lopes galvÃo cap. ii ensino livro leitura crianças jovens mulheres

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[0 que voce precisa saber sobre...] Titulo Hist6ria da Educa<;ao Eliane Marta Teixeira Lopes Ana Maria de Oliveira Galtldo Col~o [0 que voce precisa saber sobre...] Organizadores Paulo Ghiraldelli Jr. (Unesp, Marilia) e Nadja Hermann (UFRS) COnsel/1OEditorial Alberto Tosi Rodrigues (UFES), James Marshall (Auckland University), L. Henrique Araujo Dutra (UFSC) , Michael Peters (Auckland University), Waldomiro Jose da Silva Filho (UFBA) Editores Associados Caetano Ernesto Plastino (USP) , Marcus Vinicius Cunha (Unesp, Araraquara), Pedro Pagni (Unesp, Marllia), Silvio Gallo (Unicamp), Raquel Moraes (UnB), Tarso Bonilha Mazotti (UFRJ) , Sofia Stein(UFGO), Stella Accorinti (Argentina) Historia da Educa~ao Retlisao de /Jrovas DanielSeidl Projeto gnifico e diagrama,ao Maria Gabriela Delgado Capa Rodrigo Murtinho ElianeMarta Teixeira lopes Ana Maria de Oliveira Galvao 2il edi~ao CIP-BRASIL. Cataloga<;ao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editorcs de Livros, RJ 851h Lopes, Eliane Marta Teixeira Historia da Educa<;ao I Eliane Marta Teixeira Lopes, Ana Maria de Oliveira Galvao. - Rio de Janeiro: DP&A, 2005, 2. ed. .- (0 que voce precis a saber sobre) 14x21cm I20p. Inclui bibliografia ISBN: 85-7490-346-9 -$-- DP&A edit:ora. 1. Educa<;ao - Historia.1. Galvao, Ana Maria de Oliveira. II. Titulo III. Serie. CDD370.9 CDU 37(091)

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[0 que voce precisa saber sobre...]Titulo

Hist6ria da Educa<;ao

Eliane Marta Teixeira Lopes

Ana Maria de Oliveira Galtldo

Col~o[0 que voce precisa saber sobre...]

Organizadores

Paulo Ghiraldelli Jr. (Unesp, Marilia) e Nadja Hermann (UFRS)

COnsel/1OEditorial

Alberto Tosi Rodrigues (UFES), James Marshall (Auckland University),L. Henrique Araujo Dutra (UFSC) , Michael Peters (Auckland University),

Waldomiro Jose da Silva Filho (UFBA)

Editores Associados

Caetano Ernesto Plastino (USP) , Marcus Vinicius Cunha (Unesp, Araraquara),Pedro Pagni (Unesp, Marllia), Silvio Gallo (Unicamp), Raquel Moraes (UnB),

Tarso Bonilha Mazotti (UFRJ) , Sofia Stein(UFGO), Stella Accorinti (Argentina)

Historia da Educa~ao

Retlisao de /Jrovas

DanielSeidl

Projeto gnifico e diagrama,aoMaria Gabriela Delgado

Capa

Rodrigo Murtinho

ElianeMarta Teixeira lopesAna Maria de Oliveira Galvao

2il edi~ao

CIP-BRASIL. Cataloga<;ao-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editorcs de Livros, RJ

851h

Lopes, Eliane Marta TeixeiraHistoria da Educa<;ao I Eliane Marta Teixeira Lopes,Ana Maria de Oliveira

Galvao. - Rio de Janeiro: DP&A, 2005, 2. ed.

. - (0 que voce precis a saber sobre)14x 21cm

I20p.

Inclui bibliografia

ISBN: 85-7490-346-9 -$--DP&Aedit:ora.

1. Educa<;ao - Historia.1. Galvao, Ana Maria de Oliveira. II. Titulo III. Serie.

CDD370.9CDU 37(091)

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CAPITULO II

Historias da educa~ao: 0 ensino, 0 livro e aleitura, as crian~as e os jovens, as mulheres

A HISTORIADAEDUCA<;AoTEM,crescentemente, estabelecidorelac;oescom diversos outros campos da hist6ria. Nesse sentido,pode-se falar, mais apropriadamente, em hist6rias da educac;ao.Estudos que investigam nao somente 0 ensino e a escola - objetostradicionais da disciplina -, mas tambem as crianc;ase os jovens,o livro e a leitura, as mulheres, a violencia, entre tantos outrossujeitos e objetos que contribuem para a melhor compreensaodos processos educativos do passado.

A Historiado ensino

Urn dos domfnios mais tradicionais da Hist6ria da Educac;aoe a hist6ria do ensino. No entanto, essecampo de estudos tambemtern, de maneira significativa,incorporado as reflexoesrealizadaspelas tendencias historiognificas contemporaneas, alargando asfontes e lanc;ando novos olhares para os mesmos objetos e, emalguns casos, para as mesmas fontes. De modo geral, tem-seconsiderado limitado relacionar diretamente a escola a aspectoseconomic os e polfticos da sociedade. Em muitos casos,influenciados pelo pensamento de tradic;ao marxista,principalmente nos anos de 1970 e 1980, os historiadores daeducac;ao realizavam uma hist6ria da escola de cunhoeminentemente polftico e institucional. Como vimos, no limite,e como se 0 estudo do contexto de cada sociedade dispensasseuma investigac;ao das pniticas escolares propriamente ditasjacreditava-se que, conhecendo-se 0 contexto, conhecer-se-ia

.

52 HIST6RIA DA EDUCAC;:AO

automaticamente a escola. Esse procedimento trazia como

pressuposto uma nao-autonomia da institui<;ao escolar que, aolongo do processo historico, simplesmente cumpriria 0 papel de

refor<;ar as desigualdades sociais. Essas analises muitas vezes

vinham marcadas por um carater ideologico e militante.

A historia do ensino nao tem se limitado a his tori a das

institui<;oes escolares, do pensamento pedagogico ou de algunsmovimentos educacionais, como era comum se fazer.

Recentemente, tem crescido 0 interesse, por exemplo, pelas

praticas escolares cotidianas. Os historiadores da educa<;ao tem,cad a vez mais, considerado que, para se entenderem os processosde ensino nas diferentes epocas, nao basta investigar como a

organiza<;ao da escola foi-se transformando ao longo do tempo -baseando-se para isso nas leis, reformas, regulamentos, programas

etc. Nem e suficiente apenas estudar 0 que pensavam e 0 quepropunham educadores ilustres ou escrever em muitos casos umahistoria dos projetos, ou seja, uma his tori a do que deveria tersido. Os historiadores tem considerado que e precise tambem

ten tar penetrar no dia-a-dia da escola de outros tempos -os metodos de ensino, os materiais didaticos utilizados, as rela<;oes

professor(a)/aluno(a) e aluno(a)/aluno(a), os conteudos

ensinados, os sistemas de avalia<;ao e de puni<;oes... Em muitoscasos, essas pesquisas tem mostrado que a pnitica escolar e aquilo

que menos sofre mudan<;as na Historia da Educa<;ao. Apesardas reformas propostas, dos pensamentos inovadores e das fei<;oesespedficas que assume em cada sociedade e epoca em que seinscreve, a pratica escolar materializa alguns papeis que ha muitotem sido previstos para sua a<;aoe que ainda hoje persistem com

for<;a em seu funcionamento diario.

As pesquisas mais recentes tambem tem consideradorelevantes para se compreender a historia do ensino questoescomo a inser<;ao das meninas e mulheres nos sistemas de ensino(como alunas e como professoras), as discussoes em tome da

ri.

HIST6RIAS DA EDUCAC;:AO:° ENSINO, 0 LlVRO E A LEITURA... 53

implementa<;ao da co-educa<;ao, a forma<;aodos(as) professores(as)

e os proprios processos de como se deu a progressiva afirma<;aoda escola no interior das diferentes sociedades como institui<;aocentral, ou seja, como espa<;o privilegiado para a transmissao do

conhecimento. Todas essas questoes tem sido influenciadas pelosavan<;os e novos questionamentos propostos pela Sociologia epela Antropologia.

Assim, um dos aspectos que tem sido tambem investigadopelos historiadores da educa<;ao refere-se a reconstru<;ao dos

processos que geraram a progressiva institucionaliza<;ao da escolacomo espa<;o nuclear de transmissao do saber nas diferentes

sociedades ou regioes de um mesmo pais. Nesse contexto, cabepesquisar a implementa<;ao gradativa de uma rede formal de

escolas, sua amplia<;ao e diversifica<;ao, 0 conseqiientecrescimento da taxa de escolariza<;ao e aspectos dai decorrentes:

os debates em tome da necessidade de forma<;ao eprofissionaliza<;ao dos professores, a elabora<;ao de livros e

materiais didaticos, a constru<;ao de espa<;os espedficos, comoos grupos escolares, para a a<;ao escolar. Na investiga<;ao dessesprocessos e importante reconstruir as estatfsticas, fonte

fundamental para se conhecerem, por exemplo, os segmentospopulacionais que freqiientavam a escola e a distribui<;ao dessesgrupos por regiao, sexo, idade, classe social, ra<;a/etnia. Afinal,quem tinha acesso e quem freqiientava a escola em determinadas

epocas e sociedades? No caso brasileiro, essa questao e aindamais delicada na medida em que para se entender a oferta deinstru<;ao escolarizada anterior ao seculo XX e necessario um

laborioso esfor<;o de pesquisa na maioria dos estados/provinciasdo pais. 0 trabalho com as estatisticas em analises historicas e

sOciologicas, assim como tem ocorrido quando se trata de outrasfontes documentais, tem sido acompanhado de uma reflexaosobre sua propria produ<;ao e sobre os seus usos, incluindo suapotencialidade mas tambem os seus limites.

54 HIST6RIA DA EDUCA<;:AO

Os estudos sobre historia do ensino tern privilegiado tambemos processos de aquisi<;ao da leitura e da escrita. Jano final dos

anos de 1960, algumas pesquisas foram realizadas na Europa como objetivo de identificar, no territorio de urn determinado pais,

a distribui<;ao da alfabetiza<;ao nas diferentes regioes. Mas comosaber quem era alfabetizado em uma epoca em que nao existiam

estatisticas? Esses estudos macroscopicos tomavam como principalfonte de pesquisa as assinaturas existentes nos registros dematrimonio, nos testamentos, nos atos de batismo. A aptidao doindividuo para assinar e, entao, confrontada com outras

variaveis, como sexo, origem (rural ou urbana), ocupa<;ao,religiao. A partir das formas da letra, os historiadores inferiam

a maior ou menor familiaridade da pessoa com a escrita:por exemplo, se a caligrafia era hesitante, supunha-se que aquelesujeito possuia uma menor habilidade de escreverj uma letra

firme, por outro lado, indicava uma maior intimidade com a

escrita. Esses estudos revelaram tambem que, em muitos casos,o dominio da leitura nao era acompanhado de urn dominio daescrita. Muitas pessoas sabiam ler embora nao soubessem escrever.

A generaliza<;ao da leitura parece ter sido, desse modo, anteriora da escrita.

Aos poucos, estudos desse tipo foram cedendo espa<;oparaproblematicas mais matizadas, de cunho predominantementequalitativo, centradas, sobretudo, na reconstitui<;ao dosprocessos de aquisi<;aoe das praticas da leitura e da escrita.Esses trabalhos, em geral, referem-se a espa<;osmais delimitados,a grupos relativamente pequenos de sujeitos. A assinatura deixade ser a fonte privilegiada e registros como autobiografias, atosjudiciarios e, para periodos mais recentes, depoimentos oraissaDutilizados com frequencia. A propria no<;aode alfabetiza<;aotern sido considerada do ponto de vista historico e, em algunscasos, ampliada. Influenciados sobretudo por estudos norte-americanos, pesquisadores brasileiros tern tornado 0 conceito

HIST6RIAS DA EDUCA<;:Ao:° ENSINO, 0 LlVROE A LEITURA... 55

iit

de letramento (palavra que tern origem no ingles literacy)parainvestigar os usos que efetivamente saDfeitos por individuos ougrupos da leitura e da escrita. Interessa, para esses trabalhos,a compreensao historica dos papeis sociais, usos e fun<;oesdaescrita e as rela<;oes desses elementos com a classe social,a ocupa<;aoprofissional,0 lugar de habita<;ao(urbano ou rural),o pertencimento de genero e etnico dos individuos e grupos.Essesestudos tern contribuido para mostrar como saDcomplexasas rela<;oes - nem sempre diretas e mecanicas - entre niveis de

escolariza<;ao e a capacidade de ler e escrever. Assim cabeperguntar: qual 0 papel da escola na transmissao dascompetencias da leitura e da escrita? Como essa transmissao

se deu ao longo dos seculos? Como as pessoas que nao tinhamacesso a escola, ou que possuiam uma escolariza<;aorestrita, seinseriam em culturas ja marcadas pela presen<;a da escrita?Em que niveis essa inser<;aose dava? Fontes variadas, comoinventarios (e em que medida os livrosestavam presentes neles),correspondencias e manuais escolares, podem auxiliar esse tipode pesquisa e a responder a essas e outras questoes.

Mas nao somente a alfabetiza<;ao tornou-se urn objetoprivilegiado para a hist6ria do ensino. Influenciadosobretudo pelos trabalhos realizados no ambito da hist6riacultural, 0 estudo das disciplinas e dos saberes escolares ternsido considerado fundamental para melhor compreender 0 papeldos contextos culturais na defini<;ao daquilo que deve serensinado na escola e, por outro lado, 0 papel da escola naprodu<;aoe na reelabora<;aodo conhecimento, principalmenteatraves dos processos de didatiza<;ao.Muitas vezes esses estudossaD realizados por pesquisadores especializados na teoria docurriculo ou por professoresde disciplinasdiversasque, instigadospor questoes colocadas pela pratica escolar contemporanea,interessam-se em conhecer 0 passado dos saberes com que lidamcotidianamente. A historia das disciplinas e dos saberes

56 HIST6RIA DA EDUCAc;:AO HIST6RIAS DA EDUCAc;:Ao: 0 ENSINO, 0 LlVRO E A lEITURA... 57

escolares, ao estudar os conteudos do ensino, os programas,as provas, os manuais e os exercicios escolares, contribui paraurn maior conhecimento do que ocorria dentro da escola,relativizando as abordagens macrossociologicas.Os estudos sobremanuais escolares, por exemplo, diferentemente do que ocorriaha alguns anos, quando 0 que buscavam mostrar era a ideologiatransmitida por eles, passam a ter como principal objetivo acompreensao dos procedimentos de transmissao dos saberes.

consagrados pela tradi~ao erudita mas tambem outros tipos deescritos, como, por exemplo, formas de literatura popular(almanaques e folhetos de cordel), historias em quadrinhos,romances policiais, folhetins, revistas, literatura pornografica,livros e materiais religiosos (como Biblias, livros de prece esantinhos), boletins, jornais, panfletos, novelas seriadas, livrosinfantis etc. No campo da educa~ao, particularmente, terncrescido 0 interesse dos historiadores, como ja nos referimos,em analisar a produ~ao (assimcomo a circula~aoe as formas deapropria~ao) de livros escolares, paradidaticos, de cole~oesdirigidas a professores e da imprensa pedagogica periodica, emdiferentes momentos. No caso brasileiro,ha estudos que buscamdescrever a constitui~ao desses impressos na historia do paise seu papel, ao lado da elabora~ao de outros materiaisdidaticos e metodos de ensino, no contexto da progressivainstitucionaliza~ao da escola como principal espa~o educativo.Ao lado desses generos, as pesquisas tambem tern procuradoexaminar 0 papel dos materiais nao-impressos nas diferentessociedades: cartazes, cartas, picha~oes e ate mesmo lapides detumulos tern sido considerados. Em paises onde a penetra~ao ea generaliza~aoda imprensa foi tardia, como no caso do Brasil,sabe-se que 0 manuscrito desempenhou urn papel fundamental,marcando profundamente a constitui~ao e 0 desenvolvimentoda cultura escrita.

Os estudos que se detem sobre as formas de circula~ao dosobjetos de leitura buscam investigar as diferentes maneiras comoos materiais escritos eram disponibilizadosaos potenciais leitoresnas diferentes sociedades e epocas. Os principais agentes queatuam nesse momento do circuito a que nos referimos saD osautores, os editores e os livreiros que, de diferentes maneiras,criam e poem em pratica estrategias de divulga~ao do escrito.Nesse aspecto, ganham imporHincia estudos que examinam 0papel de institui~6es especificamente destinadas a circula~ao

A HistOria do livro e da leitura

A Historia da Educa~ao tambem tern estado estreitamenterelacionada a urn campo efervescente de pesquisas, realizadono interior da historia cultural: a historia do livro e da leitura.

A historia do livro e, na tradic;aode estudos sobretudo francesa,cronologicamente anterior a historia da leitura. Enquanto aprimeira baseava-se sobretudo na descric;ao de quais eram osobjetos mais lidos e por quem em uma determinada epoca,utilizando para isso uma documentac;aode carater quantitativo,como inventarios, a historia da leitura busca reconstituirpredominantemente, para utilizar a expressao de RobertDarnton, os "como" e os "porques" da leitura.

Para isso, esses estudos tern focalizado, de modo geral,os tres principais momentos implicados no circuito que tornampossivel 0 ato de ler: a produc;ao,a circulac;aoe as apropriac;oesdos materiais de leitura.

A produ~ao dos materiais de leitura e urn dos dominios maisestudados. Estudos sobre 0 papel dos editores, revisores,impressores, tipografos, ilustradores e tradutores na preparac;aodo impressa e sobre questoes como legislac;oesde direito autoral,contratos de edic;ao, mecenato, tern auxiliado na melhorcompreensao do lugar ocupado pelo escrito nas diferentessociedades. Ao contrario dos estudos tradicionais, as pesquisasmais recentes investigam nao apenas objetos de leitura

58 HIST6RIA DA EDUCA<;:AO HIST6RIAS DA EDUCA<;:AO:° ENSINO, 0 LlVRO E A LEITURA... 59

do escrito, como livrarias, bibliotecas (inclusive escolares) egabinetes de leitura. Do mesmo modo, 0 estudo de meiosinformais e de espa~os.pouco convencionais de circula~ao doescrito, como emprestimos pessoais, afixa~aode objetos escritosem muros e paredes, leituras em voz alta, bancas de revista,vendedores ambulantes, correios, mercados publicos, tambemauxiliam na compreensao desse polo constitutivo do circuito doescrito. Pesquisassobre a interdi~ao ou a restri~ao da circula~aode impressos,atraves da a~ao da censura e de censores, tambemtern sido realizadas,contribuindo para uma melhor compreensaodos valores predominantes nas diferentes sociedades e epocas.

Influenciados pelas discussoesrealizadasno campo da historiada leitura, os his tori adores da educa~ao tern buscado, porexemplo, compreender como os discursos em torno do ensino edas pnlticas de leitura foram objeto de discussao nos diferentesmovimentos educacionais, particularmente na Escola Nova.No caso brasileiro, nas decadas de 1920 e 1930, observa-se urnintenso debate, provocado pelos educadores escolanovistas eexpresso em artigos e livros, em torno dos usos escolares e outrasapropria~oes do livro e da leitura. Essas propostas foramconcretizadas na reformula~ao de programas de ensino, nacria~ao e renova~ao das bibliotecas escolares, na constru~ao deambientes proprios para a leitura, na formula~ao de regrasnormativas para a boa leitura, como, por exemplo, a indica~aodas posturas corporais corretas para 0 leitor, e nas prescri~oesdelivros considerados bons.

Considerado 0 polo mais fugidio e impondenlvel da leitura,os leitores tambem tern sido objeto de investiga~ao. Em algunscasos, esses leitores sao estudados para captar sua individual esingular maneira de lerj em outros, busca-se compreender osmodos de ler utilizados por grupos espedficos de leitores, como,por exemplo, mulheres, intelectuais, crian~as, trabalhadores.A reconstitui~ao da historia da forma~ao de leitores individuais,

em geral intelectuais ou personalidades,como politicos, medicos,advogados e professores, pode ser realizada atraves do estudode suas bibliotecas particulares, do levantamento das leiturasque faziam e das marcas de anota~oes que deixavam nos livros.Essesestudos possibilitamurn melhor conhecimento da trajetoriapessoal e profissional desses leitores, elucidando aspectosimportantes de suas forma~oes. Os catalogos de bibliotecaspublicas tambem tern auxiliado na reconstru~ao do publico leitorde determinados generos literarios e em determinadas epocas.Como ja nos referimos, os historiadores da educa~ao ternexaminado as diferentes maneiras como se da a inser~ao dehomens e mulheres no mundo da escrita, ou seja, os modosde forma~ao, implicitos ou explicitos, dos leitores, considerandonao apenas formas institucionalizadas de escolariza~ao, masprocessos de forma~ao alternativos, como a instru~ao familiar eas autodidaxias.

Os modos de ler sao igualmente considerados objeto deinvestiga~ao: a leitura silenciosa ou em voz alta, solitaria ou emgrupo, intensiva ou extensiva determinam, em grande parte,as apropria~oes feitas dos materiais de leitura. No caso dassociedades marcadas pela oralidade, como e 0 caso brasileiro,assumem importancia estudos que investiguem os espa~os quetinham como principal caracterfstica a sociabilidade dos leitores,como os seroes, as academias literarias e ate mesmo as feiraslivres, onde eram/sao comercializados alguns generos - como aliteratura de cordel - considerados populares.

Tao importante quanto 0 estudo dos leitores e dos modos deler para reconstruir as apropria~oes da leitura e a investiga~aodos diversos usos que dela eram feitos nas diferentes sociedadese em epocas diversas. Em que contextos e com que fun~oes -religiosa,informativa, politica, formativa,administrativa, jurfdica,profissional, de lazer - a leitura e a escrita eram utilizadas?De que maneira as posi~oesocupacionais, de classe, a vivencia

60 HIST6RIA DA EDUCAI;:AO

mitico-religiosa, as institui~6es e pniticas educativas ou exerdcio

do poder politico tornam diversos ou semelhantes os usos queeram feitos da leitura e da escrita? Para os historiadores da

educa~ao interessa, sobretudo, investigar as modalidadesescolares de uso da leitura e da escrita, atraves de seus diferentesveiculos.

Uma das maneiras que 0 pesquisador tem de se "aproximar"do leitor e da leitura nas sociedades passadas e investigando osproprios objetos de leitura em sua materialidade: 0 texto de um

lado, e 0 impresso, de outro. Essa distin~ao entre texto e impressatem sido feita pelos historiadores da leitura, que pressup6emque um texto muda quando mudam os suportes que the daomaterialidade. Um mesmo texto nao e, assim, 0 mesmo, quandocircula em objetos materiais diferentes. Capas, contracapas,

disposi~ao do texto na pagina, presen~a ou ausencia de certoscaracteres graficos etc. sao assim considerados importantes.Na mesma dire~ao, pesquisas que investigam as diferentesedi~6es - observando as permanencias e transforma~6es - deuma mesma obra tambem auxiliam na reconstitui~ao do publicoleitor e dos modos de ler determinados generos de impressos.Alem disso, atraves do estudo das representa~6es sobre leitores

e leituras mais freqiientes nos discursos (inclusive aquelesformulados por politicas do Estado, como os programas de leitura)e na iconografia produzidos em cada epoca e sociedade, e possiveltambem se aproximar desse polo que comp6e 0 circuito do atode ler. Nesse aspecto, fontes como documentos legais, textosliterarios, pinturas e fotografias tem sido utilizadas.

Muitos estudos realizados no campo da historia da leitura,

em rela~ao a produ~ao, circula~ao e usos dos materiais, tem,em um esfor~o de sintese, buscado compreender algunsmomentos considerados decisivos, que provocaram verdadeiras

revolu~6es nas formas de ler na historia do mundo ocidental:o impacto da inven~ao da imprensa, a passagem da leitura

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HIST6RIAS DA EDUCAI;:AO:° ENSINO, 0 lIVRO E A LEITURA... 61

extensiva para a intensiva, as conseqiiencias da expansao da

escolariza~ao e da organiza~ao dos sistemas de ensino para aspraticas de leitura e, mais recentemente, as repercuss6es

provocadas pelos meios eletronicos nas formas de ler e na rela~aodas pessoas com 0 escrito. Mesmo assim, os leitores, as maneiras

como se lia e como eram os process os de apropria~ao das leituraspermanecem, em grande medida, desconhecidos, pouco

palpaveis, fugidios, imponderaveis. Mas poderiamos nosperguntar: nao e isso que freqiientemente ocorre quando fazemoshistoria?

A Historiadas crian~as e dos jovens

Resgatar as historias da educa~ao em outros tempos esociedades e, quase necessariamente, falar sobre suas crian~ase jovens. A historia da infancia e da juventude tem sidocrescentemente pesquisada no Brasil e em outros paises. Afinal,as novas gera~6essac 0 principal alvo dos processos educativos.A categoria "gera~ao" tem guiado a maioria desses estudos que,de modo geral, pressup6em que a educa~ao varia segundo asociedade e a epoca em que se insere, mas tambem emconseqiiencia do pertencimento dos individuos a um genero,a uma ra~a/etnia, a uma classe social e a uma fase da vida.

Falar da historia da crian~a e falar de Philippe Aries e desua obra pioneira Lenfant et la vie familiale sous l'Ancien Regime,

publicada na Fran~a em 1960, traduzida para 0 ingles quaseimediatamente depois (em 1962) e, desse modo, difundida nos

paises anglofonos. Uma versao reduzida do livro foi publicadano Brasil em 1978, com 0 titulo de Hist6ria socialda crian~a e dafamilia. Embora os estudos sobre a infancia tenham semultiplicado desde 0 final do seculo XIX, com 0 desenvolvimentoda Psicanalise, da Antropologia, da Sociologia e da Pediatria,o livro de Aries e considerado um marco, na medida em que

tornou a infancia e as representa~6es sobre ela um objeto

62HIST6RIA DA EDUCA~AO

historico. Baseado sobretudo em fontes iconograficas, 0 livro

situ a em torno do final do seculo XVI uma mudan<;afundamental no estatuto da infancia no mundo ocidental:diferentemente de antes, a crian<;anao e mais concebida comoum adulto em miniatura. Com 0 surgimento da famfliaburguesa, menor e formada em torno da privacidade, daintimidade e da afetividade (principalmente entre pais emhos), a crian<;apassa a ser concebida e tratada como um ser

dotado de identidade propria, requerendo cuidado e aten<;aoespeciais. Entre esses cuidados, destacam-se a constru<;ao e avaloriza<;aode espa<;osplanejados para a a<;aoescolar, que temno internato seu modelo mais completo. 0 livro faz, entao,uma cronologia da evolu<;aoe da progressiva importancia quea crian<;avai ocupando no seio da famflia.

o livro de Aries, na verdade, suscitou uma serie de crfticaseuma diversidade de novos estudos, mostrando a fecundidade de

um tema ate entao praticamente nao estudado pela Historia.A repercussao de sua obra pode ser medida pela quantidade deartigos e livros que foram escritos a partir de suas ideias, nosdomfnios nao so da Historia, mas da Sociologia,da Psicanalise,da Educa<;ao,da Ciencia Polftica,e mesmoem vefculosdestinados

ao grande publico. Pode-se dizer que todos os historiadores quehoje escrevem sobre a infancia se baseiam, seja para refutar, sejapara concordar,em menor ou maior grau, nas conclus6esde Aries.Quais foram as principais crfticas feitas ao autor? A hipotesemais contestada vem dos medievalistas: para eles, nao e amodernidade que "cria" a crian<;apoismesmoantes dela, a crian<;aja era representada de maneira particular, ou seja, ja havia umaconsciencia da especificidade da infancia. Para essespesquisadores, nos manuscritos medievais que representavam acrian<;a,havia 0 sentimento medieval de infancia, mesmo quefossepredominantemente de ordem morale religiosa.Na verdade,os medievalistas criticam 0 uso que Aries faz da iconografia:

HIST6RIAS DA EDUCA~AO: 0 ENSINO, 0 LlVRO E A LEITURA... 63

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para eles e para outros autores que trabalham com esse tipo defonte, e precisoentende-la em cada sociedadee epoca especmcas.Uma outra critica feita a Aries diz respeitoao modo linearcomo 0livro reconstituia historiadas representa<;6ese dos sentimentosemrela<;aoa infancia: e como se a cronologia proposta pelo autorpudesse ser aplicada a todas as sociedadese a todas as camadassociais. Alem disso, os estudos mais recentes complexificam aafirma<;aodo autor de que a fragilidadeda vida do recem-nascidoe as altas taxas de mortalidade infantil observadasnas sociedades

tradicionais teriam uma rela<;aodireta com a pouca afetividadedispensada a crian<;a. Finalmente, os estudos mais recentestambem critic am a concep<;ao que 0 autor tem de infancia,na medida em que pouco considera as suas varia<;6esde acordocom a epoca e sociedadeem que se inscreve.

Assim, depois da publica<;ao do livro de Aries, diversostrabalhos foram realizados, em todo 0 mundo. Muitas dasafirma<;6es do autor foram contestadas, complexificadas,nuan<;adas.De modo geral, principalmente na Europa, fazia-seuma historia da infancia e da famflia de natureza sobretudodemografica, economica e polftica e recorria-se a umadocumenta<;ao passfvel de tratamento quantitativo, comoregistros paroquiais e recenseamentos populacionais. Essesestudos contribufram para revelar aspectos importantes, como,por exemplo, aqueles relativos as estruturas familiares, a

infancia abandonada e ao nascimento de praticascontraceptivas. Mais recentemente, a historia da crian<;a,pressup6e que, ao lado das estimativas quantificadas denatalidade e de mortalidade, e preciso tambem compreender

o significado da infancia no interior das praticas familiarescotidianas. Para isso tem recorrido sobretudo a testemunhos

singulares (muitas vezes heterogeneos e dispersos), focalizandoos costumes e as mentalidades. Hoje, situa-se em umcruzamento de areas e tanto os historiadores quanto psicologos,

IMI

64 HISTORIA DA EDUCAC;:AO

pedagogos e antropologos tern contribufdo para ampliar 0 olharsobre a infancia em outros tempos e em outras sociedades.A historiada familiae urndosdominiosmaispesquisadose esfon;ospara realizargrandes sfnteses,como a historia dos pais e das maesou da patemidade e da matemidade, tern sido realizados.Estudossobre historia da gravidez, do nascimento, da amamenta<;ao,da mortalidade infantil, do abandono de crian<;as, daescolariza<;ao,do trabalho de meninos e meninas em institui<;6escomo fabricas, asilos,creches e escolasmatemais tern sido temas

privilegiados.No Brasil, urn dos momentos mais importantes dahistoria do abandono de crian<;as,e que vem sendo resgatado,e aquele em que a Roda dos Expostos era uma institui<;aofundamental no recolhimento dos men in os e meninasabandonados. Esses estudos tendem a abordar a infancia de

maneira distinta segundo 0 genero (afinal, a infancia naoe a mesma para meninos e meninas) e a idade (produzem-sehistorias diferentes se investigamos a primeira infancia ou apre-adolescencia) .

Uma das principais dificuldades para se fazer a historia dainfancia e exatamente a ausencia de registros que tenham sidoproduzidos pelas proprias crian<;as:afinal, elas nao deixaramtestemunhos escritos, pessoais ou coletivos. Alguns autoreschegam a denominar as crian<;asos grandes mudos da historia.So se pode conhecer a historia da infancia atraves de tra<;osindiretos, ou seja, do ponto de vista dos adultos que, nasdiferentes epocas, deixaram registros sobre 0 que pensavam ecomo tratavam a infancia, principalmente aqueles profissionaisque se encontravam mais diretamente em contato com ela,como legisladores, pedagogos, escritores, pintores, pais, alemde adultos que, escrevendo suas autobiografias e memorias,relembram a epoca em que foram crian<;as.

Diante dessa dificuldade, os pesquisadores dessa tematicatern utilizado diversos tipos de fontes, em geral representa<;6es

HISTORIAS DA EDUCAC;:AO: ° ENSINO, 0 LlVRO E A LEITURA... 65

ii'

sobre meninos e meninas encontradas, por exemplo, em obrasliterarias, arquivos de hospitais, discurso medico e ate mesmobaixos-relevos e esculturas que omamentavam monumentosfunerarios. Alem disso, objetos cotidianamente utilizados ou

tra<;osdeixados pelos meninos e meninas, como brinquedos,vestimentas, correspondencias e registros sobre jogos ebrincadeiras tambem tern auxiliado os historiadores a

compreender como era a vida das crian<;asem outras epocas.Como ocorre em outros campos da pesquisa historica, os estudosde historia da infancia tambem tern recorrido ao cruzamento

entre diferentes fontes, na medida em que cada uma poderatrazer uma interpreta<;aodiversa para 0 mesmo fenomeno.

Mas urn outro ponto de vista talvez possa ser considerado.A ausencia de tra<;oslegados pelas crian<;asdeve ser tributadaa representa<;aoque cada sociedade fazdessa crian<;a;na medidaem que a considera sujeito e que levara em conta e poderapreservar sua produ<;ao,seus documentos. As agendas, os diarios,as reda<;6essao Fontes que devem ser situadas e cotejadas aoutras. Entretanto, nao se pode dizer que osobjetos ou os sujeitosda pesquisa estao mudos. 0 que acontece muitas vezes nao eque a crian<;aseja urn objeto de pesquisa mudo, a sociedadeque a cerca e que e surda.

Alem das dificuldades com as fontes, os historiadores tambem

lidam com urn outro problema inerente a especificidade do

proprio objeto com que trabalham: a concep<;ao de crian<;a ternmud ado ao longo do tempo, ja que a infancia nao e simplesmenteuma fase biologica, mas uma constru<;ao historica e cultural,

e portanto dvica e jurfdica. Assim, 0 olhar que temos hoje sobrea infancia e diverso daquele que, por exemplo, os gregos ou asociedade colonial brasileira tinham e urn dos anacronismos mais

faceis em que podemos cair em nossa epoca - quando a crian<;ae 0 centro das aten<;6es da familia - e julgar 0 modo como eraconcebida a infancia no passado a partir de sentimentos atuais.

ii~

66 HIST6RIA DA EDUCA<;:AO HIST6RIAS DA EDUCA<;:AO: 0 ENSINO, 0 llVRO E A lEITURA... 67

Nao se pode, portanto, postular uma suposta identidade infantila priori; desse modo, 0 historiadorso faria reencontrar aquiloque 0 presente coloca como verdade.

Uma das maneiras que tern sido utilizadas para estudaras fronteiras existentes entre a infancia, a juventude e a vidaadulta e a reconstitui~ao dos ritos de passagem das sociedadesocidentais que caracterizam essas entradas nas diferentesfases, como a primeira comunhao, 0 casamento e 0 servi~omilitar obrigatorio. Mesmo assim, as dificuldades continuam:quanto mais antigo for 0 perfodo, e quanto mais distanteespacialmente a sociedade que se pesquisa, mais fugidiosparecern os vestfgios.

Falemos,entao, de urn dominioainda maisrecente: os estudossobre historia dos jovens (e das jovens). Apesar de diversaspesquisas terem sido feitas principalmente nas decadas de 1970e 1980 sobre juventude - nas areas de Antropologia, Psicologia,Sociologia e Demografia - so mais recentemente 0 tema ternsido abordado a partir de uma perspectiva historico,cultural.Podia,se pensar, como advertem alguns pesquisadores que sededicam ao tema, que, na medida em que tantas obras foramescritas sobre historia da infancia, bastaria estender a amplitudedessaspesquisasa faseposteriorda vida: a juventude. No entanto,a historia dos jovens tern uma especificidadejabordar a juventudehistoricamente e deparar-se com uma serie de dificuldades quenao se confundem inteiramente com aquelas enfrentadas peloshistoriadores da infancia.

o maior problema que esses estudos encontram esta noproprio fundamento e razao de ser do campo: afinal, 0 que ejuventude? Na verdade, nao existe uma resposta (mica para aquestao, na medida em que, como a infancia e as outras fasesda vida, a juventude nao e urn conceito puramente biologico,

mas historico, social e cultural, variando em conseqiiencia daepoca e da sociedade em que se inscreve. 0 que os historiadoresdos jovens tern afirmado e que essa fase da vida se define muitomaispor seu canlter de limitedo que por uma suposta estabilidadee fixidez, ou seja, ser jovem e, sobretudo, estar situado entreduas margens (tambem moveis, dependentes da sociedade e daepoca): de urn lado, a crian~a dependente, de outro, 0 adultoautonomo. Em geral, esses limites sac marcados por ritos desaida e de entrada, por valores simbolicos, que expressamuma progressiva defini~ao dos papeis sociais que os jovensdevem ocupar nas culturas em que vivem. No entanto, essespapeis sociais nao sac definidos pelos "mesmoscriterios - quese situam entre a dependencia e a autonomia - em todos os

dominios da vida do jovem, mas variam em rela~ao, porexemplo, a sexualidade, a vida dvica, a atividade economicae variam em conseqiiencia da classe social, do genero e daetnia a que pertencem os individuos. Certamente, ajuventude nao e a mesma para homens e mulheres, paranegros, brancos e indios, para individuos pertencentes ascamadas populares, as classes medias e as elites economicasde cada sociedade. Assim, nao se pode falar em uma historiada juventude (no singular), mas de historias de juventudes,de jovens. Vale lembra. tambem que a juventude, assim comoas demais fases da vida, e uma condi~ao provisoria: nao se ejovem ao longo da vida, mas se atravessa a juventude, demaneira relativamente fugaz.

Como forma de dar respostas as problematicas citadas,ganham importancia estudos sobre ritos de passagem, comosacramentos e convers6es, sobre associa~6es e movimentosde jovens, sobre viagens de forma~ao, sobre festas (de carater

religioso ou profano) e sobre os processos de educa~ao e

68 HIST6RIA DA EDUCA~AO HIST6RIAS DA EDUCA~AO: ° ENSINO, 0 LlVRO E A lEITURA... 69

escolariza~ao dos jovens e das jovens. A delinqiH~ncia, aviolencia, a revolta (e mesmo mudan~as sociais e polfticas),em geral associadas a essa fase da vida, tambem tern sidoestudadas.

I Este trecho contou com a colaborac;ao de Maria Madalena Assunc;ao.

integrar a Hist6ria como urn campo de saber sexuado, era precisoque educadores em geral, e mais os sOci610gos, fil6sofos,psic610gos, professores e professoras da area de educac;ao,se dessem conta de que 0 mundo e habitado e partilhado porhomens e mulheres e nem sempre de maneira justa.

Na educac;ao,podemosdizerque hoje ha urn reconhecimentode que, tal como a hist6ria, ela e sexuada. Ha claramente 0reconhecimento de que sempre houve (e ha) uma educac;aopara meninos e outra para meninas. Epreciso que se diga issoem alto e born som, pois quando se falava de educa~ao ouHist6ria da Educac;aoera sempre de meninos que se falava, jaque 0 masculino era tornado universal; falava,se de homens edever,se,ia entender que as mulheres afestavam compreendidas.Ora, se a educa~ao faz parte do mundo das palavras e rituais,ha que se levar em conta que perceber nesse simb6lico0 que efeminino e 0 que e masculino foi (e e) urn avan~o.

A partir do final da decada de 1980, uma nova categoria -o genero - veio, a partir da Antropologia, propor uma novaexigencia epistemol6gica as ciencias sociais que a Hist6ria e aEduca~ao nao podiam mais desconhecer. 0 genero e umacategoria relacional que permite estabelecer constru~6escontrast antes tendo em vista a cultura e a inser~ao nela. Naarea da educa~ao, diversas obras tern surgido tomando 0genero como uma categoria de analise definidora dos papeissexuais a serem desempenhados por homens e mulheres nasociedade.

Da decada de 1980 para ca, surgiram grupos de trabalho,programas de p6s,graduac;ao, dissertac;6es e teses que tern seempenhado em realizar tanto pesquisas que incluem a categoriagenero como fundamental para a interpretac;ao, quanto aquelasque tern por objeto a mulher e as particulares rela~6es queestabelece, seja no espac;odas fabricas,das empresas, das famflias

A HistOria das mulheresl

A partir das decadas de 1960 e 1970, tomou forma, no Brasil,

o que em outros pafses ja existia sob 0 nome de movimentofeminista. Esse movimento tinha por objetivo fundamental a

conquista de direitos iguais aos dos homens para as mulheres,quer fosse no trabalho, na famflia, na religiao, na educac;ao.Foi uma luta que se espalhou por diversos campos e se fez demuitas formas. As mulheres foram para as ruas e fizeram passeatas

de protesto contra as tradicionais, e muitas vezes dissimuladas,formas de opressao; as mulheres invadiram campos profissionaisate entao reservados aos homens (mesmo que nao se soubesse

por quem) como a engenharia, a medicina, 0 direito; as mulheresfizeram literatura, publicaram seus diarios fntimos, tornaram,se

produtoras e diretoras de teatro e cinema. Aquilo que urn seculoantes fez as mulheres serem consider ad as fora da lei, que

era simplesmente ter direito ao seu corpo e ao seu destino, agoraestava ao alcance de todas. Esse movimento social repercutiu

nas pesquisas e nas obras del as resultantes sobretudo no campodas ciencias sociais e humanas. A Hist6ria nao ficou a partedesse movimento. -

o sexismo, imperante na historiografia de ate meados do

seculo XX, foi aos poucos sendo substitufdo pela exigencia

de que se deveria fazer hist6ria levando em conta os sexos.A Hist6ria da Educac;ao tambem aceitou essa constata~ao e essedesafio. No entanto, sua tarefa era mais complicada. Nao bastaria

70 HIsT6RIA DA EDUCA<;:AO HIsT6RIAs DA EDUCA<;:AO:° ENSINO, 0 lIVRO E A LEITURA... 71

ou das escolas. Levando isso em conta, podemos pensar em como

a Historia da Educa~ao abordaria certas quest6es. Por exemplo:

a associa~ao espontanea hoje entre a imagem da mulher e aocupa~ao de professora faz-nos esquecer que esta foi uma

conquista - lenta e dificil - no campo profissional para asmulheres. 0 processo historico em alguns casos excluiu, em outrasincluiu e desvalorizou, barateou. 0 que segue abaixo e apenas

uma referencia, uma men~ao historica de como algumas quest6es

podem ser colocadas.

Quando 0 professor e mulher, e professora e e assim queencontramos no dicionario: (8)[Fem.de professor.]1. Mulher que

ensinaouexerce0professorado;mestra.2. Bras.,N.E. Pop.Prostitutacom queadolescentesse iniciamna vida sexual.[PI.: professoras(8).Cf professorae professoras,do v. professorar.] Curiosamente,

professor nao e aquele com quem adolescentes se iniciam navida sexual. Deixemos de lado... Portanto, 0 professorado e e

pode ser exercido por mulher. Mas 0 exercfcio desse prafessoradose faz de maneira diferente? A desinencia indicando 0 genera -professor/professora -, por si so, pode trazer atributos de exercfciopro fissional diferentes?

Na historia, os homens sac mais citados. Fala-se, le-se, sobreSocrates, os sofistas, Platao, Aristoteles, Quintiliano, Santo

Agostinho; todos eles mestres. Ainda nao eram professores, quevieram depois, quando foi preciso que uma doutrina fosseensinada em alta voz, proclamada, confessada, apregoada. Mas

esquece-se que as mulheres sempre ensinaram a vida e a morte.A andar, a falar (a lingua nao e materna?), a vestir, a comer, aencomendar e prantear os mortos da familia e da cidade; tudoisso ensinavam as mulheres antes que a escola fosse urn espa~o

ocupado por elas... quase integralmente.

Na Grecia Antiga, se a mulher, do ponto de vista juridico,

e livre e por isto em algum momento sua situa~ao parece estar

melhor (seculo VI), do ponto de vista social, ela e cada vezmais alijada da vida poll tic a ou cultural. Confinada aosgineceus, seja ela a mae, a aia ou a ama de leite, liberta ouescrava, ela nao tern 0 objeto de seus ensinamentos transmitidopara a historia. Eapenas a preparadora do "homenzinho" quedevera ter boas maneiras, civilidade pueril e correta, disciplinamoral, tudo isso aprendido atraves de brinquedos e debrincadeiras. A mulher que a historia qualifica como dotadade talentos intelectuais e a mesma descrita como "uma gloriosadesclassificada" .

Em Roma, nao muda muito a situa~ao da mulher em rela~aoa institucionaliza~ao de seu papel de ensinante. Nao ha noticiasde mulheres que ensinem nas escolas primarias, e muito menosnas de nivel mais elevado, pois 0 litterator, 0 primus magister,o magister ludi literarii sac cargos, em escolas, exercidos porhomens, aqueles que ensinam as letras. A diferen~a, em rela~aoa educa~ao grega, diz respeito a educa~ao familiar, ja. que amulher-mae ocupa lugar e posi~aodiferentes daqueles ocupadospelas gregas. Eela, e nao mais as escravas ou as libertas paraesse fim, que se ocupa da primeira educa~ao, da forma~ao deboas maneiras, respeito a parria e aos ancestrais. Esses tra~ospermanecerao - evidentemente com todas as modifica~6estrazidas pela interpenetra~ao de culturas - nas ditas civiliza~6eslatinas.

Na Idade Media, 0 declinio e quase desaparecimento dainstitui~ao escolar da continuidade a situa~ao da mulher emrela~ao a esses aspectos. A Igreja controla de muitas formas 0passado e 0 presente, e mantem escolas e centros de produ~aode conhecimento e de cultura. No entanto, 0 ressurgimentodas cidades como centros ativos de produ~ao economica recriaa escola e sua fun~ao. As cidades, desde 0 seculo XII, sactambem centra de intensa produ~ao cultural. A cidade tern 0

72 HIST6RIA DA EDUCAC;:AO HIST6RIAS DA EDUCAC;:AO:° ENSINO, 0 LlVRO E A LEITURA... 73

mercado e a escola. A escola liga~se ao mereado para formarurn novo tipo de conhecimento, urn novo tipo de pensamento.Pesquisas sobre 0 seculo XIV oferecern informa<;oesde que haprofessorasensinando em algumascidades nesses tipos de escola.

Mas, durante muito tempo, foi so nos conventos que amulher ocupou legitimamente 0 lugar daquela que ensina. 0ensinamento nos conventos foi - e possivelmentee - dediferentesespecies.Ha algunsem que 0 ensinamento- quasetodo a cargo das mulheres - se limita a uma socializa<;aoparaa propria ordem (ou congrega<;ao) e para a devo<;ao a vidareligiosa. Ha outros em que a educa<;aode meninas - e so demeninas - e a principal missao. Prepara<;aopara gozar a vidaem sociedade, para aquelas bem nascidas; prepara<;ao para 0trabalho para as orfas e abandonadas. A partir do seculo XVI,tendo 0 Condlio de Trento estabelecido novas regras deconduta e de funcionamento para as institui<;6esreligiosas demaneira geral, entao em estado de profunda decadencia, osconventos e as Casas se reorganizarao e passarao a preparartambem aquelas que irao ensinar. Sao os primordios das escolasnormais ou de forma<;aode professoras. Enesse momentahistorico que a educa<;aose torna missao e todos os adjetivosadvindos do campo religiosocontra~reformista a ela passarao aestar aderidos: salva<;ao, abnega<;ao, sacrificio, humildade,fervor etc. Homens e mulheres saD catequistas, professores eprofessoras sobretudo de doutrina.

Epreciso, no entanto, esperar 0 seculo XIX, quando ocorreuma especie de feminiza<;aodo catolicismo, para ver esse ensinocada vez mais regularizado.Ea vez dos manuais, elaboradospelas congrega<;oesreligiosas, ensinando a ensinar, ensinandoas virtudes e as qualidades daquelas que iraQensinar. Educando~as, preparando~as, fazendo~asa imageme semelhan<;adas queas educou.

A importancia dessascongrega<;oespara a educa<;aobrasileirae enorme e ainda nao suficientemente estudada. Conjugada aomovimento da Igreja de irradia<;aoda doutrina pelo mundo,as congrega<;oesde ensino e os colegios religiosos de algumasdessascongrega<;oesvieram para 0 Brasil- da Fran<;a,da Espanhae da ltalia principalmente -, desde meados do seculo XIX e

sobretudo ate a decada de 1930, trazendo os prindpios, asdoutrinas, os manuais. Dedicavam~se,de maneira geral,ao ensinoprimario e a forma<;aode professoras. Como na sua essencianao havia muita diferen<;a entre os prindpios dessascongrega<;oes - embora sim quanto ao tipo de clientela -pode~se dizer que ha urn etos religioso fundante na forma<;aodessas primeiras professoras, mesmo se e na escola publicaque iraQ exercer seu oficio de ensinar.

Esse etos religioso se associa a aspectos da forma<;aodamulher cunhados pela cultura brasileira recem~saida da

situa<;aocolonial, escravagista e, associados, criam em regioese situa<;6es diferentes tipos diferentes de professoras e depraticas pedagogic as. Todas diferentes; todas muito

. semelhantes.0 exerdcio da profissao- ser professora - teratambem suas particularidades. Ser professora e diferente deser professor.

Mas nem so de professorase professoresvive a educa<;aoe asociedade...

Ao longo dos tempos, a propria sociedade vem educando asmulheres, mesmo que algumas vezes 0 tiro saia pela culatra e 0resultado seja bem diferente daquele que se espera(va) e sedeseja(va). As mulheres, santas ou putas, eram megeras queforam ou deveriam ter sido domadas. A sexualidade sempre foio objeto preferidodessadoma<;ao:a igreja,as institui<;6esmedicas,juridicas e educativas produziram discursose exerceram praticasque tinham como principal objetivo adestrar a sexualidade

74 HIST6RIA DA EDUCAC;:AO

feminina. Herdeira de pecados da carne e da cobi<;a,transformada em monstro portador de s~ores umidos, capaz deloucuras e atrocidades quando nao bem regulada (no sentidobiol6gico e social), a mulher deveria ser vigiada de perto e suasexualidade, anseios e desejos convergidos a uma s6 meta:a maternidade. Oesde 0 vestuario - encobrimento das vergonhas- ate processos e produtos de conhecimento, eruditos oupopulares, eram severamente vigiados.

Ser mulher nunc a foi facil. Esse excesso de proibi<;6es,vigilancia e discursos normativos, no entanto, acabaram pOl',emtodas as epocas, gerar comportamentos considerados desviantes,perigosos,indignos, hereticos. A mulher com toda sua fragilidadeera capaz de amea<;ara sociedade. Os processos das visita<;6esdo Santo Offcio ao Brasil registrammulheres que, amando outrasmulheres, praticavam ~sodomiaj alem de mulheres quepretendiam curar atraves de urn conhecimento herdado de umalinhagem de curandeiras: Para muitas delas houve castigo epuni<;6es crueis. Outras escaparam pelo artiffcio da mentirae da simula<;aoda loucura. Alias, a loucura foi taIJJ.bimatribuidaa varias mulheres que se mostravam indignas ou inconvenientesaos prop6sitosde seuspais, irmaosou maridos.Para elas, a solu<;aoera 0 encarceramento em fJrisoes,em asilos manicomiais ou emconventos.

No Brasil, se muitas padeceram desses e de outroshorrores, privados e/ou publicos, muitas entraram para ahist6ria pOl'seus feitos e lutas de resistencia e .delas podemos,ainda hoje, dizer, sem medo de errar, que somos herdeiras.Se neste momenta quase ninguem mais se espanta em vel'uma mulher ocupar qualquer cargo' no mundo politico,intelectual, social, financeiro, e certamente com elas a nossadivida. Foram fazendeiras e gerentes de alguma fortuna dafamilia; foram enfermeiras; companheiras corajosas de seusmaridos em guerras e revolu<;oes, professando elas mesmas

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HIST6RIAS DA EDUCAC;:AO:° ENSINO, 0 LlVRO E A lEITURA... 75

seus ideais; cientistas; professoras; militantes de causas

politicas; escritorasj esportistas. Mulheres que nos mostraFam

que poderia haver outro tipo de educa<;ao e mais, que a

educa<;ao nao tern, como pensam alguns, cont~ole sobre 0futuro.

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