livro mulheres mil_portugues

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Sobre a experiência do Mulheres Mil no Brasil

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  • Mulheres MIlThousand WoMenMILLE FEMMES

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  • Do sonho realiDaDe Making DreaMs coMe true

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    Mulheres MilthousanD WoMen

    MILLE FEMMES

  • Mulheres MilDo sonho realidade

    Thousand WomenMaking dreams come true

    Mille FemmesDu rve la ralit

    Braslia, DFMaro de 2011

  • Mulheres mil : do sonho realidade = Thousand women : making dreams come true = Mile femmes : du rev la ralit. Organizao: Stela Rosa. Braslia : Ministrio da Educao ; 2011.

    420 p. : il.

    Ttulos e textos em portugus, ingls e francs. ISBN: 978-85-64124-03-5

    1. Mulher. 2. Educao de jovens e adultos I. Rosa, Stela. II. Brasil. Ministrio da Educao

    CDU 377:396.4

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Centro de Informao e Biblioteca em Educao (CIBEC)

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    11Alagoas

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    51Maranho

    61Paraba

    71Pernambuco

    81Piau

    91Rio Grande do Norte

    101Rondnia

    111Roraima

    121Sergipe

    131Tocantins

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    145Presentation

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    uMa hisTria de MuiTas vozes

    Esta publicao traz a trajetria de uma ao pblica, o Mulheres Mil, narrada em primeira pessoa. Quem conta a histria so 27 mulheres, entre alu-nas e egressas que participaram do projeto piloto implantado nas regies Norte e Nordeste do pas, com a meta de beneficiar mil brasileiras. Ousado e indito na Rede Federal de Educao Profissional e Tecnolgica, o Mulheres Mil trouxe o desafio de trabalhar com recortes de excluso: mulheres jovens e adultas, em situao de vulnerabilidade econmica e social, a maioria com baixa escolaridade e margem do mundo do trabalho.

    Em linhas gerais, o projeto teve como objetivos elevar a escolaridade, ofertar qualificao profissional e contribuir para a insero dessas mulheres no mundo do trabalho. Saindo da linguagem objetiva, pode-se afirmar que tambm promoveu diversos outros impactos que por sua essncia no so to simples e bvios de serem mensurados, tais como a descoberta da cidadania, o resgate da autoestima, a melhoria nas relaes familiares e no convvio das comunidades, alm do estmulo s mulheres a voltarem para os bancos escolares. Resumindo: pessoas que voltaram a acreditar em si mesmas.

    A gestao do projeto comeou em 2005 e contou com a viso inclusiva, a coragem e a ousadia de diversos atores brasileiros e canadenses. A primeira ao nasceu de uma parceria entre o Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), na poca Centro Federal de Educao Profissional e Tecnolgica (Ce-fet), e os colleges canadenses. L foi realizado um projeto de extenso que ofereceu capacitao para camareira. O resultado foi to impactante que o Canad, por meio da Agncia Canadense para o Desenvolvimento Internacional (CIDA) e da

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    Associao dos Colleges Comunitrios Canadenses, e o Brasil, por intermdio da Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica (Setec) e da Agncia Brasi-leira de Cooperao (ABC/MRE), resolveram construir um projeto para ampliar a ao para outros estados. Assim nasceu o Mulheres Mil, que, alm do Rio Grande do Norte, foi estendido para mais 12 instituies. So elas os Institutos Federais de Alagoas, Amazonas, Bahia, Cear, Maranho, Paraba, Pernambuco, Piau, Roraima, Rondnia, Sergipe e Tocantins.

    As personagens da vida real participaram ou ainda participam dos cursos de qualificao que foram ofertados a partir de 2008. As reas so diversas e bus-cam convergir para as habilidades das alunas e a vocao da regio. Por isso foram oferecidos cursos de corte e costura, governana (camareira), alimentos, cuidador domiciliar e artesanato. Vale ressaltar que respeitar as aprendizagens no formais e contribuir para a (re)descoberta de talentos foi uma questo-chave na implan-tao do Mulheres Mil, e a contribuio valiosa dos colleges canadenses, que h dcadas implantaram o processo de Reconhecimento da Aprendizagem Prvia (RAP), valida e certifica os conhecimentos acumulados no decorrer da vida.

    Em nvel nacional, a ao foi implantada pela Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica (Setec/MEC) e contou com a parceria da Assesso-ria Internacional do Gabinete do Ministro (AI/GM), da Agncia Brasileira de Cooperao (ABC/MRE), da Rede Norte Nordeste de Educao Tecnolgica (Redenet), do Conselho Nacional das Instituies da Rede Federal de Educa-o Profissional, Cientfica e Tecnolgica (Conif ), da Agncia Canadense para o Desenvolvimento Internacional (CIDA/ACDI) e da Associao dos Colleges Comunitrios do Canad (ACCC) e Colleges parceiros.

    Nos estados, os Institutos Federais (IFs) contaram com a participao de diversos parceiros governamentais e no governamentais, imprescindveis na exe-cuo do projeto. Outras figuras fundamentais foram os professores, servidores e voluntrios dos IFs e dos parceiros, que acolheram, realizaram as atividades de assistncia s alunas e ministraram aulas. Com certeza, todos contriburam di-retamente nas mudanas significativas na vida dessas mulheres e seus familiares. Uma prova que todas as entrevistadas, tanto para esta publicao quanto para o portal, desde 2008, falaram da importncia das aulas e da convivncia na ins-tituio para sua formao profissional e cidad.

    Como tudo que novo, o Mulheres Mil est em processo, construin-do caminhos para fortalecer e expandir as pontes criadas entre comunidades, institutos e sociedade. Pontes essas que vo desde as mudanas nas formas de

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    acesso pois aqui os IFs saram dos seus muros e foram s comunidades at a formatao de cursos, permanncia na escola, articulaes com as demais orga-nizaes que pudessem garantir as diversas demandas trazidas por essas alunas no tradicionais, tais como creches, Educao de Jovens e Adultos, e parcerias com o setor produtivo para garantir a insero no mundo do trabalho. Por isso o caminho no nico e no h uma s frmula. O desafio estabelecer o dilogo e adaptar a metodologia desenvolvida no Mulheres Mil para as realidades, sem perder de vista os eixos estruturantes do projeto: Educao, Cidadania e Desen-volvimento Sustentvel.

    Os resultados tambm no so nicos, nem todas as histrias so to exi-tosas quanto as publicadas. Mulheres ficaram no meio do caminho porque ar-ranjaram trabalho, mudaram de moradia, no gostaram da capacitao ou no conseguiram conciliar o estudo com a vida. H alunas que conquistaram uma vaga na rea da qualificao e tambm h aquelas que esto atuando em reas diferentes. Outras ainda esto em busca de uma colocao. Algumas voltaram a estudar, outras no. H as que esto arriscando o caminho do empreendedoris-mo e h discusses na rea de cooperativismo. Entretanto, h uma certeza: todas que concluram a capacitao apontam que o projeto trouxe mudanas signifi-cativas em suas vidas.

    Do ponto vista institucional, o saldo tambm imensurvel. De 2005 a maro de 2011, houve intenso intercmbio de conhecimento entre docentes e gestores brasileiros e canadenses, atravs de misses tcnicas, cursos, workshops e reunies de trabalho. Mais do que parceiros de uma cooperao internacional, Brasil e Canad alcanaram, na Educao Profissional e Tecnolgica, uma relao de respeito, confiana e cumplicidade, com auxlios mtuos e com diversos pla-nos para um futuro prximo. Um dos resultados foi o estreitamento da relao entre Brasil e Canad, e hoje as instituies vm celebrando diversas parcerias. Em relao ao Mulheres Mil, a ideia levar o projeto no s para outras insti-tuies brasileiras, mas tambm para pases que queiram adaptar um mtodo de sucesso s demandas de sua populao.

    Para o Brasil, um fator importante que os 13 Institutos Federais desen-volveram uma metodologia de acesso, permanncia e xito para mulheres que hoje pode ser expandida para as demais instituies e aplicada para as diversas comunidades e pblicos que precisam do acesso educao profissional. A dis-seminao dessa metodologia contar com o Centro de Referncia do Mulheres Mil, sediado em Braslia, que ser responsvel pelo acompanhamento da expan-

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    so, pela promoo de capacitaes de servidores da rede e de outras institui-es, pelo desenvolvimento de pesquisa e pela produo de materiais.

    Alm de apresentar impactos e desdobramentos que podem ser contabi-lizados em nmeros, ao implantar o Mulheres Mil, as instituies construram ferramentas de visibilidade e acesso para um pblico que h dcadas sequer ou-sava atravessar o porto de entrada de um IF. Por isso, mais do que um projeto, essa ao representou o comprometimento com a incluso social e, consequente-mente, contribuiu para a construo de um pas mais justo e igualitrio e para o alcance das Metas do Milnio, promulgadas pela Organizao das Naes Unidas (ONU) e aprovadas por 191 pases que se comprometeram com a promoo da igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres, a erradicao da extrema pobreza e da fome e a garantia da sustentabilidade ambiental.

    A meta para os prximos anos continua sendo balizada pela ousadia. O ob-jetivo que o conhecimento acumulado alicerce a implantao do projeto para o restante do Brasil, transformando o Mulheres Mil em uma poltica permanente da Rede Federal, ofertada em cada uma das suas 366 unidades espalhadas nos 27 estados do pas.

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    margem, esta a expresso que representa as condies em que vivem os moradores da Vila Santa ngela, no municpio de Marechal Deodoro. As ca-sas, muitas de taipa, ficam dois metros abaixo do nvel da rodovia AL-101 Sul e constantemente acontecem atropelamentos e bitos de moradores.

    Invisveis, as famlias no constam nas estatsticas oficiais quando so conta-bilizados os servios bsicos, tais como saneamento, escola, posto de sade. Sem nenhuma associao de moradores organizada para reivindicar os direitos bsicos, os carros, inclusive os do poder pblico, passam depressa demais. No d tempo de olhar para os lados.

    Um aspecto marcante do grupo de Alagoas a timidez. So mulheres que, mes-mo jovens, tm longa trajetria de trabalho. Filhas de lavradores, algumas, du-rante o dia, iam para as usinas trabalhar no corte da cana ou ajudar os pais na roa e, noite, estudavam no Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetizao), que ofertava educao para jovens e adultos entre os anos de 1964 e 1985.

    A oferta de capacitao do Instituto Federal de Alagoas no setor de alimentos visa qualific-las em atividades j desenvolvidas, que so a venda e o preparo de alimentos em bares e restaurantes trabalho realizado nos finais de se-mana , a retirada de caranguejo do mangue, a comercializao de cocadas nas estradas prximas a suas moradias e a atividade de empregada domstica. Alm disso, o IF celebrou uma parceria com o governo local para a oferta de elevao de escolaridade.

    Marechal deodoro

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    Maria Sebastiana da Silva, 49 anos, Maria Quitria da Silva, 32 anos, e Elisngela da Silva, 23 anos, so me e filhas que compartilham histrias de vida similares: a maternidade chegou cedo e no tempo do viver no sobrou tempo para as letras. Quitria, assim como Sebastiana, cedo foi trabalhar para ajudar a criar os irmos. So vidas que se repetem nas trajetrias de excluso. Moram prximas e se ajudam no que podem: dividem o que tm, se consolam na tristeza e comemoram juntas as alegrias e conquistas. Hoje, em sala de aula, elas compartilham o sonho de um futuro melhor. Elisngela quer conquistar a independncia financeira, a meta ser recepcionista. O objetivo de Quitria fazer um curso de enfermagem e essa foi uma das razes que a levou de volta para sala de aula. J Sebastiana no desiste de sonhar com tempos mais prsperos.

    elisngela, sebasTiana e QuiTria

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    Meu nome Sebastiana e sou filha natural de Marechal Deodoro. Tive cinco filhos e criei quatro sozinha.

    1. Mobral Movimento Brasileiro de Alfabetizao.

    Um ficou com o pai. Eu estudei s at a terceira srie. Trabalhava de dia e, de noite, ia estudar em uma escola chamada Mobral1. Chegava can-sada. s vezes, nem tomava caf. O pouco que eu aprendi foi com sacrif-cio, foi trocando as letras, trocando os nomes. Vivi essa vida at quando eu me casei, com 17 anos. Casei no padre e no civil. Tive meu primeiro filho com 18 anos. A meu ex-marido trabalhava de motorista. Eu gostava dele, mas ele bebia muito. T com 17 anos que a gente t separado.

    Sofri muito na minha infncia; e na minha adolescncia foi que eu sofri mais ainda. Minha me criou sete filhos e no tinha condies. Fui criada sem pai, cortando cana, limpando cana. Com 11 anos comecei a cortar cana e trabalhei at os 16 anos, depois casei. Se fosse hoje, no podia mais fazer porque tem o conselho tutelar, e criana no pode mais traba-lhar, s estudar.

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    2. EJA Educao de Jovens e Adultos.

    3. O fil surge a partir de uma rede simples, composta de malhas e de ns, por isso tambm denominado rede de n, seguindo a tcnica de confeco da rede de pescador, que lhe serve de inspirao.

    A maioria do povo critica o lugar onde a gente mora; uns chamam favela, outros, cambada de mundiada. s vezes, eu pego o nibus para Macei e vejo as pessoas com preconceito. Eu me sinto acanhada, porque eu sou uma pessoa pobre e moro num lugar desses porque no tem um lugar maior pra morar. Di, porque a pessoa ser pobre no defeito.

    Eu voltei a estudar e fui para o projeto atravs das minhas filhas. T fazendo o EJA2 e t gostando do projeto. Depois que eu entrei, aprendi coisas que eu nunca tinha aprendido na minha infncia. T aprendendo agora, depois de velha. T aprendendo sobre culinria, gastronomia, direi-to das mulheres. At eu mesma fui vtima de violncia e nunca tive esse di-reito. Eu no tive medo de mexer no computador, eu tinha era curiosidade de um dia aprender a mexer em um deles. E realizei esse sonho.

    Eu vendo Avon, vendo confeco dos outros, de tudo eu fao um pouqui-nho para sobreviver. Eu fao fil3, renda de fil; tem o Bolsa Famlia que me ajuda muito, porque tenho um filho deficiente que mora comigo. Meu sonho trabalhar para mim mesma e ter meu prprio neg-cio e um dia sair daqui desse lugar, para parar de ser to discriminada. Ter meu po de cada dia, sem trabalhar para os outros, mas trabalhando para mim mes-ma. E nunca desisti de sonhar e continuar lutando e sonhando para um dia ter uma vida melhor.

    T aprendendo agora, depois de velha. T aprendendo sobre culinria, gastronomia, direito das mulheres.

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    Meu nome Maria Quitria. Eu tenho trs filhos e agora estou separada. Eu no tive oportunidade de estudar.

    4. Municpio onde est localizada a Vila Santa ngela.

    Minha infncia foi um pouco complicada. Vivi at os 12 anos no centro de Marechal Deodoro4. Ento, houve a separao dos meus pais, minha me mudava muito, a eu tive que parar de estudar pra cuidar dos meus irmos e ajudar. Ela trabalhava em casa de famlia, trabalhava em lanchonete, eu ia ajudar. Depois ela fez uma cirurgia, a eu tive que ficar no lugar dela ajudando. Eu no tive mais oportunidade para estudar. Fiz at o quarto ano primrio.

    Eu era mais tmida, o projeto ajudou um pouco pra arrumar traba-lho. s vezes, eu trabalho no fim de semana no restaurante, de ajudante de cozinha, e recebo o Bolsa Famlia. Aprendi a me valorizar. Tenho mais coragem para enfrentar as dificuldades do dia a dia, que no so poucas. Eu tenho f que vai melhorar.

    No curso, aprendi a fazer bob de frango, a fazer refrigerante ca-seiro, reaproveitamento de comida. Aprendi como a lavagem das mos; que tem que lavar at o cotovelo e, se for para o banheiro, tem que tirar a bata, tem que tirar a touca, no pode falar enquanto est manipulando

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    os alimentos. So coisas que eu no sabia. Devo colocar a verdura e os legumes para higienizar, para poder colocar na salada, nas panelas. Eu vou terminar, quero o meu certificado.

    Tenho lembranas boas da ida a Braslia; foi a pri-meira vez que eu sa do estado. Nem imaginava que um dia eu fosse sair de Alagoas. Sempre que t assistindo te-leviso, que passa aqueles lugares que eu fui, eu digo: , tive a, bem emocionante! Sempre fico falando para os meus filhos. Nunca tinha andado em hotel to chique.

    Eu j trabalhei de domstica, em restaurante como ajudante de cozinha, de garonete, de faxineira. O que eu gosto mais de trabalhar na cozinha, porque eu no gosto muito de estar no meio do povo, no. Eu prefiro ficar mais recolhida mesmo.

    Eu quero terminar o curso, depois estudar para fazer o meu curso de enfermeira. Sonho em fazer enfermagem desde criana. Eu nunca falei para ningum, vim falar j agora, depois de adulta, que o meu sonho fazer enfermagem. Uma pessoa disse pra mim que, pra fazer enfermagem, eu tenho que pelo menos fazer o primeiro ano. Por isso que eu voltei a estudar, porque eu quero fazer esse curso.

    eu quero terminar o curso, depois estudar para fazer o meu curso de enfermeira.

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    Meu nome Elisngela da Silva. Eu tenho trs filhos, dois do primeiro casamento, e o mais novo do segundo.

    Sou operada, no quero mais filho. Minha infncia foi melhor do que a da Quitria, porque eu no trabalhava para ajudar a minha me. Ficava dentro de casa, estudava.

    Quando eu estudava em Macei, teve uma festa do dia das mes. Quando as mes foram entrando na sala, a gente comeou a cantar aque-la msica do Roberto Carlos. Nunca se esquea nenhum segundo que eu tenho o amor maior do mundo, como grande o meu amor por voc. A maioria no aguentou de emoo e comeou a chorar. Chorou eu, minha colega, a professora e saiu chorando todo mundo. Essa msica marca muito porque fala no amor, e o amor da nossa famlia grande. Minha me, pra mim, tudo, meu pai, tudo. Depois dela, o que te-nho na vida so meus filhos, minhas irms, que eu amo muito, minhas sobrinhas. Somos unidas.

    Aprendi, com a disciplina direito e sade, a importncia dos direitos que a gente tinha e que tem hoje. Antes mulher no votava e hoje a Dilma ganhou. a primeira presidenta do Brasil. Voc v como as coisas esto

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    evoluindo! O que aprendi, que valeu a pena, foi sobre as mulheres, que eu no sabia sobre essa Lei Maria da Penha. O pouco que eu sei da lei que no violncia s quando agride a pessoa batendo, pode agredir com pa-lavras, com gesto. Isso me ajudou, porque tem muitas mulheres que vivem com um parceiro apanhando e tm medo de denunciar.

    Eu fui casada uns cinco anos com o meu primeiro marido. Comecei a namorar com 15 anos e engravidei aos 17. A, ele comeava a arengar: ele batia em mim, eu batia nele. Tinha essa delegacia das mulheres, s que no tinha essa Lei Maria da Penha ainda. Muita gente dizia: No vai de-nunciar no que ele vai lhe matar depois. Ele sempre dizia: Se voc me denunciar, quando eu me soltar, eu te mato! Da ltima vez que a gente arengou, que terminamos, quando minha me chegou em casa, ela disse: Vamos para a delegacia!.

    Cheguei l, dei parte e pedi pra delega-da fazer ele assinar um termo de responsabili-dade. Desse dia para c, eu criei coragem e, at hoje, qualquer homem que inventar de triscar a mo em mim eu j t dando parte. Ele pode me ameaar quanto for. Ento, estudar a lei me ajudou a desenvolver mais um pouco, pra saber o que as mulheres passam e podem fazer pra no passar mais. Outra coisa que me mar-cou foi a informtica. Ns tivemos 10 aulas de informtica. Aprendi a acessar a internet,

    aprendi, com a disciplina direito e sade, a importncia dos direitos que a gente tinha e que tem hoje.

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    que eu no sabia. Abrir as pginas no computador, ligar e desligar, que eu tambm no sabia, eu aprendi.

    Estudar ajuda na vida da gente, porque sem estudar no se vai a canto nenhum, porque para trabalhar numa empresa voc tem que ter do primeiro grau em diante ou ento o segundo grau todo completo. E ajuda na educao dos filhos da gente, porque, se a gente bota o filho na escola e no sabe nem ler nem escrever, como que a gente vai ajudar os meninos nas tarefinhas? Tambm tem essa parte a; eu acho interessante tambm nisso.

    Ns tivemos aula com a nutricionista, aprendemos a cozinhar ou-tros tipos de comida diferente. Ela ensinou uma receita de moqueca de caju. Quando comear a ter caju, eu vou fazer. Fizemos bob de frango, refrigerante caseiro, que melhor do que o que vende nas vendas. Agora eu digo: Estudo no nono ano e fao um curso no Cefet. As pessoas j se interessam.

    Eu estou terminando a oitava srie. Eu espero me profissionalizar em recepcionista. Eu quero entrar no Cefet noite para fazer um curso de recepcionista para garantir um trabalho fixo para sustentar os meus filhos e no estar dependendo de marido, porque, um dia, vai que ele me deixe? Como que eu vou ficar com meus filhos? Sem eira nem beira? Espero ter um trabalho fixo e espero que o curso me ajude mais ainda a arrumar um trabalho.

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    As beneficiadas com o Mulheres Mil so ex-moradoras de reas alagadas, de-nominadas palafitas. Comum na Regio Norte, diversas famlias construam suas casas em cima de leito de rios e mangues. A falta de saneamento, estru-turas precrias para a coleta de lixo e as enchentes eram fatores que tornavam as condies de moradias nesses locais insalubres, colocando em risco a sade dos moradores.

    Para retirar as famlias dessas reas de risco, o governo do Estado do Amazo-nas, atravs do Programa Social e Ambiental dos Igaraps de Manaus (Pro-samim), construiu novas habitaes, com saneamento bsico e infraestru-tura de condomnio residencial. As mulheres tm baixa escolaridade, uma famlia para atender e vrias so naturais de outros estados do Brasil ou de municpios do interior. Muitas tm histrias de abandono, violncia e tra-balho infantil. Em comum, elas tm a necessidade de melhorar ou garantir a renda familiar.

    Alm da questo da moradia, a falta de qualificao profissional empurrava as moradoras para o subemprego ou o desemprego. E foi nesse contexto que o Prosamim e o Instituto Federal do Amazonas estabeleceram parceria para a ofer-ta de qualificao profissional na rea de turismo. Desta forma, as instituies realizam aes conjuntas para facilitar o processo de adaptao na nova moradia e viabilizar possibilidades de trabalho e renda. Como em Manaus o setor de turismo est em crescimento e h carncia de qualificao que esteja ao alcance do bolso desse pblico, a oferta do curso de camareira constitui uma importante alternativa para que essas mulheres possam ter uma profisso.

    Para contribuir com a mudana de residncia, no plano educacional tambm foram integradas disciplinas como meio ambiente e relaes interpessoais, fo-cadas no processo de interao com a nova realidade e na adoo de um com-portamento sustentvel. Em relao ao trabalho, o estgio profissional foi um dos pontos cruciais, momento em que elas conhecem a rotina de trabalho e

    podem conquistar uma vaga. E essa foi a porta de entrada no mercado de vrias alunas. Alm de hotis, algumas egres-sas esto descobrindo possibilidades de atuao em motis e flats.

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    Estou trabalhando no hotel Caesar Business. Fiz a prtica l e

    acabei ficando l tambm. Depois do estgio, ns fomos fazer a entrevista com o Recursos Hu-

    manos. A ela pediu os documentos e o currculo de todo mundo. Como faltava o nmero da minha carteira de trabalho, quando foi no sbado, fui l com a minha filha entregar. Quando eu cheguei, ela falou assim: Ainda bem que voc veio, eu j ia ligar para voc, porque voc foi contratada. Eu

    Janana Tereza lessa da silva

    Janana Tereza Lessa da Silva, 35 anos, comemora a volta ao mercado de trabalho. A nova profisso de camareira abriu as portas do trabalho. Foi contratada no mesmo hotel no qual fez o estgio, exatamente como queria. Com o emprego, ela faz planos de continuar se qualificando e com a certeza de que est num mercado promissor.

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    chorei muito, eu chorei bastante. Minha filha tava l. difcil. Eu passei quase dois anos sem trabalhar.

    A primeira pessoa pra quem eu falei foi para o meu pai, porque ele foi uma pessoa que me deu muita fora. Falei assim: Nem sabe? Eu fui contratada para passar os trs meses de experincia l. Ele chorou e disse que no era para eu desistir nunca das coisas.

    cansativo um pouco, mas gostoso. legal trabalhar l, as pessoas so bacanas. T aprendendo cada vez mais, porque tem um detalhe que a gente sempre esquece; mas elas esto ali para coordenar e, aos poucos, estou me adaptando, no estou mais esquecendo. So pequenos detalhe-zinhos que a gente esquece, que, s vezes, tanta coisa para arrumar que a gente no lembra de tudo, mas j estou me adaptando mais.

    Os professores aqui do IFAM foram todos maravilhosos. Muito mesmo. O curso em si foi muito bom. Eu j recomendei para outras ami-gas minhas. Eu aprendi bastante. Erros de portugus que, s vezes, a gente comete no dia a dia, como se comportar um pouco mais, o ingls tambm. Vira e mexe eu me lembro, porque, quando tem hspede que tem que falar ingls, a gente tem que se comunicar de alguma forma. Ento algumas coi-sas eu tento lembrar, tento me comunicar. Ele prepara. Quem levar a srio o curso e for at o final mesmo, com certeza tem muita vaga. Vou fazer o curso de ingls agora esse ano.

    Agora, o que poderia melhorar no curso era ele ser aberto ao pbli-co. Algumas colegas minhas queriam fazer, mas no podiam porque no moravam no Prosamim. Eu tenho certeza que ia lotar. Muitas pessoas iam querer fazer, pessoas com a minha idade, de 35 anos, que, s vezes, no conseguem trabalho, e que gostariam de fazer o curso, porque uma opor-

    algumas colegas minhas queriam

    fazer, mas no podiam porque no

    moravam no Prosamim. eu tenho

    certeza que ia lotar.

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    tunidade de trabalho. Nos hotis, onde algumas colegas trabalham, sempre tem vaga, mas no tem um curso de camareira. Teria que ser nacional, para todo o tipo de mulher, porque hoje tudo profissionalizante e tem muitas mulheres a que precisam mesmo desse curso.

    Quando voc t desempregada, as pessoas meio que te esquecem, no lembram de voc, no te respeitam. Ento eu tive novamente o respeito das pessoas; as pessoas te olham de outra forma. Melhorou bastante, porque voc tem o respeito das pessoas, as pessoas passam a te respeitar novamente.

    Eu trabalhava como auxiliar administrativo na prefeitura, durante 10 anos. Trabalhei como recepcionista e telefonista tambm, trabalhei como auxiliar de odontologia. Ento, pra mim, camareira nunca passou pela mi-nha cabea; trabalho como diarista, em casas. Mas camareira... que na verdade eles no gostam que a gente chame de camareira, atendente de apartamentos.

    Pra mim est sendo legal, porque agora vou fazer o curso de super-visora, porque no quero passar minha vida inteira sendo camareira. Vai comear o curso agora, no Senac, de supervisora de apartamentos; comea agora em maro, j me inscrevi.

    Eu tenho o ensino mdio completo; eu tenho at o segundo pe-rodo da faculdade de Educao Fsica; no conclu todo porque veio o falecimento da minha me e a eu tranquei e nunca mais me interessei em voltar. Foi muito difcil, porque eu no tinha muita intimidade com meu pai, porque ele trabalhava o dia todo, vivia muito na rua. Hoje, no! Ele meu melhor amigo, a gente se d super bem. Quando eu fui voltar l para ver no tinha mais condies de retomar a faculdade.

    Eu tive infncia mesmo, brinquei bastante. At os meus 15 anos, eu brincava de boneca. Estudei, me formei, fiz o vestibular e passei. A tive a minha filha com 23 anos. Eu sou meio que casada, a gente se considera marido e mulher, mas eu tenho a mi-nha casa, o meu apartamento. Eu passo mais tempo com ele, porque eu tenho meu irmo, que mora comigo; ele no trabalha, t desempregado no momen-to e usa muita droga. Como eu passo o dia trabalhando, eu tenho medo de dei-xar minha filha sozinha. Ento, ela fica mais na casa dele do que na minha.

    Tem muitos hotis que esto precisando de camareira profissional, que tenha o curso. S nos dois meses que estou trabalhando tem colega mi-

    Quando voc t desempregada, as pessoas meio que te esquecem, no lembram de voc, no te respeitam.

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    nha que me fala: Janana, tu j t trabalhando? L no hotel no Adrianpolis, que tipo um condomnio, to precisan-do de camareira. A eu j indico outras colegas minhas que fizeram o curso.

    Hoje, eu estou vendo que tem bastante vaga, porque eu t nesse ramo, mas pra quem no tem o curso de camarei-ra, nem imagina que t precisando de camareira nos hotis. Quando voc faz um curso desse, automaticamente voc j fica envolvida nessa rea e j sabe quem precisa, quem no precisa; vai conhecendo pessoas que esto te indicando e auto-

    maticamente j t trabalhando. Ento muito bom o curso de camareira.Eu vou fazer minha faculdade de Farmcia. Vou me matricular no

    curso para supervisora de andar, que acima de camareira, porque tem muitos hotis que no tm, e a procura grande. Eu no quero ser cama-reira, eu quero ser muito mais que isso e para isso eu tenho que estudar. E isso que eu vou fazer: eu vou estudar; passei muito tempo, ento quero estudar, quero fazer um cursinho, quero fazer ingls, me atualizar em in-formtica, algumas coisas que eu j no me lembro mais. Quero fazer o ingls, o bsico pelo menos fluentemente, e eu tenho que aproveitar agora que eu t trabalhando para poder fazer.

    Se eu no ficar l no Caesar, eu j tenho outro. Eu s t esperando terminar minha experincia para ver se eu vou ser contratada ou no. Se eu no for contratada, eu no estou preocupada, porque eu j tenho outro me esperando.

    No falta trabalho para camareira, ainda mais quem tem o curso profissionalizante. Nunca tarde, enquanto eu tiver viva, o que eu puder fazer por mim eu vou fazer. muito difcil... Eu digo para minhas colegas e para o meu marido: Tem que estudar, tem que fazer curso profissionali-zante. Tem que estudar; estudo tudo.

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    Eu cresci de tal forma que, se tiverem visto aquela mulher de antes e hoje me virem, vo notar uma grande diferena.

    Me cuido melhor, olho mais para mim mesma; vejo que eu tambm existo, sei o que est ao meu redor. Esto me vendo e sei que eu estou mudando, que eu mudei. Precisava de uma injeo de nimo, precisava de algum para me sacudir, dizer assim: Voc existe! Voc real!. Eu noto que esse projeto foi uma injeo de nimo. Eu precisava e eu no tinha como. Ento chegou e eu peguei.

    osMariveTe carlos de souza e silva

    Osmarivete Carlos de Souza e Silva tem 39 anos, trs filhos e trabalha no hotel Adrianpolis. Determinada a mudar o rumo da histria, quando comeou a capacitao em 2008, no tinha com quem deixar os filhos e por um tempo teve que lev-los para a sala de aula. Segundo Osmarivete, a luta foi grande e o resultado tambm. Alm da carteira de identidade, ela conquistou outra identificao, a carteira de trabalho.

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    Hoje eu sou uma mulher que existe no mercado de trabalho. Isso para mim foi muito importante. Eu posso dizer que eu tenho uma identi-dade chamada carteira de trabalho. Eu trabalhei j, mas por conta prpria, trabalhando avulso, fazendo uma coisa aqui e outra acol, mas nunca de carteira assinada.

    Eu comecei a trabalhar com sete anos, com a minha me. Como ns passamos a maior parte do tempo no interior, minha me fazia muita caieira1. Minha me foi uma mulher que teve muitos filhos, teve 16 filhos, morreram quatro e ficaram doze. Ento, para ajudar o meu pai ela tinha que se virar. Quando eu tinha dez anos, ela mudou de profisso, foi vender comida em banquinhas.

    O curso ajudou em todos os sentidos; me levantou a autoestima, me deu uma perspectiva mais profunda. Eu era aquela mulher recatada, sempre dentro de casa, olhando sempre para o agora, no via o futuro. E esse projeto Mulheres Mil veio assim no momento mais propcio da mi-nha vida. Eu precisava muito. Eu me via numa situao de nem saber para onde correr; eu e meu marido passvamos uma situao difcil. No tinha quem me ajudasse na realidade.

    Quando a gente mora em beira de igarap o carteiro quase no vai l. Voc, para tirar qualquer coisa, precisa de endereo. At para arranjar um trabalho precisa ter um endereo. Quando vem chuva, voc no dor-me, passa a noite todinha em claro. No tem como dizer que voc vai ter paz, que vai ter segurana. Quando a pessoa perguntava onde eu morava, muitas vezes, a pessoa olhava e como se dissesse assim: Voc no existe, voc no tem endereo fixo, endereo certo!.

    Hoje ns temos endereo fixo; muito importante. Meus filhos no precisam correr nem eu pre-ciso me preocupar, porque, se chover, eu no tenho preocu-pao mais. Mudou tudo, por-que, alm da gente ter aquele problema de gua, vinham os ratos e com eles vinham as ca-rapans2, e impossvel dormir com tanta carapan.

    Me sentia importante no meio de tanta gente aqui. Puxa! Eu estou fazendo um curso na escola tcnica, ningum qua-se acreditava e perguntavam: Mas l mesmo que voc est

    1. Palavra usada no Amazonas para definir produo de carvo.

    2. Mosquitos de pernas longas.

    Quando a gente mora em beira de igarap o carteiro quase no vai l. hoje ns temos endereo fixo; muito importante.

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    fazendo o curso?. Me sentia bem, acolhida, no dia que no dava para vir me preocupava, devo ter faltado assim umas trs ou quatro vezes.

    Eu posso afirmar e vou afirmar que ele prepara mesmo. Quando voc entra no mercado de trabalho, a primeira coisa que lembra de cada instruo que elas nos deram. Voc vai fazendo, vai lembrando. Ento, em cada aula que a gente aprendeu, at mesmo na qumica, quando voc vai misturar um produto, lembra que no pode fazer isso. Isso pode lhe prejudicar.

    Hoje eu me vejo assim importante, me vejo assim; eu nunca tive um carto de crdito e, pelo amor de Deus, tem que ter sabedoria at para usar! Hoje eu sou mais cautelosa do que eu era antes; pego o dinheiro e digo: No, eu vou gastar naquilo que realmente preciso. Eu no vou gastar as-sim toa, pouco, mas tem que ser gasto com aquilo que eu preciso, do que estou mais necessitada.

    Logo que eu fui l no hotel, elas no queriam me dar vaga porque eu s tinha mesmo o certificado, a eu disse: Mas se vocs no me derem oportunidade, eu no vou ter experincia; eu sei fazer tudo. Habilidades a gente tem no decorrer do trabalho, como hoje se v; eu fao o que eu posso. O hotel est 100% lotado e estamos l.

    Eu tenho meu dinheiro, eu posso ajudar na minha casa. Meus filhos passaram um tempo de muita escassez mesmo, de no ter para onde correr; o pouco que fazia no dava pra nada. Hoje, o pouco que entra d pra fazer alguma coisa; no d muito, j d para dizer que eu tenho onde recorrer.

    Me sentia importante no meio de tanta

    gente aqui. Puxa! eu estou

    fazendo um curso na escola

    tcnica.

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    Hoje eu posso dizer que eu tenho um futuro. Conquist-lo? Sei que est sendo difcil, mas eu vou chegar l. Eu quero chegar a ser go-vernanta. No momento, ainda no tem aqui o curso, mas estou de olho e, por enquanto, estou aprendendo um pouco nessa rea. Quero fazer

    um curso de ingls e me qualificar na rea que eu estou agora. O projeto que eu um dia estive nele um projeto para qualquer

    mulher que est sem perspectiva de vida, de olhar para dentro de si mes-ma; aquelas mulheres que muitas vezes o marido no d nada por ela, que difama, que joga ela, que faz tudo que acha que pode fazer; para esse tipo de mulher que esse curso, elas precisam de uma ajuda, elas precisam de um apoio, assim como eu precisei um dia.

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    Maria das graas

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    Em Salvador, a Vila Dois de Julho e Jaquaribe II so comunidades vizinhas, que vivem, no dia a dia, dificuldades similares: no h rede de esgoto, tm infraestru-tura precria, muita insegurana e violncia. A falta de poltica pblica tambm pode ser detectada na inexistncia de reas de lazer, no h praas nem espaos de convivncia.

    Os bairros nasceram como loteamento e enfrentaram, no incio dos anos 1990, um processo de ocupao massiva de famlias vindas de outras localidades da capital e do interior, como a realidade de muitas das alunas do projeto.

    A falta de escola na zona rural e o trabalho infantil so as principais causas da baixa escolaridade, o que dificulta a insero dessas mulheres no mercado de trabalho. Muitas so chefes de famlia e integram hoje o contingente de traba-lhadores do mercado informal ou engrossam as estatsticas de desemprego. A maioria trabalha como empregada domstica e na realizao de servios gerais.

    O Instituto Federal da Bahia enfrentou diversos desafios no processo de im-plantao do projeto, dentre os quais se destacam a violncia existente nas co-munidades e as dificuldades de insero das mulheres no mercado de turismo, em funo do preconceito de cor e idade. Para driblar a questo do mercado, o IF ampliou a oferta e criou um curso novo, o cuidador domiciliar, que tem um potencial considervel de mercado de trabalho. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), em 2008, para cada 100 crianas de at 14 anos, existiam 25 idosos de 65 anos ou mais. A previso de que em 2050 sejam 173 idosos para cada grupo de 100 crianas.

    Tanto na profisso de camareira quanto na de cuidador domiciliar, as alunas esto conseguindo acessar o mercado de trabalho. Para muitas mulheres, a ca-pacitao na rea de sade est garantindo uma nova atuao profissional, com mais possibilidade de trabalho e maior remunerao, visto que a maior parte atuava como empregada domstica ou como faxineira.

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    cleonice Ferreira da conceio

    Superou minhas expectativas, porque mudou completamente a minha

    vida; at a maneira de pensar, a maneira de lidar com o outro, porque eles trabalham muito isso: a ma-neira de voc gostar mais de voc. Cuidar mais de voc.

    Quando cheguei no curso, tava me sentindo intil, tava colocando currculo, ficava naquela expectativa de ser convocada a voltar a trabalhar

    Devota de Nossa Senhora do Livramento, Cleonice Ferreira da Conceio participa da comunidade catlica no bairro Jaquaribe II que leva o nome da santa. Em dois momentos, a devoo ajudou: quando o marido se acidentou e quando o irmo foi acometido de uma depresso e passou um tempo sumido. Com 41 anos, ela luta para voltar ao mercado de trabalho. Agora a meta tentar uma colocao na rea de cuidador de idoso. O sonho, que comeou quando concluiu o magistrio, fazer Pedagogia e poder dar aulas.

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    e no chamavam. Eles dizem: Seu currculo timo, mas voc no tem o perfil que a empresa precisa. At a rea do comrcio mesmo, que eu j trabalhei de caixa em supermercado, s estava contratando pessoas at 27 anos. A voc comea a pensar: Eu estou forte, tenho coragem, tenho vontade de trabalhar e no tenho oportunidade s por causa da ida-de!. Voc vai ficando assim, porque eu s me sinto bem quando estou trabalhando.

    Quando eu comecei a participar dos encontros sobre autoestima, comeou a mudar, porque l eles trabalhavam tambm o lado espiritual, que voc um ser de luz, que voc importante, a puxa tambm um pouquinho para a questo da infncia, da famlia. Eles falavam tambm de desapego, das pessoas no desanimarem e essas aulas foram fortalecendo minha autoestima. A, quando eu comecei a ir para o Cefet, eu sa da de-presso de vez. Eu sabia que era um curso de cuidadora de idosos, mas no sabia que era no Cefet e no sabia que ia ter bolsas.

    As aulas eram superdinmicas. Os professores, se fosse dar nota de 1 a 10, daria 10 para todos. Eu gostei de todos. Ns tivemos aulas de primei-ros socorros, foi superimportante, tivemos conhecimento de muitas coisas que no tnhamos, como trabalhar at em caso de preveno de acidentes. Aprendi sobre depresso, sobre o mal de Alzheimer, que acomete pessoas de mais de 60 anos. Aprendi como cuidar, como observar os sintomas.

    A tiveram as oficinas, tambm as de artesanato. Depois nos reuni-mos para fazer embalagens a partir da reciclagem de caixas de leite. Voc forra, d o acabamento com a fita e fica muito bonito. Aprendemos a pin-tar, at participei da Feira de Natal do IFBA1 comercializando os produtos reciclados feitos por ns.

    Ns tivemos aula tambm de economia solidria; os professores tm muita experincia com cooperativas. Hoje pensamos em criar uma coope-rativa de reciclagem; estamos amadurecendo a ideia. No foram todas que se interessaram, mas umas trs ou quatro pessoas se interessaram em voltar a falar sobre o assunto. Estamos esperando passar esse processo que vem agora de estgio e depois a formatura, para a gente voltar a pensar nisso. O professor vai nos orientar. Eles nos falaram que em qualquer poca que a gente quiser voltar a falar sobre esse assunto, eles podem vir at a comuni-dade, explicar como funciona.

    1. IFBA Instituto Federal da Bahia.

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    Eu me sinto preparada para o mercado de trabalho. O meu objeti-vo maior voltar ao mercado. A expectativa grande porque no estgio eu vou colocar em prtica aquilo que eu aprendi em sala de aula. Minha meta hoje conseguir um emprego, porque ns precisamos trabalhar e, futuramente, fazer alguma coisa que possa vir a ajudar outras pessoas. De repente, trabalhar como voluntria at no prprio projeto Mulheres Mil. Tambm ajudar as pessoas com quem eu convivo, porque l em casa tem trs pessoas idosas, que minha me, que tem 61 anos, tem meu sogro, que t com 67, e minha sogra, com 62.

    Tem algumas colegas que j conhecia de vista, mas no tinha con-tato. Ento, um dos pontos positivos do curso tambm foi esse: que eu pude me aproximar de algumas pessoas tambm, que s conhecia de vista, e pude aprofundar a amizade, ver que so pessoas excelentes; tem pessoas mesmo que descobri afinidades e eu sei que vai ser amizade assim para a vida toda.

    Depois do curso eu me tornei uma pessoa mais forte, com mais esperana. Eu acho que me tornei uma pessoa bem melhor. Eu ainda sou uma mulher com muitos sonhos para realizar, que no consegui realizar ao longo da vida, mas no desisti, estou batalhando, correndo atrs, e tenho certeza que vou conseguir realizar esses sonhos. Sei que eu no posso ficar sentada, esperando que as coisas aconteam, eu tenho que construir. A tem esse lado profissional que eu preciso realizar e o sonho tambm de fazer uma faculdade, um curso de Pedagogia.

    Eu gosto de Emoes, de Roberto Carlos, porque na minha forma-tura do segundo grau, quando eu tava na cerimnia, comeou a cantar, que fala que quando eu estou aqui, eu vivo esse momento lindo. Ento pas-sou um filme da minha vida. Mi-nha maior dificuldade na infncia era que meu pai e minha me so analfabetos. Ento, eu no tinha uma pessoa que pudesse me ajudar com as tarefas escolares. Era muito difcil. A, geralmente, eu pedia a uma vizinha para me orientar.

    Na infncia, a gente sonha com tantas coisas, e o meu sonho era ser pediatra. A, voc sabe, a fa-mlia de algum tempo atrs, mais tradicional, tinha mais filhos. L em casa mesmo somos nove ir-mos, e os mais velhos sempre ti-

    Depois do curso eu me tornei uma pessoa mais forte, com mais esperana.

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    nham que trabalhar para poder ajudar a sustentar os menores. Como eu sou a mais velha, comecei a trabalhar muito cedo, desde 13 anos. Se eu parasse de trabalhar, eu no ia conseguir concluir o segundo grau.

    Eu fui trabalhar em casa de famlia, trabalhei durante cinco anos. Quando eu conclu o meu segundo grau, fiz magistrio. S que quando eu fui pegar o certificado, descobri que o curso no era registrado. Foi uma buro-cracia muito grande, fiquei quase seis anos para conseguir o histrico. Quan-do consegui, eu j estava desatualizada, j no podia mais dar aula. Agora, para voltar a dar aula, eu tenho que fazer um curso de Pedagogia, que o que eu estou buscando ainda fazer. Estou esperando a situao melhorar.

    Eu acho que ns nunca devemos desistir dos nossos sonhos, temos que lutar, correr sempre atrs daquilo que queremos, porque muita gente tem sonhos e no tem a oportunidade de realiz-los. Ento essa foi uma oportunidade que eu tive, e assim como eu tive essa oportunidade de vol-tar a sonhar e de voltar a correr atrs de meu objetivo, a mensagem que eu quero deixar essa: que as pessoas nunca desistam de seus objetivos, nunca digam tarde. Sempre tempo de recomear.

    eu acho que ns nunca

    devemos desistir dos

    nossos sonhos, temos que lutar, correr

    sempre atrs daquilo que queremos.

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    Maria das graas paula de Jesus

    Meu grande amor foi meu primeiro namorado, l de Plataforma1 mesmo. Eu tinha 18 anos, ficamos uns dois anos, depois terminou. Eu

    acho que amor s um. O seu corao tem que amar s uma pessoa, porque era assim: quando via ele noutros lugares, com outras pessoas, eu s faltava morrer. Eu tremia, ficava me sentido mal, gelava tudo. Ele vivo, mas no fala comigo no. Ele j casou, tem filhos, esto mocinha

    Maria das Graas Paula de Jesus tem 51 anos e j trabalhou de empregada domstica, bab, lavadora de carros e na construo civil. Hoje est comeando a fazer uma nova trajetria profissional como cuidadora de idoso. Gosta de ir igreja aos domingos rezar para sua xar, Nossa Senhora das Graas. Em busca de perspectivas, morou algum tempo em So Paulo. Por causa da violncia, no gosta de onde mora, mas fica porque herdou a casa da me. Uma das metas melhorar a moradia para deixar para o filho e o neto.

    1. O bairro de Plataforma fica no subrbio ferrovirio de Salvador e banhado pelas guas da Enseada do Cabrito e da Baa de Todos os Santos.

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    e rapaz, mas, at hoje, quando eu o vejo, de vez em quando, quando eu vou em Plataforma, ainda sinto isso. Ento, eu acho que amor isso a.

    Esse curso foi assim: tinha uma professora fazendo inscri-o aqui, no colgio Padre Hugo, a chegou uma menina que mora nessa outra rua falando: Ali t fazendo a inscrio para curso, mas tem que ir l procurar saber, porque so 40 mulheres que ela vai inscrever. Cheguei l e ela disse que era para tomar

    conta de idoso, deu uma ficha para a gente preencher, dizer como era a casa da gente, se tinha parede, se tinha piso, se era de cho. A gente fez a ficha e deixei o nmero do telefone. Quando foi com trs dias, ligaram.

    Eu sempre dizia a minha me que eu queria fazer isso a, estudar para ser enfermeira. S que eu no consegui, mas agora esse curso quase me deu oportunidade, porque eu j tiro presso direitinho, j dou insulina, tiro a temperatura, dou medicamento, tudo certinho. Ento eu j t quase per-tinho do que eu queria. Ainda no t totalmente bem, mas uma coisa que eu queria fazer j consegui.

    Pra mim, l foi muito bom. Eu achava que ia ser ruim, pensava que ia ser uma coisa chata, mas pensei: Eu no t pagando nada, no t traba-lhando e tenho que ocupar minha mente com alguma coisa. Fui. Gostei, porque conheci outras pessoas. Os professores so muito bons. Aprendi algumas coisas da vida: eu aprendi a me dar com as pessoas, porque eu tava muito tensa, muito braba, muito revoltada depois que a minha me morreu e que meu filho ficou doente. Saa daqui correndo para ir para o meu curso, achava uma maravilha.

    eu sempre dizia a minha me que eu queria fazer isso a, estudar para ser enfermeira.

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    A gente teve uma aula tambm de desapego; que as pessoas no devem se apegar assim a tudo, que tem que ter desapego tambm. E a foi que eu fui mais. Eu era assim, meio revoltada, muitos problemas que eu tinha assim na cabea, mas depois disso eu melhorei. Eu fiquei mais paciente, me desapeguei mais das coisas, no fiquei mais nervosa como eu era. Eu melhorei bastante. E hoje eu sou outra pessoa e foi por causa desse curso. Melhorou muito o relacionamento com as pessoas, minha vida ficou melhor. Eu agora conheo outras pessoas, t no meu trabalho; pra mim, t bom. Estou comprando minhas coisinhas, t pagando mi-nhas contas.

    Esse trabalho eu consegui pelo curso, pela qualidade e pelo curso, porque esse meio de trabalho a gente tem que ter o curso para receber o certificado, para comprovar que sabe cuidar de idoso. Quando eu fui acer-tar, a mulher j perguntou para mim: Voc tem o certificado?. Respondi: Tenho sim!. Tem a apostila?, a eu disse: Tenho!. Porque a apostila diz como a gente tem que lidar com o idoso. Antes de terminar, eu j co-mecei a trabalhar.

    Eu fiquei muito nervosa. Trocava o remdio, na hora de dar insulina eu tremia, at uns trs meses, mas, agora, eu fao de olho fechado. Fez um ano que trabalho l. A senhora que eu tomo conta tem um monte de doen-a, sofre de diabete, tem presso alta, sofre de tireoide. Ela vive sentadinha, no aborrece, no estressa. Uma pessoa maravilhosa.

    Eu comecei a trabalhar com nove anos de idade na casa de uma mu-lher para tomar conta de uma criancinha, de bab. Depois sa de l e fui tomar conta dos meus irmos. Minha me comeou a ter filho, tinha que trabalhar, e eu tomava conta. E no tinha tempo nem de estudar.

    Depois de velha, morando aqui, que eu me matriculei no Vera L-cia2; a foi que eu estudei mais dois anos; quando ia completar trs anos, eu tive que trabalhar em So Paulo. Eu vim embora porque minha me deu derrame. So Paulo eu gosto muito. Voc tem oportunidade de trabalhar e de estudar, s depende da pessoa. Eu tenho muitas amizades.

    2. A escola Vera Lcia Cipriano fica no bairro Nova Braslia, em Salvador, onde Maria das Graas morou antes de se mudar para Jaguaribe II.

    Foi uma sensao boa,

    porque eu fiquei tanto tempo sem

    aprender nada, e eu voltei a aprender

    mais um pouquinho.

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    Se eu tivesse menor idade um pouco, eu ia estudar, ia fazer um ves-tibular e ia fazer um curso de enfermagem. S no t pensando em fazer mais porque eu j no enxergo mais direito; cabea tambm eu no tenho mais; nem idade, mas, se eu pudesse, faria isso que eu tenho vontade.

    Foi uma sensao boa, porque eu fiquei tanto tempo sem apren-der nada, e eu voltei a aprender mais um pouquinho. Tivemos aula de matemtica, sobre custo de vida, como para viver com o seu salrio, essas coisas. Tivemos aula de cuidador de idoso mesmo, aulas de primeiros socorros. Elas levaram uma agulha com a seringa para a gente poder dar insulina, falou sobre presso arterial, como que tira a presso. Falou como que lida com a diabete, o que acontece. Na reciclagem a gente aprendeu a fazer sabonete. Tivemos aula sobre cncer de mama, cncer de tero, essas coisas. A gente teve aula sobre a importncia de servio mdico, de fazer exame. Eu passei a me cuidar. Para as minhas colegas, tambm foi muito bom, mudou tambm a vida delas; foi muito bom porque aprenderam. Algumas esto procurando servio.

    Para o meu futuro, eu pretendo ajeitar a minha casa, botar uma laje aqui muito pequeno, s tem um quarto para, quando eu faltar, ficar para o meu neto e meu filho. Estou pagando meu INSS3 para tirar minha aposentadoria para eu no ficar vendo navio. Ento tenho que trabalhar.

    Eu j tenho a prtica, j tenho minha carteira como cuidador de ido-so. Ela assinou minha carteira, tenho a prtica e fiz tudo direitinho ento. Se eu conseguir outro emprego, ganhando mais um pouquinho para mim, vai ser bom. Eu gosto de l.

    3. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) uma autarquia do Governo Federal do Brasil que recebe as contribuies para a manuteno do Regime Geral da Previdncia Social, sendo responsvel pelo pagamento da aposentadoria.

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    Nos livros de histria do Cear, o Pirambu citado no ano 1932, quando uma seca assolou a regio Nordeste do Brasil. Na poca, foi instalado um dos cam-pos de concentrao: o Campo do Pirambu ou Campo do Urubu, como ficou conhecido o local para onde eram enviados os flagelados da seca, que recebiam algum cuidado e comida, e podiam trabalhar nas frentes de obras, sempre sob a vigilncia de soldados.

    Dcadas se passaram, o bairro cresceu, recebeu mais moradores vindos do in-terior, organizou-se, criou suas associaes de moradores e atualmente faz uma boa interlocuo com o poder local, mas as marcas da excluso ainda fazem parte do cenrio do local. Mulheres que nasceram nas dcadas de 1950, 1960 e 1970, algumas alunas do projeto, ainda moraram nas precrias casas de taipas e no tiveram oportunidade de galgar uma formao superior ou tcnica, quando muito terminaram o ensino mdio. Ainda na adolescncia, muitas se emprega-vam e se empregam nas fbricas de beneficiamento de castanha, instaladas nos arredores do bairro. Depois casam, tm filhos e s do conta da importncia dos estudos quando so demitidas, processo sazonal no ramo.

    Hoje o Pirambu um dos maiores bairros de Fortaleza, com mais de 300 mil moradores, o que corresponde a quase 10% da populao da capital, que atual-mente ultrapassa os 3,2 milhes e apresenta uma das maiores densidades popu-lacionais do Brasil, com mais de 40 mil habitantes por km. Como nos demais bairros de periferias dos grandes centros urbanos, os moradores enfrentam vio-lncia, trfico de drogas e preconceito. E as mulheres, cada vez mais, assumem sozinhas o sustento dos seus filhos.

    Com sede j instalada no bairro, o Instituto Federal do Cear ofertou capacita-o na rea de turismo e alimentos. Para viabilizar os estgios e as possibilidades de emprego, o IF celebrou parceria com a entidade da rea de turismo, que contribui com a oferta do estgio que faz parte da grade curricular e vem se constituindo em uma porta de entrada no mercado de trabalho. Com a orga-nizao da Copa de 2014, da qual Fortaleza uma das sedes, a tendncia que

    o mercado cresa e absorva mais mo de obra qualificada. Hoje, a insero das egressas no mundo do trabalho vem aumentando. Tanto h registros de ex-alunas que conquistaram va-gas de camareira quanto h aquelas que esto atuando nas cozinhas dos hotis.

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    ilda Maria viTal de oliveira

    Quando me chamaram, que eu tinha que estar no Holiday Inn, tal dia,

    tal hora pela manh, me arrumei, me ajeitei toda e fui l. Quando a mulher perguntou: Voc fez o curso onde? No Cefet Em qual Cefet? 13 de maio. uma referncia grande mesmo. Ajuda a abrir portas.

    Quando o Mulheres Mil chegou na minha vida, eu tava bem cada. Meu filho tava preso, j ia fazer dois anos que eu estava desempregada e

    Ilda Maria Vital de Oliveira, a Obesa, apelido carinhoso dado pelos amigos de trabalho, uma aluso ao corpo esbelto ela a mais magra das camareiras , mostra que o acesso educao transforma realidades. Moradora do bairro vixe, expresso carregada de preconceito que, segundo Ilda, muitos cearenses usam quando descobrem que esto de frente com o morador do Pirambu, acreditou que podia mudar o rumo da histria, e mudou. Com 40 anos, ela deixou para trs o desemprego e hoje trabalha no Holiday Inn.

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    meu marido tambm j tinha ficado desempregado. Ns estvamos prati-camente nas costas da minha me. Mas eu disse: Depois que eu terminar esse curso, a minha vida vai melhorar, porque eu vou comear a batalhar emprego. Deu certo! Eu estou com um ano e seis meses l no hotel.

    Quando eu trabalhava na Iracema, nas fbricas de castanha, era s aquele salariozinho limpo e seco. Eu no tinha plano de sade, no tinha plano dentrio, no tinha nada. Depois que eu fiz o curso e entrei para o hotel, melhorou minha vida 100%, porque no s aquele salrio. Agora estou com plano de sade, plano odontolgico. Os meus filhos, que tavam com problemas, trataram os dentes, eu tambm.

    Minha me trabalhava igual eu trabalhei, nas castanhas. Ns somos cinco irmos, no tnhamos casa. Eu lembro da gente morando ali embai-xo, num casebrezinho feito de madeira, no tinha fogo, s fogareiro, sem perspectiva nenhuma. Minha v era cega e muito cedo acordava, acendia aquele fogareiro com pau era aquela fumaceira dentro de casa , fazia um feijozinho. s vezes, ela estrelava ovo com gua fervida; ficava uma coisa to ruim... A, eu e a minha irm saamos para deixar o comer da minha me; era longe. Do meu pai eu nunca tive notcia.

    Eu queria um dia dizer: Sa das Iracema. Minha irm continua l e tem dias que ela chega em casa morta de cansada, sente muita dor nas costas porque a gente trabalha igual costureira, s catando, separando amndoas com pelcula, amndoas com casca. Ela tem 36 anos. A eu digo para ela: Mulher! Faz o curso de enfermeira, de camareira, porque to bom... a gente vive outra vida dentro do hotel.

    Quando eu trabalhava na iracema, nas fbricas de castanha, era s aquele salariozinho limpo e seco.

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    aquela coisa boa, quando a gente chega, todo mun-do l no refeitrio tomando caf, depois vai todo mundo para o vestirio se vestir, se arrumar, botar aquela maquia-gem, se ajeitar. E depois cada qual pega seu carrinho, seu plano, sua chave e cada uma sobe para o seu andar. s vezes, na hora do banho, a gente se maldiz do cansao, mas depois que toma aquele banho, que se ajeita, que vai des-cendo aquelas escadas para vir embora, chega sente aquele alvio, aquela coisa boa. Eu acho muito bom.

    No estgio, eu fiquei meio assim. No primeiro dia, eu pensei: Rapaz, muito cansativo!. Eu achei que no ia dar para mim, no. No segundo, tambm, mas, no terceiro, eu j fui. Terminei o estgio na sexta e no sbado j estava co-locando currculo. A, deixei em hotis e em empresas. Dois hotis j me chamaram, mas no quis trocar o certo pelo duvidoso. J estou empregada, j estou de carteira assinada. O mercado para camareira bom, no fica desempregada; igual a costureira.

    Estudar muda as pessoas. Eu tambm voltei a estudar por causa do projeto, porque as meninas comentavam que o projeto no ia querer quem tivesse s o primeiro grau. Isso me deu fora para enfrentar os problemas. Era muito difcil. Chegava o dia da audincia e eu ficava com a cabea deste tamanho, mas meu marido me dava a maior fora; dizia para eu no desistir. Agora meu filho est bem.

    O que eu aprendi no curso eu estou usando no trabalho: a infor-mtica, o portugus, a parte de camareira. A informtica, apesar de ser s o bsico, ajuda muito. O pouco que eu sei abrir a internet, entrar no computador e ver quantos apartamentos esto limpos ajuda. O pessoal da recepo liga e pede: Ilda, abre a o computador para ver como que t tal apartamento: t sujo ou t clean. Eu vou, entro no computador, vejo. A informtica muito importante nesse ramo.

    Matemtica ajuda em alguns pontos, mas portugus muito impor-tante, porque tem a planilha para preencher. Ali voc vai preencher, co-locando: apartamento ocupado, clean, vago, sujo. Se a gente entrar num apartamento e tiver as coisas dos hspedes, porque geralmente eles deixam: relgio, anel, essas coisas, mala aberta, tudo eu coloco no meu plano. As au-las de ingls tambm ajudam. Tinha que ter mais, porque so poucas horas.

    Se eu pudesse reviver, eu gostaria de fazer o curso novamente. A me-lhor lembrana que eu trago das aulas eram as de interpretao dos textos. Fizemos um jogral com msica; parecia que a gente tava vivendo aquele personagem. Foi uma das melhores aulas que eu tive.

    Terminei o estgio na sexta e no sbado j estava

    colocando currculo.

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    No Instituto, eles so muito acolhedores mesmo. s vezes, eu me sentia inferior porque a gente via muito aluno e achava que eles tinham posses. A gente mora aqui na beira da praia; a, estar dentro de um centro daquele, no meio de tanto adolescente que a gente acha que tem grande futuro pela frente... Eu, s vezes, ficava com receio de ir at o banheiro. Mas pensava, se eu cheguei aqui...

    A formatura foi uma coisa to boa, chamar a gente ali na frente, re-ceber aquela declarao, aquele diploma. Foi bom, muito bom mesmo! A gente se sente importante, sente aquela pessoa assim: Eu venci! Eu cheguei at o final!

    Hoje, depois que eu fiz o curso, eu tenho mais aquela liberdade. E te-nho aquela fora de vontade de que eu vou fazer e fao. Eu quero agora, em 2011, aperfeioar. Estou pensando em terminar meu terceiro ano e entrar num curso de informtica avanado. Essa a meta, porque eu estou fazendo um curso virtual, o nome O Bem Receber a Copa no Brasil, que est pre-parando para a Copa de 2014 todo o pessoal do ramo de hotelaria.

    Eu daria nota mil para o curso; mesmo Mulheres Mil. E aquelas que querem mesmo, como eu, que fizerem por onde, se quiserem mesmo, che-gam onde eu cheguei. No quero deixar de ser camareira. T realizada!

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    Maria selMa da silva

    Foi incrvel! Como eu disse a primeira vez, as meninas at riram l em casa

    quando eu falei isso na minha entrevista eu tinha medo de computador. Realmente, eu no chegava nem perto. Morria de medo. Minha me

    dizia: Menina, esse bicho a um bicho do outro mundo, um bicho do

    Nos ltimos quinze anos, Selma cuidou de Davi, seu filho mais velho, que nasceu com paralisia cerebral. Em 2008, comeou a se preparar para a despedida: fez o curso de camareira e voltou a estudar. Em julho de 2010, Davi se foi, e em outubro, ela comeou a trabalhar no Holiday Inn, indicada pela amiga de curso: a Ilda. Do passado, ela diz que tem a tranquilidade de misso cumprida. Do futuro, a certeza que tem capacidade para escrever sua histria e cuidar do filho mais novo, o Danilo. Essa Selma agora t diferente daquela que entrou no Mulheres Mil, porque uma mulher dinmica, diferente, uma mulher que agora sabe o que quer: a Selma quer trabalhar e ser feliz.

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    final dos tempos porque descobre a vida da gente todinha. E descobre mesmo! Quer ver? Vamos supor: voc est num apartamento, termina de limpar todo e d o clean. O clean digitar um cdigo. A, aquela super-visora l embaixo sabe onde voc t, onde entrou. Quando passa a chave no trinco do apartamento, acusa no computador. Todo mundo sabe a que horas voc entrou, quantas vezes, o tempo que ficou l dentro. Ento o computador sabe tudo mesmo [risos]. Eu tenho Orkut e tenho e-mail tam-bm. Abri logo que eu sa do projeto.

    O desafio muito grande, muito forte, muito intenso. A gente tra-balha muito, uma rotina pesada, mas, quando a gente se apaixona pela profisso, vai em frente. Fecha os olhos e abraa com todo amor, com todo o carinho, que para isso que a gente foi preparada, e isso que a gente quer, pelo menos, no meu caso, para isso que eu fui preparada, de 2008 a 2009.

    Eu tava apreensiva, nervosa, eu sabia que ia comear a trabalhar, sabia que a minha carteira j tava assinada, porque, quando eu fui fazer a entre-vista, pelo projeto que eu fiz aqui no Mulheres Mil e pelo certificado que eu levei, j fiquei. Eu fiquei to emocionada que quase que no consigo fazer nenhum exame para entrar na empresa. A minha presso subiu e a doutora ficou um pouco preocupada, mas deu tudo certo. O corao bateu muito forte porque eu sabia que eu tava preparada para aquilo e sabia que eu ia enfrentar; mas a eu entrei com toda a garra, com toda a fora e estou enfren-tando. Estou gostando, t adorando ser camareira.

    J estou l faz trs meses, com carteira assinada desde o primeiro dia. Tem de bom tudo, porque a gente conhece vrias pessoas legais, pessoas de outros estados; a gente v um mundo completamente novo. No projeto, a gente conhecia teoricamente, mas na prtica muito bom, muito legal mesmo.

    A primeira vez que eu trabalhei de carteira assinada foi antes de ter meu filho. Eu passei 15 anos parada por conta do problema do Davi. Era um beb. Eu sabia que eu ia ficar sem ele, sabia que um dia ia precisar trabalhar, porque o meu trabalho era cuidar dele, tanto que eu vivia da

    eu tenho orkut e

    tenho e-mail tambm. abri logo que eu

    sa do projeto.

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    aposentadoria dele. A casa era sustentada praticamente por ele, porque ma-rido eu quase no tinha, era s para dizer que tinha. Abandonei o marido tambm para fazer o curso, para viver, porque vivia presa.

    Fui para o projeto e tambm voltei a estudar. Fui fazer EJA1 e ter-minei o primeiro grau. O segundo grau estou fazendo. S tinha feito at a quinta srie. Naquela poca, bastava. Minha me sempre dizia: No j aprendeu a ler e escrever ? Pronto!. At a quinta srie era o que a gente precisava, porque j sabia ler, escrever e fazer conta.

    Trabalhei com 14 anos, numa fbrica de rede; eu fazia varanda, tran-cinha. Naquela poca, as redes eram manuais. A minha me sempre botou a gente para fazer alguma coisa, porque ns ramos cinco irms mulheres, fora os quatro irmos homens. Era uma famlia grande, s o meu pai que trabalhava e os irmos mais velhos trabalhavam com meu pai.

    Eu me sinto muito importante por ter participado do curso do Mu-lheres Mil. Ajuda muito. Aprendi que a gente tem sempre que t de bem com a vida, tem que se cuidar, tem que se agarrar na nossa vida porque ni-ca, e a gente tem que viver o momento, porque depois que passa acabou.

    Tem muitas mulheres desempregadas no nosso pas e esse projeto o ponto de partida para essas mulheres chegarem l na frente e conseguirem vencer, porque um projeto maravilhoso. Vi uma das meninas que esto fazendo o curso, no nibus; pela blusa do Mulheres Mil reconheci logo. Eu tava com poucos dias l no hotel. Ela olhou para mim e sorriu; eu nem conhecia, mas ela j me conhecia. Voc a Selma, n? A eu disse: Voc me conhece do Mulheres Mil, n? Olha, continua, porque muito bom e esse projeto abre portas.

    O Mulheres Mil foi a chave para abrir a porta de recomeo na minha vida, que eu vivia morta, s assistindo novela. Assisti novela por cima de novela; quando abri os olhos mi-nha vida tava sendo uma novela. A eu pensei: Epa! Comigo no! Vou mudar essa pgina.

    A gente acha que no tem capacidade de se redescobrir, mas vai vendo coisas que sabe que capaz. Voc tem a capacidade de descobrir coisas que voc nem imagina. Muitas vezes eu me sen-ti inferior, mas o projeto me aju-dou, porque a gente sabe que tem essa fora, basta aprender a botar para fora. O projeto ajuda voc

    a gente acha que no tem

    capacidade de se

    redescobrir, mas vai vendo

    coisas que sabe que

    capaz.

    1. EJA Educao de Jovens e Adultos.

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    a ensinar tambm, porque no s recriminar, brigar, falar, repreender, tambm ensinar. O projeto ensina muitas coisas boas que a gente ensina para os filhos. Eu ensino para o Danilo que ele no pode baixar a cabea com nada, que no pode ser inferior a ningum. Ele pode fazer e tem que ter determinao de conseguir; colocar na cabea que vai fazer, porque tem fora para isso.

    Antigamente no esperava que fosse acontecer isso que t aconte-cendo agora. Receber aquele dinheiro porque voc se esforou, estudou, praticou. Ah, muito gratificante! Foi muito bom pegar aquele dinheiro e saber: agora eu vou pagar as minhas contas tinha um monte de coisas atrasadas. Depois que o menino faleceu, o dinheiro acabou.

    A importncia do Mulheres Mil na minha vida?! Foi muito impor-tante! Foi um projeto nico e determinante. Determinou o nosso futuro, n, pelo menos o meu, porque a vida no acaba aos 40, a vida comea aos 40 anos. A vida comea no tempo que voc determinar que vai comear. A mulher tem que estudar sempre, no s na escola, no s no projeto; ela tem que estar sempre estudando, ela tem que estar frente do seu tempo, porque no pode parar.

    Eu chego sozinha no vestirio. Eu me arrumo e olho para o espelho: Ah, agora sim, agora d para ir, porque agora eu sou uma camareira. Eu pos-so tudo o que eu quiser. Esse ano eu termino o terceiro, vou fazer vestibular e vou passar no Enem2 e fazer a faculdade para economia domstica.

    2. O Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem) um exame individual realizado em todo o Brasil para avaliar os conhecimentos dos alunos que esto concluindo ou que concluram o ensino mdio. Com o Enem, o aluno pode concorrer a uma vaga em universidades e institutos federais e ainda a uma bolsa de estudos para instituies privadas.

  • Maranho

    raQuel

    Maria rosilda

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    A 20 km do centro, a Vila Palmeira um dos bairros mais antigos de So Lus. Inicialmente, moravam trabalhadores rurais, descendentes de escravos, entre outros grupos que se encontravam margem do desenvolvimento urbano. A ocupao do local foi marcada pelo crescimento desordenado e pelo inchao ocasionado pelo xodo rural. Isto levou as famlias a construrem suas casas nas margens do rio Anil, que cruza a capital e que constitua o principal corpo hdrico da cidade naquela poca.

    O bairro possui uma parte da comunidade instalada no manguezal do rio, hoje completamente poludo. Vrias famlias moram em condies subuma-nas, em palafitas, construes de madeira sobre a mar, cercadas pelo lixo. Neste cenrio, encontram-se diversas mulheres que no tiveram oportunidade de estudar, no se capacitaram profissionalmente e tiveram filhos. Grande par-te me solteira e mantm suas famlias como diaristas.

    Em So Lus, a rea de alimentos tem forte potencial de insero no mundo do trabalho e carncia de mo de obra qualificada. Em funo disso, o Insti-tuto Federal do Maranho desenvolveu a qualificao profissional na rea de conservao, congelamento e preparo de alimentos e vem promovendo uma articulao com o setor produtivo para viabilizar a insero no mundo do tra-balho. O projeto foi apresentado para alguns empresrios da rea que hoje so empregadores das alunas. Outra ao importante foi a ampliao do Mulheres

    Mil para o campus do Centro Histrico, que ofertou curso na rea de artesanato.

    No que se refere s egressas, algumas esto ga-rantindo renda por meio de encomendas de salgados e doces, outras realizaram o sonho da carteira assinada e esto trabalhando em em-presas parceiras. Muitas esto comercializan-do os produtos no prprio bairro e h ainda criao de microempresa.

    so lus

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    Sinto saudades das aulas prticas e das tericas tambm, porque

    ficava aquela animao. Mas uma coisa que eu no sinto saudades, apesar do professor ser

    maravilhoso, matemtica. Essa a no tem conversa. Talvez agora a gente

    raQuel sanTos

    Raquel Santos, 34 anos, leva a vida com bom humor. Gosta de rir, de brincar. Gosta de ser feliz. Talvez por isso, o perodo junino, que tem festa para todo lado, a poca em que mais curte So Lus. quando tem arraial, tem Tambor de Crioula, tem Dana Portuguesa, tem Bumba Meu Boi e quadrilha. Na adolescncia, fazia ginstica rtmica e danava o Cacuri, uma coreografia sensual, onde casais danam com passos marcados e, de acordo com a msica, os passos e parceiros so trocados. Com planos para o futuro, Raquel conquistou um sonho que parecia distante: a carteira de trabalho assinada.

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    tente assim uma aproximao, porque eu entrei l no servio como aten-dente e, do ms de junho para c, eu estou como caixa-atendente, tem que bater o caixa, prestar conta. Ento, a gente t querendo se acertar, s no sei se vai dar certo.

    Eu j tinha desistido de muita coisa. Eu ia para um lado, no dava certo, ia para outro, no dava certo. Eu tinha desistido de trabalhar de carteira assinada, porque eu j estava com 32 anos e no tinha arrumado nenhum servio de carteira assinada. Terminei o ensino mdio, sou for-mada em magistrio e sempre trabalhei em escola comunitria. Na ltima escola que eu trabalhei, recebia 150 reais por ms e fiquei de setembro a novembro sem receber. Ento, para mim isso tava fora de cogitao, por-que o mercado no s pelo currculo, mas olha muito a idade da pessoa; no s a experincia conta.

    A eu entrei no curso para me aventurar, para ver se conseguia me-lhorar alguma coisa. Realmente, mudou muito a minha vida. Mudou de-mais. Eu estou trabalhando no Bondiboca1, de carteira assinada; dia 28 de janeiro fez um ano de carteira assinada. Essa foi a minha primeira conquis-ta. Comecei tambm a divulgar o trabalho de artesanato que eu fao. Eu fao flores, bonecos.

    Com o meu primeiro contracheque, eu comprei minha mquina de lavar. Aliviou muito, porque no dia que tava de folga era o dia todo lavan-do roupa. Estou economizando para comprar minha geladeira, cama, para dar um pouco de conforto para mim e para os meus filhos.

    Lembro de tanta coisa boa... a turma da gente era uma turma boa. Aqui no Cefet eu participei do projeto de uma bolsa, que eu trabalhei aqui em cima, na parte do Recursos Humanos. O dinheiro da bolsa me ajudou, tanto na parte de alimentao para dentro de casa, como na parte para a com-pra do material para fazer os bombons e os bonecos que eu fazia para vender.

    1. O Bondiboca uma rede de lanchonetes de So Lus que integra a parceria para a incluso das alunas no mercado.

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    O projeto Mulheres Mil muito importante, porque d oportunidade a mulheres que j desistiram de lutar por alguma coisa na vida, pelas dificul-dades do dia a dia, dificuldades de emprego, de alimentos, o preconceito por ser mulher. Existe sim o preconceito. Por ser mulher, s vezes, a gente no ocupa um cargo. Da comea a discriminao, a desvalorizao. E esse proje-to vem contribuir para que a mulher recupere sua autoestima. uma injeo de nimo para que ela no desista dos seus sonhos, dos seus ideais, que ela corra atrs, batalhe, lute, que ela consiga e vena. Isso a o principal: uma injeo de nimo, que vem renovar a mulher, vem fazer com que ela recupere a sua autoestima, volte a se valorizar, a dizer para ela mesma: Eu posso, eu consigo, eu sou capaz, eu vou conseguir, e futuramente dizer: Consegui!.

    Eu pretendo continuar os estudos, fazer uma faculdade, me formar e ir para frente. Como eu estou na rea de alimentos, estou muito voltada para a rea de nutrio e tambm a parte de gastronomia. Quero trabalhar, quero vencer, quem sabe futuramente botar meu prprio negcio. Estou pensando na rea de decorao de festas infantis.

    Na aula de empreendedorismo, o professor ensinou a valorizar cada centavo que a gente ganha. Ele ensinou assim: se a gente ganha um real por dia, tem que guardar 10 centavos. A gente tem sempre que economizar, dar valor ao nosso dinheiro, porque um dinheiro muito suado. Como eu estou pensando em botar um negcio l para frente, ento eu tenho que valorizar esse dinheiro que eu ganho.

    Sou feliz, apesar de todas as dificuldades que eu j passei e as que eu tenho no dia a dia, no tenho o que reclamar. Eu gosto de forr, eu gosto de pagode, eu gosto de ouvir msica clssica, at aquelas msicas que tem para relaxar, com som de gua, de pssaro, de meditao; s no gosto muito de reggae. Eu gosto de praia.

    Conheci meu marido numa discusso que tivemos. Ns queramos ver o co, mas no queramos ver um ao outro. Eu casei com 19 anos, tive meu primeiro filho com 19 anos, e tenho 25 anos de casada. O primeiro fi-lho eu queria muito, os outros dois no foram planejados. Fiz trs cesreas.

    Minha infncia foi boa. Eu nas-ci e me criei na Vila Palmeira, que foi um bairro de invaso. Minha v aven-turou um terreno e eu morava na casa dos meus pais, com minha av. Sou a mais velha de quatro irms. Meu pai comeou a trabalhar aos 13 anos, num posto de combustvel, como lavador de

    o projeto Mulheres

    Mil muito importante porque d

    oportunidade a mulheres

    que j desistiram

    de lutar por alguma coisa

    na vida.

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    carro e at hoje ele trabalha nisso. Na Vila Palmeira, a maior dificuldade na poca era gua; minha me saa com uma lata para pegar gua.

    Eu gosto muito de brincar. Vocs nem sabem o quanto eu gosto de uma molecagem. L no servio a gente brinca tanto que eu digo: Gente, se meus filhos souberem como eu sou aqui, eles diriam mame! A senhora, quem diria?. Eu gosto de brincar com os amigos, a um vem conta uma coisa engraada. s vezes, uma coisa que acontece na hora sria, depois comea um a rir do outro. A gente se diverte muito, at em casa com os meninos desse jeito. Na hora srio, depois que passa a gente comea um a rir do outro. Eu gosto disso, muito legal.

    A gente tem que estar colocando a mente para trabalhar em alguma coisa. A gente envelhece a partir do momento que no trabalha mais. A gente no consegue mais utilizar ela para algumas coisas, fica assim parada. Com isso a, a gente j comea a envelhecer. Por isso que eu no tenho cara de velha, porque eu estou sempre procurando alguma coisa para fazer.

    a gente envelhece a

    partir domomento que no

    trabalha mais.

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    Maria rosilda cosTa casTro

    Eu gosto do Flamengo1; no conheo quase nenhum dos jogadores.

    Meu marido, s vezes, diz: No sei que torcedora que tu .... Mas eu sempre gostei, desde pequenininha, mas no sou aquela torcedora fantica.

    Tenho dois filhos. Lucas tem 12 e Caio tem 7. So sopaulinos2 os dois. Vivo com meu marido faz 13 anos, mas me casei no ano passado. Foi um casamento coletivo. Foi timo, foi muito bom; me emocionei, todo

    1. Time de futebol do Rio de Janeiro. Tambm conhecido como Rubro Negro, o clube que tem maior nmero de torcedores do Brasil e do mundo, de acordo com pesquisas do Ibope.

    2. Torcedores do time de futebol So Paulo, que tambm conhecido popularmente como Tricolor do Morumbi.

    Maria Rosilda Costa Castro descobriu a paixo pela cozinha na adolescncia, quando j gostava de se aventurar em novos sabores e misturas. Catlica praticante, levou o marido para o altar ano passado e comemorou com o seu talento: fez um bolo. Tmida, o desafio de Rosilda tem sido aprender a cobrar pelos produtos fornecidos pela Guloseima, microempresa que abriu em 2010.

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    mundo se emocionou, minhas irms... Realizei um sonho, foi bom demais! Fiz um bolo bem bonito.

    Eu gosto de cozinhar, sempre gostei. Comecei com uns 12 anos, quando minha me ia para a cozinha, eu ia com ela. L na casa da minha me era praticamente s eu que fazia a comida. Gostava de inventar, pegar uma receita e fazer. s vezes, dava certo, s vezes, no.

    Participar do projeto foi uma realizao. Eu trabalhava como aten-dente de dentista, mas porque precisava trabalhar, nunca gostei da rea. Trabalhei dez anos na rea. A eu cansei. Saa s seis horas da manh e chegava nove da noite. No via meus filhos, no tinha tempo para casa; pedi para sair.

    O mapa da vida foi muito interessante. Cada uma botando o que queria, como ia seguir. A gente viu desde a nossa infncia at os dias de hoje. interessante porque a gente rev o passado e olha tudo o que dei-xou para trs e o que pode ainda buscar daqui para frente. Eu fiz vrios desenhos, eu sou pssima no desenho, mas deu para entender o que eu queria dizer, deixar o meu recado. Eu fiz umas coisas brincando, subindo, at onde eu queria chegar, o topo que eu queria chegar, que ser dona do meu prprio negcio.

    No mapa da vida descobri que ainda posso estudar, me profissiona-lizar, me preparar melhor. O meu objetivo me tornar uma grande pro-fissional. Eu quero me aperfeioar em salgados, na rea de confeitaria. Eu adoro fazer bolo, doces, salgados. Quando vejo naquelas pginas de revista aqueles bolos lindes, fico apaixonada. E eu vou chegar l, j fiz uns dois bem caprichados.

    Quando vejo naquelas pginas de revista aqueles bolos lindes, fico apaixonada. e eu vou chegar l.

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    Eu fazia salgados para as minhas amigas, para o aniversrio dos me-ninos, s que no trabalhava para ganhar. As pessoas pediam para eu fazer, traziam o material e depois diziam obrigado. Eu no fazia profissional-mente, no conseguia cobrar, tinha vergonha.

    Foi depois do projeto que eu comecei mesmo a fazer cobrando, procurei valorizar o meu trabalho. Minha autoestima melhorou bastante; aprendi a me valorizar, a dar valor para as minhas coisas, que eu no sabia. No conseguia dar preo e hoje em dia eu j sei. Hoje eu digo para as pes-soas: tanto por isso e isso. Sei a justificativa, o porqu que esse valor.

    O nome da minha empresa Guloseima. Eu fiz pelo Sebrae3, uma empresa individual; agora eu posso estar expandindo meu negcio, posso t emitindo uma nota. O CNPJ4 saiu logo, e a partir de 10 meses j tem vrios benefcios. A gente paga uma taxa de 57 reais e, com 15 anos, tem direito a uma aposentadoria. Vou botar um ponto na minha casa, no meu terrao, porque eu j tenho minhas encomendas de salgados, a eu fao os dois ao mesmo tempo.

    um bom mercado, tem muita gente que trabalha nessa rea. O mercado est a pra todos, mas a gente sempre tem que t melhorando, porque no pode viver fazendo sempre aquela mesma coisa; tem que ino-var. Eu ganho em mdia mais de um salrio por ms. Tem ms que tiro menos, tem ms que tiro uns 700 a 800 reais.

    Eu melhorei um pouquinho de tudo; aprendi at a me conhecer me-lhor. Antigamente, eu achava que s ia ao mdico se estivesse doente: pura ignorncia. Melhorou pra mim, melhorou pra minhas irms, melhorou

    3. O Servio de Apoio s Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) orienta e promove eventos para facilitar o trmite para abertura de pequenas empresas.

    4. CNPJ Cadastro Nacional da Pessoa Jurdica.

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    pra famlia toda, porque hoje em dia eu sou uma incentivadora das minhas irms; mando ir, digo que tem que ir ao mdico.

    Tudo que eu aprendi a fazer melhorou no meu trabalho, em termos de higiene, de segurana, preparao, empreendedorismo, como se profis-sionalizar melhor, trabalhar melhor, na nossa prpria segurana. Tudo isso veio acrescentar muito.

    Hoje est todo mundo trabalhando, s tem uma ou duas que no esto trabalhando. Isso tambm fruto da fora de vontade, porque no pode esperar tudo do curso, a gente tambm tem que correr atrs. No adianta fazer o curso e ficar parada.

    isso tambm fruto da fora de vontade, porque no pode esperar tudo do curso, a gente tambm tem que correr atrs.

  • paraba

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    Do sonho realiDaDeM

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    O municpio de Bayeux engloba as comunidades de Baralho, So Bento, Porto de Oficina, Casa Branca, Porto do Moinho e So Loureno. No h linhas de separao, so comunidades vizinhas que tm como principal ati-vidade econmica a pesca. Homens, mulheres e crianas tiram da mar que, geralmente, contorna o fundo das suas casas o po de cada dia. Os adultos pescam e os pequenos ajudam na limpeza do marisco.

    As condies de moradia e infraestrutura bsica so precrias. As ruas so pa-vimentadas, mas no h saneamento bsico, e o abastecimento de gua para o consumo comprometido. Os reservatrios domsticos, como os tanques e caixas, foram construdos nas proximidades das fossas e das hortas, onde so aplicados agrotxicos sem orientao tcnica, colocando em risco a sade da populao. Nas localidades, h problemas de alcoolismo, uso de drogas e o nmero de portadores de vrus da Aids o terceiro maior do estado.

    Construir uma oferta educacional, a partir do dilogo com as alunas, foi um dos desafios enfrentados pelo Instituto Federal da Paraba, que est criando o curso tcnico na rea de pesca, tendo como base a abordagem por com-petncias. Outra ao importante foi articular a incluso das marisqueiras em aes do Ministrio da Pesca e Aquicultura, o que beneficiou no s as alunas do Mulheres Mil, mas a comunidade, que passou a ter informaes e assim pde acessar as polticas pblicas destinadas aos pescadores.

    As alunas so donas de casa, artess, marisqueiras, empregadas domsticas. A idade variada, de 18 a mais de 60 anos, e algumas nunca tinham entrado numa sala de aula. Pegar o nibus que as leva at a sede do Instituto Fede-ral da Paraba (IFPB), que fica em Joo Pessoa, a uma distncia de 4 km, tem significados que difcil colocar no papel: oportunidade, descoberta, recomeo, cidadania. Na primeira etapa, o desafio do IFPB foi sensibilizar e estimular as mulheres a participarem do curso. Esta fase foi marcada por oficinas na rea de sade, meio ambiente e produo artesanal. Depois, veio

    a elevao de escolaridade, e a oferta de profissionalizao na rea de pesca e ar-tesanato, que ainda est em processo.

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    Quando o nibus chegou no Cefet, eu perguntei: nesse lugar que eu vou ficar?.

    A entramos numa sala chique, com ar-condicionado e eu pensei: Deus do Cu! um sonho e, se um sonho, eu vou segurar, no vou deixar passar no.

    Maria Aparecida Batista Marinho, a Cida, como chamada, gosta de msica romntica. O primeiro disco que comprou foi de Amado Batista. Adorava a msica Menininha, Meu Amor. O disco ficou na casa de uma das famlias em que trabalhou. Os anos de labuta como empregada domstica e cortadora de cana so invisveis. No h carteira de trabalho. No h registro. A nica prova carrega no corpo. So as marcas que comearam na infncia e se acumularam na adolescncia, resultado dos acid