livro memorias pedro ludovico

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Livro autobiográfico de Pedro LudovicoMemorias

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Page 1: Livro Memorias Pedro Ludovico

Pedro Ludovico Teixeira

Memórias

Lançamento da: Livraria Editora Cultura Goiana Rua 3 - 728 - Fone: 6-08-43 Goiinia - Goiás Brasil

Page 2: Livro Memorias Pedro Ludovico

@) Copyrigt by PEDRO LUDOVICO TEIXEIRA

Capa de MARCOS VEIGA

Revisõo Anatole Ramos

Direitos desta Edição reservados à

Livraria Editora Cultura Goiana

Rua 3 No. 728 - Fone: 6-0843 Goiânia - Goiás

Composição Eletrônica Tipos UN-11-M UN-11-}41 UN-10-M B-10-1 PR-10-B

Diagramação de Paulo Dias de Araújo

2ª Edição

1973

Impresso no Brasil Prin ted in Bras il

Page 3: Livro Memorias Pedro Ludovico

ESCLARECIMENTO DO EDITOR

Esta 2a. edição do livro de Memórias do dr. Pedro Ludovico é uma necessidade inadiável, um imperativo decorrente do sucesso de que se revestiu o lançamento da obra aqui em Goiás. Quase íamos empregando, meramente por vício retórico, o adjetivo sur­ preendente para a palavra sucesso. Teríamos cometido um erro de apreciação do prestígio de que goza o dr. Pedro Ludovico em Goiás. Não, não foi surpreendente, de forma alguma, o.sucesso de seu livro. Ele era esperado, desde quando seu Autor dele deu notí­ cia aos jornais desta Capital. E sua primeira edição não foi bastante para quem desejou um exemplar, a partir da noite de autógrafos, quando ele foi entregue ao público. Não somente os que compare­ ceram ao lançamento, mas muitos ausentes - por motivos impe­ riosos - o adquiriram mediante reserva do seu exemplar.

A primeira edição esgotou-se aqui em Goiânia, é o que dese­ jamos realçar. E praticamente na primeira noite de venda, o que se constituiu num recorde de vendagem jamais alcançado por ne­ nhum outro autor brasileiro.

Esta 2a. edição leva a marca de nossa euforia, diante do que foi alcançado com a primeira. Promotora da venda da primeira edição, a Editora Cultura Goiana, agora, assume a responsabilidade da editoração da 2a. E receosa de ter sido tímida demais, ao auto­ rizar Nova Tiragem de mais alguns milhares de exemplares, uma vez que de todo o Estado de Goiás e de outros Estados do. 8rasil nos chegam pedidos do livro.

Este é um livro que já pertence à bibliografia histórica de Goiás como também à sua bibliografia emocional, pelo seu conteú­ do romântico e telúrico. Obra indispensável aos pesquisadores da história deste grande Estado mediterrâneo, retificadora de muitos conceitos errados que são feitos com base em conhecimentos su­ perficiais dos fatos, esclarecedora de passagens deturpadas ou mal contadas, conforme os interesses em jogo ou a identidade dos narradores eventuais.

O extremado amor a esta terra, sempre revelado pelo Autor em todas as linhas e entrelinhas de suas memórias, sua fidelidade aos amigos e a grande compreensão demonstrada com seus adversá­ rios e contraditares (porque· inimigos ele não os tem, pelo menos entre os seus opositores) são os grandes fatores da procura inusita-

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= de seu livro. ~ a gratidão de Goiás a quem dedicou toda a sua vida ao seu serviço, sem visar a interesses outros senão ao bem-es­ tar comum, ao progresso de sua 'terra.

Essa a interpretação que nós, da Editora Cultura Goiana, temos do sucesso de venda deste livro, que nos levou à necessidade - melhor dizendo, obrigação - de tirar imediatamente, num piscar de olhos, esta 2a. edição. E outras edições mais faremos, se o entusiasmo prosseguir com as vendas em ritmo de best seller. O dr. Pedro Ludovico Teixeira merece essa recepção do povo goiano, como, também, dos leitores de todos os outros Estados da Federa­ ção. E o povo, por sua vez, merece esta obra do dinâmico constru­ tor de Goiânia, pelo apoio que sempre lhe ofereceu, pelo carinho com que sempre acatou seu nome. , . ·t

Cremos não exagerar, se __ dissermos 9ue este e o prtmet ~ grande livro que se edita em Go,as e':1 seu genero, mesmo reconh cendo que os poucos já existentes sejem obras de valor.

o Editor Paulo Dias de Araújo.

Recado: nossa preocupação em divulgar os valores inte­ lectuais goianos cresceu rapidamente da nossa modesta banca de livros, que ainda mantemos na Feira de Arte e Artesanato, aos domingos, na Capital goiana, para a livraria que inauguramos na Rua Três, no. 728, com o livro da poeta leda Schmaltz, lançado em noite festiva e de intenso movimento dos intelectuais daqui e de alhures. Mas só a livraria não foi bastante para o objetivo a que nos propusemos, razão por que resolvemos criar a Editora C~/wra Goiana com um programa definido: editar e divulgar os escr,tores , dº # goianos. O sucesso de nosso trabalho resultou que a E ,tora. inaugurasse com um nome do gabarito do dr. Pedro Ludovico

Teixeira.

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Pedro Ludovico - 9

INFÂNCIA E ADOLESCE~ICIA

. ~as~id? na ve~ha Capital do Estado de Goiás, ali passei a minha infância e a minha adolescência .

. ~ í a luz do dia em uma espaçosa casa, que se situa nas proximidades da Igreja do Rosário. Ali moravam os meus avós minha mãe e minha irmã. O meu irmão mais velho estudava n~ Bahia, por conta do meu pai, que residia em Uberaba. Este era homem de cultura, exercia a medicina, indo de quando em vez a Paris, onde aperfeiçoava os seus estudos, tendo sido aluno do Pro­ fessor Pasteur. Era membro da Academia Nacional de Medicina. Escreveu vários romances e publicava anualmente uma Revista de fundo religioso, cognominada Jesus Cristo. Mantinha um hospital em Uberaba, onde viveu cerca de quarenta anos e onde terminou os seus dias.

Na velha Goiás a minha meninice decorreu naturalmente, normalmente. Os banhos diários no Rio Vermelho eram o que mais me agradava, sendo esta corrente de ·água muito mais volumosa naquela época do que hoje. O poço da Carioca, largo, profundo. onde mais de cem meninos se divertiam, .tinha a vantagem de nóo ter as suas águas polu Ídas pelos detritos da cidade, por se encontrar um pouco acima do começo desta.

Uma parte interessante da minha infância deve ser registra- da: minha passagem pela Escola de Mestra Nhola. Ali estive quatro anos, dos seis aos dez. Era hábil, enérgica e cumpridora dos seus deveres, sobretudo justa. Exigia exercícios de várias espécies, entre os quais o de conjugar verbos. Colocava em fila quinze, vinte alu­ nos e mandava que conjugassem o verbo tal. 1 niciava com 'o primei­ ro da fila, passando ao seguinte. Se muitos não sabia~, eram ca~ti­ gados com bolos de palmatória, por um dos que se tinham saido bem. "se alguém cometia uma falta grave, ficava de joelho~ de trinta minutos a uma hora. Era inflexível. O seu curso era misto, isto é, para ambos os sexos, mas separados.· Com as meninas ela era bastante tolerante.

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Naquele tempo, não havia grupos escolares, nem ginásios, pelo menos na minha. terra.

Feito o curso primário, matriculei-me, aos dez anos, no li- ceu de Goiás, para fazer exames parcelados de Português e Fran­ cês. Além dos professores desse estabelecimento de ensino, tive alguns particulares. Tomei aulas de matemática com o professor Franci;co Azeredo, que tinha prazer em explicar a teoria do máxi­ mo divisor comum, O pessoal ficava embevecido, quando o via pegar o giz, dirigir-se ao quadro negro e desenvolver essa teoria. Depois, deu-me lições de Álgebra e Trigonometria o professor Joa­ quim Craveiro, que conhecia muito bem estas matérias e primava pela delicadeza, pela fineza de trato.

Após dois anos, prestei os exames de Português e Francês. No de Português tudo correu normalmente, muitos examinandos sendo aprovados e alguns reprovados. Saí-me bem.

Com doze anos de idade, conheci a primeira vitória da mi­ nha vida, no exame de Francês. Eram vinte e um examinandos, todos mais velhos do que eu, havendo mesmo rapazes-com mais de vinte anos.

Na prova escrita, éramos obrigados a traduzir uma página de um livro em francês, sem auxílio de dicionário. Foi um desastre. Dos vinte e um candidatos, só passamos eu e um tenente da Polí­ cia, chamado Firmino. A minha nota foi 2 e a do tenente, 1. Pelo Regulamento de então, quem tirava zero não podia ir ª/P.rova oral. Nesta, eu brilhei i tirei 10, a nota máxima, terminando por ser aprovado plenamente e o meu companheiro,simplesmente.

Instalado o curso ginasial no Liceu, por força de lei regula­ mentadora do Ensino, fui forçado a fazer, novamente, os exames das mesmas matérias. Repetiu-se o quadro. Passei· normalmente em Português e, em Francês, fui o único aprovado na prova escrita, em que recebi a nota 1, indo para a oral, em que obtive 1 O.

Dos meus colegas que participaram desse exame, já falece­ ram Túlio Jaime, Odilon de Amorim, Lambertina Póvoa, Benedito de Albuquerque Pereira, 1 ldefonso Gomes, Diógenes Pereira da Silva, só estando vivos eu e Agenor Alves de Castro.

Éramos obrigados a estudar grego e alemão e, como as tur­ mas eram pequenas, devíamos traduzir ou verter os exerctclos que. nos davam. Aí está um dos motivos por que se aprendia naquele tempo mais do que hoje.

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Pedro Ludovico - 11

Fui ótimo aluno de Francês e Matemática. No ensino de Francês, devo registrar os nomes de dois mestres, que nos transmiti­ ram, com muito resultado, os seus ensinamentos: Desor. Augusto Ferreira Rios e Henrique Péclat, sendo este suíço. O primeiro se esforçava ao máximo, para que todos aprendessem bemprincjpat­ mente os 'verbos. Obrigava-nos, em sabatina, um por um, a conju­ gar os verbos regulares e irregulares, na forma afirmativa e também na interrogativa e negativa ao mesmo tempo. O verbo S'en a/ler, conjugado nessa última modalidade, dava dor de cabeça a muita gente.

Em matemática, _havia o professor Sebastião F. Rios, que depositava tanta confiança em mim, a ponto de deixar a sua cáte­ dra, para expor as lições do dia seguinte. Ordenava que fosse eu ao quadro negro para explicar os teoremas, as equações, enfim todos os problemas que deveríam ser distribuídos aos estudantes para serem resolvidos.

Estudou ele na Escola Militar e morreu relativamente moço. Fui mau aluno em Desenho e sofrível em Geografia. Bom

em História e I ínguas. Não é ocioso afirmar que, no meu tempo, estudava-se muito

mais no curso ginasial. 1: verdade que, atualmente, as matérias são mais numerosas, mais desenvolvidas e muito grande o número ·de estudantes, o que dificulta não só a assistência, como a vigilância dos professores sobre o corpo discente.

Lamentavelmente, dolorosamente, vêm-se, hoje, rapazes e moças com o certificado do curso ginasial que não sabem escrever uma carta e, se o fazem, é repleta de erros de sua própria I íngua.

Terminados os meus estudos de ginasiano, que, então, eram de seis anos, mas sem a exigência do exame de admissão, fui o orador da minha turma.

Levei quinze dias fazendo o discurso. Jamais havia escrito qualquer coisa de responsabilidade.

Desincumbi-me, no entanto, da tarefa e, parece, não desa­ gradei os ouvintes, já que fui muito aplaudido.

Lembro-me que iniciei a minha oração da seguinte forma: "Musgo rasteiro na senda da vida.·Palinuro inseguro ao me expri­ mir, estou receoso de não agradar". Não tenho em meu arquivo esse discurso, e, sim, as suas reminiscências no subconsciente. Guardo uma bela recordação desse tempo e de um meu campa-

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nheiro de classe: Benedito Albuquerque Pereira. Estávamos em aula ao redor de uma mesa quando recebi dele o seguinte pensa­ mento: "Pierre est le plus s~vant et le plus brave de nos collêquss. (ipsis litteris).. Fruto de sua generosa amizade. Todos éramos mui­ to aplicados e do mesmo nível intelectual, por incrível que pareça.

Eis outra reminiscência a relembrar: - O professor Francisco Ferreira de Azeredo, aliás um dos

mais notáveis, mais estudiosos e mais atenciosos do Corpo Docente do Liceu, costumava dar as suas explanações, repetindo-as, para os alunos compreenderem melhor a matéria. Aconteceu que, da primeira vez, fiquei, de pronto, inteirado do assunto - um problema de geometria - tão clara fora a sua exposição. E, por isso, quando fazia a repetição, apanhou-me desatento a ela, pelo que me interpelou sobre o meu desinteresse, dizendo que eu me julgava muito inteligente e não lhe prestava a atenção devida. Retruquei-lhe que me desculpasse e esclareci-lhe ter sido tão clara, tão precisa a primeira explicação que, desde logo, assimilara plenamente a lição ministrada. Silenciou e não me pôs à prova. ( Desculpem-me os leitores que registre esses fatos, os quais, absolutamente verdadeiros, fazem parte da minha vida.)

Guardo- saudosas recordações dos meus tempos de secundarista. Além do prazer experimentado com os estudos, distraía-me em Goiás, admirando as belezas de seus arredores, caçando, pescando e contemplando os fenômenos ·da natureza, Sentia-me feliz, quando me encontrava nos campos, ouvindo o gorjear do sabiá, do pássaro-preto, do joão-de-barro, o pairar dos periquitos, o gazear das andorinhas, que habitam em -todas as regiões do Brasil. É tão agradável sentir e ouvir a Natureza, observá-la nas suas filigranas, no seu esplendor, nos seus mistérios! Falarei mais à vontade sobre tudo isso, quando descrever os dias que passo na minha propriedade rural, no município de Rio Verde.

Desobrigado do meu curso básico, achava-me em plena juventude, diante de uma encruzilhada: marchar para um emprego público ou continuar os estudos. Decidi. Resolvi ser engenheiro, dada a minha vocação para a matemática.

Em Goiás não existia nenhum estabelecimento de ensino superior. Seria forçado a ir para o Rio ou São Paulo.

Mas_ ir, como? Não tinha condições financeiras para fazê-lo. Há, todavia, sempre, um pouco de sorte em tudo. A minha tia

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Ant6nia Ludovico Coelho· auxiliou-me com 400 mil réis, para empreender a viagem.

E meu irmão, João Teixeira Alvares Júnior, residia no Rio, já ligado pelo casamento, para cuja casa pretendia ir até que conseguisse uma colocação.

IDA PARA O RIO

Para a Capital Federal me dirigi, percorrendo 75 léguas a cavalo, de Goiás a Araguari.

Fomos.,eu e ldelfonso Gomes de Almeida, meu primo, que havia terminado o curso do Liceu comigo. Aliás, era um jovem excepcional, bondoso, inteligente, aplicado, de um temperamento raro. Benquisto por todos que com ele conviviam. Formado em Medicina, seguiu para Rio Verde, onde clinicou mais de um ano. Agredido pelos bacilos de Koch, acometido de várias infiltrações pulmonares, não resistiu e faleceu pouco tempo depois. Eis o trecho de uma carta, que me escreveu, quando se achavâ doente, sem esperanças, aguardando o desenlace a qualquer hora : "Faz bastante tempo que desejava escrever-te, mas o desânimo que de mim se apoderou me tem impedido de fazê-lo. Já são muitas as infiltrações que me aniquilam os pulmões, ambos afetados pela fimatose, ambos não correspondendo mais à oxigenação do sangue. Dura verdade, meu primo e meu amigo. Aos 26 anos me encontro perto da morte. Ilusões, prazer, esperançàs, tudo liquidado. Os bacilos impiedosos roem-me dia a dia, hora a hora, os pulmões. A minha desnutrição se· acentua aceleradamente. Estou nas proximidades do fim. Talvez seja esta a última carta que te dirijo. Se imortalidade houver, lá nos encontraremos. Abraços de um morto-vivo que sempre te quis bem."

Chegado ao Rio, fiquei embevecido com os novos horizontes que se me depararam. A cidade possuía, apenas, cerca de um milhão de habitantes. Copacabana consistia em umas casas velhas e uma praia lnteirarnente primitiva, sem o mínimo trato.

Mesmo assim, era Interessante assistir ao espetáculo do mar, muitas vezes revolto, quebrar-se ou estirar-se pelas praias. Mas, acabava de ser concluída a avenida Rio Branco, realizando-se o desejo inquebrantável do Prefeito Passos, que tudo arrostou para modernizar a sua cidade.

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14 - Mem6rias

As avenidas Getúlio. Vargas, Brasil e outras foram obras poste ri ores. . , · bi 1 , t·

H . os automóveis, pois a indústria automo I is rca avia pouc d h . d de No meu dava os primeiros passos para o conforto a umana ~ ·. Estado então não se conhecia um, sequer. Os primeiros que

' f '. 1 920 um dos quais seguiu, sem estrada apareceram 01 em . , . · d de ttumbiara a Jata r conduzido pelo motorista a p r o p r I a a, ' . á ·

pioneiro José Sabino de Oliveira, ainda vivo o octogen no, residente nesta Capital.

O Teatro Municipal a Biblioteca Municipal, o Clube Naval, o Clube Militar, a Escola

1de Belas Artes, alguns cinemas, ~ Hot~I

Palace, eram os principais prédios que embelezavam a Avenida Rio Branco.

As ruas do Ouvidor e Gonçalves Dias eram os pontos obrigatórios de lazer, para lá convergindo os que procuravam distração, não s6 vendo a multidão que passava, como observando os homens e as mulheres bem trajados, que podiam ter uma vida mais amena.

Ponto de freqüência predlleta era a Confeitaria Colombo. Até as 5 horas da tarde viam-se ali pessoas de toda a espécie. Depois das 5 apareciam a "Jeunesse Dorée" e os intelectuais.

Eu e o meu saudoso amigo Justo de Oliveira lá estávamos quase diariamente, olhando os seus "habitués" - Olavo Bilac, Emílio Menezes, Lima Barreto, Ataulfo de Paiva, Gotuzzo e outros.

Era uma atmosfera agradável, onde as mulheres bonitas, cheias de jóias, algumas cocotes afamadas, como a Tina Tatti, eufóricas pelos vinhos, conhaques e cervejas, embelezavam o ambiente, animando as palestras dos jovens e velhos.

Nós dois, ocupando por longo tempo uma das mesas, nos interessávamos pela filosofia da vida. Dizíamos que esta pouco valia ou na-o tinha o valor que se lhe dava: Pensávamos, como Schopenhauer, que só a dor era positiva·e o prazer, muito efêmero. Os vícios, todos, representavam uma fuga ã realidade. O fumo o álcool, o cinema e os entorpecentes, tão mais usados hoje do ~ue ontem, constituíam derivativos contra o tédio. Para o nosso pensa­ mento, o amor dava mais decepção do que prazer. Enquanto isso, vía':11os na velhice um fardo terrível, que se tolerava, mas que só se aceitava revoltado. Parece-me que foi Simone de Beauvoir quem

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Pedro Ludovico - 15

.dísse que o velho é um objeto, uma unidade, a que se presta pouca atenção.

Discutíamos o realismo de Balzac e de Zola, focalizando os seus livros, como a 'Comédia Humana:''~ Mulher de Trinta Anos~ o ·J'accuse''sobre o processo Dreifus. Analisávamos Vargas Villa, com .0 seu sectarismo atroz, aconselhar o suicídio a todos os frustrados. Considerávamo-lo um exagerado e, talvez, um psicopata, um dege­ nerado superior. Pensávamos que todas as religiões estão certas, condenando o suicídio, pois são sempre os jovens que mais se matam e mais se expõem às aventuras perigosas.

Desejávamos, às vezes, estar longe daquele ambiente de i n­ tenso movimento de garçons apressados e do tilintar dos copos.

Preferíamos estar à margem de um rio caudaloso e belo, como o Araguaia, deliciando-nos com o panorama sertanejo, sub tegmine fagi.

Depois dos primeiros dias passados no Rio, matriculei-me na Escola Politécnica. Após uma semana de freqüência às aulas, verifiquei não poder ali continuar, porque o tempo de freqüência exigido era muito rígido e me impedia de trabalhar em qualquer serviço que me desse o ganha-pão (porquanto, para manter-me, necessitaria de uma colocação).

Embora o ano letivo já estivesse em curso, por imtermédio de um deputado mineiro, amigo do meu mano, consegui matricular-me na Faculdade de Medicina da Praia de Santa Luzia, única existente naquela época, na Cidade Maravilhosa. Lá fui encontrar, como acadêmicos, os meus colegas do Liceu de Goiás Odilon de Amorim, l ldefonso Gomes de Almeida, Agenor Alves de Castro e Antonio Mendonça.

Morava, como previra, no apartamento do meu irmão João Teixeira Alves Júnior, onde passei alguns meses, e dali passamos par.a a casa da sua cunhada. Esta era uma excelente criatura, lutadora pela subsistência, bondosa e sempre alegre, conquistando todos os que dela se aproximavam. D. Yayá, como era chamada, queixava-se constantemente de não estar bem de saúde. Tinha edemas nas pernas, mas, mesmo assim, andava muito a pé, na sua luta diária. Podia ter uns quarenta anos. Entretanto, morreu, há pouco tempo, com mais de noventa. Cometeria uma grande injustiça, se não lembrasse o seu nome nas minhas memórias.

Mo rei durante quase todo o tempo da minha vida de

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estudante na rua Riachuelo, em uma casa situada no centro e em outras. nas extremidades. Uma destas dava para a Lapa e outra para a rua Frei Caneca.

Em todas as ruas em que habitei, fui feliz. Na primeira, localizava-se a residência do meu irmão, onde passei os meus primeiros meses no Rio de Janeiro. . .

Em uma delas moramos vários goianos: eu, Ed1lberto da Veiga Jardim, Alfeu da Veiga Jardim e FranAcis~o da Veiga Jar~i~, irmãos, e Ranulfo da Veiga Jardim, Constâncio Gomes, Antonio Rizzo, Justo de OI iveira e Benedito Neto de Velasco. Era uma pensão dirigida pelo Sr. Veloso e sua família, composta de D. Helena, sua mulher e quatro filhos, sendo dois homens e duas mulheres. Descendiam de Minas Gerais.

Serviam-nos comida mineira, muito boa e muito própria para nós goianos, que temos em quase tudo, menos na política, muita semelhança com os mineiros.

Os irmãos Veiga Jardim eram muito atenciosos, tendo boas relações com todos com Quem conviviam.

Constâncio Gomes de Oliveira era uma pessoa muito fina, incapaz de ofender alguém, sendo muito estimado. Era bastante tímido com as mulheres. Certa feita uma pensionista por ele se apaixonou e, como o notara indiferente, agrediu-o amorosamente, na escada que ligava o primeiro ao segundo pavimento. Sigilos~ mente, narrou ele o acontecimento a um dos nossos companheiros. Não devia tê-lo feito. Foi uma gozação que durou longo tempo. Gostava tanto de fumar que sempre afirmava: se ficar doente e o médico me proibir o cigarro, não atenderei, morrerei fumando.

Parece que previa o futuro. Ficou tuberculoso e não abando­ nou o vício.

Um dos Veiga enamorou-se de uma moça, que morava nas proximidades, casou-se por amor, terminando, entretanto, em tra­ gédia a união que se iniciou tão romanticamente.

Dos meus colegas de pensão, dava-me mais intimamente com Justo de Oliveira, filho de Chapéu, cidade do nordeste goiano. Boêmio, inteligente, gostava de filosofar, embora só entendesse de filosofia através das leituras em livros da Biblioteca Nacional, por­ que dinheiro não tinha para adquiri-los nas livrarias. A sua mesada era pequena e, não raro, demorava meses para lhe vir às mãos. O seu pai fazia sacrifícios para mantê-lo no Rio. .

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Pedro Ludovico - 17

Tinha o hábito de jogar no bicho e quando não possuía um níquel, fazia a sua lista, assim mesmo, para verificar se tinha bom palpite. .

Era amigo de todos nós. Deitava-se tarde e levantava-se tar- de.

Arranjou um emprego no Ministério da Agricultura e melho­ rou a sua vida.

Antes disso, porém, passou muitas dificuldades. Em certa ocasião, foi necessário que eu e o Benedito Neto de Velasco mu­ dássemos de pensão e tomássemos marmita, para que ele pudesse comer conosco.

Com a sorte melhorada e já alto funcionário do Ministério, freqüentava diariamente, à noite, o bar da Brahma e de lá só saía às 2 horas da madrugada.

Separamo-nos quando, terminado o curso médico, segui para Goiás.

Sempre se correspondeu comigo, sendo lamentável que não tivesse guardado as suas cartas. Nunca me esqueci dele.

Benedito Neto de Velasco, o Neto, como nós o chamávamos, era um rapaz simpático e bonito mesmo, perspicaz e malicioso. Tinha uma tremenda sorte com as mulheres. ~"as, fato estranho, levava o platonismo, o romantismo, ao extremo, custando chegar ao fim. Não sei se era problema de glândula, perturbação ~ndocrínica, ou se tinha a opinião de um dos sacerdotes da Ceia dos Cardeais: - a conquista é tudo, a posse, quase nada. .

Em certa época, a minha situação se tornou precária. Verificou ele que precisava me ajudar. Eu só tinha um terno de rou­ pa e um par de sapatos.

Aconteceu que ele acertou em uma centena do bicho. Deu-me, então, cem mil réis, com que comprei roupa e sapatos.

Para mim foi um bom amigo. Formou-se em Engenharia, ficou rico, nunca saindo do Rio,

onde faleceu em idade avançada. Na rua do Riachuelo, perto dos Arcos, morei em um quarto

com Antônio Rizzo. Faço questão dessa referência, porque ali ~ouve dois episódios comigo. A proprietária da Pensão tinha um filho que havia estudado na Inglaterra, em Manchester, de sorte que ali moravam muitos ingleses, seus conhecidos. Ouvia-se a

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1 íngua inglesa a todo o momento, sem que isto nada tenha a ver com os casos que vou relatar. Também ali moravam duas irmãs, uma delas morena, jovem de 18 anos e bonita. Certo dia, esta, que se chamava Itália, estava no meu quarto, palestrando para se entreter ou matar o tempo. Eis, senão quando, entra pela porta, que se achava aberta, o seu amante, um velho de 60 anos, conhecido como valente, já que era Leão de Chácara de um dos Clubes noturnos do Rio. Pegou a moça pelos cabelos, deu-lhe uns tapas e lhe disse:Vagabunda, não a quero malsl

Fiquei apavorado, porque, para enfrentá-lo, s6 a bala e não me convinha.

- Felizmente, foi-se embora e nunca mais procurou a bela 1 tál ia.

Tempos depois, repetiu-se um fato quase idêntico. O meu quarto dava para a rua e, ao lado, residia um militar. As vezes, conversava com a sua esposa, ela na sua sala de frente e eu na janela do meu quarto. Em uma dessas vezes, surge na rua o seu marido, que, aborrecido com a nossa conversa, se dirigiu para a minha casa. Notei a sua exaltação e pedi ao meu irmão, que, felizmente, tinha chegado naquele instante, para explicar-lhe a inocência da nossa palestra. Barra~do por meu mano, disse ele que ia matar o bandido que estava conversando com a sua mulher. Acalme-se, reflita bem, o senhor não tem razão e, ademais, o meu irmão já está prevenido e o receberá a tiros, ponderou-lhe aquele. Graças a Deus, o homem moderou-se e se retirou. Mudou-se no dia seguinte. Nunca mais vi a inteligente e linda mulher ... ~orei dois meses, também, na rua ~11ariz e Barros, onde foram meus companheiros de quarto os goianos Otávio Abrantes e \Molney, Otávio era impetuoso, boêmio e corajoso. \~folney era calmo, delicado e de uma aparência angélica. Ambos morreram tragicamente. Otávio tinha uma namorada, filha de família abastada, residente na zona norte. Saía com ela diariamente, havia dois anos, ao anoitecer, indo ao cinema e passeando na rua em que ela morava. Amavam-se. Ele tinha guardadas, em uma caixinha, mais de cinqüenta cartas dela. Como as condições financeiras de Otávio cada dia mais pioravam, resolveram os dois terminar o namoro, que, entre eles, era noivado. Esta combinação se deu poucos dias antes do Carnaval.

Notava que o meu amigo, depois disso, estava tristonho e,

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Pedro Ludovico - 19

um dia, me disse que só abrisse a caixinha, que continha as cartas, depois da sua morte.

Como ele brincava muito, não liguei importância ao fato. Na segunda-feira, dedicada ao rei Momo, havíamos

combinado de nos encontrarmos no bar da Brahma, às 9 horas da noite. Ali compareci e, depois de esperá-lo até dez, já certo de que não viria ao encontro marcado, ia-me retirando, quando aparece Benedito Velasco e me contou que Otávio, uma hora antes, havia baleado a sua namorada e o seu noivo, suicidando-se em seguida com duas balas no coração. O noivo se restabeleceu.

O ~'olney, terminados os seus estudos, seguiu para São José do Duro, hoje Dianópolis. Morreu golpeado a sabre, com oito membros da sua família, presos como reféns pela polícia de Goiás, que estava em luta com o Cel. Abílio VJolney. Eram adversários políticos da situação dominante, o Caiadismo. Nove pessoas foram assassinadas fria e cruelmente pelo tenente Ulisses, Oficial da Milícia Goiana.

O renomado escritor. Bernardo Ellis já escreveu um livro sobre esta tragédia, intitulado "O TRONCO".

NA FACULDADE DE MEDICINA

Naquele tempo, o Curso de Medicina era de seis anos. Não havia exame vestibular. Não fui tão bom estudante neste Curso como no Médio. Era

regular. Fui reprovado em Fisiologia, como o foi a maior parte da

minha turma. Aconteceu que os acadêmicos não gostavam do professor da cadeira recentemente nomeado e deram-lhe uma vaia, recebendo-o com hostilidades. Assim sendo, ele foi duro no exame, escolhendo assunto difícil, para ser respondido e analisado.

Na segunda época, passamos quase todos. Fui reprovado, igualmente, em Anatomia Patológica. Na

segunda época, fomos examinados pelo professor Leitão da Cunha.. que era muito severo. Na prova escrita e oral fui bem. Na prática, perguntou-me qual a doença de um fígado .que estava sobre uma mesinha. O órgão estava irreconhecível, pela sua decomposição. Titubeei. Não deixou que repondesse e disse: está podre. Deu-me nota 5. A minha passagem pela Faculdade correu

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normalmente. Estudava bastante. Havia, no entanto, alunos.muito mais estudiosos do que eu. No Hospital da Santa Casa, ouvia com muita atenção e entusiasmo as aulas dos professores Paes Leme, Miguel Couto e Miguel Pereira. Este empolg~~a a tur_ma, ao discorrer sobre os aneurismas da aorta. Era eloquente e vibrante.

Aconteceu um incidente desagradável comigo e c~m ~ meu mano Josito, quando cursávamos o quinto ano. ~.~eu 1rma~ era cronista esportivo da Gazeta de Notícias e escreveu uma c_rôn1ca a respeito de um jogo de futebol entre o Flamengo e o América.

Dois dias depois do jogo, estávamos os dois tomando chope no bar Americana e eis que ali entraram os jogadores do Flamengo, pedindo satisfação ao cronista.

Houve um entrevera, quebraram-se cadeiras e nós nos dispersamos, sem intervenção da polícia.

Decorrida uma semana, encontramo-nos com um dos rapazes do Flamengo, em um dos pátios da Faculdade de Medicina, que se dirigiu, imediatamente, para nós, dizendo vocês são dois, mas para me bater são poucos. E, ato contínuo, me agrediu, armado de soco inglês. Era, também, acadêmico do 3o. ano. Eu estava- desarmado e méu mano portava também um soco metálico. O nosso atacante, além de muito forte, com um metro e oitenta e cinco, praticava futebol, luta romana e remo. Saímos todos feridos, depois de uma luta que durou 15 minutos.

Houve inquérito na Faculdade e na Polícia, terminando tudo bem, como acontece, sempre, em brigas de estudantes.

Dois anos depois, mais ou menos, li em um jornal que o nosso antagonista havia sido assassinado em São Paulo, em uma mesa eleitoral, no momento em que se reali'zava uma eleição.

Lamentei, sinceramente, pois era jovem e devia ter-se formado de pouco.

No sexto ano médico, tive que defender tese, escolhendo a _Histeria ~o~o assunto .. Moléstia nervosa, conhecida desde tempos rrnernor rai s, e considerada como efeito de bruxaria ou de influência demoníaca, pela ignorância da época, verificou a ciência que era e é uma perturbação do sistema nervoso.

Pela Escola de Charcot, provinha de um distúrbio .11europáticg, .:m que a simulação é predominante, influ'enciaêla pela sugestao. Na Salpétriàra, Charcot cultivava a~ produzindo histéricas à vontade. '- '

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Pedro Ludovico - 21

Pela Escola de Bernheim, a histeria era uma doença que se criava pela sugestão e se curava pela persuasão.

O assunto foi muito discutido e estudado pelas duas Escolas.

REGRESSO A GOIÁS

Deixando o Rio, nos idos de março de 1916, viajei para Goiás, formado em Medicina.

Minha família insistiu para que ali permanecesse, tentando a clínica.

Foi-me oferecida uma colocação de médico da Força Pública do Estado.

Minha mãe a conseguiu com o Presidente, Cel. Eugênio Jardim, pessoa aparentada conosco. Ganharia 300 mil réis, mensalmente. Recusei o oferecimento, agradecendo a boa vontade de quem ma oferecera.

Conquanto tivesse levado ·uma existência feliz na minha terra natal, até a idade de 18 anos, notei que Goiás ainda era uma cidade antiquada e em que não via possibilidade de corresponder às minhas aspirações.

Para matar saudades, passei ali dois meses com os meus parentes, seguindo para Bela Vista, cidade do interior goiano, muito mais atrasada do que a velha Capital. Não havia iluminação pública, nem esgoto, nem abastecimento de água.

VIDA EM BELA VISTA

Por 12 mil réis mensais, aluguei uma das suas melhores casas. Montei a minha tenda de trabalho. Era um iniciante, que praticava a medicina. Foi-me muito útil essa iniciação. Aprendi muito.

A vida era monótona demais. A melancolia era a minha constante companheira. Em um ano que ali estive, fui três vezes ao Rio, aonde me atraiarn sentimentos de diversas espécies, alguns muito fortes sobre os quais deixo de falar, por não me ser conveniente, embora fosse solteiro, livre, naquele tempo.

Vários amigos fiz naquela cidade, muitos já falecidos. Freqtfentava diariamente a Farmácia de João Agostinho e

Antenor de Amorim. Este, mais tarde, f.oi auxiliar na Secretaria de

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22 - Memórias

Segurança Pública do Estad~, ocupand? o cargo de Diretor do Trânsito, onde agiu com critério e honestidade. . , .

Senti, desde então, os 6bices para o exercício da clínlca no interior. .

Não havia laboratórios, hospitais, nem colegas para aJudar • N • I • em mtervençoes c1rurg1cas. . ..

Quando os casos não eram urgentes, os doentes se diriqiam para São Peulo, Nos mais fáceis, agia-se dentro do P?ssível e, ~s vezes, salvando algumas vidas irremediavelmente perdidas, se nao se tentasse uma operação, mesmo com deficiência de recursos.

Felizmente, os doentes que procuravam o médico eram mais de clínica médica.

Atendíamos aos portadores de verminoses, de anemias pro­ duzidas por esta infestação que, então e atualmente, é a mais comum em todo o Brasil. O professor Austregésilo dizia que ao examinar um doente tornava-se preciso pensar sifilíticamente. Prefe­ rível seria se dissesse que era necessário pensar verminosamente.

Noventa por cento dos habitantes do campo, ontem como hoje, são atacados de vermes. O necator americano, o ankilóstomo duodenal são os mais freqUentes nas populações rurais.

Esses primeiros contatos com as endemias e com outras enfermidades de natureza diversa foram-me muito úteis, como desbravadores da minha mentalidade médica. Chegando à conclusão de que Bela Vista era um ambiente pequeno para o que pretendia, decidi seguir para Rio Verde, cidade do sudoeste goiano, já muito falada pela sua riqueza na pecuária, ·contando o município com cerca de 300 mil cabeças de gado vacum ..

Mas, deixando Bela Vista, passei, intencionalmente trinta dias em Trindade, um mês justamente antes da romaria da festa do Divino Padre Eterno, que lá se realiza todos os anos no primeiro domingo de julho. '

Naquele espaço de tempo, atendi a numêrosos romeiros, que me procuraram para consultas.

Apesar. de não cobrar da maioria dos clientes, muitos pobr~s, ganhei 4 contos de réis, que representava importância apreciável nessa época .

. , ·· Em 1917, ainda não se conheciam estradas de automóvel em G~1as, de forma que todos iam à festa da Trindade em carros de bois ou montados a cavalo.

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Pedro Ludovico - 23

os pastos mais próximos ficavam abarrotados de animais cavalares, muares e vacum, onde se viam belos espécimes, porque, geralmente, os que podiam gostavam de se apresentar bem, com bonitos cavalos, elegantes mulas e burros com vistosos arreios.

Os romeiros de -hoje se transportam de automóvel e os menos afortunados de caminhão.

Grande porção ali comparece, por curiosidade ou para se divertir, e uma parte de católicos para cumprir promessas, acreditando que o Divino Padre Eterno vai compadecer-se deles.

Aparecem, sempre, alguns malandros. Certa vez, em uma das romarias, um camponês dirigiu-se a

um dos locais, em que um padre recebe esmolas. Aproximou-se, tirou da carteira uma nota de 500 mil réis,

afirmando que havia feito uma promessa dé pôr aquela quantia no pé do Santo. Quando o padre foi apanhando o dinheiro, puxou ele a cédula, dizendo: .não, senhor padre. a minha promessa foi só de passar a nota no pé do Santo.

VIAGEM PARA RIO VERDE

Terminada a festa, segui para Rio Verde, acompanhado do meu primo Sebastião Ludovico Coelho e de um peão,chamado Marcelino.

Durante os dias passados em Trindade, este se manteve bem comportado. No segundo dia da viagem, chegamos a uma fazenda, no município de Paraúna, onde dormimos. Ao amanhecer, Marcelino, que devia arrear os animais, começou a jogar no chão, com estupidez, os arreios, baixeiros etc. Chamei-lhe a atenção. Pedi-lhe que não procedesse daquele modo. Respondeu-me brutalmente, dizendo que ninguém mandava nele. Repeli-o. Sacou de uma faca com a intenção de me ferir. Saquei do 38 e mandei que se detivesse. Atendeu. Paguei-lhe o 'que tinha a recebe'r, continuando sem ele a viagem.

Andei naquele dia 9 léguas. No pouso, na fazenda do Nhoca, esquentando-me à beira de um fogo,'pois fazia muito frio naquela noite, eis que me aparece o ~rcelino.

Pediu-me logo que o desculpasse, pois estava desorientado, quando se atritara comigo, e que queria continuar como meu empregado. Mandei arranjar-lhe uma refelção e ele foi se deitar.

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24 - Memórias

No dia seguinte, para demonstrar co~fiança, de!-lhe uma ~linchester 44, ficando a outra com o meu primo, e seguimos para Rio Verde. . d ,

Um parêntese: explica-se, por dois _motivos,. que con uzrs- semos as duas carabinas. De um lado, havia o receio de ataque de alguma onça, porque atravessávamos a região sertaneja: e~quan~o, de outro, não era improvável alguma escaramuça de_ 1 ndios Caia­ pós, que ainda incursionavam a região do sudoeste goiano, embora raramente.

Chegamos a Rio Verde no dia 14 de julho de 1.917, às 11 horas da manhã,e nos dirigimos à casa do farmacêutico Raul Sea­ bra Guimarães, onde ficamos algumas semanas. O Raul e a sua esposa, D. Luzia de Oliveira eram espíritas e pessoas muito boas.

Praticavam o espiritismo com elevação, sendo bastante caridosos. Liam Alan Kardec e outros escritores espíritas. Eram verdadeiramente crentes. Naquele tempo ainda não havia aparecido Pietro Ubaldi, com a Grande Síntese, Nours /etc.

Em dada ocasião, o meu amigo Raul sofreu uma hemoptise. Vomitou mais de um litro de sangue. Fui vê-lo e constatei a gravidade de seu estado. Sendo espírita convicto, não demonstrou o menor medo de morrer.

Medicado, foi vencida a crise, que, conclul, posteriormente, não era causada por tuberculose pulmonar.

A sua mulher era inteligente e bem culta. Boa oradora, não encontrava dificuldade em fazer discursos

de improviso. Ambos já estão em outra vida, como acreditavam aperfeiçoando-se para uma outra reencarnação, ou em mudança para outro Planeta.

Sendo localizada a farmácia na casa em que me hospedei comecei, logo, a clínica. '

Passado algum tempo, fui morar na casa do Promotor João de Oliveira, que era cunhado do farmacêutico Raul Seabra.

Filho da velha Capital, ali estudou, tendo cultura regular, sendo uma companhia agradável, porque era muito loquaz e inteligente.

Malgrado seus noventa anos, vive no Rio de Janeiro, em Copacabana, em companhia de suas filhas, lúcido ainda. . De_p~is de me instalar em uma casa alugada, passei a ter uma

vida profissional mais metódica.

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Pedro Ludovico - 25

De quando em vez, era chamado para ver clientes na roça, nas fazendas.

Um dos primeiros doentes por mim assistido foi D. Flávia de ~~orais cujas terras palmilhei na minba vinda para Rio Verde.

Três chamados me ficaram guardados na memória. Um foi para dar assistência à mulher do Sr. Félix Arantes, cuja fazenda se situava no vizinho município de Palmeiras.

A marcha a cavalo foi de 16 léguas, com apenas uma interrupção, porquanto a paciente não se achava na sede da fazenda e, sim, em um Retiro, distante 18 quilômetros. Sentindo-me bastante fatigado, porque já havia andado 13 léguas, tomei dois comprimidos de aspirina, que me tiraram a canseira, e cheguei tarde da noite ao local em que se encontrava a minha cliente. Tratava-se de um caso perdido, de doente em estado pré-agônico. Extinguiu-se ela três horas após a minha chegada.

Distraí-me um pouco com o Sr. João Rocha, meu amigo de Rio Verde, que, íntimo da .família, ali estava. Tocava violão e cantava uma canção que assim começava: "Cigano, tu sabias o engano, porque me fizeste tão mal: triste, melancólico".

O segundo chamado foi para socorrer um fazendeiro, meu amigo, que tinha sido gravemente atacado por uma pneumonia, em Ouirinópolis. Ainda cheguei a tempo, mas o doente não resistira ao mal, pois em tal época não existiam os antibióticos.

Fiz uma marcha de 18 léguas·, recorrendo, duas vezes, à aspirina, para poder resistir.

O terceiro foi para ir à mesma localidade, medicar um dos homens mais ricos de lá. Sofria do coração. Era um sertanejo interessante, jocoso, alegre. Morava em uma chácara perto da cida­ de. Houvera, dias antes, uma desinteligência séria entre o seu genro, de quem era muito amigo, e outra pessoa. Aparecera na cidade um conhecido pistoleiro e o meu cliente for:_a informado de que o mes­ mo se encontrava ali para matar aquele. Contratou, então, diziam, o D_elegado de Polícia de Rio Verde, que era militar, para liquidar o pistoleiro, que foi morto no município de Jataí. Ouando soube da notícia, deu uma gargalhada.

1 • Perguntei-lhe qual era o motivo daquela sua expansão de ª egna. Respondera: "livrei meu genro de morte certa" não entrando em pormenores. '

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26 - Memórias

Estive em sua casa dez dias, dando-lhe assistência. Ainda viveu dois anos.

Por mais que me esforçasse, não me habituara, até então, à existência monótona das pequenas cidades, uma vez que estivera seis anos no Rio, sem dali me afastar,

Nos meios urbanos de pequena população, "pour tuer /e temps", tem-se que descambar para o álcool ou para o jogo. Fiz ambas as coisas, moderadamente, com muito equilíbrio. Cheguei à conclusão de que não servia para jogar. Tinha pena de quem perdia e quase sempre isto se dava com os que não podiam perder. E no jogo carteado é de mau alvitre ir em cima de quem está com sorte, devendo-se enfrentar os que estão de azar. Joguei "poker" dois anos, em um jogo relativamente caro. Ganhava mais do que perdia. Em certa madrugada, ao dirigir-me para casa, decidi não mais jogar. Nunca mais peguei em uma carta, há mais de quarenta anos.

CASAMENTO

Nesse ínterim, depois. de um ano em Rio Verde, e alguns meses em Jataí, chegou àquela cidade uma filha do Senador ~ar­ ti n s Borges, de quem me enamorei, cujo noivado foi curto",· casando-me logo. Não é preciso dizer que a minha noiva era bonita e relativamente instruída, recém-saí da do Colégio de Freiras de Franca, no Estado de São Paulo.

Acompanhado da minha esposa, transferi-me de novo para Jataí, onde estivemos cerca de seis meses.

Em março de 1.919, retornei a Rio Verde, onde só pensei no meu trabalho durante cinco a seis anos.

POLlilCA

Meu sogro, homem íntegro e muito çioso do seu modo de vida, era fazendeiro e comerciante. Acompanhava a situação dominante - o Caiadismo. Mantinha-me apol ítico.

Embora me sentisse revoltado com a falsa democracia que existia em todo o Brasil e em Goiás, continuava afastado das lides políticas, para não provocar aborrecimentos ao meu sogro.

Chegou a tal ponto a minha repugnância pela situação, que não

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ais resisti e tomei atitude. Meu sogro não me impediu de assim ~ir. Eu, Ricardo Campos, Dr. Almeida Barros, advogado ª ilitante, Atanagildo França, Teódulo Emrich fundamos o jornal ~O Sudoeste" e começamos a criticar os erros da política e da administração do Estado, onde imperava uma familiocracia. Basta lembrar que Antônio Ramos Caiado era Senador da República, Brasil Caiado, irmão deste, Presidente do Estado, Joviano Alves de castro e Lincoln Caiado de Castro, Deputado Federais, respectivamente, cunhado e sobrlnho-qenro do Senador.

Naquele tempo, Goiás só tinha quatro Deputados Federais, Durante o meu período de influência, de mais de trinta

anos, na política de Goiás, tendo quatro filhos homens, só um deles foi Deputado Federal. E,depois,Governador. Mauro Borges foi Governador porque tinha capacidade, cultura e energia para exercer tal cargo, como demonstrou no seu exercício.

Entrando na refrega política, como dizia, comi o pão que o diabo amassou.

Apesar de nossas divergências, nunca fui inimigo pessoal do Chefe Caiadista de Rio Verde. Mantivemos sempre relações cordiais.

Pouca gente tinha coragem de combater o Caiadismo. A maior parte do povo estava insatisfeita, mas só alguns pequenos grupos, na velha Goiás, em Rio Verde, em I nhumas, punham as mangas de fora. Não vou citar nomes, porque cairia fatalmente em omissão de muitos que foram bravos. Pode ser que, no correr destas Memória~, fale em alguns.

As eleições eram um escárnio, uma brincadeira. Colocavam- se nos postos onde se realizavam os sufrágios, um Tenente da Polícia e dois soldados. Ao entrar, o eleitor recebia de um dos mesários um envelope fechado, que continha o seu voto e o coloca­ va na urna. Muitas vezes, nem a esse trabalho se davam. Chamavam umas três ou mais pessoas, inclusive os transeuntes, que assinavam os nomes dos eleitores, para "efeito leqal". Era o regime escandalo­ so das atas f ai sas.

Aliás, isso acontecia no Brasil inteiro. Não somente isso o que me indignava, sobretudo, a falta de

garantias que sofriam os que não se conformavam com esse estado de coisas, as perseguições de que eram vítimas.

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28 - Memórias

Quanto mais o nosso movimento ganhava vulto, mais se acentuava a reação do absolutismo.

Mesmo assim, quando havia eleição para qualquer cargo pú­ blico, de Prefeito, Vereadores, Deputados, Governador ou Sena­ dor, dávamos sinal de vida. Não podendo entrar na sessão eleitoral, votávamos em Cartório, como uma forma de protesto. Impõe­ -se-me, em honra de suas memórias, citar duas pessoas que prima­ vam pela bravura cívica - D. Narciza Leão e Laudelino l\!ogueira: vinham na frente de 200 a 300 eleitores da zona rural. Ambos fazendeiros, expunham-se, bravamente, na defesa dos seus ideais. D. Narcíza era representante do seu marido, meu velho e distinto amigo José Severiano da Silveira Leão, que, por doente, não podia viajar. Outro companheiro, que nunca vacilou, foi Natanael Cruvi­ nel, que, representando toda a sua família, atuou ao meu lado com muita decência e coragem.

Sabendo que aqueles votos em Cartório nada valiam, pois não eram computados, querfamos provar a nossa determinação de repelir umá eleição fraudulenta e escandalosa.

Iam para Rio Verde os oficiais mais valentes e violentos da Polícia Militar, .que, felizmente, sempre manifestavam uma consi­ deração a minha pessoa.

O ambiente, dia a dia, mais se carregava. Abriram-se-me duas alternativas: ou me mostrar forte ou

abandonar a luta. Tinha dois amigos muito íntimos, muito animados, muito

leais: Atanagildo França e Moisés Costa Gomes, farmaceutlco prá­ tico. Nada os intimidava. Estavam, freq'Lientemente, a meu lado, nas piores conjunturas. Moisés, mais prudente. Atanagildo, mais impetuoso.

O_ destacamento policial se fortalecia, de meses em meses, com mais soldados que chegavam. As violências contra elementos do povo ocorriam constantemente.

De quando em vez, os atritos se tornavam mais sérios. Certa noite, h~uv~ m_esmo tiroteio de armas longas e curtas, provocado por um incidente que se deu durante o dia. Eu e ~l!oisés fornos su_bmetidos a inquérito e processados, porque uma suposta v íti~a af rmara que eu lhe havia batido com a coronha do meu revólver pr_ovocando-lhe derramamento de sangue. O que dizia não expri: mia a verdade. No desentendimento havido, a minha mão o atingiu

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Pedro Ludovico - 29

no rosto, que apresentava uma cicatriz de um ferimento produzido dias atrás, por uma argola de laço, pois o homem era comprador de gado e açougueiro, sujeito, portanto, a esse acidente.

Arranjou-se uma testemtinha preparada adrede, para dizer que vira quando eu o agredi com a coronha do revólver. Não haven­ do Juiz de Direito em ílio Verde, 0 process« foi para a Comarca vizinha e lá se prescreveu o meu leve "crims". Logo depois desse acontecimento, fui chamado à velha Goiás, por meus correliqioná­ rios políticos, a fim de me encontrar com o Gen~~crates~ então Cornendante da Região ~1ilitar de São Paulo, cargo de con­ fiança do Presidente ~2shingto~ ~iz. O General reuniu os ho­ mens mais importantes da oposição e :10s aconselhou a aderir ao Governo Federal, porque, caso contrário, estaríamos malhando em ferro frio, perdendo o nosso tempo em face da fortaleza da situa­ cão dominante, prestigiada pelo Presidente da República. Fui o primeiro a não concordar. Os outros ficaram reticentes, mesmo porque não queriam desaqradar ao General Sócrates, que mostrava simpatia pela nossa causa. Finda a reunião, ausente o General, disse aos meus companheiros que em nenhuma hipótese aceitaria aquela proposta, maximé porque estava conspirando com ·o Presi- dente de r11~inas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e o \ \ Tenente Siqueira Campos, com este por intermédio de Atanagildo França, pessoa de confiança do .qrande revolucionário.

Falando nesse assunto, devo recordar que a Coluna Prestes, depois de percorrer, com bravura, grande parte do território brasi­ leiro, já se tinha internado na Boi ívia.

Durante a sua atuação, Atanagildo França, que nela tomou parte, desde a sua penetração em Goiás, tornou-se, depois de al­ guns meses de luta, Ajudante de Ordem do Tenente Siqueira Cam­ pos, sendo gravemente ferido na Bahia, em combate com tropas baianas, no qual foi também ferido o General Miguel Costa. Após internamento na Boi ívia, Siqueira Campos, João Alberto, Cordeiro de Faria e outros voltaram ao Brasil.

Jucrez Távora não. esteve na Boi ívia, p0rqt1e foi preso pelas forças_ legalistas, nas prnximidades de Terezina. Atanagildo sempre 0 elogiou como um homem de bom caráter e destemid0. Tor·,ou­

-se fan de João Alberto e de Cordeiro de Faria. Sempre fez as melh0res referências sobre os mesmos.

Ouendo a Coluna Prestes se aproximava de Rio Verde, quase

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todos os contrários aos Governos Federal e Estadual desejavam que ela ali entrasse. Í\i~enos eu, que, conquanto a admirasse, não ignorava que uma tropa, composta principalmente de elementos irregulares, não poderia ser, inteiramente, contida nos seus exces- SOS.

Atanagildo, que estava no meio dela, pensava corno eu, co- mo me falou mais tarde. . .

Felipe Santa Cruz, muito jovem,e meu braço dt~e!!º em uma Farmácia que possuíamos, compartilhava a minha oprruao.

E é preciso que se diga que este em todas as horas nunc_a mostrou esmorecimento, arriscando-se, mesmo, a g_•Jar_dar ou reti­ rar as minhas armas dos lugares em que estavam escond~das.

Registrou-se, até, um fato interessante nesse particular. Apa­ rece na cidade um Sarqento do Exército, com algumas praças. Pr.ocurou-me e me avisou que tinha ordens de dar busca em minha residência, no dia seguinte, pela manhã. Não conhecia o ~argento, nem de nome.

Na hora marcada, apresentou-se o mesmo. Antes, porém, havia eu determinado ao meu amigo Felipe que revistasse toda a nossa casa e que nela não deixasse ficar qualquer espécie de arma. O Sargento percorreu todos os quartos, revirando colchões, os guarda-roupas etc.

Na última cama, suspendendo o colchão, encontrou um fu­ zil mauser, arma privativa das Forças Armadas, que estava entregue ão Felipe· para estudar o seu mecanismo, pois pertencia ao Tiro de Guerra, de que fazia parte a fim de tirar a sua caderneta de reser­ vista.

Foi o maior desapontamento que tive em minha vida. O Sargento, tão chocado quanto eu, disse-me: "Doutor Pedro, sou obrigado a fazer inquérito e o senhor será processado". Respondi­ -lhe: cumpra o seu dever, Sargento, o senhor tem toda razão. Espe­ rei qúe fosse chamado para depor, mas o Sargento foi-seeinbora e nunca mais o vi. Sob a minha palavra ·de honra, esse militar, que não me conhecia, nunca me tinha visto, teve esse procedimento por livre e e~pontânea vontade.

, Logo em sequida a esse acontecimento, dirigia-me, de auto- movei, eu mesmo gu iando, para um Hotel da urbe no intuito de prestar serviço médico a uma Senhora, quando observei quê, na porta de entrada, se achava um Oficial da Polícia de Goiás encos-

'

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tado à parede, conversando com um homem desconhecido. Estava de revólver à vista. Ao entrar no Hotel, o mesmo perguntou a duas pessoas, que ali conve~s.avam, se e~ era o Dr. Pedro. Responde~am afirmativamente. Inquiriu. outrossim, se eu andava armado. Disse- ram-lhe que não.

Atendida a paciente, voltei ao meu carro e nele entrei. Apro- ximou-se de mim o Tenente e me perguntou se estava armado. Disse-lhe que não. Mas, um tanto irritado, retruquei-lhe que estra­ nhava aquela pergunta, porque sabia que ele não era Delegado de Rio Verde. Respondeu-me que não tinha que me dar satisfação. Saí, então, do carro e lhe indaguei o que faria, se eu portasse arma. Desarmá-lo-ia agora mesmo, disse-me.

Já exaltado, retruquei-lhe com os maiores impropérios, mos­ trando-lhe o meu revólver e que viesse tomá-lo.

Acalmado o Oficial, eu me afastei do local. Mas, estando já em minha casa, uma cunhada minha me alertou que um grupo de_ soldados, armado.s_de._tuzJLpara lá se dirigiam. Estava só. Minha

~ mulher foi encontrá-los, já à porta da rua. O mesmo Tenente foi logo lhe dizendo que ela se conside­

rasse viúva, pois ia matar-me e que me buscaria dentro da minha residência.

Respondeu ela que não lhe permitiria tal atitude, a não ser que ele passasse por cima do seu cadáver. Depois de muita bravata, chamando-me de todos os nomes, retirou-se, continuando a dizer que, se eu saísse à rua, me mataria. Para que o incidente não se tornasse mais grave, fui passar alguns dias em Uberlândia, a pedido do meu sogro.

Esse militar, conforme fui informado, meses depois foi fazer uma Prisão, em Catalão, matando um homem, deixando na orfandade dez filhos. Não guardei, nem guardo, nenhuma mágoa dele, mesmo porque estava cumprindo ordem superior, ficando certo disto depois que recebi uma carta de um alto representante do Judiciária Goiano, informando-me de que o Oticial tinha sido recomendado para assim proceder, a fim de me desmoralizar ou matar.

Eventos que tais foram numerosos comigo, não valendo a Pena recordar, a não ser os· principais.

O mandonismo caiadista convenceu-se de que era preciso uma atuação mais violenta contra os inadaptáveis do sudoeste, e,

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então, enviou para Rio Verde o Delegado Especial Erkonvaldo de Barros acompanhado de 50 soldados.

Afirmava-se que este homem fora indicado pelo Governador do Rio Grande do Norte, Dr. Juvenal Larnartine, ao Senador Antonio Ramos Caiado. . .

Tramava-se e se executava uma expedição punit,.va contra os rebeldes que não queriam se submeter à política caiad1st~.

Nos idos de 1929, tão logo chegado a Rio Verde, Erkonvaldo de Barros pediu a mim e ao meu sogro que comparecessemos à sua presença, porque ti~ha necessidade de conversar conosco. Não previmos que estivesse usando uma artimanha, para nos prender. Lá chegados, convidou-nos pa.ra acompanhá-lo à Cadeia Pública, onde instala~a a sua Delega~1a. Retirou-se, dizendo que voltaria logo. Depois de quatro dias, aoareceu bêbado.

Antes de entrar na sala em que nos encontrávamos detidos, ouvimos que ele espancava uma pessoa, que estava também cresa, 1 mediatamente, soubemos que se tratava do advogado que havia requerido hábeas corpus para nós e cuja concessão, horas antes, tinha sido deferida pelo Juiz José Ferreira de Azevedo, magistrado íntegro, com muito bom nome na Comarca. O advogado era meu velho amigo, muito corajoso, porque se não o fosse não teria ânimo para defender a nossa causa.

Em seguida ao espancamento, surgiu Erkonvaldo diante de nós. Foi logo dizendo que tinha ordens negras contra mim. Não deixei que continuasse. Respondi-lhe que, se ele me tocasse com a mão, como acabara de fazer com o advogado, o mataria, não na prisão, porque não. havia possibilidade, mas depois, em qualquer lugar onds o encontrasse. Esbravejou, repetindo que eu era um insolente. um atrevido, e que tinha ordens especiais contra mim, e se afastou, deixando-nos incólumes. Prendeu mais de vinte pessoas na cidade e, em seguida, partiu, na sua missão punitiva, para Jataí. . N a q u e f a c i d a d e, p ró x i ma a R i o V e r d e , agiu mais

violentamente. Encarcerou muitos membros da familia Carvalho. C_ol0cou-os e outros em uma única prisão, onde ficaram vários dias, fazendo as necessidades fisiológicas, uns na vista dos outros: Ouando recebeu ordem do Presidente do Estado Dr Brasil

cfaiad9, para libertá-los, tomou de uma chibata e d~G e0m cadâ um uma chibatada.

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Pedro Ludovico - 33

Retirou dois indivíduos humildes, presos por motivos fúteis, e os assassinou nas margens do Rio Claro, que corre perto de Jataf, Fez isto apenas para apavorar o povo.

Mandou surrar muitas pessoas que estavam presas e repetiu as mesmas violências na cidade de Mineiros. Mandou ou consentiu que três soldados espancassem, com o intuito de roubar-lhe uns diamantes, o sírio Elias. Mandou doze soldados à Serra do Cafezal, onde cometeu, pessoalmente, os maiores desatinos, maltratando e roubando muitos fazendeiros, entre os quais o Sr. Cândido da Costa Lima, conhecido por Candinho, do qual arrancou, um por um, numerosos fios de sua barba.

Ordenou a prisão do Sr. Salomão de Faria, comerciante da­ quela localidade. Este, quando viu sua casa cercada pela Polícia, corajosamente, deu alguns tiros na porta da frente e saiu por uma dos fundos, seguido de dois companheiros.

Foi um dos que tomaram parte na Revolução de 1.930, sobre cujo assunto discorrerei em outro capítulo. Salomão esteve exilado algum tempo em Barretos, no Estado de São Paulo. Tudo isto que estou relatando foi apurado em inquérito, após a vitória da Revolução de 1. 930.

Meses depois fui à velha Goiás com os meus amigos Ricardo Campos e Belarmino Cruvinel. Ao passarmos por Campinas, hoje parte integrante de Goiânia, vimos um homem bem vestido, com dois soldados ao lado, arrancando pragas de uma das ruas da pe­ quena cidade. Antes tomou uma dúzia de bolos de palmatória e, em seguida, fora obrigado a fazer aquele serviço. Tratava-se de um comerciante local que teve a petulância de não rezar pela cartilha do Caiadismo. --- E chegando a Goiás, no mesmo dia fui chamado pelo Dr. Artur Jucá, Chefe de Polícia, para comparecer à sua presença. Este me fez esperar quatro horas, propositalmente.

Perguntou-me s·e estava conspirando para derrubar o Governo Federal. Respondi-lhe que não, mas que desejava a sua queda.

Aconselhou-me que não me metesse em Revolução, uma vez que nenhumahaviavencido no Brasil, dando.corno exemplo, as

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tentativas de 1922 e 1924. Que era jovem e que fosse tratar da minha clínica.

Agradeci-lhe e mandou-me ele embora. O Dr. Artur da Silva ·Jucá, vitoriosa a Revolução de 1930,

voltou a Alagoas, donde era filho, sendo nomeado Desembargador. Como se vê, os meus inimigos não me davam trégua.

Revolução de 1930

A Revolução estava em marcha. Os Presidentes paraibano, mineiro e gaúcho eram os seus principais chefe!.

Duas vezes foi marcada a data da explosao. Duas vezes fui convocado a Minas Gerais, para ser orientado.

Duas vezes foi adiada. Combinei então um c,Sdigo, uma cifra,com o Dr. Diógenes

Magalhães, para que me avisasse em Rio Verde, caso tivesse uma informação positiva. Fiz a mesma combinação com o meu grande amigo Adelino Lopes de· Moura, morador em ltumbiara, cidade limítrofe com o Estado de Minas Gerais.

No dia 4 de outubro de 1930, recebi, pela manhã, um telegrama ão Dr. Diógenes Magalhães, .. de Belo Horizonte, nos seguintes termos: "Procuração segue urgente" e do Adelino, à tarde: "seguiu gasolina", que significavam Revolução começou. De fato, Minas, Paraíba, Rio Grande do Sul se tinham revoltado. Luta já franca nos· três Estados e em Pernambuco, onde o povo se mostrou digno de suas tradições, porquanto o Governo Estadual era contrário.

Recebi também uma comunicação telegráfica meio truncada, de Recife, de Danton Raul Abrantes, dizendo-me que ficasse de sobre aviso em assunto político, pois o ambiente estava carregado. Após o término do movimento armado foi que soube que Danton tomara parte nele, tendo sido .até ferido.

Vindo para Goiás, foi meu auxiliar na administração pública, tendo sido Prefeito e um amigo leal sempre firme nas boas e más horas.

No dia 4 mesmo, tomei o meu carro, acompanhado de um motor!sta, . e segui para Minas. Não podia, porém, passar por Itumbíara, Já guardada por força policial.

Algumas léguas aquém, parei na fazenda do meu ótimo

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amigo Tancredo Rodrigues da Cunha _e este me arranjou um guia e cavalos, par~ que pudes~e alcanç~r .. o no ~rana íba, em ponto abai­ xo <;iaquela cidade. Andei 50 . qu ilôrnetros no mesmo dia e, ai i chegando, ao escurecer, havia uma única canoa, cujo dono se recusou a nos transportar para o outro lado. Disse-me que, se 0 fizesse, seria castigado. 1 nsisti, mostrando-lhe a minha situação. Tinha que atravessar o rio de qualquer forma. Dei-lhe cem mil réis e ele concordou. Quando chegamos do lado mineiro, já anoitecera.

Seguimos em direção de ltuiutaba, desconhecendo completamente o caminho. Encontramos, percorridos 8 quil~metros, um cavalo pequeno e gordo, que estava num curral de uma casa de gente pobre.

Ninguém nà casa. Pegamos o animal com o arreio e marchamos, ora eu montado, ora o meu companheiro, até que chegamos à fazenda de um homem que, percebi logo, era leproso. Foi muito fidalgo no tratamento a nós rlisr.n· •sdd.-;, 1 nforrnou-nos que, bem perto, havia uma estrada de rodagem, em que. duas horas antes, tinha passado um automóvel. Lignva ltuiutaba a Cachoeira Dourada.

Pus o meu amigo na rodovia, a fim de conseguir duas passagens para aquela cidade mineira.

twisou-fne, dentro de pouco tempo, que tinha conseguido um carro que nos levaria.

Com efeito, chegamos ao ponto almejado às onze horas da noite. Pernoitamos ali e, ao amanhecer, nos dirigimos para Uber­ lândia.

Lá procurei a residência do Dr. Diógenes Magalhães, revolu- cionário e coerente com a causa do movimento. De há muito mantinha contacto com sargentos do 60. BC, unidade do Exército, sediada em lpameri. Quase foi preso pelo Cel. Pireneus, convidado por ele a aderir à Revolução. O Coronel se opôs e o ameaçou de prisão, em data em que Recife, parte do Rio Grande do Sul e Santa Catarina já tinham caído em poder dos revolucionários.

No dia imediato à minha chegada ;-~ 1. Ibarlândia, parti para a mesma região de onde tinha vindo, chegando a Santa Vitória à margem do Paranaíba. Nesta pequena e velha cidade, encontrei-me com Oscar Bernardes fazendeiro abastado, descendente de uma velha família mineira. Trazia comigo, além de alguns companhei­ ros, que me esperavam em Uberlândia (habituados à luta armada,

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nos combates travados em Mato Grosso, dura~te um ano, pelas f d e Ih . h Morbeck entre os quais se sobressaíram orças e arva m o e , . . Joviano de Souza e Joaquim Leonel), mais vinte rapazes, que, e~-

. f para lutar entre os quais pontaneamente a m irn se o ereceram , ' J · Roberto de Souza. Oscar se destacaram Jedeon de Barros e oaqu rrn .

me foi utilíssimo, tendo me arranjado cerca de oitenta .. ho~ens. A h me entre Os vinte de ubartândla, Jonas compan avam- , . · ---

Mu n e O enfermeiro Otto, ambos europeus, e que haviam lutado na guerra mundial de 1.914. . _

Jonas se tornou O meu chofer e foi de uma dedicação sem limites para comigo. .

Parti adoentado de Uberlândia. O enfermeiro Otto encarr:­ gou-se de .dar instrução militar aos meus homens, durante dois dias.

5_ J ..

Atravessamos o Paranaíha em um barco, no Porto ao ero- nimo, e depois de uma hora de marcha em território goiano tivemos o primeiro choque. A minha vanguarda encontrou-se em uma curva da estrada com um automóvel que conduzia seis solda­ dos e um motorista. Não houve tempo para entendimentos e o tiroteio se estabeleceu entre os dois grupos.

Logo depois os alcancei, verificando que um dos soldados tinha sido ferido e se embrenhara em um cerrado próximo. O motorista apresentava um ferimento de bala de fuzil, no joel_ho. Coloquei todos os elementos inimigos em meu carro, com receio de que sofressem alguma violência da minha tropa.

Seguimos para uma cidade próxima, antiga Capei inha, hoje Ouirinópolis. Nas vizinhanças, havia um riacho e uma ponte, que deveríamos atravessar. Quando o faz íamos, tivemos que recuar, pois recebemos uma fuzilaria de quinze soldados, comandados por um sargento. Houve a luta,que durou meia hora, mais ou menos. A força policial bateu em retirada e nós entramos na cidade condu­ zindo três feridos, um dos quais não suportou os ferimen~os fale­ cendo pela madrugada. Fiz o que pude para salvar a vida de todos Mas como não podia parar, continuei em direção de Rio Verde. ·

Ao acamparmos perto de quatro quilômetros desta, verifiquei que dos ~ 1 O ~omens da nossa força 40 haviam desertado após o segundo t1rote10. ' · •.. b ~

estavam-me setenta. As cinco da madrugada estávamos às portas da cidade. Era

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a intenção atacar o destacamento policial e tomar as suas ar­ noss rnas. Entretanto, ignorávamos que as forças governistas ali tinham ·do muito aumentadas, com soldados e paisanos.

si Continuando a marcha, fomos logo interceptados por uma ·ntensa fuzilaria, a que resistimos duas horas. Terminada a nossa ~unição, o meu pessoal recuou, menos eu e dois companheiros, que se separaram de mim, cada qual procurando se salvar. Nós três não tínhamos possibilidade de alcançar os caminhões que nos con- duziam.

Ficando só, tentei abrigar-me, depois de arrastar-me pelo solo cerca de 500 rnetros, che ando a um é ueno bosque. Era tal

· a minha fa 1ga,gue dormi imediatamente seis horas seguidas. En­ ~ menino, que estava à procura de um animal, me vi~J e foi avisar, na cidade, que havia um homem morto, onde se dera o ,_ combate. ,---- Poucos minutos depois, um grupo de 20 homens se acercou do lugar em que me encontrava, vindo atirando em todas as moi­ tas. Despertei com os tiros e avistei o grupo. Levantei-me e um dos componentes, surpreso, me deu ordem de prisão.

Havia vários amigos no grupo, forçados pela situação, a ficar a favor do Governo.

Seguimos e, 15 minutos depois, atingimos a primeira rua de Rio Verde, onde o Tenente Catulino Viegas nos esperava. Foi muito dei icado comigo, perguntando-me se queria ir a pé ou de automóvel. Com as vestes sujas como estava, preferi o automóvel.

Trancafiaram-me no pior xadrez. Entre os que me guardavam, estavam muitos que me deviam

favores. !vias, para não faltar à verdade, é forçoso dizer que fui tratado com dei icadeza por todos. Por ordem superior, não me deixaram sair, nem para tomar banho, pois não existia banheiro na cadeia em que era prisioneiro.

Fiquei sabendo, no terceiro dia do encarceramento, que as forças revolucionárias estavam vitoriosas no Sul, no Nordeste e em Minas Gerais.

!'Jão me era permitido ler nenhum jornal. Ninguém podia me visitar. Incomunicabilidade absoluta. No dia 24 de outubro pela madrugada, entra no meu cárce-

re T ' 0 enente Catulino e me declara que recebera ordem do Sena-

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dor Ramos Caiado de me remeter para a velha Goiás. Vesti-me com a única roupa velha e rasgada.que estava com_ig~. Ao d~ixar a porta da prisão, apareceram-me os Drs. Zaqueu Crispirn e Cesar_ da Cunha Bastos, dizendo aquele que tinha ordens de me condu~1r a Goiás e que sentia muito prazer em abraçar um h?mem diqno como eu. Foi um conforto para mim, encarcerado, havia 14 dias, e não sabendo do meu destino.

Deu-se antes um fato curioso. No segundo dia da minha prisão, surgi~-me n~s grades da janela do xadrez um homem, J?~º Violão, assassino reincidente, que tinha sido Delegado de Pol reta de Capelinha e que escapara do primeiro tiroteio que mantivemos. Perguntou-me como ia passando e disse que devíamos estar con­ tentes, porque ambos havíamos escapado daquelas balas.

Tratou-me de modo delicado e até benevolente. Estranhei e fiquei impressionado, visto como era um dos homens mais odia­ dos dos meus companheiros de luta.

O Dr. Zaqueu pediu-me que entrasse no carro, onde estavam 2 homens armados de fuzil e revólver. No do Dr. César Bastos ia o meu amigo Ricardo Campos, cuja prisão desconhecia até aquele instante.

Ao nos aproximarmos da casa comercial do Sr. Gumercin­ do Ferreira.,com quem mantinha relações muito amigas e que era o maior comerciante do Sudoeste, acercou-se João Violão do au­ tomóvel em que me achava e disse-me: "Dr. Pedro, boa viagem, que Deus o acompanhe". Tornei a ficar surpreso.

Contlnuarnos com destino à velha Capital. ,., lamo~deva~ar, tomando os meus condutores todas as pre­

cauçoes, com receio de um ataque no caminho, coisa pouco prová­ vel.

Além da C?choeira da Fumaça, em plena mata, defrontamo­ -n~s com um Wh1ppet, trazendo quatro soldados da Pai ícia Militar goiana. Zaqueu e Clsar conversaram com eles meia hora mais ou meno~ '

Finda a ... conversa, ~ésar veio falar comigo, informando de que ª Rev~luç.~o esta~a vitoriosa. Se eu e o Ricardo Campos qui­ séssemos, f1cari_amos livres e poderíamos regressar a Rio Verde. , Respondi que nos fornecesse dois fuzis e munição e aceita-

riamos a sua proposta N . · a mata a que me referi havia muitas onças naquele tempo · d · e arn a se encontram algumas, na atualidade .

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. zaqueu não concordou com a idéia de César, opondo-se radicalmente a ela ..

Soube, posteriormente, que os soldados, portadores do reca- do do Dr. Jucá, tinham a missão de me assassinar e ao Ricardo. E tanto era verdade que, ao continuarmos a viagem, o Zaqueu man- dou desarmá-los.

Em seguida, formulei uma opinião ao César: seria melhor que pousássemos na fazenda do seu tio Artur da Cunha Bastos, meu conhecido e amigo, que estava próxima, a fim de que nós descansássemos. Aceitou o meu alvitre. Ali chegando, colocou-me e 0 Ricardo em urn quarto, com uma pessoa de sua confiança, bem armada, recomendando-nos que não abríssemos as janelas. Lem­ brei-lhe, então, que achava difícil alguém nos assassinar, com a Revolução vitoriosa. Disse que tudo era possível e muito possível. Notei que alguma coisa séria o incomodava.

A dezoito quilômetros de Goiás, antiga Capital, surgiu um automóvel com três pessoas.

Foi intimado a parar. Desceu o Sr. Cistóvam Campos, cunhado do Zaqueu, que vinha trazer a notícia de que a Revolução estava triunfante. César Bastos e os seus comandados não quiseram chegar à cidade, por mais que lhes dissesse que nada lhes acontece- . na.

Só Zaqueu continuou,conduzindo-me e ao Ricardo. Depois de andarmos uns três quilômetros, consultou-me·se não me aborre­ ceria se ele me levasse à presença do Vice-Presidente do Estado, já que o Presidente, Dr. Alfredo Lopes de Morais, achava-se I icencia­ do e os então Senadores Brasil Ramos Caiado e Antônio Ramos Caiado, e mais parentes, tinham abandonado a Capital, tão logo souberam do êxito da Revolução. Acedi. Rumamos para a casa do Dr. Humberto ív1artins Ribeiro, que veio me cumprimentar ho au- tomóvel, pois dele não saí.

Zaqueu perguntou-lhe para onde levava o prisioneiro, tendo respondido para a casa de sua mãe.

Despedi-me e o Zaqueu me deixou em casa de minha mãe. Esta se encheu de amigos, que narravam os últimos acontecimen­ t?s do país. Descansei duas horas, por ter chegado fatigado com a viagem.

. . Armei-me e, com o Dr. João Peclat e o meu sobrinho João Teixeira Alvares Netto.que. naquela época cursava o último ano do

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Liceu de Goiás, dirigi-me para o Telégrafo, cujas salas estavam cheias de elementos do Governo, que ainda davam ordens. Fiz ver ao Dr. Eufrasino de Morais, Diretor Regional dos Correios e Telé­ qrafos.que quem ordenava, daquela hora em diante, era eu. Todos se retiraram e pus-me em comunicação com o Dr. Camilo Chaves, Chefe Revolucionário do Triângulo Mineiro, nesse dia em ltumbia­ ra, que me perguntou de quantos homens precisava, informando­ -me de que podia enviar até 800. Respondi-lhe que 200 bastavam. Aconteceu, porém, ficar sabendo, uma hora depois, que uma colu­ na de revolucionários, comandada pelo Dr. Carlos Pinheiro Chagas e Ouintino Vargas, vinda de Paracatu, cidade mineira, se aproxima­ va da velha Goiás. Em conseqüencia, impedi a remessa de forças de ltumbiara.

Consultei alguns amigos se queriam comigo ocupar o Palácio do Governo. Dez concordaram e assim o fizemos. Lembrome de que entre estes se destscou o meu velho amigo Ernesto Baioccht. No dia seguinte chegou a Coluna" Arthur Bernardes", sob o comando de Carlos Pinheiro Chagas e Ouintino Vargas. Desta coluna toma­ va~ parte Joaquim ~âmara Filho, Dr. Ciro Reveroel de Araújo Góis, ArmandoStomi e outros, cujos nomes não menciono por deles não me recordar.

Na mesma noite, o ilustre médico mineiro, Dr. Carlos Pi- ....._.. ~gas, bom orador, opinou, para desagrado do povo vita­ boense, cuja tradição de cultura e hospitalidade ressaltou, que a cidade de Goiás não deveria continuar como Capital.

Interessante foi que a opinião do orador coincidia com a minha,al imantada desde menino.

Pôs-se logo em comunicação com o Estado Maior da Revolu­ ção I que, parece-me, estava em São Paulo. O Governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Vargas, ainda não se tinha empossado no cargo de Presidente da República.

Decidiu o alto escalão revolucionário que deveria ser nomea­ da uma Junta Governativa, composta de três membros, para cada unidade federativa. Eu, o Desembargador Emílio Póvoa e o Juiz de Direito da Capital, Dr. Mário de Alencastro Caiado, fomos os esco­ lhidos. Na hora da posse, quis ceder a cadeira do centro ao Desem­ bargador Póvoa, não só porque era o mais velho, senão também um Juiz muito íntegro, que gozava de ótimo conceito. Por insis­ tência de Carlos Pinheiro Chagas, tomei esse lugar.

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O ilustre mineiro tinha muito prestígio com a Revolução, não só devido à situação política de Minas, um dos maiores fatores da vitória, como por ter pegado em armas a seu favor.

A junta durou poucos dias, tendo sido eu nomeado Inter- ventor Federal do Estado.

Organizei logo o meu Secretariado, tendo sido nomeado Chefe de Polícia o Dr. Domingos Neto de Velasco, que chegara . recentemente a Vila Boa.

Cumpre ressaltar, aqui, que este ilustre goiano muito nos ajudou no combate ao Caiadismo. Atuava com muita freqüência e ardor na imprensa carioca e goiana. Bom [ornal ista, conhecedor , destarte, de tudo que se passava no nosso Estado, não dava descan­ so à oligarquia, que imperava em Goiás.

Bateu-se muito pela minha nomeação a Interventor. Poste­ riormente, foi eleito Deputado Federal e Senador. Agiu com bas­ tante eficiência no Parlamento Brasileiro.

Uma plêiade de jovens. foi escolhida para auxiliares da minha administração. Benedicto Silva, Estelita Campos, Paulo Fleuri, Co­ lemar Natal, Claro Godói, Albatênio Godói, José Honorato da Silva e Souza, Capitão Benedito da Silva Albuquerque e Jorge Jardim tinham pouco mais de vinte anos. Todos inteligentes e idealistas. A maioria tinha idéias socializantes. Quase todos liam livros de fundo socialista e comunista, de Marx, Engels, Lenine, Kamenev, Trotsky, Zinoviev, que se tornaram atuauzados, mor­ mente, porque o socialismo extremista se instalara de pouco na Rússia. O regime russo era uma experiência observada pela intelec­ tual idade de todo o mundo. De sorte que havia uma curiosidade geral pelo que ai i acontecia.

Acompanhava-se, com interesse, a evolução do sistema pol í- tico lá estabelecido.

Aliás os pais do regime comunista nunca preconizaram o ~xcesso de violências que os seus discípulos praticaram e praticam

._na Rússia .. e em outras nações dirigidas por esse sistema de gover­ no ..

A Esquerda Hegeliana se compunha de filósofos,:de homens de mentalidade superior, que não podiam aconselhar tais absurdos.

Feuerbach, discípulo de Hegel, foi quem mais influenciou no espírito dos doutrinadores do- Comunismo e não pregava que se 2,evia impor o ideal socialista, embora extremista. a ferro e fogo.

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t'chava que a educação das massas proletá_!Jas poderia levar o so­ cial ismo sonhãdo atê a um sistema político sem governo, o que fÕt defendido pelo anarquista Kropotkine.

- Houve muita desilusão por parte da juventude mundial, de­ vido à crueldade com que Õs chefes comun~tas tratavam os que nao se entusiasmavam ou repeliam o novo regime.

os Jovens goianos a que aludi, parece-me, nenhum, com 0 correr do tempo, abraçou o credo imposto pelo arbítrio soviético.

Tolstoi, Gorki, Dostoievs~_i já defendiam, muito tempo an- tes, os direitos do povo russo, a emancipação d_os camponese~, ~ respeito à consciência de todos, ricos e pob~es, ignorantes ,~u J!!.~­ tru idos. A RUssTa-Toi sempre um país dominado por familias ou por hômêns que se eternizavam no po~~- ,o.omina~am ".~n~u militari", fuzilando e mandando para a Sibéria os indeseiáveis. Ivan, o Terrível Pedro, o Grande, Catarina, todos cometeram ex- cessos contra o povo. / ~

Ninguém, porém, eliminou mais russos do que~) pelo degredo na Sibéria ou pela execução sumária ou processos em que os réus eram obrigados a confessar estarem errados e que o Carna- rada número 1 é que tinha razão. V

Em um dos célebres expurgos, pereceram, foram executados, Kamenev, Zinoviev e, também, Kirov, Trotsky, de maneira diferen­ te, todos companheiros de Stalin e cérebros da Revolução russa.

Todos esses, vítimas da crueldade do "camarada número 1 ", foram esteios do social ismo soviético. Lutaram pela implantação do regime. Q próprio Lenine disse, dias antes de sua morte, não podia a Russia ser entregue a Stalin, que era muito duro, muito frio e cruel.

Tanto assim que, depois de morto, os seus próprios companheiros fizeram a desistalinização, sentindo que o herói, embora tivesse feito muito para o fortalecimento do comunismo, não devia ser tão endeusado, devido às qualidades negativas que havia manifestado no seu governo.

Era um herói para os ortodoxos; para os radicais branco . ' como a neve que no inverno cobre o solo russo mas negro pelas violênci?s, pelos massacres que ordenou. Para ele, 0 homem era ~~a _unidade, um z.ero, e a coletividade subserviente:-escrava, era o. infinito,

Antes de galgar o poder, condenava a tirania dos Czares e '-

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Camarilhas. Dominante, foi pior, foi cruel: Aut Coesar, aut suas nihil. . d b · · 1- · 1· Marx, depois que esco nu a mais-va ra e o matena ismo histórico e dialéti~o, crJou uma verdadeir~ filosofia por que se deveriam guiar os sírnpatrzantes de sua doutrina.

Há muita verdade nos pensamentos desse sociólogo alemão, que passou grande parte de sua existência na Inglaterra.

Ele e seu amigo Engel, também germânico, lançaram uma base tão atraente para sua doutrina, que os políticos e intelectuais se entregaram à leitura dos seus livros, por curiosidade. e pelo desejo de raciocinar sobre o seu idealismo e materialismo em torno das massas manejadas pelos capitalistas de todas as nações.

Houve, então, o aparecimento do socialismo de direita, de esquerda e de extrema esquerda. 1 nteressante: .,na afirmacão do~

· que combatiªm r111arx, os argumentos deste eram contraditórios,, oorgue nascidos do idealismo de Hegel ~ do materialismo de 'Êeuerbach, que se chocavam na interpretação ao ideal de IVfarx, o .. lutador pela I ibertação do operariado submisso a excessivo trabalho para enriquecer os seus patrões.

Os filósofos da Igreja Católica sempre combateram o que eles consideravam os exageros de Marx, achando,mesmo assim,que seria possível uma conciliação entre o comunismo e a doutrina social da Igreja.

Infelizmente, o mundo está sendo levado para pólos opostos, provocando essa situação graves distúrbios para a humanidade.

\ ADMINISTRAÇÃO

No início do meu governo interventorial, muito me ajuda­ ram osJuízes de Direito da Comarca da Capital, Drs. Mário Caiado e Jarbas Caiado de Castro, Desembargadores Vicente Miguel da Silva Abreu, Maurílio Fleuri, João Francisco de Godói, Antônio Perilo e o Procurador Regional da República, Dr. Augusto Jung­ mann e, mais ainda, o Dr. 1 nácio Bento de Loiola.

Devo consignar a grande ajuda que igualmente me presta­ ~m, política e administrativamente, os Senadores Mário Caiado, C e.ro Mac~do e Deputado José Honorato. O Desembargador Jarbas aiaao foi meu Chefe de Polícia. Impetuoso, extremado nas suas

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44 _ Memórias

. . tolerância, o que muita . t com critério e opiniões, agiu, no entan o, . o ao seu temperamento. gente dele não esperava, devíd , . evento aue se passou na . , ona um • . A propósito, ve10-~e a _mem ado para tratar de assuntos

velha Goiás, quando. ali fui ch~:ença, na cidade, do General políticos na oportunidade da P

Sócrates. asseata de protesto aos atos Resolveu-se fazer uma p violentos do governo do Estado. ar em frente ao Palácio Decidiu-se que deverlamos pass

Conde dos Arcos. e do velho casarão em que residia Quando chegamos defrontd dos seus numerosos amigos,

o Governador, este, acompanha <> mento em que o Dr. Jarbas ficou irritado, principalm_en~e n~ mo ,

Caiado gritou: Morra~ o Ca iad is:ºPo I í eia !\,Jil ita r, que guardava o Ordenou, então, que d asseata - Jarbas Palácio, atirasse em nós. Estávamos na frente a p '

Euclides Nascimento e eu. ·1 c · d Tã-J logo foi dada a ordem de atirar,pelo Dr. Bras1 a,1a _ o, o

Major Os~ar Alvelos, que estava a seu la~o, gr~ou ~ao atirem, e procurou convencer o seu Chefe de que nao _d~v1a a~s1m proceder, pois morreria'muita gente e que isto repercut1r1a muito mal no seu Governo.

Parece que esse acontecimento apressou o regresso -~º General Sócrates a São Paulo, onde era Comandante da Reg1_ao 'Militar de 1.e2 que naquele tempo não havia Comandante de Exército e, sim, de Região.

Muitos ficaram aborrecidos com a falta de ação do General. Acho, porém, que nada podia fazer, em face do sistema político da época de se dar todo prestígio aos Governadores, oue, por isso, usavam e abusavam do seu poderio, tornando-se quase todos os Estados um feudo dos seus governantes, ficando os oprimidos sob o jugo da rr0potência, já que a justiça ficava temerosa de enfrentar a indisposição e mesmo a ira dos déspotas.

Também exerceu as funções de Chefe de Polícia o Dr. Estelita Campos, recém-formado e ainda muito' jovem. Desempenhou bem a sua missão.

O Dr. Inácio Bento de Loiola foi um dos meus melhores au~ifiare~, quer como Secretário Geral, quer em outras funções. Alias, fol um dos esforçados combatentes para a queda do governo

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Pedro Ludovico - 45

deposto pela Revolução, sempre intransigente nos seus pontos de vista.

O Procurador da República, Augusto Jungmann, esteve na linha de frente, em qualquer situação no combate ao Caiadismo. Nunca esmoreceu. Honrou as tradições de bom pernambucano.

Na parte intelectual e material do meu Governo, colaboraram demasiadamente, infatigavelmente, os jovens Celso Hermínio Teixeira, José Ludovico de Almeida Venerando de ' .:-ao~

Freita!,_Borges, Vasco dos Reis Gonçalves, Inácio Bento de Loiola, José - Honorato da Silva e Sousa, Colemar Natal e Silva, João Monteiro,., Nero Macedo, Claro de Godói, Heitor Fleury, João Teixeira Alvares Júnior. lrnani Alves Ferreira, José Ferreira dos Santos Azevedo, Oscar Campos Júnior, S.olon de Almeida, Elísio Taveira, João Licínio de Miranda, Abel Soares de Castro, Benjamim Vieira, João de Abreu, Inácio Xavier da Silva, Frederico Medeiros, Dorninqos Juliano, Antônio Queiroz Barreto, .~11anoel Gomes Pereira, Valério Xavier Brandão, Getúlio de Sá, Paulo Augusto de Figueredo, Gerson de Castro Costa, Hildebrando Veloso do Carmo, Humberto Ludovico de Almeida, Diógenes Sampaio, João Augusto de Melo Rosa, Galena Paranhos, Dário Cardoso, Côneqo José Trindade da Fonseca e Silva, Misach Ferreira Júnior, I\Jicanor Brasil Gordo, Jarbas Jaime, Aldemar Andrade Câmara, AI ípio Gonçalves, Antônio Juruena Di Guimarães, _81mir Turisco de Araújo, Segismundo de Araújo Melo e Benedito Silvã: - Mão posso deixar de mencionar os nomes do Dr. Jorge Morais Jardim e do Gel. Benedito da Silva Albuquerque, que colaboraram intensamente com meu governo, proporcionando-me urna ajuda inestimável durante muito anos.

Os Coronéis da Pai ícia Militar, Dermeval de Brito e José Alves Viana conquistaram a minha estima e apreço pela sua atuação leal e correta nos cargos de confiança que exerceram no meu governo, como também é digno da minha admiração e amizade o Sr. Benedito de Britto, que prestou com tanta eficiência e correção a sua colaboração na direção técnica do Serviço Telefônico de Goiânia.

Deixo de citar vários nomes de ótimos auxiliares meus, porque ultrapassaria a data dos acontecimentos de que trato neste volume, não me esquecendo deles no segundo.

Posteriormente muito me auxiliaram :os drs. Everardo de '

111111

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Sousa, Maximlano da Mata Teixeira, Paulo Fleury da Silva e Sousa, Antônio Leão Teixeira e Joaquim Taveira. Este poderia ser cogno­ minado o funcionário número um do· Estado, pela sua capacidade, dedicação e trabalho.

REVOLUÇÃO DE SÃO PAULO Ficamos ao lado do Governo Federal, contra a Revolução de

São Pau lo. Não podia ser de outra forma, porque atrás do desejo de constitucionalização do país, atrás dessa bandelraoue era forte, muito expressiva, estavam os decaídos pela Revolução de 1930.

Esses não tinham força moral para falar em Constituição, porque em regime constitucional nunca a cumpriram, pisando todos os direitos políticos que a Carta Magna conferia aos brasileiros. Não respeitavam "habeas-corpus", as eleições eram uma fars-a, recebendo os eleitores as cédulas fechadas em envelopes, já preenchidas, e na boca da urna, sendo muitos candidatos depurados, quando oposicionistas,e vencedores, quand mêrne.

Foi esta uma das causas da derrota de São Paulo. Tivemos que enviar para a fronteira de Mato Grosso, além

da n~ssa Polícia Militar, mais de dois mil civis, comandados por Dorninqo Velasco, Atanagildo França, Manoel Balbino de Carvalho, Diógenes Sampaio e mais amigos nossos. Felizmente, a luta durou uns três meses. E não houve grandes perdas de vida nela tend~ c~mbatido com muita bravura o Sr. Sebastião Braz: qu.e, depois; 1~gressou na Polícia IV'ilitar, tornando-se oficial e agindo na rrnssao ~ue lhe foi confiada de dispersar os bandoleiros ~u.e at?c~ram a cidade de Porto Nacional com muita decisão e éxito rápldo. '

Fobram óti?1?s companheiros os irmãos Dino e Lolita Prato nos com ates crvrcos de Rº v d ' Grosso. J ro er e e na luta armada em Mato

Essa revolução não deixou d . dl Vargas e as finanças do ~aí · . e preiu tear o Governo Getúlio estava consolidada. s, pois O movimento de 1930 ainda não

. M ª s, d i Q a - se a verdade .... d · . . const1tuci?nalização do Brasil. , nao eixou de influ rr para a

. Assim, saiu o novo Códi o EI . constituinte para o dia 3 d .9 e1toral, marcando a eleição à _ _ e maio de 1933.

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Pedro Ludovico - 4 7

Tornou-se necessária a organização dos partidos. o nosso teve o nome de Par · , cial Republicano. No dia de sua fundação, pronunciei o seguinte 1scurs.o.: . "Cabe-me a honra de, em primeiro lugar, vos diriqir .ª

alavra nesta reunião que se realiza. Apesar da inclemência ~tmosférica, cumpristes o prometido, comparecendo a esta Capital, em atenção ao meu apelo. .

Penso que não perdestes vosso precioso tempo, assim agindo. Esta Assembléia, de que sois os principais representantes, tem uma grande significação na vida política de Goiás. E sendo esta uma arte de dirigir os povos, bem compreendeis o alcance da missão de que estais hoje investidos.

Como sabeis, esta reunião tem por fim a organização de um novo partido político, sobre as bases dos princípios que nos levaram ao movimento vitorioso' de outubro, e de que o atual governo é um corolário. A solução deste tentame avulta de importância na época excepcional que atravessamos. Temos que refletir muito, para não cairmos em erros irreparáveis.

Estamos vivendo dias de confusão, de incertezas, de choques, em matéria de formação política. E isso a ninguém pode surpreender. É uma conseqüência dos abalos econômicos de repercussão social, observados em todo o universo. Por toda a parte é incerto o amanhã.

Em todos os países, estuda-se e analisa-se a situação anormal que a eles se depara, sem se encontrarem as verdadeiras causas desse mal estar e sem poder removê-las. O homem se vê impotente para harmo!1izar as forças materiais que, de um modo imprevisto, lhe vêm proporcionand0 sérias dificu Idades. Esses fenômenos de agitação social, provenientes de fatores econômicos e de amplitude mundial, .aparecem, por uma aberração de lógica, no período áureo da produção.

Não se preveria que o excesso da abundánc!a trouxesse a Penú~ia, em uma fase de sublimação do poder espiritual, que deveria ter encarado as duas faces apresentadas pela pletora. O choma~e, que esta tem provocado, o retraimento, a desconfiança generalizada, nada significariam, se fosse de efeito passageiro.

Mas já vem tendo uma duração prolongada, sem que se lhe Possa dar término. Diz um observador americano que, na

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. . d h r uma fórmula para Alemanha, o povo, dssiludldo e ac a solucionar o seu problema, apela para De~~·. que a miséria

p e r c o r r e n d o e i d a d e s ' v e ri I e d e se n t i me n to de econômico-socia_l despertou um grant extraordinário de rei igiosidade. Registra mesmo um ~u~en ~ue teve a ocasião de freqüência dos fiéis aos templos germanicos,

visitar. Ê impressão geral de todos que_ perscrutar,:i ªte~tu:~~~ aflitiva desse formidável País,que o alema? te~ rece1~he ins~ire a ao extremismo. Não é por aversão ou ~ntipatia que .

0 doutrina de Marx.~Teme entregar-se a um ~ai, ta~vez maior . .--;-_ comu nisroa está no terreno da expe~i~entaça ... o. Sera um mal. sera um bem? A raça teuta é muito pratica e nao se presta a outras experiências. __.\ Por isso a sua capacidade de so,fri~ento tem ... sid~ inesgotá­ vel. Dezessete milhões de alemães, ha tres an?s~ sa_o all_men~ados pelo Estado, apenas com pão e batata. Ouase 1dent1c~ srtuacao se constata na França e na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde o número de desocupados cresce assustadoramente.

Os tesouros francês e americano, embora repletos de ouro, não encontram meios de se I ivrar da reversão em que se debate a economia do seu povo. Essa angústia, em que se aniquila todo o orbe, tem preocupado o espírito dos sábios, dos economistas, dos políticos, sem poder remediá-tos.

Esses últimos apregoam a falência das democracias, do libe­ ralismo, concluindo que só os governos fortes poderão conjurar a onda de pessimismo e perecimento que invade tudo, todas as na­ ções. Ã desilusão os leva a enaltecer a ditadura fascista ou a do proletariado. Endeusam Mussoline ou Stalin. Interpretam a seu modo estes atuais sistemas de governo, achando que podem salvar a civilização, que se expõe a um perigo sério certo, se uma terapêu­ tica heróica não for aplicada. Meus amigos. Assim não penso. Sou de parecer que as democracias devem ser formas de governo nor­ mais de todos os povos. Entretanto, reconheço a necessidade da d!tadura em determinados momentos. Entre nós, o exemplo é pal­ pitante. Impunha-se-nos, e se nos impõe, um governo forte. Esta­ mos em uma fase de transição.

E preferível a ditadura honesta e criteriosa como a que ,

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temos, do que um governo mascarado de liberal, mal intencionado e carcomido pela politicagem.

Está marcado o dia 3 de maio próximo para as eleições à Constituinte. Todas as forças políticas do país estão se congregan­ do em partidos. Chegou a nossa vez. Alguns elementos da adminis­ tração estadual idealizaram um programa político, que será subme­ tido à vossa apreciação. Uma vez por vós aceito, constituirá a diretriz da administração que vamos fundar. Penso que nele se acham consubstanciadas todas as expressões das atividades pol íti­ cas modernas.

As questões sociais muito o preocupam. Ventila o problema da representação da classe, de tanta atualidade, conquanto pessoal­ mente seja de opinião que há um grande exagero na análise dessa questão, fruto de assimilação apressada da literatura européia, néc­ tar elegante dos demagogos brasileiros, que não se exoneram do eterno espírito de imitação.

Sou partidário de que as clesses tenham representantes na direção nacional. Não sendo, porém, regularmente organizadas en- • trenós e mormente neste Estado, julgo um erro essa representação de classes agrupadas de afogadilho.

Depois de perfeitamente associados, muito bem. Que se lhes dê essa delegação. Pela terra de Anhanquera, ainda não surgiu o espírito de associação. Reina o individualismo que é, aliás, um grande mal. Não há povo que progrida sem o fator da cooperação. É muito humana a congregação de etementos para se fortalecerem. O goiano não tem, ainda, inclinação associativa.

É mister despertá-la, criando-se, por exemplo, em alguns municípios, a cooperativa de fazendeiros, dos lavradores, dos criadores de gado, dos pequenos proprietários etc.

Desenvolvendo-se, nos seus diversos aspectos, a economia agrária, instruindo os habitantes rurais sobre os seus novos métodos, baseados nas associações das cooperativas, teremos, em breves tempos, progresso real para Goiás.

Racionalizando os processos econômicos dos habitantes do hinterland, "ipso-facto", racionalizaremos a política e a economia do Estado. Estas, indiscutivelmente, terão novos rumos, renegando-se um passado retrógrado e nefasto, instituldo pelo regime derrubado pela reação outubrista.

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Novos horizontes se lhes abrem. De honestidade, de aperfeiçoamento gradativo, mirando a coletividad:.

O novo partido aceitará, d'entro de seu seio, todos aqueles que sinceramente, lealmente, quisere~ lhe trazer o c~ncurso. Só serão repelidos os que são notoriamente conhecidos como indesejáveis. Aqueles a quem a moralidade adm inist_r~tiv~ : pública julgou réprobos. Meus amigos, meus correliqionários. Srs. Prefeitos, terminando, agradeço o vosso comparecimento a este e o n e Ia v e que representa i nega v e I me n te u rn i mpo rtan te acontecimento da· História política da nossa terra. l\lão · pela simpels reunião afetiva, mas pela autor.idade verdadeira com que vos apresentais. Não vindes receber ordens, como outrora, em que a ninguém era dado o direito de opinar. Podeis fazê-lo sem constrangimento. O nosso programa, as deliberações de uma m_inori~ que o~ienta este certame, estão sujeitos ao vosso escalpelo. Dissecai, selecionando o que de são encontrarem a argúcia do vosso e~p_írito e a ânsia de perfeição oriunda de vossa mentalidade cívica". .

_Falaram depois Joaquim Câmara Filho, Laudelino Gomes de Almeida, Colemar Natal e Silva, em nome das regiões que ~epresentavam. Ao encerrar a reunião, teci elogios a Atanagildo rança, lamentando a ausência desse grande I íder revolucionário.

GOVERNADOR DO ESTADO

A Constituição votada permitia que as Assembléias Constituintes dos Estados elegessem os Governadores e os Senadores.

Antes da reunião dos Deputados, para o desempenho do preceito constitucional, reuni os do PSR, meus correligionários, e lhes falei com franqueza, sabendo que dentre eles alguns eram contra a mudança da Capital, pois -estavam ligados, economicamente e por laços afetivos, à Vila Boa. Disse-lhes que, se eleito fosse, promoveria a mudança, e q'ue, se assim procedia, era para o bem do Estado. Considerava a mudança uma salvação, uma ressurreição para o seu desenvolvimento estando imbuído das . , melhores intenções. A minha atitude nesse tentame era do mais puro idealismo. Não estava nele a minha pessoa, não vissem nele os interesses pai íticos, pois era tão grande a tarefa que se apresentava,

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nesse particular, que poderia não ser vitorioso vend t d d d

. . , o o as as dificul a es que encontraria no meu caminho ' · d

f. . , maxrrne as e

ordem inance1ra. Dizem que não foram os homens normais que d d H

. , . . ~ .A mu aram o curso a . ístorta.

Talvez eu seja um deles, metendo-me em uma · ... d . m I ssao esse qu 1late.

Afinal, termi~ada a min~a exposição, verifiquei que nenhum dos Deputados duvidava da minha decisão inabalável de realizar 0 meu desejo. '

"Malgré tout", fui eleito Governador por unanimidade dos meus correligionários.

Foram eleitos Senadores os Srs. Mário de Alencastro Caiado e Nero Macedo.

Nessa ocasião, pronunciei o seguinte discurso: "Meus Senhores No dia 29 de outubro de 1930 assumi como membro da

Junta Governativa, nomeada logo após a· vitória da Revolucão o . '

Governo deste Estado. Três semanas depois, tive o desprazer de ver separarem-se de

mim os meus ilustres companheiros dos primeiros dias de governo, os Srs. Drs. Mário Caiado e Emílio Póvoa, por força do Decreto que me investiu nas funções de Interventor. '"

O povo brasileiro, inclusive o goiano, vinha de uma luta cívica memorável, sem similar no registro da vida nacional. Goiás, como nenhuma outra unidade federativa, sentiu o peso de uma situação despótica e oligárquica, que tudo fez para sobrepujar as condições de insegurança em que se via envolvido o País. A pletora de mandonismo, o prazer sádico pela violência, o sentimento de irresponsabilidade predominavam tanto na mentalidade dos situacionistas, que a insegurança se apresentava a todos e sob todos os aspectos. Insegurança na vida comercial, industrial e máxime na vida pai ítica. O comércio e a indústria não podiam se desenvolver em virtude da falta de garantias que se lhes defrontava, sujeitos aos botes de qualquer aventureiro que às portas lhes aparecesse,. quase sempre amparado pelas boas graças dos poderosos. Os ha~itantes do hinterland se viam ainda mais ao alcance das acometidas dos mastins que infestavam o situacionismo.

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. . t pressago não havia Nesse ambiente sombrio, corrup o, , possibilidade de progresso, de entusiasn:10. O ~osso Estado: famoso pelas suas riquezas naturais, já não mais atraia os. f?rasteiros, para inverterem os seus capitais nos ramos da sua at1v1dade aqr lcola, comercial e industrial. Já ninguém queria se _aventurar a. estas plagas com a intenção de habitá-las, devido ao receio d~ intranquilidade que, certo, o esperava .. Aos. que se davam a veleidade de. manifestar uma idéia contrária aos imperantes, a estes nenhum d ireiro, nenhuma lei, nenhum dispositivo legal lhes amparavam as pretensões. Eram irrequietos, tur?ulen~os, visionários, a quem a própria justiça temia atender, de pese maos atadas como se via donde a sua vacilação, a sua apatia dolorosa ante os recursos a' ela dirigidos dos que sofriam. Felizmente, a revolta dos sonhadores que não se acomodaram com os mandões, encontrou eco na alma popular, permitindo que a revolução se tornasse triunfante e correndo com os vendilhões da Pátria e os conspurcadores do regime.

Há quatro anos e quatro meses que, como Interventor, exerço o Governo deste Estado.

A verdade manda que se diga que essa missão não me foi confiada por um mero acaso. Não me foi dada através de conchavos e cambalachos políticos indecorosos, em que meia dúzia de homens resolvia, em conciliábu los, a sorte do País ou de uma das suas células componentes. Não consegui essa posição,tam­ pouco, através da farsa de um sufrágio desmoralizado como o que tínhamos, no regime decaído, em que as eleições eram um mito, um opróbrio à face dos que recebiam as chapas na boca da urna. Conquiscei-a à custa de sete anos de combate aos passadistas que nos asfixiavam com toda espécie de truculências. Conquistei-a, conhecendo cárceres, cujos grilhões jamais puderam abafar a voz de meu civismo, o entusiasmo das minhas ideologias. Conquistei-a com um longo sacrifício de amigos e de minha família; com a invasão, por várias vezes, do meu lar por uma polícia celerada e sem freios, que se orientava pelas diretrizes ·torvas e criminosas de seus chefes.

Conquistei-a finalmente pelo argumento máximo das armas, extremo a que chegam os espíritos resolutos contra os Governos tirânicos e violadores da soberania popular.

Há quase um lustro venho exercendo a I nterventoria, tendo

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em vista exclu_sivamente o. be!'11 coletivo, o progresso do Estado. Recalquei sent1mentos·de v1~d1ta, que os tinha.

Se a!gu~s erros . pratiquei, verificados, venho procurando saná-los. ~ao ~ de ad~1_rar q~e no entrechoqua das lides políticas munic!p~1s SU_!:Jam pedidos na~ ra_ro in_1ustos a quem está dirigindo a admm1straçao estadual que, ind1scut1velmente, não está separada da política.

Se não reparei todos os males causados por essas lniunções é minha intenção fazê-lo. '

Sempre respeitei a opinião dos meus governados, não perseguindo os que tomaram atitude partidária contra o Governo e nem me indispondo com os que, nesse particular, se colocaram em uma posição digna. Há nas Repartições Públicas muitos funcionários· que são declaradamente adversários da agremiação partidária a que sou ligado, e, nem por isso, foram molestados. Jamais deixei desamparados os anseios e interesses do povo, sobrepondo-os ao sentimento de ordem política e de amizades pessoa is. Se no reqirne dlscricionárlo defendi-os com ardor,. procurando solucioná-los de acordo com os imperativos revolucionários por que constantemente me bati, no novo período que se me abre, de Governo Constitucional, serei muito mais enérgico, muito menos condescendente em tudo que se referir às conquistas da coletividade, ao desenvolvimento de Goiás e ao nosso aperfeiçoamento político. Aproveito mesmo este momento histórico que atravessamos para declarar sem reservas nem constrangimento que aos amigos ou inimigos, mais do que nunca, farei inteira e completa justiça, resistindo, sem medir conseqüên­ cias de partidarismo, a todas as solicitações que não forem ra­ zoáveis e justas. O nosso Estado precisa de entrar em uma nova fase de vida política. É mister que se esqueçam as dissenções e incompatibilidades que dividem os .qolanos, contribuindo forte­ mente para o entrave do seu progresso. As atividades municipais se perdem ou se anquilosam no tumultuar das indisposições e ques­ tiúnculas da politicalha. Em geral, nenhum ideal se vê nesse ~ac~io­ sismo de aldeia. Predomina o personalismo dissolven_te e rotme1r3. Os homens se digladiam pelo penacho local que, muitas vezes, nao vale o incômodo a que os laram as pelejas provocadas. E ,t~dos experimentam os resultados funestos dessas campanhas mglonas e, no fundo, ridículas. É natural, é digno, é honroso que alguém se

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. a vida por um ideal nobre, por meta na luta, que J?gu: mesmo erfeiçoamento da huma- princípios, cuja efetivação redunde em ap

nidade. , ener ias em rixas de politiquice Perder, porem, o tempo e ia de nosso desenvolvimento

retró~ra~a, é c~ncorrer ~~ra a~stagnaç um esforco para afastar essa econorruco social e pol ttrco, açamos . ·0 futuro com idea .. tendência antiquada que nos absorve. ye1:m~: mal entendidos e, lismo, sopitando malque_renças pr~ven1e_n es contribuiremos para frequentemente, de caprichos. Assim agindo, , . if ... a tranquilidade geral. É minha irítenç,ã? promover uma paci 1cª7ªº política no Estado. Para isso, ~ece~sano se torna que t~d~s veJ~~ nesse meu desiderato uma finalidade elevada e altru rstica. 1\ ao me move qualquer habilidade facciosa, mas, tão-somente, o anelo de paz em benefício do povo goiano, qu: d_ela carece para levar avante a sua evolução principalmente econorruca. .

Harmonizando-se os espíritos, mais facilmente se desenvolverão as nossas possibilidades naturais. Caso consigamos ver realizada essa pretensão, imprescindível é que os inimigos, ao se darem as mãos, o façam com sinceridade e só tendo em mira um ideal de perfeição, de renovamento. Oue não os movam subalternos interesses, próprios dos conchavos e da troca de favores. Um espírito de concórdia e de condescendência deve presidir à solução de tais entendimentos. Ademais, posso afirmar que essa aspiração se observa em todas as cidades do hinterland goiano. Os seus habitantes e os próceres de sua pai ítica estão fartos de lutas estéreis, não mais se iludindo com as promessas da demagogia e dos pai íticos profissionais, que não trepidam em levar a cizânia ao seio das populações, pouco se lhes dando os desassossegas que provocam nos munic.ípios as desavenças partidárias. Os responsáveis por eles estão sempre longe do teatro dos acontecimentos, gozando às vezes o fruto de ingentes sacrifícios dos seus correligionários.

Essa assertiva vem confirmar o critério daqueles que pensam que para alguém ser candidato a Governador de um Estado precisa de te_r nele uma residência efetiva de alguns anos, imediatamente anteriores a essa candidatura.

Para qualquer pessoa se tornar Chefe de Partido com maior razão, d_e~ia apresen~ar esse requisito. Desde mais do ~ue nunca se deve extqrr estar radicado ao meio, o que concorrerá para ser mais

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prudente, uma vez que se encontra no ambiente de luta, sujeito, portanto, aos seus revezes, aos seus percalços.

Senhores. Embora já fatigado por cinqüenta e três meses de constante

labuta na direção da nau estadual, aceito prazerosamente a incumbência que me foi dada pelos Ilustres Constituintes elegendo-me Governador Constitucional desta unidade federativa:

No desempenho desta missão, empregarei todas as minhas energias. Como venho de· afirmar, farei tudo em prol da regeneração moral dos goianos no sentido político, a fim de que possamos dar ao Brasil um exemplo de aperfeiçoamento, de sublimação, de elevação de vistas nesse particular. Se tiver o auxílio, a boa vontade dos meus coestaduanos, a minha intencão será coroada de êxito. ·

Se não os tiver, nada conseguirei e permaneceremos na rotina, no conspurcamento dos princípios democráticos. Na parte essencialmente administrativa, faço timbre em declarar aos meus jurisdicionados que serei muito mais enérgico no novo período que se inicia, do que fui como Delegado de confiança do Chefe do Governo da República. O nosso rincão caminha a passos largos para um porvir grandioso e nesta nova fase é que preciso que tropeços se não lhe oponham na sua caminhada progressista. São muitos os e I e me ntos que tenho para exprimir esta grande confiança. Quem estiver acompanhando o desenrolar de minha atuação governamental com espírito de justiça e visão analítica não pode disso duvidar. O momento não comporta uma revisão do que hei feito no terreno econômico-financeiro. No Relatório apresentado ao Dr. Getúlio Vargas, DO. Presidente da República, e ns Mensagem lida aos Senhores Constituintes se poderá avaliar a minha obra como dirigente. Doravante, os meus esforços serão maiores para arrancar o Estado do m.arasmo, do atraso a que o submeteram até outubro de 1930. Os horizontes claros e vastos que se lhe apresentam não serão escurecidos e nem estreitados por atos dependentes da minha vontade. Se a minha cerebração acanhada não tiver luzes necessárias para uma administração brilhante e racional buscá-las-ei nas intelectualidades privilegiadas que, certo não' me recusarão seu concurso em favor do e , n9.randecimento do Estado".

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Recebi, durante um mês, telegramas de todo o território goiano, os mais expressivos, pela minha decisão. Tive a impressão de que o povo ficou, de fato, contente com este acontecimento, o que atribuo ao meu comportamento, durante o período interven­ torial, em que os meus rancorosos adversários políticos não sofre­ ram a menor perseguição, nem foram coagidos na sua I iberdade, podendo usá-la em todos os sentidos, inclusive o de tramar coisas incríveis contra mim.

A respeito da minha eleição, disse o Deputado Salomão de Faria: "Teve V. Exa. a consagração do mérito na sua eleição para Governador do nosso Estado, depois de um longo período de ad­ ministração revolucionária. Não quis o povo, a eterna.vítima dos maus governos, se arriscar aos perigos de uma experiência. Preferiu escolher aquele que, dentro da imperfeição humana, procurou, o mais possível, se aproximar do ideal. Preferiu aquele que foi enér­ gico, sem ser violento, que administrou com equilíbrio sem des­ cambar para o carreirismo, tão prejudicial ao progresso de um Estado; que agiu com justiça, premiando os bons e castigando os maus".

F ai ou igualmente o Deputado Vicente fv1 iguel da Silva Abreu, lembrando:" Antes éramos juízes tolhidos nas suas funções, éramos as chapas recebidas na boca das urnas, éramos finalmente o progresso entravado pela coação reinante; hoje a I iberdade judi­ ciária, a I iberdade eleitoral e, por toda a parte, o progresso".

O Deputado Guilherme Xavier de Almeida exprimia-se da seguinte forma: "O Dr. Pedro Ludovico primava por fazer-se res­ peitar, fazendo-se amado, contrariando o princípio de Voltaire, que ensina fazer-se tem ido para se fazer respeitado".

Desde então, começou a surgir uma divergência em nosso Partido, donde se originou, mais tarde, o rompimento do Domin­ gos Velasco comigo.

Interessante é que, nos pródromos dessa dissidência, ne­ nhum de nós concorreu para isso.

Foram os seus amigos e os meus que se chocaram, por te­ rem, naturalmente, idéias diferentes.

Durante muito tempo não nos atritamos mesmo porque éramos bons amigos e tínhamos idéias afins ao interpretar os fenô- menos políticos. '

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r

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Mas o dissídio. foi-se tornando cada vez mais contundente e mais agressi~o, que acabo~ nos envolvendo.

Termin~u. com.ª a~1ança do Vel~sc~ aos Caiados, cuja oligar­ quia, cuja fam11tocrac1a }l~ha combat1d? violentamente; tanto as­ sim que o Sr. D~. ,Antonio Ramos Caiado, a princípio, não quis concordar em aceita-lo.

No entanto a Coligação se efetivou. Domingos Velasco f9i o único candidato da oposição, que se

elegeu Deputado Federal, tendo o nosso Partido elegido três, que foram os Srs. Vicente Miguel da Silva Abreu, Laudelino Gomes de Almeida e Claro de GodÓi.

AI iás, estou falando sobre a questão política no meu Estado perfunctoriamente.

Diversas pessoas que escreveram sobre Goiânia já trataram do problema político, sendo o Sr. Jaime Câmara, jornalista, histo­ riador, proprietário de "O Popular", o que mais se estendeu a respeito, ai iás, com conhecimento pessoal e jornalístico dos acon­ tecimentos havidos em Goiás, depois de 1930.

D. Ofélia Sócrates do Nascimento Monteiro escreveu um substancioso livro sobre Goiânia. Merece aplausos, louvores pela sua obra, pormenorizada e verídica.

Os demais autores, como Zoroastro Artiaqa, Peixoto da Sil- veira, Oscar Sabino Júnior, Colemar Natal, Geraldo Teixeira Alva­ res e Castro Costa trataram inteligentemente e documentadamente da construção de Goiânia.

Como a mocidade do meu Estado conhece mal, ou não conhece, os eventos políticos sucedidos em nosso meio, em eras pretéritas, é que decidi narrar alguns episódios esclarecedores do assunto.

Os elementos da Coligação Caiado - Velasco, mormente os Deputados, fizeram uma carnpanha trêmenda contra a mudança da Capital. Diziam que o meu Governo não estava em condições fi­ nanceiras para levar avante semelhante obra, que seria mais fácil, menos oneroso melhorar a velha Goiás, do que fazer uma cidade nova, que era uma loucura pensar em edificar uma urbe mode,r~a, co!l' rendas tão pequenas, a1:é então arrecadadas pelo nosso erano, CUJ?s. p~ssibil idades eram tão parcas que se colocavam entre as mais insignificantes do Brasil.

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t s era verdadeira e impressionante, Parte desses argumen ºa Mato Grosso e Piauí. G . , , se comparava . . 1 t porque oras so . , . ue assim fosse, pn ncipa men e em se

E era extraordinanoGq "ás e Mato Grosso, ambos dos mais tratando dos Estados de . º;icos no reino animal, v~getal e mine­ extensos do País e ~~s ~~11: el O da seca. ral e onde nunca e~istiu . h;ver como causa desse atraso.

Qualq~er coisa d~v,a era a situação geográfica e topográfica A maior para mim, . . ' · · dos dois Estados.

das antiquadas Capitais cidade de Goiás, com um século de Basta lembrar que a , . d ... . .. . , ~ 1 o mil habitantes e seu I ndice e construçao ex1stenc1a, so possura

de casas era epenas de 12 por ano. ·- 1 T t . h e tenho razão que Mato Grosso, reqiao opu enta ante tn a 1 • bã · ·1 lt pouco progrediu porque Cuia a continuou como do Brasil, mui o '

sua metrópole. · 1 • E ouco mais de trinta anos, o nosso Estado mu ltip icou a m P ·1 h b" sua renda e Goiânia possui cerca de 400 rm a itantes. .

Daí se conclui que, tendo-se a visão de um problema coleti­ vo e a ele entregando-se, mesmo com riscos pessoais, como aconte­ ceu comigo, pode-se vencê-lo.

Os habitantes de Vila Boa, daquela época, sabem que a mi- nha vida esteve em perigo várias vezes, certos de que dois homens, em épocas diferentes, foram convidados para me assassinar. Ambos não eram pistoleiros, mas meus desafetos, um pessoal e outro pol í­ tico. Tanto um como outro, depois de três anos, me narraram os fatos.

O primeiro, homem inteligente e corajoso, reatou as relações comigo e escreveu, até, um poema pela inauguração de Goiânia. Já é falecido.

O s;g~ndo ainda vive e luta, honestamente, pela existência. C ~nico argumento válido dos· antimudancistas era que o

Estado nao comportava as despesas da construção da nova Capital. Eu sempre respondia que não ia fazer obra suntuosa e nem às pressas.

Procuraram por todos os · · . . ,.. G · ânia co · ·. . ... meios evitar a ed lflcação de 01- , Hm int1m1daçoes e emendas na Constituição Estadual.

ouve uma pressão " · · . · vista pediu me q I anonima, digna de se registrar: o rmssi- existente e~ umu~ co ~asse uma rosa branca em um vaso de barro

os ª pendres do Palácio do Conde dos Arcos, e

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·sto significaria que eu desistiria do projeto da mudança. Caso ~ersistisse na minha idéia, que pusesse uma rosa vermelha e, então, eu seria assassinado, conquanto lhe fosse muito penoso assim pro­ ceder, porque me admirava como muito bom filho e como homem franco e honesto.

A emenda à Constituição, de inspiração do Deputado Alfre­ do r~asser e por ele redigida, foi a seguinte:

"§ 1 o.) Quando a ótima situação financeira o permitir, o Poder Executivo, ouvida a Assembléia Legislativa, poderá transfe­ rir a Capital para a cidade em construção, no Município de Campi- nas.

§ 2o.) A transferência se fará mediante a lei ordinária e só depois que a cidade de Goiás for dotada de todos os elementos imprescindíveis à continuidade de seu progresso, inclusive via fér- " rea .

O Deputado Salomão de Faria apresentou outra emenda, tendo-a justificado brilhantemente e sendo aprovada.

O autor da emenda citou diversas opiniões. Em seguida, falou o Deputado Oscar Campos que, ardorosa­

mente, em discurso sensato, convincente, procurou demonstrar a necessidade e conveniência da mudança da Capital, que traria be­ nefícios, sob diversos aspectos, inclusive o econômico.

A oposição contra Goiânia, que se fazia na Assembléia Cons­ tituinte, era fruto mais da politicagem, dados os conchavos, que já existiam, entre Velasco e os remanescentes do Caiadismo.

Tanto assim que motivou uma polêmica entre mim e Velas­ co. Até então, eu estava silencioso, dada a minha velha amizade com ele e o seu irmão, que muito agiram no combate ao Caiadis­ mo.

Velasco escreveu o seguinte no Jornal "O lpamerí":

PROFUNDAMENTE ENGRAÇADO

O Dr. Pedro Ludovico, regressando do sudoeste, rerruciou seus editoriais no "O SOCIAL". Muita gente ignora que o Inter­ ventor gosta de escrever para jornais. Eu o sei, porque o Dr. Pedro Ludovico me fez ciente disso por intermédio de urn seu auxiliar. Mas ele não é tão mau jornalista assim. Tem até piadas boas, como as que soltou no artigo a "DESELEGÂNCIA DE VELASCO",

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. , . uai faz s. exa. de público, inserto naquele periódico e no q . . , . d . h modesta idolatria. ,

d1agno~t1co e mm ª... . defender-me, porque nos - o ln- E claro que nao preci~o ente conhecidos do povo goiano.

teventor e eu - somo~ s?beJa~tos fatos que s. exa. trouxe para Quero apenas tornar pu?l,co ce Antes porém, não me furto ao a rua, embora sem assmatu_rª·1, ico do Dr. Ludovico, de vez que desejo de traça,r o r~trato pds,c~~gicl ínico dar O diagnóstico orecí- não me é passivei, a falta e o o ,

so. - , h a novidade, escrevendo que o Inter- Creio que nao e nen um . ventar é um temperamento impul~1~0 ".

Sabem disso todos quantos Ja privaram com ele. t de Contrariedade é capaz de excessos, para Num momen o ' . · d N"'

d do que fez e se lastimar perutencran o-se. ao logo se arrepen er qualifico de bom nem de mau esse temp~ramen~o. , .

Limito-me a dizer que o Dr. Pedro Ludovico e assim, porque · N inquérn pode acusá-lo por isso. Mas s. exa. tem nasceu assim. · · F

qualidades de impulsivo, padece também de seus. ~efett_?S, ora dos momentos de exacerbação, quando as decisões sao s~mpr~ morálmente infêriores, o Dr. Ludovico é dúbio, irresoluto, 1n~~c1- so. Num dado momento, ele. resolve uma cousa e, em consequen­ cia, empenha a sua palavra numa promessa sincera e leal!. produto de volição perfeita. Horas depois, arrepende-se da resolução e volta atrás, sustando a palavra empenhada, crente agora que acertou. E um vai e vem constante de volições que desnorteia aos que o cercam. Falta-lhe o equilíbrio de raciocínio, apesar da inteligência viva. Ele não sabe olhar o problema em seu conjunto, estudar-lhe os dados para decidir. Em suma, o Dr. Ludovico é incapaz de refletir maduramente sobre qualquer assunto que penda de resolu­ ção sua. E daí essa linha sinuosa, de máxima e mínima, que seria a representação gráfica das suas decisões.

Essa dubiedade se reflete na administração pai ítica de Goi­ ás. Ninguém sabe ao certo a orientação interventorial.

Enfeixando nas suas mãos, exclusiva e abusivamente a orien­ tação pol_ítica de Goi.ás: ? resultado é intranquilidade, a in~guran­ ca que rema nos mun1c1p1os.

A capital, depois da revolução, transformou-se na cidade das caravana~. Todo~ os dias, ch~gam dos municípios representantes das facçoes locais que, depois de recebidas por s. exa., levam

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Pedro Ludovico - 61

Para suas cidades a ",palavra definitiva" do gouer , 1 · d id , e · ·v no, que e ogo modifica ª com ª 1 ~ ª apitai da embaixada da corrente adversa

Isso desnorteia, entontece e deixa malucos h f d · . , . os c e es os mun1c1p1os.

As promessas chovem do Palácio a cada audiêncl · d" t "d ra, para se- rem une íatarnen e esqueci as. Ninguém se ~ntende. É o caos que a indecisão do Interven­

tor lança na pol ít1ca estadual. "Ordem, contra ordem _ Desor­ dem" é o velho ~dágio que se lê nos livros militares. Ora foi precisamente por isso que fui obrigado a mostrar a alguns a~igos uma carta que me escreveu o Dr. Ludovico. Esse fato que agora lhe merece o q~ali_ficativo de deselegante e no qual me ~cusa publi­ camente, .constttut uma prova da confiança, que s. exa. me mere­ cia. E é por isso que sou obrigado a tratar dele pela imprensa.

Quando em fins de agosto último, percorri o sul do Estado, depois de estar em Uberlândia com o Interventor, encontrei duas versões sobre a presidência do Estado, Uns me diziam que o Inter­ ventor era candidato. Outros propalavam que eu queria impor mi­ nha candidatura ao Dr. Ludovico. E cada corrente insistia que ouvira do Interventor declarações positivas. E creio nisso porque sei como ê indecisa a vontade de s. exa.

Mas, em suma, o Dr. Ludovico era acusado de desleal comi- go, dizendo-me que não queria ser presidente do Estado e a outros declarava o contrário. E eu, por minha vez, estava passando por ambicioso vulgar,que pretendia abusar da amizade do Interventor para chegar á presidência.

Pergunto: como poderia eu desmentir essas duas inverda- des? Verbalmente? Mas a minha palavra se opunha à de outros que declaravam ter ouvido do próprio Interventor afirmações con- trárias.

Foi nessa contingência que eu mostrei duas cartas do Dr. Ludovico, uma para me defender de· desleal e outra para g~ardar­ -me da acusação de ambicioso .. Na primeira, afirmava s. exa .. que eu seria seu candidato à .Presidência do Est~do e que, se _houves~e luta e fossemos vencidos cairias. exa. comigo. Nada mais cate~o­ rico, nem mais espontâ~eo. Na segunda, dizia-me o Dr. L~dov1c? que definitivamente não seria candidato, mesmo que eu nao acei­ tasse os seus oferecimentos reiterados e insistentes de trabalhar pela minha candidatura.

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62 - Memórias

Foi assim que me defendi e defendi' o dr, Interventor, usan­ do de um meio perfeitamente moral e legal, pois que até o próprio Código Penal faculta ao destinatário exibir uma correspondência. sem consentimento do autor, desde que seja para sua própria defe- sa.

Isto agora se tornou público, expliquei ao dr. Ludovico em carta e verbalmente. Parece-me que diante do meu relato, s. exa., aprovou minha conduta de amigo. Agora ele a qualifica de desele- gante. Ê a eterna indecisão.

Deselegância é o que o dr. Ludovico vem fazendo comigo. É público e notório que s. exa. já profligou um telegrama bastante divulgado com sua permissão, que o seu primo Laudel ino Gomes de Almeida se apossou de dezenas de cartas íntimas que lhe dirigi e até hoje, decorridos quatro meses, ainda as exibe no Rio em Goiás, no Ceará, nas redações de jornais, nos cafés, nos Ministérios, em toda parte.

. E o dr. P:,dro Lu_dovico Teixeira, em .vez de exigir do seu primo a devoluçao·de minha correspondência,vem pelo "O Social" acusar-me de desnobre.

Isso é ou não é profundamente engraçado?" Alguns dias depois, o jornal "VOZ DO POVO" dl - d 4

de r:1arço, ~ob o título "A SITUAÇÃO POUll ;,e içao_ e segumte artigo escrito por mim· "O . CA .' publica o gos Neto de Velasco, conhecedor r consagrado ~~rn_al rsta Domin­ mentos de Alberto Torres e d 01P ~fund_o dos illmitados ensina-

. e iverra V iana 1 em artigo publicado no jornal "0 1 PAM E ,, , resa veu ocupar-se, do, de minha apagada individual"d d PR 1 , de 5 do mês passa­ argum~ntaç?es, a pior qualidade q~ a e. d arec7me qu_e, nas suas luto e indeciso. e me eu foi a de dubio, irreso-

Passemos um olhar ligeiro e retrospectivo sobre o passado e investiguemos mesmo o presente, 'para v.er se o primoroso polemis­ ta tem razão. Será indeciso quem lutou durante sete anos contra uma das oligarquias mais violentas do Brasil?

Será indeciso quem manteve essa luta em pleno "hinterland" goiano, sujeito a todos os sacrifícios, onde são naturais, preso a constantes intranqü ilidades de familia, com a vida iminentemente exposta a perigo?

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l\linguém ignora que, naquela época n h . ara os poucos que ousavam enfrentar a situacã urna ~arant1a havia

p Diferença enorme existia entre os u~ao domi~ante.

feudo e os que o faziam de longe e CLJJ·a qs·it c<:mbat1am no seu · ' · uacao se resumi

ataques pela imprensa, tendo as costas guardad~s I di .. 1~

em 1.oOO

quilômetros. pe a rstancía de

Para esses, a peleja não passava de um es t · tendo por menage as avenidas cariocas. Não qpueor edi~telectual, id ro izer que a campanha manti a pelo sr. Velasco contra O Caiadis - f . mo nao osse eficiente.

~o c~ntrário, o esp~rito de justiça exige que se lhe dê 0 valor mere~1do: Nesse, particular, ele foi um digladiador tenaz e valoras?· S_e-lo-1a, P?rem, mudadas as condições, isto é, se residisse na Cap1tan1a dos Catados?

Teria caoacidade de sofrimento, para tolerar os incômodos diários proporcionados pelos Barnabés, Ferreira, João Costa, Fonseca, Barros e outras pombas sem fel?

Não. Não creio - só os sonhadores, os idealistas, eram capazes de se expor a tanto. Isto é.para os que sentiam entusiasmo, para os que tinham fé. E o sr. Velasco não se achava nessas condições; tanto assim que se exprimia por esta forma: "Julgo-o rn u ito otimista sobre a possibilidade de qualquer movimento armado. Eu já estou completamente desiludido dessa hipótese".

Será indeciso quem, do sertão, alimentava de esperanças o companheiro vacilante residente na metrópole; ·quem, no momento crítico, esteve na estacada sem medir conseqüências?

Será irresoluto quem assim procede? Será dúbio quem, na sua administração, rompe com a rotina

e com os amigos, levando avante um projeto que poderia pôr em choque o seu prestígio político e a sua estabilidade no.._ govern_o? Todos reconhecem que é preciso ter _muita resoluçao, _muito desprendimento e muita firmeza, para s.e mudar uma Capital de Estado ..

A história nos ensina q1.fanto sofrera!11,ºs. que se aventuraram à solução de tal problema no Brasil. E e pubhc~ que 0 lnt~'."entor goiano recebeu, inúmeras veies, do P?Vº ~a c_ap,tal de Goias as maiores demonstrações de carinho e de sohdanedade, e que foi preciso abafar todo o seu sentimentalismo e toda ª sua

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64 - Memórias

gratidão, para não fraquejar na diretriz traca~a _e que ele palmilha, apenas, por considerá-la um bem para a colet1v1dade.

Finalmente será ainda indeciso quem se sobrepõe às rela­ ções de amizade' particular e política e até de pare~te~co, para derrubar um contrato considerado lesivo aos cofres públicos, ten- do em mira simplesmente o interesse coletivo? .

Nunca ocultei os meus pendores pela candidatura do sr. Domingos Velasco. Revelei-o sem rebuços. A minha entrevista no "ARAGUARI" não poderia deixar dúvidas, embora declarasse, pe­ remptoriamente, que admitiria a hipótese de ser candidato somen­ te no caso de grande impasse no seio do Partido. Verificando, depois, que o velho companheiro duvidava de minha sinceridade fiz declarações taxativas,quer pela imprensa, quer em discurso e~ Campinas, respondendo a um orador que lançava meu nome pra futuro presidente. . . ~isse ~ue não era candidato e que não concordaria com tal indicação, diante de uma massa popular em que se encontravam quase todos os prefeitos.

Por que assim procedi? F.xclusivamente, para positivar mi­ nha lealdade a quem dela duvidava.

Ih Replicando à última censura do sr. Velasco tenho a dizer-

e que o meu telegrama pr f 1 • d ' publicação autorizada respo~d~g;;a ~-º ato ddo dr. Laudelino e sua. Saiba, também, que e~i i a re . . - rsura o meu proc,:d imento. atendido, valerá a penag ro st1tu1çao das cartas. Por nao ter sido para satisfazer a quem não~~e cs~~ um velho ~ sincero amigo, mente quando estas pessoalment Ih . e que cultiva amizades su-

A polêmica durou algum :e e interessam? " co com os seus adeptos. mpo entre meus amigos e Velas-

. Eu mesmo não tinha tempo ar pois estava co~pletamente dedica! ,ª m~ _ocupar com a pai ítica,

O meu ideal era este e as o t a ed1f1caçao de Goiânia. segundo plano. u ras preocupações ficavam em

E~tre~ava-me pessoalmente , . . que o dinheiro era pouco e - ~ fiscalização das ob . nao pod ,a deixar ras, por-

Tinha um Sargento que que fosse mal gasto. do a me apresentar d. . era encarregado d . todas as construçõ • triamente, relatório do esse mister, obriga­

es. u próprio as visitava e qu~ se passava em queria saber do seu

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andamento. Até as latas vazias de gasolina eram guardadas para controle do que se despendia no transporte. '

~~ En~enhe~roque_viera do Rio de ~aneiro para trabalhar em Go,ania. na? quis ~antinua~ e me declarou que o fazia por dois motivos: pnme1ro,~ev1do ao rigor no excesso de fiscalização, a que não esta~a hab1tuado,e,segundo,pelo seu ordenado, que era pequeno, obrigando-o a levar uma vida sem conforto, sem distra­ ções.

De fato, quando ele permaneceu na construção fora no começo dela, e no local só havia campo, cerrados e algu~as casas de madeira.

Depois tudo foi melhorando com o crescimento das obras e com o aumento do número de operários, bem como da população que se localizavam nas circunvizinhanças. '

Os operários goianos que habitavam entre nós eram muito rudimentares, não tinham noção de construções modernas. Neces­ sário foi trazer trabalhadores de São Paulo, com passagens de ida e volta, porque, se não gostassem, não teriam dificuldades para re­ gressarem. Muitos assim procederam, mas a maioria ficou e alguns se enriqueceram em Goiânia, porquanto compraram terrenos que, no início, eram muito baratos.

Tudo vinha de São Paulo. Somente madeiras, tijolos, cal e areia eram adquiridos aqui.

Assim mesmo, as olarias e cerâmicas foram inicialmente financiadas pelo Estado.

Pouco a pouco, as pequenas indústrias de construção foram aparecendo.

As primeiras ruas eram feitas a enxada e picaretas, compri­ midas e abauladas com rolos compressoras de concreto, feitos aqui mesmo e puxados por bois, como se vê na fotografia apresentada na pagina seguinte.

Não tínhamos tratores, nem patrol. , Bem mais tarde, é que pudemos adquirir a maquinaria indis-

pensavel. · Mas o desejá de se construir Goiânia, com rendas tão peque­

nas, contagiou todos os que ·trabalhavam para tal fim. Notava-se u~ entusiasmo geral não só nos que se entregavam diretamente à edificação da cidade, como nos que nos visitavam. Os visitantes

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. viam. e o que viam a andistas do que . . tornavam-se grandes prop 9 E "' d . da e xpansao ainda era quase na ª· to de Propagan J . e . do o Departamen . tendente o Dr. oaqurm . ri a . seu Supenn Econõ mica foi nomeado 1

' · do pe a sua Câmara Filho. · sta um apaixona Este se tornou um en~us1a sa' inteligente e op~~tun_a, que

fun ão a alma da propaganda mte~ra' muitos, como ja disse, a se iez' naquela época, quando p a Capital do Estado, era uma construção de uma cidade nova, par endas que o colocavam no

d suas parcas r , loucura, em face as êneres da Federação. . último lugar dos seus cong . biu da sua missão com carinho,

Câmara Filho se desmcum ... . muito lhe deve sendo mais · d nvoltura Go1ania ' · · · eficiência e muita ese - . b . to em uma das pnnc1pa1s do que justa a colocacão de seu us

praças da cidade. - . t liqente dinâmica e ininterrupta dos Teve a colaboraçao m e 1 ,

seus irmãos Rebouças.: JaimeenCvi~:arp:·ra os jornais do Brasil, uma Em certa ocas,ao, . . , notícia sensacional: Goiânia seria a pnrnerra _urbe ~m nos~~::~~~ ter um forno crematório para os mortos. Foi um_ a ,~rme, a imprensa católica combatido fervorosamente a 1de1~ .

Aconteceu o que ele desejava: chamar a atençao sobre Goi-

ânia, Registre-se que toda essa propaganda era gratu rta, tal a sim­ patia que desfrutava a realização do ousado empreendimento.

No setor da expansão econômica, diariamente eram remetidas notícias relativas às possibilidades do Estado, informando à Nação o valor de suas riquezas, a existência de minérios. os mais preciosos, de pastagens naturais das melhores, de madeiras de lei em grande quantidade, das matas e cerrados aprov~itáveis para qualquer tipo de agricultura.

Por todo esse trabalho, ganhava' Câmara Filho apenas 400 mi I réis por mês .

. . Enfrentando decidi_da~ente. a mudança o primeiro ato posrnvo para a sua concret1zaçao fol o Decreto No. 2737 de 20 de dezembro de 1932 escrito nos seguintes termos: '

O Interventor Federal, neste Estado, considerando que é pensamento do Governo dotar o Estado de uma Capital moderna,

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tisfazendo às exigências do urbanismo, seja um centro de qued, ~ªca"'o em todas as esferas da evolucão econômico-social, · ra 1a. · · ' ir considerando que, P?r fatores diversos, a atual Capital não

reenchido esses requ isrtos: tem p considerando que o importante assunto não escapou à

Peão de nossos legisladores, tanto dos Constituintes de 1891, perce . did d d facultavam a me I a e mo o expresso, no artigo 5o. da ~~~stituiçã'o, corno dos que a reformaram em 1898 e 1918;

considerando que o problema em causa tem sido objeto dos Governos anteriores, desde as mais remotas administrações;

DECRETA:

Art. 1 o. - Fica nomeada uma Comissão composta dos senhores Dom Emanuel Gomes de Oliveira; Engenheiro João Argenta, urbanista; Dr. Colernar Natal· e Silva, advogado; Coronel A:1tônio Pireneus de S0~1sa, Oficial superior do Exército; Dr. Laudelino Gomes de Almeida, Chefe do Serviço Sanitário do Estado; Antônio Augusto Santana e Gumercindo Alves Ferreira, comerciantes; 'e o Enqenhei ro do Estado para proceder aos estudos atinentes à adaptação ou escolha de local para nele ser edificada a nova cidade.

Art. 2o. - Exceção feita do Engenheiro urbanista, Dr. João Argenta, que perceberá um conto e quinhentos mil réis mensais, a partir da data em que forem iniciados os trabalhos até sua conclu­ são, os membros da comissão de que trata o artigo lo. deste Decreto devem servir gratu·itamente e somente farão jus às importâncias correspondentes. às despesas de viagens que empreenderem no desempenho das atribuições que lhes comete o presente Decreto.

Palácio da Presidência do Estado de Goiás, 20 de dezembro de 1932, 44a. da República. Ass: Dr. Pedro Ludovico Teixeira - José Honorato da Silva e Sousa.

Realizados os trabalhos da Comissão, esta, depois de examinar as condições gerais para a escolha do local em que se deveria construir a metrópole goiana, percorrendo as localidades de Bonfim, Pires do Rio Ubatan e Campinas e, de acordo com a Comissão Técnica resolveu dar preferência à área situada nas Proximidades da cidade de Campinas.

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Aliás, exigia-se que as zonas a se _ex~minarem tivessem certos elementos indispensáveis, como a prox1~1?ade da Estra~? de Ferro Goiás clima bom boa situação topográfica e rnanancrats de água fáceis' de serem ap1roveitados e que pu~esse~ abastecer uma cidade de população acima de quinhentos mil habitantes, prevendo-se, é claro, um futuro distante.

RELATÓRIO

Exmo. Snr. presidente da comissão incumbida da escolha do local destinado à edificação da nova capital de Goiás.

A sub comissão técnica, abaixo assinada, tem a honra de apresentar a V. Exa. o seguinte memorial dos estudos procedidos nas quatro localidades pela comissão, para verificação dos requisitos necessários e indispensáveis para a ereção de uma cidade moderna e destinada a ser a capital do Estado .

. P!ra fiel cumprimento do dever assumido perante a D.D. c?m1ss~o, proc~d~ndo ao exame das condições topográficas hidrolóqicas e climátlcas das localidades de Bonfim Pires d R · ' Ubatan e Campinas. ' o 10,

BONFIM

Topografia - A cidade de Bonfim, situada na extre_mi?!de nordeste de uma extensa chapada, formada pelos vales dos ribeirões "Lava-pés" e "Pedrinhas", que a banham, respectivamente, a leste e a oeste e circundada ao norte pelo "Rio Vermelho" - apresenta

I N ao sul, na parte mais alta, uma área de ótima conformaçao topográfica, em uma extensão superior a setecentos (700) hectares e uma altitude média de novecentos e quarenta (940) metros sobre o nível do mar.

Essa planura, ligeiramente inclinada, oferece, aos olhos técnicos do urbanista moderno, as linhas gerais para a construção de uma belíssima cidade para mais de cento e cinqüenta mil (150.000) habitantes, a qual Poderá ainda estender-se livremente para o sul, este e oeste.

. A suave declividade do terreno facilita grandelT)ente o ~rv!ç.? d~. escoame.~t~; Este se fará naturalmente pelos citados nbe1roes Lava-pés e . Pedrinhas•: cujas águas vão despejar-se ao

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rte no correntoso "Rio Vermelho" que, a pouca distância além, ~~gua no "Pir~canjuba", tributário do rio "Corumbá".

Hidrografia - Dos cursos d'água, dentro de um raio de seis léguas, examinados atentamente com relação ao abastecimento de água potável, destacamos:

· 1 o.- O "Rio Vermelho" vertente principal, situado ao norte numa distânc(a mínima de cin~o quilômetros, apresentando uma descarga média. de 540.000(qumhentos e quarenta mil) 1 itros por hora, com a altitude de 920 (novecentos e vinte) metros no local examinado.

2o.- O córrego "Marinho", afluente do "Rio Vermelho", situado igualmente ao norte, a 6 (seis) quilômetros de distância, com a descarga horária de 180.000 (cento e oitenta mi 1) 1 itros e a altitude de 945 (novecentos e quarenta e cinco) metros, no ponto de exame.

3o.- O córrego do "Paiva", outro afluente do "Rio Vermelho", situado ao norte, com um volume d'água de 100.000 (cem mil) litros por hora, na altitude de 985 (novecentos e oitenta e cinco) metros e à distância de seis quilômetros.

4o.- O rio "Piracanjuba" (cabeceiras) a noroeste, com a descarga horária 2.970.000 (dois milhões, novecentos e setenta mil) litros, à distância de 36 (trinta e seis) quilômetros e altitude de 980 (novecentos e oitenta) metros. Este último rio, examinado em suas nascentes, desenvolve-se na direção de sudeste e, depois de receber inúmeros ribeirões, a 15 (quinze) quilômetros de Bonfim, apresenta algumas corredeiras, nas quais se acham instaladas as turbinas hidrelétricas que atualmente fornecem força e luz à mesma cidade, numa potência efetiva de 180 (cento e oitenta) cevalos e que poderá ser elevada facilmente a 700 (setecentos) cavalos de força.

5o.- Os ribeirões afluentes "Agua Branca" e "Gameleira", à margem esquerda e direita, respectivamente, perenes e abundantes mananciais, deixam de ser estudados por desnecessários.

Todos os cursos d'áqua acima examinados pertencem a uma mesma vertente e são da bacia do rio "Piracanjuba".

Na contravertente, temos os seguintes cursos d'água, por nós examinados:

1o.- O "Rio dos Bois", situado a oeste e a oito quilômetros de distância, com uma descarga horária de 12.970.000 (doze

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. ) i ítros podendo tambéfl) mil i ' 1 d d . ... h ovecentos e setenta ·nhentos) cava os, a os o :~~~~=/~ma força superior a 5~~r~~u'declividade ?º seu leito.

d Volume d'água e a ( ecentos e vinte e quatro) seu gran e dícão: 924 nov 1 • d do ponto de me 1. • ,.. A ntu eA potável e de fáci I captaç~o. do a oeste e afluente do metros. gua "C 'd r" situa

1 2o.- O córrego do a1 o 'uilômetros, com um_ vo ume "Rio dos Bois", distante qua~ro m(I) 1 itros por hora. AI t1 tude do d'água de 12.090 !seten!a e d~~ste: 1.005 (mi} e cinco) metr~: . 1 de mediçao, Junto a nasc , , ,, tambem afluente do R 10 ugar . .... "Olhos D agua ' d. " . 30 _ o rlbeirão .. ) ·io"metros de istancia, com • 1 3 (tres qut · d Bois" situado ao su e a ( ühão setecentos e vinte e os , , . 728 000 um m 1 , a descarga horária de _1. · 970 (novecentos e setenta) metros. oito mil) litros, na altitude defl entes acima citados nos ns. 2o. e

N. B. - Ambos esse~ a u t' el deságuam no "Rio dos 3o., cursos de excelente agua P~ri~~ca~os a descarga horária de Bois", abaixo do po~to e~ que v 12.970.000 litros, acima c1~ada. d "Biquinha" situado também 4 Finalmente o carrego a ' . .

. o.- 10

volume d'água de 40.000 (quarenta m11) l rtros por ~~r:~l~ac~~tância de 4 (quatro) quilômetros e a 970 (novecentos e setenta) metros de altitude. .

De todos os mananciais acima estu~ados, ve~os facilmente que, para o serviço de abastecimento d água potavel da futura cidade, o ribeirão "Olhos D'água" oferece sobre todos os outros as vantagens seguintes: a captação de suas águas é facílima e pouco dispendiosa, é o que oferece a menor distância entre o ponto d~ captação e de utilização (caixa d'água), o seu volume d'água e consideráveJ 1. 728.000 (um milhão, setecentos e vinte e oito mil} litros por hora, que, segundo calculamos, é mais que suficiente para 400.000 (quatrocentos mil) habitantes e, finalmente, preenche todas as condições de uma água altamente potável.

Ôbservamos, mais, que os córregos "Paiva" e "Biquinha" poderão fornecer água por gravidade, a uma parte da futura cidade, já estando a atual cidade de Bonfim abastecida pelo córrego "Lava-pés". O "Rio dos Bois" poderá· abastecer três milhões de habitantes.

. Cl~ma - Bonfim, pela sua altitude elevada, de 900 metros acima n 1vel do mar, goza de um clima salubérrimo. Atesta-o exuberantemente o fato de ser esta localidade a escolhida pelo

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e Rvmo. Sr. D. Emanuel Gomes de Oliveira, D.D. Bispo de Exrn°· "' d . , (com plena aprovaçao os competentes e mui conhecidos Goras heiros Dr. Balduíno Ernesto de Almeida e Dr. José Luiz fngednes Diniz) para nela construir o Ginásio Anchieta, o maior ~,,en · d E d .. belecimento de ensino este sta o, como também fala bem esta a escolha dos c1 ínicos para a construção do conhecido ai totório hoje denominado "Casa de Saúde N. S. Auxiliadora". sana ,

PIRES DO RIO

Terminados os estudos em Bonfim e seus arredores ,umamos para a cidade de Pires do Rio, que se acha otimamente situada num belo planalto, na altitude de 750 (setecentos e cinqüenta)metros sobre o mar e servida pela E.F. Go- iás.

Sua configuração topográfica, suavemente inclinada para os ta/wegs dos ri beirões "Corrente" e "Monteiro", que a banham, respectivamente, a oeste e a leste - apresenta-se admiravelmente talhada para o traçado urbanístico de uma linda cidade.

Observamos, entretanto, ao primeiro relance de olhos, que a posição topográfica mais bela e adequada daquela localidade fora ocupada pela atual cidade, cujo traçado, de modo bastante lamen­ tável, não obedece tecnicamente às linhas que a topografia local oferecia à estética e ao aproveitamento econômico do seu escoa­ mento.

Em vista do exposto, somos forçados a dizer que a contrução da nova Capital do Estado, em qualquer ponto de suas adjacências, ficaria irremediavelmente em posição topográfica bem inferior à da cidade de Pires do Rio.

Não obstante esse erro de técnica que, a nosso ver, redunda em fatal condenação do sítio em apreço, procedemos, para cabal execução dos compromissos assumidos, aos estudos hidrográficos do local.

Hidrografia - Entre os diversos mananciais existentes em condições de fornecer o abastecimento necessário, prenderam-nos a atenção, pelo volume d'água, distância e condições de potabilidade, os seguintes mananciais:

1 o. - Córrego "Palmital", situado ao norte na distância de dez (10) quilômetros, com uma descarga horária de 144.000

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72 - Memórias

altitude, no ponto de . ) 1 it os com a atro mil I r ' (cento e quarenta \~~entos e cinco) metros. este distante 8 (oito) medição, de~~~~º~ •• ~~onteiro", situado~ ~52_óoo (duzentos e

2o. - g d'água encontrado. altitude de 818 quilômetros; vo~ume.l) Htros por hora e na . .. e dois m1 1 cinquenta . ) metros. , dlstância de 1.800 (oitocentos eRd~z~!~~rrente", situado~ ledste ~: p~nto de medição,

3o. - ro uma sltitu e, d (mil e oitocentos) metros,com dois) metros, apresentan ? t:ma de 692 (seiscentos e noventa e de 7.920.000 (sete mllhões, , . por hora, descarga m I n I ma,. . .

entos e vinte mil) l 1tros.. ,, te da cidade e dlstanta 3 novec "L nial a oes ilhã 40 _ Córrego ara ' édi por hora· é de um m1 ao, . d arga m ia, ' ( . ( três) quilômetros; sua esc. · , q altitude de 692 seiscentos . il ( 1 800 000) litros e tem · oitocentos m1 · ·

e noventa e dois) metros. . b ,, it ado ao sul à distância de 1 O 50 - Rio "Piracanju ª 'si u h , ·a' de 216 000.000 · .. descarga oran ·

(dez) quilometro~, c~~ÕP.s) de litros. Este rio ultimam,i:nte (duzentos e dezesseis rru t atencão pelo seu volume dagua descrito chamou-nos ~or!e~en d: :orrec:Íei~a denominada "Salto'; considerável e pela ex1stenc1a . • . d 1 O ( dez metros ue dada a diferença de n1vel. e . ,

~pro~imadamente, entre a montante. e. a Jusa~te, avali~mo-la em condições de fornecer uma força hidrau llca efetiva superior a 2.000 (dois mil) cavalos. .

6o. - Finalmente, merece especial menção o caudaloso _no "Corumbá", que se desenvolve imponentemente ao sul da refenda localidade, a uma distância média de oito quilômetros.

Devido ao seu considerável volume d'água e à enorme dimensão de seu leito e à falta do aparelhamento necessário, não nos foi possível fazer-lhe a medição devida; entretanto, por meio de atenta observação, aval i arno s-t he a descarga horária, aproximadamente, em 3 vez~s o volume do "Piracanjuba", ou sejam cerca de 700.000.000 (setecentos milhões) de litros. Este rio está admiravelmente talhado para receber o escoamento geral da nova cidade, caso se edificasse nessa localidade .

. Após o minu?ioso exa~e dos mananciais d'água acima descritos, chegamos -a conclusao de que, Para

O abastecimento

d'águ? p_otável, o mais !~dicado seria ? rio "Laranjal", petas suas cond1çoes de potab1hdade, abundancia d'água, economia da

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captaç~o,., e a _peq~~na distância do local de captação ao de distri buiça? (ca1~a d agua).. .

A caixa d ... aq.ia po~~r.1a ficar na pequena elevação existente à direita da estaçao ferroviária. a 400 metros de distância.

Clima - Essa região, dada a sua situação mui próxima dos vales do "Pi racanj uba" e, principal mente, do ri o "Corumbá" e em conseqGência também da sua altitude (750) metros, apresenta um clima menos saudável, quente e com variações mais bruscas.

UBATAl'I Com a altitude média de 960 (novecentos e sessenta) metros

sobre o nível do mar, e servida pela E. F. Goiás, a sua topografia se desdobra igualmente em extensíssimas planuras, com ligeiras ondulaç_ões formadas pelos talwegs dos ribeirões adjacentes, prestando-se otimamente para a edificação da bela cidade.

Hidrografia - O manancial d'água mais próximo e em condições de abastecer satisfatoriamente a nova Capital se acha a leste e a nove quilômetros do local mais apropriado para construção da cidade. Tendo uma descarga horária de 1.440.000 (um milhão quatrocentos e quarenta mil) litros, suas águas não apresentam, entretanto, boas condições de potabilidade.

Feriu-nos fortemente a atenção, nessa localidade, o defeito grave de não possuir, devido à sua conformação topográfica, l i q e ir e me n te plana, uma elevação que pudesse servir suficientemente para a instalação da caixa d'água de abastecimento geral, exigindo, conseqüentemente, a construção de uma caixa de -elevação artificial que, além de ser dispendi-osíssirna, traria, entre outros inconvenientes, a desvantagem gravíssima de não manter a temperatura da água numa frescura constante e agradável.

Finalmente, há ainda a considerar a grande distância que medela entre o ponto de captação e o de utilização da água,o que exiqlria-enormes dispêndios na aquisição dos tubos condutores.

Em vista das considerações acima expostas,somos de parecer que as proximidades de Ubatan não oferecem vantagens necessárias para a construção da nova Capital do Estado.

CA~~PINAS Situada numa extensa e vasta planura, na altitude de 700

(setecentos) metros sobre o nível do mar, circundada pelos rios

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ib . ão "Cascavel", Campinas " . " e o n eir - á . "Meia Ponte" e Anicuns 'fº os indispens veis para a ~ . · topogra 1c oferece todos os requisi~os d ma e salubérrima. construção de uma linda cidade ~o de · atentamente a topografia

Depois de termos examina )o ,.·ilômetros, notamos que a . d 12 (doze qu . 1 local dentro de um raio e ão da nova Capita se acha , . d a a construc . posição mais apropria a pa~ raus ·de Campin_as e a mais ou em rumo 130 (cento e tnnt~) ~ . num bel íssirno planalto de menos a sete quilômetros de )di~t:;r~:, de altitude, circundado de 760 (setecentos e sessetenta magníficos horizontes . d" s nivelamentos barométricos,

Hidrografia =Mediante iverso , · d' áqua potável para o ... d e O reservatono . chegam_os à conclt1sa_o ;P. qudeverá ser construído no marro da abastecimento da cid_a ... J se acha em rumo de 117 (cento e "Serrinha" ou no esprqao que dezessete) graus d~ Carnpias, . d

d', ua examinados dentro do raio e dez Dos cursos ag id d . " i f i amos que O escoamento da c1 a e a quilometras, veri 1c ... ,, .

construir-se deveria ser para o rio "Santo Antonio ou para o no "Meia Ponte", dependendo, para a escolha, de levantamentos que possam determinar a maior economia.

Dos estudos hidrográficos resulta: 1o. - Rio "Meia Ponte", situado a nordeste, a sete

quilômetros de distância, com uma descarga horária de 15.120.000 (quinze milhões cento e vinte mil) 1 itros. Nesse ri o existe a corredeira denominada "Jaó", com uma diferença de nível aproximadamente de 8 metros, podendo fornecer uma força hidráulica efetiva, na máxima estiagem, de 450 (quatrocentos e cinquenta) cavalos, que poderão vantajosamente ser aproveitados enquanto o permitir o desenvolvimento inicial da nova Capital.

2o. - Rio "Anicuns", a noroeste, distante sete quilômetros mais ou menos da nova cidade, com um volume d'água de (nove milhões e s~iscentos mil) 9.600.000 litros por hora. Altitude 695 (seiscentos e noventa e cinco) metros, água potável.

3o. ----, _Córrego "Cascavel", situado a oeste, com uma· descarga horar'.a de 1_.~00.000 (um milhão e duzentos mil) litros por hora, a oito qu_1lometros de distância, na altitude de 700 (setecentos) metros. Agua potável.

4o. - Ribeirão "Macambira" situad volume d'água de 800 000 ( . ' . ~ a sudoeste, com um

· oitocentos mil) litros por hora, distante

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doze quilômetros e na altitude de 700 (setecentos) metros. Agua otável. P R. ''S t A .. · " 5o. - 10 an o ntonio , situado a sudoeste com a

descarga horária de 5.870.000 (cinco milhões, oitocentose setenta mil) litros horários, e distante seis quilômetros na altitude de 655 (seiscentos e cinqüenta e ci ~co) metros. '

Do e~posto, conclui mos que para o abastecimento d'água dever-se-ia recorrer ao córrego "Cascavel" ou ao rio "Anicuns" não somente pela abundância das suas águas, como também pela sua maior proximidade dos reservatórios.

Cumpre-nos declarar, enfim, que todas as localidades examinadas pela Subcomissão exigem, para o abastecimento d'água, elevação artificial, não existindo em nenhum dos lugares estudados nascente d'água na altitude suficiente para o completo abastecimento por gravidade.

Pelos dados acima expostos, verifica-se que entre as 1ocalidades estudadas pela Subcomissão, o local conveniente para se construir a nova Capital do Estado deveria ser Campinas ou Bonfim.

Considerando que Campinas se acha situada no ponto centrice da parte mais povoada do Estado e a sua topografia é das mais apropriadas e belas para a construção de uma cidade urbanamente moderna, entre um vasto perímetro de terras de ótimas culturas, todas cobertas com matas de superior qualidade e que enormemente facilitarão a construção da nova cidade; a Subcomissão é de parecer que a nova Capital seja construída em Campinas, nas proximidades da "Serrinha'.', situada na direção azimutal de 130 ( cento e trinta) qraus, ou em caso de urgência em Bonfim.

As observações referentes à medição dos rios e córregos foram feitas pelo método de afluentes e os nivelamentos das altitudes tomadas e descritas no presente relatório foram feitas com um barômetro olostérico altimétrico compensado da Filotécnica de Milão,

Seria preciso declarar ainda que as medidas de volume d'água e nivelamentos, devido ao estado atmosférico da presente estação chuvosa,são aproximadas.

Terminando a Su bcom is são técnica, confiada na benevolência e alto critério de V. Exa.,, pede vênia pelas lacunas

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que involuntariamente possa ter cometido 110 presente relatório. Campinas, 4 de março de 1.933. Engenheiro J. Arqenta -Chefe da Subcomissão Engenheiro Jerônimo Curado Fleuri Dr. Laudelino de Almeida." Acatando as conclusões do "Relatório" da, subcomissão

técnica, a Comissão opinou pela escolha de Campinas, para nela ser construídaa futura Capital de Goiás.

Eis a

ATA DA REUNIÃO FINAL DA COMISSÃO INCUMBIDA DA ESCOLHA DO LOCAL

DA NOVA CAPITAL DO ESTADO

"A t O dias do mês de março de mil novecentos e os qua r . , g h trinta e três no paço municipal da cidade de Campinas, as ~ras, presentes os' Snrs. D. Emanuel Gom~s ~e Oliveira, D.~· Arcebispo de Goiás ilustre presidente da cormssao, e os demais membros, Drs. Laudelino Gomes de Almeida, lrani Alves Ferreira, Colem~r Natal e Silva, Jerônimo Curado Fleuri, João Argenta, Anto~10 Santana, Mário Ferreira, declarou o Snr. Presidente aberta a sessao.

Com a palavra, o Dr. secretário fez ver aos seus ilustres pares que, para não dar margem a explorações que se pudessem tecer em virtude da -sua posição de Diretor do Interior, cargo de imediata confiança de S. Ex a. o Sr. Dr. 1 nterventor Federal, e ao mesmo tempo secretário da comissão, submetia à apreciação dos Snrs. membros se devia ou não permanecer na secretaria da comissão, crendo que, mantendo o seu voto isolado, sem mínima parcela de direção no seio de seus pares, melhor se sentiria.

Falou em seguida o Dr. Laudelino Gomes, acreditando que, como a situação do secretário era anterior, não deveria ser aceito o seu pedido, e que deleg~va pode~es ao Snr. presidente para resolver o caso. S. E xa., depois de ~uvir os Snrs. membros da comissão, declarou que, acatando os escrúpulos do Dr. Colemar mas de acordo com a resolução de seus pares, não aceitava O seu Í,edid~ de substituição na secretaria da comissão.

E, a seguir, mandou que se procedesse à leitura da ata ante­ rior, que foi I ida e aprovada.

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Ordenou o Sr. presidente ao Dr. secretário que procedesse o ebiménto das credenciais dos representantes, apresentando os rec . M, . F .

0 s. 1 rani Ferreira e ano errerra as suas como representantes e:pectivamente do ~r. Gumercindo Ferreira e Cel. Antonio Pire­ ~eus de Sousa. Seguiu-se a leitura do relatório da Subcomissão, cujas conclusões tive~a~ apro~ação unâni~e~ votando os Srs. An­ tonio Santana e Mano Ferreira com restnçoes, o primeiro com a declaração de que era contrário a qualquer mudança provisória, para onde quer que fôsse, e o segundo que sendo ideal de todos os goianos a navegação do Araguaia, pois, ali, está o futuro mais promissor do Estado, deviam, por isso, procurar um local às mar~ gens da via fé~rea.., o~de se pu~esse construir com mais facilidade e sem grandes dispêndios uma cidade moderna, sem desvio do traça­ do primitivo.

O Dr. Laudelino Gomes, em face dessas condiderações, ex­ plica ao Dr. Mário que o pensamento do governo é justamente o de não abandonar o traçado primitivo da E. de F. Goiás e que o Ministro José Américo prometeu fazer um traçado para a nova Capital, sem desvio do primitivo,

De acordo com a conclusão do relatório da Subcomissão técnica, na qual se baseou, resolveu a Comissão finalmente que a nova Capital fosse construida em Campinas, nas proximidades da "Serrinha", em local que deverá ser oportunamente demarcado por estudos definitivos, ou que, caso venha a convir aos interêsses do governo uma mudança urgente, a melhor localidade para esse fim é a cidade de Bonfim.

Usando da palavra S. Excia. o Sr. presidente declarou que data venia, apelava para o nobre governo do Estado para que a conclusão da ilustre Subcomissão pudesse ter ainda, a todo o tem­ po, o parecer luminoso de nomes de técnicos de projeção nacional e internacional, o que foi por toda a Comissão subscrita.

Nada mais havendo a tratar, declarou S. Excia. encerrada a sessão e os trabalhos da Comissão.

"Eu Colernar Natal e Silva, Secretário, o escrevi e assino. Em;nuel Gomes de Oliveira, Bispo de Goiiás Dr. Laudelino Gomes de Almeida.

Dr. lrani Alves Ferreira Mário da Costa Ferreira Jerônimo Curado Fleurí

Eng. J. Argenta Antonio A. Santana

Colemar Natal e Silva"

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Como já me manifestei, o Estado de Goiás a}n_da estava muito atrasado muito falho de recursos de toda a especre. para se

' pensar em construir uma cidade moderr,a. . . . Técnicos especializados não axisnarn. T1vemo~ q1Je

contratá-los em São Paulo e Rio, mas sempre tendo em vista a insignificância de nossas rendas. .

De sorte que, sendo informado de que havia chegado ao Rio, d ip l orn ad o em curso de pós-graduação _na So~bone, um arquiteto brasileiro, o Dr. Correia Lima, que se tinha distinguido em uma de nossas Escolas, pusemo-nos em contacom com ele e o contratamos para fazer a planta e supervisionar todas as atividades necessárias à construção da cidade. Homem muito moço, muito educado, cumpriu perfeitamente as cláusulas do contrato, entregando-se com todo esforço e boa vontade ao papel que lhe foi cometido. Infelizmente, não pôde permanecer muito tempo na sua missão, voltando ao Rio, perecendo em um desastre de av.ião, em que tembém morreu o Bispo de Araxá.

Antes, porém, de contratar o técnico Correia Lima convidamos o conhecido urbanista Dr. Armando GodÓi a fim de estudar.º ~ocal pr_eferido para a nova Capital, segundo a 'conclusão da Comissão refenda no Decreto atrás transcrito.

. Depois de estudos e observações rigorosas, que lhe tomaram mu1~os dias andan~~ de automóvel e a cavalo, entregou o ilustre técnico o seu relatório, que vai em seguida publicado como prova de como levou ele a sério o trabalho que lhe foi afeto.'

"Exmo. Snr. Dr. Interventor Federal

Venho por meio deste dar-vos conta dos resultados a que cheguei,inspecionando os arredores da cidade de Campinas e exa­ minando os dados e informações que recebi do prefeito e morado­ res do respectivo município e colhi na leitura do relatório da culta comissá'o nomeada para escolher o local em que deverá ser cons­ truída a futura capital de Goiás.

Antes, porém, de entrar na anâlise dos vários elementos de q~e dependem a vida e a expansão de um centro. urbano, devo d1z~r-vos o que penso com relação.à oportunidade da mudança da ~p,tal de Goiás, problema que sobremodo vos preocupa e é deba­ tido por todos os que se interessam pelo futuro do vosso Estado,

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jas riquezas extraordinárias ainda não puderam ser exploradas c~r vários motivos, entre os quais figura o de não ter ainda aí ~urgido uma cidade moderna.

A CIDADE MODERNA E SUA AÇÃO CIVILIZADORA E ECONÔMICA

Outrora a idéia da construção de uma cidade, bem como ainda hoje entre os que ignoram as indiscutiveis influências civili­ zadoras e econômicas de uma vila moderna, tinha uma significacão bem diferente do que ela exprime para os que estudaram o assunto e estão a par dos resultados de várias espécies que proporciona infalivelmente todo o agrupamento urbano convenientemente pla­ nejado e realizado. Antigamente tal idéia significava, em geral, uma fantasia de povo rico, uma preocupação de ostentação e de mega­ lomania e de gasto dos dinheiros públicos em obras de luxo, só possíveis nas épocas de grande prosperidade e de facilidades de ordem financeira. É que outrora as cidades eram quase somente lugar de recreio e 'de exibição de riqueza, onde só se desenvolviam atividades sem fins econômicos, tendo como função preponderan­ te a de teatro para o gozo desenfreado das fortunas provenientes do trabalho agrícola. As agremiações urbanas tinham, sob o ponto de vista material, antes um destino parasitário, consumindo muito mais do que produziam. Hoje, graças à evolução social e à circuns­ tância de ter a Humanidade entrado francamente na fase industri­ al, a cidade moderna é um centro de trabalho, uma grande escola em que se podem educar, desenvolver .e apurar os principais ele­ mentos do espírito e do físico do homem e uma fonte de podero­ sas energias sem as quais os povos não progridem e não prosperam. É das cidades modernas que partem os vigorosos impulsos coleti­ vos e é nelas que se faz a coordenação dos movimentos e das atividades de uma nação.

Nos Estados Unidos, onde grandes centros urbanos surgiram e se desenvolveram rapidamente, tal verdade foi constatada de uma maneira sobremodo indiscutível. Influências civilizadoras, a valori­ zação das regiões circunvizinhas e o impulsionamento dos traba­ lhos agrícolas acompanharam sempre o estabelecimento e a expan­ são de vários núcleos de população no grande país do norte deste

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continente observando-se a mesma cousa em outras nações, haven, do na noss'a terra o belo e impressionante exemplo de Belo Horj. zonte.

A cidade moderna, quando se lhe· proporcionam todos os • ' N élementos de vida e ao seu estabelecimento e a sua expansao se

prende um plano racional, isto é, que obedece às determinações do urbanismo, é um centro de cultura, de ordem, de trabalho e de atividades bem coordenadas. Ela educa as massas populares, com. põe-lhes e orienta-lhes as forças e os movimentos coletivos e des­ perta as energias extraordinárias entre os que é) í vivem e ficam sob a influência civilizadora. Onde se estabelece uma cidade moderna e bem aparelhada, surge a trindade econômica sobre que se baseia a atividade material, que é ao mesmo tempo industrial, bancária e comercial, valorizando a terra numa grande extensão e evitando 0 êxodo das fortunas que nela se formam, bem como a emigração de seus habitantes, principalmente dos que constituem a elite os quais, é natural, só se sentem -bern onde encontram campo vasto para as suas atividades espirituais.

AS RAZÕES DO ATRASO DE GOIAS

Atribuo o pouco ponderável progresso do vosso Estado ao fato de nele ainda não ter podido surgir um centro urbano com todos os elementos necessários para se expandir e estimular as múltiplas atividades que caracterizam a vida econômica e social de um povo. A necessidade disso se vem impondo há muito tempo e vós e outros goianos ilustres, bem como vários homens importan­ tes que visitaram Goiás, compreenderam que se não pode mais adiar a solução de tal problema, tão premente ele se apresenta.

A OPORTUNIDADE DA MUDANÇA

Preciso dizer.qus não procede o argumento de que as cond(· ções financeiras atuais de Goiás não comportam um tal empreendi­ mento. Para aqueles que vêem na criação de uma nova cidade uma exibição ostentatória e uma fantasia oriental e·nababesca, tal argu·

"" mento tem muita força e lógica. Para o técnico, porém, ele nao

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tem nenhum efeito conveniente, p_ois o principal objetivo dos mo­ dernos centros urbanos estabele~1~os em vários países foi O de obter, nas z~nas er:n que eles surgiram, o que está faltando para Goiás e tem lrnped ido e~ grande parte o aproveitamento das suas riql.lezas é o_aumento rápido. da sua população. A história de várias cidades surgidas neste século, algumas com menos de três decênios de vida, aí está para responder com eloqüência aos que receiam que se agravem as condições financeiras de Goiás com a mudança da sua Capital.

Com efeito, Belo Horizonte, não obstante haver surgido em pleno sertão, atraiu vultosos capitais, inúmeras indústrias e é hoje um grande centro comercial e de cultura, sendo de notar que a antiga capital mineira, Ouro Preto, continua a viver como outrora, tendo mesmo se expandido algo, não havendo regredido como se supunha. Letchworth na Inglaterra e Gary nos Estados Unidos, com menos de trinta anos, não obstante ficarem relativamente pouco afastadas de grandes centros, são hoje campo de uma consi­ derável atividade industrial por haverem sido convenientemente projetadas. É que a indústria e o comércio, em virtude das exigên­ cias resultantes da sua expansão, só se acomodam nas cidades onde se acham reunidos os elementos que unicamente a vila moderna pode proporcionar.

O FINANCIAMENTO DAS OBRAS

. Cumpre-me agora tratar de, ligeiramente, mostrar que o re- ceio de que o estabelecimento em outro local, da capital de Goiás, vai determinar despesas que ele não pode enfrentar não se verifica. Com efeito, a fundação da capital em uma determinada zona lhe valoriza enormemente os terrenos. De maneira que no caso de se observarem as determinações do plano de valorização gradativa que o· projeto da futura capital estab~lecerá, basta a venda dos lotes para que o Estado alcance todos os recursos necessários para a execução das obras principais e dos edifícios públicos. Temos a prova d isso 110 que se vem observando em vários centros novos e em diferentes bairros de algumas cidades. A execução fiel do plano das obras produz uma valorização crescente dos terrenos. Outro elemento de valorização será o aumento rápido da população, bem

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nte O surto, que aí se há de como para isso conco~rer~ en_orm;me aneira que tais fatores auxi- verificar, de inúmeras industrias. ~ mtemente elaborada e condu- . d conven 1en liados por uma propagan ª ·derável do valor dos lotes, os zida produzirão um aume~to câ~J1 que a cidade for expandindo, quais,vendidos por p~rtes~ ª "" I Jos os recursos para realizar o darão à administração publica to plano da nova cidade. .

O PROBLEMA DOS EDIF(CIOS PUBLICOS . e cumpre dissipar e que resulta de um

Há_ um outro ,receio q~e é mister combater. Tal receio e tal preconce~to larpe~tavel, à~ ~randes despesas com a construção dos P~fcío~ce1to, bse1·croeserÉemque muita gente, entre nós, supõe que os edl CIOS pu 1 • • b I d . , . , bli devem ser luxuosos para que seJam e os, e edif ICIOS pu ICOS f T 1

· · ponente e bem correspondam a seus 1ns. a pre- arquitetura irn , bli eito que sobremaneira tem onerado os cofres pu rcos, pro-

cone 1 , diff · 'blº - · vém de uma desastrada orientação. Um e 1 1c10_ pu 1c? nao pre:1- sa de ser constituído por materiais caros para se impor a admiração geral sob o ponto de vista estético. A beleza ?e ~m? ~onstrução está na relacão das suas diferentes partes e na distribuição dos seus volumes. O governo do vosso Estado pode perfeitamente resolver o problema da edificação dos prédios destinados a abrigar os vários órgãos da administração pública sem despender somas elevadas, conseguindo, ao mesmo tempo, o objetivo de dar à futura cidade elementos que muito contribuam para a sua beleza. Como bem disse o ministro do interior do último governo dos Estados Unidos, no discurso com que abriu o congresso, reunido há dois anos na­ quele pafs, para estudar o problema de habitação uma casa de madeira, com um só aposento, desde que seja bem estudada arqui­ te~on~came~te_, pode ser um motivo de beleza para uma cidade. Os ed1f (elos publicas da futura capital podem perfeitamente corres­ ponder a seus fins, incli!sive os de ordem estética, concorrendo, portanto, para aformosea-la, sem que, entretanto a sua construção absorva elevadas somas desde · ' · ... . , ,.. , que sejam bem proietadas e nao haJa a preocupaçao de se realizar obra de luxo.

A so:uçAo DA OU ESTÃO DOS TRANS'PORTES A soluçao do proble d

futura capital acessível ~ªb. as estradas que devem tornar a aos ª itantes das diferentes regiões deve

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r completada pela do problema do carburante. Atribuo a ~quena expansão econômica de Goiás ao fato de se não haver ainda resolvido ~ ~uplo proble~a das estradas de ~odagem e do carburante ex1g1d~ pelo veiculo moderno. Nao é possível resolver-se ~m ~ 01.ás o p~oblem~ do transporte mecânico, recorrendo-se a essencra e ao oleo mineral, os quais chegam aos diferentes centros d~ trabalho por um preço proibitivo. Não há mercadoria que resista ao transporte por meio de caminhões, pagando-se a. gasolina pelo dobro_?º preço do seu custo em S. Pau-lo e no Rio de Janeiro. Em Goiás, o transporte de mercadorias só pode ser economicamente efetuado, recorrendo-se aos caminhões a motor Diesel, adotando-se como carburante os óleos vegetais de que é fartamente rico o nosso Estado. Os caminhões a óleo ou a gasogênio transportam a preço baixo várias mercadorias a grandes distâncias. A indicação que venho de fazar produzirá o duplo efeito de resolver o problema do transporte barato e de provocar o surto da indústria dos óleos vegatais, que apresenta belas perspectivas em Goiás.

A NECESSIDADE DE UM PLANO RODOVIÁRIO

A futura Capital,. ligada por estradas regulares às dif~rente~ zonas, não só as impulsionará economicamente como receberá delas inúmeros e ponderáveis elementos dê vida. Convirá ao Governo estabelecer um plano rodoviário para ser executado por partes durante alguns anos. Quanto maior o número de vias de comunicação que convergirem para a cidade em projeto, tanto ma is rápido serão. o seu crescimento, a valorização dos seus terrenos, o desenvolvimento comercial e o progresso industrial. 11 u stro a minha afirmação, citando o exemplo eloquente de Chicago, que graças às inúmeras vias de comunicação que dela partem, teve a sua população, de cerca de poucas dezenas de milhar, há. perto de oitenta anos, elevada acima de três milhões em menos de um século. Entre nós, há o caso de Belo Horizonte, cuja expansão só começou a verificar-se depois que foram construídas as .estradas, ligando a Capital de Minas às zonas mais produtivas do Estado mediterrâneo. A valorização dos lotes foi rápida, sem paralelo em outras cidades mineiras, tendo produzido várias fortunas a venda dos terrenos. Infelizmente, o citado Estado não

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5 eito Com efeito, é ao Estado que procedeu convenientementefa reta'Pst·,co~ que·resultam de tal negócio b d d . lto os·lucros an . - ca em e ire, d' 'gido pois a valonzaçao dos

quando conven ientement? d,re, at~s do governo e· de obras que só provem . terrenos quase . d d s lotes deve ser fe, ta por ele; à

públicas. Sendo ass, m, a ven ª 0

dld · dade for crescendo. . ... me .' a que a e,... insisto em pôr a administraçao de Goiás Eis a razao por que 1 • ·d 1 · . t a exploração por particulares, · e ta negócio. de sobreaviso con ra ' f 1 • d · temente orientado e. se or rea rza o Por Se ele for convenien . E d , , did que a cidade se for expandindo, o sta o podera etapas, a me I a .

obter os recursos necessários para ,executar o importante plano de obras que terá de empreender. Ha um outro ~specto para ? quNal me cumpre chamar a atenção do governo goiano. A valon~açao dos lotes a sua ocupação racional, bem como a beleza do conJunto resultamde umasérie de obrigações que se impõem no ato da venda dos terrenos. Quando ela é entregue à iniciativa particular, a • preocupação exclusiva é, em geral, de lucros, por rcos, de ordinário, se importando com a beleza, as condições higiênicas e econômicas que vão resultar 'da edificação rios lotes, Temos o exemplo de várias cidades-jardim. que, não obstante serem constituídas de casas modestas, feitas para abrigar famílias pobres, são formosas e alvo de admiração por apresentarem conjuntos arquitetônicos de notável beleza. 1 sso só se consegu iú mercê de uma sé ri e de condições, muitas das quais são impostas na ocasião da venda.

O DESTI l'JO DOS ARREDORES DA C~DADE

Um outro aspecto,de C'lnsideráve~ importância,do prob!ema de que ora me ocupo se refere· aos arredores da cidade em proíeto, Outrora se descurava de tal aspecto, disso resultando inúmeros males. Quantas cidades se desenvolveram mal e se tornaram organizações raquíticas, por se não haver cuidado convenientemente dos seus arredores. Deles elas recebem múltiplos elernentos de vida, sendo, Pois, indispensável que o plano de qualquer centro urbano envolva os terrenos circunvizinhos, estabelecendo-lhes o destino·.

O uárbanismo amplio,i o seu campo de ação estendendo os seus tent culos ao c~mp ... ' . · "

0, nao somente Para sugar elementos de que

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recisam as agremiações humanas, mas também para veicular ~ousas indispensáv~is à vida rural. E que as cidades não são mais parasitárias no sentido material da palavra, verificando-se entre elas e O campo a eterna troca de produtos e de ações que caracteriza a ex istên ci a s oci a 1.

Uma cidade moderna não só precisa dispor de reservas de terreno para a sua expansão futura, .como também necessita que, em torno dela, as populações campesinas cresçam converJientemente e se entreguem a determinadas atividades, de maneira a fornecer-lhe aos habitantes produtos indispensáveis a preço razoável, bem como contribuir para· a expansão do comércio urbano. Um centro urbano não pode se expandir e viver em regulares condições econômicas se apresenta uma moldura de latifúndio. 1:, pois, indispensável que do programa relativo ao estabel·eci menta de uma nova cidade conste um plano de colonização para os seus arredores, ficando os destinos das parcelas de terreno em que forem divididos estabelecidos de maneira a se alcançar que as atividades agrícolas se orientem no sentido mais conveniente à existencia e à expansão da cidade. De tal fato resultará indubitavelmente uma vida urbana muito mais intensa.

Toda a aglomeração urbana consome uma série de elernen­ tos que, para serem vendidos a preço razoável, ao alcance dàs classes pobres e em boas condições, não podem vir de longe, de­ vendo ser produzidos a pequena distância. Entre esses elementos figuram o leite, legumes, aves, várias frutas, lenha etc. É, pols.claro que tudo se faça para se obter que se estabeleçam nos arredores da futura cidade granjas com todas as condições para se obter bom ~eite, excelente manteiga e outros produtos da indústria correspon­ dente: chácaras para frutas e legumes, a avicultura etc. O governo, ao fragmentar os terrenos que ficarem nos arredores da projetada capital, deve visar que as atividades a se desenvolverem neles te­ nham por fim fornecer aos habitantes tais elementos. Deve mesmo, para isso; promover o estabelecimento de algumas organizações modelares, que sirvam de paradigma para todo o Estado. ·1:, portan­ to, indispensável que os terrenos nos arredores sejam desapro­ priados.

A ENERGIA ELÉTRICA

A eletricidade é a forma de energia que mais facilmente se

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d por isso, maior souplesse e transforma em outras, aprese~t?n do, hornem. E é esta razão pela

· dom1nio o · · sendo mais submissa ao . d rn a nos seus mais Importantes qual ela está acionando a vid~ mo t é tudo. Domina a existência aspectos. Na cidade. progressis(i~ ~;tensa que for·1ece, permite a urbana durante o d1a,e. pela acas nas avenidas e dentro dos circulação atra_vés da noite, nas pr r.ria~ à noite antes do homem edifícios. As _cidades com~ qu~ m;overnar tão poderosa força. A haver conqu1stad_o os meios íal a que tem por fim divertir as atividade industrial, ª .c.omerclad, não podem dispensar tão

"d doméstica mo erna massas,. a, ~1 a nto ue é capital para o progresso urbano. extraordinano efeme '. q b moderna nas mais grandiosas Não se· compreende mais a ur e .: .

nas suas mais comuns manifestaçoes, sem luz e força como . .... elétricas ao alcance de todas as hab1taçoes.. . ,

Em razão, pois, do que acabo de dizer, o Governo de Goiás deve empreender todos os seus esforços para que o problem~ da utilidade de que ora me ocupo seja estudado com toda a atenção e resolvido de modo a não se verificarem os males de que sofre a sua atual capital, bem como outras cidades brasileiras. Muitas indústrias e atividades comerciais evitam os centro urbanos em que a energia elétrica é cara, buscando estabelecer-se onde o seu preço seja razoável. Seria de boa política se o Estado explorasse por sua conta tal serviço, a fim de poder fornecer a energia elétrica pelo preço mais módico possível, tendo com isso em vista as facilidades correspondentes de vida na futura capital, bem como atrair· várias indústrias indispensáveis ao desenvolvimento de Goiás, e cujos e~ementos·. nele se encontram em larga escala. Uma usina hidro:lé ... trtca bem projetada, com despesas mínimas de transm1s~ao, graças à circunstância de haver no local escolhido e perto dele quedas d'água d b .. . .. primeiros lustros d id e ºª potencia,. suficlenres para as dois

e v1 a estou certo p · · , E d fornecimento de luz e f ' . , . erm1t1ra ao sta o o Governo goiano levanta o;ça ª preço ba~~º· Penso ser fácil ao usina, a.soma necessáriar: ando em g~rant1a hipotecária a própria

a sua construçao. A DISPENSA DE

. DESEN~~~~f ~~~/OMQ ESTfMU.LO AO Jmd · , O URBANO

é . os meios mais eficientes a dispensa, durante o . _.Para a construção r apida de .cidades

Primeiro pe , d · . ,.· . rro o de ex1stencia, de certos

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impostos, entre os qu~i: o de con~trução e mesmo predial durante "JrtO prazo. A suspensao destes impostos estimula sobremodo as ;~ificaçí5es. Também devo fazer referência aos que incidem sobre as indústrias q~e ~xploram e fornecem materiais de construção. A dispensa de tais I mP.O:itos se recomenda numa cidade nova em formação, em relação a qual há o máximo interesse em que cresca e se deseiivolva o mais rapidamente possível. Os que tiverem de dirigir a construção da futura Capital de Goiás devem tomar todas as providências no sentido de fomentar as edificacões.

PROPAGANDA

Outro recurso que se tem empregado para a formação de novos centros urbanos é urna propaqanda bem dirigida no sentido de atrair capitais e habitantes. Ternos a. respeito um exemplo bem eloqüente na construção de ~,"cgnit0gorsk, pela República Russa. Trata-se de urna cidade industrial, que surgiu em zona deserta. Todos os meios de propaqanda foram empregados, figurando entre eles a rádiodifusão, o teatro, o livro, o jornal, o cartaz etc. Um dos efeitos foi despertar em toda a parte um grande interesse em se ver surgir n u rn a zona inteiramente despovoada uma cidade modernfssima.que. não obstante ter sido iniciada há menos de 5 anos, já conta duzentos mil habitantes. A mesma cousa se observou com relação a Hadburn. que é urna vila modelar, constru ída de acordo com todas as exigências do tráfego e da vida moderna.

A UNI DAOE OE DIREÇÃO NA ORGANIZAÇÃO DO PLANO DE UMA CIDADE

A cidade em conseqüência da expansão da vida social, do progresso, da ciência e da indústria, se aperfeiçoou consideravel­ mente nos três primeiros decênios deste século. E la hoje se nos apresenta como um verdadeiro ser vivo. Ora, como todos sabem, h~ a maior dependência entre os órgãos e elementos dos seres vivos. Entre os elementos urbanos também se observam relacões de dependência, exercendo cada um sua função e a ação d~ todos

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convergindo para o mesmo fim. Sendo assim, é mister que a elabo­ ração do projeto de· uma cidade obedeça a uma _mesma direção, para que todas as suas diferentes partes se ha_rmoniz~m ~o melhor modo possível. O traçado dos vários logradouros publ1cos,, o zo­ neamento, a divisão dos terrenos em lotes, as redes de agua e esgotos, a iluminação, a arborização, o calçamento e~c. dev7m ser projetados em conjunto,a fim de alcançarem as soluçoes mais eco­ nômicas. Por se não haver atendido às relações existentes entre os elementos que venho de citar, muitas cidades se atrofiaram, outras não se expandiram senão de modo imperfeito e muitas oferecem más condições de vida aos seus habitantes e acarretam grandes despesas com os serviços públicos. Eis a razão por que os projetos não podem ser elaborados de afogadilho, sendo indispensável que haja contato contínuo e troca de idéias entre os técnicos a que for confiado o estabelecimento dos planos dos vários elementos urba­ nos. Se o projeto da futura capital de Goiás for traçado e organiza­ ~º C_?nform~ venho de indicar, as despesas com a sua execução ficarão ccnsideravelrnente reduzidas e o Estado de Goiás dará um belo exemplo aos outros da nossa federação, constituindo tal exe~~lo uma r:,clame de primeira ordem e um motivo para atrair cap1ta!s: os quais só pro~u ~a~ centros em que se encontram todas as !ac1l1dades para a exrstencía coletiva e a multiplicação da vida social.

CAMPINAS

Cumpre-me agora expor o resultado da inspeç~o que fiz nos arredores de Campinas, cujos terrenos foram escolhidos como os mais apropriados para servir de sede à futura Capital de Goiás. Pelo que observei "in loco" e pelas informações que me foram dadas, penso que preenchem os ditos terrenos e o ambiente correspon­ dente os principais requisitos para comportar a fundação de um moderno centro de população. Julgo ter agido a ilustrada Comis­ são com todo o critério. A escolha em Goiás de um local apro­ priado para uma cidade. é tarefa fácil sob o ponto de vista físico, pois, durante a yiagem de trem e de automóvel, através de algumas das suas mais belas regiões, observei inúmeros sítios realizando as principais condições indicadas pelos mestres de urbanismo. O pro· blema, porém, não deve ser encarado apenas sob o ponto de vista das condições topográficas, hidrológicas etc. Há outros elementos

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que desempenham função importante na vida urbana e que se não podem colher se~ão após um exame prolongado e uma enquête demorada. Campinas está de fato- situada em uma região indiscuti­ velmente preparadapela natureza para servir de sede a uma moder­ na .cidade. Para justificar a m_inha afirmação, cumpre-me passar em revista os elementos que tive de examinar, antes de aprovar a feliz escolha da Comissão a quem foi cometida a honrosa tarefa de inspecionar os locais apresentando condições mais favoráveis.

A SITUAÇÃO

Falemos primeiramente do que diz respeito à situação em que se encontram os terrenos escolhidos para servir de sede à futura Capital. Uma das circunstâncias que mais deveriam ter in­ fluído no espírito dos ilustres membros da Comissão que optou por Campinas foi a de se encontrar a pequena distância da linha férrea que penetra no Estado, distância que pode ser vencida em pouco mais de uma hora, desde que se ligue aquela cidade à esta­ ção mais vizinha, que é Bonfim, por uma rodovia apresentando regulares condições técnicas. Julgo não haver necessidade de se recorrer à ligação ferroviária, pois penso que os modernos ônibus e caminhões automotores satisfarão a todas as necessidades de co­ municação, sem que seja necessário apelar-se para aquela solução, hoje sobremodo onerosa. Mais para o futuro, poder-se-à recorrer à estrada de ferro. Outra condição realizada por Campinas, que mui­ to deveria ter concorrido para a escolha feita, é a de estar o local em questão no centro da zona mais próspera e habitada do Estado de Goiás. O referido local é como que o centro de gravidade da mencionada zona, de onde provêm os recursos e os elementos de vida do Estado, Tal circunstância é de fato de grande peso e devia ter atuado fortemente para a decisão final. É nesta parte de Goiás que se desenvolveram em maior escala suas forças produtivas e que se concentrou principalmente a· maior parte de sua população, ainda diminuta comparada com a grande superfície e as considerá­ veis possibilidades do mencionado Estado. A gravitação dos inte­ resses máximos operando-se em torno de Campi~as e ac~ando-se nos arredores de tal região os centros de populaçao que tem apre­ sentado maior vitalidade, era natural que para a referida localidade se voltasse a preferência da Comissão.

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CLIMA

Tratemos agora do clima, o qual se ~ode classificar de_ exce­ lente, a julgar pelo que observei e se me 1~fo~mou a respeito. O clima é determinado principalmente pelo~ :egu,ntes ele~entos: la­ titude, altitude, direção dos ventos, cond!çoes t?po~ráf1cas, geoló­ gicas e hidrográficas do terreno. Se a latitude e baixa em Campi­ nas influindo tais circunstâncias para as temperaturas altas, em compensação a altitude é, nos lugares de cota inferior, superior a 700 metros, o que influi sobremodo para que.ª coluna termométri­ ca indique, nos dias mais quentes, 'qraus perfeitamente suportáveis. Pude constatar 'ísso. pois a primeira vez que visitei o local o céu se achava carregado de densas nuvens, de chuva, que anunciavam um forte aguaceiro, o qual se precipitou à noite. Todos nós sabemos que, nas horas que precedem as violentas borrascas de verão, nas zonas tropicais, as temperaturas observadas são máximas. Não obs­ tante as más condições atmosféricas na ocasião, não experimentei mal-estar. Outro elemento que é bem favorável, no local, pois concorre sobremodo para a doçura do clima, é o grau higrométri­ co, para o que concorre a circunstância de, nos arredores de Cam­ pinas, os ventos não encontrarem obstáculos de ordem orográfica. Todos os terrenos se acham bem expostos à influência das corren­ tes aéreas. Como já disse, a vasta superfície em torno da referida povoação goiana só apresenta ligeiras ondulações. Também concor­ re para o favorável grau de umidade a circunstância do rio Meia Ponte e dos regatos que banham a área em questão não apresenta­ rem .~arger.ts alagadas. Isso provém da permeabilidade e da regular declividade dos terrenos. As águas fluem com boa velocidade for­ ma~do fortes correntes em vários trechos e as secções não variam muito,. ·sendo relativamente uniformes. Também concorre para temperar o r · · h ·

1 e 1.ma a vrzrn ança de matas, as quais constituem um

e emd ~nto precioso nas proximidades de um centro urbano pelas ma eiras e pela lenha que d f , inf .. · b po em ornecer, bem como pela salutar uencia so re as condt ... f · porciorl'ar b ,ç~es at~os éricas e pelo que podem pro-

so o ponto de vista paisagista e recreativo.

CONDIÇÕES .TOPOGRAFICAS

Com relação ·às condições topográficas, nada, de fato, pude observar contra a escolha feita. Os terrenos se estendem em torno

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~

* . - ·-· - .... 1 Dr. Pedro Ludovico no local onde foi construido a cidade de Goiânia.

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d0 velha e pequena cidade de Campinns, apresentando,até pontos bem af as t ados , as m ais SUé::ves ondulações. Os acidentes topográficos nenhuma dificuldade oferecem q: re se oponha ao traçado moderno. As aven idas e ruas podem ser orientadas do modo mais favorável.sern que isso dê luqar.a dispendiosas obras de terraplenagem. Os arredores são lindÓs, oferecendo à vista, qualquer que seja o ponto_ do horizonte visado, formosos e encantadores panoramas, O terreno é compacto e de constituição rJniforme, si I ico-arqi los o, resisten te, realizando e apresentando as melhores condições para permitir a fundação de futuros edifícios. Gracas à suave declividade que se nota nas formosas ondulacões nas· arredores de Campinas, o problema dos esqntos, tanto das tg,1as r e s id u ais corno das pluviais, será resolvido sem exigir consideráveis dispêndios. O mesmo se pode dizer relativamente ao calcamento. 0 qua! poderá ser realizado sem acarretar grandes despesas com a compressão dos terrenos. Verifiquei também que há duas colinas em que se podem colocar os reservatórios d'água.

AS CONDIÇÕES HIDROLÓGICAS

Entre as elementos maís indispensáveís il fundacão e desenvolvimento de um centro urbano figura a água. Sem tal elemento ao alcance dos habitantes de· uma cidade, a qualquer hora do dia ou da noite, nos mais elevados pavimentos dos prédios, ela deixa de realizar um dos principais requisitos estabelecidos pela vida moderna. O consumo d'água tem crescido nos últimos anos 11..-::s aqlornerações humanas civilizadas. É que as cidades tendem a ser cada vez mais limpas. Além do aumento do seu consumo rio interior das habitações, verifice-se também um maior gasto nos logradouros públicos, nos jardins e parques. A educação física está por sua vez reclamando o 'estabelecimento de piscinas nos vários bairros distribu (das de modo que o esporte da natação esteja ao alcance de todos os habitantes de um centro de populacâo. Eis a razão por: que se reclama urna média mínima de 450 litros por pessoa. Em Campinas, corre o rio Meia Ponte,com uma descrrqa de mais de quinze milhões de litros por hora. Nesse rio há a corredeira Jaó, com a potência de mais de 450 cavalos. A cerca de 7 quilômetros de Campinas, passa a rio Anicuns, com uma descarga horária de nove rnilhões e seiscentos mil litros. A sua ág11a é

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excelente. Há ainda os seguintes riachos: o Cascavel, corn tJrn milhão e duzentos mil litros por hora; o Macarnbira, COM cinco milhões e oitocentos e setenta mil litros .. Portanto, sob o pnnto de vista da existência, em quantidade s•Jfidente, do elemento a qu~ nos estamos referindo, Campinas é admiravelmente dotada Pela natureza. podendo, pois, servir de sede a uma grande aglomeracão urbana, com a l qu rn as centenas de milhar de habitantes. Recorrendo-se e. açudaqern, pode-se obter ainda um maior volume de áque.

A FERTILIDADE DOS TERRENOS

É outrossim necessário que faça referência e fertilidade dos terrenos de que ora me ocupo. Pude constaté-la.vlsitsndo algumas lavouras existentes no loccl. Vi alguns milharais já nas vésperas de se fazer a colheita. Os pés de milho se elevavam a grande altura e as espigas eram enormes. Examinei também alguns feijoais e arrozais etc. Em suma, as plantações e o gado que pude ve'r indicam que os terrenos são magníficos para a cultura de cereais, algodão, fumo e frutas e para a pecuária. Em Campinas, há uma propriedade per­ tencente a missionários alemães.que nela cultivam várias frutas, inclusive a uva, colhendo-se esta última em quantidade suficiente para permitir uma regular fabricação de vinho.

LUZ E FORÇA

Já em linhas anteriores mostrei o papel importantíssimo que representa a energia elétrica em um -centro urbano. O consumo desse elemento tende também a crescer com a civilização. Nos últimos vinte anos, o número de quilowats-hora gastos pelas cida­ des progressistas e!TI todo o mundo tem ido além das previsões de muitos técnicos. Da( o reforço de muitas usinas relativamente re­ centes e o estabelecimento de ·formidáveis centrais elétricas com a potência de muitas centenas de cavalos para servir a grandes cen­ tros de populaçã_o. Além disso, mercê dos extraordinários progres- sos da eletrotécnica, está-se operando a interconexão entre as cen­ trais existentes em cada país, e mesmo entre as de nações vizinhas, com o fim de repartirem entre si as sobras de energia que ocorre­ rem.

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Felizmente, Campinas é banhada pelo rio Meia Ponte, que apresenta, como já disse, uma quedé!, natural com uma potência de cerca de 450 cavalo_s,_ ª. qual pod~~a ~er a, rrnentada no caso de se ecorrer à queda artificial. Como Ja disse, para a primeira fase, tal ~otência será suficiente, não havendo necessidade de se apelar para as quedas próximas, situa~as a m~nos de cem quilômetros, segundo se me informou. Além disso, há a duzentos e poucos quilômetros a possante Cach~ei~a ~01Jrada, _aprese~tada pelo curso do ParanéJíba. Tal di stân ci a é h oj e facilmente vencida pela eletrotécnica. Graças aos meios modernos de isolamento, os quais permitem a tr?n~missão de centenas ~e milhar de cavalos com tensões elevad1ss1mas, havendo a respeito o recente exemplo da linha francesa de quinhentos quilômetros com a tensão de 220 mil volts, transmitindo mais de cem mil quilowatts, do macice central a Paris. O que se faz mister é que o governo goiano tudo faça com 0 escopo de poder fornecer aos habitantes da futura Ccpitai força e luz pelo menor preço possível. O desenvolvimento e a properidade do centro urbano em projeto ficará dependendo enormemente de tal condição.

MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO

Entre os elementos que mais influem na expansão de uma cidade figuram a pedra, a areia, a argila, a cal, a madeira etc. Segundo informações que me foram prestadas e pelo que em parte observei, há possibilidade de se obter pedra, areia, argila para cerâmica e madeira em quantidades suficientes, senda, entretanto, mister que a indústria de tais materiais seja estimulada por uma série de medidas, sendo preferível que a ação do fisco não incida sobre ela durante largo período. Fui também informado de que nos arredores de Campinas ht rochas calcáreas, permitindo, pois, que ar se funde a indústria da cal e,mais para o futuro,a do cimento, cujo consumo tem crescido nas cidades. O ferro e os outros materiais têm de ser importados.

É, entretanto, necessário proclamar-se que, graças às favoráveis condições locais, os slementos que entram em maior volume nas construções se podem obter em Campinas e nos seus arredores.

Como já disse antes, um dos receios de filhos ilustres do

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futuroso Estado.quanto às grandes despesa_s a que se~á co~Pelido para construir edifícios p•Jblicos da nova cidade, prP.?1so. dizer que não há necessidade de realizar completam~r,~e na pn m?.1 ra fase os projetos que forem est8belecidos. Esses pr:oJ etos sendo o~gan izados para sofrer acréscimos futuros, na medida das necessidades, as somas a despenderficam bem reduzidas. Há, a respeito, o exemplo de Camberra, nova Cepital da Austrália. Os planos dos edifícios destinados às m•.1ltiplas atividades do Estado foram limitados ao que foi estritamente necessário. O número de pavimentos dos maiores foi diminui'do, aguardando-se que as necessidades reclamem mais escaco para se executarem os andares elevados. É assim que se deve proceder para se evitar as reconstruções onerosas de edifícios públicos, o que tem acontecido entre nós, por se não haver previsto necessidades futuras e se ter tido a preocupação de construções definitivas.

A mesma cousa se pode afirmar com r?lação ao c2lçam~~to das vias públicas da futura Capital, Poder-se-a re,s0lver o yroble~a do revestimento dos loqradouros, recorrendo-se a pr.ote?ªº par~1~I, 0 que satisfará todas as exigências d~ tráfeqo n,o prime, ro ~ecenio da cidade, visto como em tal pen odo o numero provável de veículos não poderá ir além de limite inferior. Julqo que os primeiros elementos da projetada Capital não devem ser calculados para mais de dez mil pessoas.

Quanto à área a ser desapropriada para a cidade e as reservas necessárias à sua futura expansão e à pequena agricultura, julgo ser suficiente a contida em um raio igual a quatro quilômetros, tendo para centro o local em que se e-rcontrs a estaca zero, Isto é, o ponto de onde foi iniciado o levantamento da planta pelo Engenheiro Argerita. É indispensável que se adotem para limites da· área a ser desapropriada talwegs ou linhas de cumeadas, muito embora isso importe em se exceder um pouco para mais ou menos a circunferência do ctrcuto acima indicêdo.

Urge, outrossim, que as bacias dos riachos escolhidos para abastecer de água ~ f~Jtura Capital, sejam desapropriadas até as nascentes. Nada mais importante tendo a dizer, encerro este, no qual penso haver dado todas as indicações necessárias para vos

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orientar a respeito do ~ro~lema d? mudança ?ª Capital, 0 qual resolvestes atacar com critérlo superior e a energia necessária.

Rio de Janeiro, 24 de abril de 1933 Armando Augusto de Godói

Engenheiro Civil".

Levando em conta· a opinião abalizada do técnico Armando de Godói e da Comissão Encarregada da escolha do local baixamos o decreto no. 3.359, de 18 de maio de 1933: '

O Interventor Federal, neste Estado, resolve decretar o seguinte:

A rt. 1 o. - A região às margens do córrego Botafogo, compreendida nas fazendas den orni nadas "Criméa", "Vaca Brava" e "Botafogo", no município de Campinas, fica escolhida para nela ser edificada a futura Capital do Estado, devendo o Governo mandar organizar o plano definitivo da nova cidade, de acordo com as seguintes beses:

1 o. - ~emarcação da região, fixação das zonas urbanas, suburbana e rural e divisão dos terrenos em lotes de maior ou menor área, conforme a zona em que fiquem situados e os fins a que se destinam, estabelecendo-se, em regulamento especial, os seus preços e o modo por que devem ser vendidos;

2'). - demarcação das áreas destinadas às construções dos edifícios públicos federais, estaduais e municipais, escolas, templos, bibliotecas, museus, teatros, cemitérios, hospitais. mercados, praças, quintas e [ardins públicos, passeios, estações, oficinas e armazéns ferroviários e estações para os meios de transportes urbanos ("ônibus" e "tramways") etc.;

3o. - regulamentação do plano geral de edificações, com estabelecimento das regras de higiene e arquitetura que deverão presidir às mesmas;

4o. - abertura de concorrência para construção dos edifícios públicos, mandando proceder aos orçamentos respectivos, podendo também construí-los administrativamente, se assim julgar conveniente aos interesses do Estado, ouvido o Conselho Consultivo· ,

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.... d -favores ou privilégios a particulares 50 - Concessao e _ b · OlJ · . de iluminaçao, a astecrrnento de águ empresas p~ra .... o sebrv1ço recedendo audiência do Conselho eis, esgotos e vraçao ur ana, P n- sultivo. 2 - O Governo do Estado entender-se-á com o rnunj.

Art. o. · d t "' , · cípio de Goiás sobre o empreg? de meros e pro eçao ª c1~ade, atual sede da administração pública, res~u~rd~ndo-a da decadencia.

§ único _ Aos proprietários de rmovers, entretanto, nenhu- ma indenização se fará, a pretexto de mudanç~ ?~ sede do Gover­ no mas aos funcionários públicos, com dornicftio necessário na ca~ital do Estado, será concedido um l?te ?e área, segundo as prescrições do regulamento geral que se baixara sobre o assunto.

Art. 3o. - O Governo fará construir tantos prédios quantos requeiram os funcionários públicos que tenham dom1cílio na Capi­ tal do Estado, facilitando-se-lhes o pagamento em prestações, que poderão ser deduzidas de seus vencimentos, se assim o desejarem.

§ 1o. - As prestações serão mensais na proporção mínima de 30% dos vencimentos mensais de cada empregado.

§ 2o. - As vendas de lotes ou de casas, quanto às prestações, entender-se-ão feitas com reserva de domínio ao Estado

' considerando-se rescindido contrato, sem qualquer lndenlzacão desde que o contratante deixe de p aq ar as presta~õe~ correspondentes a um semestre. ·

Art. ~o. - A Prefeitura de nova Cidade consto rirá, em zona para esse fim demarcada, prédios em condições higi§nicas e de aluguel barato para os operários.

. Art. 5o. - O Governo mandará desapropriar os terrenos particulares que forem necessários à edif ... d . constituicão do pat · .. . . ,1 ~caçao a nova Capital e compree~didos na P~1~onio d~ murnctpin, embora não fiqurem público assim o ex ija.ªn a que , or aprovadé:, desde q•Je o interesse

§ lo. - O domíriio" d Estado e o das zonas s b: t zona urbêna ficará reservado DO

pod:ndo, entretanm, exc~d~~~ d:nas e rural a~ rm mie ípio, não longitude o patrim~nio d-;\ q_uatro (4) leg~,as de latitude e

§ 2 _ '· nova Capital · G o. Logo que for instalad . overno uma comissã , . a a nova Capital, nomeará o indenização devide ao ~st~~cn1ca para fixar o quantum da desapropriação, demarcacão das~ pelo c•Jsteio das despesas de

· onas suburbanas e rural, divisão

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de lotes, r.onstrução dos edifícios municipais, jardins, mercado, cemitério etc., estabelecendo, em decreto especial, o modo ou forma de pagamente) a que ficará obrigado o município.

A°rt. 60. - Fica determinado o prazo máximo de dois (2) onos para a transferência definitiva da sede do Governo para a nova Capital.

§ 1 'J. - Em 0 exigindo a interesse público, pode o Governo transferir, em qualquer tempo, antes do prazo deste artigo, a sede para qualquer P'X1to do Estado

§ 2:). - O Governo, para isntelacão da nova Capital, poderá aproveité::r os prédios que lhe forem cedidos, na cidade de C&mpinas, destinando-os ao funcionamento das repartições públicas do Estado.

Art. 7 0. - Ficam sem efeito todas e quaisquer concessões ou privilégios, que se relacionem com os serviços de abasteci menta de áqua, esgoto, iluminação pública e viação urbana da futura Capital do Estado, bem como concessões feitas de terrenos ou preferências estip1Jladas para edificação e que tenham, igualmente, relação com 2 construç5o de nova Capital,

Art. 80. - Fica aberto o crédito de 2.500:000<ISOOO, para Jcorrer cs despesas com a execução deste decreto, podendo o Governo lançar mãos dos saldos da receita, ou fazer operacões de crédito necessárias, não excedendo os juros de 8% ao ano.

Art. 9o. - Revogam-se as disposições em contrário. Palácio da Presidência do Estado de Goiás, 18 de maio de

1933, 45.J. dr: República. Ass) Dr. Pedro Ludovico Teixeira José de Carvalho dos S. Azevedo".

A aspiracâo de se dar ao nosso listado uma Capital condigna ernpclqou quase c·:;11t'1 por cento a sua população;

A intelectualidede goiana, como todos os homens ilustres que se dirigiam a esta unidade federativa, manifestava-se com prazer, com entusiasmo, sobre o acontocimento que estava na ordem do dia e absorvia o pe'1sament0 dos que desejavam tirar Goiás da apatia em que vlvia.

Sentia-se um frêmito de ad mi ração, de alegria, de ardor pela rnovirnentacão dos serviços encetados.

Era mesmo exagerado o sentimento de propaqar o valor do

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. Brasil Central, nesta regi2o rnai que se praticava neste desenvolvida, ainda muita ª!:ªsª1:;,,e n te O pronunciamento d0

Lembrava-se frequen t ndo a r~archa para o Oeste con,0 Presidente _Getúlio Varqas, ª~Ji~: nação brasileira. um dos meios de fazer progr erasas opiniões dos que,não goia-

Pod íam?s transcrever n~;ia engrandecida em todos os seus nos, mas deseJ?sos de uma Pelo rande empreendimento. quadrantes, se interessaram P -0 gpara um artigo do jornal "Minas

Vamos fazer uma exceça " . " 0 título de "Goiás 'Terr~ do Futu~o . .

Gerais Va~º;anscrito, a seguir, na ortografia da epoca, o artigo do

jornal "~~Mi~!!d~~~~i~~:nto de seu programa de administração, tão 0 lt dos para a economia e o progresso do Estado, fructuosa em resu a d · · d

d · · s preocupações do Dr. Pedro Lu ovice, am a na uma as primeira . . , 1 t · consistiu em dotar Go1a7 de uma Capital ao n 1vel nterven on a, d · · das suas .condições acf iaes e, do mesmo passo, capaz . e_ prop1c1a; novos surtos de prosperidade e concentrar. pela sua posrçao ge.ogra­ phica, as possibilidades esparsas e desarticuladas daquella unidade central da Federação.

Effectivamente 0 crescente desenvolvi menta da actividade ' ... econômica e social do Estado, asslqnalado, sobretudo, no qur» quênio a completar-se, impunha a existência de uma Capital ern correspondente grau de vitalidade com uma phvsioooroia urbana que, só para si,testemunhasse ao observador o tom de riqueza e de progresso que caracteriza a phase presente da história de Goiaz.

O aformosearnento e o conforto das cidades onde se localiza a administração superior dos Estados não constituem uma preocu­ pação exibicionista, mas, ao mesmo em que se determinam pela natural importância dos elementos que para eh i 8'>,,vergem, - ele­ mentos de ordem política, de ordem econômica, de ordem social, representam um cuidado de condignidade para a sede do Governo e, mais, a eloqiienra illustração do esforço côllectivo ahi florescen­ te. . . De mais a mais, collocadas sob a assistência irnmediata e

vigilante da suprema administração, as Capitaes podem i:1 mais que podem d · · · .. , . ~ , ... evem erigir-se, em todos os aspe~tos da sua orqaruzaceo. em padrões para as demais municipalidades. .

Todas essas considerações certamente infhiÍram na delibera·

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ção do Dr. Pedro Ludovico, no início da sua intervento · h d . d 'd' na, ao empre en er corajosa e ec1 idamente a fundação da fut d · d b 1 · - urosa urbs, esnna ,,ª ªº,, esta e ec1m:nto da alta administração do seu

E!tado. Um elan de re_novaçao fez estremecer em forte trepida­ ça? to~os os focos de vida de Goiaz, de 1930 a esta parte; uma ani!11.açao nova levantou todos os espíritos e em todos os planos de act1v1dade. o Estado marchou para um nível mais alto de civiliza­ ção. Goiáz é, no Brasil, ª. terra do futuro e, pois, o movimento de suas energias tem de proiecta-lo, como o vae projectando, para a frente.

Nessas condições, a sua cidade principal no plano político tinha de condizer com a representação de seu rejuvenescimento no plano econômico.

Eis ô problema que o Chefe do Governo de Goiaz, zeloso de suas responsabilidades, focalizou para um desafio aos seus próprios esforços, com a certeza das difficuldades que o ernorehendirrento offereceria., mas com a convicção de que, debe11ando-as victoriosa­ mente, se estaria recommendando à justiça dos seus coestaduanos e à própria benemerência do paiz pelo interesse nacional que susci­ ta a maior utilização dos incalculáveis recursos que a natureza snthesourou nô planalto central do Brasil".

No dia 24 de outubro de 1933, deu-se o lançamento da pedra fundamental da construção de Goiânia, no local escolhido pela Comissão incumbida de tal fim, e pela Comissão Técnica.

Providenciou-se uma solenidade, a que compareceram as fi­ guras mais ilustres do ambiente político, econômico e social de nosso Estado.

Falaram vários oradores, exaltando o significado da festivi- dade, lembrando as dificuldades que pesaram e continuariam a pesar nos ombros do Governo, para realizar a obra projetada, cujo valor todos reconheciam, mas que criara adversários de fundo pol í­ tico, econômico .e sentimental dispostos a lançar mão de todos os meios para impedir-lhe o êxito. .

Usaram a palavra as seguintes pessoas: o Dr. Vasco dos Reis Gonçalves, Dr. lrani Alves Ferreira, Dr. Antônio Azzi, Senhorit~ Edméa Soares, Dr. Manoel Gonçalves da Cruz, Dr. Adalberto Perei­ ra da Silva, Dr. Floriano Caramurú e Dr. Nero Macedo Carvalho.

Todos se mostraram eufóricos, satisfeitos em estar presentes àquele ato, porque pressentiam nele um amanhã auspicioso para.

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d uele otimismo estava longe do que se ve. nossa terra. Mas to O _aq ria algumas décadas depois. perava O que aconteceria.

Nem eu mesmo ues a nossa expectativa. O futuro supero · f · . d Governador foi uma pro ecra que se realizou O discurso o ,

lém do previsto: Ih · · a . si'ntese traduz me or, mais sinceramente os "Dizem que a , . ' . ue nos empolgam o.esp1 rito.

sent1ment~s q t nto breve ao me pronunciar sobre este magno Serei, por a , ' . ex ·ige neste instante, a palavra. assunto, que me ,. , . ..., ·

A I t assistência que me ouve nao ignora que esta obra se e a . . é . .. . d de vulto cujo ·início hoje se registra, o pivo, o proJeto e 9 ran ' ..., t d d t d ·

d . da minha administracao, a que es ou an o o o o vigor gran ,aso · . ; do meu querer, toda a força do meu 1~eallsmo, rompendo com a tradição e com a rotina, todo o e~tua:1asmo proveniente de uma idéia sadia e que, por si mesma, se 1mpoe: ....

Não vejo obstáculo. P.ara a sua real~açao. , Desgostei velhos amigos, ao protege-la e ao leva-la avante. Pus em jogo meu prestígio político, contrariando. o desejo

da maior parte de uma população, que representa a intelectualida­ de do Estado, pois são sempre as capitais os cérebros que pensam e que dirigem.

. Verdade é que noventa por cento dos goianos que habitam 'o "hinterland" ansiavam por ver concretizado esse desideratum.

Mas não são estes que mais agem na esferá política e, sim, os adversários da mudança da Capital, que, residindo em um meio mais culto, gozando de boas relações nos centros do país, tudo fizeram para que não se efetivasse o sonho de Couto Maqal hães, Ro­ dolfo Paixão e de nós outros.

. ~ ilh .. o ~a cidade de Goiás, onde passei os dias bucólicos da minha mfanc1a, época em que a alma se enche de místicos senti­ mentalismos, de que a idade madura não se pode exonerar comple­ ta~ente, mal grado o assalto da dúvida a frieza do raciocínio e a lógica da .análise, é natural que se tornasse preciso calcar essa poderosa impressão d · ... . , e que ninguém escapa. F i-lo não sem mago- ar o coraçao, que pranteava. ,

As vozes da razão e d d' · , · d meu cargo d ... ª tretriz que me tracei no exerctcio o cé>letivi d ade v~e ~. tao.somente o bem público e os imperativos da

' ,zeram forte, ante a fúria dos que viram os seus

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interesses contrariados, me 'tornaram insensível às assacadilhas dos retardatários.

A estes, pouco se lhes dá a situação das gerações vindouras, jamais pensando na excelsitude dá solidariedade social.

Não se pode deixar de abrir uma exceção para os que, con­ trários à mudança da sede d.o governo, o eram apenas levados por uma questão de afeto à velha cidade em que- nasceram.

Embora não se deva concordar com essa justificativa, é-se forçado, no entanto, a respeitá-la.

Meus senhores! Não foram pequenos, como vedes, os tropeços e contrariedades surgidos para se chegar ao ponto que hoje atingimos, obietivando.corn o lançamento da pedra fundamental, a obra por mim idealizada e sonhada por mui­ tos, que não conseguiram realizá-la.

Sem violências, indiferente às maledicências dos que são. incapazes de se sacrificar por um ideal, resolvido a antes cair com a minha idéia, do que abandoná-la por interesses pessoais, venho vencendo todos os óbices na caminhada cons­ trutora. A primeira e mais árdua etapa, que neste momento se soleniza, foi conseguida.

Há muito esforço,muito trabalho, ainda, para se chegar ao fim.

Ante as nossas possibilidades econômicas, o problema é gigantesco. Se se pensar muito nele, é-se vítima de um atordoa­ mento e o desânimo nos invade.

As nossas rendas tão diminutas nos intimidam. rv1 ister se faz, então, recorrermos à história, para nos

encorajarmos. Sergipe construiu a sua Aracaju e nem vale a pena lem­

brar a insignificância de seu poder econômico naquela época. Minas Gerais, quando iniciou a edificação de Belo Hori­

zonte, contava com um orçamento apenas de 17.000 mil con­ tos: Esta é, presentemente, uma Jinda cidade, superior aos cálculos .otimistas daquele tempo, e o Estado montanhês pos­ sui uma renda de 200 mil contos.

Já foram muito discutidas e analisadas as necessidades da mudança da Capital de Goiás. O momento não comporta repisá-las.

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b O, ximo demonstrará os resultados be Um futuro em pr · néficos desse ato. ·t fatores que citamos, quando ventila Além dos mui os , .. . ·

. a tal assunto, o fator econormco sempre mos pela írnprens espírito em favor desse. empreendi- p reponderou em nosso ' d á

d começo uma forte espesa, ser dentro menta, que, sen o no d ouco tempo uma fonte de renda. . e P d . ão se vai fazer uma obra desproporcional às A ernars, n 'I I f t .. ibilid des baseando-se em ca cu os an as1stas e nossas poss1 1 ' a , . . · ·

d N -0 será empresa para se rrucrar e terminar rapl. apressa os. a damente. id d d 1 • • Não será tarefa de uma enn a e, mas e uma co et1v1. dade. Aquela faz um núcleo, cria º. protopl~sm_a; esta conclui. a célula, que rejuvenescerá o organismo rot1n~1ro e alquebra­ do do nosso caro Estado, dando-lhe nova seiva, novas pers- pectivas. .

Estas campinas verdes e humosas que pisamos, estas florestas virgens que se patenteiam às nossas vistas, ricas de seiva produtora, desejando ostentar sua fertilidade, o calor de seus caules seculares, esses mananciais, que as ornam e as fecundam com a sua água crlstafína, este ar puro e fartamente. oxigenado pela função clorofiliana dos vegetais que nos ro­ deiam, livres, em uma altitude de 780 metros, tudo nos leva a bendizer a empreitada que tomamos a ombros e que se nos afigura tão grandiosa como este horizonte belíssimo, que se descortina a perder de vistas, em uma amplitude de mais de trinta quilômetros.

· Pre~ejo que, dentro de cinco anos, grande porção desta área destinada á futura cidade estará coberta senão de íu- xuo~s, de alegres vivendas, em que os preceito~ de higiene se casarao com o c?nf~rto e beleza da arquitetura. \

Nos seus Jardins, ornados principalmente de flores goi­ anahs, bd~ arbustos genuinamente nossos que os há lindíssimos, os a 1tantes encontr .._ · ' ·

arao um ambiente próprio para espai- recerem' às tardes . distraírem. ' e as crianças~ o lugar adequado para se

Prestando-se esta t f · esportes é nat I opogra ra para campos de todos os dos que' se pra~·ra que se far-á cultivo de todos mormente

· icam entre nós. A quatro quilôm~tros se nos

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oferecem os leitos do Anicuns e Meia Ponte para os , · d ... , exerc1- cros e nataçao e regatas.

Ne~hum terreno mais apropriado para equitação. Enfim, parec~-me que esses arredores de Campinas

apresentam esplêndidas condições, para neles se levantar uma cidade moderna.

Os man~nciais dentro de um perímetro de nove quilô­ metros bastarao para uma colmeia humana de mais de um milhão de habitantes.

À pequena distância de três mil metros se captará de início, uma energia elétrica de 1.500 cavalos. ' '

Não se pode duvidar, pois, do futuro auspicioso que aguarda a nova Capital da terra de Anhangüera.

Terminando, faço os meus agradecimentos a todos os que, atendendo ao meu convite, compareceram a esta festivi­ dade, realçando-a com a sua presença.

Particularmente ao Engenheiro Benedito Neto de Ve­ lasco, aproveitando o momento, manifesto-lhe a minha ingen­ te gratidão, pelo seu concurso valiosíssimo e desinteressado a favor dessa memorável obra",

No dia 14 de setembro de 1933, foi nomeado o Sr. José . . Gomes dos Santos Bailão para a fiscalização e direção de todos os serviços preparatórios da construção da nova Capital, inclusive a estrada de Campinas a Leopoldo de Bulhões.

Este homem, que conheci na cidade de Rio Verde como contador da rodovia Sul Goiana e auxiliar da Diretoria, não me s•Jrpreendeu no exercício da nova tarefa que se lhe deu.

Agiu como sempre: profundamente honesto e cumpridor rigoroso dos seus deveres.

Quase na mesma ocasião, foi designado o Enger1heiro Eurico Viana para Superintendente dos serviços técnicos das obras.

Foi um grande funcionário na sua especialidade. Muito dedicado e fervoroso entusiasta do progresso dos trabalhos que lhe. foram confiados.

Pela mesmo motivo, tornou-se credor da minha admiração o Engenheiro José Neddermeyer, que _aliava à sua finura de trato, a sua bondade, a sua correc:ão como profissional cornpetente.

No dia 29 de dezembro de 1934, foi assinado um contrato

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. . & Pena Chaves Ltda., por proposta do com a f rma Coimbra ~ueno ,. . Coimbra Bueno. sócio gerente, Engenhe1 ro Jer~n.1 m~essoas do Rio e de São Paulo

Essa firma contratou varias enheiros. , · · 1 lve alg, rns eng para a ela servirem, me LISI

1 · ,.., Coimbra Bueno, ambos rec~m-

Justo é afirmar que os rma~s construção de Goiânia. formados, muito se esforçaram P~aram mostrar a sua capacidade e

Jovens, como er~m, procu -0 só na terra que os viu nascer d · d se proJetarem na , o seu esejo e 1 1• tes' operosos ambiciosos, cumpriram como fora dela. nte iqen , '

bem a sua n:1iss2ãoo.d . ho de 1934 o Interventor Federal criou o No dia e [un ' t d e Propaganda e Vendas dos terrenos para Departamen o · d f · ,., d nova Capital· isto depois e eito o seu construçao a . . ' . .

levantamento topográfico e_ díscrt mm~das as zonas, onde deveriam se localizar os edifícios públicos e particulares.

Organizou-se uma tabe.la de preç_os, para a _venda _de lotes, com uma zona residencial, outra comercial e outr~ _1~dustnal. .

Contratou-se o Dr. Solon Almeida para dl nqrr o respectivo Departamento.

O Dr. Solon foi the right man in the right place. Era uma terefa espinhosa, principalmente anos depois, quando os terrenos começaram a se valorizar. Exigia habilidade e enerqia.

Sendo um dos meus melhores amigos, sempre mostrou interesse em que o Estado arrecadasse bastante dinheiro na venda dos terrenos, pois a continuação das obras dependia muito desse fator econômico.

Todos os que dirigiram esse setor foram bons, mas não posso deixar de citar o nome do Dr. Humberto· Ludovico de Almeida, que se portou com decência e multa dedicação, quando exerceu o mesmo cargo.

Como prevla, o auxílio financeiro oriundo da venda dos lot~s, ~uito contribuiu para levar avant~ o nosso desideratum, devido ô pequenez das rendas ordinárias.

A ESCOLHA DO M0~11E PARA A NOVA CAPITAL

O jornal "Social" abriu um concurso para tal fim. r-.1uitos intelectuais a ele concorreram, apresentando várias sugestões, en~re as quais as dos seguintes nomes: Americana. Perrolêndle.

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G oi n ápol is, G u a rac i ma, Campanha, Esplanada, Eldorado Anhangüera, Tupirama, Araguaína, Liberdade, Heli6polis1,

e ri sópol is, Par an qg uai a, G o ianésia, Maraúba, Pátria Nova, Aurilândia, Petrônia, Buenópolis e Goiânia. Defenderam a paternidade do último topônimo o Sr. Cararnuru Silva Brasil e a Professora Zanira Campos Rios. Mas, parece-me, quem o lançou em primeira mão foi o Professor Alfredo de Castro.

Aliás, o mais cotado foi Petrolândia. Quem sugeriu Maraúba explicou que o fazia porque esta

palavra em Tupi significa - produto da luta. O efen dendo o nome Petrônia, um dos maiores poetas

goianos, Leo Lince, fez a seguinte justificativa: "Não se veja nessa lembrança a idéia de mera barretada ao

Dr. Pedro Ludovico. Desmerecida não seria a homenagem, tanto mais que tem

sido costume universal dar-se às cidades o nome dos seus fundadores.

Outras ra zõ es históricas poderiam ser indicadas para justificar a preferência do nome em questão.

Pedro foi o nosso pri mei ro Imperador, o fator decisivo da nossa Independência.

Pedro se chamou o maior brasileiro de todos os tempos .- Pedro 11.

Pedro é ainda o nome do primeiro Chefe do Cristianismo, religião da quase totalidade dos goianos, com a circunstância de ser um dos nossos santos mais populares.

Seria, desse modo, o príncipe dos apóstolos, o padroeiro da cidade que vai nascer.

Mas suponhamos que seja ateu ou inimigo pessoal de todos os Pedras.

Ainda assim não lhe soaria mal o nome: Petrônia. Lembrar-lhe-ia, em vez dos Pedras Cristãos, o árbitro das elegância's da velha Roma, esplendorosa e pagã.

1

Petrônia, nome lindo, suave e fácil. Pires do Rio, outubro de 1933.

Leo Lince".

Resolveu-se criar, logo, o município da futura metrópole, não só devido ao grande aumento da população na cidade em

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construção, pelo afluxo de elementos vindos de inúmeros Estado do Brasil, mas também por muitos outros motivos, ~axime porq11! essa comunidade não podia ser pequena em seu território, dadas as perspectivas de expansão que se previa.

Oessarte, foi baixado o Decreto no. 327, de 2 de agosto de 1935, nos seguintes termos:

O Governador do Estado de Goiás, usando das atribuicões que lhe são conferidas e tendo em vista o Relatório apresentado pela Comissão nomeada pelo decreto no. 3.804, de 18 de setembro de 1933.

DECRETA

Art. 1 o.- Ficam fundidos em um único os atuais municípios de Campinas, Hidrolândia e parte dos territórios dos de Anápolis, Bela· Vista e Trindade,que passarão a constituir o município de Goiânia, com sede na cidade do mesmo nome, ora em construção no rnunicjpio de Campinas, desaparecido por efeito deste decreto, o mesmo de que fala o art. 5o. da Constituição do Estado, já aprovado, nessa parte, em redação final.

As lindes desse município serão as seguintes: -partindo da barra da córrego Capoeirão de João Miguel, no rio Meia Ponte, por este abaixo, dividindo com os municfpios de lnhumas e Anápolis, até a barra do ribeirão Cachoeira, daí seguindo pelo espigão divisor de águas dos ribeirões Cachoeira e Capivara até a cabeceira do córreqo Leonardo; por este abaixo até a sua barra no ribeirão Capivara: por este abaixo até a sua barra no córrego Embira; por este acima até a sua cabeceira, daí atravessando o espigão divisor de água dos ribeirões Capivara e João Leite, em rumo à, cabeceira do córrego Bandeira: por este abaixo até sua barra no córrego Onça; por este acima até sua cabeceira na serra da Canastra; desta seguindo pelo espiqão divisor de águas dos ribeirões João Leite e Caldas, dividindo com o munlcrpio de Bela Vista até o rio Meia Ponte; por este abaixo até a barra do rio Dourados; por este acima, dividindo com o município de Pouso Alto até a barra do córrego Bonsucesso; por este acima até sua cabeceira; daí atravessando o espigão divisor de áquas dos rios Meia Ponte e dos Bois em rumo à cabeceira do córrego Água Limpa; por este abaixo até sua barra no rio dos Bois; por este acima, dividindo com 0

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município de Palmeiras até. a barra do ribeirão dos Pereiras; por este acima até suas c~bf:c~1ras e destas em rumo direito até os 1 imites do atual rnurucrpro de Campinas; dai, conservadas as mesmas divisas e-rtre esse último município e o de Trindade até tocar os limites deste com o de lnhumas e daí em rumo à cabeceira do córrego Capoei rão de João Miguel e por este abaixo até sua barra no rio Meia Ponte, ponto de partida.

Art. 2o.- As atuais cidades de Campinas e Hidrolândia e os arraiais de São Sebastião do Ribeirão, São Geraldo e Aparecida passarão a constituir distritos do município de Goiânia, sujeitos a leis especiais,nas quais ser-lhe-á assegurado o direito à renda não inferior a 60% da quantia arrecadada dentro dos respectivos territórios, para ser aplicada em melhoramentos dos mesmos distritos.

§ 1 o.- Os terrenos desmembrados dos rnunicfpios de Bela Vista e Anápolis, bem como a área demarcada para o perímetro da nova cidade de Goiânia, formarão o distrito da Capital, com sede na referida cidade ora em construção.

§ 2o. - Em caso de necessidade e em benefício dos respecti­ vos distritos, o Prefeito Municipal poderá dispensar a contribuição de 40% da renda que lhe é reservada no art. 2o.

§ 3o. - Poderá também o Prefeito, ouvidos os distritos interessados, retificar ou alterar as atuais divisas, bem como criar novos distritos, assegurando-lhes os meios de subsistência.

Art. 3o. - Os distritos que formam o Município de que trata o presente decreto, e os que ai i se criarem posteriormente, constituirão um todo indivisível, não sendo permitida a sua eleva­ ção a município sob pretexto algum.

Art. 4o. - Os serventuários de justiça de Campinas e H idro­ lândia, desde que sejam vitalícios, ou qualquer funcionário com mais de dez anos de serviços públicos.poderão continuar a exercer suas funções nos respectivos distritos ou, se o preferirem, ser opor­ tunamente aproveitados em cargos de igual natureza ou vencimen­ tos equivalentes em outros municípios.

§ Único - Ficam desmembrados dos respectivos Cartórios os Registros Geral de Imóveis e de Títulos e Documentos e de Protestos,que passarão para a sede da Nova Capital, a cargo do Primeiro Ofício.

Art. 5o. - Fica criada a Comarca de Goiânia, com jurisdição

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em todo o território compreendido dentro_ do~ 1 imites __ traçados no artigo 1 o. deste decreto, classificada e~ primeira .e~t~ancia, deven­ do ser instalada em seguida à inauguraçao do Mun1c1p10.

Art. 6o. - Ficam desanexados das Comarcas de Bela Vista e Pouso Alto, respectivarnente, os termos de Campinas, Hidrolândia e Trindade e anexado este último à Comarca ora criada.

Art. 7o. - Enquanto não se der a instalação do Município de Goiânia, as autoridades dos Municípios fundidos continuarão a se_ reger pelas leis vigentes em tudo que disser respeito à sua econo- mia.

Art. 80. - Fica nomeado Juiz de Direito da Comarca de Goiânia o Dr. Heitor de Morais F leu ri.

Art. 9o. - É aberto o crédito necessário para a execução do presente decre_to, qu! entrará em vigor na data de sua publicação revogadas as dlsposições em contrário. '

Palácio do Governo do Estado de Goiás 2 de agosto d 1935, 470. da República. ' e

Ass.) Dr. Pedro Ludovico Teixeira Benjamim da Luz Vieira".

Malgrado a pequena renda do Estado, fomos levando avante, com muitas dificuldades, a construção de Goiânia. Só em uma ocasião deixamos os operários atrasados em seus salários. Passa­ ram três meses sem receber. Havia, entretanto, tão boa vontade por parte deles, que suportavam tal situação sem oferecer aborre­ cimentos ao Governo. Fomos obrigados a lançar mão de vales, criando cantinas para facilitar-lhes o fornecimento de gêneros de primeira necessidade.

. O Sr. Oscar Sabino era Gerente e proprietário de uma delas. Foi-nos '!JUito útil, auxiliando a resolver o problema.

Ahás, esse antigo e forte comerciante em Rio Verde foi meu companheiro de lutas, naquela cidade, tendo sofrido violências praticadas pela pol (eia de então. d . Nunca se acovardou, defendendo com altivez os seus pontos e v1staE, enbfrentando a agressividade do meio pai ítico

m oa hora o Se d N · do o seguinte p . ' ~a or ero Macedo apresentou ao Sena- " roJeto de lei:

Art. 1o - Ficam did . · ce I as pelo saldo das emissões de apóli-

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ces da dívida pública, autorizadas pelos decretos 15.628 e 22.837, respectivamente, de 28 de agosto de 1922 e de 5 de julho de 1932 cinco mil .seiscentas e sessenta e três (5.663) apólices do Estado d~ Goiás, para conclusão das obras de sua Nova Capital que está sendo construida no Município de Goiânia. '

Art. 2o. - Dentro de 12 meses, a contar da data do recebi­ mento das apólices, fica o Estado de Goiás obrigado a entregar à União Federal quatro prédios, sendo um para Correios e Telégra­ fos, um para Delegacia Fiscal, um para o Tribunal Eleitoral e Juízo Federal e um para Inspetoria Agrícola e Inspetoria Regional do Ministério do Trabalho.

§ Único - O valor dos três primeiros prédios e respectivos terrenos não poderá ser inferior a 300 contos de réis, e do último, 200 contos de réis.

Art. 3o. - Logo que estejam conclu idos os prédios para os serviços federais,serão examinados pelo Engenheiro do Domínio da União da Secção de Goiás para verificar o cumprimento da exigência do § Único do art. 2o. e dentro do prazo de trinta dias os Chefes dos Serviços a que se destinam os referidos prédios farão a transferência de suas Repartições para a nova sede do Governo do Estado.

Art. 4o. - A presente lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário".

O projeto foi aprovado por unanimidade de votos, sendo defendido pelo seu autor com o discurso que se segue:

"Senhor Presidente,

É com a mais viva emoção que, neste momento, vou encaminhar à mesa, para ser submetido à aprovação do Sena­ do Federal, um projeto que, se alcançar transformação em lei, marcará uma nova era para o Estado que tenho a honra de representar.

E essa emoção é muito natural, porque os filhos de minha terra, desde muitos anos, se habituaram com a indife­ rença votada àquelas plagas pelos Poderes da República.

O meu Estado, que teve fervorosos adeptos da Repúbli­ ca de 1889, viu-se, desde logo, entravado no seu progresso, porque até mesmo a obra grandiosa para ali levada pelo então

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Presidente da Província, o inesquecível General Couto de Ma. galhães, foi relegada, infelizmen'te, pelo d~scaso dos Poderes Públicos, ao abandono, o que retardou_, ~~e agora, ª pros~erj. dade de uma vastíssima zona de ~oss1b1l1dades extraor~iná­ rias, que poderia concorrer' de muito_, dado aquele benef tcio, com a sua produção para o engrandecimento do País.

o projeto, Sr. Presidente, que é apresent~do ao Senado e que teve, desde logo, a honra de ~r. subscrito pel?s meus ilustres colegas representantes d_o ~sp I rito Santo e P1au í, Se­ nadores Jerônimo Monteiro e R1b:1ro G~nçalves,. estou certo, merecerá do Senado a sua atençao e dispensaria mesmo as palavras que estou proferindo, porque, em longa justificação, venho mostrar aos meus pares a necessidade da efetivação das medidas propostas e os benefícios que dela poderão obter o meu Estado natal, e, consequentemente, o País.

A emoção que experimento neste instante, e com a qual dirijo minhas palavras aos meus companheiros de traba­ lhos parlamentares, é muito natural, como disse, de início, porque os Estados de pequena população, conseqUentemente, de reduzida representação no seio do Parlamento, em grande número de casos não têm podido obter os benefícios indis­ pensáveis ao seu desenvolvimento, nem mesmo de ordem principal para os Estados de grande extensão territorial, como sejam os transportes rápidos e vias de· comunicações.

Venho, Sr. Presidente, recordando esse abandono e, conseqüentemente, essa injustiça, neste momento. em que o meu Estado prepara a sua Nova Capital, para dali irradiar com mais facilidade o progresso. e as providências de ordem administrativa, como centro, que vai ser, de atividades econô­ micas, fazer aos meus pares um apelo veemente para que, estudando todos os seus dispositivos e apreciando a justificação que a_companha o projeto e, bem assim, as medidas já levadas a efeito P~I~ Governo Estadual, - concedam os proventos que,,_ ora solicito, estabelecendo, entretanto, desde logo, obri­ gaçoes par~ o Estado, na construção dos prédios para os servi­ ços federais, que até hoje, mesmo na Velha Capital são exe- cutados em edif (cios alugados. ' F Fin:lizo, Sr. Presidente, na esperança· de que o Senado ederal nao negará a este projeto a devida justiça".

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Pedro Ludovico - 111

Foi" o único auxílio que recebemos do Governo Fede 1 . b . ... d ra' ainda assim com a o nga7ao. e construir quatro prédios para a União: um para a Delegacia Fiscal; um para o Tribunal Eleitoral e Juizo ~e~er~I ;_ um para a Inspetoria Agrícola e Inspetoria Regional do M1n1sterio do Trabalho e o quarto para os Correios e Telégrafos.

Todas as despesas foram feitas com a prata de casa. Nunca sacrificamos o funcionalismo público, deixando-o em

condições financeiras precanas, como aconteceu quando assumi o Governo, eleito pelo povo, em 1950. Os funcionários não rece­ biam, havia sete meses, inclusive os soldados da Polícia Militar, que passavam miséria, pois não tinham crédito para comprar a prazo.

Também hoje repete-se o mesmo fato. O Governo Otávio Lage deixou os servidores do Estado com

mais de três meses de atraso, havendo numerosos que não recebem há mais de seis meses, como é o caso dos Professores, embora, justiça se lhe faça, tenha deixado em construção e construído muitas obras públicas.

É comum ver-se vários servidores humilhando-se, pedindo dinheiro emprestado, para poderem se alimentar, e suas famílias.

Penso que nenhum governante deve querer aparecer, gastan­ do desordenadamente em obras públicas, sacrificando o pessoal da administração, que, geralmente, não tem outras fontes de renda, com que viver.

Ademais, o que ultimamente se gasta na propaganda dos feitos governamentais é irritante e escandaloso, ante o espetáculo triste e deprimente do desemprego e dos que pedem esmolas para sobreviver.

Nos primeiros meses de 1935, intensificou-se a propaganda sobre a Nova Capital, não só pelo respectivo Departamento como pelo "Correio Oficial", neste colaborando com freqüência Maxi­ miano da Mata Teixeira, Vasco dos Reis, Venerando de Freitas Borges, João Setúbal, J. Lopes Rodrigues, Celso Hermínio Teixeira e outros intelectuais. Aos ataques ao Governo, combaten­ do o audacioso empreendimento, respondia-se, imediatamente, destruindo os argumentos apaixonados dos antimudancistas.

Nessa época, isto é, no dia 18 de maio de 1933, foi publica- do o seguinte:

"DECRETO no. 102, de 16 de maio de 1933

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112 - Memórias

O Governador do Estado de Goiás:

C id do que no artigo 60. do decreto no. 3.359 de onst eran , á · ' 18 d . d 1933 ficou estipulado o prazo m ximo de dois e mato e , . . . d d d G anos para a transferência de!m1t,va ª se e O overno para a Nova Capital, ora em construçao;

Considerando que, apesar de ml!.ito adiant~~a~ as obras, es­ tando já quase terminadas as construçoes dos edtf reios d~ Palácio do Governo, Secretaria Geral, Grande Hotel e ~~ várias casas modelo dificuldades de vias de transporte de materiais, maxime na estação' chuvosa, têm impe~i~o a rea~ ização de out~a~ construções imprescindíveis à acomodaçao das diversas Repartiçôes que, com seu pessoal, devem acompanhar o Governo para a sua nova sede;

Considerando que uma obra de tão grande vulto e que se vai efetivando em bases científicas do moderno urbanismo não com­ porta construções aprassadas nem provisórias;

Considerando que o serviço de luz elétrica, embora já ini­ ciado, demanda um certo prazo para sua instalação definitiva na cidade;

~onsiderando _que o Governo está estudando várias propos­ tas de importante: firmas e companhias para o serviço de águas e esgotos e construçao de casas para funcionários.

DECRETA

Art. 1 o. - Fica prorrogado por mais um ano o prazo estipu­ lado no artigo 60. do decreto no. 3.359, de 18 de maio de 1933.

§ Único - O Governador do Estado poderá, entretanto, passar na Nova Capital, em seguida ou fracionadamente, o tempo que julgar necessário ao maior incremento da cidade em constru­ ção, transportando para ali o aparelho administrativo de mister ao desempenho de suas funções.

Art. 2o. - Revogam-se as disposições em contrário. Palácio do Governo do Estado de Goiás 16 de maio de

1935, 470. da República. '

Ass.) Dr. Pedro Ludovico Teixeira Benjamim da Luz Vieira".

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Pedro Ludovico - 113

A VISITA DO PRESIDENTE GETqLIO VARGAS AO ESTADO·DE GOIAS

o Presidente Getúlio Vargas chegou a Goiânia no dia 5 de agosto de 1940_. Foi o p~iJ:leiro Chefe do Governo Brasileiro a pisar O solo go1an-?_ em v~s1_ta ao s:u povo. Veio por via aérea, trazendo no seu avrao o M1.rnstro Joao Alberto, o Capitão Manoel dos Anjos e o seu irmão Benjamin Vargas.

Depois dos cumprimentos de estilo das autoridades esta- duais e federais que se achavam no Aeroporto, aguardando a sua chegada, foi saudado pelo Prefeito da Cidade, Professor Venerando de Freitas, que, terminados os aplausos populares à personalidade do Presidente, assim se expressou:

"Já longe -vão os tempos em que os artifícios de lingua­ gem e as atitudes estudadas representavam mais no discurso do que o sentido da expressão simples e incisiva.

O grande Mauá teria feito muito mais pelo Brasil se, na defesa de seus projetos no Parlamento, tivesse aliada a arte da eloqüência. Na era do gongorismo o espírito de análise se ofuscava diante dos fraseados bonitos.

Todavia, o Brasil de hoje é diferente. Os homens que lhe guiam os destinos medem o valor das orações pelo senti­ do, pelo conteúdo, pelo que possam exprimir as palavras.

E is por que, nesta hora, não me arreceio de vir trazer a Vossa Excelência e à sua ilustre Comitiva a saudação amiga e sincera do povo goiano, na singeleza do verbo sertanejo. Goi­ ás, neste dia de exaltação cívica, vibra de entusiasmo ao sentir pisar-lhe o solo caboclo o mais nobre Filho da terra Brasílica, o Guardião de nossas instituições, o Presidente Getúlio Var- gas!

Honra excepcional é a visita tão almejada de Vossa Ex­ celência a este Estado, por isso que, abrigando dentro de suas lindes, - como num privilégio avaro - pela vez primeira, a personalidade augusta do Primeiro Magistrado do País, assina­ la-se notável acontecimento histórico na vida de Goiás.

Nada temos para oferecer, senão essa vontade forte de progredir, esse desejo imenso de cooperar na ascenção do

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G no fecundo e patriótico de , · do over Brasil que o descorttruc Vossa Excelência determ1~,ou.erdadeiro sentido de brasil idade

Ao proclamar qu~, -ºs~ntimos como que novo alento _e é a marcha para o Oeste utas titânicas, diante das perspect1- reconfortados de tantas ,..1 nos J'ulgássemos ao abandono.

b · m Nao que - · vas que se nos a na · Idades estavam, como estao ainda, Não! É que as nossas ~dec~sside nossa capacidade de trabalho, muito além de nossos ' eais, de nosso d~sejo de ~resce,r. arcado à moda antiga, com uma

O dia de hl oje ~efr: ;o que a'vinda de Vossa Excelência pedra branca, pe a satis ç

a Goiás desperta. 1 t d t h d norte a su I e de este a oes e es a Nesta ora, ~ 'd" · , · h

• 1 b d sde a mais luxuosa rest encra ate o mais u- 1mensa g e a., e . . milde casebre, entoa-se o hino d~ al:gna mais . pur~, num ritual único do respeito e da admiração, da dedicação e da amizade mais sinceras. ,. . .

Somos pequenos ainda, mas o nosso a~1mo 1nqu~bran­ tável transformará nossas esperanças em realidade. A riqueza incomensurável que a terra guarda nas' suas entranhas e a energia construtora da geração atual, educada nos sadios prin­ cípios da ordem e do trabalho, constituem a segurança ine­ quívoca de grande futuro, reservando-nos lugar de marcado relevo no panorama nacional. E o Brasil, este Brasi I Novo que Vossa Excelência nos ensinou a amar ainda mais, quando afirmou que "não há grandes nem pequenos Estados. Grande ~ só o Brasi I", terá de nós o máximo de cooperação na tarefa ingente de seu reerguimento material e moral.

Há personalidades que se impõem no conceito unânime de seus concidadãos, por encarnarem ideais superiores, por trazerem como característica l visão de coniunto do ambien­ te . em que mourejam e por traçarem diretrizes capazes de satisfazer as aspiraço"' 1 •

es co etívas, Essas personalidades raras nos tempos marcam , d . . ' sil v e' .. . peno os na história dos povos. No Bra- , ossa xcelenc,a encar , · ..._ espírito de clã nec , . ~ª. 0 esp1nto de coesao nacional, o gresso, o ESTADOe~~~ ª 1~Pl~ntação da ordem e do pro­ bonitas, porque ate d , O nao e um regime de promessas assentando suas vign e ª nossa formação moral e espiritual,

as-mestras nas tradições. Não é um regi-

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me exótico, porque der.ivou de imperativo nacional. Não é u'a mlstlficaçâo, porque encara de frente os nossos proble­ mas, procurando dar-lhes soluções adequadas.

Excelência! Estas plagas serenas, onde o arrojo de um brasileiro

destemido plantou uma cidade, jamais tiveram a ventura de receber em seu regaço um Chefe de Estado. Coração do Brasil pela posição geográfica, Coração do Brasil pelos sentimentos de brasil idade de seus filhos, Coração do Brasil por irrigar com suas águas as três bacias - Amazônica, Oriental e Platina - Goiás de outrora se via jogado à margem dos acontecimentos, sem estímulo, vivendo a sua vida primitiva, desgarrado da comunhão nacional, dormitando à espera de quem lhe viesse despertar as energias latentes. E foi num dos últimos dias de 30 que a um companheiro de lutas de Vossa Excelência foi dada a direção de seus destinos. E a Revolução foi benéfica para o Brasi I e pródiga para Goiás.

Em vindo a este Estado, quis Vossa Excelência dar mais uma demonstração de amo'r ao Brasil, auscultando-lhe o coração bem de perto. E é por isso que Goiânia se engalana, se enche de luz e de sons, abrindo num sorriso imenso os seus horizontes para festejar o dia de hoje. Sem os atavios e sem as pompas das grandes metrópoles, na simplicidade de criança que é, ela recebe Vossa Excelência e sua ilustre comitiva com a fidalguia simples do espírito verdadeiramente brasileiro, de­ sejando-lhes feliz permanência entre nós.

Marchando para o Oeste, Vossa Excelência depara a cidade, que "não é ainda a guardiã das tradições históricas deste povo, mas é a vanguardeira de Marcha para Oeste", na expressão feliz do Interventor Pedro Ludovico.

Sr. Presidente Getúlio Vargas!

Goiânia é sua. Nem mesmo o simbolismo histórico das chaves eu preciso evocar nesta hora. Basta que Vossa Excelên­ cia saiba que cada pedra de suas construções representa um pouco de sacrifício, que cada linha de seu mapa constitui um traço luminoso na senda do progresso e que - obra de um irmão de ideal de Vossa Excelência - é também símbolo da

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. . . Ela lhe ,perten~e. A Vossa Exce. energia criadora do goiano. . as boas vindas da TERRA lência e à sua ilustre comouve. GOIANA".

. d" . ir para O Palácio do Governo, o Presidente, depois de se insg mais ilustres de Goiás. beu as pessoa onde se hospedou, rece durante pouco tempo. Após o almoço, repousou u a uma reunião de todos os "d comparece Logo em segui a, . d _ e fazendo-lhes perguntas e suges-

Secretários de Estado, ou~m O os pastas e dos assuntos a elas refe- tões sobre o andamento . e sua:queles que se prendiam à Agricul­ rentes, interessando-se ma,~ ~f ~e então um apelo para que fizesse tura e ao T~ansporteE Fezd:e de Ferro Goiás até Goiânia. Pediu-se­ chegar os tn_lhos da ci1~~ia Agrícola em Goiá~, "mostrando-s_e-lhe -lhe construir uma , tirna para tal empreendimento, que ficava no Mapa uma zona o ' , 1·

. d" t t de Goiânia e mais perto de Anapo rs, que, nesse muito rs an e · d E t d cidade mais populosa e progressista o s a o. tempo, era a . d , · b

Achou razoáveis e justos os pedidos, fazen o varias o serva- ções a respeito deles e prometendo atendê-los. .

De fato, a promessa se transformou em realidade algum tem- po depois. .

o Ministro João Alberto muito nos auxiliou nesse deside­ rato.

O Presidente, ao passar pelas ruas em direção ao Palácio das Esmeraldas, mostrou-se emocionado pela entusiástica, patriótica ovação popular que lhe foi feita.

Ele mesmo o declarou, em uma palestra que houve depois, terminado o seu almoço na residência do Governo Estaduar, mos­ trando-se afável e· satisfeito pelo que via em Goiânia, ainda nos seus seis anos de idade.

No mesmo dia de sua chegada, visitou os principais pontos de Goiânia: Liceu Industrial, Quartel da Polícia Militar, Bairro de Campinas, Colônia de Santa Marta, Lago das Rosas, Santa Casa de Misericórdia, Cine-Teatro Goiânia e Automóvel Clube de Goiás.

Como bom gaúcho, tomou parte em um churrasco que lhe foi oferecido nas proximidades do Rio Meia·Ponte.

Mais à tarde, os operários e estudantes manifestaram-lhe 0 seu apoio e a sua admiração, falando um representante das classes

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trabalhistas e alguns intelectuais, COQ10 Dr. Vasco dos Reis,· Dr. Guilherme Xavier de Almeida, Dr. Paulo Fleun.

À noite, realizou-se um banquete, oferecido pelo I nterven­ tor no Estado ao Presidente e sua comitiva, a que compareceram autoridades civis, e~lesiásticas_ e mi_litares. Falou, então, o Inter­ ventor, que pronunciou o seguinte discurso:

"Goiás se ufana de receber a.visita de V. Exa. Agrada a seu povo a gentileza deste gesto, porque é a

primeira visita de um Chefe da Nação ao nosso hinterland. Agrada também muito porque V. E xa., como Presi­

dente da República, tem sido nosso amigo e tem procurado nos auxiliar na medida do possível e tanto quanto se esperava de sua clarividência e patriotismo.

Agrada ainda muito. mais porque V. E xa. encarna a Revolução de 1.930, cuja vitória foi. a carta de alforria pol íti­ ca de quem, antes dessa data, habitava esta terra.

Como vê, Exa., o coração goiano se. rejubila pela sua presença neste Estado que, se achando no centro do Brasi I e sendo donatário de imensas riquezas latentes e não se encon­ trando tão distante do litoral e, destarte, dos grandes centros consumidores, não devia pertencer à classe das unidades fede- rativas de menos progresso do país:

Isto se deve, porém, à incúria e aos erros do passado, faltas estas que não eram passíveis de pronta ramoção.

É incrível que uma região, tão regiamente dotada pela natureza, tão dadivosamente aquinhoada, permanecesse tanto tempo sob a influência de uma rotina prejudicial ao seu de­ senvolvimento, como célula de um organismo vigoroso.

Não se explica como um rebento, com ótimas condi­ ções de clima fartamente irrigado por mananciais de primeira ordem de artérias colossais, como o Araguaia, o Tocantins e o Paranaíba, ficasse tão na retaguarda dos seus irmãos da Federação.

Do último andar deste Palácio, V. Exa. já viu, nos horizontes vastos que se descortinam, em uma extensão de 100 quilômetros, a imensa mataria verde-escura a atest,ar a pujança do nosso solo e a possibilidade agrícola que da, de- flui.

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Estas vastíssimas florestas que, como já. disse, algures, osculam o Araguaia, oxigenando todo O amb,~nt; :m que ostentam o seu poder vivjficante, com a sua riq~ rsstrna fun. ção clorofiliana, aguardam, como. rese':'a ponderavel do Bra­ sil, o seu aproveitamento proporcional a sua exuberante capa. cidade produtora.

Estas campinas extensas do Gra~~e Planalto,.que, pode- -se dizer, aqui se inicia, com as suas onrnas forraçens e uma altitude média de 850 metros, havendo lugares que atingem a 1.500 e 1. 700, como na Chapada dos Veadeiros, se prestam a uma facílima criação de gado vacum e, em determinadas zo­ nas, ao cultivo do trigo.

Esta gramínea não é atacada ali pelo mal conhecido por ferrugem· e o seu produto foi considerado pelos técnicos como igual ao melhor similar europeu.

Infelizmente o nosso camponês ainda não se convenceu da utilidade desta lavoura, ainda não se entusiasmou com a sua cultura, preferindo a do arroz, mais tradicional, mais roti­ neira e que, nestes últimos anos, tem oferecido resultados compensadores.

Para sanar, porém, a~ falhas da agricultura, que se pro­ cessa por sistema antiquado e rudimentar, excetuando-se pe­ quenas zonas de trabalho mecânico, a pecuária já está bastan­ te des:nvolvida entre nós, sendo numerosos os rebanhos que possu imos, calculados em cinco milhões e grandemente me­ lhorados. , . No reino mineral, não é exagêro afirmar-se são formi-

déveis as nossas possibi !idades. '

b do ferro, o níquel, o rutilo, o diamante e o ouro são

a un antes no nosso solo e b I p . ... , B -1 su -soo. odem suprir nao so o ras1 , mas o mundo.

No município de R' B · . palmilhar O territó .

10 oruto, ao viandante que lhe so. Cortam-no serr:1~' 5~ apresenta u_m espetáculo maravilho- pectos os ma· . mas imensas, cheias de minérios com as- 1s interessantes· , ' mada pelos contornos d · ora e uma cabeça humana, for- vai, ora galerias bizarrasos penhascos, ora um castelo medie­ chas das penedias. ' que surgem nas aberturas, nas bre-

Dá ~o observador a · .._ impressao de gigantes pré-históricos,

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resultantes dessas vetustas montanhas gran íti , pela iconoclastia dos tempos.

1 icas, correrdes

Afiguram-se-lhe não "o túmulo de púrpura d . . d , mas e gra- n I to em que Jazem os euses mortos".

Aquelas torres deslumbrantes que outrora d d

. , . ... , eram o no- me o muructpio, sao obras inimitáveis cinzeladas pel ,.. • •

1, , d a mao

in1gua ave1 a natureza. Sr. Presidente. Meus Senhores. O anseio de renovação, de melhoria, de aperfeiçoamen­

to que estimulou o Brasil depois da insurreição de 1930 e que, com o golpe de 1 O de novembro de 937, se firmou em diretrizes seguras, orientadas por uma só vontade, conduzida criteriosa e inteligentemente, sacudiu também Goiás da letar­ gia em que até então se tinha mantido. Fê-lo acompanhar a evolução geral e progressista que se nota por toda a parte. Encaminhou-o para todas as atividades conducentes ao bem estar público e particular, colocando-o de forma tal que um futuro promissor se lhe apresenta dentro de breves tempos.

A sua situação já é bem diferente da de outras épocas. Um notável surto econômico se patenteia positivamente em todos os ramos d e nossa p redução, provocando um incremento desusado de nosso comércio e de nossas indústrias, cujos resultados já se fizeram sentir na arrecadação dos nossos orçamentos, a qual deverá atingir este ano vinte mil contos e, quando assumi o governo, não atingia seis mil.

A boa vontade sempre manifestada por V. Excia., Sr. Presidente a sua patriótica administração concorreram muitíssimo para este estado de cousas, e mais nos animou com a sua justa afirmativa de que não via Estados grandes ou pequenos, que só era grande o Brasil.

Ainda não há muito V. Excia., repetindo-a na entrevista que concedeu ao sr. Fleurí, representante do "PARIS SOi R", provou que esta frase não foi dita sem reflexão, não foi proferida a vol d'oiseau. .

Se já era grande a estima que o povo go1an_o l~e devotava maior se tornou e mais cresceu a sua adm1raçao pelo seu' governo, pela sua sadia compreensão do~ nossos problemas, quando, recentemente, declarou a necessidade da

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120 - Memórias

marcha para o Oeste, idéia feliz que bem demonstra a sua visão de estadista. . ,

Um porvir não remoto confirmara o acerto do seu gesto consubstanciado nesta frase. , .

Além de outros enormes benef1c1~s qu~ a sua atuação serena e digna vem proporcio~ando_à nacionalidade brasi!e.ira, q u e r n o ter r en o a d m i n Is t r a t Ivo , q u e r n o P o l I tíco, escoimando-o de ideologias extremadas e provocadoras de grandes perturbações aos povos que as abraçam, V. Excia. impos-se à confiança dos seus governados, trazendo uma era de paz e trabalho para o Brasil.

Enquanto as nações do velho mundo se combatem e seus interesses se chocam, positivando-se o crepúsculo de algumas delas que já empunharam o cetro das civilizações, mas que não souberam se resguardar contra acontecimentos que lentamente se vem desenrolando, de forma a mudar a marcha dos fenômenos pol (tico-sociais, a nossa pátria com 0 títuJo e argúcia de seu máximo condutor se pos de guarda antes que esses fatores psicológicos do momento universal fizessem desabar- a sua organização de Estado livre e democrático.

O economista de há muito vislumbrava as perturbações que fazem presentemenrs sofrer vários povos .

. O pol (tico procurava amainá-las ou adiá-las por meio ?ª d1ploma:1a, cujos ~rocessos antiquados não serviram para Jugular a crise que esta em franca efervescência.

A palavra do diplomata atual mudou de tom· não mais pode ter a doçura a excessiva pai idez de outrora que se confund_e com a fraqueza, com a pusilanimidade. ,

5ª? ~utros os argumentos de convicção. Criminoso é O go . - país e não s f verno que, hoje, nao fortifica o seu

contra qualq:ees orça _!)ara colocá-lo em condições de reagir e dispõe d r agressao, mormente quando esse país é vasto armando qu: ;:ervas. nat~rais necessárias. E não é só se

O Ja ão a nacional idade se torna forte. P , por exemplo em 1932 . , . perda da sua influê . '.. . , ia percebia que a

perda do seu direito a'nci~ e;o~om1ca na China significava a . , ex1stenc1a.

O desequ1l1brio havid . 0 entre um consumo estacionário

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o CIS I> ~ ...• Ul Ul CIS

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Pedro Ludovico - 121

ou pouco aumen!a.do e uma_ hipertrofia de produção, as taxações alfandegarias, provenientes das desavenças de uma economia errada e p~uco evoluída e de ideologias políticas, levaram algumas naçoes a apelar para a autarquia, recurso insuficiente, porque os povos viveram e viverão sempre do intercâmbio entre si, cumprindo um fatalismo geológico e histórico.

A intervenção do Estado, certa ou errada, se justifica dessarte para dirigir a economia, máxime nesta época em que 0 trabalho deixou de ser considerado uma mercadoria para ser um direito.

Foi observando esses fatos, sr. Presidente, que V. Exa. praticou a sua intervenção serena e lógica, no dia 10 de novembro de 1937 na situação política do Brasil, evitando que o mesmo continuasse ao sabor de atritos estéreis, de regionalismos dissolventes, de grupos e de pessoas que não estavam na altura por esta ou por aquela razão de se identificar com um governo bem intencionado, que só desejava a felicidade de nosso país.

Analisando e agindo, V. Exa. trouxe ao cartaz da administração os principais problemas de que depende o progresso do Brasil, e os vai solucionando de acordo com a oportunidade econômica e financeira do erário público.

Ao caso da siderurgia nacional, que considero o eixo vital, em torno do qual girará o nosso futuro econõmlco e a base da nossa soberania, V. Exa. tem dedicado o seu carinho e percepção de responsável pelo bem e defesa dessa grande coletividade que lhe confiou os seus destinos. E certos estão todos de que o resolverá no menor prazo possível e com a argúcia que lhe é peculiar.

V. Ex a. também trouxe ao cômputo da sua atividade de governo o que de há muito vem preocupando o cartaz universal: o amparo ~s classes trabalhistas.

A legislação brasileira, neste particular, se encontra na vanguarda de suas congêneres em alguns pafses do velho con- tinente. •..• " ...•

As reivindicações proletárias entre nós nao tem razao de ser. V. Ex a. foi de encontro a elas, solucionando-as com inteligente amplitude.

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sa massa obreira está a seu lado, Por isso toda \a n?s e V Ex a. lhe tem proporci0.

b ef ÍCIOS qu . satisfeita com os en. . triatas contentes em trazer-lhe do e todos os brasileiros pa na ,

0 seu apoio. . -á O seu vaticínio: "O novo regi- Assim sendo, realizar-se mais obtendo, pela evidência bili se cada vez , . me há de esta 1 izar-

1 b acão firme e consciente de to-

' d S a coa or . dos seus resu ta o '

dos os brasileiros. G , I" Vargas

Sr. D~. etu 10

minh~ modesta argumentação, neste Terminando ª Governo Goiano, agradeço-lhe a

banquete que lhe ~f%~c:siou em visitar o Brasi! Central e boa ~ontade que e oltando ao litoral, onde e a sede do convicto estou d~bql_ue, ~ão se esquecerá da diretriz traçada governo da Repu ica, , f

O te" e de que trabalhara com a rnco para "Na marcha para o es . - d O 1 , -la avante principalmente nesta direção o este, em que eva , , . se fixa o coracão vigoroso da Patna. . .

Com m'uito prazer e honra levanto, pois, a minha taça em homenage,m a V. Exa." . ,..

Respondeu o Presidente com a seguinte oraçao: "Senhores. . Sob o Império e a primeira Repúbl ica,crescemos longi-

tudinalmente à orla das águas atlânticas. O Brasil vivia volta- { .... d o para fora, e o sentido d a sua cultura era o da evasao, ~ o

retorno ao continente dos descobridores. Com a Revoluçao de 30, movimento de revigoração nacionalista, e o Advento do Estado Novo, que veio dar forma política às tendências pro­ fundas na Nacional idade, modificaram-se esses rumos incertos e disper~ivos, e a civilização brasileira tomou o caminho dos paralelos, restaurada nas suas rafzes históricas.

O vosso planalto é o miradouro do Brasil e os seus rios ' correm em todas as direções para levar, ao Norte como ao

Sul, a força das águas e a fertilidade dos seus humus. Na f poca do d~s~ràvamento, vinham morrer nestes chapadões menso_s os u1t1mos passos dos bandeirantes e sertanistas. A ~ot~ncialidade do vosso solo e suas riquezas têm foros lendá­ rios. -v~s!as pastagens, onde os rebanhos podem multiplicar- -se; matenas primas m· · b . , . . 1nera1s a undantes e das mais necessa- nas ao progresso. P ib · 1 id . .

, ossi 1 1 ades incontáveis de cultura e rn-

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Pedro Ludovico - 123

dustrialização - tudo reclamando a modelage d . · ·, · · · d t ' d . m e surto cria- dor Jª trucra o a raves e corajosos e pro' s . peros empreendi- mentos.

O que vos faltava era o amparo do pode , bl" . r P u I co e tão cedo ele chegou, mostrastes a vossa acão orga · d ' . · niza ora e o vosso empenho progressista, realizando empresas co d

· d" · Ih · mo a e construir, ma me or, improvisar em pleno d d . . escampa o uma cidade como esta, a segunda do Brasil edificada de acordo com um moderno plano urbanístico atendend ..,

l id d 1 , · , , o, nao a eventua I a es po rncas, mas as exigências do crescim t áf " · d en o demogra ico e aconorruco o Estado.

. A vossa rede d~ ~~municações, sob o mesmo vigoroso impulso, cresce, possibilitando .o livre curso das atividades Reaparelham-se as vias fluviais, antes abandonadas. E tão auspiciosos resultados patenteiam-se nos próprios recursos que o Estado consegue arrecadar, triplicados que foram no último decênio.

Reduzido o feudo eleitoral no antigo regime, apenas lembrado na hora dos arranjos e cambalachos políticos, Goiás apresenta-se, na atual idade, com as energias revigoradas, co I aborando construtiva:11ente no progresso geral. A sua população aumenta em ritmo apreciável, que se acelera e será ainda mais intenso quando os dois grandes cursos d'água que regam o planalto se transformarem em I igação econômica entre o norte e o centro do país.

O Governo Nacional, no propósito de impulsionar o Brasil como um todo orgânico e equilibrado, continuará a prestar-vos amplo auxílio, principalmente no que se refere ao desenvolvimento das comunicações e transportes ferroviários, fluviais e aéreos.

Os benefícios resultantes dessa transformação em vossa existência econômica e política são evidentes e não constituem, por certo, obra do acaso ou efeito ~e circunstâncias fortuitas. É preciso reconhecer, e, deselo fazê-lo aqui, que para alcançá-los foi n:ce~sário. colocar a frente do Governo um homem da i ntel igenc1a real 1zadora do Dr. Pedro Ludovico Teixeira, devotado, desde 1.930, ao bem público e ao serviço do seu povo.

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124 - Memórias

A visita que ora vos faço é prova de uma concepçã0 renovadora da Pátria grande e forte. , .

T · erioso localizar no centro geograf1co do orna-se 1mp . . . , d forças capazes de írrad rar e garantir a nossa pais gran es h dõ · f ..,, f t a Do alto dos vossos e apa oes m indáveis expansao u ur . . N - '

onde estarão amanhã os grandes celeir~s. da . açao, _deverá descer a onda civilizadora para as plan I cres do Oeste e do Noroeste.

Senhores. Agradeço o vosso acolhimento leal e caloroso. Os goianos sempre demonstraram caráter firme e

destemida dedicação patriótica. Valentes na guerra, operosos na paz, realçando nos homens a força e nas mulheres a beleza, possuem na terra sadia e fértil tudo quanto é necessário ao seu maior e mais rápido desenvolvimento.

O Brasil, sob novo regime, deixou de ter áreas mortas e territórios de reserva. Ouer sentir-se na plenitude da sua força e ~obiliza, para isso, todas as energias, sem distinguir regiões e diferençar os seus filhos. O que exige de vós - gente goiana - é o que e~ige de todos - colaboração, trabalho e devotamento ao ideal de progresso e segurança da Pátria."

Quando terminava o banquete, recebia o Presidente significativo e, hoje, histórico telegrama do General Rondon, vasado nos seguintes termos: • .

"Surpreendido pela partida de Vossa Excelência p~r~ essa jovem Capital do Brasil Central, rumo ao Oeste, ve~~o feh~1tar? Chefe do Estado Nacional, pelo rasgo de brasllldads Jamais revelado por um Chefe de Governo". • .

Ao amanhecer do dia seguinte, acompanhei o Dr. Getúlio Vargas e a sua comitiva, em uma viagem à l lha do Bananal.

Naquele tempo, a região era inteiramente sertaneja. Eu já havia mandado construir, ali, um campo de pouso, terminado às pressas, pois o Presidente tinha decidido fazer tal excursão, apenas um m~s. an_tes. Só existia um morador na ilha, que para mante~ a sua ~x1stenc1a, a sua moradia naquela altura do rio Araguaia, precisava de ter armas, principalmente por causa dos índios Xavantes, Que Percorriam a ilha de vez em quando vindos da área banhada pelo rio das 11,iortes. '

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Pedro Ludovico - 125

O Sr. Lúcio, que é a pessoa a quem me refiro, nos foi muito útil, pondo à nossa· disposição alguns cavalos, que nos permitiram andar pelo interior da ilha. Naquela época, os turistas ainda não trucidavam a sua fauna.

Eram poucos os que ali iam. Viam-se cardumes enormes de peixes, por toda a parte do

rio. Centenas de jacarés, bravios, tomavam banho de sol nas praias, que se estendiam, até 1 O quilômetros de distância, constituindo um espetáculo agradável e belo.

Na hora da nossa chegada, cerca de trezentos índios Carajás nos esperavam no modesto aeroporto. Queriam ver o Papai Grande. Era a primeira vez que viam um avião em terra.

Mostraram desejo de fazer um vôo. Getúlio mandou que fizessem 12 deles entrar no avião, para

darem uma volta de meia hora. No regresso, mostraram-se entusiasmados com o passeio,

querendo repeti-lo, no que não foram satisfeitos, para se poupar a gasolina.

No dia imediato, houve danças dos Carajás em homenagem ao Chefe da Nação, conversando o Presidente com alguns que falavam o português.

Getúlio perguntou ao cacique por que ele era o Chefe, respondendo· este que tinha sido escolhido pelos seus companheiros, especialmente por ser o mais forte e o mais inteligente.

Perguntou ainda quanto tempo duraria a sua chefia. Respondeu que durante muitos anos. Getúlio concordou, rindo, maliciosamente, de sua resposta:

O cacique Ataul, que era um homem robusto e alto, falava regularmente a nossa I íngua.

Um 'fato curioso: as índias não tomavam parte nas danças e se banhavam no rio várias vezes no dia, sem nadar, mergulhando somente.

O Presidente .distribuiu, pessoalmente, entre eles, muitos instrumentos agrícolas, recebendo, um por um, cada ferramenta.

Gostaram mais dos facões, naturalmente porque poderiam ter duas utilidades: uma, para o trabalho, e, outra, para os combates, que não raro suraiam com os índios de tribos diferentes.

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6 Memórias 12 - ·ás e Javaés tinham certo

os carai I d observar que . osos e ma va os. Pudemos t s considerados pe~1g do-nos de um dos muitos

pavor dos Xavan ~ia em que, aproxuna~e 18 cervos. Alguém quis Houve, u: ilha vimos un:1 grupo ão o fizesse, pois seria urn

laqos que hda l~s e G~túlio pediu que ntava fazendo uma visita de matar um e , 1 ara quem es ato pouco compreens1ve p índios e a Natureza.

nfraternização com. os do que da caça. E certa vez, paz e co . . a,s da pesca, . · t d Os Carajás vívrarn m . rucu que rmpressionou o a ram um pira .• O ·1 saindo para pescar, trouxe elo seu peso de 12 qut os. a comitiva pelo seu tamanho e p longo do Araguaia. Em um deles,

Fizemos lind~s p~sse,o~ ª;s atiraram em um jacaré. Quando João Alberto e Beniamím Va g d porção do seu corpo já estava foi retirado da água, uma gran e devorada pelas piranhas. f para que O Presidente fizesse a

Q mais se es orçou . . N M uem E d à ilha do Bananal foi o Capitão atos viagem ao nosso sta O e

Vaniq~e;a um dos oficiais da Casa Militar do Presidente e um homem que adorava esse contato ~~~ a ~atureza selvagem, com terras sertanejas, bem afastadas.da civilização. N

Tomou todas as providências, para que a excursao ao Araguaia se efetivasse. 1 nsistiu, mesmo, a fim de que o Presidente fosse conhecer aquela grande ilha entremeada de lagos extensos e belos, onde existiam uma fauna e uma flora admiráveis.

Depois de uma permanência ali de cinco dias, Getúlio Vargas e sua comitiva regressaram ao Rio. . É justo que se registre a atuação benéfica prestada pelo Dr. Acarí de Passos OI iveira, para que a viagem do Presidente ao Araguaia se revestisse do êxito que teve.

N~ d_ia 4 de dezembro de 1.935, segui com a minha família para Goiânia, em caráter definitivo. Acompanharam-me até Areias o Dr. João Mo~~iro, ~ir~tor da Segurança Pública, sua senhora. ~r. Celso ~!rm1n10 Teixeira, Diretor do Departamento de Estatís­ tica e Public1~ade e o Deputado Moisés Costa Gomes.

Esta minha decisão f · · à frente da construção d 0' .motivada pelo desejo de estar sempre como o maior responsáv 1 ª ~idade, que ?Xigia a minha presença,

Nessa ocasião e ,,Pe o e~preend1 menta. ' ° Correio Oficial" escreveu: "O assunto

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Pedro Ludovico - 127

. mais importante para a vida goiana atual de realizações é fora de .dúvida, a mudança da' Capital do grande Estado mediterrâ~eo. Esse empreendimento tem focalizado Goiás, até há bem pouco quase desconhecido, tornando-o alvo dos olhares do país inteiro.

A nossa campanha em prol dessa grandiosa obra tem sido dirigida de maneira a apagar o pessimismo de alguns e o sentimen­ talismo de muitos, ante a execução da idéia que prevíamos para breve. Apesar de militarmos num órgão oficial, entregamo-nos, espontaneame~te, a e~sa tarefa, por uma questão de idealismo, que reputamos sadio, por. isso que compreende o bem comum. Não nos move, sequer, outro objetivo, senão o de acoroçoar o audaz admi­ nistrador, que bem inspirado, num sentimento de solidariedade humana, neste momento em que o bem coletivo é a felicidade pátria, soube alhear· de intereses conjuntos essa idéia que se avolu­ mou, corporificando-se agora na mais concreta das realidades.

Estamos quase ao término de nossa missão. Transferiu-se, hoje, para Goiânia, a sede do Governo. Outra face surgirá, certamente, para à oposição à mudança

que se processa aqui. Outros motivos aduzirão os opositores para combater os méritos dessa medida.

E o ódio recairá, principalmente sobre nós, que defendemos, com lealdade, a grande causa do povo goiano.

O Sr. Dr.· Pedro Ludovico transferiu, hoje, a sua residência para Goiânia - a nova Capital, a fim de administrar, pessoalmente, os serviços de construção daquela metrópole.

Com S. Exa. irá também o Dr. Benjamim Vieira, Secretá- rio Geral.

Equivale isto dizer que a sede do Governo passará a ser em Goiânia.

Temporariamente? Definitivamente? Essas duas versões correrão por muitos dias. Mas nós, que

acompanhamos pari-passu os trâmites da grande causa, diremos que a transferência, provavelmente, será definitiva. Tantas e várias serão as medidas a serem tomadas, tal será o surto de progresso das obras, os assuntos a se tratarem, que o Governador terá que perma­ necer na nova Capital até a sua inauguração.

Nós que nos despedimos hoje da ilustre comitiva governa­ mental, ficaremos ainda aqui por alguns meses. Se de um modo nos vamos ressentir com essa separação, experimentamos, de outra

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128 - Memórias

feita, a satisfação de vermos realizada a idéia, que encontramos em

h , qual prestamos O nossO" modesto concurso. marc a e a ,. . Não nos arreceamos das pedradas que nos tem sido atiradas

e das que surgirão de novos setore~.. . Nós jornalistas, nós operanos, acompanharemos daqui letra por l;tra comporemos a grande página de civismo que G~iá:

. " vai escrever . Ainda O

mesmo Jornal na sua edição de 5 de dezembro ocupou-se largamente da minha saída da velha Capital.

Reproduziu, em destaque, estas . palavras por mim proferi- das, ao despedir-me dos amigos que me acompanharam até O po­ voado de Areias: "Amo esta terra que é minha. Mas há um impera- tivo mais alto a que é forçoso obedecer".

Além disso, estampou, no dia .seguinte, como a seguir se transcreve, vibrante editorial e bem lançados sueltos dos saudos

. V d R . J N os amigos asco os eis e oao Setúbal:

"A MUDANÇA DA CAPITAL E A CIDADE DE GOIÁS'·

"Não podemos furtar-nos ao desejo de volver ao grande as­ sunto que constitui a mudança da sede do governo do Esta_do para Goiânia, evento esse que assinala o início de uma nova vida para nossa terra.

Desde que Pedro Ludovico delineara. o plano gigantesco da transferência da sede do governo para uma cidade nova e adred~ construída - plano que, só ele, é de molde a imortalizar um admi­ nistrador - vimos incessantemente, nestas colunas, não somente analisando, sob todos os aspectos, a necessidade de sua execução e combatendo, destarte, as Idéias retróqradas dos anti mudancistas impenitentes. · . . lmpenitent~s - dizemos nós - porque não apresentam ~ Jamais apresentariam argumentos que pudessem ou possam invali­ dar os de qu_e nos 5;rvimos no preconício da gigantesca obra que Pedro Ludovico esta levando a efeito em G .... . E · . 01an1a.

. ,. se inconsistentes são os pontos de vista dos que combatem ª ideia d~ ~udan~a da Capital, não neguemos que, no seio das massas anonunas, tem eles conseguido infiltrar no tocante ao mag- no assunto um pes · · . . · ,

' simismo que atinge as ráias do absurdo.

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Na Assembléia Legislativa ou nas colunas do sema á • · d. n no opo- sicionista que aqui se e rta, a campanha que se moveu contra a mudança - campanha que,,ª? revés de ser patriótica, redundava numa propaganda de ~escred1to contra o Estado - foi rebatida com vantagem pelos dignos deputados que constituem a maioria daquela casa e por nós, numa ação contínua e espontânea revesti- da, sem dúvida, de ideal ismo sincero. '

Porque não podemos compreender que um Estado rico co­ rno O nosso, e que somente agora vai galgando a estrada luminosa do progresso, tenha como Capital uma cidade de respeitáveis tradi­ ções históricas, mas sem nenhuns requisitos que possam fazê-la acompanhar o ritmo do desenvolvimento que Goiás vai alcançan- do. Pedro Ludovico, tendo nascido em Vila Boa, recalcou todo o seu bairrismo e enxergou acima do berço nativo a grandeza do Estado,cujos destinos lhe foram confiados pelo povo.

Empreendendo viagem, anteontem, para Goiânia, de seu coração, ao despedir-se dos amigos. que o acompanharam, extrava­ sou, envolto em sinceridade, todo o seu sentimentalismo, todo o seu amor à gleba natal.

Mas, fiquem certos todos os habitantes da antiga Capital: Pedro Ludovico, como seu filho dileto, tudo fará no sentido de que ela não se torne em ruínas, mesmo porque, como dissemos acima, não teve· ele, fazendo a transferência da sede do governo, outro escopo senão o de bem servir a Goiás.

De nossa parte - afirmamo-lo - agora que vemos vitoriosa a cruzada em que nos empenhamos, tudo faremos por que a esta cidade sejam proporcionados os benefícios de que carece e de que é digna a população culta e laboriosa que nela habita.

É um compromisso que espontaneamente tomamos neste momento em que Goiânia - a maravilhosa cidade, a pérola da hinterlândia - abre os braços para, num amplexo, receber e~ seu seio o seu grande fundador - Pedro Ludovico, um dos maiores goianos de todos os tempos".

"UMA GRANDE ALVORADA" Vasco dos Reis

"Venceu! Foi esta a mais bela de suas vitórias. Nem com a pena intimorata, látego inclemente que

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130 _ Memórias

. . m com a palavra de fogo, · regime ne íbi ' 1 fustigava o antigo_ e ;rrastando os t1 ros a. revo ta; nern exortando os entusiastas t ta de um pugilo de bravos, para com um fuzil em punho,ª e~ jogado ao léu - nem nesses uem a vida era um farrap ianses ele brilhou tanto. , minha" disse ele ao partir. "Mas

. "Amo esta terr~ que e , forçoso obedecer". há um imperativo .m: :lt~Íi~: edestacava na claridade forte

E seuN P:rf~I . Pedro Ludovico sentiu a mesma dor dessa manha hlstórica. que nós sentimos. os alcantis da Serra Dourada, que Ao transpor . . · h

1 d horizonte de sua rnerumce, o esprn o da em o u ram o - ( · E nqiu lhe decerto o coraçao bon ssrrno. esse amargura pu - . . , .

t O de sentimentalismo mais o enobrece. Adoça a rísplda rav , "d f I t grandeza de seu gesto genial. R 1sp1 o, porque ere evemen e uma cidade; grande, enorme, porque dilata os horizontes de um povo e abre, de par em par, à luz vivificante, as portas soturnas deste Estado, que uma rajada de fé começa a despertar.

O egoísmó sem nome não apagará em nossos corações a centelha gloriosa de ardor que em nós fez crepitar a máscula arrancada de hoje. Sejamos, no presente, dignos do futuro.

Sejam nossas, na apoteóse que espera Pedro Lud~vico, as primeiras palmas e as primeiras flores. Que esta querida Goiás entregue sorrindo um cetro que já lhe pesa.

. E abrace com orgulho o grande filho que conduz às verdes plagas do sul O d . . . . · . . , n e sorri a pnnces1nha Golânla, mimosa e clara, em seu berço de esmeraldas. Lembremos de que .

será de nosso tamanho. ' pequenos e esquecidos, o Estado E se ele crescer e

pudemos erguer . em ta t resceremos com ele. Se o não eleva porque a nós tamb~ os, anos, aplaudamos aquele que o

em evanta. H o n ra a Pedro L d .

venturosa. Oue nossos e u o,wvico, fundador de Goiânia, a entusi~mo e de fé nest ~raçoes O acompanhem repletos de def. · · ' a Jornada 1 • ' 1n1t1va de uma id'" , 9 °nosa que é a consagração realizador". eia que e grande, como grande é o seu

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Pedro Ludovico - 131

"REALIZAÇÃO" João Setúbal

"O dia quatro deste mês de dezembro deve ser, à moda dos velhos tempos de Roma,assinalado pelos goianos que, de coração limpo, desejam sinceramente o engrandecimento de sua terra, - como uma pedra branca, albo lapido, emblema sugestivo das datas felizes. , . . Ef etivam ente: um acontecimento surpreendente, embora esperado, quebra o ritmo da ancestral história deste grande Estado - acelerando as nossas vibrações de grandeza e de progresso.

Transferiu-se a sede do governo para Goiânia, a futura metrópole, em cuja 'fronte acaba de cingir-se o diadema de rainha do grande Estado Mediterrâneo. Aspiração secular - o notável acontecimento do dia quatro, quis o destino que fosse um estadista da nova República, grande entre os grandes - Pedro Ludovico - seu executor intemerato.

A história de amanhã, em cujas páginas refulgirá em caracteres de ouro essa odisséia sem par, relembrará, aos homens do porvir, de quanto é capaz o engenho humano em benefício do bem coletivo.

Saudando o momento que passa, advento promissor de uma nova civilização que a inteligência dos homens procura edificar, numa atmosfera bonançosa de patriotismo e desprendimento, eu auguro, ainda, para· o Estado que adotei como meu berço, um surto econômico de tal natureza que, dentro em breve, possam as terras de Goiás ser comparadas às mais ricas de todo o mundo".

Também o jornal." A Tarde", de Ribeirão Preto, São Paulo, teceu considerações a propósito da transferência do Governo goiano para a nova Capital do Estado.

A seguir, a sua apreciação:

"MAIS DO QUE AS PALAVRAS BONITAS, VALEM OS BONS EXEMPLOS"

"E por isso, o Sr. Dr. Pedro Ludovico, ilustre, operoso e clarividente governador de Goiás, transfere a sua residência

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132 - Memórias

para Goiânia, a nova Capital do grande· e rico Estado Central." .

"Os que ac ornpanham. mais de perto, a atual administração góiana, como nos o fazemos~ encontra, em cada dia que passa, um novo motivo_ para admirar essa energia moça e sadia que o Sr. Pedro Ludovico vem demonstrando na direção daquele próspero e futuros_o Estado.

Muitos homens da Revoluçao de 30 parece que, tendo conseguido apossar-se do poder, deram por terminada a sua missão e se contentam em dormir sobre os louros de uma vitória, que conseguiram obter mais em conseq'úência dos erros cometidos pelos seus antecessores, do que em virtude do mérito que , eles, os vencedores, revelaram. O país - acreditavam e acreditam esses mesmos revolucionários . , necessitava tão-somente de uma substituição de homens, por- que os males que padeciam eram conseqüências dos homens e não do regime. Feita essa substituição, poderia desfrutar as vantagens oriundas da vitória, porque nada mais havia a fazer.

O Sr. Pedro Ludovico, que desde 1.930 vem dirigindo, com energia e prudência, com severidade e, ao mesmo tempo, com calma, a riquíssima terra goiana, não .faz parte desse grupo de revolucionários comodistas e ambiciosos, cujo único escopo era a posse do governo.

Para o Governador goiano, a revolução ainda continua, processando-se no seu bom sentido,· o seu escopo nobre e elevado, que é o de cercar o povo goiano das máximas garantias e, ao mesmo tempo, dar ao Estado toda a sua capacidade de progresso. Em Goiás, modernizado pelo espírito sadio do seu atual governador, tudo é ordem e trabalho, tudo é disciplina e atividade.

. Os velhos métodos da politicalha de aldeia, que se estr!bavam no exclusivo interesse particular, ora para tosquiar as finanças do Estado, ora para espalhar O ódio e o terror por t~d?~ os _recantos. d? Estado, colocando-o à margem da crv II !zaçao brasll e Ira, foram substituídos por outros, perfeitamente de acordo com a índole com a mentalidade laboriosa do povo goiano. '

. Hoje, desde a Capital até o mais distante recanto goiano, reina paz, reina a tranq"úilidade, envolta numa auréola de trabalho

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fecu.ndo e persistente,. ~ue há de. fazer de Goiás, que possui tantas e tão grandes probabil idades, o Estado mais próspero e rico da Federação.

Para conseguir esse verdadeiro milagre administrativo O Sr Pedro Ludovico não teve necessidade de lançar mão de pr~cesso~ violentos e nem de métodos exibicionistas, que surtem efeito na praça pública, mas desaparecem no labirinto da máquina adminis­ trativa. Para conseguir esse resultado extraordinário O Sr. Pedro Ludovico não precisou pronunciar longos discursos, procurando .empolgar ou iludir o povo, mesmo porque tais discursos, muitas vezes belos e expressivos, não passam de promessas com que se acostuma ludibriar a opinião pública.

O seu método, no caso, foi muito mais simples e, por ser muito mais simples, também foi muito mais eficiente: o Sr. Pedro Ludovico deu exemplo, colocou-se à frente de tudo e de todos, demonstrando, por atos e não somente por palavras a sua firme decisão de trabalhar pelo engrandecimento, pelo progresso de Goi­ ás, cujos destinos, em hora feliz para o grande Estado Central, lhe foram confiados.

O Sr. Pedro Ludovico, malgrado a extensão territorial de Goiás que, por si só, é um problema administrativo; apesar da deficiência, ainda reinante de vias de comunicação, está perfeita­ mente a par de tudo quanto se passa no Estado, de todos os seus negócios, de todas as necessidades e anseios do seu povo.

A sua atividade, como governador, não tem limites. Não quer, para si, horas de descanço ou de repouso. O Sr. Pedro Ludo­ vico é um administrador que, esteja onde estiver, ou em qualquer hora, se considera sempre em pleno exercício de suas funções de governador.

O seu bem estar, o seu repouso, jamais foi ou será um moti­ vo para que ele deixe de atender, ou mesmo para que adie a solução de um negócio, de um problema que se relacione com o Estado.

Para o governador, na sua opinião, o dia, quando se trata de defender os interesses do Estado, deve ter vinte e quatro horas.

l:, por isso, que sempre dá exemplo de amor ao trabalho, Porque se revela, desde o menor até o mais elevado de seus atos, um homem de energia ímpar e de um caráter sem máculas, que o

\

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Sr Pedro Ludovico vem realizando obra~ ~ tr~balhos que, aos· seus · . · , is irreal1zave1s. antecessores pareciam 1mposs1ve , , . .

Aquilo, que ainda ontem, mesmo nos ultimas dias da Velha república não passava de sonhos ou de promessas, de tentativas vãs ou de planos frustrados, hoje se transformou em m~gn ífica realidade, demonstrando que Goiás, com todas as suas riquezas, com todas as suas probabilidades, pode se colocar ao lado dos grandes Estados da Federação, a fim de colaborar nessa obra gran­ diosa do engrandecimento nacional.

Goiânia a nova e bela Capital de Goiás, que surgiu como se fosse um conto de fadas, graça~ ao gênio administrativo, ao poder realizador do Sr. Pedro Ludovico, é uma prova evidente, é uma demonstração concreta · e positiva do que pode um homem de governo, quando esse diretor do povo tem a envergadura moral e a capacidade administrativa de um Pedro Ludovico.

Já temos dito bastante sobre a nova e formosa capital goiana que, surgindo nas proximidades da Estrada de Ferro, tem probabi­ lidades de progresso que, em hipótese alguma, poderiam ser encon­ tradas na velha capital, .formada de ruas tortuosas, de casas velhas sem esté!ica e s~m elegân~ia, com,uma topografia muito irregular~ desfavoravel, alem de muito lonqfnqua dos centros mais populosos do Estado.

E Goiâ~ia, em_bora os recursos do Estado de Goiás fossem basta~te restritos, pois a sua situação financeira em 1.930 não era de deixar com água na b f · , ' ' . oca, 01 construida em menos de cmco ano,~, o que representa um esforço magnífico, um trabalho de titã, rea ízado pelo atual governo goiano.

No dia vinte do ·mês p d no inaugurou a nova ca ital assa ~' conforme noticiamos, o gover- roupagens de grande cidad~-q~e,1á se apr_esenta com todas as suas admirável traçado onde há ' : ?s P rédi os de cimento armado; todas as exigênci~s e nec ª ~~tet,ca e elegância, de acordo com edifícios públicos, també~ss~ ª1es de uma cidade moderna. Os apresentam quase que intei e I n~as elegantes e distintas, já se dos mais belos e soberbos a ramente.concluídos, deixando ver um

spectos de Goiânia Inaugurada a Capital o S .

para Goiânia, a sede do seu 'g r. Pedro Ludovico transferiu agora, d. · · overno p 1ng1r os trabalhos de constru ão ' ara '!ue possa, mais de perto,

ç que estao a cargo do governo e

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. centivar aqueles outros que estiverem sob a responsabilidade de rn . 1 empresas partícu .. are~. A transferência do governo constou da mudança da presi­

dência e do secretariado, conf~rme _se v~rifica pelo telegrama abai­ xo transcrito, que a esta redaçao foi enviado pelo Sr. Celso Herml nio, ilustre e dedicado au?'iliar do Sr. Pedro Ludovico, e um dos seus mais eficientes e dedicados colaboradores na sua obra de re­ modelação' política e administrativa do Estado de Goiás.

Eis o telegrama: "Redação da" A Tarde" Ribeirão Preto Acaba de transferir sua residência para Goiânia o Sr. Dr.

Pedro Ludovico, governador do Estado, de onde passará a despa­ char o expediente até que se efetue a inauguração da nova Capital. Essa medida do governador tem em vista incrementar os serviços de construções que se ultimam na nova metrópole, que assim passa a ser a sede do governo. (a) Celso Herrnlnio Teixeira, Diretor De­ partamento Estatística e Publicidade" .

. "E desse modo, o Sr. Dr. Pedro Ludovico, mais uma vez, dá exemplo, porque ele, como administrador inteligente e prático que é, sabe perfeitamente que, mais do que as palavras bonitas de um discurso bonito, ou de conselhos contidos num sermão, valem os exemplos bons, através dos quais o homem revela a sua vontade de ser coerente consigo mesmo, de não faltar aos seus compromissos. Digno, pois, de todos os louvores é o administrador que, como o atual governador de Goiás, sabe compreender os anseios do povo e merecer a confiança que este povo nele deposita. Digno de aplau­ sos é o administrador que, como o Sr. Pedro Ludovico, deixando à margem todas as suas conveniências pessoais.se volta inteiramente para os interesses da coletividade para defendê-los, para colocá-los fora do alcance dos aventureiros que surgem a cada momento, valendo-se quase sempre da fraqueza de quem administra ou go- verna. .

No caso presente, não restringimos as nossas felicitações ~ personalidade destacada do Sr. Pedro Ludovico, porque o esqueci­ mento de seus auxiliares de seus secretários, importaria numa gra- . . ' ve lnJustiça.

O Sr. Pedro Ludovico com uma argúcia que o torna digno da admiração, soube escolher ~s seus auxiliares precisamente entre os

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homens mais cultos e mais dignos do gr_ande ~stado ~entrai, que são, por feliz coincidência, os que ma1; se interessam pelo seu progresso, pelo seu desenvolvimento. Sao todos eles· verdadeiros patriotas que sabem que, trabalhando para a grandeza de Goiás, estão, ao mesmo tempo, trabalhando para a grandeza do Brasil, a mais bela e formosa nação da América Latina.

Ao Sr. Pedro Ludovico e aos seus dignos auxiliares, as home­ nagens d"' A Tarde".

Poucos dias após nossa chegada à nova sede, então provi­ sória, do Governo, já ti'nhamos engrenado as atividades governa­ mentais; tanto que assinei o decreto 560 - o primeiro em Goiânia - e sancionei a Lei no. 52, abaixo transcritos:

"Decreto no. 560, de 13 de dezembro de 1.935 O Governador do Estado de Goiás, usando dos poderes que

lhe são conferidos pelo art. 5, § 2o., das Disposições Transitórias da Constituição Estadual, resolve determinar que, para Goiânia a Nova Capital do Estado, se transportem, com o pessoal que '05- respectivos titulares julgarem necessários ao exercício de suas fun­ ções, as Secretaria Geral e do Governo e a Casa Militar.

Palácio do Governo de Goiás, 13 de dezembro de 1.935, 4 7 o. da República.

Dr. Pedro Ludovico Teixeira Benjamim da Luz Vieira".

"Lei No. 52, de 13dedezembrode 1.935. ·(concede favores às famílias de .prole numerosa, residentes

no Estado de Goiás) O Governador do Estado de Goiás: Faço saber que o Poder Legislativo decretou e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1 o. - As famílias, residentes no Estado de Goiás, que tenham 10 filhos menores, púberes ou impúberes, são asseguradas as vantagens seguintes, desde que tenham renda anual inferior a um conto e duzentos mil réis ( 1 :200$000.).

a) - Terão direito a assistência médica, dentária e tarmacêu­ tica, gratuitamente, onde houver médicos e dentistas subvencio­ nados pelo Estado e postos de saúde;

b) - serão registrados na Diretoria Geral de Serviço Sanitá·

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rio. para receber, ~nualmente, os favores que essa Repartição dis- pensa nos seus :erv1?os_; .

e) - terao ?1re1to, para ~s filhos, à matrícula gratuita em qualquer estabelec1ment~ de, ensino ,:st~dual, ou gozando de favo­ res do Estado, e bem assim a proteçao imediata das Caixas Escola- res· ' d) - receberão do Estado, como doação condicionada à inalienabilidade pelo prazo de dez anos, e com a obrigação de cultivá-lo, um lote de terras devolutas, com área de vinte e cinco .. (25)·hectares

Art. 2o. - Os benefícios desta lei se estendem às famílias nas condições do artigo anterior, residentes fora do Estado, e que, para Goiás, transfiram sua residência, dentro de três anos, a contar da publicação desta lei.

§ Onico - Na hipótese deste artigo, o lote de terras doado será de cinqüenta hectares (50)

Art. 3o. - O executivo, para os efeitos desta lei, mandará marcar os lotes necessários de terras devolutas nas matas de São Patrício, município de Jaraguá, ou em outras próximas à Estrada de Ferro, organizando o serviço cadastral necessário.

Art. 4o. - A comprovação das exigências dos artigos 1 o. e 2o. será feita por meio de justificação processada perante a autori­ dade judiciária do município de residência ou da Capital, acompa­ nhada de todos os documentos necessários.

§ lo. - Feita a justificação, segundo as leis processuais do Estado, e ouvido sempre o Ministério Público, adquirem os justifi- cantes as vantagens desta lei.

§ 2o. - Os Juízes de Direito farão comunicação à Diretoria Geral da Fazenda das justificações que tenham julgado e processa- do, com as devidas informações.

§ 3o. - Esta justificação bem como todos os documentos exigidos são isentos de selos, impostos, taxas e quaisquer emolu- mentos, exceto custas aos funcionários do juízo.

Art. 5o. - Os benef feios desta lei se estendem também às famílias, cujos filhos maiores, solteiros ou casados, estejam em estado de pobreza e residam com os pais. .

Art. 60. - Por intermédio do Departamento próprio, o Po- der Executivo fará intensa propaganda desta lei.

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Art. 7o. _ Revogam-se as disposições em contrário, entran. do esta lei imediatamente em vigor.

Palácio do Governo do Estado de Goiás, 13 de dezembro de 1.935, 470. da República.

Dr. Pedro Ludovico Teixeira Benjamim da Luz Vieira".

Poucos meses depois de estar em Goiânia, em caráter definitivo, verifiquei que foi muito acertado o passo que havia dado.

Vivia meu ideal em realização, observando tudo, analisando tudo, fiscalizando tudo.

Percorria as obras duas. vezes ao dia, corrigindo as falhas e evitando que se repetissem.

O meu contato diário com os operários era muito útil. Ex­ pi icava-lhes, mesmo, que me ajudassem com a sua boa vontade, com a sua honestidade no trabalho. Mostrava-lhes o significado da realização, que não era para mim, mas para o Estado, que dela dependia para progredir. A natureza lhe tinha sido pródiga, dando- lhe todos os elementos para tanto, insistia com eles, sendo que Goiânia constituiria a base, a alavanca propulsara desse desiderato.

A verdade é que os homens do trabalho se mostravam conta­ giados pela firmeza das minhas convicções e pela minha exaltação de concorrer para o engrandecimento de um pedaço do Brasil.

Trabalhavam com boa vontade, contentes de serem bons brasileiros.

No dia 12 de fevereiro de 1.936, os funcionários me fizeram uma grande manifestação - em agradecimento por haver concedi­ do majoração de vencimentos a todo o funcionalismo.

Interpretando o seu pensamento, o Dr. Paulo Fleuri da Silva e Sousa, que era então promotor da velha metrópole e também professor da Faculdade de Direito ofertou-me em nome deles rico relógio. '

. . foi_ muito aplaudido,. o que era de se esperar, porque a sua intellgenc,a e sua cultura, embora jovem já eram proclamadas por todos. '

. Disse que fui o maior batalhador pelo soerguimento material e intelectual do Estado. A esse propósito, o Serviço de Propaganda e Expansão Eco-

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nômica do Estad~ fez publicar completo noticiário, do qual vão SCr·,tos 05 seguintes trechos: tran "O talentoso professor da Faculdade de- Direito de Goiás

•10 expressamente, da velha capital, para oferecer O belo presen- ve ' d f · ' · d te, em nome de to os. os unc!onan~s a terra de Anhanqiiera, Dizer o que foi a oraçao do Jovem homem público é quase

impossível. . - , . Foi uma magistral oraçao civica, na qual, dizia, interpretava a

gratidão de todos os servidores do Estado, coesos e unidos em torno do egrégio governador de Goiás, que soube tocar a alma agradecida dos goianos com úS seus gestos de imenso e grand ílo­ quo· patriotismo, desde a era de insubordinação moral dos gover- nantes de outrora. •

Historiou os fatos anteriores à queda da oi igarquia que do­ minava o nosso Estado, a vida pública e particular do eminente Governador - o maior batalhador em prol do soerguimento moral, material e intelectual do grande Estado de Goiás.

Frisou a conduta nobilíssima do sr. Pedro Ludovico, após a vitória de 30, jamais se conspurcando na menor vindita contra seus maiores inirniqos.que o enxovalharam na rua da amargura; a con­ duta do governador que nada pedia às autoridades, não se lrniscui a nas lutas partidárias das eleições, respeitava os funcionários, inte­ ressava-se pelo Estado; olhava a alma goiana abalada na sua eco­ nomia, na vida pouco recomendável que estava fazendo Goiás, desconhecido, com o maior benefício que podia fazer ao povo, que era a mudança da capital para estas campinas largas e cheias de felicidade, onde os corações encontram mais ar e luz e calor nas expansões de seus sentimentos e emoções.

Tinha a honra de ser o intérprete de seus companheiros, dos funcionários de Goiás, causa esta que agradecia, e entrega ao Sr. Governador, acompanhado de um abraço, aquele pequeno presen­ te que representava a grandeza do agradecimento dos servidores do Estado:'.

As últimas palavras do talentoso orador terminaram sob in­ contidas palmas da formidável assistência.

"O Dr, Pedro Ludovico, que se achava cercado por grande massa popular, emocionadfssimo, respondeu ao discurso do Dr. Paulo Fleuri.

No decorrer de sua oração, teve palavras de encômios ao

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duais abnegados auxiliares da · ários esta ' honrado corpo de fu~ion em sua vida, duas fora":' as suas obra do governo e d1!se .que, do auxiliado por amigos fids, maiores emoções,· a pnme~~ª'.d~u:jud~u a destruir, pai iticamente, dignos e o povo goiano opnm~ho~ a segunda, quando l:vou à frente os maus governantes de anta · trópole para a nova cidade, honra a idéia da mudança da_veldh~ ~:.car-se na grandeza cívica da alma de um povo que precisa igni 1 nacional". f . Rio Verde, para repouso, antes

E das vezes que ui ª · m uma . Of . I" a seguinte entrevista: de partir dei ao "Corredio G 1:á1ªs como é do conhecimento do pú-

"O Estado e º1 , d d atualmente por uma fase e progresso, blico, está passan ºd sua atividade, que reclama um registro em todos os setores e ... 'f' d ,

· · das grandes real izaçoes ven rca as no pais, especial, a margem de 1930 a esta parte. .

c O meu afastamento desta Capital, que será peque- oml O da minha administração não sofrerá nenhuma no, o p an

1• - t

modificação. Tenho um programa de rea izaçao para es ~ ano~ no que se refere à nova Capital, e quero levá-lo a efeito. Ja ordenei aos engenheiros Coimbra Bueno, cont~atados p~r.a dirigirem a construção de Goiânia, atacar os se~,ç~ de edifi­ cação dos prédios federais segu rntes: Delegacia F iscai, C?r· reios e Telégrafos, Inspetoria Agrícola, Juízo Federal, Juizo Eleitoral, bem como os edifícios destinados às repartições públicas estaduais que são: Almoxarifado, Assembléia Legisla­ tiva, Diretoria de Segurança e Assistência Púbtica, Ginásio Estadual, Grupo Escolar e parte do Quartel de Pol feia, cujos projetos já estão confeccionados. Deverá ser feito também o seriço de canalização d'água e mais 40 casas para operários. As casas contratadas com o "Lar Nacional", em número de 100, deverão estar terminadas até o fim do ano por força de contrato firmado entre aquela empresa e o Gove~no.

Cogitamos, no momento de instalar também em Goi· " . ' ' ' anta,. fo~ça e luz elétricas. A luz que possuímos é de caráter provisório. As propostas de concorrência já foram abertas e da resposta dada pelo dr. Eurico Viana, engenheiro do Esta· do~ aos quesitos formulados pelo dr. Benjamim Vieira, secre­ tário geral, verificou-se que a proposta mais vantaiosa é a de Froes & Irmã A ·

aos. minuta do contrato a se lavrar já foi por

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Pedro Ludovico - 141

mim aprovada e, se não surgirem reclamações durante d bli ... ''C . os ez dias de sua pu rcaçao no orreio Oficial" conforme · • • ••• á

1. , exige a

nossa Const1tu1çao, se~ , no rrn deste prazo, assinado O con- trato. Por ele o fornec1n:1ento de luz e força de Goiânia será 0 mais barato até agora existente no Estado.

Como deve ter notado, o meu governo vem se preocu­ pando com a solução dos nossos mais importantes problemas. A instrução me tem merecido especial atenção. O sistema rodoviário,pelo mesmo modo. Tenho envidado os meus esfor­ ços no sentido de incrementar no Estado a navegação fluvial . . ' bem assim no de proporc tonar todas as facilidades ao alcance do meu governo a quantos queiram explorar o nosso sub-solo, de maneira que a indústria extrativa de minérios no Estado ' nestes últimos anos, tem se desenvolvido consideravelmente.

Neste instante tomo as medidas necessárias para que sejam melhoradas e ofereçam plenas condições de tráfegof 4 troncos que demandam esta Capital; isso porque o· serviço de conserva mantido em todas elas não vinha correspondendo à minha expectativa Estas artérias a que me refiro são: a que se dirige para o Sudoeste do Estado, numa extensão de 320 quilômetros; a que segue para a velha Capital, em demanda do rio Aragu.aia, com 360 quilômetros, a que se dirige para Minas, atravessando os municípios de Goiânia, Bela Vista, Pouso Alto, Morrinhas, BuritT Alegre e Santa Rita do Para­ naíba e a que liga Goiânia à linha férrea, numa extensão de 60 quilômetros. A reconstrução dessa última rodovia está a cargo do Diretor da Estrada de Ferro Goiás, que pretende fazer uma via de comunicação com todos os rigores da técni­ ca: Reconstru (das essas estradas que servem de base ao labi­ rinto das nossas vias de comunicação, que atingem todos os quadrantes do Estado como por exemplo a região Norte, fica solucionado o proble~a do transporte em Goiás, que se tor­ nará mais acess·ível , mais rápido e mais barato.

A lavoura e a pecuária, por sua vez, têm me.recido do meu governo o amparo que lhes é possí~el p~o~orc1onar den­ tro das rendas do Estado, que ainda sao d1mn~utas. ~enho procurado fomentar as fontes de nossa produçao ·! foi co'!' esse intuito que fundei o Departamento de Expansao Econo-

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do com êxito de ação, em contato . que J. á vem entran ' mica, . com as classes rurais.se opera no Estado, sob os auspícios do

No momento mpanha em favor das nossas classes governo, uma f?rte ~a ando-as a maiores atividades. Desse conservadoras, incent~vo ·,ntegrados, com visível entusiasmo . nto a que es a 1 · ,,., , mov,me . , . de Goiás faz parte a rea rzaçao de urna todos os mu1~tcip,ors de serão focalizados e discutidos os pro- semana ru ra ista. o I d t , . mentosos do Esta o, concernen es as suas blemas mais mo classes agrárias. D· · d A ·

É desejo do governo criar uma íretona e . gncultura P ária no Estado, que possa de um modo mais amplo e e ecu ... · d · f · nte controlar a nossa produçao, onentan o tecnicamen- e rcie I b idi ,, te O nosso homem do campo no seu a or quotí iano . Pouco tempo depois, escreveu sobre Goiânia o jornalista

Austicl ínio Brandão, que não residia em Goiás e nem dependia de favores do meu governo.

O seu entusiasmo o levou, na sua apreciação, a exageros sobre a minha personaJidade. Entretanto, espontânea a sua expres­ são, não podia deixar de registrar o seu pensamento. que muito me desvaneceu, mesmo porque foi fruto de seus conhecimentos sobre a capacidade financeira do nosso Estado, em face de uma obra que era grandiosa e difícil de ser executada naquela época.

Viu Goiânia ainda nos seus primeiros anos e considerou os óbices. ~ue se apresentariam na sua construção.

Ficou perplexo diante da coragem do seu idealizador. P?r isso o excesso nos encômiÕs que me foram feitos. Eis o seu artigo,· publicado no 1· ornai "A Tarde" de Ribeirão Preto: '

"Só um filho genuíno dos sertões, conhecedor do ab~s­ mo que separa a civilização existente nas metrópoles

1 :

noite colonial do vasto hinterland brasileiro, pode calcu ~~ com precisão matemática, o esforço, a energia e a corage~ an que vem dando prov~s o Sr. Pedro Ludovico, na obra gig tesca que iniciou no planalto central a despeito de todas as dif 1 ' t aves- 1 icu dades e de todas as angústias do momento que a r sarnas.

Alma atrevida de sertanista, espírito forrado de um

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estoictsmo que o faz aberrar dos tipos comuns de que é feita a geração de que faz parte, homem cuja têmpera parece ter deixado, na sua front~, ? selo do destino que nenhuma pito­ niza pode prever, administrador cujo ideal ismo parece condu­ zir a empreitadas audaciosas, com tendências para os saltos no abismo, Pedro Ludovico - o novo Anhangüera - exerce no meu espírito, lnquieto.e insatisfeito, uma quase fascina-

N çao. , Ao mesmo tempo que vejo nas suas atitudes a repeti-

ção dos gestos de um intrépido e impulsivo como foi Bartolo­ meu Bueno, quero crer que nele há o império de uma ances­ tral idade vinda de velhos paiés, cujas cinzas dormem nos len- çóis da gleba goiana.

Vejo-o diariamente, emergindc do cenário bruto do sertão, coberto .da poeira das labutas estafantes, dirigindo a obra ciclópica da edificação de Goiânia, aquela taba que ele soube iluminar com os fulgores da nossa ideoloqla, vestindo-a com. os esplendores do progresso que foi buscar nas metrópo­ les e que trouxe escondidos do interior de magníficas igaça­ bas trabalhadas por sua mão.

A sua audácia no seio da terra bravia de Goiás lembra a teimosia dos primeiros desbravadores da capitania, entre eles o legendário Anhangüera, que investia contra a ferocidade dos Goitacazes e fazia arder a superfície das lagoas, assustan­ do os filhos das selvas com emissários do inferno.

Vejo-o cercado do seu estado-maior, todo ele consti­ tuído de vultos da mesma têmpera para o trabalho, do rnes­ mo fanatismo pelas cousas da Pátria e absorvidos pelo anseio de vitória na travessia daquele acidentado labirinto, onde em cada encruzi.lhada reside um problema, em cada oiteiro, uma riqueza a ser explorada. em cada gruta, uma oficina a ser equipada e em cada vale,um campo a ser cultivado.

Não há, nas suas veias, aquele sangue viciado que passa pelas artérias e penetra nos vasos cada vez mais intoxicados e empobrecidos pela ação dos hemófilos da descrença nos n~s­ sos destinos gloriosos. Fortes e crentes no futuro do Brasil, não têm o fetichismo mesquinho pela região onde nasceram e onde têm armadas as suas ocas higienizadas pelo sol do civis­ mo; pelo contrário, as suas vistas abrangem todo o vastíssimo

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horizonte do Brasil e só conhecem o rito de uma região: 0 nacional ismo. . . Vestem-se das mais belas cores nacronars, e~ver~am os

rus de grande gala e enchem suas ocaras ilurn inadas seus cu . . d I b ' para a celebração de suas festas cívicas, sem es:~m ran:,entos pagãos nem exotismos, diante do pagé que dirlqe o ritual e que os tange para a vanguarda dos povos.

Não conhecem represá! ias, nem questiúnculas de ai· deia, nem caprichos que esbarrem contra os su~r:mos inter~~· ses da Pátria· conhecem,porém, um grande esptnto de braslll, d ade um sadio desejo de fraternidade e de justiça.

' Goiânia é o fruto sazonado das primeiras culturas do pajé, Ludovico, que não usa os mantos guerreiros de outras tribos, nem as flechas dos Nhambiquaras, nem os tacapes dos Bororós, nem os machados de sílex dos Aimorés, mas sabe empunhar a pena, usa chapéu de borla e capelo e vive ernpoí­ gado pelo ruído dos tratores e do arado, pela cantiga das sirenes das fábricas e pela teia dos fios do telégrafÓ, pelas máquinas industriais e pelos motores da aviação, pelos com· pêndios da ciência econômica e pelos aparelhos geodésicos, pelo barulho dos operários de todas as indústrias e pelo ruído das edificações.

Nos domínios de sus tribo não há nem a vergonha dos mocambos de Pernambuco, nem as taperas de Minas, nem as arapucas dos morros do Pinto e da Favela.

All não há lugar para as febres da Baixada Fluminense, nem para. as verminoses dos estados nordestinos, nem para a promisculdade anti-higiênica das ruas da Alfândega e de São Pedro, onde a gente tem a impressão de que os bondes não passam pelas ruas, mas pelo interior das casas.

_Goi_ânia já _pode ter o orgulho de possuir elegantes pra­ ças e Jardins floridos, amplas avenidas em tormaeão e habita­ ções que honram a moderna arquitetura indústrias florescen- tes e comé · d · ' . reio esenvolvído, repartições federais prestes a ser d 1"~,uguradas, palácios, hotéis que se medem pelos melho­ res o pais e outras obras de vulto. pondo c::ir: obra. de _um ~ornem que subiu ao poder, dls­ atend ª receita -1n~enor a 5 mil contos, para com ela

er ª todas as necessidades vitais do Estado, Goiânia é

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uma espécie de milagre, só explicável à luz do raciocínio e da meditação, quando se leva em conta o papel dos que abnega­ damente vêm auxiliando o chefe do governo na multiplicação da receita, na intensificação da produção, no estímulo às in­ dústrias e ao comércio, na perfeita arrecadação dos impostos da fronteira, no progresso da agricultura e da pecuária e na exploração das grandes jazidas minerais, de modo a ser, em pouco tempo, aquela cifra elevada a quase 12 mil contos de réis. Mesmo assim é obra por demais audaciosa para o gover- no de um Estado, como o de Goiás, que estava a exigir tudo da Revolução de 30, pela desordem financeira em que estava mergulhado, pelo descalabro político que anulava todas as suas possibilidades econômicas e pelo curto período de pros­ peridade que lhe veio com o advento do governo Pedro Ludo- VICO.

É que na nova TABA edificada, sob a proteção dos deuses, nos sertões do grande Estado mediterrâneo, não há somente a vontade de um PAJÉ iluminado e cônscio de seus deveres e das suas altas responsabilidades; ai í operam outros chefes na figura ilustre de Venerando de Freitas Borges, no vulto sereno de João Monteiro, na personalidade marcante de Câmara Filho, na atividade criadora de Celso Hermínio, na cultura de Solon de Almeida e no valor de Raimundo Frota, sem que seja precisa a citação de outros vultos que tomaram parte naquele estado-maior.

Rufem, pois, em grande gala, os tambores da nova fa- m ília goitacaz e subam para os gritos de júbilo pelas l::Sênçãos colhidas pelo povo goiano à causa do que tem feito o mais civilizado cacique de Goiás".

Os deputados da oposição continuavam a usar de todos os meios contra a mudança, ao ponto de procurarem um abrigo no quartel do 60. B. C., dizendo-se sem garantias, a fim de provocar uma intervenção do Governo Federal.

. Nessa ocasião, o deputado Alfredo Nasser expressou a sua atitude: "justifico a minha atitude quanto à mudança da Capital, embora não tenha nascido em Goiás, sem, portanto, motivos de ordem sentimental e não possuindo bens ou propriedades na mes-

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. [oqo Tenho me batido contra a idéia; ma, ou seja, sem mtere:es em ~ ge.ração de oprimidos. Combato-a porque ela vem ofen e; .. u:a que nunca tolerei". como um_ gesto ~e prepin~: do leitor esse pronunciamento, mesmo

Deixo ao JUlg:f do Nasser já não pertence ao número dos porque o de~u.ta~o re sclareça que, não era meu inimigo pesso, vivos. Necessano e que se e

ai. 0 d d sua nomeação para Ministro da Justiça, nogover- J _ uGan °1 te procurou-me e ao meu filho Mauro Borges, então no oao ou ar , bi - ' ·

d ue não fizéssemos nenhuma o jeçao a sua inves- governa or, para q tidura, como de fato não fizemos. ,

R ram então com o governo, os deputados H ermoge- ompe , , . 8 J . nes Coelho, João Coutinho e Luiz da Cunha astos, e oaquim da Cunha Bastos, Prefeito de Goiás. . . ~ . .

Devido a essa situação, que d1m1nu1~ a nossa m~~o~1a na Assembléia Legislativa, a colônia mineira radicada em Go1ani~, ~n­ tusiasmada pela orientação de um dos _seus ~em~r~, Dr. D1v_ino de Oliveira, promoveu uma grande manifestação publica de s~l1da­ riedade ao meu governo. O primeiro orador foi o Sr. Carlos P1erru­ cetti.

Falaram em seguida os médicos, Dr. Aquino Calado, Dr. José Carneiro e Dr. Vasco dos Reis. Depois usaram da palavra o deputado Claro Godói e Senador Nero Macedo, que reprovaram com veemência a decisão infeliz dos deputados dissidentes, apoian­ do inteiramente a minha atuação, quanto à mudança da Capital.

Discursaram também os deputados lran I Ferreira, Oscar Campos Júnior e Hermínio de Amorim, todos profligando a-atitu­ de dos seus companheiros e defendendo com ardor com eloq·uên- . . ' eia, a mudança da velha Goiás, como Capital, para a nova cidade, que despontava com tanto vigor e possibilidades futuras.

Ter~inou a ~anifestação com a oração sensata e aplaudida do operário Isaac Teixeira.

Dias depois, os deputados dissidentes apresentaram uma pro­ posta _de acor~~ aos colegas fiéis à minha linha partidária, a qual me foi transm1t1da. Respondi com a seguinte carta:

"Srs. Deputados. Prezados amigos. Para vossa ori~n:a­ ção, declaro-vos que repilo qualquer acordo com a oposiçao.

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Há em seu seio elementos muito sujos,_que contamina­ riam o meu governo.

Penso deveis comparecer à Assembléia e votar uma lei conforme já conversamos, baseada no art. 18, No. 16, da Constituição, o que seria I ógico e aceitável, em face do ambi­ ente de insegurança, provocado pela questão da mudança.

Vejo com otimismo qualquer situação que se nos depa- rar, oriunda de acontecimentos posteriores.

O futuro o dirá. Só Deus terá poderes para me fazer recuar".

Esta carta é datada de 30/8/1936. Sobre a mesma crise, assim se exprimiu o "Lavoura e Co­ mércio" da cidade de Uberaba:

"O amplo e. circunstanciado serviço de informações t~ legráficas e epistolares que este jornal publicou e está publi­ cando a respeito dos dei lcsoos acontecimentos pai íticos de­ senrolados no vizinho Estado de Goiás revelam que essa crise teve uma única origem: a mudança da Capital do Estado, da vetusta e pouca sadia Vila Boa para a cidade de Goiânia, que aceleradamente se está fazendo a cinco quilômetros da cidade de Campinas,

Devassada a crise, assim, em suas mais flagrantes intimi- dades, resulta que, por mais resp~itáveis que sejam os pontos de vista dos deputados dissidentes, são eles .objeto de justas censuras pelo mal que estão fazendo ao seu Estado.

A mudança da Capital é um empreendimento ciclópico, que vem operar no organismo goiano um verdadeiro descon­ gestionamento, e, melhor, uma projeção de todo o Estado no caminho do futuro, ele que, por injunções pai íticas, por con­ veniências partidárias, sempre se ateve a um presente calami­ toso. Os homens que patrocinam esse empreendim';:'nto, que favorecem essa iniciativa, são homens que olham de frente para o futuro, que sentiram o porvir a lhes deslumbrar as pupilas. Na ordem inversa, os que se ínsursern contra essa realização da mais luminosa brasilidade são verdac'eiros ser­ vos de um passado atormentado que, para bem de todos, deve ser esquecido para sempre ...

Não nos deteremos na exaltação da obra de construção

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de Goiânia, que sagra o seu nome_ à posteridade comy um dos vultos mais dignos que a Revoluçao de 30 fez emergir.

Acompanhando com mágoa o desenrolar dos aconteci- mentos de Goiás, acompanhando interessadamente a marcha da crise pai ítica ai i deflagrada, o que nos contrista é ver que 0 interesse material cega tantos que pode, por vezes, levá-los ao esquecimerto das amizades mais cordiais, dos pactos mais solenes. A defesa de umas tantas casas encravadas em uma bacia em Vila Boa é que levou o Presidente, o secretário e um deputado à Assembléia Legislativa de Goiás ao rompimen­ to com o governador.

Esse fato pode ser imprevisto, mas não é originariamen- te novo. Em Minas, quando se agitou a questão da mudança da Capital, de Ouro Preto para Belo Horizonte, e!e se repro­ duzia em suas linhas gerais. A crise de Goiás é uma reedição do que se passou em Minas naquele tempo.

E isso, no final, prova que nos aqrupamentos humanos º. observa?or pode distinguir com facilidade dois grupos dis­ tintos de nomens: os que olham o presente e os que olham o f~t~ro. No rol dos primeiros estão colocados os deputados dissidentes de Goiás".

Também, na mesma época, se manifestaram, sobre a dissi­ dência havida na Assembléia Legislativa do Estado, jornais do Rio e de São Paulo, reprovando o procedimento mesquinho e impatrió­ tico daqueles que''viam apenas o presente e os seus interesses pes­ soais, combatendo uma idéia nobre, que consubstanciava o pro­ gresso de Goiás".

Na "Vanguarda", de 3/9/936 se lê: "Tendo fracassado o golpe planejado pelos deputados

Hermógenes Coelho, João Coutinho e Cunha Bastos, visando impedir a transferência da Capital do Estado para Goiâni~, fomos informados de que os mesmos pretendem, agora, pedir asilo à Companhia do 60. B. C.,,aquartelada na velha Capital, repetindo, assim, a conhecida pantomima para o pedido de Intervenção Federal". O "Diário de Notícias'', do Rio, de 9/9/936, estampou: .

"Pendo conhecimento, através de um teleqrama aqui

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chegado, de que o Dr. Estelita Campos requereu à Corte Su­ prema uma ordem de habeas-corpus em favor dos deputados João Coutinho, Hermógenes Coelho e outros. sob a alegação de que o governo os conservava presos em Goiânia, o Dr. João Monteiro, secretário-geral interino, ouvido a respeito, disse: "Não tem nenhum fundamento o pedido de habeas-cor­ pus, em virtude de não haver deputado algum sofrido o me­ nor constrangimento, por parte do governo, como é testemu­ nha toda a população de Goiás. Tendo o deputado oposicio­ nista Jaci de Assis telegrafado para o Rio, ao deputado fede­ ral Café Filho, há dias, dando notícia falsa da prisão de diver­ sos deputados em Goiânia, estes, coletivamente, se apressa­ ram em contestar a afirmativa do seu colega, em documento já divulgado na própria Capital da Hepública",

"Ê lastimável - prosseguiu S. Exa. - que deputados oposicionistas e dissidentes, abusando dos sentimentos de li­ beral idade e de tolerância do governf.!dor Pedro Ludovico, se prevaleçam de tais processos, que, aliás, vêm provocando dentro do Estado, manifestações de indignação.

Os deputados oposicionistas pretendiam embaraçar, por qualquer forma, a mudança definitiva da Capital, nada, porém, conseguindo, em vista do governo continuar com maioria absoluta na Assembléia Legislativa e com o apoio de toda a bancada federal, exceto do deputado Domingos Velas­ co, que ainda não se manifestou, apesar de ser um grande entusiasta da mudança, o que evidenciou, votando pela cessão das apólices federais para a conclusão das obras de Goiânia.

A transferência da Capital empolgou de tal maneira - continuou S. Sa.- a população de Goiás, que o governador Pedro Ludovico já recebeu tel~gramas de apoio de todas as classes sociais do Estado e bem assim de todos os prefeitos municipais, exceto do Cel. Cunha Bastos, chefe do executivo da velha Capital, o qual, sentindo-se isolado pela completa falta de solidariedade de seus colegas, resolveu abandonar o cargo, sendo substituído pelo Dr. Albatênio de Godói, que já telegrafou ao governo, hipotecando-lhe integral apoio". Publicou o "Diário de São Paulo", de 8/9/936, o seguinte:

"A Corte de Apelação denegou por unanimidade de votos o habeas-corpus impetrado pelos deputados· Hermóge-

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nes Coelho e outros, que alegavam estar sob coação da P 1• O 1· . '' eia .

Apesar dos obstáculos,. que, então, e posterior~ente se me apresentaram, e precisamente. ~ara demonstr~! ~ue nao ~fetavam eles a minha intransigente decisão de fazer Goiânia a sede irreversí- vel do governo do Estçido, bai~~i, no.dia 2_3_d~1marçode 1.937,o seguinte decreto, publicado no Correio Oficial , de 25/3/937:

"Decreto no. 1.816, de 23 de março de 1.937 Transfere para Goiânia a Capital do Estado de Goiás. O Governador do Estado de Goiás, usando das atribuições

que lhe são conferidas pelo inciso 2 do artigo 38 da Constituição do Estado, e,

considerando que o artigo 5o. das Disposições Transitórias da mesma Constituição dispõe que a Capital do Estado será a cidade em construção no município de Campinas;

considerando que a esta cidade foi dada a denominação de Goiânia, por força do disposto no artigo 1 o. do decreto legislativo No. 327, de 2 de agosto de 1.935;

considerando que na cidade de Goiânia já foram construídos todos os edifícios necessários ao regular funcionamento dos pode­ res executivo, legislativo e judiciário do Estado;

considerando que, além destes, estarão concluídos dentro do prazo de trinta dias os destinados ao funcionamento das reparti­ ções da União, a que se refere a lei federal no. 181, de 10 de janeiro de 1.936;

considerando que o governo do Estado mandou construir nesta cidade numerosos edifícios destinados a residência dos fun­ cionários _públicos e que, ao mesmo tempo, por iniciativa parti­ cular, muitos outros tem sido edificados com a mesma finalidade;

conside~ando que na cidade já ex{stem, em pleno funciona­ mento, o~ se':'1ços d,e iluminação e energia elétricas e, parcialmente de canallz~çao de agua para o abastecimento da população local: ,., cons1~era~do que a cidade de Goiânia já dispõe das condi-

çoes ,.,de hab1taçao ~ dos elementos de conforto compatíveis com 0 padrao nor~al de vida nos centros mais adiantados do Estado;

. considerando que já se transportou para esta cidade, em épo­ cas diver_sas, quase todo o aparelhamento administrativo do Esta­ do, ex-vi da faculdade contida no § 2o. do artigo 5o. da citada

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Pedro Ludovico - 151

Constituição,· além de algumas repartições da administração fede­ ral;

considerando que a Constituição do Estado fixou o prazo máximo de dois anos para que se realize a mudança definitiva da Capital para a localidade nela designada e que esse prazo está prestes a terminar (Constituição do Estado, art. 5o., § 1 o.);

D E CRETA:

Art. 1 o. - Fica transferida, da cidade de Goiás para a de Goiânia, a Capital do Estado.

§ Único - O Secretário Geral do· Estado expedirá as instru- ções que se tornarem necessárias para a execução do presente de- creto.

Art. 2o. - Revogam-se as disposições em contrário. Palácio do Governo do Estado de Goiás, em Goiânia, 23 de

março de 1.937, 490. da República. ass.) Dr. Pedro Ludovico Teixeira Albatênio Caiado de Godói". Essa resolução causou intensa alegria em todo. o Estado,

manifestando todas as suas comunas o contentamento provocado por tal fato.

Milhares de telegramas recebi, de regozijo com o grande acontecimento.

Em uma manifestação popular, ocorrida a propósito em Goiânia, pronunciou o Dr. Guimarães Lima, atual Procurador de Justiça em Brasília, o seguinte discurso, muito aplaudido pelo po­ vo:

"Exmo. Sr. Governador Pedro Ludovico, Nobres representantes do Poder Legislativo, Sras. e Srs. "Por que razão o povo vem entoar hinos de liberdade

aos pés da coluna de Napoleão? Por que razão essa figura, modelada sob todas as for­

mas, no gesso e na cera, na argila e no bronze, se encontra por toda a parte onde circula a multidão, por onde se confunde a onda popular?

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a ... 0 nas paragens mais distantes, as bocas Por que raz , p • • 1 s pronunciam esse nome? - ergunta.Carmenin mais smge a . . ,

nos seus famosos Libeles Pol1t1ques. . Ê que Napoleão foi o homem mais popular de seu país

e de seu século. . f "' . ·....a... Ele tinha enaltecido o nome rances, t1," ,a-o ex-altado sobre um pedestal de glória. . - .

E por isso, no ~nd~ dessa _consaJraçao, palp1t~va 0 sentimento da independer..c1a. e a af~rma?ªº do bn10 nacional.

o povo francês, em cuja pátria foi Joana D Are o anjo tutelar a flor puríssima da alma de uma grande raça, tinha visto 0' seu esplendor traído pelos seus próprios amigos, lutan­ do, isolado, contra a conspiração da Europa, antes despedaça­ do que vencido, sublime e comovente nas despedidas à Fran­ ça, exilado, na vastidão imensa do oceano, nos rochedos de uma ilha solitária, e· morrendo, as mãos juntas sobre o cora­ ção, e os olhos fixos na imagem da pátria ausente ...

Esse concurso de circunstâncias, esse prodigioso desti­ no, esses revezes inauditos, essas catástrofes de tantas grande­ zas, esse maravilhoso desfecho - tudo deslumbrou a imagina­ ção do povo, sacudiu todas as fibras de seu coração e levan­ tou a onda generosa das suas simpatias.

O povo é napoleonístico!, conclui o temível agitador dos Libelos.

. Neste momento, Exmo. Sr. Governador, eu indago de mim m ... esmo por que razão o povo vem trazer a V. Exa. a ~xaltaça.? de sua obra e o testemunho da gratidão de todos? é u, e~tão, respondo pela expressão de Carrnenin · - ''O povo pedrista". ·

v· d _,mos !razer-lhe o aplauso de que V Exa é merece- or, pois subiu para · · de uma r 1 ••• 0 supremo poder do Estado nos braços iniqüidade:vo uça? libertária, que abatera uma ditadura de

Para 'r~=,~~~~~la~tar ~ regime da justiça e da I iberdade. são de uma democr e~icáci~ ~a lei, para apagar essa impres­ para erguer bem alto ecra SUJeita aos. azares da caudilhage~; tado como O exl

0 nome do Brasil, a fim de vê-lo "respet- ge a sua po · - ,, para fortalecer O 5 t· siçao no continente americano , cio da abnegação! en imento nacional, V. Exa. fez o sacrifí-

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Pedro Ludovico - 153

E só, erecto, firme, audaz, escondendo a alma afogada em angústia, V. Exa. aceitou a luta, na grandeza épica de um profeta iluminado que visse, como na legenda bíblica, - as águas desencadeadas sobre a terra, rotos os diques de um imenso abismo, todas as cóleras da natureza fragorosamente convulsionadas, - a sombra fugitiva da arca sagrada, em que se aninhasse a imagem desse glorioso Estado, para ir despon­ tar no Arará de uma ressurreição ...

Sim! Porque· Goiânia exaltou Goiás. Goiás sem Goiânia seria um planeta sem o seu centro de- gravitação.

Goiânia fez com que o Brasil voltasse os olhos para Goiás, e o nome de V. Exa. fosse aureolado com a gratidão nacional.

Mais que os grandes monumentos, que assinalam a me- mória dos grandes vultos, Goiânia traduzirá imperterritamen­ te o seu valor e a sua abnegação. Porque os monumentos no decorrer dos tempos rolam pelo chão, e Goiânia crescerá sem­ pre e sempre na sua marcha célere para o porvir.

A assinatura do decreto, mudando definitivamente a Capital para Goiânia, consubstancia a etapa de uma série qlo- riasa de realizações patrióticas.

V. Exa. merece a gratidão nacional, os aplausos da mais justa consagração!

"É preciso que as façanhas de um homem excedam os limites de um poder próprio, ou que a sua piedade seja infini­ ta, para que o imenso poeta, que é o povo, imprdvise essas epopéias, tecidas de fios de ouro, na sua alma I ímpida, ingê- nua, maravilhosamente inspirada".

Disse-o famoso orador português, confirmando uma verdade colhida nas lições da História.

A assinatura do decreto para a mudança definitiva da Capital representa uma façanha indescritivelmente bela para a glória e para a tradição da História de Goiás. E é justamente a História que nos faz conhecer o valor e o arrojo das grandes o~ras e dos grandes homens, É ela que, ao estudarmos a história de Roma, nos faz chorar, com Virgínia, lágrimas ar­ dentes sobre a sua mocidade sacrificada à crueldade de Apio,

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154 - Memórias

L , la sua virgindade ferida pela criminosa violên e com ucreci , N - ~ d S xto A História nos poe em contato com o derrade1·- c1a e e . . - . ro momento das vítimas das persegu1çoes _que subiam com

Danton, Vergniaud e Madame. Rol~n~, enfim, a~ cadafalso, Com eles ali deixarmos cair o ultimo olhar sobre a está- para . ed t 1 , • • tua velada da liberdade, em CUJO p es a a vrnrna ia desfo-

lhando nessa hora solene, suas ilusões. Pois é justamente a História, Exmo. Sr. Governador

que irá registrar o maior feito que ja~ais se realizou em Goi~ ás. V. Exa. criou Goiânia para, hoje, entre os festejos do civismo, coroá-la definitivamente como Capital do Estado".

E outros discursos, cheios de veemência e entusiasmo, profe­ riram também os Drs. Geraldo de Oliveira Nei, Vasco dos Reis Aquino Calado, Albatênio de Godói, Maximiano da Mata Teixeira' Carlos de Freitas, Solon de Almeida, Câmara Filho, lrani Ferreira' Antônio Azzi e Cel. Aristides Lopes. '

No "Jornal de Goiânia", de 30/3/937, o Professor Vene­ rando de Freitas Borges assim escreveu:

"Foi assinado, a 23, o decreto da mudança da Capital do Estado para Goiânia. E nada mais se precisaria acrescentar. Só esta frase vale por todos os argumentos, por todos os artigos que se escreveram e que se escreverem a respeito desse magno problema - que é a mudança da Capital. Já, de ora em diante, a expressão M U DAN ÇA desaparece, arrastando ~o se~ cair as dúvidas que, porventura, ainda, perdurassem ~qu1 e ali, e solidificando, concretizando esperanças, sonhos. E que nenhu~ acontecimento, por sua estrutura, por suas condições notá~~is e ~special íssimas se sobrepôs ao que empolgou ª adminii:traçao fecunda, bem dirigida, capaz e patriótica de Pedro Ludovico Teixeira - o homem que lutou impávida e ~~:sombra~amente em prol da melhoria de sua terra; 0 ho­ exalto~u~ i~~xou ª. quietude do ambiente em que formou_e pública ª1 sublime que o levaria ao altar da consagraça? rias em~~~r~a Ide Pr?ocupações, desassossegos, de temera· cérebro sadio· d e e, pois,. a glória de ter dado a seu Estado 0

e que carecia para evoluir.

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Pedro Ludovico - 155

Goiânia não é somente importante sobre os aspectos político, .s?cia~ e ~º~~mico. _Goiânia, mais do que isso, tem uma sign1f1caçao histórica mais elevada, por isso que é acida­ de que se ergueu de uma vontade secularmente amadurecida no espírito popular. E ela, com esses gigantes da floresta, nem sequer se apercebeu das ervas daninhas que lhe procuravam embaraçar o crescimento. Elevou-se muito alto e domina, ho­ je, a planura verde dos campos ... Como uma esperança, ela sorri, ágora, entregue aos cuidados de uma mentalidade forja­ da, temperada no trabalho, na dureza das lutas. E Goiânia sorri o sorriso largo, franco, do triunfo, porque sua glória não se fez de sangue.

Sua significação histórica sob esse aspecto é interessan­ te, eis que a serenidade foi sempre o seu principal auxiliar. Nenhuma violência. É grandiosa a obra de Pedro Ludovico Teixeira, porque elase alicerça na força de um anseio coletivo e na solidez de um ideal nobilitante, na necessidade imperati­ va de um determinismo histórico e geográfico, político e eco­ nômico.

A grandeza dessa obra portentosa não está .no fato de, na esplanada de Campinas, ter o atual Governo construído gigantes de cimento armado, mas no fato de representar Goi­ ânia o limite entre dois períodos históricos: - Goiás de antes da mudança e Goiás de após-mudança. Com ela, uma mentali­ dade forte, evoluída, feita de titãs, nasce, inscrevendo no céu 1 ímpido de Goiás a epopéia varonil de uma qeração de idealis­ tas. Goiânia é CRIANÇA ainda: CRIANÇA que deslumbra e que fascina; CRIANÇA - gigante e prodigiosa que arrastou a simpatia da nacional idade para Goiás. Com o seu nascimento nasceram também para o Estado, de que é FILHA mais nova, a volúpia do progresso, a esperança e a certeza de novas dire­ trizes na trilha sempre larga da evolução.

Salve Goiân ial"

De quando em vez sentia-me tão fatigado, que era forçado a um repouso de alguns dias na minha fazenda.

Levava livros, que me distraíam e me ajudavam a suportar a espera da hora de dormir pois não se podia ler o tempo todo, que Océ b ' re ro não tolerava e repelia.

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156 - Memórias

Vez por outra, olhava o panor~~a da circunvizinhança. Ob. ado vacurn os cães os gal1naceos, os porcos, as aves

0 servava o g , ' . , s cavalos e a passarada, que, morme~te ao ª.no!tecer e ao amanhecer, cantava, fazendo um grande alando, p~1nc1palmente os pássaros pretos e os periquitos de divers~s ~~pec1es. ~s chamados Maraca. nãs em número de quarenta, cinquenta, faziam uma barulheira que.as vezes, até se tornava inc.ômoda. . '

Em dado momento, deitado em uma rede, comecei a anali­ sar O modo e as posições de um pássaro que se achava no cume de uma ·árvore. Parecia inquieto e triste, pensava possivelmente que, apesar de ser livre, tendo o espa?o co~o sua_ morada, indo para onde quisesse, era llrnitado em muitas coisas. Tinha de se defender, bem como os seus filhotes, da voracidade das aves de rapina e procurar os alimentos que, em certas épocas d" ano, escasseiam. Podia ir e vir, mas a luta era permanente.

Reparando, também, nos outros animais, cheguei à conclu­ são de que, quando não estavam em movimento, se entristeciam: Deduzi que todos são sujeitos ao tédio, apesar de irracionais, no ponto de vista do homem.

Os felinos, principalmente, quando não se movimentam, dormem. Não tenho a menor dúvida: todos se entediam.

Comecei então a filosofar, achando que houve um erro em dar-se vida a todos os seres. Sua alegria, seu cem-estar são muito curtos, e não é justo que assim seja, pois ninguém pediu para nascer.

Entre .~s homens, por exemplo, mais de oitenta por cento se ~nt~m, frequentemente, mal humorados, indispostos, quase que dia namente.

Tanto isso é verdade que se torna necessário o uso das bebi· das alco61 ~as nas_ reuniõe~ sociais, nas festas, para animá-las. .

E nao se diga q~e e gente doente, não civilizada, que assim se comporta. Os americanos do Norte os ingleses os alemães be- bem tanto o~ mais do que os brasileiro;. ,

O f~nomeno se verifica em toda a humanidade. Deviam estar alegres, contentes sem uso do álcool de entor· pecentes. ' '

d . O pi~r é que, se transponho hoie este meu devaneio para os ias atuais e · ' ' . ' e_xam1nando o comportamento humano no terre- no emocional veJo est "d , . , ·dade ' , arreei o, max1me em relação a moei '

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Pedro Ludovico -- 157

ue esta, em suposta atitude ~e rebelião contra os quadros insti­ ~cionais vigentes, moral, social· e economicamente falando-se en­ trega-se exageradamente ao consumo dos tóxicos em referêncÍa. É de espantar e asson:1brar como essa prática tão nefasta, tão degra­ dante e tão destruidora do corpo e do espírito, tomou conta da juventude. Não se sabe se _é ~ f~lta de moral, tão patente nos dias atuais, que causa essses distú rbios, ou se a imoral idade, tão cres­ cente, é provocada pelo uso das drogas e dos entorpecentes.

Nós, da velha geração, ficamos preocupados com o que se passa nos tempos de hoje.

A liberdade excessiva choca os nossos sentidos: mormente quando verificamos que a mocidade não dá vai or aos bons costu­ mes e aos princípios éticos, que sempre foram cultivados pelos povos civilizados, em regra geral.

Querem levar a vida, praticando o que desejam, com espe- cialidade em matéria sexual.

O sexo predomina, governa, e nada se respeita, em face do amor físico, pois o sentimentalismo, neste particular, é ridiculari- zado. E sempre a mulher é a maior vítima, dadas as suas condições fisiológicas.

Nas suas bacanais públicas, em plena promiscuidade, agem, quase sempre, alcoolizados ou sob influência dos excitantes, como verdadeiros monstros, pervertendo um ato que deve ser discreto e dignificante, em expressão da mais sórdida orgia.

É possível que dentro de alguns anos todos se habituem a isso e até justifiquem tais hábitos.

Mas uma previsão é certa: a juventude se degradará, física e espiritualmente, repercutindo esse procedimento maleficamente, catastroficamente no futuro da humanidade. Por isso e por outros motivos, há uma forte necessidade de que as mulheres se emanci­ pem economicamente, de que não precisem do homem para sua subsistência.

O abalo social que se prevê ficará bem amenizado com essa emancipação.

Esse excesso de I iberdade, a I icenciosidade a que me refiro, já está produzindo perturbações profundas na soci;dade, concor~n­ do para o aumento do homossexualismo. O numero de lésbicas

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tem crescido bastante, sobretudo em alguns países dos mais adian- tados na tecnologia e na ciência. , . . .

Tudo isso vem trazendo o descrédito e a 1nd1fere~ça em face do amor. Os jovens de hoje vêem nele apenas uma satisfação dos sentidos, uma distração. ....

Agem como animais, exercendo u~a funç~o nobre co~ um material ismo revoltante, sem que o esp I rito este}ª p~esente. E tão melhor quando este e a matéria se u~em n~ real izaçao de uma das funcões mais excitantes e mais naturais da vida.

· Esse ambiente de desregramentos, de materialismo frio e du­ ro, terá, como já tem, uma repercussão dan~a nas relaçõ_es se. xuais sendo possível, entretanto, que a humanidade se habitue a essa mudança tão radical e a tolere e a justifique filosoficamente, cientificamente, pois entre os povos mais cultos do mundo é que se observa essa transformação.

Assim me exprimo, não como severo moralista, mas como observador das realidades sociais, perscrutando os acontecimentos com frieza lógica, e contemplando-os com raciocínio desapaixona­ do.

As condições sociais, nos dias que passam, principalmente, depois da Segunda Guerra, de proporções tão sangrentas e tão cruéis, feita pelos povos mais avançados do mundo, em técnica, em cultura, em desbravamentos nos domínios mais recônditos do espí­ rito, em que se desenvolvem a psicologia, a parapsicologia, a análi­ se dialética, passam, inevitavelmente, por transformações que cho­ cam os modos de vida a que estamos habituados, nós de outras eras, de outros tempos.

Admitimos que as religiões têm sido úteis como freio aos instintos violentos, desumanos, bestiais, bárbaros dos povos.

Não tem conseguido, porém, o aperfeiçoamento profundo do homem.

Muitos séculos antes de Cristo Confúcio Buda e outros já pregavam a religião do amor, da cordialidade, e1 tendo como esco­ po o melhoramento da vida entre os homens.

Jesús sacrificou-se pelos mesmos ideais imolando-se por eles. ' Pi_latos, representante de Roma na Gal iléa verificou que ele

era um Justo ·1 · ' ' · ' era um I urnrnaoo pelos bons princípios pelo senti· menta da paz da , d' ' d ' concor ra, do convívio harmonioso entre to os,

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ele não tinha cometido nenhum crime, mas lavara as mãos, qu~ do que fosse executado pela sanha, pela maldade, pelas per­ deix~ns do populacho e dos doutores da leL Pilatos assim agiu, não versoe I d d R · 1 •

Ot·,vos religiosos mas pe o me o e orna, cujos a icerces por m ' . Jesus abalava com a sua doutrina.

Renan, séculos depois, declarou que, estudando a vida do Nazareno, chegara à conclusão de que dos filhos de mulher nin- guém foi maior do que ele.

Apesar de tudo isso, a humanidade continua corrompida, com tendência para o mal, que as religiões não conseguem extin- ~1r. Lembro-me de que, não faz muito tempo, um padre, amigo meu, me perguntou por que não .era eu um católico praticante. Respondi-lhe que fui criado no catolicismo e que, de fato, era um mau católico, mas que, por influência do Cristianismo, adotava um ecletismo, consistente em esforçar-me por ser bom e tudo fazer por ser justo.

Quando residia em Rio Verde, dedicava-me muito ao espor­ te da caça.

Minha caçada predileta era a da anta. Ê um animal resisten- te, que corre muito para se livrar dos .cães, Seu refúgio são os riachos e rios. Mergulha muito bem e os atravessa para fugir à perseguição. Quando os cachorros são mestres, o que é raro, pas­ sam para a outra margem, rio abaixo, rio acima, e seguem a batida perseguindo o animal, que geralmente está cansado, e o faz voltar à corrente d'água. O cão caça por dois motivos: pelo prazer de caçar e pelo de comer a carne do animal. Há cães que experimentam verdadeira emoção, quando são colocados no lugar por onde a caça passou. Tremem como se estivessem atacados de maleita. Seguem a batida com o focinho baixo, cheirando os ramos, até que a encon­ tram. Levantada da cama, já não agem mais assim; acompanham-na pelo vento, a não ser quando o animal muda de rumo repentina­ mente e, então, farejam por todos os lados, até encontrarem nova­ ~ente a batida. Quando a caça corre mais de duas horas, muitos caes a abandonam. Neste momento·é que se revela aquele que é mestre, ficando muitas vezes sozinho, insistindo em descobri-la. As fntas, quando já são muito caçadas, tornam-se velhacas, espertas, evantando-se da cama antes de serem vistas e correm com a vanta-

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gem de mais de um quilômetro de distância do cão que vai no seu encalço. f f or., ••• Raramente param em terra rrrne e.º erecem a acuaçao. Pre- ferem sempre a corrente de águ~, onde ficam ~alentes(ofendendo freqüentemente os seus perseguidores, e os caes se divertem em atacá-las.

Certa feita achava-me em uma dessas caçadas, quando; na margem do outro' lado de um rio, ouvi uma acuação de 16 cães que levara. .

1• Estranhei: o que acontecia não podia se ~x~ tear, A anta nunca faz isso, estando nas proximidades de um rio.

Tirei a roupa, levando a winchester comigo. Depois de caminhar em terra firme cerca de 100 metros, senti que o animal havia corrido e os cães tinham parado de latir logo em seguida. Aproxi­ mei-me do lugar, escutando ainda alguns ganidos e percebi que dois cães olhavam para a copa de uma árvore.

Descobri logo uma onça parda de lombo preto, que já me olhava antes que eu a visse. Alvejei-a e com um só tiro caiu redon­ damente ao chão.

Nadei de novo o rio, puxando o felino para- a outra margem. Nesse ínterim, chegaram meus companheiros Atanagildo França; Laudelino Nogueira, OI ímpio Arantes e João Alexandre.

Os cães estavam famintos, pois não comiam há dois dias. Resolvemos mitigar-lhes a fome com a carne do bicho. Dezesseis a comeram e dez minutos depois todos a vomita-

ram. O E:tômago canino rejeitara-a. AI iás, isto é natural. Quase

nunca o cao come animais de cauda lonqa, a não ser o gado vacum e cavalar, mesmo quando sentem muita fome, e se o fazem, repe­ lem-na pouco tempo depois pelo vômito.

OITAVO CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO

O Oitavo Congresso Brasileiro de Educação realizou-se em Goiânia, em 1942. • As 21 horas de 19 de junho, deu-se a sua instalação, no sal_ao

do CJne-Teatro Goiânia, o. que trouxe incomum prazer aos -~º!a­ nos, Já pela sua grande significação, já por se efetivar em Go1ania,

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Pedro Ludovico - 161

. , peras da inauguração oficial da cidade e, ainda, por ser cons­ ~ v~ds O dos principais vultos da elite educacional do Br~il. titu I f" · · sua mesa de honra icou assim organizada:

Interventor Federal - Dr. Pedro Ludovico Presidente da A B E - Dr. José Augusto Vice-Presidente do Congresso - Dr. Vasco dos Reis Presidente do Tribunal de Apelação - Desor. Dario Cardoso Secretário Geral do Estado - Dr. João Teixeira Álvares Jú-

nior Presidente do Departamento Administrativo - Dr. Paulo Fi-

gueiredo Prefeito de Goiânia - Professor Venerando de Freitas Bor-

ges Representante do Ministério da Marinha - Comandante Car- los Carneiro

Representante do Ministério das Relações Exteriores - Dr. Renato de Almeida

Representante do Interventor de São Pau ló - Dr. Augusto Brant de Carvalho

COMISSÃO EXECUTIVA:

Professora Juraci Silveira, Dr. PI ínio OI into, Dr. Roberto Assunção, Dr. Virgílio Correia Filho, da Comissão Patrocionadora Nacional

Secretário Geral do Congresso - Dr. Fernando Tude de Sousa Representante do Ceará - Padre Bruno Teixeira Representante de Alagoas - Padre Medeiros Neto Representante da Bahia - Dr. Antônio de Oliveira Representante de Mato Grosso - Dr. Filogônio Reis Aberta a sessão, pronunciei o seguinte discurso: "Srs. Congressistas

. É marcante e altamente significativa para o Estado de Goiás a vossa vinda a Goiânia, concretizando o ideal que há tempo tomastes a ombro de realizar nesta Cidade o Congresso Brasileiro de Educação.

É a oitava vez que se repete este acontecimento em nosso país.

Seria natural, seria cômodo que, como de outras feitas,

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162 _ Memórias

.. , is em uma das Capitais mais adiantadas do litoral o efetivasse . d R. de Janeiro. · próximas o 10 ou mais t seria mais fácil, a viagem mais acessível e con o transpor e . f d · · ·

, 1 N mtanto ·preferistes en rentar gran es d1ficulda- fortave . o e ' . , travessia longa, para assentar, entre nos, a vossa des em uma . b . d'

d' d t abalho na missão muito no re e mui 1gna, qual a ten a e r ' , · d b de difundir o ensino pelo pai~, orienta o em ases modernas e de acordo com as nossas real1~ades... . . .

Aqui estais em plena h1nte,rla_ndia ~ras1 leira, f~zendo trabalho fecundo pela nossa pátria, CUJO valor sera verjfi.

~:io em um futuro que não se acha distante ... Ofereceis um exemplo de grande brasi Iidade, escolhen- - , , do Goiânia para sede deste certame, nao so porque esta em

pleno coração do Brasil, como porque, sendo uma cidade em formação, é composta de elementos os mais heterogêneos, vindos de todos os quadrantes da nossa grande pátria.

Destarte, constata-se o vosso zelo, o vosso entusiasmo em bem servir a nossa nacionalidade, que exige a cooperação sadia de todos que têm uma parcela de função pública.

Há dois anos atrás, já devia ter-se reunido em Goiânia este Congresso, pois assim desejava uma das suas figuras mais brilhantes e cultas - o sr. dr. Teixeira de Freitas. Não se objetivou naquela época o seu desejo, em virtude das ponde­ rações que lhe fiz, então, sobre os percalços que surgiriam P!ra ~~a cidad_e mu~to nova em receber os componentes de t~o d1st1nto_ quao refinado conclave. Não concordou esse no­ tavel pa:ríc10 com o cancelamento da resolução tomada. Adi­ ou-a, ate que se pudesse realizar sua honrosa proposta .

... _Era seu pensamento, sem dúvida, que a fundação de Goiania merecesse o sacrifício do adiamento se não militas- sem a favor do seu p t d . '

1 on o e vista outros fatores de ordem gera. Defendeu essa · ·- v·t . opm1ao perante os seus pares e vendo-a ' onosa pela boa d. ' ' . Ca . vonta e de todos ficou decidido que sena nossa pltal a de d o· ' · •

ção. Essa decis:~ f . 0 !tavo Congresso Brasileiro de Educ~- dente da R , bl" 01 fac, lmente homologada pelo sr. Pres1- epu 1ca qu · , h · . . dos a "march '- e Ja avia 1nd1cado aos seus governa- ª para o Oeste"

Esta realização entr . , . , e nos Ja deve ser considerada como

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Pedro Ludovico - 163

conseqüência dessa diretriz em boa hora lançada pelo grande condutor do Brasil, que, com visão segura e arguta, perscruta as grandes necessidades brasileiras e as possibilidades que cer­ tas forças em estado potencial podem oferecer à nossa econo- mia.

Meus senhores. Hoje, como já vos disse, em um impro­ viso que vos dirigi, é um grande dia para os goianos. Temos a ingen~ satisfação de ver em nosso meio, considerado tão afastado da civilização litorânea e dos grandes centros do país, e durante tanto tempo esquecido do poder federal, pelo menos até 1930, uma elite de intelectuais, dos homens mais representativos da cultura nacional, que aqui vêm discu­ tir questões de ensino primário, sem dúvida a base do pro­ gresso de todos os povos. Vão-se debater os assuntos mais interessantes, neste particular. Vão-se ouvir as vozes mais au­ torizadas na matéria. Vamos presenciar exposições as mais atualizadas sobre as diferentes teses deste· certame, feitas pe­ los representantes do Norte, Sul, Centro e Oeste do Brasil. Muita luz se fará sobre pontos controversos do ensino pátrio e surgirá do calor dessas indagações de caráter pedagógico. Não é extremamente interessante e patriótico assistir-se a

um espetáculo desta natureza, apreciar lides de tão intenso aspecto intelectual, a que a heterogeneidade típica dos atuan­ tes dá um colorido tão agradável?

Não provoca uma euforia espiritual ver congregada nes­ te recinto uma plêiade dos elementos mais notáveis de nosso métier educacional?

É, pois, natural, humano, o nosso contentamento nesta hora que vivemos.

E estou certo de que, além do prazer psíquico propor­ cionado pelo vosso convívio, benefícios de forma material nos advirão deste conclave, oferecendo-se-nos uma trilha mais firme e mais prática para a propagação e eficiência do ensino primário, máxime nos meios rurais, onde se encontra a maior parte da nossa população escolar.

O programa deste Congresso, que conheci ainda em projeto, impressionou-me pelo sentido de realidade que presi­ diu à sua elaboração.

Efetivamente, o tema geral visa a estabelecer uma nor-

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a 05 mentores educacionais, no sentido de ma de conduta parcur·ial das finalidades do ensino fundamen- compreensao id uma . . ando ministrado nas pequenas c1 ades e vilas· tal pnmáno, q_u comuns e nas de imigração e, finalmente, na~ nas zonas rurais ,,_

.,.,, s inóspitas do sertao. regioe A fixação do objetivo colocará _em seus ver~ad:i ros

stão evitando-se, destarte, 1 ncompreensoes 1nfe- termos a que ' blf 1 b · 1 • t comuns e que se responsa 1 rzarn pe o aixo rendi- 1zmen e , . d d f ,

t U Por um rendimento lnadequa o os es orças que, a men o o . ·t, . b"I" t de muito dinheiro e de muito sacn 1c10, se mo 1 12am cus a N d I •

com a mais sã das intençoes pe agog1cas. ..• Sabemos perfeitamente, do esforço vao daquele que

procura, sem n~nhHma utilidade prática _mediata ou imediata, incutir no espírito do pequeno sertanejo, por exemplo, no­ ções que só trariam proveito a um habitante de cidade gran­ de.

Assim, bem estabelecido o que melhor aproveita ao aluno, sob um ponto de vista eminentemente prático, temos para ele organizado o melhor dos programas.

Objetiva ainda uma bem entendida educação de vincu­ lar o indivíduo ao meio, forçando o progresso deste pelo aperfeiçoamento daquele. Assim teremos uma consciência educativa digna desse nome. Mas, para que ela prevaleça, pre­ cisamos ajuntar-lhe um aparelhamento adequado.

A questão do professor surge em primeiro plano. . Não só o aluno, mas também o mestre, e, principal­

mente, ele, deve possuir a mentalidade de seu meio. As importações, na imensa maioria dos casos são de­

sastrosas. Elas não correspondem, não podem corr~sponder ao escopo que se tem em mira, pois um desambientado não con~egue apreender o verdadeiro sentido do que dele se exige, ~ nao ser por _um longo processo de adaptação, sujeito a

moras e a muitos percalços. uma c!t O ~ntido, direi melhor, o objetivo da educação em rural co~;~~nada zona deve ser colimado desde o início: o raisp 'redom· ando os problemas das regiões de atividades ru- 1nantes· 0 · 1• ,. intensa e assi ' . naciona ista, nas zonas de imigraçao

Ma m po~ diante, seguindo uma orientação racional. s, nem so O te ma geral oferece aspectos de suma

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Pedro Ludovico - 165

. , . . relevância para o pars e muito especialmente para Goiás. A parte especial enquadra questões de absoluto interes­

se escolar e não ~scolar; a assistência aos alunos; a deserção e ainda outros_ muitos assuntos ,c~nsti!uem problemas de pre­ mente soluçao, que temos o maxirno interesse em ver solucio- nados.

São, na maioria, questões interdependentes, apresen- tando múltiplas faces comuns.

A deserção escolar, por exemplo, será muito reduzida por uma boa campanha de assistência social.

Saneamento, combate á miserabilidade - eis os remédi­ os heróicos para esse mal. Mas, como sanear, como reduzir a miséria, como multiplicar escolas e formar professorado ca­ paz sem lastro econômico suficiente?

O diagóstico deve ser seguido imediatamente de ade­ quada terapêutica.

Meios econômicos é o de que carecemos para educar. Em Goiás, ainda que forçada, super-excedida, mesmo,a capa­ cidade orçamentária, estaríamos ainda longe de atingir o nú­ mero necessário de escolas.

E nossa situação é razoavelmente boa, em face do res­ tante do Brasil. Daí se infere que os Estados, salvo muito poucos, não podem arcar sozinhos com um aparelhamento educacional equivalente às nossas necessidades.

Terão de ser auxiliados nessa ingente tarefa. Só o Go­ verno Federal está em condições de fornecer um tal auxílio.

Qualquer sacrifício que se faça nesse sentido será com­ pensado, pois a educação é a grande valorizadora do potencial humano. Sem uma educação à altura, jamais se poderá cons- truir uma grande nação.

E mais do que justo, mais do que oportuno, mais do que inadiável um esforço constante no sentido de impor à educação, a~go desajustada, novas diretrizes mais consentâneas com as necessidades nacionais, tão diversas na diversidade deste imenso país. .

Alimentamos as melhores esperanças de que este ambi­ ente favoreça de modo especial o desenvolvimento das ativi- dades do presente conclave.

Em sua situação de centro geográfico, com sua atmos-

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166 - Memórias

f Ue não conhece fracassos nem tibiezas, com int era q · 1• - ensa ib ação de civismo envolvendo a rea rzaçao deste certarn v1 r , , . f , , ,e Goiânia por certo, sera proprcra a uma ecunda messe d, resultados por parte do Oitavo Congresso Brasileiro de. Educa~ ção. .

É essa a agr_ad~v~I expectativa que se f~n~a, principal- mente, em um val1os1ss1mo penhor: a co'!1petenc1a e o patrio­ tismo de tão destacados vult~s. do cenán_o pedagógico nacio­ nal, aqui presentes, para a dádiva dos primores de sua inteli­ gência e de seu civismo, em prol desta causa de relevância sem par na vida do Brasil.

Seja ela como um clarão precursor desse dia almejado em que o nosso esforço ptdagógico haja atingido paridade com a envergadura desta imensa, desmedida tarefa que nos cumpre vencer, para que possamos encarar com otimismo um futuro que, então, só visões grandiosas nos poderá trazer".

Falou em seguida o Dr. José Augusto de Medeiros, que, de improviso, proferiu uma bela oração, enaltecendo a construção de Goiânia. Falou em terceiro lugar o Padre Bruno Teixeira, represen­ tante do Ceará, que fez um entusiástico discurso, onde, referindo­ -se ao Interventor Federal, disse:

"Exmo. Sr. 1 nterventor Pedro Ludovico, a história do futuro por justiça conferirá a V. Exa., sem nenhuma dúvida, o título glorioso de pioneiro da marcha para o Oeste e lhe reservará em suas páginas um lugar de relevado destaque. ~ seu exemplo constituirá um estímulo de fogo que inflamara inteligências e vontades, na grande obra da reconstrução n}· cional. Será o novo evangelho do progresso e da redençao econômica de nossa Pátria".

~ompareceram ao Oitavo Congresso do Magistério Nacional os seguintes delegados: :

d Dr. José. A~gusto Bezerra de.'Medeiros, substituto do Presi- ente da Ass~~açao ~rasileira de Educação

membrDr.dPICirno _O~nto, D. Juraci Silveira, D. Ruth Gouveia - os ª 0m1ssao Executiva Dr. Moreira de So R

1 Dr F usa, e ator do 80. tema especi ai · ernando Tud d s o e e ousa, Secretá ri o Geral do Congress

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Pedro Ludovico - 167

Dr. Rubens Falcão, Chefe do Gabinete do Secretário de Educação do Estado do Rio de Janeiro

Dr. Hostílio Araújo, Diretor do Departamento de Educação do Paraná

Dr. Antônio de OI iveira Dias, Diretor do Departamento de Educação da Bahia

Padre Bruno Teixeira, Diretor do Departamento de Educa- ção do Ceará

Padre Medeiros Neto, de Alagoas D. Débora Marinho Rego Feijó, Representante de Pernam- ,

buco Professor Filogônio Correia, Representante de Mato Grosso Comandante Carlos Carneiro, Representante do Ministério

da Marinha Dr. T. Linn Smith, Senior Agricultura! Analyst, dos Estados

Unidos da América do Norte e atualmente Adido à Embaixada Norte Americana

Professor Francis Ruelland, da Faculdade Nacional de Filo- sofia

Dr. Moisés Xavier de Araújo, da Divisão de Aperfeiçoamen­ to do Departamento Administrativo do Serviço Público

Dr. Eduardo Lopes Rodrigues, Representante da Faculdade de Ciências Econômicas e Sociais do Rio de Janeiro

Professoras Jacir Maia, Albina Peixoto, Dulcie Kanitz Viana, Elisa Veloso, Déa Veloso Barros - Representantes do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos

Drs. Luís Bezerra Trindade e Roberto Moreira, Representan­ tes de Santa Catarina

D. Nair Maria Backer, do Rio Grande do Sul Professora Juventina Santana, da Faculdade de Filosofia de

São Paulo Dr. Virgílio Correia Filho, do Instituto Histórico e Geográfi­

co Brasileiro Professor Francisco José da Silva, do Instituto Benjamim

Constant

Cteodon da Costa Lima Medeiros Lima e Oldegar Franco Vieira, Representantes da Casa do Estudante do Brasil

Jornalista Nair Mesquita, da "A NOITE", do Rio de Janeiro

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168 - Memórias

D. Noêmia Saraiva de Matos Cruz, Diretora do Grupo Elk:o. lar Rural de Butantã .

Dr Mário R itter Nunes, da Secretana Geral do Congress E~ritor Paula Barros, do Conselho Diretor da Assoei~ ...

N Çao Brasileira de Educaçao Jornalista Filipe Néri Maria da Glória Maia e Almeida e Ana de Alencar, Técnicas

de Educação . . Dr. Rui Guedes de Melo, do Instituto ~acional de Cinema Dr. Luís Heitor, Professor da Escola Nacional de Música Paulo de Almeida Campos, Técnico de Educação do Estado

do Rio de Janeiro Professora Dalila Colares Quitete Professora Cecília Muniz Professora Vera Carvalho Professora Adélia Rodrigues da Cunha Professora Lu íza Borges de Alcantara Professora Judith de Carvalho Professora Maria das Dores da Silva Berlinck Professora I nez P iacesi Professora Urânia da Silva Hauner Professora Maria Aparecida de Oliveira Sr. Afonso Várzea, do Instituto de Edücação do Distrito Federal Escritor Vicente de Paula Guimarães Sr. Maurício Vinhas de Queiroz Sr. Eu Fico Nogueira França Sr. Rui de Albuquerque Professor Francisco Ribeiro do Rosário Professor João Carlos de Almeida Prpfessor Manoel Rodrigues Lourenço Sr. Paulo de Alvarenga Ribeiro Sr. Lourival Guerra Sras.: Virgílio Correia Filho Paula Barros Rubens Falcão Fernando Tude Moisés Araújo

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Pedro Ludovico - 169

Eduardo Lopes Rodrigues Francis Ruellan Antônio Dias Felipe Néri Mário Ritter Nunes Moreira de Sousa Srtas.: Marina de Godói Bezerra Odete de Godói Onéglia Barbosa e Moreira Maria da Luz Costa Carmen da Cunha Graça Heuzemenl Oliveira Almeida Zulmira Conh

Houve um coquetel, oferecido aos Congressistas pela Associação Goiana de Imprensa, cumprimentando-os o intelectual e jornalista Odorico Costa, que se desincumbiu brilhantemente da missão que lhe foi confiada.

Fizeram numerosas visitas a muitos Departamentos do Esta­ do, bem como às dependências da Escola Técnica Federal de Goiâ­ nia, onde se armou rica e variada Exposição de produtos goianos e de muitos outros Estados.

Acompanhei-os, em uma delas, ao stand do Rio Grande do Sul.

Ali,ao oferecimento do champagne g~nuinamen~e gaúc~o, o Dr. Nei de Brito proferiu amáveis palavras sobre a visita, sobre Goiânia e o Brasil. A seguir, o Dr. Ernesto Pelanda, Representante do Governo do Rio Grande do Sul no Congresso de Educação, declamou interessante soneto, dedicado a Goiânia, de autoria do poeta gaúcho Evandro Ribeiro:

"GOIÂNIA

Terra de encantos mil, de mimos fascinantes, Oue 'te elevam bem alto, aos plncaros da glória, Daqui, do extremo Sul, aplausos delirantes, Rainha de Goiás, recebe de memória!

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170 -· Mem árias

o povo do Rio Grande, aos feitos coruscant . , 1 ,.J es De teus filhos, assiste, a uz ue tua História ' De brilho incandescente e raios deslumbra~te Que acendem do Progresso os fachos da vitórf' ª·

Eleva-te e fulgura, agora, intensamente, No centro do Brasil, no coração da gente, Que o solo te povoa, em plena atividade!

Do brasileiro lar, em nome da Faml/ia, Prossegue o dia inteiro e a noite de vigília, Lutando pela Pátria, em prol da Humanidade!".

A idéia de se realizar o 80. Congresso do I BGE em Goiânia, nas vésperas de sua inauguração, partiu do Dr. _Augusto Teixe~ra de Freitas, apoiado pela boa vontade do seu Presidente, Dr. Jose Car­ los de Macedo Soares, e do Presidente Getúlio Vargas. Quiseram dar maior ênfase e maior brilho a tal acontecimento. Seria mais fácil, menos dispendiosa a sua realização em outras capitais brasi­ leiras. Visaram, porém, a registrar uma demonstração de apoio, de solidariedade, ao fato que se concretizava, não tanto pelo seu valor material, mas pelo que representava de esforço que se transforma­ va em realidade e que seria uma das alavancas do desenvolvimento do Oeste brasi lei ro.

Houve da parte dessas autoridades verdadeiro entusiasmo em colaborar na propaganda de um feito que se atingia com gran~ des lutas e sacrifícios. Pelo número de pessoas que aqui compare­ ceram, pelos seus pronunciamentos, pelo contentamento que de­ monstravam em· face da cidade que brotava modesta em pleno campo if . ... ' ' . ,.. ' ven icava-se que tudo isso nao representava mera manifes- taçao ~rotocolar de uma missão apenas burocrática. Ao contrário, dpe rceb1,a-Cse, claramente, que Goiânia sensibilizara os protagonistas· aque e enclave.

chegad~: ~a .!0: de julho de 1.942, o "Correio Oficial" noticiouª nomes dos o1an1a da caravana representativa do I BG E, citando os ,, seus componentes:

Encontra-se em G . .. . 01an1a a caravana dos ibegeanos.

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Pedro Ludovico - 171

Chegou ontem, a comitiva do Instituto Brasileiro de Geogra­ fia e Estatística, composta de delegados federais e estaduais às Assembléias Gerais do Conselho Nacional de Estatística e do conselho Nacional de Geografia, as quais se realizam este ano nesta Capital, como parte do programa de cerimônias da inauguração oficial da cidade.

A Caravana veio sob a chefia do Dr. M. A.Teixeira de Freitas, Secretário Geral do 1. B. G. E.

Integraram a comitiva os seguintes membros do Conse- lho Nacional de Estatística, na órbita federal: Major I raci Ferreira de Castro, delegado do Ministério da Guerra; o Dr. Luís Nunes Briggs, do M. da Justiça; e Raimundo Nobre Pas­ sos, do Território do Acre; e na órbita regional: Srs. Júlio Benevides Uchoa, do Amazonas, Adelino Vasconcelos, do Pa­ rá, Djalrna Fortuna, do Maranhão, José Martins Rodrigues, do Ceará, Anfilóquio Câmara, do Rio Grande do Norte, Luís Oliveira Periquito, de Pernambuco, Afrânio de Carvalho, da Bahia, Armando Rabelo, do Espírito Santo, Aldemar Alegria, do Estado do Rio, e Roberto Paiva Meira, de São Paulo.

Para participar da Assembléia Geral do C. N. G., viaja­ ram os seguintes delegados federais: Engenheiro Gerson de Faria Alvim, do Ministério da Agricultura, e Comandante An­ tônio Alves Câmara Júnior, do Ministério da Marinha, e, re­ gionais: Srs. Joaquim Torcápio Ferreira, do Ceará, Mário Me­ lo, de Pernambuco, Lauro Sampaio, da Bahia, Cícero de Mo­ rais, do Espírito Santo, Valdemar Lefevre, de São Paulo, e José Nicolau Bom, de Santa Catarina.

Como convidados especiais viajaram os Srs. Cel. Lima Figueiredo, representante do Ministro da Guerra no "Batismo Cultural" de Goiânia, engo. Mário de Sousa, engo. Moacir Silva, prof. José Veríssimo, Renato Sião Cerqueira e Ramiro Berbert de Castro, representantes do Governo da Bahia, e Luiz Edmundo Malizeck.

Acompanharam a comitiva elementos da Secretaria de ambas as Assembléias: Srs. Valdemar Lopes e Orlando Valver­ de, Secretários Assistentes das Assembléias Gerais do C. N. E. e ~o C. N. G., respectivamente, engo. Fábio Macedo Soares Guimarães, Valdemar Cavalcânti, D. Sílvia de Barros, Lúcio de Castro Soares, D. Cacilda Fernandes, Marina Leite de Cas-

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172 _ Memórias

L. d Ivo Bezerra dos Santos, Alice Sampaio Abra tro rn a · c , 1 • d A ntes M '. de Oliveira Bastos, Aurea e 1a e ndrade e Silv , ana L it d C t a e P I A gusto Alves e Zu lma e1 e e as ro. au o u . . . .

Vários membros da com1t1va viarararn acompanhados de suas senhoras. . 11 •

Viaiou. iaualment~, ~ Emba1x~da An Fr,anco", com. posta de estudantes de Direito da_ C~~1tal da Republica.

Chegaram ontem os Srs. V~rg1l10 Gualberto Américo de Oliveira Costa e Joã?. de Mesquita Lara, ~elegados de Santa Catarina na Assembleia do C. N. ~-, do_ Rio Grande do Norte na Assembléia do C. N. G. e funcionário da Secretaria Geral do Instituto, respectivamente.

I\Jo avião de amanhã deverá chegar a esta Capital O Dr Costa Miranda, delegado do Ministério do Trabalho. ·

Já se encontram nesta Capital, chegados anteriormente , os Srs. C. R. de Cerqueira Lim~, diretor do Serviço de Estatís- tica Econômica do Ministério da Agricultura, Da. Gláucia Wamberger, representante do Serviço de Estatística .Econômi­ ca e Financeira do Ministério da Fazenda, cel. Lísias Rodri­ gues, representante do Ministério da Aeronáutica, João Bas­ tos, delegado do Piauí, João Carlos de Almeida, delegado de Sergipe, Lauro Schleder, delegado do Paraná, Albano Gaspar de Oliveira, delegado do Rio Grande do Sul e Gervásio Leite Pereira, delegado de Mato Grosso". '

1 nstaladas, solenemente, as Assembléias Gerais dos Conse­ lhos dirigentes do 1. B. G. E., foi dada a palavra ao Dr. Augusto Teixeira de Freitas, que leu o discurso do Embaixador José Carlos de Macedo Soares, o qual, por motivo de força maior, não pôde comparecer. Estavam presentes os delegados Engenheiro Gerson d~ Faria Alvim, representando o Ministério da Agricultura, o Dr. Jo5; Martins Rodrigues, Secretário da Fazenda do Estado do Ceara, representando o seu Estado, o Dr. Mário Melo, representando 0 E~~do ~~ Pernambuco, o Dr. João de Lourenço, representando 0 M!n!st~r!o da Fazenda, o Cel. Lísias Rodrigues, representando 0 Min1steno da Aeronáutica.

F . · E ot o seguinte o discurso do Presidente do 1. 8. G. .:

"A Ih · "' das esco a de Goiânia para sede da presente sessao

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Pedro Ludovico - 173

Assembléias Gerais do nosso Instituto - tal o desejastes e exprimistes em Resolução de 1.941, e como expressamente 0 autorizou, em Decreto-Lei, o Sr. Presidente da República - não envolve, apenas, um pensamento de homenagem cívica das mais justas, porque é, antes de tudo, um ato de confiança e de fé nos destinos do Brasl 1.

Aqui estamos, e é como se tivéssemos retomado o fio da pr6pria evolução histórica nacional, para melhor reverenciar aqueles grandes valores do passado que, em vigorosas arremetidas épicas, realizaram a obra de conquista, plasmando com as suas mãos rudes e almas heróicas os limites continentais deste mundo brasileiro, onde se confinam todas as nossas esperanças e cabem todas as nossas glórias.

O drama de sangue em que se resolve, nesta hora sombria dos destinos do mundo, o crepúsculo de velhas culturas, como que reproduz aquele momento da história humana em que os milagres das grandes descobertas abriram novos cenários à civi I ização em marcha.

Soa, novamente, a hora da América. A hora de reconstrução de um mundo que se desfaz pelo egoísmo e pela vi.ciência; a hora de restaurar os valores eternos do espírito e oferecer à Humanidade em desespero o conforto de uma cu I tura inspirada num alto pensamento de solidariedade cristã.

O Brasil possui no sentido "imperialista" das bandeiras - essas grandes forças vivas e móveis a que tanto deve a formação social do país - o melhor signo para a nova era de sua história, cujo objetivo essencial tem de traduzir-se, como tão bem o definiu o próprio Chefe do Estado, no "reatamen­ to da campanha dos construtores da nacionalidade", a fim de sanar os vácuos demográficos do nosso território e fazer com que as fronteiras econômicas coincidam com as fronteiras políticas". Esse impulso vigoroso da civilização, visando,.ªº domínio completo do património que nos. leg~u o ~sp1!1to bandeirante encontra em Goiânia a sua pnme1ra e vncnosa etapa. Ê u~ exemplo magnífico de co!'1pr~e~s~ objetiva dos problemas nacionais· é um milagre da mtehgenc1a cnadora do homem brasileiro; é uma demonstração a mais da nossa

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íd d para as empresas grandiosas, - esse espetáculo d capac1 a e . G . , f e d rínos do Brasil que oras nos o erece, corn fé nos es . N hi , . o

1 dm irável de predest1naçao rstorrca. exemp o a · d Aqui viemos_ e aqui ~stamos - os º. Instituto B .1 • 0 de Geografia e Estatística - para ocumpnmentod rast err I N d . , o d r C ívico de louvor e exa taçao ao escorttnlr, e ao eve 1 id . at ri oti srno do Governante esc areci o, em CUJO nobre p • • N d espírito como que se, an_tec1pou a v__is~o os novos ciclos

históricos do Brasil; a firmeza de animo do homem de governo que soube querer e so~be ~aliza~, porque não lhe faltou jamais a fiam a de um idealismo s1 ncero e de uma vontade vigorosa; ao bandeirante do Brasil dos nossos dias: Pedro Ludovico Teixeira.

Passemos, agora, senhores Delegados, ao resumo da obra que, a partir da nossa última reunião, foi levada a efeito pelo poderoso instrumento de progresso e cultura, a serviço das grandes causas do Brasil, cujos destinos estão confiados ao vosso patriotismo e capacidade de realização.

RECENSEAMENTO

No interregno dos vossos trabalhos, o Instituto pode dar conhecimento aos órgãos do governo e à própria comu­ nhão brasileira dos primeiros resultados do grande empreendimento censitário realizado, sob a sua responsabilidade imediata, em setembro de 1.941.

Corespondem esses resultados ao mais importante dos sete censos então levados a efeito - ou seja o demoqráfico+ 0 qual, a exemplo do que ocorreu também com os seis outros,~ constituiu, no gênero, a mais larga e profunde op_eraçao estatística até agora verificada em pais latino-americano.

Os el~mentos divulgados especificam-se pelas unidades d! Federar;:ao e os respectivos núcleos municipais e embora nao devam ser id . jusff consi erados definitivos - como bem se pro~l~c; n~m país ainda sem tradição censitária e onde 0 contingê~ciaosg~a~d':5 ~Paços vem desafiando, com~ uma sucessiva ge 9 á!1ca inelutável, o espírito construtivo de

s geraçoes de administradores - já oferecem

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subsídios os mais valiosos para a análise das condições sociais do Brasi I nesta fase de sua evolução.

Dentre os aspectos mais relevantes traduzidos nos cômputos censitários, cumpre destacar, pelas graves advertências que representa, o da escassa densidade em que ainda se exprime o nosso potencial humano, em cerca de dois terços do imenso território conquistado pelo ímpeto desbravador dos bandeirantes e juridicamente fixado nos tratados internacionais, graças ao gênio político de Alexandre de Gusmão e Rio Branco.

Ainda assim, - como o observa, com precisão, essa eminente figura de sábio que a confiança do governo colocou na presidência da comissão Censitária Nacional, o Professor José Carneiro Felipe, - o aumento percentual da população, tendo sido, em meio século, de 191, 7, "confere ao Brasil um lugar de destaque entre os povos americanos, pois que lhe está assegurado, na multiplicação natural dos seus filhos, não somente um poderoso fator de engrandecimento, senão também o melhor escudo para sua soberania."

Resolvidos que já se encontram todos os problemas técnicos ligados à última fase da grande tarefa censitária, in­ tensificam-se os trabalhos finais de crítica e apuração mecâni­ ca. Dentro em pouco, a nação entrará na posse do maior volume de dados numéricos até agora reunidos sobre os diversos aspectos de suas realidades, - material esse que constituirá a mais perfeita caracterização físico-demográfica e sociográfica das nossas condições de existência.

É uma fase expressiva da evolução do Estado brasileiro, esta que se distingue pelo permanente empenho do conhecimento objetivo de nosso âmbito territorial e das forças sociais que nele se agitam, como condição essencial a que nos conservemos fiéis aos nossos destinos históricos e a que possam os governos no seu esforço de organização nacional encontrar o rumo exato das aspirações coletivas e do bem comum.

GEOGRAFIA

No setor da Geografia, a grande obra empreendida obedece ao objetivo fundamental de restrinql r cada vez mais

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d num decisivo trabalho de penetraçã _ até anul~los ! t~ :s limites daquela "terra ignota", e~ e reconhec1men se aventuravam, nas cartas baseadas ern

N ' qual apenas · bl ' · relaçao a "o rabisco de um no pro emat1co ou a ~ado_s e~cassos, a corda de serras". . 1deallzaçao de um m que O Instituto situou o problema da Nos termos e . f

to-revelação, teria de impor-se, por orça, urn n assa au . lar pelos elementos marcantes das nossas inte!esse Pa~:;~u ogeográficas, vale dizer: a Terra e o Homern reah·d1· a~es e· se pera deficiente e precária - como tão bem o bras1 eiras. ... , · f t · , . assa organizaçao estattstrca nas ases an enores a sabeis - a n . . ,

1 ... menos raras e lnsuficientes se apresentavam, a falta atua ' nao . d f d 1 ld d · atização e continuida e nos es orços esenvo v1 os, e s1stem h · t d · f'' · as nossas aquisições quanto ao con ecimen o o meio rsico,

No golpe de vista a que foi submetido em oportunida­ de idêntica, apenas há um ano, o largo panorama das realiza­ ções do Instituto, no seu primeiro qüinqüênio de atividades, ficaram bem nítidos os resultados da grande obra que o Con­ selho Nacional de Geografia vem realizando, sob a orientação entusiástica é devotada de seu secretário-geral, o engenheiro Cristovam Leite de Castro, e com a dedicada colaboração de técnicos dos mais ilustres. Basta dizer-vos agora que o ritmo dessas campanhas continua a intensificar-se cada vez mais, como empresas magníficas destinadas a fazer emergir desse co~tato com a terra a força daquele amor, cuja intensidade Aristóteles já condicionava à posse do conhecimento.

A tarefa de atualização da Carta Geral ao milionésimo é o notável empreendimento básico, em cujo plano se fundem quase todas as demais iniciativas técnicas do Conselho. São elas, entre outras, as campanhas das coordenadas geográficas e do~ levantamentos altimétricos· a da revisão dos maoas dos Municípios e d u id ' · · f ... .as "' ades Federadas; a que visa· à perfeita ?r1'!1açao, mediante Cursos intensivos de profissionais espe- c1a ízados para O , • • • ' • d

! exerc1c10 de at1v1dades cartográficas· a as monografias muni · · . ' .. nário G á . ic1pa1s; e, finalmente a do preparo do D1c1o- Geográf~~~~ fico Brasileiro e da co'ietânea das Efemérides

Sob a infl .. · e com O seu uencia renovadora das atividades do Conselho

concurso e patrocínio - promoveram-se durante

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Pedro Ludovico - 177

0 ano Expedições Científicas do maior alcance para O perfei­ to conhecimento de regiões ainda ignoradas do território na­ cional. Citem-se, por exemplo, a que teve o norte de Mato Gro~o por campo de suas pesquisas e a que estuda, no mo­ mento, a faixa fronteiriça dos Estados de Minas, Goiás e Ba­ hia, para melhor fixar a linha divisória, em alguns pontos ainda imprecisa.

O governo conferiu ao Conselho - e dela já ele se está desobrigando - atribuições da maior importância, visando a asségurar a necessária sistematização à nomenclatura das esta­ ções ferroviárias do país. Foi ainda mais longe o decreto que dispôs sobre a matéria: fixou logo, em termos gerais, uns tantos critérios a que terá de submeter-se, em 1943, a revisão do quadro territorial, a fim de que seja prevista, em data oportuna - como complemento da campanha sistematizado­ ra a que deu lugar a Lei 311 - a eliminação dos nomes iguais de cidades e vilas, mesmo que se verifiquem em diferentes unidades políticas.

O novo quadro da divisão regional do Brasil, fixado pelo Conselho de Geografia na última sessão de Assembléia Geral e logo aceito pelo de Estatística, teve a sua adoção generalizada a todos os setores da edmlnistração, de acordo com as recomendações expressas da Presidência da República. Acham-se já concluídos, por outro lado, os estudos para a fixação, segundo os critérios normativos estabelecidos, das zonas fisiográficas das diversas unidades políticas.

Consigne-se, ainda, o fecundo esforço de ordem cultu­ ral que o Conselho vem desenvolvendo pelos vários meios ao seu alcance, dentre os quais não será, decerto, dos menos eficientes a sua magnífica "Revista Brasileira de Geografia". E registre-se, por fim, o seu permanente empenho, no sentido de que se resolvam em definitivo as últimas questões de lim i­ tes ainda registradas no país, mediante a ascendência de um nobre pensamento de unidade nacional sobre as preocupações de ordem regionalista que porventura ainda se anteponham à consecução desse elevado propósito.

ES TATfSTICA As realizações levadas a efeito no decorrer do último

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ano, no mais antigo dos três set?res em que. se desdobra atuação técnica e cultural do I nstrtuto - ou seja O da Est . a tica _ também só nos podem causar o mais justificável re ati~-

. f d d 9021• [o cívico pela certeza que nos m, un em e que O n ' d , . osso 1 nstituto está bem longe de esmerecer o sébío pensame - • 1 • • nto de unidade e construçao naciona que inspira as suas diret . . n- zes fundamentais.

Ao vos reunirdes,precisamente há um ano, coube-vos exemplo das vezes anteriores ~ como tão bem se enquaei/ nos altos objetivos que determinam estas Assembléias, enca~ minhar providências e fixar nor.mas do maior alcance para a definitiva consolidação dos fundamentos da obra estatística nacional. E das importantes Resoluções técnicas que então votastes, abrindo novos campos de ação aos esforços do apa­ relho estatístico nacional, muitas já alcançaram integralmente os seus fins, encontrando-se encaminhadas, em relação a qua­ se todas as demais, as providências que delas deveriam resul- tar.

Não há dúvida de que, sob esse aspecto, foi dos mais expressivos o período a que se referem os fatos ora enumera­ dos nesta rápida resenha. Atendemos, por exemplo, nas medi­ das a que deram lugar, dentre as vinte de vossas Resoluções de 1941, relativas a assuntos técnicos, a que apresentou suges­ tões para a execução das estatísticas administrativas; a que recomendou providências para o levantamento regular e uni­ forme do movimento de hóspedes em hotéis e pensões; a que dispôs sobre a criação das Seções de Estatística Militar; a que· promoveu os levantamentos do custo da vida em torno das condições de uma vida-padrão; as que cogitaram da regulari­ zação das nossas estatísticas industriais e outras que p~deriam ser ainda referidas, inclusive a que .visou assegurar a unicidad~ das nossas pesquisas estatísticas e teve este objetivo consegui­ do através de recomendações expressas da Presidência da Re­ pública.

. O vosso caloroso pronunciamento, declarando a soli­ dariedade do Conselho ao Instituto Inter-Americano de Esta­ !ística e manifestando os nossos propósitos de colabora7~~ m face de seu notável programa técnico e cultural possui, r~ agora ld ' ..- ' um senti o bem mais prático e efetivo, com a adesao

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Pedro Ludovico - 179

do país à prestigiosa entidade, ·cuja criação se re t d ... · tê · d · - ves e e tao alta impor ancra para os estinos da Estatística . te e no mundo. , no contmen-

Ai~da a uma das Resoluções da última sessão d t Assembléia, pela ,qual se instituiu ... º "Dia do Estatfsti:~,:: devemos todos no! as gratas emO?oes que assinalaram, este ano, a comemor~ao do 29 d_e maio, - data a que jâ agora se confere um sentido ~e'!1 mais belo e profundo, porque não apenas r!le~br .. a ª. criaç~o do l~stituto, como serve de ponto de referencia a intervlnculação espiritual da nossa grande comunidade estatística.

Mas, bem sabeis todos vós, meus senhores, que embora tudo quanto aqui se referiu já muito signifique, ainda não foi tudo.

Deliberações oportunas e acertadas dos colégios diri­ gentes d o sistema ai argaram as perspectivas do nosso campo de atuação; promoveu-se, através de várias providências técni­ cas e administrativas, o melhor funcionamento da rede de órgãos do Instituto; intensificaram-se os sentimentos de fra­ ternal aproximação entre os servidores da estatística, em todo o país; prosseguiram as campanhas para o levantamento das correntes internas de comércio e a organização sistemática das Tábuas ltinerárias Brasileiras; elevou-se, através de novos cursos de especialização e aperfeiçoamento, o nível de capaci­ dade técnica dos nossos quadros profissionais, hoje domina­ dos, em sua maioria, por um nobre espírito de estímulo e emulação: ampliou-se, em vários sentidos, a atuação técnica e cultural do sistema, principalmente no que ~espeita à su_a no­ tável obra publicitária, expressivamente assinalada, no inter­ regno das vossas sessões de 1941 e 1942, com o lançamento, entre outros importantes trabalhos, do quinto volum~ ... ~o "Anuário Estatístico do Brasil", relativo ao blênio 1939-1940 do substancioso documentário dedicado às Con­ ferências Nacionais de Educação e de Saúde, sob o título,,_"~ Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e a Educaça,0 .' e de mais quatro números da "Revista Brasileira ~e .~st~tisti­ ca"· maiores recursos e melhores condições de eficiencia_ fo-

' "d d d órgãos estat í sucos ram assegurados à quase total! a e os . .1 • regionais; concluiu-se a elaboração do "Vocabulário Brasí erro

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180 _ Memórias

. ram-se rsqlstrcs e outras providênc·,as , · "· ena de Estat1st1ca. , se fizeram sentir, a fim de favorecer a enérgicas e eficazes lsas estatísticas, pelo progressivo aperfei­ realização das pesiu: de informação primária; consolidou-se çoamento das _fodn. e to do Instituto, a Sociedade Brasileira d~ b trocínio ire · so o P~ f m de novos e honrosos pronu nc1amentos

Es~atí~taca;a eÉ~~;ís~ic~ Brasileira, pelos progressos alcançados foi obJetof d sua organização,· destacando-se entre eles 0 na atuai ase e M · ' · ·

Inter-Americano de urucipros, reunido em do II Congresso . . b de 1 942,em Santiago do Chile. setem ro · · t I t ti f · T bém estão em via de ser m egra men e sa 1s e1tos

b . t~mos que tivestes em vista, zelando pelos altos interes- os O Je IV • • 1 d' ' ' 1 d nossa cultura e unidade esptritua , ao 1ng1r ca oroso

ses ª , · d S M · · t d E d ... elo ao nobre e lúcido esp I rito o r. rrus ro e ucaçao, ~~ sentido do prevalecimento integral da ortografia resultante do acordo firmado entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa. E estais assistindo, neste momento, à própria efetivação prática daquele expressivo pla­ no de comemorações cívicas e culturais que tão bem gizastes numa outra das vossas Resoluções de 1941, para assinalar esse magnífico acontecimento histórico, que é a investidura defi­ nitiva de Goiânia nos seus foros metropolitanos.

Como arremate desse admirável panorama, aqui focali­ zado de relance, aludamos, finalmente, ao fato de maior rele­ vo dentre os que se verificaram no período sob exame, pela sua excepcional importância tanto para a estruturação e os fundamentos do próprio sistema estatístico como também - e sobretudo - para os interesses da boa ord~m administrativa e da defesa do país.

Já per~ebestes, decerto, que me estou referindo àquele ;~~~;!~el diploma l~gis_lativo baixado sob o no. 4. -181, pelo providênc~;~ã da ~epubhca, a 16 de março deste ano. Doutra cuja signific ... º se, de que vos possa falar neste momento - se me afiguraçao Pª!ª ª obra e os destinos do nosso Instituto

E asse mais profunda e relevante stamos em f a d .

Pectos, originário ce ~ ~~ plano corajoso sob vários as- cito - que foi r: uma 1n1c1at1va do Estado Maior do Exér­ Governo - e fi~:~ ' quem O encaminhou à consideração do 0 em colaboração com o Instituto, a fim de

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que, através de ,u'!l esfor:ç~ dec_isivo de unlficação nacional e utilizadas ao maxrrno as v1rt~alidades do sistema pai ítico des­ centrai izado, que tanto desejamos respeitar, como um impe­ rativo mesmo da nossa formação histórica, possa a estatística civil brasileira adquirir integralmente as condições de profun­ didade, exatidão e eficiência julgadas imprescindíveis, no mo­ mento, não apenas à obra de reconstrução empreendida pelo Estado Brasileiro, mas sobretudo ao perfeito prevalecimento dos interesses vitais da segurança nacional.

Em dois ciclos se dividem as providências previstas nes­ sa lei memorável: a criação, nos Departamentos Estaduais de Estatística, de Seções de Estatística Militar, conforme o Insti­ tuto já vinha pleiteando de há muito; e a realização dos Con­ vênios Nacionais de Estatística Municipal, destinados a confe­ rir à infra-estrutura do nosso grande sistema as características de eficiência técnica de cuja falta ainda se ressente, por força de fatores somente removíveis através do recurso à delegação ao Instituto - livremente consentida pelas autonomias muni­ cipais a isto convidadas - dos serviços estatísticos atualmente mantidos pelos órgãos de nossa organização política.

Até o momento, vinte e uma Unidades Federadas já criaram as Seções de Estatística Militar nos respectivos Depar­ tamentos Regionais e apenas em cinco ainda não está assina­ do o Convênio lntergovernativo que, com tanto acerto,. foi considerado imprescindível à plena consecução dos altos fins em que se inspirou, nesta hora de justificáveis apreensões, a Lei 4.181.

CONCLUSÃO Concluída, pois, esta rápida revista em que, nos termos

da disposição regimental, me coube resumir "as atividades do Instituto a partir da sessão anterior, já é tempo, senhores, de que nos congratulemos pelos admiráveis aspectos em que se desdobra esta obra magnífica, e prossigamos, de ânimo ergui­ do, no esforço construtivo que a Nação exige de todos nós - e agora mais do que nunca.

Antes de fazê-lo, todavia, já que nos detivemos aqui a contemplar os marcos da estrada, seja-nos dado assinalar, com os votos de reconhecimento cívico que nos inspira um alto

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sentimento de justiça, o quanto d_eve, a _obra. realizada Pelo 1 nstituto, ao espírito ~e. c?o~eraçao, ao. infatigável entusias. mo, à solicitude, à clanv1denc1a e ao des1nte~~s~e de quantos lhe têm dado O melhor dos conc~rs~s, - patno~1ca, a~negada e eficientemente. Aos Poderes Pu,.bl !cos, federais, re~1onais e municipais; aos trabalhadores anorumos da, E~ta~íst1~a e da Geografia, em todos os quadrante~ d_o pais; as 1~st1tuições cívicas, culturais e religiosas, quer pu_bll_cas, quer privadas; aos homens de imprensa; a todos os brasileiros de bo? vontaos, ; cheguem, nesta hora, as nossas _homenag~ns votivas, em que se traduz a própria gratidão nacional, pois que, a essas pode­ rosas forças sociais devemos, todos nós, o que é e o que pôde até agora realizar o Instituto Brasileiro de Goegrafia e Estatís­ tica.

Aqui estais, pois, em pleno coração da Grande Pátria que os maiores criaram, com seu sacrifício e bravura e com a coragem indomável das suas esperanças, para atingir a plenitu­ de de um· magnífico destino. Já vos conheço o patriotismo, a prudência, o espírito público, e sei que as deliberações que ides tomar, como representantes ilustres dos Governos de cuja autoridade o Instituto é delegatário, serão sempre inspi­ radas no mais alto sentimento de solidariedade humana, de respeito mútuo, de compreensão fraterna. Serão essas delibe­ rações inscritas em nossos Anals, ad perpetuam rei memoriam, como as "Resoluções de Goiânia". . E po~que assi'!1. o será, aceitemos a contingência miste- nos~ d~ milagre telúrico que emergia dos "sertões", como se a proona voz da terra conclamasse a audácia dos homens para a epopéia da conquista e do desbravamento: nenhuma outra, mais ?º. q~e elas, poderá refletir os grandes valores morais que d1sc1pllnam o ritmo da nossa história. Valores de coesão, ante ~ forças ~esagregadoras das tradições transmitidas pelo l~pé~10 e a F~; valores de autonomia, a antecipar na cons­ ciencra geográf!ca da, ~átria ainda informe o próprio sentido de sua soberania pol 1t1ca; e valores de unidade que permiti- ram ao B · 1 • , ' . rasi conservar-se fiel a sua vocação cristã, sob o signo eterno da mesma Cruz, há quase três séculos erguida nas terras fecundas d os G · - · d A h .. orezes pelas maos predestinadas e n anguera".

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INAUGURAÇÃO DE GOIÂNIA

Após prolongada e árdua luta na construção de Goiânia, em que às dificuldades políticas se juntavam as de ordem financeira, marquei o dia 5 de julho de 1942 para a sua inauguração.

Sobre o histórico acontecimento, lancei a seguinte mensa- gem ao Brasi 1:

"Dirijo-me ao Brasil, ao ensejo da passagem do maior acontecimento já registrado no meu Estado.

Inaugura-se hoje a jovem Goiânia, Capital de Goiás. Ao entregar à comunhão nacional a cidade, cuja cons­

trução foi parte primacial do meu programa de governo, des­ pido de espírito regionalista, ergo o meu olhar para a Pátria comum, antevendo o seu futuro esplendoroso.

Tenho a honra de saudar na pessoa do grande condu­ tor, o Presidente Getúlio Vargas, o Brasil gigante e poderoso.

Saúdo a Amazônia, tão cheia de mistérios e tão rica de promessas; as terras dos palmares e babaçuais esplêndidos do Parnaíba longínquo. Saúdo o nordeste de atitudes heróicas e fecundas ante as durezas do clima que o flaqela: os Estados do leste, de riquezas tão numerosas e de um labor tão inten­ so, em benefício da economia nacional. Saúdo as terras dos vales históricos do Paraíba e do Tieté, onde vicejam os cafe­ zais, os algodoais e tantas outras riquezas; as regiões admirá­ veis dos plnheirals paranaenses e catarinenses. Saúdo os pam­ pas do sul, berço de heróis, celeiro do Brasil; as terras que, a leste e oeste de Goiás, com ele se irmanam na grandeza das suas glebas, na variedade dos seus produtos e no labor intrépi­ do dos seus filhos. Saúdo o Brasil todo, símbolo de pujança, dignidade e elevação moral.

A Ele, BRASIL, entrego um grande ideal que se tornou uma grande realidade - GOIÂNIA.

Em 5 de julho de 1942. Pedro Ludovico".

Goiânia, então, ainda não possuía 12 mil habitantes. Mas a boa vontade em a ela se referir, bem como o entusias­

mo e a confiança que o seu surgimento e evolução despertaram, Por toda a parte eram tão grandes, tão espontâneos que, em geral, os elogios a seu ~speito muitas vezes se excediam.

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Representavam a generosidade p~ra com um lutador á 1 · le f · , que

t avés de todos os obst cu os, conseguiu var ao rrn O seu .d. , a r . d . - . 1 ea1 Tanto que, na data precisa a 1nau~uraçao, aqui aportara~ representantes de todos os Estados do Br~s1I. .

Coincidiu que a temperatura ambiente baixou, na época . . , a cinco graus pos1t1vos. . .

Agradável para os ap~ec1adores do frio, embora trouxesse incômodo para os que preferiam ~ calor. .

Era pela manhã que o termo~etro registrava ess? t:mperatu- ra, que se elevava no decorrer do dia, e voltando a ~a1r a noite, de forma a não perturbar a marcha do programa, cujas solenidades exigiam a presença de todos os delegados dos Estados, que tinham as suas tarefas a cumprir.

Havia muita gente na cidade que dava seus primeiros passos na senda do progresso, no seu desenvolvimento. Só existiam 0 Grande Hotel e algumas Casas de Pensão, que não comportavam todos os visitantes. O afluxo destes, porém, fora previsto, resolven­ do-se o problema de hospedagem para todos com a ajuda de pes­ soas que já possuíam residência e tinham condições .de aceitar o papel de hospedeiros. E, como já disse, fazia muito frio naqueles dias festivos, tornando-se indispensável o uso de cobertores, que, além de comprados, em parte, pelo Governo, foram conseguidos, por empréstimo, nas cidades vizinhas.

Organizaram-se cozinhas e restaurantes provisórios, em di­ versos pontos da cidade.

Felizmente, tudo foi resolvido a contento. O que, entretanto, nos agradava, a mim e aos meus auxilia­

re,s. de administração pública, era a satisfação notada em nossos hóspedes, naqueles que vieram assistir a tal acontecimento inédito em um dos Estados mais atrasados do Brasil, ao tempo.

No~sa preocupação de que fossem todos bem tratados, para qu~ d~qui nao saíssem com má impressão acabou-se felizmente satisfe rta, ' ' difl

1~arecia que uma força superior nos ajudava em tudo, pois as

1 bideu ades ~ão eram pequenas, devido ao nosso atraso, ao nosso su esenvolv1mento. trução Tutdéo correu b~m, no entanto, desde os primórdios da cons­ ' ª sua meta f inal

Fiquei tã f · · 0 atigado, pela minha responsabilidade por todas

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rovidências d,e~orrentes 90s festejo~!. assim também pela minha as P ça obrigatona em todas as reuruoes, que acabei atacado de Presen . d .... ma sinusite aguda, que tive e suportar quand meme. u Na hora da missa solen_e, ~elebrad_a pelo saudoso Arcebispo D m Emanuel Gomes de Oh~e1ra~ sentia-me mal, principalmente 01 circunstância de sua realização ser na Praça Cívica, onde sa- pe a . f . va um vento mu rto no. pra o Arcebispo de Mato Grosso, Dom Aquino Correia, conhe- 'do por sua inteligência e por seus dons oratórios, pronunciou, na

CI 1 - 1 , • oportunidade, be a oraçao conqratut atona, com qu_e empolgou to- dos os assistentes. Ele a havia escrito, mas proferiu-a como se a tivesse improvisando, já que pouco olhava para as laudas datilo­ grafadas que tinha em suas mãos.

Possuía uma memória notável. E is o que disse: "Glória in excelsis Deol "Glória a Deus nas alturas!"

Exmo. Sr. Dr. Interventor Federal e representante do Sr. Presidente da República, Exmo. e Revmo. Sr. Arcebispo Metropolitano e representante do Sr. Cardeal, llmo. e Revmo. Monsenhor Administrador Apostólico, Exmo. Sr. Presidente do Tribunal de Apelação, Exmo. Sr. Prefeito Municipal, Ex­ mos. Srs. representantes dos Mlnistros de Estado, Revrnos, Padres, distintas autoridades civis e militares, católicos goia- nosl

Assim como o peregrino que se abalava outrora até a cidade santa de Jerusalém, levava no coração um pensamento de elevação e de grandeza, ascenciones in corde suo, assim t~mbém os que hoje galgamos estas majestosas eminências da hmterlândia brasileira temos a- impressão salutar de que nos elevamos e engrandecemos. . Aqui estamos, em pleno coração do Brasil; coração imenso, que ora parece pulsar, tranqüilo, na planura dos ara­ xás pré-históricos e ora se nos afigura agitado e convulso, mostrando nos pí~caros das serranias um como ?i~grama das suas pulsações gigantescas; coração excelso e pur1ss1mo,_ tran~­ formado, nesta hora, em maravilhoso altar para a liturgia campal da nossa cultura religioSél~ cívica.

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Foi justamente um m_onte, como ~abeis, ~ Primeiro altar do Cristianismo; e, por. isso, nada ma1~ sugestivo do que este planalto central, tão cheio de sol e d_e vida, neste momen. to em que, festejando o berço ~ g;~t11 caçu 1,a ~as capitais brasileiras, aqui celebramos o mtsteno eucarrsnee da mais solene ação de graças.

Goiás, todav~a, n_ão é apena~ o cora~ão geográfico, senão também o coraçao vivo d~ Pátria, palpitando aqui, ao fluído arcan.o e divino dos entusiasmos que empolgam toda a nacional idade.

Aqui, de fato, não vejo somente o povo goiano, o bem, fadado e amável povo, que hoje triunfa em íntima união com as suas autoridades, dentre as quais se destacam a figura emi­ nente do Chefe do Estado e o vulto hierático do seu Metropo­ lita, que no próprio nome, de que fez a divisa heráldica das suas armas arquiepiscopais, nos lembra que Deus está com ele, abençoando os fiéis: Emanuel, nobiscum Deus!

Quiseram, outrossim, os promotores desta solenidade sacra, de fé e de civismo, que aqui estivesse também, numa representação especial, representação pela palavra fraternal do afeto e da estima, a terra mais irmã de Goiás, que é Mato Grosso; duas terras gêmeas, porque nascidas contemporanea­ mente em nossa história; terras irmanadas, não raro, na comu­ nhão dos mesmos destinos, terras clássicas das bandeiras do Oeste, dois de cujos legendários pioneiros, Bartolomeu Bueno da Silva e Antônio Pires de Campos, amigos de infância, inspi­ rados ambos no mesmo sonho infantil, porém épico, da Serra dos Martrrlos, entraram pelo sertão um em rumo a estes predestinados sítios de Sant' Ana dos Goiazes, rumando outro ao longínquo e misterioso vale do Cuiabá· e ao cabo de

• " • ' ' 1 titãnlcas arrancadas, legaram ao Brasil de hoje, numa herança Vejo aqui também o representante do primeiro magis·

trado da Nação; vejo representantes dos Ministros de Estado civis e mi!itare~; vejo delegados dos governos estaduais; ve}º alt?s func1onános da União e dos Estados· vejo doutos emis· sáfnos ~os nossos institutos culturais que' solenizaram estas e eméndes · ' I '· ex· . goianas com notáveis congressos, assemb e1as, posições e conferências.

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imortal e glorio~a, _dois dos três vastos Estados centrais e auríferos da Republ rca.

GLORIA IN EXCELSIS DEO!

Assim, pois, senhores, é a alma nacional que hoje sobe, e com ela subimos também nós, a estes poéticos páramos da cordilheira, que é o soberbo divortium aquarum, onde nas­ cem, lado a lado, cristalinas e cantantes, as grandes águas do Amazonas e do Prata. Magnífica ascenção, que, entretanto, mais não é do que um símbolo dessa outra, muito mais no­ bre, muito mais santa e muito mais sublime, que é a elevação do nosso espírito no ideal soberano, que hoje aqui nos guiou e encanta! Aqui viemos, antes e acima de tudo, trazer a Deus onipotente e misericordioso, a mística oblata dos nossos agra­ decimentos, entoando a estes ares livres e sonoros do altipla­ no o hino vinte vezes secular, que o Pontífice acaba de repetir no rito sacrossanto da Missa, hino angélico, hino das regiões altas e serenas como esta: "Glória a Deus nas alturas!" Gloria in excelsis Deo !

Sim! glória a Deus nas alturas das nossas montanhas, onde as palmeiras sacodem airosamente os flabelos nos ceri­ moniais da .arnplidão: onde se aspira o incenso de todas as boninas, desde a flor elegante dos nossos jardins, até ·as vitórias-régias das planícies alagadas e as altivas e formosas orquídeas da mata; onde se ouvem, no mais grandioso dos orfeões, todas as vozes do Brasil, desde o bramido dos seus mares nas praias e nos rochedos do litoral infindo, desde o ronco das suas pororocas e das suas cataratas, até o gorjeio dos seus lindos pássaros à beira. dos ninhos e a canção dos beijos maternos, no abençoado remanso dos seus lares; Gloria in excelsis Deo!

Sim! glória a Deus nas alturas morais da consciência brasileira, orientada, sempre mais, pelos princípios eternos do Evangelho, para este regime de ordem na disciplina e de progresso no trabalho, mediante a mútua compreensão e a concórdia entre as duas sociedades perfeitas, mas inseparãveis, independentes, mas harmônicas entre si, que são o Estado e a Igreja; mediante o equilíbrio pacífico nas

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relações políticas e melindrosas do poder com a l"b · · - t 1 · · 1 e rdad mediante a const1t~1çao ~~cramen a : ,~violável da fa .. e; mediante a formaçao religiosa do Exercito e da Ju rn11ia; duas supremas esperanças da Pátria, a esperança v~ntude, presente e a esperança do seu futuro: Gloria in excel .

0 seu sts Deo!

GOIÂNIA, FLOR l'v11RACULOSA

E bem justo é, senhores, aproveite o Brasil os acontecimentos magnos d~ vida nacional ~a_ra render graças ao Senhor Deus das Naçoes, pelos benef reios da p_az e da prosperidade que, apesar da h~ra conturbada que vivem os povos do Universo, ainda ho]e desfruta e goza a Nação Brasileira. E nenhum melhor ensejo se lhe poderia deparar do que a festa em que h?je se enqalanarn es~es chap~dões floridos, para o batismo da recém-nascida e mimosa catecúmena da civilização em terras de Santa Cruz; festa das mais expressivas e típicas dessa política do "rumo a Oeste" proclamada pela voz augusta do Presidente Vargas; festa, enfim, que há de ficar à maneira de marco luminoso nesse roteiro da voltá aos sertões, pela ressurreição dos tempos heróicos da nossa História, quando os primeiros porta-bandeiras da expansão territorial do Brasil, penetrando o continente na direção dos paralelos, conquistaram novos e novos meridianos, e deixaram atrás, muito atrás, o de Tordesilhas, que iria quase comprimir o território pátrio, entre a Serra do Mar e as vagas do Atlântico.

Estamos aqui, portanto, comemorando uma significati­ va e fúlgida eta~a dessa "marcha para Oeste", que encontrou um dos seus mais estrênuos vanguardeiros na pessoa do Inter­ ventor Pedro Ludovico, que nestes dias com as revelações do seu Governo_, se filia galhardamente na' estirpe homérica dos Buenos da Silva, os ínclitos e lendários Anhangüeras descobri- dores de Goiás f d · ' . . · hi t' . ' azen o Jus, nos· fastos da nossa nob1llarqu1a Ais honc~.' ao ho~roso título de "terceiro Anhangüera". Não 0 ban b:n~u~ra da idade colonial, a embasbacar com peloticas ª A~h ne.. os selvagens; mas um Anhangüera do século vinte, faze~~~uera douto e aristocrata, que nos enche de maravilha,

surgir ª nossos olhos, sob a varinha mágica de sua

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administração, esta c!dade moderna, que, ontem sertão, é ho­ je uma fu~~r?sa m:tro~ol: ....

Go1an1a, pois, nao e tao-somente uma flor destes cimos soalheiras, dominados, ao longe, pela poesia altaneira dos Pi­ reneus e da Serra Dourada: é muito mais. Goiânia é uma flor miraculosa dd Estado-Novo, que nela tem hoje um monumen­ to da sua política de realizações; nela tem hoje um troféu de vitória para os seus ideais de renovação da nossa democracia, em moldes mais consentâneos com a razão e a índole da gente brasileira; nela tem hoje, enfim, um farol radioso, levan­ tado no centro do país, para nortear os caminhos do nosso verdadeiro engrandecimento, tal como, em épocas de anta­ nho, os alterosos coqueiros encendldos encaminhavam o índio, na vastidão imensurável destes verdes e floridos deser­ tos.

CONCLUSÃO

Já vedes, pois, senhores, com quanta razão venha hoje a alma católica do Brasil, ao altó deste maciço milenário, lançar, aos quatro ventos do céu, o cântico do louvor e do agradecimento ao Senhor e Doador de todos os bens: "Glória a Deus nas alturas!" Gloria in excelsis Deo)

Já vedes com quanta razão aqui esteja diante da bela imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, a Virgem de São João Basco, imaculada padroeira desta cidade, aqui esteja, em transporte do mais sadio entusiasmo religioso e cívico, o sim­ pático povo goiano, tão brilhantemente representado no pres­ tígio dos seus Poderes Públicos, no brilho da sua intelectuali­ dade, nos primores da sua família, no sorriso primaveril da

Já vedes com quanta razão aqui estejamos também nós, a compartilhar os júbilos do povo goiano e a bater palmas ao seu triunfo, todos os romeiros desta memorável excursão a Goiânia, porém, mais do que todos, talvez, aquele que tem a bonra de falar-vos neste instante, porque ligado a este povo Por laços atávicos da mais cordial afinidade.

~oncluamos, pois, senhores, que não podia ~~s~ar d!s­ Perceb1do ao Brasil o milagre sensacional de Goiênia: nao

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od ia O País manter-se alheio a estes festejos soleníss· P ,., . .. d . irnos por onde paira e vibra um nao _ se~ que e mocidade fecund , esperançosa; não podi~ a !'laçao ignorar o gesto dinâmico~: um povo que, sob a d1reçao de seu Governo, ao mesmo P ,., d d t . . asso que as velhas civilizaçoes tu o . :s roe!11, cn_a assim uma cida- de, tarefa sobre-hum?na, que Ja a rnitoloqia grega reputava digna de deuses e semideuses: . . . o Brasil,em suma( ~ev1a vir a~u1, ~?mo veio, para daqui levar a mais eloqüe~te llçao e,ª. mais ed!f1~ante reminiscência.

Na era colonial, o herói das cronicas bandeirantes da terra goiana conquistava os indígenas, inflamando um pouco de aguardente, e ameaçando fazer o mesmo a todos os rios.

Hoje, são nossos corações de brasileiros que Goiâs con­ quista com o fogo sagrado da festa de Goiânia, de onde leva­ remos, acesa, a chama do amor cívico e fraterno, a centelha da confiança nas energias latentes e taumaturgas da nacionali­ dade, a flama oi ímpica da fé e do patriotismo, que nos· fará, para todo -o sempre, lembrar este risonho planalto em flor e exclamar, num misto de emoção e de saudade: "Glória a Deus nas alturas! Gloria in excelsis Deo !

Às 14 horas, no Cine-Teatro Goiânia, houve o batismo cultural da nova cidade.

Fui eu o primeiro orador: "Meus senhores.

Em novembrode 1.930, assumindo o governo do Esta· do de Goiás, após a refrega revolucionária, imbu I-me da resa· lução que, aliás, já tinha, quando combatente nas hostes da oposição, de que um governante devia se esforçar o mais que pudesse para não cair nos erros que profligava como censor da administração que o precedera, pois, ao revés, devia ser considerado um mistificador das aspirações populares. . Levado por esta diretriz, passei em revista as falhas que

via nas pregressas administrações goianas. . En~re muitas, deparou-se-me relevante, . prejudicial Is- sarna ao~ t~teresses da coletividade e, portanto, do Est~do, ª perm~nenc,a. da capital na velha Goiás, que Miguel Lino de Mor~as, Couto Magalhães e outros já haviam condenado para servir de sede do governo.

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Verifiquei desde logo que o maior empecilho ao desen­ volvimento do Estado era a continuação desse fator negativo.

Não é meu propósito repetir nesta hora todos os argu­ mentos que expendi, quer escrevendo, quer falando, como justificativa da mudança da capital.

Foram tão repisados, que me falta entusiasmo para de novo focalizá-los.

Entretanto, não é censurável relembrar uma pequena parte da história intimamente ligada a esse acontecimento.

Há 80 anos, mais ou menos, o General Couto Maga­ lhães, então Presidente da Província, emitiu a seguinte opini­ ão sobre o assunto, que, desde aquela época, já tinha impres­ sionado a sua visão de homem superior e de administrador sagaz: "Temos decaldo desde que a indústria do ouro desa.­ pareceu. Ora, a situação de Goiás era bem escolhida, quando a Provlncia era aurlfera.

Hoje, porém, que está demonstrado que a criação de gado e a agricultura valem mais do que quanta mina de ouro há pela Provtnci«, continuar a capital aqui é condenar-nos a morrer de inanição, assim como morreu a indústria que indi­ cou a escolha deste lugar. As povoações do Brasil foram for­ madas a esmo, e a economia pol ltica era uma ciência desco­ nhecida, de modo que o governo, ainda que quisesse,não po­ deria dirigir com acerto essas escolhas; hoje, porém, assim não é. Uma população de 5 mil almas colocadas em lugar desfavo­ rável não pode nada mais produzir do que o necessário para a sua nutrição".

Vinte e sete anos depois, outro Presidente da Provín- cia, Rodolfo Gustavo da Paixão, assim se exprimia:

''A Capital de Goiás é, sem dúvida, uma daquelas cida­ des cujo estado sanitário, dia a dia pior, reclama as mais pron­ tas e enérgicas providências. Situada em meio de uma bacia, conquanto sobre terreno acidentado, cercada de altos montes que a comprimem em diminuto âmbito, embaraçando-lhe a regular ventilação, estreitando-lhe demais o .horizon_te visu_al; castigada por excessiva temperatura graças a sua baixa lat,tt:· de de 16 ° S, não corrigida pela altitude ou por causas l~ca,s; com uma edificação à antiga, obedecendo, in totum, a ª':e colonial, que era antes a negação dos mais rudimentares pnn-

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e/pios arquitetônicos e dos mais salutares preceitos d · d · d · ª mo« na higiene; espregu1çan o-se as margens o no Verm Ih ver.

curtindo verdadeira sede de Tântalo, visto como a á! 0, .rnas . . I d ~ua vts sa deste ribeiro, despe/o e ava ouro da população ... ~o- • + d. 'b , ' nao e nem pode ser conven1entemen te tstri u ida às casas e

que a fornecida pelo único chafariz existente e parca; ~ Por. d · ,., ,.J b d"' e· , · 0ntes

carece das con içoes ae a un an 1a e necessana potabi/i'd • ,.J ade· desprovida de bom sistema ae esgotos, capaz de evitar O ,

prejudiciallssimo das latrinas perfuradas no terreno, ond:so matérias fecais sem escoamento entram em rápida decompo ~ ção e exalam deletérios miasmas, e absorvidas pelo sub-so,5' bastante permeável, comunicam-se com os poços de serventi~, de ordinário aberto nas proximidades daqueles focos de infec: ção, a decadente Vila-Boa hospeda em seu seio poderosos agentes de destruição, que hêo-de.em breve, transformá-la em vasta Necrópole, onde a morte campeie com todo o seu corte­ jo de horrores. Ainda há pouco , as febres palustres, valente­ mente auxiliadas pela terrlvel influenza e por outras enfermi­ dades, vieram provar a razão do asserto; porquanto houve dia em que se deram oito óbitos, mortalidade aterradora para uma pequena cidade de dez mil almas, se tanto! Proporcional­ mente, o obituário do Rio de Janeiro, cuja população perma· nente e adventlcia é superior a seiscentas mil almas ou sessen· ta vézes maior, deverá acusar 480 falecimentos em igual divi· são de tempo! Não me consta, entretanto, que tal tenha acon· tecido na formosa, rica e muito caluniada capital da Repúbli· ca, nem mesmo quando a febre amarela lhe faz intensa e demorada visite".

Confesso, fazendo justiça à velha Goiás, que não foram ~o­ tivos de ordem sanitária que pesaram no meu espírito para retirar· lhe a primazia de ser a metrópole goiana.

É um centro urbano relativamente saudável, apenas co~ uma endemia de paratifo, como se dá em inúmeras cidades e capi· tais do Brasil.

, po· Causas de origem econômica pai ítica e social influ Iram 'a derosamente para que lhe cerceass~m o privilégio de que usutruib:

E .. m no su essas causas eram de tal importância, que v1v1a

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C·iente de todos os goianos, mormente no dos que residiam na cons antiga Vila-Boa. . . , , . Nestes, psculiarrnente, porque constítu ra, ha tempo, um ponto de interrogação para a economia de muitos e para O senti- mentalismo de a~guns. . . N

Tanto assim que a Constltuição do Estado, no seu artigo uinto, título. 1, dizia: "A cidade de Goi!s continuará a ser a

dapital do Estado, enquanto outra cousa nao deliberar o Congres- ,, so . Nos próprios contratos havia cláusulas admitindo a hipótese

da mudança. Só o raciocínio de que uma capital com dois séculos de vida

nunca possuíra mais de dez mil habitantes, e, pelo contrário, a sua população tendia a decrescer, pois o recenseamento realizado em 1932 lhe dava apenas 8.256 habitantes, .bastava para condená-la como sede do governo. Acrescente-se que a sua média de edifica­ ções entre 1914 e 1932 não excedera de 1 1/2 casa por ano.

Penso que era dever precípuo de um administrador cônscio e zeloso da sua missão amputar esse mal, que vinha, há muitas décadas, concorrendo para a ruína do Estado, entravando-lhe fran­ camente o progresso.

Dessarte resolvi quebrar a rotina e a apatia dos dirigentes que me precederam, lançando-me firme e desassombradamente à concretização da idéia-força.

Refletindo intensamente sobre o magno problema, concluí: será conveniente transferir a sede da administração para alguma cidade do interior goiano, transformando-a em Capital, ainda que tenha de dar-lhe nova fisionomia urbanizando-a com os preceitos . ' modernos? Respondeu-me o conhecimento profundo que eu tinha dos aglomerados· humanos da minha terra.que seria uma solução errada, como errado seria o melhoramento urbanístico da velha Goiás. Analisando, como caboclo, pensei: seria botar sal em carne podre.

Egresso de um prélio cívico que. durara alguns anos, e, recen­ temente, de uma luta armada, julgava-me em condições de enfren- tar os óbices que me aguardavam no novo tront. . . . ,

~onvencido da nobreza da causa, da necessidade 1nad1ave! de ~fet1var esse ideal, examinei todas as faces do problema, apalpei detidamente todas as arestas e iniciei a obra, pouco se me dando

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agradar ou desagradar a que~ que_r que fosse, ':'.esmo porque 'á havia tomado a seguinte deliberação: ou curnpnna a missão 1

. · que me tinha imposto ou voltaria a penates, continuando com praz , ,.. . era minha vida de médico modesto nos sertoes goianos, nas belas re . ões sudoestinas da minha dadivosa terra. gi-

Os que combatiam a idéia lançararn mão de todos os recur­ sos para me enfraquecer ou me afastar do posto que ocupava , • , a fim de que não executasse meu propósito.

A política serviu-se de todos os em~~stes, de todo O seu maquiavelismo, de todas as forças para me alijar do governo.

Seguindo a costumeira praxe, que estava em moda de Sul a Norte do país, deputados ridículos e mistificadores batiam às por­ tas dos quartéis do Exército para pedirem guarida, dizendo-se víti­ mas de violências que nunca existiram.

Queriam armar efeito, com o intuito de provocar uma intervenção federal, [á que não lhes havia sido possível conseguir 0 seu desideratum de outra forma.

Os que mais apaixonados e violentos se mostraram nessa campanha foram os que se sentiram contrariados nos seus interes­ ses econômicos. Sempre olhei com tolerância e achei até natural a agressividade destes e, ainda mais, dos que me hostilizavam por mero sentimentalismo.

Alguns se enterneciam e se magoavam por ver Goiás perder o título de detentora do título de primus inter pares das suas irmãs goianas.

O maior argumento que os opositores usavam era o de que o Estado não estava em condições financeiras capazes de arcar com tamanha e tão vultosa resposabilidade.

O argumento era forte, pois naquela época a sua receita arrecadada atingira tão somente a importância de 5.564.448$670.

Respondendo a esta objeção, declarei que a minha pretensão era modesta, desejando apenas fazer projetar uma cidade mode;n~ em um local tecnicamente escolhido, construindo somente 6 predi­ os para estabelecimentos públicos e sessenta casas para residências de funcionários. Com o decorrer do tempo e à medida que fos~e po~ível ao Estado, ir-se-ia completando a obra. Muito melhor ~ena assim agir do que modificar uma cidade velha, de ruas estreit~s, com todos os defeitos de construção da época colonial e, ademais,

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de péssimas. condições topográficas e mal situada em relação ao território goiano. . o grande urbanista Armando de Godói, a quem muito devo pelo encorajamento que deu, à :ealização. do meu ideal, no seu relatório apresentado, como técnico escolhido para opinar sobre o assunto, assim respondeu às referidas objeções:

"Preciso dizer que não procede o argumento de que as con­ dições financeiras atuais de Goiás não comportam um tal empre­ endimento. Para aqueles que vêem na criação de uma nova cidade uma exibição ostentatória e uma fantasia oriental e nababesca, tal argumento tem muita força e lógica. Para o técnico, porém, ele não tem nenhum efeito convincente, pois o principal objetivo dos modernos centros urbanos estabelecidos em vários países foi o de obter, nas zonas em que eles surgiram, o que está faltando para Goiás e tem impedido em grande parte o aproveitamento das suas riquezas e o aumento rápido de sua população. A história de várias cidades surgidas neste século, algumas com menos de três decêni­ os de vida, aí está para responder com eloqüência aos que receiam que se agravem as condições financeiras de Goiás com a mudança de sua capital. Com efeito, Belo Horizonte, não obstante haver surgido em pleno sertão, atraiu vultosos capitais, inúmeras indús­ trias e é hoje um grande centro comercial e de cultura, sendo de notar que a -antiga capital mineira, Ouro-Preto, continua a viver como outrora, tendo mesmo se expandido algo, não havendo re­ gredido como se supunha.

Letchwort, na Inglaterra, e Gary, nos Estados Unidos, com menos de trinta anos, não obstante ficarem relativamente pouco afastadas de grandes centros, são hoje campo de uma considerável atividade industrial, por haverem sido convenientemente projeta­ das. É que a indústria e o comércio, em virtude das exigências resultantes da sua expansão, só se acomodam nas cidades onde se acham reunidos os elementos que unicamente a vida moderna po­ de proporcionar".

O mesmo urbanista projetou a zona su I desta cidade, apli­ cando os conhecimentos mais modernos que há sobre a matéria. Foi mesmo, penso eu, um tanto sonhador e visionário. Só em um arre balde de Nova Iorque se encontra coisa igual, difícil, portanto, de ser executada, presentemente, em nosso meio.

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M Go·,a"nia foi prevista para um futuro bem dist as como . t an- ' N rende mes re. te talvez tenha razao O g · .

' . _ C ia L"ima foi quem fez· o seu projeto principal At1l10 arre . h . . d · ostrou-se no entanto, um con ecedor profund Mu 1to mo esta, m ' f · , . o • 1• acão revelando-se um per eito técnico na taref da sua espec1a rz ' Ih , d d I a . rnbíu o meu governo e e eve or pe o muito que de que se meu · . ,..

contribuiu si tevorda sua máxima ~sp_1raçao. Meus senhores. Afinal, Goiânia nasceü e _está crescendo. É

·muito jovem. É criança mesmo. T7m apenas. oito an~s de idade, descontado O lapso de tempo dest1!1.ado a estudos e instalações.: Uma cidade, como sabeis, se constroi, se completa, com o-perpas- sar dos séculos e das gerações. . . .

Goiânia apareceu com um obJet1vo. de <?X1genamento e pro- gresso para Goiás. Surgiu como farol ~~ra 1lum1!1ar o Estado._

A velha terra de Anhanguera precisava de ser abojada por qualquer acontecimento que a fizesse lembr?da e que a fizesse vibrar. Vivia sob tal modorra, sob tal apatia, que dava impressão de .que vivia de cócoras. "Tudo pequenino, vazio, rotina, burocracia", como dizia Benedito Silva. Goiânia foi o estímulo, o excitante, o choque que obrigou o nababesco paquiderme a levantar-se.

A cidade, no passado, era refúgio a que os homens se recolhiam quando a guerra explodia nas fronteiras. A cidade era fortaleza e abrigo. A cidade moderna é o repositório de todos os afetos do homem. Ali tem ele o seu· lar, a sua famí­ lia, os seus amigos, as reservas para a sua subsistência e os focos para a sua cultura. A cidade moderna educa e civiliza. É o _fator mais valioso para reforçar a homogeneidade das pá­ tnas. . A Austrália, procurando melhorar a sua estrutura pol í- tíca e ,econômi~a, construiu Camberra em pleno campo e para ai I transferiu sua capital. _ H . Minas Gerai~, com a mesma finalidade, construiu Belo­

onzonte, depois de calorosas lutas alimentadas pelos des­ co~tentes de Ouro-Preto, antiga detentora da metrópole mi­ neira.

A construção de Goiânia fez surgir em nossa generosa terra sertane1· a ' f · Cas · fl .. . ' um grande centro irradiador das mais bené 1- in uenc,as i fl .. · · rem t ' n uenc,as que de pronto atingiram os mais 0

os pontos do organismo estadual. Goiás, hoje, é um

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vasto cenário ~~ _q_ue se operam as mais surpreendentes trans­ mutações. Go1an1a ~ncheu de haustos vivificadores os pul­ mões do Estado. Goiás remoçou-se em Goiânia.

É esta ~oiânia, que tanto influiu na química da forma­ ção de um _Goiás n~vo, é esta Goiânia, colocada no centro do nosso querido Brasil, a quem ofereci todo o vigor dos meus restos de mocidade, todas as energias acumuladas do meu complexo de idealismo, é esta Goiânia que eu muito quero, simbol1zada nesta chave, que lhe entrego, Sr. Prefeito Vene­ rando de Frei tas Borges. É ela digna do seu .entusiasmo, da sua honestidade, da sua inteligência e do seu dinamismo". Em seguida, discursou o Dr. Teixeira de Freitas, Secretário

Geral do lnstituto Brasileiro de Geografia e Estatística: "Ao longo da minha humilde mas trabalhosa carreira

pública, tenho ocupado várias tribunas e dirigido a palavra a numerosas assembléias, tratando dos mais diferentes assuntos. Jamais, porém, em qualquer dessas circunstâncias se me depa­ rou uma situação tão singular e sugestiva, que me oferecesse, como esta, nas suas linhas mais puras, todo o encanto e todo o mistério do ineditismo.

Como bem sabeis, esta é a segunda vez que se realiza, durante os quatro e meio séculos por que se estende a H istó­ ria do Brasil, a inauguração de uma cidade deliberadamente concebida e constru (da para ser capital. Falar numa ocasião assim é, pois, incumbência que, pela própria natureza, só se comete aos eleitos da sabedoria e, ainda assim, a longos inter­ valos de tempo. Quer isto dizer que o destino - e aqui foi mesmo o destino - me reservou uma honra duplamente ex­ cepcional - excepcional pela sua significação irredutível e excepcional pelá sua raridade.

Eis as razões por que, ao iniciar o discurso _oficial Ada instalação de Goiânia, substituindo por força das circunstan­ cias o meu grande amigo e chefe Embaixador Macedo So?res, cujo estado de saúde lhe impossibilitou· a vinda tão ansiosa­ mente desejada por todos nós, me sinto dominado por uma sensação de indizível plenitude e, ao mesmo tempo, ~tordo­ ado pela consciência da missão inédita que me elevou inespe- radamente às alturas desta tribuna.

Esta sensação de plenitude - diria melhor, esta sensa-

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superar a minha pequenez - emana ção de que devota"ncia de haver recaído em mim, dentr~ faºr certo da c1rcuns · . r, . . ' b ·ie,·ros presentes, que a mereciam incornpar tos II ustres ras, d d d a . . d que eu a honra esnortea ora e vos traze· velmente mais o ' . . . r . pela obra de gigantes que- aqui realizastes a vós goianos, d t · ' a ' d dmiração afetuosa e o en usrasrno fraternal mensagem a a - d , · ·

•1 • de todos os rincoes a patria imensa. dos brasi e1 ros . ,. . d d A lena e viva consc1enc1a e que esempenho, neste t P missão histórica - e quase sobre-humana - de momen o, a d, 'd d id ...

h Por meio de palavras, a 1v1 a e grat1 ao nacio recon ecer, · nal de que sois legítimos credores, _s? me atardo~ por um lado, com O peso de uma responsabt l idade que .sena grande demais para qualquer homem, como certamen~e é esmagado­ ra para mim, estimula-me, por out~~' a haurir na próprja magnitude da tarefa as forças necessanas ao seu desempenho.

Sois credores, sem dúvida, da gratidão nacional, pelo muito que esta cidade simboliza, como ato de fé nos destinos da pátria comum e como penhor, revelado por vossas mãos, da permanência daquelas mesmas qualidades fundamentais e tradicionais de nosso povo, e que lhe deram a sua inclinação desbravadora. Porque esta cidade, goianos, operou o milagre de, pelo exemplo de um esforço que foi vosso e pelo contágio avassalador de um entusiasmo que é vosso, reavivar em cada brasileiro a fé na sua gente, mostrando-lhe que perdura ainda e perdurará para sempre, como o núcleo mais recôndito, in­ ~estrutível e inviolável do caráter de um povo, aquele mesmo rrnpeto bandeirante e aventureiro, aquela mesma vocação de semear para o futuro e para a eternidade, que fez com que os nossos maiores forçassem o seu caminho pelos espaços infini­ tos de um continente desconhecido e hostil "violando os

' sertões e plantando cidades", e colocassem os seus lares e as suas vilas sob a proteção da cruz que encimava as capelinhas brancas, sempre construídas "antes de mais nsds". º. reconh~cimento solene do milagre de Goiânia, d~s seus efeltos atuais e das suas repercussões futuras na geografia política,~onômica e humana do Brasil, requer incomparavel­ mente mais sabedoria do que a que eu porventura houvesse acumulado, e mais clarividência do que á de que eu porven· tura fosse detentor.

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Não se esmagam indivíduos com tarefas de tamanha envergadura: .. n~turalmente talhadas para as instituições. No caso de Go1an1a, pareceu aos organizadores desta solenidade que a palavra oficial, que viesse consagrar a obra de Pedro Ludovi~o, d.eve~ia _c~ber ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, tnstruncao devotada ao estudo do agregado huma­ no e de suas atividades no solo brasileiro.

Assim, o orador oficial nato desta solenidade deveria ser, como foi anunciado, o grande brasileiro que nos falaria na qualidade de Presidente e em nome do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Impedido de vir a Goiânia, porém, corno tanto desejou, quiseram as circunstâncias, quis o mandato indeclinável de­ corrente de um gesto fidalgo do Governo de Goiás, que a tarefa talhada para a figura marcante do Chefe, fosse transfe­ rida a mim, seu modesto auxiliar.

Ê, pois, com as credenciais de substituto imprevisto do Presidente daquele Instituto, e por força do cargo que ocupo, que vos falo a vós, goianos, e a vós, filhos de outros Estados, na hora inaugural de Goiânia.

O HOMEM-GUIA

Já se tem observado que toda empresa grandiosa, cuja realização demande largueza de recursos, e reqLJeira o concur­ so de muitas cabeças, e exija a contração de milhares de músculos, traz sempre o cunho de um I íder, de uma figura central, cuja vontade coordena as dos outros e cuja inteligên- cia inspira as demais.

Goiânia não foge a essa regra, antes a confirma robusta- mente. Não faltaram a esta obra a inspiração, a inteligência e ? vontade de um genu f no condutor, que, realizando-a, nela imprimiu os traços de sua personalidade singular.

Mobilizando os parcos recursos disponíveis na hora ini- cial, dosando com sabedoria o seu emprego, suprindo com bom senso as muitas deficiências surgidas, extraindo do seu idealismo inexaurível novas reservas de coragem para enfren­ tar as vicissitudes ocorrentes e freqüentes, enquanto criava novos recursos com O progresso da própria cidade, Pedro Lu-

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dovico soube manter-se fieJ à su~ idéia, soube protegê-la e torná-la gradativamente mais apoiada, acabando por dobrar todas as resistências, aca_bando por dar a seu Estado esta jóia do urbanismo moderno, J~~to or~~l~o de seu povo.

o forasteiro que vrsna Go1an1~ pode go~ar o privilégio de manter contato visual _com ~ honzon-~e, _P~ts que todas as avenidas e ruas desta capital dao para o infinito aberto; mas dificilmente estará em condições de imaginar quantos e que obstáculos foi preciso remover, quantas e que decepções foi preciso suportar, quantos e que dese~coraj~ment?s foi preci­ so subjugar, quantas e que apreensoes foi preciso arrostar

. . . , quantos e que conflitos foi preciso vencer, para que a obra fosse iniciada e, depois de iniciada, prosseguisse a sua marcha.

Mesmo aqueles que apoiaram a idéia e acompanharam a sua realização, desde a primeira hora, talvez não conheçam todas as peripécias envolvidas, todos os empecilhos encontra­ dos, todos os dissabores surgidos, todas as dificuldades con­ trapostas, todos os poderosos interesses contrariados, que Pe­ dro Ludovico enfrentou e venceu, muitas vezes tendo por arma e fonte de conforto e ânimo, durante a tuta, apenas o seu ideal ismo.

Mas este era vigoroso demais para se deixar entibiar, para consentir que se dobrasse, ou mesmo para se contentar com meias vitórias. Goiânia - ou seja, urna cidade inteira, co~ os seus hotéis, os seus palácios, as suas redes de comuni­ caçao, as suas escolas, as suas avenidas os seus bairros havia de ser edificada! E foil ' '

BOSQUEJO HISTóRlCO

Segundo dizem os registros históricos, a idéia da cons­ trução de uma nova capital para Goiás, lançada infrutifera­ mente em 1.830 pelo Brigadeiro Miguel Lino de Morais, se­ gundo Presidente da Província, veio à tona várias vezes ª partir de então, seduzindo alguns governadores e presidentes! dentre os quais se destaca a figura gigantesca do General José Yi~ira do Couto de Magalhães. Nenhum deles, porém, _teve ammo que chegasse para tomar a resolução de levar a efeito ª empresa temerá.ria. E todos recuaram, como recuara Miguel

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Lino de Morais, ante a reação violenta que a idéia provocava na velha capital, a lendária Vila-Boa de Goiás.

O próprio General Couto de Magalhães, aquela fibra de aço, que estabeleceu a navegação a vapor no Araguaia, verda­ deira epopéia sertanista, comparável, pelo épico de que se revestiu, aos maiores feitos da fase heróica das bandeiras pira­ tininganas, não se animou a empreender a mudança da.capital de Goiás.

"A situação de Goiás" - escrevia o General Couto de Magalhães em 1.863 - "era bem escolhida quando a Provlncia era aurlfera. Hoje, porém, ·que está demons­ trando que a criação do gado e a agricultura valem mais do -qoe quanta mina de ouro há pela Provlncia, continuar a capital aqui é condenar-nos a morrer de inanição, assim como morreu a indústria que indicou a escolha deste lugar. Não obstante pensar assim, Couto de Magalhães, Presi­

dente da província de Goiás, apenas tentou mudar a capital. Porque logo abandonou a idéia, forçado pelas dificu Idades que contra ele se levantavam.

Na opinião documentada de um dos vossos historiado­ res, os últimos anos de Império transcorreram em Goiás "mo­ nótonos e sem acontecimentos mer.ecedores de especial men­ ção". Não haverá exagero em afirmar-se que, igualmente du­ rante o período republicano até há alguns poucos anos pas­ sados, a grande unidade federativa do Brasil Central marcou passo no mesmo lugar ou progrediu muito lentamente.

Veio a Revolução de 30 e, com ela, um jovem e ousado batalhador goiano, depois de impor-se pela sua atitude intré­ pida, subiu, cheio de indiscutível e indiscutido prestígio, à chefia do governo do seu Estado. Após haver perscrutado, na intimidade, os problemas de Goiás, esse jovem pelejador, Pe­ dro Ludovico Teixeira, não hesitou, segundo as suas próprias palavras, em "exumar e galvanizar a velha idéia da mudança da sede dos poderes públicos estaduais para local bem escolhi­ do, que possibilitasse a formação de uma verdadeira capital". É que para logo se convencera, - revelando-se aí a sua voca­ ção de estadista, - de que a "construção de uma nova capital

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ªNo era apenas um problema na vida de Goiás, era tamb , n I ,.. ,,.J t ,,.J ,, em a have O começo de so uçao ae oaos os outros . c , - b Para O sonhador de entao, que sou e transfigurar-se

· '' 't. I ce ' /" "' no realizador de hoje, uma cept a a sstve ' - sao Palavr dele _ "que irradiasse proqresso e marchasse na vanguara~s coordenando a vida pol itics e estimulendo a econômica, liga;' à maioria dos municípios por uma red~ ,rodoviá~ia planifica~ da, era O órgão de que o Estado de Goiás necessitava abso/u. tamente pars reivindicar no seio da Federação o lugar de saliência" a que tem direito.

Ao tomar a resolução de erigir uma capital nova em folha para sua terra e a sua gente, Pedro Ludovico ergue-se no cenário nacional com um programa eminentemente auda­ cioso. Aquilo parecia ambição excessiva do jovem chefe do Governo goiano. Aparentemente, Pedro Ludovico estava su­ perestimando a sua capacidade de realização. no que visa­ mos" - afirmava ele em 1.933 - ué exclusivamente tornar grande o futuro de Goiás. O nosso objetivo é assegurar ao povo goiano o direito de aproveitar as irrivalizáveis possibili­ dades do seu Estado".

E canalizando a sua doutrina para o terreno prático, disposto a dar-lhe efetividade, Pedro Ludovico pôs mãos à obra.

Dentro de pouco tempo o Brasil começou a tomar co­ nhecimento da existência de Goiás, a falar em Goiás e até a acreditar em Goiás. Alguma coisa estava acontecendo, afinal, na terra de Anhangüera. Descobriu-se então que as promessas de Pedro Ludovico, por temerárias que parecessem, haviam sido feitas para ser cumpridas. O jovem estadista, renovando c~da dia o milagre de multiplicar os escassos recursos de que dispunha, estava escrevendo de fato, mas iá agora em sstrutu­ ra de aço e de cimento, com guindastes e rolos compressores, 0 poema vibrante de seu ideal.

~apidamente, em menos de um lustro, parece coisa ~ue mais a toque de varinha de condão do que a pancadas de ~~stru!"en~os, uma cidade surgiu nesta paradisíaca altiplan.u­ ' feita nao apenas para o gozo dos sentidos mas também

para o d_eslumbramento do esp frito. , Sim, 0 moço nobremente ambicioso, que prometeu

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mais do que acreditavam que ele pudesse cumprir, enyiu uma capital acessível. E essa formosa met_rópole, quase que apenas esboçada, mesmo antes de seu batismo .oficial, já irradiava progresso e marchava na va .. nguarda, tal como ele a sonhara. uma cidade que todos que vem de Palma ou de Rio Verde, de Catalão ou de Cavalcânti, de São José-do-Tocantins ou de Rio-Bonito, de Belo-Horizonte ou do Recife, de São-Paulo ou do Rio, de Manaus ou de Pelotas, hoje podem admirar, uma cidade melhor e mais bonita, sem dúvida, do que a cidade solar de Campanella. Uma cidade que faz cada goiano ainda mais orgulhoso de haver nascido na grande terra de Pedro Ludovico.

O SIGNO DE GOIArJIA

O fato de inaugurar-se Goiânia no começo do mês de julho torna cabível a menção da circunstância de que nume­ rosos acontecimentos que formam a tessitura da história de Goiás ocorreram, também, nesse mês.

Foi a 2 de julho de 1. 720 que Bartolomeu Bueno da Silva, o segundo, requereu I icença a D. João V, rei de Portu­ gal, para "penetrar os altos sertões, à procura de minas de ouro, prata e pedras preciosas, podendo avançar pelos centros das Américas e escrsvizsr indios". Como se sabe, essa iniciati­ va está intimamente ligada ao alvorecer da História de Goiás.

Foi a 3 de julho de 1. 722 que, a mando do Governador D. Rodrigo César de Mascarenhas, Bartolomeu Bueno da Silva partiu de São Paulo com um "bando de 152 aventureiros", rumo aos sertões dos Guaiazes.

Foi a 2 de julho de 1.726 que D. Rodrigo César de Mascarenhas passou ao Capitão Bartolomeu Bueno da Silva e ao seu genro, Cap. João Leite da Silva Hortiz, a famosa carta de sesmaria dando-lhes os direitos das passagens dos rios das Velhas, Paranafba, Guacorumbá e Meia-Ponte, o mesmo Meia­ -Ponte, cujas águas movem, em 1.942, a usina elétrica de Goiânia.

Segundo Americano· do Brasil, foi a 6 de julho de 1. 726 que o Anhanqúera entrou em Goiás pela se~unda vez.

Foi em julho de 1. 727 que o mesmo bandeirante pau-

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• 1

ou às margens do rio Vermelho, os alicerc l 1sta anç , · . f · f · · es do . 1 de Santana que depois 01. eito capital das Min . arraia ' . . d 5.... p I as de Goiás, então parte d~ Cap1tan1a e ao au o.

Foi em 25 de julho de 1.739 que o Governa<;Jor D. lu, de Mascarenhas, depois.~ onde d' Alva e_ Vice-Rei das I ndi;: instalou Vila Boa de Goiás, nome escolhido em homenagern , Bartolomeu Bueno da Silva. ª

Fo_i a 13_de julho_de_1:7.54 que D. _M_?rcosde Noronha, depois Vice-Rei do Br~s1I, m1c1?u a f_und1çao de ouro em São Félix, norte da Capitania de Goiás, criada em 1. 748.

Foi a 26 de julho de 1. 773 que José Pinto da Fonseca descobriu a ilha do Bananal.

Foi a 23 de julho de 1.835 que uma lei especial decla- rou obrigatória a instrução na Província de Goiás.

Foi a 2 de julho de 1.846 que o notável jurisconsulto Joaquim Inácio de Ramalho, Presidente da Província, criou por lei, o Liceu de Goiás, o mesmo em que Pedro Ludovic~ fez o seu curso de humanidades.

Finalmente, é a 5 de julho de 1.942, data cheia de ressonâncias históricas, que estamos inaugurando Goiânia a . . . ' sucessora vitoriosa de Vila-Boa ..

A CIDADE-FANAL

Antes de terminar, deixai que eu vos transmita um conselho dado em . novembro de 1.835, pelo pensador Joh~ Ruskin, aos habitantes da cidade de Edimburgo. Fazendo ali uma de suas célebres conferências sobre arquitetura e pintura, disse ele aos seus ouvintes: "É principalmente pelo esforç.o particular, não pelo esforço público, que a vossa cidade deve ser edornede". ·

Aqui em Goiânia, o esforço público já fez demais. Cabe agora a vós, habitantes da nova capital, fazer o resto, para torná-la mais bela e atraente.

No Sermão da Montanha, Cristo disse que não se pod~ ~onde~ _uma cidade construída no alto de um monte. Goi­ ma, edificada nas fraldas do Planalto Central é hoje oficial· mente revelada ao Brasil. . '

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Bem haja o qrande brasileiro Pedro Ludovico 0 • 1 • • • •• • , mago que idealizou, p anejou e construiu Goiânia, fazendo tanto com tão pouco._.. . , .

E tu, G101an1a, metropole sem rival do Brasil sertanejo, segue, pelos seculos em fora, o teu formoso destino.

o ronco surdo· dos teus dínamos, o martelar das tuas forjas, o estrépito febricitante das tuas fábricas, a voz persua­ siva dos teus educadores, o suave apostolado dos teus sacer­ dotes e dos teus crentes, as luzes da tua cultura, a coragem cívica dos teus filhos, o sacrifício dos teus heróis, o exemplo e a sabedoria dos teus dirigentes, - toda a sinfonia maravilho­ sa das forças materiais e morais que hás-de criar, que terás de coordenar, que deverás dirigir; todo este organismo potentís­ simo em que te vais constituir; todas as fulgurações da arte, dos ideais, da cultura, da civilização, que do teu seio fecundo vão brotar; todos os dons magníficos que te fazem imensa, Goiânia, desde pequenina; - tudo isso, cidade-fanai, tudo isso, metrópole predestinada, tudo isso, filha dileta do Brasil, não o queres para ti, para o· teu gozo, para a tua alegria de . viver.

Não, Golãnlal O que te deu o signo místico do teu destino, e tudo quanto pelo teu labor, pela tua inteligência e pelo teu sacrifício vai ser criado, já estás criando, criarás pelo tempo em. fora, só queres, só é teu, para que tenhas o direito de dizer: sou do Brasil, trabalho para o Brasil, hei-de desper­ tar a imensidade adormecida do "desertão" brasileiro. ·E se te sentes no coração do Brasil, serão tuas as pulsações todas deste coração generoso. E as tuas energias assim disciplinadas, exuberantes de vida, fortes na certeza do seu destino, contri­ buirão decisivamente para que esta Pátria imensa e bela, este Brasil sem igual, culmine na grandeza política que lhe torna seu direito a própria grandeza física.

Fanai da esperança de um Brasil melhorl Signo da fé em um Brasil senhor de si e dos seus destinosl Ilumina-te, Goiânia, com os mais formosos ideais da Humanidade. E ar­ ma-te com as forças irresistíveis da confiança em ti mesma.

Crê em ti, tanto quanto o Brasil já crê. Crê e espe- ra · · · Espera e confia ... Confia e triunfa . · ·

Sus, Goiânia, para cima e para a frentel . .. . Leva nas

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B asil E no coração, o amor inquebran. · s do r · "d d ' mãos os destino ssado à sua integn a e, a sua pleni- tável às glórias do seu pa ' tude. rvir E que Deus te dê o norte certo · 0 ao po · · · Vai, ru~ . , lca _ elevando-te, exaltando-te aben-

caçao histon ' " Ih f 1 1 • da tua vo .1,.. ·,os em fora. Mas, se- e re , e g onfica- d t pelos m1 en .

çoan °- e 8 sil Sempre e sempre a serviço de todos -o, glor!f i~ando O rae ~ sempre sob o signo da tua estrela. os brasileiros. Sem~ fulcro sobranceiro do Brasil inteiro, 0 Sempre e semt.,P~~o de que vão irradiar as forças construtivas centro poten 1ss1 G .....

-1 d futuro. E também sempre e sempre, 01an1a, do Brasi ° 1 id · d d ' d" t ideais voltados para a so I arre a e, a concor 1a com os eus 1 ,1 ,,

e a paz "entre todos os homens de boa vonteae ...

F I igualmente, o conhecido intelectual goiano, Dr. Be- a ou, A ' 1 f • d nedito Silva, que, com a sua inteliqência e cu tura, 01 um os melhores auxiliares que tive no começo do meu Governo:

"Não é porque estejamos aqui, brasileiros de todos os quadrantes do país, atraídos pelo e para o batismo de uma cidade, que este rnomento se transcendentaliza e emerge sin­ gular da cadeia do tempo, como que dela se desligando, para ficar retinindo na história do Brasil mediterrâneo, à feição de um grito de triunfo coletivo, partido do peito deurna geração inteira.

Não é porque estejamos aqui, autoridades civis e milita­ res de várias hierarquias, homens públicos dos três níveis de governo, sacerdotes, professores, escritores, jornalistas, repre­ sent~ntes de todas as classes e simples cidadãos, como eu, reunidos. para · reconhecer oficialmente a existência de uma nova capital, que este acontecimento assume tanta magnitude de se mf ove em direção ao alto, deixando lá em baixo a planície os atos comuns · . aut . ' para 1mpress1onar com a sua fulgurante ono~ ia, o espírito dos homens '

S1m é prec· · 1 desta h ' ~ _iso reconhecer a solenidade monumenta ora. e preciso h · ca deste e recon ecer a excepcional idade intrínse- vento que 5 · ,.. .• uma façanha se~ . e 1m~oe_ a nossa consclências c°!1~ a nossa presença /t?ª da propna civilizacão brasileira. Nao e são as nossas pai sica que elabora este clima de liturgia, não

avras que comunicam esta expectativa emo-

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Pedro Ludovico - 207

cionante à reunião ?ºs crentes, daqui e dalhures, vindos de perto e de longe, vindos de trem, de automóvel e de avião para celebrar o nascimento de uma "urbs" - Goiânia - a Meca do cP,ntro .. Qeste brasileiro.

Não somos nós que fazemos grande este acontecimen- to. Ele é grande por si, é grande em si, grande pelo seu ra­ dioso conteúdo, grande pela conquista que representa, grande no presente e no futuro, grande para as gerações atuais, gran- de pára as gerações vindouras.

Em verdade, estamos vivendo aqui uma hora augusta e soberba, cuja substância transcende as nossas pessoas.

Assim como nem todas as gerações assistem ao momen­ to em que um século termina e outro começa, assim também nem a todos os homens é dado o privilégio de assistir à inau­ guração de uma nova metrópole. A edificação de uma capital, como a passagem de um século, é ocorrência rara pela própria natureza. Fascinada pelo poder de atração de todos os acon­ tecimentos reconhecidamente extraordinários, a humanidade cultiva o hábito de festejar a passagem de cada século. Não é demais, pois, que uma secção da humanidade, aqui represen­ tada por nós, celebre também este acontecimento ainda mais raro e muito mais real, que é a consagração de uma nova cidade, especialmente edificada para ser a metrópole política e cultural de um Estado brasileiro, vale dizer, para ser uma das capitais do Brasil. A passagem de um século constitui apenas uma ficção, situada arbitrariamente pelas convenções no todo indivisível do tempo, ao passo que o advento de uma nova capital, de uma capital erigida cientificamente, como Goiânia, é um fato real, tangível, físico, duradouro e talvez perpétuo, que permanece distinto no registro geral dos feitos humanos, engrossando e enriquecendo o caudal fervilhante da História.

Esta comparação serve ao propósito de atrair o nosso pensamento para a significação· profunda da hora, ressonante de solenidade, em que, das mesmas mãos que a edificaram, das mãos milagrosas do Interventor Pedro Ludovico, a cidade de Goiânia recebe a sua Carta· de Capital.

Bem compreendendo, e aprecio, e prezo a honra de falar na inauguração de Goiânia, sem outra credencial que a de filho deste Estado.

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208 - Memórias

1 -10 e estimo, e pondero, por outro lado a Bem ava , · h · 1 if · d ' bilid d de aventurar a mm a rnqua 1 rca a palavra responsa 1 1 a e d" á · ·

N m dúvida a mais extraor rn na, a mais grandio- nesta sessao se . . d · , · · hi to' ríca a mais dec1s1va e quantas Ja se real 1zararn sa a mais rs , . ld d d ' E t d de Goiás_ responsab1II a e esmaga ora, responsa- no s a o d, . d bilidade incomportável na mo esna o_s meus recursos, res- ponsabilidade igual à grand~za do ?mb1ente, acentuada pela grandeza da idéia que nos reune aqui. o mundo atual, - convulso, sangrento, em marcha pa- ra não sabemos que abismo - es~á lonqe de o!e.re~er aquele ambiente de calma e de quietude interior, proprcro a contem­ plação dos feitos construtivos. De~otad?s à ~e~~ruição em massa de riquezas e vidas, aos parses ditos civilizados mal sobra 'tempo para construírem abrigos, trincheiras, fortalezas, armadilhas e engenhos de guerra, com os quais exacerbam infernalmente o seu poder de dilacerar uns aos outros e de aniquilar os seus próprios valores. A cena universal destes tempos crepusculares é· refratária, por definição, ao esforço criador de bens pacíficos, destinados a satisfazer necessidades humanas.

Por isso mesmo, a edificação de uma cidade civil, para uso e gozo de gente pacata, entregue às fainas serenas do trabalho, ao aperfeiçoamento espiritual e à prática dos bons costumes, constitui o espetáculo mais confortador com que se poderia atenuar a angústia dos homens de pensamento, tão amargurados em face da avalanche apocalíptica de ferro, fogo e.sangue, que rola e reboa sobre o mundo contemporâneo.

Para os estrangeiros distantes e engalfinhados na guer­ ra, o aparecimento de Goiânia certamente nada significará - ne~ os e_cos desta hora chegarão até eles - mesmo porque esta? mais empenhados na destruição do que na construção de cidades.

, Para uma grande parte do gênero humano a nova me- tropole a n G ·" · ' . , o~a orarua querida, será, quando muito, um pontinho a ~ais nas cartas geográficas.

d ~ara nos, brasileiros, porém Goiânia é o prelúdio físico a realização de um Ih ' h d ve o sonho, longamente acalentado - o

~~~ 0 . e_17ste~de~ pe~o Brasil a dentro, até as fronteiras oesti- ' a c1v1 1zaçao litoranea. ,

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Pedro Ludovico - 209

Para nós, Goiânia é uma clareira de progresso aberta no centro geogr~fico da ~átri~, ~pt~ a seduzir as iniciativas, os recursos financeiros, as inteliqências, as capacidades, os pro­ fissionais, os trabalhadores, os agricultores, os industriais, as famílias, as máquinas, as escolas, as universidades, que já es­ tão agravando, no litoral, os conflitos da competição.

Para nós, Goiânia é a realização em pequena escala do sábío preceito constitucional de 91, que determinava a trans­ ferêncià da capital do Brasil para as altiplanuras de Goiás.

Para nós, Goiânia é o começo da reação tangível à prática da civilização de fachada, contra a qual muito se tem pregado e tão pouco se tem feito.

Para nós, Goiânia é o ponto de referência da marcha para o Oeste. É a estrela quiadora das caravanas de progresso e de trabalho, que hão-de vir lavrar as terras, multiplicar as colheitas, usufruir os recursos e industrializar as matérias pri­ mas do Brasil Central.

Para nós, Goiânia é a contraprova da capacidade dos brasileiros para enfrentar e realizar empresas monumentais.

Para nós, Goiânia é o atestado vivo e dinâmico da pre­ destinação construtiva do povo brasileiro.

Mais ainda: Para nós, Goiânia é o sertão transfigurado e habltévsl,

oferecendo o conforto das grandes cidades e, ao mesmo tem­ po, a bem-aventurança dos espaços abertos, independentes e arejados, tão convidativos ao fru imento da serenidade inte­ rior.

Para nós, Goiânia é antecipação altaneira da ocupação laboriosa e integral da Pátria pelos seus filhos.

Para nós, Goiânia é uma afirmação rutilante de que a mão do brasileiro ainda constrói habitações para as famílias, escolas para a juventude, hospitais para os enfermos, templos P~ra os crentes, piscinas para os desportistas, jardins para as cnanças.

Para nós, Goiânia é a certeza alentadora de que o suor - não o sangue brasileiro - corre abundantemente nas pelejas anônimas e abençoadas do trabalho, fecundando o solo estre­ mecido da Pátria.

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P ra nós Goiânia é o marco da civilização de·amanh"' a , p . - , a, id no Planalto da Terra da rormssao: ergu I a " º" _, , Plutarco disse, certa vez, que a c1ua'!.e e a mestra dos

homens". Goiânia, fadada a ser mestra nao apenas de ho­ . mens, mas também das ci~ad~s e do_s costume~ do Centro­ -Oeste constitui uma aplicação prática do ensinamento de Deffo~taines, segundo o qual o problema urqente do Brasil é a conquista dos seus próprios_ espaços. Pois que _outra coisa para O país, senão urna conquista po_s seus propnos espaços, será.a incorporação, à cultura brasileira, da extensa parte do território Pátrio sobre a qual Goiânia exerce, com intensidade crescente, a sua influência civilizadora?

Tudo isso e o mais que as palavras não exprimem, Goi- ânia significa para os brasileiros em geral. ·

Para os filhos deste Estado, em particular, Goiânia tem uma significação mais íntima, sentida mais diretamente.

Para nós, filhos de Goiás, a nova capital é a substância dinâmica, o peso específico de que o Estado necessltava para reivindicar um lugar ao sol no seio da Federação.

Para nós, filhos de Goiás, a nova capital é o centro de coordenação dos esforços e dos anseios, das aspirações e das conquistas na grandiosa tarefa que nos está afeta, de fazer com que este Estado, potencialmente tão rico, cedo se emparelhe com os seus irmãos mais adiantados.

. . Para nós, filhos de Goiás, a nova capital é a sementeira bendita do progresso, precursora da abundância que nos cumpre tratar carinhosamente, a fim de que se multiplique até o infinito.

Para nós, filhos de Goiás, a nova capital é o padrão urbano, o modelo ideal, cuja imitação deve ser o programa das outras cidades goianas. ·

Para nós, filhos de Goiás, a nova capital é o lastro de ouro! com que o ati~o _do Estado, assim tão largamente enri­ que~1do, há-de const1tu1r seguro ponto de apoio para o desen­ volvimento de nossa economia. . . Para nós, filhos de Goiás, a nova capital é o núcleo inspirador, de onde o bom exemplo de casa há de frutificar aos qua~ro ventos, estimulando as inteligências e desafiando as capacidades.

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Para nós, filhos de Goiás, a nova caplt 1 , . dade politécnica, de onde deverão sair um ld~ sera a universi­ la os engenh · para rasgar as nossas estradas, os agrônomos e~ros . lt d . . para modernizar a nossa agncu ura, os a mínistradores para dº · · · f · · · . . ing1r as nossas cidades, os pro rssronars eos especialistas necess' · , d hi , · · . . anos ao novo peno o istonco que se rrueia aqui.

Para nós, filhos de Goiás a nova caoltal e' · . ' o aconteci- mento exponencial, que convenceu ao Brasil de que 0

d N fl N nosso

Esta o nao era uma icçao geográfica. Para nós, filhos de Goiás, a nova capital é O centro d

gravidade em volta do qual há de surgir e desenvolver-se u~ novo. tipo de comunidade municipal, capaz de proporcionar as conveniências da higiene e do conforto modernos aos habi­ tantes do interior, sem os sufocar no congestionamento dos grandes. formigueiros humanos.

Em verdade,Goiânia abre, para nós, nova concepção de vida e forja novo critério de encarar as possibilidades do Esta- do.

Para nós, a nova capital é, sobretudo, uma lição imorre- doura expressa com os recursos urbanísticos e arquitetônicos modernos, gravada nas estruturas· de cimento e aço, lição do que pode uma dedicação irredutível à realização de uma bela e generosa idéia.

A dedicação irredutível, teve-a Pedro Ludovico, o cons- , trutor mágico desta obra monumental, cuja realização enfren­ tou com as forças de sua vontade, as energias de seu espírito e o sentimento de seu coração. O Brasil-Central e todas as suas gerações, a partir da presente, ficam a dever a esse homem público a maior obra da sua história ainda realizada. A sua capacidade de administrador, iluminada pela imaginação e. servida pela tenacidade na sxecução. é que deve!11os est~ so­ berba transfiguração da paisagem sertaneja, a ma!s sugestiva~ que poderíamos ter assistido qual a de ver surgir da face, há poucos anos nua, deste peda~o de terra, um novo conglome- rado urbano. Pedro Ludovico é nesta hora, seguramente, um dos idealistas mais venturoso;, porque viu torn~r-~ ~ealidade, ao calor de seu caraça-o e à luz de sua intellgenc1a, o e~boçdo . . do o seu deseJo e arquitetado nas noites de sonho, quan

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212 _ Memórias

d" da memória dos homens se traduziu n realizar algo ,gno rró pole goiana. Experimenta ele a satisf 0

· t da nova me L a. prore o lantado e estar colhendo. · ançou, há nov N de haver P ·" · h · · e çao edra fundamental de Go1an1a;. OJe inaugura a urbs ano~ a "dp O tem foi o dia da sementeira. A poucos mortais esplend I a. n , · ·

d dest ino semelhante favor, pois aqui se trata de conce e o , · d N d"latada no tempo como sor ser a gran e colheita messe tao ' ' f d

d , 1 humanos espalhados na ace a terra. os nuc eos , . . Bem hala pois Pedro Ludovico - o criador de Goi-

' NI h I" ânia capital da Canaa de meus son os. . , . o último discurso foi do Prefeito Venerando de Freitas,

que, como sempre, causou bela impressão: "Neste ambiente que ressumbra harmonia de sentimen­

tos verifica-se um dos fatos mais importantes da vida de uma col~tividade. É. que, ao calor de intensa vibração cívica, assis­ tidos por altas expressões da intelectualidade brasileira; gran­ demente honrados com a presença de tantas personalidades ilustres - Goiânia se proclama e se integra, definitivamente, no conjunto das células municipais, fundamento e estrutura do organismo administrativo do País.

Presenciamos, meus senhores, nesta solene e significati­ va hora,· a um acontecimento de extraordinária relevância, qual seja a inauguração oficial de Goiânia simbolizada nesta ~ugestiva cerimônia. O momento é culmin~nte, grandíloquo e in~raduzível na sua significação histórica. O metal de que é fe,~ ª chave! que tive a honra insigne de receber das mãos do maior operáno goian d b · . ,.. é 0 sí b I d . 0, 0 o reiro máximo da geraçao atual, m o o a nqueza Su · "f · ,.. rém · a s1gn 1 rcaçao é mais profunda po- ,porque na refui " · d ' lidade genc,a o ouro - metal que pela maleabi- se amolda a todos f . OURO-AÇÃO O os ormatos, vemos traduzidos o TRIOTISMO. Ó O ue URO-PENSAMENTO, o OURO-PA· cujo valor não se q represen_:m esta chave é esse tesouro, Teixeira dá ao Br ~fde po~ cifras - e que Pedro Ludovico entranhas da terras, . - mais valioso que ouro das fecundas funde, se identifi:~ eis ~ue sua refulgência se espalha se dl­ aos sentimentos d e se incorpora à luz do espírito· ir~ana-se ela õe · e uma ger ..• · ' r s imensos para açao inteira· projeta-se. em ' o eterno. ' ·

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É a mesma chave que abre os largos e fulgura t h . H · 6 · d n es on-

zontes da 1st na; que escarra as· portas monum t . · f · d en ais da imortalidade a essa 1gu ra e marcado destaque que é 1 ed L d . T . . Ê , o nter- ventor p ro u ovrco ·e1xeira. também a mes . d" H ma que guarda as reservas morais ·e as tra içoes mais queridas de uma gente. ·. .

Os povos têm os seus h~~~ns, seus ídolos, pelos quais procuram moldar seus atos, dlrlqlr seus passos e firmar suas convicções. E~ todos o~ tempos e er:n todas as partes, sem­ pre, as mentalidades aprimoradas estiveram .sujeitas aos des­ temperos e aos embustes dos medíocres. Elas, porém, se avo­ lumam, crescem no conceito geral e acabam dominando pela força das idéias que são a própria razão da sua existência. ·

Dotadas de visão, elas seguem o caminho que o destino lhes traçou, pairando acima das misérias e dos agachamentos dos que, muitas vezes, são seus algozes. Por intuição divina, sabem que, mais dia, menos dia, a vitória esplenderá. E não se deixam abater. Pedro Ludovico teve fé e coragem. Não recuou, não tremeu ante os tropeços. Não teve receio de um fracasso. Caminhou impávido, sereno, por entre as urzes do caminho. Jamais se acomodando a situações que lhe pudes­ sem satisfazer apenas às necessidades materiais, toda a sua vida tem sido uma sucessão de fatos empolgantes. Acima de tudo coloca o seu idealismo e é nisso que reside o vigor de seu espírito.

De têmpera rija, de inamolgável enfribatura, não co­ nhece o desânimo.· Desdenha o perigo, porque nele caldeou o seu temperamento. Nunca mentiu. a seus companheiros, pois que mantém sempre acesa a chama da lealdade mais pura. Reto, decente para consigo mesmo, não permit~. ~ i~justiça. Na defesa de seus princípios não mede ~~n~quenc1as n~m teme sacrif (cios. Não se curva a conven1enc1as nem admite i~posições. Eis, em síntese, o traço de caráter do grande Interventor goiano. .

. Tudo quanto disse, meus senhor!s, está confirmado Pf~ 10 Julgamento sereno do povo do Brasil. Porque, grande ~ . extensão territorial Goiás era ainda maior pelo abandono. Enquanto outros ~minhavam na vanguarda, permanecíam; em estado primitivo, vegetando, embriagando-nos ante as · ·

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lezas sem par de nossa natureza, não aspirando mais do aquilo que as nossas vistas a_lcançavam., Todavia, preciso~~ que um homem toma~s .. e ª. s1 a tarefa _ardua de guia de un, povo. E aí estão,. no s1 ~en~10 de sua maJes:a?e, os palácios de Goiânia como afirmação ínconteste do gen10 da epoca e , mo símbolo memorável de uma geração de gigantes. co.

Goiânia não é fruto de_ im~ulso mom_entâneo nem de capricho político. É a concretização de. um ideal secular tan­ tas vezes sntido e lembrado, mas que c!rcunstâncias não Per­ mitiram se realizasse. E ·aos contemporaneos, mesmo, a mu- dança da capital se apresentava como !entame de visionário. E, realmente: se analisarmos todos os angulos desta formidá­ vel construção, se medirmos todos os sacrifícios e se avaliar­ mos os óbices transpostos, então chegaremos a sentir também qué só a um espírito de extraordinária fortaleza seria possível conceber e realizar o arrojado plano de se erguer, na bruteza do solo sertanejo, em plena campina, uma cidade que se transformaria, no decurso de pouco mais de um lustro, na e.apitai surpreendente, na esplêndida maravilha que é Goiânia.

Nem por sombra nos assalta o desejo de fazer um estu­ do retrospectivo de Goiânia. Basta-nos a certeza de que o Brasil inteiro conhece de sobra o que ela representa como fator de progresso e, mais que isso, como elemento de atração e· como centro de irradiação das múltiplas atividades do ho­ mem. Temos a prova do que afirmamos no magnífico movi­ mento que se processa, ao ensejo do "Batismo Cultural de Goiânia", atraindo para o centro do País, numa coesão de sentimentos, numa demonstração positiva de apoio, represen· tantes de todas as Unidades Federadas, de Institutos Oficiais e de Institutos Paraestatais. É confortador sentirmos o conta­ to agradável de tantos patrícios, alguns. dos quais vieram de longe, ~om sacrifícios enormes, só e só para dar-nos, ~ nós sertanejos, para trazer a esta cidade que inicia a sua caminha· da ~ al,:nto de seu entusiasmo cívico. Mais e mais se afirma~ co~vicça.? de que S. Exa., o Interventor Pedro Ludovico Te_i· xerra, nao empreendeu obra estadual - sua tarefa é mais vasta, porque é brasileira .

. Colocando-me a uma distância infinita postando-me na linha d h · ' as 0 onzonte, quero tornar-me observador apen '

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Pedro Ludovico - 215

para poder traçar a perspectiva do que o meu espírito possa apreender. Deslocado, assim, para bem longe para um ,

d . . . , peno-

do re~oto, eu es~1a~1a 1nterpre~ar o pensamento das gera­ ções vindoura~. Goiânia é ~m, capitulo, o mais importante, da história de minha terra. Poe a prova a energia de um cérebro consubstancia o anseio de um povo e retrata a larga visão de um estadista.

No deslumbramento de sua evolução, constitui um as- sombro e um milagre, realizado em pleno sertão, no Coração da Pátria. Assinala uma epopéia sublime e é um ponto isolado e destacado na vida de Goiás. É o marco que separa dois períodos históricos:- o da estagnação e o da ascenção. E, então, daquele só restarão ruínas, e, deste, como iluminuras estonteantes, Goiânia atestará a grandeza, o apogeu!

Ouvi, senhores! Rangem as engrenagens. Sobe o fumo pelo ventre enor-

me das chaminés. Resfolgam possantes vapores. Estridulam sirenas e apitos. Deslisam, pelo asfalto negro, automóveis inú­ meros. Máquinas voadoras cortam o espaço em todos os senti­ dos, descrevendo evoluções incríveis. Nas escolas, nas acade­ mias, a mocidade, festiva e esperançosa, prepara-se para os embates da vida. Nos cafés, nos teatros, nos cassinos, nos jardins, nos parques e nas longas avenidas, a mesma imensida­ de de vida, o mesmo entusiasmo. Ê a vertigem do progresso.

É o trabalho cantando o seu hino. ·E eis aí, senhor Interventor Pedro Ludovico, o seu monumento. Eis a sua consagração. E is o triunfo de tantas lutas. E is, enfim, a supre- ma aspiração - A IMORTALIDADE.

Mas não é só. V. Exa. não construiu somente uma cidade, que isso seria pouco ou não seria tudo para sua capa­ cidade realizadora. Foi mais além. Construiu a segurança cole­ tiva, implantou o regime da ordem e do trabalho. Criou uma mentalidade nova, digna do espírito da época e consoante os princípios de humanidade. Duradoura é sua obra. O tempo, que tudo consome, não conseguirá destruir os fru_to~ de tanto amor, de tanta dedicação e de tão acendrado patriotismo. Sua consagração não se fez nem se fará nos monumentos das

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216 _ Memórias

, . Ela reside mais na admiração de todos os b praças public~s. na gratidão das geraçoes futuras. ra. sileiros, no cutáto eor que afirmamos não sermos um povo

E aí es P dlf Po- ue trabalha, que e 1 ica, que ama extrernad

b Um povo q d. .... d a. re. P 'tria que guarda as tra içoes e seus maior . mente a sua a ' ... . 1 llb es fende O seu patrimon10 mora e a sua I erdade; qu~ quedde que evolui não pode ser pobre! estu a e ' t d · Somos ricos po~que temo~ ª. ven ura . e possuir um

. te devotado a causa publica, constituindo-se em governan . ldã · . exemplo ímpar de trabalho e reu ao; qu~ se confunde com os operários; que alenta os descrente. e est1muJa as forças dos apáticos; que irradia bondade e se!11e1a benefícios.

Não posso nem devo term mar e~tas palavras, meus se­ nhores sem que apresente os agradecimentos de Goiânia a quantds vieram emprestar ó brilho de s~a. presença a esta solenidade. Principalmente aos senhores Ministros de Estado, aos dignitários do clero e às altas patentes das Forças Arma­ das. Um agradecimento todo· especial ainda aos dirigentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, representado por seu digno Presidente, o Embaixador Macedo Soares e por Teixeira de Freitas - o funcionário no. 1 do Brasil. Os trebe­ lhos preparatórios, a propaganda, não seriam bastantes para atrair para cá, neste momento em que· as dificuldades de transporte se acentuam e que a situação internacional se aqra­ va consideravelmente, tanto interesse. Eram precisos decisão e entusiasmo, decisão e entusiasmo que nunca faltaram aos dirigentes do Instituto.

Quero, também, expressar a gratidão do povo goianien· se a S. Exa., o senhor Presidente da República, - dr. Getúlio Vargas.

Nas horas de glória e de alegria é que mais nos aprox!· mamas dessa figura admirável, cuja inteligência patriótica cri· ou no Brasil. o clima propício a empreendimentos da enverga· dura de Goiânia,mercê da paz da liberdade e da ordem que

· ' t atu· se1 u governo implantou, mesmo na angústia do.momen ° a •

. eO Se motivos adversos não nos permitiram a honra ra

pra~er. de_ termos a presença desse nume tutelar aqui, ~~~d~ Goian,a ainda hoje rememora, trêmula de emoção, de Q

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Pedro Ludovico - 217

S Exa. a visitou; na memória da cidade ainda se v· 1 b · d rs um ra 0 vulto daquele que, quan o ela começava a ser quis .. 1

d . d , ve- a e

viu-a bem e perto, sentin o seu pulsar· e que assim a tl d

.. . . , es I m u- i ou e lhe eu animo a prosseguir na trajetória que

· hi 6 · Ih t O seu destino 1st rico e· raçara. Senhores visitantes, acei~ai, p.ois, os agradecimentos da

cidade que neste momento se integra no rol das Capitais Bra­ sileiras e que saúda todas as suas irmãs do Brasil".

À noite, foi oferecido um banquete de 150 talheres às personalidades ilustres, pelo Interventor Federal, que assim se pronunciou:

"I rrefutavelmente a revolução de 1.930 foi o maior acontecimento para o Brasil. Quem conheceu o que se passa­ va no hinterland brasileiro antes daquela época, quais as suas condições de vida, qual a rotina criminosa em que se estagna­ va a grande maioria dos nossos Estados, a falta de garantias neles existentes, o desconhecimento que havia por parte dos dirigentes nacionais das possibilidades, das reservas contidas em algumas das nossas regiões, pode com firmeza aquilatar os benef feios trázidos por aquele movimento revolucionário. Goiás, por exemplo, era uma das unidades federativas mais atrasadas do nosso rincão pátrio até aquela data. Colocava-se no último lugar em matéria de arrecadação orçamentária. Era isso justificável? Não e. não, porque Goiás é uma terra dadi­ vosamente dotada pela Natureza, como já tenho afirmado diversas vezes. Não está muito afastado dos grandes centros produtores e consumidores do país. Em se falando de miné­ rios, talvez possa ser tido como o Estado mais rico do Brasil. Para o desenvolvimento da pecuária, que deve ser considera­ da, hoje e no futuro, fator econômico de primeira grandeza, poucos se lhe comparam. É oportuno se registre que enqu~n­ to as populações humanas tendem a crescer, as populaçoes bovinas tendem a diminuir. Vários países que foram exporta­ dores desses produtos passaram a importadores, entre os quais se deve citar a grande nação americana - os Estado: -Unidos. Ademais todos se inclinam a deixar a fase pastonl pela fase industria1I como nos mostra claramente a história de todos os países. Pa~a a agricultura não há terra melhor do ~ue ª nossa. Enquanto a agricultura de cereais, em outras regaoes

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218 - Memórias

•1 • se faz por meio de irrigação artificial, por process brast eiras, , . . d I h d . o .. . a nossa só e irriga a pe as e uvas e con uzida po mecan1co, . r um sistema antiquado. E, nem por isso, o nosso produto é inferior. Meus senhores. Bastou que novos r_umo~ ~ dessem à política nacional, novas di_retnz_es se lhe ,1mpnm1ssem, para que um mundo novo se abrisse d1a~te de nos e nos convences­ se de que havíamos descurado muito do que Deus nos tinha dado. Uma nova mentalidade, um grand; ~nelo se_formou de bem servir à coletividade, e nosso esptnto, habituado, até então mais a interesses egoístas, de grupos ou de facções, se imbulu da necessidade de realizar um grande ideal a favor do Brasil.

E assim o Presidente Vargas com a sua serenidade, com as suas boas intenções, com o seu grande conhecimento dos nossos problemas, consolidando esse ambiente espiritual de que foi o máximo preparador, lançou mãos à obra no intuito de reerguer o nosso país e dele afastar todos os males que o afligiam. Procurou estudar as nossas forças capazes de colabo­ rar nesse reerguimento. Freqüentemente, cuidou de vê-las na sua origem ou nas suas fontes, não se satisfazendo, apenas, com informações de segunda-mão. Para levar adiante o seu propósito, esquadrinhou o Brasil de Sul a Norte e de Leste a Oeste.

O seu aeroplano, vadeando todos os nossos céus, pau­ sou às margens do Amazonas, no extremo norte, e pisou o solo goiano, nos flancos do nosso lendário Araguaia.

Entrou em contato pessoal com os carajás e javaés, recebendo desses nossos irmãos das selvas uma manifestação inédita e intensamente primitiva. Penetrou a cavalo na ilha do Bananal, vendo a conformação interessante, a riqueza da fau­ na e da flora da maior ilha fluvial do mundo. Mediu as patas dos nossos tig~es pelos rastros deixados no solo e, principah mente, nas praias alvadias do formoso e notável rio.

Sentiu a necessidade do Brasil e as energias reais que se ocu,itam nas suas entranhas e em zonas pouco acessíveis. 1 ns- :~~~~; P~r essa visão in loco de tudo que é nosso, pelas

ecoes de caráter geral e auxiliado pelos técnicos de que se cercou o seu G d overno, o Chefe da Nação vem resolven °,

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Pedro Ludovico - 219

Ordo com a nossa capacidade e os tropeços oferecidos de ac I' . . . . elas condições po rncas internacionaía, sábia e patriotica- p te os nossos grandes problemas. rnen ' · bé f I ' · d Goiás sentiu tam m os e uvios esse despertar. Li- vrou-se do ópio que o tornav~ inerme e improdutivo e exci­ tou-se também com o novo estimulante -que o tocara.

suas forças estuantes de seiva se movimentaram, con­ quanto ainda não tenham si?o aproveitad~s senão em mínima parte do seu enorme potencial. Mesmo assim, novas perspecti­ vas· se nos defrontam e, dia a dia, mais alvissareiras. Um sopro de vida, de entusiasmo, percorre este Estado mediterrâneo em todos os seus quadrantes. Há um anseio de trabalho, de pro­ dução, de organização, de melhoria em todas as formas da atividade humana.

Essa arrancada de coragem no sentido da produtividade já fez sentir os seus fecundos efeitos: Goiás,que tinha a arre­ cadação orçamentária mais inexpressiva do País, como já dis­ se, atingiu o 60. lugar em ordem ascendente, em 1.941, sendo muito possível ·ir além no' próximo ano.

Essa evolução, esse progresso, na sua economia não é obra que se deva atribuir a nenhum administrador, mas às· condições felizes da nossa ubérrima terra, que possui todas as condições para prosperar. Os nossos campos são extensos e de boa qualidade. As nossas florestas são férteis e bem distri­ buídas em nosso território. Não temos o flagelo das secas, das estíaqens demoradas e destruidoras. De sorte que,neste peda­ ço da Pátria, o trabalho é frutífero, é compensador.

Não exige requisitos especiais do obreiro: quem semeia colhe proporcionalmente ao seu esforço.

Goiás, com suas formidáveis jazidas de minérios, tais como níquel, cobre cobalto ouro ferro, mica, cromo, cris- . , , , . ~ais de rocha, rutilo e outros, cujo aproveitamento já se vai incrementando, será, dentro de poucos anos, uma das células mais vigorosas da terra de Santa Cruz.

Meus senhores, muito propositalmente quis fal~r-vos 5?bre as riquezas naturais sobre as condições econômicas e financeiras anteriores e po~teriores a 1.930, deste Estado que tenho a honra de dirigir há quase 12 anos. Falei-vos par~ Prc;,var como um desejo forte, uma transformação de mentah-

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220 - Memórias

d de podem modificar inteiramente a face das coisas a . d . , co~ um terreno propício se transmu a, se revigora com u o queno trato que se lhe dá. . rn Pe-

Ademais, nesta solenidade, em que, neste instante b ·1 · , nos achamos reunidos, se encontram rasi erros de todos os r . h b eca11• tos da Pátria que precisam con ecer _em ~ genera!idade da

sua situação em t?dos ?s setores r:,g1ona1s .. Tais forarn os motivos por que dlsserteí sobre questoes particularmente .

901- anas.

Terminando a minha breve oração, cumpro o dever d vos transmitir os meus ardor_o~os aqradeclrnanrm pela gentile~ za da vossa vinda a esta Capital, cidade nova, em que nada podeis ver que vos surpreenda, que vos impressione, a não ser o imenso esforço de quem a construiu. Desejo, servindo-me de uma expressão do Dr. Paulo Figueiredo, que não a vejais apenas, mas a compreendais".

Agradeceu, em nome dos membros das Assembléias Gerais dos Conselhos dirigentes do 1. 8. G. E., o Dr. Afrânio de Carvalho, Diretor do Departamento de Estatística da Bahia:

"Senhor Interventor Nada podia ser mais agradável a quantos aqui se acham

do que receber, ao termo das festas inesquecíveis de 5 de julho, esta significativa prova de apreço com que o Governo Goiano quis requintar as atenções da sua penhorante hosplta lidade.

A sombra desta, e desde que aqui chegamos, cresceu sem cessar nosso reconhecimento, que agora se dobra e se co~funde ante o espetáculo desta magnífica reunião, para CUJO realce conspiraram todas· as circunstâncias, sem faltar seq~er a palavra prestigiosa e particularmente estimada do emmente Chefe do Governo do Estado.

~sta mesa, ao longo da qual se estendem representantes da sociedade brasileira, em cujo número se contam os mem· br~~ das Assembléias Gerais dos Conselhos Nacionais de Geo· gra 'ª e de Estatística, oferece o inequívoco simbolismo de uma mesa de comunhão. .

Na verdade, vindos de todos os rincões do país, aqui

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Pedro Ludovico - 221

mungam na mesma fé ilustres patrícios que separados 1 co .... bé 1 • , pe a distância, se~ao _tam m pe a incompreensão, que O desco- nhecimento 1~ev!tavelmente qera, se Juntaram agora, tocados de fervor patriótico~ pela força miraculosa do ideal.

Se a extensao, que representa de certa maneira um fator de alheamento, Impõe a pluralidade administrativa não deve, entretan:o, impedir a unidade espiritual do país,' que nos cumpre nao apenas cultuar contemplativamente, senão ainda preservar e defender, pela ação vigilante sempre que se encontrar amortecida em decorrência de barreiras geográficas.

Nesse sentido, hão-de atuar poderosamente encontros como este, que, lniclando um intercâmbio de idéias, de senti­ mentos, de desígnios, vale como o primeiro marco de um roteiro de aproximação entre a orla marítima e a hinterlân­ dia, desligadas, no curso da nossa história, por um processo de diferenciação manifestamente danoso à unidade nacional.

Romper corn o passado é, muitas vezes, voltar ao passa­ do: é relegar um passado mais próximo e volver a um passado

· mais distante. Tudo quanto aqui ocorreu rompe com o passado próxi-

mo, em que os homens se prendiam ao fascínio do litoral, mas reata a .tradlção do passado distante, em que os nossos sertanistas devassaram o interior e traçaram as linhas intrans­ pon íveis das nossas troritelras.

Bem haja, pois, a iniciativa em virtude da qual se fun- dou Goiânia, pois serviu para libertar tanto uma capital apri­ sionada entre montanhas, como uma geração enrodilhada em preconceitos, marcando indubitavelmente o advento do mo­ derno bandeirismo, capaz das mais arrojadas realizações.

Obra de pioneiros, esta cidade honra a inteligência e a atividade de quantos colaboraram na sua construção, mas so­ bretudo honra o descortínio do seu insigne idealizador, o Interventor Pedro Ludovico, a quem, diante dos obstáculos que -logrou transpor, já agora se poderia cha'!!a~, ~orno esta tarde o fez Teixeira de Freitas, "o· mago de Go1an1a · . ....

Não o demoveram nem as conjuras, nem as ag1taçoes, nem as dificuldad~ que ameaçaram fazer ruir o seu plan? grandioso, porque como intrepidamente declarou de uma fei- ta, "'só Deus teria poderes para o fazer recuar".

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Assim, mostrou pertencer à estirpe privilegiada dos não temem, dos que não deblateram, porque agem, dos que não tombam, porque vencem! que

Sob O teto do "Palácio das Esmeraldas", de que , d Ih , a seu modo foi tambem um caça or, reco e agora os merec·d

' • 1 os aplausos do Brasil, ~ue aq~~ marcou um encontro de fraterni- dade, para fazer sentir que Ja começ?u a marcha para O Oest em cujo prosseguimento está o sentido da sua própria renov!:. ção.

À semelhança de~ta metrópole acolhedora, surgida, co. mo por encanto, no altiplano, para deslumbrar a nossa vista e exaltar a nossa emoção, também hão d~ converter-se em reali­ dade todas as esperanças que o sugestivo nome deste Palácio evoca, tão certo é que a riqueza coroará, como generosa re­ compensa, o labor confiante daqueles que acorreram à gleba fértil do Brasil Central.

A alvorada que, como prelúdio alvissareiro das festas do dia, todos ouvimos esta manhã, ficará também como a alvorada da campanha de integração, ou conquista, dessa gle­ ba, a fim de que, pela vinculação de todas as suas partes, se componha a estrutura definitiva do Brasil.

Ao agradecer, em nome dos Conselhos Nacionais de Geoqrafia e de Estatística, a honra de participar deste ban­ quete, é com sincera efusão cívica que saúdo em V. Exa., Sr. 1 nterventor Pedro Ludovico, um dos mais hábeis e audazes construtores do Brasil maior!".

No dia 16 de julho, onze dias depois do Batismo Cultural de Goiânia, o "Correio Oficial" dava a seguinte notícia:

"O I ntervonro} Pedro Ludovico eleito unanimemente membro da Academia de Letras de São Paulo.

De todos os recantos do País partem demonstrações d~ simpatia e admiração pelo Chefe do Governo Goiano, que,ª custa do ~eu idealismo desassombrado, galgou definiti~amen~ te a galena dos homens ilustres do País no bom sentido d

' termo. Administrador de largo descortínio, lutador enfibrado

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que nã,o conhece obstáculos dent~o do limite humano (Goi­ ânia ai está, comprovando tudo isto), 0 lntervento p dr Ludovico é também o cérebro privilegiado que abran;e t~d·

0

os setores e penetra c~~ sua. inteligência aguda os mais co~~ plexos problemas administrativos e sociais.

Uma cultura sadia, sempre enriquecida ao contato com as melhores conquistas do espírito, serve a S. Exa. corno elemento de uma ação fecunda e benfazeja.

Seus discursos sempre trazem a marca de uma eleqãncia natural de expressão e o cunho inconfundível de uma sólida cultura humanística, pontilhada de idéias avançadas e profun- das.

Seus conceitos são seguros e incisivos, vazados num estilo sóbrio, dessa sobriedade que impressiona e convence, sem os ruídos bombásticos das frases ocas e grandiloqüentes. "O estilo é o homem". ·

Dentre as inúmeras homenagens que têm sido prestaoas ao Dr. Pedro Ludovico Teixeira, homenagens estas que culrru­ naram com a inauguração oficial de Goiânia, destaca-se, como alta prova de apreço intelectual, uma comunicação recente­ mente enviada a S. Exa. pela Academia Paulista de Letras. Nesta mensagem que lhe enviou a "elite" cultural da terra dos bandelrantes, o Dr. Pedro Ludovico é notificado da sua elei­ ção, por unanimidade de votos, para a Academia de Letras de São Paulo, ocupando a vaga cujo patrono é o grande estadista João Alfredo. A comunicaçãô acrescenta ainda a lembrança do seu nome para sócio da Casa do Escritor,: instituição que está sendo projetada naquela Capi·:al.

Semelhantes demonstrações, tão desinteressadas e fei- tas sob o influxo de uma admiração profunda por um estadis­ ta que não necessita de uma apresentação além da sua obra gigantesca, atingem também a nós, goianos, que, _embora sem exibições de regionalismo anacrônico, temos motivos de orgu­ lho ao vermos um coestaduano, a quem devemos tantas con­ quistas, recebendo o tributo da gratidão dos brasileiros pea obra de civismo e nacional idade que vem realizando no cen- tro geográfico da Nação.

Abaixo transcrevemos o ofício que, a propósito, toi enviado a S. Exa. pela Academia de Letras de São Paulo.

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"São Paulo, 22 de junho de 1.942 Exmo. Sr. Dr. Pedro Ludovico Teixeira, D.D. Interventor em Goiás. Na última sessão havida nesta Academia foi v E

eleito, por unanimidade de votos, para a vaga cujo pat;on~ª; o grande estadista João Alfredo. Por isso houve uma salva d e palmas e mu lto entusiasmo. Outrossim, foi o nome de ve Exa. lembrado para sócio benemérito da Casa do Escritor· instituição que se vai construir nesta Capital. '

Deus guarde V. Exa. por muitos anos. (a) Saturnino Barbosa Presidente".

Também se manifestaram sobre Goiânia muitos intelectuais cultores da poesia, merecendo destaque, porque representam pro­ duções mais próximas de sua inauguração, as três que vão abaixo transcritas:

GOIANIA

Sonho atrevido, audácia de gigante! Pedra e cimento e ferro e tessitura De andaimes, em ciclópica estrutura, Erguendo-se febris e sempre avante!

Quantas vezes, tardio caminhante, Impressionado, ouviu, nesta planura, Picaretas cantando em noite escura, À IIJZ de uma lanterna vascilante!

Urbe desabrochada em campo. agreste - Flor tropical e palma da vitória Do pioneiro da marcha para o Oeste

E, do seu trono azul de luz mais ric·o, ' . O sol coroa, no esplendor da glóna, A Capital de Pedro Ludovico.

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Pedro Ludovico - 225

GOIÂNIA! EU TE SAÚDO!

Aqui a tua gênese, aqui o teu apólogo: nasceste na amplitude da campina, entre o aroma da floresta e o hálito da planície. Foste o primeiro golpe de minhas mãos calosas: no decepar da primeira árvore, no ruir do primeiro cardo; Foste ainda: o primeiro rumor na solidão e o primeiro brado nas quebradas. Depois: no desbravar da leira inculta, no sulcar da terra virgem, ungi-te com o suor de meu rosto, criei-te com as energias de meus braços. Eu sou o teu caboclo! GOIANIA! EU TE SAÚDO! Escavando o solo, Amontoando pedras, Levantando arqarnassas, Eu te fiz brotar-da terra em seiva: no retângulo dos alicerces, na imponência dos edifícios, na multiplicação do casario, Subiste por minhas mãos, Cresceste a meus olhos. Eu sou o teu Operário! GOIANIA! EU TE SAÚDO!

Foi medindo 1inhas e traçando curvas, Armando perfis e ideando perspectivas, Que te plasmei na forma e gravei no estilo. Tirei-te da dinâmica dos alqarlsrnos para a estática sombria dos palácios, para o silêncio das vivendas,

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226 - Memórias

para o rumor das ruas e alamedas. Da medida das cubagens e do cálculo das dimensões, para o concreto da realidade, Eu sou o teu Projetista! GOIANIA! EU TE SAÚDO!

Ao sol e ao relento, Revolvendo a urze, Revirando a leira, Nutri com a força de meus braços e com a sementeira da terra úbere: o primeiro golpe de teu Caboclo; o primeiro sulco de teu Operário e o primeiro cálculo de teu Artífice, Com o sangue de meu sangue, com a vida de minha vida, dei força ao teu destino. Eu sou o teu rude Agricultor, GOIÂNIA! EU TE SAÚDO!

GOIÂNIA!. .. GOIÂNIA!. .. És de uma idéia a cristalização, és um poema, és uma inspiração. Euge, pois, ao Gênio que te concebeu eu sou o povo de tua terra GOIÂNIA! EU TE SAÚDO!

SILVA GUIMARÃES

EXALTAÇÃO

(Ao ensejo da inauguração oficial de Goiânia)

Um gênio audaz, da estirpe do Anhangüera, enfrentando e vencendo dissabores aqui plantou o marco de outra era.

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A maneira do rude pioneiro que escreveu a epopéia das Bandeiras, ao seu povo ele deu novo roteiro.

Da luta furiosa e sem clemência surgiu Goiânia, esplêndida e vibrante, em revide aos tabus da decadência.

Soberba, impressionante realidade, Goiânia empolga como raro exemplo que um homem dá de força de vontade.

Cabem-lhe agora os louros da vitória: a quem venceu sozinho uma batalha sobra um lugar no Panteon da História!

FRANCISCO DE BRITO

ACRÔSTICO

A Capital da terra do Anhangüera, Cidade-flor do sonho transformado, Acorrem muitas eras numa era, Partindo pela vida, lado a lado.

Imperas no Brasil inteiro .. Impera Teu esforço de·louros recamado. A própria Inspiração talvez quisera Lutar pela conquista de teu fado ...

Mimosa flor de nossa geração, Es o tropel das multidões inteiras, Na luta pela Glória e pelo Pão!

Encarnas, pelo brilho das maneiras, Na terra legendária do sertão, A esperança doirada das bandeiras!

ANDERSON BRAGA HORTA

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228 - Memórias

Quando o Homem notou que a grandeza do Estado que lhe serviu de berço estava em seu poder começou a sonhar como artista, acordado, em fazê-lo vibrar, expandir-se e crescer!

E teceu o seu sonho e envolveu-o em brocado A I

deu-lhe forma e contorno e se posa tecer dentro do coração do planalto encantado a cidade em que ia o seu sonho viver!

Foi julgado um poeta, um visionário ardente que aos olhos dos mortais vive apenas de sonho, de castelos no ar, de esperança e de idéia!

Mas o sonho cresceu, transformou-se em torrente, condensou-se em porvir e elevou-se. risonho, · na sonora expressão da mais longa epopéia!

11 - TRANSFORMAÇÃO

Era um verde deserto. Era incrível e falho o monótono afã do destino que quis pôr um pássaro verde a enfeitar cada galho, pôr em toda a extensão um auriverde matiz.

E era bárbaro o sol e era duro o trabalho: -a floresta sem fim, de infinita raiz! - Foi preciso o fragor do machado e do malho .Para início de obra espantosa e feliz.

Parecia ou dei frio, ou loucura, ou vertigem: transformar em cidade a campina distante, transportar para a terra a miragem de um mito.

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Mas, em pouco, em lugar do imenso mato virgem, lá ficava o traçado, em círculos, vibrante: - infinito compasso a medir o Infinito!

111 - REALIDADE

Armou-se no sertão desbravado e altaneiro uma simples barraca, ao léu do vento, e ao sol: tenda humilde que foi como o facho primeiro de um mirífico, estranho e brilhante arrebol.

Começou, desde então, a elevar-se o farol que terá de luzir no seu Estado inteiro:. - nasce Goiânia, a flor, a cidade de escol, o mais novo embrião do solo brasileiro!

Palácio,bungalow, templo, escola, jardim: tudo surge do chão em fantástica flux de beleza, de cor, de progresso e de paz.

Do seu núcleo, em traçado elegante e sem fim, partem ruas que são como raios de luz a dourar de esplendor o porvir de Goiás!

IV - APOTEOSE

Onde, outrora, o sertão era bárbaro e a vida não pagava o tributo à natureza e ao céu, hoje, a mão de um mortal, em dourado troféu faz de um sonho interior uma história vivida.

E a princesa Goiânia, encantada e querida, a enfeitar-se de luz, e envolver-se no véu do batismo imortal - traz seu pendão ao léu tendo a glória do Estado, em favores tecida.

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Não há frase que escreva, e nem tinta, ern tel que possam copiar tão festivo e tão rico ª sincornismo de vida e sons, e cores mil

Mas Goiânia dirá que a Pedro Ludovico deve a glória de ter a mais viva e mais bela apoteose de luz na História do Brasil 1

MARIA BRAGA HORTA Goiás, 24 de maio de 1.942.

Como fecho de ouro das manifestações de simpatia desper­ tadas pela entrega de Goiânia à comunhão nacional, não pode ser esquecido o significativo telegrama qu~, veiculado pelo j~r~~I ."O DIA", de São Paulo, edição de 8 de Julho de 1.942, foi diriqido pelo inesquecível Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon ao então Presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,

. Embaixador José Carlos de Macedo Soares: "Digne-se V. Exa., com seus ilustrados e distintos colaboradores, Dr. Mário Augusto Teixeira de Freitas e Dr. Cristóvão Leite de Castro, receber os meus efusivos e entusiásticos aplausos pelo estrondoso êxito de cooperação patriótica do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta­ tística, na organ·ização, direção e execução das solenidades cívicas para a efetivação da inauguração da nova Capital do Estado de Goiás e pelo simbólico batismo cultural de Goiânia. V. Exa. presi­ de, assim, a maior festa de brasilidade que até hoje o Brasil cele­ brou no coração do seu vastíssimo e incomparável território. Que­ ro estar presente, a seu lado, acompanhando aqueles dois ímpares cooperadores das solenidades que neste momento ecoam por todos os quadrantes, sertão a dentro, repetindo os nomes dos impávidos bandeirantes, descobridores da região que hoje se engalana espiri­ tualmente para receber os embaixadores da metrópole da Repúbli­ ca, os quais, _em nome do glorioso Chefe da Nação, apresentam ao seu benemérito representante, o dinâmico e bravo interventor Dr. Pedro L~dovi~o: ~al_orosas aclamações cívicas pela sua inconfun­ ? ível ? firme ~n1c1at1va de executar o velho projeto do valoroso e intrépido presidente da província, que em 1.863 sonhou com a mudança da Capital, do sítio em que Bartolomeu Bueno afincou a

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d descoberta, batizado depois com o nome de Vila-Boa, para cruz ªem do Araguaia. Em vez do sítio imaginado por Couto de a marg · d · Ih a alhães, Pedro Lu ovrco esco eu, para sede da nova Capital, 0 M gt econômico do grande Estado Central, as maravilhosas cam- cen ro 1 • • • . daquele plana to goiano, existente nos arredores da cidade pinasele nome e ali lançou a pedra fundamental da nova Capital, há d9aquos 3 meses e 26 dias, o quanto de idade tem a faceira Capital, an ' "d d b ·1 · ''

8 mais jovem de todas as c1 a es rasi eiras .

REFLEXOS DA CONSTRUÇÃO DE GOIÂNIA

Como já disse linhas atrás, as condições em que se construiu Goiânia fizeram com que se admirasse a obra, criando-se para ela um ambiente, em todo o Brasil, de boa vontade e de propaganda espontânea.

Pessoas ilustres, independentes, que a visitavam em épocas diversas, manifestavam calorosamente a sua impressão.

A singularidade do empreendimento concorreu, também, para isso. Parece-me, que no Brasil somente três cidades foram construídas a propósito, isto é, planejadas de acordo com o urba­ nismo do tempo em que foram edificadas. Ainda favoreceram a sua projeção o excepcional do empreendimento e a raridade da iniciativa da mudança de uma Capital de Estado.

Assim sendo, é natural o· que aconteceu nas homenagens que foram prestadas a Goiânia.

Destarte, vamos transcrever as opiniões de brasileiros de vá- rios Estados do nosso .Pafs .que, em diversas oportunidades, se referiram à jovem metrópole goiana:

CONFEReNCIA DOS GOVERNADORES - BACIA PARANA-URUGUAI

GOIANIA - 1.955 - GOIÁS

INDICAÇÃO

Os representantes abaixo-assinados propõem à Quinta Conferência dos Governadores que seja consignada na ata dos seus trabalhos um voto de admiração, homenagem e louvor

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a~ Ex.mo. Senho~ Senador P~~r~ Ludovico Tei?<eira pela obra pioneira que realizou em Goiânia, um dos mais notáveis ce . tros de penetração civilizadora, no Brasil dos dias atuais. n

Dispensável será, segundo entendem os signatários, jus- tificar esta indicação.

o surto de progresso de Goiânia, a segurança com que foram lançadas as suas bases, o espírito de decisão, coragem e patriotismo que presidiu aos seus passos iniciais, tudo revela em Pedro Ludovico Teixeira, uma .excepcional expressão d~ amór ao Brasil e de devotamento à obra da integração do "Hinterland" na comunhão social, política, econômica e cul­ tural do Brasil.

Sala das Sessões, em 29 de maio de 1.955. Cel. Euclides Triches Atila Amaral Rizzo Maia Dom ício Murta Vitor Peluso".

No "DIARIO DE ALAGOAS", edição de 27-3-60 vem assim inserida

"Crônica de Paulo Brandão Um Homem construiu Goiânia

Senador Pedro Ludovico o homem que construiu Goi- ' . ânia. Com mais de setenta anos, o mais ilustre dos goianos ·ainda é o homem-símbolo de seu Estado, bandeira moral da mais fabuJosa e inexplorada região brasileira.

Dizem sempre que Goiás é patrimônio dos Ludovicos; patrimônio principalmente moral, onde a honradez do grande político e de seu filho, o Major Mauro Borges Teixeira, perpe­ tuou no Estado o nome imortal da família.

Um homem enfrentou tudo, serenamente, venceu. O produto de sua vitória chama-se Goiânia ...

Os filhos da terra apelidaram a velha Capital de Goiás Velho. Era situada num buraco com o solo de pedras, distan­ te da civilização. Foi há. 26 an~s que Goiânia nasceu. Trans-

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portaram os arquivos do Governo sob a proteção de armas embaladas, temendo assaltos. ·Todos eram contra, até mesmo os correligionários do então Interventor Pedro Ludovico Tei- xeira.

A filha tavorlta do íntegro homem público tem 26 anos de idade, é mimosa e bela, e conhecem-na no Brasil inteiro com o nome bem brasileiro de Goiânia.

Consideram (e com justiça) o senador Pedro Ludovico uma das reservas morais, intelectuais e pai íticas de maior proeminência da Nação. Pobre, seu passado autoriza-nos a acreditar no homem que redimiu Goiás, tirando a Shangri-Lá brasileira do marasmo e do subdesenvolvimento. Graças ao grande pai ítico goiano, milhares de nordestinos acharam o paraíso perdido do país, esquecendo nas terras dadivosas da nova Canaã, as agruras, a fome e a sede das caatingas sertane- jas,

Tudo leva a crer que o novo futuro governador de Goiás será o major Mauro Borges Teixeira, herdeiro das tradi­ ções de humanidade e de progresso da família Ludovico. O filho de Pedro Ludovico levantará mais ainda. o nome de sua terra.

Goiânia aí está: duzentos mil habitantes, desenvolvi­ mento colossal, média de trinta construções por dia, hotéis grã-finos e turismo em larga escala.

Foi um homem que construiu Goiânia: venceu a todos e a tudo, e sua vitória teve como conseqüência o aparecimen­ to da boneca do Brasil Central,· pequenina e linda: a Capital do Estado.

Esta crônica é a sincera homenagem de um nordestino ao grande brasileiro que forjou com toda a abnegação e desin­ teresse inerentes aos gênios, a grandeza e a prosperidade da Terra da Promissão brasileira ... " .

COMISSÃO INTERESTADUAL DA BACIA PARANA-URUGUAI

São Paulo, 16 de junho de 1.955.

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234 - Memórias

OF/Cl/71

Senhor Senador

Tenho. 0 prazer e a honra de lev~r ao ~onhecimento de Vossa Excelência que o Conselho D:l1berat1vo da Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai, composto dos Senho­ res Governadores dos sete Estados que a 1 .• nte~ram, .conside­ rando que a obra pioneira p~r Vossa Excel.enc,a ;ea.llzada em Goiânia, que é nos dias atuais um d_os mais n_?tave,s centros de penetração civilizadora no Brasil, e considerando ainda que o surto de progresso dessa cidade, a segurança com que foram lançadas suas bases e o espírito de decisão, coragem e patriotismo que presidiram seu início, tudo revela em Vossa Excelência excepcional expressão de amor ao Brasil e de de­ votamento à obra de integração do "hinterland" na comu­ nhão social, política, econômica e cultural de nossa Pátria , resolveu consignar na Ata de seus trabalhos um voto de admi­ ração, homenagem e louvor a Vossa Excelência.

Levando ao conhecimento de Vossa Excelência essa justa decisão, valho-me da oportunidade para apresentar a Vossa Excelência os protestos do meu profundo apreço.

a) ALVARO DE SOUZA LIMA 1 o. Vice-Presidente

AP Su~ Excelência o Senhor Senador Pedro Ludovico Teixeira, alácio Monroe RIO DE JANEIRO".

Goiãni:, :::e~~~hdo que, ª. propósito do Batismo Cultural de nho especial fui h a expressiva mensagem com que, em pergami­ co do Pará. ' omenageado pelo Instituto Histórico e Geográfi-

E is a sua transcrição:

"MENSAGEM do INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRAFICO DO PARÁ

Ao Exmo. Sr. Dr. Pedro Ludovico Teixeira M. D. Interventor Federal no Estado de Goiás.

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Pedro Ludovico - 235

As s~lenidades ~uito expressivas da instalação da cida­ de de GOIAN IA, Capital do Estado de Goiás, quando a alma naciona~ vibra ~e. ~ran~e entu~ia_smo e civismo, reqozijada pe­ las glórias da civilização brasileira, associa-se o INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO PARA para levar nesta Mensagem de fraternal amizade, a saudação patriótica do amazoníada às populações que, cheias de pujança e intrepi­ dez, constroem no coração territorial do BRASIL uma nova página de civilização, com o mesmo espírito nacionalista, com o mesmo ardor de· b~asilidade de seus predecessores, para a grandeza de nossa querida PATA IA.

Sala das Sessões em Belém do Pará, 24 de maio de 1942.

Prof. Abelardo Leão Canduru - Presidente Dr. Raimundo Barreto da Rocha - Vice Presidente Maj. Adolfo Ferreira Dourado - 1 o. Secretário Dr. Bolivar Bordalo da Silva - Orador Prof. Adalberto Christo Lassance Cunha - Tesoureiro

A construção de Goiânia foi um exemplo para as cidades do interior goiano. Os seus Prefeitos ficaram estimulados, desejosos de melhorá-las.

Muitos só tinham visto Goiânia no dia da sua inauguração. Voltaram com a idéia de melhoramentos para os seus municípios.

Naquela época, havia apenas duas cidades em nosso Estado que possuíam uma precária canalização de água - Rio Verde e Morrinhas. Nem a velha Capital a possuía. O precioso I íquido era retirado das cisternas e dos riachos ou rios próximos.

Era um atraso doloroso. Hoje temos inúmeras cidades com esse serviço, iluminação

elétrica, esgoto, enfim, com relativo conforto. É digno de nota que os municípios que mais progrediram

foram os que se dedicaram à agricultura mecanizada. Quando só viviam da pecuária, permaneciam estacionários no seu de~nvolvi­ mento. Pode-se apontar os que mais se desenvolveram uttímsmen­ t~, com essa transformação: Rio Verde, Goiatuba, ltumbiara, Cata­ lao, Pires do Rio, Trindade, lnhumas, ltaberaí, Jataí.

É que a criação de gado oferece emprego para poucas ~es­ soas, ao passo que a lavoura precisa de muitos braços para mante-la em condições de boa produção.

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236 - Memórias

G . , ficará na vanguarda dos Estados produtores dentro d 01as , f d ... e 1 t po entregando-se, como esta azen o, nao somente à a gum em , · 1 • •

• N de gado mas também a uma agncu tura 1ntens1va. cnaçao , · d É necessário registrar, do que me ra esquecen o, que nos

lrneiros anos do meu governo fiz construir três obras que eram pn E d A . . f . indispensáveis ao progresso do nosso s~a o. primeira 01 a pon, te sobre O Canal de São Simão, no Rio Paranafba, que divide 0 Estado de Goiás com o de Minas Gerais. Em uma vasta reg.ião do sudoeste goiano só se atravessav~ ~quele caudal por meio de bar­ cos, o que -dificultava toda _espec1e _d: transp~rte entre as duas unidades da Federação. Muitos preju izos havia nessa travessia, principalmente para o comércio de gado, que se dirigia a São Paulo e à terra montanhesa. A maior parte das boiadas era jogada ao rio, atravessando-o a nado. Depois da construção da ponte, a situação melhorou muito.

Em seguida, mandei abrir a estrada de rodagem ligando Goi­ ânia a Rio Verde, em uma extensão de 300 quilômetros. Naquela época, não possu (amos máquinas. Tudo foi feito a picareta, enxa­ da, enxadão e instrumentos que tais.

É uma rodovia importantíssima, que se impunha, porque ligava à Capital do Estado uma região em que a agropecuária era a mais futurosa da terra goiana.

Mais tarde, o governo do Presidente Juscel ino Kubitschek nos deu uma idêntica, isto é, com a mesma finalidade e cortando a mesma região, mas feita tecnicamente, com as máquinas mais mo­ dernas: que dever~ ~er asfaltada neste ano ( 1972), segundo afirmou 0 presidente Méd1c1, quando anunciou a criação do Prodoeste, em um dos seus recentes pronunciamentos. servir A ~;r~eira obra foi a construção da Usina Rochedo, para José L Gâ'ª~'ª de ~uz e Força. O então Secretário da Fazenda, Dr. b' ~ ovice, fo, encarregado desta missão de que se desincum- ru muito bem e com muito entusiasmo '

Em 'd · pensei e r seg,u~ ª ao término da Usina Rochedo, já em 1946, Cachoeira ~~u;~d~~tar da possibilidade de aproveitar a força da

e ficouºd~~i~~~ene: ~ag~lhães era deputado federal nessa época Apresentou um P_e ª idéia,.ª ela se entregando de corpo e alma. zeiros, dos novo~ro}~to de lei, pedindo um auxflio de 80 mil cru-

' ª irn de se levar avante tal empreendimento.

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Pedro Ludovico - 237

Foi feliz e o p~oj:to teve a aprovação do Congresso. Fize­ ram-se os estudos prel1~mares e o plano para o início da obra de rande alcance para Goiás.

g Os governos _que se sucederam não abandonaram O que já estava feito e continuaram os trabalhos, com a alta compreensão de que estavam trabalhando para o desenvolvimento do nosso Es- tado.

Ho~e ~_forçada Cachoei~a Dourada é uma potência. E, regis- trando o m 1c10 ~o seu aproveitamento, não o faço pela simples vaidade de te~ s1~0 meu o esf_orço pioneiro, senão pelo prazer íntimo de ver inteiramente confirmada a minha visão do oue resul­ taria para Goiás o aproveitamento daquela fonte enerqética.

Atualmente, aquele panorama rural se modificou muito. Há diversificação de cultura. Não se planta, exclusivamente,

arroz, feijão, milho, mandioca. Cultiva-se em grande escala e por processos modernos soja,

algodão, gergelim, amendoim e mais vegetais úteis à vida dos ho­ mens e dos animais.

No Sudoeste goiano há verdadeiro entusiasmo pelo plantio do algodão, tanto assim que se espera grande safra este ano.

Calcula-se em vinte milhões de arrobas o volumeda colheita. É bem possível que isto aconteça. Em Santa Helena, Rio Verde, ltumbiara, Quirinópolis são numerosos os rurícolas que plantaram o ouro branco.

Os financiamentos feitos pelo Banco do Brasil foram vulto- sos. O expurgo dos algodoais está sendo feito por tratores e por aviões próprios para esse mister.

E, como há carência de algodão em todo o mundo, é certo que o produto vai alcançar bom preço,· animando os agricultores nos próximos anos.

Seria justo, portanto, como incentivo, que o govern? federal perdoasse o imposto na aquisição dos aviões a que me refiro e que são importados.

Sem a pulverização aérea de inseticidas é difícil combater as pragas que perseguem o algodoal, durante t~o º, ~empo do seu desenvolvimento até a colheita sendo esta muito utll aos campo­ neses pobres, que a ela se entregam, ganhando bom salário, mes~o Porque até as crianças e velhos podem dedicar-se.~ ~sse g?nha-pao.

Depois de 1.942, quando se inaugurou Go1ania, ate outubro

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238 - Memórias

1 945 nada de interessante, de extraordinário, na minha vld de . , F . t - d . a de pai ítico e de administrador. 01 um~ a uaça~ e rotma que se verificou, não deixando, porém, de praticar a~os em favor da cole­ tividade do Estado e do progresso da nova cidade que sur~ia tão esperançosa.

Felizmente, graças a Deus, tudo correu bem, de acordo com 0 desejo de ver a nossa terra caminhar para um futuro promissor no afã de colocá-la entre as melhores unidades federativas do Bra~ sil, como aconteceu no correr do tempo, até hoje.

O 'nosso vaticínio se realizou, ultrapassando mesmo a nossa expectativa, como já fizemos ver em capítulo anterior e como se patenteia na realidade presente.

Goiás acompanhou o progresso de Goiânia, que é hoje notá­ vel metrópole de um dos Estados mais evoluídos do nosso País e· que, conforme afirma o atual governo, se encontra em oitavo lugar entre os seus irmãos da Federação.

Em 12 de outubro de 1.945, houve o golpe militar contra o Presidente Getúlio Vargas e eu fui afastado da I nterventoria goi­ ana.

No mesmo dia, passei o seguinte telegrama ao Dr. José U­ nhares: "Tenho o prazer de cumprimentar V. Exa. pela honr~ ~~ ter substituldo o maior Presidente da República que o BrasJ/ Ja teve. Aproveito a oportunidade para depositar em suas mãos o cargo de Interventor Federal neste Estado. Atenciosas seudeções".

Logo depois houve a eleição para o Senado Federal, a que c~ncõrri, tendo sido eleito, por maioria de votos, para a vaga de oito anos e tomado parte nos trabalhos da Assembléia Constituin· te, onde defendi, como todos os representantes de Goiás, prlnci­ palmen_te o Deputado Diógenes Magalhães, o projeto da mudança da Cap~tal Federal para o Planalto do Estado de Goiás.

1 ouve grande luta no Parlamento não somente promovida pe os que eram contrários à idéia com~ também pelos represen- tantes de Minas G · '. _ Dist ·t F d era is, estes porfiando peJa local izaçao do novo n ° e _er~I no Triângulo Mineiro.

A ma1ona dos pa I o- lha do PI I r amentares do Nordeste bateu-se pela esc . ana to Goia d "" mormente pel f no, ten o-se tornado vitoriosa esta soluçao,

os es orços de Diógenes Magalhães.

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E foi uma resolução feliz, ~.~rque não há no Brasit,m de clima melhor d? que o de Bras1l1a. Pouco calor, sem muito frio. Ademais está, mais ou ~:nos, no Centro Oeste do nosso País, fazendo parte de um~ reqrao de ';1~1tas possibilidades, na marcha · ara O Oeste e ocupaçao da Amazônia. P Há muitos políticos que, na época da Constituinte de 1.946, combateram fortemente a construção de Brasília e hoje reconhe­ cem o seu erro, já não digo por Brasília em si, mas pelo que já representa e mais ainda irá representar no futuro do Brasil.

Juscelino Kubitschek merece os aplausos do nosso povo, peia sua idéia e por ha~ê-la concretiz~do. Só as pai~ões eivadas de injustiça podem se manifestar contrárias a esse ato tao necessário e tão relevante.

A construção da nossa metrópole ficou tão falada e tão conhecida em todo o mundo, que quando um brasileiro viaja pelo Exterior é sempre solicitado a dar informações sobre Brasília.

Foi um acontecimento que repercutiu urbi et orbi, provo­ cando grande admiração e simpatia,

Hoje essa cidade moderna, diferente de todas as outras exis­ tentes na face da terra, é uma realidade, com quinhentos mil habi­ tantes, onde o progresso se vê sob todos os aspectos ..

Deixando este assunto, continuemos o nosso pensamento em ordem cronológica.

1 nterrompi meu mandato de Senador em 1.950 para me candidatar ao cargo de Governador do Estado. . . Elementos de proa da UDN lançaram mãos dos meios mais 19nóbeis contra a minha candidatura, inclusive mandando imprimir fora do Estado centenas de milhares de panfletos para serem distri­ bu idos em todo território goiano. Neles afirmavam que eu tinha correspondência com Carlos Prestes, citando trechos de cartas por este a mim dirigidas em que dizia ter aconselhado a todos os seus co 1º • I rre ig1onários para votarem em meu nome chamando-me de ca- m d ' ara ª Pedro Ludovico.

Vejam a que baixeza chegaram! eh ~ Juiz Eleitoral, tendo conhecimento de que esses impressos ap~Qana?l a Goiânia no avião tal, em hora determinada, mandou dan~ende-los, de forma que não fossem distribuídos, não concor­ ~n,º~t ele com esse expediente em propaganda pai ítica, escandal o-

e mentiroso e canalha.

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240 - Memórias

f ,.. . _ da· p ropaganda eleitoral, houve acontecimentos d Na ase · . . esa. , . m muito grave. Os menos perigosos se. venficaran, gradave1s e u . en, Miracema do Norte e em Pla~alt1na.

O · lamentável e triste se deu em Nova Aurora. pior, h . d Q do chegamos, eu e meus compan eiras e campanha , uan . d d 1 , a

id d de Goiandira, fomos avisa os e que a go se tramava contr c1 a e , . d N A , . a ssas Pessoas no com1c10 e ova urora, comrcio que deve. as no , . N , ria realizar-se às 8 horas da noite. assa sorte _e qu,e essa reunião foi, na última hora, mud~da para outr? lugar, isto e, ern ~oz _de se realizar numa praça da cidade, determinou-se que se realizaria em outra.

Havia motivo para se desconfiar de que se tramava uma violência contra os elementos da nossa comitiva, porque, dias an­ tes, filiados da U. D. N., alguns inimigos políticos e pessoais meus, procuraram uns elementos ruins do lugar e com eles tiveram demo­ rada conferência.

Durante o comício, nada de anormal se verificou. Termina­ do este, fomos para a casa de um correligionário, a fim de jantar.

Quando nos levantamos da mesa, ouviram-se muitos tiros, e, em ·seguida, chegou um rapaz e informou que os maus elementos locais, acompanhados de mais oito homens, haviam atirado em três companheiros nossos. Os atiradores se achavam em um bar, toman­ do bebidas alcoóticas, quando praticaram essa violência.

Mas, tão logo ouvimos os tiros e a informação do. rapaz, o Capitão Getulino Artiaga, oficial da Polícia Militar do nosso l:sta­ do, levantou-se e foi ver do que se tratava. Eu quis também ir, mas os meus amigos e algumas senhoras me impediram de fazê-lo.

N~ momento em que o Capitão Getulino se defrontou com os m?lfe1t?res, foi recebido a bala, com estas palavras: "Nós quere­ mos e voce mesmo".

Não pôde reagir, porque os tiros foram mortais. Sabendo da ocorrência, corremos ao local do crime apanha- mos o cada ·, ' ' ·

A aver, ja as 1 O horas da noite e retornamos a Goiandira. o amanhecer d d" · ' · morto .,..0. ia, seguimos, com o nosso grande companheiro 'para Go1an1a, onde chegamos às 8 da manhã. ~etulino era Deputado Estadual e pleiteava a reeleição.

Bere · mT s~u _ lugar, foi eleita, no pleito eleitoral, sua viúva, o. nice e1xe1ra Artiaga.

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Pedro Ludovico - 241

A vítima era muito inteligente, bom orador e gozava do elhor conceito em nossa terra.

rn Foi um fato que chocou profundamente a população goi- ana.

Compareceram.ªº aeroporto cerca de trinta mil pessoas, pa- ra prestar sua derradeira homenagem àquele que tombara estupida­ mente atingido por um golpe tramado, e em que, segundo diziam, devia ser eu a vítima preferida. O motivo principal dessa tragédia era a certeza de que eu seria eleito Governador do Estado, como fui, por maioria esmagadora de votos, embora meu concorrente fosse um médico ilustre, inteligente, bem relacionado - o Dr. Altamiro de Moura Pacheco.

Assumi novamente o Governo, nele permanecendo só 3 anos e meio, para poder me candidatar à Câmara Alta, tendo sido eleito no pleito de 3 de outubro de 1.954, concorrendo com os candida­ tos Alfredo Nasser e Jerônimo Coimbra Bueno.

Devendo expirar meu mandato em 31 de janeiro de 1.963, candidatei-me ao Senado Federal, pela terceira vez, nas eleições de 7 de outubro de 1.962, sempre pela legenda do Partido Social Democrático, obtendo 197. 707 votos e alcançando um mandato de 8 anos.

GETÚLIO VARGAS, CAUTELOSO E ENÉRGICO

No último ano da década de 1.940 ~ no primeiro da de 1.950 (não me recordo bem das datas exatas), fui protagonista de dois acontecimentos que, em seguida, passo a relatar, não por vaidade, mas porque fazem parte da minha vida política.

Encontrava-me em minha propriedade rural, quando ali che­ gou de avião teco-teco, em um dia do ano de 1.949, não me recordando do mês, um velho amigo meu. Depois do costumeiro cumprimento, disse-me que ali fora em nome de alguns oficiais do Exército, para uma missão junto ao Senador Getúlio Vargas, que se achava no Rio Grande do Sul. Eu e o emissário regressamos no mesmo dia para Goiânia, onde chegamos ao escurecer.

No dia seguinte, tomamos o avião da Vasp para São Paulo, estando à nossa espera no Aeroporto dois dos referidos militares, que nos levaram para certa casa de uma das ruas daquela metrópo­ le.

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242 - Memórias

contramos com mais três coronéis. Em ali ch~gando, nos e~ essoalmente.

AI iás não conhecia nenhum de :~ç~o disseram-me que desejavam Depoi~ de ~reve con:~~trar dom Vargas, a fim de pedir seu

fosse eu a Sao BorJa, meGen I Newton Estillac Leal para a presi~ apoio à candidatura do enera . a ,. . 'bl' · pleito se aprox1mav . dência da Repu _ rca, c~Jo . S"' Paulo. E no Rio Grande a Era um dia muito frio em ao . ·

· zero Os oficiais já tinham previsto que eu temperatura estava a · 1 h . . d bretudo e outros agasalhos, como uvas, cac e- necessrtana e so

-col meias de lã etc. . E ' Nunca havia usado luvas na minh~ v1~a, mesmo na uropa,

onde nas três vezes que lá estive, não fazia ~rio. . . . Aceitando a missão que me foi confiada, parti, de imedteto,

para Porto Alegre, em cujo Aeropor!~ ~iquei apenas 3? minutos, embarcando em um avião que se dirlqla para Uruquaiana, onde cheguei às seis horas da tarde, e pernoitei. . .

Na manhã seguinte, viajei para São Bor]a em um_ táxi-aéreo, que pousou na fazenda em que se encontrava o entao Senador Vargas.

Este, ao me avistar, declarou-me que estava surpreso com a minha visita, pois não fora avisado. Na casa, a não ser peões da fazenda, só se via o Senador Dorneles, meu amigo e colega· do Senado Federal.

Estava na hora do almoço. Sentamo-nos à mesa eu, Getúlio e o Senador Dorneles. Durante a refeição, conversamos alegremen­ te, mostrando-se Getúlio contente, de bom humor, contando duas anedotas, sendo uma muito jocosa, tanto assim que não a esqueci.

Terminado o almoço, ele me convidou para um passeio a pé, até uma pequena lagoa, em cuja margem havia dois tamboretes, onde nos sentamos.

Getúlio, vestido tipicamente à gaucha, isto é, de bombachas, botas, lenço no pescoço, se sentia à vontade.

Fui logo lhe dizendo o motivo· da minha visita. Diss~ ~s nomes dos três oficiais que me haviam encarregado

daquela mtssao. Ele só não se lembrava de um . ... Refleti.u alguns minutos e me disse que falasse ao Estillac

que ~ao P~a dar uma resposta lrnedtata, pois se achava afastado d~ Rio, de Sao .Paulo e dos políticos havia alguns meses e, dessarte, nao era conveniente tomar atitude precipitada.

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Pedro Ludovico - 243

Respondi-lhe que daria a resposta aos oficiais, pois o Gene­ l Estillac nada me havia pedido.

ra Depois de uma hora de bate-papo, voltamos à fazenda. Pas- mos a conversar com o Senador Dorneles, com quem tinha pra­

!:r em trocar idéias, por considerá-lo um homem digno e reserva- do.

Ficando a sós de novo com Getúlio e tornando ao assunto que ali me havia levado, autorizou-me ele, retificando sua conversa anterior, a avisar a Estillac que concordava em que ele fosse Presi­ dente da República, mas pelas armas. Fiquei surpreso com a mu­ dança de pensamento de Vargas, tirando a conclusão de que ele não confiava na ação neutra do Presidente Eurico Dutra nas elei­ ções e que temia, mesmo, um golpe militar (o que não aconteceu, aliás: pois sendo posteriormente Getúlio o candidato, com relação ao preito e posse agiu o Marechal Outra corretamente).

Depois da conversa com Getúlio, regressei a São Paulo, rela­ tando aos oficiais o que se tinha passado, menos a segunda parte do colóquio que tivera com Vargas, porque esta era reservada e de caráter estritamente pessoal.

Não procurei o General Estillac, mas pedi ao nosso comum amigo, Mota Cabral que fora me procurar na minha fazenda para o contato com Vargas, que lhe comunicasse o resultado da minha missão, sem nada omitir.

Algum tempo depois, eu soube que este meu amigo e o General tinham estado com Vargas, a quem Estillac havia prometi­ do apoio, caso ele fosse candidato à Presidência da República.

·E leito Getúlio, fui ao Rio, assistir à sua posse. Ali chegando, recebi a informação de que ia ser nomeado

Ministro da Guerra outro general que não Estillac. Embora este nada me tivesse pedido, procurei, imediatamen­

t:! o Sr. Benjamim Vargas e lhe ponderei que achava uma injustiça nao ser nomeado para esse cargo o General Estillac.

O irmão de Getúlio concordou plenamente comigo e me garantiu que iria falar a Getúlio sobre o assunto.

Dias depois, foi nomeado Ministró aquele General. d' Com relação ao modo de proceder· do Presidente Vargas, são ignos de registro dois fatos que se deram entre mim e ele.

1. Adversários pai íticos meus, acompanhados de elementos mi- itares, onde se destacava o Brigadeiro Lísias Rodrigues, que, em-

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244 _ Memórias

. andava contrariado porque eu dis- bora bem relacionado com.itg?r'·,o do Tocantins, de que era partidá­ . ..., do Terri o cardava da cnaçao ld t pedindo meu afastamento da Inter- . m o Pres1 en e, . t· no, pr_ocurara túlio lhes perguntou que mo ivo apresenta- vsntona d? E~t?do. Ge edido de meu afastamento. O lnterven­ vam para 1ust1f1car~m °:em que atua com excesso de p~rsonalis­ tor, responderam, ~ ho, bre a prática de seus atos. E violento mo não ouvindo ntnquem so , . e gosta de jagunc,smo. , nenhum fato violento por mim fei-

~ão ~pontaram. P~~e;~ comuns, que a paixão e a maldade to, a nao _se_r ~contec,m . u íam e que se verlfic~vam em to'!o~ os­ dos meus mim 1g<?s md e atrib os governantes nao tinham a m I ruma Estados do Brasil, e que responsabilidade. . uncismo nada podiam provar, porque eu não Quanto ao Jag ' , · M'I' · d · ços já que dispunha da Pol reia 1 rtar para man- prec,sava e Jagun , , · d

d · jaqunço geralmente, e homem assalaria o para garan- ter a or em, . , " . · O t d tia de alguém ou para cometer violências ou cru~~s. ra, o o o mundo sabia que eu andava por toda a parte e viajava para qual- quer lugar, sem ser acompanhado de guarda-costas. .

Em tempo algum, quer no Governo, quer fora dele, tive essa preocupação. Algumas vezes, amigos meus, muitos humil_des, me seguiam espontaneamente, sem que lhes pedisse que o fizessem. Desonestidade não podiam me atribuir, porque mesmo nos ataques que me faziam pela imprensa, jamais disseram que eu fosse deso­ nesto, que lançara mão do dinheiro público em meu benefício.

De sorte que saíram decepcionados da audiência que o Presi­ dente lhes concedera. A prova da minha correção na administração pública está em que, afastado dela pelo golpe de 1945, fui candida­ to a Senador Federal no pleito que se seguiu e acabei eleito por maioria de votos. Tempos depois fui eleito, também em oposição, Governador do Estado pelo voto direto, enfrentando a má vontade dos gove:nos estadual e federal, de que era adversário.

Ha outro fato que se passou entre mim e o Presidente. Cate Eu estava se~tado em uma sala de espera no Palácio do d dte, e~perando minha vez de ser recebido pelo Presidente quan- o e mim se aproximou '. . . de D . uma pessoa que gozava de sua lntirnida- . 1sse-me que O Dr G t' I' f . . . .

se o nome do Cel A ~. e u 10 _,caria mu no satisfeito se eu apoias- meu Estado na · 1 ~ ~naldo Caiado de Castro para Governador do ' e e1çao que dev · · meses. ena se real izar dentro de alguns

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Pedro Ludovico - 245

Respondi-lhe que _lamentava não poder atender ao que me . solicitado pelo Presidente como essa pessoa deixava transpa- seria ·1· r Lamentava, porque o rru rtar a que se referia era uma criatu- rece . "d it . .... ra que eu ~ons1 e~av~ mu 1 º, e_ era 1rm~o de ,u!11 qrande amigo meu, que circunstancias. pol rticas, muito senas, me impediam de

mas ibil "d d cardar com essa possi 1 1 a e. con . p "d e Encontrei-me com o resi ente. onversamos sobre diferen- t s assuntos e ele não se referiu à candidatura do Cel. Agu inaldo · eue era Chefe de sua Casa Militar. ' q Entretanto, ao despedir-me, falei-lhe a respeito da advertên­ cia que me havia sido feit~ na a~te-sala de seu gabinete. Repeti-lhe 0 que afirmara ao seu amigo, dizendo-me ele que eu estava certo, porque ninguém _melhor do que ~u estava em co_ndições de_saber .º que seria conveniente nesse particular. Asseverei-lhe que nao havia no meu gesto nenhuma indisposição contra a pessoa indicada.

Posteriormente o honrado militar foi eleito Senador pelo Distrito Federal, isto é, pelo Rio de Janeiro, e mantivemos ótimas relações no Senado da República

ASSIS CHATEAUBRIAND

Foi um grande jornalista e um ilustre brasileiro. Sua vida de luta começou no Nordeste e terminou no Rio de Janeiro, onde passou a maior parte de sua existência.

Ninguém pode negar a sua persistência para vencer como intelectual, desde o Recife até o Rio. Passou por muitas vicissitu­ des, por muito trabalho, por muito esforço, até se tornar conheci- do em nosso País.

Chateaubriand foi, indiscutivelmente, um grande lutador. Era admirável a sua atuação como jornalista. Escrevia diariamente para os seus jornais, mesmo em viagem. . . Ou ando Embaixador na Inglaterra, não se esquecia do Bra­ sil. Defendia no Exterior os interesses brasileiros, com o mesmo ardor com que o fazia quando estava em sua Pátria.

. Sua campanha para incrementar a Aviação Nacional é d:ma- sltadamente conhecida Batia quase diariamente nessa tecla, esnmu- and · . .... e· . 0 os ricos a cooperarem com o desenvolvimento da Aviaçao n~vil, em que, aliás, foi bem sucedido. Foi um operário de escol,

Progresso do B rasi 1. Não se lhe· deve negar as boas qual idades,

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246 -. Memórias

f não raro violento e, às vezes, até injusto corn P embora osse, . . ' es. oas com quem anttpanzava, . 5

Chamava-me de jagunço e de caudilho com ar de brincadei. ra d · · · Respondia-lhe que estava engana ~' pois_ quem_ tinha rnuito respeito pela vida humana, como eu, nao podia ser Jagunço nen, caudilho. · 1 G ..... · f ·

Certo dia, 0 Diretor do seu Jo_rna em . o,a_nia 01 maltratado 1 maspessoas. Fiquei aborrecido e contrariado com. a violên- por a gu E d . . . .

eia, pois eu era Governador do sta o e isso me atingia indireta- mente.

1 id

Chateaubriand me passou um te egrama atrevi o, em relação ao caso.

Respondi-lhe que não era responsável pelo que havia aconte­ cido e que só pessoalmente poderia lhe dar uma resposta à altura do seu telegrama.

Tempos depois, o brilhante jornalista, eleito S~nador pela Paraíba, apareceu no Senado Federal, de que eu também fazia parte.

Achei o momento oportuno para lhe dar a explicação Aproximei-me dele e lhe disse que ia lhe falar sobre a violên­

cia que haviam praticado contra o representante dos Diários Asso­ ciados em Goiânia. Não me deixou continuar e foi logo dizendo que tinham maltratado pouco, que deviam ter maltratado muito mais.

Posteriormente eu soube que Chateaubriand estava contra­ ~iadfssimo com ~u auxiliar, por questões ligadas à direção do seu Jornal nesta Capital do Estado.

GENERAL NEWTON ESTILLAC LEAL ' B'RAVO E SENSATO

Exercia o meu mandato de Senador no Rio de Janeiro, quando fui procurado por um amigo do General e meu, dizendo· -me que Est,11~: precisava de mim, naquela noite, em São Paulo. h Pelo av,ao das 6 horas, seguimos os dois para aquela cidade, ospecfando-nos no Hotel Lord. As dez da noite entrou em meu

qu~rto O general, que me disse que -eu tinha sido' chamado ai I por muitos dos seus col d f

sério. Ab · _ . egas e arda, para tratar de assunto bastante riu se comigo e declarou que, diante da notícia que cor-

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Pedro Ludovico - 247

. com visos de verdade, de que o Governo Federal estava ria, . G d S.... p preten- d nd

o intervir no overno e ao aula afastando O seu G e d 8 ' . . overna- dor _ 0 Dr. Adernar e arros - a Força M ilitar do Estado e pa t do

.Exército não estavam de acordo e queriam reagir pelas a r e · G I E ·11 h · rmas, mas deseJavarn que o enera stt ac e efiasse O movimento p _ guntou-me, en~o, qual era a min~a opinião so~~- essa decisã~ tro séria. Respond1~lhe que se ele ace~ava uma oprmao franca, eu lha daria. Concordou. Expus-lhe, entao, o meu pensamento conside-

,,,,,,. . . . , rando O caso grave, porque nao ex1st1~ ainda um fator psicológico de gra.nde monta, para se tomar tal atitude, de vez que a interven­ ção propalada não passava, por enquanto, de um boato e que dadas certas circunstâncias, o ato do Marechal Outra, querendo 0~ propondo a intervenção, poderia ter justificativa baseada em fatos que muitos militares e o próprio povo desconheceriam.

Deixou-me no meu apartamento e foi, como me avisou, tomar parte em urna· reunião de oficiais, que seria precedida de uma conferência com o Governador Adernar.

As duas horas da madrugada voltou novamente a conversar comigo e me asseverou que não fora possível evitar que o movi- mento seguisse o seu rumo.

Às 12 horas do mesmo dia, tornou a me procurar e me comunicou que eu podia viajar para Goiânia, pois o movimento não mais se realizaria.

Não me deu pormenores da reviravolta, ou melhor, da deci- são em contrário.

Concluí, então, que a maioria dos que haviam comparecido à reunião fora contrária ao que se pretendia fazer, aceitando o General a lógica dos que não tinham achado viável ou justificável o desejo do Governador de São Pau lo, pois claro estava que a idéia só poderia ter partido dele e por ele desenvolvida. • Ninguém seria capaz de supor que fosse sustada a insur~ei- çao por temor do General, que fora parte principal na~ revoluçoes de 1922, 1924 e 1930 homem cuja coragem não podia ser posta em dúvida. '

Nas muitas vezes que palestrei com Estillac nunca o vi irrita­ do. Ao contrário, era brincalhão e irônico, principalmente quando se referia aos seus inimigos achando provavelmente correta a ex- Pres ~ . ' sao latina - Ridendo castigat mores.

Era um fumante inveterado, acendendo um cigarro no ou-

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248 _ Memórias

d beb ia algumas doses de uísque, ficava eufórico d t ro Q u a n o f . , es. · 'd falava loquazmente, mas nunca se re ena em tern-. contrai o e •••Os

b . sou grosseiros aos seus desafetos. aixo · édi Sempre O advertia, como am1~0. e como m ico, de que era

preciso abandonar O cigarro, que, ~1s1velmente, sem usar O olho clínico, estava lhe prejudicando a saude. .

Gostava muito de pescar e de caçar perdizes. De certa feita, entrevistado por alguns jornalistas que deseja­

vam lhe arrancar algumas opiniões sobre a política, disse que todos os pai íticos deviam fazer uma experiência de pesca, pois nela ad­ quiririam calma e paciência. Segundo ele, a pesca era a melhor escola para os pai íticos extremados. e exaltados. Era um remédio para os nervos sensibilizados pelas paixões políticas.

Nascera no Rio, mas era filho de goianos. Mostrava-se um tanto exótico, mesmo no se vestir. Quando

precisava de comparecer a uma solenidade, nunca tinha a sua indu­ mentária em ordem. Não sabia onde estavam as camisas, as meias e, diziam, uma vez calçou um pé de sapato de um modelo e outro de modelo diferente. Achei-o sempre um homem muito interessan­ te, inteligente, impetuoso e destemido.

CEL. JOAQUIM MAGALHÃ.ES BARATA

Certo dia, em Goiânia, apareceu em minha residência um alto funcionário do Ministério da Agricultura, que me procur~va para me transmitir uma mensagem verbal do Cel. Joaquim Magalhães Barata, então Comandante do 60. B. C., sediado na cidade de lpameri, neste Estado.

Mandara me dizer o coronel que havia nos meios militares e civis uma conspiração contra o Presidente Getúlio Vargas. . Justificava essa conspiração o repúdio que o povo brasileiro tinha P~la ditadura que se estabelecera no país, que esse mes~.0 povo nao toleraria um regime de exceção muito demorado. Dizia que por _tais motivos o ambiente social e pai ítico era favorá~el a ~~ movimento que se proj~tava e que, certamente, seria vitorioso.

el: Barata estava contrariado com o Presidente Vargas por fatos ocorridos ~a Pai Itica do Pará, onde tinha sido Interventor Federal.

Havia muitas queixas contra ele e seus inimigos lhe faziam um combate cont · f · · ai- mente

I nuo, alando das suas arbitrariedades, prmcip .. contra a lmp R . - nao rensa. efenndo-me a essas acusaçoes,

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0 dizer que as endosso. Ouvi sempre opini"'

auder de sua administração. Verdade é que quoaesdsobre a honesti- da e · ' n o ele vie Goiás comandar uma unidade do Exército Nacional ~a P~ra rnente hostil ao Gove!no Federal. 'estava mte1ra-

Depois de ouvir tudo o que me relatou O seu . , . h

. . , . em1ssano que l 'iás era um ornem mu 1to s1mpat1co e eloqüente ' . , a , . b

1 , respondi-lhe

que não podia, em a so uto, atender ao seu pedido , . . . . , por vanos motivos. Pnme1ro, porque exercia um cargo de confianca d p . ,., d· , 1 • o res, _ dente e nao po 1a tra 1- o.

Segundo, porque eu achava que o Chefe da Nacão procur d

.. . ,., . ava agir com a~erto e pr~ _e~c1a, nao aprovando violências praticadas pelas auton?ades pol rcrars, conquanto se ti~essef!1 verificado algu­ mas em penado curto do seu governo, depois da intentona integra­ lista e do combate aos extremistas.

Mas, mesmo essas não contavam com o seu pleno consenti- mento e tinham sido feitas à sua revelia.

Devido, porém, à minha resposta, o Cel. Barata ficou aborre- cido comigo e começou abusando do seu comando, a me fazer fusquinhas, terminando por prender o Prefeito de lpameri no seu quartel, sem motivo algum, exclusivamente para me humilhar.

Dias depois dessa prisão, fez constar que viria a Anápolis e, em seguida, a Goiânia, com todos os seus comandados. De fato, dirigiu-se a Anápolis com todo o Batalhão.

Tomei imediatamente as providências necessárias e esperei por sua visita, que não se me afigurava cordial.

Regressou, entretanto, a lpameri, desistindo de ir além, co- mo havia prometido.

Tempos depois me encontrei com ele no Sen,ado Federal e nos tornamos bons amigos. Após sua derrota no Para, pa~a o cargo de Governador do Estado, visitou Goiânia, onde l~e foi prestada uma homenagem· no Cine-Teatro onde com seu discurso, provo- , ' ' · · f ·1 com ~ou verdadeiras gargalhadas, ficando o povo goiano satis ei 0 s suas oportunas piadas e sua conhecida f~anqueza.

HOMENAGENS FORA DO MEU ESTADO

Q . 'd do a receber uma

h uando Interventor Federal, fui convt ª . locais e a q~rne_nagem em Uberlândia, promOvida pel?s ~o~on~:~:de de Mi­

e tinham aderido todas as classes dessa simpatica nas.

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nhado de muitas pessoas de Goiânia, para ai· Acampa G iá é I t bi , 1 . 1 nie . . . sanda O sul de 01 s at um rara, u t1ma urbe . dirigi atraves íb 1. 901.

' fica às margens do Parana I a, ponto rrn ítrofe con, ana que ' o Estado montanhês. . ...

Depois de percorrermos .. ma_,s de 100 quilõrnetror em territó. . m·,neiro chegamos a Uberland1a. · no , 'f - No mesmo dia, co~eçaram as maru estaçoes de apreço à minha pessoa e, claro, a Goiás.

Tivemos de visitar muitos Departamentos do Estado e do Município, e alguns lugares que embelezava~ a cidade, como 0 Praia Clube, que é, de fato, um dos pontos pitorescos e agradáveis daquela urbe, que j~ er~ uma das melh~res da terra m~ntanhesa, devido não só às industrias, como ao seu intenso comércio de gado e de cereais.

Em todos os estabelecimentos de Ensino e Departamentos Públicos que visitamos, tive de fazer um discurso em resposta aos que me eram dirigidos. Aliás, é natural que se lembre que eu era muito estimado por aquele povo, com quem estava sempre em contato, pois essa parte de Minas Gerais tinha e tem muitas rela­ ções comerciais com o Sudoeste Goiano, onde eu residia.

Ademais, de quando em quando eu era obrigado a ficar algum tempo, até meses, em Uberlândia, para fugir às pressões políticas que sofria na minha terra e mesmo para evitar males maiores.

Ao ser alvo de uma gigantesca manifestação, à noite, em uma das maiores praças da cidade, por parte dos condutores de veículos e do povo em geral, deu-se comigo um fato que vou "egistrar, pois nunca dele me esquecerei. .

Quando me achava no palanque, comecei a me sentir a~at,­ do, indisposto e, de pé, ia ter de ouvir seis discursos que deveriam ser ai i pronunciados. .

. Senti-me em situação embaraçosa, pois naquela hora ~e ~,a obrigado a dirigir um discurso especial à massa, a mais entus1ástic~ e responsável partícipe das homenagens que me eram prestadas .

. Refleti um pouco, esperando que falassem quatro oradores; Depois do quarto, pedi ao meu amigo Arlindo Fleury que fosse. um ba 6 · · dois r pr x1mo, comprasse uma garrafa de guaraná jogasse terços fora e b · _ '

su st1tu ísse a porçao retirada por uísque.

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No início da fal~ do quinto. orador, tomei o "quaraná" que fora levado. A reaçao do álcool se most~ou quase imediatamen­

r,1e senti-me .outro. Desapareceu a autocrítica. o receio de fracas­ te. proferi O melhor discurso de todos os que havia feito provo- so e I 'do muitos aplausos. can é dif Fui também, em. pocas I erentes, a Araguari e a Uberaba 'dades o~de tinha e tenho numerosos amigos, tendo sido recebid~

CI • d' lid d m muito carinho, muita cor ta I a e. co Ao passar o Governo ao Vice Governador Jonas Duarte, a fim de me desincompatibilizar, pronunciei o seguinte discurso:

"Pela terceira vez passo o governo às mãos de V. Exa. Desta feita, faço-o definitivamente, pois renuncio hoje

ao resto do meu mandato, que deveria terminar em 31 de janeiro do próximo ano.

Estou certo de que saberá cumprir o seu dever, corno também certos estão os nossos correligionários do P.S.D.

Este Partido tem representado em nossa terra a linha política mais ponderada, mais inteligente e mais progressista. Dele fazem parte os homens de maior responsabilidade na vida do nosso Estado .. Pode-se mesmo afirmarque constitui o cerne da economia goiana.

Representando essa economia, não é reacionário, não é rotineiro, não é apegado a idéias absurdas, anacrônicas, que não se adaptam aos tempos hodiernos. Tem em mira o bem de Goiás e a sua prosperidade. Vem agind_o, através de seus representantes no Governo e nas Assembléias Legislativas, pa­ ra alcançar esse ideal. Em todos os quadrantes goianos se tem feito sentir essa atuação, desde o extremo norte até o extre­ mo su 1, desde o leste até o oeste.

Confirmam a minha afirmativa os fatos e os dados estçi­ tísticos.

Como sabem todos afastei-me do Governo em 1945, deixando este com 14 mi11hões de cruzeiros, depositados nos B~ncos desta Capital, e sem nenhuma dívida, tanto que um mes antes havia convidado todos os que se julgavam credores do Estado para virem receber suas contas na Secretaria da Fazenda. · ... Em 1951, voltando à vida pública, depois de uma elei- çao renhida, em que se achavam contra nós os Governos da

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E tado e também, a maioria dos dirigent . , · deste s ' ' , bl · es Republica e . vazios ·OS cofres pu rcos e uma dív·d . [pais encontrei I a mun1c1 , · s ·1hões de cruzeiro . de 125 mi . . porta"ncia a existência desse débito se

0 N... teria 1m . · , s ao d 1946 a 1950 tivessem feito grandes obras. Fo· governantes e 1

ontrário que aconteceu. , 0 e ão se ignora, nesse pen odo, a nossa terra não Como n - 1 'd· h benefício de vulto, a nao ser a guns pre 10s para teve nen um · 'd

OI ares e escolas ru rais, constru I os com verbas fe­ grupos esc a

dera is. , . t · G ·... · Qual O edifício publico que se cons ~u1u em_ 01ania? Nenhum. Quantos metros quadrados de pa .. v1~entaçao asfálti­ ca se fizeram? Nenhum. .Oual a providência tomada para melhorar a energia elétrica? Nenhuma.

o crédito do Governo ficou abalado, reduzido a zero. Ninguém lhe vendia a prazo uma lata de gasolina. As empre­ sas de transporte não mais recebiam suas contas. Os fornece­ dores se recusavam· a ter transações com o Governo, de vez que não recebiam o que lhes era devido e, quando isso acon­ tecia, eram obrigados a dar gordas comissões ·a funcionários inescrupulosos, mancomunados com alguns chefes de Depar­ tamentos Públicos.

O Serviço Telefônico continuou como fora por mim construido, sem experimentar nenhum aumento. . ~ó o abastecimento de água passou por· ligeira rnelho- na, pois, como se vê, continuamos· em regime deficitário.

O funcionalismo estadual ficou atrasado no recebimen­ to dos seus vencimentos mais de dois anos havendo mesmo alguns fun · , · '

.., cionanos que nunca receberam durante as adminis- traçoes dos Srs C . b B · ,a1m ra ueno e Hosanah Guimarães.

Um Ce At ForçEa Publica de Goiás ficou sete meses sem receber n avo inc , 1 . ça do P , · rive _que isso tenha acontecido, pois a pra- Teriam ~'0 e~d geral, nao tem crédito para comprar a prazo.

rn o de f orne G 'á - cepcional, admirável. , se 01 s nao fosse uma terra ex- Vejamos, agora s . ,.

anos e meio de G ' uc1ntamente, o que fizemos em tres overno d Em Prazo relativ. o funcionalismo d amente curto, pusemos o pagamento

e ª Força Pública em dia, apesar dos au-

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rnentos que se fizeram de ano para ano. Restabele~emos o cré?ito público, pagando grande par-

te dos compromissos contra idos pelos nossos adversários Adquirimos por 12 milhões de cruzeiros a Empresa de

Força e Luz, tendo para tal contraído um empréstimo de igual quantia no Ba~co ~o B rasi I e cujo resgate se fez antes de terminado o respectivo prazo.

Adqu.irimos também um motor Diesel de 1200 cavalos para reforço da energia hidráulica e que nos custou um mi~ lhão e quinhentos mil cruzeiros, mais ou menos.

Melhoramos consideravelmente a rede elétrica desta Ci­ dade (que, entretanto, ainda não é boa, mas que vai ficar ótima depois da rransformação por que está passando).

A construção da Usina Rochedo está quase terminada. Investimos nessa obra mais de trinta milhões de cruzeiros. Seu funcionamento reforça cem por cento as condições de Goiânia em relação à energia elétrica e iluminação.

Sua linha de transmissão, embora longa, de 85 quilô- metros, já se acha dentro da zona suburbana.

A construção da Usina da Cachoeira Dourada está em plena execução. Nela despendemos cerca de dez milhões de cruzeiros.

O contrato com a firma construtora prevê um prazo de 44 meses para o término dos trabalhos. Então, Goiânia rece- berá um reforço de 30 mil cavalos.

O novo serviço de abastecimento de áqua desta Capital, que já está em franco desenvolvimento, vem dar-lhe volumoso coeficiente, capaz de atender às necessidades de mais de 150 mil habitantes. ·

A firma paulista, que o conseguiu em concorrência pú- blica, deve concluir sua primeira parte até o fim do corrente ano, fazendo desaparecer logo a nossa falta de água, com a estação de recalque e a adutora.

A estação de tratamento e as redes das zonas oeste, su 1 e Aeroporto demandam tempo mais longo para serem termi- nadas, como ficou resolvido no contrato.

O serviço de esgoto pertence atualmente ao Estado, que o adquiriu pela importância de Cr$ 17 .000.000,00.

O serviço telefônico foi acrescido de mais 1.500 apare-

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Ih S melhoria esta que nos custou 9 milhões e soo 01.1 o ' - d á b I cru zeiros. A sua inauguraçao se ar . re~emente. - Dessarte, os problemas mais importantes para a n

d 1 · d . assa metrópole estão sen o so uciona os para um espaço de 15 anos, pelo menos. .

Em pouco t~mpo fizemos nas ru~s de Goiânia, aproxi- madame·nte, l20. mil metros quadrados de asfaltamento.

Se esse serviço não sofresse completa interrupçã quando nos afasta~os do Governo em 19~5, nossa urbe est~: ria quase toda pavimentada, o que lhe dana um aspecto mui­ to interessante, valorizando, ao mesmo tempo, os seus ímó- . veis.

No Departamento de Saúde, instituímos a Assistência Itinerante, por meio de aviões, levando a todas as localidades do Norte e do Nordeste do Estado, recursos médicos, tera­ pêuticos, inclusive odontológicos. Dispomos de três aparelhos novos para fazer o transporte aéreo.

A população das regiões percorridas muito se tem be­ neficiado com esse amparo que se lhe oferece.

Em certos casos de moléstias agudas, essa assistência presta, não raro, ajuda inestimável, socorrendo o doente em momentos de angústia,agravada pela inteira falta de recursos do meio em que habita.

Tivemos ainda o prazer de inaugurar o Hospital de Do­ enças Mentais, que é um grande e moderno nosocômio, de que muito carecíamos, e que comporta duzentos internados.

O Hospital de Clínica Geral está quase acabado e será também uma obra de certo vulto da minha administração, que vai.~o~orrer principalmente as classes menos favorecidas de Goiarn~. 1'!1provisamos, premidos pelas circunstâncias, d~as. organ1za.çoes de serviços médicos: a de tratamento do pen.figo e a de tratamento de tuberculosos A primeira já cuida pre · 1 f .. sentem ente de 30 casos dando a ta, requenteme t · ' t I n e, a pacientes curados A segunda tem, a ua mente 70 · . · . · d a mais d 200'

1~ternados, oferecendo assistência am a e que nao o são. Dentro d · 1 'do um mod e meio ano, possivelmente estará cone u 1 erno e vast · . ' · 'me- ro 1·á é O sanatório para os firnatosos cujo nu grande nest e · ' ra o ª apitai. Terá todos os recursos pa

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tratamento da tuberculose, que é um flagelo social üd d d d "d , mas que na atua I a e, po e ser re uzt a nos seus malef Iclos ' lá 1 , curan- do-se aprec1 ve percentagem dos doentes.

Foram construídos em todo o Estado 138 est bel · d

. . lé a ect- mentos e ucac1ona1s, a m de 1 O grupos escolares em Goi- ,. . an1a. .

Os convê~ios est_abele_ci?~s com os cursos secundários existentes em diversos rnurucrpios, os auxílios a eles presta­ dos fizeram co"!" que esses colégios se tornassem parcial ou totalment~ gratu rtos.

A edificação do Quartel da Polícia Militar está bastante avançada, tendo sido projetado sob a obediência das mais adiantadas normas para prédios destinados a corporação mili- tar. No Departamento de Estradas de Rodagem foram construídas muitas novas· rodovias e pontes de grande enver­ gadura, reparadas outras tantas e quase concluídas as estradas que ligam Goiânia a ltumbiara e Goiânia a Goiás, as BR-14 e G0-4, de expressivas condições técnicas.

Foi dada grande assistência às comunas que a solicita- ram, tendo o Departamento construído e reparado mu ltas estradas intermunicipais.

A ajuda não foi maior, nesse particular, devido à carên- cia de máquinas, que não foram adquiridas em grande núme­ ro, pela elevação de seu preço e pela dificuldade· de se conse- guir licença de importação.

Como vedes, nesta oração em que passo o destino do Estado· para as mãos do meu substituto, Sr. Jonas Ferreira Alves Duarte, faço um breve relato sobre o que foi a minha administração.

Aliás, sempre que estive como Governante do nosso Estado, me orientei por um idealismo sadio, em que o me~ egoísmo e a minha vaidade só tinham influência para benefi- ciá-lo, para sustentá-lo e para, com mais ardor, realizá-lo.

Fui e sou um enamorado, um entusiasta de nossa terra. Por isso, dei-lhe toda a minha capacidade de trabalho, todo 0

ardor da minha mocidade todas as minhas esperanças e todo 0 · calor das minhas convi~ções, qua'ndo ela era apenas uma expressão geográfica no seio da Federação.

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LEALDADE SEM SERVILISMO

O O Governo quer no Parlamento, sempre pautei a rn], uer n , . , . d t de acordo com meus pnncipros, nunca os sacrifican- nha con u a d t bé

1 eio de desagradar aos po erosos e, am em, aos meus do pe o rec 1 • - •.. 1 . . a' rios pai íticos para me co ocar em s1tuaçao com oda corre 1910n , .' . ,

F . té imprudente varias vezes, em ser sincero, em defender os Ll l, a e, . . .... t d.f meus pontos de vista. Assim agia, nao para me ornar I erente de

muitos, não para demonstrar coragem pessoal, enfrentando os que tinham o poder nas mãos e que _dele usav~m. para afastar os imper­ tinentes, os inconformados, os rrrecuperavers, como eram chama­ dos. Falava com franqueza e desassombro, sabendo o que me espe­ rava, principalmente nos últi~os tempos que passe~ no Senado.

Tinha certeza de que ra ser cassado, por nao me adaptar à situação dominante, por combatê-la, por censurá-la, por criticá-la.

Não tive um minuto de aborrecimento, de mágoa, quando soube da minha cassação. Esperava-a, não porque fosse corrupto, não porque fosse subversivo, não porque tivesse qualquer mácula na minha vida, mas porque não me submetia a um Governo, ou, melhor, aos imperativos da Revolução de março de 1.964, que se chocavam com a minha espiritualidade.

Não tenho o menor ressentimento pelo meu afastamento brusco e injusto do Senado Federal.

Os que me tiraram os direitos políticos e me arrebataram um cargo que sempre conquistei em pleitos livres e tendo como opositores homens de valor e, às vezes, candidatos de situações dominantes, deviam se lembrar que nunca fui incondicional aos que dirigiam o Brasil.

... Fui adversário do Marechal Outra, embora tenha ajudado a eleg,e:lo e reconhecesse nele boas qualidades de administrador e polftico, A oposição que lhe fiz, ·desenvolvida em alto nível, não afetou, p~r isso mesmo, as nossas relações pessoais. Tanto assim que, depois que ele deixou o Governo continuou a me dispensar tratamento cordial. '

Critiquei atos do Presídente João Goulart a quem muitas vezes também def d' s . . ' m d' · 'd en I no enado de míustos ataques que lhe era P~~19.1 os, mormente quando os que deviam fazê-lo silenciavam. E· é elemciso que se note que ele prestigiava em Goiás de preferência, 05

entos do p T B . ' ('o · · · goiano. Todos estes o abandonaram, ª

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. deposto pela revolução de 1.964, transferindo-se para a 1ogo foi Arena.Para confirmar ? _que esta~ dize~d~, isto é, que fui sempre

de meus princ1p1os, de minha d1gn1dade, de minha lealdade esc~a~o sem condicionalismo, sem nunca ter sido capacho de nin- ol1t1ca I d' . . P , vou publicar a guns iscursos meus, em que isso demonstrei. guem, Desses traços .se reveste, por exemplo, a oração com que

b. Presidente Juscelino Kubitschek, quando deu início, neste recedi ºa· campanha popular que o levou a Presidência da Repúbli­ Esta o, ca:

"Goiânia se sensibiliza e se ufana em receber a visita de v. Exa. Goiânia saúda Belo Horizonte e o Estado de Minas na sua pessoa. São duas cidades, cujas vidas se afinam e se asse- melham.

Ambas planejadas e ·construídas, obedecendo a um tra- çado urbanístico, o que não aéonteceu com a maioria de suas irmãs do Brasil, que surgiram e se edificaram sem nenhum plano e com orientação falha, devido aos erros de sua origem.

Goiânia, com 18 anos, já desenvolta, já buliçosa, já próspera, acompanha os passos de sua congênere mineira, que é uma das mais belas capitais brasileiras.

Goiânia, plantada nestes altiplanos, olha a metrópole montanhesa sem inveja, sem ciúmes, desejando apenas mirar­ se no ·seu crescimento, na sua imponência, na elegância de seus grandes edif (cios, na beleza de seus parques, de seus jardins e de suas avenidas, confiante em que seu ritmo de progresso será tão interessante que, dentro de poucas déca­ das, se tornará uma das urbes mais notáveis do Brasil.

Goiânia, jovem, robusta e entusiasta, recebe mui cordi­ almente e mui eufórica o ilustre Governador mineiro.

O povo deste Estado muito ligado ao povo montanhês, conhecendo-se reciprocarnente, sabe que V. Exa. é um ótimo candidato ao Governo da República.

O PSD escolheu o seu nome com muita facilidade, com muita presteza, com muita sabedoria, porque nenhum outro se lhe avantaja nas fileiras da nossa agremiação.

Os homens de outros partidos, principalmente os s~us adversários, afirmam que houve. muito açoda~:nto, ~uita Pressa nessa escolha e que o país precisa de uruao nacional,

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.... rtando candidatos que provoquem-luta. Argurnen nao compo - to fraco na hora presente. . .

A democracia se baseia nos sufrá~ios, na concorrência, no debate, no livre exame, no esclarecimento do povo, no entrechoque de idéias e _de prog~amas. Constranger a demo­ cracia em um âmbito tao estreito é dar-~he o atestado de óbito é ultrajá-la, é matá-la. E eu, que. nao sou democrata místi~o e à outrance, posso emitir o meu Juízo sem suspeição.

Sou daqueles que acham que há momentos na vida das nações em que um governo forte não só ~e iustltíca, mas se impõe. Isso, porém, acont~ce quando as _elites e o P?vo verifi­ cam que somente um regime de exceçao pode evitar que o país entre no descalabro, na ruína, na anarquia.

Então, essa exceção se lhes apresenta como medida salvadora.

Nós ainda não estamos nessa situação. Verdade é que passamos por um período difícil de

nossa história política, econômica e financeira. Verdade é que os próprios políticos são a causa desse

desarranjo, dessa grave contingência em que nos encontra­ mos.

Os políticos mesquinhos, interesseiros e egoístas são os fatores desses males, que estão solapando a nossa pátria e levando-a ao descrédito nacional e internacional.

. Os nossos parlamentares, com muitas exceções, são os maiores responsáveis por esse desequilíbrio.

Com od~sejo, muitas vezes irrefletido, de agradar ao elei­ torado, com leis de favores, com orçamentos desequilibrados, vim ~oncorrendo em alta escala para que o Brasil se precipite no abismo. ro A_ licehclo~idade d<:>s maus políticos, muitos av~nturei- s d~ pior espécie, contnbuem para o desrespeito a todas as

a~tondades que, tímidos e prudentes com eles se acumpli- c1am co · d ' ' m r9.wceio e per~er o prestígio ou o poder. ses No af~ de de~tru1r seus adversários, esses políticos, es-

. avl entureiros, ávidos de posição e de dese] os inconfessá­ veis, ançam mão d t d objetivos. e O os os recursos para conseçu ir os seus

Manejam com pe í · , . · ·, Ia r eia a calunia, o achincalhe, a tnJUrl '

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lembrando-se da velha expressão gauleza: Calomniez il en reste toujours que/que chose. '

Lançam mão da imprensa mercenária, aguçando-lhe os apetites desnobres e enfartando-a de pecúnia.

Servem-se também da imprensa bem intencionada re- ,.. . ' petindo-lhe tao intensamente suas falsidades, suas mentiras . . ' suas fantasias que essas terminam sendo aceitas como verda- des.

Penso, entretanto, que com o exercício da democracia ' esses erros se· vão corrigindo, se vão escasseando, até atingir- mos um nível regular de educação política. O homem não deve descrer de suas possibilidades, de seu aperfeiçoamento espiritual, de vez que todos esses males não passam de distúr­ bios morais, provenientes do rebaixamento da espiritualidade. Bem disse um escritor: "A história do mundo é a tragédia do espírito. Uma espiritualidade crescente vence o poder do mal sobre o homem. A incapacidade de sofrer é, às vezes, o mal maior"

Devemos, pois, crer que com a instrução das massas e a educação das · elites dirigentes, insistirão estas nos sistemas democráticos, que melhor defendem os direitos individuais e a liberdade humana.

O PSD de Goiás, estou certo, ficará ao lado de sua candidatura, com firmeza, com dignidade e com destemor. Membro que sou desse partido, defenderei a sua decisão com sinceridade, com calor e com entusiasmo, mesmo porque as minhas atitudes são sempre firmes, resolutas e leais.

Já pressinto a sua vitória. As urnas lhe vão dar uma . , enorme maioria. Faço votos para que o seu governo seja ener- gico, justo e moralizador.

Um Governo fraco nada realiza e arruína o país. É preferível a ele renunciar do que nele permanecer com pre­ juízo, com sacrifício da Pátria que está acima da pai ítica, da . ' vaidade, das paixões e dos homens".

t E, na minha passagem pelo Senado, jamais deixei de dar um

C?que pessoal, independente sem ser irreverente, aos pronun- 1amento 1· f . ' s a I altos como representante do povo. . . COnd O melhor testemunho que eu poderia deseiar p~r~ a min~~

ute de lealdade sem subserviência, durante longa vida pol rn-

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. bê-lo J.á em 1.954, através da iniciativa da "d' ia vim a rece ' 'bl" 1 " co-part1 a~ ' Le islativa, trazendo a pu rco a co etanea de Mesa da _citada Casa goferi quando O então Senador Moura An-

1 discursos que pr ' · h - a guns . d Casa assim analisou a rnrn a atuaçao, em urna drade Presidente a , . d . , : f, ·0 às orações publicadas e que repro uzo a seguir: espec1e de pre ac1 . . , d, "d

"O s dor Pedro Ludovico Teixeira e, sem uvt a, urna ena . figura singular de homem público. , .

Suas tradições de leald~d_e dera~ a_sua pe~s~nal1d,ad: e à sua atuação no cenário pol I trco brasi l~rro posiçao propna, respeitado e admirado pelos companheiros e pelos adversá- rios. Iid d , b A característica da sua persona I a e e, so retudo, a franqueza.

Não é homem de meias palavras nem de reticências mentais. No que diz há sempre palavra inteira, a verdade integral.

Seus pronunciamentos, por isso mesmo, são sempre ob­ jetivos.

Nos seus discursos repontam, a cada passo, o adminis­ trador, o sociólogo e o médico.

Pedro Ludovico, antes de ser político, era médico. No trato com o sofrimento alheio, seu espírito de solidariedade humana deu-lhe fundas raízes na estima popular. Era, então, o "Doutor Pedro", que se debruçava sobre o leito dos enfer­ mos, buscando suavizar-lhes as dores, quando não fosse possí­ vel curá-los. Entrando na intimidade dos problemas do indiví­ duo, insensivelmente foi levado a interessar-se pelos proble­ mas.do povo.

Na direção de Goiás, foi objetivo e realizador. Cons­ truiu Goiânia com os cofres vazios, quando v i u - ~ . viu l~o -: que a velha Capital, cidade-museu, não perrrutre 0 dinamismo que os interesses do Estado exigiam. Administra­ dor _P~obo e vigilante, imprimiu à administração do Estado trad,çoes de ~xação e de trabalho progressista, que o consa­ graram na estima dos goianos. ... No Senado, fiel à linha partidária do seu Partido, nela nao v" · ão e motivo de choque com a sua linha pessoal de correça e lealdade.

Daíª franqueza dos seus pensamentos.

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Nesta publicação de alguns de seus discursos está a exteriorização, que nele é uma constante, de sua rara forma­ ção de político e administrador."

AURO MOURA ANDRADE

Discursos proferidos no Senado Federal, de 1958 a 1964.

O SR. PEDRO LUDOVICO:

Sr. Presidente, Senhores Senadores, o Correio da Manhã de hoje publi­ cou uma nota anunciando que eu iria falar sobre o caso da criação do Senado Estadual em Minas Gerais, aliás combatendo a idéia. Muitos poderão pensar que meu discurso versará quase todo sobre esse fato; dele me ocuparei apenas acidentalmente, per summa capta . •.. .

Senhor Presidente, Senhores Senadores, ao iniciarmos os novos traba- lhos neste período de convocacão do Senado Federal, permiti-me dizer algu­ mas palavras sobre o que deve ser a nossa atuação no ano de 1958.

Convém que aproveitemos bem o tempo com assuntos úteis, benéficos às coletividades que representamos.

A crítica da oposição é necessária a todo. os governos, assim como estes precisam do apoio da maioria para governar com certa tranqüilidade. Isto não implica, entretanto, que os adversários da situação exagerem as suas censuras ou que os situacionistas se tornem servis, batendo palmas a todos os atos do Governo.

Sou insuspeito para assim me pronunciar, pois tenho sido um defensor do Presidente da Repúbl ica nesta Casa, todas as vezes que considero excessi­ vos ou apaixonados os ataques que se lhe fazem. Mesmo porque, acho o Sr. Juscetlno Kubitschek muito bem intencionado, governando sem ódios, sem mágoas, jamais perdendo a linha de equilíbrio político que sempre o domina.

O Sr. ]uracy Magalhães: V. Exa. permite um aparte? O SR. PEDRO LUDOVICO: Perfeitamente, com prazer. O Sr. ]uracy Magalhães: V. Exa. não deve esquecer que a estrada para o inferno está calçada de

boas intenções.

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262 - Memórias

o SR. PEDRO LUDOVICO: ... . ... Apesar de calçada de boas intençoes, muitas vezes sao elas realizadas. O Sr. João Villasboas: Permite V. Exa. um aparte? O SR. PEDRO LUDOVICO: Com muito prazer. O Sr. João Villasboas: Já dizia Fausto Cardoso, em notável discurso na Câmara dos Deputa­

dos, que "entre a boa intenção e a boa obra, vai a distância que medeia entre o sonho e a realidade".

O SR. PEDRO LUDOVICO: Essa é a opinião da União Democrática Nacional, inimiga encarniçada

do Sr. Juscelino Kubitschek, que muito tem produzido. O Sr. João Villasboas: V. Exa. está falando em boas intenções ... O SR. PEDRO LUDOVICO: Refiro-me às obras que tem realizado. O Sr. João Villasboas: ... e eu repito que a diferença entre a boa intenção e a boa obra é a

que medeia entre o sonho e a realidade. O SR. PEDRO LUDOVICO: Discordo, no entanto, da opinião do Sr. Juscelino, quanto à criação do

Senado nos Estados. A maior parte destes anda de sacola à mão, pedindo recursos à União,

com as suas finanças profundamente abaladas e, portanto, não podem dar-se aqui ao luxo de possu irem mais uma câmara, quando muitos estadistas pen· sam que todos os países só deviam usar o regime unicameral.

O Sr. João Vülasboas: Permite V. Exa. um aparte? O SR. PEDRO LUDOVICO: Com muito prazer. O Sr. João Villasboas: V. Exa. está muito bem orientado na crítica que faz à criação de

Senados Estaduais. Além de ser ridícula, nesta época, infringe a Constituição Federal.

O SR. PEDRO LUDOVICO: Estou de acordo com o espírito público que sempre reconheci em V. Exa. O Sr. João Villa&boas: Muito agradeço ao nobre colega. O SR. PEDRO LUDOVICO: as a Devemos levar a nossa poupança, o nosso dever de diminuir despes as

todos os extremos, a fim de restabelecermos o nosso crédito, melhorar

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Pedro Ludovico - 283

condições da no~a moeda, evitando gastos com atividades desnecessárias. Julgo, assim, um contra-senso, um absurdo, a criação dos Senados

Estaduais. A ép~ca. não é de ~gra~ar ninguém, nem de fazer demagogia à custa

dos cofres públicos. o que infelizmente acontece a mancheias, principalmente por parte do Parlamento Na:ional, cujos membros,. na sua maioria, ainda agem, mormente na elaboraçao dos orçamentos, em função das suas aspira­ ções eleitorais ...

O Sr. João Villasboas: Permite V. Exa. um aparte? O SR. PEDRO LUDOVICO: Perfeitamente. O Sr. João Villosboas: Na oportunidade da discussão e votação dos orçamentos, dirigi apelo à

Maioria, no sentido de entendimento geral, a fim de que 'não apresentássemos emendas aumentando despesas; ao contrário, constituíssemos uma comissão para estudar a proposta do Governo, já com deficit, a fim de reduzi-lo o mais possível. Infelizmente, V. Exas., da Maioria, não atenderam ao meu desejo.

O SR. PEDRO LUDOVICO: Menos eu. O Sr. João Villasboas: Só· assim evitaríamos o Plano de Economia, atentado permanente à

Constituição. O SR. PEDRO LUDOVICO: Lembro-me desse gesto nobre de V. Exa., de acordo, ai iás, com seu

espírito público. Se todos, Governo e Congresso e, também, o Judiciário, tomassem

uma deliberação séria, patriótica, de defender ardorosamente a nossa moral política, impedindo as atitudes lesivas ao patrimônio nacional, as nossas con­ dições de povo pobre e filhos de um país rico seriam outras, dentro de pouco tempo. Era a esse modo de proceder que Montesquieu .chamava de virtude política. Dizia ele que o homem de bem, no sentido político, era aquele que amava as leis de sua Pátria e que agia pelo amor delas.

Os homens podem desviar-se desse postulado nobre e justo, como seres mutáveis e relativos que são mas é mister que surja, de quando em quando, uma elite que, com o exemplo e a pregação continuada, nos aponte o cami­ nho do bem e do aperfeiçoamento moral.

1: de se desejar que os políticos brasileiros, os Chefes dos Exec~tivos, os parlamentares sejam tocados de uma inspiração criadora, no sentido de enca · ' f 'd minhá-los para promover o bem' do nosso povo, que tanto tern so n ° nestes últim • • · d 'd os anos as consequências da carestia a v1 a. . .. .

Há cerca de 40 por cento de brasileiros que levam uma sxístencra

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264 - Memórias

, • • · 1 vestidos maltrapilhos, mal alimentados. Penos1ss1ma.doentes ma '. - b t t

m nas grandes cidades nao o servam an o este fenôrne Os que mora . . . no, ue vívern no mtenor do Brasil. como os q 1 • ' • A mendicância, hoje, é um fato natura , ja q .. ue p~oveniente do desajus.

d ossa economia Por toda a parte se veem mulheres e crianças tamento a n · ... . . , e itos homens estendendo a mao para pedir esmolas, a fim de rnat mesmo mu, , . . . ar

f E há muitas pessoas, bem bateladas pela sorte, que ainda se irritam a orne. d. ... do esses pedidos lhes são dirigidos. Pensam e izern que sao vagabundos quan di .. . , . . , ue não querem trabalhar, preferindo a men rcancia, que e mais fácil.

q h 'Ih "' · Ignoram, ou não aquilatam, a um, aç~o que essas cn_atur_as experi- mentam nas· primeiras vezes, ou sempre que assim procedem, Jung1dos pelas mais duras necessidades.

~ preciso que nós, legisladores, olhemos e analisemos esse estado de penúria por que passa uma grande parte das nossas populações.

Com a alta exagerada do custo de vida, com a inflação irremovível e irrefreável de que essa é conseqüência, é impossível, é incrível que, dentro de pouco tempo, não tenhamos perturbações sociais de caráter sério e grave.

Imprescindível que se ponha termo a essa situação. Só não sentem a angústia da hora presente, os que estão de barriga cheia, fazendo bons negócios, com automóveis à porta, pouco se lhes dando o sofrimento dos humildes.

Aqueles que têm um espírito elevado, por temperamento ou por educação, são sensíveis a essa crise dolorosa, que vai perdurando, sem esperança de melhoras.

A desilusão que aqui consigno não pode dar margens à suspeição, porquanto tenho repetido muitas vezes a minha crença no espírito público, no patriotismo e na atuação do Presidente da República e do Ministro José Maria AI km im. Ambos são sinceros nas suas funções.

Mas é preciso que pensem maduramente nas providências que já toma· ram para reparar esse desequilíbrio. Se não estão dando resultados, que tan­ cem mão de outras.

éluase que se pensa exclusivamente na diminuição dos preços dos gêne· ros de primeira necessidade. Se esses baixassem, seria uma injustiça e uni~ calamidade, porque, então, os homens· que trabalham no campo, que se dedi' cam à lavoura e à pecuária, ficariam inteiramente arruinados.

O Sr. João Villasboas:

Permite V. Exa. um aparte? O SR. Pl:DRO LUDOVICO:·

Com todo o prazer.

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Pedro Ludovico -

O Sr. João Villasboas:

C nsidera V. Exa. a elevação dos preços decorrente da ação dos inter­ ., .

01 A verdade é que o comércio não mais se contenta com os velhos ed1anos. .

rn de trinta e quarenta por cento; deseja-os de trezentos por cento para 1ucros cirna.

O SR. PEDRO LUDOVICO:

Estou de pleno acordo com V. Exa. A atual situação é proveniente da especulação dos a~a~barcadores '. Justamente nesse campo, o Governo deve intervir,, agindo drástica. mesmo violentamente, contra esses elementos.

O Sr. João Villasboas:

Para esse fim, foi criada a COFAP; para que o Governo interviesse, impedindo a elevação dos preços.

O Sr. Othon Mader:

Permite o nobre orador um aparte? (Assentimento) Os especuladores só proliferam e enriquecem nos países de economia tumultuada, como o nosso. Se tivéssemos 'ordem econômica, não haveria especulação.

O SR. PEDRO LUDOVICO:

O Governo poderia evitar essa situação com providências bem estuda­ das, bem planejadas, como se fez na América· do Norte, na França e na Alemanha.

O Sr. Othon Mader:

Países de economia organizada. Enquanto a economia nacional estiver em des_ordem, os especuladores dela se aproveitarão para enriquecerem cada vez mais.

O SR. PEDRO LUDOVICO: F .

no não d 0' exatamente o que·eu disse há pouco. Se as providências do Gover- eram resultado, é preciso que ele estude outros meios.

O Sr. Othon Mader:

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266. - Memórias

A especulação é conseqüência, não causa da crise.

O SR. PEDRO LUDOVICO:

Como poderiam comprar o ~ai, o arame-farpado, os tecidos, os rem,. dios e outras utilidades indispensáveis?

No atual momento, em que o produto do seu tra~alho encontra cota­ ção mais ou menos compensadora ,:tos mercados consum.1dores, a população rural que vive dos esforços de seus braços leva uma existência miserável digna de d6; o que seria, se só a produção rural fosse vendida por preç~ menores?

Cairíamos em círculo vicioso. Esses rurícolas, que já têm uma grande tendência para procurar residir nas cidades, onde encontram mais conforto e maior assistência para suas pessoas e suas famílias, abandonariam os campos desesperançados pela falta de compensação aos seus esforços. '

O Sr. Luiz Guedes:

Permite V. Exa. um aparte?

O SR. PEDRO LUDOVICO: Pois não.

O Sr. Luiz Guedes:

Julga V. Exa. justo que certos indivíduos trabalhem no campo, aonde não chegam a higiene e a assistência social, enquanto outros exercem ativida· des em centros adiantados, recebendo todos os benefícios dos tempos moder· nos? Será I ícito, em tese, reclamarmos contra os que vêm para a cidade, que lhes dá.tudo, fugindo do campo, onde nada têm7

O SR. PEDRO LUDOVICO:

Considero absolutamente justo que procurem a cidade.

O Sr. Luiz Guedes:

Penso que a melhor política seria a de justiça para todos. O Governo teria de organizar cidades, no País inteiro, através de um sistema de estrada~ de modo que aos brasileiros, indistintamente, fossem prestados os mesmos serviços sociais.

O SR. PEDRO LUDOVICO:

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seria, porém, providência muito demorada.

O Sr, Luiz Guedes: , . . . . Toda essa pol rtrca praticada hoje é inteiramente an ô . . . d d f acr nica, unproce-

te Quando a socre a e ornece todos os benefíc'ios den · . . d . . aos moradores na 'dade é inJusto deixar os o campo sacrificados. Estes deviam t 1 c1 , f . idê . , na ura mente . ara O centro, usu ruir I entrcas vantagens. , ,rp o SR. PEDRO LUDOVICO:

Estou de pleno acordo com V. Exa. O Sr. Luiz Guedes: Peço licença ao nobre colega; não interrqmperei seu discurso por mais

tempo. Há outro fato, porém, a que me quero referir. Estamos a reclamar todos 05 dias, sobre a questão da inflação. Na realidade, 0 Governo FederaÍ poder.ia dispor ~o ~inheir~ das emissões para transformar toda a economia nacional. Esse dinheiro serve, no entanto, para descontrolar toda a Federação. Os Estados e municípios podem ter orçamentos equilibrados. Se O Congresso se encarregasse de determinar que lhes fosse entregue parte das emissões o . , País teria outros destinos e o Governo Federal outras limitações.

O SR. PEDRO LUDOVICO: Quanto a esse ponto, não concordo com V. Exa .. O Governo Federal

tem distribufdo grande parte desse dinheiro com os Estados e Municípios. O Sr. Luiz Guedes: Se o Governo a eles dístribuisse quotas de cada uma das emissões,

estaria muito enfraquecido nos erros de que tanto é acusado. O SR. PEDRO LUDOVICO: . Não só o Ministro AI kmim, como o próprio Presidente Juscelino Ku­

bitschek,se têm preocupado muito com esse grave problema, que é o encareci­ mento da vida dos nossos patrícios. Têm usado de vários recursos para mino­ rar essa situação, como o de prestigiar e ajudar financeiramente a COFAP, que é o órgão destinado a reprimir os abusos dos exploradores e de cooperar, principalmente, no setor da alimentação.

. Verdade é que esse órgão, dirigido ,por um homem que reputo honesto e :nterioso, tem dado resultado nos grandes centros, nas capitais dos Estados, nao lhe sentindo os benefícios o resto do Brasil.

v· Depois dessas rápidas considerações, volto ao meu antigo ponto de ista sobre q · · · ib d S

, ue ernrtt a minha opinião há cerca de ano e meio, nesta tn una 0 enado. ' tos Em vez de destinada à discussão e solução da prorrogação dos manda·

, esta con ... . 1 , . sobre vocaçao deveria dedicar-se a um estudo meticuloso e apo mco a elevaç... · . A ao incontestável e irfeprim ível do custo de vida.

nea rei t' Prorrogação de mandatos é inconstitucional, imoral e extemporâ- , a ivarn Pod ente aos dias que vivemos.

e Provocar a subversão do regime.

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268 - Memórias

É uma medida inconveniente, irritante e que trará para o Congresso Nacional uma onda de antipat!a e de desprezo..

O Sr. Domingos Velasco: Apoiado! . o SR. PEDRO LUDOVICO: . ~ C tinuo a pensar que o único fator capaz de por um dique à nossa on • · fl - ' bid crise econômica e financeira, principalmente a m açao e a su I a vertiginosa

do custo de vida, é O congelamento dos preços de todas as mercadorias e dos vencimentos· e salários, por determinado tempo.

Ainda há pouco, o Uruguai assim procedeu, conquanto seja um país bem organizado e com suas finanças bem equilibradas.

O Sr. Luiz Guedes: Permite V. Exa. outro aparte? O SR. PEDRO LUDOVICO: Com todo o prazer. O Sr. Luiz Guedes: Pensa V. Exa. que -em São Paulo, com a indústria paulista vivendo,

desde a proclamação da República, num regime de inflação, seria possível a um governo qualquer, sem uma grande revolução, sustar a inflação, de mo­ mento?

O SR. PEDRO LUDOVICO: Não seria impossível! O Sr. Luiz Guedes: O Presidente Café Filho teve que mandar às pressas três bilhões de

cruzeiros para São Paulo. O País estouraria, se quizesse sustar a inflação. O SR. PEDRO LUDOVICO: O. remédio que indico é o congelamento total de preços; salários e

vencimentos. É minha velha opinião. Se tivesse sido aplicado há dois anos, não estaríamos na situação atual. A questão é que a medida é violenta e, portanto, há receio de aplicá-la.

O Sr. Luiz Guedes: _ O desequilíbrio advém, realmente,do fato de o Governo emitir; e ele

nao pode deixar de fazê-lo.

O SR. PEDRO LUDOVICO: Não é questão de e~issão. Nenhum Governo emite porque quer, mas

porque precisa.

O Sr. ~u~ Guedes: 0

Gover· Sem duvida; mas como poderiam os preços ser congelados se

no continuaria a emitfr? O SR. PEDRO LUDOVICO: • ganiza· Poderiam. Outros países assim o fizeram. O Uruguai, naçao or

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Pedro Ludovico - 289

da, estabel~ce~ O· congelamento. geral. A França também congelou preços, lã los e vencimentos.

sa r O Sr. Luiz Guedes: Quem não vai à França pensa que houve realmente O congelamento

d preços, através de notícias de jornais fornecidas pelos departamentos de º~licidade. Uma lei de papel-moedaé a inflação. Num pars, como é O Brasil, ~~ que praças como São Paulo vivem em regime de inflação continuada, seriá impossível deter preços, congelá-los,~ seguir qualquer política dessa ordem, sem O Governo enfrentar uma revoluçao. ·

O SR. PEDRO LUDOVICO: Estou de acordo com V. Exa., mas, quando o Governo torna providên­

eia dessa ordem, deve prever tudo, seja revolução, seja malquerença. O Sr. Luiz Guedes: Seria um desastre, para urna situação já de certo modo bem encami-

nhada. O SR. PEDRO LUDOVICO: Seria o único remédio. Tenho dito.

1959

O SR. PEDRO LUDOVICO:

Senhor Presidente, de há muito a minha voz não se faz ouvir no Senado, a fim de proferir propriamente um discurso. Sem modéstia, afirmo aos meus colegas, ilustres Senadores, que não é por excessiva deficiência de cultura e nem ·por timidez, que assim procedo. Penso que é por falta de entusiasmo_, provocada por motivos que passo a expor. Um homem, como eu, que ~ili ta na política há três décadas, e que governou um Estado porrnais de três lustros, possivelmente está dominado por certa indiferença e pelo laissez vi­ vre, após observar a degradação de rnu itos políticos e da maioria dos adminis­ tradores em nosso País.

Não só por isso. Consumido também pelas duras, árduas lutas que tive ?e enfrentar, impostas pela rudeza do ambiente em que se· travaram, sinto-me Já gasto, blasé, nessa prolongada ação de pelejas cívicas.

AssírQ sendo é natural que evite as emoções provocadas pela oratória e pel d ' os ebates por ela suscitados.

. . Ademais, o. meu tipo biológico é hipersensível, talvez hipertiroidiano, SUJe1to · · 'd d d mais do que outros que não o são ao excesso de ernotivt a e e e reaçã p . ' · d · d

0· or isso a minha sensibilidade exagerada se ressente e quaisquer ebates d . ' e quaisquer entreveros parlamentaresA . ~

Destarte não posso ser um senador operoso. atuante, pois, para se-lo

~----··

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270 _ Memórias

. , rio sacrificar a minha saúde. serra necessa h Senadores homens cultos, e que devem ser psicól os Sen ores ' . b" ogo . ,. . e têm da vida, Já podem ter perce ido nesse longo s Pela experrenc1a qu . . , . h . ,. con.

. ste meu estado físlolôqico que, OJe, espontaneamente Ih tacto comigo, e es descrevo. · h f" ·" ·

E assim, que me perdoem a mm a pequena e 1c1enc1a nesta C spero, _ . dit d f .. asa t m e Pontificam Colegas tao eru I os, ocupan o requentemente em que a ua .. d a

. d Senado onde se revelam eloquentes e gran es oradores. tribuna o , · · h · ... Com este breve exórdio, passo a tecer as mm as cons1deraçoes sobre 0

ponto principal do meu discurso. . .., Antes de ler a essência da minha oraçao, esclareçq aos Srs. Senadores

ste discurso está escrito há muitos dias, antes das providências tomadas que e . d . pelo Sr. Presidente da República a respe1.to o excess~vo custo da vida; mas, a meu ver ainda é oportuno, porque considero as medidas tomadas pelo Chefe da Nação um pouco inócuas e sem certa profundidade, mesmo porque, pare­ ce, só abrangem os gêneros de primeira necessidade.

Senhor Presidente, Senhores Senadores, tanto na Câmara como no Senado, e também na Imprensa, muito se tem falado da atual situação do País. Não é demasia ventilar este assunto, principalmente pelos· representantes do Congresso Nacional, que são obrigados a defender os interessés das coletí­ vidades que representam como seus eleitos.

De fato, as nossas condições econômicas P. financeiras cada vez mais nos preocupam. De alguns anos a esta parte elas pioram sensivelmente, ao ponto de os mais pessimistas preverem um futuro sombrio para a Nação. Evidentemente, os remédios aplicados para o nosso mal ainda não deram resultado.

O Sr. Juscelino Kubitschek como nenhum outro Presidente da Repú· bl~ca, está construindo obras que vão refletir-se profundamente no futuro econô· mico da ~ossa Pátria. Está desenvolvendo os pontos básicos em que se alicerça a.economia de qualquer país.

. . Em matéria de energia elétrica e de estradas de rodagem nenhum dirigente da Nação s Ih · 1 • .., . • bé e e 1gua ou ou dele se aproximou nao deixando tam m em esqueci~ento outra fonte de produção fundame~tal.

Era preciso um administrador da coragem rara como é a sua para levar avante obras de ta h man ° vulto, em uma época de aperturas financeiras como ª que atravessamos E · d d s

preceitos con ft . · . am ª tomou a decisão varonii de cumprir um 0

planalto cent:ai' ~~i~na,~ qu? .det~rmina a mudança da nossa Capital para .. º política. rasíl, edificaçao de grande porte financeiro e repercussao

Mas todas essas ob , mia dentro de algun ras so trarão r~sultados favoráveis à nossa econo

s anos, não el' · . . e nos conduz vertiginosa 1mmando imediatamente esta crise qu mente Para um d . No setor industrial á . a ver ade1ra asfixia. ·vo

,v nas têm tido e terão um progresso tão expressi "

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mormente na fabricação de automóveis e caminh... . . des do Brasil, que sera obrigado oes, que irá além das necess1-

d~ ª exportar uma grande parte da sua produ- çao. 'f. , ...

Justi icar-se-a entao, como se .. . preve, o prognóstico do Presidente Ku- bitschek que nos dana um progresso de 50 anos e 5

Os Ministros da Fazenda; mormente O mS ·J é M · d Alk · .. r. os ana e mim, esforçaram-se par~ _por um termo a essa crise econômica que nos atormenta.

Usaram varias processos para debelã-la, nada, porém, conseguindo. Momentos houve em que certo otimismo oor parte desses técnicos nos conta­ giava. Parecia que os planos seriam coroados de êxito, dando-nos uma euforia que durava pouco.

Cheg~m~s, e_ntreta~to, a um ponto tão crítico dessa angustiosa si­ tuação econom1co-finance1ra, que preciso se tornou lançar mão de qualquer providência para animar o povo. Decretou-se o congelamento de preços de gêneros de primeira necessidade e, posteriormente, de produtos farmacêuti­ cos. Vieram logo as críticas e as hostilidades, algumas criteriosas, bem inten­ cionadas, e outras de absoluta mã-fé.

Interessante é que essas últimas nunca apresentaram uma solução para o nosso caso, para melhorar a nossa aflição.

Atacaram o Governo Federal, com os seus desabafos, e acharam que era urna boa oportunidade para incompatibilizá-lo com a opinião pública.

Ninguém apresentava uma idéia para resolver o problema. Por duas vezes ocupei a tribuna ao Senado para tratar do encarecimen­

to do custo da vida. Propus um congelamento total de preços, de salários e vencimentos,

respeitando-se, é claro,certas exigências naturais de compra e venda, como do fator câmbio.

Há dois anos que discorri, pela primeira vez, sobre a matéria. Se naquela ocasião se tivessem tomado algumas providências nesse

sentido, penso eu que a nossa situação seria,· presentemente, menos precária. Todo mundo sabe que não pode haver equilíbrio financeiro sem orça­

mento equilibrado. Ora, os orçamentos da República vêm sendo nos últimos anos, extraordinàriamente deficitários.

O congelamento que preconizei evitaria esses deficits, ou, pelo menos, os reduziria muito.

t natural que uma providência de profundidade, como essa, despertas­ se contrariedade em vários setores sociais. Os comerciantes, intermediários, produtores, sofreriam, durante alqurn tempo, porque veriam as suas ambições de lucros exorbitantes coibidas.

Habituados a ganhar 50 100 200 e 500 por cento em suas transações, Pas · ' ' sanam a auferir menores lucros nas mesmas. Pe Viciados nesse maremagnum de ganhos ilícitos, não toleram mais uma quena per . . b 'd centagem nos mesmos. Destarte, ficamos em um eco sem sa I a:

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272 _ Memórias

. enta O preço da carne, o padeiro aumenta O do .. ougue1ro aum . d Pao 0 se o aç. d I ados de tecidos, enfim, de to as as mercadorias ta ~" s comerciantes e ca ç ' ' Oluen,

o custo de seus produtos. elevam , , ovado que a COFAP é incapaz de enfr~ntar ou de Pôr Ja esta pr . . un,

. d' t' bio econômico. ~ possível que alivie um pouco a situ •. freio nesse is ur , " . á . h . açao, . . seguira remove-la. Se medidas dr strcas ouvessem sido to . mas jamais con ma. h , d . ou três anos atrás como um congelamento total, não estaríam das, a 01s ' , " . os

d f tando um panorama de ruma econormca como o que se nos apresenta e ron . . bi · 0 exagerado custo das utilidades sempre provoca ur z et orbi grand

1 •.• e mal-estar social. Mormente quando se pro onga e que nao se vislumbra urn recurso para combatê-lo.

1 nvestigando as nossas fontes de rendas, de divisas, verificamos· que elas não se encontram em condições de nos favorecer de imediato.

o café, que é o nosso principal produto, não nos pode socorrer neste caso de emergência. O seu mercado está em declínio, caminhando para a ruína, se as suas perspectivas de âmbito internacional não se modificarem. A produção africana constitui um espantalho para a nossa rubiácea, embora 0 nosso ouro-verde seja muito melhor do que o colhido naquela região do planeta.

É necessário que encontremos novos consumidores para a nossa aro­ mática e saudável bebida. Façamos uma propaganda intensa dela nos países da cortina de ferro, na Rússia e na China. Enviemos para lá grandes quantidades de café torrado, vendendo-o por um preço acessível ou oferecendo-o gratuita­ mente, até que esses povos se habituem ao seu paladar e se tornem viciados em tomá-lo.

Se formos felizes nessa ini.ciativa estará salvo o futuro do nosso pri­ mordial produto e, conseqüentemente, melhorada a nossa balança comercial, cujos atrasados, que, dia a dia, crescem de vulto, muito· nos afligem e nos empobrecem.

. Deveríamos, outrossim, aumentar a nossa produção de açúcar que ainda tem muita possibilidade de ser exportado para vários países que 0 produzem em quantidade insuficiente para o seu consumo.

Como todos sabem, a nossa terra poderá°fabricar açúcar para fornecer a todo o mundo.

Oua~do se quer combater o Governo Federal censurando o congela· mento parcial po I f · ' íse é r e e eito e que considero errado afirma-se que a nossa cri uma conseq"" · d '

H, uencia a falta ou da carência da produção. E ª urr, grande exagero nessa afirmativa. . stamos exportand . · cess1· dade o O arroz, carne e outros gêneros de primeira ne

men~o e~oanr~a~éns es~ão abarrotados de café. O que se impõe é um planeja· om1co e leis esp · · lmpo"'e eciais para se poder realizá-lo . -se um regime d · · do 1rn· Plantar na Arge t· e austeridade como Frondizi está queren n ma

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Para ~anto seria .imp~esci~d ível que o Congressso e o Executivo se dessem as maos~ com muita smc~rid~de, com muita dignidade, vendo somente bem do Brasil. Sem essa asprraçao altruística de ser útil às coletividades o N • I A •

humanas, nao se con~eguira exrto nesse desiderato. Examinando-se atenta- mente o que se tem. visto em nosso País, na feitura e aprovação dos projetos de leis de favores, fica-se descrente de que possamos melhorar a nossa situação econômica. E não são os pequenos, os humildes, os que são beneficiados com essas liberalidades. Dessarte, vem-se notando um grande ressentimento no seio do povo pelo procedimento leviano dos legisladores. "O ressentimento é mui­ to bem definido por Scheler como uma autointoxicação, a secreção nefasta ern vaso fechado de uma impotência prolongada".

Desse ressentimento pode vir a revolta, que é uma sensação mais vio­ lenta, que leva à exploração aqueles que se sentem oprimidos nos seus direitos e os que assim se julgam "opõem· o princípio de justiça que está neles próprios ao princípio de injustiça que vêem na obra do mundo".

Em nosso País basta a imprensa noticiar um aumento de salários para que os comerciantes elevem o preço de suas mercadorias.

Quando essas são produtos de importação,ou mesmo que não o sejam, e que o dólar experimenta uma alta, passam por uma imediata remarcação, ganhando-se nessa escamotea_ção cifras elevadas conforme o volume dos esto- ques.

Esta crise está trazendo perturbações danosas ao nosso organismo eco­ nômico e social. As exigências das diversas classes estão se manifestando dia a dia, mais fortes.

Virá o momento em que será ultrapassado o limite de possibilidade para serem satisfeitas. Nessa ocasião surgirá a revolta contra todos os poderes de que se compõe um regime democrático.

Já surgiram no Nordeste e em algumas localidades do Sul demonstra­ ções dessa revolta contra os legislativos estaduais, chegando o povo a manifes­ tá-la publicamente com a ameaça de invadir as respectivas Assembléias, mos­ trando o seu desagrado pelos atos praticados pelos deputados.

Infelizmente-o povo tem razão. Tem havido muita falta de critério por parte dos legisladores em todo o Brasil. A sua atuação tem desmentido as esperanças que neles se deposita. Há uma decepção geral em relação aos mesmos, que já se vai estendendo às autoridades governamentais.

A capacidade de tolerância das massas vem se restringindo. O seu sofrimento provocado pela má alimentação, pela axploração dos aproveitado­ res, que não lhes fornecem os calçados o vestuário e outras utilidades indis­ pensáveis à sua vida modesta senão a preços extorsivos, as impulsiona para a rebeldia q d , , · ·' ' t d . , ue po era se manifestar por varias formas, como Ja esta acon ecen- o. Cria-se um ambiente de fermentação propício para os demagogos e inimi-

gos da arde · •. ·· 1 m, conduzindo-nos possivelmente a soluçoes v10 entas. Brevemente começará a luta das candidaturas à Presidência da Repú-

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274 - Memórias

blica e Governadores de alguns Estados. oxalá ela venha trazer novas esperanças ao povo sofredor e já irn . ~

ciente de melhores dias. Percebe-se, no entanto,. q~e es~~ não mais acredita ~os candidatos

vulgares, isto é, em homens rotine1r~s, ja t·stragados pela política profissional ou egoística. Só crê naqueles que Julga capazes de dar um novo rumo Brasil, saneando a administração em todos os sentidos, combatendo essa bu:~ cracia exagerada que nos asfixia, não permitindo, ~elo ~eno,s, ~urante algu~s anos, se torne mais numeroso o quadro dos funcionários publicas, não con­ cordando com essa leis absurdas de reformas de militares e de aposentadoria de civis que constituem um verdadeiro escândalo na nossa vida pública.

Enfim, o povo só crerá em um homem que deseje ser Presidente da República, não pelas vantagens materiais do cargo, não pela vaidade, não pelo orgulho de ser o Chefe da Nação, mas pelo ideal nobre de servi-la, mas corajoso bastante para sacrificar a própria vida no intuito de defender esse ideal.

O SR. PEDRO LUDOVICO: Sr. Presidente, continuamos com o problema da carestia de vida. Até

hoje não se conseguiu solucioná-lo, nem, ao menos, paralisá-lo. . . Não se pode afirmar que o Governo Federal se tenha mostrado indife­

rente a essa situação que, dia a dia, se agrava. Não; ao contrário, as providên­ cias governamentais não têm faltacio, mas o que é certo é que não deram resultado.

Preciso é que novas medidas sejam tomadas, ainda que para tanto se estabeleça um novo procedimento, isto é, que se dê ao Governo mais autorl­ dade legal para agir.

Já falei várias vezes no Senado sobre o assunto, apontando o meio de solucionar esse problema, ou, pelo menos, de minorá-lo.

Ninguém aceitou o meu conselho, continuando as autoridades a lançar mão de meios anódinos que não têm produzido efeito satisfatório.

Repito o que disse em pronunciamentos anteriores: a Inglaterra e Fran· ça e outros países da Europa já passaram pela mesma crise, agravada pela devastação da última guerra, e conseguiram debelá-la.

Na velha Albion havia dias, e isso durou muito tempo, em que a lei vedava comer carne e peixe. Ou se comia carne ou se comia peixe. Nem a casa real nem o ~rim~iro-Ministro tinham o direito de tazê-Io.

Havia uma restrição severa e a austeridade se estendia a tudo e a todos. ... ~ necessário que adotemos aqui o mesmo processo e principalmente,

na d it · ' 0 ª rm ... amos que se tenham lucros exagerados na venda das mercadorias. . Nao ~ deve tabelar somente os gêneros de primeira necessidade, por·

que isso sena uma grave injustiça. As vistas das autoridades devem volver-se

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Pedro Ludovico - 275

Os grandes industriais, os grandes comerciantes os lnterrnediã · para . . , nos, que ão os que mais exploram o povo, pois a maioria deles ganha somas enormes ~ue lhes dão para manter '"" fau~toso yadrão de vida. Todos deviam colabo: rer nesta hora ~ara a ~elhona .da srtuacso por que passa O Brasil.

caso na~ ~ue1ram assim proceder vo~untariamente e religiosamente, como bons catollcos, que quase todos o sao, que se obrigue essa gente a cooperar para uma tão nobre finalidade.

Faça-se um rápido confronto do preço das mercadorias com os salários e vencimentos. dos operários e de uma grande parte dos funcionários públicos para se verificar como se torna dificil, sofredora a existência dessas classes. '

Os medicamentos, por exemplo, que se adquirem por absoluta necessi­ dade, e não porque se queira, continuam cada vez mais caros, mais inacessí­ veis à bolsa dos que ganham pouco.

Um camponês que vive do suor do seu rosto, quando não encontra um médico caridoso que lhe dê a receita gratuitamente, e, em geral, ele tem que por ela pagar no mínimo duzentos cruzeiros, não pode mandar aviá-la ou comprar os remédios dela constantes, porque o seu custo fica nunca menos de oitocentos a mil cruzeiros. Entretanto, sabe-se que os laboratórios ganham somas exorbitantes na fabricação dos medicamentos.

E não se põe um freio nesses abusos. Uns na opulência e uma grande maioria privada· dos mais elementares

recursos para sua sobrevivência. Um escritor já disse que o mundo é divino porque é gratuito, mas, para

nós, na atualidade, esse pensamento não se aplica, pois a vida está dificílima. Os privilegiados da fortuna devem pensar como Feuerbach, de que o mistério de Deus não é senão o mistério do amor do homem para o homem. Os que se afastam deste postulado poderão ser crentes, ser religiosos, mas se afastarão da verdade que se impõe e é eterna no seu conceito moral.

Não se pode ficar insensível ao sofrimento, à dor coletiva, embora dissesse Nietzsche que "só a terra grave e sofredora é verdadeira" e que o homem devia se abismar no Cosmos para encontrar sua divindade eterna. É preciso que todos saibam que não é só no Brasil que existe essa crise provoca­ da pela elevação do custo da vida. Ela é geral. Recém-chegado da Europa, e tendo percorrido diversos países, verifiquei que a vida é cara em todos eles. Dizem os seus habitantes que esse fenômeno ainda é conseqüência da guerra. Füi a um cinema de 1a. classe, em Roma, e paguei pela entrada trezentos cruzeiros. Fui a outro inferior, dos piores, e paguei cento e vinte cruzeiros. Em Paris fui assistir a um filme russo e me custou o ingresso mil e quinhentos fra~cos, que equivalem na nossa moeda a quinhentos e dez cruzeiros. Um quilo de carne de boi na Itália custa mais de quinhentos cruzeiros e, na F ran · ' ' · , · ... b ' · ça, mais de quatrocentos cruzeiros. Os serviços públicos sao tam em mais caros d · .•. • d . o que os nossos mesmo tendo-se em conta a desvalonzaçao o nosso d1nhei o ' d .... ro. s preços dos transportes de estradas de ferro ou e aviao. as taxas

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276 - Memórias

d que os nossos. Custa um litro de gasolina is elevados o I' · I' Postais são bem ma, . . argumentar que os sa anos a devem ser , . Poder-se-ia . trinta e cinco cruzeiros. N.. é verdade. Na Itália o salário médio é de

. os nossos. ao . · maiores do que d a sete mil e quinhentos cruzeiros. Como se noventa liras, o que correspon _e modesto

1 , • 1 vado e sim · vê, não é um sa ano e~ d ' s observações apenas para mostrar que não é

E e referin o a essa ' stou m , , . d um custo de vida caro. Quase todos os povos só o Brasil que e vrnma e

. t mesmo mal-estar. expenmen am, . d tãt s da Via Ápia aquecidos pelo sol da Itália, e na Aos pes as es a ua , Ih .

Ó P · vi também homens e mu eres que estendiam as Praça da pera, em ans, mãos pedindo um óbulo para matar a fome. . , . . .

' 0 d íustarnento social e nosso desequllfbrlo financeiro e eco- nosso esaJ , . A • N e [ustificam em face da grandeza do nosso Pais, rico de vastidão norruco nao s ,

e matérias-primas. A

Esse desajustamento, aliás, provém de erros que se vem acumulando através de anos e repetidos por muitos governos que não tiveram a coragem de extingui-los e de tomar novos rumos. Entre esses, os que mais nos têm prejudicado são o empreguismo excessivo, sem controle, e a execução falha dos planos estabelecidos.

O atual Presidente da República não pode ser o bode expiatório da nossa situação e dos nossos distúrbios econômicos. Se aumentou a inflação, tê-lo no bom sentido, desenvolvendo as nossas fontes de energia, criando indústrias de base, desenvolvendo as já existentes e construindo rodovias por onde possa escoar-se a nossa produção.

Teve a coragem de construir uma nova Capital para o Brasil, interiorizando-a de forma a se tornar uma base para o desenvolvimento da no~a extensa hinderlândia; sem nenhuma dúvida, a nova metrópole brasileira sera º. marco de uma promissora civilização política e econômica como aproveitamento das riquezas naturais do Centro-Oeste e do Norte do Brasil.

.. Aquelas vastas regiões sentirão o influxo de um progresso tal que mod1f1cará dentro de algu · .., A , •

COI d ns anos a situação economica de nossa Pátria, ocan o-a na vanguarda d .., b um novo ciclo d r id d as. naçoes · em dotadas nesse particular. Teremos

e a ,v, a es criadoras e produtoras Só O tempo Poderá prov • · ••

fruto de um entusiasmo d ar ~ ac:rto do meu prognóstico, que na~ é a se explorar de que disp ou e uma ilusão, mas a dedução lógica do potencial omos.

Não se Pode negar que concorrem para onerar os c f ~ .despesas com a execução ~ssa ob!ª benéficos que se justifica e: res public~s. No entanto, os resultados serão tao de amanhã prestarão O dev·~ ato c?raJoso e de fundo patriótico. As gerações Brasília, porque fatalment

1 0 Preito de reconhecimento ao construtor de B · e essa realiz .., . ras,t. açao abrirá novos horizontes para 0

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Pedro Ludovico - 277

O Sr. Lima Teixeira: É verdade, V. Exa. tem toda razão. O SR. PEDRO LUDOVICO: Muito obrigado a V. Exa. Tanto é acertada essa decisão do Presidente Juscelino Kubitschek, que

d os candidatos à Presidência da República no pleito passado como os to os ,

1 , , I

ís são part1danos da mudança da Capital. atuai , •• , d . . A lei da evoluçao e um os unperativos da vida social e biológica.

S ncer lhe dedicou grande parte de seu pensamento filosófico, tão profundo pe · id d A . ' 1 d tão vasto, que foi consi era o o nstote es os tempos modernos, na

e pinião de Clóvis Bevilacqua. E Brasília, que é, no momento, uma das causas ~a inflação, será evolução, ser~ progresso, será desenvolvimento econômico e será, dentro de um breve futuro, um dos maiores fatores de deflação.

1960 •

O SR. PEDRO LUDOVICO Senhor Presidente, Senhores Senadores, sabem V. Exas. que fui à Eu-

ropa, em princípio do mês próximo passado, representar o Senado Federal, como seu observador, na Conferência do GATT, que se realizou em Genebra.

E como é meu dever relatar o que ali se fez, ou, pelo menos, opinar sinteticamente sobre o que ai i observei, ocupo hoje esta tribuna para assim me pronunciar.

Em primeiro lugar, devo dizer que foi um prazer permanecer alguns dias, naquela cidade suíça, que é cheia de belezas naturais, principalmente um rio e um lago de 70 quilômetros de comprimento, que muito a enfeitam.

Apresenta uma notável organização, em vários aspectos, que a tornam admirável, como quase todas as cidades daquele país. Embora a estação fosse outonal, que é urna das mais tristes, a meu ver, e que afugenta os turistas, estando a maior parte dos hotéis com poucos hóspedes, senti-me bem naquela urbe, que é tão acolhedora e tranqúlflzante.

Ademais, tive a felicidade de ali encontrar o Ministro Valadão, que foi de uma gentileza inexcedível com todos os repres~ntantes do Brasil àquela Conferência, além de ser um homem culto, poliglota, e de uma vivacidade de e~pírito pouco comum, procurando ser útil e agradável aos seus patrícios que la se encontravam.

Pude com satisfação observar que o corpo de técnicos enviado pelo Brasil estava à altura da sua missão, pela sua cultura e pelo conhecimento :P~o dos a~untos ventilados, entre eles o Sr. _v~lentim Bouças, nome_ a~at~­ b . conhecido no exterior e o Senhor Teof1lo de Andrade, mtellgencia nlhante e grande estudioso da política internacional·

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278 _ Memórias

1 fizerarn com que a nossa representação se elevasse no Todos e es 1 1

• .., con. . d . delegações culminando com a ree erçao do nosso Mini t certo das ernais , . . .., d GATT s ro

d Silva para presidente da Instituição o , Barbosa a 1 .. f · 1 • N Del egação tinha a braços tres tare as 1gua mente importantes ossa ... "fá . e . egociação da lista de concessoes tan nas aprovadas Pel absorventes. a n . ... , o

N cional em agôsto último, a representaçao a XVII Reunião da Congresso a , . . ... C f .. . T . s Partes Contratantes do GATT~ª. partrcrpaçao na on_ erencia arifária Geral,

Essas três atividades, distintas no seu proced1men!o, apresentam, no t Uma unidade íntima, de vez que os resultados obtidos pelo Brasil em entan o,

1 ..,

1 uer uma delas afetam fundamenta mente sua atuaçao nas demais. Gra. qua q ,,_ 1•

• S Porém ao esp frito de compreensao e rea ismo que governa as decisões

ça ' ' · 1 d bi · tomadas no GATT, é de se esperar que sejam a cança os os o Jet1vos traçados pelo nosso Governo para todas as negociações. . .

A XVII Reunião das Partes Contratantes assumiu uma importância especial na história de nossa participação no GATT, pois ela se realizou no momento mesmo em que, por assim dizer, re-negociavam as condições mes­ mas de nossa participação no Acordo Geral. Tinha, ademais, um significado particular, por coincidir com a abertura da Conferência Tarifária. Geral.

No que respeita á tarifa brasileira, a atitude do GATT se caracterizou pelo esforço sincero de encontrar uma solução que, sem ferir os nossos com­ promissos· internacionais, assegurasse ao Governo a implantação das medidas e salvaguarda econômica necessários à industrialização do País. As nossas difi­ culdades de balanço de pagamentos e as imposições de crescimento econômi­ co resultantes do aumento demográfico são demasiado sérias para permitir esperar que, mais uma vez, as Partes Contratantes estendessem ao nosso País o tratamento especial permitido pelo Acordo Geral.

Não quero deixar de valer-me desta oportunidade para louvar o acata· mento que as Partes Contratantes deram à decisão soberana do Congresso Nacional,. no que respeita à derrogação dos compromissos figurantes na nossa 1 ista de concessões terif árias.

. . Graças a essa atitude de compreensão, podem, agora, os negociadores brasileiros reabrir, á margem das negociações normais com as Partes Contra· tan.tes, os entendimentos especiais que se fizeram necessários em face da retirada, pelo Brasil, de concessões já outorgadas. r ,No Pl_a~~ das negociações gerais, a posição brasileira se robuste~,

9 ,,_aças ª poss1b1lldade de negociações que abranjam outras medidas de restn· çao ao comércio, que não as de ordem tarifária propriamente ditas. O Brasil, ?ntre outros exportadores de matérias-prir:nas, tem particularmente sofrido 0 ~:~1::0 des.sas restrições indiretas, como as taxas internas, que, muitas vezes,

quaisquer concessões obtidas no plano tarifário. A oportunidade se abre agora aos noss · tra· ,,_ . . ' os negociadores de preparar o campo para uma pene cao mais intensa e · ' fé q mais extensa dos nossos produtos particularmente do ca . ' ue, entre todos os ' · t'ng1· nossos produtos agrícolas de exportação, é o mais a 1

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Pedro Ludovico - 279

quele tipo de gravame à importação. do por a d . Estou certo e q~e o~ .nos~os neqocladores, que tanto lutaram nos

·t"s do GATT pela dlversiflcacâo dos itens negociáveis nas Conferências comi e ... . . . d 'fárias, saberao tirar o maior proveito essa oportunidade: Tari "' b ·1 · d Não é de agora a preocupaçao rasi eira e encontrar compensações d quadas às concessões outorgadas, direta ou indiretamente, a outras Partes ~:ntratantes, na forma de um tratamento mais justo às importações de pro­ dutos como o nosso .café, o cacau e a carne, p,ar~ não citar senão alguns casos mais relevantes. Assim, por :xemplo.' ~ Republica ~ederal Alemã passou a receber importantes concessoes braslteiras. graças a cláusula da nação mais favorecida que figura no Acôrdo Geral, sem que, em contrapartida, nos ofere­ cesse compensações adequadas. Ora, se uma redução tarifária na Alemanha, para as importações de café, pode não representar compensação adequada, esta poderia ser obtida através da redução das operosíssimas taxas sobre aque­ le produto, como repetidas vezes tem o Brasil procurado demonstrar ao Go­ verno de Bonn.

Não posso deixar de mencionar a impressão nítida, que me ficou, de que uma nova era começa a surgir na evolução do GATT, graças à crescente participação dos países menores, como os novos países africanos e asiáticos que se vêm tornando independentes. Ao começar a XVII Reunião das Partes Contratantes, sentaram-se no plenário, como participantes, os representantes de países como Burma, Cambodja, Ceilão, Gana, 1 ndonésia, Federação da Malaia, Nigéria, Federação da Rodésia e Niassalândia e Tunísia, e enviaram observadores o Camerão, Costa do Marfim, Chipre, Líbia, República Malga­ che, República do Mali e Somália. Sendo o GATT eminentemente um instru­ mento de negociação, s6 pode ser auspicioso o reforço do novo poder de barganha que representa a participação desses países.

O fato de compreender o GATT, hoje, 45 países, que representam mais de 80% do comércio mundial, bem revela·a importância desse instrumen­ to para a evolução das trocas internaéionais. Mas o GATT não age apenas para afastar as barreiras às correntes normais do comércio. Seu objetivo é dinami­ zar esse comércio, e expandi-lo de maneira a contribuir para uma elevação geral do nível econômico dos países participantes. Daí por que vem o GATT se P~eocupando, muito especialmente, com o problema do crescimento eco­ nômico dos países subdesenvolvidos.

Com efeito, não podem esses países acelerar o ritmo de seu desenvolvi­ mento de maneira adequada aos objetivos de elevação do padrão de vida de :as Populações, se não lhes for assegurada a capacidade de importação dos

ns de capital necessários à sua industrialização. Ora, tais importações terão :~e ser Pagas com os recursos que esses países auferem com as suas exporta­ d:5· Essas, entretanto, vêm perdendo substância, pois a evolução•dos preços ços ~rodutos Primários no mercado internacional não acompanha a dos pre-

os Produtos industriais. Mas, ainda, os países industrializados costumam

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280 - Memórias

. .. mércio de tais produtos, através de barreiras tar'fá . impor restnçoes ª0. c~ quantitativas e preferências coloniais. 1 rias, taxas internas, restnçoes

ATT m P rocurando diminuir essas barreiras, e muito 1.á o G ve · d d . . ten, do nesse sentido; mas vem, sobretu º:.. pr?curan o corrigir as disto a~cança d'isparidade de riqueza entre as naçoes introduz no comércio lnt r. soes que a . d , d'f' ld d er. . 1 a11·v·1ando os compromissos os pa ises em ' rcu a es crônicas nacrona , d d f, ou 'to' rias nos seus balanços de pagamentos, estu an o ormulas de man transi . , . . d li· tenção do poder aquisitivo dos produtos pnrnanos e sugenn o medidas Para , . a expansão do seu cornercio.

Para essa ação, por assim dizer, fermentadora do GATT, grande tem sido a contribuição brasileira. Com efeito, nas mesas de negociação, como no plenário do GATT e nos C~mitês de_ T .. éc~icos, os represe~tantes .. brasileiros vêm sempre se batendo por formulas dinâmicas de cooperaçao economica.

Não basta ao crescimento econômico dos países que se eliminem as barreiras ao comércio internacional. As desigualdades econômicas presentes se transformariam amanhã em fossos intransponíveis, se não se pudesse assegurar desde já aos países menos desenvolvidos a possibilidade de diminuírem a distância que os separa dos mais desenvolvidos. É nesse sentido que os nossos representantes no GATT vêm procurando orientar sua ação.

Antes de terminar este relato sumário das observações que tive a opor· tunidade de fazer em Genebra, gostaria de ressaltar o êxito da Delegação brasileira na apresentação às partes Contratantes da Associação Latino-Arnerl­ cana de Livre Comércio. Coube ao Brasil, por decisão unânime dos signatários do Tratado de Montevidéu, justificar as cláusulas do Tratado e defender as pretensões dos países participantes da Zona Livre de Comércio. Dessa delica­ da tarefa, desempenhou-se o del.egado brasileiro com grande competência e habilidade, o que levou as Partes Contratantes a aprovarem a instituição da Associação Latino-Americana de Livre Comércio .

. Essa não é uma vitória somente nossa é támbem de países irmãos que constit~em a zona livre de comércio, da Argentina, do Uruguai, do Chile, Paraguai, ~~ru e México - mas não deixa de ser significativa prova do vigor de nossa pol itica econômica externa, havermos sido escolhidos para seu porta· ·voz perante as Partes Contratantes.

A acolhida que a p C perspectivas P s artes . o~tratantes deram ao Tratado abre novas indústria, 1·a' vi ara

O nosso comércio internacional particularmente da nossa 190rosa e pronta f' ' ,.. m falarmos do qu d para igurar nas nossas pautas de exportaçao, se agrícolas, tão fuen~~m!nre~re~e~tar como incentivo adicional às exportaçõ_!s nacional. tais ª vida econômica de vários setores da populaçao

Surgem, assim par G manutenção do ritmo' d dª 0 ov~rno, novas possibilidades de assegurar,.,ª fundamental dos atuais ed. e.s~nvolvimento econômico, que foi a preocupaçao

ª ministradores do País.

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Pedro Ludovico - 281

196 l

o SR. PEDRO LUDQVICO: Sr. Presidente, em todos os tempos, em todos os estágios da civiliza-

•.• 0 os governos sempre têm os seus partidários e os seus opositores. Os ça ' t lb d ... · primeiros, porque co~ ri uem par~ a. sua a oçao, a s~a implantação, deles fazendo parte e tambem porque tem mt_eresses pessoais na sua manutenção. Os segundo~, porque co?1_bat?~am a sua ida p~ra o poder e desejavam ver este nas mãos de seus correliqionários. Esta é e sera a eterna história da humanida­ de. o adiantamento da civilização, a elevação da cultura dos povos pouco têm modificado essa real idade.

Desde os tempos mais distantes, isso acontece, e a unidade social e política não se consegue, malgrado os esforços dos filósofos e pensadores que criaram doutrinas e por elas pugnaram através dos séculos.

Desde Aristóteles até Marx, desde Spencer, Augusto Comte, até Laski, se tem pregado idéias políticas, formando-se ideologias que atraem e apai­ xonam as massas, m~s que não as prendem por muito tempo, porque o homem é instável, é um eterno insatisfeito, e a vida só se justifica com a agitação e esperanças.

Não satisfazem plenamente, e o homem, farto de ilusões, se agarra a outras, sujeito, sempre, ao eterno egoísmo, que é humano, que é biológico. Há os espíritos privilegiados, de escol, que lutam por ideais sublimes, alevanta­ dos, e que sacrificam a própria vida pela sua vitória.

Nós, no s·rasil, não temos sido abalados profundamente por esses pro­ blemas fundamentais de caráter ideológico, conquanto nos tenhamos batido, com denodo, com valentia, com sacrifício, por certas causas que julgamos patrióticas.

Referindo-me a esses acontecimentos, de· ordem político-social, que têm preocupado muitos espíritos e gerações, desejo chegar ao nosso País, fazendo modestas considerações sobre a nossa atualidade.

São numerosos os admiradores do ex-Presidente JK, pela sua coragem de, em momentos difíceis das nossas condições financeiras e econômicas, levantar a nossa indústria, dinamizar as forças de nossa produção, e construir Brasília, tendo em mira o desenvolvimento de nossa hinterlândia, abrindo rodovias que penetram pelo nosso território, rasgando-o em todos os sentidos, em extensão extraordinária, que abrangem a vastidão.do nosso País.

Os que admiram essas obras estão certos do seu valor, que se fará seb nt(r dentro de poucos anos abrindo-se essa imensidade territorial a todos os ras1I · ' erros, para que a cultivem com a certeza da recompensa do seu trabalho,

Porque nessas regiões não existe o problema das grandes estiagens, das grandes secas que afligem o Nordeste.

Outros são entusiastas do Presidente Jânio Quadros, que é indiscutivel-

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282 - Memórias

h em decidido resoluto, solucionando as suas questoe"' mente um om ' . s Corn "d pelo menos determinando que assim se faça, enfrentando a b rap1 ez ou, , , . uro. cracia terrível que entre nos existe. . .

Admiram-no também porque contraria quaisquer forças, sejam as t parais, sejam as espirituais, convicto de que está defendendo os intera::~ superiores do Brasil.

Eu, por exemplo, sou um dos que lhe batem palmas, nos seis primeiros meses de gqverno, por muitas atitudes que tem tomado, sobrepondo-se interesses de pessoas, de grupos e de influências políticas e sociais poderos ª

d . . _ _ as.

Há um ponto fraco em sua a ministração: nao conseguiu diminui bili r a alta do custo de vida, nem esta 1 rzar os preços que cada vez mais se elevam

Não soube ou não pôde ainda pôr um freio à ganância. Há mercadoria· cujos preços exageraqos não se justificam. Pessoas entendidas afirmam qu: os laboratórios fabricantes de medicamentos ganham em alguns deles mais de quinhentos por cento.

Há mesmo inúmeros materiais importados, que são vendidos com um ágio de mais de duzentos por cento.

O Sr. Paulo Fender: V~ Exa. permite um aparte? O SR. PEDRO LUDOVICO: Perteitamente O Sr. Paulo Fender: . . •• , O discurso de V. Exa. é sem dúvida uma inestimável contribulçêo a

crítica do atual Go~erno da República, porque V. Exa. é uma das mais eutorí­ zadas vozes deste Plenário.

O SR. PEDRO LUDOVICO: Muito obrigado a V. Exa. O Sr. Paulo Fender: A sua posição política lhe dá a isenção e imparcialidade necessárias

para emitir tais opiniões. Tenho tomado nesta Casa atitude semelhante à de V. Exa. no discurso de hoje, com relação a aplaudir atos do Sr. Presidente da República. Realmente, como trabalhista, atento aos interesses do povo, tenho verificado que numerosos atos de S. Exa. têm ocorrido e acorrido em favor do povo, e por isso o tenho aplaudido. Jamais lhe faltarei com meu aplauso ª tantas outras medidas que no mesmo sentido venha a tomar. Pedi o aparteª V. Exa. para, .como médico, me deter um pouco nessa questão de produtos farmacêuticos vendidos por preços exorbitant~ no nosso País. Alegam os labor:t6_rios que pagam "royalties" a laboratórios industriais estrangeiros cof!1 relaçao·as f~rmulas importadas. Veja V. Exa.: são as fórmulas que,reproduzi· d::5 ~o Brasil, exigem o pagamento de "royalties" da indústria químico-farma­ ceut,ca, encarecendo, em conseqüência e da maneira que se vê os produtos de que necessita ª sal'.Jde do Povo. U~. Srs. Senadores, que o S~. Ministro da

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Pedro Ludovico - 283

5 'de tome providências enérgicas e imediatas nesse sentido ... au di . b . . , porque nao quero crer q_ue a me 1c1_na ras1le~ra, a~iantada como está e tão reputada no co·nceito universal, .e~teJ~ a mendigar formulas estrangeiras, quando sabemos que pequenas mod1f_1caç.~s em fórmulas existentes conferem autonomia às fórmulas recém-nascidas, isto ·é, recém-surgidas, dando, por conseguinte, ca­ ractedstica nova a qualquer produto. Tanto assim que os próprios laborató­ rios o fazem. V. Exa. como médico, com grande experiência clínica O sabe perfeitamente. Laboratórios há que apenas acrescentam um ingredie~te a de­ term!nadas fórmulas, e com esse acréscimo obtêm originalidade da fórmula. Por conseqüência, não é justo que paguemos "royalties" por simples fórmulas importadas que não têm para a medicina brasileira nenhum valor excepcional. Há, ainda, um ponto para o qual chamo a atenção do Sr. Minjstro da Saúde e dos médicos que aqui estão: - os antibióticos. V. Exa. sabe que não há receita médica sem um antibiótico. A infecção é combatida, antes do diagnóstico, inespecificamente, pelo antibiótico. E qualquer antibiótico encarece uma re­ ceita, hoje, em mais de quinhentos cruzeiros; a clínica exercida com a classe humilde está a exigir do Governo da República medidas imediatas, no sentido de, através do Ministério da Saúde; vir em auxílio do povo, ou socorrendó as classes pobres, pela cessão grat'-<lita de antibióticos ou tomando medidas que coibam o abuso tão bem assinalado e combatido por V. Exa.

O SR. PEDRO LUDOVICO: Agradeço sensibilizado o aparte de V. Exa., Senador Paulo Fender,

que considero um dos espíritos mais inteligentes desta Casa. O Sr. Paulo Fender: Muito agradecido a V. Exa. O SR. PEDRO LUDOVICO: Mas, não aceito nem julgo procedente a desculpa dos laboratórios.

Darei UfTI exemplo: os laboratórios do Exército vendem um vidro de vitamina por quarenta cruzeiros, e essa mesma vitamináé vendida, em outros Jaborat6- rios, por quatrocentos cruzeiros. A d.iferença é muito grande; portanto, não se justifica a desculpa daqueles que exploram a saúde do povo.

Providências sérias ainda não foram determinadas para evitar esses abusos. O povo, porém, continua a ter esperanças na atuação enérgica e patriótica do Presidente Jân io Quadros.

Diz a mitologia grega que Temis, tia de Júpiter, embora quisesse con­ ~rvar a virgindade, aquele a forçou-a com ele se casar, tornando-a mãe de três filhas: a Eqüidade, a Lei e a Paz.

Parece-me que o atual Presidente da República quer. ma~te~ no seu governo esse trinômio. Defenderá a eqüidade no trato da coisa publ ic~,. pro­ curando investigar as falhas e defioiências em todos .os setores da administra­ ção, de forma a melhorar os desníveis das várias classes sociais•que sempre existem em _um regime capitalista, conquanto de fundo demo~rático. .

Fará respeitar a lei, ainda que para tanto seja necessário tomar atitudes

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284 - Memórias

d Pa recer fortes ou severas em nosso ambiente político ou soe· 1 que po em , · d 'd d · 'ª

h bi d ao laissez fiaire e ao desprestrqio as autor: a es, inclusive d ' a rtua o . . . os h f d·a Nação achincalhados pela imprensa marrom ou por ind1vi'duos qu e e es , d' . d d e

se impuséram como jornalistas e que pensam ter o rrerto e esres~eitar tudo e todos, tolerante, em excesso, com esses especulad~res do sensacionalismo.

Fará respeitar a lei, contrariando as corporaçoes de qualquer espécie useiras e vezeiras em impor a sua vontade, publicamente ou sub-repticiamen~ te a fim de conseguir a efetivação dos seus desejos, não raro injustos, escanda­ iosos e até impatrióticos. Haja vista a imposição descabida que se tem notado, há muito tempo, de não se permitir o intercâmbio comercial do Brasil com a Rússia e os seus satélites, quando os Estados Unidos da América e a Inglaterra sempre mantiveram com os mesmos esse intercâmbio.

É preciso que, como está agindo o Presidente Jânio Quadros, rompa­ mos com esses tabus e façamos o que for útil ao nosso povo, não permitindo que os reacionários ou vivedores inescrupulosos nos ditem regras ou atitudes anacrônicas e desarrazoadas.

Preciso é que nos esforcemos, por todos os meios e modos, decentes, é claro, para levantar a nossa economia, estabilizar a nossa balança de pagamen­ tos com o aumento de nossa exportação, valorizando, dessarte, o nosso cru­ zeiro. Mas só isso não basta, ou, antes, só isso não consegue melhorar a nossa situação financeira e econômica, como já tenho afirmado várias vezes na tribuna do Senado.

lmprescind ível é que o Presidente Jânio Quadros se imponha um regi­ me de austeridade, de poupança, só permitindo que se gaste o estritamente necessário.

Preciso é que o Congresso Nacional o ajude nesse desiderato, nessa exigência imperiosa, não votando o orçamento da República com deficits vultosos, como vem acontecendo, repleto de emendas absurdas, Iiberalldade incompreens (vel.

Preciso se torna que ponhamos termo a esses exageros, .que combata· mos vícios, erros que se tornaram uma rotina, que vem prejudicando o nosso progresso e comprometendo o nosso nome perante o mundo civilizado.

N.inguém mais do que eu é cioso das franquias democráticas, pois já fui vítima da falta delas. Ninguém mais do que eu ama a liberdade de pensamen· to, que deve ser usada com espírito de.justiça, sem paixão e com critério. De sorte que as minhas censuras aos excessos, que nesse particular se observam, exprimem apenas um desejo de aperfeiçoamento no sentido moral e político.

Penso que o Presidente Jânio Quadros está bem intencionado em exer· cer a sua missão sob o império da Lei. ..

O Sr. Padre Calazans: Permite V. Exa. um aparte? O SR. PEDRO LUDOVICO: Com todo o prazer.

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Pedro Ludovico - 285

O Sr. Padre Calazans:

Discordo_ ~teiram:nte ,de_ V: Exa. nesse trecho do seu discurso. Julgo 0 presidencial ismo nao da direito a nenhum Chefe de Estado de pensar e

que · d í ·t d "' ' . sozinho quan o o esp n o e uma naçao e profundamente cristão como agir ' . . . ,., , 0 do Brasil. Ontem, disse bem uma marnfestaçao - e ela representa 0 0 ~senso cristão do País. Os sacrifícios da Igreja são muitos em todos os

~~mpos, e nós, de todos os partidos, lutamos pela Liberdade e pela Democra­ cia. No discurso que amanhã pronunciarei, mostrarei que está em jogo a sorte da civilização cristã. O que ~e está passando no mundo é a luta entre o mundo materialista, marxista, e a civilização cristã. Que o mundo democrático come­ ta essa terrível fraqueza, depois que nações da Europa pagarem tão caro, não apenas economicamente, mas em lutas sangrentas, em sofrimentos é em des­ truição da própria liberdade, é inconcebível! Ver nações democráticas perde­ rem a sua própria consciência, o seu próprio significado! O que digo, tenho ouvido da boca de sacerdotes, de bispos e freqüentemente de familias cristãs que estão profundamente apreensivas e preocupadas. Ao dizer estas palavras, não quero acusar o Presidente Jânio Quadros de comunista ou cripta-comu­ nista. Sei que não o é, mas apenas recordo uma história tão próxima de nós, que cobria o mundo de sangue, nesta hora defendida por todos os valores. Mas não nos podemos· esquecer que a perda dos princípios, dos direitos do homem, da dignidade humana, arrastará a nação ao sacrifício e, - quem sabe! - a um sacrifício total.

O SR. PEDRO.LUDOVICO: Agradeço o aparte, mas penso que V. Exa. não entendeu bem as

minhas palavras. Estou, em grande parte, de acordo com V. Exa. Eu disse e vou repetir:

Penso que o Presidente Jânio Quadros está bem intencionado em exer­ cer a sua missão sob o império da Lei, se bem que, ao interpretá-la e ao se manifestar sobre os que, segundo o seu critério, a deformam ou não a cum­ prem, se mostre freqüentemente áspero e contundente, e exagerado, às vezes, em ~mabilidade, quando quer homenagear mesmo estrangeiro, que goza de sua simpatia.

Assim, não estou de acordo com as homenagens que S. Exa. prestou ao Sr. "Che" Guevara; absolutamente! Também não concordo com o "fidelis­ mo" exagerado do Presidente Jânio Quadros. Acho que Fidel Castro não é mais digno da admiração e respeito; já o foi, quando combatia a tirania do Governo de Fulgêncio Batista; contou, até, com a simpatia dos Estados Uni­ dos da América.

e Hoje, é um tirano vulgar, matando os próprios amigos que sofreram on, ele nos primeiros dias da Revolução de Cuba.

S Portanto, estou de acordo com grande parte do pensamento do nobre enado p r adre Calazans.

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286 - Memórias

O Sr. Padre Calazans: ,.. . . V Exª Pois nao O havia entendido bem. Perdoe-me · · . · 1 d discurso de v Exa. e folgo em ouvir esta profunda man·it Ap au o o . · . es.

ração em favor da Liberdade e da Democracia. o SR. PEDRO LUDOVICO: Obrigado a V. Exa. .. . . Só elogio O presidente Jânio Quadros nos pontos que o Julgo digno

dele. Fora disso, s. Exa. terá de minha parte todas as censuras, quando eu achar que está errado.

Deve-se perdoar, porém, essas manifestações, que são filhas do seu temperamento e próprias dos homens fortes, que quase sempre, primam pela sinceridade, não usando de subterfúgios ou de malícias para exporem O seu pensamento.

É a segunda vez que me pronuncio sobre a personalidade e atuação do atual Chefe do Governo. Ninguém me pode atribuir a intenção mesquinha de querer agradar a quem se encontra com o poder nas mãos. Sou homem habituado às mais duras lutas políticas, em que expus muitas vezes a minha própria vida. Já rompi com um Presidente da República, já divergi do meu partido, no âmbito nacional, apoiando um candidato de oposição.

Sou, portanto, experimentado nas refregas, em boas e em duvidosas condições. Não seria agora, no fim da minha carreira política, que teria um gesto de fraqueza.

Os meus aplausos e os meus conceitos a respeito do Sr. Jânio Quadros são conscientes e oriundos de uma observação desapaixonada. Espero que ele, desvinculado, como é, de compromissos políticos subalternos, possa, fazendo justiça, amando, praticando e venerando o bem, conduzir o nosso País a dias de tranqüilidade e paz.

O SR. PEDRO LUDOVICO: Senhor Presidente, várias vezes tenho ocupado a tribuna do Senado

para tratar da elevação do custo de vida. Há 5 anos afirmei que, se os governos não tomassem uma providência séria sobre este problema, nós marcharíamos para dias difíceis, pois o pauperismo, aliado à fome, poderia nos trazer dias trágicos.

As minhas palavras, porém, nenhuma influência tiveram para que se tomassem medidas acauteladoras.

Cheguei a propor um congelamento de preços e salários e me respon: deram que era uma medida drástica e impraticável, que, entretanto, já foi adotada em vários países.

A nossa crise é muito mais profunda do que ·se pensa, porque não é apenas de produção, mas, principalmente, de especulação, de ganância.

Só providências excepcionais poderão conjurá-la. Agravada e criada, em grande parté, pela inflação, tende a se perpetuar

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Pedro Ludovico - 287

é a crescer. De sorte que o problema mais aflitivo que se apresenta ao atual Gover-

no é O de que tratamos neste modesto discurso. convenhamos que se torna imprescindível pôr um paradeiro a essa

situação. Os preços se ele.vam de uma manelra tal e, não raro, tão inexplicável,

que não há coap que seja ca~az de controlá-los. A mesma mercadoria se vende em estabelecimentos de uma mesma

cidade por preços os mais díspares. 1: um verdadeiro assalto generalizado à bolsa do consumidor. Há peças de automóveis que se adquirem em uma casa comercial por 500 cruzeiros e, em outras, por mil.

Há medicamentos que são vendidos em uma farmácia ou drogaria por preços inteiramente desproporcionados.

A carne, que era um alimento barato no Brasil, pois nos países da Europa e nos Estados Unidos foi sempre muito mais cara, tomou-se inacessí­ vel entre nós à bolsa da pobreza, das pessoas que vivem de salários baixos.

Tanto assim que o seu consumo, segundo estou informado, baixou, no Rio de Janeiro, de 400 toneladas diárias para 150.

A classe operária e uma parte da classe média não podem comprar diariamente um quilo desse alimento, pois que os seus salários não suportam tal ônus. Então passam a tê-lo nas suas refeições apenas uma ou duas vezes por semana.

Em geral se fala apenas no tabelamento dos gêneros de primeira neces- sidade. Seria uma monstruosidade, quando as outras são adquiridas pelos olhos da cara.

Ademais, seria uma enorme injustiça, pois os homens que mais sofrem ~o os que se dedicam à produção desses gêneros.

Lutam contra a agressividade da Natureza, enfrentando a soalheira de manhã à noite, a falta de conforto, as endemias rurais e sujeitos ao excesso ou à falta de chuvas.

Os camponeses mais pobres são uns verdadeiros párias, alimentando-se mal, passando frequentemente fome, não tendo capacidade econômica para se vestir e à sua fam rfia, pois vivem constantemente em andrajos, esfarrapados.

Quando adoecem, ou qualquer pessoa de sua família, não podem com· prar os remédios, pois qualquer receita médica fica, geralmente, em mais de mil cruzeiros, quando não custa três ou quatro mil. Os laboratórios deviam ser obrigados a ter uma quota de medicamentos bem mais baratos para essa gente m~serável, sofredora.

Se não se opuser um dique à especulação, com coragem, sem o receio de desagradar ao comércio, à indústria, aos intermediários, todos os atos do Governo, no sentido de baixar o custo de vida, serão inúteis.

Ainda bem que o Primeiro-Ministro, Senhor Tancredo Neves, afirmou no seu plano de administração: "I: que ninguém mais discorda quanto ao fato

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288 - Memórias

d tá encerrado o capítulo das protelações." Disse d que a hora soou e e que es a . b . e L · A titruste para que se possa com ater a carestia

mais.que urge acelerar a e1 ~ 'fome de lucros excessivos. artificial gerada pela especulaçao e pela .

' , 1 • vernos fracassaram nesse particular. Nenhum Aliás, todos os u timos go .. · . · ,.. se·r·ia para vencer essa situação que, dia a dia, se agrava e tom ou um a pos1çao . , A • •

que poderá, em futuro próximo acarretar consequenc1as muito graves. Nenhum teve coragem de enfrentar os especuladores, mesmo porque

são numerosíssimos,, já que todos também são explorados, e cada qual que tenha qualquer coisa para vender procura explorar o outro. ...

De maneira que esses profiteurs não deixam de ter alguma razao. São legiões que se exploram reciprocamente. o erro como constantemente tenho afirmado, vem dos responsáveis , , . .

pelos destinos do País. A eles cabe combater esse v 1c10, esse crime, que se comete, principalmente, contra os que vivem de pequenos salários, pois estes só consomem, nada têm para vender, não podendo, portanto, explorar ou­ trem em seu benefício.

O próprio Sr. Jânio Quadros, que se mostrou, na sua atuação adminis­ trativa, um homem decidido, voluntarioso, opondo-se muitas vezes, em casos até sem importância, a forças poderosas, não se animou a lutar de frente, drasticamente, contra essa situação, que é o ponto básico do meu discurso. Pelo contrário, no seu governo, a nossa moeda ainda· mais se aviltou e a carestia ainda mais se exacerbou. Mesmo assim, havia esperança de que ele pudesse trazer-nos um desafogo em matéria econômica. Eu, pelo menos, lhe dava esse crédito ·de confiança. Mas fiquei desiludido, quando, após a sua renúncia, li em alguns jornais que os seus íntimos afirmaram que o seu gover: no não teria possibilidade de atender às ordens de pagamento relativas a auxílios, empréstimos, financiamentos, que havia autorizado.

Não é possível admitir-se que saiamos dessas aperturas, dessa inflação, que cada vez mais se amplia, sem um regime de austeridade, de poupança. Só se devia gastar em obras que já se encontram em andamento de utilidade pública ou. que se imponham como exigência de caráter coletivo:

Se as~im não se proceder, iremos de mal a pior, e nos dirigiremos para o desconhecido, e, talvez, para uma subversão social.

O povo bra~ileiro é muito bom, tolerante, valente, mas condescenden­ te em excesso, _pois, ao revés, já se teria manifestado com mais veemência contra esse sofrimento que nem ao menos se estabiliza e vai em um crescendo assustador.

Imprescindível é que o atual Governo cujo eh f d' · tid socialista, se disponha . . . ' e e. trtge um par I o . ª. agir com muita firmeza, com muita seriedade, com fmuidta coragem,. com__ ~uita humanidade, para a solução desse problema, que é un amental para o exrto ou aniquilamento do seu governo. Faço votos para que·o Presid t J ... G . "d . en e oao oulart siga uma boa rota nesse senti o sem vacilações s tibi ... ' , em I rezas, nao se dobrando a influência de qual-

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Pedro Ludovico - 289

quer espécie. O povo já está farto de promessas, farto de palavras esperanço­ sas, farto de engodos, aguardando com avidez que alguém o salve dessa vida difícil, aflitiva, por que está passando.

Tenham o Senhor João Goulart e o Senhor Tancredo Neves a coragem de dizer não! aos que lhes forem fazer pedidos que colidam com o interesse da Nação.

Não iludam, sejam francos. O bem-estar coletivo, mormente nesse crise que atravessamos, deve

estar muito acima das solicitações ou das exigências impertinentes dos polí- ticos.

A maioria desses só vê seus interesses pessoais, ou do seu eleitorado, pouco se lhes dando que o País vá para a bancarrota.

Domina-os o imediatismo, embora percebam que o terreno em que pisam é falso, é podre, é carunchoso.

Os acontecimentos que se passam no mundo devem servir-nos de exemplo.

Na Turquia os parlamentares, os ministros e o chefe do governo de desmandaram, dilapidando o que não era seu. Possivelmente jamais pensaram nas consequências trágicas dos seus atos. No entanto, a mão do imponderável caiu pesadamente sobre eles.

'Nós, brasileiros, que fomos agraciados por Deus com uma parte da Terra tão interessante, tão fértil, tão vasta, sem os rigores do inverno e com os climas temperados, dev.emos esforçar-nos para pôr a nossa casa em ordem, e que vai, pela nossa própria culpa, se encaminhando para a desorganização, para a anarquia.

Com um pouco de boa vontade de todos, com um pouco de esforço, havendo honestidade e patriotismo por parte dos políticos, dos governantes, seremos uma Nação sempre honrada, tornando-se o Brasil um ponto de atra- ção para todos os povos do mundo.

Era o que tinha a dizer.

1962

O SR. PEDRO LUDOVICO: Senhor Presidente e Senhores Senadores, como sabem V. Exas., todos

os anos pronuncio nesta Casa um discurso de fundo econômico, verberando a elevação do custo de vida que se transformou em um verdadeiro _câncer social.

Não fora a paciência inesgotável do brasileiro, já teríamos uma situa­ ção profundamente anárquica, turbulenta, caótica em nosso país, pois é incrí- vel o que aqui se verifica nesse particular.

Nenhum governo, desde a última· administração do ex-Presidente Getú- lio Vargas, tomou medidas enérgicas, de profundidade, contra esse distúrbio

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290·- Memórias

econômico, mais proveniente da exploração e da ganância do que da falta de produção.

Todos tiveram medo de enfrentar esse problema que considero o mais grave da nossa vida política. Todos os outros podem ser resolvidos com calma e com certo prazo. O da miséria, o da fome, o do mal-estar social, esses precisam de medicamento heróico.

Não são os regimes presidencialista ou parlamentarista que o solucio­ narão. O que nos tem faltado é uma decisão inflexível.

Aindp não tivemos, nesses últimos tempos, um governante decidido , corajoso, para dar combate a essa situação que vem se agravando sem detença e que se tornará, fatalmente, o maior fator de desordem, de desequilíbrio social, na primeira oportunidade psicológica que se apresentar às massas sofre­ doras.

O Sr. Mem de Sá: Muito bem! O SR. PEDRO LUDOVICO: Obrigado.

Assim me exprimindo, não quero dizer que não tenho confiança no atual governo. Pelo contrário, penso que o Presidente João Goulart e o Minis­ tro Tancredo Neves são homens que se acham à altura das tarefas que lhes foram confiadas. Conheço-os há longos anos. Sei que são bem intencionados, i.nteligentes, patriotas e, principalmente, equilibrados. A sua atuação, porém, em relação à insuportável carestia da vida, não teve ainda resultados práticos.

Pensam eles, talvez, como quase todos os políticos brasileiros, que a capacidade de sofrimento de nosso povo não tem limites, que será um eterno pária, um eterno resignado diante dos males que o afligem e das explorações de ·que é vítima.

S6 acreditarão na reação depois que virem, que sentirem de perto, na própria carne, os efeitos da tempestade que se desencadear.

Nesta época; os homens que vivem na abastança, que ganham milhões anualmente, à custa da pobreza do povo, sem dar a este uma assistência que provenha de um gesto espontâneo de contcrmidade com seus lucros - eles que gastam milhões em despesas supérfluas-, não vêem que os explorados, os miseráveis caminharão fatalmente para o extremismo, para aqueles que lhes prometem uma vida mais fácil, uma melhor distribuição de riquezas.

Dia virá em que, como já está acontecendo, essas massas sofredoras, de espoliados, nijo mais crerão nas promessas, nas conversas fiadas, nas doutrinas m ísticas ou evangélicas dos que as querem iludir, pois esses pregadores, esses doutrinadores estão com o estômago cheio, pensando que os que o têm vazio podem .esperar indefinidamente. ·

1: sempre um paraíso prometido, mais dificilmente atingível. ·I: uma esperança que nunca se realiza.

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Pedro Ludovico - 291

A dor, o sofrimento, quando coletivo, se torna perigoso, emorutecen· do

O homem e tornando-o rancoroso, em face da sociedade mais beneficiada

mais protegida pela sorte. A insatisfação contínua destrói a fé e animaliza o homem. Só uma pequena minoria é bastante evoluída espiritualmente para

suportar os males existentes. A maioria é ignorante, involu ída, com tendência para o mal, para a destruição, mormente quando está acorrentada a uma dor para a qual não há sedativo.

Notam-se por parte de todos, no momento atual, afirmações sempre negativas, predominando, com razão, o pessimismo, embora essas manifesta­ ções, vindas de pessoas altamente responsáveis pelo bem público, sejam muito prejudiciais à esperança que se deve alimentar para não se precipitar em uma crise ainda mais grave.

Preciso é que o atual Governo tome atitudes mais positivas no setor econômico. As suas providências têm sido muito prejudlciais à esperança, tornando-se, portanto, ineficazes.

Se as nossas leis não lhe facultam medidas mais rigorosas, que as solicite ao Congresso Nacional, que lhas não deve negar, pois. se trata de um gesto de salvação pública. Que se avance no processo de socialização, acompa­ nhando a marcha do mundo, porque com outros processos os recursos serão de efeitos provisórios, sem solidez .

. Socializemos o Capital antes que este seja devorado pelos ex trernistas, Penso que uma radical convulsão social no Brasil, que ainda está sub­

desenvolvido e mal instruído, lhe será ruinosa, podendo provoca· lutas tão dispersas e anárquicas, que todos seriam arrastados na catástrofe.

A revolução francesa ainda é um exemplo típico do que afirmo. A fina flor das equipes foi aniquilada, ficando o domínio nas mãos da mediocridadé, não só moral como intelectual, sendo todos, afinal, esmagados por uma nova ordem de regime forte.

As leis biológicas, históricas é sociais sempre predominam. lmposível a elas fugir. A sua ação se faz sentir inexoravelmente. É a repetição não raro trágica e punitiva d;t História.

Indispensável é que tenhamos juízo e mudemos de rumo, ainda que se lance mão de um governo forte para nos dirigir, a fim de que se possa evitar o colapso material, pois que no moral já estamos enterrados profundamente.

Alguém poderá nos objetar que a educação do povo, por todos os meios, poderia proporcionar-nos melhores dias. Seria um raciocínio digno de consideração. Acontece, porém, que a nossa doença é aguda, exigindo uma terapêutica heróica.

A educação dos nossos políticos, dos principais responsáveis pela coisa Pública não está em jogo, porque, em geral, são homens ilustrados e que devem distinguir o bem do mal, o que é decente e o que não é, o que é

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292 - Memórias

- , , humano e o que é o egoismo sem entranhas. patriótico e o que nao e, 0 que e ntido moral espiritual, demandaria muito - d assas em um se ' . , A educaçao as m ' lt do desse porque o homem instrutdo mais t I ez pouco resu a , · tempo, e, ª v ' d. it s e quer defendê-los a qualquer preço, quando consciente fica dos seus Irei o s vê aniquilados. b · 0

d tências e usando esses argumentos so re o impasse Fazendo essas a ver . . Vou expor também aproveitando a oportunidade, o em que nos encontramos, ' d

1 d · t bre um assunto palpitante que é o da remessa e ucros meu ponto e vis a so de capitais estrangeiros investidos em nossa terra. .

S - b · problemas que influem diretamente na nossa economia. A ao, am os, · id d f d 1 ' ma arma de dois gumes. Deve ser perrmtí a e orma a remessa e ucros e u , .

não afugentar O capital estrangeiro e não permitir exageros nesse beneffcío, O Sr.Paulo Fender: Permite V. Exa. um aparte? O SR. PEDRO LUDOVICO: Com muito prazer. O Sr. Paulo Fender: Congratulo-me com ·v. Exa. pelo judicioso discurso que tão realistica­

mente está proferindo, encarando a situação econômico-financeira do País com as cores vivas da realidade, não com pessimismo nem com otimismo, mas atendo-se, exclusivamente, ao que é real e positivo. V. Exa. elabora uma peça de crítica que é uma advertência à nação e ao mesmo tempo um fato que a História registrará. O meu aparte se prende ao texto do. discurso de V. Exa. em que assinala os lucros fabulosos de certas empresas, o supérfluo com que certos capitalistas ostensivamente humilham aqueles que são cada vez mais pobres. O momento é oportuno para me referir ao oferecimento. que os capitalistas brasileiros acabam de fazer ao Governo;e que estarrece o nosso espírito democrático, de cem bilhões de cruzeiros para as classes econômico­ -financeiras do país, industriais e comerciantes, com a condição de que o Governo não emita.

O Sr. Vivaldo Lima: Sem juros.

O Sr. Paulo Fender: Só esta condição revela que estes capitalistas se julgam um supergover­

no. Como poderíamos conciliar democraticamente o oferecimento com a exigência? Não vejo fórmula dentro do regime democrático que o justifique. O que vejo é que dispõem de cem bilhões de cruzeiros para, a qualquer momento, dá-los. Por que não os oferecem com a simples condição de subs­ creverem os nossos títulos da dívida pública? Esta é a forma patriótica eleva­ da, desprendida de colaborarem com a situação em que se encontra o país. Este o ponto que necessitava criticar da tribuna do Senado e aproveito a oportunidade que me dá o brilhante discurso de V. Exa. para fazê-lo.

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Pedro Ludovico - 293

O SR. PEDRO LUDOVICO: v. Exa. tem toda a razão. Agradeço o aparte do ilustre e brilhante

representante do Estado do Pará. O Sr. Paulo Fender: Obrigado a V. Exa. O SR. PEDRO LUDOVICO: ~ justo, lógico, que esses investimentos tenham garantias, tanto assim

que as nossas leis admitem o envio de lucros e dividendos, de royalties, de retorno de capital aos seus países de origem. Afirmam mesmo alguns estudio­ sos da matéria que nenhum país favorece tanto esse capital, como o nosso, a ponto de ter o Brasil preferência franca nesses investimentos. Eis, por exem­ plo, o que diz o deputado Sérgio Magalhães no seu livro - Problemas do Desenvolvimento Econômico: "Para que se possa fazer idéia da enormidade de privilégios que nosso País propicia ao capital estrangeiro, recorramos a uma comparação com os demais países latino-americanos. Tomemos por base os investimentos diretos norte-americanos. No período de 1.940 a 1.956, os investimentos particulares norte-americanos no Brasil se elevaram de 240 para 1.209 milhões de dólares, por força do reinvestimento dos lucros, em regime excepcionalmente liberal, até antes da Lei 1.807 e ainda de muita liberalidade depois desse diploma. Percentualmente, os investimentos de origem americana no Brasil, tomando-se por base o ano de 1.940, tiveram um incremento de 500%, ao passo que o peréentual de aumento para toda a América Latina é de 273%. Tomando-se por base o ano de 1.949, o incremento é o seguinte.: Brasill 205%; América Latina, 161%.

Uma nação pouco desenvolvida. como a nossa, precisa do capital es- · trangeiro, que tem sido muito útil para o nosso progresso.

Além do dinheiro que trazem, esses investidores concorrem para que a nossa técnica se aprimore com os elementos especializados que possuem e dos quais nos servimos para progredirmos.

Havia no Brasil até outubro de 1.958 as seguintes empresas estrangei­ ras: Serviços e transportes - Comércio de importação e exportação 542, Escritórios de administração, comércio imobiliário e de terrenos 71, Socieda­ des de financiamentos 25, Companhias de Seguros 54, Bancos 18, Agências telegráficas, noticiosas e de propaganda 24, Transporte em geral e turismo 53 Contabilidade, estudos e projetos 6, Serviços públicos 30, Diversas (hotéis: empresas de decoração, livrarias, artigos de escritório, locação de toalhas) 44. Totais: 867, percentagem 58,70%; Indiutriá= Ramos secundários.- Indústria têxtil 49, Indústria alimentícia 47, Indústria gráfica 8, Perfumarias e cosméti­ cos ~O, Cigarros 3, Vidros, louças e azulejos 14, Indústria de calçados e couros 5, Diversos (embalagens, sacos de papel, refrigerantes, gás enqarrafado, sorve-· tes, graxa para sapatos, mesas para bilhar, móveis, lâminas e creme para barba etc.) 63; totais 209, percentagem 14, 15%.

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294 - Memórias

Há poucos dias, quando ocupava a tribuna o nobre Senador Paulo Fender, aparteei S. Exa., dizendo que os nossos medicamentos estão caríssi­ mos, pela hora da morte. Se não me engano, S. Exa. endossou meu aparte.

O Sr. Paulo Fender: Exatamente. Falei sobre os royalties, que paqamos pelas fórmulas de

medicamentos. Essas empresas se instalam no Brasil para vender seus produtos e ainda cobram royalties sobre as fórmulas. Aí o absurdo!

O SR. PEDRO LUDOVICO: . . .. . Outros ramos industriais - Indústria Química e ·farmaceut1ca 169,

Indústria mecânica e de material elátrico 16~. Siderúrgica 4, ~in~ração e prospecção geológica 11, Construção civil e planejamento 19, 1 ndustna Aut~ mobilísticá 18. Indústria de plásticos 1. Cimento 5, Papel e celulose 8, totais 394, percentagem 26,67%; Agricultura, 7 - percentagem 0,48%; Total, 1.477, percentagem. 100 por cento.

Se houvesse má vontade, restrições ao funcionamento dessas empresas, claro é que elas aqui não se instalariam. Pelo contrário: são favorecidas até demais, de forma a surgirem, de quando em quando, vozes que combatem esses favorecimentos por achá-los lesivos aos interesses nacionais. Por tais motivos apresentou-se na Câmara dos Deputados o projeto de lei sobre a remessa de lucros, que foi aprovado com o aplauso de alguns e com a censura de muitos, achando estes que o projeto é inconveniente para os nossos dias, para as nossas necessidades que não podem prescindir do capital estrangeiro. Os partidários do referido projeto julgam que a matéria deve ser regulada sob novos moldes, não concordando que tanto lucro, proveniente, em grande par· te, do capital brasileiro, seja remetido para o estrangeiro, quando o nosso organismo econômico vive combalido por falta de divisas. Citam, mesmo, o caso da General ~otors, cujo capital é de 250 mil cruzeiros no seu departa­ mento de financiamentos e investimentos, e cujos lucros foram em 1957 e 1958 de 7.607.784,40 e 5.272.822,40, ou percentualmente, de 304 e 290 por cento.

Como se vê, é um assunto sério, que exige meditação e que vai ser apreciado pelo Senado Federal, dentro de pouco tempo.

Nesta época de desordem moral e espiritual que atravessamos, preciso é que se discuta o problema sem parti-pri&, sem prevenções, sem simpatias por qualquer ideologia, mas vendo, tãc5-somente, o interesse brasileiro, que não pode ficar à mercê de caprichos simplistas ou de orientações levianas.

Conquanto não esteja em condições de analisar esta matéria com profi­ ciência, pois não sou economista, cabe-me, entretanto, o direito de opinar sobre um projeto de tão alta relevância para a nossa economia.

Terminando as minhas considerações, vou ler um discurso do ex-presi­ dente Vargas pronunciado no dia 31 de dezembro de 1951 em que poderemos haurir alguns esclarecimentos, que podem ser preciosos à nossa decisão.

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Pedro Ludovico - 296

"Brasileiros. Na primeira prestação de contas do meu Governo, cumpre-me fazer

uma .revelação. ~or detrás dos bastidores da administração pública, logrou o Governo descobrir aos po~cos, e não sem dificuldade, uma trama criminosa, que há cinco anos se vmha tocando contra a economia, a riqueza e a independência da Pátria. Fora tão bem feita, tão bem planejada e tão bem executada, que .passou despercebida aos olhos da opinião pública. Levou tempo, até que lhe descobríssemos a pista, de tal modo está ela envolta numa rotina burocrática aparentemente inocente. Ainda que pareça incrível, não foi apenas obra de particulares· ou de capitalistas interessados em sugar o nosso patrimônio. Foi orientada à sombra da autoridade do próprio Governo, atra­ vés de um Regulamento e de vários aditivos a esse Regulamento, baixados pela direção da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil.

Com a melhor das intenções patrióticas, o Chefe do Poder Executivo, que me antecedeu; promulgou a 27 de fevereiro de 1946 um Decreto-Lei que tornou o no. 9.025 e que assegurou aos capitais estrange_iros aplicados no Brasil· o direito de retorno ao seu país-de origem, mas na proporção máxima de 20% ao ano. Assegurou-lhes também o direito de remeter para o estrangei­ ro os juros, lucros e dividendos produzidos no Brasil, porém, no máximo até 8% ao ano. Essa lei está em vigor e, para cumpri-la fez-se mister o registro prévio dos capitais estrangeiros na Carteira de Câmbio .

. Feita com os sadios intuitos de proteger a economia brasileira, garan­ tindo a retirada normal do capital _estrangeiro, e sobretudo impedindo que o dinheiro brasileiro, que afluiu. como juros e dividendos desse capital, fosse todo ele remetido para o exterior, essa lei, infelizmente, nunca foi cumprida. No mesmo ano de 1946, fez-se um Regulamento, baixado .peía Carteira de Câmbio·.do Banco do Brasil, mais tarde completado por vários aditivos, onde se permitiu que os juros, dividendos, lucros. etc., do capital estrangeiro, que ultrapassassem os 8% previstos na lei, também fossem considerados como

· "capital estrangeiro" e somados a este último, para fins de registro e cálculos de juros posteriores. .

Assim, um mero Regulamento, baixado por autoridades de menor hierarquia, sabotou totalmente não só o espírito, mas o próprio texto do Decreto-Lei e conseguiu inaugurar, em surdina e sem que ninguém se desse conta, um sistema de vazamento subterrâneo· da moeda brasileira para o exte­ rior. Vazamento tão grande, tão extorsivo do fruto do trabalho de milhões de brasileiros, que, em menos de cinco anos, se logrou subtrair à economia. nacional uma soma fabulosa, quase equivalente ao totaldo papel-moeda circu­ lante no País e que foi escandalosamente incorporado ao capital estrangeiro.

O Regulamento da Carteira de Câmbio violou expressamente a lei, como o reconheceu o atual Presidente e Consultor Jurídico do Banco do Brasil, e como ainda há pouco o reafirmou em brilhante parecer o Consultor­ Geral da República, a quem confiei o estudo jurídico da questão. E para b:rdes, brasileiros, uma idéia aproximada do montante da espoliação que vmha sendo feita com o vosso sacrifício, basta confrontardes as cifras que vou

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anunciar e que foram extraídas dos dados fornecidos pela Fiscalização Ban­ cária e dos relatórios do Banco do Brasil.

Em 1948, estavam registrados no Banco do Brasil, a título de capitais estrangeiros, 12 bilhões, 960 milhões de cruzeiros. ~as, neste total, apenas 6 bilhões, 730 milhões representavam moeda estrangeira realmente entrada no Brasil; os outros 6 bilhões, 230 rnilhões constituíam moeda nacional, acumu­ lada no Brasil por conta dos lucros que excediam a percentagem legalmente transferível e que foram indevidamente incorporados ao capital, por força do Regulamento.

Nos dois. anos seguintes, a situação agravou-se consideravelmente. O total dos registros de capital estrangeiro montou a 15 bilhões e 490

milhões de cruzeiros em 1949 e a 25 bilhões e 130 milhões em 1950. Mas neste último total, o dinheiro estrangeiro realmente trazido para o BrasiÍ representava pouco mais de 9 bilhões e 417 milhões, enquanto se conside­ rava. como capital estrangeiro mais de 15 bilhões e 718 milhões de cruzeiros em moeda nacional, proveniente de lucros legalmente intransferíveis e inde­ vidamente incorporados ao capital.

Na história deste País, talvez mesmo na de qualquer país independen­ te, não conheço exemplo de espoliação maior, feita na base de um Regula­ mento baixado por um instituto de crédito oficial contra dispositivo expresso em lei.

Tomando-se por base esse malabarismo de cifras, essa "multiplicação" do capital estrangeiro em detrimento do trabalho de milhões de brasileiros, foram remetidos para fora, em três anos, a título de rendimentos e de remes­ sas de retorno de juros e dividendos, as seguintes quantias em números redon­ dos: 791 milhões de cruzeiros em 1948; 883 milhões em 1949, 1 bilhão e 28 milhões em 1950,· ou seja, nos três anos mencionados, um total de mais de 2 bilhões e 700 milhões de cruzeiros. Se se tivesse cumprido a lei e respeitado os B°lb permitidos, as remessas para o exterior teriam sido apenas, em números redondos, de 540 milhões e~ 1948, 450 milhões em 1949 e 750 milhões em 1950, ou seja, ao todo, cerca de 1 bilhão e 750 milhões de cruzeiros. Por­ tanto, foram indevidamente remetidos para fora 950 milhões de cruzeiros a mais do que permitia a lei.

A rigor, esses 950 milhões excedentes deveriam ter sido considerados como retorno de capital e descontados do. total deste último, que, em 1950, ficaria assim reduzido a pouco mais.

Entretanto, o que vimos, nesse mesmo ano de 1950, foi o capital estrangeiro registrado, num total de 25 bilhões e 130 milhões, ostentando, pois, um excedente de 16 bilhões e 670 milhões de cruzeiros sobre o seu legítimo e real valor. Isso representa um aumento escadaloso e ilegal de cerca de 200% no capital estrangeiro aplicado no Brasil. . ~ espantoso, brasileiros! Mas é, pura e simplesmente, a linguagem das

c1f~as. O excedente de mais de 16 e meio bilhões de cruzeiros significa, nada mais, nada menos, que uma dívida contraída pelo Brasil no estrangeiro e que terá. d~ ser P~a, ou melh2r, "restituída" dentro de um certo .prazo, E vamos restttuír o que, pagar o que? Pagar o que não recebemos, o que é nosso, o que

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foi majorado por si'!1ples magia de cifras, a fim de supervalorizar o capital estrangeiro, em detrimento dos valores do trabalho brasileiro e da produção brasileira. .

Essa vultosa cifra em cruzeiros equivale a mais de 830 milhões de dólares, em moeda internacional, e se a Nação souber que os técnicos já calcularam as necessidades financeiras do Brasil, para levar a cabo um importante programa de desenvolvimento econômico, em cerca de 500 mi­ lhões de dólares, compreenderá desde logo que o total do dinheiro criminosa­ mente arrancado ao povo brasileiro e legalmente incorporado ao capital estrangeiro, foi, no triênio 1948-1950, muito superior à quantia de que neces­ sitamos para a nossa própria recuperação econômica, excedendo-a em propor­ ção maior de uma vez e meia seu valor.

Sem dúvida, precisamos incentivar capital estrangeiro e assegurar-lhe o retorno dos juros, dividendos e do próprio capital, em percentagem razoável. Nunca, porém, nessa voragem de dilapidação do patrimônio nacional, que acarretou para o País duas graves conseqüências.

A primeira foi o de permitirmos a transferência para o exterior de lucros resultantes da aplicação de verdadeiros capitais nacionais num injusti­ ficável esbanjamento dos nossos parcos recursos cambiais. Isto significa que tivemos de reduzir as nossa possibilidades de importar - máquinas, matérias­ primas essenciais e bens indispensáveis ao povo brasileiro, para remunerar os estrangeiros possuidores de capitais nacionais.

· A segunda conseqüência dessa inépcia administrativa foi a de sobrecar­ regar as gerações presentes e futuras com dívidas e compromissos injusta e indevidamente assumidos pelo Brasil,o qual terá de pagar quantia muitíssimo superior à que recebeu - quantia para cobertura da quai todas as nossas atuais reservas em ouro e divisas não seriam 'suficientes".

· Se este discurso do Presidente Getúlio Vargas fosse pronunciado hoje, os números seriam muito mais estarrecedores. Por exemplo: sabe-se que os capitais estrangeiros no Brasil somam hoje cerca de 5 bilhões de dólares. Convindo esclarecer que o capital atual que essas empresas consideram estran­ geiro provém de três fatores: a parcela inicial, que entrou no País em moeda ou em equipamento; a reinversão dos lucros não remetidos e, finalmente, as cada vez mais freqüentes reavaliações do ativo.

Considerando que esses capitais vêm sendo aumentados nos últimos tempos com a incorporação dos lucros não distribuídos e de reavaliações do ativo, na base de 200 cruzeiros por dólar, conclui-se que eles atingem a 1 trilhão de cruzeiros; e como as estatísticas revelam que o lucro médio das empresas estrangeiras não é inferior a 30% ao ano, e que destes 30% cerca de 2 terços são reinvertidos e o têrço restante remetido para o exterior, chega­ mos a estas conclusões: a) - o lucro anual dos capitais estrangeiros no Brasil atinge a 300 bilhões de cruzeiros, isto é, mais que todo o papel-moeda em circulação no País, quantia que, convertida em dólares na taxa de 300 cruzei­ ros, equivale a 1 bilhão de dólares - ou seja, quase a receita anual do País, em

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divisas; b) _ e como um, terço destes lucros é remetido, anualment~ para 0 t · r conclui-se que O nosso balanço de pagamento, so nesta rubrica, está ex enor, d -

onerado em 333 milhões de dólares. Se o imposto de ren a nao confirma esses números é porque grande parte de tais remessas deve estar fugindo através da fraude cambial.

Sr. Presidente, o assunto que ora acabo de focalizar vem sendo ventila- do todos os anos nesta Casa.

O Sr. Paulo Fender: Permite V. Exa. um aparte? O SR. PEDRO LUDOVICO: Com muita honra. O Sr. Paulo Fender: Estava esperando V. Exa. concluir a citação que fazia, isto é, o texto

do discurso do saudoso Presidente Getúlio Vargas, para aduzir mais este obs­ curo aparte à brilhante oração de V. Exa., que julgo oportuna, com relação ao Projeto de Remessa de Lucros. Quando V. Exa. lia o discurso do saudoso Presidente afirmando que os capitais estrangefros deviam ser registrados aqui previamente e a remessa de lucros ...

O .SR. PEDRO LUDOVICO São registrados - mas há trapaça. O Sr. Paulo Fender: ... estava instituída em 8%, quero dizer a V. Exa. que, pelas informa·

ções, que obtive, há cinco anos não se registram regularmente os capitais entrados no País ...

O SR. PEDRO LUDOVICO São registrados - mas há trapaça O Sr. Paulo Fender: ... e que o projeto oriundo da Câmara estipula não em oito por cento

mas, sim, em dez por cento a remesa. Por conseguinte, mais do que àquela · ·época se exigia. Como o aumento é em termos percentuais, não conta a inflação para a sua inteligência. ~' portanto, mais uma concessão que fizemos, aumentando de oito para dez por cento, e a grita que estamos presenciando é levantada, Senador Pedro Ludovico, creia, principalmente contra o registro regular de capitais-que se quer fazer.

O SR. PEDRO LUDOVICO:

V. Exa. tem toda a razão. O saudoso Presidente Getúlio Vargas e eu,no meu discurso, não nos referimos a outro dispositivo do qual o capital estrangeiro se vale: são os tais donativos. Os capitalistas estrangeiros podem remeter para os seus países de origem parte de seus capitais sob a rubrica de donativos. Esta é uma outra forma de evasão das letras nacionais.

Sr. Presidente, vou encerrar meu longo discurso,satisfeito porque mais uma vez· cumpri meu dever ao combatar a carestia de vida e ao alertar o País

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sobre o palpitante assunto da remessa de lucros. Era o que tinha a dizer: (Muito bem! Muito bem! Palma,).

O SR. PEDRO LUDOVICO: Sr.Presidente, Srs. Senadores, depois de realizadas as eleições de 7 de

outubro último, achei que devia dizer algumas palavras sobre as mesmas e, também, sobre a situação nacional. Em todo o Brasil correram tranqüilamen- te, pacificamente.

Em Goiás, o povo já está tão politizado,que não aplaudia alguns raros candidatos que usavam linguagem violenta.

Não só as propagandas eleitorais como os sufrágios se processaram em um clima de absoluta calma.

Houve poucos comícios, verificando-se que o povo não se interessava muito por eles. Compareci apenas a três, tendo dirigido toda a campanha eleitoral do meu escritório, situado na sede do PSD de Goiânia, não visitando nenhum município em excursão de propaganda. Da mesma forma procedi quando se realizou o pleito para a vaga de Senador, proveniente da renúncia do Dr. Taciano de Mello,e em que foi eleito o Dr. Juscelino Kubitschek. Não estou me referindo a essa particularidade para ressaltar o meu prestígio pol íti­ co, mas,sim, para mostrar como o PSD goiano é forte e bem organizado.

E isso se provou, ainda mais, no último pleito em que certos candida­ tos de outros partidos procuraram. abrir brechas nas nossas fileiras, tentando comprar as consciências dos. nossos I íderes municipais, que se mostraram inflexíveis à atração da pecúnia oferecida.

Indiscutivelmente, os brasileiros estão se educando politicamente, aperfeiçoando-se cada vez mais nos modos de encarar os problemas políticos.

Não raro se faz· um juízo mau de sua preferência, em relação a certos candidatos. Entretanto, analisando bem a psicologia dessa escolha, verifica-se que há fatores preponderantes que a justificam. Entre dois males, prefere-se o mal menor.

Diga-se o que se disser, a verdade é que a democracia se consolida no Brasil, onde o povo tem plena liberdade de escolher os seus mandatários. . .

As forças armadas respeitam o veredicto popular, fechando os ouvidos aos que querem, defendendo interesses pessoais ou de grupos, arrastá-las para um ato de violência, desrespeitando a Constituição e a decisão da coletivida- de.

Devemos orgulhar-nos dessa situação, em confronto com o que se verifica em alguns países da América do Sul, onde as soluções democráticas são esmagadas pelas imposições mültares,

Alguns diretórios de outras agremiações partidárias, como da UDN e do PTB, apoiaram o meu nome, sem ter havido nenhum acordo ou conchavo, o que prova o grau de elevação em que se encontram os políticos de minha terra. Tanto que aproveito a oportunidade para lhes enviar os meus agradeci-

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mentos por intermédio desta tribuna. . , Quer~ agradecer igualmente, a todos os eleitores e l (deres do PSD

goiano que tão calorosamente sufragaram o meu nome, principalmente aos de Goiânia e Anápolis, que são muito independentes e, mesmo, rebeldes em acompanhar as situações dominantes.

Desde as primeiras eleições, após a revolução de 1930, que ~xerço mandatos de representação popular; jamais fui derrotado quando candidato a qualquer deles. .

Ao povo goiano sou muito grato por essa prova de apreço e considera- ção que estão muito além dos meus méritos.

. Penso que o resultado do recente pleito nacional de 7 de outubro influirá positivamente nas condições políticas e administrativas do nosso País. Os sufrágios se realizaram tão democraticamente, tão livremente, tão tranqüi­ lamente, que demonstram a nossa maturidade em um dos atos mais significan­ tes para a vida sócio-política de uma nação.

Certos homens que tiveram a preferência do eleitorado, se erraram em suas posições no passado, é quase certo que se corrigirão e se entregarão à sua nova missão com o desejo de acertar, de trabalhar honestamente, defendendo os interesses das coletividades que lhes foram confiados.

Sou de opinião que todos os partidos políticos devem dar um crédito de confiança ao Presidente João Goulart, vendo os supremos interesses da nossa Pátria.

As nossas condições econômicas e financeiras continuam más. A cares­ tia de vida em um crescendo cada vez maior.

Há muito tempo que me bato para que se tomem medidas especiais, drásticas, a fim de se pôr um freio a essa .calamidade. Por enquanto, como tenho repetido todas as vezes que falo sobre este assunto, o atual e nenhum dos últimos governos encarou esse problema como devia e deve ser encarado. Nenhum teve pulso, teve coragem para tomar providências sérias, profundas, no intuito de erradicar esse mal que vem, dia a dia, se agravando. Felizmente, o povo brasileiro é muito tolerante, passando pelas maiores dificuldades, so­ frendo as maiores privações, sem se rebelar contra essa miséria.

Quem tem contato com as camadas humildes pode avaliar as privações a que essas estão sujeitas.

Não comem carne, porque o seu preço é inacessível à sua bolsa. Mes­ mo grande parte da classe média só usa esse alimento uma a duas vezes por semana. Custa-lhe já adquirir o pão, o arroz e o feijão, que são considerados o alimento do pobre.

O trabalh~dor braçal vive mal vestido, maltrapilho, pedindo aos mais afortunados as suas roupas velhas para com estas se remediarem .

. ~ .. Quand_o _pre~isam ~e médico, e não são muitos os médicos caridosos, nao tem condições financeiras para pagar as consultas.

Na farmácia cobram-lhe por uma receita, dois a três mil cruzeiros e,

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não raro, cinco mil. Os preços dos medicamentos sobem todos os meses. Os laboratórios se enriquecem, e não há um dique contra essa espolia­

cão de que o povo é vítima. · É indispensável, pois, que o atual governo aja e não fique só em promessas.

Não se pode esperar mais, nem confiar em medidas provisórias, paliati- vas.ern promessas em que ninguém mais acredita.

Chegamos a um ponto extremo. Fazem-se necessárias providências ra- dicais, doam em· quem doer.

O nosso estoicismo terá um fim. Chegará a um ponto em que a máxi­ ma dos estóicos, como Zenão ou Sêneca, que era "abstém-te e suporta", não nos servirá de consolo, de resignação. Os freios da paciência popular se rompe­ rão, levando-nos para uma situação de desespero que nem as forças armadas poderão conter.

Não devemos confiar nas tão decantadas reformas de base, um tanto demagógicas, que só darão resultados a prazo longo. São imprescindíveis ati­ tudes de fundo financeiro. e econômico que possam produzir efeitos certos e mais ou menos rápidos.

Afirmamos o que temos sempre aconselhado: façamos orçamentos equilibrados, cortando tudo que não estiver de acordo com as nossas possibili­ dades econômicas e de arrecadação. Seria preferível mesmo a paralisação de muitas obras, até que saíssemos desse impasse que se torna cada vez mais sombrio.

1963

O SR. PEDRO LUDOVICO: Senhor Presidente, uma vez por ano, desde 1958, pronuncio um dis-

curso no Senado sobre a nossa situação econômica e sobre a elevação progres­ siva do custo de vida, mostrando aos governantes a necessidade imperiosa, o dever de encarar com seriedade, com energia, com patriotismo, essa situação que, dia a dia, se torna mais grave, prevendo nas minhas manifestações o que hoje está acontecendo.

Não se fez um planejamento racionaJ, não se tomaram providências sérias para enfrentar e evitar o mal que vem devorando o nosso País nos seus fundamentos econômicos e sociais. Desde o governo do Presidente Juscelino Kubitschek que eu já previa esse estado a que chegaríamos. Propus um conge­ lamento total de salários, vencimentos e do preço das mercadorias. Preguei no deserto e as conseqüências aí estão: as nossas condições econômicas e finan­ ceiras pioram de forma impressionante, chegando muitos economistas a

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U' e J·a' nos achamos dentro dele. , b · do caos ou q dizer que estamos a eira . 0 meu pensamento, tantas vezes mani-

Julguei, então, acertado, rev1ver·dades que seme ofereceram. testado nesta Casa e em o~t~as 1~~~:u~o setor sócio-econômico, Já se tornou

Falar das nossas dificu ' m Mas mesmo assim, forçoso é que a h lá tornou lugar-comu · , .. .• .

enfadon o, J se . . , ue todos nós sofremos as suas consequencías, esse assunto nos refiramos, Ja q . rementes mais insuportáveis. que, cada vez, se nos apresent~m ~0ª1~~mo

O no;so tão bem aquinhoado por

~ incrível que um pais nc ' ·t ação tão séria como a em que se encontra. 0 é se veja nessa s1 u .

eus, como , ibilidades naturais com tamanha vastidão, com uma unidade Com tantas poss1 1 1 ' • -. • ó · . · í ma das nações mais felizes, mais pr speras, mais de idioma, dev amos ser u . . d V Ih

· d o território não foi vítima, como outros o e o ricas do mun o. nosso · óf d d ... de guerras Não experimentamos os efeitos catastr 1- Mundo, a evastaçao , . .

cos dos bombardeios e nem fomos talados pela fúria de soldados do~mados 1 'd. ou pelo desejo de destruição. Não tivemos as nossas propriedades, pe o o 10 •••• d N ...

as nossas casas arrasadas pelas bombas lançadas pelos avroes .. e _guerra. ao tivemos cidades arruinadas, como Coventry, na Inglaterra, Colônia, Dresden, Berlim, na Alemanha. ...

Os nossos campos, os nossos rebanhos, o nosso solo nao foram pisados, revolvidos pelos tanques e pelos tacões das botas de milhões de combatentes.

A nossa vida. não ficou perturbada, nem desagregada pelos aconteci­ mentos bélicos.

Entretanto, pela má educação dos nossos homens, pelos erros da nossa política, pelas falhas rotineiras dos nossos governantes, chegamos a este esta­ do em que nos achamos e para o qual não encontraremos, facilmente, uma solução.

Para sairmos desse impasse, como já tenho repetido várias vezes, se torna imprescindível um pulso forte e que se lhe dêem meios para usá-lo.

Não se pode ter o temor de desagradar a quem quer que seja. Nessa atuação não se pode distinguir homens, grupos ou castas, desde que esteja em jogo o interesse nacional.

~ um problema de salv,ção pública. Preciso é que se corte na própria carne e que não se fuja de sacrifícios pessoais no afã altamente patriótico de ser útil ao Brasil.

Faço votos para que o atual Presidente da República tenha a energia e o patriotismo necessários para esse empreendimento.

Ainda há poucos dias, no Senado Federal, um Senador declarava que a nossa crise era mais moral, proveniente da degradação do caráter da maioria do povo brasileiro.

Concordei com ele e lembrei-lhe que a moral foi sempre a preocupação de todos os filósofos, desde Sócrates atê Kant. e mesmo antes de Sócrates e ainda depois de Kant. A moral foi sempre a deusa em cujo altar os grandes

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pensadores queimaram constantemente o seu incenso. Alguém já afirmara que a moral foi a filha espiritual de Sócrates. Nem podia deixar de assim ser. Sem moral não pode haver nenhum aperfeiçoamento espiritual. A moral é filha do oem e este se confunde com ela.

O grande filósofo holandês, Spinosa, quando escreveu a l:tica, estava convicto de que precisava dar um sentido, uma recuperação moral à humani­ dade. Os filósofos da Igreja, como Santo Tomás de Aquino., foram beber em Aristóteles os princípios éticos-ideal ísticos que pregou, três séculos antes de Cristo.

Dessarte, é necessário que todos, principalmente a mocidade, se con- vençam de que precisamos tomar novo rumo, não místico, não romântico, mas positivo, concorrendo para que o nosso povo tenha mais compreensão da hora grave que atravessamos.

Para isso é preciso que se implante nos brasileiros um novo modo de encarar a vida, mormente naqueles que têm maior responsabilidade na direção dos problemas sociais e econômicos. 1:· mister que os líderes políticos, os responsáveis pelo Governo, os capitães de indústria, do comércio, se conven­ çam de que quanto mais a maioria do povo se torna miserável, mais próxima estará do fim a sua abastança.

Se o Brasil não sair desta superinflação, desta elevação do custo· de vida, com o sofrimento morando e se tornando sempre pior na maior parte dos lares, caminharemos tatalménte para uma catástrofe de duração e conse­ qüências imprevistas.

Indubitavelmente, o sistema democrático de Governo é o regime ideal. Ninguém deseja uma ditadura, porque do seu bojo pode vir a tirania onde as liberdades individuais perecem e onde, não raro, a dignidade humana se trans­ forma em servidão do Estado ou dos caprichos de um déspota.

Mas, se não conseguirmos sair desta rotina de erros em que .nos vemos mergulhados, de anos a esta parte, se não agirmos energicamente, traçando uma nova linha e percorrendo-a sem temor e sem desfalecimentos, vendo somente a nossa recuperação econômica e moral, iremos impreteri.velmente para um regime de força, a fim de pôr um freio a esse distúrbio que nos levará, se não for reprimido, de qualquer forma e por quaisquer meios, a uma ru (na total.

Caminh·amos fatalmente pata uma democratização e socialização do capital e do trabalho, o que já se nota nos países do Velho Mundo, principal­ mente. no Norte da Europa, onde ainda existem governantes slmbôllcos, repre­ sentativos de antigas eras.

No tumultuar da vida moderna em que a indústria absorve uma quanti­ d~e numerosa de mãos-de-obra, trazendo uma avalancha de operários para as cidades, criam-se problemas que, dia a dia se tornam mais complexos, provo­ cando, freqüentemente, dissídio entre o capital e o trabalho.

Aliás, Hegel, Feuerbach, Engels e Marx já tinham previsto, há mais de

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304 _ Memórias

A no seu material ismo histórico. um século, a fatalidade desse_s feno;ean~:stidão do nosso território, com as

Felizmente, no Brasil, co . os vegetal animal e mineral, podere- . ue temos nos rem , possibilidades imensas q dif uldades se O nosso atual e nossos 1 s anos essas 1 rc ' . mos vencer por ~ngo . , inteli ência e pulso para nos orientar por um futuros governos tiverem !u izo, g não se tolere o excesso de empre- . h o Basta tão-somente, que - . carrun o segur · , ilibrados que as despesas nao serem · · m orçamentos equ 1 , guismo, que se exua . . t no âmbito federal, como no estadual e maiores do que as receitas e issf~' ta~·z:ção rigorosa na aplicação dos dinheiros municipal, provocando-se uma isca 1

públicos. . duramente aqueles que prevaricarem, não se respei- Que se castiguem . · d . gabarito que tenha por mais bem categoriza a tando pessoa alguma por mais '

ue seja na hierarquia administrativa. q Se assim não procedermos, tudo continuará como ve.'.11 aconte~nd~ e 0 nosso País não sairá do atoleiro em que está chafurdado, n_ao vencera.ª crise econômica grave em que se debate, e, então, teremos uma ditadura ou iremos para uma anarquia revolucionária. .

· Mas não devemos perder a esperança em dias melhores, em face das nossas riquezas, algumas já em plena fase de exploração e outras em estado potencial. , , . , .

Se dermos um grande incremento a pecuana e a agricultura e ao apro­ veitamento de minérios, quer industrializando-os, quer exportando-os "in na­ tura", teremos uma sólida base para fortificar a nossa economia. Não pode­ mos pensar em superestrutura sem nos apoiarmos em uma infra-estrutura bem organizada e produtiva.

As nações bem dirigidas são assim constituídas economicamente. Além de minério de ferro que possuímos em grande abundância e cuja

exportação já é expressiva e que todos os.anos se intensifica, mormente com os últimos contratos para a Alemanha, que segundo notícias ultimamente veiculadas pela imprensa, atingem a 2 bilhões de dólares, temos capacidade para exportar consideráveis quantidades de minérios e metais não ferrosos, cujas jazidas há em todos os Estados do Brasil. No solo goiano, por exemplo, temos em relativa abundância níquel, como estanho, ouro, manganês, mica, óxido de berilo, rutilo, amianto, alguns dos quais não muito encontradiços em outras partes do mundo. De sorte que no reino mineral apresenta-se-nos uma enorme perspectiva para conseguirmos moedas fortes que virão valorizar a nossa que está em um declínio angustioso.

A lavoura bem dirigida, mecanizada, nos suprirá do necessário para as nossas populações, sobrando muito para alimentar outros povos, que não· dispõem de nossas condições para produzir de forma extensiva.

No criatório, não existe, atualmente, nenhum país que possa rivalizar conosco, dada a vastidão das nossas terras e a excelência de nosso clima para tal atividade.

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Pedro Ludovico - 305

Temos tudo e estamos em condições precárias. Sr. Presidente, antes de terminar meu discurso, quero dar uma opinião

sintética sobre as reformas de base, em nosso País, principalmente a reforma agrária. Acho que todas elas provocarão efeito a prazo longo. No entanto, precisamos de remédios heróicos que resolvam os nossos presentes problemas:

Penso que o atual Governo, se aprovada a reforma agrária, não deverá desapropriar terras de particulares, porque as há, devolutas em abundância, nos Estados de Goiás, Pará, Amazonas e Maranhão.

No meu Estado, grande parte das áreas devolutas já foram adquiridas por particulares. Assim, adquiridas terras dessa espécie, pelo Governo, elemen­ tos, em grande parte, do Nordeste e de outras regiões do Brasil poderiam ser encaminhados para elas onde encontrariam ambiente próprio à sua vida rural. Para tanto lhes seria necessário financiamento e assistência da parte do Go­ verno. Agora pergunto: estará o Governo em condições de conceder-lhes fi­ nanciamento? Estará o Governo em condições de desapropriar terras de parti­ culares, em certas zonas do Brasil, que custam os "olhos da cara"? Nas zonas Sul e Sudoeste de Goiás ninguém adquire um alqueire de terra de cultura, de mato, por menos de trezentos mil cruzeiros. Em Anápolis e em Goiânia, ninguém adquire terreno para lavoura intensiva, por menos de quatrocentos mil cruzeiros. Já no Norte de Goiás, tais terras podem ser adquiridas, por preço muito inferior, de partiéulares que as compraram do Governo do Esta­ do. No Pará, por exemplo, houve quem adquirisse um lote por cem mil cruzeiros e agora vende o alqueire por dois mil cruzeiros, o que, convenha­ mos, é preço muito baixo tendo em vista a desvalorização da nossa moeda.

Assim, penso que minha opinião é sensata. O Governo, em vez de desapropriar terras devolutas, deveria aproveitá-las, nelas colocando mais de cinqüenta mil famílias. Principalmente ao longo das Estradas Belém-Brasília - esta, cortando uma região de mata de quinhentos quilômetros - Brasília-For­ taleza e Brasília-Acre, assim como de outras rodovias, há terras de primeira qualidade, a baixo preço, onde os camponeses poderiam ser colocados.

Penso que a reforma agrária deveria visarpdncipalmente ao trabalhador rural que, infelizmente, no Brasil, constitui um pária sem recurso sequer para se vestir, ou para comprar remédio.

Para ampará-lo há necessidade não somente de financiá-lo como pres­ tar-lhe assistência médica, terapêutica; pois o nosso trabalhador rural que conheço de perto, é, em grande número, consumido pelas verminoses, pelas endemias e outras afecções.

O problema da reforma agrária, portanto, é complexo e muito sério. Muitos se manifestaram sobre o assunto por-demagogia. Entretanto, é matéria que requer muita ponderação e muita meditação.

Não sou, absolutamente, contra a reforma agrária; sou a ela favorável aind? que se tenha de modificar a Constituição; todavia, .a meu ver, não se precisava desapropriar terra de ninguém.

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O SR. P~DRO LUDOVICdO: es a enfermidade que ataca o organismo Sr. Presidente, S~s. Sena b 0.r0 'Aliás eu já tenho repetido isto várias

nacional é de prognóstico som n · .' bo upe pouco a tribuna. vezes, nesta Casa, em ra oc . t Diário de Notlcias do Rio de Janel-

A . d há co em entrev1s a ao ' . m. ª pou ' r uma revolução neste País, na atualidade, sena um

ro, acentuei que fomen.ta. 1 •.• s .de 22 e 24 foram quarteladas 'lé . 1 patn onsmo As revo uçoe , sacn 910, um ... eso- fu d llltar. A de ·30 teve o amparo e a simpatia do foram revoluçoes de · n ° mi I d f Isa democracia onde o direito de povo porque este estava cansado e uma a . '

' - · d não havia o voto secreto.· A de 32, teve apenas voto nao era respeita o e · í · d h f · • 1 la O povo paulista se bateu pelos prmc pios os c e es interesse regiona , e ne que a sufragaram. . . . .

Naquela entrevista acentuei, ainda , o sacrifício enorm.e que represen- . e ·11 uma revolução armada de ce·rta envergadura, porque a tart a para o ras . . . .

· - d sso País na hora em que vivemos, é das mais sérias e mais sttuação o no , . . . •• trágicas. o povo faminto, desorientado, sem esperanç.as de melhores dias nao escolheria caminho a percorrer e aderiria a esse movimento talvez de forma· anárquica, trazendo perturbação a .todo o País. . .

Sr. Presidente, quis que minhas palavras ficassem gravad_as nos ~n~is do Senado através de um discurso, embora curto mas que exprime as 1c:M1as que tenho, no momento.

Já me sinto constrangido, tal a minha desilusão, quando ocupo a tribu­ na para tratar da situação~aciorial.

Desde o fim do governo do Presidente Kubitschek que, uma ou duas vezes por ano, faço nesta Casa um discurso, dizendo as verdades sobre as nossas condições políticas e econômicas.

Há cerca de cinco anos que previa o que agora se nos depara. Já naquela época era fácil prever-se que se não se adotessem medidas

racionais, cautelosas, previdentes, iríamos para uma debacle financeira, econô­ mica e soc'ial.

Nem Juscelino,- nem Jânio Quadros, nem João Goulart assim procede· ram .. E sou insuspeito para, destarte,me pronunciar, porque fui e sou amigo do primeiro, tendo-o defendrdo muitas vezes no Senado de ataques violentos que lhe eram dirigidos. Cheguei a ficar entusiasmado com o segundo, que foi derrotado pelo P. S. D. no meu Estado, como candidato a Presidente da República, mas que, no começo de sua administração, me agradou pelo seu zelo de autoridade e por seus atos moralizadores e enérgicos.

O meu entusiasmo foi tão grande e tão sincero que me manifestei desta. tribuna, fazendo-lhe os maiores elogios. 1 nfelizmente, decepcionou-me depois com a sua fraqueza, que sô pode ser explicada por uma depressão nervosa.

Cuanto ao terceiro, o atual Presidente, ainda há poucos dias apartean· do o nobre Senador Vasconcelos Tôrres, tive a oportunidade de afirmar que

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sempre tive pelo mesmo uma certa amizade e uma grande simpatia, sentimen­ tos estes. que vinham desde o tempo das nossas relações com o Presidente Vargas.

De sorte que as minhas críticas tiveram e têm um fundo patriótico, de quem·deseja o bem-estar do seu País.

Sempre digo e· repito que nenhum desses últimos responsáveis pela direção da República tomou providências sérias para conter o custo cada vez mais elevado de vida.

Seja _em matéria de produçãojsela coibindo a ganância e a especulação. Todos esses governantes a que me refiro, principalmente o Dr. João

Goulart, têm procurado estimular a produção com os financiamentos agro­ -pecuários, mas, quase sempre, são estes recebidos já fora da época, quando a maioria dos pequenos agricultores já não têm mais tempo para preparar os seus terrenos, cujas matas ou cerrados precisam ser derrubados, destacados e arados antes das primeiras chuvas.

Os pecuaristas se beneficiam melhor porque para eles a exigência do tempo não é tão premente, embora, não raro, o retraimento dos bancos possa prejudicá-los quando já precisam de retirar dos pastos as suas boiadas gordas e substitu (-las pelas magras.

Enfim, verificou-se que o Governante pode ter boa vontade e que falha por falta de auxiliares práticos, bem intencionados, desejosos de. fazer o bem às coletividades. Seria o caso dos dirigentes de urna nação terem fiscais para investigar sobre o rendimento de trabalho dos seus auxiliares, exonerando-os, vez que não estivessem agindo em defesa do interesse· público, como acontece nos países socialistas.

1: imprescindível, indispensável que abandonemos essa rotina de erros que vimos praticando há muito tempo.

Preciso é que escolhamos homens decentes, sem olhar a cor política para os cargos, e não procuremos cargos para agradar ou recompensar ho- mens.

Tenhamos a coragem de dizer não, não e não a todos aqueles que nos vierem fazer pedidos que não possamos ou não devamos atender. Se desta forma não procedermos, jamais conseguiremos melhorar as condições em que nos encontramos,. que são sérias e graves, quer as encaremos pelo prisma eco­ nômico, sociei ou político.

Basta lembrar que um dólar e_stá valendo mil e cem cruzeiros, que são enormes os nossos atrasados comerciais, em crise o nosso balanço de paga-

. mentos. Proveniente disso e, também, da especulação e da ganância sem freios, uma alta vertiginosa do custo· de vida. Conquanto seja um leigo em assuntos econômicos e financeiros, permito-me afirmar que sem orçamentos relativamente equilibrados não há possibilidade de se enfrentar, de se vencer a crise em que estamos afundados.

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Não creio, porém, que com situações rotineiras saiamos desse trágico impasse. . ... , .

Sem um planejamento rigoroso, sem medidas de salvaçao publica, não evitaremos a calamidade que fatalmente cairá sobre o 'Brasil, arrastando no seu torvelinho tudo e todos. Essas greves freqüentes, repetidas, absurdas em muitos casos, são uma das provas do que estou afirmando. Estudantes, traba­ lhadores, bancários e até militares,. constantemente estão em greve, prejudican­ do a vida do País.

~ um imperativo patriótico pôr-se um freio a essas liberdades excessi­ vas. Elas são uma das expressões da crise de autoridade que corrói a nossa organização política e social.

Tudo tem limites. A situação nacional, a tranqüilidade e o bem-estar do povo estão acima

de quaisquer liberdades licenciosas. Infelizmente esses excessos a que me refiro atingem todos os setores de nossa vida.

São os comerciantes que remarcam as suas mercadorias, com 100 a 200 por cento de aumento, porque os vencimentos ou os salários dos funcio­ nários e dos operários foram acrescidos, explorando desapiedadamente os consumidores.

São os deputados estaduais e vereadores que se_guidamente aumentam os seus subsídios, havendo representantes do povo em algumas unidades fede­ rativas que estão ganhando, mais ou menos, como os representantes federais, e até mais, tais- as sessões extraordinárias que fazem com o intuito de recebe· rem maiores pecúnias.

~ este o Brasil dos nossos dias. ~stou certo, certíssimo de que mesmo no regime democrático em que vivémos poderemos recuperá-lo, saneá-lo, ·bastan­ do para tanto que o Presidente João 'Goulart seja enérgico, muito enérgico, nessa missão patriótica, desligando-se dos maus elementos de·quaisquer parti­ dos políticos a que pertençam, vendo apenas o Brasil, que tem todas as condições para ser forte e próspero.

1964 O SR. PEDRO LUDOVICO: Sr. Presidente, Srs. Senadores, na última vez que ocupei esta tribuna

declarei que me achava decepcionado, desiludido com os discursos que se pronunciavam, não só no Senado como na Câmara dos Deputados, porque as coisas continuavam no mesmo pé, com o mesmo aspecto. E me referia justa· mente às questões finançeiras e econômicas, e à grande carestia de vida.

Ainda agora o nobre Senador Adolpho Franco acaba de falar justa· mente neste sentido, tendo por base de seu discurso o escândalo do petróleo.

1111111

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Como vê V. Exa., Sr. Presidente, e vêem os Srs. Senadores, o Brasil continua em crise de moralidade.

· Numa entrevista dada, há cerca de dois meses, ao "Diário de Notí­ cias", declarei que era preciso dizer não, não e não à corrupção e também ao excesso de empreguismo. Aliás, repeti frase de V. Exa. que, em discurso pronunciado nesta Casa, antes da posse do Sr. João Goulart, disse não, não e não à corrupção e ao empreguismo.

Mas, apesar de tudo, resolvi ainda ocupar esta tribuna para falar sobre a situação angustiosa que nos oprime, diminui e desmoraliza.

Sinto-me no dever de, de quando em vez, dar a minha opinião sobre assuntos que se referem ao interesse nacional. Penso que calar é uma omissão imperdoável, uma restrição criminosa, quando se vê o nosso país continuar no mesmo caminho de erros, da adversidade, de incompreensão por parte de todos os responsáveis que desconhecem ou não querem ver as dificuldades por que passa o nosso povo.

A parte da população que não é capitalista, nem classe média, nem proletária, mas que representa o nível mais inferior das nossas coletividades, que são as mulheres paupérrimas, muitas sem esposos, pela ausência ou pela doença, carregadas de filhos pequenos, os homens doentes ou sãos, porém sem trabalho, está faminta,..vivendo da caridade pública, sofrendo e morrendo nas suas vivendas humildes e infectas. Só os que têm contato com essa gente podem avaliar o seu sofrimento.

Nunca o Brasil passou por fase tão crítica como esta em que vivemos.

Não há nenhum exagero no que afirmo. A inflação continua a passos rápidos, com pequenas pausas, com pe­

quenas interrupções. O nosso cruzeiro,em sua desvalorização galopante, está abaixo da moeda paraguaia, que ainda há pouco era bem inferior à nossa. Os nossos orçamentos continuam otimistas e, em regra, deficitários, com emis­ sões freqüentes, e que se impõem para que a nossa vida financeira não se detenha, constituindo um círculo vicioso. Pergunto eu: há providências sérias profundas, enérgieas, práticas, realistas, para combater esses males? Parece­ -me que não. S6 se fala em reformas, reformas e mais reformas. No entanto , essas reformas só podem ter efeito a prazo longo e está o nosso país em condições de esperar por elas?

Ninguém pense que sou contra as reformas de base. Sou a favor de todas .

. A reforma agrária é indispensável, imprescindível, feita com critério, sem demasias, sem muita pressa, mas, sim, no sentido de melhorar a nossa produção e as condições de existência do homem do campo.

Sobre este assunto, vários e ilustres brasileiros têm discorrido. Há cin­ co anos atrás, o Deputado Coutinho· Cavalcfnti apresentou belíssimo trabalho sobre reforma agrária, assim como o Dr. Afrânio de Carvalho, secretário do

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. Sr Daniel de Carvalho. . d Agricultura, · . . 1· d ex-Ministro a ta matéria inteiramente ana isa a, estudada se á rtanto, es ' · • ndo Est , po . est'igações Faz-se mister, entretanto, que as rn · aiores mv · . edj. desnecessárias m d om O nosso momento e com as condições do n das estejam de acor o e osso País. ad itir demagogia nem intentos subalternos de glória N -0 se pode m . . . no ª . E tá refundamente hg~da aos interesses nacionais, devend afã de realizá-la. s 'edp ade. Nela está em jogo a vida de milhões de trabalh ~ ncarada com sen •.• . 1 p . f . a ser e . . lhoria da produçao nacionar, recisa ser erta com medita- d~res rurais eda ~e a rea'iidade brasileira, que é muito diferente de todas as çao, obseryan o se . .

açoe •. sem que foi realizada. outras n ..• ~ . que se tenha em vista a extensao do nosso território as e preciso . . '

d Osso clima a diversidade das nossas terras e dos nossos costu, diferenças o n ' . · 1 de quantidade de áreas inaproveitadas e devo utas que possuímos mes e a gran · . . ·

Fala-se em desapropriá-las nas prox1m1.dades dos centro populosos e· margens das estradas de ferro e de rodagem. Pode-se concordar em parte nas . ºf' . messa orientação que deve ter alguma JUS~I tcatíva. 00

~ mister que se pense, porém, na importância de dinheiro que esses terrenos vão custar, tratando-se justamen~e das zonas mais valorizadas.

Já nas regiões afastadas dos centros populosos, a terra é muito mais barata e, não raro, muito meJhores, e servidas, também, de rodovias como a que liga Brasília a Belém e que a~ravessa uma faixa de 500 quilômetros de mata virgem.

A rodovia que vai de Brasília a Anápolis, Ceres, Uruaçu, até o baixo Tocantins nos limites de Maranhão e Pará é igualmente servida de ótimas terras, onde não há o problema das estiagens prolongadas e em que o preço das mesmas é relativamente baixo. Só essas regiões a que me referi podem comportar mais de 50 milhões de habitantes.

. O que acho conveniente é colocar o excesso de população do Nordeste e todo~ os brasileiros que não possuem propriedades rurais, de qualquer dos nossos Estados, que queiram cultivar a terra, nessas regiões a que aludo, onde ~oderão se tornar donos de um pedaço de terra maior, em vez de dois ou três hectares para cada fam'ília .

•.• Esses pequenos proprietários tomarão amor à sua gleba e nela perma- necerao p ºf' · ·1· or ven icar que o seu trabalho terá uma boa recompensa, poss1bi 1· tando-lhes um futuro de tranqüilidade. va I' Dando-se-lhes uma pequena assistência .financeira no início de sua no·

abuta, co,:n uma relativa assistência educacional e sanitária o resto virá naturalmente de f ' ' orma a não onerar muito os cofres públicos.

Nas · · baba· . Proximidades do Araguaia e· do Tocantins há a pesca e 05 · çua,s que Pode . ' s habi- ta te O m concorrer muito para aumentar a renda desses novo. ·s n s. mundo te f I vegetai · m ome de gordura, e, hoje, prefere mais os 6 eos

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do que os animais, pois estes oferecem maiores dificuldades para serem produ­ zidos. Ademais, do babaçu se extraem outros elementos de grande valor e !'lecessários a muitas atividades.

Nas proximidades da Brasília-Belém encontram-se, nos Estados de Gol­ ás e Maranhão, mais de dois bilhões de palmeiras.

Felizmente essa . riqueza já está despertando a cobiça de nacionais e estrangeiros. No território goiano vão se instalar brevemente duas· grandes refinarias para a exploração do babaçu, uma com capitais alemães e outra com capital goiano, sendo que só esses industriais vão inverter nesse ramo mais de um bilhão de cruzeiros.

Fazendo um parêntesis, quero declarar que a questão do babaçu está despertando - como disse - a cobiça de nacionais e estrangeiros. No Norte de Goiás, na região do Tocantins, Município de Araguaína, vão ser instaladas duas grandes usinas, uma com capitais alemães e outra com capitais goianos. 56 nessas duas usinas serão invertidos mais de dois bilhões de cruzeiros.

O Sr. Filinto Müller: Para exploração do babaçu? O SR. PEDRO LUDOVICO: Sjm, só para exploração do babaçu. O Sr. Filinto Müller: Notícia promissora, pois praticamente o babaçu só é explorado no

Maranhão. O SR. PEDRO LUDOVICO: Em Goiás é explorado também, mas em escala muito reduzida. Ainda outra notícia alvissareira para o meu Estado: uma firma parti­

cular do Rio de Janeiro esté adquirindo cerca de 20.000 alqueires de terra para instalar uma usina de aç6car para uma capacidade anual de um milhão de sacas. Felizmente essa riqueza está despertando o interesse do povo goiano.

Em cada vivenda de dez hectares poder-se-ia fazer ou promover uma criação de gade vacum e porcino de umas trinta cabeças, o que na soma global de uma grande coloni~açlo significaria muita coisa. 56 isto daria um novo aspecto econômico ao Brasil, pois, como é notório, ninguém está em condi­ ções de competir conosco nesse setor da atividade humana. 56 o Brasil tem tudo para o incremento de uma pecuária em larga escala. Os produtos do gado vacum não temem concorrência com nenhuma outra mercadoria, porque ~lo cria gado intensamente quem quer, mas quem pode. Dia virá em que· a indústria pastoril constituirá a nosse maior fonte de renda. Do boi nada se perde; tudo .se aproveita. ·

O desenvolvimento do Brasil depende, de fato, dessas reformas basea-

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. fatores de produção, como os que venho das no desenvolvimento de diversos

de citar. - . como O maná do céu. Exige planejamen- Tudo isso, entretanto, nao c~1

to, entusiasmo, honestidade e ener;~~-vidências imprescindíveis para se enfren­ :enso, no entanto, ~ue d~s tas e de outro caráter. Urge uma fiscalização

tar a crise atual de~em ser ,me, •:io em geral. Verificar onde existe ganância e rigorosa na produção e no comer I d d - d h, se corrigir duramente os exp ora ores o povo. especulaçao e on e a, como _ . . .. . . .

. ue li 'nos jornais de hoie, de Goiârua: um curioso, Quero citar um fato q , d fé e $ o 1 o chegou à conclusão de . d de uma x reara e ca ' r ,

anal rsan o o preço h 400% em cada quilo, pois o café torrado custa que os seus vendedores gan am , . Cr$ 1 ;60 à quilo e rende noventa x rearas, , , .

d ' consumido numa xrcara e relativamente pequena, A parte o açucar .. . . em relação ao café, daí a especulação e ganancia a que me refiro.

Outro exemplo se observa no centro-oeste: um comerciante comprou, na safra passada, a saca de arroz a Cr$ 5.000,00. Três sacas de arroz em casca rendem duas de boa qualidade, além da quirera e do farelo. Atualmente a saca de arroz beneficiado custa Cr$ 18.000,00. Quer dizer, só nas duas sacas o comerciante ganha 100%, fora o farelo e a quirera.

Que se instalem tribunais poputares para coibir esses abusos que enri­ quecem uma minoria à custa do sacrifício de milhões de pessoas.

Escolham-se homens patriotas e decentes para dirigir essa campanha de salvação nacional, cometendo-lhes tarefas de maior envergadura para aplicar .os meios adequados à restauração de nossas finanças e economia.

Há urgência para que assim se proceda, pois a tolerância, a paciência dos brasileiros ,devem ter um· limite. t mister que se restabeleça o equil tbrio econômico e moral entre nós.

O distúrbio social disso proveniente nos levará fatalmente ao caos, se não tomarmos um novo rumo.

Se o Governo se impuser uma nova trilha de austeridade, de poupança, não procurando ,agradar quem quer que seja à custa do tesouro público, como a subvenção que pretende dar aos juízes, promotores e professores de todo o Br.isil, cujo número se calcula em mais de 350 mil, embora reconheça que em muitas unidades federativas esses funcionários ganham pouco, o nosso País pode se reabilitar.

As afirmativas que .se atribuem ao ex-Ministro da Fazenda, Professor Carvalho Pinto, de que houve um superavit de 300 bilhões de cruzeiros na arrecadação do orçamento de 1.963, que foi de um trilhão e uma receita de um bilhão e seiscentos milhões de dólares, mais quatrocentos milhões do que em ~962, na balança de exportação, são um estímulo e uma esperança em rel~ao ª~ que ve~ho de afirmar. Basta traçar um plano de saneamento moral e f1nance1ro e segui-lo sem tergiversar.

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Há muitos que julgam que ninguém conseguirá pôr a Nação em ordem, em equil 1brio, restabelecer a confiança, sem um regime forte. ~ preciso que se tenha· coragem de dizer que essa idéia se acha generalizada no meio do povo. Este já está tão desiludido de promessas, que não mais crê nas medidas ápre­ sentadas como salvadoras. Quando se fala em aumento dos salários, os preços das utilidades sobem abusivamente. E ninguém põe freio nesse abuso que se repete freqüentemente, de meses em meses, já se tornando uma rotina. Nin­ guém mais respeita as Coaps, que se desmoralizaram vergonhosamente.

Eu ainda penso que se pode enfrentar essa crise moral e econômica em regime democrático, com poderes de emergência, como acontece na França, onde De Gaulle os exigiu para aceitar o seu cargo, a missão espinhosa de promover a recuperação da França.