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Page 2: Livro proprietário – direito constitucional i

autora do original

RENATA FURTADO DE BARROS

1ª edição

SESES

rio de janeiro 2016

DIREITOCONSTITUCIONAL I

Page 3: Livro proprietário – direito constitucional i

Conselho editorial rafael m.iório filho, camille guimarães, roberto paes, gladis

linhares

Autora do original renata furtado de barros

Projeto editorial roberto paes

Coordenação de produção gladis linhares

Projeto gráfico paulo vitor bastos

Diagramação bfs media

Revisão linguística bfs media

Revisão de conteúdo rafael m.iório filho

Imagem de capa www.billionphotos.com | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida

por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em

qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016.

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento

Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa

Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063

Page 4: Livro proprietário – direito constitucional i

Sumário

Prefácio 7

1. Teoria da Constituição 9

1.1 Direito Constitucional: conceito, objeto e conteúdo 11

1.2 Constitucionalismo 13

1.3 Conceito de Constituição 18

1.4 Classificação das Constituições 22

1.4.1 Quanto à origem 22

1.4.2 Quanto à forma 23

1.4.3 Quanto ao modo de elaboração 23

1.4.4 Quanto à extensão 24

1.4.5 Quanto à finalidade 24

1.4.6 Quanto à estabilidade 24

1.4.7 Quanto ao conteúdo 26

1.4.8 Quanto à sistemática 26

1.5 Elementos das Constituições 26

1.6 Normas Constitucionais: aplicabilidade e eficácia 27

1.6.1 Normas Constitucionais de eficácia plena 27

1.6.2 Normas Constitucionais de eficácia contida 28

1.6.3 Normas Constitucionais de eficácia limitada 28

1.7 Hermenêutica das Normas Constitucionais 29

1.8 Preâmbulo e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 33

1.8.1 Preâmbulo da Constituição 33

1.8.2 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) 35

2. Poder Constituinte 37

2.1 Conceito 39

2.2 Espécies de poder constituinte 42

2.2.1 Poder constituinte originário 42

Page 5: Livro proprietário – direito constitucional i

2.2.1.1 Espécies de poder constituinte originário 44

2.2.2 Poder constituinte derivado 44

2.3 Espécies de poder constituinte derivado 44

2.3.1 Poder constituinte derivado revisional 45

2.3.2 Poder constituinte derivado reformador 46

2.3.2.1 Poder constituinte derivado reformador: limitações formais 48

2.3.3 Poder constituinte derivado decorrente 51

2.4 Poder constituinte difuso 53

2.5 Poder constituinte supranacional 54

2.6 Nova constituição e a ordem jurídica anterior 54

2.6.1 Teoria da constitucionalidade superveniente 56

2.6.2 Teoria da repristinação 56

3. Direitos e Garantias Fundamentais 59

3.1 Teoria dos direitos fundamentais 61

3.2 Direitos e garantias fundamentais 67

3.2.1 Características dos direitos fundamentais 68

3.2.2 Eficácia dos direitos fundamentais 69

3.2.3 Destinatários dos direitos fundamentais 70

3.2.4 Aplicação e aplicabilidade dos direitos fundamentais 71

3.3 Direitos e deveres individuais e coletivos – art. 5o 72

3.3.1 Direito à vida 73

3.3.2 Direito à igualdade 74

3.3.3 Princípio da legalidade 75

3.3.4 Vedação da prática de tortura e ao tratamento

desumano ou degradante 76

3.3.5 Direito à liberdade de manifestação de pensamento 77

3.3.6 Direito à liberdade de credo 77

3.3.7 Direito à liberdade intelectual, artística, científica e

de comunicação 79

3.3.8 Direito à inviolabilidade domiciliar 80

3.3.9 Direito à intimidade e sigilo bancário 80

3.3.10 Sigilo de correspondência e de comunicação 80

3.3.11 Liberdade de profissão 81

Page 6: Livro proprietário – direito constitucional i

3.3.12 Liberdade de informação 82

3.3.13 Liberdade de locomoção 83

3.3.14 Liberdade de reunião 83

3.3.15 Liberdade de associação 84

3.3.16 Direito de propriedade 85

3.3.17 Direito de petição e obtenção de certidões 86

3.3.18 Limites à retroatividade da lei 87

3.3.19 Tribunal do Júri 88

3.3.20 Segurança jurídica em matéria penal 88

3.4 Direitos Sociais – Arts. 6o a 11 89

3.5 Direitos de nacionalidade – Arts. 12 e 13 92

3.6 Direitos políticos – arts. 14 a 17 97

3.7 Remédios Constitucionais 103

3.7.1 Habeas Corpus 103

3.7.2 Habeas Data 104

3.7.3 Mandado de Segurança 105

3.7.4 Mandado de segurança coletivo 106

3.7.5 Mandado de injunção 107

3.7.6 Ação Popular 109

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 109

4. História das Constituições Brasileiras 111

4.1 Constituição imperial de 1824 113

4.2 Constituição republicana de 1891 116

4.3 Constituição de 1934 118

4.4 Constituição de 1937 119

4.5 Constituição de 1946 120

4.6 Constituição de 1967 e a EC no1 de 1969 120

4.7 Constituição de 1988 123

Page 7: Livro proprietário – direito constitucional i
Page 8: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo • 7

Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

O estudo do Direito Constitucional ocupa um papel central na formação de

qualquer estudante de Direito e na própria sociedade. O Direito Constitucional

trata do regramento basilar do Estado e tem como premissa a organização dos

Estados e a defesa dos direitos fundamentais. A constituição de um Estado goza

de superioridade diante das outras normas jurídicas, e é a partir das normas

constitucionais que se estabelecem todos os outros ramos jurídicos, sejam eles

públicos ou privados.

A importância do estudo dessa disciplina está na estruturação constitucio-

nal do raciocínio jurídico no Estado Democrático de Direito. A constituição do

Estado é o elemento jurídico de instituição do Estado e modificação da realida-

de jurídico- social. Diante disso, adota-o como eixo central do Projeto Pedagó-

gico do Curso de Direito a hermenêutica constitucional, ou seja, a interpreta-

ção de todos os ramos do Direito à luz da constituição.

A disciplina de Direito Constitucional I é interdisciplinar, pois conta com

elementos de Sociologia, Antropologia, História, Política e Ciência Política para

discutir a Teoria da Constituição e o Constitucionalismo brasileiro.

Aborda-se, nessa obra, noções introdutórias de Direito Constitucional, a

fim de que o aluno tenha a habilidade de compreender a evolução do Consti-

tucionalismo como um movimento social, jurídico e político de transformação

da sociedade. Objetiva-se entender que no Constitucionalismo defende-se que

todos os Estados devem ter uma constituição que proteja os direitos funda-

mentais dos homens, diante do arbítrio do Estado.

No primeiro capítulo, trata-se da Teoria da Constituição, dos conceitos de

constituição, do objeto do Direito Constitucional, da classificação, dos seus ele-

mentos, da aplicabilidade, da eficácia das normas constitucionais, da herme-

nêutica constitucional, do preâmbulo e do Ato das Disposições Constitucionais

Transitórias. No segundo capítulo, aborda-se o Poder Constituinte e suas vari-

áveis, e no terceiro capítulo, os direitos e garantias fundamentais. No quarto e

último capítulo, faz-se um estudo da história das constituições brasileiras.

Page 9: Livro proprietário – direito constitucional i

O Direito Constitucional é a base para o entendimento dos valores mais

profundos de uma sociedade e do ordenamento jurídico. A presente obra tem

o objetivo de introduzir didaticamente o Direito Constitucional, além de ser

um convite à reflexão sobre a defesa de direitos fundamentais no Estado Demo-

crático de Direito brasileiro.

Bons estudos!

Page 10: Livro proprietário – direito constitucional i

Teoria da Constituição

1

Page 11: Livro proprietário – direito constitucional i

10 • capítulo 1

O estudo do Direito constitucional é desafiador e instigante para o aluno de

Direito por várias razões. O Direito Constitucional é a base para a compreensão

de todas as outras disciplinas do Direito; sem ele, o ordenamento jurídico não

encontraria respaldo para sua sistematização democrática. O aluno deve dedi-

car-se ao estudo do Direito Constitucional, pois todo estudo jurídico se dá sob

a ótica da constituição dos Estados. Além disso, é importante e fundamental

para a compreensão do desenvolvimento histórico da defesa de direitos pela

humanidade e para o entendimento da história do Estado Brasileiro.

A constituição é a manifestação jurídica basilar que organiza e efetiva a exis-

tência jurídica dos Estados, uma vez que representa a norma básica que organi-

za as relações entre governantes e governados nos diferentes Estados. Estudar

a constituição brasileira é entender a norma fundamental na qual se baseiam

todos os outros ramos jurídicos. Na atualidade, a busca constante da defesa do

texto constitucional no dia a dia faz com que, cada vez mais, as prescrições po-

sitivadas, no texto da constituição, sejam efetivadas. Além disso, o povo clama

pelo cumprimento real dos paradigmas do Estado Democrático de Direito.

No primeiro capítulo desta obra, a temática abordada é a Teoria da Constitui-

ção, que é uma área do Direito Constitucional que trata dos fundamentos de

um Estado com governo constitucional. A Teoria da Constituição utiliza-se

das diferentes concepções e teorias jurídicas para buscar uma explicação so-

bre o que é a constituição, qual o motivo de sua elaboração, quais os tipos de

constituições existentes nos diferentes Estados e qual é a abordagem da teoria

democrática.

A Teoria da Constituição no Brasil é uma disciplina acadêmica que incide

sobre o significado e importância da Constituição da República Federativa do

Brasil e seus antecedentes históricos.

Page 12: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 11

1.1 Direito Constitucional: conceito, objeto e conteúdo

CONCEITOO Direito Constitucional é o ramo do Direito Público, didaticamente autônomo, que estuda a

organização e o funcionamento do Estado e a defesa dos direitos e garantias fundamentais.

É importante lembrar que o direito só se divide em ramos com objetivos di-

dáticos, ou seja, o direito é uma única árvore, pertencente a um único sistema,

mas divide-se em ramos para facilitar seu estudo em disciplinas acadêmicas.

Segundo a teoria clássica, dual, o direito se divide em Direito Público e Direito

Privado. O Direito Constitucional está inserido no Direito Público e pode ser

chamado de Direito Público fundamental, pois se ocupa da lei fundamental e

principal do Estado, ou seja, a Constituição.

Segundo Alexandre de Moraes:

O Direito Constitucional é um ramo do Direito Público, destacado por ser fundamental

à organização e funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do

mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política.

Tem, pois, por objeto a constituição política do Estado, no sentido amplo de estabelecer

sua estrutura, a organização de suas instituições e órgãos, o modo de aquisição e limita-

ção do poder, através, inclusive, da previsão de diversos direitos e garantias fundamen-

tais. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 36.

O Direito Público se caracteriza pela existência de normas cogentes, impo-

sitivas ou de ordem pública. Essas normas não admitem disposição em con-

trário, ainda que haja acordo entre as partes. A máxima do Direito Público é a

de que ‘só se pode fazer aquilo que está autorizado no texto da lei’. No Direito

Privado a regra é a presença de normas dispositivas, ou seja, que admitem dis-

posição em contrário. No âmbito privado prevalece o acordo de vontades, ou

seja, as leis são uma opção e as partes podem estabelecer-se de forma diversa,

desde que haja um consenso. A máxima do Direito Privado é a da liberdade,

Page 13: Livro proprietário – direito constitucional i

12 • capítulo 1

ou seja, ‘os entes privados podem fazer tudo aquilo que a lei não proíbe’. No

Direito Público, a norma impositiva não permite desobediência ou disposição

em contrário. A constituição, por exemplo, prevê a proteção dos direitos fun-

damentais do homem e o Estado não tem liberdade de desobedecer ou violar

esses direitos, uma vez que o Estado deve obedecer a norma constitucional de

forma cogente (obrigatória).

Entretanto, destaca-se que a divisão dicotômica entre o Direito Público e

o Privado tem se demonstrado como uma metodologia ultrapassada, pois as

relações jurídicas estão cada vez mais constitucionalizadas e o Direito Privado

passa por um fenômeno de constitucionalização, que leva ao questionamento

dessa divisão acadêmica.

O Direito Constitucional aborda os princípios fundamentais por meio dos

quais o governo organiza as relações estatais, sem se olvidar da defesa dos di-

reitos e garantias fundamentais dos indivíduos. Em alguns casos, estes princí-

pios concedem competências e obrigações específicas para o governo, como o

poder de tributar e de gastar recursos públicos, em prol da efetivação do bem

-estar social. Outras vezes, os princípios constitucionais agem para determinar

limites sobre o exercício das atribuições do governo, objetivando a proteção do

povo contra possíveis abusos no exercício do poder pelo Estado.

Nas palavras de Luís Roberto Barroso:

Como domínio científico, o direito constitucional procura ordenar elementos e saberes

diversos, relacionados a aspectos normativos do poder político e dos direitos funda-

mentais, que incluem: as reflexões advindas da filosofia jurídica, política e moral – fi-

losofia constitucional e teoria da Constituição; a produção doutrinária acerca das nor-

mas e dos institutos jurídicos – dogmática jurídica; e a atividade de juízes e tribunais

na aplicação prática do Direito – jurisprudência. Embora o conceito de ciência, quando

aplicado às ciências sociais, e em particular ao Direito, exija qualificações e delimi-

tações de sentido, a ciência do direito constitucional desempenha papel análogo ao

das ciências em geral. Nele se inclui a identificação ou elaboração de determinados

princípios específicos, a consolidação e sistematização dos conhecimentos acumula-

dos e, muito importante, o oferecimento de material teórico que permita a formulação

de novas hipóteses, a especulação criativa e o desenvolvimento de ideias e categorias

conceituais inovadoras que serão testadas na vida prática. BARROSO, Luís Roberto.

Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2013.

Page 14: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 13

O Direito Constitucional claramente baseia-se na constituição para de-

linear a sua aplicação eficaz. O objeto de estudo do Direito Constitucional é

a constituição e as normas constitucionais, diante da sistemática do ordena-

mento jurídico dos Estados e de discussões sobre os valores estatais, a eficácia

das normas constitucionais, técnicas e interpretação do texto constitucional

(Hermenêutica Constitucional), costumes e defesa de direitos fundamentais.

A constituição promove um encontro entre a política e o Direito, uma vez

que a constituição organiza politicamente a sociedade. A partir dessa organi-

zação surge o conceito de Estado, que é a sociedade politicamente organizada.

O papel da constituição é de estabelecer a organização do Estado, definir

os direitos fundamentais e estabelecer metas e programas para o futuro do

Estado.

Os principais conteúdos tratados pelo Direito Constitucional e pelas cons-

tituições dos Estados são: os direitos e garantias fundamentais; a estrutura e

organização do Estado e de seus órgãos; o modo de aquisição e a forma de exer-

cício do poder; a defesa da Constituição, do Estado e das instituições democrá-

ticas e os objetivos socioeconômicos do Estado.

1.2 Constitucionalismo

CONCEITOO Constitucionalismo é o movimento social, jurídico e político que tem como principal carac-

terística a limitação do exercício do poder do Estado por meio do texto constitucional, com o

objetivo de preservar os direitos fundamentais do povo.

Nos ensinamentos de José Joaquim Gomes Canotilho, o Constitucionalismo

é uma:

Teoria que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos

em dimensão estruturante da organização política-social de uma comunidade.

Page 15: Livro proprietário – direito constitucional i

14 • capítulo 1

Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de

limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo trans-

porta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal

como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo. CANOTILHO, José Joaquim

Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra:

Almedina, 2003, p.51 e 218.

Os antecedentes históricos do Constitucionalismo são bastante remotos. Na

Antiguidade (até o século VIII) observava-se a existência do Constitucionalismo.

Kal Lowesnstein, citado por Pedro Lenza1 , afirma que o Constitucionalismo

demonstrava suas raízes, nesse período, em dois momentos distintos. No

Estado Teocrático Hebreu os profetas tinham a atribuição de fiscalizar os atos

do poder público para verificar se esses atos eram compatíveis com o texto

bíblico, limitando, portanto, a atuação do Estado, principal característica do

Constitucionalismo. Na Grécia Antiga, em especial em Atenas e Esparta, era

possível que o cidadão grego ajuizasse ações para controlar os atos do poder

público2.

Na Idade Média, o grande marco do Constitucionalismo foi a Magna Carta

de 1215, assinada pelo rei inglês João I, mais conhecido como João sem terra.

O nome é peculiar, mas o rei ficou assim apelidado por não ter recebido ne-

nhuma herança territorial de seu pai. Em 1215, João I outorgou a Magna Carta,

documento no qual reconhecia uma série de direitos do povo inglês, tais como

o direito à propriedade e liberdade. Diante do documento, pode-se cair no equí-

voco de concluir que João I era um rei garantidor de direitos, mas, na verdade,

era um grande tirano, que foi obrigado a assinar a Magna Carta, pressionado

pelos barões ingleses. A Magna Carta tem sua importância histórica, mas pou-

ca importância prática, pois nunca foi verdadeiramente cumprida3.

Foi somente no século XVII que os direitos previstos na Magna Carta come-

çaram a ser respeitados, quando alguns documentos elaborados na Inglaterra

começaram a reafirmar os direitos previstos anteriormente. Os principais docu-

mentos criados para a efetivação dos direitos foram o Petition of Rights (1628),

o Habeas Corpus Act (1679), o Bill of Rights (1689) e o Act of Settlement (1701)4.

1 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 67.2 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 67.3 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 67.4 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 68.

Page 16: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 15

No século XVIII, dois documentos mudaram a história do

Constitucionalismo: a Constituição Norte Americana de 1787 e a Constituição

Francesa de 1791. No meio dessas duas constituições, a Revolução Francesa

em 1789 reforçou o movimento constitucionalista. Por influência dessas duas

constituições e dos ideais da Revolução Francesa, o Constitucionalismo se es-

palhou por toda a Europa e cada monarquia foi caindo por terra. Em decorrên-

cia dessa influência, foram elaboradas várias constituições, como a Primeira

Constituição Espanhola de 1812 e a Primeira Constituição de Portugal de 1822.

No Brasil, em 1824, foi elaborada a Primeira Constituição brasileira, outorgada

por Dom Pedro I. Dom Pedro I sabia que a única forma de se legitimar no poder

era por meio de uma constituição.

O Constitucionalismo na contemporaneidade recebe o nome de

Neoconstitucionalismo, sendo fruto de uma série de princípios constitucionais

do século XX. Antes de se abordar de forma específica o Neoconstitucionalismo,

é importante tratar de alguns constitucionalismos que o precedem.

O Constitucionalismo Social é o movimento que passou a prever na cons-

tituição os direitos sociais, como por exemplo, o direito à saúde, à educação,

à moradia, à alimentação, dentre outros. O Constitucionalismo Social sur-

ge na Constituição de México de 1917, mas se torna mais conhecido com a

Constituição de Weimar (alemã) de 1919. Antes do Constitucionalismo Social,

tinha-se a previsão somente de direitos individuais, em uma perspectiva liberal

de defesa de direitos. No Estado Liberal, o indivíduo tinha seus direitos indi-

viduais e o Estado não interferia nas relações privadas, ou seja, as pessoas se

viravam na luta pela sobrevivência. No Estado Social, a constituição prevê a ne-

cessidade de se defender os direitos sociais, o que exige uma postura mais ativa

do Estado. No Brasil, a Constituição de 1934 (terceira constituição brasileira)

foi a primeira a prever a defesa de direitos sociais5.

O Transconstitucionalismo é outro movimento de observação do

Constitucionalismo que trata da relação que há entre o direito interno e o

Direito Internacional para a melhor tutela dos direitos fundamentais. Segundo

o autor Marcelo Neves, nem sempre as constituições conseguem prever todos

os fatos que desafiarão os direitos fundamentais e, por esse motivo, os dispo-

sitivos internacionais que tratam de direitos humanos podem complementar a

defesa dos direitos fundamentais6.

5 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 68-69.6 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 69.

Page 17: Livro proprietário – direito constitucional i

16 • capítulo 1

[...] o transconstitucionalismo implica o reconhecimento de que as diversas ordens

jurídicas entrelaçadas na solução de um problema-caso constitucional – a saber, de

direitos fundamentais ou humanos e de organização legítima do poder – que lhes são

concomitantemente relevantes, devem buscar formas transversais de articulação para

solução do problema, cada uma delas observando a outra, para compreender os seus

próprios limites e possibilidades de contribuir para solução do problema. Sua identi-

dade é reconstruída, dessa maneira, enquanto leva a sério a alteridade, a observação

do outro. Isso parace-me frutífero e enriquecedor da própria identidade porque todo

observador tem um limite de visão no “ponto cego”, aquele que o observador não

pode ver em virtude da sua posição ou perspectiva de observação. NEVES, Marcelo.

Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 265.

Outro movimento contemporâneo é o chamado “Constitucionalismo do

Futuro”, ou “Constitucionalismo do por vir”, desenhado pelo jurista argentino

José Roberto Dromi, que afirma que as constituições no futuro serão baseadas

nos valores da solidariedade e da veracidade. Com a solidariedade se buscará

promover a cooperação recíproca. A Constituição Brasileira de certa forma já

faz essa previsão quando afirma que “construir uma sociedade solidária” é um

dos objetivos da República Federativa do Brasil. O valor constitucional da vera-

cidade estabelece que as constituições do futuro não podem fazer promessas

vazias e de difícil realização, uma vez que as constituições devem ser efetivadas7.

Há, ainda, o Constitucionalismo Transnacional, que difere-se do

Transconstitucionalismo, pois defende a possibilidade de se elaborar uma

única constituição para mais de um Estado. Na União Europeia, por exem-

plo, depois de anos de esforços para conferir a toda a Europa uma única

constituição, em 2008, foi acordado o Tratado de Lisboa, que baseia-se na

ideia de Constitucionalismo Transnacional, mas que não substituiu as cons-

tituições originárias dos Estados membros do bloco, mantendo-as de forma

concomitante8.

O Neoconstitucionalismo surgiu após a Segunda Guerra Mundial,

como fruto do movimento do Pós-positivismo, tendo como marco teóri-

co a Teoria da Força Normativa da constituição. O principal objetivo do

Neoconstitucionalismo é buscar uma maior eficácia da constituição, em

7 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 70.8 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 267.

Page 18: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 17

especial dos direitos fundamentais. Após a Segunda Guerra Mundial, verificou-

se que os regimes ditatoriais mais autoritários baseavam-se no Pós-positivismo.

Na Alemanha nazista, por exemplo, leis estabeleciam a autorização de esterili-

zação dos deficiente físicos, ou seja, as leis eram utilizadas como argumento

para a violação dos direitos humanos e fundamentais. A experiência vivida na

Segunda Guerra levou à elaboração de novas formas de se abordar o direito,

que fossem menos preocupadas com o positivismo jurídico e mais preocupa-

das com a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, não se pode confundir

o Direito Constitucional com apenas o que está escrito no texto da constituição

dos Estados. O Direito Constitucional é muito mais do que a norma positivada

nas constituições.

O ideal neoconstitucional afirma, ainda, nos ensinamentos de Konrad

Hesse, que toda constituição possui força normativa e deve, portanto, ser efe-

tivada. A noção é a de que a constituição é uma lei, um documento com força

normativa para modificar a realidade social, em prol da defesa dos direitos fun-

damentais. O objetivo dessa visão é buscar uma maior eficácia de todo o texto

constitucional e, em especial, dos direitos fundamentais9. O Supremo Tribunal

Federal tem corroborado esse pensamento, em especial quando afirma que as

normas programáticas não podem se converter em promessas constitucionais

inconsequentes, “sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas

nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumpri-

mento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade

governamental”10.

Em resumo, o Neoconstitucionalismo objetiva assegurar uma maior eficá-

cia dos direitos fundamentais, limitando o poder do Estado e exigindo dele o

cumprimento integral do que está prescrito no texto constitucional.

Importante consequência desse movimento é uma maior eficácia dos prin-

cípios constitucionais, que também são vistos como obrigatórios nessa ideolo-

gia. Exemplo dessa afirmativa se deu na decisão do Supremo Tribunal Federal

(STF), que examinou a questão da união homoafetiva, a união entre pessoas

do mesmo sexo. O STF não se baseou apenas no texto constitucional, ou seja,

no artigo 226 da Constituição, que define a união estável apenas como a união

9 HESSE, Conrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 393175/RS. Relator: Celso de Mello. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 1 fev. 2006. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo414.htm>. Acesso em: 27 set. 2015.

Page 19: Livro proprietário – direito constitucional i

18 • capítulo 1

entre homem e mulher. O STF baseou-se no princípio constitucional da digni-

dade da pessoa humana para dizer que a união homoafetiva também é consi-

derada como entidade familiar, equiparando-se à união estável. A importância

dessa decisão na efetivação do ideal neoconstitucionalista, pós-positivista, é

fundamental, pois ao invés de se aplicar a regra do texto da constituição, apli-

cou-se o princípio constitucional11.

Outra consequência foi o alargamento da jurisdição constitucional no

Brasil, ou seja, o surgimento de novas ações constitucionais defensoras do

Direito Constitucional e dos direitos fundamentais. Como, por exemplo, a cria-

ção da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), assim

como outras ações que surgiram nos últimos vinte anos. O Judiciário recebe,

portanto, uma enorme responsabilidade de fiscalizar o cumprimento das nor-

mas e princípios constitucionais.

1.3 Conceito de Constituição

A “Constituição” é o objeto de estudos dos mais variados teóricos do Direito

Constitucional.

CONCEITONa concepção de Niklas Luhmann, a constituição é um acoplamento estrutural entre o direito

e a política, considerada como a lei máxima da sociedade. Portanto, o que viabiliza a conexão

entre o direito e a política, como ciência da organização, administração e estruturação das

vontades populares nos Estados Democráticos, é a constituição.12

O direito dá legitimidade à atividade política e a política confere coercibili-

dade ao direito. A noção de que a constituição é a lei suprema do Estado estabe-

lece que todas as leis e atos normativos devem se fundar na constituição.

11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 4277 DF. Relator: Ayres Brito. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 05 mai. 2011. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635>. Acesso em: 27 set. 2015.12 LUHMANN, Niklas. EI derecho de la sociedad. Trad. Javier Nafarrate Torres. México: Universidad Iberoamericana, 2002.

Page 20: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 19

Apesar de se desejar estabelecer um conceito de constituição mais objetivo,

diante da pluralidade de autores que já se debruçaram sobre a questão, é im-

prescindível discutir os principais conceitos existentes sobre a constituição na

doutrina. Essa discussão não é meramente teórica, pois permite uma reflexão

apurada sobre o papel da constituição na contemporaneidade.

A primeira concepção de constituição importante de ser abordada é a

Constituição em Sentido Sociológico, cujo principal responsável foi o autor

Ferdinand Lassale, considerado como o precursor da social democracia alemã

no século XIX. Para Lassale, a constituição é a soma dos fatores reais de poder

que emanam do povo, uma vez que a constituição não é somente uma folha

de papel. Assim, todo agrupamento humano tem uma constituição. No pen-

samento de Lassale percebe-se a existência de duas constituições: uma consti-

tuição real, que corresponde à soma dos fatores de poder que regem o Estado,

e uma constituição escrita, que, quando não cumprida, apresenta-se apenas

como uma folha de papel13.

Ao conceito sociológico associa-se o alemão Ferdinand Lassalle que, em sua obra "A

essência da Constituição", sustentou que esta seria o produto da soma dos fatores

reais de poder que regem a sociedade.

Segundo esta concepção, a Constituição é um reflexo das relações de poder vigentes

em determinada comunidade política. Assemelhada a um sistema de poder, seus

contornos são definidos pelas forças políticas, econômicas e sociais atuantes e pela

maneira como o poder está distribuído entre os diferentes atores do processo político.

Isso significa que Constituição real (ou efetiva) é, para o autor, o resultado desse

embate de forças vigentes no tecido social. MASSON, Nathalia. Manual de direito

constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 23.

Cal Schmitt define a Constituição no Sentido Político e afirma que ela é

“uma decisão política fundamental do povo”14. A posição decisionista é apon-

tada por Schmitt, pois entende a constituição como um reflexo das escolhas,

decisões, tomadas para a gestão do Estado. O ponto de encontro entre as duas

teorias é o entendimento de Schmitt de que a constituição também não é só

uma lei escrita em uma folha de papel. Diante dessa preocupação, Schmitt 13 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.42.14 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 85.

Page 21: Livro proprietário – direito constitucional i

20 • capítulo 1

divide sua classificação da constituição em duas partes: a “constituição” e as

“leis constitucionais”. A Constituição” trata somente de normas que são es-

senciais, no âmbito constitucional, para a proteção das decisões políticas do

Estado. As “leis constitucionais" são as demais normas presentes no texto cons-

titucional, mas que poderiam estar previstas em matéria infraconstitucional.

Na teoria de Carl Schmitt, “constituição” é fundamento de existência política

do Estado, ao passo que “lei constitucional” é escolha de se defender regras no

texto constitucional15.

Schmitt é muito criticado, em especial porque foi o autor que embasou o

constitucionalismo da Alemanha nazista. A preocupação em se aplicar essa

teoria está na noção de que a validade de uma constituição não se apoia nos va-

lores da justiça e na defesa dos direitos fundamentais, mas na decisão política

que a origina.

A mais importante concepção de constituição é a Constituição no Sentido

Jurídico. Nessa concepção, Hans Kelsen afirma que a constituição é a lei mais

importante de todo ordenamento jurídico. Diante dessa afirmativa, ele conclui

que o ordenamento jurídico é um sistema hierárquico de normas, no qual a

norma principal é a constituição. Kelsen representa o ordenamento jurídico de

forma piramidal, colocando no topo da pirâmide a constituição, como norma

que valida a existência de todo o ordenamento jurídico brasileiro16.

CONSTITUIÇÃO

A constituição existe em dois planos para Kelsen: no plano lógico-jurídico

e no plano jurídico-positivo. A visão lógico-jurídica refere-se ao ideal da norma

hipotética fundamental presente nos Estados, ou seja, trata do fundamento ló-

gico, valorativo, no qual o legislador constituinte irá se basear para a elaboração

da norma constitucional positiva. No plano jurídico-positivo trata da constitui-

ção como norma suprema positivada.

15 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 86.16 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 87.

Page 22: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 21

Kelsen estruturou o ordenamento de forma estritamente jurídica, baseando-se na

constatação de que toda norma retira sua validade de outra que lhe é imediatamen-

te superior.

Segundo o autor, no mundo das normas jurídicas uma norma só pode receber valida-

de de outra, de modo que a ordem jurídica sempre se apresente estruturada em nor-

mas superiores fundantes – que regulam a criação das normas inferiores – e normas

inferiores fundadas – aquelas que tiveram a criação regulada por uma norma superior.

Essa relação de validade culmina em um escalonamento hierárquico do sistema

jurídico, uma vez que as normas nunca estarão lado a lado, ao contrário, apresentarão

posicionamentos diferenciados em graus inferiores e superiores. MASSON, Nathalia.

Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 25.

Conclui-se que Kelsen cria o ideal da Concepção Jurídica hoje adotado no

ordenamento jurídico brasileiro. A constituição é, portanto, o pressuposto de

validade de todas as leis e atos normativos, ou seja, para que uma lei seja válida

ela precisa estar de acordo com a constituição.

Há, ainda, a Concepção Culturalista de constituição que afirma que toda

constituição possui um forte elemento cultural, por ser fruto da cultura ou das

culturas presentes em um Estado. Essa teoria leva em consideração os aspec-

tos sociológico, político e jurídico de constituição de forma complementar e

não antagônica. A relação é complexa, pois ao mesmo tendo que a constituição

é fruto da cultura de um povo ela é também um elemento condicionante des-

sa cultura.

Por fim, é importante abordar a teoria da Constitucionalização Simbólica

desenvolvida pelo jurista Marcelo Neves. A visão de Neves é crítica em relação à

importância simbólica e de dominação ideológica que a constituição possui no

Estado. O autor afirma que a partir do momento que as constituições asseguram

direitos que não são cumpridos, percebe-se a intenção de utilizar-se do texto da

constituição como uma forma de defesa democrática simbólica, que não tem o

objetivo de sair do papel. A elaboração de leis e atos normativos, que não pos-

suem a intenção de serem cumpridos, faz com que a constituição assuma um ca-

ráter simbólico e não efetivo no Estado. Marcelo Neves define a constituição sim-

bólica como aquela em que há o predomínio de sua função político ideológica,

sem se preocupar com a sua efetividade normativa. A principal crítica trazida é

no sentido de se observar a intenção de dominação ideológica que há por trás da

Page 23: Livro proprietário – direito constitucional i

22 • capítulo 1

elaboração de normas que não são aplicadas de forma cogente, mas que servem

para abrandar, ideologicamente, o clamor social que reivindica soluções para

as necessidades sociais de efetivação de direitos fundamentais. Marcelo Neves

chama essas normas de legislação-álibi do Estado17. Exemplo dessa questão é a

atual e recorrente discussão sobre a redução da maioridade penal, uma vez que a

mudança da legislação não irá abrandar os problemas de segurança pública, mas

funcionará como um símbolo para satisfazer os grupos populares que buscam e

exigem uma maior segurança pública efetivada pelo Estado.

1.4 Classificação das Constituições

A classificação das constituições pode se dar de diversas formas distintas, de-

pendendo dos critérios utilizados para distinguir as constituições.

1.4.1 Quanto à origem

Quanto à origem observar-se-á a forma de colocação da constituição no Estado,

se será imposta ou democrática.

A constituição é chamada de “promulgada”, “democrática” ou “popular”

quando é elaborada com a participação do povo que irá ordenar, por meio

da democracia direta ou da democracia representativa (eleição direta de uma

Assembleia Nacional Constituinte). No Brasil, foram instituídas de forma de-

mocrática as constituições de 1891, 1934, 1946 e 1988.18

As constituições nomeadas como “outorgadas” ou “impostas” são aquelas

elaboradas sem a participação popular, impostas pelos governantes ao povo.

Elas são o resultado de uma manifestação unilateral daqueles que exercem a

gestão do Estado. No Brasil, foram instituídas de forma outorgadas as consti-

tuições de 1824, 1937, 1967 e a emenda constitucional de 1969. 19

Há, ainda, na classificação de José Afonso da Silva, as constituições no-

meadas como “cesaristas”. Elas são fruto de uma elaboração autoritária pelo

Estado, mas passam por aprovação popular posterior por meio de plebiscito.

17 NEVES, Marcelo. Constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 197-198.18 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 97.19 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 96.

Page 24: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 23

Ex.: Constituição do Chile, elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet

(1973-1990) e promulgada em 1980. 20

Paulo Bonavides cita, também, a classificação de “constituições Pactuadas”,

como aquelas que se efetivam por meio de um pacto realizado entre o rei (Executivo)

e o Legislativo, determinando que o monarca tenha que se sujeitar a limites cons-

titucionais. Ex.: Magna Carta de 1215, na qual os barões ingleses obrigaram o rei

João I (João sem terra) a assinar e conceder direitos de liberdade e propriedade21.

1.4.2 Quanto à forma

Quanto à forma pode-se classificar as constituições como constituições “escri-

tas” e “não escritas”.

As constituições escritas são aquelas materializadas em um documento es-

crito a fim de se buscar instrumentalizar e garantir a obediência de suas deter-

minações. Todas as constituições brasileiras são escritas22.

As constituições não escritas não são codificadas e, portanto, não se mate-

rializam de forma específica como constituição. Essas constituições baseiam-

se nos costumes e, por isso, são utilizadas em Estados com consuetudinárias.

Ex.: Constituição Inglesa em que parte das normas são costumeiras23.

No caso das constituições não escritas é importante salientar que nada im-

pede que essas constituições sejam compostas, em parte, por costumes e em

parte por normas escritas. Na Inglaterra, por exemplo, parte da constituição

são os costumes, mas a jurisprudência e as normas basilares que fazem parte

da constituição são escritas.

1.4.3 Quanto ao modo de elaboração

As constituições poderão ser elaboradas de formas diferentes e em momentos

diferentes e esparsos. A constituição nomeada como “dogmática” é aquela ela-

borada em um único período, de uma só vez, sofrendo influências da época e

do momento em que foi elaborada. A constituição “histórica” é elaborada “aos

poucos”, pois surge com o passar do tempo e com a evolução da sociedade24.

20 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.45.21 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2006, p. 49.22 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 98.23 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99.24 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 101.

Page 25: Livro proprietário – direito constitucional i

24 • capítulo 1

1.4.4 Quanto à extensão

As constituições extensas são classificadas como “prolixas” ou “analíticas”

e são aquelas que, além de versar sobre os conteúdos básicos de uma consti-

tuição, optam por abordar outros assuntos no texto constitucional, e por isso

ficam bastante estendidas. No Brasil, a Constituição da República de 1988 é

extremamente extensa, pois o regime anterior à constituição era ditatorial e

o constituinte entendeu ser mais seguro defender e determinar como seriam

as relações estatais no Estado Democrático, por meio do texto constitucional,

norma suprema do Estado. Essas constituições prolixas tendem a ser menos

estáveis, pois como tratam de assuntos diversos acabam precisando com mais

frequência de uma adaptação legislativa do texto à evolução humana25.

As constituições “concisas” ou “sintéticas” possuem um conteúdo res-

trito ao que é estritamente necessário de ser tratado pela constituição. Ex.: a

Constituição dos Estados Unidos da América é composta de apenas sete artigos

originais e vinte e sete emendas26.

1.4.5 Quanto à finalidade

As constituições podem ser classificadas ao se analisar a finalidade da elabora-

ção do texto constitucional. É nomeada como “constituição garantia” aquela que

pretende garantir os direitos fundamentais frente ao Estado, determinando limi-

tes para a atuação do Estado. A constituição será “dirigente” ou “programática”

quando os seus artigos definirem objetivos para o futuro e para a atuação estatal.

O legislador constituinte “dirige” a atuação futura dos órgãos governamentais.

As constituições dirigentes possuem, portanto, as chamadas “normas programá-

ticas”, que requerem uma atuação futura do governo para serem efetivadas.

1.4.6 Quanto à estabilidade

O nível de estabilidade de uma constituição leva em conta o grau de facilidade

que se encontra para modificar o texto da constituição de um Estado. Entende-

se que a colocação da constituição como norma suprema de um Estado exige

uma proteção especial para que esse texto seja modificado.

25 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99.26 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 99.

Page 26: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 25

São classificadas como “constituições imutáveis” aquelas que não aditem

qualquer tipo de modificação. Esse tipo de constituição não é popular, devido

à dificuldade que ela coloca para a atualização do texto constitucional às novas

demandas sempre trazidas pela evolução da sociedade27.

As “constituições rígidas” são aquelas que admitem a modificação de seus

textos, mas que exigem que a alteração ocorra somente após um processo legis-

lativo mais dificultoso do que o utilizado para a elaboração de leis ordinárias.

As constituições “semi-rígidas” estabelecem um processo legislativo mais

complexo para a modificação da constituição somente para parte de seu texto

constitucional, sendo o restante modificado nos mesmos critérios de modifica-

ção de lei ordinária. Ex.: Constituição Brasileira de 1824. 28

As “constituições flexíveis” são aquelas que permitem a mudança do texto

constitucional, por meio do mesmo processo ordinário de elaboração e modi-

ficações de leis29.

A rigidez constitucional decorre do princípio de supremacia do texto cons-

titucional, que coloca a constituição como norma suprema do Estado. Essa ob-

servação leva à conclusão de que a constituição é a “norma de validade” que

“filtra” todos as leis e atos normativos, para conferir validade a eles, no Estado

constitucional. Além disso, todas as atuações do Executivo e Judiciário também

devem passar pelo crivo da constituição. O Estado deixou de ser somente um

Estado legislativo de Direito, no qual somente as normas e atos normativos

passavam por uma “filtragem constitucional” e se efetivou como um Estado

Democrático e Constitucional de Direito, a partir do momento que se exige a

obediência à constituição também daqueles que aplicam e executam a legisla-

ção no caso concreto (Executivo e Judiciário).

A constituição brasileira de 1988 é classificada como uma constituição rí-

gida pela maioria dos autores, pois possui um processo legislativo dificulta-

do para a modificação do texto constitucional. Entretanto, para Alexandre de

Moraes ela se classifica como um a constituição super rígida, pois além de pos-

suir essa rigidez, possui artigos que são imutáveis, conhecidos como Cláusulas

Pétreas (Art. 60, § 4º, Constituição)30.

27 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 102.28 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 102.29 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 102.30 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 103.

Page 27: Livro proprietário – direito constitucional i

26 • capítulo 1

1.4.7 Quanto ao conteúdo

A constituição, quanto ao conteúdo, é classificada como ‘material’ ou ‘formal’.

As constituições que possuem apenas conteúdos essencialmente constitucio-

nais são chamadas de ‘materiais’, pois cuidam somente de matérias, assuntos

constitucionais, e reservam à legislação infraconstitucional os outros conteú-

dos. As constituições formais, além do conteúdo material, tratam de assuntos

extras, colocados na constituição por escolha do legislador constituinte, mas

que poderiam estar previstos em outras normas. A constituição da República

de 1988 é uma constituição formal, pois por ser prolixa, além de possuir o con-

teúdo materialmente constitucional também trata de assuntos que poderiam

ser tratados por leis infraconstitucionais31.

1.4.8 Quanto à sistemática

As constituições, em relação à sua sistemática, são classificadas como ‘codifi-

cadas’ quando estão contidas em um só texto, em um só código.

As constituições variadas são as que são compostas por mais de um texto

normativo, sendo formadas por um conjunto de leis32.

Inicialmente, a Constituição de 1988 classifica-se como codificada, mas os

autores estão questionando essa classificação devido à possibilidade de trata-

dos internacionais de direitos humanos poderem ser recepcionados com sta-

tus de emenda constitucional, após a aprovação da Emenda Constitucional 45

de 2004. Nesse sentido, a constituição brasileira não seria somente o código

escrito em 1988, mas englobaria também os tratados internacionais de direitos

humanos ratificados pelo Brasil após referendo do Legislativo com o quórum

de 3/5 em dois turnos.

1.5 Elementos das Constituições

A doutrina encontra 5 (cinco) elementos que fazem parte das constituições. O

primeiro elemento que toda constituição possui recebe o nome de ‘elemento

31 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 100. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 100.32 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 104.

Page 28: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 27

orgânico’, que organiza a estrutura do Estado. Ex.: Art. 2o, 18 e 92 da Constitui-

ção da República de 1988.

O segundo elemento é conhecido como ‘elemento limitativo’, que obje-

tiva restringir o exercício do poder do Estado, ao determinar a obrigação do

Estado de respeitar os direitos fundamentais dos indivíduos. Ex.: Art. 5o da

Constituição da República de 1988.33

Há, também, os ‘elementos sócio-ideológicos’, que tratam das diferentes

ideologias previstas no texto constitucional de um Estado. Ex.: Art. 3o e 170 da

Constituição da República de 1988. 34

Em quarto lugar, as constituições possuem também ‘elementos de estabi-

lização constitucional’, que estabelecem formas de se estabilizar a segurança

constitucional em casos de tumulto institucional do Estado. Ex.: Art. 34 (inter-

venção federal), art. 137 (estado de sítio) e art. 136 (estado de defesa)35.

Por fim, os ‘elementos formais de aplicabilidade’ estabelecem regras

e orientam na própria aplicação do texto constitucional. Ex.: preâmbulo

da Constituição, disposições constitucionais transitórias e Art. 5o, §1o da

Constituição36.

1.6 Normas Constitucionais: aplicabilidade e eficácia

As normas constitucionais, apesar de serem dotadas de obrigatoriedade, po-

dem possuir diferentes graus de eficácia. Assim, as normas constitucionais,

quanto ao grau de eficácia, são classificadas em:

1.6.1 Normas Constitucionais de eficácia plena

As normas constitucionais de eficácia plena têm a possibilidade de produzir

efeitos desde o momento em que são editadas e entram em vigor, pois não de-

pendem de outras normas para serem efetivadas. Elas já são completas e estão

aptas a serem seguidas de imediato.

33 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 110.34 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 110.35 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 110.36 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 111.

Page 29: Livro proprietário – direito constitucional i

28 • capítulo 1

1.6.2 Normas Constitucionais de eficácia contida

As normas constitucionais de eficácia contida tiveram sua abrangência restrita

após a sua entrada em vigor, pois eram de eficácia plena e foram restritas em

sua aplicabilidade.

As normas de eficácia contida poderão ser restritas:

•  pelo legislador infraconstitucional. (Ex.: art. 5º, VIII; art. 5º, XIII; art. 37, I

da Constituição de 1988);

•  por outras normas constitucionais. (Ex.: arts. 136 a 141 da Constituição

de 1988);

•  por conceitos jurídicos consagrados na doutrina e na jurisprudência.

(Ex.: conceito de ordem pública na aplicação do art. 5º, XXV da Constituição

de 1988).

1.6.3 Normas Constitucionais de eficácia limitada

As normas constitucionais de eficácia limitada são o oposto das normas de efi-

cácia plena, pois, no momento de entrada em vigor do texto constitucional, não

possuem a possibilidade de serem aplicadas, por dependerem de regulação es-

pecífica do legislador ordinário para serem regulamentadas.

José Afonso da Silva divide as normas de eficácia limitada em dois tipos:

NORMAS DE PRINCÍPIO INSTITUTIVO (ORGANIZACIONAIS)

Nas quais o legislador constituinte

indica que é necessária a estruturação

posterior do órgão estatal, previsto na

constituição, por atuação do legislador

ordinário. As normas de princípio institu-

tivo podem ser impositivas (obrigatórias)

ou facultativas. Ex.: Art. 33: “a lei disporá

sobre a organização administrativa e

judiciária dos Territórios” (art. 33).

Page 30: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 29

NORMAS DE PRINCÍPIO PROGRAMÁTICO

Tratam de programas institucionais a

serem cumpridos pelo governo em prol

do interesse social. Ex.: Art. 6o (direito

à alimentação, art. 196 (direito à saúde)

etc.

1.7 Hermenêutica das Normas Constitucionais

‘Hermenêutica’ é uma palavra que vem de ‘Hermes’, o deus grego que era res-

ponsável pela interpretação das palavras dos deuses, traduzindo-as para os ho-

mens. A palavra “hermenêutica” trata de uma tentativa de explicar, traduzir,

a norma jurídica para que seja compreendida e aplicada na sociedade. A her-

menêutica é a ciência da interpretação, e por meio dela interpreta-se melhor e

entende-se quais princípios podem ser utilizados para a compreensão das nor-

mas jurídicas37.

A Hermenêutica Jurídica possui uma subespécie conhecida como

Hermenêutica Constitucional, consagrada pelo ideal do Neoconstitucionalismo.

Pela importância suprema da constituição é importante que ela seja aborda-

da por técnicas de interpretação específicas. Além disso, a constituição é do-

tada de uma série de princípios e normas de caráter político que desafiam a

compreensão e exigem abordagens específicas de interpretação, por meio da

Hermenêutica Constitucional. Conclui-se que interpretar a constituição é dife-

rente de interpretar as leis infraconstitucionais38.

A primeira posição da Hermenêutica Constitucional é o chamado

“Interpretativismo”, que determina que o intérprete se limita pelo texto e pelos

princípios explícitos na constituição39.

37 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 163.38 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 163.39 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.120.

Page 31: Livro proprietário – direito constitucional i

30 • capítulo 1

A segunda abordagem é a do “Não Interpretativismo”, na qual o intérpre-

te vai além da norma e defende a aplicação dos valores constitucionais para a

compreensão da constituição40.

A Hermenêutica Constitucional questiona, também, se o intérprete da

constituição deve buscar interpretar de acordo com a ‘vontade da lei’ (mens le-

gis) ou de acordo com a vontade do legislador (mens legislatoris). Os autores

subjetivistas entendem que deve-se buscar a vontade do legislador. Entretanto,

a doutrina majoritária entende que deve-se buscar interpretar de acordo com a

‘vontade da lei’, a que está no texto, de forma objetiva. Em especial porque a lei

é mais inteligente que o legislador, sendo capaz de se adaptar a situações não

imaginadas pelo legislador41.

É importante tratar sobre os diversos métodos de interpretação constitu-

cional consagrados pela doutrina, em especial pelos ensinamentos de José

Joaquim Gomes Canotilho.

O primeiro método é o Método Hermenêutico Jurídico Clássico (ou méto-

do de Savigny), no qual o intérprete utiliza-se dos métodos tradicionais de inter-

pretação das leis, como o método gramatical ou literal. Outro método utilizado

nessa perspectiva clássica é a interpretação histórica, que verifica a genealogia

da lei, que se preocupa com o momento histórico de criação da lei. O método

lógico utiliza-se de raciocínios lógicos para entender a lei e também faz parte

dessa perspectiva clássica. O método teleológico, que analisa os objetivos pe-

los quais a lei foi criada, também está nesse contexto de método hermenêutico

clássico. Portanto, o método hermenêutico jurídico clássico utiliza-se dos mes-

mos métodos de interpretação das leis para interpretar a constituição42.

Entretanto, existem outros métodos específicos de interpretação, específi-

cos da Hermenêutica Constitucional, que devem ser estudados.

Os principais métodos de interpretação da Hermenêutica Constitucional são:

•  O Método Tópico Problemático, que parte do problema para chegar na

interpretação adequada na norma43.

40 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.120.41 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.122.42 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.120.43 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.120.

Page 32: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 31

•  O Método Científico Espiritual, que busca o espírito, a vontade da consti-

tuição, para compreendê-la44.

•  O Método Normativo Estruturante, no qual o interprete deve buscar o real

sentido da norma constitucional, que não se confunde com o texto constitucio-

nal. Nos ensinamentos de Friedrich Muller, a constituição pode ser comparada

metaforicamente a um iceberg e o texto constitucional seria apenas a ponta do

iceberg a ser explorado em sua totalidade pela hermenêutica constitucional45.

•  O Método Hermenêutico Concretizador de Konrad Hesse, no qual o in-

térprete parte de uma pré-compreensão da norma para depois fazer um círculo

hermenêutico indo do fato à norma e da norma ao fato quantas vezes for neces-

sário para sua compreensão46.

•  O Método Comparativo, no qual o intérprete compara o texto da consti-

tuição do seu Estado com a constituição de outros Estados47.

Além dos métodos de interpretação constitucional, ao se estudar a

Hermenêutica Constitucional é importante tratar dos princípios que norteiam

a compreensão e interpretação da constituição.

Os princípios fundamentais da Hermenêutica Constitucional são:

•  Princípio da Unidade: Estabelece que quando houver conflito entre nor-

mas constitucionais elas devem se compatibilizar, ou seja, esse conflito não

deve ser solucionado como critérios de medição de qual seria a norma mais

importante. A constituição é um todo harmônico e a interpretação deve levar

essa máxima em consideração48.

•  Princípio da Máxima Efetividade (ou Eficiência): Determina que o intér-

prete deve extrair das normas constitucionais a maior eficácia, eficiência, pos-

sível, mesmo que sejam normas programáticas49.

•  Princípio da Força Normativa da Constituição: Idealizado por Konrad

Hesse e estabelece que a constituição deve durar o máximo possível, evitando-se

44 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.120.45 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.120.46 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.120.47 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.120.48 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.124.49 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.124.

Page 33: Livro proprietário – direito constitucional i

32 • capítulo 1

ao máximo as reformas constitucionais, o que gera uma estabilidade e seguran-

ça jurídica50.

•  Princípio da Concordância Prática (ou Harmonização): Trata do confli-

to de direitos fundamentais, afirmando que eles devem se harmonizar na sua

aplicabilidade51.

•  Princípio da Justeza (ou conformidade funcional): Afirma que o intérpre-

te não pode alterar as competências constitucionais52.

•  Princípios da Integração (força integradora): Nos casos de conflitos de

normas constitucionais, o intérprete deve prestigiar a norma que busca uma

maior integração politica e social do Estado53.

•  Princípio de Presunção de Constitucionalidade das leis: As leis presu-

mem-se constitucionais até que haja prova em contrário54.

Destacam-se dois dos mais importantes princípios que regem a

Hermenêutica Constitucional: Princípio da Razoabilidade e Princípio da

Proporcionalidade. Esses princípios não devem se confundir, pois são distin-

tos. O princípio da razoabilidade tem sua origem nos Estados Unidos, decor-

rendo do devido processo legal substantivo (substantive due process of law).

Segundo a razoabilidade, analisa-se se o ato praticado pelo poder público é ra-

zoável, ou seja, se o ato não é razoável ele não será constitucional. O Princípio da

Proporcionalidade é diferente, tendo sua origem no Tribunal Constitucional

Alemão e trata da verificação da limitação dos direitos fundamentais, por meio

da legislação. O princípio da proporcionalidade utiliza-se de vários critérios

para ser observado, como o da necessidade, adequação e, em especial, o crité-

rio da proporcionalidade em sentido estrito, que coloca na balança dos direitos

constitucionais em conflito.

50 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.124.51 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.125.52 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.125.53 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.125.54 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª tiragem. Coimbra: Almedina, 2003, p.126.

Page 34: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 33

EXEMPLOCaso Concreto: Um dos direitos fundamentais previstos na constituição é o direito de ampla

defesa, conferindo ao réu o direto de estar presente nos atos processuais de seu processo.

Entretanto, a Lei 11.900 de 2009 prevê o interrogatório por vídeo conferência, limitando o

direito de ampla defesa. Pergunta-se: Essa limitação é constitucional? O critério da propor-

cionalidade vai auxiliar na resposta desse questionamento. QUESTIONA-SE: 1) É adequado?

SIM, uma vez que pode evitar fuga de presos perigosos. 2) Há necessidade? SIM, uma vez

que apresenta-se como o meio menos lesivo à ampla defesa. 3) É proporcional essa medida

no sentido estrito? SIM, pois ao se colocar na balança a ampla defesa e a segurança pública,

parece uma medida proporcional.

1.8 Preâmbulo e Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

A constituição brasileira se divide em três partes: o preâmbulo, a sua parte per-

manente e os atos de disposições constitucionais transitórias.

1.8.1 Preâmbulo da Constituição

O preâmbulo é a parte preparatória do texto constitucional, a própria palavra

“preâmbulo” significa introdução. O preâmbulo brasileiro encontra-se, por-

tanto, antes do artigo 1o da Constituição e determina que:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte

para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos

sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igual-

dade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem

preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e interna-

cional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus,

a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. BRASIL.

Constituição da República federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 35: Livro proprietário – direito constitucional i

34 • capítulo 1

Todas as constituições brasileiras até hoje tiveram um preâmbulo, mas ele

não é um elemento obrigatório para a existência das constituições. Há uma tra-

dição no direito brasileiro, mas não é essencial.55

Questiona-se, portanto, se o preâmbulo é considerado como norma consti-

tucional, dotado de força normativa. O Supremo Tribunal federal Federal tem

entendido que o preâmbulo não é norma constitucional, não sendo dotado de

força normativa. Portanto, o preâmbulo não é norma de repetição obrigatória

nas constituições estaduais, ou seja, as constituições estaduais não precisam

ter preâmbulo e, quando optarem por colocá-lo, não têm a obrigação de repro-

duzir os ideais do preâmbulo da constituição da República.56

ATENÇÃOO Supremo Tribunal Federal manifestou-se, nesse sentido, quando o Acre elaborou sua

constituição estadual, pois na constituição do Acre não havia a previsão da palavra Deus,

diferente dos outros estados federados que copiaram a palavra “deus” da constituição da

república. O partido politico PSL ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pedindo

que o STF afirmasse que essa omissão do Acre era inconstitucional. O STF decidiu a questão

afirmando que como o preâmbulo não é norma da Constituição Federal, ele não é norma de

repetição obrigatória nas constituições estaduais.

Além disso, como o preâmbulo não é norma constitucional, ele não pode ser utilizado

como parâmetro do controle de constitucionalidade. Se alguma lei ou ato normativo ferir o

que está disposto no preâmbulo, não há configuração de inconstitucionalidade.

Questiona-se: a palavra “Deus” colocada no preâmbulo fere a laicidade57 do Estado

brasileiro? NÃO, pois como o preâmbulo não é norma constitucional, ele não é dotado de

obrigatoriedade, é somente uma introdução que representa o momento histórico em que a

constituição foi criada.

Os crucifixos nas repartições públicas ferem a laicidade do Estado brasileiro, uma vez

que representam uma única religião? O Conselho Nacional de Justiça afirma que não há

uma violação da laicidade, pois é uma expressão da cultura brasileira, assim como os feriados

católicos como o Natal, que se mantém.

55 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 203.56 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 203.57 Característica do Estado que não possui religião oficial e é chamado de Estado laico.

Page 36: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 1 • 35

1.8.2 Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)

O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) estão presentes

no texto da constituição, após a parte permanente, ou seja, após o artigo 250

da constituição. O ADCT inicia-se no artigo 1o, de forma apartada à contagem

de artigos da constituição, mas o ADCT é norma constitucional, diferente do

preâmbulo. O ADCT inclusive já foi objeto de emendas constitucionais, e ser-

ve como norma de validade para conferêencia da constitucionalidade de leis e

atos normativos.58

A principal diferença do ADCT, para a parte permanente do texto constitu-

cional, é o fato de não ter um caráter permanente, ou seja, tem o objetivo de ser

aplicado de forma transitória, por um tempo determinado. As normas consti-

das presentes no ADCT têm o objetivo de regulamentar o período de transição

que se dá do regime jurídico estabelecido pela antiga constituição para o regi-

me jurídico estabelecido pela nova constituição.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva,

2013.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA, 2006.

BRASIL. Constituição da República federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. ADI 4277 DF. Relator: Ayres

Brito. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 05 mai. 2011. Disponível em:<http://redir.stf.jus.br/

paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628635>. Acesso em: 27 set. 2015.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 393175/RS. Relator: Celso de Mello.

Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 01 fev. 2006. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/

informativo/documento/informativo414.htm>. Acesso em: 27 set. 2015.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. 5ª

tiragem. Coimbra: Almedina, 2003.

HESSE, Conrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:

Sergio Antônio Fabris Editor, 1991.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

LUHMANN, Niklas. EI derecho de la sociedad. Trad. Javier Nafarrate Torres. México: Universidad

Iberoamericana, 2002.

58 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 205.

Page 37: Livro proprietário – direito constitucional i

36 • capítulo 1

MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

NEVES, Marcelo. Constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 265.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015.

Page 38: Livro proprietário – direito constitucional i

Poder Constituinte

2

Page 39: Livro proprietário – direito constitucional i

38 • capítulo 2

Page 40: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 2 • 39

2.1 Conceito

CONCEITOO poder constituinte é o responsável pela criação, reforma, revisão e mutação das constituições.

No século XVIII, desenvolve-se a ideia de “poder constituinte”, na França,

a partir de uma profunda mudança de mentalidade que marca o fim da Idade

Média e o início da Idade Moderna1.

Há uma gradativa substituição do teocentrismo (doutrina ou crença que

considera Deus como o centro de tudo) pelo antropocentrismo (ideia na qual

se defende que o homem deve estar no centro das ações, da cultura, da história

e da filosofia). Essa mudança de paradigma desenvolve o ideal do “racionalis-

mo”, como decorrência da visão iluminista que traz uma concepção organi-

zacional racionalizada da humanidade. Resumindo, a ideia básica é a de que

não há mais um ser divino que comanda os ideais humanos, mas o próprio ser

humano e sua racionalidade definirão as formas de organização das relações

estatais. Esses ideais levam à criação da “Teoria do Poder Constituinte”, idea-

lizada pelo francês Emmanuel Joseph Sieyès, na obra intitulada “O que é o ter-

ceiro Estado?”2. Na sua publicação, Sieyès questiona o que é o terceiro Estado.

O primeiro Estado seria o clero, o segundo, a nobreza, sendo essas as classes

que exerciam o poder. Entretanto, Sieyès afirma que o terceiro Estado seria o

povo, que também deveria exercer o poder. Ele questiona o papel do povo na

sociedade e afirma que há uma origem popular do poder. O povo se torna o

detentor da capacidade de elaborar um documento legal com características

de superioridade hierárquica legislativa, que ficou intitulado de constituição.

O nome constituição explica muito bem o seu ideal, ou seja, ela cria, viabiliza o

nascimento das regras às regras vigentes no Estado. Sieyès nomeou esse poder

de origem popular e titularidade popular de “poder constituinte”3.

1 BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 62.2 No Brasil o título do livro foi traduzido como “A Constituinte Burguesa”, mas no original, em francês o título é “Qu'est-ce que le Tiers État?”, ou seja, “O que é o terceiro Estado?”.3 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.211-212.

Page 41: Livro proprietário – direito constitucional i

40 • capítulo 2

Entretanto, o poder constituinte não se confunde com os “poderes”4 cons-

tituídos do Estado, ou seja, com o Executivo, Legislativo e Judiciário. O po-

der constituinte existe a partir da origem popular, sendo um poder de fato.

Ele possibilita a elaboração e modificação da constituição. Por outro lado, na

constituição existirá o estabelecimento dos “poderes” constituídos: Executivo,

Legislativo e Judiciário. O poder constituinte é um só e de titularidade do

povo. As ideias de Sieyès levam à possibilidade de estabelecimento do Estado

Constitucional de Direito, ou seja, o povo, legítimo titular de poder, elaborando

a regra máxima que vai vigorar no Estado5.

O poder constituinte é a energia (ou força) política que se funda em si mesma, a

expressão sublime da vontade de um povo em estabelecer e disciplinar as bases

organizacionais da comunidade política. Autoridade suprema do ordenamento jurídico,

exatamente por ser anterior a qualquer normatização jurídica, o poder é o responsá-

vel pela elaboração da Constituição, esta norma jurídica superior que inicia a ordem

jurídica e lhe confere fundamento de validade. Por ser um poder que constitui todos

os demais e não é por nenhum instituído, é intitulado "constituinte", termo que revela

toda sua potência criadora e faz jus à sua atribuição: a criação de um novo Estado

(sob o aspecto jurídico), a partir da apresentação de um novo documento constitucio-

nal. MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013,

p. 95.

No Brasil, o poder do povo está estipulado no artigo 1o, parágrafo único

da Constituição da República de 1988: “Art. 1o - Parágrafo único. Todo o po-

der emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou dire-

tamente, nos termos desta Constituição”6. Observa-se que no texto do artigo

da constituição a palavra “poder” está no singular porque é somente um po-

der, elementar do Estado. Essa conclusão histórica é fruto do questionamento

da Revolução Francesa contra o Absolutismo, colocando limites à atuação do

Estado, em prol do interesse popular.

4 A Teoria do Estado afirma que o poder é único e indivisível, sendo que na gestão estatal teríamos apenas uma delegação de exercício de competência para as funções legislativa, executiva e judiciária. Entretanto, utiliza-se a expressão “poder” utilizada na Constituição da República de 1988.5 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.211-212.6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 42: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 2 • 41

No Brasil, portanto, “todo poder emana do povo”, mas quem é o “povo”?

Segundo a doutrina clássica o povo é constituído por aqueles elencados no arti-

go 12 da Constituição que trata de nacionalidade, ou seja, o povo são os nacio-

nais de um Estado.

No artigo 2o da Constituição7 trata-se dos poderes constituídos, Legislativo,

Executivo e Judiciário, que não são objeto de tratamento no tópico em questão,

pois se diferem do poder constituinte.

O poder constituinte é um poder de fato, pois não existe um regramento

específico e normativo para fins de exercício desse poder. O poder só é exerci-

do quando há, factualmente, a necessidade de se adequar uma nova realidade

social e novos valores com o que está disposto e juridicamente disciplinado na

constituição. Entretanto, a consequência do exercício desse poder será jurídi-

ca, pois se materializará na constituição.

A convocação para o exercício do poder constituinte se dá, via de regra,

por meio da convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. Observe o

preâmbulo da constituição se referindo a essa hipótese:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte

para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos

sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a

igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e

sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e

internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção

de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado,

1988, grifo nosso.

Assim sendo, o povo brasileiro tem o seu poder constituinte reuni-

do na Assembleia Nacional Constituinte, com o objetivo de elaborar uma

nova constituição.

7 “Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 43: Livro proprietário – direito constitucional i

42 • capítulo 2

2.2 Espécies de poder constituinte

Há uma divisão dicotômica do poder constituinte em: Poder Constituinte Ori-

ginário e Poder Constituinte Derivado. A primeira categoria é chamada de “Po-

der Constituinte Originário”, “Poder Constituinte Inaugural” ou “Poder Cons-

tituinte Genuíno”. A segunda categoria recebe o nome de “Poder Constituinte

Derivado”, “Poder Constituinte Secundário”, “Poder Constituinte de Segundo

Grau” ou “Poder Constituinte Remanescente”.

2.2.1 Poder constituinte originário

O poder constituinte originário é o poder constituinte que tem a capacidade

de criar uma constituição, documento que organiza juridicamente um Estado.

A constituição é um documento jurídico normativo que fará nascer um novo

Estado do ponto de vista jurídico-formal. Ou seja, o exercício desse poder faz

surgir, inaugurar, um novo Estado. O Estado nasce do documento editado pelo

poder constituinte originário8.

A organização da sociedade, realizada pelo poder constituinte originário,

não deriva de uma norma jurídica, mas sim de um fato social que exige a ela-

boração de uma nova constituição. Portanto, a natureza do poder constituinte

originário é fática ou extrajurídica; somente a consequência do exercício desse

poder que é jurídico ou normativo, pois produz uma nova constituição. Na ver-

dade, portanto, o poder constituinte é um poder fático, pois não se baseia no

direito, mas em fatores político, sociais e econômicos9.

O Poder Constituinte originário estabelece a Constituição de um novo Estado, organi-

zando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade.

Tanto haverá Poder Constituinte no surgimento de uma primeira Constituição, quanto

na elaboração de qualquer Constituição posterior. A ideia da existência de um Poder

Constituinte é o suporte lógico de uma Constituição superior ao restante do ordena-

mento jurídico e que, em regra, não poderá ser modificada pelos poderes constituídos.

É, pois, esse Poder Constituinte, distinto, anterior e fonte da autoridade dos poderes

constituídos, com eles não se confundindo. MORAES, Alexandre de. Direito constitu-

cional. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.55.

8 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.213.9 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.214.

Page 44: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 2 • 43

Quando o poder constituinte originário se manifesta surge, portanto, a

constituição. Do ponto de vista jurídico-formal, um novo Estado surge do exer-

cício do poder constituinte originário. O Estado nasce juridicamente do exercí-

cio do poder constituinte originário.

As características desse poder constituinte originário são:

INICIALÉ o ponto de partida do regramento de um Estado, ou seja,

inaugura a existência do ordenamento jurídico e o Estado

do ponto de vista jurídico-formal.

SOBERANONão reconhece nenhuma força superior a si próprio, nem

no âmbito interno ou internacional.

AUTÔNOMOPode estruturar a constituição como bem entender, de

forma autônoma.

INCONDICIONADONão se vincula à ordem jurídica anterior, por ser um poder

político e não jurídico. Não se limita por lei.*

ILIMITADO JURIDICAMENTE

Não encontra limite temático, pode tratar dos temas que

desejar.*

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo:

Saraiva, 2014, p. 215.

ATENÇÃO

Atualmente há uma forte corrente doutrinária que questiona a característica da doutrina clás-

sica que diz que o poder constituinte originário é totalmente incondicionado. As condições a

que o poder constituinte originário deve se submeter são documentos internacionais, como,

por exemplo, tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil. O Brasil, por exemplo, que

ratificou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não poderá atuar de forma ilimitada

no exercício do poder constituinte originário, suprimindo os direitos humanos que se compro-

Page 45: Livro proprietário – direito constitucional i

44 • capítulo 2

meteu a obedecer e efetivar. Esse princípio que protege a não violação de direitos humanos

já conquistados pelo povo é consagrado pela doutrina com o nome de “Princípio da Vedação

do Retrocesso”.

2.2.1.1 Espécies de poder constituinte originário

O poder constituinte originário histórico (ou fundacional) será aquele que

cria a primeira constituição do Estado, no caso do Brasil efetivou-se com a ela-

boração da Constituição Imperial de 1824.

Todas as demais constituições serão criadas por meio do poder constituin-

te originário revolucionário, que é o poder que cria uma nova constituição, em

substituição à anterior, gerando uma profunda ruptura com a ordem jurídica

anterior do Estado.

2.2.2 Poder constituinte derivado

O poder constituinte derivado é também chamado de poder constituinte insti-

tuído, secundário, de 2o grau ou remanescente. O poder constituinte derivado

tem esses sinônimos porque tecnicamente ele não é um poder constituinte,

mas um poder constituído, uma vez que no momento da elaboração da cons-

tituição o legislador constituinte irá determinar juridicamente como o poder

constituinte derivado será exercido. Portanto, a própria constituição estabele-

cerá como deverá ser exercido, daquele momento em diante, quando se dese-

jar alterá-la. É exatamente por essa característica que recebe o nome de poder

constituinte “derivado”, pois deriva do exercício do poder constituinte originá-

rio, que traça suas características na constituição10.

2.3 Espécies de poder constituinte derivado

O poder constituinte derivado se divide em três espécies: Decorrente, Reforma-

dor e Revisor. As três espécies de poder constituinte derivado são previstas e

estipuladas pelo próprio texto da constituição, tendo características próprias.

10 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.218-219.

Page 46: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 2 • 45

As características do poder constituinte derivado são:

SUBORDINADO

Sujeita-se a uma ordem jurídica implementada, na consti-

tuição, justamente porque é instituído, juridicamente, pelo

poder constituinte originário. É, portanto, um poder jurídico

e não de fato.

LIMITADOA constituição impõe limites para a modificação da cons-

tituição, que são os limites de seu exercício. Ex.: Limitação

de conteúdo (cláusulas pétreas).

CONDICIONADOEstá vinculado a condições para fins de seu exercício. Seu

exercício é limitado e possui condições pré-estabelecidas.

Portanto, na edição original da constituição (poder constituinte originário)

não há limites, mas todas as alterações feitas a esse texto serão limitadas no

aspecto formal e material e estarão condicionadas a situações e regramentos

estabelecidos originariamente no texto constitucional.

2.3.1 Poder constituinte derivado revisional

A revisão é ampla e genérica, sendo exceção, pois é via extraordinária de mo-

dificação da constituição. A revisão constitucional se dá por meio de emendas

constitucionais amplas, chamadas de revisionais, que possuem o intuito de

analisar a adaptação do novo texto constitucional à sua aplicação prática, fa-

zendo-se ajustes.

A revisão constitucional está prevista no artigo 3o do ADCT: “Art. 3º. A revi-

são constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação

da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso

Nacional, em sessão unicameral”11. Assim sendo, a revisão só pode ocorrer

5 anos após a edição da constituição (limitação temporal) e em sessão uni-

cameral do Congresso Nacional, sem distinguir Câmara dos Deputados de

Senado Federal. Além disso, o quórum de aprovação da emenda constitucional

11 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 47: Livro proprietário – direito constitucional i

46 • capítulo 2

revisional deve se dar pela maioria absoluta dos membros do Congresso

Nacional, ou seja, "mais que a metade" do número total de indivíduos que com-

põe o Congresso Nacional.

2.3.2 Poder constituinte derivado reformador

O poder constituinte derivado reformador estabelece a via ordinária de altera-

ção da constituição, tendo caráter pontual e específico, tratando de temas par-

ticulares do texto constitucional, em obediência aos limites impostos na pró-

pria constituição.

A reforma se faz por meio de ‘emendas constitucionais’. O artigo 60 da cons-

tituição prevê a reforma constitucional, por meio de emendas constitucionais

específicas, o que não se confunde com o exercício do poder constituinte origi-

nário revisor.

ATENÇÃONão há limitações de tempo para fins de reforma da constituição, somente para a revisão,

como determinado no item anterior, o prazo de 5 anos. Entretanto, a reforma da constituição

sujeita-se a outras limitações circunstanciais e materiais.

Os limites circunstanciais são aqueles que impedem, diante de situações

sociais excepcionais, a alteração do texto constitucional. O objetivo desses limi-

tes é preservar a integralidade do Estado Democrático de Direito quando esteja

passando por momentos de instabilidade social, que possam impedir a livre

manifestação do poder constituinte derivado. Nesse caso, quando o Estado está

passando por um período de Estado de Legalidade Extraordinária, não pode-

rão ser discutidas e aprovadas emendas constitucionais. As situações que não

permitem a reforma do texto constitucional são: Estado de Defesa (Art. 136),

Estado de Sítio (Art. 137) e Intervenção Federal (Art. 34).

Algumas provas da OAB e de concursos já questionaram se estado de ca-

lamidade pública impede a alteração do texto constitucional. NÃO!!! Estado

de calamidade pública não é circunstância limitadora da reforma prevista

na constituição.

As limitações materiais referem-se a temas (matérias) que a constitui-

ção protege e as coloca como impossíveis de serem restritas ou abolidas pela

Page 48: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 2 • 47

reforma constitucional. O legislador constituinte, em regra, permitiu a altera-

ção da constituição, mas alguns conteúdos afirmou que não podem ser restrin-

gidos ou abolidos da constituição. Esses temas são intitulados pela doutrina de

Cláusulas Pétreas.

ATENÇÃOMuitos doutrinadores afirmam que as cláusulas pétreas são imutáveis, mas há um erro técni-

co nessa afirmativa, pois há a possibilidade de termos emendas constitucionais sobre temas

de cláusulas pétreas, desde que não se restrinja ou extinga esses direitos, ampliando-os. É

possível, portanto, a existência de emendas para ampliar e melhorar a defesa das cláusu-

las pétreas.

Art. 60 – § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente

a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais. BRASIL. Constituição da República Federativa

do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Importante chamar atenção para o Art. 60, § 4º, inciso IV, que fala de di-

reitos e garantias individuais e não dos direitos fundamentais, pois a doutrina

majoritária tem entendido que sua interpretação deve ser restrita ao exato texto

constitucional. Exemplo de emenda constitucional que tratou de cláusula pé-

trea, para ampliá-la, foi a emenda 45 de 2004 que incluiu no Art. 5o os parágra-

fos 3o e 4o, tratando de direitos e garantias individuais. Portanto, é permitida

a mudança trazida pelos parágrafos 3o e 4o do Art. 5o da constituição, pois os

direitos e garantias individuais não foram restritos ou abolidos, mas amplia-

dos. Essa conclusão decorre do entendimento de que direitos e garantias fun-

damentais não são taxativos, restritos somente ao que já foi positivado, mas

exemplificativos, pois a evolução das relações humanas faz surgir novos direi-

tos fundamentais a serem protegidos.

Em relação ao inciso II do § 4º, do artigo 60 da constituição, é importante

ressaltar que os aspectos que são cláusulas pétreas do voto são: voto direito (o

Page 49: Livro proprietário – direito constitucional i

48 • capítulo 2

povo escolhe exatamente a pessoa que vai exercer o cargo), secreto (não há a

obrigação de se revelar o voto), universal (todos podem votar e seu voto tem o

mesmo peso) e periódico (é obrigatória a consulta a cada período de mandato

estipulado na constituição).

ATENÇÃOO voto obrigatório é cláusula pétrea? Não! É possível uma emenda à constituição para colo-

car o voto como optativo, pois não está previsto na cláusula pétrea.

Entretanto, não são somente as regras do Art. 60, § 4º da constituição que

são cláusulas pétreas, pois a doutrina conclui pela existência das chamadas

cláusulas pétreas implícitas. Essas cláusulas decorrem de um raciocínio lógi-

co. Assim sendo, o próprio artigo 60 é considerado pelo sistema constitucional

como uma cláusula pétrea implícita, pois caso ele fosse alterado por uma emen-

da constitucional, as cláusulas explicitas poderiam ser desrespeitadas. Além do

artigo 60, todos os dispositivos estruturantes e fundamentais do Estado brasi-

leiro são vistos como cláusulas pétreas, em especial o Art. 1o (fundamentos da

República Federativa do Brasil), Art. 3o (objetivos da República Federativa do

Brasil) e Art. 34, VII (princípios constitucionais sensíveis).

2.3.2.1 Poder constituinte derivado reformador: limitações formais

O Poder Constituinte Derivado Reformador possui limitações formais que se

dividem em limitações subjetivas e objetivas.

As limitações formais subjetivas tratam de “quem” pode propor um Projeto

de Emenda Constitucional (PEC). São 3 os legitimados para propor uma ‘PEC’:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Sena-

do Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, mani-

festando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. BRASIL. Consti-

tuição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988. (Grifo nosso).

Page 50: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 2 • 49

ATENÇÃOEm relação ao inciso I do artigo 60 exige-se 1/3 da Câmara dos Deputados ou do Senado

Federal. Em provas da OAB se costuma colocar para confundir os alunos!

ATENÇÃOEm relação ao inciso III do artigo 60 exige-se mais da metade das Assembleias Legislativas

das unidades da Federação, ou seja, maioria absoluta! Hoje seriam 27 unidades federa-

tivas, 26 estados da federação mais o Distrito Federal. No caso, a metade seriam 27 : 2 =

13,5, ou seja, precisa-se de 14 Assembleias Legislativas aprovando para que seja levada a

PEC ao Congresso Nacional. Cada Assembleia Legislativa, internamente, precisa se mani-

festar por maioria relativa de seus membros, ou seja, a maioria dos presentes.

PERGUNTAÉ possível se ter iniciativa popular de emenda constitucional? O povo propor PEC?

No artigo 61, §2º, da constituição há previsão da iniciativa popular para a apresentação

de um Projeto de Lei, e essa iniciativa popular tem como requisito a presença de 1% do

eleitorado nacional, distribuído em 5 estados da federação, cada um deles representados

por 3/10% de seus eleitores.12

Há uma grande divergência doutrinaria sobre a questão acima. José Afonso da Silva

entende que SIM, pois a interpretação teria que ser sistemática, e se o povo é o titular do

poder constituinte, permitiria-se a iniciativa popular13. Entretanto, a doutrina majoritária e o

STF entendem que NÃO, pois deve ser tratada de forma restritiva a interpretação do artigo

para a proteção do texto constitucional, sem analogias.

12 “Art. 61, § 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.13 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.196.

Page 51: Livro proprietário – direito constitucional i

50 • capítulo 2

As limitações formais objetivas tratam das outras condições que a cons-

tituição impõe para permitir a mudança de seu texto, por meio de emendas

constitucionais.

A primeira exigência é que a PEC seja discutida e votada, em cada casa do

Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), e que em cada

uma das duas casas a votação tem que se dar em 2 turnos, ou seja, 4 votações ao

todo. Vota-se 2 vezes na Câmara e, se aprovado, vota-se 2 vezes no Senado. Via

de regra a PEC começa na Câmara dos Deputados, salvo se proposto por 1/3 do

Senado. Ela só será aprovada se obtiver, em ambas as casas, 3/5 dos votos dos

respectivos membros (60%) da maioria absoluta. O quórum é, portanto, maior

que o da aprovação de leis (maioria simples) e da revisão constitucional (maio-

ria absoluta).

PERGUNTAÉ possível sanção de emenda à constituição? NÃO!!! A PEC não é submetida à aprovação

do Chefe do Executivo!!! Não há participação do Presidente da República na promulgação

e publicação de PEC, sendo que não existe sanção ou veto de emenda constitucional.

Quem promulga são as mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, órgãos

do Legislativo.

Art. 60, § 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção

federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.

§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em

dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos

dos respectivos membros.

§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputa-

dos e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. BRASIL. Constituição

da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Além disso, a matéria que constar de uma PEC e que foi rejeitada ou pre-

judicada não pode ser reapresentada na mesma sessão legislativa, ou seja, no

mesmo ano, independente do quórum.

Page 52: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 2 • 51

Art. 60, § 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por

prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado,

1988.

RESUMINDO: REVISÃO X REFORMA

EC DE REVISÃO EC DE REFORMA

QUÓRUM Maioria absoluta

3/5 em 2 turnos de

todos os deputados e

senadores

SISTEMA DE VOTAÇÃO

Congresso Nacional

(sessão unicameral)

Câmara + Senado (ses-

são bicameral)

LIMITES MATERIAIS, CIRCUNSTANCIAIS

PROCEDIMENTAIS E IMPLÍCITOS

SE APLICAM SE APLICAM

LIMITE TEMPORAL SIM – 5 ANOS NÃO TEM

2.3.3 Poder constituinte derivado decorrente

O poder constituinte derivado decorrente é o poder outorgado aos entes esta-

duais da federação de editarem as suas próprias constituições. Nas federações

há mais de um poder constituinte, pela existência do poder constituinte decor-

rente. O federalismo brasileiro, por ter características próprias, determina que

Page 53: Livro proprietário – direito constitucional i

52 • capítulo 2

os entes federativos brasileiros não tenham a mesma liberdade do federalismo

estadunidense. Os estados-membros podem editar suas próprias constitui-

ções, mas o poder constituinte decorrente é limitado a obedecer os ditames e

estar de acordo com a Constituição da República.

O art. 11 do ADCT estabeleceu a existência do poder constituinte derivado

decorrente: “Art. 11. Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes,

elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulga-

ção da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta”14.

Muitas normas das constituições estaduais são repetições da constituição

federal e, por isso, recebem o nome de “normas de repetição”. Somente as nor-

mas constitucionais, que não são de repetição obrigatória, permitirão ao esta-

do-membro agir de forma autônoma ao elaborar a sua constituição e estabele-

cer um regramento próprio.

Portanto, nos estados existe poder constituinte, que é derivado da própria

constituição e está, portanto, limitado e condicionado ao poder constituin-

te originário.

Há uma polêmica em relação aos municípios, pois no artigo 18 da cons-

tituição eles estão incluídos no rol de entes federativos, sendo que antes de

1988 eram considerados como autarquias: “Art. 18. A organização político

-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos

desta Constituição”15. Diante dessa premissa, questiona-se se os municípios

também possuem poder constituinte decorrente. Entretanto, entende-se que

o município não pode exercer poder constituinte e criar constituições munici-

pais, sendo que há somente uma lei orgânica do município que tem a mesma

funcionalidade de uma constituição municipal, mas tecnicamente não é um

documento constitucional. A Constituição da República de 1988 não conferiu

aos municípios poder constituinte decorrente, somente aos estados. A lei orgâ-

nica do município, portanto, não tem natureza de norma constitucional, não

há poder constituinte decorrente municipal, sendo que se for desobedecida

não se gera uma inconstitucionalidade, apenas uma ilegalidade.

Os temas que são considerados, pela doutrina, como norma de repetição

obrigatória no âmbito estadual são: processo legislativo, CPI, organização do

Tribunal de Contas e eleição do Chefe do Executivo.

14 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.15 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 54: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 2 • 53

REFLEXÃOCaso Concreto: Em 2002 foi julgada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2076)

do Partido Social Liberal (PSL), contra a Assembleia Legislativa do Acre, por omissão no

preâmbulo da Constituição daquele estado da expressão "sob a proteção de Deus". Na ação

julgada, o partido alegava ofensa ao preâmbulo da Constituição da República de 1988, que

mantém a expressão. Para o PSL, omissão apenas na Constituição do Acre tornava o estado

"o único no país privado de ficar sob a proteção de Deus". Argumentou-se ainda que, na

Assembleia Nacional Constituinte, a emenda que visava suprimir do texto constitucional a

invocação de Deus foi derrotada na Comissão de Sistematização.

PERGUNTACaso você fosse ministro do STF, na época, como julgaria a questão, levando em conside-

ração argumentos mais contundentes que a simples laicidade do estado? O preâmbulo é

norma de repetição obrigatória da constituição?

2.4 Poder constituinte difuso

Na sociedade existem grupos, instituições e pessoas que têm poder de inter-

pretar e aplicar a constituição e, como esse poder está espalhado em toda a so-

ciedade, a doutrina o nomeia como ‘poder constituinte difuso’. Pode-se ques-

tionar o motivo desse poder ser visto e intitulado como um poder constituinte,

mas essas interpretações podem modificar o sentido do texto constitucional na

sociedade, gerando uma mudança nas normas constitucionais.

A sociedade interpreta a constituição de formas distintas a partir de sua

evolução histórica e o poder social ganha o nome doutrinário de poder consti-

tuinte difuso. Há uma alteração informal da constituição, pois o texto não é al-

terado, mas o significado da norma constitucional se modifica provocando-se

o fenômeno da MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL. Há a mudança da interpretação

da constituição, sem se alterar o texto da norma.

Page 55: Livro proprietário – direito constitucional i

54 • capítulo 2

É importante destacar que a mutação constitucional tem que estar presa às

normas e ao sistema constitucional, sendo impossível a interpretação do tex-

to constitucional de forma arbitrária16. Assim, como se pode falar em mutação

constitucional, pode-se falar também em mutação inconstitucional, que não é

permitida, pois vai contra a própria constituição.

2.5 Poder constituinte supranacional

Segundo essa teoria, o poder constituinte é possível de ser exercido além das

fronteiras territoriais dos Estados nacionais, por meio da união de Estados, em

prol da elaboração de uma constituição comunitária que englobe mais de um Es-

tado. Esse poder constituinte é chamado de ‘poder constituinte supranacional’17.

A intenção é observar direitos com o ideal de universalidade dos direitos

humanos, gerando uma maior interação entre diferentes povos e integração no

âmbito interno e internacional.

A União Europeia tem passado por um processo de constitucionalização

em “bloco”, e apesar de terem sido frustradas as suas tentativas de unificar os

documentos constitucionais dos Estados, o Tratado de Lisboa, que entrou em

vigor em 2009, tem fortes características de integração nacional, conforme de-

fende a teoria do poder constituinte supranacional.

2.6 Nova constituição e a ordem jurídica anterior

No momento do surgimento de uma nova constituição, a constituição anterior

pode sofrer três possíveis consequências: revogação, desconstitucionalização

ou recepção.

A revogação da constituição é a regra e estabelece a perda de validade do

texto da constituição anterior, de forma tácita.

Na desconstitucionalização, a constituição anterior deixa de ser constitui-

ção e permanece no ordenamento jurídico como norma infraconstitucional,

ou seja, no que estiver de acordo com a nova constituição, continua em vigor,

16 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 73.17 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional . São Paulo: Editora Método, 2014, p. 85.

Page 56: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 2 • 55

com um caráter hierárquico ordinário. Essa possibilidade é aplicada na França

e em Portugal. O STF entende que não existe mais no Brasil essa possibilidade,

apesar de já ter existido. Exemplo: O artigo 147 da Constituição do Estado de

São Paulo de 1967 desconstitucionalizou a constituição paulista de 1947.

Na recepção, a norma constitucional anterior continua em vigor, mas man-

tém o seu status hierárquico constitucional, pois é recepcionada no que for ma-

terialmente compatível e nos pontos que a nova constituição determina que a

constituição anterior será mantida. Exemplo: Art. 34 do ADCT que recepcionou

as regras de 1967 do sistema tributário nacional por tempo determinado, ou

seja, 5 meses (vacatio constitutionis)18.

Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do

quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da

Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas

posteriores. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília:

Senado, 1988.

Além das consequências referentes ao texto da antiga constituição, enten-

de-se que a entrada em vigor de uma nova constituição fará com que as normas

infraconstitucionais sofram uma série de consequências jurídicas, uma vez

que entende-se que todas as normas infraconstitucionais devem estar de acor-

do com o novo texto constitucional.

Em regra, no Brasil, a nova constituição opera uma total revogação da cons-

tituição anterior e, nesse sentido, as leis infraconstitucionais, existentes no

Estado, ficam sem base de validade. Na medida em que as leis são utilizadas pe-

los juristas, elas passam, paulatinamente, por uma análise detalhada de ques-

tionamento de sua validade, diante do novo padrão de validade estabelecido

pela nova constituição.

Assim, as normas infraconstitucionais, que não estiverem de acordo com a

nova constituição, serão revogadas, e as que estiverem de acordo serão recep-

cionadas. A recepção e a revogação poderão ser totais, quando se recepciona

toda a lei, ou parciais, quando somente parte da lei mantém sua validade.

18 Vacatio constitutionis: tempo que a nova constituição leva entre a data de sua promulgação e a data oficial em que passa a vigorar.

Page 57: Livro proprietário – direito constitucional i

56 • capítulo 2

2.6.1 Teoria da constitucionalidade superveniente

A análise constante da constitucionalidade das normas é uma das prioridades

do Direito Constitucional, pois uma norma que nasce constitucional pode se

tornar inconstitucional em virtude de mudanças formais da constituição ou

por meio da mutação constitucional.

A Teoria da Constitucionalidade Superveniente trata da hipótese contrária,

na qual uma norma que inicialmente seria inconstitucional, mas que não teve

essa inconstitucionalidade afirmada formalmente, possa, após uma emenda

constitucional, tornar-se constitucional posteriormente19.

PERGUNTAÉ possível que uma norma que nasceu inconstitucional, mas que não tenha sido declarada

como inconstitucional, possa se tornar constitucional em razão de uma emenda constitucio-

nal que passe a lhe dar validade?

NÃO, uma vez que no Brasil não existe a constitucionalidade superveniente, pois uma norma

que nasceu inconstitucional, mesmo que não declarada, nunca vai poder ser constitucional.

A análise de constitucionalidade é feita no momento do nascimento da norma (princípio da

contemporaneidade) e, portanto, a norma que nasceu inconstitucional, morre inconstitucional.

2.6.2 Teoria da repristinação

A Teoria da Repristinação estabelece a possibilidade de que uma lei que já te-

nha sido revogada volte a ter validade. O ordenamento jurídico brasileiro não

permite a repristinação de forma tácita, apenas quando há uma previsão for-

mal na nova lei20.

O artigo 1o, §3o, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro fala so-

bre o efeito repristinatório: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não

se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”21. Nesse sentido, não há

efeito repristinatório no Brasil, pois pressupõe-se que o efeito repristinatório

seria tácito.19 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.231-232.20 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.234.21 BRASIL. Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (1942). Rio de Janeiro: Senado, 1942.

Page 58: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 2 • 57

A repristinação é diferente e aplicada na forma de exceção. Ela pode ocor-

rer quando uma lei nova expressamente determina que uma lei antiga re-

vogada, ou parte dela, volte a ter validade; ou quando uma lei é declarada in-

constitucional e o STF determina que a lei revogada anteriormente pela lei

recém-inconstitucional volte a ter vigor. A repristinação em regra não é apli-

cada no Brasil, exceto quando a lei ou o STF determinam a volta do vigor da lei

revogada anteriormente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva,

2013.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (1942). Rio de Janeiro: Senado, 1942.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional . São Paulo: Editora Método, 2014, p. 85.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015.

Page 59: Livro proprietário – direito constitucional i

58 • capítulo 2

Page 60: Livro proprietário – direito constitucional i

Direitos e Garantias

Fundamentais

3

Page 61: Livro proprietário – direito constitucional i

60 • capítulo 3

Page 62: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 61

3.1 Teoria dos direitos fundamentais

O ser humano, para viver em sociedade, utiliza-se de instrumentos de controle

social que o possibilita conviver em grupo, através da limitação das relações

humanas, em prol de uma “paz social”1 . Sem esses mecanismos, as relações

humanas seriam um verdadeiro caos, uma anarquia, sem regras e respeito às

individualidades de cada pessoa. São instrumentos de controle social os valo-

res, a ética, os costumes e o direito.

A organização social, por meio do ideal do Constitucionalismo, determina a

importância de se estipular limites para a atuação do Estado para que a ordem

social não seja mais importante que a proteção dos direitos dos seres humanos,

no Estado Democrático de Direito. A história dos direitos fundamentais está

diretamente ligada à história do Constitucionalismo.

Os direitos fundamentais e os direitos humanos são definidos historicamen-

te pela sociedade de acordo com a evolução do pensamento filosófico, jurídico e

político do homem. Os jusnaturalistas defendem que a proteção dos direitos hu-

manos e fundamentais baseia-se na crença de que os seres humanos devem ter

os seus direitos básicos respeitados pela simples justificativa de serem humanos

e os Estados nacionais devem acatá-los. Entretanto, por mais que se conceba o

ideal universal, aceito pela humanidade, de proteger o ser humano, sabe-se que,

na realidade, os direitos humanos e fundamentais não surgem da natureza, mas

de inúmeras lutas históricas que travaram a longo dos séculos.

Os direitos humanos são aqueles direitos conquistados historicamente pe-

los homens e que são protegidos independente da anuência dos Estados, no

âmbito internacional e de forma universal, ou seja, sem qualquer distinção de

sexo, cor, etnia, raça, classe social, nacionalidade etc. Os direitos fundamen-

tais são os direitos humanos que foram positivados no texto constitucional dos

Estados, com o intuito de limitar o arbítrio do Estado e assegurar aos indiví-

duos a efetividade de sua dignidade humana.

A conceituação dos direitos humanos como direitos inerentes àqueles

que possuem a condição humana os coloca, em muitos países, como direitos

fundamentais da sociedade. O exercício dos direitos humanos, portanto, não

1 Paz Social: Entende-se como “paz social” a possibilidade de viabilização de uma convivência pacífica entre seres humanos que possuem características distintas, mesmo que o único motivo para a existência desse convívio seja uma imposição legal. Não há um comprometimento da paz social com a justiça, o que persiste é a preocupação em viabilizar uma coabitação pacífica de seres humanos, em um mesmo local.

Page 63: Livro proprietário – direito constitucional i

62 • capítulo 3

dependerá de uma concessão do Estado, já que a condição humana é a causa

determinante para a existência desses direitos.

O papel do Estado será o de consagrar, garantir e viabilizar o exercício dos

direitos humanos, sem distinções de qualquer natureza como de raça, cultura,

etnia e nacionalidade. Os direitos humanos, assegurados pela sociedade inter-

nacional após a constatação histórica da importância de defesa desses direitos,

fruto da Segunda Guerra Mundial, passaram a ser consagrados pela legislação

interna de grande parte dos Estados nacionais em seus textos constitucionais.

Essa decisão da maioria dos países corroborou a necessidade de efetivação e

viabilização desses direitos e os transformou em direitos fundamentais, aque-

les assegurados pelas constituições de grande parte dos países-membros da so-

ciedade internacional, como faz o Brasil.

Os direitos fundamentais cumprem na nossa atual Constituição a função de direitos

dos cidadãos, não só porque constituem – em um primeiro plano, denominado jurídico

objetivo – normas de competência negativa para os poderes públicos, impedindo

essencialmente as ingerências destes na esfera jurídico-individual, mas também

porque – num segundo momento, em um plano jurídico subjetivo – implicam o poder

de exercitar positivamente certos direitos (liberdade positiva), bem como o de exigir

omissões dos poderes públicos, evitando lesões agressivas por parte dos mesmos

(liberdade negativa). MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador:

Juspodivm, 2013, p. 192.

A definição de quais são os direitos fundamentais consagrados no texto

constitucional é o resultado de evoluções e lutas históricas, fato que possibili-

tou a divisão dos direitos de acordo com as épocas em que eles surgiram e suas

características comuns.

Os direitos fundamentais inicialmente são definidos, pela doutrina, de acor-

do com o ideal da Revolução Francesa da ‘Liberdade, Igualdade e Fraternidade’.

Esse ideal possibilitou que, na concepção de Norberto Bobbio, eles fossem divi-

didos em três ‘gerações’ de direitos2. O melhor entendimento dessas gerações

de direitos humanos nos faz as chamar de ‘dimensões’, uma vez que a ideia de

gerações nos remete à possibilidade de evolução de direitos e substituição de

um direito de uma geração por outra. Na realidade, cada direito fundamental,

2 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.24.

Page 64: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 63

pertencente a gerações distintas, existirá ao mesmo tempo, sendo, portanto,

mais adequado se utilizar do termo ‘dimensões de direitos humanos’ para

distinguir esses direitos e dar a ideia de evolução da percepção e concessão de

direitos3.

As várias “dimensões dos direitos fundamentais” nada mais são do que novas facetas

de um mesmo direito, o direito à vida, só que em momento histórico diferente. Assim,

a expressão “gerações dos direitos fundamentais” pode nos dar, erroneamente, a ideia

de alternância, de superação, de descarte. Por outro lado, quando se fala em “dimen-

sões”, se resgata a ideia de expansão, de acumulação, de fortalecimento, de nova

visão.

As diversas dimensões dos direitos fundamentais foram construídas como respostas

às grandes violações, injustiças e estado de insegurança da humanidade. As dimen-

sões são resultados de reações às violações dos direitos. SCHNEIDER, Jeferson.

Direitos Humanos e a Reforma do Poder Judiciário. Disponível em: <http://www.

mt.trf1.gov.br/judice/jud3/art1.html>. Acesso em: 19 out. 2009.

A primeira dimensão de direitos fundamentais trata dos direitos indivi-

duais e está ligada ao ideal revolucionário francês da liberdade. Na época do

surgimento desses direitos, defendia-se o Liberalismo Político acima do inte-

resse social, o que possibilitou a criação de direitos que pressupunham uma

igualdade formal, perante a lei, e consideravam o indivíduo de forma abstrata.

A primeira dimensão de direitos fundamentais irá, portanto, determinar direi-

tos individuais específicos para limitar a ação do Estado diante do indivíduo, já

que eles criam uma obrigação negativa do Estado perante os membros de sua

população. O governo terá, deste modo, a obrigação de não agir e não interferir

na vida pessoal do homem, além de possibilitar que ele consiga exercer o seu

livre arbítrio diante de suas escolhas pessoais. A lei determinará que todos os

indivíduos são iguais e lhes dará a liberdade de agir sem a interferência estatal.

Os principais textos constitucionais que defendem essa ideologia de defesa

dos direitos individuais de forma liberal são: Magna Carta de João sem terra de

1215, Tratados de Westfália de 1648, Habeas Corpus Act de 1679. Bill of Rights

1688, Declaração Americana de 1776 e a Declaração Francesa de 17894.

3 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.10564 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1056

Page 65: Livro proprietário – direito constitucional i

64 • capítulo 3

Segundo Gilmar Mendes:

Constituem postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não

fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo. São conside-

rados indispensáveis a todos os homens, ostentando, pois, pretensão universalista.

Referem-se a liberdades individuais, como a de consciência, de culto, à inviolabilidade

de domicílio, à liberdade de culto e de reunião. São direitos em que não desponta a

preocupação com desigualdades sociais. O paradigma de titular desses direitos é

o homem individualmente considerado. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo

Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de Direito Constitucional. 5. ed.

São Paulo: Saraiva, 2010, p. 61.

A primeira dimensão está ligada aos direitos individuais do homem. São

eles: direito à vida, integridade física, liberdade (individual, de iniciativa e con-

corrência, de pensamento e de consciência filosófica e política), propriedade

privada, vida privada, intimidade e inviolabilidade de domicílio, sigilo de cor-

respondência, sigilo bancário, dentre outros.

A primeira geração dos direitos fundamentais surgiu com as revoluções burguesas

dos séculos XVII e XVIII. Esses direitos assentam-se no liberalismo clássico, encon-

trando, pois, inspiração no iluminismo racionalista, base do pensamento ocidental

entre os séculos XVI e XIX. São também chamados de direitos individuais ou direitos

de liberdade e têm por destinatários os indivíduos isoladamente considerados e são

oponíveis ao Estado. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. As três dimensões dos direitos

humanos e o novo conceito de cidadania. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da

13ª Região, João Pessoa, v. 12, n. 9, p. 104-108, 2004.

A segunda dimensão de direitos fundamentais é marcada pelo questiona-

mento das bases do Estado Liberal e da igualdade formal, aquela apenas de-

terminada no texto da lei. A necessidade de viabilidade desses direitos impõe

ao Estado uma obrigação de atuar em prol da satisfação das carências da cole-

tividade. Há, consequentemente, o surgimento dos direitos sociais, culturais,

econômicos e coletivos. Os indivíduos deixam de ser vistos dentro do contexto

da igualdade formal e a igualdade assume uma perspectiva material (real), ou

Page 66: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 65

seja, percebe-se a existência de fatores que podem vir a criar desigualdades en-

tre os homens e a lei busca igualá-los através de tratamentos diferenciados para

indivíduos diferentes5.

O surgimento dessa segunda dimensão de direitos é decorrência do crescimento

demográfico, da forte industrialização da sociedade e, especialmente, do agravamento

das disparidades sociais que marcaram a virada do século XIX para o século XX. Rei-

vindicações populares começam a florescer, exigindo um papel mais ativo do Estado

na correção das fissuras sociais e disparidades econômicas, em suma, na realização

da justiça social – o que justifica a intitulação desses direitos como "direitos sociais",

não por envolverem direitos de coletividades propriamente, mas por tratarem de direi-

tos que visam alcançar a justiça social. MASSON, Nathalia. Manual de direito constitu-

cional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 194.

Os direitos sociais e coletivos terão o intuito de defender direitos das co-

letividades que possuem características específicas que precisam de normas

particulares para atingirem uma igualdade real nas relações sociais. Um exem-

plo é o caso das pessoas portadoras de necessidades especiais que precisam de

normas que viabilizem o seu acesso físico a prédios públicos e privados, crian-

do uma igualdade de acesso para todos os indivíduos. Aqueles que possuem

uma limitação física terão condições iguais após a construção de rampas, por

exemplo, para o acesso de cadeiras de roda. Somente através dessas normas se

alcançará a igualdade real.

José Afonso da Silva justifica a necessidade de uma igualdade material ao

afirmar que "porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou

material que busque realizar a igualização das condições desiguais"6.

Canotilho também defende a igualdade material ao afirmar que há igualda-

de "quando indivíduos ou situações iguais não são arbitrariamente (proibição

do arbítrio) tratados como desiguais. Por outras palavras: o princípio da igual-

dade é violado quando a desigualdade de tratamento surge como arbitrária"7.

Os direitos de segunda dimensão buscam efetivar a igualdade através da tenta-

tiva de suprir essas desigualdades para viabilizar a igualdade real.

5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.214.6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015, p.212.7 CANOTILHO, J. J Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina. 1995.

Page 67: Livro proprietário – direito constitucional i

66 • capítulo 3

Os principais instrumentos que protegem essa ideologia são: Constituição

do México de 1917, Constituição de Weimar de 1919, Tratado de Versalhes de

1919 e Constituição Brasileira de 1934. 8

A terceira dimensão de direitos surge após a Segunda Guerra Mundial com

a necessidade de uma proteção efetiva da pessoa humana, da expansão dos di-

reitos já existentes e do nascimento de novos direitos.

Esses novos direitos estão ligados ao terceiro ideal da Revolução Francesa:

a fraternidade. Eles pertencem a todos os indivíduos, mas sua realização e seu

exercício extrapolam a esfera individual e as fronteiras dos Estados. Esses di-

reitos não defenderão a igualdade entre coletividades distintas, mas direitos

suficientemente importantes para toda a sociedade tanto no âmbito nacional

como no internacional. A liberdade de ação da primeira dimensão de direitos

fundamentais persiste, entretanto, na terceira dimensão alguns direitos serão

criados para conceder o mínimo de dignidade ao homem universal.

Os direitos fundamentais de terceira geração, também chamados de direitos de

fraternidade ou de solidariedade, aparecem com a conscientização de que o mundo é

dividido em nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de desenvolvimen-

to. Decorrem, pois, da reflexão acerca de temas referentes ao desenvolvimento, à paz,

ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.

Dotados de altíssima dose de humanismo e universalidade, os direitos de terceira

geração não se destinam especificamente à proteção de um indivíduo, de um grupo

de pessoas ou de um determinado Estado, pois os seus titulares são, via de regra,

indeterminados. A rigor, seu destinatário, por excelência, é o próprio gênero humano,

num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos existen-

ciais. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. As três dimensões dos direitos humanos e o

novo conceito de cidadania. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região,

João Pessoa, v. 12, n. 9, p. 104-108, 2004.

O direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente sadio, à propriedade

sobre o patrimônio comum da humanidade e à conservação do patrimônio cul-

tural e o direito à comunicação são exemplos de direitos de terceira dimensão9.

8 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1057.9 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.

Page 68: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 67

Norberto Bobbio divide os direitos somente até à terceira dimensão, en-

tretanto, outros autores falam em mais dimensões de direitos fundamentais,

como a quarta dimensão que cuida dos direitos que seriam oriundos da glo-

balização das relações sociais e do desenvolvimento biotecnológico responsá-

vel, sendo seus principais exemplos: direito à democracia, à informação e ao

pluralismo10.

3.2 Direitos e garantias fundamentais

A distinção dos direitos e garantias fundamentais é importante para se com-

preender o papel de cada um desses institutos no Estado Democrático de Direi-

to. Rui Barbosa foi o primeiro no Brasil a distinguir os dois institutos11.

Os direitos fundamentais são normas de conteúdo declaratório, pois diz

quais são os direitos que os indivíduos têm. Por outro lado, as garantias funda-

mentais são normas de conteúdo assecuratório, pois asseguram o exercício dos

direitos fundamentais na sociedade. Os chamados de ‘remédios constitucio-

nais’ são as garantias fundamentais previstas no artigo 5o que visam a proteção

de direitos fundamentais, sendo eles o habeas corpus, habeas data, mandado

de segurança, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e ação po-

pular, que serão abordados em momento oportuno12.

EXEMPLOO direito fundamental de liberdade de locomoção está previsto na Constituição da República

de 1988, no artigo 5o, inciso XV: “XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo

de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair

com seus bens”13. Esse direito é declarado no artigo 5o, inciso XV, como supracitado, mas

é assegurado pela garantia constitucional do habeas corpus, que permite que aquele que

tenha o seu direito de liberdade de locomoção violado possa recorrer ao judiciário por meio

dessa ação constitucional.

Os direitos fundamentais são encontrados na constituição da República em inúmeros

artigos. No artigo 5o da constituição são elencados os direitos individuais e coletivos, sendo

10 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.11 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.12 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.13 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 69: Livro proprietário – direito constitucional i

68 • capítulo 3

um dos mais importantes artigos da constituição. Os direitos sociais estão previstos no artigo

6o ao artigo 11 da constituição. Na sequência prevê-se o direito de nacionalidade, no artigo

12. Por fim, estão previstos os direitos políticos, previstos nos artigos 14 e 15. Além desses

artigos, em toda a constituição percebe-se a presença dos direitos e garantias fundamentais.

Além do texto constitucional, os direitos e garantias fundamentais estão previstos nos

tratados internacionais, em especial nos que tratam sobre direitos humanos.

Pergunta: Os tratados internacionais teriam força normativa no Brasil para configurarem

como normas assecuratórias de direitos humanos?

Sim! É importante entender que historicamente os tratados ratificados14 pelo Brasil têm

força de lei ordinária, sendo até a emenda constitucional 45 de 2004 essa a regra. Entretan-

to, hoje, se o tratado internacional versa sobre direitos humanos e é aprovado pelo Congres-

so Nacional, com o mesmo procedimento legislativo de aprovação da emenda constitucional

(3/5 dos votos, em dois turnos, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal) ele terá

status, ou seja, hierarquia de emenda constitucional. Entretanto, segundo decisão do STF, se

o tratado de direitos humanos não for aprovado com a hierarquia de emenda constitucional,

terá hierarquia supralegal, ou seja, acima da lei e abaixo da constituição.

Portanto, conhecer os tratados internacionais de direitos humanos ratifica-

dos pelo Brasil é extremamente importante, pois é também conhecer os direi-

tos fundamentais que não constam no texto da constituição.

3.2.1 Características dos direitos fundamentais

A primeira característica dos direitos fundamentais é que são universais, ou

seja, aplicam-se a todos, sem qualquer preconceito de gênero, classe social, et-

nia, nível de instrução intelectual, raça, origem, nacionalidade etc.

Os direitos fundamentais são também dotados de historicidade, ou seja,

são históricos, pois são fruto da evolução da história humana. Eles vão se de-

senvolvendo com a evolução histórica humana.

Os direitos fundamentais são também concorrentes, pois são exercidos si-

multaneamente. Ao mesmo tempo mais de um direito fundamental é aplicado.

14 A ratificação é o ato internacional pelo qual “um Estado estabelece no plano internacional o seu consentimento em obrigar-se por um tratado”. (BRASIL, Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Brasília: Senado Federal, 2009.

Page 70: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 69

EXEMPLOImagine que um indivíduo esteja assistindo um repórter na televisão dando a sua opinião.

Nesse caso, o telespectador está exercendo seu direito fundamental de informação e o

repórter seu direito fundamental de opinião, de forma concomitante.

Os direitos fundamentais são relativos, pois não podem ser aplicados sempre de forma

absoluta, ou seja, sempre existem exceções aos direitos fundamentais, por mais importantes

que sejam.

EXEMPLOO direito à vida é um dos direitos fundamentais mais importantes, entretanto, mesmo assim

existem exceções para a sua proteção. No direito brasileiro o direito à vida sofre exceção, por

exemplo, nos casos de guerra declarada, quando a constituição permite a pena de morte.15

Os direitos fundamentais são também irrenunciáveis, inalienáveis, pois ninguém pode

abrir mão de seus direitos ou aliená-los com objetivos financeiros; apesar de poder não exer-

cê-los se desejar. São também imprescritíveis, pois não possuem tempo de validade, não

há intervalo temporal que possa invalidá-los.

3.2.2 Eficácia dos direitos fundamentais

A primeira forma de eficácia dos direitos fundamentais é a eficácia vertical, ou

seja, a defesa dos direitos fundamentais é um dever do Estado e um direito das

pessoas. Há uma relação de verticalidade, pois o Estado é um devedor e os indi-

víduos são os credores dos direitos.

EXEMPLOO direito à vida é garantido pela constituição e as pessoas possuem esse direito, por outro

lado, o Estado tem o dever de não interferir na vida humana e de resguardá-la para que

seja efetivada.

15 “Art. 5o,XLVII - não haverá penas:a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988).

Page 71: Livro proprietário – direito constitucional i

70 • capítulo 3

Além da eficácia vertical, os direitos fundamentais possuem uma eficácia horizontal, ou

seja, os direitos fundamentais são também aplicados nas relações entre os particulares. O

STF já decidiu nesse sentido, sendo um direito e uma obrigação dos particulares o respeito

aos direitos fundamentais.

EXEMPLOO STF julgou um caso em que uma pessoa foi excluída de uma associação e disse que, nes-

se caso, deve ser respeitado entre os particulares o direito à ampla defesa do excluído, não

bastando somente a vontade expressada pelos outros associados.

3.2.3 Destinatários dos direitos fundamentais

No artigo 5o, caput, encontra-se expressamente quem são os destinatário dos

direitos fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à li-

berdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... BRASIL. Cons-

tituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988, grifo nosso.

Importante salientar que os destinatários previstos são aqueles que fazem

parte da população brasileira, ou seja, brasileiros e estrangeiros residentes no

Brasil. Entretanto, questiona-se se os que não estão abrangidos no artigo 5o,

caput, também poderiam invocar direitos fundamentais, como os estrangeiros

não residentes no Brasil e as pessoas jurídicas.

A ideia do constituinte é a de que se deveria outorgar direitos fundamen-

tais aos que estão vinculados ao seu território, portanto a previsão a nacionais

e estrangeiros residentes. Entretanto, ao tentar aumentar a abrangência, o le-

gislador constituinte acabou restringindo, pois o Brasil não pode consagrar

direitos ao estrangeiro que está residindo em outro Estado, por uma questão

de respeito à soberania do outro Estado. Contudo, em relação aos estrangeiros

Page 72: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 71

não residentes que estejam de passagem no Brasil, o STF decidiu que esses es-

trangeiros podem gozar de seus direitos e garantias fundamentais. O ideal seria

que a previsão constitucional fosse relativa aos “estrangeiros em território na-

cional” e é essa a interpretação dada pelo STF.

É certo que o caput do art. 5° da CF/88 somente referencia, de modo expresso, os

brasileiros – natos ou naturalizados – e os estrangeiros residentes no país enquan-

to titulares dos direitos fundamentais. Nada obstante, a doutrina mais recente e a

Suprema Corte têm realizado interpretação do dispositivo na qual o fator meramente

circunstancial da nacionalidade não excepciona o respeito devido à dignidade de to-

dos os homens, de forma que os estrangeiros não residentes no país, assim como os

apátridas, devam ser considerados destinatários dos direitos fundamentais. MASSON,

Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 201.

Em relação às pessoas jurídicas o STF entende que toda a proteção é aplica-

da dentro dos limites possíveis para a natureza da pessoa jurídica. Em resumo,

são destinatários de direitos fundamentais todas as pessoas físicas e jurídicas,

nacionais ou estrangeiras, desde que estejam dentro do território nacional.

3.2.4 Aplicação e aplicabilidade dos direitos fundamentais

A aplicação dos direitos fundamentais está prevista no artigo 5o,§1º, da consti-

tuição, sendo imediata: “Art. 5o,§ 1º - As normas definidoras dos direitos e ga-

rantias fundamentais têm aplicação imediata”16 . A aplicação imediata significa

que os direitos e garantias fundamentais são dotados de meios e instrumento

que efetivam a sua aplicação, mesmo que não estejam ainda devidamente regu-

lados (ex.: mandado de injunção).

Em conformidade com o teor do art. 5°, § 1°, CF/88, as normas definidoras

dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, o que retrata a preo-

cupação dos modernos sistemas constitucionais em evitar que as posições firmadas

como essenciais para a identidade da Constituição não passem de retórica, ou então

que sejam dependentes da atuação legislativa para que tenham eficácia.

16 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 73: Livro proprietário – direito constitucional i

72 • capítulo 3

Procurou-se, com isso, superar a concepção de Estado de Direito formal, no qual os

direitos fundamentais apenas ganham expressão quando regulados por lei. MASSON,

Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 203.

Entretanto, a aplicabilidade não se confunde com a aplicação, pois a aplica-

bilidade dependerá de uma análise da eficácia das normas e não de sua obriga-

toriedade. As normas de eficácia plena e contida possuem aplicabilidade ime-

diata. Todavia, as normas de eficácia limitada têm eficácia mediata, ou seja,

dependem de instrumentos que viabilizem o exercício desses direitos.

Existem, assim, direitos fundamentais de eficácia imediata, pois têm aplicabili-

dade imediata por serem normas de eficácia plena ou limitada, sendo geralmente

direitos individuais. Os direitos fundamentais de eficácia limitada terão aplicabili-

dade mediata e são, na sua maioria, direitos sociais, econômicos e culturais.

3.3 Direitos e deveres individuais e coletivos – art. 5o

O título II da constituição consagra os direitos e garantias fundamentais como

instrumentos de proteção do indivíduo frente à atuação do Estado. São os di-

reitos que garantem o mínimo necessário para que o indivíduo exista de forma

digna dentro de um Estado.

O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no artigo 3o, in-

ciso III, da constituição de 1988, quando se discorre sobre os fundamentos da

República Federativa do Brasil. O princípio da dignidade da pessoa humana,

portanto, além de ser um alicerce do Estado brasileiro, é trazido como parâme-

tro para fins de consagração dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais não estão previstos de forma exaustiva no texto

constitucional, tanto que o artigo 5o da constituição, prevê: “Art. 5o,§ 2º - Os

direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorren-

tes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais

em que a República Federativa do Brasil seja parte”17. Assim sendo, o rol de

direitos e garantias fundamentais expressos na constituição não exclue outros

17 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 74: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 73

direitos da mesma natureza, que tenham o mesmo propósito de proteção do

indivíduo diante do Estado para garantir sua dignidade humana. Conclui-se

que os direitos e garantias fundamentais previstos na constituição são um rol

somente exemplificativo (rol numerus apertus) e não taxativo.

O caput do artigo 5o da constituição expressa os direitos que intenciona resguar-

dar em seus incisos, quais sejam: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se

aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida,

à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes... BRASIL.

Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

3.3.1 Direito à vida

O direito à vida, previsto no artigo 5o, deve ser analisado em conjugação com o

artigo 1o, inciso III, que trata da dignidade da pessoa humana. O direito à vida

prevê o direito de não ser morto e de se ter uma vida digna nos termos constitu-

cionais. Assim como todos os direitos constitucionais, o direito à vida também

é relativo, pois limita-se por outros direitos. Os direitos convivem e um direito

sofre limitação dos outros (princípio da convivência das liberdades públicas). A

relativização do direito à vida é feita no artigo 5o, inciso XLVII, quando a consti-

tuição autoriza a pena de morte no caso de guerra declarada18.

Outros desdobramentos da relativização do direito à vida:

•  O primeiro caso é o da pesquisa com células-tronco, discutida na Ação

Direta de Inconstitucionalidade 3510, que questionava a constitucionalida-

de do artigo 5o da Lei de Biossegurança (Lei 11.105 de 2005) que autorizava a

pesquisa com células-tronco embrionárias fruto da reprodução assistida (em-

briões excedentários), desde que congelados por no mínimo três anos e obtida

autorização dos donos do material genético. Questionou-se se essa pesquisa

violaria o direito à vida. O STF entendeu que não, desde que obedecidas as de-

terminações legais. A ideia é a de que já que o embrião pode ser descartado, não

haveria dano utilizá-lo para pesquisa científica de suas células-tronco.

18 “Art. 5o,XLVII – não haverá penas:a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988).

Page 75: Livro proprietário – direito constitucional i

74 • capítulo 3

•  O segundo caso é o dos fetos anencefálicos, no qual o STF decidiu, na

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 de 2012, que o abor-

to de anencefálico não tipifica a conduta penal quando se realiza a interrupção

da gravidez. Permite-se que a gestante decida sobre a interrupção da gravidez,

não podendo se caracterizar a conduta como um aborto.

3.3.2 Direito à igualdade

O segundo direito que está previsto no artigo 5o, caput, combinado com o artigo 5o,

inciso I, é o direito à igualdade. O caput afirma a igualdade formal, perante a lei,

sem distinção de qualquer natureza, e o inciso I afirma que “homens e mulheres

são iguais em direitos e obrigações”19. Questão interessante e polêmica, debatida

na atualidade, fala da não necessidade de distinguir homens e mulheres, com o tra-

tamento de todos os indivíduos como pessoas que poderiam denominar-se como

se sentirem mais confortáveis, independente de suas características físicas.

A igualdade pode ser vista sob dois aspectos: a igualdade formal e a igual-

dade material. A igualdade formal é aquela perante a lei, que estabelece que a

norma jurídica não pode estabelecer tratamento desigual, sem uma justificati-

va efetiva. Isso porque adota-se o conceito de igualdade descrito por Aristóteles

que afirma que: “Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os de-

siguais, na medida de sua desigualdade.” A afirmativa de Aristóteles parte da

observação de que se tratarmos pessoas desiguais de forma igual não se obtém

igualdade, mas sim mais desigualdade.

EXEMPLOAfirmar que todos têm o direito de ir e vir de fora igual, sem dar condições para os deficientes

físicos se locomoverem de acordo com suas necessidades. A consagração da igualdade só

se dará com o tratamento diferenciado para as necessidades específicas.

A igualdade formal é, portanto, voltada para o Estado e é determinada na

lei. O Estado não poderá, portanto, consagrar na lei desigualdades ou situações

que gerem tratamentos iguais a desiguais.

19 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 76: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 75

Entretanto, na prática, isso não ocorre de verdade e é por isso que há o enfo-

que da igualdade material, real. Todas as medidas que buscam a efetiva igualda-

de dos indivíduos no Estado são medidas que consagram a igualdade material.

São as atuações que o Estado deve realizar para efetivar a igualdade entre as pes-

soas. Desse conceito surgem as chamadas ‘ações afirmativas’ ou ‘descriminações

positivas’. As ações afirmativas são todas as medidas realizadas pelo Estado que

tratam de forma desigual para fins de consagrar a igualdade na prática.

EXEMPLOCotas raciais, PROUNI e Lei Maria da Penha.

ATENÇÃOÉ importante se analisar o princípio da igualdade nos concursos públicos. O STF admite limi-

tações nos editais dos concursos públicos em relação ao sexo, idade, altura, dentre outros.

A condição será a exigência de uma previsão legal do tratamento diferenciado e a distinção

tem que decorrer do exercício da função ou cargo.

3.3.3 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade está previsto no artigo 5o da Constituição que afirma:

“Art. 5o, II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se-

não em virtude de lei”20. Portanto, o Estado não pode obrigar ninguém a fazer ou

deixar de fazer algo se não estiver previamente documentado em um dispositivo

elaborado pelos representantes do povo (lei). A ideia é a de que os membros da

sociedade autorizaram essa limitação em prol da viabilidade do convívio social.

É importante entender que o princípio da legalidade dos particulares do artigo 5o

não se confunde com a legalidade do artigo 37, caput, da constituição que trata

da legalidade do administrador público. O artigo 37 estabelece que o adminis-

trador só pode agir ou realizar um ato se houver previsão expressa em lei, pois o

administrado público não tem margem de escolha, só pode agir de acordo com

20 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 77: Livro proprietário – direito constitucional i

76 • capítulo 3

o dispositivo legal. Em resumo: o particular pode fazer tudo aquilo que a lei não

proibir e o administrador público só pode fazer o que a lei determina.

3.3.4 Vedação da prática de tortura e ao tratamento desumano ou degradante

O artigo 5o, inciso III, afirma que “Art. 5o, III – ninguém será submetido a tortu-

ra nem a tratamento desumano ou degradante”21 . Assim não se permite a uti-

lização da tortura ou qualquer tratamento desumano violador da dignidade da

pessoa humana. Essa colocação do impedimento da tortura, logo no início do

artigo 5o, é uma herança histórica da ditadura militar brasileira. O inciso XLIII

do artigo 5o também estabelece que:

Art. 5o, XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anis-

tia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo

e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os exe-

cutores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. BRASIL. Constituição da República

Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Cuidado, o dispositivo acima afirma que os crimes de tráfico ilícito de en-

torpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes hediondos não são sus-

cetíveis de fiança ou graça ou anistia. Entretanto, eles não se confundem com

os crimes que são chamados de imprescritíveis e inafiançáveis, sendo eles o

racismo e a ação de grupos armados contra o Estado Democrático de Direito.

Importante citar também a súmula vinculante 11:

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga

ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros,

justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar,

civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual

a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. SUPREMO TRIBU-

NAL FEDERAL. Súmula Vinculante 11. Brasília, 2008.

21 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 78: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 77

Portanto, a súmula vinculante 11 estabelece limites também à atuação do

Estado no uso de algemas, em prol da dignidade da pessoa humana.

3.3.5 Direito à liberdade de manifestação de pensamento

Outro direito fundamental importante é a liberdade de manifestação de pensa-

mento, previsto no artigo 5o, incisos IV e V da constituição.

ART, 5O, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização

por dano material, moral ou à imagem; BRASIL. Constituição da República Federativa

do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A liberdade de manifestação de pensamento não é absoluta, pois nenhum

direito é absoluto. Ter um direito é respeitar os deveres. Todos têm direito de

manifestar seu pensamento, entretanto, não se pode desrespeitar o direito

alheio nessa manifestação. É importante esse cuidado em todas as manifesta-

ções, sejam elas orais, escritas ou virtuais. O anonimato é vedado, para que se

possa exigir do manifestante o ressarcimento do dano realizado por outrem,

assegurando o direito de resposta.

3.3.6 Direito à liberdade de credo

A liberdade de consciência, crença e culto está assegurada nos incisos VI a VIII

do artigo 5o da constituição:

Art. 5o, VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o

livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais

de culto e às suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entida-

des civis e militares de internação coletiva;

Page 79: Livro proprietário – direito constitucional i

78 • capítulo 3

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção

filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos

imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei. BRASIL. Constitui-

ção da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A constituição, ao proteger a liberdade de crença no inciso VI do artigo 5o

está assegurando também a liberdade de não crença, ou seja, o ateu ou agnósti-

co têm o direito de pensarem dessa forma. A liberdade de crença está assegura

a todas as religiões, desde que as práticas religiosas respeitem um mínimo so-

cial. Por exemplo, uma religião que pratique rituais de sacrifício ou tortura de

seres humanos não seria aceitável e constitucionalmente protegida. Essa pro-

teção se estende aos locais de culto e suas liturgias.

O inciso VII do artigo 5o fala da assistência religiosa em entidades civis e

militares de internação coletiva, como, por exemplo, presídios. Esse dispositivo

permite a presença, nas instituições de internação coletiva, de pastores, padres

e praticantes religiosos que levam aos presos o acesso à religião.

A escusa de consciência está prevista no inciso VIII do artigo 5o da constitui-

ção que defende a ideia de que ninguém poderá ser privado de direitos pelo que

crê no aspecto religioso, filosófico ou político. A única exceção está nos casos

em que se utiliza dessa convicção para não cumprir uma obrigação que todos

devem cumprir e não se aceita cumprir prestação alternativa.

Existem alguns casos importantes de serem abordados para se entender a

laicidade do Estado brasileiro:

MENÇÃO DE DEUS NO PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO

Não há violação do Estado laico, pois o

preâmbulo não tem caráter de norma

constitucional, funcionando apenas

como vetor interpretativo às normas

constitucionais e representa um

sentimento histórico do momento de

elaboração da constituição.

Page 80: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 79

“ART. 210, § 1º O ENSINO RELIGIOSO, DE MATRÍCULA FACULTATIVA, CONSTITUIRÁ DISCIPLINA DOS HORÁRIOS

NORMAIS DAS ESCOLAS PÚBLICAS DE ENSINO

FUNDAMENTAL”.

O artigo afirma que, nas escolas

públicas, a matrícula é facultativa no

ensino religioso, para que se garanta o

pluralismo religioso.

CRUCIFIXOS NAS REPARTIÇÕES PÚBLICAS

O Conselho Nacional de Justiça decidiu

que é permitido, por se tratar de um

símbolo cultural e histórico e não neces-

sariamente religioso.

3.3.7 Direito à liberdade intelectual, artística, científica e de comunicação

O artigo 5o, inciso IX da constituição, assegura o direito de liberdade intelec-

tual, artística, científica ou de comunicação: “Art. 5o, IX – é livre a expressão da

atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemen-

te de censura ou licença”22. O que se vê como indicação de idade para progra-

mas televisivos não é censura, apenas indicação etária para a programação para

que os pais possam identificar conteúdos que julgam impróprios para seus fi-

lhos. A liberdade é total, em qualquer tipo de comunicação, entretanto o direito

também é relativo, pois não podem violar os outros direitos fundamentais.

Exemplos de aplicação dessa liberdade estão na Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no 130 de 2009, que enten-

deu que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela constituição, e na Ação

Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4451 de 2010, que julgou constitucional

a Lei Eleitoral sobre o humor, que vedava a atividade humorística com políticos

que estivessem em processo eleitoral.

22 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 81: Livro proprietário – direito constitucional i

80 • capítulo 3

3.3.8 Direito à inviolabilidade domiciliar

O artigo 5o, inciso XI, trata da inviolabilidade domiciliar: “Art. 5o, XI – a casa é

asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consenti-

mento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para pres-

tar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”23.

Esse dispositivo afirma que a ‘casa’ é asilo inviolável, mas ‘casa’ é interpre-

tada de forma extensiva pela jurisprudência, entendendo-se que se refere a

qualquer local onde se exerça suas atividades particulares, como, por exemplo,

escritório, quarto de hotel, consultório, apartamento etc.

A regra é que ninguém pode entrar na casa de outrem sem sua autorização,

tendo como exceções, a qualquer hora e sem autorização judicial, os casos de

flagrante delito, desastre ou para prestar socorro. Durante o dia, quem pode

determinar a entrada é somente o juiz de direito, ou seja, só se entra sem a au-

torização particular com determinação do juiz; é o que se chama de cláusula de

reserva de jurisdição.

3.3.9 Direito à intimidade e sigilo bancário

O artigo 5o, inciso X, afirma: “Art. 5o, X – são invioláveis a intimidade, a vida

privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização

pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”24.

A norma constitucional deixa claro que a violação da intimidade, vida priva-

da, honra e imagem das pessoas pode ensejar na cobrança de indenizações pe-

los danos moral e material sofridos. Entretanto, mais uma vez afirma-se que os

direitos fundamentais não são absolutos e, portanto, existem exceções que per-

mitem essa violação. A jurisprudência tem se apoiado nos princípios da pon-

deração e razoabilidade para analisar a possibilidade de imputação de danos.

3.3.10 Sigilo de correspondência e de comunicação

O sigilo de correspondência e comunicação está previsto no artigo 5o, inciso XII

e afirma que:

23 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.24 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 82: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 81

Art. 5o, XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,

de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,

nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou

instrução processual penal. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil

(1988). Brasília: Senado, 1988.

Na norma, em questão, quatro sigilos são protegidos: o sigilo de correspon-

dência, comunicações telegráfica, de dados e as comunicações telefônicas.

Entretanto, todos os sigilos podem ser relativizados por leis infraconstitucio-

nais, exceto o telefônico, que só pode ser relativizado por ordem judicial para

investigação criminal ou processo penal, nos termos do inciso da constituição.

Questão importante de ser discutida é a quebra do sigilo bancário que foi

debatida pelo Recurso Extraordinário 389808 de 2010, no qual se questionou

se a quebra do sigilo bancário é ou não privativa do juiz. Entendeu-se que as

Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s) podem realizar a quebra de sigi-

lo bancário, pois não há a restrição no texto constitucional como nos casos de

quebra de sigilo telefônico. Portanto, o STF afirma que pode-se quebrar o sigilo

bancário por determinação judicial, ordem do plenário da câmara e do senado

ou por decisão de CPI.

A quebra do sigilo bancário prevista pela Lei Complementar 105/2001 coloca

mais um impasse na definição das hipóteses de quebra do sigilo, pois afirma ser

possível a quebra do sigilo bancário por autoridade fiscal, sem ordem judicial.

Entretanto, desde 2010 o STF25 nega essa possibilidade, mesmo indo em desen-

contro com o estabelecido na Lei Complementar. O entendimento é de que ad-

ministrativamente não seria possível a quebra do sigilo dos dados que são pro-

tegidos pela constituição. O auditor fiscal, portanto, não pode solicitar os dados

diretamente à instituição financeira, deve ser feito por medida judicial.

3.3.11 Liberdade de profissão

O sigilo de correspondência e comunicação está previsto no artigo 5o, inciso

XII, e afirma que: “Art. 5o, XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício

ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”26.

25 Recurso Extraordinário 389808 e Petição de Emenda de Acórdão 389826 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 83: Livro proprietário – direito constitucional i

82 • capítulo 3

Portanto, no Brasil qualquer trabalho, ofício ou profissão é livre, exceto nos

casos em que a atividade é tipificada na lei como algo ilegal. Essa é uma norma

constitucional de eficácia contida, pois há uma liberdade que pode ser restrin-

gida por norma infraconstitucional, como dispõe o inciso.

O exercício da atividade da advocacia, por exemplo, exige, além do bachare-

lado em Direito, a aprovação da OAB. É por esse motivo que o STF decide de for-

ma reiterada pela constitucionalidade da cobrança da aprovação no exame da

OAB. No caso do jornalismo, entretanto, como não há lei específica que regule

a profissão, o STF entende pela aplicação da liberdade de profissão, estipulada

na constituição, concluindo pela não necessidade do curso superior em jorna-

lismo para o exercício da profissão.

3.3.12 Liberdade de informação

A liberdade de informação está prevista na constituição:

Art 5o, XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da

fonte, quando necessário ao exercício profissional; (...)

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interes-

se particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei,

sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à

segurança da sociedade e do Estado. BRASIL. Constituição da República Federativa

do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O inciso XIV assegura o direito dos indivíduos de terem acesso às informa-

ções no território nacional. Desta forma, as informações que possam ser classi-

ficadas como sigilosas devem justificar-se pelo próprio sistema jurídico.

Além disso, para que a informação seja divulgada àqueles que a divulgam

deve-se resguardar o sigilo inerente ao exercício profissional. Por exemplo, um

jornalista não pode ser obrigado a contar a sua fonte de informação, pois caso

contrário perderia sua fonte.

No inciso XXXIII afirma-se o direito à informação que esteja arquivada em

órgãos públicos, seja ela pessoal (personalíssima) ou de interesse coletivo ou

geral. Caso não seja oferecida essa informação, como assegurado, o violador do

Page 84: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 83

direito será responsabilizado. A única exceção está nas informações cujo sigilo

é imprescindível à segurança social ou do Estado.

3.3.13 Liberdade de locomoção

A liberdade de locomoção está prevista na constituição:

Art 5o, XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qual-

quer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e funda-

mentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar

ou crime propriamente militar, definidos em lei. BRASIL. Constituição da República

Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A locomoção, em tempo de paz, é livre no território nacional para qualquer

pessoa com os seus bens. Diante dessa premissa ninguém poderá ter essa li-

berdade restrita por prisão ilegal ou abusiva, por isso a constituição exige o fla-

grante delito ou decisão judicial para permitir a prisão legal. A exceção ao caso

é somente para os militares que terão regramento próprio da sua restrição de

liberdade.

3.3.14 Liberdade de reunião

O artigo 5o, inciso XVI, estabelece a liberdade de reunião dos indivíduos, sem

armas, em locais abertos ao público.

Art 5o, XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao

público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião

anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso

à autoridade competente. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil

(1988). Brasília: Senado, 1988.

A constituição garante a liberdade de reunião nos estritos termos consti-

tucionais, ou seja, em locais abertos ao público, de uso comum do povo, pois

Page 85: Livro proprietário – direito constitucional i

84 • capítulo 3

bens de uso especial não estão na regra constitucional. A reunião deve ter fins

pacíficos e, portanto, sem armas. A reunião nos termos constitucionais não de-

pende de autorização, mas deve-se avisar a autoridade pública a fim de se evitar

o conflito de reuniões para o mesmo local. O aviso é para fins de organização do

próprio poder público.

3.3.15 Liberdade de associação

A liberdade de associação está prevista na constituição:

Art 5o, XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de cará-

ter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de

autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas

atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito

em julgado;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade

para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente. BRASIL. Constituição da

República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A liberdade de associação com objetivos legais é plena. O limite está estipu-

lado apenas para as associações ilegais. A constituição reforça a ideia de que

não se permite associação com fins paramilitares, ou seja, não se permite a for-

mação de exército paralelo que possa se voltar contra o Estado Democrático

de Direito.

A criação de associações é protegida para efetivar o direito pleno às associa-

ções, mas deve ser feita nos termos legais. O que o Estado não pode fazer é exi-

gir que ele tenha que autorizar a criação de associações, pois caracterizaria uma

intervenção direta, vedada na constituição. As associações poderão ser dissolvi-

das, de forma compulsória pelo Estado, por meio de decisão judicial transitada

em julgado. Nos casos de suspensão das associações também exige-se a decisão

judicial, mas não é necessário o trânsito em julgado.

Page 86: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 85

A participação da associação é uma liberdade, não podendo-se obrigar a

entrada ou permanência em uma associação. Os associados dão legitimidade

para as associações representarem seus associados no âmbito judicial e extra-

judicial. A constituição exige apenas a autorização expressa de representação

no Estatuto da associação ou por meio de autorização especial.

3.3.16 Direito de propriedade

O direito de propriedade está previsto na constituição nos seguintes termos:

Art 5o, XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá à sua função social;

XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou uti-

lidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro,

ressalvados os casos previstos nesta Constituição;

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de

propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela

família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua

atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Garante-se, no inciso XXII, o direito de ter bens no território nacional. Esse

direito também não é absoluto e é limitado, em especial, pelo inciso XXIII que

estabelece que a propriedade deve cumprir sua função social.

O inciso XXIV trata da desapropriação ordinária, instituto estudado no

Direito Administrativo. Exige-se que ela só possa ocorrer nos casos de necessi-

dade pública, utilidade pública ou interesse social. Desapropriar significa re-

tirar a propriedade alheia, mas de forma retribuída, ou seja, por meio de uma

compra compulsória feita pelo Estado. A indenização ordinária deve ser feita

de forma justa, prévia e em dinheiro. Não se confunde com o confisco, que é a

retirada do bem, mas sem a retribuição pela propriedade perdida.

O inciso XXV trata do instituto da requisição que permite a possibilidade

do Estado de requisitar propriedade privada para seu uso, caso seja necessário,

Page 87: Livro proprietário – direito constitucional i

86 • capítulo 3

para atendimento de iminente perigo público. Exemplo: uso de escada no caso

de inundação. Nesse caso só há indenização, ulterior, se houve dano.

Por fim, o inciso XXVI prevê a proteção da pequena propriedade rural e o

tamanho é estabelecido por legislação infraconstitucional. Além disso, exige-se

que essa propriedade tenha atividade produtiva familiar e a proteção é apenas

relativa aos débitos decorrentes de sua atividade produtiva, a fim de se finan-

ciar o desenvolvimento rural familiar.

3.3.17 Direito de petição e obtenção de certidões

O direito de petição e obtenção de certidões perante os órgão públicos é assegu-

rado a todos, independentemente do pagamento de taxas.

Art 5o, XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento

de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalida-

de ou abuso de poder;

b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e escla-

recimento de situações de interesse pessoal. BRASIL. Constituição da República

Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O direito de petição nada mais é do que o direito do indivíduo de apresentar

pedidos, em defesa de seus direitos. Se algum órgão ou repartição pública se ne-

gar a receber pedidos, essa ação seria inconstitucional e abusiva. Se há ilegalida-

de ou abuso de poder os indivíduos têm o direito constitucional de apresentar

um pedido que deve ser apreciado e respondido pelos órgãos públicos. Caso isso

não seja garantido na prática, devem ser tomadas as medidas jurídicas cabíveis.

A obtenção de certidões em repartições públicas é um direito, independen-

temente do pagamento de taxas. A intenção será a busca de defesa de direitos

ou esclarecimento de informações de interesse pessoal. A repartição pública

tem o dever constitucional de emitir a certidão. As taxas geralmente cobradas

são pelo trabalho para a emissão da certidão e não pela própria certidão, além

disso, é possível se obter a isenção, nos termos legais.

Page 88: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 87

O inciso XXXV do artigo 5o da constituição prevê o princípio da inafastabili-

dade da jurisdição, que se relaciona diretamente com o direito de petição. “Art

5o, XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça

a direito”27. Esse princípio afirma que nenhuma lei pode afastar da análise judi-

cial qualquer lesão ou ameaça de direito. Isso porque o Judiciário tem o dever de

dizer o direito no caso concreto e de forma definitiva, sendo vedada a autotutela.

3.3.18 Limites à retroatividade da lei

O inciso XXXVI do artigo 5o estabelece limites à retroatividade da lei: “Art. 5o, XXXVI

– a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

O direito adquirido é todo aquele que o indivíduo já incorporou, ou seja, já

pode invocar perante alguém, pois já cumpriu os requisitos legais para exercê

-lo. Esse direito não pode ser prejudicado pela lei, ou seja, se a lei for modifica-

da não poderá se alterar o direito já adquirido no tempo.

EXEMPLOAdquire-se determinado direito no dia 1o de agosto e a lei se modifica no dia 2 de setembro.

Nesse caso, a lei nova não se aplica para aqueles que já adquiriram o direito que não poder

ser mais retirado do indivíduo.

O ato jurídico perfeito é aquele ato praticado nos termos da lei e atendendo

todos os requisitos estabelecidos na lei. Portanto, em regra, se o ato foi pratica-

do nos termos da lei vigente no momento de sua prática não tem sentido ele ser

modificado por lei posterior.

No caso da coisa julgada preservam-se todas as decisões judiciais que já es-

tão decididas de forma definitiva (trânsito julgado), não se podendo alterar por

lei posterior, exceto nos casos estabelecidos na lei.

Assim sendo, a lei deve produzir efeitos do momento em que ela foi editada

para a frente. Se ela atinge situações pretéritas, não é possível a violação do direito

adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, em nome da segurança jurídica.

27 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 89: Livro proprietário – direito constitucional i

88 • capítulo 3

3.3.19 Tribunal do Júri

O inciso XXXVIII do artigo 5o estabelece a instituição do tribunal do júri:

Art. 5o, XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a

lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. BRASIL. Cons-

tituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O júri é reconhecido e o regramento é feito por legislação infraconstitucional,

assegurando-se a plenitude de defesa, sigilo de votações, soberania da decisão

do júri e aplicação somente nos crimes dolosos contra a vida e conexos a eles.

Os crimes seriam, portanto, o homicídio doloso, o infanticídio, o induzimento

auxílio ou instigação ao suicídio e o aborto (art. 121 e seguintes do Código Penal).

3.3.20 Segurança jurídica em matéria penal

Art. 5o, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia

cominação legal;

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberda-

des fundamentais;

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena

de reclusão, nos termos da lei;

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a

prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os

definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores

e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou

militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. BRASIL. Constitui-

ção da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 90: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 89

No direito penal trata-se da segurança jurídica de forma especial no inciso

XXXIX do artigo 5o. Afirma-se que não haja a retroatividade da lei para prejudi-

car o réu penal, ou seja, o Estado só pode punir o indivíduo se já deixou muito

claro na lei qual é a conduta que ele tipifica e quais as consequências da viola-

ção legal.

No inciso XL do artigo 5o afirma-se que a nova lei penal não produz efei-

tos pretéritos para prejuízo, apenas para benefício (retroatividade benéfica da

lei penal).

Em relação ao racismo, o inciso XLII do artigo 5o da constituição estabele-

ce que a prática de racismo é inafiançável e imprescritível, assim como os cri-

mes de grupos armados contra o Estado Democrático de Direito (inciso XLIV,

ART. 5O). Os crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o

terrorismo são inafiançáveis e não suscetíveis de graça ou anistia (inciso XLIII,

ART. 5O).

3.4 Direitos Sociais – Arts. 6o a 11

Os direitos sociais são os conhecidos direitos de segunda dimensão, pois de-

mandam uma prestação positiva do Estado para sua efetivação, em prol da dig-

nidade da pessoa humana no convívio social. Os direitos sociais básicos estão

previstos no artigo 6o da constituição:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,

o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e

à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. BRASIL.

Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O rol do caput do artigo 6o da constituição não é taxativo, sendo que a pró-

pria constituição estabelece a defesa de outros direitos sociais como o direi-

to à cultura, ao desporto, da família, das crianças e adolescentes, dos idosos e

dos povos indígenas. Há direitos sociais que decorrem dos direitos previstos na

constituição e é possível, ainda, a criação de outros direitos sociais por meio da

legislação infraconstitucional.

Page 91: Livro proprietário – direito constitucional i

90 • capítulo 3

Os direitos sociais são caracterizados pela irrenunciabilidade, pois não po-

dem ser anulados pela vontade dos interessados como, por exemplo, nas rela-

ções de trabalho não se pode diminuir os direitos do trabalhador por meio de

um contrato de trabalho.

Todos são beneficiários dos direitos sociais, mas precisam deles, em es-

pecial os hipossuficientes, que dependem do Estado para obter as condições

materiais mínimas para o seu desenvolvimento e manutenção da dignidade da

pessoa humana.

O artigo 7o da constituição trata dos direitos dos trabalhadores de forma in-

dividual e os artigos 8o ao 11º tratam da defesa dos trabalhadores de forma co-

letiva. O artigo 7o fala dos trabalhadores urbanos e rurais e quais serias os seus

direitos básicos para a manutenção da dignidade no ambiente de trabalho.

Os trabalhadores protegidos pelos direitos sociais previstos no artigo 7o são

nos termos do artigo 3o da CLT: “Art. 3º - Considera-se empregada toda pessoa

física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a depen-

dência deste e mediante salário”28.

Os direitos sociais coletivos dos trabalhadores, previsto nos artigos 8o ao

11º da constituição, são o direito de associação profissional ou sindical, direito

de greve, direito de substituição processual, direito de participação e direito de

representação classista.

O direito de associação profissional ou sindical é exercido nos termos do

artigo 8o da constituição:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressal-

vado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a

intervenção na organização sindical;

II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, repre-

sentativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será

definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior

à área de um Município;

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da

categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

IV - a assembleia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profis-

sional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da represen-

tação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

28 BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (1943). Brasília: Senado, 1943.

Page 92: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 91

V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;

VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais;

VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatu-

ra a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um

ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos ru-

rais e de colônias de pescadores, atendidas as condições que a lei estabelecer. BRASIL.

Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A greve é um direito assegurado aos trabalhadores, que têm a liberdade de

escolher quando irão exercê-lo. A limitação constitucional existe em relação à

prestação de serviços ou atividades essenciais, que deverão ser mantidas par-

cialmente, para se atender às necessidades de urgência da sociedade.

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a

oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento

das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. BRASIL. Consti-

tuição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O direito de participação dos empregados está previsto nos artigos 10 e 11

da constituição.

Art. 10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos cole-

giados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários

sejam objeto de discussão e deliberação.

Art. 11. Nas empresas de mais de duzentos empregados é assegurada a eleição de

um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento

direto com os empregadores. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil

(1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 93: Livro proprietário – direito constitucional i

92 • capítulo 3

3.5 Direitos de nacionalidade – Arts. 12 e 13

A nacionalidade é o vínculo jurídico e político que o indivíduo tem com o Esta-

do. Não deve se confundir com naturalidade, que designa o local físico, cidade,

de nascimento da pessoa. Não necessariamente é o mesmo Estado a que o indi-

víduo será vinculado pela nacionalidade.

A nacionalidade poder ser originária (primária ou de origem), estabelecida

no momento do nascimento do indivíduo ou adquirida (secundária), oriunda

da manifestação da vontade do indivíduo que deseja se vincular ao Estado.

Na nacionalidade originária tem-se dois critérios que vinculam o indivíduo

ao Estado: a territorialidade (ius solis) e a consanguinidade (ius sanguinis).

No critério do solo atribui-se a nacionalidade a quem nasceu no território do

Estado, e no critério de sangue estabelece-se que são nacionais os descenden-

tes de nacionais, os que têm vínculo de sangue com os nacionais, e cada estado

estabelece seus critérios.

A constituição de cada Estado determinará quais os critérios adotados pelos

Estados, entretanto, os Estados que receberam imigrantes, como os Estados da

América, geralmente adotam o critério do solo. Os Estados que não foram colo-

nizados ou não receberam muitos imigrantes geralmente adotam o critério do

sangue, como, por exemplos, os Estados europeus.

A partir do critério da nacionalidade originária tem-se aqueles que são na-

tos do Estado, pois decorre do nascimento. No caso de nacionalidade adquiri-

da, decorrente da manifestação da vontade do indivíduo de se tornar nacional,

tem-se a chamada naturalização.

O Brasil adota os dois critérios: do solo (art. 12, I, ‘a’) e do sangue (art. 12, I,

‘b’ e ‘c’). O artigo 12, inciso I, da constituição estabelece quem são os brasileiros

natos e são três as hipóteses:

Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros,

desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer

deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

Page 94: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 93

c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam

registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República

Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade,

pela nacionalidade brasileira; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de

2007). BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília:

Senado, 1988.

Em um primeiro momento entende-se que todos que nascem no Brasil são

brasileiros natos, exceto os filhos de diplomatas estrangeiros que estejam a ser-

viço de seu Estado de origem (art. 12, I, a). A exceção se estabelece porque se

entende que os filhos de diplomatas que estão no Brasil, porque seus pais estão

servindo o seu país aqui, não possuem vinculação com o território brasileiro e,

por isso, não gozariam da possibilidade de serem brasileiros natos.

O segundo critério da alínea ‘b’ do inciso I do artigo 12 da constituição es-

tabelece o critério oposto, pois diz que são brasileiros natos os filhos de diplo-

matas brasileiros, que tenham nascido no estrangeiro, pelo motivo de seus pais

estarem servindo o Estado Brasileiro no exterior. Observa-se que basta que um

dos pais seja diplomata e não os dois, ou seja, pai ou mãe.

Os filhos de pai brasileiro ou mãe brasileira poderão ser brasileiros natos,

mesmo que seus pais não sejam diplomatas, obedecendo-se o disposto no arti-

go 12, inciso I, alínea ‘c’ da constituição, que prevê duas hipóteses para conferir

a nacionalidade originária. Os pais poderão registar seus filhos em repartição

brasileira competente. Caso não tenha sido registrado por seus pais, o filho de

brasileiro poderá, a qualquer tempo (sem prazo), depois de atingida a maiori-

dade, optar pela nacionalidade brasileira, caso venha residir no Brasil.

A nacionalidade decorrente da vontade chama-se de ‘naturalização’ e os

critérios constitucionais estão estabelecidos pelo artigo 12, inciso II, da cons-

tituição. Caso o indivíduo não seja brasileiro nato e nem naturalizado, será

um estrangeiro, pois não tem vínculo com o Estado por estar vinculado a ou-

tro Estado.

A constituição no artigo 12, inciso II, estabelece regras que viabilizam a pos-

sibilidade de um indivíduo manifestar a sua vontade de se tornar brasileiro e se

naturalizar. Ninguém poderá ser compelido a se naturalizar, a vontade deve ser

respeitada. As hipóteses são distintas.

Page 95: Livro proprietário – direito constitucional i

94 • capítulo 3

Os critérios de naturalização estão no artigo 12, inciso II, da constituição:

Art. 12. São brasileiros:

I - naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários

de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneida-

de moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa

do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que

requeiram a nacionalidade brasileira. BRASIL. Constituição da República Federativa

do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

A constituição primeiro afirma que podem se naturalizar todos aqueles que

cumpram os requisitos estabelecidos na lei, ou seja, o Estatuto do Estrangeiro.

Entretanto, a constituição confere uma facilidade para os originários de qual-

quer país de língua portuguesa, com os únicos requisitos de residência por

um ano ininterrupto no Brasil e idoneidade moral. Essas hipóteses são as de

naturalização ordinária e estão previstas no artigo 12, inciso II, alínea ‘a’ da

constituição. Mas atenção, em relação à naturalização ordinária o Brasil tem

discricionariedade para conceder ou não mesmo que tenham sido cumpridos

os requisitos, pois não é um direito, mas um ato discricionário naturalizar o

estrangeiro pelas vias ordinárias.

Na alínea ‘b’ do inciso II do artigo 12 da constituição tem-se a previsão da

naturalização extraordinária, sendo que se qualificam para esse critério todos

os estrangeiros residentes do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem

condenação penal que requeiram a nacionalidade brasileira. Nesse caso, o ato

é vinculado, ou seja, os requisitos são objetivos e não há margem de escolha

para o Estado, sendo obrigatória a concessão da nacionalidade.

O artigo 12, §1º da Constituição, estabelece que: “Art. 12, §1º - Aos portu-

gueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor

de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os ca-

sos previstos nesta Constituição”29. Esse é o caráter de ‘quase nacionalidade’

citado pela doutrina que confere somente aos portugueses com residência per-

manente no Brasil os mesmos direitos inerentes ao brasileiro, salvo quando

29 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 96: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 95

exige-se a nacionalidade para exercer um direito como, por exemplo, o direito

de votar e ser votado.

Não se pode ter discriminação entre os brasileiros natos ou naturalizados,

salvos os casos de diferenciação previstos na constituição, como afirma-se no

artigo 12, §2o: “Art. 12, §2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasilei-

ros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição”30.

Outra questão interessante está ligada à extradição, instituto que permite a

entrega de indivíduo a outro país, que tenha expedido ordem de prisão contra

ele. Nesse caso estabelece-se distinção entre o brasileiro nato e o naturalizado:

Art. 5o. LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime

comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico

ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.

Assim, o brasileiro nato não pode nunca ser extraditado e o naturalizado só

poderá ser extraditado se for condenado por crime cometido antes da naturali-

zação ou, a qualquer tempo, se for condenado por tráfico ilícito de entorpecen-

tes ou drogas afins.

O Brasil não extradita estrangeiro condenado ou acusado por crime político

e de opinião, uma vez que concedemos asilo político. “Art. 5o – LII – não será

concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”31.

A constituição estabelece, ainda, cargos que somente poderão ser ocupados

por brasileiros natos.

Art. 12 – § 3º São privativos de brasileiro nato os cargos:

I - de Presidente e Vice-Presidente da República;

II - de Presidente da Câmara dos Deputados;

III - de Presidente do Senado Federal;

IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

V - da carreira diplomática;

VI - de oficial das Forças Armadas.

VII - de Ministro de Estado da Defesa.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

30 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.31 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 97: Livro proprietário – direito constitucional i

96 • capítulo 3

Ao se analisar o § 3º do artigo 12 observa-se que os primeiros cargos, pri-

vativos de brasileiros natos referem-se aos que estão na linha sucessória da

Presidência da República, sendo eles o próprio Presidente e Vice-Presidente da

República; o Presidente da Câmara dos Deputados; de Presidente do Senado

Federal e de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Atenção: brasileiros natu-

ralizados podem ser deputados e senadores, mas eles não podem ser presiden-

tes da Câmara ou do Senado. No caso do STF, não se restringe somente o cargo

de presidente do STF, que estaria na linha sucessória, mas todos os ministros

do STF devem ser brasileiros natos. Isso porque o sistema de ocupação da pre-

sidência do STF é feito de forma rotativa, o que poderia colocar um brasileiro

naturalizado na linha sucessória da Presidência da República.

No caso de carreira diplomática, oficial das forças armadas e ministro de

Estado da Defesa, não se permite que seja um brasileiro naturalizado, pois es-

ses cargos estão ligados diretamente à defesa nacional.

O artigo 89, inciso VII, também se limita constitucionalmente à presença de

brasileiros naturalizados:

Art. 89. O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da

República, e dele participam: (...)

VII - seis cidadãos brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendo

dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e

dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a

recondução. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília:

Senado, 1988, grifo nosso.

Pode haver a perda da nacionalidade nos termos do artigo 12, § 4º

da constituição:

§ 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade

nociva ao interesse nacional;

Page 98: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 97

II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos:

a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;

b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em

estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o

exercício de direitos civis. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil

(1988). Brasília: Senado, 1988.

A naturalização pode ser cancelada por sentença judicial, fundamentada

por realização de atividade nociva ao interesse nacional. A segunda hipótese

trata da possibilidade do nacional adquirir outra nacionalidade, salvo nos ca-

sos de reconhecimento de nacionalidade originária estrangeira ou imposição

da naturalização para que o indivíduo permaneça no território estrangeiro ou

para o exercício de direitos civis.

3.6 Direitos políticos – arts. 14 a 17

Os direitos políticos referem-se a um conjunto de regras que disciplinam o

exercício da soberania popular, viabilizando a participação concreta dos indiví-

duos na gestão do Estado. É importante distinguir a nacionalidade da cidada-

nia. A nacionalidade refere-se ao vínculo jurídico e político do indivíduo com o

Estado, que se estabelece pelo nascimento ou pela manifestação da vontade. A

cidadania é a qualidade que o cidadão adquire, formalmente, após o alistamen-

to eleitoral, para votar e ser votado.

O direito de escolha (sufrágio) existe de forma ativa, que trata do direito de

votar, e de forma passiva, com o direito de ser votado. O voto é o ato político que

materializa o direito de sufrágio. A eleição será um processo pelo meio do qual

se escolhe alguém para exercer uma função, e o escrutínio é o ato de coleta e

apuração dos votos.

A participação direta do indivíduo na gestão do Estado se vincula direta-

mente à previsão dos direitos políticos na constituição, por isso sua extrema

importância. Nos termos do artigo 1o, parágrafo único: “Art. 1º - Parágrafo

único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes

eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”32. Todos os elementos

32 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988, grifo nosso.

Page 99: Livro proprietário – direito constitucional i

98 • capítulo 3

necessários para que a soberania popular seja exercida estão concentrados no

capítulo da constituição que trata dos direitos políticos.

No Brasil adota-se o sufrágio universal, ou seja, o direito de escolha dos re-

presentantes no Estado de Direito é realizado por todos que participam do povo

de forma direta e secreta, com valor igual para todos os votos.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e

secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito;

II - referendo;

III - iniciativa popular.

§ 1º O alistamento eleitoral e o voto são:

I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;

II - facultativos para:

a) os analfabetos;

b) os maiores de setenta anos;

c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O voto direto, secreto, universal e periódico está previsto, também, no artigo

60, § 4º, inciso II, como cláusula pétrea, ou seja, não pode ser abolido ou restri-

to por emenda constitucional.

Art. 60 - § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...)

II - o voto direto, secreto, universal e periódico.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Tem-se duas possibilidades de exercício de direitos políticos, por meio do

voto com a escolha de representantes para que exerçam o poder em nome do

povo e os casos de se candidatar para ocupar esses cargos públicos. Essas são

características de democracia indireta, pois o povo escolhe quem irá atuar nos

cargos públicos, em seu nome.

Page 100: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 99

Na democracia direta tem-se a participação efetiva e individual de cada ci-

dadão em relação a uma temática específica e, no Brasil, ela pode ser exercida

por meio do plebiscito, referendo ou iniciativa popular.

O plebiscito e o referendo são formas de consulta ao povo e, por isso decor-

rem da condição de cidadão. A consulta se dá em momentos distintos, pois no

plebiscito consulta-se o povo previamente para depois se ter uma votação no

Legislativo. No referendo a ordem é contrária, após uma votação no Legislativo

o povo é consultado. Importante salientar que a opinião popular não vincula a

decisão do Legislativo e vice-e-versa, a ideia é se fazer uma consulta dupla sobre

a temática.

A iniciativa popular prevê a possibilidade de participação do povo para a

apresentação de um projeto de lei perante o Legislativo para que coloque em

votação e eventualmente venha a aprovar. Os requisitos estão previstos no ar-

tigo 61, § 2º, da constituição: 1% do eleitorado nacional, distribuídos em pelo

menos 5 estados da federação e cada um deles representado por 3/10 de seus

eleitores.

Art. 61, § 2º A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos

Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado na-

cional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por

cento dos eleitores de cada um deles. BRASIL. Constituição da República Federativa

do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de 18 anos

e facultativo para os analfabetos, maiores de 70 anos e menores de 16 e meno-

res de 18 anos. Os menores de 16 anos não participam do processo político no

país e, por isso, não são cidadãos por não terem direitos políticos. Atenção! A

obrigatoriedade do voto não é cláusula pétrea e pode, portanto, a obrigatorieda-

de do voto ser modificada por emenda constitucional.

A constituição estabelece, ainda, que não podem se alistar como eleitores

os estrangeiros, por não terem direitos políticos, e os conscritos, que são os que

estão em serviço militar obrigatório e por isso não irão se alistar.

“Art. 14 - § 2º Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, duran-

te o período do serviço militar obrigatório, os conscritos”33.

33 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 101: Livro proprietário – direito constitucional i

100 • capítulo 3

As condições de elegibilidade tratam das condições para ser votado no

Estado Brasileiro. São elas: a nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos

direitos políticos, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral, a filiação parti-

dária e a idade mínima exigida para o cargo pleiteado. Os inalistáveis e analfa-

betos não podem ser eleitos, apesar de se assegurar o direito de votar de forma

facultativa para os analfabetos.

Art. 14 – § 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito,

Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

§ 4º São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Nos cargos do Executivo (Presidente da República, os Governadores de

Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos) é possível a reeleição por um único pe-

ríodo subsequente, aplicando-se a mesma regra aos vices. Não há impedimen-

to para outro mandato subsequente. “Art. 14, §5º O Presidente da República,

os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver

sucedido, ou substituído no curso dos mandatos, poderão ser reeleitos para um

único período subsequente”34.

Há necessidade de renúncia dos cargos do Executivo, seis meses ante do

pleito, para candidatura a outros cargos políticos. “Art. 14, § 6º Para concorre-

rem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e

do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos

34 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 102: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 101

até seis meses antes do pleito”35. Nos cargos do Legislativo não há limites de

reeleição e nem é necessária a renúncia para se candidatar a outros cargos

do Legislativo.

Além disso, são inelegíveis os cônjuges, parentes consanguíneos ou afins

até o segundo grau daqueles que ocupam o cargo de presidente, governador

e prefeito do território. Essa inelegibilidade também se estende a quem tiver

substituído os ocupantes desses cargos, no período de seis meses anteriores

ao pleito. Salvo se for candidato a reeleição de mandato eletivo. A ideia é não

permitir uma perpetuação familiar na ocupação dos cargos executivos.

Art. 14, § 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os

parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente

da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito

ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já

titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. BRASIL. Constituição da República

Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O militar também tem disposição específica para sua elegibilidade:

Art. 14, § 8º O militar alistável é elegível, atendidas as seguintes condições:

I - se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;

II - se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e,

se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade. BRASIL.

Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O mandato eletivo pode ser impugnado, no prazo de 15 dias, contados da di-

plomação. A ideia é de que qualquer um pode impugnar o mandato adquirido

de forma ilegal ou viciada, entretanto, deve-se instruir com provas essa impug-

nação. Essa ação de impugnação correrá em segredo de justiça e, caso o autor

tenha a agido de má-fé, será responsabilizado na forma da lei.

35 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 103: Livro proprietário – direito constitucional i

102 • capítulo 3

Art. 14, § 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no

prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso

do poder econômico, corrupção ou fraude”.

§ 11 - A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo de justiça, respon-

dendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé. BRASIL. Consti-

tuição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

É vedada a cassação dos direitos políticos pela constituição, pois nenhum

nacional pode perder seus direitos políticos. O que pode ocorrer é a suspensão

ou perda que ocorre com a perda da condição de ser titular de direitos políti-

cos. A perda se dá nos casos de cancelamento da naturalização que coloca nova-

mente o indivíduo como estrangeiro e, portanto, perde os direitos políticos. Os

casos de suspensão são: incapacidade civil absoluta, condenação criminal com

trânsito em julgado durante os efeitos da condenação, recusa de cumprimento

de prestação alternativa (escusa de consciência) e improbidade administrativa.

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará

nos casos de:

I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II - incapacidade civil absoluta;

III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos

do art. 5º, VIII;

V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

O artigo 16 da constituição prevê que “Art. 16. A lei que alterar o processo

eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição

que ocorra até um ano da data de sua vigência”36. A ideia é conferir uma maior

estabilidade ao processo eleitoral e uma alteração legislativa que não seja volta-

da especificamente às eleições correntes.

Por fim, é importante falar sobre os sistemas eleitorais existentes no Brasil.

O sistema eleitoral é um conjunto de regras que tem por finalidade a organiza-

ção das eleições. O sistema pode ser majoritário ou proporcional. No sistema

36 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 104: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 103

majoritário vence o candidato que obtiver a maioria dos votos. No sistema pro-

porcional a eleição se dá com base na proporção de preferência dos eleitores.

No sistema majoritário pode-se adotar o critério de maioria simples ou

absoluta. A maioria simples prevê uma única votação, e quem obtiver a maio-

ria dos votos, independente da quantidade de votos, estará eleito. É o sistema

aplicado aos cargos de senadores e de prefeitos em municípios com menos de

200 mil habitantes (único turno de votação). A maioria absoluta requer a obten-

ção da maioria em primeiro turno de votação, ou seja, 50% mais 1 voto de todos

os votos válidos, votos brancos e nulos são ignorados. Caso não se obtenha essa

maioria em primeiro turno, realizar-se-á um segundo turno com os dois candi-

datos mais votados no primeiro. Essa regra vale para os cargos de Presidente da

República, governador e prefeito em cidades com mais de 200 mil habitantes.

3.7 Remédios Constitucionais

Os remédios constitucionais são garantias previstas no texto constitucional,

ou seja, elementos normativos que têm como objetivo assegurar o exercício re-

gular dos direitos fundamentais. Essa proteção é necessária para se efetivar e

resguardar a implantação dos direitos fundamentais em toda sua medida e ex-

tensão. O nome “remédio” é utilizado para fazer alusão à cura de uma doença,

que no caso é o desrespeito a um direito fundamental.

Os remédios constitucionais são: habeas corpus, habeas data, manda-

do de segurança, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e

ação popular.

3.7.1 Habeas Corpus

O habeas corpus é uma garantia constitucional específica que se destina à pro-

teção do direito de ir e vir, ou seja, tutela à liberdade de locomoção. Todas as

vezes que a liberdade de locomoção for restringida de forma ilegal ou abusiva o

remédio cabível é o habeas corpus. O sentido da expressão habeas corpus é “cor-

po livre”, pois trata do direito de ir e vir resguardado por meio desse instituto.

A natureza jurídica do habeas corpus é de ação constitucional que possui

menos formalidades que as demais ações, pois não há a necessidade de advo-

gado para ingressar com o habeas corpus, pagamento de custas ou formalidade

Page 105: Livro proprietário – direito constitucional i

104 • capítulo 3

de ordem técnica para o seu ingresso. Ele nada mais é que um pedido direcio-

nado à autoridade judiciária para a proteção contra a prisão indevida, por ilega-

lidade ou abuso de poder. Basta, portanto, informar o fato que ele será apurado

pelo Judiciário de forma prioritária.

O inciso LXVIII prevê: “Art. 5o, LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre

que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua

liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”37.

Há, portanto, duas hipóteses de utilização do habeas corpus, como previsto

na constituição, de forma preventiva ou repressiva. Quando se utiliza do habeas

corpus pela ameaça à liberdade, tem-se o habeas corpus preventivo. É um salvo

conduto que impossibilita a prisão. Caso a prisão já tenha ocorrido, cabe o ha-

beas corpus repressivo.

A prisão ilegal decorre de um ato vinculado, ou seja, o ato deveria ser pra-

ticado de acordo com a lei e não se seguiu as determinações legais. No caso

da prisão por abuso de poder trata-se do caso de ato discricionário, no qual há

uma margem de atuação para o agente, mas ele ultrapassa esse limite e abusa

do poder. Portanto, ilegalidade refere-se a atos vinculados à lei e abusividade

a atos discricionários. Ambos são causas para se impetrar um habeas corpus.

3.7.2 Habeas Data

O habeas data tem como objetivo resguardar a liberdade de dados (‘data’). Os in-

divíduos têm direito de acesso a informações, e caso as informações pessoais dos

indivíduos não forem obtidas de forma livre, cabe o remédio constitucional do

habeas data. Portanto, o indivíduo tem o direito constitucional de obter seus dados

personalíssimos, e caso seja impedido de acessá-los poderá impetrar o habeas data.

Art. 5o, LXXII - conceder-se-á habeas data:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,

constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de

caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso,

judicial ou administrativo. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil

(1988). Brasília: Senado, 1988.

37 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 106: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 105

O habeas data é possível em duas hipóteses, a primeira é para garantir o

acesso a informações relativas à pessoa do impetrante, que estejam em ban-

cos públicos de dados ou de natureza pública. Esse habeas data tem natureza

personalíssima, ou seja, somente a pessoa do impetrante pode entrar com o

habeas data para saber seus dados pessoais, ninguém pode pedir informações

de terceiros. As informações devem estar previstas em bancos de dados públi-

cos ou de caráter público, para uma informação pessoal em registros privados

não caberia habeas data, por não ser entidade pública. Entretanto, bancos pri-

vados com caráter público podem ser acionados pelo habeas data como, por

exemplo, o SPC, que tem caráter social público.

A segunda possibilidade de utilização do habeas data é a utilização desse

remédio constitucional para retificação de dados, quando a pessoa não prefere

fazer de outra forma e não deseja o sigilo administrativo ou processual.

3.7.3 Mandado de Segurança

Art. 5o, LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e

certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela

ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no

exercício de atribuições do Poder Público. BRASIL. Constituição da República Fede-

rativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

O mandado de segurança é o remédio constitucional utilizado quando não

cabe nem habeas corpus e nem habeas data e objetiva-se defender direito lí-

quido e certo, ou seja, o direito que pode ser provado de plano e não depende

de dilação probatória no processo, pois se tem todos os elementos necessários

para pleitear o direito. O mandado de segurança, como o habeas corpus, é uma

ação, mas não é uma ação simples, pois exige uma série de requisitos para ser

aceita. Ele será cabível, portanto, para proteger qualquer direito constitucional,

desde que não seja liberdade (habeas corpus) ou dados pessoais em bancos pú-

blicos (habeas data).

O mandado de segurança exige capacidade postulatória para se impetrar

um mandado de segurança, ou seja, é necessária a presença de advogado

habilitado. Além disso, exige a comprovação de plano que se trata de um direito

Page 107: Livro proprietário – direito constitucional i

106 • capítulo 3

líquido e certo que está sendo violado por uma autoridade coatora que será

agente público, ou privado, com atribuições de poder público.

EXEMPLOAutoridade coatora de entidade privada com atribuições de poder público é o caso de reitor

de Universidade privada.

No mandado de segurança à violação do direito constitucional também se

dá por ilegalidade (ato vinculado) ou abuso de poder (ato discricionário) de au-

toridade coatora. Importante salientar, que o mandado de segurança é uma

ação extremamente formal e cheia de requisitos estabelecidos na legislação in-

fraconstitucional e que depende de capacidade postulatória para fins de pedir

esse direito (advogado).

3.7.4 Mandado de segurança coletivo

As mesmas regras do mandado de segurança aplicam-se ao mandado de segu-

rança coletivo, pois irá se defender direito líquido e certo violado por ilegalida-

de ou abuso de poder, por meio de uma autoridade coatora. O ingresso do man-

dado de segurança exige a presença do advogado. Os requisitos são, portanto,

os mesmos.

Art. 5o, LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e

em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus mem-

bros ou associados. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988).

Brasília: Senado, 1988.

O mandado de segurança coletivo existe para proteger direitos de quem te-

nha seus direitos líquidos e certos violados, mas a legitimidade ativa é diferente

da do mandado de segurança simples, pois dois grupos são autorizados pela

Page 108: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 107

constituição a defender esses direitos: partido político, organização sindical,

entidades de classe e associações.

A grande diferença está no polo ativo da ação, pois o direito não será de-

fendido pelo detentor do direto, mas por uma “coletividade” que irá defender

direito alheio por meio desse remédio constitucional.

Os entes constitucionalmente autorizados a defender os direitos de outrem,

por meio do mandado de segurança coletivo, são os partidos políticos com re-

presentação no Congresso Nacional e organização sindical, entidades de classe

e associações que funcionem há pelo menos um ano, em prol de seus membros.

No caso do partido político, como sujeito ativo do mandado de segurança

coletivo, basta que ele tenha um único representante na Câmara dos Deputados

ou no Senado Federal. Segundo a corrente majoritária, o partido político pode-

rá defender qualquer pessoa, ou seja, não há qualquer tipo de exigência de per-

tinência temática ou conexão da pessoa com o partido.

No caso da organização sindical, entidades de classe e associações, que são

pessoas jurídicas que devem obedecer à defesa de seus membros ou associa-

dos, tem-se, portanto, a necessidade de pertinência temática. No caso da asso-

ciação ela deve existir e estar em funcionamento há pelo menos um ano; não

basta ter sido fundada há um ano, deve estar em atuação por esse período.

3.7.5 Mandado de injunção

O mandado de injunção tem o objetivo de possibilitar o exercício de um direi-

to que não pode ser exercido, pois não foi regulamentado pelo poder público.

Tratam-se, portanto, de direitos que a legislação constituinte deixou para o le-

gislador o seu regramento, ou seja, são as normas constitucionais de eficácia

limitada, que dependem de norma infraconstitucional para serem exercidas.

Quando não há regulamentação do direito e, por esse motivo, não se pode exer-

cê-lo, é cabível o mandado de injunção.

Art. 5o, LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma

regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e

das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. BRASIL. Cons-

tituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

Page 109: Livro proprietário – direito constitucional i

108 • capítulo 3

O que se pretende é defender o exercício dos direitos e liberdades consti-

tucionais e as prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania.

O mandado de injunção é uma ação com formalidades, exigindo-se a pre-

sença do advogado. Além disso, a jurisprudência vem admitindo, por analogia,

o mandado de injunção coletivo, ingressado pelos mesmos legitimados do

mandado de segurança coletivo.

Os efeitos do mandado de injunção são um ponto polêmico na jurisprudên-

cia e que foram revisitados pelo STF. Anteriormente, adotava-se a corrente não

concretista, entendendo-se que o mandado de injunção servia apenas para uma

comunicação da omissão, ou seja, o Judiciário informava a autoridade omissa

de sua omissão, mas não tinha poder de impor obrigação ao Legislativo, pois

deveria se respeitar a autonomia do exercício das funções do Estado. Na atuali-

dade, tem se adotado a corrente concretista, pois o STF mudou seu posiciona-

mento e agora entende que o mandado de injunção produz efeitos concretos

e que a decisão do STF pode fazer com que o direito seja efetivado, apesar da

omissão legislativa. Passou a se entender que o papel do Judiciário, nesse caso,

é efetivar o exercício do direito e, no caso de direito de interesse coletivo, os

efeitos da decisão do Judiciário podem ser modulados e aplicados para todos

(erga omnes).

EXEMPLOA constituição, no artigo 37, inciso VII, fala que o funcionário público tem o direito de greve

nos termos da lei, mas o problema é que a lei regulamentadora não foi criada, usurpando-se

por omissão o direito de greve dos funcionários públicos. Diante disso, sindicatos e servido-

res impetraram mandados de injunção de número 670, 708 e 712 para buscar esse com-

plemento e o STF decidiu que os servidores, por causa dos mandados de injunção, poderiam

exercer o direito de greve, até que o Congresso Nacional produza a lei.

Outro caso foi o mandado de injunção 4059 impetrado por um servidor pú-

blico da Fundação Oswaldo Cruz, pleiteando o direito de uma aposentadoria

especial alegando a insalubridade de sua função e a não regulamentação do

artigo 40, 4o da constituição. Nesse caso o STF lhe deu o direito e ele aposentou,

apesar da omissão legislativa.

Page 110: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 3 • 109

3.7.6 Ação Popular

A ação popular também é um remédio constitucional, mas é diferente dos ou-

tros dispositivos, pois qualquer cidadão pode propor uma ação popular. A legi-

timidade ativa exige então que o autor seja cidadão, ou seja, esteja no exercício

de seus direitos políticos (possui título de eleitor). O objetivo dessa ação será

anular atos que lesem o patrimônio público ou questões de ordem pública.

Art. 5o, LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise

a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe,

à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural,

ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da su-

cumbência. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília:

Senado, 1988.

Nos termos da constituição objetiva-se defender o patrimônio público ou

de entidade de que o Estado participe, a moralidade administrativa, o meio am-

biente e o patrimônio histórico e cultural. A ação popular é isenta de custas,

salvo comprovada a má-fé do autor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva,

2013.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre

o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Brasília:

Senado Federal, 2009.

BRASIL. Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (1942). Rio de Janeiro: Senado, 1942.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. As três dimensões dos direitos humanos e o novo conceito de

cidadania. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, João Pessoa, v. 12, n. 9, p. 104-

108, 2004.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 2013, p.192.

Page 111: Livro proprietário – direito constitucional i

110 • capítulo 3

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de

Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional . São Paulo: Editora Método, 2014, p. 85.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2015.

Page 112: Livro proprietário – direito constitucional i

História das Constituições

Brasileiras

4

Page 113: Livro proprietário – direito constitucional i

112 • capítulo 4

O estudo da História do Estado brasileiro mistura-se com a compreensão das

constituições elaboradas ao longo da história. A constituição, como elemento

normativo capaz de inaugurar uma nova ordem jurídica, cumpriu no Estado

brasileiro o papel de refletir os momentos históricos vividos que acabaram le-

vando ao ideal democrático defendido no atual texto constitucional.

O Constitucionalismo, como movimento jurídico e político, fez com que os

Estados entendessem que seria necessário criar uma constituição como norma

limitadora do poder do Estado. O movimento do constitucionalismo ao se es-

palhar no mundo acabou influencia

Page 114: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 4 • 113

4.1 Constituição imperial de 1824

A independência do Brasil foi declarada no dia 7 de setembro de 1822, às

margens do Rio Ipiranga, onde Dom Pedro I teria gritado a célebre frase “In-

dependência ou morte!”. A partir desse instante, o Brasil se torna um Estado

independente e soberano, livre do colonialismo português e, por esse motivo,

entendeu-se que seria necessário elaborar uma constituição que legitimasse o

Brasil juridicamente.

A Constituição Política do Império do Brasil foi elaborada por um Conselho

de Estado e outorgada (imposta) pelo Imperador Dom Pedro I, em 25.03.1824.

Dom Pedro Primeiro, Por Graça De Deos, e Unanime Acclamação dos Povos,

Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil : Fazemos saber a todos os

Nossos Subditos, que tendo-Nos requeridos o Povos deste Imperio, juntos em Cama-

ras, que Nós quanto antes jurassemos e fizessemos jurar o Projecto de Constituição,

que haviamos offerecido ás suas observações para serem depois presentes á nova

Assembléa Constituinte mostrando o grande desejo, que tinham, de que elle se obser-

vasse já como Constituição do Imperio, por lhes merecer a mais plena approvação, e

delle esperarem a sua individual, e geral felicidade Politica : Nós Jurámos o sobredito

Projecto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que dora em

diante fica sendo deste Imperio a qual é do theor seguinte. IMPÉRIO DO BRASIL.

Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original

com português utilizado na época).

A Constituição Imperial previu a monarquia, na qual o poder era adquirido

por sucessão hereditária, com a dinastia de Dom Pedro I no poder.

Art. 3. O seu Governo é Monarchico Hereditario, Constitucional, e Representativo.

Art. 4. A Dynastia Imperante é a do Senhor Dom Pedro I actual Imperador, e Defensor

Perpetuo do Brazil. IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil

(1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original com português utilizado na época).

O Brasil era um Estado Unitário, ou seja, não se dividia em entes autônomos

com autonomia. O poder era central e único, sendo exercido pelo imperador. A

Page 115: Livro proprietário – direito constitucional i

114 • capítulo 4

divisão era apenas territorial em províncias. “Art. 2. O seu territorio é dividido

em Provincias na fórma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser sub-

divididas, como pedir o bem do Estado”1.

A Constituição de 1824 é a única constituição brasileira que tinha uma reli-

gião oficial, sendo que o Brasil era um Estado católico.

Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio.

Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular

em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. IMPÉRIO DO

BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824.

(Texto original com português utilizado na época).

O voto era censitário, ou seja, só votavam aqueles que tinham uma certa po-

sição econômica e social, pois excluía-se o voto das mulheres, negros, pobres e

dos que não professavam a fé católica.

Art. 91. Têm voto nestas Eleições primarias

I. Os Cidadãos Brazileiros, que estão no gozo de seus direitos politicos.

II. Os Estrangeiros naturalisados.

Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes.

I. Os menores de vinte e cinco annos, nos quaes se não comprehendem os casados, e

Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um annos, os Bachares Formados, e

Clerigos de Ordens Sacras.

II. Os filhos familias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem

Officios publicos.

III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os Guardalivros, e primeiros cai-

xeiros das casas de commercio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão

branco, e os administradores das fazendas ruraes, e fabricas.

IV. Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral.

V. Os que não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de raiz, industria,

commercio, ou Empregos.

1 IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original com português utilizado na época).

Page 116: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 4 • 115

Art. 93. Os que não podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem

ser Membros, nem votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional,

ou local.

Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Mem-

bros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial.

Exceptuam-se

I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, indus-

tria, commercio, ou emprego.

II. Os Libertos.

III. Os criminosos pronunciados em queréla, ou devassa.

Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados.

Exceptuam-se

I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda liquida, na fórma dos Arts. 92

e 94.

II. Os Estrangeiros naturalisados.

III. Os que não professarem a Religião do Estado. IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição

Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original com portu-

guês utilizado na época).

A característica mais importante da Constituição de 1824 é a divisão dos po-

deres em quatro: Legislativo, Executivo, Judiciário e Poder Moderador. O Poder

Moderador era superior aos demais poderes e de titularidade do imperador

para controlar os demais poderes. “Art. 10. Os Poderes Politicos reconhecidos

pela Constituição do Imperio do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder

Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial”2.

O imperador não poderia ser responsabilizado por seus atos, pois era con-

siderado figura sagrada e detentor do poder estatal, nos termnos do artigo 99:

“Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a

responsabilidade alguma”3.

A Constituição de 1824 foi a que durou mais tempo, mas ela perdeu sua vi-

gência com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 e expulsão

2 IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original com português utilizado na época).3 IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824. (Texto original com português utilizado na época).

Page 117: Livro proprietário – direito constitucional i

116 • capítulo 4

de toda família real do Brasil. Com a mudança radical do Brasil, tornou-se ne-

cessária a elaboração de uma nova constituição4.

4.2 Constituição republicana de 1891

O fim da monarquia e a adoção da República trouxe a necessidade de se ela-

borar uma nova constituição para o Estado brasileiro. A Assembleia Nacional

Constituinte foi eleita em 1890 para elaborar Constituição Republicana que

foi promulgada em 24 de fevereiro. Essa constituição ficou apelidada como a

Constituição de Rui Barbosa, senador relator do anteprojeto da constituição

que consagrava o presidencialismo e a forma federativa de Estados, nos mol-

des do modelo adotado na Constituição dos Estados Unidos. O Brasil mudou

inclusive de nome passando a ser chamado de Estados Unidos do Brasil5.

O federalismo foi adotado determinando-se que o Brasil conferiria autono-

mia aos seus entes federativos, descentralizando o poder.

Art 1º - A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representa-

tivo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se,

por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos

do Brasil. ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados

Unidos do Brasil (1891). Rio de Janeiro, 1891. (Texto original com português utilizado

na época).

O Brasil ao se tornar uma República estabeleceu que o governante é escolhi-

do pelo povo para um mandato determinado e tem o dever de agir em prol do

interesse de seu povo.

Art 43 - O Presidente exercerá o cargo por quatro anos, não podendo ser reeleito

para o período presidencial imediato.

§ 1º - O Vice-Presidente que exercer a Presidência no último ano do período presi-

dencial não poderá ser eleito Presidente para o período seguinte.

4 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.112.5 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.115.

Page 118: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 4 • 117

§ 2º - O Presidente deixará o exercício de suas funções, improrrogavelmente, no

mesmo dia em que terminar o seu período presidencial, sucedendo-lhe logo o

recém-eleito.

§ 3º - Se este se achar impedido, ou faltar, a substituição far-se-á nos termos do art.

41, §§ 1º e 2º.

§ 4º - O primeiro período presidencial terminará a 15 de novembro de 1894.

Art 44 - Ao empossar-se no cargo, o Presidente pronunciará, em sessão do Congres-

so, ou se este não estiver reunido, ante o Supremo Tribunal Federal esta afirmação:

"Prometo manter e cumprir com perfeita lealdade a Constituição federal, promover o

bem geral da República, observar as suas leis, sustentar-lhe a união, a integridade e

a independência." ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos

Estados Unidos do Brasil (1891). Rio de Janeiro, 1891. (Texto original com português

utilizado na época).

O Brasil deixou de ter uma religião oficial e se tornou um Estado laico. “Art

11 - É vedado aos Estados, como à União: (...) 2 º ) estabelecer, subvencionar ou

embaraçar o exercício de cultos religiosos”6.

Além disso, o Poder Moderador deixou de existir e passou a ser somente

adotada a clássica divisão em três de Montesquieu: Executivo, Legislativo e

Judiciário. “Art 15 - São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o

Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si”7.

Nessa constituição surgiu também o controle difuso de constituciona-

lidade, ou seja, estabeleceu-se que qualquer juiz poderia declarar uma lei

como inconstitucional.

O primeiro momento da República brasileira foi muito tumultuado, em es-

pecial porque o voto era aberto e os derrotados nem sempre aceitavam de forma

pacífica a derrota nas urnas. Houve, então, a Revolução Constitucionalista de

1932, que clamava pela queda de Getúlio Vargas e por uma nova constituição8.

6 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891). Rio de Janeiro, 1891. (Texto original com português utilizado na época).7 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1891). Rio de Janeiro, 1891. (Texto original com português utilizado na época).8 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.113.

Page 119: Livro proprietário – direito constitucional i

118 • capítulo 4

4.3 Constituição de 1934

A Constituição de 1934 foi fruto da Revolução Constitucionalista de 1932, que

objetivava a alternância de poder e a elaboração de uma constituição mais ade-

quada para os clamores de defesa dos direitos sociais da época, como a saúde,

educação, trabalho e cultura. Em maio de 1933 foi eleita a Assembleia Nacional

Constituinte, que elaborou e aprovou a Constituição de 1934.

Outubro de 1930 marcou o fim de uma República ao mesmo tempo em que fechou

um capítulo de nossa história federativa e republicana. Foi 30, sem dúvida, ano de

grande comoções patrióticas, de esperanças cívicas, de confiança no futuro. O Estado

Liberal da versão clássica – durante mais de um século a idéia-força das nossas ins-

tituições – chegava ao fim, depois de haver atravessado dois regimes: de um Império

e uma Republica. O País acordava então para as mudanças do século. A ditadura do

Governo Provisório, em algumas matérias políticas e sociais, entrava com a mesma

força, o mesmo ímpeto, a mesma energia dos republicanos de 89, quando instauraram

a Primeira Republica e cuidaram de varrer, em vinte e quatro horas, por decreto-lei,

todas as instituições básicas do Império. Era a aurora do Estado Social. BONAVIDES,

Paulo; ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil. 3. ed. São Paulo: PAZ E

TERRA, 1991, p. 259-260.

A Constituição de 1934 conservou a estrutura principal da constituição de

1891, mantendo-se o federalismo, a República, a divisão tripartite dos poderes

e a laicidade do Estado.

Uma das mudanças ocorridas foi um aumento dos poderes da União e,

diante disso, como os estados membros perderam poder, houve uma diminui-

ção dos poderes do Senado que quase desapareceu9.

Além disso, foi na Constituição de 1934 que surgiu o voto feminino, até en-

tão não existente no Brasil. “Art 109 - O alistamento e o voto são obrigatórios

para os homens e para as mulheres, quando estas exerçam função pública re-

munerada, sob as sanções e salvas as exceções que a lei determinar”10.

Ela previu os chamados direitos de segunda dimensão, ou seja, os direitos

sociais que eram exigidos por uma reclamação direta da sociedade.

9 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.10 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1934). Rio de Janeiro, 1934. (Texto original com português utilizado na época).

Page 120: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 4 • 119

Art. 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos

Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros

domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e eco-

nômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade

humana. ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados

Unidos do Brasil (1934). Rio de Janeiro, 1934. (Texto original com português utilizado

na época).

A Constituição de 1934 perdeu sua validade por meio de um golpe militar

realizado por Getúlio Vargas, que não queria deixar o poder e acabou outorgan-

do a Constituição de 1937.

4.4 Constituição de 1937

A Constituição de 1937 foi imposta por Getúlio Vargas e ficou conhecida como

“polaca”, pois foi inspirada na Constituição Polonesa da época.

O Brasil era uma ditadura e essa constituição viabilizava a concentração de

poderes nas mãos do chefe do Executivo e a diminuição dos direitos fundamen-

tais. Por exemplo, foram suprimidos os direitos fundamentais de greve, o direi-

to ao mandado de segurança, ação popular, dentre outros11.

Art. 139 - Para dirimir os conflitos oriundos das relações entre empregadores e em-

pregados, reguladas na legislação social, é instituída a Justiça do Trabalho, que será

regulada em lei e à qual não se aplicam as disposições desta Constituição relativas à

competência, ao recrutamento e às prerrogativas da Justiça comum.

A greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao

capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional. ESTA-

DOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil

(1937). Rio de Janeiro, 1937. (Texto original com português utilizado na época).

O controle de constitucionalidade também foi enfraquecido, para se viabili-

zar a livre atuação do Executivo, uma vez que o federalismo era apenas nominal,

pois concentrava-se o poder nas mãos do Presidente. “Art. 96 - Só por maioria

11 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.127.

Page 121: Livro proprietário – direito constitucional i

120 • capítulo 4

absoluta de votos da totalidade dos seus Juízes poderão os Tribunais declarar a

inconstitucionalidade de lei ou de ato do Presidente da República”12.

A Constituição de 1937 não se sustentou após o fim da Segunda Guerra

Mundial, em 1945, pois o sistema ditatorial e antidemocrático brasileiro não

combinava com a vitória democrática obtida na guerra, com a atuação do Brasil

ao lado dos vencedores aliados. Diante dessa realidade foram convocadas no-

vas eleições e foi elaborada a Constituição de 1946.

4.5 Constituição de 1946

A Constituição de 1946 é a menos inovadora de todas as constituições brasi-

leiras, pois ela praticamente repetiu os dispositivos da Constituição de 193413.

Foram duas as inovações trazidas pela Constituição de 1934. A primeira foi

a previsão de que a capital da República sairia do Rio de Janeiro e seria insta-

lada no Planalto Central. “Art. 4º - A Capital da União será transferida para o

planalto central do Pais”14.

A segunda inovação foi o surgimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade,

durante a vigência dessa constituição.

A Constituição de 1946 foi aplicada até 1964, quando o golpe militar exi-

giu a elaboração de uma nova constituição, que chancelasse a nova ditadura

no Brasil.

4.6 Constituição de 1967 e a EC no1 de 1969

No dia 31 de março de 1964, João Goulart foi deposto, acusado de estar colabo-

rando com o comunismo internacional, e no dia 09 de abril de 1964 foi edita-

do o Ato Institucional no 1, que restringia a democracia no Brasil permitindo

12 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1937). Rio de Janeiro, 1937. (Texto original com português utilizado na época).13 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.14 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1946). Rio de Janeiro, 1946. (Texto original com português utilizado na época).

Page 122: Livro proprietário – direito constitucional i

capítulo 4 • 121

a suspensão dos direitos políticos dos indivíduos por um prazo de 10 anos, a

decretação do estado de sítio e a cassação de mandatos legislativos, dentre ou-

tras mudanças.

Art. 1º - São mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e respec-

tivas Emendas, com as modificações constantes deste Ato.

Art. 2º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, cujos mandatos

terminarão em trinta e um (31) de janeiro de 1966, será realizada pela maioria abso-

luta dos membros do Congresso Nacional, dentro de dois (2) dias, a contar deste Ato,

em sessão pública e votação nominal.

§ 1º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, outra realizar-se-á no mesmo

dia, sendo considerado eleito quem obtiver maioria simples de votos; no caso de em-

pate, prosseguir-se-á na votação até que um dos candidatos obtenha essa maioria.

§ 2º - Para a eleição regulada neste artigo, não haverá inelegibilidades. BRASIL.

Constituição da República federativa do Brasil de 1967. Brasília, 1967.

A Constituição de 1967, outorgada, viabilizava a imposição do poder ditato-

rial militar estabelecendo novamente a diminuição dos direitos fundamentais

e a redução das atribuições do Executivo e Judiciário para o fortalecimento do

Executivo. Os poderes da União também foram aumentados, diminuindo a au-

tonomia dos estados-membros15.

Durante o golpe militar o Estado passou a ser governado por atos institucio-

nais, sendo que o Congresso Nacional foi fechado em 1966, reabrindo somente

para aprovar a Constituição de 1967.

O texto da Constituição de 1967 mantinha o governo republicano e a tripar-

tição dos poderes formalmente, apesar de concentrar quase todo o poder nas

mãos do Chefe do Executivo federal.

O Presidente da República não seria eleito mais pelo voto direito, mas

pelo sufrágio de um colégio eleitoral, composto por membros do Congresso

Nacional e delegados das Assembleias Legislativas dos estados, mediante vota-

ção pública e nominal.

15 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.1058.

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122 • capítulo 4

Art 76 - O Presidente será eleito pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral, em sessão,

pública e mediante votação nominal.

§ 1.º - O Colégio Eleitoral será composto dos membros do Congresso Nacional e de

Delegados indicados pelas Assembléias Legislativas dos Estados.

§ 2º - Cada Assembléia indicará três Delegados e mais um por quinhentos mil

eleitores inscritos, no Estado, não podendo nenhuma representação ter menos de

quatro Delegados.

§ 3º - A composição e o funcionamento do Colégio Eleitoral serão regulados em lei

complementar. BRASIL. Ato Institucional no 1(1964). Brasília, 1964.

O Ato Institucional no 5 de forma concomitante com Constituição de 1967

estabeleceu poderes extraordinários ao Presidente da República e suspendeu

uma série de direitos e garantias constitucionais.

Art. 1º - São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições

estaduais, com as modificações constantes deste Ato Institucional.

Art. 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacio-

nal, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Comple-

mentar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando

convocados pelo Presidente da República. BRASIL. Ato Institucional no 5(1968).

Brasília, 1968.

A garantia do habeas corpus ficou suspensa para os praticantes de crimes

políticos. “Art. 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de

crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a

economia popular”16.

Além disso, a justiça militar ganhou destaque, ampliando os seus poderes,

tendo a competência para julgar civis que pudessem atentar contra o regime

ditatorial. “Art. 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos

praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares,

bem como os respectivos efeitos”17.

16 BRASIL. Ato Institucional no 5(1968). Brasília, 1968.17 BRASIL. Ato Institucional no 5(1968). Brasília, 1968.

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capítulo 4 • 123

Em 1969, foi imposta a Emenda Constitucional no 1 de 1969, determinando-

se, no Brasil, o governo das Juntas Militares. A emenda manteve em vigor todos

os atos institucionais, em especial o 5. O mandato do Presidente da República

foi aumentado para 5 anos, com eleição mantida na forma indireta.

Vários movimentos de redemocratização surgiram no final da década de se-

tenta, inclusive o conhecido ‘movimento das diretas já’, o que fez o povo brasi-

leiro movimentar-se em prol da promulgação de uma constituição democrática.

4.7 Constituição de 1988

A constituição de 1988 foi promulgada em 5 de outubro de 1988 por 559 cons-

tituintes entre deputados e senadores, tendo recebido o nome de ‘constitui-

ção cidadã’ pela sua característica democrática e pelo aumento dos direitos

fundamentais18.

A constituição de 1988 é uma constituição prolixa, pois possui 250 artigos

na parte permanente de seu texto, além do preâmbulo e dos Atos das Disposição

Constitucionais Transitórias (ADCT) com mais 100 artigos.

Ela é dotada de formalidade, pois apresenta-se na forma escrita e é hierar-

quicamente superior aos demais dispositivos legais do Estado brasileiro, sendo

rígida, pois só pode ser modificada por meio de um processo legislativo mais

dificultoso que o ordinário. Pode-se dizer que também é dogmática, pois foi

elaborada em um único só momento para gerir o Estado brasileiro.

O estudo dos dispositivos da Constituição de 1988 será realizado durante

todo o curso de Direito constitucional, de forma minuciosa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBRASIL. Ato Institucional no 1(1964). Brasília, 1964.

BRASIL. Ato Institucional no 5(1968). Brasília, 1968.

BRASIL. Constituição da República federativa do Brasil de 1967. Brasília, 1967.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília: Senado, 1988.

ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil

(1934). Rio de Janeiro, 1934.

18 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p.140.

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124 • capítulo 4

ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil

(1937). Rio de Janeiro, 1937.

ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil

(1946). Rio de Janeiro, 1946.

IMPÉRIO DO BRASIL. Constituição Política do Império do Brasil (1824). Rio de Janeiro, 1824.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

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