livro produtividade no brasil

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PRODUTIVIDADE NO BRASIL Volume 1 – Desempenho DESEMPENHO E DETERMINANTES Organizadores Fernanda De Negri e Luiz Ricardo Cavalcante Autores Alexandre Messa, Carlos Mussi, Claudio Amitrano, Fernanda De Negri, Gabriel Squeff, João Maria de Oliveira, Lucas Mation, Luiz Dias Bahia, Luiz Ricardo Cavalcante, Mauro Oddo Nogueira, Regis Bonelli, Ricardo Infante, Roberto Ellery Jr, Rogerio Freitas, Thiago Miguez e Thiago Moraes

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Livro Produtividade No Brasil

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  • PRODUTIVIDADE NO BRASILVolume 1 Desempenho

    DESEMPENHO E DETERMINANTES

    OrganizadoresFernanda De Negri e Luiz Ricardo Cavalcante

    AutoresAlexandre Messa, Carlos Mussi, Claudio Amitrano, Fernanda De Negri, Gabriel Squeff, Joo Maria de Oliveira, Lucas Mation, Luiz Dias Bahia, Luiz Ricardo Cavalcante, Mauro Oddo Nogueira, Regis Bonelli, Ricardo Infante, Roberto Ellery Jr, Rogerio Freitas, Thiago Miguez e Thiago Moraes

  • PRODUTIVIDADE NO BRASILVolume 1 Desempenho

    DESEMPENHO E DETERMINANTES

  • Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Marcelo Crtes Neri

    Fundao pblica vinculada Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasileiro e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

    PresidenteSergei Suarez Dillon Soares

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalLuiz Cezar Loureiro de Azeredo

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da DemocraciaDaniel Ricardo de Castro Cerqueira

    Diretor de Estudos e PolticasMacroeconmicasCludio Hamilton Matos dos Santos

    Diretor de Estudos e Polticas Regionais,Urbanas e AmbientaisRogrio Boueri Miranda

    Diretora de Estudos e Polticas Setoriaisde Inovao, Regulao e InfraestruturaFernanda De Negri

    Diretor de Estudos e Polticas SociaisHerton Ellery Arajo

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas InternacionaisRenato Coelho Baumann das Neves

    Chefe de GabineteBernardo Abreu de Medeiros

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoJoo Cludio Garcia Rodrigues Lima

    Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoriaURL: http://www.ipea.gov.br

    Presidente

    Mauro Borges Lemos

    Diretora

    Maria Luisa Campos Machado Leal

    Diretor

    Otvio Silva Camargo

    Chefe de Gabinete

    Cndida Beatriz de Paula Oliveira

    Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior Ministro Interino Mauro Borges Lemos

  • Braslia, 2014

    PRODUTIVIDADE NO BRASILVolume 1 Desempenho

    DESEMPENHO E DETERMINANTES

    OrganizadoresFernanda De Negri Luiz Ricardo Cavalcante

  • Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) 2014 Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) 2014

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e inteira responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial, do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    Produtividade no Brasil : desempenho e determinantes / organizadores: Fernanda De Negri, Luiz Ricardo Cavalcante. Braslia : ABDI : IPEA, 2014. 445 p. : il., grfs. color.

    Inclui Bibliografia. Contedo: Volume 1. Desempenho ISBN: 978-85-7811-228-8

    1. Produtividade. 2. Produtividade do Trabalho. 3. Produtividade Agrcola. 4. Crescimento Econmico. 5. Brasil. I.De Negri, Fernanda. II. Cavalcante, Luiz Ricardo. III. Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial. IV. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada. CDD 338.981

    ABDI

    Equipe Tcnica

    Roberto dos Reis Alvarez Gerente Rogrio Dias de Arajo Coordenador Ricardo L.C. Amorim Especialista Victoria Echeverra Especialista Talita Daher Especialista

    Gerncia

    Roberto dos Reis Alvarez Gerente de Anlises e Projetos Estratgicos

    Coordenao

    Rogrio Dias de Arajo Coordenador de Anlise Econmica

    Gerncia de Comunicao

    Oswaldo Buarim Jnior

    IPEA

    Anlise EstatsticaGlaucia E. de Sousa FerreiraLeandro Justino Pereira Veloso

  • SUMRIO

    APRESENTAO .................................................................................7

    INTRODUO .....................................................................................9

    CAPTULO 1OS DILEMAS E OS DESAFIOS DA PRODUTIVIDADE NO BRASIL ....................15Fernanda De Negri e Luiz Ricardo Cavalcante

    CAPTULO 2DESAFIOS PARA O CLCULO DA PRODUTIVIDADE TOTAL DOS FATORES ........53Roberto Ellery Jr

    CAPTULO 3METODOLOGIAS DE CLCULO DA PRODUTIVIDADE TOTAL DOS FATORES E DA PRODUTIVIDADE DA MO DE OBRA ..................................................87Alexandre Messa

    CAPTULO 4PRODUTIVIDADE E ARMADILHA DO LENTO CRESCIMENTO ......................111Regis Bonelli

    CAPTULO 5EVOLUO RECENTE DOS INDICADORES DE PRODUTIVIDADE NO BRASIL ....143Luiz Ricardo Cavalcante e Fernanda De Negri

    CAPTULO 6COMPARAES INTERNACIONAIS DE PRODUTIVIDADE E IMPACTOS DO AMBIENTE DE NEGCIOS ...................................................................173Lucas Ferreira Mation

    CAPTULO 7PRODUTIVIDADE DO TRABALHO E MUDANA ESTRUTURAL: UMA COMPARAO INTERNACIONAL COM BASE NO WORLD INPUT-OUTPUT DATABASE (WIOD) 1995-2009 .........................................201Thiago Miguez e Thiago Moraes

  • CAPTULO 8PRODUTIVIDADE DO TRABALHO E MUDANA ESTRUTURAL NO BRASIL NOS ANOS 2000 ......................................................................................249Gabriel Coelho Squeff e Fernanda De Negri

    CAPTULO 9INFORMALIDADE, CRESCIMENTO E PRODUTIVIDADE DO TRABALHO NO BRASIL: DESEMPENHO NOS ANOS 2000 E CENRIOS CONTRAFACTUAIS ......281Gabriel Coelho Squeff e Claudio Roberto Amitrano

    CAPTULO 10O DESAFIO DA PRODUTIVIDADE NA VISO DAS EMPRESAS .....................315Joo Maria de Oliveira e Fernanda De Negri

    CAPTULO 11PRODUTIVIDADE DO TRABALHO E HETEROGENEIDADE ESTRUTURAL NO BRASIL CONTEMPORNEO ................................................................337Mauro Oddo Nogueira, Ricardo Infante e Carlos Mussi

    CAPTULO 12PRODUTIVIDADE AGRCOLA NO BRASIL ...................................................373Rogrio Edivaldo Freitas

    CAPTULO 13EVOLUO DA PRODUTIVIDADE DO TRABALHO DAS CADEIAS PRODUTIVAS DEVIDO A MUDANAS TECNOLGICAS DA INDSTRIA BRASILEIRA (1990-2009) .........................................................................411Luiz Dias Bahia

  • APRESENTAO

    No final de 2012, a Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) comearam a discutir a necessi-dade de elaborar estudos mais aprofundados sobre a produtividade brasileira, sua evoluo e seus fatores determinantes.

    Nesse momento, vrios economistas j apontavam que os indicadores de produtividade tinham reduzido sua velocidade de crescimento e que a retomada do crescimento econmico iria depender, cada vez mais, da evoluo dessa va-rivel. No governo brasileiro, por outro lado, ganhou fora o entendimento de que a manuteno e o aprofundamento das conquistas sociais obtidas na dcada anterior, alm de serem cruciais, dependeriam de maiores ganhos de eficincia e produtividade. O aumento da produtividade do trabalho no seria, por suposto, um fim em si mesmo, mas o mecanismo primordial para garantir maior renda e mais qualidade de vida para a populao.

    A percepo da importncia do tema foi se cristalizando ao longo do tempo, assim como a de que no bastava apenas analisar o comportamento dessa varivel. Mais do que elaborar um diagnstico a respeito da evoluo da produtividade brasileira, seria necessrio avanar na identificao das causas mais profundas e estruturais desse baixo crescimento. O desempenho insuficiente da produtividade no pas preocupa os economistas h mais de 30 anos. Esperava-se que a densa industrializao brasileira enraizaria as bases materiais do crculo de realimen-tao crescimento-produtividade na economia que, porm, no ocorreu. Da a origem desse enigma.

    Sabemos que apenas a partir da identificao mais precisa das causas que afetam a evoluo dessa varivel no curto e no longo prazo que ser possvel formular polticas pblicas voltadas ao aumento da produtividade.

    Para a realizao desse trabalho foram convidados dezenas de pesquisadores estudiosos do tema, pertencentes ao Ipea e s mais renomadas Universidades e Instituies de Pesquisa do pas. A riqueza presente na diversidade de vises e de abordagens desses pesquisadores foi captada tanto nos artigos deste livro quanto nos debates realizados ao longo do ltimo ano. Essa diversidade con-tribui de forma significativa para uma melhor compreenso do fenmeno da produtividade no Brasil e para o entendimento de seus fatores determinantes. Este primeiro volume traz os resultados iniciais desse trabalho, que continuar

  • 8 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    contribuindo com o governo para formular polticas que favoream o aumento da produtividade no Brasil.

    Mauro Borges Lemos

    Ministro de Estado do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exte-rior e Presidente da Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial

    Sergei Suarez Dillon Soares

    Presidente do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

  • INTRODUO

    Restritos at pouco tempo atrs a um circulo relativamente reduzido, os debates sobre a produtividade da economia brasileira tm se disseminado rapidamente no ambiente acadmico e entre os formuladores de polticas. O foco no combate inflao, entre as dcadas de 1970 e 1990, e na reduo da desigualdade, na dcada de 2000, de certa forma obscureceu o debate sobre o tema. Mesmo em perodos de crescimento do produto interno bruto (PIB) proporcionalmente mais acelerado, a produtividade no parece ter ocupado um papel central nas discusses sobre a economia brasileira. Amparadas, na dcada de 2000, na expanso da demanda tanto externa, por commodities, quanto domstica, em decorrncia do aumento da renda e da incorporao de mais pessoas ao mercado de trabalho e de consumo , as taxas de crescimento do PIB comearam a reduzir-se no perodo subsequente crise financeira de 2008. Nesse momento, os debates sobre a produtividade da economia brasileira parecem passar a ocupar um lugar de destaque nas discusses sobre a sustentabilidade das taxas de crescimento e do processo de reduo das desigualdades sociais.

    nesse contexto que o Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea) e a Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) iniciaram, em 2012, um amplo projeto de pesquisa sobre a produtividade da economia brasileira. O projeto previa discusses sobre a evoluo da produtividade no perodo recente e anlises sobre seus determinantes. Neste volume, que rene um total de treze captulos, discute-se a evoluo dos indicadores de produtividade da economia brasileira sob diversas ticas. Um segundo volume, cujo lanamento est previsto para 2015, reunir trabalhos que buscam verificar de que forma aspectos como inovao, qualificao da mo de obra, infraestrutura e outras variveis afetam os indicadores de produtividade no pas.

    O primeiro captulo, de Fernanda De Negri e Luiz Ricardo Cavalcante, discute os dilemas e os desafios da produtividade na economia brasileira. Amparados em dados disponveis em vrios trabalhos publicados neste volume, os autores concluem que o sinal geral dos indicadores de produtividade total dos fatores (PTF) ou de produtividade do trabalho aponta para um crescimento reduzido dessas variveis no Brasil desde o final da dcada de 1970.

    Em seguida, no captulo 2, Roberto Ellery Jr analisa os problemas associados mensurao da produtividade, focando, em particular, a PTF no Brasil ao longo das ltimas dcadas. O autor compara os conceitos de PTF e de produtividade do trabalho e mostra de que forma questes relacionadas ao nvel de agregao

  • 10 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    utilizado afetam os resultados obtidos. Ellery Jr avalia tambm o impacto dos termos de troca e da escolha dos deflatores na PTF. Trata-se de uma questo essencial se o que se pretende entender a evoluo desse indicador ao longo do tempo. O texto traz ainda diversos exerccios que mostram como a PTF influenciada, por exemplo, pelas medidas de trabalho e de capital escolhidas. Todas essas questes so ilustradas com exemplos relativos ao Brasil ao longo das ltimas dcadas. Com isso, o autor mostra como a produtividade tem crescido de forma limitada no pas desde a dcada de 1970.

    Os problemas de natureza metodolgica so tambm o objeto do captulo de Alexandre Messa, que busca discutir os diferentes mtodos de clculo e os problemas envolvidos no clculo da PTF e da produtividade do trabalho, tanto no nvel macroeconmico quanto no nvel da firma. Messa parte de uma defini-o aparentemente simples (a produtividade mede o grau de eficincia com que determinada economia utiliza seus recursos para produzir bens e servios) para evidenciar que, mesmo em uma abordagem puramente conceitual, h uma srie de escolhas de natureza metodolgica que afetam as medidas de produtividade.

    Regis Bonelli, no quarto captulo, discute aquilo que denomina de arma-dilha do baixo crescimento e argumenta que, no perodo entre 2003 e 2010 marcado pela retomada do crescimento econmico com a melhoria dos termos de troca internacionais , o pas recuperou ganhos relativamente elevados de produtividade. Porm, o autor argumenta que, nos ltimos anos, constatou-se que essa recuperao teve vida curta, e busca entender o que est ocorrendo com base na evoluo da PTF e da produtividade do trabalho e na relao entre essas duas medidas. nesse captulo que Bonelli usa uma decomposio da taxa de crescimento do PIB que explicita aquilo que ele denomina de o imperativo da produtividade. Na concluso do captulo, o autor indica que, com o passar do tempo, o crescimento do PIB ser cada vez mais dependente de aumentos na produtividade do trabalho.

    O captulo 5, de autoria de Luiz Ricardo Cavalcante e de Fernanda De Negri, analisa a evoluo recente dos indicadores de produtividade no Brasil por meio da sistematizao dos resultados obtidos em anlises precedentes e na coleta de dados complementares sobre o tema. Os autores mostram que, na dcada de 2000, o PIB per capita descola-se da produtividade do trabalho quando suas trajetrias so mostradas graficamente, e atribuem esse fenmeno ao comportamento das taxas de ocupao e de participao no perodo. Ao consolidarem os resultados de diversos trabalhos sobre o tema, Cavalcante e De Negri concluem que a produtividade do trabalho manteve, nas dcadas de 1990 e 2000, uma trajetria de crescimento estvel, porm reduzido (da ordem de 1% ao ano quando aferida com base no valor adicionado e no pessoal ocupado).

  • 11Introduo

    Lucas Ferreira Mation confronta, no sexto captulo, a evoluo dos indi-cadores de produtividade no Brasil e no resto do mundo para confirmar aquilo que chama de fatos estilizados sobre a economia brasileira. O autor mostra que, diferentemente dos pases que conseguiram ascender condio de desenvolvidos no sculo XX, o Brasil fundamentou seu crescimento econmico essencialmen-te na acumulao de fatores de produo e no em ganhos de produtividade. No mesmo trabalho, o autor antecipa uma discusso sobre um dos determinantes da produtividade (o ambiente de negcios) e discute em que medida as deficin-cias do Brasil nesse campo podem ser um entrave melhora da produtividade. A concluso que o ambiente de negcios do Brasil permaneceu praticamente estagnado entre 2003 e 2014, sem melhorias em quase nenhum indicador. Em um mundo em que a maioria dos pases apresentou melhorias significativas nos seus ambientes de negcios, a estagnao do Brasil piorou significativamente a posio relativa do pas.

    Comparaes internacionais so tambm o objeto do trabalho de Thiago Miguez e Thiago Moraes (captulo 7). Os autores comparam os nveis e a evoluo da produtividade do trabalho no Brasil com os dados relativos China, aos Esta-dos Unidos, Alemanha e ao Mxico. Utilizando dados do World Input-Output Database (WIOD), que compila informaes estatsticas harmonizadas de 40 pases de vrias regies do planeta, Miguez e Moraes analisam a relevncia da estrutura produtiva dos pases na explicao dos diferenciais de produtividade observados. As concluses desse captulo sugerem que a defasagem de produtividade do tra-balho da economia brasileira em relao aos pases mencionados, embora guarde uma considervel relao com a estrutura produtiva, mais fortemente afetada pelos diferenciais de produtividade intrassetoriais. O estudo mostra tambm que o avano do setor de servios, em detrimento da indstria, nos pases mais desen-volvidos (notadamente Estados Unidos e Alemanha), calcado em atividades mais intensivas em tecnologia da informao, foi capaz de sustentar uma trajetria de expanso da produtividade, contribuindo para a ampliao de seu diferencial em relao economia brasileira.

    A discusso sobre a estrutura produtiva prossegue no captulo 8. Nesse caso, porm, Gabriel Coelho Squeff e Fernanda De Negri no usam comparaes internacionais, mas avaliam a evoluo do Brasil ao longo da dcada de 2000. Os autores buscam analisar em que medida houve mudanas substanciais na estru-tura produtiva brasileira no perodo e quais os eventuais efeitos sobre o desempenho dos indicadores agregados de produtividade do trabalho. A concluso a que chegam semelhante do captulo anterior, uma vez que Squeff e De Negri indicam que a produtividade da economia brasileira cresceu pouco no porque aumentou a participao de setores pouco produtivos na estrutura produtiva, mas sim porque a produtividade dentro dos setores econmicos cresceu pouco.

  • 12 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    Gabriel Coelho Squeff e Claudio Roberto Amitrano apresentam, no nono captulo, uma nova metodologia de construo do valor adicionado, das ocupaes e da produtividade do trabalho nos setores formal, informal e outras unidades fa-miliares, desagregados por atividade econmica, com base nos dados do Sistema de Contas Nacionais Anuais do IBGE. Os autores verificam uma enorme disparidade da produtividade do trabalho entre os setores e as atividades. Em particular, concluem que enquanto a produtividade do trabalho foi, em mdia, da ordem de R$ 13 mil em 2009, os setores formal e informal apresentaram nveis de cerca de R$ 20 mil e R$ 5 mil, respectivamente. Os autores analisam, ento, o que teria acontecido com o valor adicionado e, sobretudo, com a produtividade do trabalho se todas as ocupaes geradas durante os anos 2000 tivessem sido alocadas no setor formal e concluem que a realocao das ocupaes nesse setor teria, em geral, ampliado tanto o valor adicionado quanto a produtividade agregada.

    No dcimo captulo, Joo Maria de Oliveira e Fernanda De Negri analisam de que forma o problema da produtividade percebido pelas empresas brasileiras e quais seriam, na viso dos empresrios, os principais gargalos e obstculos ao crescimento da produtividade. Com base na tabulao dos dados obtidos a partir de uma enquete eletrnica, os autores concluem que cerca dois teros das empresas afirmam que obtiveram ganhos de produtividade nos ltimos cinco anos, e que a maior parte das empresas avalia ser to ou mais produtiva que seus concorrentes no mercado domstico. Todavia, apenas 6% delas apontam serem mais produtivas do que suas concorrentes internacionais. Em resumo, as empresas julgam-se bem posicionadas no mercado local, mas mal posicionadas no mercado externo. Alm disso, Oliveira e De Negri concluem tambm que, para as empresas, o principal obstculo ao crescimento de sua produtividade a baixa qualificao da mo de obra. Em seguida, os principais obstculos apontados so a baixa escala de produo, o mau desempenho dos fornecedores e a infraestrutura de transportes.

    Mauro Oddo Nogueira, Ricardo Infante e Carlos Mussi resumem, no captulo 11, as principais contribuies recentes do Ipea na temtica da heterogeneidade estrutural e da produtividade do trabalho. Os autores argumentam que a estrutura produtiva vem se mantendo praticamente to heterognea quanto, historicamente, sempre foi no pas, e que como os valores da produtividade do trabalho e da renda dos setores de menor produtividade quase se igualam, lcito supor que, tanto nos setores de menor produtividade, como nos estratos menos produtivos dentro de cada setor ou atividade, a capacidade de aprofundamento do processo de melhoria da distribuio de renda pode se ver limitada.

    O captulo 12 trata, especificamente, da produtividade agrcola no Brasil, cujos aspectos histricos so analisados por Rogrio Edivaldo Freitas. O autor discute ainda a produtividade interculturas e rene dados que permitem comparar

  • 13Introduo

    a produtividade agrcola do Brasil com a de outros pases (ou grupos econmi-cos), como os Estados Unidos, a Unio Europeia, o Mxico, a China, a ndia, a Indonsia e a frica do Sul. Freitas mostra que, ao longo das ltimas dcadas, os nmeros da produtividade agrcola no Brasil no foram uniformes entre as regies nem homogneos (quando comparveis) entre as culturas. Este fenmeno, entre-tanto, no impediu bons resultados agregados no cotejo com pases de desenvol-vimento similar ao Brasil, ou mesmo com mercados desenvolvidos, reconhecidos por destinar vultosos recursos financeiros para seus produtores agrcolas. O autor recomenda ainda instrumentos que, no seu entender, podem dinamizar ou gerar ganhos de produtividade na agricultura brasileira. No conjunto desses instrumen-tos, Freitas destaca educao e assistncia tcnica para o produtor, investimentos em infraestrutura, pesquisa agrcola, polticas agrcolas especficas e a mitigao de condicionantes sistmicos.

    Finalmente, Luiz Dias Bahia, no captulo 13, observa como se compe a produtividade do trabalho ao longo das relaes intersetoriais devido a alteraes temporais exclusivamente tecnolgicas na indstria brasileira. Basicamente, o autor procura observar se elos para trs ou para frente do setor vm influenciando (e como) a evoluo da produtividade da cadeia. Bahia conclui que a indstria brasileira apresentou desenvolvimento tecnolgico, de 1990 a 2009, suficiente para aumentar sua eficincia tcnica em praticamente todas suas atividades, salvo poucas excees. Entretanto, ao contrrio da agroindstria e da qumica, esse au-mento de eficincia tcnica no foi transferido para a produtividade do trabalho depois de 1999.

    Embora haja eventuais dissonncias entre os resultados alcanados nos captu-los que compem este volume, pode-se afirmar que, como regra geral, persiste um entendimento de que a produtividade passou a desempenhar, no perodo recente, um papel mais destacado no debate sobre polticas de desenvolvimento no Brasil. Alm disso, a maior parte das anlises indica que a produtividade da economia brasileira tem crescido lentamente desde a dcada de 1970. Essa percepo, claro, aponta para a necessidade de se analisarem os determinantes da produtividade para amparar a proposio de polticas pblicas capazes de faz-la crescer de forma sustentvel, assegurando, assim, um ciclo de crescimento econmico e de reduo das desigualdades sociais.

    Os organizadores

  • CAPTULO 1

    OS DILEMAS E OS DESAFIOS DA PRODUTIVIDADE NO BRASILFernanda De Negri*

    Luiz Ricardo Cavalcante**

    1 INTRODUO

    A desacelerao do crescimento econmico brasileiro no ps-crise fez emergir com fora um debate que estava congelado ou, pelo menos, relativamente apagado das discusses sobre a economia brasileira: a produtividade. Tanto o desempenho da produtividade, quanto a influncia do comportamento desta varivel sobre a desacelerao recente do crescimento econmico do pas so temas cada vez mais presentes.

    Nos anos 2000, o pas passou por um ciclo de crescimento com distribuio de renda que foi fortemente baseado na expanso da demanda, tanto externa, por commodities, quando domstica, derivada do aumento da renda e da incorpora-o de mais pessoas ao mercado de trabalho e de consumo. Depois da crise de 2008, entretanto, esse processo parece ter perdido a capacidade de, isoladamente, impulsionar o crescimento da economia. Mesmo as variveis demogrficas e do mercado de trabalho que, durante os ltimos anos, contriburam para alavancar o crescimento econmico chegaram aparentemente ao seu limite, ou prximo dele. Alm disso, o investimento tambm no chegou a crescer acima do que tem sido seu patamar histrico nas ltimas dcadas, patamar este que e isso praticamente um consenso entre os economistas insuficiente para sustentar o crescimento da economia no longo prazo.

    nesse cenrio que a produtividade volta a ganhar relevo no debate econ-mico brasileiro. No porque seu desempenho no perodo recente seja diferente do observado nas ltimas dcadas, mas porque o crescimento da produtividade se impe, novamente, como uma condio para o crescimento da economia. De fato, no h nada de novo em relao a essa varivel: o seu desempenho nos ltimos anos no particularmente pior, ou melhor, do que tem sido h dcadas. Essa, a propsito, uma das constataes reveladas neste artigo.

    * Diretora da Diretoria de Estudos e Polticas Setoriais de Inovao, Regulao e Infraestrutura DISET / Ipea.** Consultor Legislativo do Senado Federal.

  • 16 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    O artigo est dividido em trs sees, alm desta introduo. A prxima seo faz uma anlise do recente ciclo de crescimento econmico brasileiro e de seus principais motores, a fim de argumentar que esse arranjo parece no ser mais capaz de promover o crescimento econmico no futuro. Nessa seo, argumenta-se que o crescimento da produtividade ter, sim, um papel fundamental no cresci-mento futuro do pas, por inmeras razes. A terceira seo, por sua vez, analisa o comportamento dessa varivel no Brasil nas ltimas dcadas e em relao a outros pases, apoiando-se em vrios dos resultados apresentados nos demais captulos desse livro e na literatura recente sobre o tema. Por fim, a quarta seo conclui apontando hipteses que possam contribuir para explicar o baixo crescimento da produtividade brasileira nas ltimas dcadas.

    2 CONTEXTO: O CRESCIMENTO BRASILEIRO NOS ANOS 2000

    Nos primeiros anos da dcada de 2000, a economia brasileira passou por um pro-cesso de retomada do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) com reduo da pobreza e da desigualdade. Trata-se de uma combinao praticamente indita na histria econmica do pas, tradicionalmente marcada pela dicotomia entre crescimento versus distribuio da riqueza nacional.

    O PIB cresceu, nos anos 2000, a uma velocidade bastante superior a que havia crescido na dcada anterior. Entre 1990 e 1999, o PIB cresceu 2,3% ao ano, aproximadamente, ao passo que, entre 2000 e 2009, o crescimento anual foi da ordem de 3,2%. O ciclo de expanso mais significativo, entretanto, se concentrou no perodo entre 2003-2008, quando o PIB cresceu a uma taxa de 4,8% ao ano, retornando para o patamar de crescimento de 3,4% ao ano, entre 2009-2013.

    Uma srie de indicadores sociais tambm tiveram melhoras significativas no perodo. O ndice de Gini, por exemplo, caiu de cerca de 0,59 no incio da dcada para 0,53 em 2012. Trata-se de uma reduo superior a 10% em apenas dez anos, de um indicador que, nos vinte anos anteriores, havia cado apenas 4%. O percentual de domiclios extremamente pobres, quando comeou a ser calculado, em 1976, era de 13% e, em quase 25 anos, caiu apenas trs pontos percentuais, chegando a 10% no incio dos anos 2000. Nos doze anos seguintes, esse indicador caiu para menos de 5%.1

    A continuidade desse processo de reduo da pobreza e da desigualdade re-quer que o crescimento econmico se mantenha em taxas superiores s que o pas vem apresentando nos ltimos anos, desde a sada da crise em 2010. Dessa forma, crucial um diagnstico preciso sobre os fatores que impulsionaram o ciclo de crescimento recente e suas limitaes de longo prazo, assim como, sobre os fatores que podero impulsionar um novo ciclo de crescimento sustentado.

    1. Dados disponveis no Ipeadata (http://www.ipeadata.gov.br).

  • 17Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    2.1 O crescimento da demanda

    Diversos fatores concorreram para o bom desempenho da economia brasileira nos anos 2000. Em primeiro lugar, foi fundamental um cenrio internacional favorvel ao crescimento, cenrio este especialmente favorvel para os pases em desenvol-vimento exportadores de commodities. O crescimento da demanda e a elevao dos preos internacionais das commodities, em grande medida impulsionados pelo crescimento da China, ajudaram a tornar mais ricos e mais dinmicos os pases primrio-exportadores. De fato, entre 2000 e 2008 os preos de commodities cres-ceram a uma taxa de 13,4% ao ano, sendo que no perodo de elevao mais intensa (entre 2004 e 2008) esse crescimento foi de 21% ao ano. Em decorrncia desse cenrio favorvel, as restries externas que, no passado, limitaram a expanso da economia brasileira, foram removidas ou, pelo menos, atenuadas. Conforme se pode observar no grfico 1, aps a crise de 2008, no entanto, h uma estabilizao desses preos, que passam a crescer menos de 1% ao ano, o que aponta para o fim de um ciclo de expanso que teve consequncias importantes sobre a economia brasileira.

    GRFICO 1 ndice de preos internacionais de commodities: 2000-2013

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

    Todas Alimentos e bebidas Matrias-primas agrcolas Metais Energia

    Fonte: Fundo Monetrio Internacional (http://www.imf.org/external/np/res/commod/index.aspx).

    A elevada rentabilidade das exportaes de commodities teve, no entanto, efeitos importantes sobre a composio da pauta de exportaes brasileira, que ficou muito mais dependente de produtos primrios, e, muito provavelmente, sobre a composio do prprio investimento privado no Brasil, que se concentrou em segmentos tradicionais (De Negri; Alvarenga, 2011). Efetivamente, Squeff e

  • 18 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    De Negri (captulo 8) mostram que a participao das commodities na nossa pauta de exportaes cresceu de menos 37% para mais de 53%, entre 2000 e 2011. Se somarmos a isso as exportaes de petrleo,2 que eram 5% da pauta e passaram a representar cerca de 14%, mais de 65% da pauta de exportaes brasileira, em 2011, era composta de produtos primrios.

    claro que o aumento da demanda externa por commodities contribuiu enormemente para a ampliao das exportaes brasileiras, que passaram a repre-sentar 1,45% das exportaes mundiais em 2011 (embora tenham retrocedido um pouco em 2012), ante menos de 1% em 2000. Boa parte desse aparente ganho de competitividade, no entanto, se deveu ao aumento da nossa participao nas exportaes mundiais de commodities, que passou de menos de 3% para quase 6% no mesmo perodo.

    Essa mudana na composio da pauta de exportaes brasileira foi mais in-tensa depois da crise internacional de 2008 e pode contribuir para explicar a queda da participao da indstria de transformao no PIB, que pde ser verificada prin-cipalmente aps 2009. Dado o reduzido grau de abertura da economia brasileira,3 a relao entre a pauta de exportaes e a estrutura produtiva preponderantemente indireta. O primeiro canal de transmisso a prpria valorizao cambial, que reduz a competitividade dos produtos industrializados tanto no mercado externo quanto no mercado domstico, mesmo considerando as elevadas tarifas de importao da economia brasileira. A segunda via pela influncia que a maior rentabilidade das commodities tem sobre as decises de investimento dos agentes privados. O fato que, logo aps o incio do ciclo de alta de commodities, entre 2009 e 2013 a indstria de transformao perde mais de trs pontos percentuais de participao em apenas quatro anos, dando lugar para o crescimento do setor de servios e da indstria extrativa (Squeff e De Negri, captulo 8).

    Alm do impulso dado pelo crescimento da demanda externa por produtos primrios, o crescimento da demanda domstica tambm um fator relevante na explicao do ciclo de crescimento dos anos 2000. O impulso demanda doms-tica foi dado por vrios fatores, entre os quais, talvez, os mais relevantes sejam: i) a evoluo favorvel dos termos de troca, que aumentou nosso poder aquisitivo em relao ao resto do mundo; ii) a expanso dos programas sociais e a poltica de valorizao do salrio mnimo; iii) o aumento do crdito na economia; e iv) os incentivos ao consumo proporcionados por vrias medidas aps a crise de 2008.

    2. Mais precisamente , as exportaes de produtos no classificados na metodologia de agregao utilizada, onde petrleo representa a absoluta maioria. 3. A relao entre os fluxos de comrcio (exportaes + importaes) e o PIB, no Brasil, de pouco mais de 20%, segundo dados disponveis no site do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior.

  • 19Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    Os termos de troca correspondem ao quociente entre os preos das exportaes e das importaes ponderados pela participao de cada item na composio da balana comercial. O aumento acelerado dos preos internacionais de commodities (que representam mais da metade da pauta de exportaes do pas) indiscutivel-mente contribuiu para a evoluo favorvel dos termos de troca ao longo do ciclo de crescimento dos anos 2000.

    A evoluo favorvel dos termos de troca se manifesta, no mercado interno, no descolamento entre os ndices de preos no atacado e ao consumidor que se observou ao longo do perodo (conforme evidenciado no captulo 5 por Caval-cante e De Negri). O ndice de preos no atacado reflete o crescimento dos preos de insumos e matrias primas e muito correlacionado com os ndices de preos internacionais de commodities.4 Nonnenberg (2005) j havia identificado essa relao, logo no incio do ciclo de alta de commodities, afirmando que apesar de o aumento dos preos das commodities no ter sido a nica causa para a elevao do IPA, ela contribuiu para sua recente acelerao.

    Com efeito, enquanto a variao acumulada do IPA-EP superou 300% entre 1996 e 2011, o IPCA alcanou, no mesmo perodo, cerca de metade desse per-centual. O deflator implcito do PIB, dado que reflete uma ponderao entre esses dois indicadores, acumulou uma variao intermediria pouco superior a 200% (captulo 5). A discrepncia na evoluo dos preos no atacado e ao consumidor ocasionou, portanto, um aumento importante no poder de compra da populao nesse perodo, em termos reais. Em outras palavras, ficamos mais ricos em relao ao resto do mundo, entre outras coisas, porque os preos da cesta de produtos que o pas produz (melhor captados pelo deflator implcito do PIB) cresceu mais do que os da cesta de consumo dos brasileiros (melhor captados pelos ndices ao consumidor). Esse fato explica porque, ao longo desse perodo, a populao teve uma sensao de aumento de renda superior trajetria do produto, ou seja, porque a renda do trabalho obtida na PNAD teve um crescimento real maior do que o PIB, nos ltimos anos.5

    O segundo fator relevante, o foco nas polticas sociais, teve, alm do mrito intrnseco de tocar num problema histrico do pas, o efeito de ampliar o mercado de consumo domstico e dar um novo dinamismo economia brasileira.

    4. claro que o IPA tambm muito correlacionado com o cmbio, que se valorizou nesse perodo e, portanto, teria um impacto negativo sobre a evoluo do IPA. Entretanto, no perodo recente, o efeito dos preos de commodities sobre o IPA foi positivo e parece ter sobrepujado o efeito do cmbio (negativo).5. fcil verificar que, em termos nominais, a renda do trabalho da PNAD e o PIB tiveram uma evoluo muito parecida, de onde se conclui que a diferena observada por vrios analistas na evoluo real desses indicadores se deve a dife-renas nos deflatores utilizados: IPCA para a renda do trabalho e deflator implcito para o PIB. Neri (2014) apresenta esta explicao dos deflatores para a discrepncia entre PIB e PNAD, discutida pelo autor desde meados da dcada passada (Neri 2007).

  • 20 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    A expanso dos programas de transferncia de renda e a poltica de valoriza-o do salrio mnimo, provavelmente, contriburam de forma significativa para a reduo da pobreza e da desigualdade verificadas no perodo. Embora seja mais difcil quantificar os efeitos da poltica de valorizao do salrio mnimo sobre a reduo da desigualdade, alguns estudos quantificam o papel da renda do trabalho e das polticas de transferncia de renda nesse processo. Soares, Ribas e Soares (2009) mostraram que as transferncias sociais focalizadas contriburam com cerca de um tero na queda da desigualdade verificada entre 2004 e 2006, e que o programa Bolsa-Famlia, sozinho, contribuiu com 20% dessa reduo.

    O aumento da renda do trabalho, por sua vez, tambm contribui com cerca de 30% na reduo da desigualdade. O quanto do aumento da renda do trabalho se deveu poltica de valorizao do salrio mnimo ainda uma questo no total-mente equacionada, mas certo que existem efeitos associados. O salrio mnimo passou de R$ 151,00, em abril de 2000, para R$ 678 em 2013, um crescimento de cerca de 350%, muito superior aos 127% de aumento do IPCA, ou mesmo aos quase 200% de crescimento do IPA no perodo. muito provvel que esse ganho real observado no salrio mnimo tenha se propagado para o restante do mercado de trabalho, especialmente no extrato inferior de salrios, contribuindo, assim, para a ampliao do mercado de consumo domstico.

    Outro fator importante para o crescimento em particular para o crescimento do consumo foi a ampliao do crdito, que passou de menos de 30% do PIB, no incio, para mais de 50%, no final da dcada de 2000.6 Obviamente, a estabilidade econmica conquistada na dcada anterior foi uma condio necessria para que essa expanso pudesse ocorrer, assim como o crescimento real da renda nos anos 2000 tanto derivados dos ganhos salariais acima da inflao, quanto da prpria evoluo dos termos de troca. Alm disso, concorreram para o aumento do crdito na economia algumas reformas microeconmicas realizadas durante o perodo 2003-2006, particularmente a aprovao da lei de falncias. Nesse sentido, existem evidncias robustas de que a resoluo mais simples de problemas de insolvncia, em virtude da promulgao da lei de falncias, tenha contribudo para a ampliao do volume de crdito na economia (Araujo e Funchal, 2009).

    2.2 A resilincia do investimento

    Apesar desses bons resultados, no se observou uma expanso significativa da taxa de investimento, que passou de um nvel prximo a 17% do PIB, no incio da dcada de 2000, para 18%, em 2012, tendo chegado a 19% em alguns anos desse perodo. razovel supor que uma parcela significativa do crescimento da demanda

    6. Saldo das operaes de crdito em relao ao PIB exclusive crdito para intermedirios financeiros % (Disponvel em https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries).

  • 21Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    foi atendida, em um primeiro momento, pelo aumento do nvel de utilizao da capacidade instalada. Ainda que os dados relativos ao nvel de utilizao da capaci-dade instalada (NUCI) sejam restritos ao setor industrial, ilustrativo observar sua evoluo justaposta trajetria do investimento. Aps uma pequena reduo nos dois primeiros anos da dcada de 2000, esse indicador cresceu consistentemente (de 78% para 86%) at 2008 (grfico 2).

    GRFICO 2Taxa de investimento (% do PIB em preos correntes) e nvel de utilizao da capacidade instalada (%) na economia brasileira: 1 trimestre de 2000 ao 4 trimestre de 2013

    70

    72

    74

    76

    78

    80

    82

    84

    86

    88

    10,0

    12,0

    14,0

    16,0

    18,0

    20,0

    22,0

    2000 T1

    2000 T3

    2001 T1

    2001 T3

    2002 T1

    2002 T3

    2003 T1

    2003 T3

    2004 T1

    2004 T3

    2005 T1

    2005 T3

    2006 T1

    2006 T3

    2007 T1

    2007 T3

    2008 T1

    2008 T3

    2009 T1

    2009 T3

    2010 T1

    2010 T3

    2011 T1

    2011 T3

    2012 T1

    2012 T3

    2013 T1

    2013 T3

    NUCI Taxa de investimento (preos correntes)

    Fonte: Elaborao prpria, a partir de dados do IBGE (disponveis em www.ipeadata.gov.br) e da FGV (extrados de http://www.bcb.gov.br/?serietemp). Obs.: No eixo da direita est o NUCI e no eixo da esquerda a taxa de investimento.

    Mesmo a adoo de uma srie de medidas de estmulo ao crdito e ao inves-timento no mbito da Poltica de Desenvolvimento Produtivo (PDP) lanada ainda antes da crise, em 2008 no teve efeitos importantes sobre a taxa de investimento, embora o objetivo primordial da PDP fosse ampliar essa taxa para 21% do PIB em 2010.

    Evidentemente, h que se considerarem os efeitos da crise de 2008 sobre o com-portamento do investimento no pas. Com efeito, tanto o crescimento da utilizao da capacidade instalada, quanto a mudana de inclinao da curva de taxa de inves-timento, a partir do final de 2006, sugerem um incio de acelerao do investimento no pas. Difcil saber, no entanto, se na ausncia de crise a taxa de investimento teria, de fato, comeado a reagir de forma mais vigorosa e compatvel com o aumento do consumo observado nos anos anteriores. O fato que, embora no tenha gerado

  • 22 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    efeitos perversos sobre os indicadores sociais, nem sobre a renda da populao, a crise reverteu expectativas, restringiu o crdito em nvel mundial e estancou uma trajetria ascendente do investimento que comeava a se esboar a partir de 2006.

    Apesar disso, diferentemente de outros pases, o desemprego continuou caindo, assim como os nveis de pobreza e desigualdade. Em alguma medida, isso pode ser creditado s polticas anticclicas adotadas aps a crise financeira de 2008,7 a fim de minimizar os efeitos da crise no pas. Aps a crise, as polticas pblicas, especialmente as polticas industriais, voltaram-se primordialmente para a sustentao da demanda domstica, a fim de evitar que a restrio de crdito e o baixo crescimento da demanda externa afetassem o desempenho da economia.

    As desoneraes, que na PDP visavam principalmente o investimento, pas-saram a focar a ampliao ou manuteno dos nveis de consumo na economia. As principais medidas tomadas aps a crise foram, num primeiro momento, voltadas a eliminar o risco de uma reduo brusca do crdito na economia, principal canal de transmisso da crise internacional para o mercado domstico. Assim, foram lanadas novas linhas de crdito ao consumo e construo civil, por parte dos bancos pblicos, reduziu-se o Imposto sobre Operaes Financeiras (IOF) sobre financiamentos de alguns bens durveis, foram alteradas as regras do compulsrio, entre outras medidas voltadas a destravar o crdito na economia. Logo depois, foram implementadas vrias medidas para a sustentao do consumo, tais como mudanas na alquota do Imposto de Renda (IR), desonerao do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para vrios setores (automotivo e linha branca, por exemplo), desonerao da folha de pagamentos, alm de outros cortes de tributos.

    Em meados de 2009 foi lanado o Programa de Sustentao do Investimento (PSI), que previa R$ 44 bilhes em emprstimos subvencionados por parte do BNDES e cujo objetivo era, agora sim, impedir que a crise internacional afetasse fortemente o nvel de investimento na economia. Aps sucessivas reedies o programa alcanou, em 2013, a cifra de R$ 375 bilhes em crdito com juros subsidiados. Parte significativa desse volume foi viabilizada por meio de emprs-timos do Tesouro ao BNDES. Aps o PSI, outras medidas de poltica industrial foram lanadas no mbito do Plano Brasil Maior, entre elas a desonerao da folha para setores intensivos em mo de obra (confeces, calados, mveis e software) e a desonerao de IPI para bens de capital e o novo regime automotivo. Apesar de algumas medidas apontarem para a ampliao do investimento, vrias outras focalizaram o aumento do consumo domstico, via compras pblicas (margens de preferncia) ou pelas redues de IPI.

    7. Tambm h que se considerar a hiptese de uma defasagem entre os efeitos da crise internacional na produo e seus efeitos no mercado de trabalho. razovel supor que, dada a rigidez do mercado de trabalho domstico e a escassez de mo de obra qualificada, observada em alguns setores, as empresas tenham optado por postergar decises de reduo de funcionrios a espera de maior certeza quanto s perspectivas futuras da economia.

  • 23Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    Mesmo o aumento nos desembolsos do BNDES, que passaram de R$ 33,5 bi, em 2003, para R$ 156 bi, em 2012, no foi capaz de estimular o aumento dos inves-timentos na mesma proporo. Uma possvel evidncia disso a ampliao da relao entre os desembolsos do BNDES e a Formao Bruta de Capital Fixo na Economia, que passou de 13%, em 2003, para 20%, em 2012, (grfico 3), sendo que o maior salto foi, precisamente, aps a edio do PSI.8 possvel argumentar que, na ausncia da atuao do BNDES a taxa de investimento poderia estar em nveis abaixo dos efe-tivamente observados, especialmente aps a crise. Entretanto, os efeitos (ou a ausncia deles) do BNDES sobre a taxa de investimento no perodo recente ainda carecem de avaliaes empricas mais aprofundadas.

    GRFICO 3Relao entre desembolsos do BNDES e Formao Bruta de Capital Fixo na economia Brasileira: 2003-2012(Em %)

    13 13 14 13

    14 16

    23 23

    17

    20

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

    Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e BNDES.

    Em sntese, apesar do PSI, e diferentemente do que aconteceu com o con-sumo, que continuou aquecido depois da crise, o investimento cresceu pouco: cerca de um ponto percentual do PIB em 2010 e 2011, retornando depois para o mesmo patamar de 18% do PIB. A sustentao da demanda domstica em nveis

    8. A comparao entre os desembolsos do BNDES e a FBCF requer alguma cautela porque o total desembolsado pelo BNDES envolve, alm do investimento, operaes de crdito no relacionadas ao investimento, recursos no reembolsveis na rea social, aportes em fundos de investimento e compras de participaes acionrias em empresas, por exemplo. Ainda assim, a comparao permanece vlida se se assumir que a frao representada pelos investimentos no total desembolsado pelo banco razoavelmente constante.

  • 24 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    pr-crise concomitantemente a uma demanda mundial cadente, numa espcie de marcha forada da economia brasileira, teve seus mritos, mas tambm teve custos importantes. Ao estimular o consumo, por meio de vrias medidas no mbito do Plano Brasil Maior, em um cenrio de incerteza, no qual o investimento no reagiu de maneira expressiva (repetindo o desempenho modesto do perodo an-terior), aprofundou-se o desequilbrio entre o consumo das famlias e do governo e a capacidade de oferta da economia, hiato que foi suprido pelo aumento das importaes acima do crescimento do PIB.

    Esse processo teve impactos: i) fiscais, derivados das desoneraes e dos em-prstimos do tesouro para o PSI; ii) monetrios, com a inflao chegando sempre muito perto do teto da meta, mesmo aps o incio de um novo ciclo de alta dos juros; e iii) nas contas externas, pressionadas pela queda das exportaes de manu-faturados e pela reduo da demanda e dos preos das commodities e, alm disso, pelo aumento das importaes a taxas superiores ao das exportaes.9

    Paralelamente a isso, no cenrio internacional, a percepo de que os pases que compem o acrnimo BRICs seriam o novo motor do crescimento econmico mundial no sobreviveu a uma maior durao da crise mundial. No perodo re-cente, todos esses pases tiveram forte desacelerao nas suas taxas de crescimento. Para o Brasil, a desacelerao Chinesa particularmente importante, dado que atinge fortemente nossas exportaes de commodities e os preos internacionais desses produtos.

    O baixo crescimento do ps-crise traz a tona, novamente, questes cruciais associadas sustentabilidade do crescimento econmico brasileiro no longo prazo. A resistncia da taxa de investimento em mudar de patamar durante a dcada agravada se considerarmos, pelo menos, dois tipos de investimento essenciais para o crescimento econmico de longo prazo, e que no tiveram um desempenho melhor: infraestrutura e tecnologia.

    Os investimentos (pblicos e privados) em infraestrutura passaram de me-nos de R$ 40 bilhes, no incio da dcada, para cerca R$ 120 bilhes, em 2013, alcanando 2,45% do PIB (um pouco mais do que os cerca de 2% observados nos primeiros anos da dcada).10 Uma parcela relevante do investimento total em infraestrutura, os investimentos pblicos em transportes, passaram de cerca de R$ 8 bilhes para cerca de R$ 26 bilhes por ano, no perodo 2003 a 2010. Apesar do crescimento, esse valor representa apenas 0,6% do PIB e tem se mantido estvel desde 2010 (Campos, 2014). Alm disso, esse montante est longe de ser o suficiente para eliminar os gargalos da infraestrutura brasileira, especialmente

    9. Entre 2008 e 2013, as exportaes cresceram 22% enquanto as importaes cresceram 39%, segundo os dados do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior. 10. Dados da InterB Consultoria em sua Carta de Infraestrutura.

  • 25Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    da infraestrutura de transportes. No ltimo perodo, o governo obteve avanos no modelo de concesses que sinalizam para um aumento no nvel dos investi-mentos privados, ainda relativamente estveis na faixa de 50% do investimento total em infraestrutura.

    Os gastos empresariais em pesquisa e desenvolvimento (P&D) tambm se mantiveram em nveis baixos em relao ao PIB. O perodo compreendido entre 2005 e 2008, quando a relao P&D empresarial/PIB passou de 0,49 para 0,53% do PIB, foi o mais positivo neste quesito. Entretanto, em termos comparativos a outros pases, o Brasil permaneceu na mesma posio, dado que todos os pases ampliaram de forma significativa seus investimentos em tecnologia nesse perodo (Cavalcante e De Negri, 2010). Em 2011, De Negri e Cavalcante (2013) estimam que a uma relao P&D empresarial/PIB tenha alcanado 0,55%. Esses autores fizeram tambm a estimativa adicional visando tornar os planos amostrais das duas ltimas edies da Pesquisa de Inovao Tecnolgica (Pintec) compatveis entre si. Nesse caso, o valor obtido para a relao P&D/PIB foi da ordem de 0,50%, bastante inferior s estimativas anteriores Pintec para 2011, e indicativo de uma queda entre 2008 e 2011, o que sugere uma estagnao do estoque de capital intangvel na economia.

    Alm da ampliao do estoque de capital por meio do investimento , a capacidade de oferta tambm pode crescer por meio do aumento do estoque de mo de obra empregado na produo, ou, dito de outra forma, do aumento das taxas de ocupao e de participao. Este foi, a propsito, um dos movimentos importantes na dinmica do crescimento da economia brasileira no perodo re-cente, como apontam tanto Cavalcante e De Negri, no captulo 5, quanto Bonelli no captulo 4.

    A associao entre o crescimento da produtividade e o crescimento do PIB pode ser explicitada de diversas maneiras. Uma maneira simples de explicitar essa

    relao usar a identidade algbrica PIB =

    PIBPO

    PO, onde PO o pessoal

    ocupado. A manipulao algbrica dessa identidade permite concluir que a taxa de crescimento do PIB corresponde soma das taxas de crescimento da produtividade do trabalho e da taxa de crescimento do pessoal ocupado:

    PIB =PIBPO

    + PO (1)

    Na equao acima, a barra superior indica a taxa de crescimento da vari-vel correspondente.

  • 26 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    A decomposio indicada na equao (1) pode ser usada para interpretar o crescimento do PIB do Brasil ao longo da primeira dcada dos anos 2000. Entre 2000 e 2009, por exemplo, a taxa mdia anual de crescimento do PIB alcanou 3,42%. Apenas um tero desse crescimento pode ser atribudo ao crescimento da produtividade do trabalho. Os dois teros restantes advieram do crescimento do pessoal ocupado, ou seja, do aumento da taxa de ocupao e, em menor medida, da taxa de participao (Cavalcante e De Negri, captulo 5). Isso explica por que o PIB per capita descola-se da produtividade do trabalho quando suas trajetrias so mostradas graficamente (grfico 4), descolamento este que, obviamente, s se sustenta durante um perodo curto de tempo.

    GRFICO 4Brasil: PIB per capita e produtividade do trabalho (1992-2011) (Base: 1992 = 100)

    100,00 103,41

    107,57 110,75

    111,30 112,89

    110,65

    108,72 111,34

    111,06 112,53

    117,75 120,29 123,83

    130,01

    135,17

    133,09

    141,35 143,99

    100,00

    102,86

    107,99

    112,82 114,21 113,24

    108,27 110,27 109,19 108,93

    111,71 113,83

    119,04

    121,76 120,98

    132,47

    80

    90

    100

    110

    120

    130

    140

    150

    1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

    PIB per capita (1992 = 100) PIB / populao ocupada (1992 = 100)

    111,89 112,53

    Fonte: Cavalcante e De Negri (captulo 5).

    Esses resultados so semelhantes aos obtidos pelo Boston Consulting Group (BCG), que estimou que, entre 2000 e 2011, apenas 26% do crescimento do valor adicionado no Brasil adveio de ganhos de produtividade (Ukon, 2013). Trata-se de um percentual inferior ao estimado para pases como a China, a ndia e a Rssia, nos quais, respectivamente, 93%, 82% e 40% do crescimento do valor adicionado pde ser atribudo ao crescimento da produtividade.

    Essa decomposio pode ser detalhada a fim de dividir o crescimento do PIB per capita em trs componentes: i) a produtividade do trabalho (PIB/populao ocupada); ii) a taxa de ocupao (populao ocupada / populao economicamente

  • 27Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    ativa); e iii) a relao entre a populao economicamente ativa e a populao total. Os resultados dessa decomposio (captulo 5) mostraram que mais de 90% do crescimento do PIB per capita no perodo 1992-2001 se deveu produtividade do trabalho, ao passo que no perodo 2001-2009 pouco mais da metade desse cresci-mento foi explicado pelos ganhos de produtividade e o restante pelo aumento das taxas relacionadas ao mercado de trabalho e a variveis demogrficas.

    Bonelli (no captulo 4) tambm usa uma decomposio mais detalhada da taxa de crescimento do PIB que explicita aquilo que ele denomina o imperativo da produtividade:

    PIB =PIBPO

    +POPEA

    +PEAPIA

    + PIA (2)

    Onde PO a populao ocupada, PEA a populao economicamente ativa e PIA a populao em idade ativa.

    Nessa expresso, procura-se resumir as mudanas demogrficas no ltimo termo da equao, que corresponde taxa de crescimento da PIA. O argumento fundamental pode ser resumido nos seguintes pontos:

    A relao POPEA , que corresponde ao complemento da taxa de desem-

    prego (taxa de ocupao), no pode crescer indefinidamente;

    A relao PEAPIA no tem flutuado muito e, ainda que possa se elevar

    no futuro, no contribuir de forma aprecivel para o crescimento do PIB.

    Esses resultados deixam claro que uma parcela significativa do crescimento do PIB, ao longo da primeira dcada dos anos 2000, adveio da incorporao de maiores contingentes de pessoas ao mercado de trabalho.

    Contudo, as projees demogrficas indicam que, ao longo dos prximos anos, as variveis demogrficas no devem contribuir, na mesma magnitude, para o crescimento econmico. A principal razo para isso o esgotamento do bnus demogrfico, isto , do perodo durante o qual a estrutura etria da populao caracterizada pelo menor nmero de idosos, crianas e adolescentes em relao parcela formada pela populao em idade ativa. Projees demogrficas, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD), indi-cam que a PIA dever crescer at 2030, a parti de quando comear a cair (Ipea, 2011). Segundo Alves, Vasconcelos e Carvalho (2010), por volta de 2030, o Brasil apresentar uma populao eminentemente adulta, em que as coortes com maior

  • 28 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    participao na populao total sero justamente aquelas com idades entre 25 e os 50 anos e, por volta de 2050, a tendncia de ampliao rpida da populao idosa.

    Segundo Bonelli (captulo 4), as projees para o crescimento da PIA indi-cam que seu crescimento dever ser da ordem de 1,1% ao ano entre 2013 e 2023 e que, portanto, o crescimento do PIB ao longo das prximas dcadas depender fortemente do primeiro termo do lado direito da equao 2, que corresponde ao crescimento da produtividade do trabalho, uma vez que no se esperam contri-buies significativas das taxas de ocupao e de participao nos prximos anos.

    Em resumo, entre os fatores que poderiam contribuir para o aumento da oferta agregada na economia, as variveis demogrficas (relativas ao aumento na oferta de mo de obra) tiveram um papel relevante no perodo recente. O investimento, por sua vez, no cresceu da forma requerida para a ampliao da capacidade de oferta da economia. Alm do crescimento na intensidade de utilizao de fatores produtivos ou seja, aumento no estoque de capital ou de trabalho , resta, por fim, o terceiro elemento capaz de promover aumentos sustentados na oferta agregada: o aumento na eficincia de utilizao desses fatores. A prxima seo faz um diagnstico sobre como tem evoludo, nos ltimos anos, a produtividade na economia brasileira.

    3 TENDNCIAS DA PRODUTIVIDADE NO BRASIL

    As principais concluses da seo anterior so que, no perodo recente, o cresci-mento brasileiro foi essencialmente impulsionado por fatores demogrficos sem, no entanto, um aumento sustentado da oferta e do estoque de capital. O principal impulso para a ampliao da oferta agregada, nesse perodo, foi o crescimento da oferta de mo de obra, cuja possibilidade de expanso se esgotou tanto pela pro-ximidade do pleno emprego, quanto, no longo prazo, por questes demogrficas. O estoque de capital, por sua vez, no cresceu de forma compatvel com o cresci-mento da economia, dada a resilincia da taxa de investimento.

    Independentemente de o crescimento dos investimentos ter sido interrompido em virtude da crise ou de limitaes do prprio modelo de crescimento puxado pela demanda, o fato que se tornou cada vez mais premente a necessidade de am-pliao sustentada da oferta de bens e servios na economia. Nesse sentido, dadas as dificuldades de ampliar a taxa de investimento e dadas as limitaes ao aumento das taxas de ocupao e participao no longo prazo, o aumento da produtividade tornou-se fator ainda mais crtico na sustentao do crescimento econmico brasileiro.

    J que a ampliao da produtividade ser crucial para o pas crescer de forma sustentada no futuro, fundamental investigar de forma detalhada qual tem sido o desempenho dos indicadores de produtividade no pas nos ltimos anos. Este o objetivo desta seo que, para tanto, apoia-se em alguns dos principais resultados encontrados neste livro.

  • 29Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    3.1 Diferentes medidas e um mesmo diagnstico.

    Uma das questes que emergem ao se tratar do tema da produtividade diz respeito a outros fatores, alm da eficincia, que estariam embutidos nos vrios indicadores de produtividade e a como esses indicadores nem sempre seriam reveladores do que, de fato, ocorre na economia. Assim, os trabalhos que se dedicaram a analisar o comportamento da produtividade no Brasil no perodo recente nem sempre chegam a resultados idnticos. Isso decorre das diferentes medidas de produtividade que so empregadas e de diferentes fontes de dados e perodos especficos de anlise, que podem levar a resultados discrepantes.

    Conceitualmente, indicadores de produtividade devem medir a eficincia com que a economia, ou os agentes econmicos, transforma insumos em produtos e servios finais, o que se faz, empiricamente, pela razo entre medidas de produo e medidas de insumos. Entretanto, alguns indicadores de produtividade acabam refletindo uma srie de outros fatores relacionados com a atividade econmica, por isso crucial interpret-los de maneira cuidadosa. So diversos os indicadores e tcnicas possveis para analisar o comportamento da produtividade, tanto a partir de medidas parciais, como a produtividade do trabalho ou do capital, quanto de medidas multifatores, como a Produtividade Total dos Fatores (PTF). Alm disso, tambm existem medidas baseadas em fronteiras de produo, Data Envelopment Analysis (DEA), entre outras.

    Na prtica, contudo, a maioria dos trabalhos sobre o tema usam medidas da produtividade total dos fatores (PTF) e da produtividade do trabalho. As diferentes abordagens metodolgicas utilizadas para o clculo dessas duas medidas principais de produtividade, bem como a relao entre elas, so apresentadas e discutidas nos captulos seguintes deste livro (Ellery, captulo 2 e Messa, captulo 3), que apresentam os principais desafios metodolgicos associados com a mensurao da produtividade.

    A produtividade do trabalho a medida mais simples e direta para chegar a algum indicador sobre a eficincia da economia, de seus setores ou agentes eco-nmicos. Ela consiste na utilizao de alguma medida de produto, em relao a alguma medida de mo de obra empregada na produo. A primeira e mais evidente limitao desse indicador que se trata de uma medida parcial de produtividade. Ela leva em conta apenas um dos fatores empregados na produo o trabalho e ignora tanto a intensidade, quanto a qualidade do capital utilizado na produo, assim como a qualidade do trabalho (ou o capital humano). Por essa razo, boa parte das diferenas observadas na produtividade do trabalho entre setores, em-presas ou mesmo no tempo, decorrem das diferentes intensidades de utilizao de capital. Nesse sentido, setores como a indstria extrativa muito intensiva em capital sempre tero indicadores de produtividade do trabalho muito superiores aos verificados em setores intensivos em mo de obra.

  • 30 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    Alm disso, existe uma srie de dificuldades relacionadas com a mensurao do produto e da quantidade de trabalho. Para a mensurao do produto, podem--se utilizar indicadores de produo fsica ou indicadores monetrios de valor adicionado. Indicadores de produo fsica enfrentam a dificuldade de compati-bilizar mltiplos produtos e mltiplos insumos. Por conta disso, de modo geral, levam em conta apenas o produto final sem descontar os insumos utilizados, ou seja, no refletem o valor adicionado, mas apenas a quantidade de produto final.11 Indicadores monetrios de valor adicionado so mais precisos, nesse sentido, para mensurar eficincia. No entanto, por serem monetrios, so mais sujeitos s varia-es de preos relativos que no expressam eficincia: insumos mais baratos, por exemplo, afetariam positivamente os indicadores de produtividade sem nenhuma mudana na eficincia produtiva, no sentido estrito. Esse fator extremamente relevante na economia brasileira no perodo recente, dadas as mudanas nos preos relativos derivadas do ciclo de alta de commodities. Alm disso, em vrios setores de atividade, como no setor pblico e servios, os indicadores de produtividade esto mais fortemente associados remunerao dos fatores produtivos salrios, lucros, juros. Assim, variaes salariais ou na rentabilidade de alguns setores podem influenciar positivamente esse tipo de indicador de produtividade, sem que isso reflita qualquer mudana de eficincia.

    Para medir a quantidade de trabalho utilizada, pode-se recorrer a medidas de horas trabalhadas as mais precisas, mas nem sempre disponveis , ou de nmero de trabalhadores, ou, ainda, quando se utilizam as contas nacionais, nmero de ocupaes (ou postos de trabalho). Essas diferentes medidas tambm podem afetar a evoluo dos indicadores de produtividade, especialmente quando existem mudanas significativas na jornada de trabalho: indicadores que utilizam nmero de funcionrios podem subestimar os ganhos de produtividade na ocorrncia de redues significativas na jornada de trabalho, como mostraram Barbosa Filho e Pessoa (2013).

    A fim de superar algumas das limitaes dos indicadores parciais, a PTF procura medir a produtividade levando em conta todos os fatores que concorrem para a produo. Trata-se, naturalmente, de uma medida mais completa do que a produtividade do trabalho. O clculo da PTF baseia-se na estimao de funes de produo, seja no nvel macroeconmico ou da firma. Obviamente, isso pressupe a existncia de uma funo agregada de produo, o que por si s no consensual na literatura, ou de uma mesma funo de produo para diferentes firmas, o que ainda mais controverso. Alm disso, o formato da funo escolhida geralmente uma Cobb-Douglas implica certas premissas sobre o funcionamento da econo-

    11. possvel para uma empresa ou pas aumentar o consumo intermedirio (insumos, peas e componentes) utilizado na produo de uma mesma quantidade de produto final. Neste caso, a produo fsica permaneceria cons-tante, ao passo que o valor adicionado seria menor. Sendo assim, tudo o mais constante, a produtividade medida por meio da produo fsica permaneceria a mesma, ao passo que a produtividade medida pelo valor adicionado cairia.

  • 31Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    mia, como, por exemplo, o fato de a mudana tecnolgica ser neutra ou de que os fatores de produo seriam remunerados segundo suas produtividades marginais. Messa (captulo 3) argumenta que vrios fatores podem fazer com que esta segunda suposio no seja satisfeita, tais como as estruturas de mercado do produto e dos fatores de produo, alm da eventual existncia de custos de ajuste.

    Ademais, como ressalta Ellery (captulo 2) as dificuldades com o clculo da PTF no se resumem a aceitar a hiptese de que possvel representar uma economia por meio de uma funo de produo agregada e a escolha da funo de produo. Mesmo ignorando esses dilemas, ainda existe uma srie de dificuldades associadas s medidas de produto, dos fatores e prpria estimao dos parmetros da funo.

    De todo modo, uma vez definida a funo de produo a ser utilizada, a PTF obtida de forma residual: consiste no crescimento do produto que no explicado pelo respectivo aumento na utilizao dos fatores produtivos, o que Abramovitz (1956) chamou de a medida da nossa ignorncia. Fatores que concorrem para o aumento da PTF vo desde diferenas na tecnologia, na escala de operao, na eficincia operacional e no ambiente operacional no qual a produo ocorre (Fried, Lovell, and Schmidt 2008).

    evidente que quanto mais se conhea sobre a funo de produo, ou quanto melhor especificada ela for, melhor ser a medida de produtividade. Se, no nvel macroeconmico, a medida da nossa ignorncia no desprezvel, no nvel microeconmico ela ainda maior. Supor funes de produo homogneas entre firmas e ignorar a enorme heterogeneidade existente entre elas significaria atribuir PTF uma srie de outras diferenas entre empresas que no necessariamente esto relacionadas sua eficincia produtiva no sentido estrito.12

    Alm das questes relacionadas especificao, tambm existe uma srie de problemas de ordem prtica decorrentes da qualidade dos dados utilizados na mensurao,13 alm de preos relativos, deflatores e demais problemas que tambm afetam os indicadores de produtividade do trabalho. No que diz respeito a questes especficas da PTF, Messa (captulo 3) mostra, por exemplo, como mudanas nos preos dos insumos podem afetar a PTF. Para ele, a utilizao, sob determinados preos, de uma combinao de insumos mais apropriada para outro conjunto de preos percebida como fonte de ineficincia, o que significa que uma mudana em preos relativos pode originar mudanas na PTF sem nenhuma contrapartida em termos de eficincia econmica no sentido estrito.

    12. Tanto Messa, A. (cap. 3), quanto Ellery, R. (cap. 2) discutem as potencialidades e limitaes do clculo da PTF no nvel da firma. 13. Ellery, no captulo 2, analisa exaustivamente os diversos problemas de medida envolvidos no clculo da PTF.

  • 32 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    Alm da mensurao da quantidade de trabalho, cujos desafios so os mes-mos enfrentados para o clculo da produtividade do trabalho, um dos principais desafios do clculo da PTF a mensurao do estoque de capital. Isso porque no existem sries consolidadas desse indicador, especialmente no nvel microeconmico. A construo do estoque de capital geralmente utiliza metodologias especficas, como as de inventrio perptuo que partem da acumulao de valores anuais de investimento e depreciao ou variveis proxies muito imperfeitas, tais como os gastos em energia.

    O alerta sobre as limitaes existentes nos vrios indicadores de produtivi-dade, no entanto, no serve para desencorajar o seu uso, mas para subsidiar uma anlise mais precisa das evidncias reveladas por cada um. Um diagnstico mais consistente da evoluo e dos diferenciais de produtividade na economia brasileira requer que se utilizem os vrios indicadores de modo complementar.

    Ellery (captulo 2) caminha nessa direo ao calcular a produtividade total dos fatores, entre 1970 e 2011 a partir de: i) diferentes deflatores da PTF; ii) di-ferentes deflatores para o investimento; iii) diversas medidas para a quantidade de trabalho; iv) incluso de indicadores de capital humano; e v) ajuste para utilizao da capacidade instalada. Algumas dessas diferentes estimativas para a PTF, feitas pelo autor, so mostradas no grfico 5.

    GRFICO 5Trajetria da PTF, Brasil, 1970 2011, diversas medidas (1970 = 100)

    80

    90

    100

    110

    120

    130

    140

    150

    160

    1970

    19

    71

    1972

    19

    73

    1974

    19

    75

    1976

    19

    77

    1978

    19

    79

    1980

    19

    81

    1982

    19

    83

    1984

    19

    85

    1986

    19

    87

    1988

    19

    89

    1990

    19

    91

    1992

    19

    93

    1994

    19

    95

    1996

    19

    97

    1998

    19

    99

    2000

    20

    01

    2002

    20

    03

    2004

    20

    05

    2006

    20

    07

    2008

    20

    09

    2010

    20

    11

    PTF, deflator implcito do PIB PTF, preos constantes de 1980 PTF, horas trabalhadas PTF, capital humano PTF, capacidade instalada

    Fonte: Ellery Jnior (captulo 2).

  • 33Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    No que diz respeito ao impacto dos preos relativos na medida da PTF, o autor encontra que eles so significativos no curto prazo e acarretam diferenas importantes na trajetria da PTF nos anos 2000, associados com a melhoria dos termos de troca, j apontada na seo 2. Entretanto, a utilizao de dois deflatores diferentes (IGP-DI e deflator implcito) muda em apenas cinco pontos percentuais a variao da PTF entre 1970 e 2011. Os preos relativos tambm so relevantes nas estimativas da PTF, pois afetam de forma diferente os componentes do inves-timento. O autor mostra que a taxa de investimento a preos correntes tende a ser maior, nos ltimos anos, do que aquela medida a preos constantes de 1980, em virtude do rpido aumento dos preos relativos da construo civil no perodo. Desta forma, quando a PTF estimada usando preos constantes de 1980, ela cresce mais do que usando o deflator implcito do PIB (grfico 5).

    Alm disso, a utilizao de horas trabalhadas, em vez de pessoas, ocasiona um aumento no crescimento da PTF, especialmente nos anos 80, como tambm foi evidenciado por Barbosa Filho e Pessoa (2013). Por fim, a incorporao de capital humano nas estimativas de PTF reduz o crescimento do indicador ao longo do tempo, dado que uma parte do crescimento do produto explicada pelo aumento da qualificao dos trabalhadores, que mais significativa a partir dos anos 90.

    Mesmo utilizando todas essas diferentes medidas, o autor argumenta que elas no alteram o fato central que, em qualquer uma delas, a PTF cresceu pouco no Brasil durante esse perodo. Segundo o autor a trajetria da PTF (...) consiste em crescimento na primeira metade da dcada de 1970, crescimento irregular na segunda metade da dcada de 1970, queda na dcada de 1980 e uma recuperao iniciada na dcada de 1990, que foi insuficiente para recuperar as perdas da dcada de 1980. Para ele, esse movimento muito similar ao identificado em diversos outros estudos, como Ferreira, Ellery Jr. e Gomes (2008), Gomes, Pessa e Veloso (2002), Barbosa Filho e Pessa (2013) e Mation (2013).

    No captulo 4, Bonelli mostra um cenrio mais positivo para a evoluo recente da PTF do que aquele apontado por Ellery. Segundo suas estimativas, o crescimento da PTF, nos anos 2000 (2002-2013), foi de 1,3% ao ano, a mesma taxa observada no perodo 1975-80 e apenas inferior ao perodo do milagre eco-nmico. Vale lembrar que o autor no utiliza capital humano nas suas estimativas, e que este um elemento importante na explicao do crescimento do produto nos ltimos vinte anos, mas no era to relevante no perodo anterior. Ou seja, talvez esse desempenho positivo da PTF nos anos 2000, em comparao com o perodo do milagre econmico, seja reduzido ao se incorporar o capital humano, cujo impacto ser maior no perodo mais recente, como, alis, fica evidente nas estimativas apresentadas no captulo 2 (grfico 5). Bonelli tambm argumenta, por outro lado, que o aparente desempenho positivo da PTF nos anos 2000, esconde

  • 34 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    uma desacelerao muito forte depois da crise e, particularmente, depois de 2010, chegando a 2013 com uma taxa de crescimento prxima de zero.

    Cavalcante e De Negri (captulo 5) sintetizam os resultados obtidos por vrios autores14 em estimativas da PTF e concluem que, apesar da ausncia de uma tendncia clara para a PTF no perodo recente, pode-se afirmar que a maioria dos trabalhos tende a sugerir um crescimento mais acelerado desse indicador na dcada de 2000 (sobretudo aps 2003), do que na dcada de 1990. Esse resultado compatvel com o crescimento econmico observado no pas at a crise, dado que, como diz Bonelli, a PTF uma medida pr-cclica. Essa sntese tambm mostra que a incluso de capital humano nas estimativas o principal fator a explicar diferentes resultados entre elas: estimativas da PTF que no utilizam capital humano tendem a ser mais positivas nos anos 2000, do que aquelas que incluem capital humano.

    Vale ressaltar que o capital humano afeta no apenas as medidas de PTF, mas tambm as estimativas para a produtividade do trabalho, muito embora seja menos comum encontrar, nas medidas de produtividade do trabalho, ajustes para levar em conta o capital humano. Ellery (captulo 2) mostra que, ao incorporar capital humano, a tendncia da produtividade do trabalho no Brasil, nas ltimas dcadas, fica propensa a se tornar mais prxima da evoluo da PTF, ou seja, mostra uma evoluo menos positiva do que as medidas tradicionais de produtividade do trabalho. De fato, o autor encontra que o capital humano fundamental para explicar a evoluo da produtividade do trabalho no perodo recente, segundo ele 94,5% do crescimento da produtividade do trabalho entre 1970 e 2011 foi devida ao capital humano.

    Sem ajustes para capital humano, a produtividade do trabalho cresceu a uma taxa mdia anual da ordem de 1,0% ao ano, ao longo da dcada de 2000, quando aferida como o quociente entre o valor agregado e o pessoal ocupado (Cavalcante e De Negri, captulo 5). Esse valor converge com os resultados obtidos por Squeff (2012) que, usando deflatores setoriais, conclui que entre 2000 e 2009, a produ-tividade do trabalho cresceu a uma taxa mdia anual de 1,0% (ou 0,9% se forem considerados apenas os extremos da srie).

    Embora mais recentemente Bonelli (captulo 4) tenha estimado que a pro-dutividade do trabalho cresceu a uma taxa mdia anual de 2,1%, entre 2002 e 2013, Bonelli e Bacha (2013) reportaram um crescimento mdio anual da produ-tividade do trabalho da ordem de 0,67%, no perodo entre 2000 e 2009, ao passo que Bonelli e Veloso (2012), cuja anlise restrita ao perodo entre 2003 e 2009, obtiveram uma taxa mdia anual de 1,2%. Ainda assim, o autor argumenta que a queda da produtividade observada no ps-crise tambm caracteriza a produtividade

    14. Bonelli e Bacha (2012), Bonelli e Veloso (2012), Ellery Jr. (2013), Ferreira e Veloso (2013) e Barbosa Filho, Pessa, e Veloso (2010).

  • 35Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    do trabalho, e que ela uma das principais responsveis pela queda do PIB no perodo recente: comparando-se os trinios 2008-2010 e 2011-2013 conclui-se que a queda da produtividade do trabalho (de 2,5% a.a. para 1,9% a.a.) explica quase um tero da queda do PIB (Bonelli, captulo 4).

    O autor tambm separa o crescimento da produtividade do trabalho, para vrios perodos da histria brasileira, em dois componentes: o aprofundamento do capital (aumento da relao capital por trabalhador) e a PTF. A partir dessa decomposio, conclui que o lento crescimento do capital por trabalhador que explica a reduo dos ganhos de produtividade do trabalho no perodo recente em relao a outros momentos da histria brasileira, dado que o crescimento da PTF foi similar em alguns desses momentos.15

    O que se pode concluir dessa subseo e da anlise desse conjunto de estudos que, independentemente da maneira como se mede a produtividade, e a despeito de algumas variaes nessas medidas, o seu crescimento tem sido menor do que o necessrio para sustentar o crescimento de longo prazo da economia brasileira. Isso especialmente relevante em funo das mudanas demogrficas que teremos a frente e da resilincia da taxa de investimento o que, tambm, pode ser uma das causas para o baixo crescimento da produtividade do trabalho, conforme alertado por Bonelli (cap. 4).

    TABELA 1Taxas de crescimento mdio anual da produtividade do trabalho e da PTF, segundo diversas estimativas

    Autor PerodoProdutividade

    do trabalho (%)

    Produtividade do tra-balho ajustada pelo capital humano (%)

    PTF (%)PTF ajustada pelo

    capital humano (%)

    Bonelli (2014) 2003 e 2013 2,4 - 1,3 -

    Ellery (2014) 1970-2011 1,6 0,34 0,72 1 - 0,24

    Cavalcante e De Negri (2014) 2001-2009 1,17 - - -

    Cavalcante e De Negri (2014) 1992-2001 1,09 - - -

    Bonelli e Bacha (2013) 1993-1999 0,36 - 0,24 -

    Bonelli e Bacha (2013) 2000-2009 0,67 - -

    Bonelli e Bacha (2013) 2000-2011 - - 1,03 -

    Bonelli e Veloso (2012) 1995-2003 - - - 0,8 -

    Bonelli e Veloso (2012) 2003-2009 1,2 - 1,7 -

    Ellery Jr. (2013) 1992-2002 - - 0,91 -

    Ellery Jr. (2013) 2002-2011 - - 1,40 -

    Ferreira e Veloso (2013) 1993-2003 - - - - 1,2

    15. Especificamente, o autor compara o perodo 2003-2013 com o quinqunio 1976-80. Entre esses dois momentos, o crescimento da PTF foi similar, mas o crescimento do estoque de capital por trabalhador foi muito diferente.

    (Continua)

  • 36 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    Autor PerodoProdutividade

    do trabalho (%)

    Produtividade do tra-balho ajustada pelo capital humano (%)

    PTF (%)PTF ajustada pelo

    capital humano (%)

    Ferreira e Veloso (2013) 2003-2009 - - - 1,5

    Squeff (2012) 2000-2009 0,9 - - -

    Barbosa Filho, Pessa e Veloso (2010)

    1992-1999 - - - 1,4

    Barbosa Filho, Pessa e Veloso (2010)

    1999-2007 - - - 0,11

    Fonte: Elaborao dos autores com base nos trabalhos indicados na tabela. Obs.: Usando o deflator implcito do PIB.

    De fato, mesmo em perodos de maior crescimento econmico, a produti-vidade parcial ou total no cresceu mais do que 2% ao ano, nas as estimativas mais favorveis obtidas em subperodos de maior crescimento como foi o perodo 2003-2008. O cenrio de longo prazo mostra, contudo, taxas anuais de crescimento mais baixas, ainda mais se levarmos em conta o capital humano, que explicou boa parte do crescimento da produtividade total ou do trabalho nas ltimas dcadas.

    Esse desempenho fraco da produtividade aparentemente uma caracters-tica estrutural da economia brasileira, que se mantm desde o final dos anos 70. No parece ser, portanto, relacionada a uma conjuntura ou perodo especfico, mas, talvez suas causas sejam mais profundas e complexas do que meramente conjunturais.

    3.2 O Brasil e o resto do mundo: estagnao ou atraso?

    Alm do diagnstico histrico sobre a evoluo da produtividade agregada no Brasil, outra pergunta relevante diz respeito magnitude da diferena entre as taxas de crescimento da produtividade apresentadas pelo Brasil e as de outros pases. O baixo crescimento da produtividade agregada no Brasil nas ltimas dcadas teria nos deixado numa posio pior em relao ao resto do mundo?

    Ellery (captulo 2) mostra claramente que a taxa de crescimento da produti-vidade no Brasil baixa em termos absolutos e relativos. A partir de informaes similares, usando a mesma base de dados a PWT e as mesmas definies, o autor mostra que o Brasil sequer foi capaz de acompanhar o crescimento da fronteira tecnolgica entre 1970 e 2011. Por esses clculos, entre 1970 e 2011, nos EUA a produtividade do trabalho cresceu 85%, a produtividade do trabalho ajustada pelo capital humano 58% e a PTF cresceu 38%. No mesmo perodo, o autor mostra que, no Brasil, a produtividade do trabalho cresceu 74%, e apenas 4% quando ajustada por capital humano, e a PTF caiu perto de 10%.

    De fato, um dos fatos recorrentemente citados na literatura que o baixo crescimento da produtividade no Brasil ainda mais evidente quando comparado a outros pases. Nesse sentido, Mation (captulo 6), assim como Ellery, mostra como

    (Continuao)

  • 37Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    a produtividade no Brasil ficou estagnada, ao mesmo tempo em que cresceu de forma substantiva em vrios outros pases mesmo nos pases mais produtivos. O autor mostra, tambm, que esse quadro de perda de produtividade relativa se mantm independentemente da medida de produtividade utilizada, embora o atraso seja ainda maior em termos de produtividade total dos fatores onde a queda de produtividade, desde os anos 80, absoluta (grfico 6).16

    GRFICO 6Evoluo da Produtividade Total dos Fatores (com ajuste para capital humano) em pases selecionados

    11.

    52

    2.5

    3

    Produtividad

    e total d

    os fatores (1=19

    60)

    1960 1970 1980 1990 2000 2010

    Brasil China Coreia do Sul

    Estados Unidos ndia Mxico

    Fonte: Reproduo do grfico 3 de Mation (captulo 6).

    Esse baixo crescimento da produtividade nos deixou, em 2011, numa posio muito distante dos pases mais produtivos do mundo, ao mesmo tempo em que nos distanciou do conjunto de pases notadamente sia que convergiu em di-reo aos nveis de produtividade dos pases ricos nesse perodo. O grfico a seguir, elaborado com base nos dados de Mation (captulo 6), mostra que a distncia do Brasil para a mdia dos pases ricos (OCDE e alta renda) se manteve relativamente estvel no perodo. A produtividade brasileira representa algo em torno a 25% a 26% da mdia da produtividade do trabalho nos pases ricos, muito embora, se tomarmos apenas os Estados Unidos, essa distncia tenha aumentado, como

    16. A diferena dessa estimativa para aquelas apresentadas no captulo 2 (e no grfico 5 deste captulo) que esta utiliza como fonte os dados da PWT (ajustados para a correo de erros de medida nas variveis de escolaridade), mais adequados a comparaes internacionais, ao passo que Ellery utiliza apenas os dados nacionais para a maior parte das suas estimativas.

  • 38 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    ressaltado anteriormente. Por outro lado, a produtividade brasileira que era, em 1960, cerca de 90% da produtividade dos pases da Europa e sia Central, chegou em 2011 a apenas 43% da observada nesses pases. O mesmo movimento ocorreu em relao ao Leste da sia e Pacfico: a produtividade brasileira cerca de metade da produtividade desses pases atualmente, tendo sido mais de 70% em 1960.

    GRFICO 7Produtividade do trabalho no Brasil e em grupos de pases selecionados em 1960 e 2011 (em 1000 USD / trabalhador)

    20

    6 7 11

    7 4 3 5

    65

    40 36

    22 19

    9

    4

    17

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    60

    70

    OCDE e alta renda

    Europa e sia Central

    Leste da sia e Pacfico

    Am. Latinae Caribe

    (exceto Brasil)

    OrienteMdio e N. da frica

    Sul da sia frica Subsaariana

    Brasil

    1960 2011

    Fonte: Grfico elaborado pelos autores a partir dos dados de Mation (captulo 6) tabela 1.

    Os dois estudos citados acima utilizam os dados da Penn World Table 8.0, que uma fonte tradicionalmente usada em estudos baseados em comparaes interna-cionais de produtividade, a despeito de algumas limitaes desses dados, algumas delas ressaltadas em Ellery (captulo 2) e Mation (2013). Miguez e Moraes (captulo 7), por sua vez, exploram uma fonte de dados alternativa, chamada World Input--Output Database (WIOD), cuja abrangncia temporal menor (1995 a 2009), alm de cobrir um nmero menor de pases. Por outro lado, a desagregao setorial das informaes permite anlises mais detalhadas sobre a relevncia da estrutura produtiva dos pases na explicao dos diferenciais de produtividade observados.

    De modo geral, os sinais apontados por Miguez e Moraes, a partir dos dados da WIOD para produtividade do trabalho, so muito parecidos com os que emergem dos dados da PWT, qual seja, que o Brasil tem se distanciado da fronteira e, por outro lado, que existem vrios pases menos produtivos que tem se aproximado da fronteira e, consequentemente, do Brasil. De fato, em 1995,

  • 39Os dilemas e os desafios da produtividade no Brasil

    a produtividade do pas mais produtivo (os EUA) era 6,6 vezes maior do que a produtividade brasileira e, em 2009, chegou a ser 7,1 vezes maior, evidenciando nosso afastamento do pas lder, mesmo quando observamos o cenrio de curto prazo (tabela 2). Note-se, entretanto, que parece ter havido alguma convergncia entre Brasil e Estados Unidos no curto perodo entre 2005 e 2009, mas que no foi suficiente para superar o aumento da distncia verificado desde 1995.

    Por outro lado, esses mesmos dados mostram a aproximao dos pases menos produtivos com o Brasil. O Brasil tinha, em 1995, uma produtividade 8,6 vezes maior do que o pas menos produtivo (que, nesta amostra de 40 pases, ainda a China) e chegou em 2009 com um nvel de produtividade apenas trs vezes maior.

    TABELA 2Diferencial da Produtividade do Trabalho no Brasil em Comparao Com os Pases Mais e Menos Produtivos por macrossetores: 1995, 2000, 2005 e 2009

    MacrossetorBrasil/pas menos produtivo Pas mais produtivo/Brasil

    1995 2000 2005 2009 1995 2000 2005 2009

    Agropecuria 5,0 5,4 4,8 4,5 16,4 21,0 24,8 21,7

    Indstria extrativa 9,2 4,7 3,0 2,3 6,2 5,9 3,6 3,9

    Indstria de transformao 5,4 4,2 2,9 2,1 4,7 4,9 7,4 9,0

    Fornecimento de eletric., gs e gua 8,6 6,0 3,1 2,9 5,2 5,0 4,9 4,6

    Construo 6,9 5,9 3,2 2,3 5,7 6,2 6,8 6,5

    Servios 7,9 5,7 4,0 2,9 5,6 5,9 6,5 6,4

    Total da economia 8,6 6,4 4,2 3,0 6,6 6,6 7,3 7,1

    Fonte: Reproduo da tabela 3 de Miguez e Moraes (captulo 7).

    Os dados da tabela 2 evidenciam, tambm, que essa perda de produtividade em relao fronteira generalizada em todos os setores, mesmo aqueles que tm apresentado um crescimento relevante da produtividade no perodo recente, como o caso da agropecuria.17 As poucas excees ao distanciamento da fronteira so a indstria extrativa e os Servios Industriais de Utilidade Pblica (fornecimento de eletricidade, gs, gua, etc.). Alm disso, fica patente que a indstria de trans-formao tem tido o pior desempenho entre todos os setores no perodo recente: ela foi, de fato, quem mais perdeu produtividade relativa em relao fronteira que, atualmente, nove vezes mais produtiva do que a indstria brasileira, contra 4,7 vezes em 1995. Essa perda de produtividade em relao fronteira ocorreu na maior parte dos setores industriais. Os autores mostram que, entre quinze setores da indstria, apenas trs melhoraram sua produtividade relativamente ao pas mais produtivo naquele setor: indstria extrativa, papel e celulose e produtos qumicos.

    17. Squeff e De Negri (captulo 8) mostram que a agropecuria foi o setor que apresentou o maior crescimento da produtividade do trabalho no Brasil no perodo recente, embora seja o setor com o menor nvel de produtividade.

  • 40 Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes

    Por outro lado, alm de estarmos nos distanciando da fronteira, os pases menos produtivos, particularmente a China, esto rapidamente se aproximando dos nvei