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L ibras

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Page 1: Livro Libras Ulbra

Lib

ras

Page 2: Livro Libras Ulbra

O caractere , usado para

simbolizar o conceito de “para

todos” em problemas de lógica,

é empregado nesta obra para

representar o conjunto de

disciplinas que trabalham com

os temas referentes à prática

pedagógica e à inclusão nos

ambientes escolares.

Page 3: Livro Libras Ulbra

Libras

Page 4: Livro Libras Ulbra

Obra coletiva organizada pela Universidade Luterana

do Brasil (Ulbra).

Informamos que é de inteira responsabilidade das autoras a emissão de

conceitos.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser

reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia

autorização da Ulbra.

A violação dos direitos autorais é crime

estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo art. 184 do Código Penal.

A edição desta obra é de responsabilidade da

Editora Ibpex.

Libras / [organizado pela] Universidade Luterana do Brasil - Ulbra . -- Curitiba: Ibpex, 2009.

ISBN 978-85-7838-316-9

1. Língua Brasileira de Sinais. 2. Língua de sinais I. Universidade Luterana do Brasil - Ulbra.

09-04412 CDD-419

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:1. Surdos: Língua de sinais 419

Page 5: Livro Libras Ulbra

pdi Ulbra 2006-2016

Plano de Desenvolvimento Institucional

Mantida pela Comunidade Evangélica Luterana São Paulo (Celsp), a Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) tem uma história de conquistas. Desde a primeira escola, fundada em 1911, até hoje, a Ulbra caracteriza-se por ser uma instituição voltada para o futuro, buscando sempre o melhor em todas as suas áreas de atuação. Assim, disponibiliza para acadêmi-cos, profissionais e toda a comunidade serviços de qualidade em todas as áreas.

Missão

A Ulbra assume como Missão Institucional desenvolver, difundir e pre-servar o conhecimento e a cultura por meio do ensino, da pesquisa e da extensão, buscando permanentemente a excelência no atendimento das necessidades de formação de profissionais qualificados e empreendedores nas áreas de educação, saúde e tecnologia.

Visão

Ser uma instituição de referência no ensino superior em cada localidade em que atua e estar entre as dez melhores do país.

Valores

Busca permanente da qualidade em educação, saúde e tecnologia; ▪Preocupação permanente com a satisfação das pessoas que fazem ▪parte do Complexo Ulbra;Foco primordial no aluno e na qualidade acadêmica; ▪Foco no ser humano e na qualidade de vida em saúde e cultura; ▪Vivência e difusão dos valores e da ética cristãos; ▪Cultivo do convívio social em termos de mútuo respeito e coopera- ▪ção, bem como da consciência crítica da sociedade;Promoção do bem-estar social por todos os meios legítimos; ▪Fidelidade ao lema: “A Verdade Vos Libertará”; ▪Formação integral da pessoa humana em conformidade com a filoso- ▪fia educacional luterana, cuja existência se desenrola na presença de Deus, o Criador;Desenvolvimento do senso crítico e da autocrítica, sem perda dos ▪valores legítimos do amor, dos sentimentos, das emoções.

Informações sobre PDI – Telefone: (51) 3477-9195 – E-mail: [email protected]

Page 6: Livro Libras Ulbra
Page 7: Livro Libras Ulbra

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos,

se não tiver amor, sou como o bronze que soa,

ou como o címbalo que retine.

Mesmo que eu tivesse o dom da profecia,

e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência;

mesmo que tivesse toda a fé,

a ponto de transportar montanhas,

se não tiver amor, não sou nada.

— Coríntios, 13: 1-2.

Page 8: Livro Libras Ulbra
Page 9: Livro Libras Ulbra

apresentação

A língua é um fenômeno social. Ela só se realiza ligada histórica e cultural-mente a uma comunidade de usuários. Não existe língua se não existirem os sujeitos da língua. Isso significa que aprender uma língua vai além do aprender o conjunto de regras que a rege, aprender uma língua é mergulhar no espaço em que ela vive. O material que agora apresentamos foi elaborado a partir desse entendimento. Em cada capítulo, foi colocado um pouco do mundo surdo e um pouco da língua que habita esse mundo. Para tanto, cada capítulo está dividido em duas seções principais: Anotações contextuais e Anotações linguísticas.

Em “Anotações contextuais” traremos um pouco da história, das lutas e das conquistas dos surdos. Além disso, trata de temas recorrentes quando o assunto é surdez. De maneira breve, mas com consistência teórica, procuramos

Page 10: Livro Libras Ulbra

x

aqui colocar os leitores a par dos elementos que são fundamentais para que se entenda o jeito de ser surdo e o jeito surdo de se colocar no mundo. Também usamos esta seção, em um ou dois capítulos, para aprofundar um pouco mais as teorias linguísticas relevantes para o aprendizado da Libras.

Na seção “Anotações linguísticas”, mais do que nos determos em grama-ticalismos excessivos, procuramos descrever a Libras como língua em uso. A nossa preocupação foi, sobretudo, mostrar como se constitui essa língua e as suas peculiaridades de uma maneira simples, de modo que facilitasse o enten-dimento por parte daqueles que nunca estiveram em contato com uma língua de modalidade diferente da sua. Além disso, buscou-se algo que possibilitasse ao aprendente começar a se aventurar pelo mundo apaixonante e intrigante das línguas visoespaciais.

Desejamos, pois, que o contato com este livro propicie a todos mais do que a iniciação em uma nova língua: um novo modo de “olhar”.

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sumário

( 1 ) O estatuto linguístico das línguas de sinais, 13

1.1 Anotações contextuais, 16

1.2 Anotações linguísticas, 21

( 2 ) Surdez: percurso histórico, 27

2.1 Anotações contextuais, 30

2.2 Anotações linguísticas, 35

( 3 ) Caminhos de uma construção: a educação de surdos, 39

3.1 Anotações contextuais, 42

3.2 Anotações linguísticas, 45

Page 12: Livro Libras Ulbra

xii

( 4 ) Bases teóricas e filosóficas da educação de surdos, 49

4.1 Anotações contextuais, 51

4.2 Anotações linguísticas, 56

( 5 ) Surdo: identidade e cultura, 61

5.1 Anotações contextuais, 64

5.2 Anotações linguísticas, 68

( 6 ) Diversidade: convívio com as/nas diferenças(?), 71

6.1 Anotações contextuais, 74

6.2 Anotações linguísticas, 76

( 7 ) Inclusão, 81

7.1 Anotações contextuais, 84

7.2 Anotações linguísticas, 87

( 8 ) Língua em mudança: variação linguística, 91

8.1 Anotações contextuais, 93

8.2 Anotações linguísticas, 96

( 9 ) Libras: traduzir ou interpretar?, 99

9.1 Anotações contextuais, 101

9.2 Anotações linguísticas, 104

Referências por capítulo, 107

Referências, 109

Page 13: Livro Libras Ulbra

( 1 )

o estatuto linguístico das línguas de sinais

Page 14: Livro Libras Ulbra

Maria Auxiliadora Baggio é licenciada em Letras pela Faculdade

de Letras e Educação de Vacaria – RS (Falev); graduada em

Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS); especialista

em Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa e mestre em

Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul (PUCRS). Professora convidada da especialização

em Educação de Surdos da Universidade Luterana do Brasil

(Ulbra), ministrou as disciplinas Currículo e Práxis de Ensino

Fundamental – Séries Finais e Currículo e Práxis de Ensino Médio.

Orientou monografias na área de aquisição da língua de sinais,

letramento e processos cognitivos envolvidos na aprendizagem.

É professora de Língua Portuguesa de alunos ouvintes na Rede

Municipal de Ensino e professora de Língua Portuguesa como

segunda língua [L2] para alunos surdos. Atua como voluntária no

Programa Mais Educação implementado pelo governo federal junto

à Rede Pública de Ensino, onde desenvolve Oficinas de Letramento

com alunos das séries iniciais. Como educadora e pesquisadora, seus

campos de interesse são os processos cognitivos da linguagem e a

criação de um espaço teórico e metodológico próprio para a língua

portuguesa como L2 para surdos.

Maria da Graça Casa Nova é graduada em Letras/Literatura pela

Faculdade Porto-Alegrense (Fapa). Especialista em Educação

de Surdos, fez seus Estudos Adicionais na Área da Surdez em

1982 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e

especialização em Educação de Surdos pela Universidade Luterana

do Brasil (Ulbra). Tem trinta e cinco anos de Magistério, sendo

dez anos como professora de ouvintes e vinte e cinco anos atuando

na educação de surdos. Desde 1997 ministra aulas de Língua

Portuguesa, Literatura e Produção Textual para o ensino médio,

junto à Unidade de Ensino Especial Concórdia – Ulbra. Também

leciona língua portuguesa e teatro, para surdos, no Centro Social

Marista Mário Quintana, no município de Gravataí, na região

metropolitana de Porto Alegre. É fundadora e diretora do Grupo

de Teatro Surdo Mãos-em-Cena. Trabalha no Programa de Pais

do Concórdia, apoiando e orientando as famílias de bebês surdos

(Programa de Estimulação Precoce).

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Maria Auxiliadora Baggio

Maria da Graça Casa Nova

( )

apesar dos avanços da pesquisa linguística que consolida-ram o estatuto das línguas de sinais como línguas naturais, ainda são comuns inúmeros equívocos quando do primeiro contato com elas. Dessa forma, é necessário, para iniciar o aprendizado da Língua Brasileira de Sinais – Libras –, revisar alguns conceitos com a finalidade de esclarecer e desmistificar ideias relacionadas às línguas visoespaciais. Na seção “Anotações contextuais” deste capítulo, retomaremos os conceitos de linguagem e língua; linguagem natu-ral e língua natural, procurando esclarecer alguns mitos que ainda persistem quanto ao estatuto e ao status das línguas de sinais, entre elas a Libras. Em seguida, na seção de “Anotações linguísticas”, estudaremos aspectos gerais e introdutórios necessários ao aprendizado da Libras.

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16

(1.1) anotações contextuaisIniciamos nosso estudo com a diferenciação entre linguagem e língua, isso por-que algumas vezes existe confusão entre estes conceitos, especialmente devido ao fato de o termo em inglês – language – poder ser traduzido tanto como lin-guagem quanto como língua.

Linguagem e língua

A preocupação com a linguagem não se restringe a limitar um objeto de estudo para a linguística, mas implica reflexões que vão dos aparatos biológicos do homem e da base biológica da própria linguagem humana até a delimitação do papel da linguagem como distintiva da natureza humana, passando por sua função comunicativa dentro do corpo social. Ou seja, não se trata apenas de definir o que é linguagem, ou o que é uma língua, mas das interpretações particulares que podem ser atribuídas a essas questões dentro de uma estru-tura teórica aceita.

De maneira geral, o termo linguagem pode ser entendido como qualquer sistema de comunicação ou de notação, humano ou não-humano, natural ou artificial. Daí pode-se falar em linguagem de programação, linguagem matemática, linguagem das abelhas, linguagem corporal, por exemplo. Já o termo língua faz referência a uma língua em particular como português, grego, inglês.1 Em sentido amplo – e do ponto de vista linguístico – pode-se dizer que, independentemente da perspectiva teórica que fundamente os conceitos de linguagem e língua, a linguagem aparece como uma faculdade ou potencialidade de expressão, e a língua como a materialização dessa expressão ligada a um grupo determinado de indivíduos, identificados por traços culturais particulares e restritos a um determinado espaço2.

No que diz respeito a determinar o que é uma linguagem natural e uma lín-gua natural, é interessante o dizer de Chaui3, explicitando questões relativas à natureza da linguagem:

Uma primeira divergência sobre o assunto surgiu na Grécia: a linguagem é natural

aos homens (existe por natureza) ou é uma convenção social? Se a linguagem for

natural, as palavras possuem um sentido próprio e necessário; se for convencional,

são decisões consensuais da sociedade e, nesse caso, são arbitrárias, isto é, a socie-

dade poderia ter escolhido outras palavras para designar as coisas. Essa discussão

levou, séculos mais tarde, à seguinte conclusão: a linguagem como capacidade de

expressão dos seres humanos é natural, isto é, os humanos nascem com uma apare-

lhagem física, anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite expressarem-se pela

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17

palavra; mas as línguas são convencionais, isto é, surgem de condições históricas,

geográficas, econômicas e políticas determinadas, ou, em outros termos, são fatos

culturais. Uma vez constituída uma língua, ela se torna uma estrutura ou um sis-

tema dotado de necessidade interna, passando a funcionar como se fosse algo natu-

ral, isto é, como algo que possui suas leis e princípios próprios, independentes dos

sujeitos falantes que a empregam.

Assim, pode-se concluir que em se tratando de linguagem humana, lingua-gem natural é aquela que pode ser desenvolvida espontaneamente a partir do instrumental biológico e sensorial de que os seres são dotados, traduzindo-se em uma capacidade de expressão e reflexão por meio de signos.

Quanto à definição do que é uma língua natural, dois pontos devem ser considerados. O primeiro diz respeito ao condicionamento dessa definição a construções teóricas diversas e à área do conhecimento a qual está ancorado o estudo da língua. O segundo liga-se à investigação das propriedades inerentes a uma língua natural, propriedades essas que vão torná-la distinta de uma lín-gua não-natural. Um exemplo de língua não-natural é o esperanto, inventado no final do século XIX como forma de facilitar a comunicação internacional4.

As citações a seguir ilustram bem o condicionamento da conceituação de língua a uma determinada linha teórica e a uma determinada área do conhecimento:

Língua não se confunde com linguagem: é somente uma parte determinada, essen-

cial dela, indubitavelmente. É ao mesmo tempo, um produto social da faculdade da

linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social

para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos.5

Doravante considerarei uma língua como um conjunto (finito ou infinito) de sen-

tenças, cada uma finita em comprimento e construída a partir de um conjunto

finito de elementos.6

Língua natural, aqui, deve ser entendida como uma língua que foi criada e é utilizada

por uma comunidade específica de usuários, que é transmitida de geração em geração,

e que muda – tanto estrutural como funcionalmente – com o passar do tempo.7

As duas primeiras citações são clássicas da linguística e pertencem: a pri-meira, à Escola Estruturalista; e a segunda, à Escola Gerativista. A terceira cita-ção está ligada aos estudos culturais e aos estudos surdos.

Apesar dos diferentes fundamentos teóricos que embasam as muitas defini-ções de língua natural, é possível estabelecer propriedades que são inerentes a todas as línguas naturais. Segundo Lyons8, dentre essas propriedades pode-mos destacar as seguintes:

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Versatilidade e flexibilidade ▪ – a língua permite a expressão de emoções e sentimentos. Permite que se dê ordens, que se estabeleçam relações tem-porais, que se faça referência ao que existe e ao que não existe.Criatividade/produtividade ▪ – é a possibilidade que todos os sistemas lin-guísticos dão aos usuários de compreender um número indefinido de enunciados sem conhecê-los anteriormente.Arbitrariedade ▪ – está relacionada à falta de conexão entre forma e signi-ficado. Isso quer dizer que não existe uma conexão intrínseca obrigatória entre a palavra casa e o objeto que ela simboliza, por exemplo. Padrão ▪ – diz respeito a restrições que as línguas apresentam na organiza-ção dos seus elementos. Isso significa que ao se produzir um enunciado em português, por exemplo, a combinação das palavras nas frases é res-trita. Assim, tendo-se as palavras casa, entrou, cansado e em, há três combi-nações possíveis: Entrou em casa cansado; Cansado entrou em casa; Em

casa, entrou cansado. Uma construção como Em cansado casa entrou

não é possível dentro do padrão da língua portuguesa.

Línguas de sinais

As línguas de sinais são línguas visoespaciais. Elas se apresentam em uma modalidade diferente das línguas orais, pois utilizam a visão e o espaço, e não o canal oral-auditivo, para sua realização. Como tradicionalmente a língua foi associada à fala, várias concepções inadequadas surgiram quanto ao estatuto de tais línguas como sistema linguístico, bem como quanto ao entendimento de suas características.

Segundo Quadros e Karnopp9, entre essas concepções equivocadas podem ser listadas as seguintes:

A língua de sinais é uma mímica incapaz de expressar conceitos abstratos; ▪Existe uma única língua de sinais que é universal e usada por todas as pessoas ▪surdas;Há uma falta de organização gramatical nas línguas de sinais, sendo elas um ▪pidgin[a] sem estrutura própria, subordinadas e inferiores às línguas orais;São um sistema de comunicação superficial, com conteúdo restrito, sendo estética, ▪expressiva e linguisticamente inferiores ao sistema de comunicação oral;

a. São línguas improvisadas, não aprendidas de forma nativa, também cha-madas de língua de contato. São criadas de forma espontânea a partir da mistura de outras línguas e utilizadas como meio de comunicação entre falantes de línguas diferentes. De maneira geral, têm vocabulários restri-tos e gramáticas rudimentares.

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Derivam da comunicação gestual espontânea dos ouvintes; ▪Seriam línguas do hemisfério direito [do cérebro], pelo fato de ser esse o hemisfério ▪responsável pelo processamento de informação espacial, não se constituindo, por-tanto, em um legítimo sistema linguístico.

Pesquisas realizadas em várias áreas, especialmente na linguística, e com diferentes línguas de sinais, têm desmistificado esses equívocos. Os estudos mostram que tais línguas são sistemas linguísticos transmitidos de geração para geração de pessoas surdas, sem origem nas línguas orais, mas como uma necessidade natural de comunicação entre pessoas que não utilizam o canal oral-auditivo.

Importante salientar que, como no caso das línguas oral-auditivas, não existe uma língua de sinais universal. Cada país tem sua própria língua de sinais, com léxico e estrutura próprias. Dessa forma, por exemplo, se um surdo brasileiro, usuário de Libras, quiser se comunicar com um surdo americano na língua deste, deverá aprender a ASL (Língua de Sinais Americana), exatamente como um ouvinte brasileiro falante de português precisa aprender inglês.

Quanto à estrutura, as línguas de sinais possuem gramática própria com regras específicas em todos os níveis: fonológico, morfológico e sintático. São aptas, portanto, como qualquer outra língua, a produzir expressões metafóri-cas, construir humor, expressar opiniões políticas, denotar referentes teóricos. Em relação a isso, Baggio10 nos relata uma experiência:

Em sala de aula de Geografia, os alunos [surdos] buscavam entender o conceito de

população. Não era de conhecimento nem dos alunos, nem do professor um sinal

correspondente à palavra ou ao conceito. O problema foi resolvido pela utilização de

um processo de “formação de palavras” trivial nas línguas do mundo. Formou-se

um ”sinal composto” pelos sinais de ‘povo’ mais o sinal de “número”.

Nesse sentido, Quadros e Karnopp11 complementam afirmando que:

A alegação de empobrecimento lexical nas línguas de sinais surgiu a partir de uma

situação sociolinguística marcada pela proibição e intolerância em relação aos

sinais na sociedade e, em especial, na educação. Entretanto, sabe-se que tais línguas

desenvolvem itens lexicais apropriados a situações em que são usados. Na medida

em que as línguas de sinais garantem maior aceitação, especialmente em círculos

escolares, registra-se aumento no vocabulário denotando referentes técnicos.

As mesmas autoras complementam que do ponto de vista psicolinguís-tico, pesquisas realizadas com surdos que apresentavam lesões nos hemisfé-rios esquerdo e direito do cérebro demonstraram que os que tinham lesão no

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hemisfério direito processavam todas as informações linguísticas das línguas de sinais, mesmo elas sendo visoespaciais. Entretanto, aqueles que possuíam lesões no hemisfério esquerdo conseguiam processar informações espaciais não-linguísticas, mas não conseguiam processar informações linguísticas. A conclusão a qual as pesquisadoras chegaram é que as línguas de sinais são pro-cessadas no centro da linguagem (localizado no hemisfério esquerdo do cére-bro) como qualquer outra língua. Ou seja, a linguagem humana não depende da modalidade das línguas. Complementando, pode-se dizer que todo sinal é um gesto, mas nem todo gesto é um sinal.

Não há por que, dessa forma, existirem dúvidas quanto ao estatuto linguís-tico das línguas de sinais. Importante dizer que, diferentemente das primeiras pesquisas linguísticas nas quais se procurava identificar o que era igual entre as línguas faladas e as línguas de sinais, hoje se caminha na direção de verifi-car as diferenças entre elas com o objetivo de enriquecer as teorias linguísticas. Postula-se nesse aspecto, inclusive, uma teoria geral da linguagem, cujo ponto de partida da análise sejam as línguas de sinais, isso porque suas peculiari-dades, tais como o caráter icônicob de alguns sinais (um sinal icônico é aquele em que a configuração das mãos reproduz a forma do objeto representado, por exemplo o sinal CASA [/\]) permitiriam um acesso mais direto às operações cognitivas envolvidas no processamento da linguagem.

Retomando, pois, os conceitos de linguagem natural e língua natural, e pelo que foi estudado nesta seção, é possível concluir que: a linguagem natural dos surdos é a linguagem de sinais, uma vez que essa linguagem é adquirida por eles de maneira espontânea e é por meio dela que estes podem se expressar sem esforço. Além disso, por meio dela que se constituírem em sujeitos com concep-ções próprias do mundo e da sociedade. A materialização dessa linguagem é feita através de línguas naturais por sua própria essência: as línguas de sinais.

Libras

Libras é a língua de sinais usada pelos surdos brasileiros. Essa denominação foi estabelecida em Assembleia convocada pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), em outubro de 1993. A Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002c, que reconhece e oficializa a língua de sinais brasileira, e o

b. A iconicidade, em oposição à arbitrariedade, não é um aspecto que des-qualifica as línguas de sinais como línguas naturais, mas um traço caracte-rístico dessas línguas. Vale dizer, as línguas de sinais não são menos, nem mais que as línguas orais, são diferentes. (CUXAC, 2005).

c. Para ver na íntegra essa lei, acesse o site:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm>.

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Decreto nº 5.626 de 22 de dezembro de 2005d regulamenta aquela lei e mantêm essa denominação:

Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua

Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados.

Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de

comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de natureza visual-motora,

com estrutura gramatical própria, constituem um sistema linguístico de transmis-

são de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

A Libras tem status de primeira língua (L1) na comunidade surda brasileira e o português é considerado segunda língua (L2). Isso porque a aquisição da língua portuguesa (oral-auditiva) pelo surdo só pode ser realizada por meio da aprendizagem formal.

(1.2) anotações linguísticasNessa seção nos ocuparemos de informações básicas necessárias ao início do estudo de Libras, como o sistema de transcrição da Libras, a datilologia e o sinal pessoal.

Sistema de transcrição da Libras

A Libras é uma língua de modalidade gestual-visual com características pró-prias em todos os níveis gramaticais. Assim, quando precisamos escrever Libras em português é necessário usar convenções. Essas convenções são utili-zadas por pesquisadores de línguas de sinais e são encontradas em livros sobre Libras. Sendo assim, faz-se necessário apresentá-las. Eis algumas12:

Como os sinais da Libras são realizados no espaço, para representá-los, são ▪usados os léxicos da língua portuguesa (LP) através de letras maiúsculas.

Exemplos: ÁRVORE, HOMEM, CIDADE etc. Alguns sinais da Libras são representados utilizando-se duas ou mais ▪palavras em língua portuguesa. Esses sinais são representados pelas palavras correspondentes separadas por hífen.

d. Para ver na íntegra esse decreto, acesse o site:<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5626.htm>.

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Exemplos: NÃO-PODER, MEIO-DIA, AINDA-NÃO, NÃO-TER etc.; Quando um sinal é composto, isto é, dá ideia de uma única coisa, mas é ▪formado por dois ou mais sinais, é representado por duas ou mais pala-vras da língua portuguesa separadas pelo símbolo .̂

Exemplos: CASA^ESTUDAR “escola” CARRO^BATER “acidente” PAI^MÃE “pais”

Nome de pessoas, localidades, objetos e outras palavras quaisquer que ▪não tenham um sinal são representadas através da datilologia (soletração do alfabeto manual) e transcritas pela palavra separada, letra por letra, por hífen.

Exemplos: P-E-D-R-O S-U-P-R-A-S-S-E-G-M-E-N-T-A-I-S

Uma palavra soletrada com o uso do alfabeto manual pode tornar-se um ▪sinal integrante da Libras se à soletração for incorporado um movimento da língua de sinais. Esse sinal será representado pela soletração, ou parte da soletração do sinal em itálico.

Exemplos: N-U-N-C-A, N-U-M “nunca”.Não há desinências para gênero (masculino e feminino) em Libras. O ▪sinal para representar a palavra da língua portuguesa que possui essas marcas, será o símbolo @ que substituirá a última letra da palavra escrita com letras maiúsculas.

Exemplos: AMIG@ “amiga e amigo” FRI@ “fria e frio” MUIT@ “muita e muito”

Os verbos que se referem à lugar ou a pessoas gramaticais e movimento ▪direcionado serão representados pela palavra correspondente com uma letra em subscrito, que indicará:

o lugar:a.

i = ponto próximo à 1ª pessoa j = ponto próximo à 2ª pessoa k e k = pontos próximos à 3ª pessoa e = esquerda d = direita

as pessoas:b.

1s, 2s, 3s = 1ª, 2ª e 3ª pessoas do singular 1d, 2d, 3d = 1ª, 2ª e 3ª pessoas do dual 1p, 2p, 3p = 1ª, 2ª e 3ª pessoas do plural Exemplos:

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1s ENTREGAR 2s “Eu entrego para você.” 2s DAR 3p “Você deu para eles/elas.” kd ANDAR ke “Andar da direita (d) para a esquerda (e).”

Não há desinência para plural na Libras. Pode haver uma marca de plural ▪pela repetição do sinal ou alongamento do movimento, que será represen-tada por uma cruz no lado direito acima da palavra que representa o sinal:

Exemplos: MULHER + “muitas mulheres” ÁRVORE + “muitas árvores”

Datilologia

Datilologia é um sistema com configurações de mão que representam cada letra do alfabeto da língua portuguesa. Tem a finalidade de soletrar palavras que ainda não possuem sinal em língua de sinais, ou que o soletrador não conhece, por exemplo, nomes próprios de pessoas ou lugares. Importante salientar que o alfabeto manual não é parte da Libras, mas um sistema auxiliar utilizado para facilitar a comunicação. Observe na próxima página o alfabeto manual.

As palavras de uma língua oral são os sinais nas línguas de sinais. Quando se utiliza a datilologia para soletrar duas ou mais palavras, geralmente, reali-za-se uma pequena pausa entre uma e outra ou move-se a mão do lado direito para o esquerdo como se estivesse passando para o lado a primeira palavra para dar espaço para soletrar a segunda.

Uma conversação jamais poderá ser mantida usando-se somente o alfabeto manual, pois, além de cansativo e monótono, seria impraticável. O léxico de Libras são os sinais, que são usados nessa língua como as palavras são usadas nas línguas orais auditivas, ou seja, obedecendo aos padrões estruturais da língua.

Pessoas, cidades, países, lugares diversos, objetos, sentimentos e tudo o mais pode ter um sinal. Se não existe sinal correspondente a determinada palavra ou conceito, o surdo, na medida em que vai se interando do significado ou enten-dendo o conceito, gera um sinal que passará a fazer parte do “vocabulário” da Libras. A língua de sinais, assim como o inglês, o português, o francês e outras línguas, não está morta; de tempos em tempos, novos sinais aparecem, gírias são criadas ou passam a fazer parte da língua padrão.

O sinal pessoal

Cada pessoa pode ter seu sinal em Libras. O ato de “dar um sinal” a uma pes-soa recebe o nome de batismo. Possuidora de um sinal próprio, a partir daí, sem-pre que for apresentada a um surdo, esta pessoa soletrará seu nome através da datilologia e apresentará o seu sinal. Este sinal, geralmente dado por um surdo,

Page 24: Livro Libras Ulbra

Figura 1 - Alfabeto manual

Vista frontal Vista lateral - etapa 1 Vista lateral - etapa 2

A

E

J

O P Q R S

T

Y Z

U V W X

K L M N

F G H I

B C Ç D

Ilu

str

açã

o: R

ena

n It

suo

Mo

riy

a

Page 25: Livro Libras Ulbra

25

pode ser uma representação de uma característica da pessoa ou de algum traço físico, atividade, gesto ou cacoete da pessoa, acrescido ou não da letra inicial do seu nome. Exemplos:

M-I-C-H-E-L-E ▪ Sinal: configuração de mão em M, deslizando de cima da cabeça até a

altura dos ombros em movimentos ondulados (Michele tem cabelos lon-gos e ondulados).A-N-D-R-É ▪

Sinal: dedo indicador e polegar afastados sobre a orelha, os outros dedos fechados (André tem orelhas grandes).Marco tem os olhos azuis, então o sinal dele é o dedo indicador apon- ▪tando o olho e, em seguida, a execução do sinal “azul”.

Uma vez batizada, não é costume a pessoa trocar o seu sinal, mesmo que aquilo que motivou o sinal (o referente) tenha mudado. Por exemplo, Michele foi batizada com o seu sinal por causa de seus cabelos longos e ondulados. Com o passar dos anos, ela cortou os cabelos e alisou-os, mas o seu sinal permane-ceu o mesmo.

( . ) ponto finalEstabelecidas as diferenças entre linguagem e língua, linguagem natural e lín-gua natural, e descritas as principais características das línguas naturais, entre elas as línguas de sinais, é necessária uma observação final. Do ponto de vista linguístico, não existe língua melhor ou pior, mais complexa ou mais simples, mais bonita ou mais feia, o que existem são línguas diferentes, cada qual com suas peculiaridades. Importante que se retome o que antes já foi falado: “a lin-guagem humana independe da modalidade das línguas”13.

Indicações culturais

Para saber mais sobre linguagem e língua, e sobre a língua brasileira de sinais, recomendamos as obras a seguir:

LYONS, J. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasileira: estudos linguísti-cos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

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atividadesEsquematize o conteúdo teórico do capítulo, ressaltando os conceitos-chaves.1.

Considerando o que aprendeu, teça um breve comentário sobre as afirma-2.

ções a seguir:

Todo sinal é um gesto, mas nem todo gesto é um sinal.a.

“Se descobríssemos uma sociedade que usasse um sistema de comunica-b.

ção gestual ou escrito, com todas as outras características distintivas de uma linguagem, mas que nunca se realizasse no meio falado, sem dúvida faríamos referência a este sistema de comunicação como sendo uma lín-gua. Portanto não se deve colocar ênfase excessiva na prioridade bioló-gica da fala.” (LYONS, 1981, p. 28)

Exercite, em frente ao espelho, todo o alfabeto manual e pesquise, escolha e 3.

exercite mais dez palavras quaisquer em Libras.Se você conhece alguma pessoa que já tenha sido batizada, descreva o sinal 4.

dessa pessoa. Caso não conheça, tente imaginar como seria o seu sinal pessoal.

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( 2 )

surdez: percurso histórico

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Maria Auxiliadora Baggio

Maria da Graça Casa Nova

( )

conhecer uma nova língua significa mais do que apropriar-se de um novo instrumento de comunicação. Sendo a língua um produto histórico, social e cultural, seu estudo nos remete ao outro, a suas experiências, a suas lutas, a suas conquistas. Percorrer os principais fatos que marcaram a construção dos significados de surdo e surdez ao longo história, além de enriquecer o estudo da Libras, permitirá o entendimento das lutas tra-vadas pelos surdos na busca de uma identidade, do reconhecimento de sua lín-gua e da valorização de sua cultura.

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(2.1) anotações contextuaisEsta seção terá como foco os temas: Breve histórico da surdez, O congresso de

Milão e Os movimentos surdos. O assunto será explanado de maneira breve, com a intenção de que o leitor aprofunde seu conhecimento sobre a seção por meio da pesquisa.

Breve histórico da surdez

Os conceitos de surdez e de surdo construíram-se e modificaram-se, ao longo da história, seguindo os ideais políticos, filosóficos e religiosos de cada época. Na Antiguidade, a surdez era, no mais das vezes, encarada como castigo, e o surdo considerado louco, anormal ou enfeitiçado. A surdez era eliminada com a morte ou com o abandono: “Na Antiguidade Chinesa os surdos eram lançados ao mar. Os gauleses os sacrificavam ao deus Teutates por ocasião da Festa do Agárico. Em Esparta os surdos eram jogados do alto dos rochedos. Em Atenas eram rejeitados e abandonados nas praças públicas ou nos campos.”1

Em nossa vida profissional, tomamos conhecimento de fatos históricos refe-rentes à linguagem. Com base nessas informações e das presentes nas referên-cias utilizadas para a construção desse livro, apresentamos alguns desses fatos: o filósofo Aristóteles entendia que a linguagem (fala) atribuía ao homem a con-dição de humano, e se este não possuía tal capacidade não conseguia sequer raciocinar. Na esteira desse pensamento, Roma negava direitos civis aos surdos que não conseguiam falar. Legalmente, uma vez que eram considerados inca-pazes de gerir seus atos, só poderiam atuar assistidos por um curador.

O advento do Cristianismo elevou a significação da surdez e do surdo, defendendo a ideia de que este era uma pessoa como qualquer outra e como tal também precisava de Deus. Os surdos são referidos nos mais antigos registros históricos do Antigo Testamento, sendo que o primeiro desses registros é atri-buído a Moisés. No entanto, durante a Idade Média, a Igreja considera a surdez um castigo e o surdo um indivíduo impossibilitado de receber a salvação. Sem poder falar, não poderia receber os Sacramentos, condição necessária para a imortalidade da alma.2

Segundo Sá3, o Iluminismo, valorizando a cientificidade, tratou de isolar a anormalidade com o intuito de reabilitá-la ou curá-la.

Com a entrada do século xviii, surge o movimento iluminista onde nasceu a cons-

trução científica da surdez. Nesse período, ocorreu um movimento histórico conhe-

cido como El Gran Encierro onde foram confinados todos os improdutivos que

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eram compostos por vagabundos, miseráveis, loucos, retardados mentais e, entre

eles, os surdos. Esse movimento originou-se da necessidade de dar uma solução a

grande massa de desocupados que não se adaptava a indústria manufatureira. No

confinamento eram forçados e treinados para trabalhar como mão de obra barata.

Os que se negavam eram perseguidos e punidos, catalogados como delinquentes

pela justiça, formando a população carcerária que temos até hoje. E os considerados

improdutivos dentre eles os surdos, foram classificados como incapacitados e cria-

ram-se instituições para atendê-los. Esse internamento massivo dos classificados

como incapacitados teve um princípio de socialização que num segundo momento

foi se transformando em finalidade corretiva.4

A história moderna dos surdos e da surdez tem como marco o ano de 1755. É só a partir dessa data que surgem informações sobre os surdos em situações educacionais que privilegiam o uso da língua de sinais e a presença de pro-fessores surdos na educação de surdos. Isso aconteceu em decorrência do tra-balho do padre francês Charles-Michel de l’Epée, o Abbé de l’Epée. O abade francês, a partir de um encontro com crianças e jovens surdos das ruas de Paris, aprende a língua usada por eles e passa a instruí-los numa pequena escola a qual veio a crescer até adquirir fama internacional, originando o Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris (primeira escola de surdos do mundo)5. Sacks6 expressa a importância de l’Epée:

Mas não são (de um modo geral) as ideias dos filósofos que mudam a realidade: tam-

bém não são, inversamente, as práticas das pessoas comuns. O que muda a história, o

que desencadeia revoluções, é o encontro das duas coisas. Uma mente superior – a do

Abade de l’Epée – tinha de encontrar um costume humilde – a linguagem de sinais

dos surdos pobres de Paris – para possibilitar uma transformação extraordinária. Se

indagarmos por que esse encontro não ocorrera antes, a resposta está relacionada com

a vocação do Abade, que não suportava pensar nas almas dos surdos-mudos vivendo

e morrendo sem absolvição, privadas do Catecismo, das Escrituras e da Palavra de

Deus; é em parte da decorrência de sua humildade – o fato de que ele escutou os sur-

dos – e em parte de uma ideia filosófica e linguística muito em voga na ocasião, a da

linguagem universal, como o speceium que Leibnz sonhou. Assim de l’Epée consi-

derou a linguagem de sinais não com desdém, mas com respeito.

A escola fundada por l’Epée é considerada o marco da formação das comu-nidades surdas e da luta pelos direitos de cidadania do surdo, principalmente, a luta pelo direito de utilizar a língua de sinais. O método de l’Epée dissemi-nou-se na Europa e nos Estados Unidos, possibilitando a criação de inúmeras escolas para surdos. Entre essas escolas merece destaque a escola para surdos

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fundada em 1817, nos Estados Unidos, por Thomas Hopkins Gallaudet – edu-cador ouvinte – e Laurente Clerc – surdo francês. A escola criada pelos dois utilizava a língua gestual americana conjugada com o inglês na modalidade escrita. Em 1857, nasceu a Universidade de Gallaudet, cujo primeiro presidente foi Edward Miner Gallaudet, filho de Thomas. No Brasil, os ideais do abade chegaram pelas mãos de Hernest Huet, professor francês que, em 1857, a con-vite de D. Pedro II, fundou o Instituto Nacional dos Surdos-Mudos.

O Congresso de Milão

No final do século dezoito começam a aparecer divergências entre os pedago-gos a respeito do método mais adequado para a educação dos surdos. Enquanto os adeptos do método de l’Epée defendiam o uso da língua de sinais, outros renomados educadores defendiam o método oral. Ou seja, para os pedagogos oralistas, o propósito da educação do surdo deveria ser ensinar a falar. Entre estes educadores destacaram-se Pereira, em Portugal, e Samuel Heinicke, na Alemanha. Heinicke é considerado o fundador do oralismo e defendia a ideia de que o pensamento só se torna possível por meio da linguagem oral, consi-derando o uso das línguas de sinais prejudicial para o progresso dos surdos na aquisição da fala. Importante salientar que a filosofia e os métodos oralistas contam com adeptos até hoje.

Por volta de 1870, as correntes de tendências políticas marcadas pela intole-rância com as minorias e simpáticas aos fundamentos da eugenia começaram a disseminar a filosofia oralista. A culminância desse processo foi a realização do Congresso de Milão em 1880. Esse Congresso é considerado um marco his-tórico devido à completa mudança que trouxe a respeito da surdez e da educa-ção dos surdos mundialmente. Organizado por uma maioria oralista, teve com principal resultado o banimento da língua de sinais e a eleição da metodologia oral como exclusiva para a educação dos surdos:

Com exceção da delegação americana (cinco membros) e de um professor britânico,

todos os participantes, em sua maioria europeus e ouvintes, votaram por aclama-

ção a aprovação do uso exclusivo e absoluto da metodologia oralista e a proscri-

ção da linguagem de sinais. Acreditava-se que o uso de gestos e sinais desviasse o

surdo da aprendizagem da língua oral, que era a mais importante do ponto de vista

social. As resoluções do congresso (que era uma instância de prestígio e merecia

ser seguida) foram determinantes no mundo todo, especialmente na Europa e na

América Latina. As decisões tomadas no Congresso de Milão levaram a que a lin-

guagem gestual fosse praticamente banida como forma de comunicação a ser uti-

lizada por pessoas surdas no trabalho educacional. A única oposição clara feita ao

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oralismo foi apresentada por Gallaudet que, desenvolvendo nos Estados Unidos

um trabalho baseado nos sinais metódicos do abade De l’Epée, discordava dos argu-

mentos apresentados, reportando-se aos sucessos obtidos por seus alunos.7

Após o Congresso de Milão, desaparece a figura do professor surdo e ter-mina a convivência pacífica entre a linguagem falada e a linguagem gestual na educação dos surdos. No entanto, é reconhecido que essa virada em direção à busca exclusiva da oralização trouxe inúmeros prejuízos para a educação e para a articulação política e social dos surdos.

Os movimentos surdos

Apesar da proibição do uso de sinais nas escolas, os surdos continuaram a usar sua língua nos seus espaços de convivência. Na década de 1960, as línguas de sinais – nessa época eram consideradas mais como uma espécie de pantomima ou código gesticular do que propriamente línguas – foram reabilitadas a partir das pesquisas do linguista William Stokoe, que iniciou estudos sobre a Língua de Sinais Americana (ASL). Depois dele, inúmeros linguistas e pesquisadores de outras áreas contribuíram para que o surdo não fosse mais visto como por-tador de uma patologia de ordem médica, que deve ser eliminada, mas como uma pessoa; a surdez passa, então, a ser considerada uma marca que repercute nas relações sociais e no desenvolvimento afetivo e cognitivo dessa pessoa.

Com esse novo posicionamento, recrudesceu o surgimento de associações e federações, uma grande parte criada e dirigida por surdos, as quais se ocupam de buscar o espaço educacional, social e político do surdo. No Brasil, possuem maior representatividade a Feneis, criada em 1987, e a Confederação Brasileira de Surdos, fundada em 2004. Além disso, pesquisas nas áreas dos estudos culturais e dos estudos surdos procuram lançar os alicerces teóricos para o reconhecimento político da surdez como diferença. Segundo Sacks8, há que se concentrar em “entender o Surdo[a], sua língua (a língua de sinais), sua cultura e não apenas os aspectos biológicos ligados à Surdez[b]”.

a. Os termos Surdo e Surdez grafados com “s” maiúsculo são usados por alguns pes-quisadores e teóricos da área como referência a um grupo linguístico e cultural.

b. Segundo Wrigley (1996, p. 54), a distinção Surdo/surdo é amplamente usada pela maioria dos escritores do campo. Mas adverte: “É um dualismo rígido – bom Surdo, mal surdo [sic] – que pouco faz para ajudar os indivíduos em suas vidas diárias. Nem ajuda a clarear um alcance maior de estratégias colocadas pelos indivíduos lidando com a exclusão e as muitas faces da opressão em suas rotinas. Em termos simples, a dicotomia de ‘s/S’ está tão cruelmente composta que, embora inicialmente útil, ela agora serve para silenciar o alcance total das experiências dos s/Surdos.” (Tradução livre das autoras).

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Nesse sentido, Sá9:

Não utilizo a expressão “deficiente auditivo” numa tentativa de re-situar o con-

ceito de surdez, visto que esta expressão é utilizada, com preferência, no contexto

médico-clínico, enquanto que o termo surdo está mais afeito ao marco sociocultural

da surdez. Enfatizo a diferença, e não a deficiência, porque cremos que é nela que

se baseia a essência psicossocial da surdez: ele (o surdo) não é diferente unicamente

porque não ouve, mas porque desenvolve potencialidades psicoculturais diferentes

das dos ouvintes. (grifo nosso)

Mesmo diante dos inegáveis avanços conseguidos devido ao interesse de acadêmicos, pesquisadores, educadores e principalmente das comunidades surdas organizadas, a posição do surdo, quer na questão educacional, quer no que diz respeito à inclusão social, está longe do desejável. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10 indicam que a população com algum grau de surdez no Brasil é de 5,7 milhões de pessoas. Destas, uma grande parte jamais teve acesso à educação e aquelas que frequentaram os ban-cos escolares, na maioria das vezes, deixam a escola sem os saberes necessários à inclusão social e ao exercício da cidadania. O número de surdos com forma-ção superior ainda é ínfimo.

Essa defasagem educacional deixa reflexos no mundo do trabalho. Nesse sen-tido, Sacks11 acrescenta que “ainda se considera às vezes – ou voltou a se conside-rar, depois das oportunidades mais amplas oferecidas em meados do século XIX

– que os surdos devem ser tipógrafos ou trabalhar nos correios, contentando-se com empregos ‘humildes’, sem aspirar a uma educação superior”. Passados vinte anos, a afirmação de Sacks, acima citada, continua atual, uma vez que prevalece, ainda, a ideia de atividades próprias, ou tradicionalmente desempenhadas por surdos. Emblemática a reivindicação da I Conferência Estadual dos Direitos dos

Surdos no Rio Grande do Sul em 1998, citada por Klein12:

“1. Lutar pela extinção das listas de profissão para surdos que acabam atri-buindo-lhes incapacidade para certos cargos e limitando-lhes oportunida-des de emprego.” Devido a esse condicionamento, muitos surdos continuam à margem do mercado de trabalho, alguns precisam conformar-se em viver da Previdência Social e os que estão inseridos dificilmente ascendem a postos mais elevados no emprego.

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(2.2) anotações linguísticasNesta seção estudaremos parâmetros linguísticos próprios das línguas de sinais, tais como a configuração de mãos, o movimento e a locação. Todos devem ser devidamente observados para que se produza o sinal de maneira adequada.

Aspectos relevantes sobre a fonologia das línguas de sinais

Segundo Infante13, fonologia é a parte da gramática que estuda os sons da lín-gua – os fonemas. Os fonemas são as unidades mínimas sonoras de uma língua capazes de estabelecer distinção de significado (por exemplo: mala, bala, cala, tala). Apesar da língua de sinais ser uma língua gestual-visual (ou espaço-vi-sual ou ainda visoespacial), os estudos linguísticos que já comentamos, realiza-dos por Stokoe, reconheceram que elas têm suas unidades mínimas (fonemas). Stokoe propôs o termo quiremia para denominar as unidades dos sinais e quiro-logia (do grego quiro, “mão”) para nomear o estudo dessas unidades. No entanto, os pesquisadores continuaram utilizando os termos “fonema” e “fonologia”, considerando que as línguas de sinais são línguas naturais e, por isso, compar-tilham dos mesmos princípios linguísticos que as línguas orais. As unidades mínimas são:

Configuração de mão (cm) ▪ – É a forma das mãos, que podem ser ou não do alfabeto manual. Essas formas são feitas pela mão predominante (direita para os destros e esquerda para os canhotos), ou por ambas. A partir da configura-ção de mão, partem o “Movimento da mão (M)” e a “Locação (L)” ou “Ponto de articulação (PA)” que juntos formam o sinal. Segundo Felipe14, existem 64 configurações de mão na língua brasileira de sinais.Movimento da mão ▪ – Os sinais podem ter ou não movimento. Uma pequena alteração no movimento pode mudar o significado do sinal. Os sinais que não têm movimento são chamados de sinais estáticos. A orien-tação dos movimentos pode ser:

Unidirecionais – os movimentos são realizados somente para uma ▪direção. Bidirecionais – os movimentos são realizados por uma ou ambas as ▪mãos em duas direções diferentes, geralmente simétricas.Multidirecionais – os movimentos acontecem em várias direções. ▪Não-direcionais – não acontecem deslocamentos. ▪

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Locação ▪ ou ponto de articulação – É o lugar, tomando como ponto de partida no próprio corpo, onde é realizado o sinal, podendo haver ou não contato com o corpo. O sinal pode tocar o rosto, a cabeça, o peito, os bra-ços ou estar num espaço neutro à frente do sinalizador.

Posterioriormente aos estudos de Stokoe foram acrescentados mais dois parâmetros. São eles:

Orientação de mão (or) ▪ – Battison15 propôs a inclusão do parâmetro orien-tação de mão na fonologia das línguas de sinais, baseado nos diferentes significados que podem ocorrer numa simples mudança de direção da palma da mão na execução de determinado sinal. Brito16 enumerou seis tipos de orientações da palma da mão na Libras: para a direita, para a esquerda, para baixo, para cima ou para frente e para trás.Aspectos não-manuais (nm) ▪ – São as expressões faciais e corporais. As expressões não-manuais se referem aos movimentos dos olhos, da face, da cabeça, do tronco, do corpo em geral que por si só, dentro de um con-texto, comunicam. As expressões não-manuais podem ser utilizadas para marcar sentenças interrogativas negativas, de concordância, de tópico entre outras.

Figura 2 – Unidades mínimas para a palavra desculpa

DESCULPA

CM

M

PA

Ilu

str

açã

o: R

ena

n It

suo

Mo

riy

aFormato

Frente e trás

Queixo

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( . ) ponto finalÉ importante que se saliente, depois de traçar um breve histórico das lutas surdas, que os surdos – mesmo apoiados por familiares, por associações, por estudiosos e educadores – são, há muito, protagonistas de sua própria história. Foram eles que construíram sua trajetória, conseguindo avanços significativos no reconhecimento de sua identidade, sua cultura e seus direitos de cidadania.

Indicações culturais

A história da surdez é, pois, a história da luta dos surdos na busca de um espaço como sujeitos sociais, com direito ao desenvolvimento pleno. Para aprofundar o conhecimento dessa história, indicamos a leitura dos livros a seguir:

SÁ, R. L. de. Cultura, poder e educação de surdos. Manaus: Ed. da Ufam, 2002.

SACKS, O. Vendo vozes: uma jornada pelo mundo dos surdos. Rio de Janeiro: Imago, 1989.

atividadesNavegue pela internet e colete mais dados sobre a história do surdo e a histó-1.

ria da surdez. Em posse desses dados e a partir do conteúdo do capítulo, cons-trua um quadro cronológico com aqueles fatos que julgar mais relevantes.Considerando o que você conhece da realidade surda e a experiência que 2.

você tem vivenciado como aprendiz de Libras, escreva um pequeno texto comentando o trecho a seguir: “Mas não são (de um modo geral) as ideias dos filósofos que mudam a realidade: também não são, inversamente, as prá-ticas das pessoas comuns. O que muda a história, o que desencadeia revolu-ções, é o encontro das duas coisas.” (SACKS, 1989, p. 32)Explique e exemplifique cada unidade mínima formacional de um sinal.3.

Pesquise e faça uma lista de:4.

cinco sinais realizados em diferentes Pontos de Articulação (PA);a.

cinco sinais com a mesma Configuração de Mãos (CM);b.

cinco sinais com diferentes Movimentos (M).c.

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caminhos de uma construção: a educação de surdos

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a trajetória da educação formal dos surdos é marcada pelo embate entre duas concepções básicas de surdez: a clínica e a sociocultu-ral. Considerando a surdez uma incapacidade, uma deficiência a ser sanada, os métodos educacionais filiados à visão médica da surdez tinham por meta curar o surdo, empregando técnicas que proporcionassem o desenvolvimento da fala. Aqui a utilização da língua de sinais é proibida e tida como potencial fator de atraso do desenvolvimento intelectual do aluno. As concepções socioculturais de surdez, por sua vez, focam a educação do sujeito surdo na perspectiva da diferença, e não da deficiência. O objetivo da educação deixa de ser o desen-volvimento da fala. A língua de sinais é reconhecida como primeira língua e valorizada como a língua que permite ao sujeito surdo aprender, construir sua própria percepção de mundo e conquistar a cidadania.

Maria Auxiliadora Baggio

Maria da Graça Casa Nova

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(3.1) anotações contextuaisNesta seção, detalharemos um pouco mais a história da educação de surdos e descreveremos como se desenvolveu a educação dos surdos no Brasil.

Retomando aspectos históricos

Os primeiros surdos que tiveram acesso à educação formal foram os filhos da nobreza européia do século XVI, com a finalidade de serem considerados capazes de herdar títulos e propriedades. Para tanto, deveriam saber falar, ler e escrever. Entre os educadores dessa época destacam-se Ponce de Leon, Girolamo Cardano e Juan Pablo Bonet.

O abade Ponce de Leon desenvolveu um alfabeto manual e ganhou notorie-dade ao educar os filhos da corte espanhola. Girolamo Cardano era médico e educador, foi um dos primeiros a reconhecer que a surdez não afetava a capa-cidade de aprender. Bonet publicou, em 1620, o primeiro tratado de ensino de surdos, no qual afirma que o ensino deve começar pela escrita, sistematizando o alfabeto em correspondência com o alfabeto manual. As metodologias uti-lizadas por esses professores eram variadas, mas o propósito do ensino era comum: mais do que o acesso aos conhecimentos ditos escolares, a educação dos surdos visava o desenvolvimento da fala.1

A partir do século XVIII, sob a influência do método de l’Epée, a educação de surdos avança tanto no aspecto quantitativo como no qualitativo. Com a difu-são da língua de sinais e o reconhecimento de que essa era a língua dos surdos, a fundação de escolas se disseminou. A preocupação era no sentido de real-mente ensinar o surdo, para que pudesse trabalhar e exercer sua cidadania. A ênfase do ensino deslocou-se, assim, da busca do desenvolvimento da fala para a formação. Segundo Fernandes2:

Antes do século XIX, os surdos ocupavam papéis significativos. Sua educação rea-

lizava-se por meio da língua de sinais e a maioria dos seus professores eram surdos.

No entanto, estudiosos surdos e professores ouvintes da época, divergiam quanto

ao método mais indicado para ser adotado no ensino de surdos. Uns acreditavam

que deveriam priorizar a língua falada, outros a língua de sinais e outros, ainda, o

método combinado.

O advento de tecnologias que facilitavam a aprendizagem da fala pelo surdo e o embate entre os teóricos sobre objetivo da educação de surdos, faz com que, a partir da segunda metade do século XIX, as filosofias oralistas ganhem força.

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A língua de sinais perde espaço e após a realização do Congresso de Milão é banida da educação de surdos, conforme já explanamos. A educação passa a priorizar a “cura ou a reabilitação do surdo, impondo-lhe a obrigação de falar, mesmo que tal processo negligenciasse a carga horária prevista para o desen-volvimento do currículo.”3 Esse modelo educacional permaneceu hegemônico durante um século.

Os estudos linguísticos desenvolvidos por Stokoe a partir de 1960, as críti-cas aos métodos oralistas – que não apresentaram os resultados pretendidos – e a mobilização dos movimentos surdos começam a quebrar o paradigma edu-cacional vigente. Em dezembro de 1987, a Federação Mundial do Surdo (WFD) rompe com a tradição oralista ao emitir a primeira Resolução sobre Língua de Sinais. O Encontro Global de Especialistas recomendou que

pessoas surdas e com grave impedimento auditivo [devem] ser reconhecidas como

uma minoria linguística, com o direito específico de ter sua língua de sinais nativa

aceita como sua primeira língua oficial e como meio de comunicação e instrução,

tendo serviços de intérpretes para a língua de sinais.4

A quebra do paradigma oralista oportunizou o aparecimento de várias pro-postas educacionais, com práticas pedagógicas diversas. Essas propostas, de maneira geral chamadas de Comunicação Total, combinam língua oral manua-lizada, gestos, fragmentos da língua de sinais e uso de aparelhos de amplifica-ção sonora. Aqui a prioridade não é a língua, mas a comunicação. No final do século XX aparece uma nova opção pedagógica, o bilinguismo.

A educação de surdos no Brasil

No Brasil, a educação de surdos tem início na segunda metade do século XIX, com a chegada do educador francês Hernest Huet a convite de D. Pedro II, como já apontamos no capítulo anterior. Por solicitação de Huet, no dia 26 de setem-bro de 1857 é fundado no Rio de Janeiro o Instituto de Educação de Surdos-Mudos, atualmente Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES).5

No início, as práticas pedagógicas realizadas no Instituto utilizavam-se de um alfabeto manual e de um sistema sinalizado derivado da língua de sinais francesa, juntamente com sinais caseiros trazidos pelos próprios alunos. O cur-rículo dispunha de aulas de Português, História, Geografia e ainda de lingua-gem articulada e leitura sobre os lábios. Seguindo a decisão de Milão, a partir de 1911, a instituição proibiu o uso da língua de sinais optando pelo método oral puro na educação dos alunos surdos.6

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De maneira geral, os métodos utilizados na educação de surdos do Brasil seguiram a trajetória histórica determinada pelas tendências mundiais. Dessa forma, até 1960, o que se priorizou nas instituições educacionais dedicadas ao ensino de surdos foi a opção por métodos curativos ou emendativos, cujo prin-cipal objetivo era o desenvolvimento da fala. Além disso, as políticas públicas para o setor foram, até essa época, mais de caráter assistencialista do que pro-priamente educacional. Tais políticas tinham como principal propósito curá-los, quando possível, para torná-los úteis para a sociedade, e assim não sendo, cui-dar deles, como nos explica Lacerda, citado por Soares7: “para que deixassem de ‘representar valores negativos no seio da sociedade’”. O desenvolvimento de instrumentos político-pedagógicos suficientes para o crescimento psicossocial e para a construção de uma cidadania verdadeira passava ao largo das discus-sões e das ações. Elucidativas, nesse sentido, as reflexões de Soares8 a seguir:

Creio ser possível fazer uma analogia entre o significado de povo no ideal da política

republicana e o significado de normal para os eleitos para a educação. A partir

dessa análise considero que a inversão de prioridades que existiu na educação de

surdos e que teve como decorrência um barateamento nos aspectos considerados

importantes no ensino escolar fez parte, a meu ver, desse movimento maior, citado

por Arroyo, que definiu a vinculação educação e cidadania. Daí, a educação de

surdos situar-se no âmbito da caridade, da filantropia, pois, se alguns indivíduos

não se encontravam entre os eleitos por uma fatalidade e não estavam “entre os

vagabundos que em todos os tempos querem mudanças e conflitos” (ARROYO,

1987, p. 43), caberia apenas fornecer-lhes assistência e cuidados. Posto isso, recorro

ao texto de Ozouf (1989, p. 718), sobre a Revolução Francesa, em que analisa a

Fraternidade na tríade das abstrações juntamente à liberdade e à igualdade: “Entre

a liberdade e a igualdade, por um lado, e a fraternidade, por outro, não existe a

equivalência de estatuto. As duas primeiras são direitos, e a terceira é uma obrigação

moral.” A educação comum esteve sempre associada ao direito da liberdade e da

igualdade, enquanto a dos surdos, à caridade que não é obtida através da luta mas

de apelo, pois é necessário ressaltar o infortúnio para adquirir a benevolência.

A ideia do surdo como um indivíduo com direito ao desenvolvimento pleno e como sujeito social e historicamente inserido só começa a aparecer no dis-curso educacional brasileiro nas três últimas décadas do século XX. Reabilitada como língua, a partir dos estudos de Stokoe e de outros estudiosos de várias áreas – como já mencionado – a língua de sinais retorna à educação e novos paradigmas que consideram a condição bilíngue e bicultural do surdo procu-ram estabelecer as bases de uma educação de surdos realmente emancipatória.

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(3.2) anotações linguísticasNesta seção estudaremos noções de morfologia da Libras, enfocando o subs-tantivo e o verbo.

Noções sobre morfologia da língua de sinais

Os sinais, assim como as palavras nas línguas orais, são classificados como substantivos, verbos, adjetivos etc. Neste tópico, estudaremos os substantivos e os verbos.

Substantivo

Os substantivos em Libras não apresentam flexão de gênero: não há desinência para marcar o gênero nos sinais. Isso acontece também com adjetivos, prono-mes e numerais.

Quando se quer marcar o gênero do substantivo, faz-se o sinal e acrescen-ta-se o sinal de HOMEM e MULHER.

Exemplos:

CUNHADA: sinal de cunhado + sinal de mulher ▪TIO: sinal de tio + sinal de homem. ▪

Quando o sinal que possui marca de gênero (masculino e feminino) é escrito em língua portuguesa (LP), usa-se o símbolo @ para dar a ideia de ausência, neutralidade, como foi visto no Sistema de transcrição para Libras já apresen-tado nesse livro (AMIG@, TI@, MENIN@, PRIM@). Isso também acontece com os adjetivos e os pronomes (ME@, TE@, TOD@).

Verbos

De acordo com Quadros e Karnopp9, os verbos em Libras estão divididos em três classes:

Verbos simples: são os verbos sem concordância. Eles não se flexio-a.

nam em pessoa e número. Exemplos: TRABALHAR, GOSTAR, AMAR, APRENDER, ESTUDAR, BRINCAR (veja TRABALHAR e BRINCAR no glossário do DVD).Verbos com concordância: são os verbos que se flexionam em pessoa e b.

número – têm movimentos. Exemplos: DAR, MOSTRAR, PERGUNTAR, AVISAR, ENTREGAR, RESPONDER etc. (veja DAR no glossário do DVD).

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Verbos espaciais: estes verbos têm ação e direção. Eles têm uma forma icô-c.

nica na maneira de realizar o sinal. Exemplos: IR, VIR, CHEGAR, LAVAR etc. (veja CHEGAR no glossário do DVD).

Especificidades de alguns verbos

Em Libras, alguns verbos possuem algumas especificidades. São elas:

Existem verbos que incorporam o objeto: não há necessidade de sinalizar ▪o verbo e o objeto para estruturar a oração, porque o complemento é incor-porado pelo sinal do verbo, complementado pelo movimento realizado ao produzir o sinal. Exemplos: COMER, BEBER etc. (veja BEBER-CAFÉ no glossário do DVD).Os verbos que representam fenômenos da natureza são impessoais (não ▪têm sujeito). Exemplos: CHOVER, NEVAR, TROVEJAR etc. (veja CHOVER no glossário do DVD).Alguns verbos incorporam a negação. Exemplos: NÃO-TER, NÃO-GOSTAR, ▪NÃO-SABER etc. (veja TER e NÃO-TER, GOSTAR e NÃO-GOSTAR e SABER e NÃO-SABER no glossário do DVD).

( . ) ponto finalA história da surdez e a história da educação de surdos estão diretamente liga-das, como pôde ser observado pela leitura dos dois últimos capítulos. Sendo assim, é quase impossível mencionar as lutas surdas sem mencionar a educa-ção de surdos e vice-versa. Para concluir, parece importante salientar também que a história da educação de surdos não se afasta da história da educação como um todo. Como aquela, e principalmente no Brasil, tem procurado cami-nhos que garantam uma aprendizagem mais eficaz e mais eficiente e, guar-dadas as peculiaridades próprias quando se trata de surdez, tem conseguido inegáveis avanços quer nos aspectos pedagógicos, quer nas questões de inclu-são social.

Indicações culturais

Os caminhos da educação de surdos ainda estão sendo construídos. Para conhe-cer mais a respeito da história da educação de surdos e sobre questões atuais no debate sobre essa educação, sugerimos as leituras a seguir:

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SOARES, M. A. L. A educação de surdos no Brasil. Campinas: Autores Associados, 1999.

FERNANDES, E. (Org.). Surdez e bilinguismo. Porto Alegre: Mediação, 2005.

atividadesExercite todos os sinais aprendidos. Não deixe de praticá-los, pois o exercício 1.

sistemático evita o esquecimento.Escolha cinco sinais, entre os exemplos dos capítulos, e faça a descrição da 2.

produção desses sinais.Sintetize os conteúdos das “Anotações contextuais” em forma de esquema, 3.

salientando os aspectos que você considera mais relevantes.Procure na internet textos sobre a trajetória educacional dos surdos no Brasil. 4.

Escolha aquele texto que você considerar mais interessante e escreva uma resenha.

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( 4 )

bases teóricas e filosóficas da educação de surdos

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( )

o caminho histórico da educação de surdos está imbricado, dialeticamente, com as concepções de homem e cidadania que se construíram ao longo do tempo. Tais concepções encontram-se traduzidas nas três grandes correntes teóricas que têm orientado a educação de surdos.

(4.1) anotações contextuaisAs bases teóricas e filosóficas da educação de surdos são lançadas por três gran-des correntes: o oralismo, a comunicação total e o bilinguismo. Delas nos ocu-paremos neste capítulo.

Maria Auxiliadora Baggio

Maria da Graça Casa Nova

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Oralismo

O Congresso de Milão, como já relatado nos capítulos anteriores, é o ponto de partida para a recomendação de adotar-se o oralismo como meio mais ade-quado ao ensino de surdos. Conforme Soares1,

Oralismo ou método oral é o processo pelo qual se pretende capacitar o surdo na

compreensão e na produção da linguagem oral e que parte do princípio de que o

indivíduo surdo, mesmo não possuindo o nível de audição para receber os sons da

fala, pode se constituir em interlocutor por meio da linguagem oral.

Essa concepção fundamenta-se na recuperação da pessoa surda, chamada de “deficiente auditivo”, e enfatiza a língua oral em termos terapêuticos. Há uma supervalorização do tipo e do grau de surdez constatados por meio de tes-tes audiométricos e, a partir desses testes, procura-se reeducar a criança surda utilizando a amplificação dos sons juntamente com técnicas específicas de ora-lização. Os adeptos do oralismo admitem a existência de resíduo auditivo em qualquer tipo de surdez, inclusive na surdez profunda. Para esclarecer, é neces-sário saber que, em termos médicos, as perdas auditivas podem ser classifica-das em: leves (20/40 dB HL), em que não há percepção de alguns fonemas e não se verificam perturbações significativas na linguagem; médias (40/70 dB HL), em que a linguagem falada só é percebida se emitida com forte intensidade (a partir da perda de 50 dB os fonemas do português não são mais percebidos); severas (70/90 dB HL), em que a voz não é percebida e a fala só pode ser desen-volvida com o auxílio de técnicas especializadas; e profundas (acima de 90 dB HL), que quando bilateral e precoce pode ter como consequência a impossibili-dade de desenvolver a fala.2

Aqui, a linguagem é ensinada por meio de atividades estruturais sistemáti-cas através de técnicas que são basicamente as seguintes:

O treinamento auditivo: estimulação auditiva para reconhecimento e discrimi-

nação de ruídos, sons ambientais e fala; desenvolvimento da fala: exercícios para

a mobilidade e tonicidade dos órgãos envolvidos na fonação (lábios, mandíbula, lín-

gua etc.); exercícios de respiração e relaxamento (chamados também de mecânica

da fala); leitura labial: treino para a identificação da palavra falada mediante deco-

dificação dos movimentos orais do emissor.3 (grifo nosso)

A proposta oralista baniu o uso de sinais na educação dos surdos e, uma vez que tinha como principal objetivo o desenvolvimento da fala, relegou os conteúdos escolares a um segundo plano. Nela, a educação assumia mais uma conotação clínica do que pedagógica.

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Nesse ponto, é importante salientar que pesquisas desenvolvidas em vários países quanto à questão da aquisição da língua oral dão conta de que apesar do investimento de anos de vida de uma criança surda na sua oralização, segundo Quadros4, “ela é somente capaz de captar cerca de 20% da mensagem através da leitura labial. Além disso, sua produção oral não é compreendida por pes-soas que não convivem com ela, o que em nada contribui para a inclusão social do surdo.” De acordo com grande parte dos teóricos e pesquisadores, o uso do método oral puro trouxe como consequência a deterioração das conquistas educacionais dos sujeitos surdos e do grau de instrução alcançado por eles.

Comunicação Total

A Comunicação Total surgiu na esteira do fracasso da concepção oralista, impulsionada, sobretudo, pela divulgação, a partir da década de 60 do século passado, de estudos sobre as línguas de sinais. O estudo de maior relevância, nessa época, foi o desenvolvido por Stokoe, conforme já comentamos. O linguista americano percebeu e comprovou que a língua de sinais atendia a todos os critérios linguísticos de uma língua genuína. Observou que os sinais não eram imagens, mas símbolos complexos, com uma estrutura interior completa. As obras Sign language structure (1960) e Dictionary of american sign languages (1965) foram um marco de transição nos estudos das línguas de sinais, uma vez que, a partir de então, a elas foi atribuído o estatuto de línguas naturais. Segundo Quadros e Karnopp5, esses estudos foram decisivos para a reintrodução dos sinais na educação de surdos.

A Comunicação Total é uma proposta flexível no uso de meios de comunica-ção oral e gestual. Consolida-se mais como filosofia do que como um método de educação. Fundamenta-se no respeito às diferenças, e em uma maneira pró-pria de entender o surdo como pessoa e não como portador de uma patologia de ordem médica. Enfatiza que as línguas de sinais e as línguas orais são lín-guas autênticas, equivalentes em níveis de qualidade e importância. Privilegia a comunicação e a interação e não apenas a língua (ou línguas). Defende a utili-zação de qualquer recurso linguístico, seja a língua de sinais, a linguagem oral ou os códigos manuais, bem como o uso de aparelhos de amplificação sonora, trabalho de desenvolvimento de pistas auditivas e leitura orofacial para facili-tar a comunicação com as pessoas surdas.

A partir dessa proposta surgem diferentes métodos e sistemas de comunica-ção com o objetivo de favorecer a aprendizagem da língua oral. Dorziat6 enumera alguns desses métodos: língua falada de sinais (codificada em sinais); língua falada sinalizada exata (variante do sistema anterior do qual se distingue pela

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reprodução exata da estrutura da língua oral); associação de códigos manuais para auxiliar na discriminação e articulação de sons (configuração de mão perto do rosto, dando apoio à emissão de cada fonema); e combinação diversa de sinais, fala, datilologia, gesto, pantomina.

No Brasil, firmou-se o bimodalismo, método que envolve a combinação das duas modalidades: sinais e fala. Essa metodologia substitui ou complementa os recursos utilizados por métodos exclusivamente orais. Utiliza-se de sinais extraídos da Libras, inseridos na estrutura da língua portuguesa. Segundo Dorziat7,

Como não existem na língua de sinais componentes da estrutura frasal do portu-

guês (preposição, conjunção etc.), são criados sinais para expressá-los. Além disso,

utilizam-se marcadores de tempo, de número e de gênero para descrever a língua

portuguesa através de sinais. A isto se chama de português sinalizado. Outra estra-

tégia utilizada pela Comunicação Total é o uso de sinais na ordem do português,

sem no entanto, usar marcadores, como no português sinalizado. O que existe em

ambos os casos é um ajuste da língua de sinais à estrutura da língua portuguesa.

A Comunicação Total, quando mantém moldes bimodalistas, é considerada inadequada por muitos teóricos. Para Quadros e Karnopp8, por exemplo, o bimodalismo acaba por desconsiderar a riqueza estrutural da língua de sinais, desestruturando também o português. Isso faz com que a intenção de reconhe-cimento das línguas de sinais seja eliminada tanto em termos de filosofia como de implementação, pois além de artificializar a comunicação, desconsidera as implicações sociais da surdez. Como a maneira pela qual as pessoas se comu-nicam é determinada pela comunidade onde estão inseridas, “os sinais ajusta-dos não têm a mesma funcionalidade para os surdos, equivalente à fala para os ouvintes.”9 Para seus críticos, a Comunicação Total serviu mais aos pais e pro-fessores ouvintes do que aos alunos surdos. Estes continuaram com defasagens tanto na leitura e na escrita como no conhecimento dos conteúdos escolares.

Bilinguismo

O bilinguismo surgiu como opção pedagógica para a educação de surdos, a partir da constatação de que a simples aceitação dos sinais na escola, ou de que a mescla de língua de sinais e língua oral, não são suficientes para afastar as defasagens educacionais dos alunos surdos. Leva-se também em considera-ção que a linguagem não tem somente uma função instrumental de comunica-ção (entendida aqui no seu sentido estrito: o de fazer transitar uma mensagem entre interlocutores), mas é fator primordial no desenvolvimento cognitivo e

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na criação de uma concepção de mundo. Ou seja, está ligada a aspectos psicos-socioculturais, que devem ser considerados nos processos de ensino-aprendi-zagem. Para Fernandez10: “Educar com bilinguismo é ‘cuidar’ para que através do acesso a duas línguas, se torne possível garantir que os processos naturais de desenvolvimento do indivíduo, nos quais a língua se mostre instrumento indispensável, sejam preservados.” (grifo nosso)

De maneira geral, como proposta educacional, o bilinguismo busca oportu-nizar o acesso a duas línguas pela criança, o mais cedo possível. No caso dos surdos brasileiros, à língua brasileira de sinais e à língua portuguesa. Nesse contexto, a língua de sinais é considerada a primeira língua (L1) e a língua por-tuguesa segunda língua (L2), ambas respeitadas em sua integridade. Quadros11 afirma que “os estudos têm apontado para essa proposta como sendo a mais adequada para o ensino de crianças surdas, tendo em vista que considera a lín-gua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto para o ensino da língua escrita”.

Além dos aspectos linguísticos, optar por uma proposta de educação bilíngue significa reconhecer que a educação está inserida no meio social e político de uma comunidade. Ou seja, que o surdo possui não só uma língua própria, mas que essa língua constitui uma cultura específica que se traduz de forma visual. O fazer pedagógico deve ser construído em um contexto não só bilíngue, mas também bicultural:

Uma proposta de educação com bilinguismo exige aceitarmos, em princípio, que o

surdo é portador de características culturais próprias. Aceitarmos essa realidade

sem preconceitos é o mesmo que aceitarmos que um baiano tem traços culturais

diferentes dos de um carioca e, este, diferentes de um catarinense, por exemplo, sem

deixarmos, todos de sermos brasileiros, ou, ainda, aceitarmos que japoneses, italia-

nos e alemães, por exemplo, compartilhem de traços culturais pela proximidade ou

necessidade social, como vemos no Brasil em relação os bairros ou colônias de imi-

grantes. Esta situação nos aproxima das características culturais da comunidade

de surdos. Não se trata de buscar semelhanças com a condição ou status de estran-

geiro ao surdo e ao ouvinte, mas percebermos o esforço de compreensão, participa-

ção e transformações das expressões culturais presentes nas duas comunidades.12

A educação bilíngue para surdos, portanto, passa pelo “reconhecimento político da surdez como diferença”13. Por se tratar de um bilinguismo sui generis, uma vez que não se lida somente com línguas diferentes, mas com línguas que se realizam em modalidades diferentes – uma é visoespacial e a outra, oral-auditiva – a proposta de educação bilíngue exige um compromisso sociopolítico-acadêmico que contemple a integridade e a diferença entre as

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modalidades das línguas envolvidas no processo; a formação de professores bilíngues; a formação de professores surdos e sua presença junto ao aluno surdo; a formação de intérpretes de língua de sinais e a formação de professores de língua portuguesa como segunda língua para surdos.

Para Quadros14, a educação bilíngue deve ser “linguística e culturalmente aditiva”. Isso significa uma integração que não vise apenas inserir o surdo na comunidade ouvinte. A proposta é uma integração de dupla via entendida como a possibilidade de estar o surdo bem integrado em sua comunidade e na comunidade ouvinte, bem como estarem os ouvintes, integrados do mesmo modo, nas duas comunidades. Entende-se que, somente dessa forma, pode-se alcançar a comunicação em todas as suas possibilidades, contemplando “todas as dimensões da linguagem humana: ampliando os conhecimentos, facilitando o desenvolvimento intelectual, entendendo tudo que se diz, expressando tudo que se queira, rapidamente e sem esforço.”15 A comunicação assim entendida e assim desenvolvida visa a uma convivência baseada em uma diversidade ativa, que busque a igualdade material a qual tem como fundamento o respeito e a atenção às diferenças. Igualdade material, aqui, deve ser entendida como aquela baseada no conceito filosófico-jurídico tomista de Justiça: tratar desi-

gualmente os desiguais. Hoje, sociológica e filosoficamente, esse princípio pode ser traduzido pelo que Perelman16 e Di Napoli17 conceituam como tolerância ativa e solidariedade nas diferenças, sempre com sentido bilateral.

(4.2) anotações linguísticasNesta seção estudaremos os adjetivos e o sistema pronominal da Libras.

Adjetivos

Os adjetivos em Libras também não possuem marca para gênero e para número, consequentemente, sempre estarão na forma neutra. Alguns adjetivos são icônicos, isto é, na realização do sinal é reproduzida pela mão a caracte-rística do referente a ser significado (retome o capítulo um e veja as diferen-ças entre arbitrariedade e iconicidade). Esse é o caso dos sinais dos adjetivos, por exemplo, LISTRAD@, ARRENDONDAD@, entre outros (veja LISTRADO e ARREDONDADO no glossário do DVD).

De maneira geral, nas frases, o adjetivo aparece posposto ao substantivo a que se refere, como no português.

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Exemplos: TE@ NAMORAD@ BONIT@ ▪

Teu namorado é bonito.EST@ MESA NOV@ ▪

Esta mesa é nova.CARRO NOV@ ME@ ▪

Carro novo é meu.

(Veja ALEGRE, TRISTE, ALTO, BAIXO, GORDO, MAGRO, BOM, MAU, CARO, DIFÍCIL, FÁCIL, CORAJOSO, MEDROSO, FELIZ, PREOCUPADO, CALMO, EDUCADO, DOIDO, FAMOSO, EGOÍSTA, CHATO, EXIBIDO e HUMILDE no glossário do DVD).

Sistema pronominal

Os pronomes pessoais, os pronomes possessivos, os pronomes interrogativos, os pronomes indefinidos e os pronomes demonstrativos fazem parte do sis-tema pronominal da Libras e serão o objeto de estudo deste tópico.

Pronomes pessoais

O sinal para as três primeiras pessoas do discurso no singular (EU, VOCÊ e EL@) é o mesmo: dedo indicador apontando. O que difere de uma pessoa para outra é a orientação da mão (Or).

Eu ▪ – apontar com o dedo indicador para o seu próprio peito – o emissor (pessoa que fala);Você ▪ – apontar com o dedo indicador para o receptor (pessoa com quem se fala);El@ ▪ – apontar para uma terceira pessoa que não está na conversa ou para um lugar que a represente (pessoa de quem se fala).

Quando se quer falar no dual (NÓS-2 ou VOCÊS-2), a configuração da mão é o numeral 2 (ou em V); no trial (NÓS-3, VOCÊS-3) é o numeral 3; quatrial é o quatro. Para o plural a usamos a configuração de mão em “d” fazendo um movimento semicircular à frente (ou lado) do sinalizador.

Vale salientar que todos os sinais de pronomes pessoais têm movimento.A seguir, apresentamos um quadro que permite visualizar com maior facili-

dade o que falamos até aqui sobre os pronomes pessoais.

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Quadro 1 – Pronomes pessoais

Singular Plural

1ª pessoa EU NÓS-2, NÓS-3, NÓS-4, NÓS-TOD@

2ª pessoa VOCÊ VOCÊ+-2, VOCÊ+-3, VOCÊ+-4, VOCÊ+-TOD@

3ª pessoa EL@EL@+-2, EL@+-3, EL@+-4, EL@+-GRUPO, EL@+-TOD@

Fonte: Adaptado de FELIPE, 2001.

Numa conversa entre duas pessoas na qual o emissor fala sobre uma ter-ceira que está presente, e que, por educação, não deseja que a pessoa perceba, ele não aponta. A estratégia usada é colocar a mão à altura do peito com o dorso voltado para o lugar onde esta pessoa se encontra e apontar com o indicador para a palma da mão. Outro recurso para chamar a atenção dos outros são as expressões não-manuais. Com movimentos dos olhos e da cabeça pode-se

“apontar” para a pessoa sem que ela perceba. (Veja os pronomes no singular EU, VOCÊ, El@ e os pronomes no plural: NÓS-2: dual, NÓS-3: trial, NÓS-4: quatrial, NÓS-TOD@; VOCÊ+-2: dual, VOCÊ+-3: trial, VOCÊ+-4: quatrial, VOCÊ+ -TOD@; El@+-2: dual, El@+-3: trial, El@+-4: quatrial, El@+-TOD@.

Pronomes Possessivos

Os pronomes possessivos também não apresentam marca de gênero. Estabelecem relação de posse e, como todos os pronomes, estão relacionados às pessoas do discurso. Por exemplo:

Primeira pessoa: ME@ AMIG@; ▪Segunda pessoa: TE@ NAMORAD@; ▪Terceira pessoa: SE@ TI@. ▪

Na 1ª pessoa pode haver duas variações, ou seja, para expressar ME@ pode haver dois sinais:

Configuração de mão aberta, com os dedos juntos, batendo uma vez no 1.

peito do emissor;Configuração de mão em “p” com o dedo médio batendo uma vez no 2.

peito num movimento semicircular (MEU PRÓPRIO) – sinal de “pra mim”, “egoísta”.

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Já na 2ª e 3ª pessoa (TE@; SE@), o sinal é constituído a partir da configuração de mão em “p” com movimento em direção à pessoa com quem ou de quem se fala. Se a pessoa não estiver no campo visual, apontamos para um espaço neutro que sig-nifica a pessoa de quem se está falando e que anteriormente já havia sido citada.

Para os pronomes possessivos no dual, trial, quatrial e plural não há um sinal próprio. São utilizados os pronomes pessoais correspondentes.

Pronomes interrogativos

Os pronomes interrogativos que e quem são, geralmente, usados no começo da frase, mas o quem, no sentido de “quem é” ou “de quem é” é mais usado no final da frase. Dependendo do contexto, o pronome “quem” pode apresentar duas formas: o sinal QUEM realizado com a configuração de mão, mantendo o dedo indicador em contato com o polegar em formato oval e os outros dedos fecha-dos, executando um movimento repetitivo para frente e para trás; ou o sinal soletrado Q-U-M.

O pronome interrogativo qual tem uma tendência para ocorrer no final da frase, mas também pode ocorrer no início dela. Todas as sentenças com pro-nomes interrogativos devem ser acompanhadas de expressões faciais inter-rogativas realizadas simultaneamente com os sinais. As expressões faciais interrogativas são semelhantes às feitas por ouvintes quando estão indagando alguma coisa (veja QUEM e QUAL no glossário do DVD).

Pronomes indefinidos

Há diferentes formas para representar o mesmo pronome indefinido. Faz-se neces-sário observar o contexto em que ele está sendo usado. O sinal apresentado para o pronome ninguém (sinal igual a ACABAR) só é usado para pessoa; já o sinal NINGUÉM/NADA (configuração de mão com o dedo polegar e indicador com o formato oval e os outros dedos estendidos, mão realizando um movimento balan-çando) é usado tanto para pessoa, animal ou coisa e pode, dependendo do contexto, significar “não ter”; já o sinal “nenhum” (configuração de mão abertas esfregando uma na outra) é usada também para pessoa, animal ou coisa (veja NINGUÉM = ACABAR, NINGUÉM = NADA e NENHUM no glossário do DVD).

Pronomes demonstrativos

Os pronomes demonstrativos também não possuem marcas de gênero. Como em português, eles estão relacionados às pessoas do discurso e representam proximidade ou distanciamento com relação à posição do emissor.

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Os pronomes demonstrativos têm a mesma configuração de mãos dos pro-nomes pessoais – de apontação –, mas diferem destes quanto à locação e orien-tação do olhar (veja EST@, ESS@ e AQUEL@ no glossário do DVD).

EST@ (apontamento para o objeto perto da 1ª pessoa); ▪ESS@ (apontamento para o objeto perto da 2ª pessoa); ▪AQUEL@ (apontamento para o objeto num ponto distante). ▪

( . ) ponto finalComo fecho do capítulo é interessante anotar que, quanto às propostas teóricas para a educação de surdos, o oralismo e a Comunicação Total convivem ainda hoje nas instituições de ensino, com a prevalência da Comunicação Total. O bilinguismo é uma proposta em construção ainda não totalmente implemen-tada mesmo naquelas escolas de surdos que se denominam bilíngues.

Indicação cultural

Para saber mais sobre educação bilíngue, recomendamos:

SKLIAR, C. (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 1999. v. 2.

atividadesTrace um paralelo entre as três propostas metodológicas para a educação de 1.

surdos apresentadas no capítulo.A partir do que foi estudado nas “Anotações contextuais”, escreva um 2.

pequeno texto comentando a afirmação: “a linguagem não tem somente uma função instrumental de comunicação, mas é fator primordial no desenvolvi-mento cognitivo e na criação de uma concepção de mundo.”Revise todo o repertório de sinais que você adquiriu até aqui. Para isso, exer-3.

cite-se em frente a um espelho.Você já tem uma boa bagagem linguística em Libras e já conhece muitos 4.

nomes e verbos. Então, construa pelo menos três frases usando as conven-ções do Sistema de Transcrição e sinalize para um colega.

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( 5 )

surdo: identidade e cultura

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para o senso comum, o termo identidade refere-se às carac-terísticas próprias de uma determinada pessoa, características essas que a torna um indivíduo único entre os seus semelhantes. Já o termo cultura, de maneira geral, é entendido como o conjunto de manifestações artísticas, reli-giosas e comportamentais de um determinado povo. Esses termos, no entanto, assumem acepções diferentes quando ligados a um referencial teórico especí-fico. Isso significa que a formação do conceito de identidade na psicologia, por exemplo, atende a critérios diferentes daqueles usados nos estudos culturais. Da mesma forma, conceituar cultura em termos filosóficos vai acarretar uma definição diferente daquela oriunda de uma conceituação sociológica. Os ter-mos identidade e cultura não têm, portanto, uma definição única. Além disso, são termos política e ideologicamente marcados, no sentido de que sua definição

Maria Auxiliadora Baggio

Maria da Graça Casa Nova

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pode emergir das relações de poder entre o indivíduo e um grupo, entre gru-pos diferentes, ou entre grupos e a sociedade.

(5.1) anotações contextuaisNesta seção, ocuparemo-nos em relatar de forma breve os principais pressu-postos teóricos que embasam os conceitos de identidade surda e de cultura surda.

Construindo identidade(s)

As preocupações a respeito do conceito de identidade remontam à Antiguidade Grega. Na visão aristotélica, ela era entendida como unidade. Ou seja, a identi-dade seria a essência do que era único. Do ponto de vista psíquico, a identidade está ligada a um conjunto de representações que o indivíduo tem de si mesmo e que o faz diferente dos demais. Esse conjunto de representações contempla a personalidade, a história de vida de cada pessoa, as atividades desenvolvi-das por ela e tudo o que possa estabelecer a separação entre o “eu” e o “outro”, de maneira que cada um seja único. Portanto, nesse sentido, aproximasse da noção de unidade aristotélica.

No entanto, a identidade não é algo dado, pronto. A identidade é uma cons-trução que se desenvolve na dinâmica da relação com o outro. É na alteridade que se constrói a identidade, uma vez que é a relação com o outro que estabe-lece os critérios de semelhança e diferença que permitem a cada um encontrar o seu lugar no mundo e o seu modo de ser nesse mundo. Nesse sentido:

A identidade é a síntese pessoal sobre o si-mesmo, incluindo dados pessoais (cor,

sexo, idade), biografia (trajetória pessoal) atributo que os outros lhe conferem, per-

mitindo uma representação a respeito de si. Este conceito supera a compreensão do

homem enquanto conjunto de papéis, de valores, de habilidades, atitudes etc., pois

compreende todos estes aspectos integrados – o homem como totalidade – e busca

captar a singularidade do indivíduo, produzida no confronto com o outro.1

Para a psicologia social, a identidade emerge dos diferentes papéis que cada um assume no convívio social. Ao escolher uma profissão, uma religião, um comportamento, o indivíduo toma uma posição perante os demais. Aqui não se trata mais de modo de ser, mas de modos de ser como se cada qual não possuísse uma identidade única. A maneira como a psicologia social concebe a identidade aproximasse da noção de identidade observada nos

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estudos culturais. O que diferencia uma abordagem da outra é que, mesmo tratando-se de aspectos psicossociais, na psicologia a perspectiva de análise é a da identidade pessoal, enquanto que nos estudos culturais cuida-se das identidades coletivas, culturalmente formadas.

Oliveira2 define identidade cultural como “um sistema de representação das relações entre indivíduos e grupos, que envolve o compartilhamento de patri-mônios comuns como a língua, a religião, as artes, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros.” A formação da identidade ou das identidades culturais ocorre, pois, na relação entre o sujeito – ou os sujeitos – e o grupo, estabelecen-do-se a partir de um sentimento de pertença.

A identidade cultural, quando assume caráter essencialista, agrega sujeitos que congregam uma mesma identificação, concebendo uma cultura compar-tilhada em um quadro de referências fixas3. Nesse sentido, ela desempenha um papel unificador e de resistência e está ligado ao surgimento de movimen-tos sociais ou de expressões diversas (gênero, raça, étnicas, por exemplo) que necessitam dessas referências como condição de existência. Já por uma pers-pectiva construtivista, a identidade cultural encontra nas diferenças a categoria central de sua constituição. Aqui, o sentido de diferença não está completo, não se encerra em posições fixas, mas permite que a formação da identidade cul-tural esteja aberta para outros sentidos adicionais e complementares. Segundo Rosa4, a identidade cultural deve ser entendida como um posicionamento e não como uma essência, porque

Esta compreensão das identidades culturais como um posicionamento é então um

caminho que não encerra o conceito em uma concepção, não estabelece binarismos,

mas compreende uma relação entre o essencialismo necessário à sobrevivência das

comunidades imaginadas e o construtivismo que compreende a identidade cultural

através da diferença e em uma relação dialógica e não definitiva.5

Nesse sentido, é importante salientar que uma concepção essencialista de identidade cultural – que a princípio serve para definir os grupos – pode adqui-rir, se levada a posições extremas, um caráter sectário que mais do que fazer avançar as lutas favorece a criação de imagens estereotipadas desse grupo, o que acarreta a discriminação e o preconceito.

Identidade surda

As discussões a respeito da construção de uma identidade surda surgem a partir do reconhecimento da língua de sinais como língua natural. Até então, as representações sobre a surdez e o surdo eram marcadas pelo discurso da

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deficiência. O sujeito surdo era identificado pela falta, pela incapacidade e refe-rido como surdo-mudo ou/e deficiente auditivo. A identidade do surdo, aqui, era atribuída socialmente mais pela inexistência da falaa do que pelo deficit de audição.

A partir dos anos 1960, muitos autores passam a definir os surdos como um grupo linguístico e culturalmente minoritário. Segundo Behares6, nesse sen-tido, o símbolo de inserção das pessoas surdas em uma comunidade própria é o uso da língua de sinais e “por trás desse símbolo, há um conjunto muito com-plexo de sentimentos, crenças e traços culturais que permitem a coesão grupal e a elaboração de objetivos alternativos de vida.” Dessa forma, o deficit de audi-ção deixa de se constituir em referência que permite aos surdos se agruparem e constituirem uma comunidade.

o grau de perda auditiva não é, de fato, em nenhuma comunidade de surdos conhe-

cida, um fator determinante de inclusão ou exclusão do grupo. Essas comunidades

se constituem com indivíduos que possuem os mais variados graus de perda audi-

tiva, desde surdos profundos até hipoacústicos levíssimos, podendo incluir, além

do mais, alguns indivíduos ouvintes. Os indivíduos ouvintes que integram a comu-

nidade de surdos participam dos definidores socioculturais da surdez, enquanto que

muitos surdos alheios à comunidade não os possuem.7 (grifo nosso)

A visão sociocultural de surdez desloca a discussão do discurso sobre a defi-ciência para o reconhecimento da surdez como diferença. Em seu nascedouro, essas concepções de surdez apóiam-se em um caráter marcadamente essen-cialista de definição de identidade surda, no qual o uso da língua de sinais é a referência fixa para a construção de uma identidade surda unificadora. Contemporaneamente, a construção da identidade surda insere-se nas discus-sões mais amplas sobre identidade ou identidades. Considera-se, portanto, um contexto multicultural em um mundo globalizado onde a diferença é revestida de um caráter construtivista desligado de referências fixas e aberta a signifi-cações complementares. Segundo Sá8, “Não é saudável alegar uma identidade, cultura ou perspectiva surda (ou Surda) unificadora, pois os surdos também se enquadram nas categorias de raça, gênero, classe, nacionalidade, condição física e em outras fontes de ‘diferença’”. Nesse sentido, complementa Skliar9,

“O ser surdo” não supõe a existência de uma identidade surda única e essencial a

ser revelada a partir de alguns traços comuns e universais. As representações sobre

a. Interessante anotar que ainda hoje pessoas referem-se ao surdo com o termo pejorativo “mudinho”.

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as identidades mudam com o passar do tempo, nos diferentes grupos culturais, no

espaço geográfico, nos momentos históricos, nos sujeitos. Neste sentido é necessário

ver a comunidade surda de uma forma ostensivamente plural. O sujeito contempo-

râneo não possui uma identidade fixa, estática, centrada, essencial ou permanente.

A identidade é móvel, descentrada, dinâmica, formada e transformada continua-

mente em relação às formas através das quais é representada nos diferentes siste-

mas culturais.

Assim entendida, a construção da identidade surda, ou das identidades sur-das, não tem como referencial único e fixo o uso da língua de sinais. Essa cons-trução ocorre no encontro do sujeito com o grupo, ou com os grupos nos quais a experiência visual da surdez, como um dos atributos constitutivos da dife-rença, possa envolver todo o tipo de “significações, representações e/ou produ-ções, seja no campo intelectual, linguístico, ético, estético, cognitivo, cultural etc.”10, como nos explica o mesmo autor.

Cultura Surda

Cultura é um termo de múltiplas acepções ligadas às diferentes áreas do conhe-cimento que se ocupam em conceituá-la. De maneira geral, no entanto, pode ser considerada como o conjunto de crenças básicas e formas de experiência em costumes, normas e características de comportamento de um povo, ou de um determinado grupo. Segundo Walzer11, as culturas prescrevem instituições e padrões de comportamento para guiar os seres humanos pelos caminhos con-siderados corretos dentro de uma determinada sociedade.

A cultura surda se constrói e se define em um contexto de pluralismo que se distância de uma maneira única e hegemônica de conceber cultura, estabele-cendo na diversidade a sua base conceitual. Filiando-se ao projeto dos estudos culturais, Strobel12 afirma que

a cultura é uma ferramenta de transformação, de percepção a forma de ver dife-

rente, não mais de homogeneidade, mas de vida social constitutiva de jeitos de ser,

de fazer, de compreender e de explicar. Essa nova marca cultural transporta para

uma sensação a cultura grupal, ou seja, como ela diferencia os grupos, no que faz

emergir a “diferença”.

O patrimônio cultural das comunidades surdas se traduz em uma experiência visual e se constitui de expressões linguísticas (a língua de sinais, ou a lingua-gem gestual caseira de surdos que não tem acesso à língua); éticas (o entendi-mento político da surdez como diferença, a luta pelo reconhecimento oficial da

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língua de sinais, as identidades surdas como posicionamento e modo de ser no mundo, por exemplo); estéticas (teatro surdo, literatura surda, arte visual produ-zida pelos surdos) e materiais (o telefone de surdos [TDD – Telephone Device for the Deaf ], os instrumentos luminosos, tais como as campainhas nas escolas de sur-dos, despertadores com vibração, entre outros). Ou seja, a cultura surda traduz e é traduzida pelas representações e produções através das quais o sujeito surdo se vê, vê, entende e transforma o mundo. Nesse sentido, para concluir essa seção sobre a cultura surda, utilizamos as palavras de Strobel13:

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de

se torná-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais, que

contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunida-

des surdas. Isto significa que abrange a língua, as ideias, as crenças, os costumes e

os hábitos de povo surdo.

(5.2) anotações linguísticasNesta seção debruçaremo-nos sobre o estudo dos advérbios.

Advérbios

Em Libras, como em português, não há marca de gênero e número para o advér-bio. O advérbio exerce a função de caracterizar o processo verbal, explicitando as circunstâncias em que esse processo acontece. Podem se referir também a um adjetivo ou a outro advérbio.

Advérbios de tempo

Alguns advérbios marcam, nas frases, em que tempo está ocorrendo a ação: se no presente (hoje, agora), se no passado (ontem, anteontem) ou no futuro (amanhã). Dessa forma, os verbos – quando transcritos para o português – apresentam-se não flexionados (infinitivo).

Exemplos:

HOJE (EU) VIAJAR SÃO PAULO. ▪ANTEONTEM MAMÃE COMPRAR CARRO. ▪AMANHÃ (EU) IR CASA ANA. ▪

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Os advérbios, geralmente, aparecem no início da frase, mas podem tam-bém aparecer no final. Caso não haja na frase o advérbio para marcar o tempo, pode-se usar os sinais HOJE, PASSADO ou FUTURO.

Outros advérbios são:

N-U-N-C-A ou N-U-N sinal soletrado (veja no glossário do DVD); ▪SEMPRE (no sentido de continuar): configuração de mão em V(2) com des- ▪locamento para frente. O sinal para MESMO possui configuração de mão igual, só que não há deslocamento da mão (veja no glossário do DVD).

Advérbios de lugar

Os sinais para os advérbios de lugar AQUI, AÍ, e LÁ são idênticos aos sinais dos pronomes demonstrativos EST@, ESS@ e AQUEL@, respectivamente (rever os pronomes demonstrativos).

Advérbios de modo

A maioria desses advérbios pode ser representados através de expressões não-manuais, ou através de uma pequena mudança no movimento do sinal, dando ideia de “muito”, “pouco”, “depressa”, “calmamente”, “alegre”, “muito alegre” etc. (veja BONIT@ e BONIT@ MUITO no glossário do DVD).

( . ) ponto finalNeste capítulo aprendemos sobre a identidade e a cultura surda, e nas

“Anotações linguísticas” aprendemos a aplicação dos advérbios de tempo, lugar e modo em Libras. Para finalizar, é importante ressaltar que a temática desen-volvida na seção “Anotações contextuais” deste capítulo costuma gerar polê-mica entre os teóricos da área.

Indicações culturais

Para saber mais sobre o assunto, recomendamos as leituras a seguir:

BAUMAN, Z. Vida líquida. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2007.

STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.

BEHARES, L. E. Línguas e identificações: as crianças surdas entre o “sim” e o “não”. In: SKLIAR, C. (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 1999. v. 2. p. 131-147.

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atividadesPesquise na internet pelo menos dois textos que desenvolvam os temas iden-1.

tidade e cultura surda. Após a leitura desses textos e o seu confronto com o estudado no capítulo, produza um texto sintético a partir do seguinte tema: a importância do grupo cultural na formação da identidade surda.Relacione o trecho a seguir com o conteúdo teórico do capítulo e depois 2.

escreva um pequeno comentário.

As identidades, que eram definitivas, tornaram-se temporárias. A diversi-dade cultural que o mundo apresenta hoje, as múltiplas e flutuantes identidades em processo contínuo de construção, a defesa do fragmentário, das parcialidades e das diferenças, trouxeram, como corolário, uma vola- tilidade das identidades que se inscrevem em uma outra lógica: da lógica da identidade para a lógica da identificação. Da estabilidade e segurança garantidas pelas identidades rígidas, à impermanência, mutabilidade e fluidez da identificação.

Fonte: OLIVEIRA, 2009.

Sinalize para outra pessoa algumas frases que contenham advérbios.3.

Treine os sinais apresentados no repertório do capítulo.4.

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( 6 )

diversidade: convívio com as/nas diferenças(?)

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( )

as discussões sobre diversidade e diferença são recorrentes tanto no campo de implementação de políticas públicas referentes à inclusão, à igualdade de oportunidades e à acessibilidade, como no discurso teórico dos mais variados campos do conhecimento. O uso dos dois termos como sinônimos, na construção desses discursos, leva frequentemente a dis-torções que tornam ainda mais complexa uma discussão que por si só não tem se apresentado fácil.

Maria Auxiliadora Baggio

Maria da Graça Casa Nova

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(6.1) anotações contextuaisNesta seção, procuraremos entender as distinções presentes na significação de diferença e diversidade e expor, de maneira breve, o que alguns autores enten-dem por conviver na diversidade.

Diversidade e diferença: significando os termos

O termo diversidade abriga uma variedade de conceitos que se estendem pelos mais diversos campos do conhecimento. Sob esse aspecto, e como exemplo, pode-se colocar que: na área da biologia diz respeito à biodiversidade; na área do pensamento humano à diversidade filosófica; na psicologia liga-se à ideia de heterogeneidade; na área da antropologia cultural remete à alteridade e à mul-tipicidade de costumes, de comportamentos e de crenças; e na área das relações internacionais, a manifestação da diversidade está imbricada na concepção de multiculturalismo. Segundo Serfert1:

O conceito de diversidade cultural, no contexto atual, possui duas linhas inse-

paráveis, que é motivo de discussão global, pois estão refletidas nos documentos

internacionais. A primeira refere-se ao contexto da diversidade dentro de uma

sociedade específica, em que seus indivíduos possuem características culturais

heterogêneas que, em conjunto, constroem uma identidade nacional, cuja preocu-

pação é a manutenção dos seus direitos, da democracia cultural, da busca da igual-

dade das minorias. A segunda está inserida no contexto mundial das trocas de bens

e serviços culturais e busca um intercâmbio equilibrado entre os países. Ambas pre-

cisam ser garantidas, pois sem a manutenção da identidade cultural de um povo,

feita através de suas políticas públicas, suas expressões culturais não conseguirão

ser produzidas, o que empobreceria o diverso mundo das trocas, das experiências,

dos locais, dos indivíduos.

Independentemente do campo de conhecimento que se ocupe com ques-tões relativas à diversidade, o que há em comum nas várias acepções do termo são as ideias de pluralidade, de variedade, de multiplicidade. Já o conceito de diferença está relacionado a questões de identidade. Do ponto de vista pessoal, pode remeter ao significado de individualidade, à ideia de ser único, ser origi-nal. No dizer de Bauman2, “Pergunte a quem quiser o que significa ser um indi-víduo, e a resposta, venha ela de um filósofo ou de uma pessoa que nunca se preocupou em saber ou nunca ouviu falar do que os filósofos vivem, será seme-lhante: ser um indivíduo significa ser diferente de todos os outros.”

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Assim entendido, o conceito de diferença pode parecer constituir-se em oposição ao conceito de igualdade, de semelhança. No entanto, em se tratando de reconhecer as diferenças como construções históricas, sociais e políticas, pode-se “afirmar que diferença não é o contrário de igualdade. O oposto da tão almejada igualdade é a desigualdade. [...] As diferenças são sempre diferenças, não devendo ser entendidas como um estado não desejável, impróprio, de algo que cedo ou tarde voltará à normalidade.”3

As diferenças na diversidade

O discurso da diversidade tem realizado esforços no sentido de criar uma cul-tura de aceitação do outro com frequentes apelos à tolerância, em uma perspec-tiva multicultural. Nesse contexto, as diferenças e a diversidade apresentam-se como um fato para a sociedade. Fato de que o corpo social toma consciência e em virtude do qual procura criar mecanismos adaptativos que favoreçam a inclusão. “Adaptar-se, neste sentido, significa limitar os danos sobre si e sobre os outros”4. Assim posta, a diversidade pode se revestir, segundo alguns auto-res, como uma nova maneira de normalizar os diferentes. Klein5 afirma que

“Diversidade remete a uma norma ’transparente’ construída na sociedade hos-pedeira, a partir da qual todos devem se mirar. A diversidade parte do reconhe-cimento, da aceitação, da tolerância para com o outro. Ou seja, alguém hospeda tolerantemente o outro em seu espaço.”

Para Jian6, a mera tolerância com o outro pode constituir-se em uma atitude passiva, o que não é suficiente para o reconhecimento político da diferença. Mais do que a tolerância, é necessário o diálogo e a intencionalidade das ações para transpor a barreira do multiculturalismo e criar um espaço intercultural. De acordo com Di Napoli7, “a tolerância deve ser empregada em um sentido positivo ativo, isto é, não como resignação pela existência de outros pontos de vista, mas como reconhecimento de sua legitimidade e com boa vontade de entendê-los em suas razões.”

Enfim, o trâmite entre a aceitação e a compreensão de diferenças – sejam pessoais, sejam culturais – exige uma postura de empatia, o ato de colocar-se no lugar do outro. A empatia completa a compreensão, levando o diálogo inter-cultural a um nível mais profundo: o reconhecimento. O reconhecimento tem base no respeito e na reciprocidade, relação em que cada um identifica no outro um fim, um ser com fim próprio. A relação intercultural, assim concebida, não é uma tática de persuasão, nem de conversão. É uma diversidade que propõe elementos de reflexão que permitem ao outro, ou a um e ao outro, evoluir por si mesmo, no seu próprio modo de ver e compreender as coisas.

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(6.2) anotações linguísticasEsta seção se ocupará agora do estudo dos numerais.

Numerais

Assim como na língua portuguesa, na Libras também existem formas diferen-tes para apresentar cada tipo de numeral. Não se pode utilizar a mesma confi-guração de mão para a quantidade, para o numeral cardinal e para o ordinal. É necessária a observação do contexto em que o numeral aparece: se indica ordem, quantidade, medida, idade, horas, valor monetário etc.

Numerais cardinais

Há formas diferentes para sinalizar quantidades e cardinais até o numeral 10. A partir do 11, as formas são idênticas, ou seja, basta juntar os sinais dos cardi-nais que formam o outro número.

Numerais ordinais

Os numerais ordinais do primeiro (1º) até o nono (9º) têm as mesmas formas dos cardinais, mas com uma diferença: os ordinais possuem movimentos, os outros não. Os ordinais do primeiro (1º) ao quarto (4º) têm movimentos para cima e para baixo, enquanto os do quinto (5º) ao nono (9º) movimentam-se para os lados. A partir do dez, cardinais e ordinais são realizados de forma idêntica.

Valores monetários

Na utilização dos numerais para valores monetários de um até nove reais, usa-se o sinal do numeral correspondente ao valor e, logo depois, o sinal sole-trado R-L (real) ou R-S (reais). Há, ainda, quem sinaliza o R executando um movimento de um lado para o outro, para representar real ou reais indistinta-mente. No caso de centavos, após o numeral e o sinal de REAL, incorpora-se o sinal da vírgula mais o numeral correspondente aos centavos e a configuração de mão em “C” com movimento para os lados.

Para valores que envolvam a quantia mil, incorpora-se o sinal VÍRGULA ou PONTO. Há também quem faça o numeral e soletre M-I-L (veja valores em reais no glossário do DVD).

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Figura 3 – Sinais de quantidades (de 1 a 10)

Figura 4 – Sinais dos números cardinais (11, 15, 20, 30, 100 e 1000)

1 seguido de 0,com a mesma mão.

Vista frontal Vista lateral

1

5

9 10

6 7 8

2 3 4

Inicialmente o dedo indicador aponta para cima, e com um

movimento semi-circular da mão, a mão acaba rotacionada 180 graus.

O movimento do braço e pulsoé mínimo.

1 seguido de dois zeros,com a mesma mão

1 seguido de 1,com a mesma mão.

1 seguido de 5,com a mesma mão.

2 seguido de 0,com a mesma mão.

3 seguido de 0,com a mesma mão.

11 15 20

30 100

1000

Ilu

str

açõ

es: R

ena

n It

suo

Mo

riy

a

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Figura 5 – Sinais dos números ordinais do 1º ao 10º

1o 3o2o

5o

8o 9o7o

4o

10o

6o

A partir do décimo, os números são representados da mesma formaque os cardinais.

Vista Frontal Vista Lateral

Ilu

str

açã

o: R

ena

n It

suo

Mo

riy

a

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Que horas são?

Quando se deseja sinalizar QUANT@ HORA, no sentido de quanto tempo alguma coisa vai durar, usa-se a mesma configuração de mãos dos numerais para quantidade e, com o dedo indicador, desenha-se um círculo em volta de todo o rosto no sentido horário. Usa-se, concomitantemente, a expressão facial para marcar a interrogação. Caso se queira saber as horas (tempo cronológico), aponta-se para o pulso, também usando expressão facial interrogativa.

Após as 12 horas, recomeça-se a contagem de 1 hora da tarde (sinaliza-se 1 hora mais o sinal TARDE) (veja como se pergunta as horas em Libras obser-vando no glossário do DVD).

( . ) ponto finalPara concluir, pode-se afirmar que conviver na diversidade, reconhecendo e respeitando as diferenças, é um desafio contínuo em um mundo globalizado. Vencer esse desafio passa pelo diálogo intercultural que só é possível quando conhecemos o outro, reconhecendo nele a essência humana que nos torna iguais. Essa é a diversidade ativa que se busca quando se propõe uma cultura de paz.

Indicações culturais

As relações entre diversidade e diferença são um campo amplo no qual as posi-ções teóricas, ideológicas e políticas travam um embate contínuo. Para aprofun-dar os conhecimentos sobre o assunto, sugerimos a leitura dos textos a seguir.

DI NAPOLI, R. B. Ética e compreensão do outro. Porto Alegre: Edipucrs, 2000.

VIEIRA, L. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 2000.

atividadesSintetize o conteúdo das Anotações contextuais do capítulo, salientando os 1.

aspectos mais relevantes dentro do tema.

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Comente a citação a seguir, levando em consideração as relações surdo/ouvinte:2.

quando os dois lados construíram confiança suficiente para olharem-se frente a frente, com respeito recíproco, o encontro torna-se possível. E somente assim, um diálogo produtivo pode acontecer. Através do diálogo, nós podemos apreciar o valor de aprender com o outro em um espírito de referência mútua. Podemos, até mesmo, celebrar as diferenças entre nós como uma razão para expandir nossos respectivos horizontes.[a]

Fonte: JIAN, 2001, p. 65.

Descreva por escrito a formação dos sinais a seguir:3.

5a.

12b.

23c.

109d.

1320e.

Sinalize para um colega ou para alguém da sua família os sinais que você 4.

descreveu.

a. Tradução livre das autoras.

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( 7 )

inclusão

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( )

o debate sobre a inclusão surge na sociedade contem-porânea a partir de experiências complexas oportunizadas em um mundo globalizado, no qual as múltiplas incursões do sujeito em uma sociedade de múltiplas facetas fazem com que esse sujeito possa ser incluído por algumas condições e excluído por outras. Esse debate invade os espaços públicos e priva-dos, envolvendo questões econômicas, sociais, psicossociais, étnicas, de gênero e ainda aquelas referentes ao que se convencionou chamar de portadores de necessidades especiais.

Maria Auxiliadora Baggio

Maria da Graça Casa Nova

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(7.1) anotações contextuaisO foco desta seção neste capítulo é a inclusão no que diz respeito à pessoa surda. Para tanto, examinaremos o binômio inclusão/exclusão do surdo no con-texto social e a proposta de educação inclusiva.

Incluir quem? Incluir onde?

O uso da palavra inclusão remete a dois pontos fundamentais: se existe a neces-sidade de incluir, é porque algo ou alguém se encontra fora. Se algo ou alguém se encontra fora, existe um espaço que deve ser ocupado e que é regulado por critérios que estabelecem os atributos necessários para se estar incluído ou excluído nesse espaço. Nesse sentido, Klein nos esclarece:

Inclusão/exclusão, um binômio que facilmente remete à ideia de um espaço, de um

lugar onde se pode estar dentro ou fora; estar de um lado ou de outro de uma suposta

fronteira. Estabelecer os limites dessa fronteira é algo bastante complicado. As fron-

teiras da exclusão aparecem, desaparecem e voltam a aparecer, multiplicam-se, disfar-

çam-se; seus limites ampliam-se, mudam de cor, de corpo, de nome e de linguagem.1

O espaço de inclusão/exclusão modernamente, ou pós-modernamente, é o corpo social constituído pela globalização. Nesse espaço, caracterizado pela competitividade e marcado pela individualidade, as relações entre inclusão e exclusão não são mais entendidas como um processo relacional, cultural ou social. Tais relações passam a ser de responsabilidade do indivíduo a quem caberá a incumbência de desenvolver os atributos necessários para que possa estudar, trabalhar ou exercer os direitos de cidadania. A noção de empregabi-lidade, construída pelas novas lógicas nas relações de trabalho, espelha bem a responsabilização atribuída ao indivíduo pela sua inclusão ou exclusão no espaço social chamado mercado de trabalho. Ainda segundo Klein2, “Esse con-ceito desloca a responsabilidade do desemprego da estrutura social e econô-mica e coloca-a sobre aquele que procura/necessita de emprego”.

Nesse contexto, os movimentos surdos, a comunidade surda e as pessoas surdas têm desenvolvido ações com a finalidade de implementar uma inclusão social dos surdos que entenda e respeite a surdez e o estar sendo surdo a partir do reconhecimento político da diferença. Como exemplos dessas ações se des-tacam: a luta pela criação de leis e o seu cumprimento, o estabelecimento de convênios que garantam vagas de trabalho para surdos e a exigência de intér-pretes nos espaços de escolarização, entre outras.

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Da educação especial à educação inclusiva

Os estudos e pesquisas de Jean Itard (1774 -1838), na França, estabeleceram as bases da educação especial. As primeiras experiências desse modelo educa-cional apresentavam um caráter marcadamente emendativo e assistencialista, cuja preocupação maior era curar ou diminuir as deficiências, aproximando-as o mais possível do padrão de normalidade estabelecido. Além disso, procura-va-se habilitar os deficientes profissionalmente (dando preferência a atividades

“manuais”) com o objetivo de torná-los úteis para a sociedade.O ensino nos moldes da educação especial é desenvolvido em instituições

especializadas (escola de cegos, escola de surdos, escola de deficientes mentais), sempre fora do espaço da escola regular, e ministrado por especialistas. Nessas escolas, a princípio, as propostas pedagógicas eram marcadas mais por parâmetros médico-clínicos do que por parâmetros propriamente educacionais. De acordo com Lunardi3, “é possível perceber a inscrição histórica do discurso da educação especial nas práticas normalizadoras que reivindicavam e constituíam formas regulares de curar e reabilitar, situadas em uma rede de relações que fazia operar os mecanismos de normalização e disciplinamento.”

As discussões sobre o caráter excludente do ensino especial, nos moldes em que se apresentava, começaram a aparecer a partir dos anos 70 do século XX. As primeiras experiências de inclusão de alunos com necessidades educacio-nais especiais em classes regulares, nos Estados Unidos, datam dessa época. Segundo Rodrigues, Krebs e Freitas4, essas experiências acabam por adquirir apenas um caráter integrativo, isto é, os alunos estão presentes na sala de aula de ensino regular, mas não existem mecanismos efetivos para o seu real desen-volvimento cognitivo, não ocorrendo uma legítima inclusão. Sobre este aspecto os autores afirmam que

Estar incluído é muito mais do que uma presença física: é um sentimento e uma

prática mútua de pertença entre a escola e a criança, isto é, o jovem deve sentir que

pertence à escola e a escola sentir que é responsável por ele. Esse sentimento de per-

tença pode assumir múltiplas formas e enquadramentos.5

Com o advento da Declaração de Salamanca, em 1994, passa-se a pensar em um processo mais aprofundado de inclusão. Esse documento retoma as resoluções da Conferência Mundial sobre Educação para Todos de 1990 e, em uma perspectiva de Direitos Humanos, reafirma o direito de todos à educa-ção, independentemente de suas diferenças particulares. A partir daí, a educa-ção especial reveste-se de novo conceito e as propostas pedagógicas passam a incorporar os discursos do “educar para a diversidade” e do “respeito às dife-renças”. Assim, a educação especial passa a ser entendida oficialmente como

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um processo educacional definido em uma proposta pedagógica que assegure recur-

sos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar,

complementar e, em alguns casos substituir os serviços educacionais comuns de

modo a garantir a educação escolar e promover as potencialidades dos educandos

que apresentam necessidades educativas especiais, em todas as etapas e modalida-

des da educação básica.6

A educação especial, nesse sentido, deixa de se configurar somente como um espaço próprio para a educação dos deficientes, ou excepcionais, mas como um conjunto de propostas e práticas educacionais que podem ser desenvolvidas em qualquer espaço, inclusive no sistema de ensino regular. Assim pensada, a educação dos alunos com necessidades educacionais especiais passa a ser res-ponsabilidade do sistema educacional como um todo e não só de uma parte dele – a educação especial.7 Ou seja,

na perspectiva inclusiva, suprime-se a subdivisão dos sistemas escolares em moda-

lidades de ensino especial e de ensino regular. As escolas atendem as diferenças sem

discriminar, sem trabalhar à parte com alguns alunos, sem estabelecer regras espe-

cíficas para se planejar, para aprender, para avaliar (currículos, atividades, avalia-

ção de aprendizagem para alunos com deficiência e com necessidades educacionais

especiais).8

Além disso, de uma maneira ampla, existe quem afirme que toda a educação é “especial”. Isso porque, levando-se em consideração o fato de que cada aluno é um indivíduo único, a necessidade de cada aluno, assim como a necessidade do todo, deve ser considerada na construção de um projeto pedagógico.

O espaço educacional dos surdos

Entendida por uns como um avanço e por outros como apenas mais uma forma de “normalização dos diferentes”, a proposta de educação inclusiva tem fomen-tado discussões que ultrapassam os limites da área educacional envolvendo, no debate, questões de ordem cultural, política e econômica, entre outras. No que diz respeito à educação de surdos, mais do que a preocupação com o espaço da educação, os embates trazem a tona as questões da construção da identidade e da aquisição da língua. Isso porque, principalmente no caso de surdos filhos de pais ouvintes (maioria dos casos, segundo observação nas escolas de surdos), o contato com adultos surdos e a aquisição da língua de sinais só ocorre na escola. Nesse sentido, Strobel9 esclarece que

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a criança surda sabe que ela é diferente das outras pessoas que ouvem, ela dirige

seu “olhar” ao seu redor na vida cotidiana, ela vê que tem vizinhos ouvintes, crian-

ças ouvintes, balconistas ouvintes, policiais ouvintes, professores ouvintes, médicos

ouvintes, pessoas de família ouvintes, até os bichos são ouvintes e ela própria é dife-

rente. E como ela nunca viu um adulto surdo a quem possa ter um vínculo identi-

ficatório, ela pode chegar à conclusão de que vai morrer, já que não existem adultos

surdos. É complexo para estas crianças surdas que não tem acesso às informações

rotineiras pela barreira da comunicação.

O espaço educacional do surdo tem sido, na maioria das vezes, a escola de surdos. Primeiramente, como toda a escola especial, as propostas educativas dessas escolas estavam centradas na procura da normalização. Com a evolu-ção e o aperfeiçoamento das propostas educacionais para a educação de sur-dos, uma grande parte das escolas de surdos tem tentado implantar um projeto de educação que possibilite ao aluno adquirir os saberes universalmente acu-mulados através da língua de sinais e que leve em consideração a experiência visual de ser surdo. Além disso, a presença do professor surdo fornece às crian-ças surdas um elemento identificatório positivo.

Diante disso, é de entendimento da maior parte dos profissionais que atuam na área da surdez e da quase unanimidade das comunidades surdas que, se a opção da educação do surdo for a de frequentar uma escola de ouvintes com proposta inclusiva, isso ocorra depois da aquisição da língua de sinais como primeira língua e da língua portuguesa como segunda. Além disso, é neces-sário que as instituições de ensino regular, em qualquer nível, desenvolvam, como comunidade escolar, uma cultura inclusora. No caso da surdez, isso sig-nifica a presença de intérpretes de Libras, de professores competentes na lín-gua de sinais e a consciência de que o ensino vai se processar numa realidade bilíngue e bicultural.

(7.2) anotações linguísticas A introdução da sintaxe da Libras será o tema desta seção neste capítulo.

Sintaxe: a estrutura das frases

Todas as línguas (orais e de sinais) possuem estrutura frasal própria que obe-dece aos padrões da língua (reveja as “Anotações contextuais” do capítulo 1). A estrutura da frase da língua portuguesa é diferente da estrutura da língua inglesa, que é diferente da francesa e assim por diante. E as línguas de sinais

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estão incluídas nesse rol. Esse é um dos motivos pelo qual nenhuma tradução ou interpretação pode ser realizada literalmente, palavra por palavra. Faz-se necessário observar as estruturas das línguas envolvidas.

Levando em consideração a estruturação de frases de cada língua é que se postula que não se deve sinalizar e falar ao mesmo tempo, porque, pelo fato de se estar lidando com duas línguas de estruturas diferentes, uma delas será pre-judicada. Isso significa que o sinalizador, se tentar falar e sinalizar ao mesmo tempo, pode no final produzir o seu discurso na língua oral sinalizada – no caso do português, o português sinalizado – e não na língua de sinais. Além disso, os processos cognitivos envolvidos da produção da linguagem não nos permitem a produção do discurso em duas línguas ao mesmo tempo, simul-taneamente. Experimente falar português e inglês ao mesmo tempo e veja o que acontece. É exatamente igual, mesmo as línguas sendo de modalidades diferentes.

Greemberg, citado por Quadros e Karnopp10, constatou que, apesar das varia-ções que ocorrem entre as línguas, existem seis combinações que podem ser rea-lizadas com o sujeito (S), o verbo (V) e o objeto (O) nas frases, e que em cada língua há dominância de uma, sendo que a incidência maior é a da ordem SVO.

Segundo Felipe11 e Brito12, a ordem básica nas construções de frases em Libras é a ordem – como, por exemplo, HOMEM COMPRAR CARRO –, no entanto, existem outras construções como OSV, SOV e VOS.

Porque/Por quê?

Em Libras, o sinal para por que e porque é o mesmo. O que vai definir se o porquê é uma explicação (resposta) ou se é uma interrogação (pergunta) é o contexto da frase e as marcas da expressão não-manual (face e corpo) (veja o sinal de POR QUE no glossário do DVD).

( . ) ponto finalComo fecho do capítulo, pode-se dizer que, de maneira geral, os temas de inclusão, sejam sociais, sejam educacionais, têm cada dia mais ocupado os debates públicos e privados. No que diz respeito à inclusão do aluno surdo em escolas de ouvintes, as experiências até aqui realizadas têm sido insatisfatórias, segundo relato de profissionais que atuam na educação. Isso se deve, principal-mente, à questão das línguas diferentes e à falta de intérpretes na maioria das instituições de ensino.

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Indicações culturais

O debate em torno da inclusão social e da inclusão escolar do surdo está longe de encontrar uma síntese. Os textos indicados a seguir fornecem elementos para aprofundar a temática do capítulo e entender melhor as questões da inclusão.

KLEIN, M. Cultura surda e inclusão no mercado de trabalho. In: THOMA, A. S.; LOPES, M. C. (Org.). A invenção da surdez: cultura, alteridade, identidade e dife-rença no campo da educação. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004. p. 83-99.

LUNARDI, M. L. Educação especial: institucionalização de uma racionalidade científica. In: THOMA, A. S.; LOPES, M. C. (Org.). A invenção da surdez: cultura, alteridade, identidade e diferença no campo da educação. Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2004. p. 15-32.

atividadesPesquise na internet o texto referente à 1. Declaração de Salamanca e outros docu-mentos oficiais que tratem de educação para todos e educação inclusiva. A partir deles, construa sua própria definição para os termos a seguir:

Educação especial.a.

Educação inclusiva.b.

Portadores de necessidades educacionais especiais.c.

A partir da leitura dos depoimentos a seguir e da temática da inclusão desen-2.

volvida no capítulo, produza um texto dissertativo com o seguinte título: Da inclusão escolar a inclusão social: a situação do surdo.

Cheguei ao banco e peguei a senha de prioridade, avisei a moça do caixa, pois não tinha painel para ver a chamada, fiquei aguardando sentada no lugar reservado e fui vendo que ela ia chamando as pessoas e nada de che-gar minha vez. De repente, levantei e disse para a moça do caixa: moça, meu número é 54. Ela disse: Oh! Desculpe esqueci-me de você e já passa-ram muitos números, fica aí do lado que logo te atendo.

Fonte: STROBEL, 2008, p. 41.

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Uma vez entrei na sala de aula e todos entregaram trabalho para o pro-fessor; eu fiquei surpresa e perguntei: que trabalho? Os colegas disseram que o professor avisou verbalmente na última aula, só que ninguém se lembrou de me avisar. Isto também aconteceu com as provas marcadas e depois, na hora, me dava mal por não ter estudado. Então quando me cobrava a leitura labial, eu arrumava todas as ‘desculpas’ possíveis para escapar daquela situação, inclusivamente disse uma vez que o professor tinha bigode enorme e por isso não entendia. A direção obrigou-o a tirar o bigode, o que ele fez, e fiquei muito sem graça porque continuei não enten-dendo e para piorar, ele ficou horrível com os lábios muito finos. Então a partir daí desde a infância até a faculdade comecei a fingir que entendia tudo.

Fonte: STROBEL, 2008, p. 101.

Pesquise os seguintes sinais (na internet, nas Associações ou com algum 3.

surdo): prato, garfo, xícara, panela, copo, apartamento e edifício.

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( 8 )

língua em mudança: variação linguística

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a variação linguística diz respeito às mudanças que ocor-rem no uso da língua em relação ao espaço, ao tempo e à situação de comuni-cação. Essas mudanças recebem o nome de variantes linguísticas ou variedades linguísticas. É o que trataremos neste capítulo.

(8.1) anotações contextuaisNeste tópico estudaremos os fatores determinantes da variação linguística, o que são variantes ou variedades linguísticas e como ocorre a variação linguís-tica na Libras.

Maria Auxiliadora Baggio

Maria da Graça Casa Nova

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Uma língua, vários usos

Tomando como exemplo a língua portuguesa, é fácil verificar que ela não é usada de maneira homogênea em todo o Brasil. Apresenta variações que vão do léxico (por exemplo, uso de palavras diferentes para se referir a mesma coisa:

“pão-francês” em São Paulo, “cacetinho” em Porto Alegre) até o sotaque (a maneira dos cariocas pronunciarem o “s” é diferente daquela usada pelos gaú-chos). No entanto, essas variações no uso da língua não comprometem a sua unidade. Qualquer falante de português, no Brasil, sabe que está utilizando a língua portuguesa.

A variação linguística ocorre em todos os níveis de funcionamento da lin-guagem e é determinada pelo modo que cada um usa a língua na situação de comunicação em que se encontra, bem como pela variedade cultural de cada comunidade linguística (influência da colonização, ou da imigração, por exemplo).1 Além disso, outros fatores como a região, a idade, o nível de escolari-dade do falante e sua profissão são determinantes na ocorrência da variação.

Do ponto de vista sociolinguístico, não existe uma variedade melhor que a outra no uso da língua. Isso significa que o que determina a opção por uma ou outra variedade é a situação concreta de comunicação, e não uma suposta variedade superior. Dessa forma, as chamadas variantes de prestígio, como a norma-padrão, e as variantes estigmatizadoras, como o dialeto caipira, não possuem uma hierarquia linguística entre si, isto é, na visão puramente lin-guística não existe relação de superioridade ou inferioridade entre elas. O fator determinante na eleição de uma como variedade de prestígio em contraposi-ção a outra como variedade estigmatizadora é o status sócio-político-econômico dos falantes que as utilizam.

A língua também sofre variação no tempo. O português usado no Brasil no século XIX é diferente do usado atualmente. Essas variações ocorrem tanto no vocabulário (signaes/sinais; apprehender/aprender) como na estrutura sintática das frases.

Variedades linguísticas

Segundo Tarallo2, variedades linguísticas são as diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto e com um mesmo valor de verdade. As variedades linguísticas podem ser classificadas em dois tipos:

dialetos ▪ : são variedades que ocorrem em função do falante, da pessoa que utiliza a língua (emissor);

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registros ▪ : variedades que ocorrem em decorrência do uso da língua. Dependem do receptor, da mensagem e da situação de comunicação.

Fazem parte da variação dialetal as variações regionais (mudanças no uso da língua em regiões diferentes); as variações sociais (uso determinado pela classe social do falante); as variações etárias e as variações profissionais (jar-gões, ou seja, gírias ligadas a uma determinada profissão. Por exemplo, o “juri-diquês” utilizado pelos profissionais da área jurídica).

A variação de registro está relacionada ao grau de formalismo no uso da língua (linguagem coloquial usada no dia a dia; linguagem formal utilizada em situações de comunicação mais formais: por exemplo, uma entrevista com a finalidade de conseguir um emprego, uma audiência com uma autoridade); à modalidade do uso da língua (o uso da língua falada é diferente do uso da língua escrita) e à sintonia (relaciona-se com afinidade, grau de intimidade e grupo de comunicação em que os interlocutores realizam a situação con-creta de comunicação. Por exemplo, o uso da língua entre mãe e filho é dife-rente daquele que esta mesma mãe vai utilizar no desempenho de suas funções profissionais).

Variação linguística na Libras

Na Libras, também são observadas variações. Segundo Strobel e Fernandes3, essas variações ocorrem em decorrência de fatores regionais, sociais e históri-cos. Assim, variações regionais são as que ocorrem em relação ao lugar onde o sinal é utilizado. Ou seja, são usados sinais diferentes, mas com o mesmo signi-ficado, dependendo da região onde ele é utilizado (por exemplo: o sinal VERDE é diferente em São Paulo e Curitiba).

As variações sociais, segundo as mesmas autoras, estão relacionadas à con-figuração das mãos e/ou ao movimento e dependem do emissor que utiliza o sinal (o sinal AJUDAR é produzido de forma diferente, podendo apresentar ou não movimento).

Existem também as variações históricas. Um sinal pode sofrer modificações com o passar do tempo, dependendo dos costumes da geração que o utiliza (são exemplos de variação histórica os sinais BRANCO e PAI).

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(8.2) anotações linguísticasNesta seção, o objeto de estudo será o processo de formação dos sinais.

Processo de formação de sinais

Os sinais obedecem a processos de formação próprios. Em alguns casos, no entanto, esses processos são iguais aos das línguas orais, como por exemplo, a composição (sinais compostos) e o empréstimo linguístico (sinais produzidos a partir da configuração das mãos do alfabeto manual).

Exemplos de processos de formação de sinais

Sinal único – é aquele sinal que no processo de tradução para as línguas ▪orais necessita de duas ou mais palavras. Para representá-lo, utilizam-se as palavras com letra maiúscula separadas por um hífen. Exemplos: AINDA-NÃO; MEIO-DIA; COMER-MAÇÃ.Sinais realizados pelas duas mãos com configuração de mãos idênti- ▪cas com movimentos simétricos. Exemplos: EMPREGAD@; PRIM@; TRABALHAR; REUNIÃO, FAMÍLIA, PIZZA, NAMORAR, BRINCAR, DIFERENTE, FOLGA etc.Sinais realizados com as duas mãos com configuração diferentes, sendo ▪uma mão ativa e a outra passiva (a mão dominante realiza o movi-mento e a outra serve de apoio). Exemplos: AJUDAR, CENTRO, APOIO, COMEÇAR, LIMPAR, PURO etc.Sinais realizados com configuração de mão em letras ou numerais (movi- ▪mentos e locações diferentes). Exemplos:

▪ B(4) – QUARTA-FEIRA; ADMIRADO; ACUSAR; QUATRO; CONHECER etc. ▪ C – CURSO; QUENTE; DEPRESSA; CUNHAD@; TI@; COMUNIDADE; CONGRESSO etc. ▪ F – FAMÍLIA; DÓI; FRUTA; FUTURO; FELIZ; FÉRIAS; FILOSOFIA etc. ▪ L – ÁGUA; PÊNIS; GANHAR; LIMPO; ANTES; DEPOIS; ONTEM; TER; NÃO-TER etc. ▪ P – PÉ; PAÍS; TE@; PROFESSOR; PIZZA; PARAGUAI etc. R ▪ – REUNIÃO; RESPOSTA; ROSA; ROXO; REFRIGERANTE; RESPONSÁVEL; RAZÃO etc. ▪ S – SOBRINH@; SOGR@; SEMINÁRIO; APRENDER; SÁBADO; LARANJA etc.

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▪ V(2) – VER; LEMBRAR; NÓS-2; SEMPRE; CUIDAR; PROCURAR etc. Y ▪ – GORD@; TRISTE; FOME; AVIÃO; AEROPORTO; AVISAR; SOFRER; BOI; VACA; EVITAR; DESCULPA; AZAR; CENTRO; IDADE; EXIBID@ etc. ▪ 5 – GRITAR; SOCORRO; INTELIGENTE; QUINTA-FEIRA; CINCO; PERCEBER; EXPLORAR; COBRA etc.

Sinais diferentes com significados diferentes, mas que quando traduzidos ▪para o português são traduzidos pela mesma palavra. Exemplos:

FALTAR = ausência: faltar à escola, ao trabalho OU não ter; ▪ COMBINAR = harmonizar (por exemplo, roupas que têm uma certa ▪harmonia quanto à cor) OU marcar um encontro, passeio etc. PINTAR = parede OU desenho em folha de papel. ▪

Sinal composto – é formado por dois ou mais sinais. Exemplos: ▪ CASA – ESTUDAR = ESCOLA ▪ PAI – MÃE = PAIS ▪ CASA – CARNE = AÇOUGUE ▪ HOMEM – VENDE – CARNE = AÇOUGUEIRO. ▪

( . ) ponto finalNo presente capítulo, estudamos de forma breve o que é variação linguística. Para finalizar, é importante ressaltar que os estudos da linguística e em espe-cial os estudos da sociolinguística contribuíram para que se pensasse nas lín-guas sem utilizar qualquer juízo de valor. Vale dizer, uma língua é diferente da outra, mas nem por isso é melhor ou pior. As línguas de sinais, antes dos estudos linguísticos, não eram consideradas línguas, especialmente pelo fato de não se utilizarem da fala como modo de produção. Esse fato gerou inúmeros mitos, que acabaram por se traduzir em preconceito linguístico. Acabar com esse preconceito, quer quanto às línguas de sinais, quer quanto às variantes menos prestigiadas das línguas orais, é uma das funções do sociolinguista.

Indicação cultural

A variação linguística é o objeto de estudo da sociolinguística. Esse ramo da Linguística estuda as relações existentes entre língua e sociedade, estuda a

“língua viva” inserida no contexto social. Se você quer saber mais sobre como os sociolinguistas realizam suas pesquisas, recomendamos a obra a seguir.

TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1985.

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atividadesEsquematize as anotações teóricas do capítulo.1.

Pesquise na internet sinais que sofreram variação histórica, descreva os 2.

sinais e procure justificar o contexto da variação.Pesquise e liste exemplos, diferentes dos que foram aqui apresentados, de 3.

sinais que têm a mesma forma e significados diferentes.Pesquise alguns sinais que são usados na sua região, depois, procure entrar 4.

em contato com pessoas de outras regiões do país (usando a internet, por exemplo) e veja se existe diferença entre eles. Se sim, descreva e compare os dois sinais.

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( 9 )

Libras: traduzir ou interpretar?

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a tradução e a interpretação da Libras é função de profissionais, regidos por um Código de Ética. Esses profissionais, além de dominarem a língua, devem ter conhecimento do contexto em que ela está envolvida. Isso significa que só fluência em Libras não é suficiente para ser intérprete. Há também a necessidade de conhecer o mundo surdo, sua cultura, seus costumes, as lutas travadas pelas comunidades.

(9.1) anotações contextuaisComo fechamento do livro, nesta seção debruçaremo-nos sobre a questão da tradução e da interpretação da Libras.

Maria Auxiliadora Baggio

Maria da Graça Casa Nova

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Traduzir ou interpretar?

Estas são palavras de mesma acepção? Dependendo do dicionário a que se recorrer, as significações dos dois termos serão próximas. Por isso, quando não se conhece essas atividades há que se pensar que elas são iguais, que as pala-vras são sinônimas.

Na verdade, apesar de as atividades de traduzir e de interpretar guarda-rem afinidades, uma vez que ambas exigem a fluência e o domínio das línguas envolvidas no processo, existem peculiaridades que diferenciam uma ativi-dade da outra e que devem ser consideradas. O ato de traduzir, por não se constituir em um ato presencial, oportuniza ao tradutor tempo de reflexão sufi-ciente para escolher um termo adequado, como também reescrever uma frase eventualmente mal construída. O tradutor pode recorrer a dicionários, pode reler, apagar, retomar, tudo para realizar uma boa tradução.

No ato de interpretar, ao contrário, não há muito tempo para pensar. Tudo é rápido e o intérprete tem que atuar praticamente de forma automática. O intér-prete ouve e, quase que simultaneamente, tem que reproduzir. Não é possível pedir ao emissor que pare e volte o discurso.

Com o advento das leis relacionadas à Libras, uma conquista da comuni-dade surda, e com atuação de intérpretes em universidades, igrejas, tribunais, congressos, televisão, entre outros lugares, muitas pessoas começaram a se interessar e muitas se encantaram com a língua de sinais, almejando torna-rem-se também intérpretes. Apesar de ser considerado um aspecto positivo, há que se entender que a simples frequência em cursos de Libras não é suficiente para ser intérprete.

Interpretar requer uma formação sólida, o domínio das duas línguas envol-vidas no processo, no caso, língua portuguesa e Libras. Além disso, é neces-sário convívio com os surdos, como também o conhecimento da sua cultura e da sua história. Interpretar não é transpor uma palavra para um sinal, ou um sinal para uma palavra, literalmente. Não é decodificação, não é um ato mecâ-nico. Nesse sentido, para Silva1, “o intérprete da Língua Brasileira de Sinais é aquele que, tomando a posição do sinalizador ou do falante, transmite os pen-samentos, as palavras e as emoções do sinalizador, servindo de elo entre duas modalidades de comunicação.”

A seguir, apresentamos o Código de Ética da Feneis, a fim de elucidar o lei-tor sobre os requisitos necessários para exercer a profissão de intérprete em Libras.

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Intérpretes: código de ética

O intérprete deve ser uma pessoa de alto caráter moral, honesto, 1.

consciente, confidente e de equilíbrio emocional. Ele guardará infor-mações confidenciais e não poderá trair confidências, as quais foram confiadas à ele.O intérprete deve manter uma atitude imparcial durante o trans-2.

curso da interpretação, evitando interferências e opiniões próprias, a menos que seja perguntado pelo grupo a fazê-lo.O intérprete deve interpretar fielmente e com o melhor da sua habili-3.

dade, sempre transmitindo o pensamento, a intenção e o espírito do palestrante. Ele deve lembrar os limites da sua função particular – de forma neutra – e não ir além da sua responsabilidade.O intérprete deve reconhecer seu próprio nível de competência e 4.

usar prudência em aceitar tarefas, procurando assistência de outros intérpretes e/ou profissionais, quando necessário, especialmente em palestras técnicas.O intérprete deve adotar uma conduta adequada de se vestir, sem 5.

adereços, mantendo a dignidade da profissão e não chamando aten-ção indevida sobre si mesmo, durante o exercício da função.O intérprete deve ser remunerado por serviços prestados e se dispor 6.

a providenciar serviços de interpretação, em situações onde fundos não são disponíveis.Acordos a níveis profissionais devem ter remuneração de acordo com 7.

a tabela de cada estado, aprovada pela Feneis.O intérprete jamais deve encorajar pessoas surdas a buscarem deci-8.

sões legais ou outras em seu favor.O intérprete deve considerar os diversos níveis da Língua Brasileira 9.

de Sinais.[sic] Em casos legais, o intérprete deve informar à autoridade quando 9.

o nível de comunicação da pessoa surda envolvida é tal, que a inter-pretação literal não é possível e o intérprete, então, terá de parafra-sear de modo crasso o que se está dizendo para a pessoa surda e o que ela está dizendo à autoridade.

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O intérprete deve se esforçar para reconhecer os vários tipos de assis-10.

tência necessitados pelo surdo e fazer o melhor para atender as suas necessidades particulares.Reconhecendo a necessidade para o seu desenvolvimento profissio-11.

nal, o intérprete deve se agrupar com colegas profissionais com o propósito de dividir novos conhecimentos e desenvolvimentos, pro-curar compreender as implicações da surdez e as necessidades par-ticulares da pessoa surda alargando sua educação e conhecimento da vida, e desenvolver suas capacidades expressivas e receptivas em interpretação e tradução.O intérprete deve procurar manter a dignidade, o respeito e a pureza 12.

da Língua de Sinais. E também deve estar pronto para aprender e aceitar sinais novos, se isto for necessário para o entendimento.O intérprete deve esclarecer o público no que diz respeito ao surdo 13.

sempre que possível, reconhecendo que muitos equívocos (má infor-mação) tem surgido por causa da falta de conhecimento do público na área da surdez e comunicação com o surdo.

Fonte: FEDERAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E INTEGRAÇÃO DOS SURDOS, 2009.

(9.2) anotações linguísticasEsta seção, neste capítulo, se ocupará com um pouco de semântica, abordando a polissemia na Libras.

Polissemia

O mesmo sinal pode ter vários significados: a esse fenômeno dá-se o nome de polissemia. A maneira de se descobrir a que se refere a palavra ou o sinal é somente através do contexto. Por exemplo: os sinais LARANJA (fruta); LARANJA (cor) e SÁBADO são iguais. O contexto é que vai informar qual é o significado do sinal. Observe:

(EU) IR CINEMA LARANJA; ou ▪(EU) IR CINEMA SÁBADO. ▪

Veja outros exemplos de polissemia em Libras: DOCE/AÇÚCAR; NÃO-PODE/OCUPADO (veja os sinais no glossário do DVD).

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( . ) ponto finalComo visto nesse último capítulo, a atividade de intérprete de Libras requer um estudo aprofundado da língua e do contexto no qual a língua está inserida. Vale dizer que é uma profissão em ascensão e que o mercado é carente de pro-fissionais nessa área.

Indicação cultural

Para saber mais a respeito da atividade de intérprete, sugerimos acessar o site da Feneis ou de outras associações de surdos.

FEDERAÇÃO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E INTEGRAÇÃO DOS SURDOS. Intérpretes. Disponível em: <http://www.feneis.com.br/page/interpretes.asp>. Acesso em: 16 mar. 2009.

atividadesEscolha dois itens do Código de Ética da Feneis e escreva um comentário 1.

sobre eles.Faça uma lista de palavras da língua portuguesa que são polissêmicas e 2.

depois as compare com os sinais da Libras.Escreva cinco frases em português, transcreva-as e depois sinalize essas 3.

frases. Treine os sinais do repertório deste capítulo disponível no glossário.4.

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referências por capítulo

Capítulo 1

LYONS, 1981; QUADROS; KARNOPP, 2004.1 BAKHTIN, 1988; LYONS, 1981; MARTINET, 2 1970; ROBINS, 1977; SAUSSURE, 1995; SÁ, 2002.CHAUI, 2000, 3 p. 43.LYONS, 1981, 4 p. 16.SAUSSURE, 1995, 5 p. 17.CHOMSKY, 1957, 6 p. 13.SÁ, 2002, 7 p. 108.LYONS, 1981.8 QUADROS; KARNOPP, 2004, 9 p. 31-37.BAGGIO, 2006, 10 p. 39.QUADROS; KARNOPP, 2004, 11 p. 35.FELIPE; MONTEIRO, 2001.12 QUADROS; KARNOPP, 2004, 13 p. 36.

Capítulo 2

PACHECO, 2009.1 BAGGIO, 2006.2 SÁ, 2002.3 HISTÓRIA DOS SURDOS, 2009.4 BAGGIO, 2006.5 SACKS, 1989, 6 p. 32.LACERDA, 2009.7 SACKS, 1989.8 SÁ, 2002, 9 p. 49.BRASIL, 2005.10 SACKS, 1989, 11 p. 170.KLEIN, 2006, 12 p. 8.INFANTE, 1996.13 FELIPE; MONTEIRO, 2001.14 BATTISON, 1974.15 BRITO, 1995, 16 p. 41.

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108

Capítulo 3

SOARES, 1999.1 FERNANDES, 2003, 2 p. 37.FERNANDES, 2003, 3 p. 69.WRIGLEY, 1996, 4 p. 14.SOARES, 1999.5 SOARES, 1999.6 SOARES, 1999, 7 p. 65.SOARES, 1999, 8 p. 10.QUADROS; KARNOPP, 2004.9

Capítulo 4

SOARES, 1999, 1 p. 1.MANRIQUE; HUARTE, 2005.2 BRASIL, 1997, 3 p. 300.QUADROS, 1997.4 QUADROS; KARNOPP, 2004.5 DORZIAT, 2004, 6 p. 4.DORZIAT, 1997, 7 p. 16.QUADROS; KARNOPP, 2004.8 DORZIAT, 2004, 9 p. 5.FERNANDEZ, 2004, 10 p. 5.QUADROS, 1997, 11 p. 27.FERNANDEZ, 2004, 12 p. 6.SKLIAR, 1999, 13 p. 7.QUADROS, 2005, 14 p. 32.DORZIAT, 2004, 15 p. 5.PERELMAN, 1996.16 DI NAPOLI, 2000.17

Capítulo 5

MICHEL; MICHEL, 2009.1 OLIVEIRA, 2009.2 HALL, 1996.3 ROSA, 2009.4 ROSA, 2009,5 p. 4.BEHARES, 1999.6 BEHARES, 1999, 7 p. 132.SÁ, 2002.8 SKLIAR, 1999, 9 p. 11.SKLIAR, 1999, 10 p. 11.WALZER, 1997.11 STROBEL, 2008, 12 p. 18.STROBEL, 2008, 13 p. 24.

Capítulo 6

SERFERT, 2009.1 BAUMAN, 2007, 2 p. 25.KLEIN, 2004, 3 p. 88.FLEURI, 2001, 4 p. 117.KLEIN, 2004, 5 p. 88.JIAN, 2001.6 DI NAPOLI, 2000, 7 p. 300.

Capítulo 7

KLEIN, 2004, 1 p. 84.KLEIN, 2004, 2 p. 94.LUNARDI, 2004, 3 p. 29.RODRIGUES; KREBS; FREITAS, 2005.4 RODRIGUES; KREBS; FREITAS, 2005, 5 p. 53. BRASIL, 2001, 6 p. 30.STöBAUS; MOSQUERA, 2004.7 MANTOAN, 2003, 8 p. 25.STROBEL, 2008, 9 p. 40.QUADROS; KARNOPP, 2004.10 FELIPE, 1989.11 BRITO, 1995.12

Capítulo 8

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE 1 JANEIRO, 2009. TARALLO, 1985.2 STROBEL; FERNANDES, 1998.3

Capítulo 9

SILVA, 2001, 1 p. 64.

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referências

BAGGIO, M. A. A atividade pedagógica como estratégia de motivação: implicação no desempenho de alunos surdos na produção escrita em língua portuguesa. 2006. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1988.

BATTISON, R. Phonological deletion in American Sign Language. Sign Language Studies, Washington, v. 5, p. 1-19, 1974.

BAUMAN, Z. Vida líquida. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2007.

BEHARES, L. E. Línguas e identificações: as crian-ças surdas entre o “sim” e o “não”. In: SKLIAR, C. (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 1999. v. 2. p. 131-147.

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