmente quando alcoolizadasnão é tão determinado pela-bebida, mas sim pela maneira pela qual asociedade e a cultura acreditam ou supõem que as pessoas se compor-tarão quando intoxicadas (Edwards et alii, 1999; Harold, 2000). Harold (2000)critica a teoria determinista de que o consumo de álcool cause o compor-tamento violento e, ao mesmo tempo, isente o indivíduo embriagado dasua responsabilidade civil e moral.

Wildom (2001) aponta a estreita relação entre violência sexual e consumode bebidas alcoólicas. Miller et alii (1997) sugerem três teorias que justifiquemuma relação direta entre o consumo abusivo do álcool e o abuso físico infantil:a) o álcool está implicado em comportamentos violentos, uma vez que o

dependente acaba por apresentar uma outra Iinauaaem e comportamento

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Danilo Antonio B3ltieri • Sidnéia Peres de Freit3s

durante a fase de intoxicação. Os familiares, dessa forma, interpre-tariam os atos do dependente como rudes, abusivos e ameaçadores;

b) o agressor, atribuindo seu comportamento inadequado ao uso do álcool,acaba por se eximir de qualquer responsabilidade ou culpa diante doseu comportamento já previamente existente;

c) o álcool, sendo um depressor do sistema nervoso central, interfere nocontrole do comportamento exercido normalmente por centros inibitórioscerebrais, provocando desinibição do comportamento sexual.

De qualquer forma, além de existirem estudos que demonstram umaassociação entre o consumo de álcool e atividades criminosas, existempesquisas mostrando que pessoas alcoolizadas são, freqüentemente, ví-timas de atividades violentas (Edwards et alii, 1999).

Já a mortalidade por causas externas ou violentas vem se constituindo,nas últimas décadas, em um fenômeno de importância crescente no perfilde mortalidade de nosso país. Homicídios, suicídios e acidentes de váriostipos (afogamentos, quedas, acidentes no trânsito etc.) são hoje o terceirogrupo de causa de morte no Brasil, representando 12% do total. Muitaspesquisas apontam estreita relação entre uso de álcool e acidentes detrânsito. Em vários países, o álcool é responsável por 30 a 50% dos aci-dentes graves e fatais e por cerca de 15% dos acidentes não fatais (Marin& Queiroz, 2000).

4. ConclusãoO consumo excessivo de bebidas alcoólicas está implicado em inúme-

ros danos sociais, pessoais, familiares e legais. Entretanto, uma relaçãouniversal de causa e efeito direta entre o uso de álcool etílico e atividadescriminosas parece pouco consistente, uma vez que inúmeros outros fato-res estão implicados na gênese do crime, tais como condiçõessocioeconômicas, traços e transtornos de personalidade, antecedentespessoais e sociais, valores adquiridos, ou seja, fatores pessoais eambientais. Todavia, isso não exime o uso inadequado de bebidas alcoóli-cas como um dos principais fatores associados às mortes por causasexternas.

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xUso abusivo e dependência de álcool e/ou

drogas em mulheres x violência

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No decorrer da história da humanidade, o homem conviveu com o usode drogas sem que isto fosse motivo de preocupação social, pois as subs-tâncias psicoativas eram e ainda são consumidas em diferentes culturase momentos, com finalidades terapêuticas, religiosas ou lúdicas.

No entanto, os estudos científicos, e mesmo a observação do sensocomum, mostram-nos que este consumo tem atingido formas e propor-ções preocupantes no decorrer do séêulo, e alarmantes nas últimas dé-cadas, dadas suas conseqüências nocivas dentre as quais o aumento dacriminal idade e da violência.

Em pesquisa sobre "atitudes, normas culturais e valores em relação àviolência em dez capitais brasileiras" feita pelo Núcleo de Estudos da Vio-lência da Universidade de São Paulo, NEV/USP, em 1999, a pedido daSecretaria de Estado dos Direitos Humanos, fica claro que a violência épercebida como um fenômeno que atinge todas as cidades pesquisadase todos os grupos sociais.

Entre as diferentes causas apontadas pela população pesquisada comoresponsáveis pelo crescimento da violência, há o consumo de álcool edrogas, afetando negativamente as interações sociais. De acordo comFagan (1998) "o álcool aumenta a probabilidade de conflitos interpessoais

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Uso abusivo e dependência de álcool c/ou drogas em mulher xviolência

postos culturais e sociais (escolaridade, emprego, situação econômica, alémde sexo). Alguns autores sugerem que mulheres quando bebem passam ademonstrar comportamento sexual socialmente só aceito para o homem(Blume, 1990; Gomberg, 1993); o beber é recriminado e criticado para amulher, tendo assim dimensão mais social do que doença ou dificuldade.

Scribner et alii (1995) analisando a literatura mostram que quando apopulação atendida é feminina, de classe econômica e social elevada,bem vestida, com boa educação e aparência, o uso de bebidas alcoólicaspor mulheres é pouco ou não é investigado, além do fato de que, pela faltade treinamento das equipes da Saúde, as informações a respeito do usode álcool e drogas são raramente encontradas nos prontuários das paci-entes. (Awad Wattis, 1990).

Num estudo feito no John Hoppins Hospital, através de um rastreamento,observou-se que o diagnóstico de alcoolismo deixava de ser feito em 34 a93% dos pacientes, sendo as porcentagens mais altas entre mulheres declasse social mais elevada (Moore et alii, 1989).

Willian et alii (1987) e NIAA (1989) demonstram que, em serviços detratamento especializados, a proporção de sujeitos com problemas de-correntes de consumo de álcool e drogas é de 4--5 homens para cadamulher, diferentemente da proporção de 2 homens para cada mulher en-contrada na população geral. Esta diferença de resultados, segundo Blume(1990) se deve ao fato de que em função da vergonha que sente, a mulher,procura tratamento com menos freqüência que o homem.

No estudo "Dependência de drogas em mulheres: características clíni-cas e padrão de evolução 1997", Monica Levit Zilberman mostra que o"resultado prático deste intenso estigma social depositado sobre as mu-lheres alcoolistas e farmacodependentes é mantê-Ias no anonimato.Vivendo nesta sociedade, a mulher também acaba incorporando o este-reótipo de que elas não podem ter esse tipo de problema. A intensa cuipae vergonha vivida por estas mulheres precisa ser entendida e a sua auto-estima precisa ser trabalhada no tratamento"

Felizmente, vemos hoje diferentes linhas de pesquisa no mundo cientí-fico com o propósito de delimitar características específicas da populaçãofeminina usuária de drogas, fatores de risco associados, prejuízos subse-qüentes, possibilitando o desenvolvimento de técnicas preventivas, inter-venções e tratamentos mais eficazes.

Dentre as inúmeras diferenças entre os homens e as mulheres, hádiferenças fisiológicas que influenciam as conseqüências do uso de dro-gas nestes dois subgrupos.

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ao reduzir a autocrítica e encorajar o uso de linguagem provocativa, alémde ampliar a sensibilidade para indignar-se e para exigir reparações dosoutros" Já o efeito das drogas ilegais é menos claro. Diferentes drogastêm diferentes efeitos em diferentes pessoas: alguns ficam menos pro-pensos à violência, outros ficam paranóicos evitando contato com outraspessoas e tendendo à violência defensiva; e outros ainda tornam-se ex-ploradores, dominadores ou provocadores.

Para estabelecermos a relação entre efeitos do consumo de álcool/drogas, é necessário em primeiro lugar guiar-se sempre por rigorosa pos-tura e metodologia científica, levando-se em conta a heterogeneidade quantoàs características do subgrupo pesquisado e toda a especificidade docontexto histórico, cultural, político, econômico, social e religioso em ques-tão, incluindo o mapeamento das circunstâncias em que ocorreram asviolências. É necessário um olhar sem vieses, para não corrermos riscoscomo, por exemplo, o de atribuir a violência prioritariamente a questõesrelativas ao tráfico e ao consumo de drogas; ou, como faziam os antigosromanos, condenar as mulheres que bebiam igualmente às que pratica-vam adultério (Mc Kinlay, 1959). Era dito que o álcool as tornava sexual-mente agressivas e promíscuas.

O estereótipo de maior agressividade e promiscuidade de mulheresusuárias de álcool foi avaliado rigorosamente e contrariado num estudonacional em mulheres americanas por Klassen e Wilsnack, no início dosanos oitenta e mesmo assim não se conseguia ratificar as expectativasculturais em relação à população em questão.

A maioria dos estudos existentes sobre consumo, uso abusivo e de-pendência de álcool e drogas concentra-se no subgrupo de homens devi-do a vários fatores: a menor prevalência da dependência química entre asmulheres comparativamente aos homens, o subdiagnóstico da dependên-cia de substâncias psicoativas em mulheres e o forte estigma social asso-ciado ao abuso de álcool e drogas entre elas.

Durante décadas, resultados dos estudos com homens foram indevi-damente generalizados para a população feminina. -

O aumento significativo da população feminina (principalmente adoles-centes) que consome drogas fez com que o subgrupo mulheres passassea ser progressivamente objeto de pesquisas, e fez com que as pacientescomeçassem procurar os profissionais da Saúde para serem tratadas(Blume, 1986). Numa revisão de cinco anos sobre alcoolismo feminino porMaria Odette Simão et alii, vemos que ainda assim é comum o subdiagnósticode problemas com álcool e drogas em mulheres devido a conceitos, pressu-

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Ana Maria Cinlra Bento Vidal

Barry (1986) mostra que drogas lipossolúveis (diazepam, por exemplo):eriam meia vidas mais longas nas mulheres, efeito este que de acordo:om Brande (1986) aumenta com a idade. Isso ocorre devido à diferençaje concentração de gordura existente nos organismos do homem e dallulher. Jones (1976) comprova que, o álcool, por ser hidrossolúvel, atinge1ível sérico mais elevado em mulheres, porque estas têm menos água:orpórea por quilo.A maior vulnerabilidade física ao álcool foi demonstrada em estudo feito

oor Ashley et alii (1977), onde mulheres com menor tempo de uso de álcooltinham danos físicos bem semelhantes aos de homens com tempo maiorje uso de álcool.As mulheres se mostram mais vulneráveis em relação aos opióides,

grupos de drogas também chamadas de entorpecentes ou narcóticos.Narcóticos são substâncias que provocam sono e analgesia (ausência desensibilidade à dor). Aqui encontramos os alcalóides naturais do ópio: amorfina, um analgésico potente, e a codeína, utilizada em alguns xaropessedativos da tosse. Nos laboratórios estes alcalóides podem transformar-se nos derivados semi-sintéticos do ópio, dentre eles a heroína, que nãotem nenhuma indicação médica. Os narcóticos sintetizados totalmenteem laboratório incluem a metadona e a meperidina, que são analgésicosde utilização na Medicina.

As mulheres usuárias de opiódes apresentam mais problemas médi-cos, psiquiátricos, familiares sociais e ocupacionais.

Os homens apresentam mais problemas legais, e associados ao con-sumo de álcool (Brown et alii, 1993).

Quanto à prostituição feminina, estudos comprovaram que não era o usode droga que levava ao início da prostituição, mas, depois de iniciada estaprática, as mulheres procuravam na droga uma apoio (Philpot, CR, 1989).

A influênéia do álcool e outras drogas na sexualidade feminina e nareprodução foi objeto de estudos de VJ Malatesta et alii (1982) e despertaespecial interesse também da sociedade, principalmente pelos danos queo álcool e as drogas podem causar ao feto.

Ao contrário da resposta do organismo masculino, pequenas doses deálcool inibem a resposta fisiológica da mulher a estímulos sexuais, mes-mo sem que ela saiba da ingestão do álcool. Níveis mais elevados deálcool no sangue aumentam progressivamente a latência para o orgasmoe a progressiva queda na intensidade do mesmo.

Wilsnack (1980), em Alcohol problems in women, comprova que o temporolonaado de uso de álcool tem sido associado a uma arande variedade

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Uso abusivo e dependência de álcool e/ou drogas em mulher xviolência

de disfunções sexuais e reprodutivas na mulher, apontando para a grandeimportância de tratamento apropriado para mulheres dependentes de ál-cool em idade fértil.

Quanto aos aspectos psicopatológicos da população há controvérsiasquanto a considerá-los fatores preditivos do uso de drogas. No entantoestudos mostram que as mulheres alcoolistas têm como o mais freqüen-te diagnóstico associado à depressão (causa ou consequência?), enquantoos homens têm mais freqüentemente distúrbios de personalidade, princi-palmente do tipo anti-social (Schuckit et alii, 1976; Hesselbrock, Meyer-Reener, 1985).

É de interesse ressaltar que a depressão, além de ser a patologia psi-quiátrica mais freqüente em mulheres alcoolistas, é o único fator que indi-ca a grande possibilidade da paciente aderir ao tratamento, assim comoas pacientes usuárias de droga, que apresentam entre os sintomas maisencontrados, os relacionados à baixa auto-estima.

Todas as particularidades femininas acima citadas, foram coletadasem estudos publicados pela comunidade científica intemacional, tendocomo subgrupos pesquisados mulheres de diferentes culturas, de dife-rentes países.

Passemos agora para dados que acredito serem bastante ilustrativospara nós. São resultados da pesquisa realizada pela Dra. Monica LevitZilberman e colegas, tendo como objeto e estudo as diferenças existentesentre homens e mulheres farmacodependentes acompanhados em umhospital público universitário, em São Paulo, capital, em tratamento ambu-latorial entre 1987 e março e 1992. São registros da nossa realidade, donosso tempo.

Foram estudadas 35 mulheres farmacodependentes com diagnós-tico de dependência de drogas pelo Diagnostic and statistical manualof mental disorders 111 Edição Revisada (DSM-III-R) pareadas com ho-mens farmacodependentes, acompanhadas pelo mesmo grupo de acor-do com a data do primeiro atendimento. Pacientes com diagnóstico dedependência de álcool pelo DSM-III-R foram exciuídos da amostra;as características sociodemográficas e outros relacionadas ao usode drogas dos pacientes foram tabuladas. Os dois grupos foram tam-bém comparados em relação à sua aderência ao tratamento, isto é, quan-to a seguirem ou não o tratamento, três e seis meses após o início domesmo.As características analisadas foram idade, estado civil, situação profis-

sional, grau de instrução, local de nascimento, idade de início de ingestão

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Ana Maria Cintra Bento Vidal

je drogas, idade de aumento desta ingestão, tratamento anterior para de-)endência de drogas (incluindo internações clínicas ou psiquiátricas), pre-,ença de familiares com problemas pelo uso de álcool ou outras drogas, elentativas de suicídio. Além disto eram obtidos dados sobre o tipo de dro-~a usada e via de utilização. Foi verificado também o resultado do testeElisa anti-HIV e a aderência três e seis meses após o início do tra-tamento.

Foi encontrada neste trabalho uma relação média de 6 homens / 1mulher, proporção semelhante à descrita na literatura para pacientes emtratamento, porém, assim como descrito na literatura, este número pro-vavelmente é inferior à prevalência real do distúrbio, devido a fatores jámencionados anteriormente. .

As diferenças entre homens e mulheres farmacodependentes são im-portantes como fatores a serem considerados na abordagem terapêuticadestas pacientes, e serão de vital utilidade para uma reflexão sobre a rela-ção entre uso abusivo / dependência de drogas e violência.

No presente estudo, as mulheres apresentaram idade de início do usode drogas, aumento de consumo e procura ao tratamento mais tardia queos homens. O mesmo já foi descrito em relação às alcoolistas, pelo me-nos em relação à idade de aumento de ingestão.

A literatura internacional discrimina entre as pacientes usuárias de co-caína e de heroína, tendo encontrado que as mulheres usuárias de cocaínacomeçam o uso e procuram tratamento mais precocemente que os homens,ao contrário do que ocorre com mulheres usuárias de álcool ou heroína.

No Brasil, o uso de heroína, no momento desta pesquisa (1987 a 1992)ainda é pequeno. Mesmo em relação à cocaína, pelo menos nessa amos-tra, seu uso foi menos freqüente do que o consumo de anfetaminas ebarbitúricos.

Um dado interessante é o fato das mulheres farmacodependentes te-rem escolaridade mais elevada que os homens, o que é um dado destaamostra, e possivelmente explicado pela particularidade de que as condi-ções socioeconômicas do nosso país tinham alterado o perfil socioeco-nômico e cultural da população que busca tratamento num hospital público,originalmente de baixa renda.

Um outro achado relevante foi a alta taxa de tentativas de suicídioentre as mulheres. Isso também ocorreu nas pacientes alcoolistas domesmo ambulatório, e é comprovado em amostras de pacientes de ou-tros países. Este dado pode ter relação com a alta incidência de trans-tornos depressivos entre essas pacientes, e nos mostra uma real

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Uso abusivo e dependência de álcool e/ou drogas em mulher x violência

correlação entre uso abusivo de álcool/drogas e violência, já que nãopodemos desprezar o suicídio como um comportamento de extremadaviolência contra si próprio independente de considerações psicológicase psiquiátricas.

Esses dados sobre a população de 35 mulheres pesquisadas no am-bulatório do hospital universitário, foram inteiramente transcritos do traba-lho "Mulheres e farmacodependências: comparação com os homensfarmacodependentes quanto as suas características sociodemográficase outras relacionadas ao uso de drogas".

Os registros relativos às tentativas de suicídios mostram significativadiferença entre a população feminina (48,6% das mulheres tinham tenta-do suicídio pelo menos uma vez na vida) comparativamente a 17% doshomens. É o único dado encontrado na pesquisa relacionado à violência,pois não foi uma variável estudada, além desta correlação drogas-violên-cia não ser o objetivo focado pela pesquisa.

Já nos E.U.A., os alarmantes níveis de violência sexual, e outras for-mas de violência interpessoal experienciadas por mulheres, resultaramnum substancial número de pesquisas a respeito. O National Women'sStudy (NWS, Resnick Filpatrick Dansby, Saunders & Best, 1993) estimaque aproximadamente 9,8 milhões (10,3%) da população adulta femininaamericana já sofreu um atentado violento, e 12,1 milhões (12,7%) foi vítimade estupro. '.

Numa pesquisa com 3 006 mulheres abompanhadas durante dois anosnos E.U.A. por Dean Kilpatrick e seus colegas do National Crime Victmsand Treatment Center do Departamento de PSiquiatria da Universidade deCarolina do Sul, foi feita uma análise longitudinal da relação entre violênciafísica e uso de substâncias químicas em subgrupo mulheres. O objetivoda pesquisa foi estudar se o uso-abuso de substâncias psicoativas pormulheres, leva a violência física, se à violência aumenta o risco do uso-abuso de substâncias, e se o uso-abuso e atentados violentos se relacio-nam reciprocamente.

O critério para abuso de álcool utilizado foi o DSM IV, modificado. Nãoforam excluídos diagnósticos de dependência, e foi incluída uma perguntasobre tentativas fracassadas de reduzir o consumo de álcool, ou parar debeber, que pelo DSM IV é um sintoma de dependência.

O uso abusivo de drogas foi medido através das questões: "Você jáusou maconha, cocaína, "angel dust", LSD ou outros alucinógenos, heroí-na, metadona, ou cola ou outros inalantes? Você diria que usou em: uma atrês vezes, quatro a dez vezes ou mais que dez vezes?".

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Ana Maria Cintra Bento Vidal

As respostas que reportavam a um uso de quatro ou mais vezes, fo.ram consideradas como uso abusivo. O critério para violência física foiser atacado por alguém portando arma, faca ou outro objeto, ou atacadosem um objeto mas com a intenção de matar ou machucar gravemente.O critério para estupro foi penetração vaginal por coação e ameaça, sexooral forçado tanto por um homem como por uma mulher, sexo anal for.çado, introdução de dedos ou objetos na vagina contra sua vontade porhomem ou mulher, à força.

Os resultados mostram a projeção de que 3% (2,8 milhões) das mu.Iheres americanas sofreram violência física e 1,2% (1,1 milhão) foram es-tupradas no espaço de 2 anos; entre 5,9 e 6,9 milhões de mulheres tinhamproblemas como uso abusivo no período de doze meses precedentes aoinício da pesquisa; entre 2,4 a 3,5 milhões de mulheres atingiam o critériode abuso de álcool, e entre 3,5 e 3,6 milhões de mulheres atingiram ocritério para abuso de drogas.

Ficou claro que o uso abusivo de substâncias químicas e a violênciasão o mais grave problema na vida das mulheres americanas. Conclui.seque o uso abusivo de substâncias aumenta o risco de vitimação, e avitimação aumenta o risco do uso abusivo. O risco de ser atacada no-vamente (vitimação) é maior entre mulheres usuárias de drogas que jásofreram violência.

Harison explica que um ataque violento só ocorre se o agressor tiveracesso a uma vítima em potencial. A teoria de Laub, 1990, sobre as ativi.dades de rotina mostram que o estilo de vida e as atividades de rotinaaumentam a possibilidade que o indivíduo (ele ou ela) entre em contatocom agressores em potencial, aumentando o risco de sofrer a violência.

Como a compra, venda e consumo de drogas é ilegal, mulheres queadquirem ou usam drogas tendem a ter contato com indivíduos envolvidosem comportamentos ilegais. Os agressores encaram as mulheres quecompram ou usam drogas como presas fáceis, pela provável relutânciaem delatar a violência à polícia, num contexto do seu próprio comporta.mento ilegal.

O risco de nova vitimação aparece em razão do uso de droga ilícita, emoposição a usuárias de álcool que não estão cometendo atos ilegais.A vitimação pode desempenhar importante papel na manutenção, assimcon;o na iniciação do uso de drogas.

E importante salientar que este estudo demonstra um aumento do risco, enão da causa. Para o uso abusivo de álcool, conclui.se que a violência au-menta o risco de abuso. Para o uso abusivo de drogas conclui-se que o uso

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Uso abusivo e dependência de álcool e/ou drogas em mulher xviolência

aumenta o risco de vitimação, e a vitimação aumenta o risco de violência.A experiência de nova vitimação aumenta o risco de uso abusivo de álcool edrogas. Psicopatologias em geral, e depressão em particular, são potenciaisagentes para comportamentos não saudáveis e abuso de substânciaspsicoativas, incluindo o uso de cigarros. Depressão não aparece como fa-tor de risco para estupro, mas aparece como fator de risco para novavitimação. Diferentes formas de psicopatologias são potencialmente dife .rentes fatores de risco.

Uma questão nos faz refletir: por que a depressão aumenta o risco deviolência física e não de estupro? Mulheres depressivas, assim comomulheres previamente vítimas de violência sofrem de falta e motivação ede recursos para evitar ou sair de situações de violência, como por exem-plo a violência doméstica. Comportamentos de indivíduos depressivospodem muitas vezes provocar agressões.

Não fícou inteiramente claro o porquê do uso abusivo de drogas au-mentar o risco de violência física, mas não de violência sexual. Uma hipó-tese levantada é que uma grande porcentagem da violência física ocorrenum contexto de uso de drogas e outros comportamentos ilícitos e perigo-sos, como "ponto de compra". Já os estupros, na maioría, ocorrem emsituações onde não há envolvimento de drogas.

Apesar desses dados se referirem todos a uma população adulta ame.ricana feminina, podemos refletir e levantar hipóteses a partír da nossarealidade. "

Não temos ainda, no Brasil, estudos específicos sobre a relação entreuso abusivo de drogas/álcool e violência na população feminina brasileira.

No estudo Alcoolismo feminino: revisão de aspectos relacionados àviolência, de Maria Odete Simão et alii (1995), fez.se um levantamento(Medline, Psyclit & Lilacs), utilizando-se como palavras.chave: alcoolis-mo, mulher, violência, revisão. Em 52 publicações identificadas, 6 revi-sões e 46 trabalhos empíricos, não há sequer um estudo enfocandomulheres brasileiras.

Temos uma pesquisa feita por Paulina Duarte e Beatriz Carlini Cotim,estabelecendo uma relação entre álcool e violência, a partírde estudo dosprocessos de homicídio julgados nos tribunais do júri de Curitiba, entre1995 e 1998, mas não dírecionada especificamente a mulheres.

Nos 130 processos analisados, encontraram.se 141 autores de cri-mes e 138 vítimas, totalizando 279 sujeitos. Os resultados apontam parao fato de que 58,9% dos autores estavam sob o efeito de bebidas alcoóli.cas, o mesmo ocorrendo com 53,6% das vítimas. Considerando-se os

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processos criminais como unidade de análise, observa-se que, em 76%dos 130 processos, a vítima e/ou o autor do crime estavam sob o efeito deálcool no momento da ocorrência. Do total de autores sobre o efeito deálcool, 96,4% eram homens e 4,1% eram mulheres. Embora à semelhan-ça dos autores as vítimas sejam na maioria do sexo masculino, é impor-tante notar que uma proporção não desprezível é do sexo feminino demenor de idade.

Estudos de séries históricas vêm apontando um decréscimo das taxasde homicídio quando o consumo percapita de álcool diminui, e de aumen-to dos homicídios quando o consumo aumenta. No Brasil a atenção cien-tífica é pequena, embora o senso comum há muito preconize talassociação. Esta situação é particularmente preocupante se forem consi-deradas a incidência cada vez maior na população jovem por causas ex-ternas de violência e acidentes em geral, concomitante à presença dealtas dosagens de álcool e drogas no sangue das vítimas.

Apesar de conhecermos a realidade de que é alta a freqüência destefato, o estabelecimento de uma relação causal jamais poderá ser determi-nado isoladamente, pois a presença da substância química parece sermais um dos múltiplos fatores que se combinam no momento do desfe-cho de um ato violento.

A personalidade dos envolvidos, fatores socioculturais, expectativassociais e pessoais interagem com os efeitos fisiológicos e psicológicosdas drogas na eclosão dos episódios de violência. Infelizmente, a produ-ção científica ainda não conseguiu determinar quando e em que circuns-tâncias estas complexas interações levam a desfechos violentos.

De modo geral, observamos que o tema consumo de álcool/drogas eviolência entre mulheres aparece com ênfase diferente em muitos con-textos sociais, apresentando dados ainda contraditórios. Os estudos arespeito de mulheres dependentes de álcool têm uma especificidade quedifere nos resultados, dos encontrados em mulheres com problemas comoutras drogas.

A diversidade de perfis da mulher deste imenso "continente" Brasil difi-culta a apresentação de conclusões generalizadas para nossa população.

O conhecimento das particularidades desse subgrupo - mulheres - edas situações de risco para aumento do consumo de álcool/drogas, bemcomo das causas de aumento de exposição à situações de violência, éfundamental para se trabalhar a redução dos danos. É importante ensinara lidar com as drogas evitando o abuso; e se abusar, evitar que se expo-nha a riscos.

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Uso abusivo e dependência de álcool c/ou drogas em mulher xviolência

Percebemos através destas reflexões o quanto é importante o incen-tivo e o amparo para o desenvolvimento desta pesquisa em nosso país,tendo como objetivo nos instrumentalizarmos para uma política de pre-venção e tratamento, mais humana e eficaz, do problema.

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Ana Maria (lnlra Bento Vidal

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XIPericia psiquiátrica em direito civil

Eduardo Henrique Teixeira

1. Introduçãoo psiquiatra forense pode atuar como perito em diferentes tipos de

ação civil, conforme artigo 145 do Código de Processo Civil: "Quando aprova do fato depender de conhecimento ,técnico ou científico, o juiz seráassistido por perito".

Um psiquiatra poderá a qualquer momento ser nomeado perito em umaação civil, dando início a uma árdua tarefa que já começa pela necessidadede um conhecimento abrangente das leis vigentes. Logo de início o profis-sional nomeado se questiona se está realmente apto para exercer essafunção, se pode ou não recusar a tarefa e como irá receber pelo trabalhorealizado. Essas dúvidas, entre outras, tornam ainda mais difícil o trabalhopericial em psiquiatria, que, associadas à falta de formação forense namaioria das residências médicas em psiquiatria, promovem uma carênciade profissionais especializados nessa área.

Em psiquiatria forense há necessidade, além da ampla formação empsiquiatria, de noções gerais de medicina legal. O perito deverá saber ela-borar um laudo pericial, onde descreve de forma minuciõsa seu exame eformula suas conclusões com linguagem acessível ao campo jurídico.Deve procurar seguir sempre uma ordem em sua exposição técnica, semcontr'lrlir.õA!': ou r.onr.hJ!':ÕA!':V'lO'l!': A !':Amfllnrl"mento científico.

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Eduardo Henrique Teixeira

Pela própria origem da palavra "perito", do latim per, perios, que signifi-ca "percorrer", "mover-se através", conota-se a idéia de um profissionalexperiente e capaz de percorrer e ligar as áreas médicas e jurídicas. Sendoesse seu objetivo, o conhecimento de leis se faz necessário desde suanomeação como perito até a entrega do laudo pericial, promovendo umtrabalho pericial esclarecedor e conclusivo.

Infelizmente a literatura abordando esse tema é muito escassa e en-contrada apenas em livros-texto, não havendo trabalhos científicos espe-cíficos, tampouco os descritivos, na literatura nacional.

2. Das períciasDiferente das perícias criminais em que dois peritos atuam, nas perícias

civis podem chegar até a três peritos, sendo um nomeado pelo juiz (peritolouvado ou perito nomeado) e dois indicados pelas partes, que atuarãocomo assistentes técnicos, nos termos do artigo 421 do Código de ProcessoCivil. Difere também quanto à aceitação pelo perito, que pode escusar-sedo encargo por motivo legítimo, nos termos do artigo 146 do Código deProcesso Civil.

As avaliações psiquiátricas sobre as competências civis de um pacienteou litigante devem ser abrangentes, funcionais e, às vezes, multidisci-plinares (Hafemeister & Sales, 1984). Segundo propostas de Carvalho(1987), Vargas (1990) e França (1998), esse tipo de perícia consta de umaavaliação detalhada dos antecedentes pessoais, familiares, anamnese,exame do estado mental, exame.físico, associados a dados obtidos emdocumentos médicos juntados ao processo, trazidos pelos familiares etambém da solicitação de exames complementares, entre eles testespsicodiagnósticos (Laks; Rozenthal & Engelhardt, 1996), geralmente nãooferecendo muitas dificuldades para definir se o indivíduo analisado é ca-paz ou não. O contrário acontece com perícias psiquiátricas em direitocriminal, que muitas vezes necessitam de aprofundamento na análise paradeterminar um nexo causal, o que pode necessitar pesquisa de dados deépocas e localidades muito diversas (Cohen; Ferraz & Segre, 1996).

Em matéria civil é comum a atuação do perito em ação de interdição,anulação de casamento, guarda de menores, regulamentação de visitas,perda do pátrio poder, separação conjugal, pensão alimentícia, verificaçãode validade de ato jurídico, testamento, infortunistica, entre outras; dentreessas, a mais comum é a ação de interdição ou curatela, na qual dareimais ênfase, já que corresponde à maior parte das ações nessa área.

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Perícia psiquiálrica em direito civil

3. Modificadores da capacidade civilSegundo Vargas (1990), os modificadores da capacidade civil podem

ser:• biológicos normais (idade, sexo e sono).• sociais (civilização, associação e reincidência).• acidentais (emoção, agonia, surdimutismo, embriaguez e farmacode-

pendência).• psicopatológicos (doença mental, deficiência mental, perturbação da

saúde mental e prodigalidade).

Quanto aos modificadores psicopatológicos mais comuns encontra-dos em perícias psiquiátricas são as oligofrenias ou os retardos mentaisde grau variado, doenças degenerativas cerebrais (mal de Alzhéimer, doen-ça de parkinson, demência por vasculopatia, etc.), as psicoses e os trans-tornos mentais-orgânicos (acidente vascular cerebral - "derrame",traumatismo craniencefálico, neoplasias, etc).

Na grande parte dessas patologias conclui-se pela incapacidade total edefinitiva, como é o caso das oligofrenias, psicoses crônicas e demên-cias. As mais comumente encontradas são as oligofrenias de grau variado,doenças degenerativas cerebrais como o mal de Alzheimer, a doença deParkinson, a demência por Vé;lsculopatiae, ainda, as psicoses crônicas eos transtornos mentais-orgânicos como os decorrentes de acidentesvasculares cerebrais, traumatismo craniencefálico e neoplasias no siste-ma nervoso central (Kaplan & Sadock, 1999).

Em outras situações a incapacidade pode ser por tempo limitado, jáque o prognóstico ainda não está fechado, como no caso de tumores ce-rebrais que podem ainda responder ao tratamento sem seqüelas de im-portância médico-legal ou patologias que carecem de um tempo maiorpara se firmar o prognóstico. Ainda em alguns casos pode ser concluídopela incapacidade parcial, onde o individuo não pode exercer plenamentecertos atos da vida civil senão assistido ou autorizado legalmente.

Conforme artigo 5 do Código Civil "sâo absolutamente incapazes deexercer pessoalmente os atos da vida civil:I - os menores de 16 anos;11 - os loucos de todo gênero;111 - os surdos-mudos que não puderem exprimir sua vontade;N - os ausentes, declarados tais por ato do juiz."

Código civil (Oliveira, 1992).

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Eduardo Henrique Teixeira

Conforme artigo 6 do Código Civil, "são incapazes relativamente a cer-tos atos, ou à maneira de os exercer:I - os maiores de 16 (dezesseis) anos e os menores de 21 anos (art.154

a 156); .11 - os pródigos;111_ os silvícolas." Código civil (Oliveira, 1992).

Surdos-mudos são considerados absolutamente incapazes de exer-cer pessoalmente seus atos da vida civil, quando. não puderem exprimirsua vontade. Basicamente o surdo-mudo deverá ser avaliado quanto àscapacidades que conseguiu desenvolver, podendo inclusive ser conside-rado totalmente capaz.

Silvícola aculturado tem as idéias, os instintos e a norma habitual deconduta diferente dos indivíduos civilizados. São considerados incapazespor não terem recebido os estímulos socioculturais necessários para oseu completo desenvolvimento intelectual (Vargas, 1990).

Prodigalidade, segundo Garcia (1979), é a prática de gastos imoderados,de dissipação sem finalidade produtiva ou desastradamente planejada.

Nos termos do artigo 459 do Código Civil "a interdição do pródigo só oprivará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipote-car, demandar ou ser demandado e praticar, em geral, atos que não se-jam de mera administração".

Devem ser avaliados minuciosamente, pois muitas vezes a prodigali-dade é sintoma de uma doença psiquiátrica de base, que poderá receberum outro enfoque do ponto de vista médico-legal.

"Loucos de todo gênero" abrange as doenças mentais, que englobampatologias psiquiátricas como as psicoses, demências, etc., os casos dedesenvolvimento mental retardado, onde são inclu ídos os casos de retardomental nas diferentes graduações e os casos de perturbação da saúdemental, onde são incluídos aqueles que estão entre a normalidade e aloucura, como as reações de ajustamento, epilepsia, adição, hipomania, etc.

4. InterdiçãoA capacidade civil é a situação que permite a uma pessoa adquirir direi-

tos e contrair obrigações por conta própria, por si mesma, sem necessi-dade de representante legal. Uma ação cível de interdição é promovidaquando o indivíduo perde esta capacidade de gerir seus bens e sua pró-pria pessoa e representa uma das sOlicitações judiciais mais comuns emoue um osiauiatra oerito é reauisitado Dara atuar (Varaas. 1990,.

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Nessa ação o indivíduo é avaliado quanto à sua capacidade de reger suaprópria pessoa e administrar seus bens, conforme artigo 1.180 do CPC;que poderá" ser promovida pelo pai, mãe, tutor, cônjuge, parente próximoou pelo órgão do Ministério Público", conforme artigo 1.177 do Código deProcesso Civil, com o objetivo de impedir que o sujeito tome decisões, prin-cipalmente econômicas, que possam levar a prejudicá-lo legalmente ou aseus familiares, resultando em grandes transtornos. (Oliveira, 1992; França,1998).Como se trata na maioria das vezes de uma avaliação atual, o exame

não oferece maiores dificuldades, diferentemente do que ocorre na períciacriminal, onde existe a necessidade de determinar nexo de causalidade àépoca dos fatos.

"Decretando a interdição, o juiz nomeará curador ao interdito", confor-me artigo 1.183 do Código de Processo Civil, parágrafo único.A interdição poderá ser parcial nos casos onde a incapacidade está

próxima da normalidade ou predomina comprometimento apenas da voli-ção, como nos casos onde existe prodigalidade. Nesses casos ficam limi-tados os poderes do curador nas questões que envolvam finanças,contratos, venda ou hipoteca de bens, etc.A interdição poderá ser temporária naqueles casos onde o prognóstico

ainda não está fechado, sendo necessária nova perícia após um períodomínimo de tratamento adequado.O levantamento da interdição poderá ser requisitado pelo próprio inter-

dito ou pelo curado, sendo então necessária uma nova perícia.Segundo literatura, as patologias mais encontradas nessas ações são

os processos degenerativos demenciais, sobretudo mal de Alzheimer,geralmente acometendo pessoas na terceira idade. Nos últimos anos temocorrido um aumento progressivo na solicitação de interdição devido aretardo mental, de grau leve a profundo, como conseqüência de exigên-cias do INSS para pagamento de benefícios. Conforme Lei 8742/93 doINSS, serão beneficiados com um salário mínimo os indivíduos conside-rados incapazes de se autogerir.

5. Outros tipos de açõesVerificação de validade de ato jurídico, contratual e capacidade

testamentária: os psiquiatras podem ser solicitados a avaliar a capacidadetestamentária do paciente, ou seja, sua competência para fazer testamento.

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Page 22: Livro+Psicologia+Jurídica (1).pdf

Eduardo Henrique Teixeira

competência. Os pacientes devem conhecer: (1) a natureza e extensão dosseus bens (posses); (2) que estão fazendo um testamento; e (3) quemsão seus beneficiários naturais, ou seja, cônjuge, filhos e outros parentes.O diagnóstico de um transtorno mental não é, em si mesmo, suficientepara indicar incompetência. Em vez disso, o transtorno mental deve cau-sarum prejuízo no julgamento relativo às questões específicas envolvi-das. A competência também é essencial em contratos, que podem serdeclarados inválidos se, quando assinados, uma das partes era incapazde compreender a natureza de seu ato (Talbot, 1992).

Anulação de casamento: pode ser anulado quando qualquer das par-tes não compreendia a sua natureza, deveres, obrigações e outras carac-terísticas envolvidas no momento do casamento. Deve ser avaliada acapacidade de compreensão do compromisso que assumiu ao tempo emque assumiu (Talbot, 1992).

Conforme artigo 218 do Código Civil, "é também anulável o casamento,se houver por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quantoà pessoa do outro". Considera-se erro essencial "a ignorância, anterior aocasamento, de defeito físico irremediável ou de moléstia grave" nos ter-mos do artigo 219 do CC. '

As doenças graves, com perigo para o cônjuge e à prole, mais alegadasnos processos de anulação de casamento, são as doenças mentais (França,

1998).

Destituição do pátrio poder ou guarda de menores: nessas ações,o perito será necessário no sentido de diagnosticar uma doença psiquiá-trica de base ou determinar o perfil de personalidade do examinando as-segurando bem-estar do menor. Nos termos do artigo 395 do Código Civil"Perderá por ato judicial o pátrio poder o pai, ou a mãe:I - que castigar imoderadamente o filho;11 - que o deixa em abandono;111_que praticar atos contrários à moral e aos bons costumes".

6. HonoráriosQuanto aos honorários, questiona-se como receber, de quem receber,

quando e quanto receber. Essas dúvidas permeiam a maioria das açõescivis dificultando mais ainda o trabalho do perito. Há tempo existe urnanecessidade de critérios claros Quanto ao valor e uma melhor padronizaçãO

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dos honorários. O valor deles pode ser previamente arbitrado pelo juizcomo honorários definitivos ou provisórios ou estimado pelo próprio perito,baseando-se na sua qualificação (títulos e experiência), complexidade docaso e tempo gasto estimado, que poderá ser ou não aceito pelo magis-trado ou pelas partes.

Segundo a Lista de Procedimentos Médicos da Associação MédicaBrasileira (AMB) de 1999, pág. 25, o valor mínimo sugerido para "períciaforense, por psiquiatra forense é R$ 780,00" (igual a vinte vezes o valor deuma sessão de psicoterapia individual na'mesma tabela).

Quando as partes forem beneficiárias da Justiça Gratuita a perícia serárealizada em órgãos públicos específicos ou por peritos credenciados pelaregional da Secretaria de Saúde, conforme Decreto n.º 39.008 de 04/08/94,que define as regras para seleção do psiquiatra perito, as devidas compe-tências e a forma de pagamento. Neste último caso o valor é bem inferiorao sugerido pela AMB; o perito muitas vezes tem que utilizar recursos pes-soais para realizar a perícia, e o recebimento é sempre muito demorado.

A Justiça Federal também fixou os honorários nas ações onde existe obenefício da assistência judiciária gratuita. Como exemplo, pela terceiraregião foi publicada a Resolução n.º 175, de 05 de maio de 2000, que fixouos honorários médicos: mínimo em R$ 150,00 e máximo em R$ 300,00.

7. Laudo psiquiátrico forense - modeloo laudo psiquiátrico forense segue a mesma estrutura básica de uma

perícia médico-legal. Em ação civil praticamente não há diferenças e deveser seguido o mesmo modelo geral. O perito pode acrescentar pequenasmudanças e criar seu próprio estilo, porém mantendo sempre a estruturamínima de um laudo pericial médico-legal. Segue sugestão do autor destecapítulo de perícia na área civil:1. Preâmbulo2. Dados da perícia3. Dados dos autos4. Histórico/Anamnese5. Exame físico6. Exames complementares7. Exame do estado mental8. Discussão9. Conclusão10. Resposta aos Quesitos