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LINGUAGEM, EDUCAÇÃO E TECNOLOGIAS: IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO

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Literatura, linguagem e tecnologias

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  • LINGUAGEM, EDUCAO E TECNOLOGIAS: IMPLICAES PARA O ENSINO

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA

    ReitoraMARGARETH DE FTIMA FORMIGA MELO DINIZ

    Vice-reitorEDUARDO RAMALHO RABENHORST

    EDITORA DA UFPB

    DiretoraIZABEL FRANA DE LIMA

    Vice-diretorJOS LUIZ DA SILVA

    Superviso de editoraoALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR

    Superviso de ProduoJOS AUGUSTO DOS SANTOS FILHO

  • Carlos Augusto de Melo Laurnia Souto Sales Luciane Alves Santos

    Marluce Pereira da Silva Organizadores

    LINGUAGEM, EDUCAO E TECNOLOGIAS: IMPLICAES PARA O ENSINO

    Editora da UFPB Joo Pessoa

    2013

  • EDITORA DA UFPBCaixa Postal 5081 Cidade UniversitriaJoo Pessoa Paraba BrasilCEP: 58.051 970www.editora.ufpb.br

    Impresso no BrasilPrinted in Brazil

    Foi feito depsito legal

    Projeto grficoEDITORA DA UFPBEditorao eletrnica

    LEILA NUNESCapa

    RILDO COELHO

    L755 Linguagem, educao e tecnologias: implicaes para o ensino/ Carlos Augusto de Melo...[et al.], organizadores.-- Joo Pessoa: Editora da UFPB, 2013. 368p. ISBN: 978-85-237-0738-5 1. Linguagem - ensino. 2. Formao do professor. 3. Linguagem e prticas educativas. 4. Linguagem e literatura. 5. Letramento digital. I. Melo, Carlos Augusto de.

    CDU: 800

    Todos os direitos e responsabilidades dos autores.

    Ficha catalogrfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraba

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    PREFCIO

    Linguagem e ensino no Vale do Mamanguape

    Como toda iniciativa traz consigo a sua parte de idealizao, tambm possvel enxergar alguns de seus traos na elaborao deste volume, que fruto de um trabalho coletivo j iniciado e cuja amostragem de seu potencial identificamos pela circunstncia do I Encontro de Professores da Educao Bsica do Vale do Mamanguape (ENPEB), realizado em dezembro de 2012, nas dependncias do Campus IV da UFPB, na cidade de Mamanguape. Naquela ocasio, houve a reunio de professores radicados na Paraba e em estados circunvizinhos, que, pela afinidade ou por contiguidade, se dispuseram a colaborar com o evento atravs de algum pronunciamento sobre o quer que se entenda sobre desempenho na linguagem e formao do professor. Da a chamada do evento orbitar em torno de palavras como Linguagem, Tecnologia e Ensino, seguindo a suposio de que para se ter acesso linguagem preciso dispor de algum tipo de tecnologia e, para tanto, seria necessria a existncia de algum mediador, no raro encarnado na figura do professor. Assim colocado, o propsito parecer vago e abstrato, j que as palavras acionadas para sua identificao no so capazes de dar a dimenso do conjunto de particularidades que rodearam o evento.

    A este respeito preciso destacar ao menos duas informaes: a criao do curso de Letras no Campus IV, que comeou a vigorar exatamente no segundo semestre de 2012 e o baixo nvel de escolarizao da regio, que apresenta um dos mais baixos ndices de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado da Paraba. Confrontadas as duas informaes, poderemos depreender algo da, uma vez que tendo sido a cidade de Mamanguape a capital da provncia da Paraba em sculos j longnquos e, mesmo assim, tendo atingido to baixos ndices, fica a constatao de que a histria transcorre por vias sinuosas, nem sempre transparentes e

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    tampouco racionais. E, com isso, levanta-se a possibilidade de considerar a histria como um produto humano e, nesta medida, nos descobrimos com a capacidade de fazer parte dela, contribuindo para orientar o seu transcurso. Sempre h algo de ilusrio ou de idealista quando se abre um curso de Letras e aqui no haver de ser diferente.

    Por isso, quando da observao do sumrio deste livro nos deparamos com sees no de todo compatveis, tal como se apresentam: 1. Linguagem, formao do professor e ensino; 2. Linguagem, argumentao e ensino; 3. Linguagem e ensino de literatura; 4. Linguagem, prticas discursivas e ensino; 5. Linguagem, tecnologias contemporneas e ensino. A considerar que todas as cinco partes que compem o livro carregam as palavras linguagem e ensino, de se supor que a resida o foco de interesse do livro. Mas h algo de impreciso nessas palavras, j que o leitor pode sair da leitura sem uma compreenso ntida de qual o entendimento de linguagem ou de ensino acionados pelos autores e at previsvel que seja assim. Pois mais como um chamamento leitura e discusso sobre a linguagem que este volume se faz, do que pela exposio de um quadro conceitual fechado; mais como um convite comunidade letrada a participar da discusso sobre linguagem e ensino na regio, do que pela divulgao da produo cientfica do campus; mais como um carto de visita do Curso de Letras que ali se inicia, do que qualquer outra coisa. Da serem muito particulares as compreenses de formao do professor, argumentao, literatura, prticas discursivas ou de tecnologias contemporneas. Tudo isso se justifica porque ainda se est tateando sobre qual o sentido de literatura ou de tecnologias contemporneas que devero ser acionados neste contexto. E no faltar quem queira dizer que no h compatibilidade entre aquela realidade e a literatura ou que naquela realidade no tem sentido falar em tecnologia contempornea, j que h outras condies bsicas a serem conquistadas.

    Diante de tal situao, no custa advertir do risco de estarem aqui todos os autores ensimesmados, falando de si para si. E se assim for, o mximo a se conseguir ser algo como um barulho injustificado

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    ou um rudo incompreensvel, questionvel inclusive como objeto de comunicao. Mas como tambm h a esperana de que o barulho seja audvel e o rudo se faa inteligvel, a empreitada se justifica por si. Ento, ainda vale a pena insistir na linguagem, porquanto h a de possibilidade de comunicao e transmisso de experincia humana que pode se converter em tomada de conscincia da tradio cultural em que nos vemos envolvidos ou, ao menos, das circunstncias que nos assolam como uma fatalidade ou um ato regressivo. De resto, notria a inteno de estabelecer um contato vivo e assduo com os professores atuantes nas escolas da regio, bem como com os alunos de Letras que esto no processo formativo. Diga-se, guisa de um primeira parada na reflexo esboada, que o pontap inicial j foi dado. Da cumpre que se pergunte quais os encaminhamentos de agora em diante, posto que outras instituies foram acionadas e este livro tambm registro disso.

    verton Barbosa Correia

  • SUMRIO

    CAPTULO I Linguagem, formao do professor e ensino

    Os professores e seus pensamentos sobre o ensino bem sucedido Clia Regina Teixeira ............................................................................... 15

    O professor de educao dos surdos: histrico e perspectivas Conceio de Maria Costa Sade; Naiany de Souza Carneiro ................... 29

    A apropriao das linguagens sociais nas prticas escolares do ensino fundamental: uma relao dialgica Snia Maria Cndido da Silva .................................................................. 49

    CAPTULO II Linguagem, argumentao e ensino

    O ensino da argumentao na educao bsica: novas proposies Erivaldo Pereira do Nascimento ................................................................ 69

    Metforas, argumentao e sala de aula: um outro olhar Graziellen Gelli Pinheiro Lima ................................................................. 99

    A argumentao no gnero charge Ruth Marcela Bown Cuello .................................................................... 115

  • CAPTULO III Linguagem e ensino de literatura

    Literatura para qu, professor? Carlos Augusto de Melo ........................................................................ 137

    As esferas do maravilhoso e a literatura infantil Luciane Alves Santos .............................................................................. 153

    Desafios no ensino de textos clssicos: linguagem e prtica educativa Michelle Bianca Santos Dantas ............................................................... 171

    CAPTULO IV Linguagem, prticas discursivas e ensino

    O leitor do livro didtico de lngua inglesa: entidade e identidade Barthyra Cabral Vieira de Andrade Claudino ......................................... 195

    O uso da gramtica do design visual nas aulas de leitura no ensino de lngua portuguesa Carla Alecsandra de Melo Bonifcio ....................................................... 217

    No discurso sobre leitura de alunos de letras: histrias, prticas e concepes litoras Laurnia Souto Sales ............................................................................... 245

    (Des)articulao entre teoria e prtica no ensino de lngua portuguesa em discursos de docentes Marluce Pereira da Silva ........................................................................ 263

  • Linguagem, tradio discursiva e ensino: novas abordagens sob a tica sincrnica e diacrnica Roseane Batista Feitosa Nicolau .............................................................. 283

    CAPTULO V Linguagem, tecnologias contemporneas e ensino

    A tecnologia pode ser usada para apoiar no processo de alfabetizao? Ayla D. Dantas S. Rebouas ................................................................... 307

    Letramento digital e ensino: uma experincia docente de licenciandos em cincia da computao Ewerton Lopes Silva de Oliveira; Felipe Oliveira Miranda Cunha; Jefferson Aurlio Ferreira e Silva; Joo Wandemberg Gonalves Maciel ................ 329

    Teoria da atividade e suas contribuies avaliao da aprendizagem online Mariano Castro Neto ............................................................................. 347

  • CAPTULO I

    LINGUAGEM, FORMAO DO PROFESSOR E ENSINO

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    OS PROFESSORES E SEUS PENSAMENTOS SOBRE O ENSINO BEM SUCEDIDO

    Clia Regina Teixeira (UFPB)1

    1 Introduo

    Estas reflexes so fruto da Mesa Redonda do evento do Departamento de Letras voltado aos professores de lngua portuguesa do Vale de Mamanguape, Paraba. Busca repensar a educao ofertada pelo sistema pblico de ensino e, consequentemente, a qualidade do ensino oferecido nas instituies de educao (nas escolas pblicas). O interesse pela questo da qualidade na aprendizagem forneceu-me condies para investigar o que pensam os professores sobre um ensino bem sucedido. Com este empenho foi realizada a pesquisa no mestrado, sobre a temtica fracasso e sucesso escolar. Dessa maneira, o objeto pesquisado o interesse pelo ensino bem sucedido das crianas iniciou-se em meu cotidiano de sala de aula, por ter sido alfabetizadora da rede pblica de ensino por mais de 16 anos. Desta preocupao, ao propor uma dissertao de Mestrado, fui aprofundar meus conhecimentos sobre o pensamento dos professores sobre o ensino bem sucedido. Com a anlise dos dados coletados na pesquisa, verifiquei alguns pontos para discusso e reflexo sobre a qualidade de ensino, assim como a influencia do perfil que professores da rede pblica estadual de ensino possuem

    1 Doutora e Mestre em Educao. Lder do Grupo de Estudos CNPq Currculo e Avaliao Educacional; Professora Adjunta II da Graduao, Universidade Federal da Paraba (UFPB/CCAE/DE) e do Mestrado Profissional em Lingustica e Ensino. Email: [email protected]

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    do aluno bem sucedido e se essa percepo concorre para favorecer o bom desempenho escolar.

    Para justificar a relevncia do tema, vale apontar a atual realidade das sociedades contemporneas com as transformaes polticas, econmicas e sociais ocorridas no mundo do trabalho, com a industrializao acelerada do conhecimento cientfico em tecnologia, com o crescimento descontrolado das cidades, com questes referentes emergncia de ndices de misria e criminalidade jamais vistos, com as novas formas de poder, de dominao e de lutas de classes, o que tm contribudo, sobremaneira, para o surgimento de novos ambientes humanos. Este cenrio vem exigindo dos profissionais da educao concentrao de esforos para atender as necessidades de mudana. Neste contexto est a organizao da escola que, para acompanhar essa diversidade material-desenvolvimentista, tem solicitado de seus atores, entre os quais o professor, permanente adaptao a esse processo e aes que contemplem as relaes estabelecidas no ambiente escolar.

    Moraes (2012, p.135) aponta-nos essa emergncia, uma vez que ao e reflexo sobre questes como: [...] que mudanas histricas esto sendo exigidas para que o indivduo possa sobreviver no seu universo cultural, atuar, participar e transformar a sua realidade, se a educao no lhe oferece as condies instrumentais mnimas requeridas dos novos cenrios mundiais?, precisam ser atentamente consideradas compondo assim, um dos espaos de incluso a todos os alunos que procuram o sistema educativo para a aquisio de saberes sistematizados.

    A justificativa sobre est questo defender uma escola que ofeream aos alunos possibilidade de um ensino bem sucedido, por acreditar que um ensino bem sucedido favorecer melhores e maiores oportunidades de incluso social, pois durante as dcadas de 1960 e 1970, muitos projetos voltados para uma escola qualitativa foram implementados pelo governo federal, com a inteno de corrigir as desigualdades sociais. Entretanto, uma escola pblica e de qualidade

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    para todos tem pautado os discursos governamentais desde os sculos XVIII e XIX e nem sempre so postos em prtica. Como reflexo, tem-se um sistema educacional moldado pelos padres burgueses que afetam tanto os alunos quanto os professores. Neste aspecto, concordo com Arroyo (2011, p.32), ao nos apontar em suas pesquisas que [...] a construo da escola possvel passa pelo equacionamento correto da escola fracassada e do Estado falido em seu suposto dever de garantir escola para o povo [...], ao final, as pesquisas provaram que as causas estavam no contexto social e cultural das famlias e comunidades dos fracassados. [...] filosofia que joga sobre a famlia e a comunidade, a responsabilidade e a soluo de seus problemas, [...] passa a culpar o prprio povo de sua ignorncia. O povo, vtima, vira ru: evadido, defasado, fracassado, [...] passam a centrar a ateno na evaso e fracasso do aluno, nos condicionantes extraescolares do fracasso, como se tudo estivesse garantido na escola como lugar de trabalho e transmisso do saber. Nesta perspectiva Enguita (1998) destaca em seus escritos que alm da ausncia de ensino bem sucedido, com a democratizao do acesso ao ensino, em termos quantitativos, conferiu escola passos largos rumo a sua universalizao, incluindo todos os grupos sociais, ainda que no totalmente sem distino. Porm no sculo XIX o desenvolvimento da sociedade nas questes filosficas e polticas, que fortaleceram o pensamento liberal no que se refere a uma escola pblica e laica para todos, com uma formao docente voltada para o trabalho tcnico-profissional e no mais para uma profisso de f.

    No entanto, conforme Hiplito (1997) h de se observar a contradio existente, pois os professores se originam historicamente de diferentes classes sociais, mesclagem essa que no permite a diviso por camadas sociais, sugerindo que se considere esse segmento profissional apenas como classe trabalhadora, com marcas ideolgicas e culturais especficas, observadas pela democratizao do ensino e tambm pela feminizao do magistrio, decorrentes da expanso do

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    ensino bsico como resultado das transformaes polticas, sociais, culturais e econmicas.

    A democratizao do ensino trouxe a necessidade de mo de obra qualificada; nesse processo histrico de lutas e conflitos, o papel do professor foi-se consolidando e sua prtica passou a merecer a ateno do Estado. No entanto, essa mudana no foi suficiente para equacionar os problemas da educao, o que pode ser observado com a atual descaracterizao do ensino pblico, cujo resultado tem sido o analfabetismo funcional do adulto e o fracasso escolar infantil que corroboram com o processo de excluso social. Essa questo tem suscitado nos educadores algumas reflexes que possibilitem resgatar os valores educacionais por meio de prticas poltico-pedaggico adequadas que promovam a superao da atual falta de qualidade do ensino pblico. De modo que isso ocorra, necessrio que o nvel pedaggico dos professores seja pautado por uma (re)habilitao profissional, por meio de uma formao continuada no trabalho, para que possam cumprir competentemente o seu papel tcnico poltico. Entretanto, para a consecuo desta formao continuada, necessrio se faz focar questes que fazem parte do cotidiano dos professores, uma vez que suas trajetrias rotineiras, como diz apegados a rotinas, a prticas midas prioriza uma relao de conflito devido ao impasse entre as imagens criadas, de forma idealizada, de quem ou deveria ser esse professor educador, se produz o contraste entre o vivido e o concebido pelos professores. Nessa maneira espelhada e refletida, de entender os outros por meio de nosso entendimento, tambm nos remete do plano da vida para o plano do idealizado, com enraizamentos que se produzem a partir de qualquer um dos lados, do sujeito (objeto) e de sua representao no espelho, pois incorpora o contraditrio, os limites, os impasses e os desafios de ser educador.

    Em pesquisa publicada, Cunha (2003) levanta tambm outros aspectos interessantes, quando nos diz que os professores apontam ainda, trs questes referentes s dificuldades enfrentadas

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    em seu cotidiano: a desvalorizao do magistrio, a estrutura do ensino e as condies de trabalho. As precrias condies de trabalho do professor inibem o ensino bem sucedido no processo pedaggico, em razo de serem os agentes executores das reformas educacionais. Estas condies enfrentadas dificultam o amadurecimento do professor na prtica docente, pois ele no dispe de tempo para preparar aulas mais interessantes e criativas voltadas implementao inteligente e competente dos contedos e das estratgias prticas para transmitir os contedos programticos. No sistema educacional brasileiro, como explicao mais frequente para esses resultados negativos, responsabiliza-se o professor, a famlia e a criana pela dificuldade de aprender, atribuindo-a s condies de vida ou de sade dos alunos. Convm salientar, no entanto, que outras questes, como as condies de organizao da escola, a formao dos professores e a qualidade ou no de vida da populao tambm so elementos que concorrem para a dificuldade de aprendizagem.

    O grande desafio educacional brasileiro, contudo, favorecer a reduo significativa dos ndices alarmantes do fracasso escolar. Pesquisas sobre o fracasso escolar (PATTO, 1973; NOZAKI et al., 1997; SIPAVICIUS, 1987; VEIT, 1992), indicam que esses ndices so mais expressivos nas camadas populares. E atualmente estas questes ainda se encontram nos espaos escolares. No cotidiano da prpria escola h consolidado um espao repleto de preconceitos que dificultam, sobremaneira, a transformao do sistema educacional. Romper com est situao um grande desafio, pois deve ter como objetivo transformar a escola em lcus de produo de aprendizagens significativas e bem sucedidas, consistindo em direcionar suas aes produo de espaos de aprendizagem. No entanto, os envolvidos tm-se mostrado incompetentes para resolver os problemas referentes qualidade de ensino. Portanto, o fenmeno denominado fracasso escolar constitui-se de vrias faces extremamente negativas: representa um desperdcio de verbas,

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    na medida em que cria um estrangulamento de oferta de vagas nas sries iniciais e tambm revela a baixa capacidade da escola em trabalhar com as classes populares. Outro fato que o aluno reprovado, no raro conclui no ser a escola o seu lugar muito provavelmente abandonar o sistema educacional, caracterizando o fenmeno da evaso escolar. O resultado deste abandono e da permanncia do aluno, discutido como fracasso escolar, em minha pesquisa de mestrado, evocado pelos professores como um problema individual de cada aluno fracassado ou evadido, quando, em verdade, possvel v-lo de maneira contrria, como um problema coletivo e sistemtico na escola.

    De acordo com Gama e colaboradores (1991), essa viso de fracasso precisa romper com pressupostos antigos, pois foi acentuada com base na utilizao de argumentos da psicologia e da neurologia, que reforam as concepes de falhas e carncias, tentando justificar que pobres no aprendem na escola por hbitos trazidos de casa, por falta de alimentao, de agilidade motora, de higiene, de orientao familiar, de carinho e de afeto das suas famlias. De acordo com essa perspectiva, qualquer comportamento da criana que no fosse o esperado pela escola, provocaria encaminhamento para concepes de fracassados.

    Atualmente, a discusso sobre a dificuldade de aprendizagem dos alunos vem sendo revisada, para alm da culpabilizao do aluno, incorporando novos enfoques como os aspectos sociais, educacionais, econmicos, culturais, biolgicos, psicolgicos. Romper com antigos pressupostos de culpabilizao supe um olhar diferenciado para o espao educativo, principalmente o espao da sala de aula. Esse olhar diferenciado deve ser direcionado para a questo do conhecimento, uma vez que a forma de conceb-lo deve contemplar os diferentes saberes advindos dos alunos. Segundo Silva (2004), a ressignificao dos contedos programticos produzidos e reelaborados no lcus educativo apontado, deve ser considerada relevante na construo de aprendizagens significativas pela

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    maioria dos alunos das escolas. Unir esse saber que possuem com o que a escola legtima conduz a resultados escolares satisfatrios, facilitando o ensino bem sucedido e, consequentemente, o papel social e democrtico da escola em no privilegiar somente alguns. Com estes saberes constitudos, acreditamos que se desmembram em elementos de oportunidades sociais.

    Em estudos realizados, Lahire (1997), aponta que muitos perfis idealizados de alunos, construdos pelos professores so elementos de preconceitos. Pois ao no encontrarmos os perfis segundo os parmetros estabelecidos, preconizamos o aluno que rompe o modelo estabelecido, como um aluno que vai de encontro ao seu fracasso escolar. Lahire (1997) aponta ainda que esta situao propicia aos professores conceber que a questo da no aprendizagem dos alunos est diretamente sob a responsabilidade da criana. Alerta-nos que para romper com esta situao e para superao desse entrave educacional, importante enxergar o aluno na dimenso pedaggica, sem os estigmas concebidos que somos influenciados cotidianamente. Atentamente aponta que, enquanto professores, devemos entender a educao como uma das ferramentas de fundamental importncia, pois viabiliza o conhecimento. E quanto mais conhecimento o professor produzir e ajudar a construir, mais politicamente ativo ele e os alunos tambm se tornaro. Dessa forma, para no ocasionar o escamoteamento da natureza do ensino e da no aprendizagem dos alunos, por meio do processo poltico da seletividade e, por conseguinte, da excluso, cuidadosamente os professores devem manter o foco na questo do ensino, com a incluso dos aspectos filosficos sociais e poltico, no se atendo a questes relativas s condies de vida e caractersticas sociopsicolgicas do aluno e de sua famlia.

    Nesse sentido, ir alm dos aspectos apontados, de forma decorrente, uma mudana paradigmtica ocorreria, desmembrando para questes que Arroyo (1992, p.15) reporta, enquanto reflexo para futuros trabalhos Que imagens a sociedade tem de ns? De

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    nosso ofcio? Coincide com nossas autoimagens ou estamos lutando por construir novas?.

    2 Descrio do percurso metodolgico e anlise dos dados

    O conceito de representao social que permeia a pesquisa de mestrado ora citada concebido para compreender a relao entre o homem e a forma pela qual este se apropria da realidade.

    As representaes sociais consistem em uma maneira de interpretar e de pensar a nossa realidade cotidiana, uma forma de conhecimento social e, consequentemente, uma maneira de conhecer a atividade mental empregada pelos grupos para determinar a sua posio em relao a algumas situaes, acontecimentos, objetos e comunicaes.

    Outro aspecto de relevante importncia o fato de essas representaes assumirem sua funo interpretativa e explicativa da realidade, o que lhes d uma dimenso naturalmente educativa. Com isso, a proposta da pesquisa foi saber qual a representao (pensamento) do professor da rede pblica estadual de ensino acerca do perfil do aluno bem-sucedido do ensino fundamental I, assim como daquele que fracassa.

    Como procedimentos metodolgicos foram utilizados para anlise, as evocaes que professores do ensino pblico estadual, participantes desta pesquisa, possuem acerca do perfil do aluno bem-sucedido. Inicialmente, para a seleo dos sujeitos, foram empregados alguns critrios: primeiro: serem professores 1 ao 5 anos e estarem em sala de aula do ensino fundamental.

    Depois de coletadas as informaes, utilizou-se o programa de estatstica Evoc (software francs), disponibilizado pela Professora Doutora Eugenia Paredes, coordenadora do grupo de pesquisa em

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    Representaes Sociais, do Instituto de Educao (IE), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Esse programa composto de um conjunto de programas, subdividido em duas fases de ao: 1 fase preparao dos dados; e 2 fase execuo e anlise dos dados. O programa possibilita quantificar as palavras evocadas (frequncia de evocao) efetuando a contagem e o seu cruzamento, fornecendo a mdia da frequncia por populao e a mdia ponderada por ordem de evocao. A coleta, nesta pesquisa, deu-se por meio de evocao, partindo-se de uma amostra de 38 sujeitos, com um nmero de 8 palavras evocadas por cada sujeito.

    3 Consideraes finais

    Ao analisar as representaes sociais dos professores sobre o perfil do aluno bem-sucedido, constatou-se a forte influncia do discurso veiculado pelos professores no meio pedaggico da escola. A anlise dos dados coletados na pesquisa direciona para a necessidade de mudanas nas aes a serem implantadas no cotidiano escolar, tendo em vista que as experincias incorporadas pelos professores no seu fazer pedaggico pouco contribuem para o sucesso escolar dos alunos.

    Ao tentar conhecer as suas concepes sobre o ensino bem sucedido, algumas questes foram sugeridas aos pesquisados: qual o perfil do aluno bem-sucedido? Qual a metodologia utilizada? Como se encontra a questo curricular na escola? Qual a concepo de excluso? Que escola os professores possuem? Quais as dificuldades encontradas na sala de aula pelos professores? Como direcionam seu fazer pedaggico para terem sucesso?

    A pesquisa identificou como os professores concebem o perfil do aluno bem sucedido, bem como a concepo de currculo escolar e a questo metodolgica, contribuindo para a construo

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    do sucesso escolar na e pela escola. Entretanto, ao tentar conhecer no s as representaes dos professores sobre o perfil do aluno bem sucedido, mas tambm as concepes sobre sucesso e os fatores que concorrem para ele, parece prioritrio que se compreenda a partir de que elementos estes se formam, bem como o peso dessas concepes no dia-a-dia do professor, do aluno e, consequentemente, na escola.

    Uma escola cujo projeto esteja direcionado s crianas das camadas populares, apresenta uma nova leitura da realidade existente fora de seus muros, concorrendo para a necessidade de maior ousadia e participao dos sujeitos inseridos nesse contexto. A defesa desta atuao esta respaldada num resultado, em que o fazer pedaggico eficiente da escola, contribui para o cumprimento de seu papel social.

    A valorizao social tambm destacada pelos professores entrevistados como referncia para a definio do sucesso; tal aspecto merece ser destacado, tendo em vista que um dos entraves ao sucesso das crianas das camadas populares a imagem negativa que os professores tm dessas crianas, por considerarem que a precria situao de vida desses alunos condio sine qua non para a no apreenso de contedos.

    O aluno bem sucedido definido pelos professores como um processo individual do aluno, associado ao crescimento pessoal e atribudo ao envolvimento da famlia na escola e em sua vida escolar, promovendo a integrao entre escola e comunidade. Os aspectos destacados na pesquisa no podem ser desconsiderados, mas tambm no devem ser a nica referncia enquanto fator para a definio do aluno bem sucedido. A constatao somente foi possvel quando os professores atribuem a responsabilidade do sucesso escolar a fatores externos escola, por ser o sucesso escolar interpretado por eles como algo que o aluno traz consigo e, portanto, construdo fora da escola. Encontra-se ainda destacado neste trabalho que os professores no concebem o sucesso escolar enquanto um somatrio de fatores e, portanto, construdo na escola e fora dela, processualmente. Tambm

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    foi possvel destacar que algumas divergncias na atribuio de responsabilidade pela no aprendizagem dos alunos esto relacionadas a fatores extraescolares.

    Apesar de atribuir a responsabilidade pelo fracasso somente aos alunos e s famlias constitui defesa em reconhecerem sua impossibilidade em trabalhar com aqueles que no aprendem, alguns professores sugeriram a ajuda de profissionais de outras reas em seu auxlio. Apontam que a dificuldade poderia ser amenizada se pudessem contar com a ajuda pedaggica de outras reas de conhecimento, sugerindo abordagens interdisciplinares.

    Essa constatao refora a hiptese de que os professores, ao atriburem ao aluno e famlia a responsabilidade da no aprendizagem, constitui uma defesa em que as aes e os discursos so utilizados pela escola e pelos sujeitos sociais pesquisados, para se desresponsabilizarem de assumir e tentar mudar sua postura perante a no aprendizagem dos contedos sistematizados das crianas das camadas populares e, deste modo, caminhar sob um novo paradigma, aprendizagem bem sucedida.

    Para tanto, parece existir necessidade de analisar a no aprendizagem dos alunos com enfoque positivo, refletindo sobre as causas de suas dificuldades e sobre os ensinamentos que se podem extrair para a construo de um modelo de escola que estude as aprendizagens e como levar todos os alunos a alcan-la.

    Considero importante trazer alguns aspectos que podem favorecer os alunos das camadas populares por se encontrarem intrnsecos organizao escolar; a flexibilidade do calendrio escolar; a flexibilidade curricular contemplando os ncleos comuns e diversificados dos contedos programticos das disciplinas; atender os anseios dos alunos para as questes culturais e regionais; reivindicar polticas educacionais voltadas qualificao continuada do professor; retratando os aspectos positivos e negativos inerentes a questo pedaggica e, consequentemente, definir os objetivos, metas e estratgias que possibilitem melhor elucidao dos problemas

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    oferecendo, ao final do processo, um ensino de qualidade. Nesse sentido, pensar tambm na formao do professor com direito aos seus tempos e espaos de criao, deve ser uma proposta a ser considerada. Para Arroyo (2011), romper com o modelo gradeado em que o tempo de ensino fica reduzido ao formato disciplinar e os espaos ficam restritos sala de aula muito importante, pois na atualidade, alm das questes inerentes aos contedos programticos e da didtica, no podemos esquecer que o educador um sujeito histrico com as instncias do convvio, da socializao dos modos de ser que esto contidos, e s vezes, necessitam ser revisados por institurem o aprendizado do ofcio de mestre!

    Desse modo, questes sobre escola, excluso, ensino bem sucedido, perfil, polticas, metodologias, avaliao e currculo, possibilitaram entender, que para a aprendizagem bem sucedida dos alunos, esses problemas se constituem em elementos a serem revistos nas escolas, tendo como parmetros a sociedade contempornea, com sua diversidade cultural e dinamicidade.

    A busca da construo da aprendizagem e do aluno bem sucedida, nos dias atuais, passa a ser um dos princpios que as escolas esto procurando contemplar para priorizar a qualidade do ensino que beneficiar os alunos das camadas populares. Esse processo no desconsidera fatores de cunho poltico na definio de polticas e no estabelecimento de prioridades para a educao. Entretanto, acreditar que as polticas de atualizao e formao de docentes conseguem sanar os problemas que impedem a caminhada rumo ao ensino bem sucedido oferecido aos alunos seria ingnuo, pois outras polticas, alm da citada, deveriam ser contempladas com nfase na cultura escolar e, numa proposta de reviso curricular valorizando o que os alunos e os profissionais da escola carregam em si, como crenas, valores e expectativas e viabilizar sua desmistificao.

    Concluindo, a cultura materializada da instituio escolar legitima condutas, currculos, avaliaes, grades, sries, disciplinas, tornando verdadeiro e legtimo os processos excludentes e, para

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    romper com tal pressuposto, as polticas educacionais devem contemplar e proporcionar as modificaes da cultura instalada no sistema educacional.

    Referncias

    ARROYO, M. Fracasso-sucesso: o peso da cultura escolar e do ordenamento da educao bsica. Em Aberto, Braslia, v. 11, n. 53, p. 46-53, 1992.

    _______. Ofcio de mestre: imagens e auto-imagens. 13. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

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    O PROCESSO DE EDUCAO DOS SURDOS: HISTRICO E PERSPECTIVAS

    Conceio de Maria Costa Sade (UFPB)1Naiany de Souza Carneiro (UFPB)2

    1 Introduo

    A educao de surdos no Brasil, bem como em outros pases, caracteriza-se desafiadora, pois muitas foram as iniciativas e propostas metodolgicas desenvolvidas que infelizmente no alcanaram xito, principalmente porque o dever de educar vai muito alm do ato propriamente de ministrar determinados contedos, mas se deve levar em considerao o contexto social no qual os educandos esto inseridos. Questes polticas, ideolgicas, sociais e econmicas so fatores que contribuem diretamente nos processos de ensino e aprendizagem, o que vem a influenciar diretamente nas relaes entre educadores e educandos.

    Quanto se trata especificamente dos processos de alfabetizao dos indivduos surdos, sabe-se que grandes so as dificuldades encontradas, principalmente devido s barreiras lingusticas, no que se refere s condies sociolingusticas desses sujeitos.

    Sabe-se que os indivduos surdos se comunicam de forma diferenciada dos ouvintes, ou seja, estes se comunicam atravs de experincias visuais, proporcionadas pelo uso da lngua de sinais.

    1 Universidade Federal da Paraba, Litoral Norte, Campus IV. E-mail: [email protected] Mestranda em Cincia da Educao e Multidisciplinaridade pela Facnorte.

    2 Universidade Federal da Paraba, Campus I. E-mail: [email protected]. Mestranda em Cincia da Informao pela UFPB.

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    Diferentemente de uma lngua oral-auditiva, a lngua de sinais possui caractersticas peculiares a uma lngua visual-espacial, e a falta de conhecimento desta lngua faz com que as relaes entre professores ouvintes e alunos surdos sejam difceis, o que tm prejudicado diretamente o aprendizado desses sujeitos.

    No Brasil muitas iniciativas foram propostas como forma de solucionar a problemtica em questo. Algumas foram discutidas por Quadros (2008), onde a autora trata sobre as fases no processo de educao dos surdos, desde a primeira fase, que foi a proposta oralista, depois a proposta bimodal, e por fim, discute a proposta bilngue, sendo esta ltima na concepo da referida autora a fase de transio, vivenciada atualmente pela educao brasileira dos surdos.

    O conhecimento da lngua de sinais, bem como da cultura dos surdos por parte dos educadores um aspecto fundamental para a construo de uma nova forma de ensino que se adeque s necessidades dos surdos proporcionando maior desenvolvimento intelectual desses indivduos.

    2 A forma de Comunicao dos Indivduos Surdos

    A Lngua de Sinais consiste na forma natural com que os indivduos surdos se comunicam. Ela possui estrutura gramatical prpria e autnoma, ou seja, uma lngua independente de qualquer lngua oral em sua concepo lingustica, pois no se utilizam preposies, apresenta os verbos no infinitivo, e obedece a ordem gramatical diferenciada do portugus, iniciando suas oraes com o objeto, depois o verbo e por fim o sujeito, de forma caracteristicamente objetiva.

    Ela formada atravs da combinao da forma das mos (denominado configurao de mos), do movimento, do ponto de

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    referncia no corpo ou no espao (denominado ponto de articulao ou locao), direo/orientao das mos, expresso facial/corporal (denominado expresses no-manuais). Tal combinao forma os parmetros da Lngua de Sinais.

    Como todas as lnguas, a lngua de sinais uma lngua viva, possui um vocabulrio em constante crescimento e transformaes, devido s mudanas histricas e exigncias sociais. Os sinais so introduzidos pela prpria comunidade surda, que de acordo com a necessidade e na medida em que os surdos vo tendo acesso s informaes ou ao contexto das palavras, acabam por construir novos sinais.

    O uso da lngua de sinais fundamental para a comunidade surda, que sofreu grande rejeio por parte da sociedade, principalmente pelas questes relacionadas ao preconceito e estigmas sofridos pelos surdos historicamente. Alguns fatores contriburam para a resistncia do reconhecimento da lngua de sinais como meio de comunicao natural da comunidade surda. Por ser uma lngua visual-espacial, que depende de elementos tais como gestos e expresses no manuais, a lngua de sinais se diferencia das lnguas oral-auditivas. Muitas pessoas, at mesmo nos dias atuais, acreditam que as lnguas de sinais constituem em conjunto de gestos que interpretam a lngua oral, definindo-a como mmica, ou gestos que derivam da comunicao espontnea entre os ouvintes, ou seja, indivduos no surdos (AYRES, 2010).

    Entretanto, na literatura sobre a lngua de sinais, alm da experincia daqueles que fazem uso dela, quer sejam surdos ou intrpretes, h grande diferena entre gestos e sinais. Para que a lngua de sinais seja executada (falada) de forma correta se faz necessrio respeitar seus parmetros, que consistem em regras as quais, se no observadas, deixam de constituir a lngua de sinais genuna, passando ao que se denomina de gestos, ou portugus sinalizado.

    No Brasil, assim como em outros pases como a Frana, a Lngua Brasileira de Sinais denominada Libras, tambm sofreu rejeio, principalmente por causa da poltica monolinguista to predominante

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    em nosso pas. Esta poltica previa desde o perodo colonial a valorizao de uma nica lngua oficial, o portugus, excluindo dessa forma outras lnguas existentes como a Libras e as lnguas e dialetos indgenas. (GARCEZ, 2008).

    Outro fator que contribuiu bastante para a averso social quanto ao uso de Libras que para os surdos brasileiros, mesmo consistindo em minorias lingusticas, a lngua portuguesa considerada uma segunda lngua, ou seja, uma lngua estrangeira. Assim, em uma sociedade ouvinte, o surdo no se identifica prioritariamente com a lngua portuguesa que uma lngua oral-auditiva, por esta se constituir uma lngua estrangeira para o mesmo. Essa concepo que o surdo possui, quanto a apreender o conhecimento do portugus enquanto lngua estrangeira incita uma rejeio por parte da maioria lingustica que utiliza o portugus em sua comunicao.

    No entanto pertinente esclarecer que os surdos no rejeitam a lngua portuguesa, pelo contrrio, muitos deles so fluentes no portugus, e consideram a apreenso deste conhecimento essencial para seu desenvolvimento em uma sociedade ouvinte, principalmente no que se refere escrita, sendo esta uma exigncia legal, ou seja, necessrio que os surdos faam uso da escrita no portugus, quando estes se submeterem a provas de concurso, vestibulares e at mesmo no Enem. No entanto, o grande problema que se instaura neste contexto que a maioria dos indivduos surdos tm um conhecimento restrito da lngua portuguesa, e no que se refere escrita do portugus, isto revela-se em uma grande limitao para eles.

    Podemos citar muitos fatores de cunho familiar, poltico e educacional que contriburam para a criao de barreiras no que concerne ao acesso do conhecimento por parte dos surdos, principalmente no que tange ao conhecimento de sua prpria lngua natural, bem como do prprio portugus. A maioria dos surdos, ou seja, cerca de 95% so filhos de pais ouvintes, ocasionando assim

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    a falta de comunicao entre eles, o que prejudica, na ausncia de metodologias apropriadas, a efetiva comunicao no ambiente familiar. No que diz respeito ao mbito educacional, sabe-se que por muito tempo a metodologia de ensino prestada para as crianas surdas consiste na mesma para as crianas ouvintes, quando o ideal que essas metodologias sejam adaptadas realidade dos alunos surdos, claro, seguindo certamente um curriculum padro. Outro fator preponderante que tambm contribuiu para a defasagem do acesso ao conhecimento por parte dos surdos foi o preconceito sofrido por estes historicamente.

    O preconceito sofrido pelos surdos historicamente e que ainda pode ser percebido na sociedade atual, revela-se como um marco importante para a desvalorizao desses indivduos como seres sociais, munido de direitos civis. O Fundador de Roma, Rmulo, decretou que todas as crianas de at trs anos que constitussem em prejuzo potencial para o Estado fossem sacrificadas, e os surdos eram considerados como tal. Nas sociedades onde se preconizava o ideal de beleza e perfeio, a exemplo da Grcia Antiga, os surdos eram considerados imperfeitos e incapazes de desempenhar qualquer atividade til e produtiva para o Estado. Herdoto, historiador grego, afirma que era castigo de Deus as pessoas nascerem surdas. At mesmo o Filsofo Aristteles que encabeava movimentos filosficos baseados na experimentao, no acreditava na participao dos surdos na sociedade grega, pois defendia a ideia de que para aprender, a pessoa precisava primeiramente falar (SACKS, 1989). Nessas sociedades antigas e at mesmo nas atuais, os surdos ficavam e ainda ficam enclausurados em seus lares, por muitas vezes serem motivo de vergonha para suas prprias famlias.

    Com o passar do tempo, o aniquilamento daqueles considerados inteis d lugar privao do convvio social. Quando no eram isolados nos prprios lares, os surdos eram encarcerados em hospitais, asilos ou calabouos, como forma

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    de exlio dos indesejados ou ainda como objeto de pena e compaixo. (STROBEL, 2006).

    Tais acontecimentos contriburam negativamente para surgimento de barreiras no que se refere ao processo educacional dos indivduos surdos, o que culminou em um problema educacional milenrio.

    3 Processo de Alfabetizao dos Surdos

    O processo histrico de alfabetizao dos surdos no Brasil, como em outros pases, consistiu em um processo difcil, que gerou consequncias negativas, as quais vivenciamos nos dias atuais. O fato que a educao dos surdos sempre se caracterizou como um processo limitado e sem sucesso.

    Sobre o processo de alfabetizao dos surdos Sacks (1989) afirma que:

    [...] privados de alfabetizao e instruo, de todo o conhecimento do mundo, forados a fazer os trabalhos mais desprezveis, vivendo sozinhos, muitas vezes beira da misria, considerados pela lei e pela sociedade como pouco mais do que imbecis a sorte dos surdos era evidentemente medonha. (SACKS, 1989, p. 27)

    O fato que a minoria, ou seja, os poucos surdos que escapavam de tal situao deplorvel e que possuam condies minimamente nobres conseguiam se inserir na sociedade, no entanto, estudavam em escolas de ensino oral, sem nenhum tipo de alfabetizao adequada.

    Em meio s circunstncias difceis em que se encontravam os surdos, surge uma luz no fim do tnel, e essa luz, nasce no

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    sculo XVIII na Frana. Tratava-se de uma iniciativa do Sacerdote LEpe (1712-1789), que no admitia a impossibilidade de no ouvir os surdos em confisso, e muito menos catequiz-los. Desse modo, o jovem decidiu aprender os gestos utilizados pelos surdos pobres da capital. Essa ao foi responsvel pela criao da primeira escola pblica para surdos, com metodologia de ensino baseada no uso dos gestos. Nesta poca, perceberam-se grandes avanos na alfabetizao dos surdos, destacando-se como o ponto de partida para a valorizao destes enquanto pessoas capazes, pois Se h possibilidade de aprendizado e de desenvolvimento ao se empregar uma outra forma de ensino, ento h uma igualdade cognitiva entre surdos e ouvintes (GARCEZ, 2008, p. 18).

    O resultado deste novo modelo educacional, baseado no uso dos gestos se expandiu por toda a Europa, motivou o surgimento das lnguas de sinais nacionais, acentuando os graus de alfabetizao e educao dos surdos, de modo nunca visto antes.

    No entanto, o avano na educao dos surdos durou pouco mais de um sculo, devido ao abalo que sofreu, em grande parte, por influncia da medicina, bem como por correntes filosficas que replicavam contrariamente possibilidade de se comunicar e muito menos se ensinar atravs dos gestos. Diante do exposto, a lngua de sinais deu lugar ao mtodo oralista, o qual considera a surdez uma doena crnica, interpretada como leso no canal auditivo que impende a aquisio da lngua. (GARCEZ, 2008).

    Para os especialistas mdicos e simpatizantes do mtodo oralista, a voz consiste no nico meio de comunicao e, portanto de educao, sendo ento necessrias intervenes clnicas para corrigir ou curar a surdez, bem como para restituir a fala. Em controvrsia, Garcez (2008, p. 18-19) aponta que:

    [...] o oralismo estabelece uma espcie de paradigma da normalizao dos surdos. Se antes os surdos eram simplesmente eliminados

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    do convvio social, a partir do estabelecimento dessa corrente de pensamento passam a ser alvo das tentativas de correo e reabilitao que visavam a sua cura e conseqentemente a sua reincorporao sociedade. Eles precisavam ser consertados para se tornarem iguais aos demais. Imperava tambm o entendimento de que pensamentos abstratos eram impossveis aos surdos, a no ser que eles desenvolvessem a comunicao oral. Sob essa concepo, os sinais aprisionariam o pensamento no nvel do concreto e impossibilitariam o desenvolvimento de reflexes abstratas e complexas.

    Tais concepes errneas com relao surdez serviram para reforar ainda mais o oralismo que, ao ser oficializado em 1880 pelo Congresso de Milo, excluiu todas as formas e possibilidades de uso das lnguas de sinais nas escolas e instituies que recebiam os surdos. As famlias destes, orientadas por professores, tambm passaram a adotar esse mtodo em casa. No auge do oralismo, o surdo que utilizasse sinais, ou mesmo simples gestos eram severamente punidos. Estes s vezes tinham as mos amarradas e eram impedidos de se encontrarem com outros surdos, caso contrrio, sofriam srias agresses. Tais aes punitivas estavam fortemente relacionadas s concepes de correo e reabilitao, bem similares aos tratamentos sofridos pelos dependentes qumicos na atualidade. Afinal, os surdos eram vistos como doentes e incapazes (GARCEZ, 2008).

    No Brasil, tanto o avano quanto a decadncia da lngua de sinais aconteceu de forma semelhante aos outros pases. A primeira escola de surdos brasileira a utilizar a lngua de sinais denominada, a priori, de Imperial Instituto de Surdos-Mudos, hoje, chamado de INES (Instituto Nacional de Educao dos Surdos) teve sua criao por fruto da iniciativa de um professor Francs, surdo, que havia mudado para o Brasil na mesma poca em que surgiu a escola para surdos na Frana,

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    e de igual modo, assim que a lngua de sinais deixou de se desenvolver por causa do Congresso de Milo assim tambm deixou de ser aplicada ao ensino brasileiro.

    A no aceitao da lngua de sinais teve como consequncia uma lacuna no aprendizado da leitura e escrita por parte desses sujeitos. Como vimos, na viso dos profissionais clnicos, os surdos, por no se apropriarem da fala, deixavam de apresentar desenvolvimento cognitivo, sendo ento considerados incapazes.

    A questo que se evidencia neste contexto que a sociedade no aceita a forma de comunicao natural inerente aos surdos, esta forma de comunicao atravs da lngua de sinais. Assim, da mesma forma que um indivduo ouvinte utiliza a lngua oral-auditiva para se comunicar, o surdo faz uso da lngua visual-espacial para se comunicar, e esta lngua deve ser aceita pela sociedade como a lngua natural do indivduo surdo.

    Com aprofundamento de pesquisas sobre o tema, William Stokoe, linguista norte-americano, em 1950 deu um salto qualitativo sobre o estudo das lnguas de sinais, e o resultado da referida pesquisa foi a comprovao cientfica de que a lngua de sinais possui o mesmo status lingustico que qualquer outra lngua oral-auditiva. Foi a partir desta conquista que em 1960 o oralismo deixou de ser obrigatrio, e a lngua de sinais passou a ser aceita e aplicada na educao dos surdos.

    Sobre o desenvolvimento de pesquisas a esse respeito, Felipe (1998, p.81) esclarece que:

    Pesquisas sobre as lnguas de sinais vm mostrando que essas lnguas so to compatveis quanto em complexidade e expressividade a quaisquer lnguas orais. Elas expressam idias sutis, complexas e abstratas. Os seus usurios podem discutir filosofia, literatura ou poltica, alm de esportes,

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    trabalho, moda e utiliz-las com funo esttica para fazer poesias, teatro e humor.

    No entanto, a falta de conhecimento sobre a lngua de sinais produz uma srie de concepes erradas que a reduz a uma lngua simplificada, limitada, incapaz de expressar conceitos abstratos. No entanto, a verdade que a lngua de sinais satisfaz todos os critrios lingusticos de uma lngua genuna, no lxico, na sintaxe e na capacidade de gerar um nmero infinito de proposies (SACKS, 1989, p. 88).

    No Brasil a LIBRAS foi reconhecida e oficializada pelo governo de acordo com a Lei 10.436 de 24 de abril de 2000, em seu Art. 1 que regulamenta que:

    Art. 1 reconhecida como meio legal de comunicao e expresso a Lngua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expresso a ela associados. Pargrafo nico. Entende-se como Lngua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicao e expresso, em que o sistema lingstico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical prpria, constituem um sistema lingstico de transmisso de idias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. (BRASIL, 2010).

    A maneira visual pelo qual o surdo constri significados a sua forma de compreender o mundo e se reconhecer como parte dele. De acordo com Sacks (1989, p. 52-56), Um ser humano no desprovido de mente ou mentalmente deficiente sem uma lngua, porm est gravemente restrito no alcance de seus pensamentos, confinado, de fato, a um mundo imediato, pequeno. Isso porque, A lngua transforma a experincia e providencia caminhos para que o sujeito alcance um universo simblico. Assim, as noes

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    de tempo, bem como as construes simblicas, ou as relaes sociais, dependem de uma lngua para serem experimentados e compartilhados.

    Corroborando com a mesma ideia, Quadros (2008) define a lngua como um sistema de signos dotado de regras prprias e compartilhado por uma comunidade lingustica comum, ou seja, a lngua um fenmeno social, patrocinado por meio de trocas sociais, polticas e culturais.

    Testemunhos, experincias, contato com os surdos e a participao efetiva em sua comunidade, so fatores que contribuem diretamente para constatar a assertiva de que a lngua de sinais, e seu uso prioritrio pelos surdos, vm a contribuir diretamente para a incluso social nos mais diversos setores sociais. As instituies educacionais, por se constiturem como instituies inclusivas, onde o direito de educao para todos um aspecto fundamental, se destacam neste contexto, devendo ser reconhecidas como espaos de extrema importncia para a promoo da educao e desenvolvimento humano, considerando desse modo a prestao de um servio educacional adequado para os alunos com deficincia.

    Tendo em vista o reconhecimento da Lngua de Sinais, bem como a sua disseminao por parte das comunidades surdas, existe a necessidade de que as instituies educacionais se adequem s novas formas de apreenso do conhecimento por parte dos alunos surdos, atravs da aplicao de diversas metodologias de ensino, a fim de possibilitar o crescimento intelectual desses indivduos em seu contexto escolar.

    4 Educao dos Surdos: histrico e perspectivas

    Fazendo uma retrospectiva, a educao dos surdos no Brasil perpassou por vrias fases distintas (QUADROS, 2008). A primeira

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    fase constitui-se, como vimos anteriormente, pela fase da educao oralista. Esta concepo de educao fora exaltada fortemente e at os dias atuais apresenta resqucios.

    De acordo com Sacks (1990, p. 45), O oralismo e a supresso do Sinal resultaram numa deteriorao dramtica das conquistas educacionais das crianas surdas e no grau de instruo do surdo em geral. O iderio oralista fundamenta-se na concepo de recuperao da pessoa surda, enfatizando o uso da lngua oral por parte dos indivduos surdos. No entanto, o oralismo consiste em uma proposta educacional inadequada, tendo em vista que a lngua de sinais a forma pelo qual os surdos se comunicam de forma natural, e no forada, afinal, este mtodo se caracteriza por no respeitar a cultura surda.

    Outro aspecto negativo da proposta oralista justamente a proibio do uso da lngua de sinais por parte dos surdos em sala de aula bem como no ambiente familiar. No entanto, vimos o quanto a lngua de sinais importante para a comunidade surda, no apenas como meio de comunicao, mas de constituio de sua prpria identidade. Coagir os surdos a no utilizar a lngua de sinais revela-se em uma ao nada atraente.

    A respeito da prtica oralista, pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos (DUFFY, 1987) constataram que muitos anos de esforo no processo de oralizao de uma criana surda apenas fazia com que ela atingisse 20% de leitura labial, e sua produo oral normalmente no compreendida por pessoas desconhecidas, alm dos diversos traumas sofridos por essas crianas surdas que aps ser oralizada perceberam que todo o esforo no contribuiu para sua integrao social, ao contrrio, culminou em decepes e aniquilamento do uso de sua voz, muitas vezes por motivo de vergonha.

    A segunda fase no processo educacional dos surdos foi marcada pela proposta denominada bimodal, que significa o uso do portugus sinalizado. Tal proposta defendida como a melhor alternativa de ensino para o surdo, caracterizando-se [...] pelo uso simultneo de

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    sinais e da fala. Esta proposta foco de vrias crticas, principalmente pela impossibilidade de se efetuar uma transliterao de uma lngua falada em sinal frase por frase, palavra por palavra, tendo em vista que as estruturas de ambas as lnguas so essencialmente diferentes (SACKS, 1990, p. 47).

    Sobre o mtodo bimodal, o qual se fundamenta no portugus sinalizando, Ferreira Brito (1993) critica afirmando que existe uma impossibilidade de se preservar as estruturas das duas lnguas ao mesmo tempo (portugus e lngua de sinais), alm de atentar para o fato da existncia de alguns sinais que para serem executados corretamente necessitam fazer algumas expresses faciais (movimento com a boca) que impedem concomitantemente a execuo da fala, a exemplo de sinal de LADRO.

    Quadros (2008) afirma que as duas propostas de ensino, a saber, o oralismo e o bimodalismo foram praticadas na maior parte da histria da educao dos surdos, contudo, observando-se que o nvel de alfabetizao das crianas surdas no tem melhorado significativamente, tais propostas podem ser consideradas ineficientes, o que vem a possibilitar o surgimento de uma nova proposta de ensino voltado para os surdos, a saber: o bilinguismo. A proposta educacional bilngue no Brasil consiste na terceira fase da educao dos surdos, considerada uma fase de transio.

    O bilinguismo usado por escolas que se dispem a trabalhar com as duas lnguas no contexto escolar, partindo-se da concepo de que considerar a lngua de sinais como lngua natural consiste em um pressuposto para ensinar a escrita posteriormente. A proposta seria o inverso das propostas anteriores e diz respeito a respeitar a autonomia das lnguas de sinais e estruturar um plano educacional que no afete a experincia psicossocial e lingustica da criana surda (QUADROS, 2008, p. 27).

    A proposta bilngue tem o objetivo de assegurar o direito das pessoas surdas serem ensinadas em sua lngua natural, pois esta a forma espontnea com que a pessoas surdas se comunicam entre

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    si. Este direito lingustico assegurado pelos direito humanos lingusticos.

    Sobre esta questo importante atentar para o fato de que no se trata apenas de respeito de lingustico mais de aceitao de outra cultura. A comunidade surda apresenta cultura prpria, assim como a comunidade dos ouvintes. Ambas as culturas devem ser respeitadas e cultivadas.

    (...) respeitar a pessoa surda e sua condio sociolingustica implica em considerar seu desenvolvimento pleno como ser bicultural a fim de que possa dar-se em um processo lingustico normal. (SKLIAR et al., 1995, p. 16)

    Sobre a atuao dos professores nas escolas bilngues, Davies (1994, p. 112) aponta que os professores devem conhecer profundamente as duas lnguas, ou seja, deve conhecer aspectos das lnguas requeridas para o ensino da escrita, alm de ter um bom desempenho comunicativo [...] respeitar as duas lnguas [...] reconhecendo o estatuto lingustico comum a elas.

    Sabe-se que a adoo de uma metodologia bilngue nas escolas uma prtica incipiente, tendo em vista as exigncias prprias inerentes a esta proposta, sendo necessrios que os professores tenham o domnio de Libras, no entanto constata-se que a maioria no possui o conhecimento desta lngua. Algumas iniciativas em mbito nacional tm sido desenvolvidas, desde a promoo de palestras, minicursos voltados ao pblico-alvo de professores de ensino bsico das prefeituras municipais, bem como cursos de extenso de Libras promovidos pelas universidades federais. Muitas dessas iniciativas tm como propsito supremo informar a sociedade sobre a necessidade de uma educao adequada para os surdos, tratar a respeito de quem so esses indivduos no que se refere a sua cultura e condio sociolingustica.

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    Atravs do conhecimento sobre esses indivduos, bem como do conhecimento de sua lngua, os educadores tm a oportunidade de prestar melhores servios aos seus alunos surdos, identificar suas limitaes no desenvolvimento das atividades em sala de aula e aplicar novas metodologias de ensino que melhor atendam as necessidades desses indivduos, potencializando a relao ensino-aprendizagem.

    5 Relatos de Experincia em Sala de Aula

    O processo de educao dos surdos em uma escola no bilngue desenvolvido com a presena do professor e um intrprete da lngua de sinais, o que vem a caracterizar uma escola inclusiva. Como intrprete muitas so as experincias em sala de aula que chamam a ateno para as questes discutidas anteriormente, com relao s metodologias de ensino aplicadas e a forma como o professor avalia seus alunos em classe, considerando alunos surdos e ouvintes.

    Em uma aula de cincias ministrada na turma do 6 ano em uma determinada escola da Paraba, houve uma experincia interessante sobre a relao professor e aluno surdo em um contexto de avaliao de tarefas. Tinham trs (3) alunas surdas, duas delas (2) aprenderam Libras tardiamente e sua relao constante era com a lngua portuguesa, pois seus familiares nunca se apoderaram da lngua de sinais, uma (1) aluna nasceu em um lar ouvinte, porm foi incentivada a estudar Libras e portugus possuindo assim o conhecimento das duas lnguas.

    O contedo ministrado pelo professor era relacionado s quatro estaes do ano, no entanto, a metodologia utilizada pelo mesmo no possua nenhuma apoio visual, o que dificultava bastante a compreenso das surdas, tendo em vista que suas experincias so prioritariamente visuais.

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    A surda que provavelmente tinha o apoio da famlia era oralizada, ou seja, fazia leitura labial e detinha o conhecimento das duas lnguas, assim, escreveu na atividade as palavras referentes s estaes do ano utilizando a nomenclatura correta: vero, outono, inverno e primavera e dessa forma recebeu a nota mxima. No entanto, as duas surdas que obtiveram a aquisio da lngua de sinais e do portugus tardiamente, escreveram na atividade o nome dos sinais referente s estaes do ano, porm na forma referente ao sinal. Ou seja, na resposta primavera, a surda escreveu o nome (flor), no outono escreveu a palavra (galho/ rvore), no inverno, escreveu a palavra (frio) e no vero escreveu a palavra (calor).

    Veja os exemplos abaixo3: estes sinais so polissmicos que de acordo com seus contextos podem significar duas ou mais palavras/coisas:

    As palavras que as duas surdas escreveram so as palavras referentes aos sinais das estaes do ano, no entanto, como o professor no tinha o conhecimento da polissemia da lngua de sinais, ele simplesmente riscou a atividade das duas alunas, constatando que as respostas estavam erradas. Este considerou apenas a aluna surda que escreveu com a nomenclatura correta, desconsiderando a experincia visual das duas outras alunas que at ento concebiam as estaes do ano de acordo com seus respectivos sinais em Libras.

    3 Sinais retirados do Dicionrio Enciclopdico Ilustrado Trilngue da Lngua de Sinais Brasileira - Vol 1 e 2.

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    O profissional intrprete, por ser o mediador entre o professor e o aluno surdo, no pode interferir na forma de avaliao do professor, porm se fez necessria a interveno deste profissional, esclarecendo que cada palavra escrita, ou seja, colocada pelas surdas, apenas referenciavam os devidos sinais das quatro estaes do ano e por isso suas respostas estavam corretas.

    Atravs de um dilogo, foi questionado ao professor qual era o objetivo dele em sala de aula, se passar o contedo relacionado disciplina cincia, ou se era ensinar o portugus, de forma interdisciplinar, assim foi esclarecido para o mesmo os diversos contextos de aprendizagem dos surdos que se diferenciam de acordo com as identidades que estes reconhecem ter. O professor entendeu, e logo aps revisou as atividades das alunas atribuindo-lhes nota mxima.

    A experincia relatada revela a necessidade de conhecimento sobre a comunidade surda por parte dos professores que ministram aulas para surdos e ouvintes em uma escola de carter inclusivo. Semelhantemente ocorre quando os professores trabalham unicamente com recursos textuais para passar seus contedos em detrimento de recursos visuais to necessrios para a apreenso do conhecimento por parte dos alunos surdos e ouvintes.

    6 Consideraes Finais

    A presente discusso objetivou traar o histrico da educao dos surdos no Brasil, as nuances envolvidas nos processos de alfabetizao desses indivduos, bem como as fases pelas quais a educao dos surdos passou no decorrer da histria. Enfatiza-se que o processo de educao dos surdos foi marcado por inmeras tentativas, no que tange s propostas educacionais e s metodologias aplicadas para o ensino.

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    Acredita-se que o processo de alfabetizao dos surdos tem alcanado patamares importantes, porm muito embrionrios, se comparado educao comum. Tal fato constatado quando se busca estatisticamente comparar a entrada de alunos ouvintes e alunos surdos no ensino fundamental e mdio, o que revela que estes ltimos consistem em uma minoria.

    Na rea da educao, pesquisas sobre os processos educacionais dos alunos surdos revelam-se como uma temtica que deve ser bastante discutida em todos os nveis, afinal, ser atravs dos resultados dessas pesquisas que os profissionais da educao iro apreender tais conhecimentos para aplic-los em suas prticas de ensino.

    Por fim, ressalta-se a necessidade do conhecimento da cultura surda e da lngua de sinais por parte dos profissionais educadores, como forma de possibilitar a aplicao de metodologias adequadas que contribuam para a incluso social desses sujeitos na sociedade de forma definitiva.

    Referncias

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    A APROPRIAO DAS LINGUAGENS SOCIAIS NAS PRTICAS ESCOLARES DO ENSINO

    FUNDAMENTAL: UMA RELAO DIALGICA

    Snia M. C. da Silva (UFPB) 1

    1 Introduo

    O estudo prope-se a refletir como as prticas de linguagem esto sendo aplicadas e apropriadas pelos alunos nas atividades escolares, em especial, considerando esse entendimento no processo da Formao Do Professor do Ensino Fundamental, a partir das prticas escolares com as diferentes linguagens em/da sociedade. Trata-se de um tema discutido com os professores de Lngua Portuguesa da Educao Bsica (Ensino Fundamental) no I ENPEB Encontro de Professores de Educao Bsica do Vale do Mamanguape-PB, 2012 , por se tratar de uma temtica vigente na pauta dos professores e pesquisadores do CCAE, assim como objeto de preocupao dos grandes Fruns no Brasil.

    Para esse dilogo, assume-se a vertente terica que compreende a concepo de linguagem como forma de interao social, ligada s atividades humanas em contexto social e cultural; e a de ensino, conforme Mizukami (1998), um processo complexo envolvendo fatores afetivos, cognitivos, ticos, de desempenho, dentre outros. Diante desse entendimento, adotamos para essa discusso que o ensino um processo sistemtico, organizado, reflexivo e dialgico, que envolve resoluo de problemas e de tomada de decises e exige

    1 Doutora em Lingustica, Professora Adjunta da UFPB/CCAE/DE e Pesquisadora da Temtica: Prticas escolares leitura discurso e cultura. E-mail:[email protected]

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    auto-avaliao permanente do professor e de interao real com os alunos; assim como exige criao de ambientes de aprendizagem, para que alunos e professores possam construir conhecimentos e competncias para favorecer o estabelecimento de relaes entre os conhecimentos cotidianos, os contedos sistematizados e as exigncias do mundo atual.

    Para discusso, tomam-se os trabalhos da Lingustica Aplicada dialogando com a perspectiva terica discursiva bakhtiniana, com o objetivo de discutir as prticas de linguagem nas atividades escolares do Ensino Fundamental tendo como opes tericas: a noo de linguagem assumida na teoria bakhtiniana, aliada aos estudos da Lingustica Aplicada para subsidiar as prticas de linguagem e o ensino como entendimento no desenvolvimento da formao do professor da Educao Bsica (do Ensino Fundamental). A proposta tem a preocupao de apontar caminhos que levem o trabalho das prticas escolares e pedaggicas considerando as prticas de linguagem em sociedade sendo apropriadas pelos alunos para o processo de Letramento.

    Como assero, todas as esferas de atividades humanas esto sempre relacionadas utilizao da linguagem e que esse entendimento esteja no bojo da formao do professor da Educao Bsica. Para tal, levanta-se a questo: como as prticas escolares e pedaggicas esto sendo orientadas por esses professores para que os alunos sejam sujeitos lingusticos em suas prticas escolares? Isto de modo que se apropriem com conscincia da multiplicidade das linguagens que circulam na sociedade de forma dialgica, a exemplo dos gneros textuais para desenvolver a competncia comunicativa dos alunos da Educao Bsica.

    A proposta se justifica pela importncia de esse professor da Escola Bsica ter conhecimentos de trabalhos que vem sendo discutidos, como os dos Linguistas Aplicados, por exemplo, por considerar as prticas de linguagem em sala de aula e na escola; assim como refletir sua formao profissional para propor um

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    ensino contemplando as prticas de linguagens pelo seu carter social, cultural e histrico, o que suscita o processo de letramento e de cidadania naturalmente. Dessa forma, a discusso oportuna, visto que o trabalho pedaggico pontuando essa multiplicidade de linguagens sociais pode(r) amenizar a lacuna existente, quanto s prticas de letramento propostas na esfera escolar e nas especficas em outras esferas sociais, das quais os alunos fazem parte.

    O texto ser dividido em trs partes, procurando seguir a mesma orientao e roteiro de discusso postos no Encontro: o ENPEB/2012, na tentativa de querer contribuir com esses professores participantes desse encontro, que, como eles mesmos afirmaram, a formao desenvolvida em suas licenciaturas no focava a linguagem nas atividades da escola, o que nos fez compreender que esto distantes dessa orientao de aplicar essa multiplicidade de linguagem em suas atividades escolares.

    Dessa feita, percebemos que, na formao dos profissionais dos cursos das licenciaturas, h um grande desafio que se tem pela frente, como o de formar professores com perfil de sujeitos lingusticos que tomem essas prticas de linguagem para subsidiar os aprendizes em sua formao bsica a usar as linguagens sociais como modo de ao sobre o mundo e com seus pares, constitudos nas relaes sociais. Nesse processo, linguagens representam e significam o mundo nas atividades da escola, especialmente, quando a orientao do professor compreende que, atravs dos gneros discursivos e textuais, os alunos so e sero leitores produtores de textos diante de uma sociedade em que a leitura e a escrita, muitas vezes, no se concretizam como prticas rotineiras.

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    2 As Prticas de Linguagem Sociais e o Ensino

    Para refletir as prticas de linguagem sociais e o ensino, preciso levar em conta a concepo da linguagem que o professor assume para com suas prticas escolares, em relao ao ensino de lngua. Diante dos gritos resultos nas pesquisas pelos arautos da mdia para denunciar o baixo grau de letramento dos alunos da Escola Bsica (EB) no Ensino pblico, considera-se relevante (re)colocar em pauta, aqui no Vale de Mamanguape-PB, a importncia acrescida da possibilidade de reverter tal grito aclamando pelas prticas de linguagem estarem subsidiando o trabalho pedaggico e as atividades da escola, na tentativa de reverter pelos menos parte dessa problemtica.

    O entendimento que na base do ensino de Lngua esteja na esteira das atividades sociais, uma vez que so historicamente construdas em situaes reais, e de interao social. As prticas sociais com as linguagens mltiplas levam a compreender como os indivduos fazem uso dessa linguagem para atuar socialmente. Essas interaes so perceptveis diante das diversas situaes de atividades do cotidiano, as quais ocorrem, seja de ordem particular ou de ordem coletiva, nas manifestaes verbais. Para isso, que se tomem como exemplo para visualizar essa realidade de manifestaes diversas o suporte de um Jornal (impresso/local), e/ou de uma Revista Informativa nessa mesma modalidade.

    Dessa forma, trabalhar as atividades de ensino de Lngua pelo vis da concepo de linguagem como forma de interao social permite o aluno da Educao Bsica dialogar com o mundo atravs dos textos, visto que a linguagem, por sua prpria natureza, suscita interao e dilogo, e o ensino da Lngua passa ser o exerccio real dessa linguagem nas/das prticas de linguagens em diferentes usos e contextos. Nessa concepo de linguagem e de ensino, o aluno experiencia a lngua em funo de sua necessidade precpua: o dialogar com esse mundo.

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    No cotidiano, as diversas situaes em que precisamos agir no mundo so realizadas pelas relaes sociais, e, nessa esteira da interao social, a linguagem se caracteriza como a esfera dessas situaes comunicativas pelo seu carter verbal e no verbal. A cada situao dessas relaes, requer uma adequao prpria para comunicar-se, visto que a linguagem pela prpria natureza dialgica se realiza de forma ativa em constante reelaborao, isto medida que o sujeito social precisa dialogar e atribuir sentido ao por em prtica as suas atividades. Como se pode notar, esse carter social e a natureza dialgica por serem as prticas sociais, inter-relacionadas com as prticas de linguagem, revelam que os sujeitos, a partir de suas atividades sociais, produzem sentido nas suas prticas de linguagem para estabelecer a comunicao, assim como aportam formas diversas de comunicar-se, a exemplo dos gneros textuais, e/ou de novas modalidades da linguagem nos textos, a partir dos gneros textuais de seu prprio domnio discursivo e comunicativo.

    Com esse pensamento, que a questo dessa discusso se sustenta ao colocar o ensino pautado nas prticas de linguagem configurando um ensino aprendizagem da lngua, a partir de atividades com a linguagem desenvolvida em sala para veicular a interao verbal e social dos alunos. Para tal, interessante que a escola como um todo tenha sempre em foco a linguagem em suas propostas diversas e em suas atividades, com o objetivo de desenvolver a competncia comunicativa do aluno, fazendo-o aprender a usar e, ao mesmo tempo, apropriar-se da(s) linguagem(s) que esto circulando socialmente.

    Quanto ao desenvolvimento dessa competncia comunicativa de o aluno se apropriar da linguagem para interagir socialmente, interessante compreender que esse processo de apropriao d-se, alis, recebe influncias das ordens culturais, polticas e sociais, visto que todas as atividades sociais englobam, desde cedo, na vida de nossos alunos, tais ordens. Como se pode perceber, nesse ensino com

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    as prticas de linguagem em foco, o lingustico, a histria, o social e o cultural so fatores determinantes para a capacidade de dialogar.

    Para uma melhor visualizao da proposta de reflexo Linguagem, Formao de Professor e Ensino, aprecie-se, pois, a figura abaixo, a qual esquematizar o entendimento dessa discusso:

    Com base nessa figura, a Escola o lugar centralizador de ensinar a colocar em prtica as relaes dinmicas sociais. Para dar essa sustentao Escola, preciso considerar a estrutura trade basilar: a Formao do Professor, a Linguagem Social e o Ensino aprendizagem.

    Nessa perspectiva, a Linguagem situada em contextos sociais mais amplos a partir de habilidades sociais de linguagem nesse diapaso, os gneros textuais e discursivos representam as concretizaes empricas da lngua, e, nestas concretizaes, esses gneros so desenvolvidos e elaborados. Isso, conforme a necessidade de comunicao e de experincias humanas, e no

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    como um estudo institucionalmente escolarizado, a exemplo de um ensino meramente lingustico.

    E quanto perspectiva do Ensino Aprendizagem, abordamos o campo da Lingustica Aplicada, o que significa ensinar a lngua em seu funcionamento, conforme as prticas sociais, cujas metodologias deixaro seu carter da prtica pela prtica, de aplicar contedos sem considerar atividades que desenvolvam a capacidade de o aluno dialogar com o mundo. Nesse pensamento, o trabalho com as prticas de linguagem considera a relao o sujeito em ao social com a linguagem, a exemplo do ato de ler e de escrever como prtica cotidiana.

    No tocante Formao do Professor, luz da Lingustica Aplicada, a discusso tange uma prtica pedaggica que perpassa pela perspectiva reflexiva em sua formao docente para uma perspectiva que entende o professor como um sujeito de linguagem e que trabalha com essa linguagem. Nessa prtica, a orientao a de que as relaes dinmicas e sociais estejam constitudas no ensino que pontuem uma concepo de linguagem interacionista, cujo ensino esteja pautado nos gneros textuais como unidade bsica desse ensino.

    3 A Formao do Professor do Ensino Fundamental e as Prticas de Linguagem

    Nessa discusso, a formao do professor vista como um processo de formar um profissional educador, um pesquisador em ao contnua, um intelectual que sabe fazer interveno nos fatos sociais, que sabe lidar com os conhecimentos e coloc-los em suas prticas escolares. Afinal, o que se espera dos saberes que podem formar um professor das licenciaturas para atuar na Escola Bsica?

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    As pesquisas, assim como os temas dos grandes Fruns Nacionais, elucidam a necessidade de profissionais da Educao que tenham formao em linguagem. Com isso, acredita-se que esse professor esteja apto a trabalhar a lngua diante de suas naturais complexidades, visto que, na sua base de ensino, o texto uma atividade viva, dinmica para buscar o conhecimento. Para tal, o saber ler e o produzir texto o passaporte de cidadania que se pode conceder aos discentes da Educao Bsica. No se pode deixar de mencionar os conhecimentos lingusticos que estruturam e materializam os fatos sociais, o dialogar atravs dos textos em suas modalidades diversas.

    Nesse entendimento, toma-se a formao profissional subsumindo a formao intelectual, que compreende: as exigncias dos procedimentos metodolgicos, a reflexo crtica do currculo escolar, o saber lidar com os saberes que o mundo exige, isso desde a inter multidisciplinaridade aos temas transversais que devem estar como pano de fundo para os conhecimentos exigidos no currculo escolar.

    No se pode negar que a escola detm ainda profissionais que compreendem que a linguagem instrumento de comunicao, e que a lngua deva ser estudada pela sua estrutura, e que o texto sirva de pretexto para estudar as normas gramaticais. Nessa reflexo, acerca dessa bagagem do profissional que atua na Educao Bsica, tal viso estreita e no d conta da linguagem para p-la em prtica socialmente. Tal perspectiva de ensino no permitir seu aluno transitar pelas prticas sociais, tendo as prticas de linguagens mltiplas como realidade para viver, dialogar com o mundo.

    Dessa feita, defende-se que esse perfil de profissional enciclopdico, ou, mesmo ainda, o que esteja nos liames do ensino tradicional, que domina um conhecimento, luz de uma formao cannica, compreenda que o contexto sociocultural, poltico e econmico est exigindo mais dele e de seus alunos. Para isso, preciso se apropriar da chave para o Abre-te Sesamum e

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    partir do princpio, conforme Marcuschi, de que somos sujeitos essencialmente lingusticos e que lidamos com a linguagem e que a prtica desta a realidade social. Visto assim, como profissionais e educadores, essa prtica de linguagem o maior empreendimento que pode realizar em prol da produo do conhecimento e para a cidadania dos seus alunos. Com isso, resta saber do profissional e/ou da escola, como agente letrador o tipo de atividades que est sendo contemplado com a linguagem para dar eficcia ao processo chamado Letramento Complexo, o qual a sociedade exige: o uso das linguagens mltiplas, as prticas de linguagens tambm em modalidades de lnguas diversas.

    Durante a discusso no Encontro ENPEB/2012, alguns professores mostraram sua dificuldade de colocar em prtica seus conhecimentos tericos e enciclopdicos acerca da linguagem para trabalhar com as prticas sociais transitando nas prticas escolares, no sentido de promover uma educao lingustica, a exemplo de usar a linguagem para ler, compreender textos, assim como produzi-los para uma situao real. Diante de alguns depoimentos, percebeu-se que alguns deles, muitas vezes, no alcanavam sequer a proposta em pauta por faltar um conhecimento prvio, por que no slida, a respeito das trs concepes de linguagem mais discutidas, para que eles compreendessem o porqu da escolha de orientar os trabalhos pela concepo da linguagem como interao social; assim como tambm esperavam uma luz para tal questo. Com isso, compreendeu-se o desafio para curso o de Letras do CCAE para dar contribuio construo da profissionalizao dos professores em formao, assim tambm aos professores j licenciados em ao na rede pblica do Vale, presentes nesse Encontro, no que se refere ao ensino sendo orientado para lidar com a complexidade da linguagem em ao.

    importante que, em seu desenvolvimento da formao profissional, esse professor compreenda que os significados dos fatos sociais, os significados das ideias que circulam, alm de

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    contextualizados, so construdos e constitudos socialmente. Visto assim, os discursos que circulam socialmente a linguagem em ao contextualizada e situada, e o ensino aprendizagem dessa linguagem co-construda no processo de interao verbal e social. No caso da discusso, a linguagem pode ser tomada como um processo colaborativo, o que justifica a exigncia de esse professor saber lidar com a linguagem.

    Considerando o processo da formao do professor licenciado para atuar na Escola Bsica, quanto ao ensino aprendizagem, importante mencionar os princpios educacionais que esto apostos nos PCN, a exemplo dos Trabalhos de Rojo entre outros, para que esse profissional os tome como ponto de partida para atuar com competncia os conhecimentos necessrios de forma crtica, reflexiva as aes sociopolticas, em forma de discurso, para exercitar a cidadania aos discentes em formao. mister mencionar a formao docente no Brasil, alicerada na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional a LDB/1996, a qual visa a regularizar, e a se fazer cumprir para atender as necessidades do ensino em suas diferentes modalidades e as exigncias elucidadas pelo contexto social. Desse modo, destaca-se uma das orientaes dadas pelo MEC, apoiada no pensamento de Perrenoud, entre outros educadores, assim como da mesma LDB, e das DNE. No caso, para tratar das competncias que esto na base dessa formao para o ensino do profissional da Educao Bsica:

    Dominar a Lngua Portuguesa, a Matemtica, a Informtica e as linguagens de expresso artstica no mesmo grau previsto para os egressos da educao bsica, utilizando-as na sua atividade docente, como recurso de comunicao com o aluno, sendo capaz ainda de ajud-lo a aprender a usar as linguagens para organizar cognitivamente a realidade, construir o conhecimento e negoci-lo com os outros.

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    (REFERNCIAS PARA FORMAO DE PROFESSORES MEC- Braslia: 1999). (Destaque nosso).

    Com base nessas orientaes, dentre outras aqui no citadas, nota-se que esse tema, ora discutido, equaliza-se, de alguma forma, com o pensamento dos Referenciais para Formao de Professores - MEC. De alguma forma, porque nesse documento so postas muitas orientaes normativas que preceituam um perfil de profissional educador, delineando habilidades e competncias para um fazer pedaggico prtico-terico, como frmulas prontas. Por isso, que se disse acima, que se precisa conhecer o documento e tom-lo como ponto de partida, visto que o ponto de chegada para construo desse profissionalismo ser como pensa Marcuschi: a formao crtica para uma formao tica na vida social.

    E quanto aos PCN de Lngua Portuguesa, (2001, p. 29) dizem que:

    [...] o ensino aprendizagem de Lngua Portuguesa na escola como resultantes da articulao de trs variveis: [...] o aluno, a lngua e o ensino. [...] Para que essa mediao acontea, o professor dever planejar, implementar e dirigir as atividades didticas, com o objetivo de desencadear, apoiar, e orientar o esforo de ao e flexo do aluno sobre a lngua. (PCN/Lngua Portuguesa-MEC, 2001). (Destaque nosso).

    Analisando esse material do MEC, no que diz respeito diretamente formao do professor, considerando as prticas de linguagem nas suas atividades escolares, praticamente inexiste. Porm, nas intenes educativas do documento, propem-se as capacidades e habilidades para: a) delinearem prticas de ensino e de avaliao consistentes com os objetivos de ensino selecionados para um dado ciclo e determinados contedos curriculares; e para b) interpretarem as medidas comportamentais produzidas pela interao dos alunos com

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    tais prticas, considerando os objetivos de ensino que justificaram a proposio das mesmas.

    Por outro lado, logo, na pgina introdutria, o Ministro da Educao dirige-se diretamente ao Professor e, ao mesmo tempo, coloca-lhe em mos orientaes de apoio para as prticas educativas e escolares, e fecha o texto dizendo: E esperamos, por meio deles, estar contribuindo para a sua atualizao profissional, um direito seu, um dever do Estado. (Destaque nosso)

    Ora, veja-se que se tem toda uma orientao para que um professor atue com base no uso-reflexo-uso da lngua para que o discente, desde cedo, aproprie-se das prticas sociais como cidado participante reflexivo e autnomo, tendo como recurso para tal passaporte o domnio da linguagem para chegar diversidade de gneros textuais que as atividades sociais elucidam cotidianamente.

    No tocante construo da profissionalidade docente, pelo vis reflexivo, mister tambm trazer discusso Alarco, dentre outros estudiosos da Educao, para mostrar o entendimento acerca dessa construo de formao do professor. Para a autora, h a necessidade de se formar professores que reflitam a sua prpria prtica. Essa reflexo da prtica um recurso que esse profissional detm para desenvolver e ampliar suas aes pedaggicas, seus conhecimentos. Com esse entendimento, percebe-se que essa vertente terica quer um professor como sujeito ativo (um agente letrador), articulador de seus conhecimentos, um sujeito que (re)constri seus conhecimentos a partir dos conhecimentos, experincias e saberes que lhe so exigidos, atravs de sua compreenso, (re)organizao para coloc-las em sua prtica do/no ensino