livro comunicacao publica 08

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  • Heloiza Matos

    (org.)

    Comunicao pblicainterlocues, interlocutores e perspectivas

  • 2012 Heloiza Matos

    Escola de Comunicaes e Artes (ECA)

    Av. Prof. Lcio Martins Rodrigues, 443Cidade Universitria So Paulo SPCEP 05508-020

    Catalogao na PublicaoServio de Biblioteca e DocumentaoEscola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo

    C741m Comunicao pblica : interlocues, interlocutores e perspectivas / Heloiza Matos (org.) So Paulo : ECA/USP, 2012. 411 p.

    Bibliografia no final dos captulos ISBN 9788572051002

    Comunicao Aspectos sociais 2. Comunicao Aspectos polticos 3. Comunicao organizacional I. Matos, Heloiza Helena Gomes de II. Ttulo.

    CDD 21.ed. 301.16

  • 3Sumrio

    Prefcio 5

    Parte 1 Interlocues da Comunicao Pblica

    Comunicao pblica: direitos de cidadania, fundamentos e prticas 13 Margarida M. Krohling Kunsch

    Comunicao organizacional e comunicao pblica 31 Maria Jos da Costa Oliveira

    O discurso obscuro das leis 53 Maringela Haswani

    Comunicao pblica: construindo um conceito 71 Marina Koouski

    A comunicao pblica e a rede: podemos o que queremos? 97 Liliane Moiteiro Caetano

    Polticas pblicas de segurana e violncia poltica 115 Luciana Moretti Fernandz

    Parte 2 Interlocutores na Sade Pblica

    Quem o cidado na comunicao pblica? 141 Patrcia Guimares Gil e Heloiza Matos

    Dinamismo eleitoral sob o prisma da sade: eleies em So Paulo 2012 Roberto Gondo Macedo e Victor Kraide Corte Real 169

  • 4A (i)legitimidade do profissional de sade nas aes de comunicao pblica 195

    Mnica Farias dos Santos

    Capital social: relaes humanizadas na sade pblica 219 Simone Alves de Carvalho

    Idosos: qualidade de vida, capital social, respeito e reconhecimento em polticas de sade 239

    Devani Salomo de Moura Reis

    Mulheres com cncer de mama 267 Vanderli Duarte de Carvalho

    Parte 3 Outras Perspectivas

    Comunicao pblica nas redes sociais digitais 289 Lebna Landgraf do Nascimento

    Polticas pblicas de cultura digital e o espao pblico poltico 311 Joo Robson Fernandes Nogueira

    Democratizao da ustria: poltica, educao e capital social 335 Maria Fernanda Moura Reis

    Capital social e polticas pblicas de turismo 361 Patricia Fino

    Comunicao poltica e tecnologia lingustica 385 Guilherme Frguas Nobre

    Sobre os autores 407

  • 5Prefcio

    O objetivo desta obra colocar em debate os conceitos mais recentes de comunicao pblica e comunicao poltica, aproximao que venho buscando na docncia e na minha trajetria de pesquisa acadmica da ps-graduao.

    Comunicao pblica: interlocues, interlocutores e perspectivas, resultado das atividades do Grupo de Pesquisa Comunicao pblica e comunicao poltica1, apoiado pelo CNPq e pelo CECORP, do CRP/ECA/USP, teve como objetivo estender o debate j iniciado em publicaes anteriores sobre fundamentos tericos como: capital social, teoria do reconhecimento e deliberao.

    A coletnea atual prope o debate sobre as contribuies de vrios autores em torno de dois plos mestres comunicao pblica e comunicao poltica e a partir de trs ticas: interlocues, interlocutores e outras perspectivas.

    A possibilidade de abordar tais temticas e teorias foi fortemente influenciada pela nossa Linha de Pesquisa na ps-graduao da ECA/USP, Polticas e Estratgias de Comunicao, e tambm pela participao de pesquisadores que atuam na comunicao pblica e em reas correlatas.

    A coletnea Comunicao pblica: interlocues, interlocutores e perspectivas est dividida em trs partes:

    A primeira, sobre as Interlocues da Comunicao Pblica, procura reunir os conceitos desta rea, sob a influncia dos autores da escola de Frankfurt, brasileiros, franceses, italianos e latino americanos, ao longo dos ltimos anos, propondo um dilogo novo com as reas

    1 Em 2006, o Grupo de Pesquisa , inicialmente sediado na Csper Lbero, foi registrado no CNPq como : Capital Social, Redes e Processos Polticos. A partir de junho 2010 com o meu retorno ECA, o Grupo focou as temticas propostas na minha pesquisa por produtividade: Capital social e participao cvica nos espaos institucionais e mediticos.Em 2012, integrado ao CECORP, o grupo orientou-se pela temtica da disciplina integrada pelo PPGCOM/USP Comunicao Pblica e Comunicao Poltica. A partir da formao do Grupo, foram publicadas as obras: Capital social e comunicao: interfaces a articulaes (2009), e Comunicao e poltica: capital social, reconhecimento e deliberao pblica. (2011)

  • 6do Direito do Jornalismo e da Comunicao Organizacional, pela observao das interaes e conflitos nesses campos, no s na prtica efetiva como tambm nas interseces entre os conceitos de comunicao governamental e a comunicao pblica, pontuados a partir da noo de Estado em relao ao Governo. Este um diferencial dessa parte da obra que prope uma reviso e ampliao do conceito, oferecendo novas vises para o campo da comunicao pblica.

    Sob esta perspectiva, incluo o artigo da Marina Koouski, por oferecer mais do que uma reviso dos estudos anteriores na rea, apresentando caminhos novos e originais para a comunicao pblica, seja pela articulao dos fundamentos tericos no campo do direito ou em Bernardo Toro e Jaramillo, que oferecem potencial para enriquecer as pesquisas sobre a comunicao pblica.

    O artigo de Margarida M. K. Kunsch percorre um caminho no qual a fuso entre comunicao pblica e organizacional torna-se uma possibilidade real, oferecendo como suporte o desenvolvimento j consolidado de inmeras publicaes sobre comunicao organizacional, especialmente por meio da ABRACORP.

    O artigo de Maria Jos de Oliveira d continuidade discusso citada anteriormente, abordando as questes tericas e as convergncias e conflitos decorrentes da atuao conjunta da comunicao pblica e organizacional, tomando como referncia os temas sade e sustentabilidade.

    O artigo de Maringela Haswani discute a questo da obrigatoriedade da publicao das leis, normalmente caracterizada por um texto tcnico e pouco compreensvel para o cidado comum, e os problemas decorrentes desta discrepncia. E oferece, como exemplo, um estudo exploratrio realizado junto a trabalhadores de call centers a respeito da interpretao do instrumento legal que dispe sobre as chamadas LER leses por esforos repetitivos.

    O texto de Liliane Moiteiro Caetano analisa o contexto em que a lei de acesso informao foi promulgada uso intenso das tecnologias

  • 7da informao e o ambiente das conversaes cotidianas dos cidados. Para a discusso terica, a autora aponta o cenrio da comunicao pblica sob a tica de reviso de parte das teorias da esfera pblica poltica em Habermas.

    Encerrando a primeira parte da coletnea, o artigo de Luciana Moretti utiliza o conceito de capital social negativo para discutir a violncia endmica nos centros urbanos e no ambiente de precariedade do sistema carcerrio no Brasil, destacando os desdobramentos da politizao da violncia na comunicao poltica.

    A segunda parte do livro merece um esclarecimento sobre a incluso dos interlocutores da comunicao pblica no campo da sade. Tal escolha deve-se ao acolhimento da opo de vrios pesquisadores do Grupo de Pesquisa que, ao analisar polticas pblicas como elementos agregadores das noes de comunicao pblica, acabaram observando as vozes dos diferentes interlocutores, tais como as instituies pblicas de sade, pacientes e, nesta categoria, mulheres portadoras de cncer de mama, idosos, mdicos, e profissionais da sade. E, tambm as vises de candidatos sobre o atendimento s necessidades da sade pblica, na campanha eleitoral de 2012 para a prefeitura de So Paulo.

    Esta sesso tem inicio, assim, com o artigo de Patrcia Gil e Heloiza Matos com a seguinte questo: Quem o cidado da comunicao pblica? O texto apresenta uma sntese da comunicao governamental no Brasil no perodo de Getlio Vargas a Lula. O rtulo de comunicao governamental o recurso usado pelas autoras para ressaltar os traos personalistas dos governantes, bem como o uso recorrente da propaganda ideolgica, mesmo no perodo da redemocratizao. As campanhas de sade pblica so invocadas como exemplo da viso dos governos analisados em relao ao cidado.

    Em Dinamismo eleitoral sob o prisma da sade: eleies em So Paulo 2012, Roberto Gondo e Victor Corte Real analisam estratgias de marketing poltico e as propostas de polticas pblicas relacionadas

  • 8sade na campanha eleitoral de 2012, pelos candidatos majoritrios na disputa pela Prefeitura da cidade de So Paulo. A oferta de proposies para o setor da sude fica evidenciada na repetio das promessas no cumpridas e a tentativa de conquistar o voto de parcelas vulnerveis do eleitorado por meio de promessas e compromissos de atendimento no campo da sade pblica.

    Mnica Faria dos Santos contribui com um artigo confrontando o no reconhecimento ou ilegitimidade do profissional da sade, especialmente no desenvolvimento de programas e polticas pblicas de sade, quando so mal representados ou ignorados pela mdia, diante de uma matria no campo da sade. A autora toma como referencial terico o capital social, a teoria do reconhecimento e os conceitos de representaes sociais de Moscovici.

    Na mesma perspectiva, o artigo de Simone Carvalho, sob a tica do capital social, discute a noo de relaes humanizadas na sade pblica, tomando como base o conceito de humanizao e suas aplicaes em pacientes usurios de hospitais pblicos.

    Devani Salomo, pesquisadora especializada em sade de idosos, apresenta uma pesquisa realizada com pacientes na cidade de So Paulo, atendidos pelo ambulatrio do servio de geriatria do Hospital Francisco Morato de Oliveira, abordando questes relacionadas percepo dos idosos sobre conceitos como: qualidade de vida, respeito e reconhecimento.

    Finalizando a segunda parte do livro, o artigo de Vanderli Duarte prope analisar, com a metodologia do sujeito coletivo, o relato das experincias no tratamento de mulheres com cncer de mama e suas percepes sobre a doena e seu tratamento e o relacionamento com mdicos, enfermeiros e tcnicos na rea da sade. No artigo, o foco, mais do que as polticas pblicas, o preparo dos profissionais da sade para lidar com as pacientes portadoras de cncer de mama a partir do entendimento das percepes e da busca de compreenso do tratamento por parte das mulheres portadoras da doena.

  • 9Na terceira parte do livro, Outras perspectivas, procurei incluir no debate os impactos das redes digitais na comunicao das empresas pblicas e seus pblicos, tema abordado no artigo de Lebna Landgraf do Nascimento em Comunicao pblica nas redes sociais digitais, que desenvolve uma anlise do perfil corporativo da Embrapa no Twitter, e das prticas comunicativas adotadas pela empresa a partir dos dados obtidos na pesquisa mencionada, bem como o artigo de Joo Robson sobre o uso do programa Cultura Viva, do MINC, para a interao entre cidados envolvidos na busca de direitos socioculturais por meios das TICs.

    O artigo de Maria Fernanda Moura Reis, Democratizao na ustria: poltica, educao e capital social, abordou uma experincia singular no campo da educao, apontando indcios de marcadores da presena do capital social como fator agregador do projeto de nascimento de um pas- a ustria, depois da separao como Imprio e no processo de construo de um estado democrtico.

    Esta seo inclui tambm um estudo de Guilherme Frguas Nobre, na interface entre comunicao poltica e tecnologia lingustica, no qual descreve a relao entre a competncia do usurio da lngua e a compreenso do cidado por parte dos atores polticos.

    Ressalto a intensa produo de conhecimento coletivo que permeou as atividades do Grupo de Pesquisa e cujo resultado parcial a presente obra. As discusses acerca de conceitos e prticas dos pesquisadores, alm do trabalho srio e dedicado de cada um dos membros do Grupo, desde 2006, que tem gerado produo acadmica de qualidade. Nosso carinho especial para a ngela Marques, (agora mame do Fernando), pesquisadora que muito contribuiu e que mesmo estando em outra instituio, continua nos inspirando na busca do conhecimento no campo da comunicao.

    Agradeo tambm o apoio incondicional das minhas filhas e s instituies brasileiras de fomento pesquisa, aqui materializadas pelo CNPq atravs da minha bolsa produtividade.

  • 10

    Finalmente, preciso agradecer o acolhimento de nosso grupo de pesquisa pelo CECORP - Centro de Estudos de Comunicao Organizacional e Relaes Pblicas, o que vivenciamos como uma possibilidade de ampliao da interlocuo com o CRP e demais grupos da ECA (Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo).

    So Paulo, 26 de novembro de 2012.

    Heloiza Matos

  • Parte I

    Interlocues da

    comunicao pblica

  • Interlocues, interlocutores e perspectivas

    Comunicao pblica

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    Comunicao pblica: direitos de cidadania, fundamentos e prticas

    Margarida M. Krohling Kunsch

    Resumo

    A comunicao no contexto das instituies pblicas, privadas e do terceiro setor vivenciou uma verdadeira revoluo em todos os sentidos nas ltimas dcadas.

    Assim como a propaganda teve um papel fundamental aps a Revoluo Industrial, a comunicao organizacional nos campos governamental e corporativo comeou a ser encarada como algo fundamental e uma rea estratgica na atualidade. Considerando o poder e a relevncia que a comunicao assume no mundo de hoje nas organizaes dos trs setores, estas precisam se pautar por polticas de comunicao capazes de levar efetivamente em conta os interesses da sociedade.

    A comunicao pblica tambm atua em todo esse contexto e passa por um momento de ateno e importncia nunca antes registrado, tanto no meio acadmico, como no mercado. Este artigo tem como objetivo principal apresentar alguns aportes tericos que fundamentam os conceitos e as prticas da comunicao pblica e, ao mesmo tempo, destacar as possibilidades de se ampliar sua aplicao com nfase nas instituies pblicas governamentais.

    Palavras-chave: Comunicao pblica, governo, Estado, cidadania, planejamento estratgico, sinergia.

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    Comunicao pblica

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    1. A comunicao na rea pblica, um direito de cidadania

    Se hoje as empresas e as organizaes da sociedade civil so cobradas e monitoradas pelos pblicos, pela opinio pblica e pela sociedade, as instituies pblicas no deveriam ter muito mais senso e mais responsabilidade com seus atos e, consequentemente, com a sua comunicao?

    Alguns princpios so fundamentais para nortear a comunicao na administrao pblica. A instituio pblica/governamental deve ser hoje concebida como instituio aberta, que interage com a sociedade, com os meios de comunicao e com o sistema produtivo. Ela precisa atuar como um rgo que extrapola os muros da burocracia para chegar ao cidado comum, graas a um trabalho conjunto com os meios de comunicao. a instituio que ouve a sociedade, que atende s demandas sociais, procurando, por meio da abertura de canais, amenizar os problemas cruciais da populao, como sade, educao, transportes, moradia e excluso social.

    Para colocar em prtica esses princpios, faz-se necessrio adotar o verdadeiro sentido da comunicao pblica estatal, que o do interesse pblico. O poder pblico tem obrigao de prestar contas sociedade e ao cidado, razo de sua existncia. preciso que os governantes tenham um maior compromisso pblico com a comunicao por eles gerada, diante dos altos investimentos feitos com o dinheiro pblico.

    Partindo do pressuposto de que a razo de ser do servio pblico so o cidado e a sociedade, deve-se avaliar se os rgos pblicos tm dedicado comunicao a importncia que ela merece como meio de interlocuo com esses atores sociais e em defesa da prpria cidadania.1

    1 Para maiores detalhes sobre esse tema, consultar Kunsch (2007, p.59-77).

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    Comunicao pblica

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    importante lembrar que cidadania se refere aos direitos e s obrigaes nas relaes entre o Estado e cidado. Falar em cidadania implica recorrer a aspectos ligados a justia, direitos, incluso social, vida digna para as pessoas, respeito aos outros, coletividade e causa pblica no mbito de um Estado-nao. Ela pressupe, conforme um dos autores clssicos dos primeiros estudos de cidadania, Tomas H. Marshall (1967), conquistas e usos dos direitos civis (liberdade pessoal, liberdade de expresso, pensamento e crena, o direito de propriedade e de firmar contratos vlidos e o direito justia); polticos (como o do voto e do acesso ao cargo pblico); e sociais (que vo desde o direito a um mnimo de segurana e bem-estar econmico, at o direito de participar plenamente da herana social e de viver a vida de um ser civilizado, de acordo com os padres que prevalecem na sociedade) (Kunsch, 2007).

    Para que o Estado cumpra sua misso e promova de fato a construo da verdadeira cidadania, faz-se necessria uma mudana cultural de mentalidade, tanto do servio pblico quanto da sociedade, para resgatar a legitimidade do poder pblico e sua responsabilizao (accountability), por meio de um controle social permanente. E a comunicao exerce um papel preponderante em todo esse contexto.

    Antes de iniciar a abordagem do tema propriamente dito deste artigo, exponho algumas questes que so teis para numa reflexo sobre o verdadeiro papel da comunicao pblica estatal. Os servidores pblicos esto preparados e engajados para uma comunicao proativa? A comunicao prioridade das nossas instituies pblicas? Quais seriam os caminhos para a melhoria da qualidade da comunicao no servio pblico? O sistema vigente guiado por uma poltica de comunicao capaz de atender s necessidades e demandas da sociedade? As assessorias de comunicao trabalham de forma integrada em busca de uma sinergia das diferentes modalidades comunicacionais, com vistas eficcia e aos resultados do bem comum?

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    Comunicao pblica

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    2. Conceitos e abrangncia da comunicao pblica

    A questo da comunicao pblica vem merecendo nos ltimos anos grande interesse tanto por parte de estudiosos2 como do mercado, sobretudo da administrao pblica, que muitas vezes tenta substituir o que normalmente se caracteriza mais como uma comunicao governamental propriamente dita. Conforme Heloiza Matos (2011, p.44),

    o conceito de comunicao pblica tem sido invocado como

    sinnimo de comunicao governamental, referindo-se a normas,

    princpios e rotinas a comunicao social do governo, explicitadas

    ou no em suportes legais que regulamentam as comunicaes

    internas externas do servio pblico.

    A comunicao pblica configura um conceito complexo que permite extrair mltiplas abordagens tericas e reflexes sobre sua prtica nas diferentes perspectivas do campo comunicacional. Ela implica vrias vertentes e significaes, podendo-se entend-la, basicamente, segundo estas quatro concepes bsicas: comunicao estatal; comunicao da sociedade civil organizada que atua na esfera pblica em defesa da coletividade; comunicao institucional dos rgos pblicos, para promoo de imagem, dos servios e das realizaes do governo; e comunicao poltica, com foco mais nos partidos polticos e nas eleies. Para fundamentar essas principais conceituaes, relaciono, a seguir, as percepes de alguns autores que tm se destacado por seus estudos e suas prticas, para um melhor entendimento do que vem a ser comunicao pblica.

    2 Em 2010, a Associao Brasileira de Pesquisadores de Comunicao Organizacional e de Relaes Pblicas (Abrapcorp) realizou o seu quarto congresso anual exatamente sobre essa temtica, da resultando a obra coletiva Comunicao pblica, sociedade e cidadania (Kunsch, 2011). Muitos dos aportes conceituais apresentados pelos autores sero utilizados neste artigo.

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    Comunicao pblica

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    Segundo Stefano Rolando (2011, p.26-27), da Libera Universit di Lingue e Comunicazione (IULM), de Milo, na Itlia, considerado a maior referncia internacional como terico de comunicao pblica, h lugar para diversas fontes no territrio da comunicao de utilidade pblica: a comunicao poltica (partidos e movimentos na luta pelo consenso); a comunicao institucional (entes pblicos e administrao pblica para atuaes normativas, acompanhamento legal e direitos constitucionais, promoo de acessos aos servios); a comunicao social (sujeitos pblicos, associados e privados para tutelar direitos e valores); e tambm a comunicao de empresa (quando utilizada para o crescimento e desenvolvimento social), transformando o espao em que todos esses sujeitos agem e interagem no mbito de interesses gerais.

    Para Heloiza Matos (2011, p.45), a comunicao pblica deve ser pensada como um processo poltico de interao no qual prevalecem a expresso, a interpretao e o dilogo. Destaca a autora que tal compreenso como dinmica voltada para as trocas comunicativas ente instituies e a sociedade relativamente recente.

    Outra percepo interessante a do colombiano Juan Jaramillo Lpez. Ele deixa claro que a comunicao pblica possui como pilares essenciais caractersticos de seu espectro a causa pblica, os princpios democrticos e o interesse pblico. Para o autor, h duas condies para que a comunicao seja, de fato, considerada pblica:

    1. que resulte de sujeitos coletivos, ainda que estejam representados ou se expressem por meio de indivduos; 2. que esteja referida construo do

    que pblico. Portanto, uma comunicao inclusiva e participativa,

    cuja vocao no poderia ser estar a servio da manipulao de vontades

    ou da eliminao da individualidade, caracterstica da comunicao

    fascista. Trata-se de uma comunicao eminentemente democrtica,

    pela profundidade de sua natureza e por vocao. (Lpez, 2011,

    p.64-65)

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    Comunicao pblica

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    Maringela Haswani (2010, p.133-155), na sua tese de doutorado3, sintetiza as vrias percepes de diversos autores estudados por ela4, analisando a comunicao pblica em trs grandes mbitos: o da comunicao da instituio pblica que abrange a comunicao institucional para promoo da imagem, a publicidade e a comunicao normativa; o da comunicao poltica que se ocupa do sistema poltico, particularmente dos partidos polticos e da composio eleitoral; o da comunicao social caracterizado pela presena de atores estatais ou privados envolvidos em questes de interesse recproco, quer na obteno de vantagens particulares e organizacionais, quer na consecuo de aes afeitas fundamentalmente sociedade como ente coletivo (Haswani, 2010, p.146). Todas essas consideraes apresentadas pela autora expressam o que foi destacado no incio deste tpico: que a comunicao pblica constitui um tema complexo e abrangente.

    Os estudos recentes de comunicao pblica tm embasado as principais diferenas entre comunicao pblica, governamental e poltica. A propsito Jorge Duarte (2011, p.126), ao situ-la em um contexto mais amplo, deixa claras essas delimitaes. Comunicao governamental trata dos fluxos de informao e padres de relacionamento envolvendo o executivo e a sociedade. Quanto comunicao poltica, essa diz respeito ao discurso e ao na conquista da opinio pblica em relao a ideias ou atividades que tenham relao como poder. J a comunicao pblica se refere interao e ao fluxo de informao vinculados a temas de interesse coletivo.

    Na minha percepo, quando se fala em comunicao governamental com tais caractersticas, ela no se refere somente ao poder executivo, mas se estende tambm aos poderes legislativo e

    3 Para maiores detalhes sobre os estudos que essa autora vem desenvolvendo, consultar sua tese de doutorado (Haswani, 2010), defendia na Universidade de So Paulo (USP), sob minha orientao. Na tese Haswani apresenta uma reviso bibliogrfica bastante abrangente sobre os conceitos de comunicao pblica da produo nacional e internacional, sobretudo da italiana, que se destaca como uma das principais referncias no panorama mundial.4 Sobretudo o italiano Paulo Mancini, autor do Manuale di comunicazione pubblica (5.ed., Bari: Laterza, 2006).

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    judicirio. Na verdade, os princpios e fundamentos da comunicao pblica dizem respeito diretamente comunicao governamental aplicada administrao na esfera federal, estadual e municipal de todos os trs poderes da Repblica ou de uma nao.

    Enfim, como afirma Maria Jos de Oliveira (2004, p.186), reforando o que expus no incio desta abordagem, comunicao pblica um conceito amplo, envolvendo toda a comunicao de interesse pblico, praticada no s por governos, como tambm por empresas, terceiro setor e sociedade em geral.

    3. A comunicao pblica no contexto da comunicao organizacional

    A prtica eficaz da comunicao pblica nos trs segmentos Estado, mercado e sociedade civil organizada depender, imprescindivelmente, de um trabalho integrado das diversas reas da comunicao, como relaes pblicas, comunicao organizacional, jornalismo, publicidade e propaganda, editorao multimdia, comunicao audiovisual, comunicao digital etc. preciso que as assessorias ou coordenadorias saibam valer-se das tcnicas, dos instrumentos, dos suportes tecnolgicos e das mdias disponveis, contando para tanto com estruturas adequadas e profissionais competentes nas vrias especialidades da comunicao social. Na administrao pblica, felizmente, se pode observar que isso, aos poucos, j vem se tornando uma realidade, atendendo ao que preconiza Gaudncio Torquato (2002, p.121):

    As estruturas de comunicao na administrao pblica federal

    ho de se reorganizar em funo da evoluo dos conceitos

    e das novas demandas sociais. Os profissionais precisam ser

    especialistas nas respectivas reas e setores, devendo, mesmo

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    Comunicao pblica

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    assim, ter noo completa de todas as atividades e programas. Os

    modelos burocrticos de gesto esto ultrapassados. O dinamismo,

    a mobilidade, a agilidade, a disposio so valores que devero

    balizar as estruturas.

    Vale abordar aqui, mesmo que de passagem, o conceito de comunicao organizacional. Comecei a usar essa expresso na dcada de 1980, j antes de ela passar a ser gradativamente adotada pela academia e pelo mercado. Ao me referir a uma comunicao organizacional, considero primeiro que ela abrange todos os tipos de organizaes pblicas, privadas ou do terceiro setor. Ela lida com tudo que est implicado no contexto comunicacional das organizaes: redes, fluxos, processos etc. Ento, h que se entender a comunicao organizacional, sobretudo, como parte integrante na natureza das organizaes. Trata-se de um fenmeno que acontece dentro das organizaes e pode ser estudado de diversas maneiras.

    Em todo esse contexto da comunicao pblica, pode-se perceber que a comunicao organizacional est presente. Alm de todos os aspectos mencionados (processo, redes, fluxos etc.), a comunicao organizacional se manifesta, na prtica, por meio de diferentes modalidades, formando esse mix que chamo de comunicao integrada. Trata-se de um tema que venho trabalhando desde 1985.

    Quando falo de comunicao organizacional integrada, o que quero deixar clara a natureza de cada modalidade comunicacional. Por exemplo, qual seria a natureza da comunicao interna, voltada para aqueles que trabalham na organizao, os dirigentes e os funcionrios? A comunicao interna, na prtica, procura compatibilizar os interesses da organizao e os dos trabalhadores que a compem, procurando a interao entre as partes.

    Qual seria o sentido da comunicao institucional? De posicionamento da organizao/instituio diante dos pblicos, da opinio pblica e da sociedade. A comunicao institucional est

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    ligada exatamente com a instituio propriamente dita, com a sua personalidade, com a sua maneira de ser. E ela valoriza muito mais os aspectos corporativos ou institucionais que explicitam o lado pblico das organizaes. Cada vez mais os pblicos vo cobrar isso das organizaes. A comunicao institucional diz como estas devem se posicionar perante a sociedade, com a qual elas tm um compromisso.

    E qual seria a natureza da comunicao mercadolgica? Persuadir quanto aos produtos e servios da organizao. Todas as manifestaes simblicas da publicidade tambm tm que expressar um compromisso pblico. No adianta fazer uma campanha pensando em causar impacto sem levar em conta as consequncias sociais e polticas. Hoje temos de pensar em priorizar mais as pessoas, os cidados e a sociedade do que somente os clientes ou consumidores.

    Quando uso a terminologia comunicao organizacional integrada minha preocupao mostrar como as organizaes estabelecem relaes confiantes, por meio de suas manifestaes, que podem ser com fins internos, fins institucionais e fins mercadolgicos. Se pensarmos a comunicao nas organizaes de forma abrangente e holstica, temos de nos preocupar com uma sinergia de propsitos e aes. As aes comunicativas precisam ser guiadas por uma filosofia e uma poltica de comunicao integrada que levem em conta as demandas, os interesses e as expectativas dos pblicos e da sociedade. E a comunicao pblica certamente tem muito a ver com tudo isso.

    4. Capitalizao da sinergia nas prticas da comunicao pblica

    A comunicao pblica abrange distintos campos de conhecimento e de prticas sociais e profissionais, como deixamos entrever no tpico anterior e conforme assinala Maria Helena Weber

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    Comunicao pblica

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    (2011, p.106-116), que perpassa as diversas reas e os diferentes instrumentos, cuja sinergia deve ser capitalizada para se efetivar uma comunicao com resultados positivos.

    Uma das subreas da comunicao institucional a das relaes pblicas, que abriga de modo privilegiado a prtica da comunicao pblica, medida que, em razo de suas bases tericas e de suas tcnicas, lida mais diretamente com as instituies pblicas, as empresas privadas e as organizaes do terceiro setor, desenvolvendo aes estratgicas de relacionamento com pblicos especficos ou os atores sociais envolvidos na comunicao. Os princpios e fundamentos das relaes pblicas na esfera governamental so os mesmos que so defendidos para a prtica da comunicao pblica em geral.

    Vale registrar, a propsito, o que, j no incio dos anos 1980, escrevia Cndido Teoblado de Souza Andrade (1982, p.81-92). Ao discorrer sobre os fundamentos de relaes pblicas governamentais, o autor enumerava vrios itens, dentre os quais sobressaem alguns que so bem pertinentes ao que est sendo abordado neste artigo. Para o autor, o direito do cidado informao e o dever de informar dos governantes esto sustentados pela Declarao Universal dos Direitos do Homem, sendo esse o primeiro direito de uma sociedade democrtica; a administrao pblica no pode funcionar sem a compreenso de suas atividades e de seus processos; a separao entre governantes e governados consequncia principalmente da falta de informao; cabe ao governo manter abertas as fontes de informao e os canais de comunicao; o Estado democrtico deve proteger e facilitar a formao da opinio pblica contra influncias perniciosas e de grupos de presso com interesses ilegtimos, ou seja, defender o interesse pblico; alm disso, ele tem que ser sincero e transparente, informando sobre tudo o que fez, inclusive seus erros e as medidas tomadas para corrigi-los.

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    Weber (2011, p.111), ao destacar o papel de relaes pblicas, considera como atividades especficas dessa rea as que abrangem formas de relacionamento da instituio como usos de procedimentos, instrumentos e canais que permitem o dilogo personalizado entre um cidado (ou um grupo restrito de cidados) e o agente pblico. Abrir canais de comunicao com os pblicos, a opinio pblica e a sociedade em geral deve ser parte primordial de uma poltica de comunicao dos sistemas e das assessorias/coordenadorias de comunicao dos rgos pblicos estatais.

    Um estudo terico e aplicado que pode ilustrar bem isso o de Ana Lcia Novelli (2010), que salienta o papel do poder legislativo na formulao de polticas pblicas e na abertura de canais de comunicao como garantia de transparncia. A autora relata a bem-sucedida experincia desenvolvida, desde 1997, pela Secretaria Especial de Comunicao Social do Senado Federal, com o Al Senado!, um servio de atendimento ao cidado que tem possibilitado uma aproximao direta do parlamento com a sociedade. A autora demonstra a eficcia desse canal, que tem permitido a participao ativa da opinio pblica. O estudo mostra como esta pode exercer impactos e influenciar a formao de polticas pblicas e a responsabilidade das instituies do Estado na gesto dos seus meios de comunicao, desde que as instituies pblicas promovam oportunidades reais e bem planejadas de interlocuo com seus pblicos.

    Em sntese cabe s relaes pblicas, em suas prticas nas instituies e organizaes, desempenhar suas funes administrativa, estratgica, mediadora e poltica (Kunsch, 2003), que norteiam a realizao de inmeras atividades. Planejar e administrar estrategicamente a comunicao, superando a antiga adoo da pura e simples funo tcnica de assessoria de imprensa, de divulgao e de produo miditica, deve ser a tnica das prticas de relaes pblicas e mesmo do jornalismo, como direi mais adiante.

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    Enfim, entendo que a rea de relaes pblicas poderia e deveria contribuir de uma forma muito mais expressiva e efetiva na atuao da comunicao pblica e governamental. o que procurei salientar em publicaes anteriores:

    No mbito do Estado, quantas aes construtivas poderiam ser

    realizadas para contemplar as carncias necessidades da populao

    e dos cidados! notrio como o poder pblico subestima o

    potencial de relaes pblicas, priorizando a propaganda e a

    assessoria de imprensa, deixando de realizar aes comunicativas

    proativas e empreendedoras com vista ao desenvolvimento integral

    da sociedade. (Kunsch, 2007, p.177)

    No trabalho de parceria entre o pblico e o privado, por exemplo, cabe rea de relaes pblicas um importante papel. Por meio do terceiro setor ou em conjunto com ele, poder promover mediaes entre o Estado e a iniciativa privada, repensando-se o contedo, as formas, as estratgias, os instrumentos, os meios e as linguagens das aes comunicativas com os mais diferentes grupos envolvidos, a opinio pblica e a sociedade como um todo.

    Outra subrea da comunicao institucional a de jornalismo, um campo que abre amplas possibilidades no tocante s prticas da comunicao pblica e governamental. No contexto de toda a convergncia das mdias, grande a variedade de instrumentos e aes disponveis, envolvendo veculos impressos e eletrnicos, mdias sociais, agncias de notcias, reportagens, entrevistas etc., bem como a organizao das fontes de informao e de prestao de contas sociedade, que devem constar da pauta diria.

    A informao jornalstica deve ser fundamentada e guiada pelos seguintes valores: ouvir a sociedade ser sensvel s demandas sociais e polticas; verdade ser transparente, pois os receptores precisam ser respeitados e os fatos publicados/divulgados podem ser objeto de

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    verificao, anlise e comentrios; rapidez atender s demandas sociais com a maior presteza possvel; sinceridade elucidar fatos que merecem esclarecimento dos diversos segmentos (cidado, entidades, sociedade civil, opinio pblica, imprensa etc.); cordialidade uma marca que deve guiar as relaes entre fontes governamentais e a mdia; e credibilidade a confiana na fonte algo imprescindvel.

    Uma terceira subrea da comunicao institucional a de publicidade e propaganda institucional e de utilidade pblica, cujas prticas esto centradas em campanhas e em sua veiculao nas mdias. Os governos deveriam fazer propaganda/publicidade paga? A sociedade tem conhecimento dos milhes que so investidos na mdia paga pelos governos municipal, estadual e federal em todas as esferas dos trs poderes? Acredito que a publicidade governamental deva ter como princpio fundamental o carter de interesse e de utilidade pblica, e no a nfase nas glrias e conquistas dos fazeres de um governo. A se justifica a veiculao paga. A propaganda deve procurar informar e esclarecer o cidado sobre seus direitos e deveres, bem como prestar servios populao.

    Outra modalidade comunicacional, por fim, a que diz respeito comunicao digital e s novas mdias, como a e-governance (governo eletrnico) e os portais governamentais. Essa pode ser considerada uma das maiores conquistas das inovaes tecnolgicas para democratizar as aes da administrao pblica e permitir o acesso do cidado. A importncia dos websites e da internet para facilitar a comunicao governamental e o exerccio da cidadania fato incontestvel. As experincias em curso, em nvel mundial, so altamente positivas.

    As estruturas de comunicao das instituies governamentais como das organizaes em geral se deparam com novos instrumentos ou suportes do mundo digital, como: e-mail, internet, blogs, fotologs, wikis, wikipedia, sala de imprensa, chats, banco de dados, conectividade, interatividade, conexo, links, redes sociais de conversao (Orkut, Facebook,

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    MSN, RSS, Web 2.0, entre tantos outros meios e instrumentos). Todos esses novos suportes devem ser utilizados, mas no podem prescindir de um planejamento eficiente e de uma produo adequada.

    Consideraes finais

    Neste artigo, dentro do curto espao disponvel, muito mais do que propor tcnicas e instrumentos para as prticas da comunicao pblica, procurei fazer algumas reflexes sobre o seu verdadeiro sentido, apresentando alguns fundamentos e as razes de sua existncia.

    Defendo que a proposio de estratgias e aes de comunicao pblica estatal pressupe: a existncia de uma poltica global de comunicao; a utilizao de pesquisas e auditorias; planejamento estratgico; e, sobretudo, a prtica de uma comunicao integrada, que capitalize eficaz e eficientemente a sinergia das distintas subreas de comunicao social.

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    Comunicao organizacional e comunicao pblica

    Interaes, convergncias e conflitos em aes voltadas sade pblica

    Maria Jos da Costa Oliveira

    Resumo

    Este artigo busca analisar as interaes, convergncias e conflitos entre as noes e prticas de comunicao organizacional e pblica no Brasil, identificando aes desenvolvidas por empresas voltadas sade pblica, tendo por base a pesquisa bibliogrfica em torno de conceitos tericos e mtodos, assim como a pesquisa emprica, para avaliar suas aplicaes, identificando as articulaes e impactos entre tais conceitos.

    Para tanto, a pesquisa inclui a anlise sobre as formas de relacionamento entre as instituies pblicas e organizaes privadas e do terceiro setor e seus diversos grupos sociais com os quais elas precisam manter vnculos formais, bem como as interaes comunicativas informais pelas redes sociais, provenientes dos avanos tecnolgicos, o que tem contribudo para a transformao do perfil do cidado, como um novo sujeito no processo, capaz de influenciar as polticas organizacionais e/ou pblicas.

    A premissa do estudo que os variados recursos comunicativos e as transformaes nos padres de engajamento cvico dos cidados esto exigindo que as estratgias e polticas de comunicao organizacional levem em conta as demandas pblicas, na atualidade.

    Palavras-chave: Comunicao organizacional, comunicao pblica, interaes, capital social, democracia.

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    1.Introduo

    As organizaes privadas se inserem na esfera pblica, sendo impactadas e gerando impacto nos demais elementos constituintes de tal esfera, sejam eles organizaes governamentais, organizaes da sociedade civil, grupos que defendem interesses diversos e mesmo indivduos/sujeitos.

    Nesse sentido, pode-se vislumbrar a importncia de se identificar a essncia das polticas de comunicao organizacional, levando pesquisadores e profissionais da rea a uma reflexo sobre seu entrelaamento com a comunicao pblica.

    Assim, este artigo tem a pretenso de suscitar o avano de novas pesquisas, capazes de contribuir com a anlise do papel da comunicao junto s organizaes e sociedade, procurando analisar as possveis imbricaes entre comunicao organizacional e comunicao pblica, a partir do cenrio constitudo por avanos no processo democrtico, novas tecnologias e cidadania, que trazem impacto s polticas de comunicao organizacional, exigem maior entrelaamento com o conceito de comunicao pblica e permitem uma nova percepo na forma como as organizaes estabelecem relacionamentos com seus stakeholders.

    Afinal, a comunicao organizacional, no contexto atual, demanda integrao com a comunicao pblica, de forma a estabelecer uma poltica de comunicao global que entrelace os interesses das organizaes com os da sociedade.

    Dessa forma, importante analisar se as polticas de comunicao organizacional, desenvolvidas por empresas que tiveram seus projetos de responsabilidade social reconhecidos em premiaes recentes, esto incluindo aes que contribuam com a sade pblica, revelando a interface entre a comunicao organizacional e a comunicao pblica.

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    Para tanto, um levantamento das edies de 2010 e 2011 do Guia Exame de Sustentabilidade, que indica as empresas-modelo em responsabilidade social corporativa, apresentado, com o objetivo de analisar se tais companhias tm investido em sade e meio ambiente, a partir de projetos desenvolvidos junto aos seus stakeholders.

    A base da interface entre comunicao organizacional e pblica existe quando a comunicao organizacional inclui a comunicao pblica como conceito voltado ao interesse pblico, ao exerccio democrtico e de cidadania, o que permite o reconhecimento dos stakeholders, profissionais da comunicao e da sociedade.

    Polticas de comunicao organizacional podem contribuir com a comunicao pblica, na medida em que o que se desenvolve na esfera privada tem reflexo na esfera pblica. Alm disso, as empresas que adotam polticas de comunicao organizacional integrada, que no se restringem aos resultados mercadolgicos, so as que geram impacto positivo na esfera pblica, pois tm viso mais estratgica e abrangente de seu compromisso com as questes de interesse pblico.

    2. Pressupostos tericos

    Para tratar do tema em questo, importante buscar a referncia de autores que analisam e discutem questes sobre espao pblico, esfera pblica, democracia, participao e deliberao, bem como a influncia dos meios de comunicao nesse processo, afinal, ao focalizar a interface entre comunicao organizacional e comunicao pblica, tais questes se revelam como base para a abordagem a se realizar.

    Nessa perspectiva, Habermas, uma das principais referncias nos estudos sobre esfera pblica, analisa que esta se localiza entre o Estado e a sociedade, o que nos permite entender o inevitvel impacto que a

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    comunicao organizacional provoca na comunicao pblica e vice-versa.

    Ao enfatizar a funo dos meios de comunicao, Habermas alerta para a importncia de estes agirem com independncia, no sendo influenciados por poderes econmicos e polticos, o que asseguraria a pluralidade necessria a um regime democrtico.

    Marques (2008) indica que para garantir que todos participem igualmente dos debates e discursos em contextos formais e informais necessrio que os atores sigam procedimentos que zelem pelas condies de igual participao e considerao de todos.

    A partir desta afirmao, possvel questionar como essa igualdade de participao e considerao ocorre no mbito organizacional e seu reflexo no espao pblico, j que a interao entre os atores sociais deve ser mediada pela accountability (prestao de contas), pela igualdade, pelo respeito mtuo e pela autonomia poltica, e, para isso, a comunicao se torna instrumento fundamental de circulao de informao entre a periferia e o centro (Marques, 2008). Sob essa perspectiva, pode-se tambm entender como ocorre a circulao da informao entre organizaes pblicas e privadas.

    Outro aspecto que merece destaque nesse contexto diz respeito manifestao de grupos de pessoas em relao a temas polticos. Nesse sentido que a contribuio de Gamson (2011) torna-se fundamental, j que o autor analisou conversaes polticas que revelam que as pessoas no so to passivas, como muitas vezes estudiosos supem; as pessoas no so to estpidas; as pessoas negociam com as mensagens da mdia de maneira complexa, que varia de uma questo para outra (Gamson, 2011, p.25).

    O autor mostra-se crtico, portanto, em relao a outros autores, como Neuman (1986), Converse (1975), que apontam para o baixo nvel

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    de conhecimento poltico do cidado comum. Todavia, refora que a ao coletiva mais do que um problema de conscincia poltica.

    A vida privada tem suas prprias demandas legtimas, e o cuidado

    com uma criana doente ou com um parente idoso pode ter

    prioridade sobre manifestaes por uma causa em que uma pessoa

    acredite plenamente. (Gamson, 2011, p.27)

    Porm, Gamson assegura que, mesmo que as preocupaes prioritrias dos cidados sejam referentes sua vida cotidiana, no significa que no pensem coletivamente. Gugliano (2004), numa outra vertente, destaca a relao entre capitalismo e democracia, pois dessa simbiose surgem dvidas sobre a capacidade de se gerar benefcios frente ao processo de deteriorao fsica, cultural, social e ambiental do planeta, j que o capitalismo privilegia a questo econmica, comprometendo a democracia no contexto de cidadania e direitos civis.

    Gugliano defende, ento, a perspectiva de anlise poltica qualitativa, estudada por diferentes autores, mostrando a trajetria de novas democracias, que caracterizam a terceira onda da democratizao, justamente no contexto da cidadania e dos direitos civis.

    Como se depreende do tema deste artigo, democracia um dos aspectos fundamentais, pois, de um lado, alguns autores tratam de delimit-la ao regime poltico e, de outro, surgem defensores de sua abrangncia para a sociedade como um todo.

    Lembramos, porm, que ao analisar democracia delimitada ao regime poltico, restringe-se a questo ao campo de dominao social, pois o Estado torna-se o elemento central de legitimao dos mecanismos de dominao social organizao coercitiva, segundo Tilly (1992, p.20) , procurando, ao mesmo tempo, aceitao da validade legal das suas intervenes.

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    Sob essa perspectiva, democracia fica restrita esfera do Estado, no se estendendo ao mercado econmico e no se relacionando diretamente com a infraestrutura da sociedade. Essa restrio preserva organizaes ligadas produo, comercializao e transao de bens com valor monetrio de aplicar as prerrogativas democrticas na sua forma de gesto ou planejamento estratgico de seus objetivos, permitindo o predomnio do lucro privado sobre os interesses de bem-estar da populao.

    Assim, o mercado econmico separado da gesto democrtica acaba promovendo a ciso entre o pblico e o privado, com ausncia de limites na busca da satisfao (econmica) individual. Por isso, testemunham-se, com frequncia, atividades econmicas que fogem dos padres ticos e morais das sociedades contemporneas.

    Todas essas consideraes levam necessidade de repensar a teoria da democracia, para, conforme prope Boaventura de Souza Santos (2002), ampliar o cnone democrtico. Dessa forma, Gugliano (2004) trata a crtica discursiva da democracia, desenvolvida por Habermas, e defende um modelo participativo de democracia, apresentando as transformaes comunicativas dos procedimentos democrticos.

    Habermas procura construir um modelo de interpretao social que resgata a centralidade da ao humana e o potencial que as estruturas comunicativas possuem para a superao das contradies da sociedade capitalista, sugerindo quatro formas de ao social que sintetizam as diferentes possibilidades de interveno social dos indivduos: ao teolgica, ao regulada por normas, ao dramatrgica e ao comunicativa.

    O destaque ao comunicativa apresentada na teoria social habermasiana volta-se aos problemas do dilogo e do consenso, que coloca a linguagem elevada condio de nico instrumento pelo

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    qual possvel edificar consensos envolvendo a totalidade dos atores sociais. H, portanto, a tentativa de legitimar a construo de uma viso de mundo atravs da interao com outros indivduos e a sociedade em geral.

    Caracterizando a deliberao pblica como o mago do processo democrtico, Habermas sugere uma diviso entre princpios liberais de democracia e princpios republicanos. O modelo liberal tem a proposta centrada na capacidade do Estado de mediar conflitos e administrar a sociedade do ponto de vista das necessidades do mercado econmico. J o republicano refere-se ao projeto de construir um sistema poltico global centrado na capacidade de articulao da sociedade civil.

    Tais diferenas provocam a necessidade de formulao de um modelo alternativo, segundo Habermas, que incorpore elementos da teoria liberal e republicana, construindo-se novas formas de consenso fundamentadas numa teoria democrtica discursiva.

    Assim, do modelo liberal seriam incorporadas as caractersticas de estima soberania do Estado e normatizao constitucional das relaes polticas. Do modelo republicano extraem-se a valorizao da formao da opinio e da vontade pblica e a nfase capacidade de autodeterminao dos cidados.

    O modelo habermasiano de deliberao poltica procura encurtar distncias entre o Estado e a sociedade civil e aproximar os polticos profissionais e a atividade poltica em geral dos cidados. Entretanto, esse modelo apresenta um impasse relacionado ausncia de uma transio entre os procedimentos democrtico-comunicativos e os de efetiva gesto do Estado, o que pode ser solucionado com projetos de cogesto do Estado, envolvendo polticos profissionais e cidados.

    As democracias participativas inserem, na vida cotidiana dos cidados, processos anteriormente restritos aos crculos governamentais e parlamentar, estruturando-se diferentes nveis de reunies que

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    envolvem moradores das diferentes cidades e regies. Estimula-se, nesse modelo, o debate sobre espao urbano, a participao nas determinaes de obras pblicas ou at a escolha de vizinhos para fazerem parte de fruns de gesto.

    Mas Gamson, por sua vez, destaca que dificilmente as pessoas tm oportunidade de se engajar em atividades que desafiam ou tentam modificar algum aspecto de sua vida cotidiana padronizada. Esse impedimento estrutural ao coletiva reforado por uma cultura poltica que opera para produzir inrcia e passividade (2011, p.88).

    Bennet (apud Gamson, 2011, p.88) chega a observar como a estrutura e a cultura da produo de notcias se combinam para limitar a participao popular. Essa anlise evidencia a importncia do capital social, como forma de fortalecimento para a ao coletiva, constituindo-se em outro conceito-chave deste artigo.

    Para que se avance nos sentidos da democracia, necessrio democratizar a esfera no estatal (Santos, 2002), caracterizar um modelo que v alm do regime poltico, capaz de enfatizar mediaes entre o local e o global, incorporando novas problemticas que interferem na abordagem democrtica.

    Outra questo essencial para esse avano em direo democracia valorizar as condies sociais da sociedade, tais como aspectos vinculados aos direitos humanos, capital social, violncia, desemprego, entre outros, como o caso da sade pblica.

    Nesse nterim, vale analisar a mobilizao cidad na atualidade, que no visa apenas ruptura com o regime poltico, mas almeja ganhos para a coletividade, tais como a recuperao de espaos pblicos, o aprimoramento de servios sociais e a melhoria da qualidade de vida da comunidade. Alm disso, essa mobilizao utiliza canais tradicionais e, em especial, tecnologias que facilitam a articulao em redes de aes sociais.

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    Esteves (2003) aborda a constituio histrica do espao pblico e sua dificuldade em se tornar verdadeiramente democrtico para a participao da sociedade civil. Destaca tambm a centralidade da comunicao, em especial da mdia de massa, no processo de formatao de um espao pblico, que, segundo o autor, mostra-se hoje fragmentado e diludo. Ao mesmo tempo o autor afirma que este espao no teria extinguido toda a sua vitalidade. Outras abordagens, porm, como a realizada por Habermas (apud Marques, 2008) consideram que o espao pblico sempre foi mltiplo, ou seja, constitudo por diferentes esferas pblicas.

    A sociedade civil, conforme Esteves (2003), reconfigurou-se ao longo da histria, transformando a sociedade burguesa em forte ncleo social, estruturado de associaes voluntrias autnomas no s em relao ao Estado, mas tambm em relao economia. Isso faz que a fora regeneradora que a sociedade civil pode incutir ao espao pblico dependa da delimitao precisa das suas fronteiras com relao ao Estado e da promoo de uma ao social responsvel.

    Assim, consolidada a abordagem sobre esfera pblica e democracia, momento de aprofundar questes relacionadas participao social, cidadania e movimentos comunitrios.

    3. Participao, cidadania e mobilizao caminho para o capital social e a comunicao pblica

    Cidadania, participao social e movimentos comunitrios integram-se como conceito e ao, j que a cidadania tem relao direta com a sociedade democrtica, de participao na esfera pblica, sendo capazes de implementar movimentos sociais, relacionamentos entre

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    os atores sociais e tendo como base respeito aos direitos humanos, participao nos negcios pblicos, enfim, deveres e direitos, inclusive os ecolgicos, de gnero, tnicos, liberdade de expresso; respeito individualidade e s identidades especficas e justia social.

    J destaquei em outros trabalhos (Oliveira, apud Bezzon, 2005, p.47) que a conquista da cidadania um processo histrico, que surgiu na Grcia antiga, junto com a noo de cidado, apesar de ter nascido com dimenso de excluso e de manuteno da hierarquizao social.

    Desde ento, o conceito sofreu grande transformao e se tornou mais complexo e inter-relacionado com democracia. Conforme Scherer-Warren (1999), a ampliao dos direitos de cidadania relaciona-se, na atualidade, com os processos de democratizao da sociedade, o que nos leva a entender que o processo de democratizao tambm deve influenciar as polticas de comunicao organizacional, tendo em vista uma nova percepo dos indivduos e grupos sociais na sociedade.

    O conceito de capital social est intimamente ligado s redes sociais e de comunicao disponveis para as interaes dos agentes sociais (Matos apud Duarte, 2007, p.54). Matos lembra que a rede social pode ser dimensionada pela confiana que os membros atribuem aos participantes e s consequncias associadas a esse sentimento (Matos, apud Duarte, 2007, p.55).

    Como decorrncia desta abordagem, surge o conceito de comunicao pblica, que s existe em contextos democrticos, de cidadania e com a presena de capital social, contribuindo com uma nova percepo de poltica de comunicao. Para Duarte (2007, p.59), por exemplo, comunicao pblica centraliza o processo no cidado. Tal conceito confirmado por Matos (apud Duarte, 2007, p.47), que tambm trata de evidenciar o conceito de comunicao pblica como espao plural para a interveno do cidado no debate das questes de interesse pblico.

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    Por sua vez, a comunicao tambm fundamental na gesto estratgica das organizaes, na formao, construo e consolidao de sua imagem, reputao, marca e no processo de administrao da percepo e leitura do cenrio social, contribuindo para a anlise do ambiente interno e externo, dos planos de negcios, identificando problemas e oportunidades para a tomada de decises compartilhadas e posicionamento das organizaes.

    4. A evoluo da comunicao organizacional

    Nos ltimos anos tem sido registrado um substancial avano nas pesquisas e publicaes que abordam tanto os conceitos de comunicao organizacional como os de comunicao pblica. Pesquisadores e autores passaram a se dedicar aos temas, representando um avano considervel nos estudos que cercam tais conceitos.

    Todavia, esses conceitos vm sendo construdos em linhas paralelas e so restritas as abordagens que demonstrem as imbricaes existentes entre comunicao organizacional e pblica, parecendo que esses conceitos no se cruzam, pois um segue a trilha da esfera privada, enquanto o outro se relaciona com a esfera pblica.

    No atual cenrio social, poltico e econmico no h como realizar a anlise da comunicao organizacional de maneira isolada, sem levar em conta seu impacto e entrelaamento que pode ser estabelecido com a esfera pblica.

    Conforme indica Kunsch (2009, p.75) sobre a comunicao organizacional:

    Hoje, pode-se dizer que os estudos so mais abrangentes e

    contemplam muitos assuntos em uma perspectiva mais ampla,

    como anlise de discurso, tomada de deciso, poder, aprendizagem

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    organizacional, tecnologia, liderana, identidade organizacional,

    globalizao e organizao, entre outros.

    Reconhecimentos como o expresso por Kunsch sugerem que novos estudos passem a contribuir para ampliar as anlises sobre o papel da comunicao na sociedade.

    Interessante observar a evoluo do conceito de comunicao organizacional, que antes adotava como referncia o pensamento comunicacional norte-americano, (que) em uma perspectiva tradicional, tinha como foco perceber a comunicao organizacional mais no mbito interno e nos processos informativos de gesto (Kunsch, 2009, p.75).

    Numa retrospectiva histrica, a autora tambm mostra como o conceito de comunicao organizacional tem evoludo, j que antes

    o foco estava na comunicao administrativa/interna e nos

    processos informativos de gesto; nas redes de comunicao; nos

    canais, nas mensagens, na cultura e no clima organizacional; na

    estrutura organizacional e nos fluxos, nas redes etc.; nos inputs e

    outputs das organizaes.

    Entretanto, as diferentes abordagens passaram a revelar novas possibilidades. Kunsch (2009, p.75), citando George Cheney e Lars Thoger Christensen (2001, p.235), descreve que os autores chamam a ateno para a interdependncia e inter-relao da comunicao interna com a externa.

    Depreende-se, portanto, que possvel realizar anlises que contribuam para avanar na relao entre o micro ambiente e o macro, entre o indivduo e o cidado, entre o individual e o coletivo, entre o privado e o pblico, e, finalmente, entre a comunicao organizacional e a comunicao pblica.

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    Habermas (1997, p.30) sintetiza, na citao a seguir, a importncia da participao, das articulaes, das discusses em nome do interesse pblico, que indicam o papel que a comunicao exerce no processo.

    o fato de o cidado ser tambm responsvel pela cogesto do Estado

    tem implicaes que ultrapassam a esfera das relaes polticas na

    medida em que fortalecem o tecido de articulaes entre os prprios

    cidados e colocam na pauta de discusses questes que, mesmo

    sendo originrias da esfera privada, interferem no modo de vida da

    coletividade.

    Porm, neste artigo, alm da pesquisa bibliogrfica realizada, incluem-se consideraes sobre aes desenvolvidas por algumas empresas, que receberam destaque no Guia Exame de Sustentabilidade de 2010 e 2011, por prticas que contribuem com a sade pblica.

    5. Sade pblica e responsabilidade social

    Variados recursos comunicativos e as transformaes nos padres de engajamento cvico dos cidados esto exigindo que as estratgias e polticas de comunicao organizacionais levem em conta as demandas pblicas, na atualidade.

    Tais demandas so crescentes e complexas, como a relacionada sade pblica, cujas aes voltadas ao seu suprimento no podem mais ficar restritas ao governo. Assim, pode-se considerar que uma alternativa eficaz representada por alianas entre o poder pblico, as empresas e o terceiro setor, que se constituem como caminho capaz de reverter o quadro catico que se verifica no cenrio nacional.

    A participao da sociedade torna-se fundamental nessa questo e sua importncia pode ser identificada por meio, por exemplo, da constituio dos Conselhos Municipais de Sade, previstos pela

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    Constituio de 1988, que, conforme Gerschman (2004), so formados por representantes do governo, prestadores de servios pblicos, privados e filantrpicos, representantes dos profissionais de sade e das comunidades usurias dos servios de sade pblica.

    Gerschman (2004, p.1670 e 1671) lembra que, no que se refere s comunidades usurias, a lei n 8.142 de 28 de dezembro de 1990 define que a representao dos usurios nos Conselhos de Sade e Conferncias ser paritria em relao aos conjunto dos demais segmentos.

    Contudo, ainda falta maturidade democrtica para que tais representantes atuem com vistas ao interesse pblico. Alm disso, conforme Gerschman (2004),

    Ainda que a relao entre representantes e representados acontea

    via reunies, peridicos ou meios de comunicao prprios das

    entidades, o envolvimento das comunidades, como uma forma

    de interferir na gesto pblica baixo, dada a descrena sobre a

    contribuio que os Conselhos podem dar para a melhoria das

    condies de sade da populao. O papel dos representantes no

    Conselho torna-se de difcil efetivao, dada a ausncia de papel

    poltico e de insero em algum tipo de militncia que sustente e

    respalde a atuao do conselheiro. A estas carncias se soma a falta

    de um conhecimento tcnico especializado sobre o setor da sade

    que permita aos conselheiros deliberar sobre assuntos apresentados

    pelos secretrios municipais.

    Ao mesmo tempo, iniciativas governamentais isoladas tm se revelado ineficientes diante das demandas da populao. Assim, cada vez mais a participao de empresas e da sociedade civil organizada torna-se fundamental.

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    Contudo, se aqui defendo a importncia da comunicao organizacional alinhada com a comunicao pblica, ou seja, a comunicao voltada ao interesse pblico, preciso entender at que ponto as iniciativas das empresas nas suas aes de responsabilidade social so definidas com base nas manifestaes dos grupos sociais com os quais se relacionam.

    Evidentemente, tal definio exige uma poltica de comunicao organizacional que entenda os grupos sociais e indivduos como sujeitos interlocutores, cidados, que tm percepo de suas necessidades e querem que as organizaes, sejam elas pblicas ou privadas, contribuam efetivamente com a sociedade, no apenas para sua autopromoo, garantindo ganhos para sua imagem, reputao e marca, mas que tragam reais benefcios para todos.

    H iniciativas de empresas que parecem seguir tal orientao, criando canais de comunicao para que as comunidades internas e externas se manifestem sobre suas reais necessidades, inclusive indicando aes que se transformam em projetos sociais de grande impacto.

    Para exemplificar, um levantamento realizado nas edies de 2010 e 2011 do Guia Exame de Sustentabilidade, que indica as empresas-modelo em responsabilidade social corporativa, revela que h um conjunto de empresas que tm investido cada vez mais em sade e meio ambiente, a partir de projetos desenvolvidos junto aos seus stakeholders.

    Nessa perspectiva, as aes voltadas sade no se referem apenas a aes paliativas, mas principalmente preventivas, j que cuidar do meio ambiente traz benefcios para o bem-estar de todos.

    Conforme publicado na edio de 2010 do Guia Exame de Sustentabilidade, a Amanco, uma das maiores fabricantes de tubos e conexes do mundo, por exemplo, no comercializa produtos que

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    oferecem riscos para a sade pblica ou derivados de combustvel fssil. O mesmo ocorre com a Anglo American empresa mineradora, que expe suas aes que contribuem com a sade pblica, alm de assegurar que seus investimentos sociais so definidos junto com a populao beneficiada pelas aes. A participao da comunidade nas discusses das propostas tem sido crescente, confirma a edio do Guia Exame de Sustentabilidade de 2010 (p.134).

    Na mesma edio (p.140), outra empresa que divulga que no fabrica produtos que representem riscos sade ou causem dependncia qumica ou psquica a Bunge. Na edio de 2011 do Guia Exame de Sustentabilidade a preocupao com a sade volta a ser reforada em aes promovidas por parte das empresas que constam como modelo em responsabilidade social corporativa no Brasil.

    A Anglo American integra novamente a lista das empresas-modelo e refora que mais de 80% dos processos so cobertos por sistemas de gesto de sade e segurana do trabalho certificados (2011, p.140).

    Em 2011, a Embraco, especializada na fabricao de compressores, afirma promover iniciativas de desenvolvimento sustentvel na comunidade do entorno, levando em considerao as peculiaridades locais (p.154). Apesar de no fazer aluso direta questo da sade, chama a ateno a indicao de que o investimento social que realiza seja precedido de consultas s comunidades envolvidas, para identificar as necessidades e fortalecer a organizao comunitria.

    Essa mesma conduta parece nortear as aes do Laboratrio Sabin, de Braslia, tambm na lista de 2011, quando assegura que seus investimentos sociais so precedidos de consultas s comunidades afetadas pela iniciativa e levam em conta o potencial de autossuficincia financeira dos projetos e a aprendizagem gerada pela iniciativa para a formulao e o aprimoramento de polticas pblicas (p.176).

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    No caso do Sabin, por ser uma empresa que atua com servios de sade, suas aes muitas vezes so relacionadas aos servios que presta, como o caso do programa Eu cuido dos meus pais, que permite a cada funcionrio, no ms de seu aniversrio, oferecer um check-up de sade completo aos pais, sem custo.

    Alm da preocupao com o bem-estar dos funcionrios e suas famlias, o Sabin tambm estende sua preocupao com a qualidade de vida comunidade, com projetos nas reas de sade, educao e esporte.

    Entretanto, muitas vezes as aes de responsabilidade social voltadas sade pblica ainda no so as prioritrias. possvel, no entanto, que a necessidade primeira identificada pelas empresas no tenha relao direta com problemas de sade pblica. Ou ainda, a prpria populao, mesmo tendo possibilidade de indicar os projetos que devem contar com o apoio das empresas, no se manifeste sobre tal questo, at por considerar que sade pblica de responsabilidade exclusiva do governo.

    Ao mesmo tempo, h empresas que temem vincular sua marca a iniciativas pblicas, dada a falta de confiana generalizada na poltica e nos polticos. Alm disso, algumas so receosas de que a responsabilidade por questes pblicas, como as relacionadas sade, possam ser integralmente transferidas como responsabilidade das empresas, fazendo que o governo se isente de seu papel.

    Assim, alm de procurar vencer as barreiras que se apresentam no estabelecimento de parcerias, seja pela falta de confiana, de transparncia, de tica entre os atores, preciso deixar clara a responsabilidade e a contribuio que cada um, com suas prprias caractersticas, capaz de assumir junto sociedade.

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    Consideraes finais

    Conforme indicam os conceitos apresentados, comunicao organizacional e comunicao pblica tendem cada vez mais a se entrelaar num contexto que exige que os interesses das organizaes se alinhem com os interesses da sociedade.

    Assim, as polticas de comunicao devem levar em considerao questes fundamentais como a garantia de participao de todos no mbito organizacional, j que democracia deve ir alm da esfera estatal.

    Outras questes centrais deste artigo se referem cidadania, mobilizao e capital social, que fundamentam o entendimento do processo de democratizao, influenciando as polticas de comunicao organizacional que reconhecem o novo papel dos indivduos e grupos sociais na sociedade.

    Algumas empresas, conforme pode ser observado, no s incluem a preocupao com a sade pblica, como tambm tm institudo polticas de comunicao que permitem a consulta e a manifestao da comunidade envolvida.

    Evidentemente, o levantamento aqui realizado tem suas limitaes e serve apenas como referncia para exemplificar as possibilidades existentes para que a democracia seja exercida no mbito organizacional.

    Contudo, novos estudos devero surgir como desdobramento desta anlise inicial, permitindo levantar as percepes dos responsveis pelas polticas de comunicao das organizaes, bem como dos grupos sociais envolvidos, identificando pontos de conflitos e convergncia entre tais percepes.

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    O discurso obscuro das leis Maringela Haswani

    Resumo

    O conhecimento das leis pelos cidados condio indispensvel para a realizao da democracia e para garantia dos direitos fundamentais e sociais constantes nas constituies dos Estados democrticos de direito. O artigo discute a discrepncia entre a obrigatoriedade de publicao das leis e o discurso truncado, tcnico e incompreensvel dos textos legais. Apresenta, nesse sentido, um estudo exploratrio desenvolvido entre agosto e novembro de 2011, tendo como objeto os termos legais que definem as Leses por Esforos Repetitivos (LER) e sua interpretao por trabalhadores de call centers, um dos pblicos com maior incidncia da doena.

    Palavras-chave: Comunicao normativa; comunicao pblica; discurso das leis; LER.

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    O princpio da publicidade um pressuposto indispensvel no contexto das instituies polticas das democracias: nelas, o poder deve expor publicamente suas aes e a motivao delas, permitindo a contestao dos seus argumentos por parte da opinio pblica, afastando o que Bobbio (2000) chama de poder invisvel.

    Assim, mesmo com os possveis constrangimentos a que sujeita o poder, o princpio da publicidade est inevitavelmente atrelado a ele, na dinmica dos protestos sociais divulgados por meio de instituies autnomas da opinio pblica. Pela sua penetrao na vida social, essas instituies so consideradas, tambm, indispensveis no processamento da legitimidade do poder.

    Ao estudar os efeitos do poder estatal sobre a atividade da sociedade civil, Habermas utilizou o vocbulo ffentlichkeit para se referir publicidade. Mas, na traduo para as lnguas neolatinas, esse termo aparece como vida pblica, opinio pblica, espao pblico, entre outros. Isso se deve ao fato de a palavra ter perdido suas referncias originais e, nos sculos XIX e XX (neste, principalmente), ter passado por sucessivas etapas de ressignificao no campo semntico da mdia e da propaganda comercial (Habermas, 2004). Quando o autor publicou seu trabalho, em 19621, a expresso publicidade burguesa remetia a um perodo histrico confuso de gestao social e suas consequncias polticas: ao mesmo tempo que se edificava a autonomia moral da burguesia, essa autonomia se projetava para o convvio social publicidade literria e para a esfera poltica publicidade poltica. Se por um lado a publicidade remete qualidade ou estado das coisas pblicas, de outro aponta o feitio de uma publicidade com as feies da sociedade civil burguesa, construda sobre uma slida esfera privada. At meados do sculo XX, preponderou a sociedade de indivduos, subjetiva, da privacidade e do interesse particular com sua equivalente no mundo social. Apenas aps as transformaes

    1 Histria e crtica da opinio pblica teve sua primeira publicao nessa data. A edio utilizada aqui a oitava, de 2004.

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    ocorridas em consequncia dos grandes conflitos mundiais, o foco das perspectivas voltou-se para os assuntos de interesse geral, coletivo.

    No Brasil, o carter patrimonialista do estamento burocrtico (Faoro, 1998) sempre privilegiou aristocracias, desde o perodo colonial. A cpula do poder constitudo instaurou, nos diversos momentos histricos, um sistema de apadrinhamentos em que seus pares eram sistematicamente favorecidos ou cooptados com pequenos mimos (para operacionais) ou com vagas de comando nos primeiros escales de governo (para membros das elites poltica e econmica). Entre os contemplados, a maioria vinha com formao em cincias humanas, particularmente em cincias jurdicas, das universidades europeias diretamente para o poder local. Desse modo, o imprio das leis, j bastante poderoso em todo o mundo ocidental por criar mecanismos de organizao e controle da sociedade, expandiu-se para o territrio da Amrica portuguesa, construindo aqui um silencioso superpoder. Num territrio de analfabetos e iletrados, o discurso rebuscado com palavras incompreensveis conotava, para o grande pblico, autoridade, superioridade ganhava respeito do povo quem falava difcil. Ecos desse padro ainda sobrevivem no nosso pas e um dos seus aspectos justamente a linguagem das leis, codificadas conforme os cnones jurdicos e assim disseminadas para a sociedade, sem qualquer tratamento metalingustico.

    A evoluo dos pressupostos democrticos e dos direitos constitucionais nos trouxe para a atualidade algumas condies aceitas unanimemente por autores das cincias jurdicas e da cincia poltica para a realizao plena do Estado Democrtico de Direito: no h direitos sem garantias; a publicidade das leis condio primeira consecuo dos direitos e da prpria democracia (Barros, 2008; Canotilho, 1992; Bonavides; 2003).

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    1. Comunicao pblica e publicidade das leis

    Os conceitos de comunicao pblica ainda vm sendo construdos por pesquisadores principalmente europeus e apresentam mltiplas interpretaes, conforme o ponto de vista adotado para a reflexo. As divergncias encontram-se, principalmente, no estabelecimento das fronteiras entre o pblico e o privado, seja na deteco dos promotores, seja no objeto ou na finalidade da comunicao.

    Franca Faccioli (2000) entende que a comunicao pblica aquela destinada ao cidado em sua veste de coletividade e conota-se, em primeira instncia, como comunicao de servio que o Estado ativa, visando garantir a realizao do direito informao, transparncia, ao acesso e participao na definio das polticas pblicas e, assim, com a finalidade de realizar uma ampliao dos espaos de democracia.

    Outra construo proposta por Mancini (2008) a partir do encontro entre aquelas trs dimenses promotores/patrocinadores, finalidade, objetos. Aborda, da, aspectos com maior repercusso na fase do processo de profissionalizao que est atravessando a rea da comunicao pblica: a comunicao da instituio pblica, a comunicao poltica e a comunicao social. As dificuldades e sobreposies contidas na proposta do autor ocorrem porque a comunicao objeto complexo em que no sempre fcil distinguir as diversas e muitas vezes contrastantes finalidades. Alm do mais, o tema da comunicao pblica ainda pode ser interpretado luz dos processos das diferenciaes sociais que acompanham o desenvolvimento da atual sociedade complexa. Como tal, esse tema contempla a fragmentao e a articulao nem sempre linear desses processos.

    De fato, sujeitos de direito privado, como os partidos polticos e, em certa medida, tambm os rgos de informao, empenham-se

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    regularmente na produo de prticas discursivas de interesse geral; e sujeitos privados, como muitas associaes cvicas, se articulam tambm em torno de temticas de carter geral. Distinguem-se, porm, uns dos outros pela interveno voluntria ou obrigatria no mbito da comunicao pblica.

    A partir desse pressuposto de uma comunicao cujo objeto o interesse geral , os pesquisadores propem dezenas de modelos e subdivises que, vistas isoladamente, confundem mais do que esclarecem os conceitos e as finalidades da comunicao pblica. importante observar a presena de partes dos modelos em autores e pontos de partida diversos, embora as definies apresentadas sejam semelhantes e, muitas vezes, iguais na concepo no necessariamente na semntica.

    Stefano Rolando (1992) sublinha que a profisso de comuniclogo da rea pblica traz consigo a acepo anglo-saxnica do civil servant,

    em um processo em que modernizao do Estado e acolhimento dos

    direitos dos cidados so duas funes integradas e realizadas com

    autoridade por parte de quem promove e organiza as prestaes,

    com sinergia efetiva dos recursos profissionais disponveis, com

    um projeto estratgico de neutralidade e de maturidade dos

    funcionrios, detentores de uma nova perspectiva de trabalho,

    adequadas aos interesses coletivos. (Rolando, 1992, p.127)

    Seu campo privilegiado , portanto, a comunicao pblica de utilidade que se realiza no mbito das relaes entre as instituies do Estado e os cidados. Dada a peculiaridade desse tipo de comunicao como civil servant, prioritrio que ela preveja modalidades, instrumentos e atores que realizem tais relaes. necessria a ativao de um sistema de comunicao que envolva estrutura e atores pblicos, tanto na sua gesto, quanto na sua relao e no confronto com outros sujeitos que ocupam a rea pblica. Os protagonistas principais de tal

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    sistema so, portanto, os operadores pblicos, aqueles que, em diversos nveis e com diversas responsabilidades, concorrem atividade das instituies e das administraes e se confrontam cotidianamente com as exigncias dos cidados.

    H, porm, uma unanimidade: nenhum autor que trata da comunicao pblica estatal se abstm de contemplar a comunicao normativa como imprescindvel, provavelmente pelo fato de as cartas magnas dos pases com regime democrtico apresentarem esse dispositivo como pressuposto para a vigncia das leis. Essa modalidade indica o dever das instituies de publicar as leis, normas, decretos e divulg-los, explic-los e dar as instrues necessrias para utiliz-los. Para Franca Faccioli, a comunicao normativa a base da comunicao pblica medida que o conhecimento e a compreenso das leis a precondio de cada possvel relao consciente entre entes pblicos e cidados (Faccioli, 2000, p.48).

    Gregorio Arena nomeia a comunicao normativa como comunicao jurdico-formal, que tem por objetivo a regulao jurdica das relaes entre os membros do ordenamento, serve para aplicar normas, fornecer certezas, obter a cognoscibilidade jurdica de um ato e outras atividades similares. Segundo o autor, trata-se de uma comunicao usada sobretudo dentro do modelo tradicional de administrao, chamado de regulao. Os exemplos vo das certificaes, verbalizaes e notificaes s publicaes legais, as coletneas oficiais de atos, os afixos nos murais, os depsitos permanentes de documentos com exposio ao pblico, os registros e similares (Arena, 1999, p.19).

    Autores como Rolando, Rovinetti, Mancini, entre outros, apresentam esses mesmos conceitos da comunicao normativa, com variaes apenas de redao ou estilo, mas no dos princpios que norteiam essa dimenso. Todavia, embora seja consensual a necessidade da comunicao das leis, uma crtica bastante severa aparece em

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    estudiosos que tratam do tema sob a tica da linguagem empregada nesta divulgao das leis e dos meios utilizados para a finalidade. Faccioli diz que a comunicao normativa a base da comunicao pblica. E argumenta que no pensvel, de fato, qualquer atividade de relao e de troca entre as instituies do Estado e os cidados, se estes no so colocados em condies de conhecer e de compreender as leis. E indica dois aspectos a serem considerados: a escrita das disposies normativas; e sua publicidade. Quanto ao primeiro aspecto, ela pondera que sabido o quo obscura a linguagem das leis e como elas utilizam uma terminologia tcnica que se destina aos envolvidos diretamente nos trabalhos em questo e resulta incompreensvel para a maioria do pblico.

    Sobre o tema,