livro primeiro ano de filosofia

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ELABORADO DE ACORDO COM O REFERENCIAL CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO / SED/MS OLÍVIO MANGOLIM Possui LICENCIATURA PLENA EM FILOSOFIA pela PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ (1981) e CURSO INSTITUCIONAL DE TEOLOGIA pelo STUDIUM THEOLOGICUM agregado à PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ (1985). É MESTRE em Educação pela UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (1999). Atualmente é presidente do INSTITUTO TÉCNICO JURÍDICO E EDUCATIVO. Tem experiência na área de Educação, com ênfase na Área de Concentração: EDUCAÇÃO ESCOLAR e FORMAÇÃO DE PROFESSORES, atuando principalmente nos seguintes temas: a questão indígena e o desenvolvimento regional, Educação Indígena, sociedade e índios. É professor de Filosofia e Sociologia, Geografia e História na Escola Estadual Lino Villachá do Bairro Nova Lima em Campo Grande/MS. olí[email protected] ou [email protected] (067) 3354-9265 – (067) 9284-0544 ESCOLA ESTADUAL LINO VILLACHÁ OLÍVIO MANGOLIM VAMOS FILOSOFAR? “ENSAIOS DE INTRODUÇÃO À FILOSOFIA” OU “DE COMO SE DEU A ELABORAÇÃO DO PENSAMENTO RACIONAL”

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Page 1: Livro primeiro ano de filosofia

ELABORADO DE ACORDO COM O REFERENCIAL CURRICULAR DO ENSINO MÉDIO / SED/MS

OLÍVIO MANGOLIMPossui LICENCIATURA PLENA EM FILOSOFIA pela PONTÍFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ (1981) e CURSO INSTITUCIONAL DE TEOLOGIA pelo STUDIUM THEOLOGICUM agregado à PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ (1985). É MESTRE em Educação pela UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (1999). Atualmente é presidente do INSTITUTO TÉCNICO JURÍDICO E EDUCATIVO. Tem experiência na área de Educação, com ênfase na Área de Concentração: EDUCAÇÃO ESCOLAR e FORMAÇÃO DE PROFESSORES, atuando principalmente nos seguintes temas: a questão indígena e o desenvolvimento regional, Educação Indígena, sociedade e índios. É professor de Filosofia e Sociologia, Geografia e História na Escola Estadual Lino Villachá do Bairro Nova Lima em Campo Grande/MS.

olí[email protected] ou [email protected](067) 3354-9265 – (067) 9284-0544

ESCOLA ESTADUAL LINO VILLACHÁ

OLÍVIO MANGOLIM

VAMOS FILOSOFAR?“ENSAIOS DE INTRODUÇÃO À FILOSOFIA” OU

“DE COMO SE DEU A ELABORAÇÃO DO PENSAMENTO RACIONAL”

CONTEÚDO PARA 1º ANO DO ENSINO MÉDIO

“NÃO SE ENSINA FILOSOFIA,ENSINA-SE A FILOSOFAR” (KANT).

Page 2: Livro primeiro ano de filosofia

CAMPO GRANDE, ABRIL DE 2010

O VERBO FILOSOFAR PODE SER USADO COM TRÊS SIGNIFICADOS DISTINTOS1:

Como simples sinônimo de pensar. Doenças ou morte

de pessoas próximas, decepções, perdas irreparáveis...

Fazem-nos pensar (filosofar) sobre o sentido de nossa

vida. Mas este ainda não é o sentido pleno de filosofar.

Como sinônimo de “saber viver”. Aqui, filosofar é viver

com sabedoria. O sábio é aquele que se torna um

exemplo vivo das virtudes apreciadas em uma

sociedade e é tomado como ponto de referência para

fortalecer o valor das tradições vigentes. É nesse

sentido que as sabedorias orientais são também

chamadas “filosofias”.

Como “filosofar propriamente dito”, que teve início

da Grécia, em torno dos séculos VI e V a.C. PARA OS FILÓSOFOS DE TODOS OS TEMPOS: A RAZÃO É O ÚNICO INSTRUMENTO PARA LER E INTERPRETAR A REALIDADE. FILOSOFAR É ENCONTRAR A VERDADE POR MEIO DA RAZÃO.

1 Cfr. Cassiano Cordi. O que é filosofar? – Do mito à razão. Em: Para Filosofar, 3 ed., São Paulo: Scipione, 1997, p. 7-21.

Page 3: Livro primeiro ano de filosofia

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.................................................................3INTRODUÇÃO......................................................................41. GRÉCIA: BERÇO QUE EMBALA A FILOSOFIA.............72. LINGUAGEM, CONHECIMENTO E PENSAMENTO......213. ANTIGUIDADE E IDADE MÉDIA....................................354. IDADE MODERNA E CONTEMPORÂNEA....................52CONCLUSÃO......................................................................66BIBLIOGRAFIA...................................................................69

Page 4: Livro primeiro ano de filosofia

APRESENTAÇÃO

“Se não tivermos presente a tradição histórica, seremos como selvagens modernos na selva da cidade” (Jostein Gaarder).

O objetivo de elaborarmos esta apostila é colocar às mãos dos alunos do Ensino Médio o conhecimento dos conteúdos básicos de Filosofia que permita o desenvolvimento do raciocínio lógico, aprofundado, sistemático, questionador.

Trata-se da disciplina Filosofia e pretende-se apresentar aqueles aspectos da Filosofia que darão uma contribuição importante na formação dos estudantes em relação ao pensar, o aprender, o conhecer e o falar. Não se ensina e não se aprende a Filosofia. Aprende-se a filosofar. Por isso é um convite: vamos filosofar.

Ensaios porque as atividades do aprender a aprender, do conhecer como se conhece, do saber como se sabe, serão feitas coletivamente, reelaborando o conhecimento a partir da contribuição de cada estudante. Introdução, do latim Intus (dentro) Ducere (conduzir), porque coloca os estudantes em contato com a ciência do ser e do pensar. E, finalmente, a Filosofia. O conhecer é obra dos que pensam, querem e sentem. Na medida em que se vive se filosofa. Filosofia é uma atividade do ser humano, é a dinâmica do ser. É a idéia, sangue do meu sangue. Produzir a idéia, o pensamento. Não ser apenas meros repetidores. Filosofia é ser e pensar. Consegue viver melhor quem pensa. Portanto, Filosofia é aprendizado do saber em proveito do homem.

A coruja na capa é o símbolo da filosofia, pois consegue enxergar o mundo mesmo nas noites mais escuras. A constituição física de seu pescoço permite que ela veja tudo a sua volta. Essa seria a pretensão da filosofia, por meio da razão poder ver racionalmente e entender o mundo mesmo nos seus momentos mais obscuros. E ainda, procurar enxergá-lo sob os mais diversos ângulos possíveis.

Penso logo não me arrependo.Pensar é produzir conhecimento, é ação sobre a realidade circundante.

Arrependo por não executar o que penso, por executar diferente do pensado, ou executar sem ter planejado.

Recordo-me de ter pensado e isto é conhecimento de fato.

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HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. São Paulo: Martins Fontes, 2003.LEFEBVRE, H. Introdução à Modernidade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1969.LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da educação. SP: Cortez, 1994.MERLEAU-PONTY, M.; Elogio da Filosofia. Lisboa: Guimarães Ed., s/d.MOSER, P. K.; DWAYNE, H. M.; TROUT, J. D. A Teoria do Conhecimento: Uma introdução Temática. São Paulo: Martins Fontes, 2004.PLATÃO; Defesa de Sócrates. Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1972.PLATÃO; República. São Paulo: Abril Cultural, 1972.PRADO JUNIOR, C. O que é filosofia. SP: Brasiliense, 1983.REALE, G; ANTISERI, D. História da Filosofia. Vol. I. São Paulo: Paulus, 1991.RÓNAI, Paulo. Dicionário universal de citações. RJ: Círculo do Livro, 1985.SANTOS, B. de S. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003.SCURO, Neto Pedro. Sociologia Ativa e Didática. SP: Saraiva, 2003.SILVA, F. L. Teoria do Conhecimento, In: CHAUÍ et al. Primeira Filosofia. São Paulo: Brasiliense,1985.TELES, Antônio Xavier. Introdução ao estudo de filosofia. 19 ed., SP: Ática, 1982.TOBIAS, J.A. Iniciação à filosofia. 8 ed. Presidente Prudente/SP: Unoeste, 1987.VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da Práxis (trad. Luiz Fernando Cardoso). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.VERNANT, J. P. Entre Mito e Política. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001.

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BIBLIOGRAFIA

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INTRODUÇÃO

“Nada caracteriza melhor o homem do que o fato de pensar” (Aristóteles).

Neste primeiro encontro com a ciência chamada FILOSOFIA, berço de todas as demais ciências, para um grupo de alunos do Ensino Médio, o filósofo ressente-se de duas atitudes: apreensão e estímulo.

Apreensivo porque na maioria das vezes se têm a idéia, que a muito vem sendo disseminada, de que a filosofia é coisa de maluco, árida e de nenhuma utilidade para a vida. Sem dúvida a ideologia dominante assim a define, porque interessa. É conhecida aquela definição de que “filosofia é uma ciência que com a qual ou sem a qual o mundo vai permanecer tal e qual”2. Por isso há os que zombam. Mas como disse Pascal: “Zombar da filosofia já é filosofar”3.

Estimulado por buscar na filosofia a razão última das coisas. Com sabedoria afirmou o cineasta americano John Huston: “O futuro do homem não poderá estar dissociado de seu retorno às origens”4. A grande busca da contemporaneidade é a questão da qualidade. Lá na Grécia Antiga encontramos Platão absorto na discussão de como administrar a Pólis com justiça, buscando sempre com sabedoria o melhor caminho. Assim a filosofia hoje há que se preocupar com um elemento muito importante: o ser humano, aquele que cria e reproduz a qualidade.

A cada dia que passa é maior a necessidade de que os indivíduos sejam sujeitos de si mesmos conscientes de sua história. Até mesmo o mercado já exige um perfil profissional que supõe uma

2 Gregório Marañon (1887-1960), nota à margem de uma de suas obras, Apud. PAULO RÓNAI, Dicionário universal de citações, p. 374.3 Pensamentos I, 4.4 Apud Irene Tavares de Sá, Você também faz a história, p. 58.

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mão de obra criativa e atuante, e não mais meros executores de tarefas.

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Nossa preocupação, para além do mercado, é com a formação de um indivíduo crítico e responsável socialmente pelos seus atos.

A possibilidade da formação deste indivíduo deve ser viabilizada para o adolescente e o jovem. Ela não se dá espontaneamente. Uma das formas de viabilizá-la é através do processo ensino-aprendizagem das ciências, da filosofia, das artes, e da experiência de vida de cada um.

Neste contexto, cabe à Filosofia garantir não só a visão de totalidade da história e do processo do conhecimento, sem negar a necessidade de especialização hoje imposta, mas também desenvolver no educando - junto com outras disciplinas - a sua capacidade de buscar, através da leitura, da observação, da percepção de transformações ocorridas a partir da sua própria interferência em situações político-econômico-sociais, o melhor caminho historicamente possível para a organização da vida em sociedade.

Desta forma, a disciplina de Filosofia busca fornecer ao estudante do Ensino Médio o instrumental básico à elaboração de uma reflexão sobre o mundo, e sobre si mesmo no mundo, de forma a possibilitar-lhe a conquista de uma autonomia crescente no seu pensar e agir.

Os trabalhos e atividades serão desenvolvidos a partir de aulas expositivas; leituras e pesquisas orientadas; seminários; análise, interpretação e discussão de temas atuais; integração com outras disciplinas; avaliações. Pois como disse Kant: “Não se ensina Filosofia, ensina-se a filosofar”5.

Ao longo dos três anos do Ensino Médio, espera-se do estudante: Aprender e fixar a leitura interpretativa de textos teóricos;5 citado em "Revista Brasileira de Filosofia" - Volume 16, Página 149, 1966. Disponível em: http://pt.wikiquote.org/wiki/Immanuel_Kant, acessado em 23 de março de 2010 às 14h:01min.

Aprender conceitos, saber relacioná-los entre si e aplicá-los em sua realidade;

Reconhecer-se como ser produtor de cultura e, portanto, da história;

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CARACTERÍSTICAS DO PENSAMENTO NOS DIFERENTES PERÍODOS DA HISTÓRIA E NA PRÉ-HISTÓRIA

PRÉ-HISTÓRIA

ANTIGÜIDADE IDADE MÉDIA

IDADE MODERNA

IDADE CONTEMPORÂNEA

Naturalismo Guerra e caos Teocentrismo Antropocentris-mo

Humanismo e capitalismo

Verdade= naturalismo

Verdade= força bruta

Verdade= bíblia

Verdade= experimentação

, observação.

Verdade? Esperança a última que morre a primeira que mata.

Tragédias são transformadas em

grandes espetáculos.

Vida natural de subsistência

Vida material de escravos e

opulência dos reis

Vida material sem

importância

Vida terrena e material

também é importante.

Acumulação e pobreza

Luta de classes

Respeito e utilização

ordenada da natureza

Medo e obediência

Conformismo Crença no progresso

Progresso para privilegiados

Natureza= provedora do

homem

Natureza= esconderijo e

protetora

Natureza= fonte de pecado

Natureza= beleza, onde o

homem se insere.

Natureza= a luta pela sua preservação

Consciência ecológica

Vida instintiva Mitologismo e cristianismo

Ascetismo Hedonismo Ecletismo

Naturalismo Compreender para crer, crer

para compreender.

Dogmatismo Fé é diferente da razão

Fé e razão se entrelaçam

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A aprendizagem não mora no podium, ela mora no trajeto. A aprendizagem não se dá na conquista ela se dá na luta. A aprendizagem é um processo. Respostas prontas aprisionam. Nosso papel é libertar. A necessidade de atividade para a construção do conhecimento demanda práticas objetivas do aluno e não só o “prestar atenção” ou fazer tarefas. Cabe ao professor descobrir novas formas ou velhas formas que ainda fazem sentido para ensinar sem complicar ou ensinar com alegria. Como dizia Platão: “Não ensine aos meninos pela força e severidade, mas leve-os por aquilo que os diverte, para que possam descobrir a inclinação de suas mentes” (Platão. A República, VII). Afinal aquilo que aprendemos vale bem mais do que aquilo que nos ensinam. Não existe ensino sem aprendizagem. É preciso criar condições para que os alunos possam refletir antes de mergulhar nos textos filosóficos, ou como diria Paulo Freire: é preciso fazer primeiro a leitura do mundo para depois fazer a leitura da palavra.

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Compreender a produção do pensamento como enfrentamento dos desafios humanos;

Compreender o papel da reflexão, em especial, o da filosófica; Saber construir universos históricos de diferentes tempos em seu

pensamento sem preconceitos; Situar-se como cidadão no mundo em que vive percebendo o seu

caráter histórico e a sua dimensão de liberdade; Compreender o conhecimento como possibilidade de libertação

social; Compreender o pensamento do seu mundo como síntese de

diferentes culturas anteriores e concomitantes a ele; Elaborar criticamente seu próprio pensar a partir de

notícias/análises de jornais/revistas e de suas vivências concretas.Este é o caminho que devemos percorrer. A esperança de

caminhar nas linhas que traçamos é infinda, esperamos consegui-lo, senão o conseguir na totalidade, ao menos em parte.

Olívio Mangolim.

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1. GRÉCIA: BERÇO QUE EMBALA A FILOSOFIA1.1. A ORIGEM DA FILOSOFIA

“Você é aquilo que você pensa. Pense nisso!” (livro “o Segredo”).

Os historiadores da filosofia dizem que ela possui data e local de nascimento: final do século VII e inicio do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor (particularmente as que formavam uma região denominada Jônia), na cidade de Mileto. E o primeiro filosofo foi Tales de Mileto.

Alem de possuir data e local de nascimento e de possuir seu primeiro autor, a filosofia também possui um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de duas outras, cosmos que significa mundo ordenado e organizado; e logia que vem da palavra logos, que significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Assim, a filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza, donde cosmologia.

O homem pode ser identificado e caracterizado como um ser que pensa e cria explicações. Criando explicações, cria pensamentos. Na criação do pensamento, estão presentes tanto o mito como a racionalidade, ou seja, a base mitológica, enquanto pensamento por figuras, e a base racional, enquanto pensamento por conceitos. Esses elementos são constituintes do processo de formação do conhecimento filosófico.

Este fato não pode deixar de ser considerado, pois é a partir dele que o homem desenvolve suas idéias, cria sistemas, elabora leis, códigos, práticas.

Compreender que o surgimento do pensamento racional, conceitual, entre os gregos, foi decisivo no desenvolvimento da cultura da civilização ocidental é condição para que se entenda a conquista da autonomia da razão (lógos) diante do mito. Isso marca o advento de uma etapa fundamental na história do pensamento e do

desenvolvimento de todas as concepções científicas produzidas ao longo da história humana.

CONCLUSÃO

"Não há mestre que não possa ser aluno” (Baltazar Gracián).

Não se transforma o Homem em verdadeiro cidadão com processos educativos repressivos ou de dominação. Nem tampouco com processos educativos altamente libertadores sendo manipulados por pessoas dominadoras e repressivas. Verdadeiros processos educativos que visem à transformação da sociedade em que vivemos, necessariamente, advirão de experiências de grupos concretos, onde o processo da construção dessa experiência de verdadeiros cidadãos seja coletivo, tanto na formação dos educadores quanto dos educandos, no caso, o cidadão brasileiro em geral.

“O homem é a única criatura que precisa ser educada (...) Por ser dotado de instinto, um animal, ao nascer, já é tudo o que pode ser; uma razão alheia já cuidou de tudo para ele. O homem, porém deve servir-se de sua própria razão. Não tem instinto e deve determinar ele próprio o plano de sua conduta. Ora, por não ter de imediato capacidade para fazê-lo, mas, ao contrário, entrar no mundo, por assim dizer, em estado bruto, é preciso que outros o façam para ele” (Kant, fim do século XVIII).

Nós somos protagonistas da história e como disse o pequeno príncipe: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Ou em outras palavras ditas pelo primeiro e grande educador popular da França Freinet: “Se não encontrarmos respostas adequadas a todas as questões sobre educação, continuaremos a forjar almas de escravos em nossos filhos”. Segundo Freinet, está fadado ao fracasso qualquer método que pretenda fazer “beber água o cavalo que não tem sede”. A volta da

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Filosofia ao Ensino Médio quer ser o despertar desta sede. A Filosofia é, na verdade, a ciência que volta para auxiliar na descomplicação da aprendizagem.68

Os métodos ou técnicas se caracterizam na exposição verbal da matéria e/ou demonstração. Tanto a exposição quanto a análise são feitas pelo professor com ênfase nos exercícios, na repetição de conceitos ou fórmulas.

A idéia de que o ensino consiste em repassar os conhecimentos para o espírito do aluno é acompanhada de outra: a de que a capacidade do aluno de assimilação é idêntica à do adulto, apenas menos desenvolvida.

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O conhecimento de como isso se deu e quais foram as condições que permitiram a passagem do mito à filosofia elucidam uma das questões fundamentais para a compreensão das grandes linhas de pensamento que dominam todas as nossas tradições culturais. Deste modo, é de fundamental importância que o estudante do Ensino Médio conheça o contexto histórico e político do surgimento da filosofia e o que ela significou para a cultura. Esta passagem do pensamento mítico ao pensamento racional no contexto grego é importante para que o estudante perceba que os mesmos conflitos entre mito e razão, vividos pelos gregos, são problemas presentes, ainda hoje, em nossa sociedade, na qual a própria ciência depara-se com o elemento da crença mitológica ao apresentar-se como neutra, escondendo interesses políticos ou econômicos em sua roupagem sistemática, por exemplo.

Para entender o que é Filosofia, é importante entendermos como ela surgiu.

A filosofia surgiu na Grécia Antiga com o propósito de libertar o pensamento de suas bases míticas, para dar à vida explicações diferentes daquelas que dependiam de deuses e superstições. Era uma atividade dos homens sábios (philos = amigo ou amante; Sophia = sabedoria) que se punham a pensar sobre conceitos estabelecidos, buscando novos entendimentos. Ou seja, a Filosofia tem início quando não mais consideramos as coisas como certas, passando e formular questões sobre elas e a procurar respostas.

Faz-se Filosofia colocando perguntas, propondo idéias, argumentando e pensando em possíveis argumentos contrários, procurando saber como funcionam realmente os conceitos, para chegar mais próximo da verdade. Seu objetivo é avançar no conhecimento da vida e de nós mesmos.

A atividade filosófica (e conseqüentemente, a atitude filosófica) se caracteriza pela busca de sentido mais profundo da realidade, transformando uma simples experiência ou idéia num "saber" sobre a experiência e a idéia.

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O que o filósofo mais faz é refletir (refletere = voltar sobre), repassando suas experiências e suas idéias para entendê-las melhor e para confirmá-las.10

A Filosofia nasceu para que, usando a razão 'natural', nós pudéssemos discutir, desenvolver e aplicar critérios de julgamento, a fim de avaliar o valor de verdade do conteúdo das nossas crenças e a validade, ou a legitimidade das normas, hábitos e costumes que regulam as nossas ações e comportamentos. Temos crenças e em função delas agimos. Filosofamos para avaliar o quanto nossas crenças são sólidas e o quanto nossos comportamentos são justificáveis6.

Esta atividade é favorecida pelo diálogo filosófico, onde pessoas com pensamentos diferentes se encontram e buscam, com método, investigar a verdade sobre um tema ou assunto.

1.2. ETIMOLOGIA DA PALAVRA“A falta de interesse em querer conhecer os mistérios da criação e da vida, é uma prova de que essa pessoa já se encontra morta... é só um defunto ambulante que incomoda... e ás vezes fede também!” (Bruno

Guerreiro de Moraes)7.

A palavra é formada por dois termos gregos: Philo (amigo) e Sophia (sabedoria). Se conseguirmos pronunciar a palavra philosophia como os gregos antigos por sua aprendizagem a conheceram, não seria preciso explicá-la, pois a língua grega, por se ter formado a partir da experiência originária das palavras, tem o privilégio de expressar seu sentido no ato de pronunciá-las. Nós hoje ouvimos primeiro a explicação etimológica da palavra philosophia e com dificuldade transpomos o simples ouvir ou ver a palavra em busca daquele sentido primeiro investigado e apreendido pelos antigos gregos.

6 Cunha, José Auri. O conceito de pessoa na comunidade dialógica de investigação. Transcrição da palestra proferida na Mesa-Redonda 'Racionalidade, Ética e Educação', II Encontro Nacional de Educação para o Pensar. Leia o texto integral em www.cbfc.com.br. (Clique em "Biblioteca CBFC" e em "Volume 3").7 Disponível: http://osaltociencia.blogspot.com/2008/12/bruno-apresentao.html. Acessado em 23 de março de 2010 às 14h52min.

A primeira definição de filosofia que conhecemos é a de Pitágoras (582-497 a.C.)8.

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Visava a substituição da manipulação mítica (irreal) pela visão científica subordinando a imaginação científica à observação empírica (baseado apenas na experiência e não no estudo).

Seu lema sempre foi: “ordem e progresso”, por isso tornou-se uma ideologia da ordem, da resignação e, contraditoriamente, da estagnação social.

Para os positivistas, a libertação social e política passariam pelo desenvolvimento da ciência e da tecnologia sob o controle das elites.

O positivismo nasceu como filosofia (questionando o real e a ordem existente) e ao dar resposta ao social afirmou-se como ideologia. Ou seja, o que antes era explicado com religião: exemplo: o que é a chuva? Lágrimas de anjos. Passou a ser estudado e explicado através da ciência: exemplo: o que é a chuva? Chuva é um fenômeno meteorológico que consiste na precipitação de água sobre a superfície da Terra. A chuva forma-se nas nuvens. Nem todas as chuvas atingem o solo, entretanto: algumas se evaporam enquanto estão ainda a cair, num fenômeno que recebe o nome de virga e acontece principalmente em períodos/locais de ar seco.

4.4.2. TENDÊNCIA HUMANISTA

A concepção humanista, seja na versão tradicional, seja na versão moderna, engloba um conjunto bastante grande de correntes que têm em comum o fato de derivarem a compreensão da educação em determinada visão de homem. Segundo essas duas tendências, a Filosofia da Educação é algo sempre tributário de determinado “sistema filosófico geral”. A concepção humanista tradicional é marcada pela visão existencialista do homem. O homem é encarado como constituído por essência imutável, cabendo à educação conformar-se com a essência humana.

A escola tem o papel de preparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade. Os conteúdos de ensino são os conhecimentos e valores sociais acumulados pelas

8 Cícero. Tusc. disput. lib. V, c. 3. Apud. Antônio Xavier Teles, Introdução ao estudo de filosofia. p. 10.

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gerações anteriores e repassados como verdades. São conteúdos dissociados das realidades sociais.

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A fim de entender isso completamente será conveniente tratar, em primeiro lugar, da diferença entre conhecimento direto e conhecimento por descrição, e então considerar que o conhecimento de princípios gerais, se existe, tem o mesmo tipo de certeza que nosso conhecimento da existência de nossas próprias experiências.

4.3.2. IDEOLOGIA

Ideologia é o conjunto de idéias, conceitos e comportamentos que prevalecem sobre uma sociedade. Seu objetivo é encobrir as divisões existentes na sociedade e na política, mostrando uma forma maquiada de indivisão.

A ideologia funciona invertendo os efeitos e as causas, resultando em imagens e sintomas, produzindo uma utopia social, usando o silêncio para encobrir a incoerência.

Podemos exemplificar a ideologia com a afirmação de que o adultério é crime, que o homossexual é pervertido e que o futebol é coisa do homem. O que a ideologia encobre?

Encobre o vínculo entre compromisso e sexo, no primeiro caso, o preconceito pela escolha sexual diferente e o uso do sexo para prazer e não para procriar, segundo caso, e a discriminação ainda existente com o sexo feminino, último caso.

4.4. POSITIVISMO E MATERIALISMO4.4.1. TENDÊNCIA NATURALISTAPara Augusto Comte não só os fenômenos naturais podem ser

reduzidos a leis, mais também os fenômenos sociais. Os fenômenos humanos podem ser analisados como fatos. Tanto na natureza quanto nas ciências humanas deveria se afastar qualquer preconceito ou pressuposto ideológico.

Tendência para encarar a vida só pelo lado prático e útil.

Representava a doutrina que consolidaria a ordem pública desenvolvendo nas pessoas uma “sábia resignação”. Por isso rejeitava o marxismo, o iluminismo e o socialismo considerando-os destrutivos, subversivos, revolucionários.

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Ele dizia que o filósofo é “amigo e desejoso da sabedoria”. Relutava que não se tratava de uma sabedoria sobrenatural ou divina, e sim que um filósofo é um homem humanamente sábio, e, por isso mesmo, é de sua obrigação fornecer aos homens luzes humanas mais profundas sobre os grandes problemas que afligem a humanidade.

Foi Heráclito de Éfeso (535-475 a.C.) quem presumivelmente criou o termo “filósofo”. Em grego, philosophon que se compõe de philos que significa amigo, e sophon, que significa o todo (hen panta). Filósofo, portanto, é amigo do todo.

Onde está o todo com quem o filósofo mantém laços de amizade?

O todo está no próprio pensamento que pensa! Quando pensa, o pensamento se torna “luz” do real. Podemos traduzir o termo sophon como “o pensamento pensando o real”. Ou ainda: sophon é o real luzindo no pensamento.

Quando o pensamento aprende a apreciar o múltiplo real, quando sabe vê-lo ou lê-lo em sua “transparência”, possui o sophon. Esta aprendizagem ou sabedoria se parece com o clarear do dia que acorda a noite para a luz da madrugada. A luz da manhã é o pensamento; a realidade, à noite de seu entusiasmo.

O filósofo seria um pretendente à sabedoria, uma pessoa aficionada pelo saber, e não um detentor de todo saber como injustamente, às vezes, lhe é atribuído. A primeira vez que a palavra apareceu foi sob a forma verbal filosofar com o significado de esforçar-se por adquirir novos conhecimentos (Heródoto, 484-425 a.C.).

Para ser amigo e desejoso da sabedoria é preciso vencer a “tragédia”. Começar a pensar, eis a tarefa. A filosofia deve ser o

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pensar real. Por que isso? Porque entre nós perdemos o contato com a realidade em torno, e até muitas vezes desconhecemos nossa própria realidade, vivemos de uma forma como se não fôssemos nós, assumimos ser outro. Como podemos deixar de sermos nós mesmos? A filosofia é o pensar solícito e liberado à verdade do ser que destina o homem ao seu ser mais próprio.

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Ela convoca o homem ao mais íntimo de si, leva-o a refletir sobre seus problemas e os problemas do contexto que o envolve. De modo que podemos afirmar que a filosofia libera o homem da conjuntura social, enviando-o ao mais próprio do social, econômico, político e ideológico.

A filosofia é, ao mesmo tempo, interpretação do já vivido e das aspirações e desejos do que está por vir, do que está para chegar. Ela é uma força na luta pela vida e pela emancipação humana. Portanto filosofia é o que se pensa. Pensar o que somos e como somos.

1.3. O QUE É FILOSOFIA“A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo” (Merleau-Ponty).

A filosofia é como uma obra de arte ou ainda uma bela jogada de futebol. Impossível defini-la antes de fazê-la, como não se pode definir em geral nenhuma ciência, nenhuma disciplina, antes de entrar diretamente no trabalho de fazê-la. Qualquer ciência, um “fazer” humano qualquer, recebe seu conceito claro, sua noção precisa, quando o homem domina este fazer. O que é dominado, o que é apreendido, então é definido. Não existem definições no vazio, no nada. Só se sabe o que é filosofia quando se é realmente um filósofo. Isto quer dizer que a filosofia, mais do que qualquer outra disciplina necessita ser vivida. Vivência significa o que temos realmente em nosso ser psíquico; o que real e verdadeiramente estamos sentindo, tendo, na plenitude da palavra ter.

Adentremos, pois, num exemplo concreto, que nos permita compreender a amplitude da palavra vivência. Uma pessoa pode estudar detalhadamente o mapa do Pantanal sulmatogrossense; estudá-lo muito bem; observar um por um os diferentes nomes dos rios; depois estudar uma por uma o nome das espécies animais,

vegetais, principalmente aqueles que se dizem em extinção; pode depois ir à Morada dos Baís e revistar uma a uma as fotos existentes. Igualmente no Museu Dom Bosco encontrará vestígios de espécies antigas, da presença indígena que ocupara a região, etc. A partir disto pode reconstruir a visão panorâmica do Pantanal. E assim ir aprofundando os estudos de maneira cada vez mais minuciosa; mas sempre será uma simples idéia.

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Além disso, não é de modo algum uma verdade incontestável, e, na realidade, é falso, que não podemos saber se algo existe se não o conhecemos. A palavra “conhecer” é aqui usada em dois sentidos diferentes. Em sua primeira acepção é aplicável ao tipo de conhecimento que é oposto ao erro, no sentido de que aquilo que sabemos é verdadeiro, no sentido que se aplica às nossas crenças e convicções, isto é, ao que denominamos de juízos. Neste sentido da palavra sabemos que alguma coisa é o caso. Este tipo de conhecimento pode ser descrito como conhecimento de verdades. Na segunda acepção da palavra “conhecer”, a palavra aplica-se ao nosso conhecimento de coisas, ao qual podemos chamar de conhecimento direto. Este é o sentido em que conhecemos os dados dos sentidos. (Esta distinção corresponde, aproximadamente, àquela que existe entre savoir e connaître em francês, ou entre wissen e kennen em alemão).

Assim, o enunciado que parecia uma verdade incontestável torna-se, quando reformulado, o seguinte: “Nunca podemos enunciar um juízo verdadeiro sobre a existência de algo se não o conhecemos diretamente”. Esta de modo algum é uma verdade incontestável, mas, ao contrário, uma evidente falsidade. Não tenho a honra conhecer diretamente o Imperador da China, mas julgo, com razão, que ele existe. Pode-se dizer, naturalmente, que julgo isso por causa do conhecimento pessoal que outras pessoas têm dele. Esta, entretanto, seria uma réplica irrelevante, pois se o princípio fosse verdadeiro, não poderia saber que outros têm um conhecimento direto dele. Mas, além disso, não existe razão alguma para que não saiba da existência de algo que ninguém tem conhecimento direto. Este ponto é importante, e requer elucidação.

Se conheço diretamente que algo existe, meu conhecimento direto me proporciona o conhecimento de que ela existe. Mas não é

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verdade, reciprocamente, que sempre que posso saber que algo determinado existe, eu ou alguém deve ter conhecimento direto da coisa. O que ocorre, nos casos em que enuncio um juízo verdadeiro sem ter conhecimento direto, é que a coisa é conhecida por mim por descrição, e que, em virtude de algum princípio geral, a existência de algo que satisfaz esta descrição pode ser inferida da existência de algo do qual tenho conhecimento direto.64

Diz-se frequentemente, como se fosse um truísmo evidente por si mesmo, que não podemos saber se algo existe se não o conhecemos. Infere-se que tudo que pode de alguma maneira ser relevante para nossa experiência deve ser no mínimo suscetível de ser conhecido por nós. Segue-se, portanto, que se a matéria fosse essencialmente alguma coisa da qual não pudéssemos ter conhecimento direto, a matéria seria alguma coisa que não poderíamos saber que existe, e que não teria para nós importância alguma. Em geral está subentendido, por razões que permanecem obscuras, que o que não pode ter nenhuma importância para nós não pode ser real, e que, portanto, a matéria, se ela não é composta de mentes ou de idéias mentais, é impossível e uma mera quimera.

Não é possível, no momento, analisar profundamente este argumento, dado que ele levanta pontos que exigem uma considerável discussão preliminar; mas certas razões para rejeitar o argumento podem ser mencionadas imediatamente. Comecemos pela última: não existe razão alguma pela qual o que não pode ter qualquer importância prática para nós não deva ser real. É verdade que, se incluímos a importância teórica, tudo o que é real tem alguma importância para nós, dado que, como pessoas que desejam conhecer a verdade sobre o universo, temos algum interesse em tudo aquilo que o universo contém. Mas se incluímos este tipo de interesse, não é verdade que a matéria não tem nenhuma importância para nós, uma vez que ela existe mesmo se não podemos saber que ela existe. Podemos, evidentemente, suspeitar que ela possa existir, e perguntar se ela existe; por esta razão ela está relacionada com nosso desejo de conhecimento, e tem a importância de satisfazer ou frustrar este desejo.

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Ao contrário doze (12) horas de passeio de barco pelo Pantanal é uma vivência. Entre doze (12) horas de passeio de barco e a mais vasta coleção de fotografia do pantanal, há um abismo. Isto é uma simples idéia, uma representação, um conceito, uma elaboração intelectual; enquanto que aquilo é colocar-se realmente em presença do objeto, isto é, vivê-lo, viver com ele; tê-lo própria e realmente na vida; não o conceito, que o substitua; não a fotografia; não o mapa, não o esquema, que o substitua, mas ele próprio. Pois o que nós vamos fazer é viver a filosofia. E para vivê-la é necessário entrar nela para explorá-la.

“Qual é a coisa mais importante da vida? Se fazemos esta pergunta a uma pessoa de um país assolado pela fome, a resposta será: a comida. Se fazemos a mesma pergunta a quem está morrendo de frio, então a resposta será: o calor. E quando perguntamos a alguém que se sente sozinho e isolado, então certamente a resposta será: a companhia de outras pessoas.Mas, uma vez satisfeitas todas as necessidades, será que ainda resta alguma coisa de que todo mundo precise? Os filósofos acham que sim. Eles acham que o ser humano não vive apenas de pão. É claro que todo mundo precisa comer. E precisa também de amor e cuidado. Mas ainda há uma coisa de que todos nós precisamos. Nós temos a necessidade de descobrir quem somos e porque vivemos” (GAARDER, 2001: 24).

A vida é uma filosofia. A filosofia é vivência. Estudar é uma filosofia de vida. Portanto estas duas ciências articuladas durante o processo formativo hão de propiciar a que o profissional seja mais bem qualificado para o mercado. Afinal o estudante deve exercer o seu papel de “prever, organizar, pesquisar, discutir, estudar”.

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1.4. A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA“É igualmente proveitosa aos pobres e aos ricos, e, quando

desprezada, prejudicará igualmente meninos e velhos” (HORÁCIO, Epístolas, I).

Na linguagem comum de uso corrente, filosofia é uma visão de mundo, uma concepção de vida, que o homem adota para uso pessoal. De maneira que qualquer profissional poderá adotar para si ou assumir uma filosofia de vida mais pessimista ou mais otimista, menos séria ou mais, progressista ou retrógrada, motivadora de ação ou inibidora.14

De fato é no período que vai da adolescência para a juventude que criamos uma filosofia de vida para nós, uma concepção de vida e de mundo que irá interferir em nossas atitudes e modo de ser. Todos nós temos uma filosofia subjacente às nossas atitudes perante o mundo e a vida.

Todos nós devemos ser filósofos. Devemos filosofar, pois filosofar é arte das artes: o exercício de pensar por nós mesmos. A filosofia de vida de cada um resume o significado mais amplo que atribuímos às experiências do dia-a-dia para dar-lhes sentido.

Assim todo profissional tem sua filosofia de trabalho, mesmo que não esteja explicitada, elaborada, é seguida como doutrina.

Os que jamais tiveram ou seguiram uma filosofia foram fadados ao fracasso, pois a prática sem teoria é uma roda sem eixo. E a teoria sem prática é um semovente a caminho; necessariamente tem alguém a guiá-lo.

No ato de executar o papel fundamental da Filosofia está à atividade de pensar, aprender, conhecer e falar. Pensar: atividade da razão (investigação). Aprender: interiorização do objeto e exteriorização do

conhecimento do objeto. Conhecer: adequação do pensamento ao objeto (objetivando e

subjetivando). É quando se dá a realização do ser. Falar: linguagem, expressão do pensamento, do aprendizado, do

conhecimento. O que efetivamente denota que houve pensar, o aprender e o conhecer. É sua subjetivação. O esclarecimento do seu aprendizado.

A filosofia é uma forma de saber que se distingue daquele comum porque é sistemático e rigoroso, e daquele científico porque é exaustivo, com total abrangência inclusiva e explicativa. A exaustividade desta ciência faz com que a nossa investigação avance em direção ao aprender como se aprende ao saber como se sabe e ao conhecer como se conhece.

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A opinião de Berkeley, que obviamente a cor deve estar na mente, parece depender, para sua plausibilidade, da confusão entre a coisa apreendida com o ato de apreensão. Estas duas coisas poderiam ser denominadas uma “idéia”; provavelmente ambas teriam sido denominadas de idéia por Berkeley. O ato está indubitavelmente na mente; portanto, quando estamos pensando no ato, prontamente admitimos a opinião de que as idéias devem estar na mente. Por conseguinte, esquecendo que isso era apenas verdadeiro quando as idéias eram tomadas como atos de apreensão, transferimos a proposição que as “idéias estão na mente” para idéias no outro sentido, isto é, para as coisas apreendidas por nossos atos de apreensão. Assim, por um equívoco inconsciente, chegamos à conclusão de que tudo o que podemos apreender deve estar em nossa mente. Esta parece ser a verdadeira análise do argumento de Berkeley, e a falácia fundamental sobre o qual ele repousa.

Esta questão da distinção entre o ato e o objeto em nossa apreensão das coisas é sumamente importante, visto que toda nossa capacidade de adquirir conhecimento apresenta-se vinculada a ela. A faculdade de ter conhecimento direto de coisas diferentes dela mesma é a principal característica de uma mente. O conhecimento direto dos objetos consiste essencialmente numa relação entre a mente e alguma coisa diferente da mente; é isso que constitui a capacidade da mente de conhecer coisas. Se dissermos que as coisas conhecidas devem estar na mente, estamos limitando indevidamente a capacidade da mente de conhecer ou estamos proferindo uma mera tautologia. Estamos proferindo uma mera tautologia se quisermos dizer por “na mente” o mesmo que por

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“diante da mente”, isto é, se quisermos dizer simplesmente ser apreendido pela mente. Mas se queremos dizer isso, teremos de admitir que, neste sentido, estar na mente, pode, não obstante, ser não mental. Assim, quando compreendemos a natureza do conhecimento, percebemos que o argumento de Berkeley é errado tanto em sua substância como em sua forma, e suas razões para supor que “idéias” – isto é, os objetos aprendidos – devem ser mentais, são consideradas sem qualquer validade. Por isso, suas razões a favor do idealismo podem ser rejeitadas. Resta ver se existem algumas outras razões.62

Antes de nos dedicarmos à questão geral da natureza das idéias, devemos elucidar duas questões inteiramente distintas que surgem a respeito dos dados dos sentidos e dos objetos físicos. Vimos que, por várias razões específicas, Berkeley estava certo ao tratar os dados dos sentidos que constituem nossa percepção da árvore como mais ou menos subjetivos, no sentido que eles dependem de nós tanto quanto da árvore, e não existiriam se a árvore não estivesse sendo percebida. Mas este é um ponto inteiramente diferente daquele pelo qual Berkeley procura provar que tudo que pode ser imediatamente conhecido deve estar numa mente.

Para este objetivo argumentos específicos em relação à dependência que os dados dos sentidos têm de nós são supérfluos. É necessário provar, em geral, que pelo fato de serem conhecidas, as coisas devem ser mentais. Isso é o que o próprio Berkeley acredita ter feito. É este problema, e não nosso problema anterior em relação à diferença entre dados dos sentidos e objetos físicos, que deve agora nos interessar.

Tomando a palavra “idéia” no sentido de Berkeley, existem duas coisas completamente distintas a serem consideradas sempre que uma idéia está diante da mente. Existe, por um lado, a coisa da qual estamos conscientes – a cor da minha mesa, por exemplo – e, por outro lado, a própria consciência presente, o ato mental de apreender a coisa. O ato mental é indubitavelmente mental, mas existe alguma razão para supor que a coisa apreendida é em algum sentido mental? Nossos argumentos anteriores sobre a cor não provam que ela é mental; eles somente provam que sua existência

depende da relação de nossos órgãos dos sentidos com os objetos físicos – no nosso caso, a mesa. Ou seja, eles provam que uma determinada cor existirá, em uma determinada luz, se um olho normal é colocado em certo ponto em relação à mesa. Eles não provam que a cor está na mente do percipiente.

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Entre as inúmeras definições que foram dadas à filosofia é digna de particular menção a dos estóicos9: “A filosofia é ciência das coisas humanas e divinas e de suas causas”. Tudo é suscetível de investigação filosófica; por esta razão dá-se uma filosofia do homem, uma filosofia do mundo, uma filosofia da arte, da religião, da história, da cultura, do esporte, da técnica, do trabalho, do direito, etc. Mas são terrenos privilegiados e também objetivo principal da filosofia os problemas últimos: a origem das coisas, o sentido da história, o valor do conhecimento, a causa do mal etc.

1.5. FILOSOFIA, MITO, RELIGIÃO, RAZÃO Quando falamos do Mito e da Filosofia falamos do problema da

ordem e da desordem no mundo. O homem, ao procurar a ordem do mundo, cria tanto o mito como a filosofia. Muitos povos da Antigüidade experimentaram o mito, que é um pensamento por imagens. Os gregos também fizeram a experiência, de ordenar o mundo por meio do Mito. Estes perceberam que o Mito era um jeito de ordenar o mundo. A experiência política grega, ao longo dos anos, trouxe a possibilidade do pensamento como logos (razão), pois a vida na pólis impôs exigências que o mito já não satisfazia. Mas será que com a filosofia o mito desaparece? Será que em nossa sociedade ainda nos orientamos pelo pensamento mítico? Além dessas e outras questões, esse conteúdo procurará as conexões sociológicas e históricas para entender o mito e o nascimento da filosofia na Grécia.

9 ESTÓICA: escola filosófica que procura a felicidade através da supressão dos prazeres.

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O nascimento da filosofia pode ser entendido como o surgimento de uma nova ordem do pensamento, complementar ao mito, que era a forma de pensar dos gregos. Uma visão de mundo que se formou de um conjunto de narrativas contadas de geração a geração por séculos e que transmitiam aos jovens a experiência dos anciãos. Como narrativas, os mitos falavam de deuses e heróis de outros tempos e, dessa forma, misturavam a sabedoria e os procedimentos práticos do trabalho e da vida com a religião e as crenças mais antigas.16

Nesse contexto, os mitos eram um modo de pensamento essencial à vida da comunidade, ao universo pleno de riquezas e complexidades que constituía a sua experiência. Enquanto narrativa oral, o mito era um modo de entender o mundo que foi sendo construído a cada nova narração. As crenças que eles transmitiam ajudavam a comunidade a criar uma base de compreensão da realidade e um solo firme de certezas. Os mitos apresentavam uma religião politeísta, sem doutrina revelada, sem teoria escrita, isto é, um sistema religioso, sem corpo sacerdotal e sem livro sagrado, apenas concentrada na tradição oral, é isso que se entende por teogonia. Vale salientar que essas narrativas foram sistematizadas no século IX por Homero e por Hesíodo no século VII a.C.

Ao aliar crenças, religião, trabalho, poesia, os mitos traduziam o modo que o grego encontrava para expressar sua integração ao cosmos e à vida coletiva. Os gregos a partir do século V a.C., viveram uma experiência social que modificou a cotidianidade grega: a vivência do espaço público e da cidadania. A cidade constituía-se da união de seus membros para os quais tudo era comum. O sentimento que ligava os cidadãos entre si era a amizade, a filia, resultado de uma vida compartilhada.

1.5.1. QUAL A DIFERENÇA ENTRE MITO E FILOSOFIA?

Mito= Conjunto fechado de conhecimentos, capaz de explicar a realidade do meio. Tenta explicar a realidade pela própria realidade. Trabalha com o conceito, através dos sentidos. Um mito é uma narrativa tradicional com caráter explicativo e/ou simbólico, profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou religião. O

mito procura explicar os principais acontecimentos da vida, o fenômenos naturais, as origens do Mundo e do Homem por meio de deuses, semi-deuses e heróis (todas elas são criaturas sobrenaturais). Pode-se dizer que o mito é uma primeira tentativa de explicar a realidade.

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Todas as nossas percepções, de acordo com ele, consistem em uma participação parcial nas percepções de Deus, e é por causa desta participação que diferentes pessoas vêem mais ou menos a mesma árvore. Assim, independentemente das mentes e suas idéias nada existe no mundo, nem é possível que alguma coisa diferente possa alguma vez ser conhecida, dado que tudo o que é conhecido é necessariamente uma idéia.

Há neste argumento algumas falácias que tiveram importância na história da filosofia, e que será bom esclarecer. Em primeiro lugar, existe uma confusão engendrada pelo emprego da palavra “idéia”. Pensamos que uma idéia é algo que existe essencialmente na mente de alguém, e, assim, quando nos é dito que uma árvore consiste inteiramente de idéias, é natural supor que, se é assim, a árvore deve estar inteiramente na mente. Mas a noção de estar “na” mente é ambígua. Dizemos que temos uma pessoa em mente, não no sentido de que a pessoa está em nossa mente, mas de que temos em nossa mente um pensamento a seu respeito. Quando alguém diz que tirou de sua mente um problema que tinha que resolver, não significa dizer que o próprio problema estava em sua mente, mas apenas que um pensamento sobre o problema estava antes em sua mente, mas depois deixou de estar nela. E, assim, quando Berkeley diz que a árvore deve estar em nossa mente se quisermos conhecê-la, tudo o que ele realmente tem o direito de dizer é que um pensamento sobre a árvore deve estar em nossa mente. Argumentar que a própria árvore deve estar em nossa mente é como argumentar que uma pessoa em quem pensamos está, ela mesma, em nossa mente. Esta confusão pode parecer demasiado grosseira para que

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tenha sido realmente cometida por um filósofo competente, mas várias circunstâncias concomitantes a tornaram possível. A fim de ver como ela foi possível, devemos nos aprofundar no problema da natureza das idéias.

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Até este ponto sua argumentação é quase certamente válida, mesmo que alguns de seus argumentos não sejam. Mas ele passou a argumentar que os dados dos sentidos eram as únicas coisas de cuja existência nossas percepções poderiam nos assegurar, e que ser conhecido é estar “em” uma mente, e, portanto, ser mental. Por esta razão ele concluiu que nada pode ser conhecido exceto o que está em alguma mente, e que tudo o que é conhecido sem estar na minha mente deve estar em alguma outra mente.

A fim de entender seu argumento é necessário entender o emprego que ele faz da palavra “idéia”. Ele dá o nome de “idéia” a tudo o que é imediatamente conhecido, como, por exemplo, os dados dos sentidos são conhecidos. Assim, uma cor particular que vemos é uma idéia; da mesma forma, uma voz que ouvimos, e assim por diante. Mas o termo não é inteiramente restrito aos dados dos sentidos. Existiriam também coisas lembradas ou imaginadas, pois também temos conhecimento direto imediato de tais coisas no momento de lembrar ou imaginar. Berkeley denomina todos estes dados imediatos de “idéias”.

Berkeley então continua a considerar os objetos comuns, tais como uma árvore, por exemplo. Ele mostra que tudo o que conhecemos imediatamente quando “percebemos” a árvore consiste de idéias, no sentido que ele dá ao termo, e argumenta que não há a menor base para supor que existe alguma coisa real sobre a árvore a não ser o que é percebido. Seu ser, ele diz, consiste em ser percebida: no latim dos escolásticos, seu “esse” é “percipi”. Ele admite perfeitamente que a árvore deve continuar a existir mesmo quando fechamos nossos olhos ou quando nenhum ser humano está

próximo dela. Mas esta existência contínua, diz ele, deve-se ao fato de que Deus continua a percebê-la; a árvore “real”, que corresponde ao que denominamos de objeto físico, consiste de idéias na mente de Deus, idéias mais ou menos semelhantes àquelas que temos quando vemos a árvore, mas que diferem no fato de que são permanentes na mente de Deus enquanto a árvore continua a existir.

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Filosofia= Conhecimento objetivo, caracterizado pela razão, preocupa-se com a essência das coisas. A explicação mítica é contrária à explicação filosófica. A Filosofia procura, através de discussões, reflexões e argumentos, saber e explicar a realidade com razão e lógica enquanto que o mito não explica racionalmente a realidade, procura interpretá-la a partir de lendas e de histórias sagradas, não tendo quaisquer argumentos para suportar a sua interpretação.

1.5.2. RESUMO DO RELATO MÍTICO: COMPLEXO DE ÉDIPO

Laio, rei da cidade de Tebas e casado com a bela Jocasta, foi advertido pelo oráculo (resposta que os deuses davam a quem os consultava) de que não poderia gerar filhos. Se esse aviso fosse desobedecido, seria morto pelo próprio filho e muitas outras desgraças surgiriam.

A princípio Laio não acreditou no oráculo e teve um filho com Jocasta. Quando a criança nasceu, porém, cheio de remorso e com medo da profecia, ordenou que o recém-nascido fosse abandonado numa montanha, com os tornozelos furados, amarrados por uma corda. O edema provocado pela ferida é a origem do nome Édipo, que significa “pés inchados”.

Mas o menino Édipo não morreu. Alguns pastores o encontraram e o levaram ao rei de Corinto, Polibo, que o criou como se fosse seu filho legítimo. Já adulto Édipo ficou sabendo que era filho adotivo. Surpreso, viajou em busca do oráculo de Delfos para conhecer o mistério de seu destino. O oráculo revelou que seu destino era matar o próprio pai e se casar com a própria mãe.

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Espantado com essa profecia, Édipo decidiu deixar Corinto e rimar em direção a Tebas. No decorrer da viagem encontrou-se com Laio. De forma arrogante o rei ordenou-lhe que deixasse o caminho livre para sua passagem. Édipo desobedeceu as ordens do desconhecido. Explodiu, então, uma luta entre ambos, na qual Édipo matou Laio.

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Sem saber que tinha matado o próprio pai, Édipo prosseguiu sua viagem para Tebas. No caminho deparou-se com a Esfinge, um monstro metade leão, metade mulher, que lançava enigmas aos viajantes e devorava quem não os decifrasse. A Esfinge atormentava os moradores de Tebas.

O enigma proposto pela Esfinge era o seguinte: “Qual o animal que de manhã tem quatro pés, dois ao meio-dia e três à tarde?” Édipo respondeu: “É o homem. Pois na manhã da vida (infância) engatinha com pés e mãos; ao meio dia (na fase adulta) anda sobre dois pés; e à tarde (velhice) necessita das duas pernas e do apoio de uma bengala”.

Furiosa por ver o enigma resolvido, a Esfinge se matou. O povo tebano saudou Édipo como seu novo rei. Deram-lhe como esposa Jocasta, a viúva de Laio. Ignorando tudo, Édipo casou-se com a própria mãe. Uma violenta peste abateu-se então sobre a cidade. Consultado, o oráculo respondeu que a peste não findaria até que o assassino de Laio fosse castigado.

Ao longo das investigações para descobrir o criminoso, a verdade foi esclarecida. Inconformado com o destino, Édipo cegou-se e Jocasta enforcou-se. Édipo deixou Tebas, partindo para um exílio na cidade de Colona.

Os mitos cumpriam uma função social moralizante de tal forma que essas narrativas ocupavam o imaginário dos cidadãos da pólis grega direcionando suas condutas.

Na Atenas do século V a.C. existia também o espaço para as comédias que satirizavam os poderosos e personagens célebres, e as tragédias que narravam as aventuras e prodígios dos heróis, bem

como suas desventuras e fracassos. Havia festivais em que os poetas e escritores competiam elegendo as melhores peças e textos, estes festivais eram muito importantes na vida da “pólis” grega, era por meio destes eventos sociais que as narrativas míticas se difundiam.

O soberano consulta o Oráculo, o que era comum na cultura grega antiga. O Oráculo afirma que seu primogênito irá desposar a própria mãe e assassinar seu pai, o Rei Laio.

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Aqueles que não estão acostumados com a especulação filosófica podem estar inclinados a rejeitar semelhante doutrina como obviamente absurda. Não há dúvida de que o senso comum considera as mesas e as cadeiras, o sol e a lua, e os objetos materiais em geral, como alguma coisa radicalmente diferente das mentes e dos conteúdos das mentes, e como tendo uma existência que poderia continuar se as mentes deixassem de existir. Pensamos na matéria como tendo existido muito antes que houvesse mentes, e é difícil pensá-la como um simples produto da atividade mental. Mas, verdadeiro ou falso, o idealismo não deve ser rejeitado como obviamente absurdo.

Vimos que, mesmo se os objetos físicos têm uma existência independente, eles devem diferir muito amplamente dos dados dos sentidos, e só podem ter uma correspondência com os dados dos sentidos, da mesma forma como um catálogo tem uma correspondência com as coisas catalogadas. Consequentemente, o senso comum nos deixa completamente no escuro em relação à verdadeira natureza intrínseca dos objetos físicos, e se existem boas razões para considerá-los como mentais, não poderemos legitimamente rejeitar esta opinião simplesmente porque ela nos parece estranha. A verdade sobre os objetos físicos deve ser estranha. Ela pode ser inalcançável, mas se algum filósofo acredita que a alcançou, o fato de que aquilo que ele oferece como a verdade seja estranho não deve ser considerado como um motivo para rejeitar a sua opinião.

As bases sobre as quais o idealismo é defendido são geralmente bases derivadas da teoria do conhecimento, ou seja, de uma discussão das condições que as coisas devem satisfazer a fim

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de que possamos ser capazes de conhecê-las. A primeira tentativa séria de estabelecer o idealismo sobre tais bases foi a do Bispo Berkeley. Ele provou, primeiramente, mediante argumentos que eram em grande medida válidos, que nossos dados dos sentidos não podem ser considerados como tendo uma existência independente de nós, mas que devem estar, pelo menos em parte, “na” mente, no sentido de que sua existência não subsistiria se não houvesse ninguém vendo, ouvindo, tocando, cheirando, sentindo ou experimentando.58

4.2.1. UMA OUTRA TEORIA: KANT

Uma colocação bastante interessante sobre Immanuel Kant é que ele sofreu duas influências contraditórias: a influência do pietismo, protestantismo luterano de tendência mística e pessimista (que põe em relevo o poder do pecado e a necessidade de regeneração), que foi a religião da mãe de Kant e de vários de seus mestres, e a influência do racionalismo: o de Leibnitz, que Wolf ensinara brilhantemente, e o da Aufklärung (a Universidade de Koenigsberg mantinha relações com a Academia Real de Berlim, tomada pelas novas idéias). Acrescentemos à literatura de Hume que "despertou Kant de seu sono dogmático" e a literatura de Rousseau, que o sensibilizou em relação do poder interior da consciência moral”.

Estas colocações apontam que o criticismo kantiano é reação ao dogmatismo racionalista e ao ceticismo empirista. Em verdade, foi realmente Kant que criticou o racionalismo e o empirismo e uniu a razão com a experiência sensível, para a aquisição do verdadeiro conhecimento. Fez a chamada Nova Revolução Copernicana, onde valoriza tanto o sujeito como o objeto para que haja o verdadeiro conhecimento.

Em suma: "das coisas, nós só conhecemos a priori aquilo que nós mesmos nelas colocamos”.

4.3. IDEALISMO, IDEOLOGIA4.3.1. IDEALISMO

A palavra “idealismo” é empregada por diferentes filósofos em sentidos um tanto diferentes. Por idealismo devemos entender a doutrina segundo a qual tudo o que existe, ou pelo menos tudo o que podemos saber que existe, deve ser em algum sentido mental. Esta doutrina, que entre os filósofos é muito amplamente mantida, tem várias formas, e é defendida com base em vários fundamentos distintos. A doutrina é tão amplamente sustentada, e tão interessante em si mesma, que mesmo a mais breve exposição filosófica deve oferecer uma idéia a seu respeito.

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Então, Laio manda que eliminem o menino, mas a pessoa encarregada não cumpre a ordem e envia o menino para um reino distante onde ele se torna um grande guerreiro e herói, numa de suas andanças ele encontra um homem arrogante e o mata; chegando ao Reino de Jocasta, Édipo se apaixona e a desposa.

Anos mais tarde, Édipo descobre que ele próprio é o personagem da profecia, e num gesto de desespero, arranca os próprios olhos e sai a vagar pelo mundo a fora. A profecia se cumpriu, porque o rei se recusou a matar a criança.

Esta narrativa possui um fundo moral, o alerta para os desígnios dos deuses, que não devem ser contrariados, e o percurso de Édipo, de toda sua saga, de ter vencido a Esfinge e decifrado seu enigma, seu destino não o poupou. Contudo, um novo pensamento se formava e a vida na pólis cada vez mais é direcionada pela política, e aos poucos a moral estabelecida pelas narrativas míticas foram sendo substituídas pela ética e pelos valores da cidadania grega. O cidadão grego cada vez mais participativo não considerava a idéia de não controlar a própria vida. Na vida da pólis, os homens livres manifestavam suas posições escolhendo entre iguais o direcionamento das decisões e das ações da cidade-estado.

1.5.3. MAS ENFIM O QUE É O MITO?“Um mito é a história de deuses e tem por objetivo explicar porque a vida é

assim como é” (GAARDER, 2001:35).

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O pensamento mítico é por natureza uma explicação da realidade que não necessita de metodologia e rigor, enquanto que o logos caracteriza-se pela tentativa de dar resposta a esta mesma realidade, a partir de conceitos racionais. Mas existe razão nos mitos? Não seria também a racionalidade, um mito moderno disfarçado? Assim como na Antigüidade, o mito estava a serviço dos interesses da aristocracia rural e, portanto não interessava à aristocracia ateniense, surgindo assim o pensamento racional ligado à “pólis”, no mundo contemporâneo, não estariam o pensamento tecnicista e a ciência, a serviço do capital e das elites que financiam a produção do conhecimento científico?

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O homem moderno continua ainda a mover-se em direção a um valor que o apaixona e só posteriormente é que busca explicitá-lo pela razão. Entende-se, pois, que o mito manifesta-se por meio de elementos figurativos, enquanto que o logos utiliza-se de elementos racionais, portanto é preciso deixar bem claro que não se pretende aqui colocar o pensamento racional no mesmo plano do pensamento mítico, mas sim, que a partir de uma releitura percebemos que o Iluminismo não deu conta nem mesmo de realizar a tarefa de que se propôs: iluminar as trevas da ignorância; quanto mais dissolver os mitos e anular a imaginação.

CONCLUINDO

Os gregos foram os que primeiro se deram conta do potencial humano para a razão decidindo-se a enfrentá-lo. Os primeiros filósofos gregos se negavam a serem, simplesmente, os sábios. Negavam o saber que se dava ares de dádiva. A filosofia não era mito, não era poesia, não era tragédia, não era religião, não era retórica. Nem era iluminação, nem inspiração. Era a negação nascente de todo dogma e de toda resposta aceita, de toda ilusão, de toda encenação que acobertasse o fio cortante do Logos. A capacidade de linguagem e razão do humano que se realizava como dever saber, tal era o que significava sua busca, já era o trabalho da compreensão que exige a palavra autocrítica para alcançar a verdade. O amor ao saber era compromisso. A verdade seria o

magma encontrado após a retirada de todos os véus, o que equivalia a negar com veemência a explicação já dada e avançar na pergunta.

O exercício do Logos ligava-se a Eros como desejo de saber, e, muito mais, ao compromisso com o saber, o sentido mais acurado da Philia grega, a amizade como implicação de vidas. Filósofos eram aqueles que buscavam o saber no ato conjunto do Dialogo.

A Filosofia primeiro foi especulação sobre o sentido último das coisas (metafísica), foi descoberta da reflexão sobre a ação (ética), mas foi, sobretudo, diálogo, ou seja, experiência de encontro de diferenças em torno da linguagem (o nome mais próprio do Logos), de suas possibilidades, da atitude crítica e luminosa que ela fazia nascer.

Racionalismo Empirismo

Orig

em d

as Id

éias

Para os racionalistas, as idéias do mundo exterior são tecidas pela captação da realidade do mundo externo pelo indivíduo. Também pode ser provenientes da ação imaginativa e, pelas idéias inatas (nascem com o sujeito), tidas como base da razão.A partir do inatismo é dado ao indivíduo conhecer as leis naturais, criadas por um ser criador.Tal princípio parte da certeza do pensamento para afirmar qualquer outra realidade.

Os empiristas apontam a origem das idéias como fruto de um processo de abstração. Tal processo deveria se iniciar com a percepção a partir da qual os sentidos do indivíduo interagem com o ambiente.A grande diferenciação com relação ao racionalismo está em não focar a ‘coisa’ em si (fator objetivo), nem tampouco a idéia que se faz (atribuição da razão) a esta coisa; mas puramente como percebe-se esta coisa, ou como chega até nós através dos sentidos.Em uma área de Psicologia focada na Educação, a Psicologia Educacional, existem teóricos que apontam que o conhecimento se dá de dentro para fora e outros que dizem que se dá de fora para dentro (internalização). O primeiro caso é o de Piaget, que aponta que para amadurecer o indivíduo têm de ser colocado em situação que o auxilie a passar para um nível de maior conhecimento; já no segundo caso destaca-se Vygotsky, com sua teoria sócio-interacionista ou sócio-cultural.

Page 21: Livro primeiro ano de filosofia

Cau

sa e

Efe

itoAs relações de causa e efeito são vistas pelo racionalismo como obedientes ao Mecanicismo.Teóricos também estudados em Psicologia da Educação, tais com Pavlov, Skinner e Watson trabalharam suas pesquisas no sentido de modular comportamentos ou compreender a modulação do pensamento, com estímulos. O saber de modo mecânico, sem a internalização do conhecimento tem raízes nesta linha de pesquisa em Psicologia.Estas relações podem ser expressas pelo rigor matemático, com objetividade bastante destacada. De modo sintético, os racionalistas viam que as relações observadas do comportamento humano são inerentes aos objetos em si e à Mecânica da Natureza, como engrenagens que obedecem a uma ordem preestabelecida.

Para empiristas, esta relação é apenas resultado de nossa maneira comum e habitual de compreender fenômenos e os correlacionar como causa e conseqüência através de uma repetição constante.Ou seja, as leis da Natureza só seriam leis porque se observaram repetidamente pelos homens. Neste ponto, seria o mesmo que deduzir após muito observar a existência de cisnes brancos, sem jamais notar um de outra forma que todos são brancos. Há uma indução a um erro (pelo método indutivo).

Out

ras

Con

cepç

ões

A liberdade de consciência do indivíduo tem um fim: uma justa apreciação dos bens, dizendo ainda que haveria uma identidade permanente da consciência individual.Entende a razão como capacidade de bem julgar e de discernir o entre o verdadeiro e o falso.Indica o uso do método de conhecimento inspirado no rigor da Matemática (método dedutivo – do geral para o particular): "os princípios conhecidos por intuição desempenham o papel de axiomas”

Nega o ‘permanente’ - o conteúdo de nossa consciência varia de um momento para outro de tal forma que ao longo do tempo essa consciência teria, em momentos diferentes, um conteúdo diferente, pois a consciência, como sendo um conjunto de representações, depende das impressões que se têm das coisas.Aponta a razão como dependente da experiência sensível, afirmando não existir dualidade entre espírito e extensão.Recusa o método matemático, a experiência é o ponto de partida de nosso conhecimento, logo não há necessidade de fazer hipóteses.Caracteriza-se o método indutivo que parte do particular (experiências) para a elaboração de princípios gerais.

56

Um requisito para que se encontrem as respostas às questões propostas está na necessidade de compreender a capacidade do indivíduo de, no momento de interação com o mundo que o cerca, compreendê-lo. No entanto, o mais complexo está no fato de que, muitas vezes os juízos de valores levam a uma concepção errônea sobre dada situação. E, ao penetrarmos o terreno da relação percepção e realidade, é impossível não encontrar a filosofia.

Já sabemos que o conhecimento é a relação entre o sujeito que conhece ou deseja conhecer e, o objeto a ser conhecido ou que se dá a conhecer. Fizemos um retorno à Grécia Antiga pontuando as

visões e métodos de conhecimento de Sócrates, baseada na ironia e na maiêutica; de Platão, baseada na Doxa (ciência baseada na opinião) e; Aristóteles, baseada na Episteme (ciência baseada na observação/experiência).

A primeira revolução Científica promoveu diversas mudanças para o pensamento, dentre as quais a mudança da visão de mundo do teocentrismo para o antropocentrismo (de Deus como o centro do conhecimento para o Homem como tal centro).

Ao atentarmos para o racionalismo, é possível notar que este há uma argumentação no sentido de que a obtenção do conhecimento científico se dá pelas idéias inatas (pensamentos existentes no homem desde sua origem que o tornariam capazes de deduzir as demais coisas do mundo). Para os racionalistas, essas idéias inatas seriam o fundamento da Ciência.

Em contrapartida, para o empirismo e seus seguidores, os empiristas, a experiência é à base do conhecimento científico, ou seja, adquire-se a sabedoria por intermédio da percepção do Mundo externo, ou então do exame da atividade da nossa mente, que abstrai a realidade que nos é exterior e as modifica internamente.

Portanto, os empiristas apontam que a única maneira de se compreender um dado acontecimento é vivenciar (experiência) uma dada situação/conhecimento, a fim de que o sujeito possa internalizá-lo (caráter bastante individualista de aprendizagem).

21

A experiência da Filosofia era devedora da Democracia como partilha no campo do saber. Só a filosofia seria capaz de manter o seu sentido.

O que nasceu Filosofia permanece como algo originário na Filosofia de hoje que nos obriga sempre a uma retomada genealógica. Ela é diálogo como ação crítica e reconstrutiva do sentido do estar junto do outro: a experiência política genuína.

QUADRO SINOPSE DA HISTÓRIA FILOSOFIAANTIGÜIDADE10 IDADE IDADE IDADE

Page 22: Livro primeiro ano de filosofia

MÉDIA MODERNA CONTEMPORÂNEAMÍTICA RAZÃO RELIGIOSA LAICA/MUNDANA SÍNTESE

É um contexto

explicativo, não-lógico, muitas vezes fantástico, motivado pelo meio

físico e humano em que vive a

coletividade.Fantasioso: apela mais

para as forças da

imaginação.Pouco

lógico: não têm

coerência interna, é

contradição.Explicativo: tem a função de explicar

algum fenômeno.

“Tudo era um caos até

que se ergueu a

Mente para pôr ordem nas coisas”

escrevia Anaxágoras, convencido da força da razão que filosofava.A Filosofia

da Antiguidade quer explicar a realidade

que até então

causava grande

admiração. Os gregos intentavam

uma cosmovisão.

Normas que regem a

humanidade.

Na Idade Média o

pensamento filosófico está na grande

experiência de fé que

compreendia a

existência humana no mundo. A

partir dessa experiência

os medievais

desenvolveram a

teologia e nesse

sistema assimilaram a filosofia da Antiguidade.

O saber não é propriedade de uma

instituição.Na Idade Moderna

o pensamento filosófico está no

interesse da ciência que pesquisa e

domina a natureza e de justificar seu

uso como caminho de realização plena

da Humanidade.Empiristas

Racionalistas“Um racionalista é

aquele que tem grande confiança na razão humana enquanto fonte de conhecimento do

mundo” (GAARDER, 2001:

47)

Razão + MísticaHoje o pensamento

filosófico está na necessidade de reencontrar a

sabedoria originária ou o sentido da existência

humana no mundo, assentada no dorso

indomável da máquina, arrastada pelo turbilhão da ciência, no delírio do

consumismo e na exaustão da natureza.

É PRECISO COMEÇAR TUDO DE

NOVO.

2. LINGUAGEM, CONHECIMENTO E PENSAMENTO2.1. A LINGUAGEM COMO ATIVIDADE HUMANA2.1.1. O QUE É LINGUAGEM?

Linguagem é um sistema simbólico.O homem é o único animal capaz de criar símbolos, isto é,

signos arbitrários em relação ao objeto que representam e por isso mesmo, convencionais, ou seja, dependentes da aceitação social.

10 Cfr. Antônio Xavier Teles, Introdução ao estudo de filosofia. 19 ed., São Paulo: Ática, 1982. Especialmente o capítulo 2: A fase mítica ou não-filosófica. A razão em busca de explicação.

Exemplo: casa. Não há nada no som nem na forma escrita que nos remeta ao objeto por ela representado. Designar o objeto pela palavra casa, é um ato arbitrário (do Latim arbitrariu, adjetivo, que provém de arbítrio; que não obedece às regras; facultativo).

Não há relação entre o signo casa e o objeto por ele representado (). Por isso houve a necessidade de uma convenção11

aceita pela sociedade, de que aquele signo representa aquele objeto. Sem esta aceitação não poderíamos nos comunicar.

Exemplo: ‘Vou pegar o ketka’. A palavra ketka representa, neste exemplo, o livro, mas como esta palavra não é conhecida, ninguém entende. Mas a palavra livro existe nas diversas línguas e seu significado é universal. Mesmo que a pessoa não conheça uma determinada língua, existe o dicionário onde facilmente se acha a tradução: book (inglês), libro (italiano e espanhol), livre (francês), 책 (coreano), Buch (alemão), etc.

2.1.2. CARACTERÍSTICAS DA LINGUAGEM2.1.2.1. FATORES DE CONSTITUIÇÃO DA LINGUAGEM

Físicos: (anatômicos, neurológicos, sensoriais) determinam a possibilidade de falar, escutar, escrever e ler.

Socioculturais: determinam a diferença entre línguas e entre linguagens dos indivíduos.

55

A teoria Humanista veio surgir somente no início do século XIV quando o italiano Francesco Petrarca (1304-1374) colocou o homem como centro de toda ação e como agente principal no processo de mudanças sociais. Essa posição de alguns pensadores causou impactos na Igreja. No entanto o humanismo em nenhum momento renegou o catolicismo. Humanistas como Petrarca eram religiosos, porém não aceitavam apenas uma explicação como verdade plena.

11 Convenção: do Latim conventione, s.f., ajuste verbal ou escrito, entre duas ou mais pessoas; acordo; convênio; pacto; tratado; acordo entre partidos ou nações que se hostilizavam; aquilo que, tacitamente, se considera admitido nas relações sociais; História: uma das assembléias legislativas da Primeira República francesa.

Page 23: Livro primeiro ano de filosofia

O pensamento Humanista baseou-se no antropocentrismo. Se antes Deus e a Igreja guiavam o Homem e seus passos, agora o Homem, por si só, obedecia a reflexão mais aprofundada para discenir seus caminhos. O pensamento Humanista fez ressurgir na cultura européia a filosofia greco-romana. Não obstante o grande avanço do pensamento Humanista, este restringiu-se à filosofia e à literatura, não englobando outros setores como as artes plásticas, por exemplo.

Petrarca, como fundador do Humanismo, é figura central no processo de revolução do pensamento europeu que culminou com o movimento conhecido como Iluminismo. Foi ele o primeiro humanista do Renascimento.

4.2. RACIONALISMO E EMPIRISMOO objetivo do que segue é estabelecer a diferença entre as

teorias do conhecimento racionalista e empirista, e averiguar as possibilidades de outra teoria que realmente demonstra como se efetiva o conhecimento.

Como distinguir o conhecimento da simples opinião? O que podemos/ou o que não podemos conhecer? Como distinguir a verdade da mentira? Antes de tudo, vamos conceituar o que na realidade é entendido como Teoria do Conhecimento: é a busca contínua de respostas para as perguntas apontadas anteriormente. Busca esta firmada no estudo do alcance, das fontes e dos limites do conhecimento Humano.

4. IDADE MODERNA E CONTEMPORÂNEANa modernidade, filosofia e ciência seguem caminhos diferentes

determinados por uma metodologia própria. O método determina a diferença de abordagem dos problemas em cada área e a lógica é o instrumento comum entre a ciência e a filosofia.

A filosofia caracteriza-se pelo discurso racional, isto é, teórico-reflexivo, seu método visa explicitar a relação entre particular e universal com o intuito de conceituar e ampliar a compreensão do homem no mundo.

4.1. HUMANISMOA Idade Média (476-1453) marcou uma série de mudanças na

sociedade, algumas das quais sentimos ainda hoje seus impactos. Conhecido também como Idade das Trevas esse período histórico concretizou sistemas políticos e iniciou o processo que suscitou a efetivação das bases do capitalismo. Além disso, a Idade Média foi marcada também pela construção de concepções ideológicas que serviram para introduzir o Homem no contexto social e filosófico da humanidade.

A Igreja Católica, além de possuir o domínio territorial em grande parte da Europa, tinha também o poder de estabelecer os critérios e os rumos para a pesquisa científica. Praticamente todo pensamento científico da Idade Média estava subordinado aos interesses da religião. Para solidificar sua ideologia religiosa a Igreja difundia a teoria teocêntrica, onde defendia que Deus seria a explicação para a origem e o destino dos seres humanos, por exemplo. O Homem estava submetido ao poder de Deus, enquanto este guiava o rumo de sua vida. Sempre colocado pela religião em segundo plano, o Homem era um agente passivo mediante o poder divino que concretizava alianças monárquicas e militares e incitava a caça aos hereges.

Todo esse poder exercido pela Igreja foi, ao longo dos anos, ganhando força, enquanto espalhava seus domínios pelo continente europeu. Entretanto, quando as bases do sistema feudal começavam a ruir, movimentos revoltosos de camponeses eclodiam em alguns pontos da Europa. Começariam a surgir questionamentos sobre o teocentrismo e o Homem passava então a pensar o mundo sob o ponto de vista Humanista.

23

Psicológicos: (emocionais, afetivos, perceptivos, imaginativos, inteligência) que criam em nós a necessidade e o desejo de informação e da comunicação.

Lingüísticos propriamente ditos: estrutura e funcionamento da linguagem que determinam nossa capacidade de criar e compreender significações.

Page 24: Livro primeiro ano de filosofia

2.1.2.2. A LINGUAGEM PODE SER:

Simbólica: emotiva, afetiva, oferece sínteses imediatas (imagens), oferece palavras carregadas de múltiplos sentidos (polissemia), leva-nos para dentro dela pela força de seu sentido, de sua beleza e apelo emotivo e afetivo, fascina e seduz, privilegia a memória e a imaginação, nos diz como as coisas ou os homens poderiam ter sido ou poderão ser – indo para um possível passado ou futuro.

Conceitual: fala das emoções e dos afetos sem se confundir com eles, desconstrução analítica e reconstrução sintética dos objetos, fazendo-nos acompanhar cada passo de análise e de síntese, procura diminuir a polissemia e a conotação buscando que cada palavra tenha um sentido próprio e que seus diferentes sentidos dependam do contexto no qual é empregada, busca convencer-nos e persuadir-nos por meio de argumentos, raciocínios e provas, exige o trabalho lento do pensamento, vê possibilidades objetivas e não apenas sonhadas ou desejadas. Ex: coração. Seu significado simbólico é de amor, paixão; Conceitualmente significa um órgão do corpo.

2.1.2.3. SINAIS OU SÍMBOLOS

É próprio da natureza humana não apenas sobreviver e se reproduzir, como também buscar explicações para tudo.

Quer vivamos em sociedades dominadas pelo comércio, quer em comunidade relativamente intocadas, estamos rodeados por sinais, imagens e idéias, em geral altamente simbólicos.

A maioria das pessoas desconhece o significado e a importância – até mesmo a presença – de grande parte desse simbolismo, e assim uma área de grande riqueza permanece fechada para nós.24

Um sinal é um objeto ou idéia que indica ou representa de forma direta alguma coisa. Um anúncio, por exemplo, nos faz lembrar um produto, uma placa de trânsito indica o que se pode ou não fazer com o carro nas ruas e um gesto expressa um estado de espírito.

A função do símbolo tem certa analogia com a do sinal e os dois termos costumam ser usados indistintamente; o símbolo, porém, geralmente tem um significado mais profundo. Trata-se de algo que,

pela natureza ou aparência, reflete algo mais abrangente. O fogo, por exemplo, pode simbolizar o sol, que por sua vez indica luz, calor e poder criativo, relacionando-se, a partir disso, com a força da vida e da criatividade masculina.

O significado dos símbolos se desenvolve ao longo dos séculos, mudando conforme o contexto cultural e ganhando complexidade.

Em todo o mundo, os símbolos têm relação com as verdades mais profundas e é um componente importante na formação da personalidade e na visão de mundo pessoal.

Somos produtos de conceitos e simbologias que desde o nascimento vão moldando e orientando nossas escolhas, nossas opiniões a cerca da realidade.

2.2. A TEORIA DO CONHECIMENTOPara compreender a si e o mundo, os homens querem entender

a sua própria capacidade de entender. O que é conhecimento? É possível o conhecimento? Qual é o fundamento do conhecimento? A teoria do conhecimento pode ser definida como a investigação acerca das condições do conhecimento verdadeiro com o objetivo de investigar as origens, as possibilidades, os fundamentos, a extensão e o valor do conhecimento.

Os seres vivos têm potencialidades que se desenvolvem segundo suas necessidades de sobrevivência. Assim a planta colocada no canto da sala, em lugar de crescer em linha reta, para cima, cresce em ângulo inclinado, à procura da luz vinda da janela. Ela adapta-se à condição do meio.

Por motivo semelhante, as minhocas não têm olhos, mas são dotadas de tato e olfato muito apurados, necessários no ambiente onde vivem.

53

No início do séc. XIII, surgiu a Universidade de Paris, resultado da reunião das quatro faculdades: de teologia, de artes (filosofia), de direito e de medicina. Pouco depois, mais ou menos modeladas na de Paris, surgem as Universidades de Oxford e Cambridge, na Inglaterra; Bolonha e Pádua, na Itália; Salamanca, na Espanha; Colônia e Heidelberg, na Alemanha, e Coimbra em Portugal. Nessas universidades, grandes centros intelectuais que perduram até hoje,

Page 25: Livro primeiro ano de filosofia

mantinham-se vivas as tradições platônicas e agostinianas e cultivava-se o aristotelismo.

Em princípios do séc. XIII, fundaram-se as duas grandes ordens mendicantes dos franciscanos e dos dominicanos. Após grandes polêmicas com os seculares, conseguem estes padres algumas cátedras na Universidade de Paris e acabam depois dominando o ambiente universitário. Dentre os maiores filósofos franciscanos apareceram: Alexandre de Halles, o primeiro mestre franciscano; São Boaventura, Rogério Bacon, Duns Scoto e Guilherme de Occam. Dentre os dominicanos: São Alberto Magno, São Tomás de Aquino e o mestre Eckehart.

O conhecimento de Aristóteles foi o fator mais importante para o apogeu da Escolástica do séc. XIII. Nos séculos anteriores, a única obra conhecida de Aristóteles era o "Organon". Em princípios do séc. XIII toda a enciclopédia aristotélica foi divulgada. A princípio, passando por traduções imperfeitas, oriundas do árabe ou hebraica, foram proibidas pelas autoridades eclesiásticas em 1215, sendo mais tarde, por volta de 1254, traduzidas diretamente do grego, sendo incorporadas pela Universidade de Paris.

Depois de uma época de decadência (séc. XVIII e primeira metade do séc. XIX) o tomismo renasceu sob a denominação de neotomismo. Objeto de condenações da autoridade eclesiástica, em vida de santo, tornar-se-ia mais tarde, sem excluir totalmente o agostinismo, a filosofia oficial da Igreja, cujo estudo seria recomendado pelo papa Leão XIII.

52

O grande trabalho dos intelectuais dos primeiros séculos medievais, portanto, não foi criador, mas compilador. E este trabalho se deve principalmente aos monges, que recolheram em seus conventos muitos manuscritos antigos, que encerravam as sabedorias dos séculos anteriores. Aos poucos, porém, os bárbaros, vencedores, acomodaram-se à nova situação política e passaram a aceitar os usos e costumes dos povos vencidos, convertendo-se

ainda ao Cristianismo. Com isso houve um ressurgimento da cultura e gradativamente as manifestações científicas e filosóficas apareceram, predominando então a "Escolástica", como principal corrente filosófica.

A Escolástica, como dito acima, são doutrinas teológico-filosóficas dominantes na Idade Média, dos séc. IX ao XVII, caracterizadas, sobretudo, pelo problema da relação entre a fé e a razão, problema que se resolve pela dependência do pensamento filosófico, representado pela filosofia greco-romana, à teologia cristã. Desenvolveram-se na escolástica inúmeros sistemas que se definem, do ponto de vista estritamente filosófico, pela posição adotada quanto ao problema dos universais e dos quais se destacam os sistemas de Santo Anselmo (anselmiano), de São Tomás (tomismo) e de Guilherme de Occam (occamismo).

Inicia-se um período de florescimento intelectual, no séc. XIII, o século clássico da Idade Média e um dos mais importantes da história da filosofia. A filosofia escolástica cristã, a filosofia árabe e a judaica, mais o aristotelismo passaram a ser as grandes fontes da Escolástica. É um período de esplendor em todas as manifestações humanas: na arquitetura, na pintura, na literatura, nas ciências é o século da introdução da álgebra e dos algarismos arábicos no Ocidente e do emprego da bússola. É também este o período de esplendor da Escolástica. Para isso, três foram os fatores fundamentais: a fundação das Universidades, o estabelecimento das ordens mendicantes dos dominicanos e dos franciscanos e o conhecimento da obra filosófica de Aristóteles.

25

As aves em geral não precisam de tato e olfato no ambiente aéreo; possui, em compensação, uma visão muito aguda, com um mecanismo de filtragem das cores que lhes permitem distinguir a uma longa distância um inseto na relva verde.

O cego, por exemplo, tem o tato e audição muito mais desenvolvida que qualquer homem com a visão normal.

Page 26: Livro primeiro ano de filosofia

Em todos esses exemplos, percebe-se uma adaptação de organismos vivos às imposições do meio.

Além das características comuns aos seres vivos, o homem possui a capacidade especial de pensar, o que lhe permite não apenas conviver com a realidade, como também conhecê-la. Conhecer a realidade significa compreendê-la e explicá-la.

2.2.1. SUJEITO E OBJETO: OS DOIS ELEMENTOS DO PROCESSO DE CONHECIMENTO

O conhecimento humano tem dois elementos básicos: um sujeito e um objeto. O sujeito é o homem, o ser racional que quer conhecer (sujeito cognoscente). O objeto é a realidade (as coisas, os fatos, os fenômenos) com que convivemos. O homem só se torna sujeito do conhecimento quando está diante do objeto a ser conhecido. A realidade só se torna objeto do conhecimento perante um sujeito que queira conhecê-la. O próprio homem pode ser objeto do conhecimento humano.

O fenômeno dá-se da seguinte maneira: o sujeito capta as características e propriedades do objeto, formando dele uma imagem mental. Por meio da imagem, o sujeito apodera-se de propriedades que antes pertenciam apenas ao objeto. É a posse das características e propriedades do objeto que nos permite o entendimento e a explicação da realidade. Por isso, quanto mais semelhantes forem a imagem e seu respectivo objeto, maior será a objetividade do conhecimento.

Conhecer é representar cuidadosamente o que é exterior à mente. A representação é o processo pelo qual a mente torna presente diante de si a imagem, a idéia ou o conceito de algum objeto.

26

Portanto, para que exista conhecimento, sempre será necessária a relação entre dois elementos básicos: um sujeito conhecedor (nossa consciência, nossa mente) e um objeto conhecido (a realidade, o mundo, os inúmeros fenômenos). Só haverá conhecimento se o sujeito conseguir apreender o objeto, isto é, conseguir representá-lo mentalmente.

Duas correntes filosóficas se distinguem no processo de conhecimento: O idealismo: dá maior importância ao sujeito que conhece. Para

o idealismo o sujeito é que predomina em relação ao objeto. A percepção da realidade é construída pelas nossas idéias, pela nossa consciência. Assim, os objetos seriam construídos de acordo com a capacidade de percepção do sujeito. O que existiria como realidade é a representação que o sujeito faz do objeto.

O realismo ou materialismo: dá maior importância ao objeto que é conhecido. Para o realismo os objetos é que determinam o conhecimento.

2.2.2. AS POSSIBILIDADES DO CONHECIMENTO

Somos capazes de conhecer a verdade? É possível ao sujeito apreender o objeto? Afinal, quais são as possibilidades do conhecimento humano?

As respostas dadas a estas questões levaram ao surgimento de duas correntes básicas e antagônicas na história da filosofia. Uma é o ceticismo, que prega a impossibilidade de conhecermos a verdade. A outra é o dogmatismo, que defende a possibilidade de conhecermos a verdade. Vejamos estas teorias.

2.2.2.1. CETICISMO ABSOLUTO: TUDO É ILUSÓRIO E PASSAGEIRO

O ceticismo absoluto consiste em negar de forma total nossa possibilidade de conhecer a verdade. O homem nada pode afirmar, pois nada pode conhecer.

Górgias (485-380 a.C.) o pai do ceticismo absoluto disse: “o ser não existe; se existisse não poderíamos conhecê-lo, e se pudéssemos conhecê-lo, não poderíamos comunicá-lo aos outros”.

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3 – Futuro: sucessão de fatos que não ocorreram, não ocorre agora, mas que ainda irão ocorrer.

Para Santo Agostinho, o tempo presente existe, mas interroga-se em relação ao passado e ao futuro, já que não podem ser medidos pela sensibilidade. "Se existem coisas futuras e passadas, quero saber onde elas estão. Se ainda o não posso compreender,

Page 27: Livro primeiro ano de filosofia

sei, todavia que em qualquer parte onde estiverem, aí não são futuras nem pretéritas, já lá não estão”(Confissões). O pensamento de Agostinho analisa os três tempos não como sendo três, mas como um só tempo, pois o analisa como um tempo contínuo, e, sendo assim, classifica-os como um eterno presente do seguinte modo: PRESENTE DO PRESENTE, PRESENTE DO PASSADO E PRESENTE DO FUTURO.Dado isso:

1 – O presente é: O presente é porque o vivo neste momento e por isso posso percebê-lo e com isso medi-lo.

2 – O passado não é: O passado é tempo, porém um tempo que já passou e se já passou não pode ser medido pela sensibilidade, portanto ele não é.

3 – O futuro não é: O futuro ainda não chegou, por isso, não podemos medi-lo, portanto ele não é.

3.3.2. SÃO TOMÁS DE AQUINO (1225-1274)

A invasão dos bárbaros, no século V, destruiu no Ocidente a civilização romana e iniciou a Idade Média. Os bárbaros, que irromperam de todos os lados, provocaram novas condições políticas e sociais adversas à conservação e ao desenvolvimento da cultura intelectual. Por isso, os quatro primeiros séculos da Idade Média são obscuros, um período de estagnação intelectual em que não houve filosofia propriamente dita, mas houve a preocupação de salvar os restos da cultura que estava sendo arruinada pelas hordas dos visigodos, suevos, ostrogodos, francos e principalmente vândalos.

50

3.3.1.1. O TEMPO PARA SANTO AGOSTINHO

Santo Agostinho teoriza sobre o tempo partindo de dois pontos específicos. O primeiro é aquele que considera o tempo em suas modalidades de presente, passado e futuro como existente apenas na consciência: é o tempo subjetivo. O segundo momento é aquele em que sua teoria sobre o tempo toma um direcionamento

epistemológico: o filósofo explora o tempo objetivo, o tempo exterior à consciência. Em ambos os momentos, o filósofo determina a validade da realidade do tempo – tanto em seu aspecto subjetivo, quanto em seu aspecto objetivo – sempre com base no primado do presente. O presente é, para ele, o próprio fundamento do tempo, determinando, inclusive, as duas outras modalidades: o passado é validado pela visão presente das coisas passadas e o futuro pela visão presente das coisas futuras. A base criacionista da tradição hebraico-cristã, da qual parte o filósofo para desenvolver sua teoria, é primordial na construção do tempo objetivo. O tempo, como criatura, desvincula-se da consciência do homem e, platonicamente, vincula-se à mente de Deus, criador do tempo. É por isso que o tempo pode ser visto em sua condição de um elemento exterior e anterior à consciência, pois, como criatura, tem seu princípio ligado ao próprio princípio do mundo e está vinculado, apenas, à mente de Deus. Agostinho é levado à pesquisa sobre o princípio do tempo por conta da controvérsia maniquéia. Os maniqueus queriam saber o que é que um Deus criador fazia antes de criar o tempo. O filósofo rechaça a idéia como carente de fundamento, uma vez que não se pode falar de um “antes” antes do tempo. Finalmente, ao relacionar o tempo com a eternidade, Agostinho também parte do presente, que lhe fornece vestígios da eternidade – vestigium aeternitatis –, através do que ele mesmo denomina de “partículas fugitivas”. A mutabilidade, própria do tempo e do mundo, contrasta com a imutabilidade, própria da eternidade e destino final do homem.

O tempo que conhecemos é dividido da seguinte maneira:1 – Presente: sucessão de fatos que acontecem no aqui, agora,

neste momento.2 – Passado: sucessão de fatos que já decorreram em um

presente já superado.27

Pirro (365-275 a.C.) afirma ser impossível ao homem conhecer a verdade devido duas fontes principais de erro: Os sentidos – nossos sentidos (visão, audição, olfato, tato,

paladar). Mas eles não são dignos de confiança, pois podem nos induzir ao erro;

Page 28: Livro primeiro ano de filosofia

A razão – as diferentes e contraditórias opiniões manifestadas pelos homens sobre os mesmos assuntos revelam os limites de nossa inteligência. Jamais alcançaremos certeza de qualquer coisa.Avaliação: Na verdade é uma doutrina radical, estéril e

contraditória. Radical porque nega totalmente a possibilidade de conhecer. Estéril porque não leva a nada. Contraditória porque anula a si própria, pois, ao afirmar que nada é verdadeiro, acaba afirmando que pelo menos existe algo de verdadeiro, isto é, o conhecimento de que nada é verdadeiro.

2.2.2.2. CETICISMO RELATIVO: O DOMÍNIO DO APARENTE E DO PROVÁVEL

O ceticismo relativo nega apenas parcialmente nossa capacidade de conhecer a verdade. Entre as doutrinas que manifestam um ceticismo relativo destacamos as seguintes: Subjetivismo – o conhecimento é uma relação puramente

subjetiva e pessoal entre o sujeito e a realidade percebida. O conhecimento limita-se às idéias e representações elaboradas pelo sujeito pensante, sendo impossível alcançar a objetividade. A origem do subjetivismo está no grego Protágoras que dizia que “o homem é a medida de todas as coisas”.

Relativismo – entende que não existem verdades absolutas, mas apenas verdades relativas, que têm uma validade limitada a um certo tempo, a uma situação determinada etc.;

Probabilismo – propõe que nosso conhecimento é incapaz de atingir a certeza plena. O que podemos alcançar é uma verdade provável.

Pragmatismo – verdadeiro é aquilo que é útil e que dá certo, que serve aos interesses das pessoas na sua vida prática.

28

2.2.2.3. DOGMATISMO: A CERTEZA DA VERDADE

Uma doutrina é dogmática quando defende, de forma categórica, a possibilidade de atingirmos a verdade. Há duas variantes de dogmatismo:

Dogmatismo ingênuo – predominante no senso comum, consiste em acreditar plenamente nas possibilidades do nosso conhecimento. O dogmatismo ingênuo não vê problema na relação sujeito conhecedor e objeto conhecido. Acredita que, sem grandes dificuldades, percebemos o mundo tal qual ele é;

Dogmatismo crítico – acredita em nossa capacidade de conhecer a verdade mediante um esforço conjugado de nossos sentidos e de nossa inteligência. Confia que, através de um trabalho metódico, racional e científico, o ser humano se torna capaz de conhecer a realidade do mundo.

2.2.2.4. CRITICISMO: A SUPERAÇÃO DO CETICISMO E DO DOGMATISMO

Acredita na possibilidade do conhecimento, mas se pergunta pelas reais condições nas quais seria possível esse conhecimento. Admite a possibilidade de conhecer, mas esse conhecimento é limitado e ocorre sob condições específicas: O conhecimento empírico (a posteriori) – aquele que se refere

aos dados fornecidos pelos sentidos, isto é, que é posterior à experiência. Exemplo: este livro tem capa verde.

O conhecimento puro (a priori) – aquele que não depende de quaisquer dados dos sentidos, ou seja, que é anterior a experiência. Nasce puramente de uma operação racional. Exemplo: duas linhas paralelas jamais se encontram no espaço. Essa afirmação não se refere a esta ou aquela linha paralela, mas a todas. É uma afirmação universal. Além disso, é uma afirmação que, para ser válida, não depende de nenhuma condição específica. Trata-se de uma afirmação necessária.

49

3.3. PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICACom os gregos a filosofia comporta todos os saberes:

matemática, astronomia, geometria são exemplos de conhecimentos que surgiram juntamente com o questionamento filosófico. Na Idade

Page 29: Livro primeiro ano de filosofia

Média, a filosofia torna-se um instrumento da teologia, isto é, uma vez que o conhecimento estava restrito aos monastérios, ciência é conhecimento inspirado, ou de origem divina.

3.3.1. SANTO AGOSTINHO (354-430)

Algumas correntes filosóficas alegavam que a fonte de todo o conhecimento era a percepção sensível, na qual não se poderia encontrar qualquer fundamento para a certeza, já que os sentidos forneciam dados variáveis e, portanto, imperfeitos.

Agostinho, através de engenhosa argumentação, reabilitaria os sentidos como fonte de verdade. O erro, diz ele, provém dos juízos que se fazem sobre as sensações e não delas próprias. A sensação enquanto tal jamais é falsa. Falso é querer ver nela a expressão de uma verdade externa ao próprio sujeito.

De tal forma, a idéia que emerge é a da transcendência hierárquica da alma sobre o corpo. Presente em sua morada terrena, a alma teria funções ativas em relação ao corpo. Os órgãos sensoriais sofreriam as ações dos objetos exteriores, mas com a alma isso não poderia acontecer, pois o inferior não pode agir sobre o superior. Ela, no entanto, não deixaria passar despercebida as modificações do corpo e, sem nada sofrer, tiraria de sua própria substância uma imagem semelhante ao objeto.

Agostinho conclui que existem dois tipos inteiramente diferentes de conhecimento: o primeiro, limitado aos sentidos e referente aos objetos exteriores ou suas imagens; o segundo, imutável e eterno, que é o conhecimento verdadeiro recebido pelo homem pela iluminação divina.

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Segundo Aristóteles, as coisas podem estar em ato ou em potência. Por exemplo, uma semente é uma árvore em potência, mas não em ato. Quando germina, a semente torna-se árvore em ato. O movimento é a passagem do ato à potência e da potência ao ato.

3.2.2.3. QUAL A CAUSA?

Por outro lado, se as coisas mudassem completamente ao acaso, não poderíamos conhecê-las. Conhecer é saber qual a causa de algo. Se tenho uma dor de estômago, mas não sei a causa, também não posso tratar-me. Conhecendo a causa é possível saber não só o que a coisa é, mas o que se tornará no futuro. Pois, se determinado efeito se segue sempre de uma determinada causa, então podemos estabelecer leis e regras, tal como se opera nos vários ramos da ciência.

Existem quatro tipos de causas: a causa final, a causa eficiente, a causa formal e a causa material. Por exemplo, se examinarmos uma estátua, o mármore é a causa material, a causa eficiente é o escultor, a causa formal é o modelo que serviu de base para escultura e a causa final é o propósito, que pode ser vender a obra ou enfeitar a praça.

Há uma hierarquia entre as causas, sendo a causa final a mais importante. A ciência que estuda as causas últimas de tudo é chamada de filosofia. Por isso, a tradição costuma situar a filosofia como a ciência mais elevada ou mãe de todas as ciências, por ser o ramo do conhecimento que estuda as questões mais gerais e abstratas.

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2.2.3. A ORIGEM DO CONHECIMENTO

De onde se originam as idéias, os conceitos, as representações? De onde se originam os conhecimentos? Há duas correntes filosóficas que deram respostas a esse problema:

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2.2.3.1. EMPIRISMO: A VALORIZAÇÃO DOS SENTIDOS COMO FONTE PRIMORDIAL

Todas as nossas idéias são provenientes de nossas percepções sensoriais (visão, audição, tato, paladar, olfato). Em outras palavras, ditas por Locke: “nada vem à mente sem ter passado pelos sentidos”. Para este filósofo quando nascemos nossa mente é como um papel em branco, completamente desprovida de idéias. De onde provém, então, o vasto conhecimento de idéias que existe na mente humana? Da experiência, que resulta da observação dos dados sensoriais.

2.2.3.2. RACIONALISMO: A CONFIANÇA EXCLUSIVA NA RAZÃO

É a doutrina que atribui exclusiva confiança na razão humana como instrumento capaz de conhecer a verdade. Como afirmou Descartes: “nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidência de nossa razão”. Para os racionalistas os sentidos não são confiáveis porque podem nos fornecer ilusão da realidade como, por exemplo, o bastão que, mergulhado na água, parece estar quebrado. Os racionalistas afirmam que os princípios lógicos fundamentais seriam inatos, isto é, eles já estão na mente do homem desde o seu nascimento. Daí porque a razão deve ser considerada como fonte básica do conhecimento.

2.3. DO NASCIMENTO À MATURIDADE DA FILOSOFIA“Tudo o que existe tem que ter um começo” (GAARDER 2001:19).

“‘O Egito e a Fenícia amam o dinheiro. A característica especial desta parte do mundo é seu amor pelo saber’. Estas palavras de Platão a respeito dos

gregos eram verdadeiras” (TELES 1982: 23).A filosofia teve seu início propriamente dito com os sábios

gregos, aproximadamente no século VI e V antes de Cristo.

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De imediato estes sábios tinham um objetivo bem definido que era melhorar os costumes de seus concidadãos. A filosofia grega forma-se a partir da crítica e do combate à mitologia popular e aparece como operação própria da razão.

“... os mitos primitivos, a filosofia, a ciência (...) são (...) explicações, ampliações da nossa experiência das coisas e do mundo. De todas estas explicações, a científica é a mais objetiva, porque, por meio da experimentação, a que submete o fato ou o fenômeno, obriga-o a revelar-se tal qual é” (TELES, 1982: 12).

O mito é o pensamento na sua fase primitiva, anterior à reflexão mais crítica. A Filosofia é reflexão crítica e meditação ativa com rigor racional. O que motivou o surgimento da Filosofia, ou a passagem do pensamento mítico para Filosofia foram duas causas:

a) a primeira delas foi à nova ordem social estabelecida no mundo pela evolução de sociedades primitivas para sociedades mais complexas com organização de PÓLIS (cidades) e conseqüentemente uma nova dinâmica social;

b) e em segundo lugar aparece à própria contradição dos mitos. Os grupos humanos entraram em contato mais intenso e às vezes um mesmo fato era explicado por vários mitos diferentes e até opostos.

O primeiro esforço filosófico do homem foi feito pelos gregos e começou sendo um esforço para discernir entre aquilo que tem uma existência meramente aparente e aquilo que tem uma existência real em si. Foram os gregos que, pela primeira vez, buscaram, com o pensamento racional, encontrar o que as coisas são, averiguaram o último fundo das coisas. Estas coisas que tinham existência em si os gregos as chamaram de princípio; nos dois sentidos do termo: como começo e como fundamento de todas as coisas. Em outras palavras, a filosofia grega nasceu procurando desenvolver o saber racional (logos) em contraste com o saber alegórico (mito).

Podemos dividir a Filosofia grega em três grandes períodos:a) período da elaboração (os filósofos pré-socráticos);b) período da crise (os Sofistas e Sócrates); e,c) período da maturidade (Platão e Aristóteles).

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Por exemplo, se digo que "todos os cavalos são brancos", vou deixar de fora um grande número de animais que poderiam ser considerados cavalos, mas que não são brancos. Por isso, ser branco não é algo essencial em um cavalo, mas você nunca

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encontrará um cavalo que não seja mamífero, quadrúpede e herbívoro.

3.2.2.1. O PAPEL DA RAZÃO

Conhecer é perceber o que acontece sempre ou frequentemente. As coisas que acontecem de modo esporádico ou ao acaso, como o fato de uma pessoa ser baixa ou alta, ter cabelos castanhos ou escuros, nada disso é essencial. Aristóteles chama essas características de acidentes.

O erro dos sofistas (e de muita gente ainda hoje) é o de tomar algo acidental como sendo a essência. Através desse artifício, diziam que não se pode determinar quem é Sócrates, porque se Sócrates é músico, então não é filósofo, se é filósofo, então não é músico. Ora, Sócrates pode ser várias coisas sem que isso mude sua essência, ou seja, o fato de ser um animal racional como todos nós.

Mas como nós fazemos para conhecer a definição de algo e separar a essência dos acidentes? Aí está o papel da razão.

A razão abstrai, ou seja, classifica, separa e organiza os objetos segundo critérios. Observando os insetos, percebo que eles são muito diferentes uns dos outros, mas será que existe algo que todos tenham em comum que me permita classificar uma barata, um besouro ou um gafanhoto como insetos? Sim, há: todos têm seis pernas. Se abstrairmos mais um pouco, perceberemos que os insetos são animais, como os peixes, as aves...

3.2.2.2. ATO OU POTÊNCIA

E poderíamos ir mais longe, separando o que é ser, do que não é. E aqui chegamos à outra grande contribuição de Aristóteles: se o ser é e o não-ser não é, como dizia Parmênides, então como é possível o movimento?

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Conhecer para Platão é o sumo bem, e o bem está na organização da cidade de acordo com este conhecimento e não de acordo com as opiniões. Podemos comparar o ideal de homem que habita o interior da caverna, com o senso comum, ambos estão

apegados às impressões sensíveis e não se permitem enxergar outras realidades senão as impostas pelas circunstâncias. Na pólis grega, os homens que se negavam a participar da vida pública, eram chamados de idiotés, porque se deixavam representar por outrem. Ao negar a própria vontade se submetiam e deixavam a responsabilidade de decidir o destino da cidade para os outros.

3.2.2. ARISTÓTELES (384-322 a.C.)

Apesar de ter sido discípulo de Platão durante vinte anos, Aristóteles diverge profundamente de seu mestre em sua teoria do conhecimento. Isso pode ser atribuído, em parte, ao profundo interesse de Aristóteles pela natureza (ele realizou grandes progressos em biologia e física), sem descuidar dos assuntos humanos, como a ética e a política.

Para Aristóteles, o dualismo platônico entre mundo sensível e mundo das idéias era um artifício dispensável para responder à pergunta sobre o conhecimento verdadeiro. Nossos pensamentos não surgem do contato de nossa alma com o mundo das idéias, mas da experiência sensível. "Nada está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos", dizia o filósofo.

Isso significa que não posso ter idéia de um teiú sem ter observado um diretamente ou por meio de uma pesquisa científica. Sem isso, "teiú" é apenas uma palavra vazia de significado. Igualmente vazio ficaria nosso intelecto se não fosse preenchido pelas informações que os sentidos nos trazem.

Mas nossa razão não é apenas receptora de informações. Aliás, o que nos distingue como seres racionais é a capacidade de conhecer. E conhecer está ligado à capacidade de entender o que a coisa é no que ela tem de essencial.

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2.3.1. OS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS (PERÍODO DA ELABORAÇÃO)

A grande questão que motivou o início da Filosofia grega foi: o que é a realidade. Os primeiros filósofos gregos sentiram a

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necessidade de explicar esta realidade (o conjunto de todas as coisas que nos envolvem) que estava a sua volta, buscaram estabelecer um princípio, para, a partir dele, poder pensar racionalmente a realidade existente e tirar conclusões válidas. Segundo Aristóteles, as maiorias dos filósofos primitivos queriam encontrar o princípio de todas as coisas existentes. Eles acreditavam que “nada pode surgir do nada”. Os filósofos pré-socráticos tiveram uma preocupação cosmológica, buscaram a resposta para duas questões essenciais: Quem sou eu? De onde vem o mundo?

2.3.1.1. TALES DE MILETO (623 – 546 a.C.)

Segundo Aristóteles, Tales afirmava que a substância original, o princípio de todas as coisas, onde as demais coisas têm um ser derivado é a água. É com Tales de Mileto que a razão humana resolve investigar os princípios e as causas das coisas, saber do que é feita tal coisa. Tales inspirando em muitos antigos que atribuíam às águas primordiais a origem de todas as coisas e observando que as plantas e os animais nutrem-se de umidade, que os germes vivos são úmidos, chegou à conclusão que a água é substância única. Princípio primário, a água não se deriva de nada. São elemento e princípios absolutos. Em sua última realidade deveria ser algo eterno para ser agente de tamanhas transformações.

Em palavras mais simples, talvez pudéssemos traduzir a Filosofia de Tales na seguinte explicação: a água se transforma em gelo, o gelo em cristal, este em rocha, esta em areia, terra etc. A água, por sua vez, se transforma em vapor, este em ar. Por outro lado como homem do litoral, impressionado com a observação da “água-viva” que é um animal, não teve dificuldade em estabelecer também à evolução da vida a partir da água. Assim, a água seria a origem de tudo. A regra estabelecida: o transformismo.

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2.3.1.2. ANAXÍMENES (588 – 524 a.C.)

Anaxímenes também buscou uma coisa material como origem de todas as demais, como única existente em si e por si. A substância fundamental para Anaxímenes era o ar. Este se condensaria e daria

origem à água. O resto se seguiria de acordo com o modelo de Tales. A alma é ar, o fogo, ar rarefeito. Quando o ar se condensa, transforma-se primeiro em água, depois, condensa ainda mais em terra e, por fim, em pedra etc. De maneira que o mérito de Anaxímenes foi o de ter corrigido o “princípio” de Tales, escolhendo um outro princípio que fosse menos material.

2.3.1.3. ANAXIMANDRO (610 – 547 a.C.)

Para Anaximandro todos os elementos conhecidos estavam em luta. Ele também acreditava que o princípio de todas as coisas era algo material. Mas esse elemento não podia ser nem a água, nem o ar, nem o fogo, porque o ar é frio, a água é úmida, o fogo é quente.

São, pois, antagônicos entre si. Se um deles fosse o princípio, infinito, universal, os outros não existiriam. Nessa luta cósmica, a substância primária deve ser, portanto, neutra. Esse princípio ou elemento tinha em si, em potência, a possibilidade de que dela se derivassem as demais coisas. Ele a chamou de ápeiron, uma substância etérea, infinita, invisível, que não se deriva de nada. Ápeiron em grego quer dizer infinito. E um elemento e um princípio, a partir da qual se desenvolviam todos os mundos.

2.3.1.4. DEMÓCRITO (460 – 370 a.C.)

Este filósofo foi o criador da palavra átomo. Em Demócrito o átomo era uma suposição inacessível; hoje é uma realidade palpável. Para Demócrito tudo o que existe é composto de átomo. Sua atomística se aproxima da ciência moderna, se bem que com Demócrito era uma especulação filosófica, ao passo que, hoje, é uma comprovação científica.

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Na pólis grega, a educação dos jovens era responsabilidade do Estado, os estudantes que se destacavam dos demais prosseguiam seus estudos e poderiam chegar a serem governantes após uma longa aprendizagem e uma rigorosa educação moral e intelectual.

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Um dos objetos desta educação é a superação do senso comum (o campo das opiniões) para o conhecimento crítico. Conforme Geniéve Droz, pensador contemporâneo, no mito platônico o conhecimento progride do sensível para o intelectual, a inteligência vai do aparente para o essencial, do obscuro para o luminoso, sendo as Idéias, elas próprias, iluminadas pela fonte de toda luz, o Bem (DROZ, 1977, p. 77).

Como se elabora o conhecimento crítico em Platão? A filosofia é a única forma de buscar por esse conhecimento? Para Platão, sim, uma vez que seja possível, com a metodologia apropriada, superar o nível das opiniões. De onde vem o desejo e a atração pelo mundo inteligível que possuem alguns homens, se tecnicamente nunca tiveram contato com o mesmo? Como explicar a vontade do prisioneiro que não conhece o lado de fora da caverna de sair dela?

O amor que deseja a sabedoria é a própria filosofia (literalmente amor ao saber). Gradualmente, à medida que o homem conhece, o próprio conhecimento desperta o desejo contínuo de saber. Após deixar a caverna este humano sofre a cegueira, pois não tivera antes contato com tal luz, e o abandono de seu antigo estado causa medo e dor, mas ele é convidado a continuar sua ascese superando o mundo sensível, apreendendo os movimentos do sol, as estações e suas conseqüências.

Desta forma, a conquista da sabedoria e da felicidade carece de incansáveis esforços na aprendizagem das ciências e das artes. É um processo contínuo de auto-superação. Ele se habitua aos objetos reais do mundo fora da caverna, mas a ascensão é apenas um momento de depuração pessoal. A filosofia na tradição platônica não tende a algum tipo de ostracismo intelectual, depois da contemplação da luz é necessário o retorno para dentro da caverna para despertar os outros para este conhecimento, isto é, o filósofo para Platão, tem um compromisso social e político.Platão tentou concretizar sua idéia de nova sociedade no final de sua vida atuando politicamente.44

Com esta atitude, fica evidente a preocupação do homem com seus pares, pois ao tomar consciência da verdade sente necessidade de socializar o conhecimento no intuito de libertá-los

das sombras da ignorância. Ou seja, há, além da dimensão do conhecimento, mitológico, uma dimensão política e sociológica na atitude do homem que retorna à caverna, pois é um sujeito que está preocupado com a liberdade dos outros. A volta do filósofo à caverna para sociabilizar o saber torna-se um ato político, já que o interesse é o bem comum. No texto lido apresentam-se dois tipos de conhecimento: o dos homens comuns, cujo saber é produzido por meio das percepções sensíveis e imediatas; e o saber filosófico ou científico, fruto de uma metodologia orientada pela razão e pela pesquisa reflexiva e prática. O filósofo tem a incumbência de questionar essa realidade das aparências que, na alegoria da caverna coloca-se como mundo de sombras, de ilusões dos sentidos (no contexto da obra de Platão), abrindo a perspectiva do logos. Em nosso dia-a-dia formulamos uma série de opiniões a respeito de tudo que nos cerca.

São descrições imprecisas ou relatos de fatos e acontecimentos abordados de maneira superficial impregnados de opiniões, que geram uma infinidade de conceitos pré-concebidos os quais aos poucos vão se tornando parte do conhecimento popular. Contudo, nem todos os conhecimentos integrantes do senso comum são irrelevantes, já que partem da própria realidade, algumas concepções são de fato precisas, faltando a elas, sobretudo, o rigor, o método, a objetividade e a coerência típicas do senso crítico.

Na obra República de Platão, a questão da passagem do senso comum para o senso crítico ocorre no contexto da formação social e política do cidadão. O ideal de república platônica apresenta-se também um projeto pedagógico, por meio do qual os produtores encarregados do trabalho, os guardas que velam pelo bem público, sob a égide da gestão racional dos filósofos magistrados, são formados para desempenhar estas funções sociais.

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Átomo, do grego: a (alfa) = não e tomos= divisão, divisível. Tomo existe tal qual em português com o significado de divisão, quando dizemos: esta obra se apresenta em três tomos, isto é, em

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três divisões. Segundo Demócrito em todo o universo só existe átomos e vácuo. A própria alma era constituída de átomos, assim como todas as coisas.

2.3.1.5. PITÁGORAS (570 – 490 a.C.)

Pitágoras foi um homem considerado gênio para seu tempo, porque é o primeiro filósofo grego a quem ocorre à idéia de que o princípio donde tudo o mais se deriva, aquilo que existe de verdade, o verdadeiro ser, o ser em si, não é nenhuma coisa; ou, melhor dito, é uma coisa; porém, que não se vê, nem se ouve, nem se toca, nem se cheira, que não é acessível aos sentidos. Essa coisa é “número”. Para Pitágoras a essência última de todo o ser, dos que percebemos pelos sentidos, é o número. As coisas são números, escondem dentro de si números. As coisas são distintas umas das outras pela diferença quantitativa e numérica.

A influência de Pitágoras perpetuou no mundo do saber e fora dele. Estão ligados ao seu nome tanto teoremas matemáticos como dogmas religiosos. Sua filosofia, como teoria saída do pensamento abstrato, esteve ligada à sua matemática.

No campo intelectual, valorizou e exaltou a pesquisa desinteressada do saber. O maior exemplo disto foram suas descobertas matemáticas, sendo a mais conhecida a referente a triângulos retângulos, de que “a soma dos quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa”. Os egípcios já sabiam que um triângulo cujos lados são 3, 4 e 5 tem um ângulo reto. Contudo, somente depois de Pitágoras é que se provou por que 32 + 42 = 52. Fez-se assim uma prova de natureza muito geral, mesmo universal.

No campo religioso criou um movimento que na era cristã corresponde ao espiritismo. Dizia ele: “tudo o que nasce torna a nascer nas revoluções de um determinado ciclo, até se libertar efetivamente da roda dos nascimentos”.

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2.3.1.6. HERÁCLITO (535 – 475 a.C.)

Este filósofo foi apelidado por seus contemporâneos de “o obscuro”, o “filósofo do humor negro”. Para ele, o devir, isto é, as

contínuas transformações é a lei fundamental do universo. Heráclito viu na contínua mudança a transformação de todas as coisas, a lei mais geral do universo. Essas transformações como as que ocorrem em nós (nascer, crescer, declinar e morrer) se fazem de acordo com uma lei: Logos. Nunca vemos duas vezes a mesma coisa, por próximos que sejam os momentos ou, como dizia na sua linguagem metafórica e mística: “Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio”. As coisas são as gotas d’água nos rios, que passam e não voltam nunca mais. Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio porque quando entro pela segunda vez no rio, tanto eu quanto ele já estamos mudado.

O que há é um ser dinâmico. Nada existe, porque tudo o que existe, existe um instante e no instante seguinte já não existe, antes é outra coisa a que existe. O existir é um perpétuo mudar, um estar constantemente sendo e não-sendo, um devir perfeito, um constante fluir.

2.3.1.7. PARMÊNIDES ( cerca de 540 – 460 a.C.)

Todos nós conhecemos a frase: “só acredito vendo”. Mas Parmênides não acreditava nem quando via. Ele dizia que os sentidos nos fornecem uma visão enganosa do mundo; uma visão que não está em conformidade com o que nos diz a razão. Como filósofo, ele achava que sua tarefa consistia em desvendar todas as formas de “ilusão dos sentidos”. E a primeira de todas as ilusões a que se confrontou é que não havia, segundo ele, mudança nas coisas. “O ser é e o não ser não é”.

2.3.1.8. EMPÉDOCLES (490 – 430 a.C.)

Como vimos, Parmênides e Heráclito pensavam de maneira totalmente oposta. A razão de Parmênides deixava claro que nada pode mudar. Mas as experiências sensoriais de Heráclito deixavam igualmente claro que a natureza está em constante transformação. Qual dos dois tinha razão: será que devemos confiar no que nos diz a razão, ou será que devemos confiar nos sentidos?

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O Deus sabe se ela é verdadeira. Pois, segundo entendo, no limite do cognoscível é que se avista, a custo, a idéia do Bem; e,

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uma vez avistada, compreende-se que ela é para todos a causa de quanto há de justo e belo; que, no mundo visível, foi ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é ela a senhora da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para se ser sensato na vida particular e pública (Platão, A República, livro VII).

Platão propõe em sua teoria a existência de duas dimensões do conhecimento: o sensível e o inteligível. De acordo com esta alegoria, o conhecimento sensível é semelhante a uma caverna onde os homens estão presos às percepções que recebem dos seus sentidos. Para eles isto seria a única verdade possível. Um deles se liberta e sai da caverna. Num primeiro momento sua visão fica ofuscada, pois ele se depara com a luz do sol, em seguida habitua-se à luz reconhecendo o conhecimento inteligível.

3.2.1.2. DO SENSO COMUM AO SENSO CRÍTICO OU FILOSÓFICO

Vejamos como a alegoria da caverna é interpretada na sociologia:

Aqueles homens da caverna, acorrentados, cujas faces estão voltadas para uma parede de pedra à sua frente. Atrás deles está uma fonte de luz que não podem ver. Ocupam-se apenas das imagens em sombras que essa luz lança sobre a parede e buscam estabelecer-lhes inter-relações. Finalmente, um deles consegue libertar-se dos grilhões, volta-se, vê o sol. Cego, tateia e gagueja uma descrição do que viu. Os outros dizem que ele delira. Gradualmente, porém, ele aprende a ver a luz, e então sua tarefa é descer até os homens da caverna e levá-los para a luz. Ele é o filósofo; o sol, porém, é a verdade da ciência, a única que reflete não ilusões e sombras, mas o verdadeiro ser. Observe que para o ex-prisioneiro, não é suficiente a sua libertação, pois ele volta, desce “até os homens da caverna e quer levá-los para a luz”.

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– E as honras e elogios, se alguns tinham então entre si, ou prêmios para o que distinguisse com mais agudeza os objetos que

passavam e se lembrasse melhor quais os que costumavam passar em primeiro lugar e quais em último, ou os que seguiam juntos, e àquele que dentre eles fosse mais hábil em predizer o que ia acontecer – parece-te que ele teria saudades ou inveja das honrarias e poder que havia entre eles, ou que experimentaria os mesmos sentimentos que em Homero, e seria seu intenso desejo “servir junto de um homem pobre, como servo da gleba”, e antes sofrer tudo do que regressar àquelas ilusões e viver daquele modo?

– Suponho que seria assim – respondeu – que ele sofreria tudo, de preferência a viver daquela maneira.

– Imagina ainda o seguinte – prossegui eu –. Se um homem nessas condições descesse de novo para o seu antigo posto, não teria os olhos cheios de trevas, ao regressar subitamente da luz do Sol?

– Com certeza.– E se lhe fosse necessário julgar daquelas sombras em

competição com os que tinham estado sempre prisioneiros, no período em que ainda estava ofuscado, antes de adaptar a vista – e o tempo de se habituar não seria pouco – acaso não causaria o riso, e não diriam dele que, por ter subido ao mundo superior, estragara a vista, e que não valia a pena tentar a ascensão? E a quem tentasse soltá-los e conduzí-los até cima, se pudessem agarrá-lo e matá-lo, não o matariam?

– Matariam, sem dúvida – confirmou ele.– Meu caro Gláucon, este quadro – prossegui eu – deve agora

aplicar-se à tudo quanto dissemos anteriormente, comparando o mundo visível através dos olhos à caverna da prisão, e a luz da fogueira que lá existia à força do Sol. Quanto à subida ao mundo superior e à visão do que lá se encontra, se a tomares como a ascensão da alma ao mundo inteligível, não iludirás a minha expectativa, já que é teu desejo conhecê-la.

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Tanto Parmênides quanto Heráclito fazem duas afirmações:Parmênides diz:

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a) Que nada pode mudar, e,b) Que, por isso mesmo, as impressões dos sentidos não são

dignas de confiança.Heráclito, ao contrário afirma:a) Que tudo se transforma (“tudo flui”), e,b) Que as impressões dos sentidos são confiáveis.Empédocles apontou o caminho que tiraria a filosofia deste

impasse. Ele achava que tanto Parmênides quanto Heráclito tinham razão em uma das suas afirmações, mas estavam totalmente enganados quanto a outra. O Ponto de partida dos dois filósofos estava equivocado. Não existe apenas um elemento constituinte das coisas. Para Empédocles os elementos primordiais, elementos constituintes das coisas são quatro: terra, ar água e fogo.

Todas as transformações da natureza seria resultado da combinação desses quatro elementos, que, depois, novamente se separavam um do outro. Pois tudo consiste em terra, ar, fogo e água, só que em diferentes proporções de mistura. Quando uma flor ou um animal morrem, esses quatro elementos voltam a se separar. Essas transformações podem ser percebidas por nós a olho nu. No entanto, terra, ar, fogo e água continuam a ser o que são, inalterados. Não é certo afirmar então que “tudo muda”. O que determinava a união e a separação entre os quatro elementos eram dois princípios abstratos: o amor e o ódio. Por sua causa todas as substâncias compostas são pouco duradouras.

3. ANTIGUIDADE E IDADE MÉDIA3.1. OS SOFISTAS E SÓCRATES (PERÍODO DA CRISE)A palavra sofista etimologicamente significa “sábio”. Entretanto,

com o decorrer do tempo, ganhou o sentido de “impostor”, devido, sobretudo às críticas de Platão. Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando-se em consideração os interesses dos alunos, davam aulas de eloqüência e de sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados.

Assim como os filósofos anteriores preocupados com a busca da verdade representavam a razão, os sofistas, a serviço de outros interesses, eram agentes da anti-razão. Para eles, o essencial, todo o esforço intelectual tinha por fim algum lucro imediato; vencer um adversário, ganhar uma causa judicial, convencer um auditório. Para isto, tudo era válido. A única norma lógica e intelectual era o êxito.

O momento histórico vivido pela civilização grega favoreceu o desenvolvimento desse tipo de atividade praticada pelos sofistas. Era uma época de lutas políticas e intenso conflito de opiniões nas assembléias democráticas. Por isso, os cidadãos mais ambiciosos sentiam necessidade de aprender na arte de argumentar em público para conseguir persuadir em assembléias e, muitas vezes, fazer prevalecer seus interesses individuais e de classe.

As lições dos sofistas tinham como objetivo, portanto, o desenvolvimento do poder da argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento de doutrinas divergentes. Eles transmitiam, enfim, um jogo de palavras, raciocínios e concepções que seria utilizado na arte de convencer as pessoas, driblando as teses dos adversários. Foi aí que nasceu o relativismo: que afirma não haver uma verdade única, absoluta, e, sim, tudo seria relativo ao indivíduo, ao momento, a um conjunto de fatores e circunstâncias. Para os sofistas as opiniões humanas são infindáveis, diversas e não podem ser reduzidas a uma única verdade. Não existem valores e verdades absolutas.

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– Muito mais – afirmou.– Portanto, se alguém o forçasse a olhar para a própria luz,

doer-lhe-iam os olhos e voltar-se-ia, para buscar refúgio junto dos objetos para os quais podia olhar, e julgaria ainda que estes eram na verdade mais nítidos do que os que lhe mostravam?

– Seria assim – disse ele.– E se o arrancassem dali à força e o fizessem subir o caminho

rude e íngreme, e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até à luz do Sol, não seria natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim arrastado, e, depois de chegar à luz, com os olhos deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo que agora dizemos serem os verdadeiros objetos?

– Não poderia, de fato, pelo menos de repente.– Precisava de se habituar, julgo eu, se quisesse ver o mundo

superior. Em primeiro lugar, olharia mais facilmente para as sombras, depois disso, para as imagens dos homens e dos outros objetos, refletidas na água, e, por último, para os próprios objetos. A partir de então, seria capaz de contemplar o que há no céu, e o próprio céu, durante a noite, olhando para a luz das estrelas e da Lua, mais facilmente do que se fosse o Sol e o seu brilho de dia.

– Pois não!– Finalmente, julgo eu, seria capaz de olhar para o Sol e de o

contemplar, não já a sua imagem na água ou em qualquer sítio, mas a ele mesmo, no seu lugar. – Necessariamente.

– Depois já compreenderia, acerca do Sol, que é ele que causa as estações e os anos e que tudo dirige no mundo visível, e que é o responsável por tudo aquilo de que eles viam um arremedo.

– É evidente que depois chegaria a essas conclusões.– E então? Quando ele se lembrasse da sua primitiva habitação,

e do saber que lá possuía, dos seus companheiros de prisão desse tempo, não crês que ele se regozijaria com a mudança e deploraria os outros? – Com certeza.

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– Estranho quadro e estranhos prisioneiros são esses de que tu falas – observou ele.

– Semelhantes a nós – continuei -. Em primeiro lugar, pensas que, nestas condições, eles tenham visto, de si mesmo e dos outros, algo mais que as sombras projetadas pelo fogo na parede oposta da caverna?

– Como não – respondeu ele – se são forçados a manter a cabeça imóvel toda a vida?

– E os objetos transportados? Não se passa o mesmo com eles?– Sem dúvida.– Então, se eles fossem capazes de conversar uns com os outros, não

te parece que eles julgariam estar a nomear objetos reais, quando designavam o que viam?

– É forçoso.– E se a prisão tivesse também um eco na parede do fundo?

Quando algum dos transeuntes falasse, não te parece que eles não julgariam outra coisa, senão que era a voz da sombra que passava?

– Por Zeus, que sim!– De qualquer modo – afirmei – pessoas nessas condições não

pensavam que a realidade fosse senão a sombra dos objetos.– É absolutamente forçoso – disse ele.– Considera, pois – continuei – o que aconteceria se eles

fossem soltos das cadeias e curados da sua ignorância, a ver se, regressados à sua natureza, as coisas se passavam deste modo. Logo que alguém soltasse um deles, e o forçasse a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objetos cujas sombras via outrora. Que julgas tu que ele diria, se alguém lhe afirmasse que até então ele só vira coisas vãs, ao passo que agora estava mais perto da realidade e via de verdade, voltado para objetos mais reais? E se ainda, mostrando-lhe cada um desses objetos que passavam, o forçassem com perguntas a dizer o que era? Não te parece que ele se veria em dificuldades e suporia que os objetos vistos outrora eram mais reais do que os que agora lhe mostravam?

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3.1.1. OS SOFISTAS3.1.1.1. PROTÁGORAS (480 – 410 a.C.)

“O homem é a medida de todas as coisas; daquelas que são, enquanto são; e daquelas que não são, enquanto não são”.

Protágoras ensinou por muito tempo em Atenas, tendo como princípio básico de sua doutrina a idéia de que o homem é a medida de tudo o que existe. Conforme essa concepção, todas as coisas são relativas às disposições do homem, isto é, o mundo é o que o homem constrói e destrói. Por isso não haveria verdades absolutas. Toda verdade seria relativa à determinada pessoa, grupo social ou cultura. Esta filosofia sofreu críticas em seu tempo por dar margem a um grande subjetivismo: tal coisa é verdadeira se para mim parece verdadeira. Assim qualquer tese poderia ser encarada como falsa ou verdadeira, dependendo da ótica de cada um.

3.1.1.2. GÓRGIAS (487 – 380 a.C.)

Para Górgias o bom orador era capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa. Ele mesmo foi considerado um dos grandes oradores da Grécia. Aprofundou o subjetivismo relativista de Protágoras a ponto de defender um ceticismo absoluto. Afirmava que:

a) Nada existia;b) Se existisse, não poderia ser conhecido;c) Mesmo que fosse conhecido, não poderia ser comunicado a

ninguém. 3.1.2. SÓCRATES (469 – 399 a.C.): MARCO DIVISÓRIO DA

FILOSOFIA GREGA

Por isso os filósofos que o antecederam são chamados de pré-socráticos e os que o sucederam de pós-socráticos. O próprio Sócrates, porém, não deixou nada escrito, e o que se sabe dele e de seu pensamento vem dos textos de seus discípulos e de seus adversários. É dele que se disse: “os outros ensinaram a filosofia, ele a viveu”.

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O método de Sócrates consistia em fazer perguntas e analisar as respostas de maneira sucessiva até chegar à verdade ou à contradição do enunciado. Chamava-se a este método de maiêutica, que em grego significa parto das idéias. Partia do seguinte princípio: “só sei que nada sei”.

1. O essencial para Sócrates era “conhecer-se a si mesmo”. José se diz corajoso, mas enquanto não souber o que é a coragem não se conhecerá totalmente.

2. Pela análise (maiêutica), podemos conhecer tudo de nós mesmos.

Este método socrático se desenvolvia mais ou menos de acordo com o modelo em que elaboramos para exemplificá-lo:

- Você acabou de falar em amor. O que entende por amor?- Amor é querer bem a outra pessoa.- Que entende por querer bem?- É desejar tudo de bom para ela.- Este termo bom significa o que você considera bom para a

outra pessoa ou que esta, independentemente de você, considera bom para ela?

- Certamente o que a outra considera.- Se esta considerasse como bem ou como bom aquilo que você

possui, sua namorada, suas jóias etc., você cederia estes bens para ela?

- Certamente que não.- Então surge uma contradição e você teria que dizer: “amar é

querer o bem que eu considero como tal para a pessoa amada”.A partir deste ponto, o leitor pode continuar a especular, de

acordo com a maiêutica socrática.A grande novidade de seu método era: as pessoas geralmente

começam a pensar a partir do que conhecem. Sócrates começava pelo que não conhecia – pela ignorância. Era um trabalho de detetive intelectual. Este também começa pelo que não sabe: - “Quem cometeu o crime?”. A partir daí usa o que sabe, para descobrir o que não sabe. Daí sua afirmação: “a única coisa que sei realmente é que não sei”. Sócrates queria que seus alunos concebessem suas próprias idéias.

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3.2. PLATÃO E ARISTÓTELES (PERÍODO DA MATURIDADE)3.2.1. PLATÃO (428-348 a.C)

Você já se perguntou o que é a realidade? E a verdade? Imagine se você estivesse dormindo, e não conseguisse acordar, como você saberia o que é realidade e o que é sonho? No capitulo VII da obra República, Platão elabora a alegoria da caverna, como metáfora de uma situação na qual os homens vivem na aparência acreditando ser a realidade. Assim, tudo que vêem, fazem e sentem não passam de sombras. Esta alegoria faz alusão ao advento do pensamento racional. Portanto, estamos diante de um paradoxo: por que Platão, na busca de desenvolver o pensamento racional, usa constantemente os mitos para filosofar?

3.2.1.1. Alegoria da Caverna

Depois disto – prossegui eu – imagina a nossa natureza, relativamente à educação ou à sua falta, de acordo com a seguinte experiência. Suponhamos uns homens numa habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se estende a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá dentro desde a infância, algemados de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás deles; entre a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do qual se construiu um pequeno muro, no gênero dos tapumes que os apresentadores de fantoches colocam diante do público, para mostrarem as suas habilidades por cima deles.

– Estou a ver – disse ele.– Visiona também ao longo deste muro, homens que

transportam toda a espécie de objetos, que o ultrapassam: estatuetas de homens e de animais, de pedra e de madeira, de toda a espécie de lavor; como é natural, dos que os transportam, uns falam, outros seguem calados.