livro cuidado paliativo[1]

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CREMESP Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo 2008 C C CU U UI I ID D DA A AD D DO O O P P PA A AL L LI I IA A ATIV TIV TIV TIV TIVO O O

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  • C R E M E S PConselho Regional de Medicina do Estado de So Paulo

    2008

    CCCCCUUUUUIIIIIDDDDDAAAAADDDDDOOOOOPPPPPAAAAALLLLLIIIIIAAAAATIVTIVTIVTIVTIVOOOOO

  • Cuidado Paliativo / Coordenao Institucional de Reinaldo Ayer de Oliveira. So Paulo:Conselho Regional de Medicina do Estado de So Paulo, 2008.689 p.

    Vrios colaboradoresISNB 978-85-89656-15-3

    1. Cuidado paliativo 2. Biotica I. Oliveira, Reinaldo Ayer (Coord.) II.Ttulo III. ConselhoRegional de Medicina do Estado de So Paulo

    NLM WB310

    CUIDADO PALIATIVOPublicao do Conselho Regional de Medicina do Estado de So Paulo (Cremesp)Rua da Consolao, 753 CentroSo Paulo SP CEP 01301-910 Telefone (11) 3017-9300www.cremesp.org.br e www.bioetica.org.br

    Coordenador InstitucionalReinaldo Ayer de Oliveira

    RealizaoGrupo de Trabalho em Cuidados Paliativos do Cremesp

    Coordenador do Departamento de Comunicao do Cremesp

    Nacime Salomo Mansur

    Apoio EditorialConclia Ortona (jornalista. Mtb 19.259)Dinaura Paulino Franco (bibliotecria)Andra Pioker (secretria)

    RevisoLeda Aparecida CostaClia Cristina Silva Augusto

    Arte e DiagramaoJos Humberto de S. Santos

    Foto da capaOsmar Bustos

  • APRESENTAOHenrique Carlos Gonalves

    Presidente do Cremesp

    Nas ltimas dcadas os mdicos tm se dedicado a desconstruir crenas e

    hbitos vinculados carreira, que, apesar de embasados nas melhores intenes e no

    conhecimento da poca especfica, tornaram-se defasados frente realidade dos aten-

    dimentos sanitrios. Admite-se, por exemplo, que as tcnicas modernas destinadas a

    recuperar a sade do paciente so importantes mas no exclusivas no amplo

    contexto da teraputica disponvel: esta se torna incompleta se no houver olhares

    compassivos, especialmente, quando as chances de cura so limitadas.

    Tambm se reconhece que o mdico no um profissional isolado ou o nico a

    responder pela ateno prestada aos pacientes. um dos participantes de uma equi-

    pe multidisciplinar, em que cada qual desempenha uma funo particular e valiosa.

    Esses dois itens considerar o atendido como um todo, e no como simples

    objeto de estudo ou um ser segmentado, e reconhecer a importncia de um trabalho

    harmonioso em grupo, com representantes de outras carreiras em Sade figuram

    entre os aspectos enfatizados nessa rea to promissora e em franco crescimento no

    Brasil voltada aos Cuidados Paliativos.

    O livro ora apresentado, ao qual o Cremesp tem o orgulho de coordenar, esmia

    particularidades presentes nesta modalidade de cuidado, cuja nfase dirige-se ain-

    da a vrias outras demandas, dentre as quais, preveno do sofrimento do doente

    e de seus familiares; valorizao e ateno ao seu cuidador; e necessidade

    de comunicao de qualidade, mesmo em assuntos to difceis de se lidar, como a

    proximidade da morte.

  • Na obra Cuidado Paliativo, do Cremesp, autores com vasta experincia na

    rea dedicam-se a esclarecer mincias do atendimento a pacientes fora de

    possibilidade de cura, por meio de captulos abordando desde a legislao em

    torno do tema at medidas prticas de higiene, conforto, sedao, nutrio e

    hidratao, entre tantas outras.

    A ns, mdicos, os Cuidados Paliativos reforam que nunca utpica a aplica-

    o do Art. 2 dos Princpios Fundamentais de nosso Cdigo de tica, segundo o qual

    o alvo de toda a ateno do mdico a sade do ser humano, em benefcio da qual

    dever agir com o mximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional.

    Enfim, a filosofia trazida aqui nos ensina, pgina a pgina, que a guerra contra

    a dor e a morte jamais pode ser considerada como perdida: em todos os estgios da

    vida humana h, sim, o que ser feito, para garantir que a trajetria dos nossos acom-

    panhados mantenha-se digna e amparada. Do incio ao fim da vida.

    Boa leitura!

  • UM LIVRO, UMA HISTRIAGrupo de Trabalho Sobre Cuidados Paliativos do Cremesp

    O incio: no final de 2005 o Conselho Regional de Medicina do Estado de So

    Paulo (Cremesp) promoveu reunio sobre Terminalidade da Vida, convidando pessoas

    com interesse no tema. Foi grande o entusiasmo e a vontade dos participantes em dar

    continuidade ao debate e, sobretudo, em ampliar as discusses ali ocorridas, com a

    introduo do tema Cuidados Paliativos.

    De forma preliminar e informal aconteceram novos encontros com representan-

    tes de diferentes formaes que, de alguma maneira, atuavam na rea de Cuidados

    Paliativos. Em geral, estes foram simpticos idia de constiturem-se em um grupo

    de trabalho, com o objetivo de estudar de que maneira o Cremesp poderia atuar no

    verdadeiro movimento que estava se concretizando. De fato, existia empenho e boa-

    vontade de cidados e grupos em torno das proposies e prticas na rea da sade,

    direcionadas ao atendimento dos chamados pacientes fora de possibilidades de cura.

    Inicialmente a idia era elaborar um manual com normas e/ou condutas em Cui-

    dados Paliativos; depois, a inteno chegou mais longe: esboar-se uma Resoluo

    do Cremesp sobre a necessidade de implantar, de forma sistemtica, servios de Cui-

    dados Paliativos em instituies de sade.

    Concordando com tal tendncia, em dezembro de 2005 o Cremesp deliberou

    formalmente pela constituio do Grupo de Trabalho Sobre Cuidados Paliativos.

    O mtodo: a cada quinze dias era promovida reunio que agregava entre 20 e 30

    representantes de diferentes reas do conhecimento em sade, ocasio voltada a

    traar um slido plano de atividades que inclua a apresentao e discusso de as-

    suntos relacionados aos Cuidados Paliativos.

  • Cada tema era cuidadosamente defendido por um autor ou autora; em seguida, o

    texto era disponibilizado por via eletrnica a todos os que faziam parte da empreitada,

    comprometidos a opinar e a sugerir. Por meio de repetidas apresentaes e discusses

    os textos foram se aprimorado e o mais, o importante assumidos por todos.

    A disposio das pessoas, o respeito pela produo coletiva e a qualidade do

    que estava sendo produzido levou o grupo a decidir: transformar o que seria um

    manual em um livro. Um livro sobre Cuidados Paliativos. A deciso foi acompa-

    nhada pela ampliao do nmero de membros. Os temas tornaram-se captulos

    com diferentes contedos.

    Apesar de ser uma obra elaborada em equipe, concordando com o preceito

    biotico de respeito autonomia (e, em conseqncia, aos pontos de vista alheios),

    foi dada a possibilidade de que autores e co-autores adotassem seu prprio estilo de

    escrita e inserissem, ao final dos artigos, a forma que julgassem mais apropriada de

    referenciar as bibliografias.

    O resultado: um livro escrito por autores e autoras com larga experincia em Cui-

    dados Paliativos e com o rigor metodolgico e cientfico exigido para uma publicao

    de impacto na rea da sade, e, ao mesmo tempo, um livro democrtico e abrangente.

    Esperamos que todos tirem o melhor proveito possvel da obra, e que esta venha

    a se transformar em um incentivo a mais para que seja melhorada a qualidade de vida

    desses nossos atendidos, seus amigos e familiares, que enfrentam momentos to dif-

    ceis mas, sob um outro enfoque, to especiais.

  • 7SUMRIO

    PARTE 1 INTRODUO

    PREFCIO 11

    I DEFINIES E PRINCPIOS 15Maria Goretti Sales Maciel

    II FALANDO DA COMUNICAO 33Maria Jlia Paes da Silva

    III MULTIDISCIPLINARIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE Relao dos Cuidados Paliativos com as Diferentes

    Profisses da rea da Sade e Especialidades 46Toshio Chiba

    Interface Intrnseca: Equipe Multiprofissional 55Lais Yassue Taquemori e Celisa Tiemi Nakagawa Sera

    Fisioterapia 58Celisa Tiemi Nakagawa Sera e Helena Izzo

    Enfermagem 61Maria Jlia Paes da Silva, Mnica Trovo Arajo e Flvia Firmino

    Fonoaudiologia 64Lais Yassue Taquemori

    Terapia Ocupacional 67Mnica Estuque Garcia de Queiroz

    Servio Social 69Letcia Andrade

    Psicologia 74Maria Helena Pereira Franco

    Farmcia 77Solange A. Petilo de Carvalho Bricola

    Nutrio 81Dorotia Aparecida de Melo

    Odontologia 83Mrcia Delbon Jorge, Dalton Luiz de Paula Ramos e Waldyr Antonio Jorge

    Assistncia Espiritual 87Eleny Vasso de Paula Aitken

  • 8IV CUIDANDO DO CUIDADOR PROFISSIONAL 91Maria Julia Kovcs

    V MODELOS DE ASSISTNCIA EM CUIDADOS PALIATIVOS Hospedaria 102

    Dalva Yukie Matsumoto e Mnica Ceclia Bochetti Manna Enfermaria 108

    Maria Goretti Sales Maciel Ambulatrio 115

    Toshio Chiba Assistncia Domiciliar 120

    Cludio Katsushigue Sakurada e Lais Yassue Taquemori

    VI PARTICULARIDADES EM CUIDADOS PALIATIVOS Pediatria 128

    Slvia Maria de Macedo Barbosa, Pilar Lecussan eFelipe Folco Telles de Oliveira

    Perodo Neonatal 139Slvia Maria de Macedo Barbosa, Jussara de Lima e Souza,Mariana Bueno, Neusa Keico Sakita e Edna Aparecida Bussotti

    Pacientes com HIV/Aids 153Elisa Miranda Aires, Ronaldo da Cruz eAndra Cristina Matheus da Silveira Souza

    UTI 178Ricardo Tavares de Carvalho e Ana Claudia de Lima Quintana Arantes

    PARTE 2 AES

    I HIGIENE E CONFORTO 195Ivanyse Pereira, Celisa Tiemi Nakagawa Sera e Ftima Aparecida Caromano

    II NUTRIO E HIDRATAO 221Ricardo Tavares de Carvalho e Lais Yassue Taquemori

    III HIPODERMCLISE 259Ivanyse Pereira

    IV FARMACOTCNICA MAGISTRAL 273Solange Aparecida Petilo de Carvalho Bricola

    V TRATAMENTO DE FERIDAS 283Flvia Firmino e Ivanyse Pereira

    VI CIRURGIA PALIATIVA 309Paulo Srgio Martins de Alcntara

    VII AS LTIMAS 48 HORAS 337Clia Maria Kira

    VIII SEDAO PALIATIVA 355Smio Pimentel Ferreira

  • 9PARTE 3 CONTROLE DE SINTOMAS

    I CONSIDERAES GERAIS 365Toshio Chiba

    II DOR Avaliao e Tratamento da Dor 370

    Ana Claudia de Lima Quintana Arantes e Maria Goretti Sales Maciel Dor em Pediatria 392

    Felipe Folco Telles de Oliveira e Slvia Maria de Macedo Barbosa

    III SINTOMAS RESPIRATRIOS Dispnia em Cuidados Paliativos 410

    Celisa Tiemi Nakagawa Sera e Mrcio Henrique Chaves Meireles Tosse, Broncorria e Hemoptise em Cuidados Paliativos 416

    Celisa Tiemi Nakagawa Sera e Mrcio Henrique Chaves Meireles

    IV SINTOMAS DIGESTIVOS Nusea e Vmito 424

    Toshio Chiba Constipao e Diarria 427

    Veruska Menegatti Anastcio Hatanaka Soluo 445

    Toshio Chiba Obstruo Intestinal Maligna 449

    Veruska Menegatti Anastcio Hatanaka

    V EMERGNCIAS Hemorragias 464

    Dalva Yukie Matsumoto e Mnica Ceclia B. Manna Sndrome da Veia Cava Superior 469

    Dalva Yukie Matsumoto e Mnica Ceclia B. Manna Sndrome da Compresso Medular 473

    Dalva Yukie Matsumoto e Mnica Ceclia B. Manna

    VI FADIGA E ANOREXIA/CAQUEXIA Fadiga em Cuidados Paliativos 478

    Ana Cludia de Lima Quintana Arantes Sndrome da Caquexia/Anorexia 484

    Elisa Miranda Aires

    VII ANSIEDADE, DEPRESSO E DELIRIUM 499Maria das Graas Mota Cruz de Assis Figueiredo

    PARTE 4 ESPIRITUALIDADE, MORTE E LUTO

    I ESPIRITUALIDADE EM CUIDADOS PALIATIVOS 521Luis Alberto Saporetti

  • 10

    II ESPIRITUALIDADE E O PACIENTE TERMINAL 533Eleny Vasso de Paula Aitken

    III MORTE NO CONTEXTO DOS CUIDADOS PALIATIVOS 547Maria Julia Kovcs

    IV LUTO EM CUIDADOS PALIATIVOS 559Maria Helena Pereira Franco

    PARTE 5 ASPECTOS CONTEXTUAIS

    I BIOTICA: REFLETINDO SOBRE OS CUIDADOS 573Reinaldo Ayer de Oliveira e Ricardo Tavares de Carvalho

    II BIOTICA EM CUIDADOS PALIATIVOS 583Ricardo Tavares de Carvalho e Reinaldo Ayer de Oliveira

    III EDUCAO EM CUIDADOS PALIATIVOS 595Clia Maria Kira, Marcos Montagnini e Silvia Maria de Macedo Barbosa

    IV LEGISLAO EM CUIDADOS PALIATIVOS 613Ricardo Tavares de Carvalho

    V GARANTIA DE DIREITOS E ACESSO A BENEFCIOS:UMA PREOCUPAO DO SERVIO SOCIAL EM CUIDADOS PALIATIVOS 631Letcia Andrade e Ivone Bianchini de Oliveira

    VI PLANO DE DIRETRIZES PARA IMPLEMENTAO DE UMPROGRAMA DE CUIDADOS PALIATIVOS EM HOSPITAL GERAL 643Marcos Montagnini

    VII CUIDADOS PALIATIVOS FORA DOS GRANDES CENTROS 655Jussara de Lima e Souza, Silvia Maria Monteiro da Costa eSlvia Maria de Macedo Barbosa

    PARTE 6 ANEXOS

    Controle de Outros Sintomas No-Dor 663

    Clia Maria Kira

    Fase Final de Vida Revendo Medicaes 674

    Clia Maria Kira

    Escala de Desempenho de Karnosfsky 676

    Escala de Desempenho de Zubrod 677

    Escala de Atividade de Vida Diria de Katz 678

    Mini-Exame do Estado Mental 680

    AUTORES 684

  • 11

    PREFCIOProf. Dr. Marco Tullio de Assis Figueiredo

    Ser convidado a prefaciar um livro , sem dvida alguma, uma grande honra. Mas no

    menor a responsabilidade. Cuidados Paliativos um assunto relativamente novo na rea

    da Sade, e no muito bem aceito tanto pela comunidade cientfica quanto pela leiga.

    Os profissionais que se dedicam a Cuidados Paliativos sofrem grande rejeio e des-

    crena por parte dos prprios colegas.

    Em 1992, em Florianpolis, SC, ao participar como palestrante sobre osteosarcoma e

    tumor de Ewing, em Congresso de Oncopediatria, tive o primeiro contato com Cuidados

    Paliativos (tratava-se de um pequeno evento latino-americano). O que ali ouvi deixou-me

    fascinado com a filosofia hospice. Desde ento passei a ter contato freqente com os

    poucos profissionais brasileiros que militavam na rea. Em comum, todos tnhamos hist-

    rias sobre a atitude desdenhosa com que ramos agraciados pelos seus colegas.

    No fundo, sabamos que tal atitude era preconceituosa. Ora, preconceito sinal de

    ignorncia... E contra a ignorncia s existe um antdoto: a EDUCAO!

    Na poca eu ainda era professor de ps-graduao na Unifesp/EPM. Propus-me, en-

    to, a procurar o Centro Acadmico da Unifesp. Ao lado de outros colegas, nos dispuse-

    mos a montar um curso multiprofissional em Cuidados Paliativos. Durante 13 anos, as

    aulas tiveram lugar sempre noite (3 a 4 dias), tendo como pblico os alunos da Unifesp

    e a comunidade. O objetivo principal era divulgar e inculcar nos futuros profissionais e

    nos membros da comunidade a cultura da solidariedade e do humanismo, cultura esta

    gradualmente perdida na proporo em que a Medicina e as demais profisses da Sade

    iniciavam e mantinham a sua espetaculosa progresso cientfico-tecnolgica, como

    vemos at os dias de hoje.

    Desde 1994 at hoje, a Unifesp abrigou os Cursos de Cuidados Paliativos e de

    Tanatologia do Diretrio Acadmico (transformados em Cursos de Extenso Universit-

    ria). Estes foram sendo, entre os anos de 1998 e 2007, gradualmente substitudos pelas

    Disciplinas Eletivas de Cuidados Paliativos e de Tanatologia, agora abertas aos estudantes

    da Graduao (anos pr-clnicos).

  • 12

    Nestes cursos buscvamos seguir o conselho de Derek Doyle: Ns no podemos ser

    vistos como apenas sintomatologistas. Ns somos mdicos como os outros. Deixemos de

    lamentar as incompreenses de que somos vtimas. Ns que somos culpados de no

    saber convenc-los e de ensinar-lhes o significado de Cuidados Paliativos.

    Bem, passarei minha apreciao sobre este livro.

    Como eu j coordenara a montagem de uma seo de Cuidados Paliativos em obra

    de Clnica Mdica, sei muito bem o quanto de trabalho necessrio para levar a cabo

    a empreitada. Pacincia para facilitar a comunicao tripartite (coordenador x autor x

    editor), prazos sempre menores do que o desejado, disponibilidade insuficiente de tem-

    po, impacincia do coordenador, brios e egos exaltados (qualidades e defeitos ineren-

    tes ao ser humano).

    E, por fim, aps muito sangue, suor e lgrimas (Churchill), eis a obra terminada!

    Foram-me enviados dezenas de captulos desta publicao que se tornara um verda-

    deiro compndio. Ao avali-los, conclu: parece-me que a inteno de informar ao leitor

    sobre o que so Cuidados Paliativos foi alcanada, embora com reservas. Compreender

    o leitor a filosofia de Cuidados Paliativos, sem uma bem-documentada descrio da bio-

    grafia do enfermo e da famlia?

    Nada supera a fora da vivncia individual de cada doente e cada familiar interagindo

    com aquele profissional especfico e naquele contexto particular. E esta experincia ni-

    ca, s a descrio de casos clnicos, em reunio entre as equipes, consegue transmitir...

    Nenhuma das Cincias da rea da Sade se beneficia tanto da palavra do doente/famlia

    quanto aos Cuidados Paliativos. Acima mesmo da palavra dos profissionais!

    Competncia, solidariedade, compassividade, humildade e comunicao individual

    e coletiva so essenciais equipe de Cuidados Paliativos.

    vlido destacar um item presente nesta publicao, ou seja, a Educao em Cuida-

    dos Paliativos na graduao universitria, extensiva, se possvel, tambm comunidade.

    Sem ela, em futuro prximo, no existiro profissionais em nmero suficiente para aten-

    der demanda de novas equipes e reposio das existentes, e nem prestar o indispens-

    vel apoio para a comunidade.

    Finalmente, ainda uma lio de Derek Doyle: Quando ns, de pases desenvolvi-

    dos, formos convidados para palestras, simpsios etc, em pases em desenvolvimento,

    no deveremos dissertar sobre como atuamos, pois seremos julgados arrogantes. Devere-

    mos, sim, aprender quais so as suas dificuldades e como eles lidam com elas.

  • INTRODUO

    PARTE 1

  • 15

    CUIDADO PALIATIVO

    IDEFINIES E PRINCPIOS

    Maria Goretti Sales Maciel

  • 16

    Cuidado Paliativo a abordagem que promove qualidade de vida depacientes e seus familiares diante de doenas que ameaam a conti-nuidade da vida, atravs de preveno e alvio do sofrimento. Requera identificao precoce, avaliao e tratamento impecvel da dor eoutros problemas de natureza fsica, psicossocial e espiritual.

    OMS, 2002.

    IntroduoEsta a definio mais recente da Organizao Mundial de Sade, publicada em

    2002. S se entendem os Cuidados Paliativos quando realizados por equipe multi-

    profissional em trabalho harmnico e convergente. O foco da ateno no a doen-

    a a ser curada/controlada, mas o doente, entendido como um ser biogrfico, ativo,

    com direito a informao e a autonomia plena para as decises a respeito de seu

    tratamento. A prtica adequada dos Cuidados Paliativos preconiza ateno individua-

    lizada ao doente e sua famlia, busca da excelncia no controle de todos os sinto-

    mas e preveno do sofrimento (Quadro1).

    A primeira definio, publicada em 1990, descrevia os Cuidados Paliativos como

    os cuidados totais e ativos dirigidos a pacientes fora de possibilidade de cura. Este

    conceito foi superado porque torna subjetivo o entendimento do momento de decre-

    tar a falncia de um tratamento.

    O que podemos chamar em medicina de fora de possibilidades de cura? A

    maioria das doenas absolutamente incurvel: o tratamento visa ao controle de sua

    evoluo e para tornar essa doenas crnicas. Poucas vezes a cura uma verdade em

    medicina. Desta forma, aguardar que um paciente se torne fora de possibilidades de

    cura implicaria em duas situaes: ou todo doente deveria estar em Cuidados Paliati-

    vos, ou s se poderia encaminhar para Cuidados Paliativos, por critrio subjetivo do

    assistente, o doente em suas ltimas horas de vida. Esta segunda situao, a mais co-

    mum, implica em outro equvoco: pensar que os cuidados paliativos se resumem ape-

    nas aos cuidados dispensados fase final da vida, quando no h mais nada a fazer.

    DEFINIES E PRINCPIOS

  • 17

    CUIDADO PALIATIVO

    A concomitncia da abordagem paliativa com o tratamento curativo perfeita-

    mente vivel. Da mesma forma, aes paliativas desenvolvidas na fase do diagnsti-

    co e do tratamento de uma doena no exigem a presena de uma equipe especia-

    lizada e podem ser desenvolvidas por qualquer profissional na rea da sade.

    medida que a doena progride e o tratamento curativo perde o poder de ofere-

    cer um controle razovel da mesma, os Cuidados Paliativos crescem em significado,

    surgindo como uma necessidade absoluta na fase em que a incurabilidade se torna

    uma realidade. H necessidade da interveno de uma equipe de profissionais ade-

    quadamente treinada e experiente no controle de sintomas de natureza no apenas

    biolgica, excelente comunicao, para que paciente e seu entorno afetivo enten-

    dam o processo evolutivo que atravessam, e conhecimento da histria natural da

    doena em curso, para que se possa atuar de forma a proporcionar no apenas o

    alvio, mas a preveno de um sintoma ou situao de crise.

    Na fase final da vida, entendida como aquela em que o processo de morte se desen-

    cadeia de forma irreversvel e o prognstico de vida pode ser definido em dias a semanas,

    os Cuidados Paliativos se tornam imprescindveis e complexos o suficiente para deman-

    dar uma ateno especfica e contnua ao doente e sua famlia, prevenindo uma morte

    catica e com grande sofrimento. A preveno continua sendo uma demanda importante

    neste perodo. Aes coordenadas e bem desenvolvidas de cuidados paliativos ao longo

    de todo o processo, do adoecer ao morrer, so capazes de reduzir drasticamente a neces-

    sidade de intervenes, como uma sedao terminal ou sedao paliativa.

    Outro conceito superado o do paciente que est fora de possibilidades tera-

    puticas. Sempre h uma teraputica a ser preconizada para um doente. Na fase

    avanada de uma doena e com poucas chances de cura, os sintomas fsicos so

    fatores de desconforto. Para estes existem procedimentos, medicamentos e aborda-

    gens capazes de proporcionar um bem-estar fsico at o final da vida. Esta teraputica

    no pode ser negada ao doente.

    O caminho da informao adequada, da formao de equipes profissionais com-

    petentes, da reafirmao dos princpios dos Cuidados Paliativos e da demonstrao

    de resultados positivos desta modalidade de tratamento, constitui em a melhor forma

    de transpor barreiras ainda existentes para a implantao de uma poltica de Cuida-

    dos Paliativos efetiva e integrante de todas as polticas pblicas de sade.

    HistriaPara entender a origem do termo Hospice, por muito tempo usado para designar

    a prtica dos Cuidados Paliativos, necessrio um pequeno mergulho na histria

    (Tabela 3).

  • 18

    O termo foi primariamente usado para definir espcies de abrigos destinados ao

    conforto e a cuidados com peregrinos e viajantes. O relato mais antigo do Hospcio

    do Porto de Roma, sculo V, onde Fabola, discpula de So Jernimo, cuidava de

    viajantes oriundos da sia, frica e do Leste. (Cortes, 1988).

    Os Hospices medievais por sua vez abrigavam peregrinos e doentes, ao longo de

    trajetos conhecidos na Europa, como o caminho de Santiago de Compostela. Muitos

    deles morriam nestas hospedarias, recebendo cuidado leigo e caridoso.

    Instituies de caridade surgiram na Europa do sculo XVII e construram abrigos

    para rfos, pobres e doentes, uma prtica que se propagou por organizaes catli-

    cas e protestantes em vrios pontos do continente, e que, no sculo XIX, comearam

    a ter caractersticas de hospitais, com alas destinadas aos cuidados de doentes com

    tuberculose e alguns com cncer. O cuidado a estes doentes era essencialmente leigo

    e voltado para o cuidado espiritual e tentativa de controle da dor.

    Foi num local como este, o St. Lukes Home, em Londres, que a enfermeira e

    assistente social inglesa Cicely Saunders foi trabalhar em meados do sculo XX.

    Inconformada com o sofrimento humano, estudou medicina, formou-se aos 40 anos

    de idade e dedicou-se ao estudo do alvio da dor nos doentes terminais. Cicely Saunders

    publicou artigos fundamentais em que descreve as necessidades destes doentes, di-

    fundiu o conceito da dor total e se tornou uma grande defensora dos cuidados a

    serem dispensados ao final da vida. (Secpal).

    Em 1967, Cicely fundou em Londres o St Christhofer Hospice e deu incio ao que

    se chama hoje de Movimento Hospice Moderno. A estrutura do St. Christopher per-

    mitiu no apenas a assistncia aos doentes, mas esforos de ensino e pesquisa, rece-

    bendo bolsistas de vrios pases (Pessini, 2005).

    No incio da dcada de 1970, o encontro de Cicely Saunders com a psiquiatra

    norte-americana Elizabeth Klber-Ross, nos Estados Unidos, fez crescer tambm l o

    movimento Hospice. O primeiro Hospice americano foi fundado em Connecticut em

    1975 e, em 1982, uma lei americana permitiu o estabelecimento do que passa a se

    chamar Hospice Care e promoveu aes especialmente de cuidado domiciliar atra-

    vs de um sistema de reembolso (Foley, 2005, Klber-Ross,1998).

    Em 1982 o comit de Cncer da Organizao Mundial de Sade OMS criou um

    grupo de trabalho para definir polticas que visassem ao alvio da dor e aos cuidados

    do tipo Hospice para doentes com cncer e que fossem recomendveis a todos os

    pases. O termo Cuidados Paliativos passou a ser adotado pela OMS, em funo das

    dificuldades de traduo fidedigna do termo Hospice em alguns idiomas. Este termo

    j havia sido usado no Canad em 1975 (Foley, 2005).

    A OMS publicou sua primeira definio de Cuidados Paliativos em 1986:

    DEFINIES E PRINCPIOS

  • 19

    CUIDADO PALIATIVO

    Cuidado ativo e total para pacientes cuja doena no responsiva a tratamento

    de cura. Controle da dor, de outros sintomas e de problemas psicossociais e espirituais

    so primordiais. O objetivo do Cuidado Paliativo proporcionar a melhor qualidade

    de vida possvel para pacientes e familiares.

    Esta definio, ainda referida por diversos autores, foi revisada em 2002 e substi-

    tuda pela atual, com o objetivo de ampliar o conceito e torn-lo aplicvel a todas as

    doenas, o mais precocemente possvel.

    Ainda em 2002, dois documentos importantes foram publicados pela OMS:

    The Solid Facts of Palliative Care e Better Care of the Elderly. Ambos recomendaram

    os Cuidados Paliativos como estratgia de ao em sistemas nacionais de sade.

    Os Cuidados Paliativos saram da esfera do cncer para outras reas do conheci-

    mento, como pediatria, geriatria, HIV/AIDS, doenas crnicas etc. (Davies, 2004;

    WHO, 2004).

    Muitos pases programaram suas aes ou iniciaram suas atividades entre 1999 e

    2001. No Brasil, observou-se igualmente o surgimento de vrios servios nesta mes-

    ma poca. Atribuiu-se este crescimento publicao do estudo Support, em 1995,

    nos Estados Unidos. Este estudo multicntrico, realizado em cinco grandes hospitais

    norte-americanos, entre 1989 e 1994, envolveu cerca de dez mil pacientes portado-

    res de doenas intratveis e prognstico de vida estimado em seis meses. O estudo

    apontou questes fundamentais no final da vida: a comunicao entre pacientes e

    familiares com a equipe de sade sobre o final da vida pobre; o custo da ateno no

    final da vida elevado e metade dos pacientes morre com dor moderada ou severa,

    sem nenhuma prescrio analgsica (Support, 1995).

    A sistematizao dos Cuidados Paliativos, a partir da criao do St. Christopher,

    tem 40 anos. O primeiro pas a reconhecer a medicina paliativa como especialidade

    da rea mdica (Reino Unido, em 1987) o fez h 20 anos, quase a mesma data da

    primeira definio publicada mundialmente. A definio moderna e as novas reco-

    mendaes completaram em 2007 cinco anos, fatos muito recentes na histria da

    medicina (Maciel, 2006).

    Princpios dos Cuidados PaliativosOs Cuidados Paliativos baseiam-se em conhecimento cientfico inerente a vrias

    especialidades e possibilidades de interveno clnica e teraputica nas diversas reas

    de conhecimento da cincia mdica.Porm, o trabalho de uma equipe de Cuidados

    Paliativos regido por princpios claros, que podem ser evocados em todas as ativi-

    dades desenvolvidas. Estes princpios tambm foram publicados pela OMS em 1986

    e reafirmados em 2002 (WHO, 1990; 2004).

  • 20

    Cuidado Paliativo:

    Promove o alvio da dor e de outros sintomas estressantes: Considere-se aqui os

    sintomas estressantes para o doente, principal foco da ateno.

    Reafirma a vida e v a morte como um processo natural: Condio fundamental

    para quem deseja trabalhar com Cuidados Paliativos ter sempre presente o sentido

    da terminalidade da vida. O que no significa banalizar a morte e nem deixar de

    preservar a vida. Porm, a compreenso do processo de morrer permite ao paliativista

    ajudar o paciente a compreender sua doena, a discutir claramente o processo da sua

    finitude e a tomar decises importantes para viver melhor o tempo que lhe resta.

    No pretende antecipar e nem postergar a morte: Porm, sabe que ao propor

    medidas que melhorem a qualidade de vida, a doena pode ter sua evoluo retarda-

    da. As aes so sempre ativas e reabilitadoras, dentro de um limite no qual nenhum

    tratamento pode significar mais desconforto ao doente do que sua prpria doena.

    Integra aspectos psicossociais e espirituais ao cuidado: Por este motivo o cuida-

    do paliativo sempre conduzido por uma equipe multiprofissional, cada qual em seu

    papel especfico, mas agindo de forma integrada, com freqentes discusses de caso,

    identificao de problemas e decises tomadas em conjunto.

    Oferece um sistema de suporte que auxilie o paciente a viver to ativamente

    quanto possvel, at a sua morte: Este princpio determina a importncia das decises e

    a atitude do paliativista. Segui-lo fielmente significa no poupar esforos em prol do

    melhor bem-estar e no se precipitar, em especial, na ateno fase final da vida,

    evitando-se a prescrio de esquemas de sedao pesados, exceto quando diante de

    situaes dramticas e irreversveis, esgotados todos os recursos possveis para o con-

    trole do quadro. A sedao est indicada em situaes de dispnia intratvel, hemorra-

    gias incontroladas, delrium e dor refratria a tratamento (Doyle, 2000), o que, com

    todo o conhecimento atual de analgsicos e procedimentos adequados, situao rara.

    Oferece um sistema de suporte que auxilie a famlia e entes queridos a sentirem-

    se amparados durante todo o processo da doena: Famlia em Cuidados Paliativos

    unidade de cuidados tanto quanto o doente. Deve ser adequadamente informada, man-

    tendo um excelente canal de comunicao com a equipe. Quando os familiares com-

    preendem todo o processo de evoluo da doena e participam ativamente do cuidado

    sentem-se mais seguros e amparados. Algumas complicaes no perodo do luto podem

    ser prevenidas. preciso ter a mesma delicadeza da comunicao com o doente, aguar-

    dar as mesmas reaes diante da perda e manter a atitude de conforto aps a morte.

    Deve ser iniciado o mais precocemente possvel, junto a outras medidas de

    prolongamento de vida, como a quimioterapia e a radioterapia, e incluir todas as

    investigaes necessrias para melhor compreenso e manejo dos sintomas: Estar

    DEFINIES E PRINCPIOS

  • 21

    CUIDADO PALIATIVO

    em Cuidados Paliativos no significa ser privado dos recursos diagnsticos e

    teraputicos que a medicina pode oferecer. Deve-se us-los de forma hierarquizada,

    levando-se em considerao os benefcios que podem trazer e os malefcios que

    devem ser evitados (Piva, 2002). Comear precocemente a abordagem paliativa per-

    mite a antecipao dos sintomas, podendo preveni-los. A integrao do paliativista

    com a equipe que promove o tratamento curativo possibilita a elaborao de um

    plano integral de cuidados, que perpasse todo o tratamento, desde o diagnstico at

    a morte e o perodo aps a morte do doente.

    Princpios do Controle dos SintomasA prtica dos Cuidados Paliativos baseia-se no controle impecvel dos sintomas

    de natureza fsica, psicolgica, social e espiritual.

    Os princpios do controle destes sintomas (Neto, 2006) se baseiam em:

    Avaliar antes de tratar;

    Explicar as causas dos sintomas;

    No esperar que um doente se queixe;

    Adotar uma estratgia teraputica mista;

    Monitorizar os sintomas;

    Reavaliar regularmente as medidas teraputicas;

    Cuidar dos detalhes;

    Estar disponvel.

    Os sintomas devem ser avaliados periodicamente e registrados de forma acess-

    vel para todos os integrantes da equipe. Algumas escalas foram criadas com tal obje-

    tivo e a avaliao atravs de uma pontuao de zero a dez possvel de ser utilizada

    para avaliar vrios sintomas, sendo acessvel para toda a equipe. Em casa, o doente

    pode ter a ajuda de um familiar ou cuidador. O servio de Cuidados Paliativos de

    Edmonton, no Canad, elaborou um quadro de avaliao de sintomas, traduzido e

    adaptado por Neto 2006 (Tabela 1).

    A ateno aos detalhes imperativa. Cada sintoma deve ser valorizado, minuciosa-

    mente estudado, e, sempre que possvel, reverter uma causa do evento deve ser conside-

    rada como uma alternativa pela equipe. A abordagem de alvio do sintoma sem interven-

    o em sua causa deve seguir o princpio da hierarquizao e da no-maleficncia.

    Antecipao de sintomas possvel quando se conhece a histria natural de uma

    doena, tarefa do mdico assistente. Medidas teraputicas jamais podem se limitar

    aplicao de frmacos. Todos os recursos no-farmacolgicos podem ser utilizados,

    desde que confortveis e aceitos pelo doente. Uma unidade de Cuidados Paliativos

    deve contar com recursos como: psicoterapia, acupuntura, massagens e tcnicas de

  • 22

    relaxamento corporal, musicoterapia, terapia ocupacional, fisioterapia e acesso a

    procedimentos anestsicos e cirrgicos para alvio de sintomas.

    Individualizao do tratamento imperiosa, assim como a ateno a detalhes. O

    paliativista minimalista na avaliao e reavaliao de um sintoma. Cada detalhe

    tem como finalidade ltima o conforto e o bem-estar do doente. clssica a afirma-

    o do Dr. Twycross: A primeira atitude aps iniciar o tratamento de um sintoma

    reavaliar. A segunda reavaliar e a terceira reavaliar (Twycross, 2003).

    O quadro clnico de um doente em fase final da vida pode se modificar vrias

    vezes durante o dia. A ateno a esta fase deve ser contnua e toda a equipe deve ser

    treinada para observar e alertar quanto a estas mudanas. Estar disponvel para apoiar

    o doente, tomar decises e conversar com familiares so caractersticas imprescind-

    veis a todo o grupo.

    Definies ImportantesA prtica dos Cuidados Paliativos deve ser adaptada a cada pas ou regio de acordo

    com aspectos relevantes como: disponibilidade de recursos materiais e humanos, tipo de

    planejamento em sade existente, aspectos culturais e sociais da populao atendida.

    Algumas definies sugeridas a seguir so frutos de discusses em grupos de

    trabalho, como o formado no Conselho Regional de Medicina do Estado de So Pau-

    lo e na Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP, 2007). No devem ter

    carter normatizador ou impositivo, mas podem servir como sugesto para a formu-

    lao de polticas locais de Cuidados Paliativos.

    Paciente terminal: O grupo do Cremesp sugere que se evite este termo por ser

    muitas vezes estigmatizante e capaz de gerar confuses. A literatura mundial o define

    de formas diferentes, como a existncia de doena incurvel, o perodo compreendi-

    do entre o final do tratamento curativo e a morte, ou, ainda, como a fase designada

    como processo de morte, que inclui duas fases distintas: ltimas semanas de vida e

    ltimas horas de vida. A sugesto que se designe:

    Paciente elegvel para Cuidados Paliativos: A pessoa portadora de doena crni-

    ca, evolutiva e progressiva, com prognstico de vida supostamente encurtado a me-

    ses ou ano. Em doenas de progresso lenta como o Mal de Alzheimer, algumas

    sndromes neurolgicas e determinados tipos de tumor, considera-se o perodo de

    alta dependncia para as atividades de vida diria, com possibilidade de um prog-

    nstico superior a um ano de vida. Corresponde a um perfil funcional igual ou inferior

    a 40% ou menos na escala de Karnofsky ou PPS (Tabela 2).

    Paciente em processo de morte: Aquele que apresenta sinais de rpida progres-

    so da doena, com prognstico estimado a semanas de vida a ms.

    DEFINIES E PRINCPIOS

  • 23

    CUIDADO PALIATIVO

    Fase final da vida: Aquele perodo em que supostamente o prognstico de vida

    pode ser estimado em horas ou dias. Neste livro est descrito no captulo sobre a

    ateno dirigida s ltimas 48 horas de vida.

    Paliao: Toda medida que resulte em alvio de um sofrimento do doente.

    Ao paliativa: Qualquer medida teraputica, sem inteno curativa, que visa a

    diminuir, em ambiente hospitalar ou domiciliar, as repercusses negativas da doena

    sobre o bem-estar do paciente. parte integrante da prtica do profissional de sade,

    independente da doena ou de seu estgio de evoluo.

    Indicao dos Cuidados PaliativosQuando se fala em doena ativa, progressiva e ameaadora continuidade da

    vida significa que os Cuidados Paliativos podem e devem ser indicados na vigncia

    de doenas crnicas em diferentes fases de evoluo: trata-se da possibilidade de a

    morte por evoluo natural de um processo de adoecer, que pode se arrastar por

    anos. S no possvel aplicar os princpios dos Cuidados Paliativos quando h mor-

    te sbita por doena, acidente ou violncia (Lynn, 2005).

    Porm, a diferena na amplitude dos cuidados e na sua pertinncia depende da

    fase em que se encontra a doena e da histria natural de cada uma delas.

    Para pacientes com cncer, sabe-se que o contato com o diagnstico a fase mais

    difcil, e que sempre se necessita de suporte emocional para enfrentar o perodo de trata-

    mento e as adaptaes ao adoecer. doena eminentemente ameaadora. O tratamento

    pode trazer desconforto, a dor pode se manifestar como primeiro sintoma ou ser conse-

    qente ao prprio tratamento, e nunca pode ser desconsiderada. O tratamento adequado

    da dor em qualquer doena imprescindvel e a presena da dor deve ser inaceitvel.

    Aps determinado perodo, por falncia do tratamento ou recidiva, a doena evolui

    de forma progressiva e inversamente proporcional condio clnica e capacidade funcio-

    nal do doente (Maciel, 2007). O declnio perfeitamente visvel, e os Cuidados Paliativos

    se tornam imperativos. Chega-se a um perodo no qual a morte inevitvel e uma cadeia

    de sinais e sintomas anunciam sua proximidade. Esse perodo, chamado de fase final da

    vida, requer ateno especial, vigilncia intensa e uma teraputica especializada e abso-

    lutamente voltada para o alvio dos sintomas do paciente (Figura 1). O objetivo da assis-

    tncia a essa fase da vida proporcionar o devido conforto sem que a conscincia fique

    comprometida a ponto de tirar do paciente sua capacidade de se comunicar.

    Para portadores de outras patologias crnicas como as falncias funcionais e as

    sndromes demenciais, o comportamento da doena tende a ser mais lento, cheio de

    intercorrncias, designadas como crises de necessidades. A cada crise, a capacidade

    funcional do doente declina e a recuperao nunca o remete ao patamar funcional

  • 24

    anterior. At que se crie uma situao de alta dependncia (Figura 2). Nesse momento,

    a paliao se torna imperativa e no se indicam os tratamentos invasivos e dolorosos,

    sob pena de proporcionar apenas prolongamento intil de sofrimento. O doente deve

    continuar a receber cuidados essenciais e suporte de vida, incluindo a ateno cons-

    tante da famlia e de seu entorno afetivo, de modo a jamais se sentir abandonado ou

    maltratado. Nesta fase, na qual o doente tem muita dificuldade em expressar sofrimen-

    to e sintomas, o cuidador desenvolve poder de observao e comunicao silenciosa

    com o doente. O objetivo perceber diferentes necessidades, proporcionando-lhe o

    necessrio conforto (Maciel, 2007). O processo final pode advir de uma complicao

    de difcil controle ou simplesmente falncia funcional mltipla. Estas podem ser deter-

    minadas por danos preexistentes e acumuladas nas diferentes crises de necessidades.

    No caso dos portadores de seqelas neurolgicas (vtima de acidentes vasculares

    cerebrais graves ou mltiplos), traumatismos ou outras condies que determinaram

    dano neurolgico grave e irreversvel, a condio semelhante, com a diferena de

    que a incapacidade funcional se instala de forma aguda (Figura 3) e o perodo de alta

    dependncia pode durar meses ou anos (Maciel, 2007).

    Nas situaes em que o doente tem alta dependncia, os Cuidados Paliativos se

    impem. Torna-se imperioso o trabalho de educao para aes como os cuidados

    no leito, a preveno de feridas, os cuidados com a alimentao, as adaptaes da

    oferta de alimentos e a comunicao amorosa. Os medicamentos que retardavam a

    evoluo da doena devem ser suspensos, assim como se deve ter parcimnia no

    tratamento de intercorrncias, evitando-se as intervenes agressivas. Deve-se estar

    atento ao controle da dor que o imobilismo e os procedimentos de conforto podem

    trazer (curativos, mobilizaes, trocas e aspiraes de vias areas superiores). A pre-

    sena da famlia deve ser facilitada e a boa comunicao tem por objetivo manter

    todos os envolvidos conscientes de todo o processo. Famlia bem-informada torna-se

    excelente parceira no cuidar, detecta situaes de risco precocemente e previne com-

    plicaes e novas dependncias.

    Os Cuidados Paliativos precisam ser rigorosamente administrados no mbito das

    prticas de sade, com intenso controle e aplicao de fundamento cientfico sua

    prtica, para jamais serem confundidos com descaso, desateno, ausncia de assis-

    tncia ou negligncia.

    As decises pertinentes a cada fase so baseadas em parmetros como as escalas

    de desempenho, importantes para definir prognstico em Cuidados Paliativos. Em

    2002 Harlos adaptou a escala de Karnofsky aos Cuidados Paliativos, criando a PPS

    (Palliative Performance Scale), e demonstrou que s 10% dos pacientes com PPS

    igual a 50% tm sobrevida superior a seis meses. Estes pacientes devem ter

    DEFINIES E PRINCPIOS

  • 25

    CUIDADO PALIATIVO

    acompanhamento ativo por equipe de Cuidados Paliativos. A fase final da vida coin-

    cide com PPS em torno de 20% (Tabela 2).

    O fato de estar em condio de incurabilidade no significa que no haja mais o

    que ser feito luz do conhecimento acumulado na rea da assistncia sade. O que

    muda o enfoque do cuidado, que agora se volta s necessidades do doente e sua

    famlia, em detrimento do esforo pouco efetivo para curar doena.

    Cuidados Paliativos no Mundo e no BrasilDocumento intitulado Mapping levels of Palliative Care Development: a Global

    View, elaborado pelo International Observatory on End of Life Care IOELC da Uni-

    versidade de Lancaster, no Reino Unido, e divulgado em novembro de 2006, revela um

    estudo realizado em 234 pases que compem a Organizao das Naes Unidas. O

    estudo identificou a presena e complexidade de servios de Cuidados Paliativos nestes

    pases e os classificou em quatro nveis distintos: Grupo IV = 35 pases = possuem servi-

    os de Cuidados Paliativos e uma poltica estruturada de proviso destes servios; Grupo

    III = 80 pases = presena de servios isolados de Cuidados Paliativos, entre os quais se

    encontra o Brasil; Grupo II = 41 pases = no possuem servios estruturados, mas tm

    iniciativas, no sentido de formarem profissionais e equipes; Grupo I = 79 pases = onde

    no h registro de nenhuma iniciativa de Cuidados Paliativos (Wright, 2006).

    Em quarenta anos de conhecimento e desenvolvimento dos Cuidados Paliativos,

    a prtica est bem estruturada em apenas 35 pases. Porm, outras 121 naes j

    sinalizam esforos para implantar polticas adequadas.

    O IOELC identificou no Brasil apenas 14 servios e nenhuma iniciativa oficial. Esta

    realidade aparentemente j est diferente e tende a mudar muito rapidamente. S no

    Estado de So Paulo, entre servios conhecidos e estruturados, podemos contar pelo

    menos 13 iniciativas. A julgar pela participao em congressos e divulgao de servios,

    estima-se a existncia de pelo menos 40 iniciativas no Pas. Muito pouco para nossa

    extenso continental. Porm, no se podem negar as iniciativas gerais que incluem:

    1. A criao de uma Cmara Tcnica em Controle da Dor e Cuidados Paliativos

    criada por portaria n 3.150 do Ministrio da Sade em 12 de dezembro de 2006,

    com finalidade de estabelecer diretrizes nacionais para a assistncia em dor e os

    cuidados paliativos (Ministrio da Sade, 2006).

    2. A criao de uma Cmara Tcnica sobre a Terminalidade da Vida no Conselho

    Federal de Medicina CFM, que em 2006, aprovou a resoluo 1.805/06 que dispe

    sobre a ortotansia no Brasil (Conselho Federal de Medicina, 2006). Esta resoluo

    coloca em foco a necessidade de se reconhecer os Cuidados Paliativos e o CFM estabe-

    leceu a Cmara Tcnica sobre a Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos, com a

  • 26

    Quadro 1 Definio e Princpios dos Cuidados Paliativos da OMS 2002

    Palliative care improves the quality of life of patients and families who face life-threatening

    illness, by providing pain and symptom relief, spiritual and psychosocial support to from diagnosis

    to the end of life and bereavement.

    Palliative care:

    provides relief from pain and other distressing symptoms;

    affirms life and regards dying as a normal process;

    intends neither to hasten or postpone death;

    integrates the psychological and spiritual aspects of patient care;

    offers a support system to help patients live as actively as possible until death;

    offers a support system to help the family cope during the patients illness and in their own

    bereavement;

    uses a team approach to address the needs of patients and their families, including bereavement

    counselling, if indicated;

    will enhance quality of life, and may also positively influence the course of illness;

    is applicable early in the course of illness, in conjunction with other therapies that are intended

    to prolong life, such as chemotherapy or radiation therapy, and includes those investigations

    needed to better understand and manage distressing clinical complications.

    DEFINIES E PRINCPIOS

    finalidade de definir os Cuidados Paliativos como rea do conhecimento e reconhecer

    a prtica da Medicina Paliativa no Brasil.

    3. A proposta de formao de um Comit de Medicina Paliativa na Associao

    Mdica Brasileira AMB, com inteno de propor o reconhecimento da medicina

    paliativa como rea de atuao do mdico numa equipe de Cuidados Paliativos.

    4. A existncia da Academia Nacional de Cuidados Paliativos ANCP, associa-

    o de profissionais atuantes na rea de Cuidados Paliativos e que participa ativa-

    mente de todas estas instncias polticas.

    Estas iniciativas sinalizam um futuro prximo em que os Cuidados Paliativos

    sero parte integrante e essencial da assistncia sade em todos os municpios e

    estados da federao.

  • 27

    CUIDADO PALIATIVO

    Tabela 1 Escala de Avaliao de Sintomas de Edmonton - ESAS

    Fonte: Regional Palliative Care Program, Capital Health, Edmonton, Alberta, 2003.Traduzido e adaptado ao portugus por Neto, IG. 2006.

    AVALIAO DE SINTOMAS

    Data: ___________________ Preenchido por: ______________________________________

    Por favor circule o n. que melhor descreve a intensidade dos seguintes sintomas neste

    momento. (Tambm se pode perguntar a mdia durante as ltimas 24 horas).

    Sem Dor = 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 = Pior dor possvel

    Sem Cansao = 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 = Pior cansao possvel

    Sem Nusea = 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 = Pior nusea possvel

    Sem Depresso = 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 = Pior depresso possvel

    Sem Ansiedade = 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 = Pior ansiedade possvel

    Sem Sonolncia = 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 = Pior sonolncia possvel

    Muito Bom Apetite = 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 = Pior apetite possvel

    Sem Falta de Ar = 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 = Pior falta de ar possvel

    Melhor sensao= 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 =

    Pior sensao dede bem estar bem estar possvel

  • 28

    Fonte: HarlosM, Woelk C. Guideline for estimating length of survival in Palliative Patients. Em htpp://www.palliative.info.Traduzido e adaptado por Neto, 2006.

    Tabela 2 Escala de Performance Paliativa (PPS)

    Atividade e Auto- Nvel da% Deambulao evidncia da doena cuidado Ingesto Conscincia

    100 Completa Normal; Completo Normal Completasem evidnciade doena

    90 Completa Normal; Completo Normal Completaalguma evidnciade doena

    80 Completa Com esforo; Completo Normal Completaalguma evidnciade doena

    70 Reduzida Incapaz para o Completo Normal CompletaTrabalho; alguma ou reduzidaevidncia de doena

    60 Reduzida Incapaz de realizar Assistncia Normal Perodoshobbies; doena ocasional ou reduzida de confusosignificativa ou completa

    50 Sentado Incapacitado para Assistncia Normal Perodosou deitado qualquer trabalho; Considervel ou reduzida de confuso

    doena extensa ou completa

    40 Acamado Idem Assistncia Normal Perodosquase ou reduzida de confusocompleta ou completa

    30 Acamado Idem Dependncia Reduzida PerodosCompleta de confuso

    ou completa

    20 Acamado Idem Idem Ingesto Perodoslimitada a de confusocolheradas ou completa

    10 Acamado Idem idem Cuidados Confusocom a boca ou em coma

    0 Morte

    DEFINIES E PRINCPIOS

  • 29

    CUIDADO PALIATIVO

    Tabela 3 Alguns Precedentes Histricos do Movimento Hospice

    Fonte: SECPAL - Historia de los Cuidados Paliativos & el Movimento Hospice, em http://www.secpal.cm, acessadoem mar/2007 e traduzido pela autora.

    Sculo Ano Lugar Tipo de centro Pessoa

    V 400 Ostia Hospcio no Porto de Roma Fabola, discpula de So Jernimo

    XII Europa Hospcios e Hospedaria Medievais Cavalheiros Hospitalrios

    XVII 1625 Frana Lazaretos e hospicios So Vicente de Paula e asirms de caridade

    XIX 1842 Lyon Hospices ou Calvaries Jean Granier e a Associao demulheres do Calvrio

    XIX Prussia Fundao Kaiserwerth Pastor flinder

    XIX 1879 Dublin Our Ladys Hospice Madre Mary Aikenhead e asirms Irlandesas de Caridade

    XIX 1872 Londres The hostel of God (Trinity Hospice), Fundaes ProtestantesSt Lukes Home e outrosresidenciais protestantes

    XX 1909 Londres St. Josephs Hospice Irms Irlandesas de Caridade

    XX 1967 Londres St. Christhophers Hospice Cicely Saunders

    XX 1975 Montreal Unidade de Cuidados Paliativos Balfour Mountdo Royal Victoria Hospital

  • 30

    Figura 1 Pacientes com Cncer

    Figura 2 Pacientes com Cncer

    Figura 3 Seqelados Neurolgicos

    Lynn and Adamson, 2003. Modificado Maciel, MG

    Lynn and Adamson, 2003. Modificado Maciel, MG

    Lynn and Adamson, 2003. Modificado Maciel, MG

    DEFINIES E PRINCPIOS

  • 31

    CUIDADO PALIATIVO

    Referncias Bibliogrficas:

    1. Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Critrios de qualidade para os cuidados pali-ativos no Brasil. Rio de Janeiro: Diagraphic editora; 2007.

    2. Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resoluo n. 1.805, de 9 de novembro de 2006.Dispe sobre na fase terminal de enfermidades graves e incurveis permitido ao mdicolimitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente,garantindo-lhe os cuidados necessrios para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento,na perspectiva de uma assistncia integral, respeitada a vontade do paciente ou de seurepresentante legal. Dirio Oficial da Unio, Poder Executivo, Brasilia (DF). 28 nov. 2006;seo 1:196.

    3. Cortes CC. Historia y desarrollo de los cuidados paliativos. In: Marcos GS, ed. Cuidadospaliativos e intervencin psicosocial en enfermos de cncer. Las Palmas: ICEPS; 1988.

    4. Davies E, Higginson I. The solid facts: palliative Care. Geneva: WHO; 2004.

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  • 32

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    DEFINIES E PRINCPIOS

  • 33

    CUIDADO PALIATIVO

    FALANDO DA COMUNICAOMaria Jlia Paes da Silva

    II

  • 34

    Eu sabia que na minha profisso eu iria viver literalmente com o sofri-mento humano, e sempre me preocupou esse lado dramtico que en-volve nossa profisso: porque ela vive de vida, do sofrimento do doen-te e tambm da morte. A morte, sempre imbatvel e triunfante. (...)Precisamos ter humildade, porque a cincia vai ficar sempre com suasdvidas e a natureza com seus mistrios....

    Prof. Dr. Carlos da Silva Lacaz (aput Millan et al.7).

    As pesquisas tm mostrado que o mdico aprende a lidar com a doena, mas no

    a lidar com o doente. Em Cuidados Paliativos esse um grande problema porque a

    doena segue seu fluxo e o grande desafio como lidar com o doente. A maneira

    como dado o diagnstico dentro do discurso mdico nos leva a pensar em um ser

    humano vulnervel em seus sentimentos, sem se dar conta dos efeitos emocionais

    que pode causar aos pacientes ao longo da doena e do tratamento oferecido, bem

    como aos familiares e at mesmo a si prprio.

    Mais do que um bilogo, mais do que um naturalista, o mdico e todos os profis-

    sionais da rea de sade deveriam ser fundamentalmente humanistas. Um sbio que,

    na formulao de seu diagnstico e no contato com o paciente, leve em conta no

    apenas os dados biolgicos, mas tambm os ambientais, culturais, sociolgicos, fa-

    miliares, psicolgicos e espirituais.

    Na viso de LeShan5, muitos mdicos definem um bom paciente como aquele

    que aceita as suas declaraes e aes sem crticas ou questionamentos. Um mau

    paciente aquele que faz perguntas para as quais no h respostas e levantam pro-

    blemas que os fazem sentir constrangidos. O mdico dificilmente recebeu uma for-

    mao que o ajude a dizer Ajudei a sra. Maria a morrer bem. muito difcil, com a

    formao atual, o mdico e os demais profissionais da rea de sade aceitarem que

    um dos seus papis o de ajudar as pessoas a morrerem bem. O foco de toda forma-

    o a cura ou a estabilizao das funes vitais13.

    FALANDO DA COMUNICAO

  • 35

    CUIDADO PALIATIVO

    Costa2 apresenta a fala de uma paciente em que se percebe que, apesar de sabe-

    rem dos procedimentos que so tomados, os mdicos no internalizam a gravidade

    ou no de seus diagnsticos, de suas falas, do impacto que causam em seus pacien-

    tes, deixando o mesmo como pano de fundo de uma realidade incompreensvel:

    ... quase ca do banco, no queria ouvir aquilo... Em setembro seu

    pulmo estava limpinho e agora est cheio de ndulos (um ms

    depois). O mdico disse olhando para a radiografia, para uma par-

    te de mim... me revoltei, recusei a fazer quimioterapia, meu direi-

    to. Vocs so timos mdicos, excelente hospital, mas o cncer d

    um baile em vocs...agora sei que estou morrendo, quero morrer

    com dignidade, em minha casa...

    O contedo, a forma, o momento de apresentao das palavras tm tal poder de

    penetrao que so capazes de remeter a situaes tidas como irreversveis, como

    demonstra tambm a fala seguinte2:

    ... a mdica me acordou s cinco horas da manh, balanando o

    meu p, e me disse: voc no vai mais andar. Eu comecei a morrer

    ali, nem acordada direito eu estava...

    Com essas falas pode-se perceber o quanto a tristeza de um diagnstico ruim

    insuportvel para ambos, mdico e paciente, sendo que o mdico reage a essa triste-

    za usando os mecanismos de defesa que aprendeu ao longo de sua formao, em

    especial, o distanciamento. E o paciente muitas vezes reage atravs da depresso e da

    melancolia, pela falta de acolhimento no momento de to grande dor. A formao

    mdica visa abordagem, diagnstico, tratamento de algo chamado doena, da mes-

    ma forma que o economista lida com algo chamado nmero, dinheiro, por exemplo.

    Infelizmente, muitas vezes, entra-se em uma rotina pesada, estressante e exaustiva,

    que faz com que se esquea ou negligencie-se que se trata de uma pessoa e no de

    uma doena apenas.

    freqente a falta de formao humana e pessoal adequada para lidar com essas

    questes. Como, por exemplo, se o economista tivesse feito um mau negcio e perdi-

    do dinheiro. Essa coisificao leva inadequao da compreenso da essncia dos

    cuidados paliativos. importante compreender que quando se pensa em comunica-

    o nos cuidados paliativos, a qualidade dos relacionamentos se torna mais impor-

    tante do que a prpria doena, j que ela no ser curada; so os relacionamentos

    os aspectos mais importantes para qualificar a vida nessa fase. Talvez em todas: a

    situao da aproximao da morte apenas torna isso gritante.

  • 36

    Informar a Quem?O processo de informao ao paciente com qualquer enfermidade severa ou

    incapacitante extremamente complexo e se compe de uma multiplicidade de fato-

    res, destacando-se: a informao oferecida pelo mdico, a informao retida pelo

    paciente, o conhecimento que ele tenha da enfermidade, o desejo que ele tenha de

    ter a informao e a satisfao com a informao recebida15.

    Quanto ao desejo de ter a informao, alguns autores salientam que estudos em

    vrios pases do mundo j verificaram que, de uma forma geral, a maioria das pessoas

    manifestou o desejo de saber corretamente o diagnstico caso viessem a desenvolver

    uma doena grave10,12. Stuart et al.15 tambm afirmam que privar uma pessoa do

    conhecimento sobre os processos de sua doena viol-la de seus direitos; se engana

    o paciente para evitar que ele se deprima, mas rapidamente a esperana inicial ser

    suplantada pela desesperana produzida pelo engano (traio), que conduz a um

    estado de perda de confiana em seu mdico.

    No Brasil, um estudo no servio de Clnica Mdica do Hospital das Clnicas da

    Faculdade de Medicina da USP, com 363 pessoas atendidas, constatou que 96,1%

    das mulheres e 92,6% dos homens mostraram desejo de serem informados do diag-

    nstico de cncer e 87,7% das mulheres e 84,2% dos homens desejaram que sua

    famlia tambm fosse informada. 94,2% das mulheres e 91% dos homens afirmaram

    querer saber do diagnstico de AIDS. O desejo de participar das decises teraputi-

    cas foi menor nos homens e nas pessoas com mais de 60 anos3.

    Na China, Lui, Mok e Wong6 verificaram que so os pacientes mais jovens e

    instrudos que querem saber mais informaes sobre diagnstico e opes de trata-

    mento. Que esperam que lhes seja dado suporte emocional (atravs da comunica-

    o) pela equipe e famlia, apesar de, com alguma freqncia, referirem no falar das

    prprias emoes com a famlia para no preocup-la ainda mais. Esperam que o

    profissional seja paciente, discorra claramente sobre a doena, tratamento e efeitos

    colaterais, esteja sensvel s reaes emocionais que possam apresentar e escute res-

    peitosamente suas sugestes. Isso implica tambm em se calar para ouvir e perceber

    quais so as respostas e demandas do paciente e de sua famlia. comum o profis-

    sional falar demais na hora das notcias ruins, justificar demais, florear demais. O

    fato um s, concreto... e, freqentemente, doloroso. Precisa ser vivido e o papel do

    profissional da sade dar amparo, sustentao, ao paciente e sua famlia.

    Os pacientes referem no recorrer enfermeira quando a percebem muito ocu-

    pada, com pouco tempo para estar ao lado deles, so muitos jovens (principalmente

    referido por homens mais idosos), e quando entendem que suas emoes e dilemas

    devem ser partilhados somente em famlia (so problemas particulares)6.

    FALANDO DA COMUNICAO

  • 37

    CUIDADO PALIATIVO

    Em Cuidados Paliativos fundamental os profissionais se lembrarem que os pa-

    cientes tm direito de que sejamos honestos com eles e de saber o que querem saber

    (inclusive de declinar informaes, se assim o desejarem). Sem as informaes sobre

    a sua doena e prognstico, no podem participar de seu prprio plano teraputico,

    no podem dar seu consentimento informado para o tratamento e no podem replanejar

    a prpria vida e de sua famlia.

    A comunicao honesta e completa s no deve ocorrer se o paciente no

    competente para discutir o seu prprio tratamento, se delegar a responsabilidade

    para outro membro da famlia ou se a religio ou costume cultural requerer que o

    homem seja o cabea da famlia.

    Se as pessoas diferem quanto idade, sexo, religio, condio cultural, familiar,

    socioeconmica, caractersticas da personalidade, no pode haver uma nica fr-

    mula para conversar com elas. Existem, sim, estratgias que facilitam o encontro

    teraputico, que sempre nico.

    Facilitando o que Difcil fundamental lembrar que, quando a comunicao envolve algum assunto sen-

    svel, delicado ou difcil, precisa tambm ser feita de maneira sensvel, de forma que

    possa ser entendida, sem pressa, num ambiente adequado (com poucos rudos e

    interferncias). Uma boa comunicao afeta positivamente o estado de nimo do

    paciente, sua adequao psicolgica situao e sua qualidade de vida15.

    Num interessante estudo desenvolvido em New York, por Sulmasy e Rahn16 com

    58 pessoas gravemente enfermas internadas, verificou-se, atravs de filmagens, que

    os pacientes passam a maior parte do tempo sozinhos (18 horas e 50 minutos) e que

    as visitas da equipe de sade (especialmente das enfermeiras) so freqentes, mas

    extremamente curtas. Questionam qual a qualidade da interao que pode ocorrer

    em to curto tempo de contato. Talvez se os profissionais estiverem atentos qualida-

    de de relao que pode ser conseguida com a conscincia dos sinais no-verbais,

    isso seja possvel: um olhar carinhoso, o uso do toque afetivo aliado ao toque instru-

    mental, um sorriso de compreenso...

    Em outro estudo que determina os fatores que influenciam a comunicao das

    enfermeiras com os pacientes com cncer, observou-se que a chefia da clnica, a

    crena religiosa, a atitude diante da morte e o treinamento sobre comunicao ante-

    riormente recebido so os fatores que mais se destacam na facilidade ou dificuldade

    que elas expressaram nesses contatos17. As enfermeiras que possuem treinamento em

    comunicao so capazes de facilitar a expresso dos pensamentos e sentimentos

    dos pacientes, coletando dados em maior profundidade; as demais ignoram essa

  • 38

    expresso e se restringem a transmitir e colher informaes objetivas, apenas referen-

    tes s caractersticas fsicas apresentadas pelos pacientes.

    Outros estudos relacionam domnios que o profissional deve ter para comunicar-

    se adequadamente com o paciente: estilo gramatical correto, saber utilizar as tcni-

    cas de comunicao verbal (perguntas diretivas e no-diretivas), ter clareza do assun-

    to/tema a ser discutido, saber identificar os sentimentos expressos na interao e estar

    atento e consciente das dicas no-verbais expressas pelo paciente1.

    Vrios autores propuseram um protocolo denominado CLASS, que inclui os se-

    guintes passos para a relao mdico-paciente9:

    C = contexto fsico (Context)

    L = habilidade de escutar e perceber (Listening)

    A = conhecimento das emoes e como explor-las (Acknowledge)

    S = estratgia (Strategy)

    S = sntese (Summary)

    No item contexto fsico (C) lembrada a importncia da privacidade e da dispo-

    sio das pessoas envolvidas (de tal forma que o contato visual seja possvel e ocorra)

    e da ausncia de barreiras fsicas (mesa, maca, por exemplo). Sugerem o uso do toque

    afetivo nos membros superiores do paciente como forma de demonstrao de apoio,

    proximidade e envolvimento, mas observando-se sempre se o paciente receptivo

    ao toque e no o rejeita. O telefone e as interrupes devem ser programados para

    que o mximo de ateno seja oferecido nessa interao.

    Na habilidade de escutar (L) colocada a importncia do desenvolvimento de

    um clima no relacionamento que possibilite ao paciente informar o que pensa e o

    que est sentindo. Em geral, falamos com mais tranqilidade quando sentimos que

    aquilo que falamos importante. No se deve supor que o que o paciente vai falar j

    sabido (mais um caso igual...); fazer perguntas um timo recurso9.

    Ouvir a resposta do paciente sem interromp-lo fundamental. Olh-lo enquan-

    to falar, usar meneios positivos com a cabea como reforo de que se est ouvindo,

    repetir palavras-chave utilizadas por ele, tornar claros os tpicos ambguos ou obscu-

    ros fazem parte das estratgias a serem desenvolvidas neste item12.

    No item conhecimento das emoes e como explor-las (A), Petrilli et al.9 lem-

    bram a importncia de nivelar as informaes usando uma linguagem inteligvel para o

    paciente a partir de informaes que ele j conhece, de fornecer informaes em pe-

    quenas doses verificando a receptividade do paciente (oferecendo pausas, repetindo

    conceitos com palavras diferentes), respondendo e acolhendo as emoes do paciente

    na medida em que elas forem surgindo (por exemplo: voc tem razo de ficar bravo!) e

    explorando a negao (caso ocorra), atravs de respostas empticas (vale lembrar que

    FALANDO DA COMUNICAO

  • 39

    CUIDADO PALIATIVO

    resposta emptica uma tcnica ou habilidade e no um sentimento). Uma resposta

    emptica envolve: identificar a emoo, identificar a causa ou a origem da emoo e

    responder de uma forma que mostre a compreenso da conexo entre uma e outra12.

    Vale lembrar que uma pessoa que fornece com sucesso suporte emocional outra,

    provavelmente aquela com habilidade para acessar suas prprias emoes e dores.

    No item estratgia (S), Petrilli et al9 sugerem que o profissional pense o que

    melhor em termos mdicos, considere as expectativas do paciente quanto s condi-

    es emocionais, sociais e econmicas, proponha uma estratgia, dando nfase

    qualidade de vida e mobilizando a famlia, considere a resposta do paciente (estando

    atento ao estgio adaptativo que ele est: raiva, negao, barganha, por exemplo) e

    esboce um plano, assim que possvel, descrevendo com clareza a proposta terapu-

    tica, a seqncia dos exames, retornos etc.

    A sntese (S) envolve o trmino da entrevista com o paciente e comporta trs

    componentes principais: um resumo dos principais tpicos discutidos, o

    questionamento ao paciente se existe algum tpico ainda que gostaria de discutir

    (mesmo que fique agendado para um prximo encontro em funo do tempo, por

    exemplo) e um roteiro claro para o prximo encontro.

    Esse protocolo, resumidamente, reafirma regras teis aos profissionais da rea de

    sade, quando se esta lidando com a apresentao de notcias ruins: antes de dizer,

    pergunte; tome conhecimento das emoes do paciente e lide com elas atravs de

    respostas empticas; apie o paciente ouvindo suas preocupaes; no subestime o

    valor de apenas ouvir e, s vezes, no faa nada: mas fique por perto. E como difcil

    esse NADA carregado de ao amorosa e benfica...

    Emergindo o EspiritualSo vrios os autores afirmando que as questes Qual o sentido da nossa vida?

    Para que vivemos? Para onde estamos indo? surgem na maior parte dos pacientes

    fora de possibilidades teraputicas de cura. O ser humano tem necessidade de per-

    tencer, de ter significado alguma coisa para algum na vida, de ter sido capaz de dar

    e receber amor, de perdoar e ser perdoado 4,8.

    Cecily Saunders afirmou que todas as pessoas deveriam ter direito de, antes de

    morrer, ter tempo para dizer Desculpe, Obrigado, Te amo e Adeus; e que,

    para os profissionais de sade, falar sobre as necessidades espirituais com os pacien-

    tes uma forma de se comunicar adequadamente em uma hora em que muitos estu-

    dos mostram essas necessidades emergindo na maior parte das pessoas8,11.

    Puchalski e Romer11 afirmam que j tem se usado na maior parte das universida-

    des norte americanas um histrico espiritual onde o mdico aborda junto s pessoas

  • 40

    que esto em cuidados paliativos qual a sua f, que coisas do sentido a sua vida, a

    importncia que a f ou a crena representam na vida da pessoa, que influncia essa

    f ou essa crena exerce na maneira como ela cuida de si, como essas crenas influen-

    ciam o seu comportamento durante a doena, se a pessoa membro de alguma

    comunidade religiosa e como que gostaria que se tratasse esses temas de atendi-

    mento espiritual-religioso durante o seu tratamento. Colocam que esse histrico espi-

    ritual necessrio para que a comunicao flua com mais naturalidade nesses mo-

    mentos de cuidados paliativos.

    Cada paciente atendido adequadamente at o final de sua vida talvez deixe a

    lio para o profissional de sade sobre qual o sentido da nossa prpria vida, o

    sentido das nossas aes e se estamos tambm usando adequadamente as palavras

    Desculpe, Obrigada, Eu te amo e Adeus13.

    Logicamente SimblicoUma linguagem que surge, muitas vezes, nos meses ou dias finais que antecedem

    morte do paciente a linguagem simblica. Linguagem que ele se utiliza, pois passa

    por momentos de alterao do seu nvel de conscincia e tambm por passar a apre-

    sentar sonhos significativos, confuso entre fatos presentes e passados, vises. Inde-

    pendente da causa dessa aparente confuso, necessrio que o profissional esteja

    preparado para ouvir com respeito e responder honestamente s questes feitas pelo

    paciente e pela famlia a respeito desses sonhos e fatos. Ele pode experimentar os so-

    nhos e essas vises como algo extremamente real; pode reconhecer claramente as

    pessoas e objetos do ambiente e imaginar outras, concomitantemente presentes.

    A linguagem simblica a linguagem utilizada pelas pessoas para expressarem

    suas experincias interiores, sentimentos e pensamentos, como se fossem experinci-

    as sensoriais. uma linguagem diferente da linguagem lgica utilizada no dia-a-dia,

    onde no o tempo e o espao que categorizam as falas, mas a intensidade e as

    associaes13.

    Quanto mais a equipe aceitar essas expresses do paciente, suspendendo o jul-

    gamento lgico, permitindo que ele fale sobre elas, menos ele se sentir sozinho

    emocional e espiritualmente. Para ele, esses acontecimentos tm significado. Os

    profissionais podem-se perguntar o que essas experincias esto dizendo sobre o

    paciente, orientar a famlia sobre o valor dessas comunicaes, tentando diminuir

    uma eventual ansiedade que elas possam provocar. importante lembrar que enten-

    der a fabulao do doente apenas como delrio e medic-la imediatamente como tal

    pode privar a todos os envolvidos, incluindo o profissional, de ritualizaes de passa-

    gem importantes, das quais a nossa sociedade extrovertida to carente!

    FALANDO DA COMUNICAO

  • 41

    CUIDADO PALIATIVO

    Entre Uns e OutrosOutro aspecto da comunicao que reflete na interao com o paciente e que

    lembrado por vrios autores a prpria qualidade da comunicao interdisciplinar

    que, segundo Street e Blackford14, o problema que maior impacto traz aos servios

    de sade de Cuidados Paliativos. Os problemas existem porque: raramente o grupo

    todo se encontra para discutir as necessidades de cada um dos clientes (que cliente

    de cada um e de todos); para um bom cuidado necessria uma comunicao ade-

    quada entre todos os diferentes setores da instituio (ambulatrio, enfermarias, ser-

    vio de homecare) e entre as diferentes instituies; existe territoriedade entre os

    profissionais, falta uma filosofia comum, o uso da linguagem e da terminologia utili-

    zada, por vezes, diferente; e existe pouco contato entre as instituies para verda-

    deiras trocas das experincias.

    Street e Blackford14 sugerem como estratgias para melhorar a comunicao

    interdisciplinar: uma documentao escrita entre os setores e servios com qualida-

    de; encontros peridicos entre eles; utilizar o paciente como ponte entre os servi-

    os, com um pronturio que pertena e fique com ele.

    Comunicando-se com a Criana e Famlia em Cuidados PaliativosPinto10 discute a relao pediatra-famlia e paciente, destacando tambm a im-

    portncia da verdade na conduo da comunicao para com eles e coloca a impor-

    tncia do entendimento, pelo pediatra, da dialtica da sua prpria morte, pois s

    assim, segundo o autor, estar preparado para manejar com competncia e maturida-

    de o desafio da morte de seus pacientes fora de possibilidades teraputicas.

    Mesmo em se tratando de criana, o autor10 menciona duas regras que regem a

    maneira de se comunicar com a criana e sua famlia. A primeira que a verdade

    no deve ser apresentada de forma macabra, porque o espao da terminalidade no

    deve ser transformado em uma cmara de horrores. A segunda regra que a menti-

    ra deve ser banida desse cenrio porque no h, definitivamente, espao para ela,

    independente da faixa etria da criana. A mentira, ele afirma, ainda que caridosa e

    humanitria, diminui a autoridade do pediatra e enfraquece a confiana nele depo-

    sitada. Lembra que muitos pais, no entanto, no admitem que seus filhos saibam de

    toda a verdade; que preferem continuar a esconder sua tristeza atravs de uma

    fisionomia falsamente alegre, justificando que assumem essa postura em benefcio

    da prpria criana.

    O que ele lembra, porm, que a criana percebe a realidade camuflada e entra

    nesse jogo de mentiras e fingimentos, passando a fingir tambm, por causa da famlia

    que nega a sua condio terminal. Refere, por outro lado, que no raro o pediatra

  • 42

    pode ser trado pela compulso revelao precoce das suas suspeitas diagnsticas e

    previses prognsticas, com medo de ser atingido por denncias junto aos Conselhos

    Regionais de Medicina e Tribunais de Justia, sendo acusado de negligncia por ter

    retardado, eventualmente, a confirmao do diagnstico10. Os detalhes abundantes,

    desnecessrios, ansiognicos, iatrognicos que acompanham esse tipo de revelao,

    nesse contexto, ocorrem muito pela atitude defensiva do pediatra, que o autor chama

    de Sndrome da Explicao Ansiosa, sobre o fantasma do erro mdico. Trata-se de

    uma ameaa sombria e assustadora usada como objeto de explorao pela imprensa

    injusta e por advogados gananciosos que farejam esse tipo de situao para transform-

    la numa rendosa indstria de erro mdico.

    A Ttulo de FinalizaoComunicao, como podemos ver, permeia todas as aes de Cuidados Paliati-

    vos e todas as dimenses do ser humano; portanto, inquestionvel esse atributo do

    conceito em estudo nesse livro. Informar (leia-se: informaes boas e ms13) cada

    paciente sobre sua doena e tratamento faz parte da atividade mdica e da equipe de

    sade e obedece princpios bsicos da relao mdico-paciente. A confiana nos

    profissionais que cuidam o alicerce fundamental na estruturao de cuidados pali-

    ativos e deve ser buscada de forma consciente e ativa. Essa confiana se desenvolve

    nas aes comunicativas do dia-a-dia das relaes.

    O lugar onde cuidamos de algum que est morrendo pode ser um hospital, pode

    ser a casa do paciente, pode ser um Hospice, pode variar de acordo com a condio

    social do paciente e com a estrutura social que esteja vivendo. fundamental o mdico

    (e toda a equipe de sade) aceitar a responsabilidade de que sua forma de se comunicar

    com o paciente ficar na lembrana das pessoas para sempre; so os profissionais que

    criam as memrias das pessoas, que vivero pelo resto da vida com a lembrana de

    como foi o momento em que perderam algum que amam. Refletir sobre comunica-

    o em Cuidados Paliativos significa resgatar a importncia do afetivo em um ambiente

    (rea de sade) em que tudo baseado no efetivo.

    FALANDO DA COMUNICAO

  • 43

    CUIDADO PALIATIVO

    Referncias Bibliogrficas:

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  • 45

    CUIDADO PALIATIVO

    MULTIDISCIPLINARIDADE EINTERDISCIPLINARIDADE

    III

  • 46

    IntroduoNos ltimos sculos, o conceito de vida e morte no contexto da medicina e da

    biotica tem passado por uma fase literalmente agitada. Esta polmica, por um lado,

    deve ser vista com bons olhos, por ser uma conseqncia direta da evoluo da

    cincia biomdica, que conseguiu diminuir a mortalidade, inclusive, a de crianas,

    por meio da melhoria de saneamento bsico e da introduo de esquemas de vacina-

    o, e pela melhoria da acurcia diagnstica e tratamento adequado.

    A introduo de conceitos de medicina intensiva, quimioterapias, imunoterapias,

    radioterapias, tratamento de suporte na rea de controle de sintomas e de nutrologia,

    no sculo passado, vem possibilitando que a sobrevida seja incrementada, principal-

    mente na rea de oncologia. O melhor entendimento dos mecanismos de vrias doen-

    as cardiovasculares (e de suas intervenes preventivas no-farmacolgicas e

    farmacolgicas) fez aumentar a expectativa de vida, invertendo a ordem das causas

    mortis que no incio do sculo XX eram encabeadas pelas afeces infectocontagiosas

    e parasitrias.

    O que era pressgio ou sinal da morte no incio do sculo passado a ausncia

    da respirao (Bernat, 1990) , especificamente denominada no nosso meio como

    parada respiratria ou quadro de insuficincia respiratria em franca progresso, sim-

    plesmente passou a ser uma manifestao clnica, passvel de tratamento atravs de

    suporte ventilatrio invasivo. A ausncia do pulso (Bernat, 1990) que nos dias de

    hoje, chamaramos de taquiarritmia de vrias formas potencialmente letais, ou o que

    traduziramos como choques de vrias etiologias, como choque hipovolmico, spti-

    co ou cardiognico, entre outros tipos de choques tambm culminava num evento

    morte, na esmagadora maioria dos episdios.

    Atualmente, estes acontecimentos passaram a figurar como um captulo relativa-

    mente longo que precede o prprio fim, graas ao advento de drogas vasoativas,

    inotrpicas, antimicrobianas de extensssimos espectros e a toda alta tecnologia, que

    Relao dos Cuidados Paliativos com as DiferentesProfisses da rea da Sade e Especialidades

    Toshio Chiba

    MULTIDISCIPLINARIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE

  • 47

    CUIDADO PALIATIVO

    possibilitou um monitoramento contnuo destes indivduos que se encontram em

    unidades de cuidados intensivos.

    Desde o final da dcada de 60 a ausncia da funo cerebrocortical (Bernat,

    1990) adotada como finitude da vida, possibilitando que outras vidas continuem

    seguindo, por meio de transplantes de rgos (ou de determinados tecidos), substi-

    tuindo aqueles que comprometem a qualidade ou coloquem em risco a vida dos

    pacientes com as insuficincias orgnicas. (Randell, 2004).

    Assim, a humanidade caminhou o ltimo sculo, adaptando-se dentro de vrios

    conceitos e preceitos da sociedade, de cada cultura, religiosidade e espiritualidade,

    arcando com a realidade acerca dos conceitos de vida e morte, que se modificavam

    a cada momento da evoluo do homem como ser inteligente.

    O fato que o processo de viver se prolongou de uma forma exponencial nas

    ltimas dcadas, e isto, na verdade, dentro de consideraes epidemiolgicas no

    muito complicadas, nos faz perceber que a morte, na maioria das vezes, j no um

    episdio e sim um processo, s vezes, at prolongado, demorando anos e at mesmo

    uma dcada dependendo da enfermidade (Lynn & Adamson, 2003).

    No ano de 2000, nos Estados Unidos, faleceram mais de 2.400.000 pessoas.

    Mais de 70% destes eventos aconteceram com idosos acima de 65 anos. A maioria

    dos pacientes faleceu de doena cardiovascular, cncer, acidente vascular cerebral, e

    doena pulmonar obstrutiva crnica. As causas de morte devidas a doenas

    infectoparasitrias e contagiosas diminuram de forma significativa, como j se disse,

    invertendo a ordem do sculo passado.

    Entre os pases desenvolvidos, este tipo de perfil epidemiolgico bastante co-

    mum. Mesmo pases em desenvolvimento, como o Brasil, rumam para tal quadro em

    que a populao acometida por doenas com caractersticas eminentemente crni-

    cas, e, muitas vezes, de lenta evoluo. Desta forma, o evento morte que, alguns

    sculos atrs, era considerado como um episdio passou a ser um processo.

    Entretanto, junto com esse prolongamento de vida e com surgimento do proces-

    so de morrer, os profissionais da rea de sade comearam a perceber que, mesmo

    no havendo cura (o que acontece na maioria dos casos, como diz a estatstica), h

    uma forma de atendimento com nfase qualidade de vida e cuidados ao paciente,

    por meio de assistncia interdisciplinar, e da abordagem aos familiares que comparti-

    lham deste processo e do momento final de vida os Cuidados Paliativos.

    Sua atuao definida como sendo interdisciplinar, para atingir sua principal meta:

    a qualidade de vida. Atentamos, nesta definio, para a quebra de um mito comum

    entre os leigos e mesmo, entre muitos profissionais de sade segundo o qual a

    pessoa que necessita de Cuidados Paliativos sempre um paciente com neoplasia.

  • 48

    sabido que outros pacientes que apresentam vrios tipos de doenas crnico-

    degenerativas e progressivas necessitam de Cuidados Paliativos, tais como: portado-

    res de insuficincia cardaca avanada, quadro demencial de vrias etiologias, pa-

    cientes pneumopatas crnicos com quadro de hipoxemia grave, seqelados de vrios

    episdios de isquemia cerebral, pacientes com esclerose lateral amiotrfica e com

    outras doenas neurolgicas degenerativas progressivas etc. A lista de enfermidades

    quase infindvel, e envolve situaes que requerem ateno direcionada qualidade

    de vida, individualizao e respeito pelo paciente e pelos seus familiares.

    Estatstica nos EUA exemplifica a evoluo desde 1992. Mostra que entre os

    pacientes que deixaram os Hospices por falecimento (ou que tiveram alta para mor-

    rer em casa), cerca de 20% tinham diagnsticos no-neoplsicos (Haupt, 2003). Ao

    lo