livro burke peter a-fabricacao-do-rei

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8/18/2019 Livro BURKE Peter a-Fabricacao-Do-Rei http://slidepdf.com/reader/full/livro-burke-peter-a-fabricacao-do-rei 1/126 A gentel ogo vé essa maj es tad e toda ve m da peruca dos sapatosd e sa lt o alt o e do mant o . É a ss im que os barbeir os e os s apateiros fabricam os d eusesqu e ad oramos. William Tha ck era y P T R URKE A F ABRI CAÇÃO DO REI A Construção da Imagem Pública de Luís XIV Tradução : MARIA LUI ZA X. DE A . oR G ES Jorge Zahar Editor Rio de Jan eiro

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A gentelogo vé essamajestade todave m da peruca dossapatosde salto altoe do manto . É ass im queos barbeiros e os sapateirosfabricam osdeusesquead oramos.

William Thackeray

P T R URKE

A FABRI CAÇÃO DOREIA Construção da Imagem Pública

de Luís XIV

Tradução :MARIALUI ZA X. DE A. oR G ES

Jorge Zahar Editor

Rio deJaneiro

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ara Maria Lúcia

Título original:The Fabrication o Louis XIV

Tradução autorizadada primeira edição norte-americanapublicada em 1992por Yale University Press,de New Haven, EUA

Copyright © 1992, Peter BurkeCopyright © 1994da ediçãoem língua portuguesa:

Jorge Zahar Editor Ltda.rua México31 sobreloja

20031-144 Riode Janeiro,RJte .: 021) 240-0226 fax: 021) 262-5123

Todos os direitos reservados.A reprodução não-autorizada desta publicação,no todoou em parte, constitui violaçãodo copyright. (Lei 5.988)

Capa: Gustavo MeyerIlustraçãoda capa: Hyacinthe Rigaud,Retrato de Luís XIV

óleo sobre tela, c.1700

Reimpressão: 1997Impressão:Hamburg Gráfica Editora

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonteSindicato Nacional dos Editoresde Livros,RJ.

Burke, PeterB973f A fabricação do rei: a construçãoda imagem públicade Luís

XIV Peter Burke; tradução, Maria LuizaX. de A. Borges. -Riode Janeiro: JorgeZahar Ed., 1994

Tradução de: The fabrication o f LouisXIVBibliografiaApêndiceISBN 85-7110-277-5

1. Luís XIV, Rei da França, 1638-1715.2. Luís XIV, Rei daFrança,1638 1715 Personalidade. 3. Reis egovernantes-França Biografia.4. França História Século XVII. I. Título.

CDD 944.03393-1262 CDU 944

SUMÁRIO

Lista de ilustrações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .6Agradecimentos . 11

I APRESENTAÇÃO A LUÍSXIV • l

Il PERSUASÃO • • • 27

III o NASCER DO SOL • • • • 5

IV A CONSTRUÇÃODO SISTEMA • 61

v AUTO AFIRMAÇÃO • • • • • • • 73

VI O s ANOS DE VITóRIA • 83

VII A RECONSTRUÇÃODO SISTEMA 97

VIII o PóR DO SOL 119

IX A CRISE DAS R E P R E S E N TA Ç Ó E S 137

X 0 REVERSODA MEDALHA 147

XI A RECEPÇÃODA IMAGEMDE Luís XIV • 163

XII LUíS EM PERSPECTIVA • • • • 9

Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .2 5

Apêndices . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .217Notas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .222

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .233Índice remiss ivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .245

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

1. Retrato de Luís XIV de Hyacinthe Rigaud, óleo sobre tela, c.1700. Louvre, Paris. © F otoRMN, Paris

2. Jean Warin apresenta sua medalha ao infante Luís pintura anônima, c.1648. Musée dela Monnaie, Paris

3. Cour de marbre, Versailles. ©Foto RMN, Paris4. Arco do triunfo provisório erguido no Marché Neuf gravura extraída de Entrée

triomphante ... , 1660. British Library, Londres5. Retrato de Luís XIV como protetor da Academia de Pintura e Escultura de Henri Teste in,

óleo sobre t ela, 1666-8. Chãteau de Versailles. Foto Lauros-Giraudon6. Luís como protetor das artes extraído de Panegyricus de La Beaune, 1684. British

Library, Londres7. Alegoria da Paz. dos Pireneus de Theodor van Thulden, óleo sobre tela, c.1659. Louvre,

Paris. Foto Lauros-Giraudon

8. A família de Luís XIV de Jean Nocret, óleo sobre tela, 1670. Chãteau de Versailles. FotoGiraudon9. Triunfo de Luís XIV de Joseph Werner, guache, 1664. Chãteau de Versailles. © Foto

RMN, Paris10. A família de Dario aos pés de Alexandre de Charles Lebrun, óleo sobre tela, c.1660.

Chãteau de Versaille. ©Foto RMN, Paris11. Luís XIV como o Bom Pastor provavelmente de Pierre Paul Sevin, sobre pergaminho,

final do século XVII. Foto cortesia Christie's, Londres12. Modelo para um monumento eqüestre a Luís XIV de Gianlorenzo Bernini, c.1670. Galleria

Borghese, Roma. Foto Alinari, Florença13. Retrato de Carlos I de Antônio van Dick, óleo sobre tela, c.1635. Louvre, Paris. Foto

Lauros-Giraudon14. Luís XIV esmagando a F ronda de Gilles Guérin, mármore, 1654. Musée Condé, Chantilly.

Foto Giraudon15. Luís como Apolo, modelo para fantasia, anônimo, 1654. Cabinet des Estampes,

Bibliotheque Nationale, Paris16. Retrato de Luís XIV cercado pelos atributos das artes de Jean Garnier, óleo sobre tela,

1672. Chãteau de Versailles. Foto Lauros-Giraudon17. A visita aos Gobelins extraído de "História do rei", série de Charles Lebrun, tapeçaria,

c 1670. Collection Mobilier National, Paris18. Luís XIV visita a Academia de Ciências de Sébastien Le Clerc, frontispício de Mémoires

pour l histoire naturelle des animaux de Claude Perrault, 1671. British Library,Londres

19. Projeto de obelisco de Charles Perrault, 1666. Bibliotheque Nationale, Paris20. O rei governa por si mesmo de Charles Lebrun, pintura em teto, 1661, Chãteau de

Versailles. Foto Giraudon21. Encontro de Filipe IV e Luís XIV extraído da série "História do rei , de Charles Lebrun,

tapeçaria, c. 1670. Collection Mobilier National, Paris

LISTA DE ILUSTRAÇOES

22. Luís XIV como imperador romano extraído de Festiva ad capita 1670. British Library,Londres

23. Ludovicus Magnus medalha de Jean Warin, 1671. Cabine des Médailles, BibliothequeNationale, Paris

24. Cerco de Douai em 1667 de Adam-Frans van der Meulen, gravura, c.1672. Anne S K

Brown Military Collecti on, Brown University Library, Providence, R.l.25. A conquista do Franche-Comté gravura de Charles Simonneau, c.1680, segundo Charles

Lebrun. British Library, Londres

26. A travessia do Reno em 1672 de Charles Lebrun, pintura em teto, c.1678-86. Chãteau deVersailles. Foto Lauros-Giraudon

27. A travessia do Reno de Adam-Frans van der Meulen, óleo sobre tela, c.1672. Musée desBeaux-Arts, Caen. Foto Lauros-Giraudon

28. Luís em Maastricht de Pierre Mignard, óleo sobre tela, 1673. Pinacoteca, Turim. FotoAlinari, Florença

29. Are de triomphe Porte St. Martin gravura de Adam Perelle, c. 1674. British Library,Londres

30. Luís recebe homenagem relevo no tímpano do arco do triunfo da Porta St. Martin, 1674.© Archives Photographiques/S.P.A.D.E.M.

31. Luís repousa após a Paz. de Nijmegen de Noel Coypel, óleo sobre tel a, 1681. Musée F abre,Montpellier

32. Retrato de Charles Lebrun de Nicolas de Largilliere, 1686. Louvre, Paris.© Foto RMN,

Paris33. Luís XIV pisa sobre seus inimigos de Antoine Coysevox, relevo em estuque, 1681.Chãteau de V ersailles. Foto Lauros-Giraudon

34. Busto de Luís de Antoine Coysevox, mármore, c.1686. Reproduzido com a permissão d oscuradores, The Wallace Collection, Londres

35. Maquete da estátua para a Place Royale Lyon, de François Girardon, cera, c.1687. Yale· University, doação do Sr. e Sra. James W Fosburgh, B A 1933

36. Estátua de Luís XI V na Praça das Vitórias Paris, feita por Desjardins, gravura de NicolasArnoult, c.1686. Musée de la Ville de Paris, Musée Carnavalet, Paris

37. Vista da Praça das Vitórias gravura anônima, início do século XVIII Cabine desEstampes, Bibliotheque Nationale, Paris

38. Vista da Praça das Vitórias frontispício de Northleig, Topographical Descriptions, 1702.British Library, Londres

39. A/geria Fulminara verso e reverso de medalha, gravura extraída de Médailles 1702.British Library, Londres

40. Heidelberga Fulminara desenho a bico de pena para uma medalha, extraído de"Projets de devises de I Académie avant 1694". Manuscript Collections, British Lib rary,Londres

41. Ar, uma das quatro colgaduras bordadas a mão, provavelmente 1683-4. Todos os direitosreservados, The Metropolitan Museum of Art, Rogers Fund, 1946

42. Genua Emendara de François Chéron, reverso de medalha, 1684. Department of Coinsand Medals, British Museum, Londres

43. O doge de Gênova em Versaill es de Claude Hallé, óleo sobre tela, 1685. Musée Cantini,Marselha. © Foto RMN, Paris

44. O rei dá audiência à embaixada siamesa extraído do Almanaque para o ano ]687Bibliothêque Nationale, Paris

45. Alegoria da revogação do Edito de Nantes de Guy-Louis Vernansel, c.1685. © Foto

RMN, Paris

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A FABRICAÇÃO DO REI

46. Retrato de Luís XIV, de Antoine Benoist, cera e outras substâncias, 1706. Château deVersailles. ©Foto RMN Paris

47. Nec Pluribus Jmpar, reverso de medalha de Jean Warin, 1674. Cabine des Médaill es,Bibliotheque Nationale, Paris

48. Heidelberga Deleta, de Jérôme Roussel, reverso de medalha, c.l690. Department o f Coinsand Medals, British Museum, Londres

49. A legaria d recuperação do rei, de Nicolas Coustou, relevo em mánnore, 1693. Louvre, Paris50. Transporte da estátua de Luís XIV em 1699: saída do Convento dos Capuchinhos, de

René-Antoine Houasse, óle o sobre tela, c.l70 0. Musée de la Ville de Paris, Musée Camavalet.Foto Giraudon

51. Transporte da estátua de Luís XIV em 1699: chegada à Place Vendôme, de René-AntoineHouasse, óleo sobre tela, c.1700. Musée de la Ville de Paris, Musée Camavalet. FotoGiraudon

52. Estátua eqüestre do rei, gravura anônima da estátua de Girardon, c.l697. British Library,Londres

53. Luís XIV eqüestre maquete para a estátua da Place Louis-le-Grand, 1691. TheMetropolitan Museum of Art, Nova York, Hewitt Fund, 1911

54. O Templo da Glória, gravura de Guérard extraída de La statue equestre de Louis /e Grand,de C.-F. Menestrier, 1699, British Library, Londres

55. Frontispício para Médailles ... , 1702, gravura de Louis Simonneau segundo dese nho deNoel Coypel. British Library, Londres

56. Enseigne de Gersaint detalhe), de Antoine Watteau, tabuleta, 1721. SchlossCharlottenburg, Berlim.57. "Um estudo histórico ", frontispício para The Paris Sketchbook, de Titmarsh (W. M

Thackeray), 1840. British Library, Londres58. Vicies Centena Millia Calvinianorum ad Ecclisiam Revocata, reverso de medalha, 1685,

Cabine des Médailles, Bibliotheque Nationale, Paris59. L habit usurpé, gravura holandesa anônima, início do século XVII. Coleção particular.

Foto Giraudon60. Contra Christi Animum, gravura do reverso de uma medalha, extraída da edição falsificada

da Histoire du roi de Menestrier, 1691. British Library, Londres61. Venit, Vidit sed non Vicit, reverso de melhada, 1693, Department of Coins and Medals,

British Museum, Londres62. Lu{s bate em retirada com seu harém, gravura anônima, 1693. Department of Prints and

Drawings, British Museum, Londres63. Frontispício gravado para Scarron apparu à Madame de Maintenon, 1694. British Library,

Londres64. Frontispício gravado de Nouvelles amours de Louis Le Grand, 1696. British Library,

Londres65. Luís e Madame de Montespan num festim, de Joseph Werner, óleo sobre tela, 1670.

Zurique, col eção von Muralt. Foto Schweiz. Institui für Kunstwissenschaft Zürich66. Gravura do trono real, extraída do Mercure Galant, dezembro, 1686. Bibliotheque

Nationale, Paris67. Comun icado anun ciando o toque real, 1657. Bibliotheque Nationale, Paris68. Retrato de Grafvon Delm, de Nicolas de Largilliere, c.l702. Herzog Anton Ulrich-Museum,

Braunschweig69. Folha de rosto de Espejo de Principes, México, 171570. Luís como o destruidor da heresia, gravura de Elias Hainzelmann, 1686. Bibliotheque

Nationale, Paris

LISTA DE ILUSTRAÇOES

71. Luís XIV curando a escrófula, de Jean Jouvenet, óleo sobre tela, 1690. Igreja abaci al deSaint-Riquier. © Foto RMN Paris

72. Os suecos reintroduzidos na Alemanha, de Jean Amould, relevo, 1686. Louvre, Paris.©Foto RMN Paris

73. Retrato de Filipe V de Hyacinthe Rigaud, óleo sobre tela, c.1700. Louvre, Paris,© FotoRMN Paris.

74. Frontispício gravado para Histoire de Guillaume 111 de Nicolas Chevalier, 1692. BritishLibrary, Londres

75. Boughton House, Northamptonshire, exterior. c.l690-1700. Foto Country Life76. Panorama projetado do Peterhof, com cascatas, de Alexis Zubov, gravura, 171777. Rei Leopoldo I como conquistador dos turcos, de Matthias Steinl, estatueta de marfim,

1693. Kunsthistorisches Museum, Viena78. O imperador Leopoldo como Apolo, de Christian Dittmann e Georg von Gross, gravura,

167 4 Bildarchiv, Nationalbibliothek, Viena79. Primeiro projeto para o Palácio de Schonbrunn, de Joseph Bemhard Fischer von Erlach,

gravura de Johann Adam Delsenbach segundo desenho do arquiteto, c.l700. Bildarchiv,Nationalbibliothek, Viena

80. Schonbrunn como o Palácio do Sol, de I V Wolfgang, medalha, 1700. KunsthistorischesMuseum, Viena

81. Filipe IV a cavalo, de Diego de Velázquez, óleo sobre tela, 1636. Prado, Madri. Foto Mas82. Carlo s da Espanha na Sala de Espelhos, Escoriai, de Juan Carrefi.o de Miranda, óleo

sobre tela, c.l676. Prado, Madri. Foto Mas83. Recuperação da Bahia, de Juan Bautista Maino, c.l633. Prado, Madri. Foto Mas84. Entrada triunfal de Henrique IV em Paris, de Peter Paul Rubens (detalhe), c.l625.

Florença, Uffizi. Foto Alinari85. Salão de Saturno, Palazzo Pitti, Florença, de Pietro da Cortona, c.1640. Foto Alinari86. Cosimo e seus arquitetos, de Giorgio Vasari, pintura em teto, c.l560. Palazzo Vecchio,

Florença. Foto Alinari87. Luís como São Luís, pintura anônima, c.l660. Poitiers, capela do Colégio Jesuíta. Foto

cortesia do professor F Polleross88. O imperador Claudius, camafeu, século I Cabine des Médailles, Bibliotheque Nationale,

Paris

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GR DECIMENTOS

Durante os anos em que me dediquei ao estudo de Luís XIV, recebi auxílios esugestões de mui tas pessoas. Em particular, gostaria de agradecer a Derek Beales,Antonia Benedek, Robin Briggs, Ivan Gaskell, Serge Grozinski, Mark Jones,Margaret McGowan, Maj Nodermann, Betsy Rosasco, Allan Ellenius e ao grup ode trabalho da European Science Foundation sobre Iconografia, propaganda elegitimação . O Wissenschaftskolleg, em Berlim, proporcionou-me o ambienteideal par a rascunhar o livro em 1989-90, ao mesmo tempo em que mais um antigoregime estava em processo de demolição. Gostaria também de agradecer àsaudiências que comentaram várias partes deste estudo, expostas na forma de

conferências em Amsterdam, Berlim, Cambridge, Campinas, Ithaca, Jerusalém,Londres, Lund, Munique, Nova York, Oxford, Providence, Tóquio, Uppsala eYork. Por melhoramentos da penúltima versão do livro, sinto-me extremamentegrato a minha esposa, Maria Lúcia, a meu colega Henry Phillips, do EmmanuelCollege [Universidade de Cambridge], e a Peter France, com quem ministrei umcurso sobre Literatura e sociedade na época de Luís XIV na Universidade de

Sussex, em 1972. Gostaria ainda de agradecer à equipe da Yale University Press,especialmente a Sheila Lee, por sua ajuda e atenção aos detalhes verbais epictóricos.

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http://slidepdf.com/reader/full/livro-burke-peter-a-fabricacao-do-rei 6/1261. A maisfamosa imagemde Luís. Retrato de uls X de Hyacintbe Rigaud,óleo sobretela,c.1700.ouvre, Paris

I

APRESENTAÇÃO A Luts XIV

Ces cordes qui attachentIe respectà tel ou tel en paniculier,sont des cordesde l'irnagination:

Pascal,Pens ées

L uís XIV, rei de França,subiuao trono em L643 aos quatroanosde idade, ereinou por 72 anos, até sua morteem 1715. Eleé o protagonista deste livro.

Este não tempor objetivo, porém,propor mais uma biografiado Rei Sol. Há

muitas delas, algumasexcelentes.1

Este estudo,poroutrolado,estámenos voltadopara ohomem ou parao rei que para sua imagem.Nãosua auto-imagem,emboraela tenha sido reconstruída.2 Não su a imagemaos olhosda posteridade,que foiobjeto de outros estudos.3 O que este livro vai focalizar éa imagempública dorei, o lugar que Luís XIV ocupa na imaginação coletiva.

Este estudo,como outros do autor, pretendeser uma contribuiçãopara ahistóriada com unicação, a históriada produção,circulaçãoe e c ~ Ç . ã . J l J i a s 1 0 n

~ l i c a s . _ 2 r e o c ü a : s ecom representações u ís XIVem se u temQo,com su_am_j gem tal cotlliLeta retratada.em bron2Je, tinta e atéem cera.Trata tambémde sua imageTD n_9 sentido metafóricoda vísâo do re1 p r ~ e t a ~ J ? 9 1~(poet::rulS, peyas teatrais,históri-as)e por outrÕsm i ~coJno balés, óperas,rituais

- .--'da corte e outras formasde espetáculo.

- -- imagem pública de Luís foi tema de um número considerávelde estudos~ c s p e c i a ü s l l l S e marte,.literatura .numismática e assim por diante, nãoapenas na Fran ça como nos Estados Unidos,na Alemanhae em outros países.Escreveram-se monografias sob re a iconogralia de se us retratos, sobre suasestátuas eqüestres e sob re as medalhas que representam os principais acontecimentos de seu reinado.5 O déco r teatralde Versailles,que deve ser visto tantocomo mensagem , quanto como cenário , foi objetode grande númer o deestudos. 6 Há um levantamento geral da s representações de Luí s XIV na

Essascordasqueatribuem orespeito aesteou àqueleempanicularsãocordas da imaginação.

N. T .

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A FABRICAÇÃO DO REI

literatura francesa de seu tempo, bem como uma minuciosa análise de determinados retratos literários e das estratégias usadas pelos escritores. 7 Há monografias sobre os historiadores oficiais do reinado e sobre a propaganda dogoverno durante a Guerra da Sucessão Espanhola. 8 Balés, óperas e outrosespetáculos foram tema de muitos estudos. 9 Na busca da origem da idéia deum Rei Sol, remontou-se até a Antiguidade. 1 A relação entre arte e políticanesse período, que Voltaire praticamente silencia em seu famoso Siecle deLouis X V (1751), foi cuidadosamente estudada nos últimos cem a nos, em especial por Augusta Dilke (senhora que tinha suas razões para se considerar o modeloda Dorothea de George Eliot) e por Emest Lavisse (cuja posição na intelectualidade da época lhe permitiu desvendar situações ocorridas 300 anos antes). 11

Ainda assim, não existe, ao que eu saiba, nenhum estudo geral das ret:resentações de Luís XIV em sua época. Como um hiStOriador dentüãis da realez;observou álguns anos atrás, ;.0 c ~ l t oao Rei Sol ... ainda não recebeu o estudoabrangente que merece". 12 Mesmo as visões negativas de Luís, em seu país e noexterior, só foram examinadas de forma fragmentada. 13

Neste livro, meu objetivo é considerar a imagem real como um ~ Umavez que o próprio Luís e seus ministros deram atenção a todo o sistema decomunicação, deveríamos seguir seu exemplo e reunir o que foi disperso pordiferentes disciplinas acadêmicas. 14 Minha intenção é analisar ~ ~ i _ ~ ~ l sindivi-_duais de Luís XIV para revelar sua imag_em p ú b l i c a s : . m ~ ~ ~ j e m p o .Esta análise,no entanto não tem seu fim em si mesma. Concebo este livro como um estudo de

·

caso das relações entre arte e poder e, mais e s p e ~ i f i ( ~ a m e _ l : ~ ª -''fabricaçi o deum grande o m e m " . Por isto as o m p a ~ a ç Õ e se contraposições feitas no Capítulo12 são uma parte essencial do projeto.

Luís é uma escolha óbvia para tal estudo de caso por várias razões. O própriorei e seus conselheiros tinham grande preocupação com a imagem real. Afora otempo tomado por rituais de diferentes tipos, o rei deve ter gastado muitas horasposando para seus vários retratos. Temos uma pista da minúcia com que estes

eram examinados numa anotação feita sobre um desenho do rei em campanha emFlandres: o Rei deve aparecer erguendo o bastão, não apoiado nele" [ilfaut quee Roi ait la canne haure, au lieu de s appu yer dessus]. 6 Luís foi também

extremamente aquinhoado pela sorte na qualidade dos artistas, escritores e compositores que o serviram. A fabricação de sua imagem foi modelo para outrosmonarca s (abaixo, p. 183). Além disso, está extremamente bem documentada.Centena s de pinturas, medalhas e gravuras do rei se conservaram. Versailles aindaexiste, numa forma que nos permite imaginar sua aparência no tempo do rei. E,o mais notável de tudo, preservaram-se muitos documentos confidenciais, decartas pessoais a minutas de reuniões de comitês, que nos permitem vislumbraras intenções e os métodos dos fabricantes da imagem do rei através de diferentesmeios de comunicação. 17

APRESENTAÇÃO A LUIS XIV

O grande valor de consider ar esses meios como um conjunto é que este pontode vista toma as mudanças mais visíveis. De fato,_ teria s i d o ~ ~ s t r a n h ose ªs

representaç.ões_qe L t ~ _ p _ ã o J i v e s s e mmudado ªº lon-iQde_um r illaclQ qye_qyrou72 anos (incluindo 54 do chamado ..governo p e s s o a l " ) ~ p r i m e ~ r o ~ ( '_nos mostram um bebê e n r a l a d o - e m _ ç \ l e i r o s ~ _ o s _últimos, um velho numa cadeira_de rodas. Entre essas datas, seu perfil em medalhas e moedas mudou váriasvezes. Com o passar dos anos, novas instituições foram fundadas para glorifi-car o rei, artistas e ministros surgiram e desapareceram, vitórias foram segui-das de derrotas.

Uma das vantagens de uma abordagem estritamente cronológica é revelarse as mudanças nos diferentes meios de comunicação são simultâneas (o queindicaria elevado grau de controle central) ou seguem seu próprio ritmo (o queindicaria que as artes eram relativamente autônomas). Infelizmente, não é fácilter rigor cronológico. A imagem do rei estava sob constante revisão.- Assim,por exemplo, novas moedas eram cunhadas para celebrar, ou reinterpretar,acontecimentos ocorridos em épocas anteriores do reinado. Somos obrigados,portanto, a ter em mente duas escalas de tempo, considerando o que podería-mos chamar de ..tempo das medalhas", ou tempo metálico" dos acontecimen-tos ao lado da sua sucessão cronológica. 18 Deste modo, a Grande Galerie deVersailles precisa ser estudada tanto como representação de acontecimentosanteriores (como de 1661, ou 1672) quanto como um evento cultural em simesmo, da década de 1680.

Não surpreende muito, portanto, verificar que os historiadores, emboratenham freqüentemente identificado pontos cruciais na história da imagem real,discordem entre si quanto às datas relevantes. Alguns enfatizam 1670 (ou porvolta disto), quando o rei parou de dançar nos balés da corte e as comparaçõescom Alexandre Magno tornaram-se menos éomuns. 19 Outros fazem a defesa de1674, como ano em que a linguagem dos festivais começou a mudar, e de 1677,como o apogeu do culto ao rei.2° Assinalou-se muitas vezes a importância de 1679,

quando um projeto mitológico para a Grande Galerie foi substituído por umprojeto histórico. 1 Outros estudiosos sublinham 1682-3, quando as grande s festasdeclinaram e a corte se instalou em Versailles, ou 1685-6, quando se projetou ainstal ação de e státuas de Luís e m praças públicas por toda a França.22 Espero terreunido, nas páginas que se seguem, material suficiente para permitir ao leitoreschegar à sua própria conclusão.

É claro que um estudo deste tipo é filho de seu tempo. Já em 1912, a "exploraçãod glória " de Luís XIV fazia um estudioso r n c ê ~Pensar na publicidade contemporânea. 3 O paralel o tomou-se ainda mais óbvio neste final de sécul o XX, quandochefes de Estado, de Richard Nixon a Margaret Thatcher, confiaram suas im agens

a agências de propaganda.4

Em termos modernos, o que me interessa éa venda

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A FABRICAÇÃO DO REI

de Luís XIV , o pacote do monarca, com ideologia, propaganda e a manipulaçãoda opinião pública.

O risco do anacronismo é bastante óbvio. Não tenho nenhuma intenção deapresentar os panegiristas de Luís XIV como equivalentes exatos de Saatchi andSaatchi. De fato, porém, a referência à venda não é uma idéia tão anacrônicaquanto se poderia pensar, pois o duque de Saint-Simon, que conheceu o reipessoalmente, afirmou certa feita que ninguém melhor que Luís sabia comovender suas palavras, seu sorriso,até seus olhares . Ainda assim, a cultu-ra-doséculo XVII era muito diferente da nossa e e ~ ; s ê i l f ê r ê n ç a snão podem deixar dese refletir nas m ~ sdos governantes (abaixo, p. 209-10).

Outra maneira moderna de qualificar este livro seria chamá-lo de umestudo da propaganda de Luís XIV, de tentativas de moldar ou manipular a

opinião pública , ou um estudo da ideologia (no sentido dos meios em queos significados servem para reforçar relações de dominação ). 25 Todos estestrês conceitos - propaganda, opinião pública e ideologia - inexistiam noséculo XVII. A Congregatio de propaganda fidei,de Roma, foi um comitêpara a propagação da fé , não para fazer propaganda no sentido político dotermo. O conceito moderno de propaganda remonta apenas ao fim do século

XVIII, quando as técnicas de persuasão usadas pelos defensores da RevoluçãoFrancesa foram comparadas às técnicas cristãs de conversão. 26 É sempre debom alvitre, para os historiadores, procurar o que não está presente emdeterminado lugar e tempo - estas ausências particulares são certamentesignificativas.

Elas não significam, contudo, que os observadores e ouvintes do séculoXVII não percebessem tentativas de persuasão, ou até de manipulação. Graças àênfase dada à retórica na educação das elites da época, seus membros tinhamprovavelmente mais consciência de técnicas de persuasão que a maioria de nós,atualmente.n Se o termo propagand a for definido com suficiente amplitude, porexemplo como tentativa de transmitir valores sociais e políticos , é difícil objetar

a seu uso com relação ao século XVIU 8 Há, contudo, um perigo potencial emchamar um estudo como este de análise da propaganda de Luís XIV. Trata-sedo perigo de encorajar tanto autor como leitores a interpretar os poemas,pinturas e estátuas que representam o rei como se fossem meras tentativas depersuadir, e não (digamos) expressões do poder do rei e da devoção de pelomenos alguns de seus súditos. Como o historiador da Antiguidade Paul Veynesugeriu recentemente, certas obras de arte são criadas mais para existir quepara ser vistas. Os relevos da Coluna de Trajano, por exemplo, não são visíveisdo chão. 9

Talvez seja mais exato dizer que as representações de Luís eram encomendadas para aumentar sua glória. Os escritos do período não deixam dúvidas acerca

da importância da reputação ou glória de reis ou nobres semelhantes. Num

APRESENTAÇÃO A LUIS XIV

dicionário do período, glória distinguia-se de louvor porque o louvor é dado porindivíduos e a glória por toQQ_Q J1\JQ4Q" la louange se donnepar les particuliers,et la gloirepar le général du monde).3 Glória era uma palavra-chave da época. 31

Sua importância foi sublinhada nas Mémoiresde Luís. 32 Mademoiselle de Scudéryganhou uma medalha da Académie Française por seu ensaio sobre o tema. 33 Apersonificação da Glória aparecia em peças teatrais, em balés e em monumentospúblicos. Há uma Fonte da Glória nos jardins de Versailles.

Era também lugar-comum no século XVII a constatação de que a magnificência tinha uma função política. Dava éclatao rei. Éclatera outra palavra-chaveda época, com significados que iam desde lampejo de luz ao estrondo de umtrovão, mas referia-se sempre a algo inesperado e impressionante. A magnificência era considerada impressionante, no sentido literal de deixar nos espectadoresuma impressão , como um sinete num pedaço de cera.

Assim, na descrição de Colbert, o palácio do Louvre imprimia respeito aospovos do mundo [toute la structure imprime le respect dans l esprit des peu-ples).34Provavelmente referia-se aos povos da Europa, não apenas ao da França.Como, por sua vez, Luís (ou, mais precisamente, um de seus secretários) explicouao Delfim, os festivais agradam aos súditos e dão aos estrangeiros uma impres

são extremamente vantajosa de magnificência, poder, riqueza e grandeza [uneimpression tres avantageuse de magnijicence, de puissance,de richesse et degrandeur].35 Bossuet usou linguagem semelhante ao observar, em seu tratadosobre política, que a corte de um rei é deslumbrante e magnífica [éclatante et

magnijique)para imprimir aos povos certo respeito [pour imprime raux peuplesun certain respect]. 6 O teórico social Montesquieu, que cresceu no reinado deLuís XIV, fez um comentário parecido: O fausto e o esplendor que cercam osreis são uma parte de seu poder [Le faustet la splendeur qui environnent les roisfont une partie de leur puissance]

As idéias do século XVII sobre a relação entre arte e poder podem serdispostas ao longo de um espectro. De um lado havia os escritores que pareciam

conferir à imagem real seu valor nominal, fossem eles poe tas a escrever odes aorei, historiadores a narrar suas vitórias ou eruditos a descrever as decorações deVersailles. Descreviam estátuas e outros monumentos como meios para instruiro povo , incentivando-o a amar seu príncipe e obedecer-lhe. 38

Do lado oposto havia os observadores, moralistas e satiristas, que viam aglorificação do rei, essencialmente, como uma peça pregada ao público porbajuladores cínicos e oportunistas. Já na geração anterior, um escritor a serviçodo cardeal_ Richelieu havia sugerido que belas palavras eram para o príncipeuma maneira de seduzir o povo, de enganá-fo com as aparências , de dominá-lo .39 De maneira similat, os críticos de Luís XIV fizeram considerável uso daidéia expressa por uma outra palavra-chave da época, divertissement, divertimento no duplo sentido de entretenimento e desvio da atenção . Afirmavam

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A FABRICAÇÃO DO REI

que festejos e espetáculos - como os antigos circos romanos - eram encenadospara desviar a atençãodo povo da política, ou, na expressiva frase deLa Bruyere,para fazê-lo dormir[laisser le peuple s endormir dans les fêtes, dans les specta-cles] 40

Não há dúvida de que conceitosdo século XVII, como estes, lançam luz sobreLuís XIV. Não podemos nos dar ao luxo de ignorá-los. Por outro lado,umhistoriador do século XX, que escreve paraum público do século XX, tem deconsiderar também conceitos modernos, venham eles da ciência política,daantropologia socialou da psicologia social. O que me interessa quando escrevosobre história é sobretudo a tarefa de fazer mediação entre duas culturas, entre opassado e o presente, de estabelecerum diálogo entre os dois sistemasdeconceitos, de traduzir de uma língua para a outra. "Propaganda" éum conceitomoderno útil, mas há outros.

Poderia ser útil, por exemplo, pensar este livro como um estudodo mitodej Luís XIV.41 A I l 1 e i r a ~ i ~ ªa expressão parece apropriada, porque LuísX I Y _ ç r ~

constantemente comparado com os deuses e heróis da mit ologia clássica,comoApolo e Hércules. Entretanto, o termo "mito" poderia ser empregado de uma

maneira mais ambiciosa, e também mais controvertida. Poderíamos defiiúr mftocomo uma história com significado simbólico (como o triunfo dob ~ ~~ ~ b r ~omal), em que os personagens, quer sejam heróis ou vilãos, ganham dliDensõe.smaiores que na vida. Cada história se situa no ponto dei n t e r s y ç _ _ ã ( ) _ ~ l l _ t r e()arquétipo e uma conjuntura, em outras palavras, entre imagensh e r d ~ ~ - - ª - c o n -

tecimentos específicos e individuais.42

Existiuum mito de Luís XIV no sentido de que ele eraa p r e ~ _ ~ l : l t a . Q Q _ c o m o

onisciente[informé de tout], invencível, divino, e assim pori a n t ~ : . E r _ a _ opríncipeperfeito, associado ao retorno da idade de ouro. Poetas eh i s t o r i a d o ~ ~ . § _ g _ y ~ ] I f i c ~ -

/ ram o reicomo "herói" e seu reinado como "uma série ininterruptad ~m a r a v i ~ - -

/ lhas", para usar as palavras de RacineY Sua imagem pública não erai m p ' . ; ; ~ ~ n ~ - -

( te favorável: t inha uma qualidade sagrada. .

Historiadores profissionais usam com freqüência o termo "mito" para designar uma história não-verdadeira" (em contraste com as histórias que elesmesmos criam, tal como as vêem). O que me importa aqui, contudo, não é oL\. Ís__"real"em contraposição ao mítico.~ o contrário, o que me interessa é precisamente a realidade do mito, isto é,s ~ u s . e f e 1 t ~ ssobre o mundo externo aos meios

, ·de común.lcãçao- sobre estrangeiros, sobreÍ . Í d i t ~ s - d êLuis ei g u ã t m e n t e s ~ e

o p r ó p r i o r e i ~ otermo 1 t o ~ t a m b é ma vantagemôe noslemorar que r t í ~e escritores não se restringiram a imagens estáticas do rei, tendo procurado pro poruma narrativa,l histoire du roi, como a chamavam, tanto em pinturas, tapeçarias,medalhas e gravuras como em histórias oficiais. Para combinar esse sentido demovimento com o sentido de espetáculo, poderíamos empregar o conceitoe -"teatro" de Luís XIV.

APRESENTAÇÃO A LUÍS XIV

É tentador ir ainda mais longe e falardo "Estado de teatro"do Rei Sol. Oconceitode " E s t a ~ ode teatro" foilançad.o__umadéca la a t r ~ ~ _ _ Q e l O J J . ~ r o

norte-americano Clifford Geertzem seu influente estudo sobre BalLno século} 1

XIX.44 A - e x p ; ~ S ~ Q - ~ ~ r ~ i n e n t e_ a i r ~ d l l ~ i ~~ i s~ ~ ~ ; ; ; ~ ~ ; ~ - - º ~L ~ í _ s _ ~ Y , _~ ~ ito .1h ~ b i t u a d o sa er o mundoCOtJ:l()_Ull. Q ko.. _Q_m.:fu>.rJ<Luís_usou a metáfor_a~ ( ) r

v e z e S ( ~ ~ r - ~ b ª } x o s . P ·2o.-56j&)-o u q u ~de Sain t -Simonm p r ~ g o utermos comoc o ~ é d i ee scene em suas e s c r i ç ~ sda corte·45 f.AaisdeU Jl:dossermões pregadÓspor ocasiã()_~ - ) ~ _ o r t e~ o rei referiram-se à sua~ n o r t e .como u ~ ma,gt {fi.co"espetáculo".6---- -6-ritu-al:em a r t i c u l a t : , _ ~ J : I l _ y i s t o ~ 1 I 9 J f f i J J J ? Q . c , epeça e _ ~ t ~ ~ t q y ~ _ r u

e n c ~ n a o o - p a r aincént[y_ lra obediênci l.Um estudioso i ~ m ã ~ .J.C. Lüning,quepublicoue m 1 7 1 9 ~ 2 oum estudo geral sobre as cerimônias públicas,deu a isso onome de Theatrum ceremoniale e explicoupor que tal teatro era necessário:

§ntre a gente do povo ... impressões físicastêm_tt_m~ p ~ ~ . Q J l u i t < > . m a i o r_ll

linguagem, que faz apeJoaº intelecto e à razão." Nas memórias de Luís encontramos observaÇão sitnilar47 Análisesda importância do ritual na política contemporânea partem de pressupostos semelhantes.48

Nas páginas que se seguem, farei um uso considerável da perspectiv

dramatúrgica, inspirando-meem particular no trabalho do antropólogo socialErving Goffman, qu e enfatizou a importância do desempenho, oudo quechaJI1oUde "apresentação do e u" na vida cotidiana, a arte da "administraçãoda impressão", a diferença entre as "regiões de fachada" e de "fundo", a funçãodo cenárioe suas "propriedad es". e assimpor diante.9

· t õ d ~ sestes termos modernos têm sua utilidade no estudode Luís XIV.Versailles,_PQt: exemplo,..sendu.ao.rei comoum cenád.<Jpara ao ~tentação de seu r~ O acesso ao monarca era cuidadosamente controlado e comportavaumasérie de etapas.Os visitantes passavamd ~ pátios externos a pátios internos,subiam escadas, esperavamem antecâmaras etc., antes que lhes fosse permiti dovislumbrar o rei.

A linguagem de Goffman teria causado muito pouca surpresaem contemporâneos do rei como La Rochefoucauld ou Saint-Simon. Este último,por 1exemplo, usa freqüentemente o termoles derrieres para se referir aos "bastidores " ·_ d a _ ~ o r e .L' fs é por vezes descrito~ o r n ovi;endo-a t o t a i T à a d e - d e s u~p\Íbliç(). r t o sentido isto era verdade: o rei estava sempree n d ~o b s ~ r v ~ ~1

p o r _ ~ _ p _ ç h L _ e n o s_.PQ seus m a r e i r o s .No entanto, algumasde suasatividades, políticas ou não, eram menos públicas que outras. Sua relaçãocom asamantes, assim como seu casamento com Madame de Maintenon, ocorreram n•bastidores. Não há referências a essas relações nos meios oficiais de comunicaçaindaque todos soubessem delas.É preciso reconstruí-las a partirde várias fontesnão oficiais, incluindo cartas pessoais e até as memóriasde um dos camareirosreais. (Infelizmente suas observaçõesse encerram em 1653, quando caiuem

desgraça.)50

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A FABRICAÇÃO DO REI

Outro tenno relacionado com o teatro tem tambémsua utilidade para esteestudo: "representação".1 Um de seus principais significados r ~ d e s e m p e n h o.

O j e s u í ~ s t r i ê T , - J mespecialistaem emblemas, espetáculos e outrasformassimbólicas, publicouum livro sobre "representações musicais"em 1681. Quandoviu pela primeira vez a duquesa da Borgonha, entãocom 11 anos, Luíscomentoucom Madame de Maintenon que,quando chegasse para a menina o momento derepresentar seu papel no palco da corte, ela o fariacom graça e encanto[Quant ilfaudra unjour qu elle représente, ella serad un air et d une grâce charmer]Y

Outra definição de representaçãonum dicionário desse período é:~ e l l l - q \ l 6

f os traz de volta à idéia e à memória os objet9sausentes j/mage qui nos remeten idée et en la mémoire les objets absents].53

·:Representar" significava também tomar o l u g a r d e a l g u _ t ~ I n ~ ' .Neste sentido, embaixadores, governadores deprovindas e m ~ g i s t r a d o s ,eram todos representantes de Luís. Também a rainha o foi, enquanto o rei estavaem campanha em1672. Também o eram, num sentido algo diversodo termo "representação",ossecretários reais, que estavam autorizados a imitarnão só a assinatura como aletra do rei.54 Até as cartas de amor de Luíseram escritaspor outrem (certa feita,pela marquesa de Dangeau). As memórias reaiscomparam as cartas escritasem

nome do rei com aquelas que ele escreveu de próprio punho; ironicamente,porém,essa passagem é, ela própria,como aliás todo o resto das famosasMémoires,dalavra de um secretárioghost-writer.55

Objetos inanimados a m b ~ J~ e p ~ e ? e n t a V _ l l 1 1( ) ~ i ,e m e s p e c _ i ~ lsuas o e d ~ s _ , __que traziam sua imagem e por vezes seu n o m ~ _ { olouis de ouro valiacerca de 15libras). No mesmo caso e s t a - ~ ~ ~seu b r a ~ ã oe seu emblema pessoal, o sol._E_

também seu leito, ou a mesa posta para sua refeição,mesmo que ele estivesseausente. Era proibido, por exemplo, portar chapéu nas ~ l aem qt1e_ mesa do ~ e i

estava posta.56

Entre as mais importantes representações inanimadas do reiestavam seusretratos. A respeito do pintor Claude Lebrun, foi dito que ele representaranumretrato do rei todas as suas elevadas qualidades,como num claríssimoespelho[i/ y représente como dans une glace tres pure toutes ses hautes qualités].51 Essaspinturas eram também tratadascomo substitutos do rei. O famoso retratopintadopor Rigaud (ver Figura 1), por exemplo, fazia as vezes domonarca na sala dotrono, em Versailles, quandoele não estava lá. Dar as costas ao retratoera umaofensa tão grave quanto dar as costas ao rei.58 Outros retratospresidiam festividades em homenagem ao rei nas províncias.59 Ocorria-lhes atéser carregados em

L procissão, como a imagem de um santo.60 A comparaçao i i ã o _ é _ t a o e x a g e r ~ d a

quanto pode parecer, pois algumas vezes o rei foi representadocomo são Luís.

Esta equivalência entre desempenhar e representar continua tão presente no portuguêsquantono francês. (N.T.)

APRESENTAÇÃO A LUIS XIV

Seria útil olhar Luíscomo alguémque representava a simesmo, no sentidode que desempenhava conscientemente o papel de um rei.Sua consciência de simesmo, e também a diferença entre as regiõesde fachada e de fundona corte,podem ser ilustradas a partir das memóriasde um italianoque visitou a corte nadécada de 1670. Na intimidade" [en sort particulier] e m outras palavras,emsua alcova, cercado por um pequenogrupo de cortesãos-, Luís abandonava agravidade; se a porta se abrisse, porém, ele compunha imediatamentesua atitudee assumia outra expressão facial, como se fosse se exibir num palco il secompose aussitô t son attitude et prend une autre expressionde figure, comme s i/devait paraitre surun théâtre].6

Luís tomava também o lugar de Deus,como foi assinalado pelopregadorda corte Jacques-Bénigne Bossuet e outros teóricos políticos.Os soberanos eram

imagens vivas [images vivantes]de Deus, os representantes da majestadedivina [les représentants de la majesté divine].6

Poderíamos dizer também que Luís representava o Estado.Segundo umobscuro autor político da época, um rei era "aquele que representa toda asociedade [celui qui représente toutela république]. Evidentemente, Luís énotório pelo epigrama que lhe foi atribuído: O Estado sou eu [L étatc est moi].Se não disse isso, pelo menos permitiu a seus secretários escreverem seu nome:Quando se tem em vista o Estado, trabalha-se por simesmo [Quand on a l état

en vue, on travaille poursoi].63 Amigos e inimigos do regimeconcordavam comessa identificação. Bossuet declarou que todo o Estadoestá nele [tout l Ét at esten lui], enquanto um panfleto protestante queixava: O rei tomou o lugar doEstado [Le roi a pris la place de l État].64

No entanto, representar o Estadonão é o mesmo que ser identificadocomele. Bossuet lembrou ao rei que ele morreria, ao passo que seu Estadodeveria serimortal, e, aoque se. conta, Luís falouem seu leito de morte: Vou partir, mas oEstado permanecerá depois de mim [Je m en vais, mais l état demeurera apresmoi].65 Não se deve tomar o famoso epigrama demasiado literalmente.

_Qm-ª__vantagem do termo "representação" é que elepode se referir não sóaos retratos visuaiSm.I ·merãi.-los-ao--réí,à itriiigerii projetada-nós meios-de _comunicação ou por eles, mas tambémà imagem recebida, a imagem de Luís na_imaginação coletiva ou, como dizem os historiadores e antropólogos franceses,as representações c o l e t i v ~ . s "da época. A d e s v a n t ~ _ g e l _ < f ~ e x _ E e s ~ ~

tações coleÜY:as", pelo menosem inglês, é dar lugarà suposição deque todos têmimagens idênticas do r-eí, "ou até de que existe de fat() IJ_ fla imaginação coletiva,segundo o modelo do inconsciente coletivo de Jung. Foipara evitarestes equívocos que escolhi um outro título.

Não intitulei este livro a "fabricação" de Luís XIVpara desmontar oudemolir o rei, como os revoluCionários demoliram suas estátuasem 1792. Não

negaria que o rei foi realmente bastante eficienteem sua função, le métier du roi,

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A FABRICAÇÃO DO REI

como as memórias reais o chamam. Ele não tomou todas as decisões que lhe foramatribuídas naé p ~ a ;mas tomou algumas delas. Luís foi muito mais que um..fantoche",* como alguns escritores do século XVII qualificavamos monarcasfracos. O termo..fabricação" não pretende implicar que Luís foi artificial ao passoque outras pessoas seriam naturais.~ U _ l le r t o s e n H d o ,~ a m oG o f f ~ d e t l 1 o n s t r a

com g r a n Ê ~a b i l i d a ~ ~ L ~ d o sn ó ~ n o sconstruÍ JlOS a_nós_mesti _os. Luís s ó _ f ~ i _

~ x c e p c i o n a lno auxílio que recebeu nesse trabalho de construção.o

O título foi escolhido por mais duas razões positivas.66 Em primeiro lugar,a palavra..fabricação" designa um processo e eu gostaria de me concentrar noprocesso de fabricação dail lagem_ que perdurou por mais de meios é c t ] ~ .Hoje,graças à no ssa perspectiva histórica, a Versailles e às memórias de Saint-Simon,a imagem do rei idoso quase oblitera as de suas encarnações mais jovens.Umtermo como ..fabricação", assim como a organização cronológica deste ensaio,pode ajudar a transmitir um sentido de desenvolvimento. Pela mesma razão, podeser útil falarda gradual..mitificação" de eventos reais, como a travessia do Renoem 1672 ou a Revogação do Edito de Nantesem 1685, nas sucessivas representações que recebeu nos diferentes meios de comunicação. A versão que poderíamoschamar de ..autorizada" da história do rei sofreu contínua revisão.

Em segundo lugar, a expressão "a fabricação de Luís XIV", enão af a b r i ~ ~ Ç ã o - d euma i m à g e - m " ; - ~ ~ g e r ea importância dos efeitos dos meiosd ~

comunicação no mundó:a Í-nportância do que foi chamado dea feitura de umgrandehomem ou ..a construção simbólica da autoridade"Y O ei erav i s ~ _ : > - ~ l a

maioria de seus contemporâneos como uma figura sagrada. Atribuíam-lheo poderde curaros que sofriam de doenças da pele graças a seu..toque real"'.68 Eracarismáticoem todosos sentidos, tanto no sentido original de ter sido ungido-como óleo do crisma u m símbolo da graça divina-,_como no sentido moderno de

•. ser um líder envolto por uma aura de autoridade. Este carisma exigia, no entanto,renovação constante. Esse era o objetivo essenciàl tanto da apresentação de Luísem seu palco de Versailles como da re-presentação do rei nos meiosde comuni

cação.Resumindo. A abordagem adotada neste livro é resultado de certo desen

cantocom duas visões opostas de soberanos e de suas imagens, a visão "cíni ca"e a ..inocente",como as poderíamos chamar. A visão cínica, que, como vimos,teve seus adeptosno século XVII, ignoraria a imagemdo rei por considerá-la frutode vaidade, megalomania ou narcisismo; ou a explicaria por meio da bajulaçãode cortesãos carreiristas; ou a apresentaria,à maneira da moderna análise dascomunicações,como um exemplo da criação de "pseudo-eventos" e da transformação de eventos que contrariam a imagem em "não-eventos", realizadas por

"' No original,painted king (N.T)

APRESENTAÇÃO A LUIS XIV

especialistas nos meios de comunicação que não acreditam no que fazem. Segundo esta concepção, a arte oficial e a literatura desse período deveriam seinterpretadas como uma forma de "ideologia", definida como uma série de truqufeitos para manipular leitores, ouvintes e espectadores.69

A visão oposta da fabricação daimagem sugere que ela foi edeveria serlevada a sério, porque respondia a necessidades psicológicas.Aqui, o termo..ideologia , quando chega aser usado, é redefinido para designar opoder dossímbolos sobre todas as pessoas, tenham elas consciência distoou não. Segundo esta concepção, os louvores aum rei são homenagensprestadas a um papel,não bajulações de indivíduos. Um Estado~ n t r a . l i z ª . d oprecisa de um símbQlo_de centralidade. O soberano esua corte, freqüentemente vistoscomo umaimagem do cosmo, são um centro sagrado ou ..exemplar"do restante doEstado.70

Em seu estudo de Bali no século XIX, Clifford Geertz levou essa linhadeargumentação ainda maisl o n g e ~ s ~ u n d ~ - ~ t a d o _ I _ ã o _ t

relaçãocom o g ( ) y e l l o , " ~ eé conduzido demo<fo indiferente e hesitante".Emcontrapartida,.apont.av.ana.direção d espetáculo, da cerimônia, da dramatização··das obsessõe s dominantes da cultura balinesa: desigualdade social e orgulhopela

posição social. Era um palcode teatro em que os reis e os príncipes eramosempresários, os sacerdotes e os diretores, enquanto os camponeses formavamelencocfe-àpoío, a equipe técnica e a audiência". A partir daí, Geertz critica visão c ínica, que considera reduciOni_s.ta,.eargumenta que on_·t.l al real- n a.- ) ~ ~ ~ _ u _· .instmmento,nwitometlílS..llli:UI.UtQe._Jil lSUIJ _firne.rns _mesmo. "O poder servi a~ p o m p a ,não a pompa ao poder."71 ------ -- - - ·· ····

Não nos interessa aqui definir se esta é ou não uma descrição adequada dBali no século XIX.Q _ n o sinteressaé o q u e Geertz r o p õ e _ P - a r a

r ~ l a ç ã oentre pol11P l e poder. Ele é ou nãor ~ l e v a n t epara a Europa do início daIdade Moderna, eem p a r t i ~ u l a rpara a França? O exemplo mais óbvio deum"Estado de teatro" na Europa do século XVII é certamente o papado, que carecde força militar (Stalin perguntou certa vez: Quantas divisões tem o papa?),mascompensava isto com o esplendor de seus rituais e seus cenários.72 Também nocaso de Luís XIV o modelo tem seus usos. Luís era encarado como um soberansagrado, e sua corte era vista como um reflexo do cosmo. Este era o sentidodasmuitas comparações entre o rei e Júpiter, Apolo e o sol.

De um ponto de vista comparativo, poderíamos dizer que cadaum dosmodelos concorrentes enfatiza certos achados ao preço da exclusão de outros.Oscínicos são de fato reducionistas, recusando-se a considerar o mito, o ritual e adoração como respostas a uma necessidade psicológica. Supõemcom excessivafacilidade que as classes dominantes do passado eram tão cínicas quanto elepróprios. Por outro lado, o modelo concorrente presume como muita facilidadque todas as pessoas em dada sociedade acreditavam nos mitos desta. Não abr

espaço para casos concretos de falsificação e manipulação.

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A FABRICAÇÃO DO REI

Também no caso de Luís XIV, ambasas abordagensiluminam certosaspectos. Por um lado, eu concordariacom os cínicos que Luís não foi ummonarca tão maravilhoso quanto o pintaram. As provasque serãoapresentadasadiante deixam muito claro que o governo tentou enganar opovo em algumasocasiões, desde o saque de Heildelberg (abaixo, pp.122, 138, 200, 217)até a

\. derrotaem Blenheim. É provável também que alguns cortesãos e algunsescritores·

,. tenham tecido louvores a Luíscom os olhos voltados paraas próprias carreiras,atrelando seus vagões ao sol.

Seria um erro, porém, dar às idéias de sinceridade e autenticidade umlugar central na análise do comportamento tanto de Luís como de seus cortesãos. Q culto moderno da s i n c e r i d a ~ (_ l l ã < ? _ ~ ) { i _ ~ i l i_no século XVII_:_Outrosvalores,--cümo decoro-,~ r ~ mr e p u t ; ' d ~ smais i m p o r t a n 1 ~ ~ .7 s ~ I acomo for, osistema não era movido apenas pela bajulação. É imprová\fel~ º - º - ª ~ascontribuições para a glorificação do rei fossem cínicas, isto é, meras tent3:tivasde persuadir outros de algo em que pessoalmente não se a c r e d i t a ~ Épossível,para dizer o mínimo, que o próprio Luís, a corte e país acreditassem na imagemidealizadado rei, assimcomo nas virtudesdo toque real (cf.Capítulo 1 1 L _ _ \ - j ~ ~

, fora de o n t ~ _ _ Q _ , _ ai ~ ~ e mde Luís_2ÇIV como monarca sagrado, invencível,_pO<f(f e md Ú ~ i d a p a r e c e r -um c a s o d ~ _ t l 1 e g a l o m a n i a .No entanto, temos de p r ~~ vê-laem seu contexto,<:orno criação coletiva p ~ h u n e n o saté_çerto ponto-=--J omo e s p ~ s ta uma demanda, aindaque o públiconão tivesse l e n ~- ~ ~ n c i a_\ do que desejava .Os processos pelos quais imagens reforçam op ü < _ e ~ ~ ã ~ _ a i 1 1 d a

mais eficazes por serem parcialmente inconscientes.Ambos os modelos, portanto, têm seus usos. Seria possível afirmar que

a tensão entre eles é também frutífera. Namedida em que é possível acomodaras oposições e alcançar uma síntese, ela seguiria as seguintes linhas. Tanto

jo rei como seus conselheiros tinham consciência dos métodos pelos quaisas pessoas podem ser manipuladas por meio de símbolos. Afinal de contas,

i tinham sido instruídos, em sua maioria, na arte da retórica. Contudo, os

objetivos com que manipulavam os demais eram obviamente escolhidos a

I artir do repertório oferecido pela cultura de seu tempo. Tanto os objetivos

quanto os métodos são parte da história, e parte da história contada nestelivro.

Nos capítulos que se seguem, tento combinar uma abordagem cronológica com uma abordagem analítica.Numa exposição narrativa da fabricação dorei ao longo de mais de sete décadas intercalam-se capítulos temáticos, quediscutem os meios de comunicação do período e a recepção das mensagens nopaís e no estrangeiro. Paraconcluir a análise, tento recuar econtemplar Luís àdistância, comparando e contrastando sua imagem pública com a de outrosmonarcas do século XVII esituando-a na história dasimagens dos soberanos aolongo do tempo.

--APRESENT AÇÁO A LUIS XIV

A finalidade deste estudo poderia ser resumida, numa fórmulatomada dos) . .analistasda comunicação de nosso tempo,como a tentativa~ e< es_ç@_rir q_u( - ( : - ,d i z i ~ ( ) _ q u ê _ _ § ( ) b r e _L u í ~ª-<II em, Q9 II1eio de que cª_n_llj_g__ç_ó_digos,em que cenários,~ o m_(J_Ut _inte11ções ecom q_ue efeitos. 4 O próximo capítulo tratarádos canais ecódigos ou, em outras palavras, dos meiosde persuasão.

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2 O jovem Luís.ü n Warin prtstnt su mtd lh o inf ntt Lu s, pintura anônima, c l648u ~ ede la Monnaie, Paris

11

PERSUASÃO

C est un grand art que de savoir bienlouer:

Bouhours

E ste capítulo propõe uma breve descrição,ou melhor, talvez, umacolagem

das imagens de Luís XIV, realçando temas, motivos elugares-comunsrecorrentes. No entanto - como os teóricos da comunicaçãofreqüentementeassinalam - é impossívelseparara mensagem do meioem que é apresentada.Os críticosliterários fazem umaobservação semelhante a respeitoda impossibilidade de separar o conteúdoda forma e so bre a necessidade deconhecer os

gênerose suas convenções.Por istoesteretrato compósitodo reié precedido poruma discussãosobre meios e gêneros.

MEios

Desdeque o crítico alemãoLessing publicouseu famosoensaio sobre Laocoonte1766), os críticostenderam asalientar as características específicasde cadameio

de expressão artístic9. Na épocade Luís XIV, noentanto, comono Renascimento,

dava-se maiorénfase aosparalelosentre as artes, desdea poesia até a pintura.1

Cenas davida dorei eram apresentadas demodos similares em diferentes meios.Retratose estátuas eqüestres se ecoavammutuamente, medalhaseram reproduzidas em baixos-relevose escreviam-sepanegíricos dorei na forma de descriçãode pinturas, em especial o orrrair u r o (1663) de Félibien, que pretendedescreveruma pintura de Lebrun.2

Nessaconfusãode meios,é difícilconcluirse as imagensvisuaisilustravamos textosou o co ntrário. O que importaé que certamente eles seinfluenciavamereforçavam mutuamente. A figurad Vitória, por exemplo, aparecenão só em

• É uma grande one saber bem elogiar.(N.T.

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A FABRICAÇÀO DO REI

medalhas, estátuas e pinturas, mas em peças teatrais, comono Toison d or (1660),de Corneille.Os arcos do triunfo provisórios erigidos para as entradas reais e osarcos de pedra construídosem Paris e outros lugares eram espelhos uns dos outros.Se os relevos esculpidos emtomo da estátua de Luís na Place des Victoiresimitavam algumas medalhasdo reinado, cunhou-se por outro lado umamedalhaparacomemorar a inauguração da estátua. Medalhas e monumentoseram reproduzidosem gravuras. Abundavam as representações de representaçõesdo rei ede seus feitos.

Havia imagens visuais de Luísem pintura, bronze, pedra, tapeçaria (ou,mais raramente,em pastel, esmalte, madeira, terracota e até cera). Vão des de ainfância (Figura 2) até a digna velhice do retrato assinadopor HyacintheRigaud(ver Figura1). O simples número de estátuas e retratos pintadosdo rei, dosquaismais de300 se conservam, era notável para os padrões da época.3 O mesmo podeser dito donúmero de gravuras do rei, das quais quase 700 aindapodem serencontradas na Bibliothêque Nationale. Igualmente notável era a escala colossalde alguns dos projetos, como o da estátua de Luís deé na Place des Victoiresou o da estátua eqüestre para a Place Louis-le-Grand, tão imensa que20 homenspodiam se sentar e almoçar dentro do cavalo - o que de fato fizeram, durante

a instalaçãodo monumento.Imagens do rei eram por vezes agrupadas para compor uma narrativa. Onúmero de representações de Luís em forma seriada é inusitado no período.Umafamosa série de pinturas de Lebrun, conhecida comoa história do rei [l histoiredu roi], representava eventos importantes do reinado até a década de 1670. Essanarratio, como a chamariam os retóricos, foi reproduzida na forma de tapeçariase também de gravuras. As medalhas cunhadas para comemorar os grandesacontecimentos do reinado (são mais de 300, outro número inusitadamenteelevado)eram gravadas e as gravuras eram publicadas na forma da históriametálica do rei. Os chamados almanaques reais , com frontispícios gravadosque representavam um evento diferente a cada ano, eram também qualificados,

por vezes, comoa história do rei .A importância dos meios passíveis de reprodução mecânica merece destaque. As reproduções ampliavam a visibilidade do rei. As medalhas, sendo relativamente caras, deviam ser cunhadas em centenas de cópias. Por outro lado, osimpressos (xilogravuras, águas-fortes, calcografias, gravurasem aço e até

gravuras amez.zotinto), sendo baratos, eram reproduzidos em milhares de cópiase puderam assim contribuir consideravelmente para a difusão tanto de aspectosde Luíscomo de informações a seu respeito.4

A imagem real era construída tambémcom palavras, faladas eescritas,em prosa e verso, em francês e latim. Os meios orais incluíamsermões ediscursos (dirigidos aos Estados provinciais, por exemplo,ou feitos por embaixadores no exterior). Poemas em louvor ao rei eramcontinuamente produ-

PERSUASÀO

zidos.Histórias do reinado foram escritas, difundidas e até publicadasenquantoo rei ainda vivia. Periódicos,em especial a Gazette de France, publicadamensalmente, dedicavam considerávelespaço aos atosdo rei.s As inscriçõesem latim para monumentos e medalhas eram compostas com esmero porescritores eminentes, entreos quaisRacine. Eram, em si mesmas, uma formade arte, combinando concisão e dignidade. Essas inscrições davam considerável contribuição para a eficácia das imagens, umavez que instruíam oespectador sobre o modo de interpretar oque viam.

Havia também eventos multimídia,em que palavras, imagens,ações emúsica formavam um todo. Peças de Moliêre ou Racineeram freqüentementeencenadas como parte de um espetáculoque incluía tambémum balé. De fato,em 1670, aGazette referiu-se auma encenaçãodeLe bourgeois gentilhomme

como um balé acompanhado por umacomédia . O ballet de cour não era umbalé no sentido moderno, assemelhava-se mais a uma masque, isto é, umaforma episódica de espetáculo dramático, emque colaboravam tanto poetas,como lsaac Benserade, quanto compositores, coreógrafos e pintores.6 Nasdécadas de 1670 e 1680, Jean-Baptiste Lully e Philippe Quinaultconseguiramsubstituir o balé por uma forma mais unificada de teatro musical, a ópera.As

letras das músicas dos balés e das óperas freqüentementeincorporavam referências elogiosas aos feitos do rei,sobretudo nos prólogos. Encenaçõesteatrais,balés e óperas eram muitas vezesencaixados num festivalmais amplo,que poderia, por sua vez, destinar-se a glorificar umacontecimento particular;assim, os divertimentos de Versaillesem 1674comemoraram a tomada daprovíncia do Franche-Comté.8

Rituais excepcionais (isto é, não recorrentes)como a unção do rei em1654 ou seu casamento em 1660, ou rituais recorrentes,como o toque dosdoentes para curá-los ou a recepção deembaixadores estrangeiros,poderiamtambém ser vistos como eventos multimídia, que apresentavam aimagem vivado rei.9 De fato, o mesmo poderia ser dito dos atos cotidianos do rei - levantar-se,

fazer refeições, deitar-se- que eram a tal ponto ritualizados quepodem servistoscomo minipeças teatrais.O cenário desses rituais era, em geral, um palácio: Louvre,Saint-Ger

main, Fontainebleau e, cada vez mais, Versailles. Este último, em especial,poderia ser visto como uma exposição permanente de imagens do rei. 10 Alise via Luís por toda parte, até no teto. Quando o relógio instalado em 1706batia as horas, a estátua do rei aparecia e a Fama descia para coroá-lo comlouros.

Um palácio é mais que a soma de suas partes.É um símbolo deseuproprietário, uma extensão de sua personalidade, um meio para sua auto-apresentação (Figura 3). Como veremos (p. 78-9), Colbert criticou os projetos para oLouvre feitos pelo escultor e arquiteto italiano Gianlorenzo Berninisob a alegação

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P BRIC Ç O DO REI

3. O palácio do Rei Sol. Cour de marbre, Versailles

de que eram desconfortáveis e pouco práticos, mas até Colbert cons id eravaimportante se ter ..uma fachada digna do príncipeM. Ve rsailles em particular ,era uma imagem do sobe ra no que sup ervisionou com tant o desvelo s ua co ns-

trução. O palácio não foi somen te ce nário de encenações, foi ele mesmo temade peças teatrais , como Grotte de Versailles (1668), de Lull y, Les folltaines deVersailles (1683), de Lalande e Morei, e e canal de Versai les (1687), de

Philido r . Gravuras de Versailles eram oficialmen te publicadas e distribuídaspara a maior glória do rei.

~ N R O S

Ler imagens não é tão fácil quanto parece, pelo menos quando a distânciacult1 1ral entre o autor e o espec tador é tão grande quanto a que nos separa do sécu loXVII. Para transpor esse hiato a prudência exige, pelo menos, que se dê cons ide

rável atenção a descrições dessas imagens feitas na época de sua produção.Algumas delas podem ser encontradas em guias de Versailles daquele tempo, que,co mo as inscriç ões nos monumentos e medalhas, eram feitos para moldar as

PERSU SÃO

percepções dos espectado res. 12 Como vimos, descrições de retratos reais foramcompostas po r poetas e historiadores.

Para nã o interpretar mal as im agens de Luís devemos levar em conta nãosomente os meios de divulgação como os diferentes gêneros e s uas funções. Cada

gênero tinha as próprias convenções ou fórmulas. A audiência, ou parte dela,conhecia essas convenções, que moldavam suas expectativas e int erpr etações. Ao

contrário dos espectadores pós-românticos, que rejeitam o clichê como uma

ofensa à espontaneidade, o público do século XVII nã o tinha, ao que parece,nenhu ma objeção aos lugare s-comu ns e às fórmulas. 3

Quanto à função da imag em ela não visav a , de modo geral, a fornecer umacó pia reconhecfvel dos traços do rei ou uma descrição só b ria de suas ações. Aocontrário, a finalidade era celebra r Luís, g lorificá- lo, em outras palavras, persuadi r espectadores, ouvintes e leitores de sua grandeza. Para isso, pintores eescri tores se inspiravam numa longa tradição de formas triunfais.

A entrada do rei nas cic ades, por exemplo, seguia ge ralmente o modelo deum triunfo romano , e o relato da entrada de Luís em Paris com sua rainha, em1660, foi de fato intit ulado Emrée triomphame (Figura 4). 14 Como em outrasentradas reai s em cidades, o casal passou por uma série de arcos do triunfo

provisórios, que marcavam a natureza da ocasião. Construíram-se também arcosdo triunfo permanentes durante o reinado de Luís XIV, não só em Pari s - nasportas Saint Denis, Saint Antoine e Saint Martin - como em cidades das

província s de Lille a Montpellier.Outra forma triunfal foi a estátua eqüestre, mais um antigo gênero romano,

que permitiu carimbar os espaços centrais da cidade com a imagem do soberano.s convenções para esse monumento eqüestre eram bastante estr ita s. O cavaleiro

era geralmente repre se ntado envergando uma armadura romana. O cavalo geralmente trotava. Sob suas patas podia haver uma-figura repre sentando a derrota das

forças do mal ou da desordem.Alguns retratos de Luís o mostram de modo relativamente informal, vestindo

as próprias roupas, caçando, sentado numa poltrona e até ogando bilhar. 13 É provável,contudo, que tenham sido feitos mais para serem vistos privadamente que paraexibição pública. A maioria das pinturas do rei se enquadra no gênero a que oshistoriadores da arte chamam de retrato solene . construídas segundo a "retórica da

imagem . desenvolvida durante o Renascimento para a pintura de pessoas importantes. Nesses retratos solenes, a pessoa é geralmente apresentada em tamanho naturalou até maior, de pé ou sentada num tr ono (Figura 5). Os olhos do retratado estãoacima dos o lhos do espectador, para sublinhar sua posição superior. O decoro não

permite que el e seja mostrado usando as roupas do dia-a-dia. Usa armadura, como

símbo lo de coragem, ou roupas ricas, como sinal de posição socia l elevada, e estácercado por objetos associados ao poder e à magnificência - co lunas clássi cas,cortinas de veludo etc. 6 A postura e a expressão transm.item dignidade.

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4 . Arco do Triunf o provisório uguido no Mor e Neu/ gravura extralda de Entrie triompltante

S. Luí s entronizado. Retrato de ufs XIV como pro tetor da Academia de Pintura e Escultura deHenn Tcstelin óleo so re tela 1666-8 . Châtcau de Versailles

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6. Lufs como protetor das artes extraído de Panegyri cus de La Beaune, 1684 .

PERSU SÃO

O gênero é igualmente importante no caso da poesia, e um pouco mais óbvio.As regras dos diferentes gêneros estavam resumida s em tratados formais e na rr

poétiqu (1674), ensaio em verso, da autoria de um dos mai ores poetas do reinado,Nicolas Despr éa ux , mais conhecido como Boileau. Ao que se sai ba , Luí s não foiherói de nenhuma epopéia, o que prova ve lmente reflete falta de confiança mais

no gênero que no monarca . Jean Chapelain, poeta que aconselhava o governo no

tocant e à glorificação literária do rei, co nd eno u a epopéia com o argumento de

que incluía necessar iamente .. ficções (sem dúvida tinha em mente o papeldesempenhado pel os deuses em Homero e Virgílio) que poderiam prejudicar areputação do rei, tornando o leitor cético quanto às suas verdadeiras proeza s. 7

No entanto, escreveu-se um poema heróico em latim so br e as habilidad es do

rei como cavaleiro, e muita s vezes o ce lebraram em sone tos, madrigai s e odes. 8

Uma ode pode se r d efi nida como um poema líric o em es trofes que comb inam linha s longa s e curtas. 9 Sua função - como a da es t átua eqüestre ou doretrat o so lene - era essencialmente ce lebraúva . O poeta Píndaro, da Gréciaantiga, es c r evera odes em louvo r aos ve ncedo res na s co rrida s d e biga. Todo

um batalhã o de po e tas louvou as vitórias de Luí s de maneira si milar. Em 166 3,

quand o o rei se recuperou de u ma doença, Ra cin e celebrou o fato com uma

ode à sua co nval esce nça, em que descrevia a .. perfídia da insolente doençaque tivera a ousadia de o ameaçar, comparando Luís ao so l e seu reinado àidad e de ou ro .20 Muit os ecos d essa ode podem se r o uvid os e ntr e os poetas

menor es do reino, especia lm ente em 1687 , quando o rei se restabelece u de umasé ria c irurgia . 1

Tanto em poesia como em prosa, a imagem do rei era mergulhada emre tó ri ca triunfali st a . O panegírico, ou o discurso em louvor de determinadoindividu o em várias ocas iões (de aniversários a funerais), e ra um gênero tã oem voga na França do séc ul o XV Il como na Antiguidade c lássica. Regularmente se realizavam concursos para a escolha do melhor panegírico de Luí sn o país, ao passo que os jesuítas eram notórios por sua habilidade para co mpor

esse gênero de texto em latim . Um bom exemp lo é o panegírico do generosíssim o Lu is o Grande, pai e protetor das a rt es liberais (1684),2 2 escri to em latimpor Ja cques La Beaune e reci tado no colégio jesuíta de Pari s antes de ser en v iadoao prelo (Figu ra 6).

Os se rm ões eram uma forma de discurso muito apreciada na época. Pregarera uma arte, cujos mestres (sem falar de Bossuet) eram Valentin-Esprit Fléchier,os jesuítas Louis Bourdaloue (que, entre 1672 e 169 3, pregou dez ciclos desermões na co rte, du ran te a Quaresma e o Advento) e Charles de La Ru e, e oorat or iano Jean- Baptiste Massillon , que pregou em Versaillcs co m grande s ucesso no final do rei nado. 23 0 discurso fúnebre de Fléchier para o marechal Turennee o de Bourdaloue para Condé foram co nsjderados clássicos no gêneroY Ospregadore s da corte (escolhidos pelo próprio rei) compa ravam o monarca francês

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A PA BRI CAÇÃO DO REI

co m a mo narquia sagrada de Saul e Davi, descrita no Antigo Testamento, eexal tavam Luí s muit o antes de se u funeral. O sermão feito por Bossuet quandoda morte da rainha ( 1683) incluía muüas referências à virtude do rei. Assimtambém o que fez por ocas ião da morte do chanceler Michel e Tellier ( 1686) ,e muito s outros pronunciados na época da Revogação do Edit o de Nantes(abaixo, p. 3 e segs).l' No entant o, era permitido aos pregador es lembrar aorei se us deveres e critica r suas ações (em termos vagos e gerais), especia lment e

nos sermões da Quaresma.26

A história também deve ser encarada como um gênero literário. Espe rava-seque uma obra de história incl uí sse uma série de passagens prim orosas dedicadasao ca ráter , ou retrato mo ral , do soberano, de um ministro ou comandan te , ovívido relato de uma batalha e a ap resen tação de debates, com falas atribuídas aparticipantes em inentes (mas freqüentemente inventados pe lo historiador). 27 Porisso, não há por que estranhar que Boileau e Racine tenham s ido nomeado shistoriógrafos reais.

ESTILOS

Para a pintura narrativa e os retrat os so lene s, o esti lo apropriado era a chamadamaneira ~ g r a n d i o s a o umagnífica [/a grande maniere, la maniere magnifi-que .28 Esse estilo envolve a idealização. Como Bernini observou enquantotrabalhava num busto do rei, O segredo nos retratos é aumentar a beleza eempresta r grandiosidade, diminuir o que é feio ou mesquinho, ou até suprimi-lo,quando é possível fa1ê-lo sem incorrer em se rvili smo [Le secret dans lesporrrairs esr d·augmelller e beau e r donne r du grand, diminu er ce qui esr /aid ouperir, ou e supprimer quand cela se peur sans imérêt e la c o m p l a i s a n c e ~9

Havia importantes variações de estilo dentro dessa maneira grandiosa: porum lado, aquele esti lo que os historiadores da arte chamam em geral de barroco•·e assoc iam a Bemini, carac terizado pelo movimento- cavalos que se empinam,gestos teatrais etc.; por outro, o ideal do ..classicismo , associado a Poussin ecarac teri7ado por gestos contidos, uma dignidade serena e uma maior preocupação co m o verdadeiro, o natural ou, de qualquer modo, o verossímil [/e vrai, e

naturel, e vraisemblable], pelo menos nos detalhes. Ao partir em campanha, Luí slevava co nsigo seus pintore s Lcbrun e Yan de Meulen, para que pudessemrepre sen tar suas conquistas com precisão.

Como a epopéia, a ode era um dos gêneros que exigiam o chamado estiloelevado , o equiva le n te da maneira grandiosa na pintura. O objetivo e raexprimir pen same ntos elevados em linguagem elevada, emp regando eufemismos ou circunlóquios para evitar termos técnicos ou referências à vida comum.A incompatibilidade entre os bárbaros . nomes de lugar de Flandres e da

7. ltgoria da Paz dos P1rtntus, de Tbeod or van Thulden , óleo sob re tela, c.l659. Louvre, Pari s

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F BRIC ÇÃO REI

Holanda e o estilo elevado foi um problema para os poetas da época. 0 A soluçãoencontrada por Boileau para este e ou tro s impasses foi discuti-los dentro dospróprios poemas. Escreveu tanto epístolas semifor mai s quanto odes. Introduziu também uma nota irônica, que rompia com a tradição do panegírico e porvezes foi int erp retada como sub ve rsiva, embora talvez não passasse de umatentativa de adaptar um gênero antigo às exigências do mund o moderno. 31

Também os se rm ões, pelo menos os que eram pregados na presença do

rei , deviam o bedecer ao estilo elevado. O grande pregador Ma ssi llon foicriticado por seu rival Boss uet por não alcançar o sublime. A hi stó ria , por suavez, era o equivalente em prosa da epopéia. Era papel dos historiadorescelebrar ações heróicas, sendo o estilo elevado uma imposição da própria ~ i n i -

dade dos seus temas. Ra cine nada mais fazia que usar o vocabulário padrão dese u tempo ao descreve r o reinad o de Lui s como um encadeamento continuo defatos maravilho sos , em que um milagre ' seg uia de perto a outro [ e11c llai11e-ment comi nue/ de faits merveil/eux .. /e miracle suit de pres l l l l a urre mira ele ~

Por ou tro lad o, a Gazerre, usando tanto a prosa como o verso (comoalgun s jo rnai s da década de 1660), empregava um estilo raso , próximo dalinguag em co mum , sem evita r termos técnicos ou topônim os estrangeiros. O

estilo da Gazerre tendia a ser despojado, com poucos adjetivos c outros orna tos,mas muit o informativo. O tom sób rio (exce to no caso de números especia iscome morativos de vitórias etc.) sugeria imparcialidade e, portanto, confiabilidadc. A retó ri ca da Gazettt assumia a forma da aparente rejeição da retó ri ca.

Como os poetas, os historiadores e os autores de inscrições eram especialistas em eufemismos, por razões tant o políticas quanto es té ti cas. A tomada deEstrasburgo por tropas francesas em 1681 foi comemorada com uma medalha queexibia a legenda Est ra sbu rg o recebida ' [ARGENTORATUM RECEPTUM]. A legendada medalha que celebrava o bombardeio de Argel em 1683 era Argel fulminada[ALGERJA FULMINATA], envolvendo uma elegante refer ência clássica a Luis comoJúpiter e, ao mesmo tempo, apresentando a ação das nau s de guerra francesascomo uma força da natur e1 a

Obviamente, a hipérbole é uma figura retórica constanteme nte empregada nessa lit era tura de exaltação. Outra é a s inédoque, se ndo Luis a parte querepresenta o todo, de tal m odo que os feit os de ministros, de generais e até deexércitos eram at ribuíd os ao rei em pessoa (cf. p. 86). Ezechiel Spanhcim, quereunia a expcriéncia de diplomata em Versailles à de ex-professor de retóricaem Genebra, analiso u as técnicas dos panegiristas de Luis. Insis te-se emtorná-lo o único autor e causa de todos os êxitos de seu reinado, em atribui- losunicamente às suas decisões, sua prudência, seu valor e sua direção r 11S attaclle d /e faire .seu/ J'auteur et /e mo ife de 0/IS /es fleureux SIICteSde S 11

rêgne, à Jes uribuer u11iqueme11t d ses co/lseils, à sa prude11ce, d sa \'0/eur erd s co11dutte) ."

PERSU SÃO

8. A família de I...Jl s XIV de Jean Nocret, óleo sobre tela, 1670. CbAteau de Versailles

Outra figura de retórica recorrente é a metáfora, como na clássica comparação do rei com o sol. Esta metáfora, em particular, é tão minuciosamenteexplorada nos ornatos de Versailles e outras construções que podemos vê-la como

uma forma de alegoria arquitetônica. s

ALEGORIA

A linguagem da alegoria era bem conhecida nessa época, pelo menosentre as elites. Deuses, deusas c heróis clássicos eslavam associados aqJ,Jalidades morais: Marte à coragem, Minerva à sabedoria, Hér cu les à forçaetc. A vitória tomava a forma de uma mulher alada. A abundância, a de umamulher com uma cornucópia. Reinos como a França e a Espanha (Figura 7 ecidades como Paris e Besançon também eram representados na forma demulheres (por vezes usando traje regional), ao passo que os rios tomavam aforma de anciãos. n As alegorias nem sempre eram de fácil decodificação,

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9. Lufo como Aoolo. Triunfo ~ Luis XIV de Jose h Werner. auache, 1664. Chlteau de Versailles

PeRSU S O

10. Luís como Alexandre Magno. Afamília t ano aos pés de Altxandre de Cbarles Lebrun, óleosobre tela, c.1660. Chãteau de Yer..ailles

mesmo para os contemporâneos, mas o interesse por enigmas literários e pictóri-

cos fazia parte do gosto da época. 6

Freqüentemente Luís era representado ao lado de figuras alegóricas dessetipo. A Grande Galerie de Versailles, por exemplo, está povoada de personifica-ções, algumas clássicas, como Netuno ou Vitória, outras modernas, como aAcadérnie Française na forma de uma mulher empunhando um caduceu, ou a

Holanda , na forma de uma mulher sentada num l eão e segu rand o sete flechascomo símbolo das sete províncias. Graças à linguagem da alegoria, o pintor eracapaz de representar, numa pequena superfície visíve l, eventos como a decisãodo rei de govern ar pessoalm< nlc.

O próprio rei era , por vezes, representado de maneira indireta ou alegórica.A pintura que J ean Nocret fez da família real (Figu ra 8), por exemplo, é um

..retrat o mitológico , ou portrait historié na tradição renascentista de identi-

ficar indivíduos com determinados deuses ou heróisY As séries de pinturasmüológicas do Louvre, Versaillcs, Tuilcries e outros palácios reais, em queLuís figura no lugar de Apolo, Júpiter, Hércules ou Netuno, também se destina-vam a uma leitura alegórica (Figura 9). Um concurso promovido em 1663 paraescolher a melhor pintura de feitos heróicos do rei exigia que eles fossem

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11. Luís XIVcomo o Bom Pastor provavelmente de P ierrePaul Sevin, sob re pergaminho

PERSUASÃO

representados na forma de Dànae, adaptando-a à história da retomada de Dun

qu e rq ue .38 A famosa Fonte de Latona, em Versailles, que representa os campo

neses que tinham zombado da mãe de Apolo transformados em sapos, fo i inter

pretada, com alguma p lausibilidade, como referência à Fronda ver p. 52). 39

Represe nt ações do passado eram outro tipo de alegoria, devendo comfreqüênc ia ser entendidas como referênc ias indiretas ao presen te e os espectado

res do sé c u lo XVII eram treinados para isso). Quando Luís pediu a Charles Lebrun

que pintasse cenas da vida de Alexandre Magno, estava não só expressando suaadmiração por A lexandre como se identificando com ele (Figura 1 O . Esperava-se

que também os súditos fizessem essa identificação . A t ragédia de Racine, A lexan-dre e Grand o equivalente literá r io da sé r ie de pinturas de Lebrun , foi dedicada

ao rei quando de sua publicação, em 1666. 40

Luís X IV foi identificado também com se u predecessor e xará , são Luí s (Luí s IX ,rei de França de 1226 a 1270) , sendo representado co mo ele em pintura e escultura. 41

Considerava- se qu e se guia os passos de se u predecessor. O erudito Charles du Cange

comparou os dois monarcas na dedicatória ao rei que abria a edição que fez de umabiografia de são Luí s do século XIII . O dia de são Luí s, 25 de agosto, foi ce le brad o com

pompa cada vez maior n o decorrer do reinad o. Cri ou-se o cost um e de incluir nas

comemorações um panegíric o nã o so mente de Luí s IX mas também de Lu ís I VAlém di sso, Lu í s fo i identifi cado a Clóvis, o primeiro rei c ri stão de França ,

e a Carlos Magn o. Embora o própri o re i nã o tenha sido her ó i de uma epopéia,

poema s como ovis ( 1657 ), de Jean Des mar ets, (dedi ca do ao re i) e as epopéias

sobre harlemagne (1664, 1666 ), de Louis Le Labour e ur e Nicholas Courtin,

re spec tivam ent e, podem se r vistos sem muito es fo rço como descrições de suas

façanha s passadas (ou futuras). Lui s c hegou a se r identificado até a Cristo, n aforma do Bo m Pa sto r, p or exemp lo Figu ra 11 ).

Os roman ces históricos do pcriod0 eram, nã o raro, romaiiS à clej; cujo signi ficado oculto só era inteligív el pelos que conheciam hem o mund o da co rt e. Clélie

(1654-61 ), por ex e mpl o, da auto ria d e Mll e de Scudéry, ce lebrava Luís co m oAlcândor , ao passo que a Histoire amoureuse des Caules ( 1665 ), de Bussy Rabutin,

era uma óbvia alegoria de intrig as da co rte • 1 At é ob ras eruditas podiam ter significadoaleg órico. Nã o foi por acaso que o padr e Jean -Bapt is te Ou Bos, adido ao Ministério das

Relaçõe s Exteriores, publicou uma história da ü g a de Camb rai co ntra Veneza exatamente n o m oment o em qu e havia uma liga de nações européias contra a Fr ança.

RETRAT O O REI

A esta altura talv ez seja possível fazer nossa co lag em de imagens visuais eliterária s de Lu í s XIV, reuni- las num retrat o c o m p ó s i t o · ~O rei é geralmente

retratad o veslin d o armadura, rom a na ou medieval, ou o ..manto rea l' o rn amentad o co m n o res-de- li s e deb ruad o de arminho. Combina essc:s trajes arcaicos

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A F BRJC Ç O DO RBJ

12. O malfadado monumento de Bernini. Modelo para u monumentoeqüestre a Luís XIV de Gianlorenzo Bernini, c.l670. Galleria Borghc >c,Roma

com uma peruca do final do sécu lo XVII. Na mão traz um orbe, um cetro ou umbastão todos símbolos de comando. Sua atitude é em geral impassíve l e imóvel,pose que também s im boliza o poder. Pr ovavelmente era a isso q ue os autores daépoca se referiam ao comenta r o ~ a r de grandeza ou majestade dos retratos

reais.46

A expressão do rosto real, por sua vez, tende a variar entre a co rageminflamada e uma digna afabilidade. Ao qu e tudo indi ca, o sorr iso era conside radoinadequado para um rei de França. De fato, sugeriu -se qu e foi o sorriso indecorosono rosto da es tátu a cqücs tre de Bemini Figura 12) que provocou sua rejeição, ou,mais exatamente, sua reciclagem num herói da Roma antiga, já que seria penadesperdiçar o mármore. 47

Talvez seja útil focalizar uma única imagem. Um exemplo óbvio é o famosoretrato solene pintado por Rigaud ve r Figura 1), mais interessante ainda porquese sabe que Luís apreciava particularmente esse retrato, tendo encomendadocópias dele. 4 A coluna c láss ica com uma figura alegórica da justiça na base) ea cortina de ve lud o são remanescentes do retrato solene do Renascime n to. No

13. Um modelo para o retrato de Rigaud. Retrato de Carlos I de Antônio van Dick, óleo sobre tela,c.l635. Louvre, Paris

à Ã

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A FABRICAÇÃO DO REI

entanto, a pintura é menos tradicional do que pode parecer. É uma hábil conciliação de tendências opostas.

Em primeiro lugar, combina idealização com detalhes realistas. Um historiador recente descreveu o retrato como ..fiel ao modelo até os olhos cansados ea boca encovada após a extração de dentes da arcada superior em 1685 . Augustofoi sempre representado com a idade em que tomou o poder, e a rainha Elisabete Icom aquela arte que os historiadores chamam de ..a máscara da juventude , mas

a Luís foi permitido envelhecer discretamente em seus retratos. Mesmo assim,Rigaud pôs esse rosto envelhecido num corpo jovem. Outro historiador identificou nas pernas elegantes e na pose de balé dos pés uma evocação dos dias dedançarino do rei. 49

O retrato alcança também certo equilíbrio entre formalidade e informalidade. Representa o rei vestindo seu manto de coroação, cercado por suas insígniasreais: coroa, espada e cetro, os símbolos de seu poder. No entanto, Luís desejavatambém ser um monarca moderno pelos padrões do início do século XVIII, oprimeiro cavalheiro de seu reino, e h á uma informalidade estudada no modo comoele segura seu cetro, com a ponta para baixo, como se fosse o bastão quecostumava empunhar em público (Figura 18). Rigaud talvez estivesse fazendo

uma alusão ao retrato informal que Van Dyck pintara de Carlos I numa caçada, eem que Carlos (que também segurava um bastão) faz um gesto parecido (Figura1 3 ) . ~ Luís traz de lado, na cinta, a espada medieval da justiça, mas o faz comose fosse uma espada comum, não um objeto sagrado. Como Boileau, Rigaudapresenta o rei exibindo sua dignidade com leveza e adapta a tradição clássicarenascentista ao mundo moderno.

O retrato de Rigaud sugere que os pintores do período teriam pouco aaprender com Goffman a respeito da importância do que ele chama de ..fachada na apresentação de um i n d i v í d u o . ~ Luís é retratado em geral tendo à suavolta todo um feixe de elementos cheios de dignidade ou dotados de propriedades dignificantes, como orbes, cetros, espadas, raios, carros de guerra e

vários tipos de troféus militares. Deusas como Minerva e personificaçõesfemininas da Vitória ou da Fama muitas vezes estão postadas ao lado domonarca ou pairam à sua volta, quando não lhe põem efetivamente na cabeçauma coroa de louros. Rios como o Reno erguem as mãos, maravilhados anteas proezas do rei. Entre os acessórios incluem-se também várias figuras ematitude de subordinação, entre as quais inimigos derrotados, cativos encurvados, embaixadores estrangeiros prostrando-s e perante o rei e assim por diante.Monstros são esmagados sob o é o píton da rebelião, a Hidra da heresia,o Cérbero de três cabeças e o Gerião de três corpos (os dois últimos, símbolosda tríplice aliança dos inimigos de Luís).

As representações literárias de Luís têm, para o leitor de nossos dias, avantagem de deixar claro seu significado pelo uso de adjetivos. Como na Assíria

P E R S U S Ã O

antiga e na Roma imperial, um conjunto padronizado de epítetos era aplicado aomonarca. Um poeta conseguiu introduzir 58 adjetivos - de agréable a zélé -num único sonetoY Em geral, Luís era qualificado de augusto, belo, brilhante(como o sol), constante, iluminado, ilustre, generoso, glorioso, heróico, imortal,invencível, justo, laborioso, magnânimo, munificente, piedoso, triunfante, sábioe vigilante. Numa palavra, era grande , adjetivo oficialmente adotado em 1 6 7 1 . ~3

LOUIS LE GRAND - era assim, em letras maiúsculas, que seu nome figurava

freqüentemente no meio de textos em caixa baixa.O leitor (ou ouvinte) era também informado de que Luís era acessível a seus

súditos; de que era o pai de seu povo; o protetor das artes e das letras, campo emque mostrava discernimento seguro e gosto e l i c a d o ; ~4 o mais católico dos reis;o subjugad or (ou destruidor) da heresia; o restaurador das leis; mais temido queo trovão [plus craillt que e t o n n e r r e ] ;3 o árbitro da paz e da glória [/ Arbitre

de la Paix et de la G oire]; 36 o ampliador das fronteiras; o segundo fundador doEstado; o mais perfeito modelo dos grandes reis [des grands rois e plus parfait

modele]; 37 nosso Deus visível [notre visible Dieu]; e o mais poderoso monarcado universo. 38

A imagem do rei era associada ainda aos heróis do passado. Ele foi procla

mado um novo Alexandre a comparação que mais lhe agradava, pelo menos nadécada de 1660), um novo Augusto (que encontrou uma Paris de tijolos e deixou-ade mármore), um novo Carlos Magno, um novo Clóvis, um novo Constantino,um novo Justiniano (ao codificar as leis), um novo são Luís, um novo Salomão,um novo Teodósio (ao destruir a heresia dos protestantes como este destruíra ados arianos). Charles-Ciaude de Vertron, da Academia de Arles, produziu umacoleção de paralelos entre Luís c outros príncipes também chamados grand es ,de Ciro da Pérsia a Henrique IV de F r a n , ; a . ~9

A necessidade de ter sempre em mente a possibilidade da alegoria é uma dasrazões que distanciam grande parte dessa literatura dos leitores atuais, que tendem

a achar algo esquisitas, se não absurdas, personificações como a Vitória, com suasasas e sua coroa de louros, ou a Abundância, com sua comucópia. Outra dificuldade é a mudança de atitude diante do estilo elevado, que soa insuportavelmentepomposo aos ouvidos de hoje. Em nossos dias, tendemos a perceber a duplicaçãode adjetivos, outrora sinal da riqueza vocabular do bom orador, comoredundância desnecessária. De fato, para a maioria de nós, retórica tornou-seum termo pejorativo, como formalidade ou ritual : mera retórica , dizemos. Por sua vez, o louvor a pessoas importantes, soa aos nossos ouvidosdemocráticos como servilismo, bajulação. Essas modificações nas mentalidades, nos valores e no horizonte de expectativas formam considerável obstáculo à compreensão da arte e da literatura da época de Luís XIV. Elasencorajam julgamentos anacrõnicos.

A FABRICAÇÃO DO REI PERSUASÃO

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A FABRICAÇÃO DO REI

Dada esta distância cultural, talvez seja prudente adotar a estratégiadosantropólogos, especialistas na compreensão de outras culturas, para fazer a arte,o ritual e a literatura desse período inteligíveis para leitores e espectadores atuais.O Estado de teatro de Bali no século XIXjá foi descrito (p. 19).Em algumaspartes da África,como entre os bantos do sul,ou em Mali, a tradição dopoemade louvorou panegírico ainda floresce, como outrora na Roma antiga e na Europarenascentista.60 Pensar no poema de louvor como gênero recorrente,ou em

Boileaucomo um griot (o termo para bardo em Mali), pode ajudar a diminu irnossa resistência natural - ou, mais precisamente, cultural - aos panegíricosdeLuís, tão freqüentes na França do século XVII. Pelo menos, deveria nos estimulara fazer distinções.

Em primeiro lugar, determinado epíteto, como heróico , aplicado a Luísem determinado poema, não deveria ser extraídodo contexto e tratadocomo umamentira inventada pelo autor para lisonjear o monarca. Quandose escreviaumaode ao rei, ou outra forma de panegírico, eraesse tipo de adjetivoque se tinha deusar. A idéia de escrever um panegírico era normal no século XVII. A retórica dolouvor eda condenação (retórica epidíctica,como era chamada) constituíaumadas três grandes divisões da oratória.

A aplicação de adjetivos lisonjeirosao rei podia, é claro,ser feita commaior ou menor prodigalidade, e Boileau,por exemplo, criticouasperamentealguns de seus colegas por exceder a dose apropriada.Certa feita, o próprioLuís protestou; Racine registrou a seguinte observação que lhe fez o rei: Euo louvaria mais se não me louvásseistanto [Je vous louerais davantage, sivous ne me louiez tant].

A idéia de servilismo não é anacrônica. O problema é decidirquando e aque ela se aplica, problema quese torna ainda mais agudo porque alguns poetase cortesãos eram peritos em louvar sem parecer que o faziam. Essa foi,porexemplo, a técnica empregada por Boileauem seu famosoDiscours au roi (1665).O poeta declarava-se incapaz de cantar louvores ao rei e sais peu louer] ecriticava os versos pomposos e previsíveis de poetas rivais,que comparavam

o rei com o sol ou o aborreciam com o relato das próprias façanhas.Essa foitambém a técnicado historiador Paul Pelisson, que a explicounum relatórioconfidencial enviado a Colbert: É precisolouvar o reiem todaparte, mas, porassim dizer, sem lisonjear ilfaut louer le Roy partout, mais pour ainsi diresans louange]. 6 Retornamos à retóricada rejeição da retórica,própria da IdadeClássica.

Um último ponto queé preciso ter em mente ao ler esse tipo de literatura équeum panegíriconão era necessariamente pura louvação. Podia ser, pelomenosocasionalmente,uma forma sutil de aconselhar, descrevendo o príncipe nã ocomoera, mas como se desejaria que fosse. Racine, por exemplo,ao dedicar seu

l e x a ~ d r ele Grand ao rei, observou-lhe quea história está repleta dejovens

PERSUASÃO

conquistadores e que muito mais inusitada era a ascensão deum rei que, naidadede Alexandre,já se comportava como Augusto [quil âge d Alexandre ait fait

paraitre la conduite d Auguste]. TambémLa Fontaine, quando tecia loas a Luís,o que não era muito freqüente, exaltava as façanhas pacíficas, não as militares.6

Advertências desse tipo eram feitascom maior liberdade nos primeirosanosdo reinado, que serão discutidos nos próximos capítulos.

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O N A S C E R o o So

La majestéregne dans ce visagcOu la douceurà la bonté se joint:

Mais,s il est telau levant de son ãgc,En son midi. quel ne sera-t-ilpo ind

Baudouin,Le prince parfait

O interesse pela imagemde Luíscomeçou qua ndo de seu nascimento, celebrado pela França inteiracomfogueirasc fogosde artifício, r epicarde sinos,

salvas de canhão e ocanto solene do e Deum c comemo rado com se rmões ,discursos e poemas,entreos quaisversosem latimdo filósofoitaüano Tommaso

Campanclla,exilado na França, que falavam do bebê como uma espécie deMessiasem cujo tempo a idadede ouro retomaria.1Na verdade,a concepçãode um herdeiro para otrono e o primeiro movi

mentoda criançano úterojá tinhamsidomotivode celebração,mais entusiásticaaindaporque na altura de 1638já se toma ra extremamenteimprovávelque Anada Áustriae seu maridoLuís XIII viessemjamais a gerarum filho.2 Foi por estarazão que se aplicouao menino o epítetoMdoado por Deus.: Louis /e Dieudonné.

Em 1643, quandoo pequenoLuisaindanão completaracinco anos, a morte

do pai o empurrou parao centrodo palco.Sua ascensãoao trono,no mesmo ano,foi marcada por enorme mudançaem sua imagem.Atéentão Luísfora mostrado,como qualquer bebê, enroladoem cueiros, ouna camisola geralmente usadapelos

meninos até os sete anos. A partir de 1643, ele começou aser representadoenvergandoo manto real,com flores-de-tisdouradassobrecampo azul, e tambémo colardo Espírito Santo,ordem de cavalariafundadaem 1578 porseu predece s

sor HenriqueJll. Aoscinco ouse is anos,Luísjá era mostradosentado no trono ,empunhando um cetro ou bastãode comando.Por vezes era represe ntado de

armadura (moderna ouromanaantiga).Pintar umacriançapequenade armadura pode parecer estranhoou engraça

do para umespectador de nossos dias. Provavelmente, porém,os retratos assu-

A majestade reinanl. ste ~ e m b l a n t e E mque a doçura seuneà bondade:/Masse eleé assim na

aurora daidade/Quenão será em seuapogeu /(N.T.)

14. A derrota simbólicada rebelião. Lm s X V esmagando a Fronda de Gilles Guérin,mánnore. 1654. Musée Condé.Chantil l

A FABRICAÇÃO DO REI O NASCER DO SOL

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A FABRICAÇÃO DO REI

miam essa forma porque a armadura simbolizava as proezas militaresesperadasdos reis.as virtudes guerreirasque podiam sempre ser exercidas indiretamente,atravésde generais e seus exércitos. Quandoos franceses derrotaramos espanhóisna batalha de Rocroiem 1653, uma gravurada época mostrou o reiem seu tronocongratulando seu general, o duqued'Enghien (Condé); o títuloda obra é es

premieres victoires de Louis X/V. 3

O ritual era outro meio de apresentar ojovem rei a seu povo.Em 1643,para

celebrarsua subidaao trono, ele fez uma entrada soleneem Paris.No mesmo ano,presidiuseu primeirolit de justice (literalmente, leito de justiça ),* isto é,umasessão solene com a suprema corte do reino, o Parlamento de Paris, para alteraros dispositivosdo testamento do pai e permitir que sua mãe, Anada Áustria -orientada pelo cardealMazar in- governasse a Françacomo regente.4

O Parlamento não era uma assembléia representativa nomodelo inglês.Ainda assim,seus magistradosse consideravam guardiãesdo que chamavam deleis fundamentais do reino. Em 1648, quase no mesmomomento em que o

Parlamento inglês submetia Carlos I a julgamento, o Parlamento de Parisdesempenhou um papel preponderante no movimento político conhecidocomo a Fronda. Esse movimento, que seus participantes (nobres e magistrados)consideravam

um protesto contra a destruição da antiga constituição francesa pelos cardeaisRichelieu e Mazarin, era encarado pela cortecomo uma rebelião contra o monarca. A Frondapode ser definida, entre outras coisas, como um conflito entreduasconcepções de monarquia: limitadaversus absoluta .5

Na primeira concepção, o poder do reide França era limitado pelaschamadas leis fundamentai s de reino, cujo guardião era o Parlamen to de Paris. Nasegunda concepção, que prevalecia na corte, o rei tinha poder absoluto[pouvoirabsolu]. A expressão era geralmente definidaem termos negativos,como umpoder sem limites[sans contrôle, sans restriction, sans condition, sans ré erve 6Luísera consideradoum monarca absoluto por estar acima das leis de seu reino,tendo opoder de impedir que elas se exercessem sobre certos indivíduos.Não se

considerava, contudo, que estivesse acima da lei divina, da leida naturezaou dalei das nações. Não se esperava que exercesse completo controle sobre avida deseus súditos.

A Fronda, que foi derrotada em 1652, teveconsiderável efeito no modocomo o jovem rei e seu governo foram apresentados ao público. Assim, em1654,uma estátua de Luíspisando um guerreiro prostrado (símbolo da Fronda)foi instalada no pátio do Hôtel de Ville,em Paris (Figura 14). Nomesmo ano,um balé dançado na corte, Pe/ée et Thétis, representava Apolo (isto é, o rei)

A designação tem origem no leitocom baldaquinoem que o rei se instalavaquando presidiasessões solenes do parlamento. (N.T.)

O NASCER DO SOL

destruindo um píton (outro símbolo da desordem). 7 Uma série de pinturasfeitas nos aposentos do rei no Louvre também celebrava a derrota da Fronda.Por exemplo, uma imagem da deusa Juno fulminando a cidade de Tróia comum raio tinha a clara intenção de levar o espectador a pensarem Paris e na rainha-mãe.8

Os rituais doslits de justice da década de 1650 foram um recurso adicionalque o governo usou para demonstrar a derrota da Fronda, restabelecer a idéiada

monarquia absoluta e m ostrar o reicomo representante de Deus na Terra.ComoOmer Talon,um dos mais eminentes parlamentares, declarou aor e i de joelhos

n u m a dessas ocasiões: Sire, o trono de Vossa Majestade representapara nóso tronodo Deus vivo[nous représente le trône du Dieu vivant]. Os Estadosdoreino vos rendem homenagem e respeitocomo a uma divindade visível[comme

une divinité visibleV

Afirmações semelhantes foram feitas durante a coroação do rei em1654, e na entrada solene que fez em Paris em 1660. Os rituais eramtradicionais, mas, por isso mesmo, variações relativamente pequenas eramperceptíveis - pelo menos por uma parcela do público - como portadorasde uma mensagem política.

A CORO ÇÃO

A coroação e sagração[le sacre] de Luís ocorreram em 1654, tendosido adiadaspelos distúrbios da Fronda. O ritual teve lugar, segundo rezava o costume,nacatedral de Reims, cujo arcebispo detinha o direito de coroar o novo rei (direitoexercido nesse caso por seu procurador, o bispo de Soissons).10 A cerimôniaincluíaum juramento prestado pelo rei, prometendo conservar os privilégiosdeseus súditos; perguntava-se tambémà congregação se aceitava ounão Luíscomorei. Seguiam-se a bênção dos emblemas reais, entre os quais a chamadaespadade Carlos Magno , esporas e o anel que o historiador Denys Godefroy descreveucomo a aliançacom que o dito Senhor esposa o Reino[l anneau duquelledit

Seigneur épouse e Royaume 11

A seguir veio o momento da sagração.O corpo do rei foiungido com ocrisma, o santo óleo da âmbula sagrada,um frasco que sedizia ter sido trazidodo paraíso por uma pomba quando Clóvis, o primeiro rei cristão de França, foibatizado por são Rémy. O bispo pôso cetro na mão direitado rei, na esquerdapôs a mão da justiça e na cabeça a coroa de CarlosMagno . Seguiram-sea homenagem da alta nobreza do reino e arevoada de um bando de pássarosno ar.

O ritual foi assistido por embaixadores estrangeiros e (com mais dificuldade, do lado de fora da catedral) por uma multidão de gentedo povo. A ele se

A FABRICAÇÃO DO REI O NASCER DO SOL

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seguiram outras celebrações, entre as quais a encenação de uma peça pelosjesuítas de Reims. Os que perderam os atos puderam ler as descrições em muitospanfletos e ver as gravuras da coroação oficialmente encomendadas ao artistaHenri d' A vice. A cena foi tam bém comemor ada numa tapeçaria desenhada porum dos mais destacados pintores do reinado de Luís, Charles Le Brun.

Que significaram esses atos para os participantes e os espectadores e,em especial, que imagem do rei foi projetada pela cerimônia, não é de todo

claro. O que o historiador precisa descobrir não é tanto o que realmenteaconteceu , mas o que aconteceu na interpretação da gente da época. Nãopodemos presumir que todos viram as cerimônias sob a mesma luz. Aocontrário, o sacre parece ter sido interpretado sob duas luzes muito diversaspor diferentes tipos de pessoa.

O ritual de inauguração e sagração era essencialmente medieval. Foracodificado por Luís VII, numa época em que o rei não era absoluto , partilhando o poder com seus nobres. Era essa concepção de monarquia que seexpressava no juramento real e na aprovação formal do novo soberano pelaassembléia. No início do século XVIII, o duque de Saint-Simon, vigorosodefensor dessa idéia tradicional de monarquia limitada, continuava interpre

tando o ritual dessa maneira.É muito pouco provável que o círculo mais próximo do rei visse o sacre

como expressão da idéia de monarquia limitada. Diante disso, porém, torna-sedifícil entender por que o governo patrocinou essa encenação naquele momento, tão pouco tempo após a Fronda. Um detalhe pequeno, mas talvezrevelador, a sugerir uma tentativa de reinterpretar o ritual tradicional é ofato de Luís ter prestado o juramento sentado, quando seus predecessoreso haviam feito de péY

O significado do s cre para a dinastia relativamente nova dos Bourbons era certamente mostrar sua legitimidade, estabelecendo contato comsoberanos anteriores, de Clóvis a são Luís. A cerimônia projetava também

a imagem da monarquia sagrada. Poderíamos dizer - e a gente da épocade fato d i z i que o crisma tornava Luís semelhante a Cristo e o s cre otornava sagrado.

Mais tarde, em suas memórias, Luís afirmou (tal como os teóricos damonarquia absoluta) que sua sagração não o fizera rei, simplesmente o declarararei. Acrescentou, no entanto, que o ritual tornara sua realeza mais augusta, maisinviolável e mais santa Y Essa santidade pode ser ilustrada pelo fato de, doisdias depois, o jovem rei ter desempenhado pela primeira vez o ritual do toquereal. 14 Segundo uma crença tradicional, os reis de França, como os da Inglaterra,tinham o poder miraculoso de curar a escrófula, uma doença da pele, tocando osatingidos e dizendo o rei te toca, Deus te cura [ e roi te touche Dieu te guérit ].O poder curativo do toque real constituía um poderoso símbolo do caráter

O NASCER DO SOL

sagrado da realeza. Nessa ocasião, Luís tocou três mil pessoas. Ao longo de seureinado, tocaria muitas mais.

ENTR D RE L

A viagem real até Reims e a recepção ao rei contam-se entre as muitas visitas

solenes a cidades, que freqüentemente assumiam a forma triunfal, ritualizada, deuma entrada real, um gênero de ritual que remonta ao fim da Idade Média. Comovimos, Luís fez uma entrada formal em Paris em 1643 para celebrar sua ascensão.Voltou a entrar em Paris em 1649 e 1652, para demonstrar sua vitória sobre aFronda. Fez uma visita solene a Lyon em 1658. A mais importante entrada real,no entanto, foi a que o rei e a rainha fizeram em Paris em 1660, após as núpciasreais (ver Figura 4) . 5

A entrada em Paris não foi um evento patrocinado pelo governo. Foramas boas-vindas solenes dadas pela cidade ao rei, organizadas pelo prévôt desmarchands o equivalente do prefeito, e os échevins ou magistrados municipais. No entanto, o governo parece ter supervisionado tanto as cerimônias

como a decoração, que foram descritas em detalhe em várias publicações daépoca. 6

A entrada real se deu no dia 26 de agosto de 1660. De manhã, o rei e arainha foram entronizados num trono sobre uma alta plataforma para recebero respeito e a submissão da cidade e suas corporações (entre elas a Univer

sidade e o Parlamento), que desfilaram em procissão perante o tablado,enquanto seus representantes prestavam homenagem ao rei, como a nobreza ofizera por ocasião do sacre. O prévôt des marchands entregou solenemente aorei as chaves que simbolizavam a posse da cidade. 7 Em contrapartida, opresidente do Parlamento de Paris desempenhou um papel relativamentepequeno nos atos cerimoniais, fazendo uma profunda reverência ao rei e

seguindo em frente. Ao que parece, não foi por acaso que se deu ao Parlamentoum papel tão atenuado; seria, para usar a expressão de uma pessoa da época,uma expiação pelo papel que ele desempenhara numa cena muito diferente,a da Fronda. 8

À tarde aconteceu a entrada propriamente dita, um desfile em que o rei esua nova rainha percorreram a cidade, passando por vários portões e arcosdecorados para expressar a importância da ocasião. As decorações eram variaçõesem torno do tema do triunfo e da paz, comemorando a Paz do Pireneus, tratadoassinado em 1659 entre a França e a Espanha e selado pelo casamento de Luíscom a infanta Maria Teresa, filha do rei Filipe IV. Um dos portões ostentava ainscrição LUDOVICO PACÍFICO, A Luís, o Pacífico . Outro assumia a forma doParnaso, com Apolo e nove Musas representando as artes e as ciências libertadas

A I 'ABRICAÇÃO DO RI

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do ca tiveiro pela pa7. No Marché Neuf, um arco do triunfo ex ibia a inscriçãoLUOOVICOPACATORl TERRARUM,~ Luís, o pacificadordo mundo , emostravaHércules (isto é, o rei, segundo o comentário imp resso) recebendo um ramo deoliveira.19

Um traço surpreendente dessasdeco rações,comparadas às de fes tas posteriores, é a moderação de seus louvoresao rei. Luis partilhou sua glór ia nãosomente com sua rainha,mas com sua mãe,Ana da Áustria,e com seu primeiro

ministro, ocardea l Mazarin. Ana,que assistiu à entrada de seu bal cão, figuravatambém em um dos arcos do triunfo como a deusa Minervadando sá biosconselhos, em outro como Juno, e numterceirolugar como um pelicano,símboloda mãe que se sacrificapelos filhos. Mazarin,que fora de fato o negociador dotratado de paz., foi impedido pela sua gota de participar daen trada , mas suacarruagem desempenhou importante papelno desfile. Foireprese ntado num arcotriunfalcomo o deus Mercúrio,aparecendo em outro lugar como o herói Atlas,suste ndo o mundo com seu esforço. Uma dasinscrições latinas refer ia-se a seuárduo trabalho,ASSIDUISJULII CARD INAU S MAZARINI CURJ S. Mais tarde, no reinado, qualquer homenagem a um ministrose tomarialitera lmenteimpensável. Apósa morte de Ma1arin,Luisse ria rep resentado governandosozinho.

O modo como Luísdesempenhavaseu papelcomo protagonistadesses espe táculos tinha grande impacto so bre a imaginaçãode seus conte mporâneos,até mesmoos embaixadores, que go1avamda raraopo rtunidade de ver o rei de perto. Elessalientam a maturidade do rei-criança,sua gravidade,seu porte. Os env iadosvenezia nos observaram em 1643, queLu ís, então com apenas cinco anos, riararamente c pouco se movimentavaem público.=0 Pode ser que os observado resda época vissem o que esperavam e exagerassem oque pensavamver. Seja comofor, o fato deque se impressionavamé porsi só significativo.

Os espanhóis eram famososno século XVIIpelagravidadede seu compo rtamento formal, eLuís, é claro, era filho de uma princesaespanho la, Ana da

Áust ria. As cartas do cardea l Mazarin a Luís dão a impressãode que ele tambémdava a este aulas sobre a maneirade se apresentarem público,aí incluídaa ar teda simula\·ão cda dissimulação. Em 1652, quando recebeu o cardealde RetL, umdos líderes da Fronda, orei adolescente mostrou queaprenderaa Lição,não dandoao preladonenhum indfclode sua prisão iminente. Umaobservação feita por Luísnessaoportunidade - q u e não haja ninguémno palco'' [qu if 11 y air e r ~ 0 / 1 1 1 1

sur e rhéàrrej sugere que tinha plena consciência deseu papel.'Luis apareceuno palco tambémno sentido lhcral,como dançarino.Entre

1651 c 1659, figurouem noveballers de cour criados pelo poetalsaac Bcnserade,desempenhando uma variedade de papéis, entreos quais o de Apolo a destruir oPuon e também o sol nascente - oportunidadeem que usou umamagmficaperuca dourada (Figura 15). Não era inusitado que;: um rei d n ç ~ enum balé da

15 . Luis no oalco. Luis omo Aonln mntil'lnnArA f An iA c i . I' i ' 1 r : • • A c· · - - - - ·

A FABRICAÇÀO DO REI O NASCER DO SOL

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corte - Luís XIII o fizera regularmente- m a s a arte com que o rei o faziachamou a atenção de muitos de seu s contemporâneos, entre os quais o cortesãoBussy-Rabutin.Com isto ele deu uma importante contribuição à sua própriaimagem.

Há relativamente poucas imagens visuais de Luís entre o início da décadade 1650 e oano 1660, quando ele apareceu subitamentecomo um jovem adulto,com um bigode incipiente e peruca curta. A peruca foi explicada a partirde umadoença que,em 1658, o fizera perder grande quantidade de cabelo.Como foinessaépoca que o cost ume de usar esse adereçose difundiu entre a nobreza européia,é difícil dizerse Luís estava criando ou seguindo uma moda. Sejacomo for, aperucadeu ao rei a altura extrade que precisava para impressionar. A partir dess emomento, nunca seria vistoem públicosem uma.

A imagem real deveria ser considerada uma produção coletiva. Pintores,escultores e gravadores contribuíram para ela. Assim também os alfaiates do rei,seu cabeleireiro e seu professor de dança. Assim também os poetas e coreógrafosdos balés da corte, eos mestres-de-cerimônias que supervisionaram a coroação,as entradas reais e outros rituais.

Quem escreveu o roteiro da encenação real? Num certo sentido foimais atradição que qualquer indivíduo isolado; os retratos seguiam modelos e os

rituais seguiam precedentes. É aceitável supor, no entanto, que a produção teveum diretor: o cardeal Mazarin.

Mazarin foi a figura deproa no governo entre 1643 e 1661. Deu a Luíssuaeducação política. Foi também um eminente protetor das artes, apreciando a obrade pintorescomo Philippe de Champaigne e Pierre Mignard, e de escritorescomoCorneille e Benserade. Grande amante da ópera, foi graças a ele que três óperasitalianas foram contratadas para se apresentarem Paris:Orfeo (1647), de LuigiRossi, Peleo e Tlzeti (1654), de Carla Caproli (combinadacom o balé de Benserade sobre o mesmo tema) eErcole mante (1660), de Francesco Cavalli (temaescolhidoem alusão às bodas reais). Também o cenário foi projetadopelositalianos Giacomo Torelli e Gasparo Vigarani.

Mazarin amava a arte pela arte, mas tinha também consciência deseus usospolíticos. O melhor documento dessa consciência é um episódio de 1660,quandoo cardeal planejou comemorar a Paz dos Pireneus construindouma grandeescadaria para a igreja francesa deLa Trinité des Monts, em Roma.Comoarquiteto Mazarin tinhaem mente Bernini, eao que parece estefez um projeto.No entanto problemas políticos embaraçosos foramsuscitados pelo erguimen-to de uma estátua de Luís XIVnuma praça pública de Roma,ou antes pelaconstrução de ummonumento comemorativo da paz sem a mediação do papa.Mazarin morreu antes que esses problemas fossem resolvidos.Mas o interessepela política das artes em geral, e pelacomemoração da paz de 1659 emparticular revelado na correspondência do cardeal, sugereque talvez ele tenha

sido também o inspirador dos temasda entrada deParis em 1660,que celebravamnão só as bodas reais mas a paz, Ana da Áust ria eos esforços dele próprio ocardeal.Em 1660, o reiainda desempenhava o papelque lheera conferido pela tradiçãoe pelo cardeal Mazarin. De 1661 em diante, Luíspassaria a se envolverativamente na escrita (ou pelo menos na revisão)de seu próprio roteiro.

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16. R ~ t r a t od ~ Lufs XI V cercado pelos atributos das a r t ~ s .de Jean Gamicr, óleo o b r eteto, 1672Chãteau de V e l b l l i l l e ~

IV

A CoN s TR UÇÃO SISTEM

y a bien, Monsieur, d'autres moyens louBbles de répandre et de maintenir lagloire de Sa Majesté ... comme semi lcs pyramides, les colonnes, les statueséquestres, les c o l o s s e ~ .lesares triomphaux. les bustes de marbre e t de bronze, il'sbnsscs-tailles, tous monuments historiques auxquels on pourrait ajouter nos ríchcsfabriques de tapisseries, nCb peinturcs A fresque et nos estampes au burin.'

Chapelain a Colb.:n, 1662

Q er a apresentação de Luís na éJX)Ca de Mazarin tenha ou não obedecido aum plano geral, no período que se seguiu tal projeto pode ser certamente

documentado. Ap ó s a mo rte do cardeal, em março de 1661, Luí s declarou sua

intenção de governar sem primciro-minbtro. Queria exercer poder absoluto .[pou\ Oir absoluj, em outras palavras, poder não dividido co m outros. Isso não

sig nificava, é claro. que o ret guvcmas.se ~ m orientação ou auxílio Entre seus

auxiliare s, a figura mais importante foi Colhert. 1

Jean - Baptbtc Colbcrt esttvera a serviço de Matarin, que o recomendou uorei. A partir de 1661, p ~ s o ua servir ao rei como membro do OJISeil royal de \

fmances ou Conselho de Estudo c, aJXls 1664, como surmrendanr des hdriment.\.ou superintendente das cdificaçôes reats. "Jcsses cargos, Colbcrt .;;upen bionou ('

patrocínio real das artes. de.,cmpenhando JUnt o a Luís o mesmo papel de Meccnas

em relação a Augusto. A reputação de Colbert foi c continua sendo a de um

homem austero, trabalhador. que detesto\ a gastar o dinheiro do E.-;tado em tudo

que não rosse útil. Cahe acrescentar, contudo, que Colbert considaava as anes

úteis, porquanto contrihuiam para a glúriu do rei.Na época de Ma;arin, o putrnc111in real licara obscurecido pelo que era

exercido pessoalmente pelo Cúrdcul c seu assistente Nicholas Fouquet, a quemComcillc saudou nn prefácio a seu Oedipe ( 1659) como não menos superinte ndente da::. h c l a ~ - l c t r a : : .que das linanc;as" . De fato, entre 1655 c 1660 Fouquctpraticamente substituiu o rei como principal patrocinador das artes do rein o, tendo

construido uma cspléndida c u ~em Vaux-lc-Vicomte e contratado uma piC:iade

• Há por Cl"Mo, s ~ · n h n r ,nutn,.., me: • • ~h•uvavd-. Jc: JifunJir e manter a gloria Je Sua a J c : ~ t u J c :...c ~ • m oas p i r ã m h . l c : ~ .as c•• una'. a' .....tatua' •·qü,.,..lr<''• c<•to . ..l ', ~ r c o sJo triunfo.,,,. t>u'""" Jtmármore e de bronzt", n.. b ; U I O ~ r d e v o - . .100•':' de-. monumc.-ntos históricos., a que poderiam oacrescentar z y . , ~ a ~nca.,la[ll•çana.,, n u ~ . . a . ,pinlura . afr<..,<'<'" e n o s . , a ~g r v u r ~a buril. t:-=.T. )

A FA B R I C A Ç Ã O DO REI A C O N S T R U Ç Ã O DO S I S T E M A

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de artistas e escritores de talento, entre os quais os dramaturgos Comeille, Molieree Quinault, 0 poeta La Fontaine, o pintor Lebrun, os escultores Anguier eGirardon, o arquiteto Le Vau e o projetista de jardins Le Nôtre. 2

Colbert quis restabelecer a preeminência do rei como patrocinador das artes(Figura 16). Sua ampla preocupação com a glória do monarca é revelada em suacorrespondência oficial, em especial a trocada com Jean Chapelain. Este poeta ecrítico ganhara a boa-vontade do cardeal Richelieu escrevendo uma ode em seu

louvor e era membro da Académie Française desde sua fundação, em 1634-5. Porsolicitação de Colbert, Chapelain escreveu-lhe um longo relatório em 1662 sobreos usos da arte para conservar o esplendor das realizações do rei" [pour conser-

ve r la splendeur des entreprises du royVO plano, fosse de Colbert ou de Chapelain, era ambicioso. O relatório

concentra-se na literatura, especialmente poesia, história e panegírico, listando asvirtudes e fraquezas de 90 literatos da época e sua aptidão para o serviço do rei.No entanto, Colbert menciona também uma variedade de outros meios e gêneros:medalhas, tapeçarias, afrescos, gravuras e, por fim, vários tipos de monumento

como pirâmides, colunas, estátuas eqüestres, colossos, arcos do triunfo, bustosde mármore e de bronze".

Em boa parte, esses meios já tinham sido usados para glorificar o rei,sobretudo na entrada em Paris de 1660. Mesmo assim, é extremamente interessante ter essa prova documental de um grande projeto em momento tão inicial dahistória do governo pessoal de Luís e da carreira de Colbert como conselheiroreal. O plano foi posto em prática na década seguinte, quando podemos observara organização da cultura" no sentido da construção de um sistema de organismosoficiais que mobilizavam artistas plásticos, escritores e eruditos a serviço do rei.

Como na época de Richelieu, a Académie Française desempen hou um papelimportante, juntamente com seu cotnitê, a chamada "pequena academia [petiteacadémie], criado em 1663 e transformado na Académie des Inscriptions em1696. 4 Outras novas fundações incluíam a Académie de Danse (1661); a Académie Royale de Peinture et de Sculpture, fundada em 1648 mas reorganizada em1663; a Académie Française de Rome (1666), uma escola para a formação deartistas; a Académie des Sciences (1666); a Acadétnie d'Architecture (1671); aAcadétnie d'Opéra (1671), que pouco durou e foi substituída pela AcadémieRoyale de Musique (1672); e a malograda Acadétnie des Spectacles (sua fundaçãoem 1674 nunca foi registrada)-5 Todas essas instituições tinham sede em Paris,mas posteriormente, no reinado, fundaram-se acadetnias na províncias segundoo modelo da Ac adémie Française (abaixo, p. 166-7).

As academias eram corporações de artistas e escritores que em sua maioriatrabalhavam para o rei. Atuavam também como patrocinadores, encomendandoobras que haveriam de glorificar Luís. Por exemplo, a Academia de Pintura eEscultura admitia novos membros com base numa "peça de admissão", que devia

estar relacionada com l histoir e du roi. 6 Em 1663 ela começou a promoverconcursos, com prêmio para a melhor pintura ou estátua representando as açõesheróicas do rei. A partir de 1671, a Acadétnie Française fez concursos para aescolha do melhor panegírico do rei, com temas que variavam a cada ano. Nofinal do reinado, várias academias empregavam um compositor para compor emhonra ao rei. 7

Outros tipos de instituição faziam parte do sistema. Havia, por exemplo, a

fábrica nacional dos Gobelins (inaugurada em 1663), que tinha cerca de 200empregados (entre os quais muitos pintores) para produzir o mobiliário dospalácios reais, bem como as famosas tapeçarias da histoire du roi (Figura 17). 8

Houve também o Journal des Savants, fundado em 1665 e publicado pelaimprensa real, que imprimia obituários de eruditos, descrições de experimentose, em especial, resenha s de livros (idéia nova na época). O Journal que era editadopor homens de letras do círculo de Colbert, difundia novidades sobre o mundo doconhecimento, ao mesmo tempo em que fazia propaganda do patrocínio do rei. 9

A censura à literatura tornou-se mais rigorosa em 1667, por orientação do novochefe de polícia, La Reynie. 1

Qual era a importância dessas fundações? Eram a expressão de uma políticagovernamental coerente para as artes? Limitavam-se à glorificação do rei, outinham objetivos mais amplos? Para responder a estas perguntas é necessárioexaminar mais de perto o patrocínio real da s diferentes artes e ciências.

No caso da literatura, o conselho de Chapelain foi levado a sério. A partirde 1663, pensões que somavam cerca de cem mil libras por ano eram concedidasa vários escritores e eruditos. Alguns eram franceses, entre os quais um poetadescrito por Chapclain como um rapaz chamado Racine". Outros eram estrangeiros - holandeses, alemães e italianos. Naturalmente, como outros presentes,essas "gratificações", como eram chamadas, eram feitas na expectativa de umretorno.

As regras do jogo foram explicadas por Chapelain- por vezes com notávelfranqueza - em suas cartas a Colbert e aos eruditos estrangeiros envolvidos.Provavelmente poderiam encontrar-se contradições a essas regras em todas asdoações feitas. No entanto, elas eram particularmente argutas num período detransição entre a idéia tradicional de magnificência real e o sentido de publicidadecaracterístico das culturas pós-invenção da imprensa.

Por um lado, Chapclain informava ao poeta italiano Girolamo Graziani:Sua Majestade gratifica as pessoas de mérito pelo motivo único de agir

regiamente em tudo c de modo algum com intenção de delas obter elogios[Sa Majesté r t ~ f i eles gens de mérite par e seu/ motif d'agir en toutes clzosesroyalement et point du tout dans la vue d'en attirer des /ouanges]. A questão,como ele disse a Colher , era que as gratificações parecerão tanto mais nobresquanto mais pareçam desinteressadas [paroistront d'autant plus nob/es qu'e/-

A FABRICAÇÃO REI A CONSTRUÇÃO DO SISTilMA

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17. Lub como patrono da... r t ~ A visita aosGobelms,CJttratdo de ·Históna do rei·, ~ é r ide Charlc'Lebrun, tapeçana, c 1670. Collcctíon Mobilicr National, Paris

les par01strontplusdésimeressés]. 3 Para exaltar a prodigalidade do rei comescritores c artistas, cunhou-se uma medalha com a legenda BONAE RTES

REMUNERATAE, datada de 1666 .Por outro lado , nã o se deixava que os beneficiários das gratificações alimen

tassem qualquer dúvida quanto ao retorno que deles se e c;perava O rei égeneroso, escreveu Chapclain ao erudito holandês Nikolaes Heins ius, ..mas saheo que fat e não quer passar por tolo [ e Royesr généreux, mais i/ sairc e qu ilJair e ne \ eutpoint passe r pour dupe]. 4 De fato, era importante para a honrade Sua Majestade que o elogio que lhe era feito parecesse espontâneo, e paraque parecesse espontâneo devia ser impresso fora de seus domínios 1//imporrair en effer pour 1 /wnneurde Sa Majesré que son éloge pàrur Jair\ Oiomairememer pour paraitre \ Olomaire, i/ fa/lait qu i/ fiir imprimé llorsde ses Étars j.', Muitos dos agraciados (contou Chapelain ao advogado alemãoHcrm an Conring) concordaram em pôr o nobre nome do rei à testa de suaso b r a s . ' ~Um e l e ~foi instruído a rccligir a dedicatória ao rei nos termo'> o ~

mais respeitosos c os mais magníficos que poderieisfl (dans les rermes /e.\ plu.\

respecruera et /es p/us magnifiques que vous pourriez].11 Outro foi aconselhadoa inserir em seu panegírico de Luí s a decisão do rei de dar audiências públicastodas as semanas. 8

Poetas, juristas e filó sofos naturais eram todos cultivados por diferentesrazões, mas os historiador es eram objeto de uma atenção especial. A nomeaçãode historiógrafos reais já era a essa altura uma tradição na França. 9 Mesmo assim,Colbert e Chapelain fizeram esforços fora do comum para encontrar hi storiado res

que regi s trassem e celebrassem os feit os do rei. Dos 90 escritores sobre os quaisChapelain escreveu parecere s, 80 eram historiadores. Em 1662, já havia seishi sto riadore s oficiais en poste,entre os quais Mé1iray 20 A despeito desse embar-ras de richesses, Chapclain defendeu - se m sucesso- a nomeação de NicholasPerrol d 'Ablancourt, mais conhecido como tradutor, ao passo que Colbert conseguiu a nomeação de André Félibien para um novo posto, o de 'historiador daseclificações d o rei'' Lhisroriographe des bâtimems du roi].Nessa eonclição, Fé libien publicou descrições oficiais das pinturas, tapeçarias, construções e festasencomendadas pelo rei.2 1

O patrocínio governamental estendia-se às ciências naturai s, como o atestaa fundação de uma Académic des Sciences, a const rução de um observató rioastronômico e o lançamento de uma publicação científica. Embora a idéia de umaacademia de ciências pareça ter tido origem num grupo privado de erudit os, a mãode Colbert é facilmente visível nesses cmpreendimentosY A Académie eradirigida pelo ex-livreiro de Colbcrt, Pierrc de Ca rcavy; o astrônomo italianoGian-Domenico Cassini foi à França a seu convite; e o Joumal des Savants foioriginalmente editado por ouLros três de seus protegidos, Denis de Sallo (umamigo de Chapclain), Amable de Bour1cis (que já servira a Richclieu comoescritor) e Jean Gallois (ex-tutor de seus filhos).

A rarid ade desse patrocínio oficial à ciência merece ênfase. A Royal Societyfora fundada na Inglat erra poucos anos antes da Académie des Sciences ecomeçou a publicar seus Pllilosopllical Transacrionsdois meses depois de suarival francesa, mas, a despeito do Real que oste nta no título , a sociedade ingle sanão foi fundada pelo governo. Em contrapar tida, o rei de França estava publicamente associado com a investigação c ientífica , vínculo que ganhou forma visualnuma gravura do fim da década que mostra Luí s em visita à sua academia, cercadopor instrumentos científicos (F igura 18). A visita, diga-se de passagem, sóaconteceu na imaginação. 2J

Para mostrar ao mundo que Luís era um homem cu lto, Colbert se empenhouem aumentar as coleções reai s de pinturas, estátuas, medalhas, manuscritos, livrosetc. herdadas pelo rei de seus predecessores. Charles Perrault, um protegid o seu,foi encarregado de publicar volumes com gravuras das coleções abrigadas nocabinetdu roi, tomando públicos assim o gosto e a magnificência do rei. A outroprotegido de Colbert, o erudito Pierre Carcavy, foi confiada a Bibli oteca ReaL

CONST R UÇÃO S I STE M

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8 . Luíç XIV \ IÇi fU u AcutÜniiUdi' Ciincws e SêbasllenLe Clerc. rronti píctode MlmOiri'S pourrlusru1rt 11uturt'lli' di'.\ u111muu', de ClaudcPerrnuh, 1671. Britb.hLibrary,Londrc"

Foi Carcavy quem inspirou a tentativade Colbert de comprar (por meio deChapelain e Conring) a famosa bibliotecade Wolfenbüttel para enriquecer acoleção reaJ.2•

No caso das artes, embaixadores e outros agentes governamentais noestrangeiro (sobretudo dois clérigos italianos, ElpiclioBenetti, em Roma, eLuigi Strozzi, em Florença) foram instruíd os a procurar esculturas clássicas,pinturas de mestres renascentistas e assim por diante. A correspondência de

Colbert revela com detalhes seus métodos, até a importância de regatear, apreferência por fôrmas ou cópias, por sere m mai s baratas que os originais, ea pressão política exercida sobre indivíduos e instituições que relutassem em

vender ao rei de França os seus tesouros, entre os quais uma Santa Ceia deVeronese, pertencente ao convento do Servi, em Veneza. Por vezes a política

auxiliava a coleta de obras de arte, assim como a coleta de obras de arte

auxiliava a política .23

Evidentemente, nãobastavacomprarantiguidades. Luisteve de encomenda r- e mostrar que encomendava - novas pinturase estátuas.Assimcomo dependia da orientação de Chapelainem termos deliteratura, no que dizia respeitoàarte Colbert ouvia em geral Charles Lebrun,premier peimre du roi.16 SegundoBernini,que viu os dois homensjuntos em 1665, ~ c o l h e rse comporta com

Lebruncomo uma amante,submetendo-seinteiramente aele Y Na opinião de

outro contemporâneo, Lebrun teriaestabelecido uma espécie de tirania napintura[une espece de ryra ie dans la pemrurelgraçasà confiançaque Colberttinha nele . 28A frase chamou atençãode historiadores atuais, impressionadoscomo paraleloentre o absolutismo realc o papel de Lebrun no reino da e ~ ~ ~Aafirmação é um tanto e"<agcrada,pois alguns artistas trabalharam para oreiindependentementede Lebrun.0

Ainda assim, Lebrun foi um patrocinador importante em virtude de sua

posição como figura dominante na Académie Royalede Peinture (instituiçãoque ajudara a fundarem 1648);como diretor dos Gobelins, onde /'hisroire duroi estava se nd o produzida na forma de tapeçarias;c como o artista encarre-

gado da decoração interior dos palácios reais do Louvree Versailles.Artistas que não estavamem bons termos com ele ou comColbert não

recebiam as encomendas que, deoutro modo, poderiamesperar; foi o 4ue

aconteceucom Pierre Mignard apósa mortede sua protetora, Ana da Áustria,em1666. Ao contrário,os protegidos de Lcbrun tendiama ter carreirasde sucessono serviço real. Porexemplo, o gravadorGérard Edelinck, acujo casamentoLebrun compareceu, tomou-segrareur du cabinet du rot; o escultor PicrreMazelíne,de cujo casamentoLcbrunfoi testemunha, trabalhouem Yersailleserecebeuuma pensão do rei.

No caso da arquüetura,o conselheirode Colbert foi Charles Perrault-literatoconhecido em nossos diassobretudopor ter reescritocontos populare >.

P BRIC ÇÃO DO REI

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como hapeuzillho Vermelho - que se rviu como encarregado das edificações[co mmis es bârimellls] quando Colbcrt se torn ou surilllendanr em 1664. Em suas

memórias, Perrauh ex pós o plano de Colbcrt de ter muitos monumentos erigidospara a glória do rei, como arcos do triunfo, obe lisc os, pirâmides c túmulo s ,confirmando assim o quadro que emerge da correspondência de Chapelain.Jt Um

túmulo, ou, mai s exatamente, uma cape la funerária para a família real na igrejade Saint-Denis, foi projetado pel o arquiteto Françoi s Man sa rt em 1665 e

também por Gianlorenzo Bernini. Quanto aos obeliscos, ou pirâmides, asdecorações para a entrada real em Pari s em 1660 incluíram um de madeira, ao

pa sso que em 1666 Claude Pcrrault, irmão de Charles, projetou um ob e lisc ode pedra para a glória do rei (Figura 19). Arcos do triunf o seriam co nst ruído sna década de 1670 (abaixo, p. 90).

Colbc rt deu poucas mostras de apreço pessoal retas artes plásticas, músicaou literatura. Talvez num cont ra ste deliberado com seus predecessores, Richelieu,Ma1.arin c Fouquet, suas atividades como patrocinador privado foram extremamente limitadas. Seus interesses pessoais voltavam-se mais para o saber que paraas artes, e entre seus protegidos estavam e ru ditos como Charlcs Ou Cange e JeanMabillon. ~

No entanto, esse aparente filisteu fe1 mais pelas artes em seus 20 anos

de poder que ministros como Ma1arin, que as apreciavam mais em si mesmas.

Colbert atraiu um considerável grupo de artistas e escritores para o serviço do

rei. Alguns deles, como os escritores Amablc de Bour1eis, Chapelain c Jean

Desmarcts, tinham servido anteriormente ao cardeal Rich cli eu. Outros tinhamservido a Ma7arin: o poeta lsaac Benscrade, por exemplo, o compositor Jean

Cambefort, o esc rit o r François Charpentier. Alguns dos mais talentosos roramtomndos de Fouquct, entre os quais Leb run , Le Nôtre, Le Vau c Molicre.

Racine, cujo nome chegou ao conhecimento de Colbcrt através de Chapelain,

foi contemplado com a pensão em 166 3, quando não tinha mais que vinte epoucos anos.

Parece ter havido um programa deliberado para incentivar estrangeiros a pó rseus talentos a serviço do rei. Como vimos, sábios est rangeiros recebiam pensão.O astrônomo italiano Gian-Domcnico Cassini foi convencido por Colhcrt a semudar de Bolonha para Pari s (sua pensã o era de nove mil libra s por ano). Artistasplásticos est rangeiro s eram convidados a ir para a França c trabalh ar no Louvreou em Versailles. O pint o r suíço Joseph Werner, por exemplo, foi convidado a irpara Pari s em 1662 , após um parecer favorável do embaixador francês. O gravador

flamengo Gérard Edelinck chegou em 1666. Quanto ao escultor Martin van denBogacrt, que chegou por volta de 16 70, a tradu ção francesa do seu sobrenome,Desjardins , oculta suas origens namcngas.

A importância de Colbcrt reside em sua visão gera l da contribuição de

l

19. Pro eto de obef1sco de Charles Perrault, 1666. Bibliothê·que Nauonale, Paris

todas as artes para a glória do rei. Recorria a especialistas para sugestõesconcretas, especialmente Chapelain, Perrault e Le Brun. No entanto, foi 0próprio ministro o responsável pela orga nizaçã o do patrocínio oficial, na verdadepor sua burocratização.

. : o usar o termo bu rocratização , não pretendo suge rir que o s islematractictonal de protetores, protegidos e agentes intermediários, tão operativo nomund o das artes quauro no da política no início do período moderno, livessechegado ~ o fim.n Artistas c e <;crilores como Lebrun e Molicre eram protegidosdo financista Fouquet antes de ingressar no serv iço do rei. Chapelain atuava comoagente intermediário dentro do sistema de patrocínio real da lit eratu ra . Oulrosa g e n t ~também tiveram papéis a desempenhar. Racinc, por exemplo, cnvioü seupr1metro poema a C hapelain através de um intermediário. O rei teve notícia do

A FABRICAÇÃO DO REI r A CONSTRUÇÃO DO SISTEMA

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compositor André Destouches por intermédio do futuro príncipe de Mônaco.Exemplos deste tipo poderiam ser multiplicados.

No decorrerdo reinado, contudo, as artes passaram a ser administradasporum número cada vez maior de funcionários públicos,como diretores, superintendentesou inspetores. Lebrun eradirecteur de l manufactu re royale des Gobelins.Os balés reais, as construções, os aparelhos e a música, todos tinham seussurintendants. Havia um inspecteur-général des bâtiments, um inspecteur desbeaux-arts, e até uminspecteur-général de la sculpture (evocando aimagem deuma tropade estátuas perfiladas para sofrer revista).

Outra parte da burocratização das artes foi a montagemdo sistema deacademias, o equivalente nas artes do sistema de colégios que estavase desenvolvendosob os governos europeus no século XVII. Colbert não se limitou afundar academias; regulamentou o comportamento de seus membros.Os daAcadémie Française, por exemplo, receberam horários fixos de trabalho,junta-mente com um relógio de pêndulo, para garantir que seu sentido de temposeriatão preciso quanto o desejava o ministro.

Igualmente burocrática foi a crescente utilização de comitês,como o pequeno grupo que traçou projetos alternativos para o Louvre, ou, aindamais importante,apetite académic, que originalmentenão era em absoluto uma academia, esim uma espécie de pequeno conselho para todas as coisas relacionadascom asbelas-letras [une espece de petit cansei/ pour toutes les clzoses dépendantes desbel/es-lettres 34

Os membros desse comitê (Chapelain, Charles Perrault, Bourzeis, Cassagnes e François Charpentier) reuniam-se na casa de Colbert todas as terças esextas-feiras.Sua missão era essencialmente supervisionar a criação daimagempúblicado rei. Corrigiam textos antesde sua publicação, inclusive descriçõesdefestivais escritas por Félibien e pelo próprio Perrault.35 Examinavamos projetose compunham descrições de tapeçarias e medalhas. Pelo menos durante algunsanos, trabalharamnuma história do reinado.36 A formação desse grupo mostracom que seriedade Colbert encarava a tarefa da fabricação da imagem, e o quanto

seu senso de publicidade era aguçado.Como a administração do Estado, a criação da imagem pública do rei era

organizada a partir do centro.37 Equipes de artistas eram dirigidas por comitêsdepatrocinadores. Seria possível representar o sistema - de modo bastante apropriado para uma época de burocratização crescente - na formade um organograma. No topo estava o próprio rei, que intervinha eventualmente para encomendar determinadas obras, ou pelo menos para escolher entre projetos alternativos(abaixo,p 79-80, 98). Imediatamente abaixo de Luís vinha Colbert, que gostavade segurar pessoalmente todos os cordões, a despeito de suas outras ocupações.Em seguida vinham os homens de Colbert, especialmente três deles. Chapelain oaconselhavano plano da literatura, Lebrun no da pintura e da escultura, e Charles

rPerraultno da arquitetura. A música (incluindo o balé e a ópera)estava fora dodomínio de Colbert. Era controlada por Lully.

Em suma, o quejá se chamou de departamento da glória foifundado paraorganizar a apresentaçãoda imagemdo rei ou, mais exatamente,l histoire du roi,um quadro em movimento dos principais eventosdo reinado.Éhora depassarmosda organização para o que ela produziu.

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22 (detalhe . Luis XIV como imperador romano extra ído de Festiva d capi ta deCharles Perrauh, 1670 . British Library, Londr es

vAuTo-AFIRMAÇÃO

Sous un tel souverain nous sommes peu de chose;Son soin jamais sur nous tout à fait ne repose:Sa m in seule dépan ses liberalités:Son choix seu distribue états et dignités. •

Corneille, Othon Ato 2, cena 4

O último capítulo ocupou-se do que poderia ser chamado de a estrutura daglorificação de Luí s XIV, mais especialmente da criação dessa estrutura a

partir do início da década de 1660. Este capítulo trata da própria imagem real ,desde que Luís assumiu o governo pessoal em 1661 até a deflagração da Guerra

da Devolução em 1667. Poderíam os qualificar esses anos como a época daauto-afirmação". Após a morte de seu mentor e mirústro Mazarin, o jovem reificou em condições de tomar importantes decisões por si mesmo. Ironicam ente,essa auto-afirmação deve ser encarada como uma ação coletiva, de que participaram os conselheiros do re i e os fabricantes da sua imagem.

0 MITO DO GOVERNO .PESSOAL

A imag em do jovem rei projetada na década de 1660 foi a de um soberanoexcepcionalmente dedicado aos negócios do Estado e ao bem-estar de seus

súdi tos. A própria deci são de governar pessoalmente tomou-se um evento a sercelebrado, e até milificado, isto é, apresentado de maneira dramática como uma"maravilha".

O primeir o anúncio da intenção do rei de governar pessoalmente tev e carátersemi privado: foi incluído num discurso ao chanceler feito na presença de ministros e secre tário s.• A Gazerre publicação oficial, não fez nenhuma menção a issona época. Quando da morte de Mazarin, em 9 de março de 1661, o jornal notic iouuma visita de pêsame s feita ao rei por repre se ntante s do clero francês, cujo

.,. Sob um tal sobe ran o somos de pouca valia;/ Sua r espons abilidad e nunca n os é de todo confiada:/Apen as sua mão reparte suas I beralidades:/ Apena s sua escolha distribui cargos e dignidades. ( N.T .)

A FABRICAÇÃO DO REI AUTO · AI'IRMAÇÀ O

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porta-voz declarara que o rei vinha sendo incansável não só em operaçõesmilitares como na condução de negócios de Estado [Sa Majesré, qui a esté

infatigable dan s les rravaux de la guerre, ne l'esr pas moins dans la conduire desaffaires de son Estat].l O tema foi retomado em abril pela própria Gazette, queassinalou a notável apl icação do rei a atividades oficiais, como encontros sociais[Le Roy, continuam de prendre le soin de ses affaires avec une application toureparticuliere, se rrouva au Conseil des Parties]. Até ao me ncionar uma caçada

do rei, a azene apresentava a atividade como um re laxamento da maravilhosa assiduidade com que ele se dedicava aos negócios de Estado [des soi11s

que Sa Majesré prend roujours des a Jaires de son Estar, avec une assiduirémen•eilleuseV

Um relato mais completo do mesmo episódio foi feito mais tarde, na mesmadécada, nas memórias do rei referentes ao ano de 1661; tratava-se de um memorando confidencial esboçado pelos secretários do rei por volta de 1666 e destinadoao Delfim, como parte de sua educação par a o que as próprias memórias chamamde o ofício de rei [/e mérier du roi]. Nesse texto Luís explicou que decidira acimade tudo não ter mai s primeiro-ministro [sur roures les choses t ne poillt prendrede prem ier ministre]. Num trecho famoso, o rei é retratado assim: Informado detudo; dando ouvidos ao mais humilde de meus súditos; consciente a todo momentodo número e da qualidade de minhas tropas, e das condições de minhas fortalezas;dando ordens incessantemente com re lação a todas as suas necessidades; recebendo e lendo despachos; respondendo eu próprio a alguns deles, e dizendo a meussecretários como responder aos outros; fixando o nível das receitas e d s despesasde meu Estado. 4

O evento foi apresentado a um público mais amplo numa variedade de textose imagens. O relato da Gazette citado acima talvez tenha sido suficiente parapermitir aos leitores discernir uma referência contemporânea ao fato na peçaOrho11 de Corneille, que teve sua estréia na corte em Fontaineb leau em 1664. Apeça é s ituada no reinado do imperador Galba, com quem um dos ministroscomenta a pouca valia que têm os subordinados para um soberano que não recorrea eles e distribui pessoalmente p rêmios e cargos (ve r a epígrafe deste capítulo).

Mai s tarde no reinado, o evento foi comemorado também por meio deimagens visuais. A ma is famosa delas é a pintura que Lebrun fez no teto da Grand eGalerie, em Versailles, com a inscrição O rei assume o governo de seus domíniose dedica-se inteiramente aos negócios (Figura 20).) Luís segura um timão,para mostrar que agora é o capitão da nau do Estado. É coroado pelas Graças,enquanto uma figura que representa a França sufoca a Di scórdia e umarepresentação de Himeneu, deusa do casamento, segu ra uma cornucópia,s ímbolo da abundância . Minerva , deusa da sabedo ria , mostra ao rei a Glória,pronta para coroá-lo, acompanhada da Vitória e da Fama . No céu, os deu sesoferecem seu auxflio a Luís. 6

20. O rei governa por si mesmo, de Charles Lebrun, pintura em teto, 1661, Cbâteau de Versailles

. Uma interpretação mais precisa do governo pessoal do rei foi oferecida portres medalhas datadas de 1661 .7 A primeira, que traz a insc rição ~ orei assumegoverno (REGE CURAS IMPERII CAPESSENTE], reJ>resenta a Ordem e Felicid adeque ~ s u l t a r a r ndes se evento, expressão cujo sentido o comentário oficial de 1702a ~ p l i . o u ,para abarcar a reforma de abusos, o renoresci mento das artes e dasc1enc1as e a res tauração da abundância. As outras duas medalhas acre sce ntamdetalhes a esse quadro. Uma delas intitula -se A assiduidade do rei a seusc o ~ s e l h o s ,mantida a despeito de outros deveres que reclamavam seu tempo eate . d ~ e n ç a ,como o comentário exp lica. A outra tinha por in scrição Aacess1bll1dade do rei [FACILIS AD PRJNCIPEM ADITUSj.8

As semelhanças entre o palavreado dessas inscrições, 0 dos comentários eo d s Mémoires são dignas de nota . Tanto a primeira medalha como as Mimoires

p r ~ e n t mo g o v e ~ opessoal como a restauração da ordem após um tempo emque a desordem remava por toda parte [le désordre rignait panour].9 A segundam c d ~usa, como a Gazeue, o termo ~ a s s i d u i d a d eA te rceira corresponde àsMém01res ao destacar a acessibilidade do rei aos seus súditos. Referênciascruzadas deste tipo ent re diferentes textos e diferentes meios são comuns nas

A fABRICAÇÃO DO REI AUTO·AFI RM AÇÃO

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rep rese ntações de Luís X IV da época, dando a imp ressão de um es forço coordenado pa ra mostra r o rei de de terminados modos. Esta impressão é confirmada pe lainstrução dada por Chape lain ao escritor i taliano Dati para inserir em se u panegí rico uma referên cia à acessibilidade do rei. 10

RIVALIDADES

Os eventos do início da década de 1660 suge rem que o jove m rei e seusconselheiros estavam determinados a causar um impacto imediato sobre opúblico, tanto doméstico como estrangeiro. Os meios empregados foram adiplomacia e os festivais, ambos cuidadosamente anunciados em outros meiosde comunicação.

Na frente diplomática, dois acontecimentos, um em Londres e outro emRoma, assinala ram uma mudança de po l ít ica. Em 1661, um con ftit o sobre aprecedência entre os embaixadores da França e da Espanha causou o u ~S ~ m u e

Pepys chamou de uma .. rixa entre seus séquitos nas ruas de Londres. O t nctdentenão foi u ma simples briga inconveniente que estragou um a solenidade oficial (aapresentação do embaixador a Carlos U). O rei apoiou a conduta de seu representante e foi o embaixador da Espanha na corte da F rança quem teve de pedirdesculpas pelo que acontecera.

Em outras palavras, é provável que o incidente tivesse sido planejado, quefosse uma afirmação simbólica da superioridade do monarca francês sobre seucolega espanhol, Filipe IV, aliás tio c sogro de Luís. Esta interpretação éreforçada pela reação francesa, em 1662, a um preteru.o insulto feito ao embaixador do pais em Roma pelos guardas córsicos do papa. Dessa vez foi o papa quemteve de pedir desculpas, at ravés de seu representante, o cardeal Chigi, em 1664.

Estes dois triunfos diplomáticos encontraram expressão em imagens. Duasdas magníficas tapeçarias desenhadas por Lebrun ilustram o pedido formal dedesculpas do papa c do rei da Espanha (Figura 21). Os mesmos temas reaparecem

na decoração da Grande Galerie feita por Lebrun, com as inscrições La préemi-nenu de F ance reconnue par/ Espagne e Réparation de / arrenrar des Corses.O pedido de descu lpas dos espanhóis foi representado também em relevo nagrandiosa Esca/ier des Ambassadeurs claramente pour encourager les Otlfres. AEspanha foi representada como uma m ulher .. rasgando as vestes para simbolLt.aro despeito dessa nação [déchiralll ses vêtements pour marquer /e dépit de cetrenation]. l O sábio holandês Hcinsius fez jus a uma recompensa pelo epigrama quecompôs em latim sobre o episódio da guarda córsica. Como não poderia deixarde ser, cunharam-se moedas para comemorar os eventos, e até para comemoraruma comemo ração deles: a construção e mais tarde destruição) de uma pirâmideem Roma para marcar o acidente córsico. n

21 . A tap.:çaria como propaganda . Encontro dt Fil ipe IV t Luís XIV, extraído da séne H i s t ó r i ador ~ i -de Charks Lchnm, tap<·çaria, c.l670 . Collrctilm Mohihcr National, Parb

A retomada de Dunquerque, comprada de Carlos em 1662, foi tambémcelebrada como um grande trtunfo. Colbcrt pediu a Chapelain que pedisse aCharles Perraull para escrever a re ->pello. • Lchrun pintou um retrato eqüestre dorei com a cidade recém-retomada no fundo. 15 Dunquerque foi também tema doprimeiro concu rso organitado pela Académic Royale de Peinture. 6

M G N I F I C ~ N C I

Out ro mé todo emp regado para causar impacto sobre a Europa era menos violento .Tanto o ritual como a arte e a arquitetura podem ser vistos como instrumentos deauto-afirmação, como a continuação da guerra e da diplomacia por outros meios .A imagem do rei como patrocinador magnificentc c munificente das artes recebeugrande ênfase durante o reinado. Como seus papéis político c militar, tâmbémeste foi mitificado. Nas palavras de um de seus artistas oficiais, em conferência

A I 'ABRICAÇÁO DO REI AUTO · AI'IRMAÇAO

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feita na Académie Royale de Peinture,Luís ~ f i z e r anascer,ou formara, amaiorparte dos homens ilustres ~ eforam oornamento de u r e i n ~ d ~.. fait naitre, ouformi la plus grande partie des lwmmes i/lustres qu on t faltl ornement de son

regne].l 1

Outros acontecimentos desse períod o, mais tarde ce lebrados com meda-lhas, incluíram a fundação de academias e a concessão de recompensas aliteratos.••

m 1662 foi organizadoum dos mais grandiososespetáculos públicosdoreinado, 0 carrousel, numa praça em frente às Tuileries.Na Idade. Média, ocarrossel fora umacompetição popularem que homens a cavalo devtam corrernum picadeiro e realizaroutrasproezas.No finaldo Renascimento,~ ~ n s f o r m a -

ra-se numa espécie de balé eqüestre . A apariçãode Luís acavalo como Imperadordos romanos foi um equivalentede suas apariçõesno palco,com a diferença deque nesta ocasião a audiênciaera muitomaior. Cinco q ~ i p ~ sde nobres e s t i a m

fantasias,supostamente trajes romanos, persas, turcos, tnd1anose americanos.Cada competidor trazia um escudocom seu emb lema, e o do rei. erau ~so l coma inscrição ~ T ã ologo vi venci [UT VIDI VICJ]. Na verdade, ore se sa u bem nacompetição e o acontecimento foi comemorado num magníficovo lume de gravuras in-fólio com um textoexplanatório de Charles Perrault (verFigura22). Ai m ~ r t â n c i apollticado evento,o primeiro divertiment?de verdadeiro s p l e ~ ~ o rdo rei [/epremie r divertisseme111 de que/que iclat], fo ress altada nas memonasreais. 19

Os mais importantes projetos artísticos da década foram, é claro, areconstrução do Louvre e de Versailles. O Louvre era um palácio medievalreconstruido no estilo renascentista durante o reinado de Fran cisco I Eraum palácio acanhado demais para as necessidades de uma corte do sécu loXVIl e 0 incêndio que destruiu parte dele em 1661 pôs sua reconstruçãocomo ponto prioritário na agenda. Tomou-se a decisão de construir um novopalácio e de encomendar projetos a vários arquitetos de renome, tantoitalianos como franceses: Louis Le Vau, François Mansart, Claude Perrault,

Carlo Rainaldi e Gianlorenzo Bernini , artista que chamara a atenção docardeal Mazarin. 20

Bemini foi convidado a ir à Françaem 1665.Seria interessantesaber se oconvi te foi feito porque Mazarin tivera interesseno trabalhodo arquitetoou parahumilhar ainda mais o papa Alexandre VII, privando-o de seu maior artista.Ao chegar, Bernini foi tratado com grande deferência e agradou ao rei, mas,tendo entrado em choque com Colbert e Charles Perrault, que criticaram seusprojetos, não conseguiu receber encomendas, embora tenha feito um famosobusto de Luís.2

Colbert (ou Perrault,seu braço direito) fezum memorando para demonstrarque o projeto de Bernini era poucoprático, mal adaptadoao clima francês,

R E XR O M A N O I . U M J W r i l i. A T O R

22. uís XIV como imperador romano, extraídode Festiva ad capira, de CharlesPerrault, 1670.BritishLibrary,Londres

negligenciava asegurança,em suma, era pouco mais que uma fachada, tão malconcebido para a comodidade do Rei [si mal conçu pour la commodiré du Roi],que com um gasto de dez milhões de librasconúnuaria tão desconfortávelquantoantes.22 De sua parte, Bernini queixou-seamargamente de que o governo francêssó estava preocupado com .. atrinase canos .

O projeto parao Louvre, finalmente agraciadocom a aprovação oficial, foiproduzido por um pequenocomitê integradopor Lebrun, LeVau e ClaudePerrault. Aobra foi executadae comemorada com diversas medalhas. 3 O rei, noentanto, passou relativamentepouco temponesse palácio,que se tomou sobretudoo quartel-general dos fabricantes desua imagem. Algunsartistas preeminentesreceberam alojamentos e oficinasno Louvre. Girardon,por exemplo,mudou-separa lá em 1667. A AcadérnieFrançaise também recebeusalas no Louvre, eventoigualmente comemorado com uma e d a l h a2 É intrigante ler acorrespondênciaentre o rei e Colbert a esterespeito.Colbert sugeria que o Louvrepodia ser ..maisdigno 'da Acadérnie,mas que a bibliotecarealseria talvezmais confortáve l [pluscommode]. Como no caso do projetode Bernini,ele continuavainsistindoemconside rações práticas. Luís,entretanto, escolheu oLouvre, adespeito do possível incômodo para os acadêrnicos.u

Enquanto isso, o rei tinha voltadosua atenção para Versailles,que seresumia a um pequeno custeio construído para Luís Xtll em 1624. Logo depoisde iniciar seu governo pessoal, LuísencarregouLe Vau de aumentar o castelo eLe Nôtre de projetaros ja rdins, provocando um protestode Colbert contra o gastode dinheiro n e s scasa [ceue maison, em contrastecom o Louvre,referido como

A FABRICAÇÃO DO REI T AUTO-AFIRMAÇÃO

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palais], porque ela contempla muito mais o prazer e o divertimento de VossaMajestade que a sua glória [regarde bien plus le plaisir et le divertissement deVotre Maj esté que sa gloire).2 6

Para a posteridade, a cujos olhos a glória do Rei Sol está tão intimamenteligada a Versailles, estas palavras soam estranhas. Deveríamos atribuir ao jovemmonarca mais senso político, ou um senso de publicidade mais aguçado que o deseu ministro? O mais provável é que nessa altura de seu reinado Luís estivessemesmo pensando em suas diversões, num lugar para fazer festas, ou para seencontrar com Mlle de La Valliere em relativa privacidade, e que não imaginassemelhor que Colbert o que Versailles haveria de se tomar ao cabo de 42 anos deconstrução e reconstrução. 7

Esse famoso embate entre o jovem rei e o ministro de meia-idade suscitaum problema central. Quem tomava as decisões? No caso do Louvre, foi Colbertquem se impõs. O rei autorizou pessoalmente o plano final, escolhendo entre asalternativas propostas pelo comitê. 8 Sabemos, contudo, que ficara muito impressionado com o segundo projeto de Bernini. 29 Ao que parece, Colbert o demoveudessa preferência. Bernini teve conhecimento do problema. Certa vez comentouque, se tivesse ficado na França, teria pedido ao rei para só tratar de suasconstru ções pessoalment e com Sua Majestade [il aurait demandé au Roi de

n avoir trait er de ses bâtiments qu 'avec a Majesté même]. 30 Luís prezava maisa magnificência que o conforto.

Se Colbert ganhou o conflito de vontades em tomo do Louvre, foi Luís quemtriunfou no cas o de Versailles. No que dizia respeito a música, dança e espetáculo,eram t ambém os gostos do rei que contavam. Luís continuou a participar de balésda corte ao longo da década de 1660, em papéis como os de Alexandre Magno,Ciro, rei da Pérsia e do herói de cavalaria Roger. A fundação de uma Academiade Dança em 1661 atendeu muito bem a seus interesses pessoais, assim como adesignação de Jean-Baptiste Lully, no mesmo ano, como superintendente de suamúsica de câmara [surintendant de la musique de chambre du roi]. A organizaçãode festivais da corte foi entregue a um nobre muito apreciado pelo rei, o duque

de Saint-Aignan, e o envolvimento pessoal do rei nesses espetáculos é bemconhecido.

Foi Luís, por exemplo, quem escolheu, inspirado em Tasso, o tema dePlaisirs de l / le Enchantée, de 1664, como o fez mais tarde com Amadis,

de Quinault.Jl Segundo Moliere, Luís acrescentou um personagem à suapeça Les fâcheux (1661) e foi quem sugeriu o enredo de Les amantsmagnifiques 1670).

O rei parece ter mostrado pouco interesse nessa época tanto por sua biblioteca como por sua coleção e estátuas. Essas formas de magnificência eramapenas parte de sua personalidade oficiaJ.3 2 Por outro lado, interessava-se pelapintura, pelo menos certos tipos de pintura, como as de batalha. Em 1669, fez a

Adam-Frans van de Meulen, pintor flamengo de batalhas, a homenagem decarregar seu filho recém-nascido junto à pia batismal.

O interesse pessoal do rei pelas pinturas de Alexandre Magno feitas porLebrun é bem conhecido. Quer Racine tenha inspirado Lebrun ou vice-versa, aescolha de Alexandre, tanto pelo pintor como pelo dramaturgo - para nãomencionar o balé sobre o mesmo tema criado por Benserade em 1665 - e ra mhomenagens à identificação de um jovem conquistador com outro. 33

VI

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23 . Ludtl\ icus Mugnus, medalha de Jean Warin, 1671.Cahinct lk:-. Médoillc:-., Bibliothêq ue Nationale, Paris

VI

Os Nos DE VITóR I A

Voilà comme la Victoire et la Gloire prennent plaisir d'ammasserleu r Couronnes sur la Téte d un Monarque si magnanime .•

Gaz.ette 1672

A pós a ofensiva dip lomática dos anos 1662-4, só se podia esperar que Luísescolhesse a via régia para a glória, a de uma guerra externa bem-sucedida.

Suas primeiras guerras foram de fato bcm-sucerudas: a Guerra da Devolução, em1667-8 pelo menos em suas fases inkiais- a Guerra Holandesa de 1672-8.É da imagem do herói conquistador desses anos que este capítulo tratará. Focalizará, em particular, um episódio famoso, a invasão da República Holandesa em1672, e especialmente a travessia do Reno pelas forças do rei.

A GUERRA D DEVOLUÇÃO

A Guerra da Devolução foi travada para impor aos Países Baixos espanhóis odomínio que Luís se arrogava após a morte, em 1665, de Filipe IV, pai de suaesposa, Mari a Teresa. O terreno foi preparado com panfletos que apresentavamLuís sob a imagem favorável de um soberano que não queria nada além de seus

legítimos direitos. Hennan Conring, professor de direito na Universidade de

Helmstedt, um dos eruditos estrangeiros que recebiam gratificações regu lares, seofereceu para escrever em apoio ao rei. 1 A imprensa real publicou um tratadoanônimo em francês sobre os direitos da cristianíssima rainha sobre váriosEstados da Monarquia Espanhola . A obra, produzida por uma equipe quetrabalhara sob a direção de Bourzeis (membro da petite académie) e revista porChapelain e Charles Perrault, oi rapidamente traduzida para o latim, o espanhole o aJemão. 2

Eis como a Vitória e a Glória se comprazem em empilhar suas coroas sobre a cabeça de ummonarca tão magnãnim o . (N .T .)

A I A B R IC A Ç A O D O REI

Ch l S l A t i A bé t bé d f d t

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Charles Sorel e Antoine Aubéry também escreveram em defesa das pretensões do rei. Sorel, s to riógrafo real (e ex-escriturário jurídico) publicou tratadosso b re os direitos dos rei s de França, ao passo que Aubéry, advogado no Parlamento de Paris, publicou Sobre as justas pretensões do rei [de França) ao Império[Des jusres préten.sions du r oi sur / Empire). Diante de protestos d os príncipesromanos, esse panfleto foi desautorizado e seu autor enviado para a Ba s tilha; ébem provável, no entanto, que tenha tido inspiração oficial. 3

As justificativas dos panfletos foram seguidas, em questão de se manas, pelainvasão dos Paí ses Baixos espanhóis pelo exército francês. Nessa campanha, orei desempenhou um papel de relevo. Seguindo a tradição, Luí s comandoupessoalmente suas tropru;. R ompendo com a tradição, levou sua corte consigo parao campo de batalha, incluindo a rainha e duas amantes reais, a duquesa de La

Valliêre e a marquesa de Montespan.Doi s pint o res foram também convidados a acompanhar o rei, presumivel

mente para dar maior verossimilhança à histoire du roi. Um foi Charles Lebrune o outro Adam -Fran s van de Meulen, recém-designado pintor da corte. Van de

Meulen , que era flam eng o, como seu nome sugere, viu-se assim participando da

invasão de se u próprio país.Os principais eventos da guerra, tal como ela foi apresentada por estes dois

artistas, e também em gravuras, tapeçarias, medalhas, poemas e nas histórias doreinado produzidas na época, foram os cercos de Douai (Figura 24), Lille,Oudenarde e T ouma i, bem como uma batalha vitoriosa nas proximidades deBrug es e a tomada do Franche-Comté (Figura 25). Quando a paz foi feita em

Aix-la-Chapelle em 1668, o Franche-Comté foi devolvido à Espanha, mas Lilleficou incorporada à França. O fim da guerra foi ce lebrad o com um festival emVersaillcs que, além da contr ibuiçã o de Lc Vau , Vigarani , Lully e Moliere, incluiuuma encenação organitada pelo embaixador francés em Mainz, i n t i t u l d ~A paz

recém-concluída [Pax nuperrime facrum).As celebrações da guerra ass umiram também formas mais permanentes. A

Academia Real de Pintura anunciou um prêmio para a melhor obra sobre o tema

Luís pacifica a Europa . Van de Meulen ganhou sua passagem para Flandrescom pinturas que mostravam o rei em Oudenarde, Arra s, Lille e Dõle . Todas as

quatro telas foram gravadas, de modo a poderem circular mais amplamente, eChapelain publicou um texto para acompanhá - las . A série de tapeçaria s desenhada por Lcbrun c dedicada aos eventos do reinado incluiu nada menos que cinco

episódios da guerra: os cercos de Douai (em que uma bala de canhão por pouco

nã o atingiu o rei, de pé numa trin che ira ) e de Toumai (em que Luís ergueu acabeça acima do parapeito); a tomada de Lille e de Dõle ; e a batalha nasproximidades de Bruge s.6

Na história metáli ca posterior do rein o, medalhas individuais comemorarama guerra, a paz, a conquista do Franche-Comté, sua devolução à Espanha e a

24. Luis nas r i n c h e ~ ~ ·Ctrco dl ~ o uai enr 1667, de Adam -Frans van der Meulen, gravura, c 1672.Anne S. K. Brown Mthtary Collecllon, Brown University Library, Providence, R.l.

25~ u i ~ .o c . o n ~ ~ i l a d o r . : . .A conquista do Franche Conrti gravura de Charles Simonneau. c l680

A FABRICAÇÃO DO REI OS ANOS DI VITÓRIA

[ f é]

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captura de sete cidades: Toumai, Douai, Courtrai, Oudenarde, L i l ~ eB e s a n ç o ~eDôle. A meda lha do cerco de Douai, como a tapeçaria, mostrava Luts na n n c h e u ~

e trazia u ma inscrição alusiva a seu papel na campanha: REX oux ET MILES, o ret

como líder e soldado. 7

A apresentação do rei como fazendo tudo por si mesmo é digna de no.ta.Podemos suspeitar que Turenne, um brilhante e experimentado general, fot overdadeiro comandante, mas oficialmente era qualificado como mero executordas ordens do rei. Chapelain, que numa carta particular qualificou Condé de oprincipal instrumento" da conquista, atribuiu no entanto .ao. re\ o mérito ~ a

conquista do Franche-Comté num poema divulgado a ~pubhco. . E ~ t ep ~ d r a o

seria seguido nos relatos de vitórias posteriores. Podenamos e.xpl.tca-lo t ~ u a l -

mente bem pelas convenções do panegírico como pela relutancta do ret emrepartir sua glória. .

A partir dessas vitórias, o rei passou a ser chamado d ~ L u t ~o Grande[Louis le Grand, Ludovicus Magnus]. Ao que parece, o eptteto fot u s a d ~pelaprimeira vez na inscrição de uma medalha cunhada em h o m ~ n a g e ~ao ret pelacidade de Paris em 1671 (ver Figura 23). 9 O exemplo logo fm segutdo em outrasmedalhas e nos arcos do triunfo erguidos em Paris na época. Charles Perraultregistrou em suas memórias que Após as conquistas de F l a ~ d r e s~ d ~ ~ r a n -

che-Comté, M Colbert propôs que se erguesse um arco do tnunfo a glona dorei 1o Claude, irmão de Charles Perrault, fez um projeto e o rei aprovou a

maquete em 1670. .A construção do arco, na Place du Trône, foi iniciada mas nunca se conclmu.

Um memorando de Colbert associa o arco ao novo Observatório (inaugurado em1671) como se este fosse também um monumento à glória do rei: Um Arco doTriunfo para as conquistas na Terra. Um observatório para o céu."

11

Foi a p r ~ x i -

madam ente na mesma ocas ião, em 1668, que o rei decidiu construir em Versatllesum castelo inteiramente novo e confiou a obra aLe Vau. Como o arco do triunfo,a grandiosa escadaria de Versailles, projetada por Le Vau, pretendia ser umaconstrução "digna de receber este grande Monarca quando retoma de suas

gloriosas conquistas Y . .Poetas e historiadores deram também sua contribuição para a glóna do re1

Chapelain, por exemplo, compôs alguns sonetos sobre a invasão de Flandres,. aconquista do Franche-Comté e o cerco de Maastricht. 13 Um certo P.D. produztuuma descrição dia-a-dia da "Campanha Real", complementada com poemas, umajustificativa da pretensão francesa aos Países Baixos e referências à "maravilhosa

d . d ' I d " 14

sabedoria" do rei que supera a dos maiores esta tstas os secu os passa os ·Aos 73 anos J e a ~Desmarets - que passara seus melhores anos exaltando LuísXIII e Rich:lieu - dedicou um poema à campanha do Franche-Comté. Moliereescreveu um soneto sobre o tema, e Comeille, por sua vez, referiu-se ao rei emseu retomo de Flandres" como um "grande Conquistador", "coberto de louros",

elogiou suas "magníficas ações" e seu "augusto orgulho" [augustefierté] comentando que as conquistas do rei tinham sido de tal modo rápidas que o poeta nãotivera tempo para escrever a respeito. 15 Comeille fez ainda a tradução para ofrancês do poema escrito em latim pelo jesuíta Charles de la Rue em louvor àsvitórias de 1667, que comparava o papel do rei na campanha ao de são Luís nasCruzadas e mencionava mais uma vez sua visita às trincheiras. 6

GUERRA HOLANDESA

Na Guerra de Devolução Luís levou artistas para a carnpanha; na GuerraHolandesa, levou historiadores. Pellisson esteve em Flandres em 1677 na qualidade de historiador oficial, tendo sido substituído por Boileau e Racine em 1678.Poderíamos supor que pintores e escritores já tinharn explorado a tal ponto todasas formas possíveis de exaltação para celebrar a Guerra de Devolução, que nãolhes sobrava nada de novo a dizer sobre a Guerra Holandesa de 1672-8. De fato,as representações desta segunda guerra (que inclui a segunda conquista doFranche-Comté) têm muito em comum com as da primeira, mesmo relevando-sea estereotipia inerente a gêneros como o da pintura de batalhas. Pelo menos umepisódio, contudo, o da travessia do Reno em 1672, deu a poetas e escritores umaoportunidade para inovar a que se agarraram tenazmente. Também eu vou tirarproveito dessa oportunidade e discutir as imagens desse episódio com especialminúcia.

Uma das últimas contribuições de Chapelain para a glória do rei foiajudar a difundir a interpretação oficial da guerra. Numa carta a HermanConring, ele insistiu que o rei só guerreara na Holanda para demonstrar a essepaís sua ingratidão. Num soneto que enviou a Colbert, fez a república personificada lamentar seu "orgulho", "insolência" e "deslealdade". Descobriutambém um certo Frishmann, que compusera um poema em latim sobre aguerra, e o recomendou a Colbert com a alegação de que seria vantajoso paraSua Majestade ter suas vitórias e a justiça de sua causa celebradas por umescritor alemão. 17

Para um breve sumário da versão oficial dos motivos da guerra, podemosrecorrer a Racine, designado historióg'rafo real em 1677 Gunto com Boileau). Ocargo estava longe de ser uma sinecura, especialmente em tempo de guerra, edurante alguns anos Racine deixou o teatro de lado para produzir um "panegíricohistórico" do rei e relatar as conquistas que fez entre 1672 e 1678. 18 SegundoRacine, Luís já demonstrara ser "tão excelente capitão quanto grande estadista ,não tendo portanto necessidade de outra guerra. "Reverenciado por seus sú ditos,temido por seus inimigos, admirado pelo mun do inteiro, parecia nada mais ter afazer senão desfrutar pacificamente de reputação tão solidamente firmada, quan-

A FABRICAÇÃO DO REI

d H l d lh f id d d di i i b i

OS ANOS DE VITÓRIA

D i d f i d i A A d i R l d Pi

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do a Holanda lhe ofereceu outras novas oportunidades de se distinguir e abriu. . . . . . ' 19

caminho para ações cuJa memorta Jamats perecera.Foi a insolência' dos holandeses que provocou o rei (também Comeille

referiu-se ao povo holandês num poema de 1672 como cet insolent Batave ). Arepública, segundo Racine, aliou-se aos inimigos da França' , oprimiu os católicos, competiu com o comércio francês e vangloriou-se de ter conseguido,sozinha, impor limites às conquistas do rei . Luís decidiu punir os holandesese assumiu pessoalmente o comando da campanha, abandonando os prazeres dacorte para se expor aos perigos e fadigas da guerra. Num só dia, quatro fortalezasforam capturadas (Rheinberg, Wesel, Burick e Orsey), evento comemorado comuma medalha em que a Vitória empunha quatro coroas de louros em vez da únicahabitual. A investida francesa transformou-se num triunfo permanente , cujomais famoso episódio foi a travessia do Reno.

Evidentemente, o triunfo era noticiado nos jornais. A Gazette dedicou umnúmero especial à ação gloriosa .. deste maravilhoso monarca . Num estiloque lembrava mais o panegírico que sua lacônica forma de expressão habitual,observou que o rei não se poupou , como o mais baixo dos oficiais ou soldadosde suas forças , e também que nada escapava a seu entendimento . Como sedescrevesse uma pintura ou uma estátua do rei, a Gazette comentou: Eis comoa Vitória e a Glória se comprazem em empilhar suas coroas na cabeça de ummonarca tão magnânimo [un Monarque si magnanime]. 2

Quanto à já então chamada a famosa travessia do Reno , o jornal adescreveu como um feito que nem mesmo César igualara, pois que ele usara umaponte, ao passo que Luís, mais capaz que os césares de resolver todas asdificuldades' , transpusera os obstáculos à sua passagem sem esse tipo de ajudamecânica. O exército francês simplesmente cruzou o rio a nado. Um segundonúmero especial da Gazette foi dedicado às celebrações que se seguiram aoretorno do rei, 0 Te Deum na Notre Dame e a queima de fogos de artifício nasTuileries, com quadro s luminoso s de Apolo, da Vitória, da Holanda sob ojugo' e a mão da justiça, para mostrar que a justiça era o único fim de todas as

façanhas do rei.2 1Os poetas - Comeille, Boileau, Fléchier, Furetiere, Genest etc. - não

tardaram a traduzir em versos essas façanhas. Comei lle observou que comandantes espanhóis, como Alba e Famese, tinham sido incapazes de transpor o R eno naperseguição aos holandeses, e pôs na boca do rei palavras que expressavam anecessidade de superar os feitos dos romanos. Citou nominalmente vários dosnadadores, mas lembrou a Luís: o valor desses homens não foi senão efeit o davossa presença' P Entre os pitorescos detalhes do poema está a descrição dopróprio rio como alarmado com a proeza do rei. A Quarta epístola de Boileaue a ode de Charles-Claude Genest sobre o mesmo tema também descreveram oestremecimento do deus do rio. 23

Depois dos poetas, foi a vez dos artistas. A Academia Real de Pintura eEscultura fez da travessia do Reno o tema do concurso de 1672. 24 Em Versailles,que estava sendo transformado no palácio do sol , os projetos de decoração dasdécad as de 1 670 e 1680 fariam muitas alusões às ações do rei.2 5 As decorações dafamosa Escalier des Ambassadeurs, concluída em Versailles em 1680 mas destruída no século XVIII, incluíam um baixo-relevo em que o rei aparece dandosuas ordens para o ataque a seus inimigos. No ar flutua a Bravura Guerreira [laValeur Guerriere]. O rio Reno, na forma de um ancião, faz um gesto de terror .26

Na década de 1680, Lebrun fez na Grande Galerie de Versailles novepinturas da Guerra Holandesa. Numa delas, Luís, sentado num carro de guerra etendo na mão um raio, atravessa o Reno acompanhado por Minerva, Hércules epersonificações da Glória e da Vitória (Figura 26). Aqui também, Lebrun mostrouo deus do rio como tomado de pânico , como nos versos de Corneille e Boileau. 7

Uma conhecida descrição das decorações de Versailles feita nessa época chamaa atenção do leitor não tanto para as imagens como para a travessia propriamentedita, uma ação tão ousada, tão surpreendente e tão memorável como jamais viramos séculos passados , e para a intrepide z de Luís e a enormidade de suacoragem . 28

As imagens que Lebrun fez da travessia são apenas as mais famosas dasmuitas da época. O escultor Michel Anguier a representou alegoricamente, coma Holanda na forma de uma mulher sentada num leão que parecia amedrontado .29 O pintor Joseph Parrocel produziu para a galeria de Marly uma versão dacena que o rei considerou tão merecedora de sua atenção que mandou instalá-lana sala do conselho em Versailles. 30 Van de Meulen foi outro artista que produz iuuma imagem memorável desse episódio (Figura 27). Os eventos de 1672 foramcomemorados também com uma série de medalhas que mostravam a derrota dosholandeses, a captura de suas cidades e, como não podia deixar de ser, a travessiado Reno. Os artistas da corte devem ter se cansado de representar Vitóriasaladas. 3

O tom triunfalista foi mantido nas representações oficiais dos eventos da

guerra produzidos nos anos seguintes, em especial a tomada da fortaleza deMaastricht em 13 dias, em 1673, e a segunda conquista do Franche-Comté em1674. Pierre Mignard pintou um famoso retrato de Luís a cavalo com a fortalezacapturada no fundo (Figura 28), enquanto Desmarets escreveu uma ode declarando que Luís superara não somente F amese e o príncipe de Orange, como tambémPompeu e Alexandre. O velho Desmarets e Antoine Furetiere (mais conhecidopor um romance e um dicionário) também escreveram estrofes para exaltar asegunda conquista do Franche-Comté. 2

Em homenagem a este feito, promoveu-se um grande festival em Versaillesem julho e agosto de 1674, após o retom o do rei. No quinto dia da festa, as vitóriasdo rei foram representadas por troféus, um baixo-relevo de ouro da travessia do

A FABRICAÇAO DO REI

Reno e uma decoração misteriosa , em outras pa lavras, um enigma visual que

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ç p gincluía Hércules (simbolizando o invencível poder e a grandeza dos feitos deSua Majestade ), Minerva (representando a sabedoria do rei), um dragão(símbolo da inveja) e, é claro, um sol, junto com um obelisco, como sinal da

glória de Luís. 33

As celebrações assumiram uma forma mais duradoura no arco do triunfo da

Porte Saint Marlin, em Paris (Figura 29), com a inscrição - visível até hoje, em

meio ao tráfego - a Luís, o Grande" [LUDOVICO MAGNO] e ornamentado com

relevos que mostram o rei sendo coroado com louros e recebendo homenagem(Figura 30). significativo que este tenha sido o quinto arco de uma série. O arco da

Place du Tr ône foi, ao que parece, o primeiro arco do triunfo amais erguido em algum

lugar desde os tempos dos romanos, mas logo outros o seguiram, substituindo os

velhos portões de Saint Antoine, Saint Denis, Saint Bemard e Saint Martin. 34

Em mei o a esse coro de louvores, pode-s e detectar alguns conselhos, gentissuges tões ao rei de que já fora longe o bastante e que era hora de dar um descansoà Terra [Laisse-là tes v n u s de guerre Mets en repos route la Terrevu · Me s mo

assim a guerra continuou. As campanhas de 1676 e 1677 foram comemoradascom medalhas da rendição de Maastricht, da tomada de Valencienne s, Cambraie Saint Omer, e da vitória de Cassei. Estas foram também celebradas em poemas

de Paul Talleman, Boileau e, mais uma vez, por Comeille ("Basta Luís aparecer evossos muros desabam"). 36 As celebrações atingiram seu clímax em 1678, quandoo Te Deum foi e ntoado cinco vezes, pela tomada de Ypres, Puigcerda e, sobretudo,de Ghent (em apenas seis dias), e pelos tratados de paz assinados em Nijmegen.

O que quer tenha ocorrido no tocante à breve Guerra de Devolução, no caso

da Guerra Holandesa foi difícil disfarçar certas discrepâncias entre os relatosofic iai s e a realidade das campanhas. Em 1672, dez dias após a travessia do Reno,os holande ses abriram seus diques e inundaram o pais, tomando assim impossívela movimentação do exército francês em seu território. Luís foi obrigado a voltar

para a França se m ter obtido uma vitória decisiva. Em 1673, a tomada de

Maastricht foi se g uida pela retirada do exército francês da República Holandesa.37

O deslocamento do teatro de operações para o Francbe-Comté em 1674 foium reconhecimento da força da resistência holandesa; esse reconhecimento

pesou também no acordo aceito nas negociações de paz realizadas em Nijmegene m 1678 (incentiva do pelo fato de a Grã-Bretanha e a Espanha terem se unidonuma Tríplice Aliança).

Nos relatos oficiais, entretanto, as dificuldades só existiam para seremsupe rada s por Luís. Numa referência rara (e talvez imprudente) à inundação daRepública Holandesa , Desmarets atribui ao rei, e não ao inimigo, o rompimento

* Põe de lado luas virtudes de guerra Deixa toda a Terra repousar. (N.T.)

26. ~ t r v e s s ido n o em 1672, de Charles Lcbrun, pintura ern teto c.I678-R6 Ch.t d•Versatllcs , . a cau c

27. A travessia do Reno, de Adarn -Frans van der Mculcn óleo S<lbrc tela c 1672 Mtl · ; • d .Bcaux-Arts, Caen ' • · · -.te c .

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9An tft· trttl/llf>lw. P11rtt Sr Murrm ~ r a v u r o tt ~ ·Adam P ~ · r d kc.l674. Brili-.h 1nmry L o n d r ~ · - .

28. Lub vilorioM>. uís t nr Maa striclrt de Pierrc Mignard óleo sobre leia 1673. Pmac01cca Turim

A fABRICAÇÃO DO REI OS ANOS DE VITÓRIA

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30. Luís recebendo homenagem, relev o no tímpano do arco dotriunfo da Porta St. Manin , 1674

de diques e barreiras . [comme fleuve enflé p r les eau.x des hyvers LOUIS

domte ses bords, rompt digues et barrieres].3 8•

Comeille apresentou o rei impondo aos holandeses seus lermo s de paz, enão aceitando um acordo. "Basta que fales para que a paz se faça , convence ndotodo o universo de tua onipotência"' [A peine partes-tu, que son obéissancejConvainc tout l'Univers de ta roure -puissance). 9 Foi assim que a pa.t foi ce lebra -da em 1679, em versos reproduzidos no Mer cure Galam, num balé apresentadonos Gobelins, em cerimônias em Toulouse etc. Não se rev elavam as fraquezas dorei, apenas sua força, sua ~ m o d e r a ç ã o ,sua "bondade . ao dar "repouso . à Europa(F igura 31). 40

como um rio inflado pellll> águas do inverno LUfS doma suos margens, rompe disques ebarreiras. (N.T.)

3 · O repouso .do conquiStador. Luís repousa após a a ~de Nijmegen, de Noel Coypd, óleo :.obretela, 1681. Musee Fabre, Montpcllicr

Somente as insolentes referências de Comeille à Tríplice Aliança como um"complô"' ou um " motim" (como se as três naçõe s fossem súditas do rei francês)traem sua consciência da situação.4 1 Isso encontra paralelo na imagem visualobsessivamente recorrente do rei pisando o Cérbero de três cabeças. O problemadas discrepãncias entre a retórica ofic ial do triunfo e a realidad e dos revezesfranceses se tornaria mais agudo em anos posteriores do reinad o. •

VII

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32. A imagem do fabricante da imagem. Rttrato dt harlts Ltbrun de Nicola., de Largillicre,1686. Louvre, Pari .. Lebrun e >lá apontando para a pintura reproduzida na Figura 25

A R ECONSTRUÇÃO DO SISTEMA

Venez voir desanné ce modele des Rois,Peuples qu il a vaincus sur la Terre et sur "Onde,

Vous tous que son seul nom fit trembler tant defois,Quand s<'n bras Iui pro met la conquêle du Monde. ·

e Clerc, madrigal sobre aestátua da Pla ce des Victoires

O tratado de Nijmegen f o i so lenem ent e pr ocla ma do em 29 d e setembro de1678 em 11 pontos de Pari s, ao so m de tambor es e tro mbeta s; em seg uida

houve salvas de canhão e queima s de fogos de artifício e o e D e um foi e ntoadona cidade e nas provín cias.' Seguiram-se tamb ém dez anos de r e lativa paz, em

que Luís pôde repousar em se us louros c recebe r a homenagem de se us súditos.Ce rtamente era difícil imaginar form as de louvação que já não tivessem sidoemp regadas a essa altura, mas a invenção de nomes de lugares em homenagemao rei merec e menção. A fortaleza cons truíd a e m Saarland na década de 1680 foic hamada de ..Saarlouis", para etenúzar sua memória (a cidade leva seu nome atéhoje, embora atualmente faça parte da Alemanha)-2 Foi tamhém nessa época, em1682, que o Cbevalier de la Salle deu o nome de ..Louisiarta" a parte do continentenorte-ameri cano.

década de paz permitiu também um gasto mais liberal de dinheiro com asartes. Fo i nesses anos, po r exemplo, que Versa illes foi reconstruído por Jul esHard ou in-Mansart e redecorado por Lebrun e seus co la borado res. O palácio foi

re mod e lado

porque sua função estavase

transformando. Foiem

1682que

aco

rtese mud o u oficialmen te para Versailles, juntament e com a administração cent ral.Luís continuou a passar parte de seu tempo em o utra s residê ncias, co mo Fontainebleau e Chambord, mas torn ou-se um tant o mais sedentári o após a morte de suaesposa em 168 3 e seu casame nto secre to com Madam e de Maintenon, algun sme ses mais tarde. Depoi s d morte d rai nha, a divisão do palácio em doi sapartamentos reais foi int e rrompida c os aposentos do rei foram localizados nocen tro.3

• Vinde ver desarmado este modelo dos reis./ Povos que ele venceu em terra e no mar [fados vós queapenas seu nome tantas veU5 fez trernerJQuando -.eu braço Lhe promete a conquista do mundo. (N.T .)

A FABRICAÇÃO DO REI

A imagem do sistema de Versailles, tal como reconstruído neste períodot i d i d f i q i f t i ã t id d g

A RECONSTRUÇÃO DO SISTEMA

Quase igualmente espetacular, segundo os contemporâneos, era a Esca-

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posterior do reinado, foi a que causou mais forte impressão na posteridade, graçasà famosa descrição feita por Saint-Simon, em suas memórias, do rei, da corte eda máquina, como a chamou.

O ano de 1683 marcou, além da morte da rainha, a de Colbert, a pess oa quemais fizera para criar um outro sistema, a máquina para a glorificação de LuísXIV, discutida no Capítulo IV. Sob o sucessor de Colbert, Louvais, também essesistema passou por uma reconstrução.

O P LÁCIO

A partir de 1675, quando foi designado arquiteto da corte, Jules HardouinMansart gozou de grande prestígio junto ao rei e serviu-lhe por toda parte. 4

Foi ele o principal responsável pela remodelação de Versailles, inclusive afamosa Grande Galerie, os Salons de Guerre t Paix e a Escalier des Embas-sadeurs. As decorações, obra de Lebrun e seus colaboradores, constituemprovavelmente a mais memorável versão da histoire du roi (Figura 32).Descrições dessas decorações publicadas no Mercure Galant asseguravam a

essa narrativa do reinado um público mais amplo que o dos cortesãos. Omesmo faziam os livros sobre este tema publicados por François Charpentier (da petite académie), por Pierre Rainssant (guardião das medalhas dorei) e mais tarde por Jean-François Félibien (filho do historiador dasedificações do rei).s

Originalmente, pensou-se numa temática mitológica para a Grande Galerie:a vida e os trabalhos de Hércules. É certamente significativo que a decisão, em1678, de substituir esse projeto pela história dos feitos do rei tenha sido tomadaem alto nível político, o do Conseil Secret. 6 Eram nove grandes pinturas e l8

menores, tratando da "história do rei da Paz dos Pireneus até a de Nijmegen". 7

Entre as pinturas grandes, oito foram dedicadas à guerra contra os holandeses,enquanto uma representava o início do governo pessoal (ver Figura 20), em queo rei, na flor de sua juventude, mirando a glória [ envisageant l Gloire] assumeo timão do Estado após seu casamento, e ... considera como fazer felizes seussúditos e humilhar seus inimigos". 8 0s eventos domésticos do reinado (a reformada justiça e das finanças, a proteção das artes, o policiamento de Paris, etc.)ficavam em segundo plano. 9 Para assegurar que os espectadores dariam àsimagens a interpretação correta, os pintores davam maior ênfase às inscrições. Aimportância que se atribuía a elas pode ser avaliada pelo fato de que as originais,feitas por Charpentier, foram mais tarde apagadas por ordem de Louvais, sob aalegação de serem demasiado "pomposas", e substituídas por textos mais simple sde Boileau e Racine. 1

·

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g p g plier des Ambassadeurs, a grandiosa escadaria construída para celebrar 0

retorno triunfante do rei de suas guerras e utilizada dali em diante em ocasiõessolenes, como a chegada de embaixadores para audiências com o rei. Essaescadaria, decorada na década de 1680 mas destruída no século XVIII, podeser reconstruída com base em descrições da época. 11 O tema central era, maisuma vez, o triunfo, enfatizado por muitos troféus e carros de guerra. Osinimigos da França figuravam sob as formas alegóricas de uma hidra e umpíton, mas brasões de armas não deixavam no espectador qualquer dúvidaquanto à intenção de aludir à Espanha ou ao Império. Baixos-relevos naescadaria representavam episódios famosos do reinado, entre os quais a reforma da justiça, a travessia do Reno, a subjugação do Franche-Comté e oreconhecimento da precedência francesa pela Espanha. Deixamos à imaginação do leitor quais terão sido os sentimentos dos embaixadores espanhol,holandês e imperial ao subir essa escadariaY O Salon de Guerre reforçava aimpressão de triunfo. Seu famoso baixo-relevo de estuque, feito segundo umrelevo de mármore da autoria de Antoine Coysevox, mostrava o rei passandoa cavalo sobre dois cativos (Figuras 33 e 34).

A CORTE

Hoje o nome "Versailles" evoca não somente uma construção mas um mundosocial, o da corte, e em particular a ritualização da vida cotidiana do rei. Os atosde levantar de manhã e ir para a cama de noite foram transformados nas cerimônias do lever e do couclzer - sendo a primeira dividida em duas etapas, o petitlever, menos formal, e o grand lever, mais formal. As refeições do rei tambémforam ritualizadas. Luís podia comer mais formalmente (o grand couvert oumenos formalmente (o petit couvert , mas até as colações menos formais, o tresp tit couvert, incluíam três serviços e muitos pratos. 3 Essas refeições eram

encenações perante uma audiência. Era uma honra ser autorizado a ver o reicomer, honra ainda maior receber uma palavra sua durante a refeição, honrasuprema ser convidado a servi-lo ou a comer com ele. Todos os presentesusavam chapéu, exceto o rei, mas o tiravam para falar com este quando lhesdirigia a palavra, a menos que estivessem à mesa. 4

Como assinalou o sociólogo Norbert Elias, numa argumentação paralelaà de Marc Bloch sobre o toque real, esses rituais não devem ser desprezadoscomo meras curiosidades. Deveriam ser analisados pelo que podem nos contarsobre a cultura circundante- sobre a monarquia absoluta, a hierarquia social

· e assim por diante. 15 Seria sensato ampliar essa abordagem a todo o resto davida cotidiana do rei - sua missa diária, suas reuniões com seus conselheiros,

R ECONST R UÇ O DO S I S T E M

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33. Luis XIV pisa sob rt St US mimtgos de Ant oine Coysevo x. r elevo em es tuqu e, 1681 Cbflteau deVersai ll es

34 Bu\to tlt Lu · dl• AntnJnl C o y ~ c v o xmármore . c.l686. ThcW . ~ l l c ~ ~ · ~C u l l ~ ~ o : l i u nL . m J r ~· . .

c até suas a m p an h a~ suas ex pcdiçôcs de.: caça c sua s ca minhada s por se us jardins.Talv e t se pen se qu e es tend er a ss tm a análise se ria diluir o termo ~ r i tu a l -até

esvaziá-lo da maior parte d e : .c u sen tid o. No e ntant o, os obse rvad o res reg ist ravam

que todos os atos do rei eram plan eja dos...até o mínimo gesto-. Os mesmos

eventos se produdam tod os os dia s nas m es mas horas, a tal X)nto que uma pessoapoderia acertar se u rel ógio pe lo rei. 6

Ha via norma s formai s para n parti ci pa ção nesse espetáculo - qu em linhadireito a ve r n re i, a que hora s c em que part es da cor te se tal pe ssoa podia sese ntar numa ca dei ra ou num tamborete (ralx>urerj ou tinha qu e perman ecer depé . 11 A vida diária do rei cm n punha -se de ações qu e nã o eram s imple sm e nt ereco rrent es ma s carr eg ada s de se ntid o s imbóli co, porque eram desempenhada::.em públi co po r um ator cuja pessoa c ru :.ag rada . Luí s esteve no pal co durante

quase toda a sua vida v igil. Os obje tos materiais mais intimament e assoc iados aorei também se to mavam sa grado s po r sua vet porque o represen ta va m . Assim,

A FABRICAÇÃO DO REI

era uma ofensadar as costas ao retrato do rei (p. 20), entrarem seu quartodedormir vazio fazer uma genuflexão ou conservar o chapéu na salaq a

A RECONSTRUÇÃO DO SISTEMA

uma conclusão segura está fora de cogitação. Uma conclusão hipotética,que reúneos fragmentos explicação coerente poderia ser a seguinte Aid cotidiana

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dormir vaziosem fazer uma genuflexão ou conservar o chapéu na salaem que amesa estava posta para o seu jantar.8

Idealmente, a análise sociológica da ordem na corte deveria ser acompanhada por uma história da criação e desenvolvimento dos rituais. Não devemospresumirque tivessem estado lá o tempo todo, por mais difícil que seja agoraimaginar Luíssem eles. A questão de sua origem é tão óbvia quanto negligenciada, fácil de formular e difícil de responder. O que se poderia chamar de a

invenção da tradição de Versailles permanece obscuro.19 Teriam os rituaisdomésticos começadoem 1682, quando Luís passou a residir permanentementeno palácio?Que acontecia em suas visitas anteriores a Versailles, ouem visitasposteriores a outros palácios? Era o próprio rei quem criava seus rituais,eramestes obra de seus conselheirosou de seus mestres-de-cerimônias, ou seguiam defato a tradição? Foram criados por razões políticas?

Dada a importância desses rituais diários na construção da imagem de LuísXIV, vale apena resumir o quese sabe a respeito. Quase todos os documentosvêm de um período relativamente tardio do reinado. A descrição mais completa,mais expressiva e mais freqüentemente citada do que o autor chamaa cascaexterna da vida deste monarca[l écorce extérieure de la vie de ce monarque] é

encontrada nas memórias de Saint-Simon. Essa seção particular das memórias foiprovavelmente escritajá na década de 1740, mas o autor se vale de suas recordações da década de 1690, quando foi um dos cortesãos de Luís.20 Outra narrativavaliosa desses rituais, embora menos detalhada, foi feita por Ezechiel Spanheim,embaixadordo Eleitor de Brandenburgo, numa descrição da corte de França[Relation de la cour de F rance] escrita paraseu senhor em 1690. ComoSpanheim foi embaixador durante toda a década de 1680, o fato denão ter feitonenhum comentário sobre mudanças que teriam ocorrido em 1682 ésemdúvida significativo.

Tanto Saint-Simon como Spanheim descrevem o sistema como um todo.Osdocumentos anteriores a 1690, no entanto, são mais fragmentários. Lamentavel

mente, o prolífico Dangeau só iniciou seu diário em 1684. Em suas memórias doano 1674, o nobre italiano Primi Visconti fez uma breve descrição dopetitcoucher do rei, manifestando sua surpresa por ficar o rei cercado por seuscamareiros fidalgos até quando estava na privada[instai/é sur sa chaise percée 1

Em 1671,um ex-diplomata, Antoine Courtin, publicou um livro de etiquetaqueincluía instruções sobre o comportamento em Versailles.22 O embaixador doduque de Savóia observou a multidão que assistia ao/ever real no Louvreem1661.23 Embora as cortes de Henrique IV e Luís XIII pareçam ter sido bem maisdescontraídas que a corte da Espanha (abaixo,p. 192), pode-se perceber tambémnelas certo grau de formalidade.

Dada a precariedade de fontes sobre a invenção da tradição em Yersailles,

os fragmentosnuma explicação coerente poderia ser a seguinte. Avida cotidianado rei já era ritualizadaem grau considerável antes do iníciode seu governopessoal, mas a partir dalios rituais tomaram-se mais elaborados, porumaadaptaçãodo modelo espanhol às circunstâncias francesas. O interessedo rei peladança epelo espetáculo e o papel de protagonista que tomou nesses rituaistomamprovávelque as mudanças feitasem suas coreografias tenham sidoda autoriadopróprio Luís,ou pelo menos supervisionadas de perto por ele. O cenáriocada vezmais elaborado para a vida cotidiana construídoem Versailles tornou esses rituaismais fascinantes e também mais rígidos, ajudando a dar a impressão deumaengrenagemde relógio.

Uma mudança importante na rotina da corte pode ser datadacom relativaprecisão. Apóssua mudança para Versaillesem 1682, o rei passou a receber opúblico (isto é, as classes altas)em seus aposentos três vezes por semana,paradivertimentos como jogos de carta ou bilhar,em que o Rei, a Rainha e toda a

Família Real desciam de suas alturas parajogar comos membrosda reunião .24Esta descrição oficial da nova instituição,os appartements, sugereque a intençãoera demonstrar a acessibilidade do rei aos seus súditos, tema enfatizadoemmedalhas e nas memórias reais (acima, p. 73).

0 ORGANIZADOR

Outras mudanças na apresentação daimagem pública do reiocorreram emmeados da década de 1680.É provávelque estivessemassociadas com a mortede Colbert e a ascensão de Louvais.Estes dois homens tinhamsido rivais delonga data, o primeiro preponderando nos assuntosdomésticos e o segundo napolítica externa. Amorte de Colbertem 1683 deu aLouvais a oportunidadede estender seu império sobre as artes. Ocargo de surintend nt des bâtiments

foi herdado pelo quarto filho de Colbert, o marquêsde Blainville,que foraeducado para suceder ao pai nessa posição. No entanto, orapaz não cumpriusuas tarefas a contento. 5 Em conseqüência, o rei permiti u aLouvais compraro cargo e assumir assim o controle nãosó das construções reaiscomo tambémdos Gobelins e das academias. Dentro depouco tempo Louvais começou adistribuir prêmios aos artistasem sua novacondição de protetor da AcademiaReal de Pintura e Escultura.26

Os efeitos dessa mudança de controle ocorrida em 1683 iluminam o funcionamentodo sistema de patrocínio da época. Talvez não seja de todo fantasioscompará-locom o spoils system dos Estados Unidos nos séculos XIX eXX, que

Prática dedar cargos políticos a adeptos de partidos vitoriosos. (N.T.)

FABRICAÇÃO DO REI

pode ele próprio ser visto como um remanescente de um estilo moderno anteriord t í i líti A i i l dif é é l XVII d d ê i

RI CONSTRUÇAO DO SISTEMA

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de patrocínio político. A principal diferença é que no século XVII , dada a ausênciade partidos polítkos formais, o sistema era mais arbitrário (ou mais flexível). Obig man tinha a liberdade de esco lher, podendo substituir ou não os que jádetinham cargos.

A mudança na surintendance representou uma ameaça para a posição deLebrun, que, como vimos, e ra um homem de Colbert, ao passo que Louvaisprotegia seu rival, Mignard . Lebrun não perdeu seus cargos oficiais, mas perdeua influência . Outro homem de Colbert posto de lado por Louvais foi CharlesPerrault, que perdeu se u lugar de membro d petite académie e seu posto decommis des bdtimems. 21 O novo conrrôleur des bâtimems- e secretário da petiteacadémie - era um protegido de Louvais, o sieur de La Chapellc. Ocorre ramconflitos ent re La Chapcllc c Lcbrun. 28 Outros antigos protegidos de Colber tperderam seus cargos. Pierre de Carcavy perdeu o controle da Académie desSciences e da Biblioteca Real, enqua nto André Le Nôtre foi obrigado a se

aposentar.Pierre Mignard constatou que finalmente chegara a sua hora. Havia sido

encarregado de pintar a Pctite Galerie em VersaiJles, recebera um títu lo denobreLa e, quando da morte de Lebrun, em 1690, tomara se u lugar como

premiu peimre du roi. O escultor Pierre Puget, que, após embates comColbert, fora excluído das graças desse ministro durante anos, recebeu novaoportunidade. Outro protegido de Louva is, Jean Donneau de Visé, editor doMer cure Calam ganhou uma pensão regular do rei nessa época. O crítico dearte Rog e r de Piles, mais um homem de Louvais, foi enviado à Repúbli ca

Holand esa tanto para espionar como para comprar pinturas para o rei. Osholandeses o descobriram sob seu disfarce e foi na prisão que Pile s teve tempopara escrever um de seus l v r o s ~

Mai s importante que a mudança de pessoal foi a mudança de programa, ou,mais exatamente, a mudança de estratégia, poi s o objetivo final de glorilicar o reipermaneceu o mesmo. Em seus oito anos como surimendam des b d t i m e m ~

Louvots deu a sua nota promovendo uma série de projetos grandiosos. Duplic ouas despesas com Versaillcs. 30 Planejou a construção de edifícios na Pla ce Yendômc para abrigar a Biblioteca Real c todas as academias. Emb ora tenha impedidoa conclusão do projeto de Colbcrt e Lcbrun para um monumento u Lui s do ladode ft)ra do Louvre, Louvois apoiou em J685-6 a chamada campanha das

estátuas··, em outras palavras, a idéia de encomenda r uma série de quase 20estátuas do rei, em geral a cavalo, para serem instaladas em praças públicasde Paris c de c i d a d e ~da província: Aix, Angers, Arles, Besançon, Bordeaux,Caen, Di jon, Grcnoblc, Lc Ha vrc, Limoges, Lyon (Figu ra 35), Marselha,Montpclhcr, Pau , Pollicrs, Rcnne.,, Tour :> e Troyes. Algumas dessas estátuasnunca foram erguid as (Bcsançon. Bordcaux, Grenoble). e out ras só o foram após

35. Luis nas prov1ncias.

Maqu ete da estátua paraa Plaa Royale Lyon. deFrançois Girardon, cera,c.l687. Yale Universny ArtGatlery,doaçãodoSr. e Sra.James W. Fosburgh, 8. A.1933

a morte do rei (Montpellier, Renne s). Mesmo assim, a escala da operação continuaimpressionante , evocando mais imperadores romanos como Augusto que monarcas modernos.

O descerramento (talveL devêssemos di7er a 'consagração.) de cada um

desses monumento s à glória do rei era por si só um motivo de celebração. Aestátua de Caen, po r exemplo, foi so lenemente inaugurada no dia do aniversáriodo rei, em 1685, com um desfile, discu rsos, trombetas, tambore s, sinos e umasa lva de a rtilharia. A própria inauguração foi descrita tanto num panfleto como

na GQ .etre e no Mercure Galanr.nEm 1686, o Mer cure Galant noticiou que .. há por toda parte pressa em

lhe erguer estátuas . [011 s empresse en tous lieux d luy dresser des statues]. 33

Na maioria, eram estátuas eqüestrcs, mas algumas mostravam o rei de pé.mais espetacular foi a feita por Martin Desjardins para a Place des Victoire s,uma imagem do rei de pé em se us trajes de coroação, com quatro metro s de

RECONSTRUÇ O DO S I STEM

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36. Luis vitorioso. Estátua deLuís XIV na Praça das Vit6riasParis, feita por Desjardins, gravurade Nic olas Amou h, c 1686. Muséede la Ville de Paris, Musée Camavalet, Paris 38. Luís vitorioso. Vista da Praça das

Vitórias frontispício e Nonhleigh, To-pographical Descriptions 1702. Bntish Library, Londres

altura, pisando Cérbero c coroado pela Vitória, kuma grande mulheralada bem junto às suas costas, erguendo uma coroa de louros sobre acabeça do rei (Figuras 36,37 e 38). 4 A base da estátua exibia a dedicatória

ao homem imortal [VIRO IMMORTALI] e o pedestal de mármore trazia uma

inscrição que listava os dez maiores feitos do reinado. O comp lexo incluía

quatro cativos de bronze, seis baixos-relevos ce lebrando os mais gloriosos

eventos do reinado e quatro colu nas sustentando tochas que eram acesas todas

as noites. 3

O descerramento dessa está tua teve a devida magnificência, com desfiles,discursos, salvas, música e fogos de artifício. 36 Em 1687, no dia de são Luí s,outra estátua do rei de pé teve se u desvelamcnto celebrado; esta foi erguida navelha praça do mercado de Poitiers por um escuhor local, Jean Girouard . l ' Nomesmo ano, em uma de suas rara s visitas a Pari s, Luís foi ver sua estátua na

A FABRICAÇÃO DO REI

Place des Victoires, tendo ido também à Place Vendôme, pára a qual nova estátuaestava planejada Os dois escultores Desjardins e Girardon estavam de pronti

A RECONSTRUÇÃO DO SISTEMA

Louvais tentou promover a glória do rei também por meio de publicações,numa esca la tipicamente grandiosa. Algumas estavam associadas à Académie des

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estava planejada. Os dois escultores, Desjardins e Girardon, estavam de prontidão 38

A idéia original da campanha das estátuas parece ter sido do arquitetoreal Mansart, e a mais espetacular delas, a da Place des Victoires, foi encomendada por um particular, o marechal Feuillade (o duque de Richelieu encomendouuma outra para seu castelo em Rueil). Sem o apoio de Louvois, no entanto, essesprojetos não teriam tido possibilidade de sucesso. Quanto às estátuas na s províncias, suas inscrições sugerem que foram encomendadas localmente, pordevoção espontânea ao rei, impress ão que é reforçada pelo Mercure Galant. ACidade de Grenoble , por exemplo, é citada como encarregando seus anciãos derogar humildeme nte a Sua Majestade permissão para erigir-lhe uma estátua em suapraça principal . 9 Assim também, A Cidade de Caen não desejou ser a última amostrar sua dedicação erguendo uma estátua a Sua Majestade . Marselha també mpediu uma estátua. 4

Há sinais, contudo, de que essas demonstrações de lealdade nada tinham deespontâneas. Através de intendants governadores provinciais e outros funcionários, as municipalidades e Estados provinciais eram incentivados, quando nãoobrigados, a fazer esse gesto. Em Caen, por exemplo, foi o intendant Barrillonquem tomou a iniciativa, em Grenoble o intendant Lebret, no Havre o duquede Saint-Aingnan, e em Rennes o duque de Chaulnes. Por sua vez, dificilmenteesses funcionários teriam feito tal sugestão em diferentes províncias ao mesmotempo sem ordens de ParisY Até as inscrições e outros detalhes de alguns dosmonumentos à glória de Luís eram definidos pelo governo central. Em Arles,a inscrição pensada pela academia local foi substituída por outra compostapelo historiador oficial Pellisson. Em Dijon, Mansart insistiu em acréscimosque os Estados locais não haviam planejado. No caso de Lyon, foi Pontchartrain (responsável pela petite académie após a morte de Louvais) quem interveio para definir a inscrição. 42

A crescente preocupação do governo central com a imagem do rei nasprovíncias merece alguma ênfase (abaixo, p. 167-8). Já se assinalou que acampanha das estátuas se concentrou nos chamados pays d États (Normandia, Bretanha, Artois, Borgonha, Languedoc e Provença), os últimos a serincorporados à França e os que mais independência preservavam. Quase aomesmo tempo, deu-se a fundação de instituições provinciais segundo omodelo parisiense, desde a academia real de Nimes até a ópera deMarselha (abaixo, p. 166-7). Até certo ponto, a nova consciência, por partedo governo, da necessidade de cultivar a opinião pública nas provínciaspode ter sido uma reação à rebelião dos camponeses bretões em 1675 (pelaqual se culpou a elite local).

esca la tipicamente grandiosa. Algumas estavam associadas à AcadémieSciences. 43 Outro projeto iniciado por Louvois (ou pelo menos reati vado por ele)esta va mais diretame nte ligado à imagem de Luís XIV: a história metálica . Ahistória metálica (ou em medalhas) foi planejada como uma narrativa do reinadoem forma de livro, com gravuras de todas as medalhas cunhadas para comemorareventos particulares, dispostas em ordem cronológica e acompanhadas de umtexto explanatório. O interesse do ministro por esse projeto é revelado pelaampliação, em 1683, da petite académie, encarregada de compor as inscriçõespara as medalhas reais, e pelo fato de um dos novos membros (além de Boileaue Racine) ser o numismata Pierre Rainssant, um protegido de Louvais cujadescrição de Versailles já foi mencionada neste capítulo. 44 Em seus últimos anos,quando a guerra eclodira novamente, Louvois controlava de perto o modo comoela era reportada na Gazette criticando alguns artigos e corrigindo os originaisde outros. 4

'

Como na época de Colbert, o trabalho em equipe era importante. Ao mesmotempo, talvez não seja enganoso sugerir que os projetos desse período refletemmais a personal idade do ministro (áspera, brutal, com tendência a ir longe demais)que a do monarca. As mãos são as mãos de Desjardins, Mignard, Rainssant e

outros, mas a voz é a voz de Louvois.

Os EVENTOS

Tônica semelhante pode ser detectada nos eventos celebrados nessa década,embora ela tenha transcorrido em relativa paz. Entre os episódios escolh idos paracomemoração estavam duas operações navais, dois incidentes diplomáticos, orestabelecimento do rei após uma doença e, dominando de longe tudo o mais, aRevogação do Edito de Nantes.

As ações navais foram o bombardeio de Argel, em 1683, e de Gênova,em 1684. A primeira cidade (parte do Império Otomano) foi atacada porqueacolhia piratas em seu porto, e a segunda (ainda uma cidade-Estado independente) porque seu governo permitira a construção de galés para a marinhaespanhola. O modo como esses acontecimentos foram representados nas medalhas cunhadas para comemorá-los nos revela muito sobre as atitudes oficiaisda época. Uma trazia a inscrição Argel fulminada [ALGERIA FULMINATA]

(Figura 39), implicando uma analogia entre Luís e Júpiter (freqüentementerepresentado por um raio) (Figuras 40 e 41), o que é explicitado, por exemplo,nas pinturas de Lebrun em Versailles. A inscrição da outra era A Áfricasúplice (AFRICA SUPPLEX]. 46

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39. fgeria Fulmmatu vcrl oO c reverso de medalha, gravura extraída de Médai/les 1702. Brillsh

Library, Londres

40. e t d e l ~ r g aFulminata desenho a bico de pena para uma medalha, extraído de ·Projch

A v o n t 11\04 A i l l lP li l h h 41 11 l fl h l l 11 f l l lf T d d

A RE CONS TRUÇA O SISTEMA

Em duas medalhas diferente s do bombardeio de Gênova, um ladoexibe a inscrição ~ r i o sfulminam os orgulhosos [VIBRATA IN SUPERBOS

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42. Gênova Corrigida. Genua Emendara de François Chéron, reverso de medalha, 1684. Department of Coins andMedals, Brilish Museum, Londres

43. O doge de Glr10va em Vusailles de Claude Hall é, óleo sobre tela, 1685. Musée Cantini,Marselha

ç gFULMINA), e O outro ..Gênova corrigida (ou punida) [GENUA EMENDATA)

(Figura 42).• 7 É a expressão máxima da linguagem do paternalismo. Estadosindependentes como a república genovesa eram representados pelos artistase escritores oficiais franceses como criança s, a serem castigadas por seuserros.• 8

Como para pôr sa l na ferida, obrigou-se o doge d e Gênova a ir pessoalmentea Paris para apresentar suas desculpas, ou, como a Gazette o expressou, paraapresentar sua rendição a Luís [faire des soumissions au o y] como o fizera oembaixado r algeriano (e como o tinham feito também os enviados da Espanha edo papad o, em fase anterior do reinado, por ocasião dos episódios da carruagemdo embaixador e dos guardas córsicos). O doge chego u a Versailles com quatrosenado res e fez um discurso de desculpas durante o qual tirava o chapéu cada vez

que pronunciava o nome do ret. Tendo Luís aceitado genúlmente as desculpas, eo doge saído, não sem fazer três profundas re verê ncias, os genoveses foramagraciados com um jantar, presentes, e levados a um passeio por Versailles.• Sua

ren dição foi repre sentada e comemo rada n ão só em ornais e revistas, mas também

numa pintura de Claude Hall é (Figura 43), numa tapeçaria executada nos Gabelins e em medalhas com inscrições como ..Gênova se submete [OENUA OBSE

QUENSJ.'0

Uma embaixada que recebeu atenção quase tão grande dos meios de comunicação foi a 'dos mandarins enviados pelo rei do Sião' ' (1686), sem dúvidaporque ref orçava a afirmação de que Luís era ..o maior monarca do mw1do .Quatro números especiais do Mercure Galant foram dedicados a essa visita e àadmiração ao rei expressa pelos visitantes. É certamente significativo que os

siameses tenham sido levados para visitar os Gobelins e a Academia Real dePintura e para ver várias obras de arte, entre as quais a História de Alexandre deLebrun. Por sua vez, a embaixada foi representada em pinturas e gravuras (Figura

44), em baixos-relevos e medalhas. si

A REVOGAÇÃO

Do ponto de vista das representações, todos os out ros eventos do períodoforam ofuscados pela Revogação do Edito de Nantes. A decisão do rei dedeclarar ilegal o protestantismo, que obrigou cerca de 200 mil franceses,homens e mulheres, a emig rar, tem sido muito discutida pelos historiadores .O ponto a ser enfatizado aquj é o volume dos comentários favoráveis nos meios de

RECONSTRUÇÃO DO SISTE M

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44 . O mundo presta homenagem a Luís. O rei dá a11dilncla à embaixada siamesaextraído do Almanaq11e para o ano 687 . Blbliothêque National e Paris

45. Luís como defen_< Or da fr.Alego ria du re\ g açã o do Edito de Nanres de Guy - L0ub Vcmansclc. 16S5

comuni cação da época. Algun s dos comentários podem se r qua l ificados de obrado governo para celebrar-se a si m es mo mas outros vinham de co rporaçõesexternas como os jesuítas ou o cle ro sec ular . Para co nsiderar as repr esen taçõesda Revogação na época em maior detalh e c abe lembrar que a imag em de Lui sXIV nã o emanava co mo a luz do so l de um únic o ce ntr o. Era a produção co njuntade escritores arti s tas e patrocinadore s oficiais c não-oficiais.

No tocan te às repre se ntaç ões oficiais do even to poderíam os começar comos jornai s, especialmente o Mer cure Gaiam qu e dedicou enorme espaço ao

assunto . O s leit o res já tinham sido preparad os para a notí ci a por notícias anteriores de conversões de prote stantes eminentes que sugeriam que se u ..partido··eslava se enfraqu ece nd o por s i mes mo sem que se tivesse usa do de qualquerviolência .s2 Cada pas so e m direçã o à Revogação fo i aco mpanh ado pe lo aplausoao ..ze lo cri stianíss imo de Sua Maj cs tad c.s1 Quando a n o tícia d o edito rea l

A FABRICAÇÀO DO REI

finalmente chegou, foi reportada com poucos comentários.54 m números subseqüentes, porém, concedeu-se grande espaço a poemas que congratulavam o rei

l d t i ã d i l t h i

A RECONSTRUÇÀO DO SISTEMA

ri oresao edito como incentivos dos jesuítas à campanha anti protestante. Exemplodisto éConstantin: le t riomphe de l religion (encenadoem 1681, o anoem que

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pela destruição da insolente heresia:

Destruirel'Herésie insolente e rebelle,C'est l'unique Triompheou prétend ce grand Roy.Quel autre peu t donner une gloire plus belle?55 •

As representações oficiais incluíram também medalhascom inscriçõescompostas pela petite académie, comoa religião vence [RELIGIO VICTRIX],aheresia é extinta [EXTINCfA HAERESIS],Templos calvinistas destruídos[TEMPUS CAL VINIANORUM EVERSIS]ou Dois milhões de calvinistas retomam à Igreja(VICIES CENTENA MILLIA CALVINIANORUMAD ECCLESIAM REVOCATA](ver Figura58).56 A estátua de Luís feita por Desjardins para a Place des Victoires incluíaumbaixo-relevoda Revogação. A Académie Royale de Peinture escolheuo triunfoda Igreja e a heresia pisoteada como temas para pinturas oficiais.Uma pinturade Louis V emansel (que ingressou na Académieem 1687) ilustra o seg undotema(Figura 45). A Igreja, apresentada como uma mulher, é defendidapor Luís,enquanto hereges fogem ou tombam no chão. Philippe Quinault encerrouumacarreira de20 anos como libretista para os balés da corte e óperascom umaepopéia intituladaL hérésie détruite, enquanto Charles Perrault escreveuuma odeaos recém-convertidos , congratulando-se com eles ecom seu magnânimomonarca.5 7

A Revogação foi celebrada também pelo clero, como era de esperar,já quealguns de seus membros haviam pressionado o rei a fazê-la. De fato, afirmou-seque nessa ocasião o clero fezde Luísum instrumento para seus próprios fins.58

O mais famoso elogio do rei por essa ação específica éum sermãode Bossuetpronunciadono funeral do ex-ministro MichelLe Tellier, em que Luís foiqualificado como este novo Teodósio, este novo Marcial, este novo CarlosMagno .59 Os jesuítas,em particular, desenvolveram este tema. Philibert Quartier, professor no colégio jesuíta deParis- cujo nome fora recentementemudadopara Louis-le-Grand - produziuum panegíricodo rei por ter extinto a heresia[pro exti ncta haeresi]. O tema do balédo colégioem 1685 foi Clóvi s , o Reiqueimplantou o cristianismo na França. Dois anos mais tarde, outro jesuíta, GabrielLe Jay, escolheu O Triunfoda religião como tema deum panegírico, inscriçõese emblemas.6° Comos olhos de hoje, podemos interpretar balés e orações ante-

Destruir a heresia insolente e rebelde,/ É o único triunfo que pretende esse grande Rei./Qu eoutrolhe pode dar glória mais bela? (N.T.)

Estrasburgo retomou ao catolicismo à força) eLudovicus Pius ( Luís, o Piedoso )(1683).6

Dentro e fora da França, a Revogação suscitou outras reações, muito menosfavoráveis. Retrospectivamente, fica claro que esse ato foi mais prejudicial quebenéfico à imag em do rei. Nos anos posteriores do reinado essa imagem ficariaainda mais empanada.

V

o ó R S O

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46. Luís cnvclhcctdo RetriJ/o de uis XI V de Antoine Benoisl, cera e outras s u ~ t à n c i o . . . .1706.Cbãtcau de Vc,...aillcs

o ó R S O

Si l'affaire de Hochstetlui a été plus desavantageuse qu'à ses Ennemis,en ce que ses Troupes ont été obligées de leur céder Ie cbamp de Bataille,

ils ont perdus beaucoup plus de monde que Iu i :

t cure Ga/ant outubro de 1704,sobre a batalha de Blenheim

E m 1688 Luis X IV tinha 50 anos. Estava no tro no hav ia 45 anos e governarapessoalmente du ran te 27. Pelos padrões do século XVI I, era um homem

velho. Ninguém teria adivinhado que seu reinado ainda duraria mais de um quarto

de sécu lo. O rei não estava em boa forma física e fora ob rigad o a se submeter aduas cirurgias no final da década de 1680. A primeira acarretou-lhe a perda damaior parte dos dentes. A segunda operação, mais séria, destinou-se a curar umafístula - d o e n ç a designada nos círculos oficiais por eufemismos como .. ncômodo

[incommodité] ou Mindisposição" de Sua Majestade; MIJe de Scudéry escreveu ummadrigal sobre a indisposição de Sua Majestadc". 1 m conseqüência de suas

doenças, Lu ís tomou-se mais sedentário. Na ve rdade, após levar a co rte constgo para

o cerco de Narnur, em 1692, o rei desisliu por co01pleto de partir em campanha ).Quanto mais a gota o atingia, mais imóvel Luís se tomava. Em seus últimos

anos, era vi s to por ve1es numa cadeira de rodas (sua roulene no palácio c nosjardins de Versailles. Ainda se preocupava com a auto-apresentação- em 1704,resfriou-se um dia porque levara tempo demais para decidir qual de suas várias

perucas usaria - mas estava começando a evitar as aparições p ú b l i c a s ~Ocouc/1er público foi abolido em 1705, c representações do corpo devastado do reitornaram-se menos freqüentes após o famoso retrato pintado por Rigaud em 1701(ver Figura I) c a imagem de cera feita por Benoist em 1706 (Figura 46).

Também na política havia uma tendência declinante. A segunda metade dolongo período de governo pessoal foi menos bem-sucedida que a primeira. Foium período sem paz nem vitórias. A orgulhosa divisa não inferior a muitos , NEC

* Se o episódio de H o c h ~ t i i d tfoi rnai > de:.vantajoso para ele que para seus inimigos, já que sull >tropas foram obrigadas a lhes ceder o campo de hatalha, este:. perder.m1 muito mais gente que ele:.N.T.)

A I ABRICAÇAO DO REI O POR · DO·SOL

o marquês de Torcy, so brinho do famoso Colbert, que se tomou ministro das

Relações Exteriores em 1696, cujas responsabilidades incluiarn o zelo pelaimagem pública do rei no estrangeiro especialmente durante a Guerra da Suces

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47. O moto de Luís: ~ ã oInferi or a M u j to s ~ Nec Pluri-bus Impor reverso de medalha de Jean Warin , 1674.Cabinct dcs Mêdaillcs, Bibliothêque Nationale, Pari s

PL URIBUS IMPA R (Figura 47), devia parecer cada vez mais inadequada numa épocaem que a França era incapaz de derrotar a Grand Alliance de seus inimigos. Aguerra da Liga de Augsburgo durou de 1688 a 1697 e a da Sucessão ~ p u n h olade 1702 a 171 3. Foram guerras caras, que deixaram o Estado atolado em

dívida<; e que, a despeito de êxitos isolados, especialmente no primeiro caso,pouco acrescentaram à glória do rei. Este foi tanto o julgamento dos contemporâneos de Luís, franceses c es trangeir os, como o veredicto de historiadoresposteriores.

Por estas razõ es,os

últimos 25 anosdo

reinado podem ser qualificadosde

o ocaso real. Será necessário, portanto, examinar, até mai s atentamente que

antes, possíveis discrepâncias entre a imagem pública do rei e a realidade tal co mose us contemporâneos a percebiam para descob rir como os fabri cantes da imagemlidaram com esse problema.

Nesse período difícil, faltou a Luís o conselho c o apoio de ministros docalibre de Lionne, Le Tellier e Colbert. A última das figuras de peso, Louvois,morreu em 1691. Funcionários como Villacerf (um membro do clã de Colbcrt quese tornou surintendant des bâtimellts em 1691 mas demitiu-se em I 699 após

um escândalo financeiro) ou Pon tchartrain (sucessor de Louvois na direçãodas academias) não eram do mesmo naipe. Provavelmente o mais hábil deles foi

imagem pública do rei no estrangeiro, especialmente durante a Guerra da Sucessão Espanhola. 3 A atenção que Torcy dedicava a distrib uir pensões a escri tor es eacademias (fundou uma academia de política) sugere um retomo deliberado aos

programas do tio.Os artistas e escritores que criavam essa imagem eram também men os

categorizados que antes. Não havia novos Moliêre ou Racine, apenas drama

turgos de menor calibre, como a Chapelle. Essa escassez de talento levouhistoriadores a falar de uma crise da literatura francesa nesse período} Não

houve substituição efetiva de Lully (que morreu em 1687) ou de Lebrun (quemorreu em 1690). As novas decorações de Versailles, Marly e o GrandTrianon foram obra de talento s me n o res, como René-Antoine Houasse (umex-protegido de Lebrun), Noel Coypel, Charles de Lafo sse, Jean J ouvcnete François Desportes .5 O escultor Girardon permanecia ativo, mas desde1700 perdera as boas graças do rei e de todo modo já tinha mais de 70 anosnessa altura. A Revogaçã o do Edito de Nantes provocara a emigração dealguns artistas que serviam ao rei, como Daniel Marot, que passou a servir

Guilherme de Orange.

Espetáculos magníficos con tinuaram a ser apresentados na co rte , até queas mortes do Delfun e do neto de Luís, o duque da Borgonha, os tomaram

impróprios; eram, porém, obra de figuras relativamente menores, co mo os

compositores André Destouches e Michei-Richard de Lalande, ou o poetaAntoine de Lamolte. Racine viveu até 1699 e Boileau até 171 L mas o primeiroparara de escrever para o teatro público, ao passo que o trabalho do segundojá não tinha a mesma qualidade. O mais bem-dotado escritor da nova geração,Jean de La Bruyêre, tecia eventualmente louvores ao rei e às suas políticas. 6

Era mais conhecido, no entanto, como um criti co da corte de seu tempo.Restava o arqulteto Jules Hardouin Mansart, nomeado surimendaiLf des

bâtiments em 1699, o escultor Antoine Coysevox, que se tomou diretor daAcademia Real em 1702 , e o pintor de retratos Hyacinthe Rigaud , nobilitado em

1709. Estes três homens eram artistas bem -dotados, mas não substituíam a plêiadede talentos que outrora servira ao Rei Sol.

O patrocínio da corte e o patrocínio oficial - catego rias que se sobrepõem,mas não coincidem - foram se tomando cada vez mais fragmentados. As cortes,que poderíamos chamar de satélites , dos duques da Borgonha e de Orléanstomaram-se centros cada vez mais imp ortant es de patrocínio tanto da pinturacomo da música. Após a morte de Louvois, a responsabilidade pelas construçõesreai s e pelas academias reais foi dividida, o que privou a petite académie de seuvínculo anterior com a arquitetura e levou-a a se concentrar ainda mais emmedalhas e inscrições.

A fABRICAÇÃO DO REI

De todo modo,os problemas financeirosdo Estado limitavam naturalmenteseu patrocínio. O perí odo 1689-1715 poderia muito bemse r qualificadode .. aGrande Compressão .. A decisão de funclir os acessóriosde prata de Versailles

O POR.OO .S O L

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Grande Compressão .. A decisão de funclir os acessóriosde prata de Versaillesem 1689é apenas o exemplo maisnotório do impactoda guerrasobre as artes. Aconstruçãoe decoraçãode Versailles foram interrompidas por algum tempo.Coma morte de Louvois,o trabalhode reconstrução daPlace Vendôme foi interrompido por ordem do rei. O pagamento de pensões foi suspenso,bem como asatividadesda imprensa real. A história metálica foi acliada, enquanto a Academia

de Ciências teve de abandonar algunsde seus mais prestigiosos projetos,como aHistoirt u plantes. 7

Focalizando com mais precisão a imagemdo rei em sua velhice, estecapítulo vai se concentrarem dois temas: arepresentação das guerras num períodosem vitórias e a realizaçãode dois grandes projetos para a glorificaçãodo rei, aestátua colossal para a Place Louis le Grand e a hi stória metálica oficial doreinado.

ÜPERAÇOES MILITARES

Os episódios da guerra da Ligade Augsburgo, que durou dez anos, 1688-97,foramcelebradosem prosae verso,mas nãona escaladas décadasde 1660e 1670.Thomas l Herault de Lionnere publicou uma históriados eventos militares de1689 na forma de um panegírico. Boileauescreveu uma ode sobre a tomada deNamur, que foi comemoradatambémem pinturas e gravações.• Essesep isódiosforam exaltadostambém por nada menos que 45 medalhas. Destas, 16 represe ntam batalhasem terra ou no mar, entre as quais Flerus em Flandres), Staffarde(no Piemonte), Leuze, Steinkirke, Pforzheim, Neerwinden, Marsagliae Ter.9

Vinte medalhas celebram a conquistade territóriosou a captura decidades, entreas quais Mon s, Nice, Namur, Charleroie Barcelona - sem contar a famosamedalhacunhada paracelebrara destruiçãode Heildelberge mais tardeeliminadaFigura 48) .1° O espectador é informadoda escala do teatro de operações nesta

..primeira guerra mundial. como um historiadorrecentemente a qualificou,pormedalhas da tomadade Cartagena,na Américado Sul, e da derrota de uma frotainglesa no Canadá.

Ao mesmo tempo, a compa ração com campanhas anteriores sugere certadegradação das medalhas. Eventos relativamentepouco importantes eramcomemorados:um comboio de grãos salvo do inimigo, a marchado Delfim atéo Scheldt, ou o fracassode um bombardeio . inimigo para destruir Dunquerqu e[DUNKERCA JLLAESA), alvo da zombaria de Addison . De que se gabam osfranceses, se nada fizeramaqui? . ). 12 Chegou-se até a cunhar uma medalha quecomemorava a distribuição de medalhas a marinheir os franceses.

48. Osaquede Heidclberg. Heidelber g De/era de Jérõme Roussel, reverso de medalha,c.l690. DepanmenlofCoins and Medals, Brilish Museum, Londres

As medalhas d e d i c ~à Guerra da Sucessão Espanhola, 1702-J 3, revelam,por certos silêncios eloqüentes, que os negóciosda França não iam bem.Dozeanos de guerra geraramapenas 24 medalhas. Aolado da celebração de novevitórias em batalha c da tomada de 11 fortalezas inimigas, duasmedalhas sereferemà retomadade fortale1.as francesas(foulon e Landrecies), umareveladoraconfissão de que a França estava por vezes na defensiva.13 Duas medalhasreferem-senão a vitórias ou conquistas,mas meramenteàs ..campanhas. de 1712e 1713.1

De todo modo,os nomes das vitórias Luzara, Fridlingen, Ekeren. eassim pordiante) pareciamestranhos eaté vazios a qualquerobservador informadodos acontecimentos recentesem Blenheim 1704),Ramillies 1706), Oudenarde 1708)eMalplaquet 1709), combatesem que os exércitos comandados pelo duque deMarlboroughe o príncipe Eugcnede Savóia haviam derrotadoas tropas francesas.Malplaquetcustarade fato mais tropas ao inimigo que aos franceses, mas a faltadeuma medalha paracomemorar o fato sugere que Luís nãoconsiderouapropriadocelebraro evento. A demanda de Vitórias aladase coroas de louros declinou.

O modo como essas batalhas foram descritasna imprensaoficial da épocatambémé revelador. Ascartas particularesdo rei são um testemunhosuficientede sua consciênciado desastre.u Além disto,sabemosque a notíciada derrotadoexércitofrancês e da captura do seu comandante, marechal Tallard, na batalhade

A FABRICAÇÃO DO REI

Blenheim (também conhecida como Hochstiidt), na Bavária, foi um choque paraa corte. Uma carta escrita por Madame de Maintenon logo depois da chegada danotícia a Versailles comentava tanto o sofrimento do rei la peine du Roi) com a

-- O PÓR-DO-SOL

ração do rei da operação da fístula, em 1687, evento celebrado também por umasessão extraordinária da Académie Française, pela presença do rei num jantar noHôtel de Ville, por esculturas (Figura 49) e por uma avalancha de odes e so netos,

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notícia a Versailles comentava tanto o sofrimento do rei la peine du Roi) com anotícia, como a maneira calma e resignada com que a recebera.

6O Mercure

Galant tentou sugerir que Blenheim não fora uma derrota completa, pois, argumentava, o inimigo perdeu muito mais homens que os franceses, mas oscontemporâneos, como o marquês de Surville, percebiam o vazio da alegação ea tentativa do governo de desviar a atenção da derrota ao ordenar imediatamente

um Te Deum por uma vitória naval. 7

Ademais, se examinarmos a Gazette de 1708, o ano da derrota dos duquesde Vendô me e da Borgonha na batalha de Oudenarde, e também da perda de Lille,nada nos faria supor que ocorreu alguma batalha. 8 O lef du Cabinet, periódicomensal não oficial, tentou sugerir que Oudenarde não fora uma derrota, enquantoa Gazette pouco se referiu à guerra entre o relatório enviado de Bruxelas emm r ç o em que se lia: o povo deste país está extremamente descontente como modo como é tratado pelo Aliados, que estão arruinando seu comércio -e a notícia, chegada da Espanha em julho, de que os franceses tinham capturadoTortosa, evento celebrado com um Te Deum, fogueiras e outras formas deregozijo público. 9 O Mercure Galant afirmou que houvera mais um comba

te que uma batalha , acrescentando que as perdas dos Aliados tinham sidoinfinitamente maiores, e arrematando: teríamos vencido se tivesse sidopossível atravessar as sebes . 20 Oudenarde foi então rebaixado à categoria deevento menor, ou de não-evento. Nessa época de provações, pouco havia paracelebrar além da calma do rei diante do desastre ou, - para usar o termo estóicoadotado pela petite académie numa medalha de 1715 - sua resignação .

2

Torcy, porém, tentou outra atitude. Em 1709, ao escrever em nome dorei aos bispos e governadores das províncias, substituiu as tradicionais referências à glória por expressões de preocupação com o povo. Luís é apresentadonão como uma figura distante, mas como o pai de seu povo, unicamenteinteressado no repouso deste. Minha afeição por meu povo é tão grandequanto a que tenho por meus próprios filhos Y Esta linguagem não era inteiramente nova; as inscrições da Grande Galerie mencionam por vezes os cuidadospaternais que Sua Majestade tem pelo bem de seus povos [les soins patern elsque Sa Majesté a pour le bien de ses peuples]. 3 Ainda assim, foi uma mudanç a de

ênfase bastante notável.

ASSUNTOS DOMÉSTICOS

Muito poucos eventos civis ou domésticos deste período do reinado, a despeitode sua extensão, foram comemorados com medalhas. Uma exceção foi a recupe-

tudo isso reportado na imprensa nos mínimos detalhes. 4

Cunharam-se moedas também para comemorar a instituição da ordem deSão Luís (1693), o casamento do duque da Borgonha (1697), a inauguração deuma estátua do rei ( 1699), a criação de um conselho de comércio, a publi caçãode editos contra o fausto e a mendicância, e a subida de Filipe de Anjou ao tronoda Espanha (tudo isso em 1700). Cabe observar que em dois desses casos, numaespécie de circularidade já destacada várias vezes (p. 28, 75-6), era a glorif icaçãodo rei em um meio que era celebrada em outro.

Os acontecimentos internos mais memoráveis na última parte do reinadoforam infelizes, desde a fome de 1693, passando pela revolta dos protestantes deCévennes em 1702 e o inverno inclemente de 1709, até a morte do Delfim, em1711, e a do duque e da duquesa da Borgonha em 1712. 25 Nessa situação, poucomais havia a celebrar senão os próprios meios de comunicação. Havia umanecessidade real de compensação psicológica ou, nas palavras de homens daépoca, como Surville (p.112), de desviar a atenção.

A fundação da Ordem de São Luís foi o clímax de uma identificação ou,pelo menos, de um paralelo entre os dois reis, que vinha desde a infância de

Luís (como ocorrera com seu pai, Luís XIII). Em 1648, por exemplo, o rei,então com dez anos de idade, ouviu um panegírico do santo, na igreja jesuítade Saint Antoine, no dia de sua festa, 25 de agosto. Em 1668, o erudito CharlesDu Cange publicou uma biografia medieval de são Luís com uma dedicatóriaao rei e uma comparação entre os dois soberanos. Sabe-se que foram feitaspelo menos três imagens de são Luís com os traços de Luís XIV, datadas dec.l655, 1660 e 1675. 26

Ao longo do reinado, a comparação foi institucionalizada, e a festa do santotomou -se uma ocasião para homenagear o rei. Em 1669, por exemplo, ela tomoua forma de um festival em Saint Germain, com a encenação de uma peça deMoliereY Na Académie Française, instituiu-se o costume de celebrar o dia 25 deagosto com a entrega de um prêmio na forma de uma medalha do rei, e tambémcom um panegírico que combinava louvores aos dois Luíses. 28 Mote os eramcompostos para a ocasião, e, em 1703, ofereceu-se uma medalha ao rei nesse dia. 29

A estátua do rei, erguida em Poitiers, foi inaugurada no dia de são Luís. Em 1686,a fundação por Madame de Maintenon das damas de São Luís (escola paramoças nobres e pobres, em Saint-Cyr) foi, como a fundação da Ordem de SãoLuís em 1693, parte de um movimento mais amplo. 30 Assim também a capela deVersailles, que continha ela própria uma capela dedicada a são Luís e d ecoradacom cenas de sua vida.

O descerramento da estátua feita por Girardon para a Place Louis-le-Grand,em 13 de agosto de 1699, foi celebrado com tanto fervor quanto uma grande

O POR · DO .S O L

vitória. A própria estátua (ver p. 28) era colossal. Por ordem do rei, René Houasse

produziu duas pinturas sobre o seu transporte até a praça (Figuras 50 e 51).Destruída durante a Revolução Francesa, a estátua é conhecida não só por

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49 . Luís se restabelece da doença . Alegoria d recuperação do rei de Nicolas Coustou, relevo emmármore, 1693 . Louvre, Pari s

p v u r s (Figura 52) (como a de Desjardins na Place des Victoires) mas tambémpor reproduções em miniatura das quais seis se conservam), uma nova fonna depublicidade (ver Figura 53).

Para inaugurar o monumento, a municipalidade de Paris ergueu à margem

do Sena um ' Templo da Glória . no alto de uma pedra (como a famosa estátuado rei, de Bernini), para mostrar as dificuldades do caminho para a glória (Figura54). Houve também uma magnífica queima de fogos de artifício, com representações não só de Hércules, Alexandre, Clóvis e Carlos Magno - figuras tradicionais do rei - mas também de Perseu, Jasão, Teseu, Ciro, Teodósio, Fábio,Pompeu, César, Filipe Augusto e Henrique IV. O jesuíta Menestrier, a essa alturacom 68 anos, saiu de seu isolamento para participar das comemorações com um

panfleto ilustrado. 3

Menestrier esúvera envolvido também - extra-oficialmente - em outrogrande empreendimento para a glorificação do rei: a tão longamente planejadahistória metálica do reinado. A petite académie começou a trabalhar no projetoem meados da década de 1680, mas de inicio não fez grandes progressos. Em

1689, Menestrier, que nada tinha a ver com a academia, publicou sua própria

história metálica, ou Histoire du roy Louis e Grand p r les médailles. O livrocontinha gravações de 122 medalhas referentes a eventos internos e internacionaisdo reinado, juntamente com jetons e uma seleção de inscrições, emblemas edivisas para a glória do rei. A publicação foi vista pela Academia como umausurpação de seu monopólio , como fica claro pelos seus protestos contra edições

posteriores do livro .3 Isso nos faz lembrar o modo como Antoine Furetiere levoua melhor sobre a Académie Françai se ao publicar seu Dicionário em 1684 dezanos antes dela). O trabalho em equipe não é necessariamente mais eficiente que

o de um indivíduo empreendedor.Diante do desafio lançado por Menestrier, e livre de cuidados com as

construções reais (em 1691 ), a Académie acelerou seu trabalho. No final de 1695,

a história havia chegado a 1672. m 1699, o rei já expressava sua .. mpaciência .por ver impressa a história metálica oficial. Em 1702 , ela foi fmalmente publicada, pela imprensa real, num suntuoso volume in-fólio, num intervalo entre guerras

em que era um pouco menos difícil obter dinheiro para projetos tão grandiosos(Figura 55). Houve também wna edição in-quarto, mais barata. Médailles sur lesprincipaux événemetlls de Louis e Grand (a palavra .. história . não aparece,

certamente para distinguir a obra da de Menestrier) incluía gravuras de 286

medalhas, dispostas em ordem cronológica; a decisão de excluir certas medalhas

foi tornada no mais alto nív el. O text o que as acompanha traz não só descriçõesda iconografia das medalhas como ~ e x p l n ç õ e shistóricas dos eventos come-

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50. Transporte da estátua de uis X/Vem 1699: saída do Convento dos Capuchmhos de René·An ·toine H ouasse óleo sobre tela c l700 Musée e la Ville e Paris Musée Camavalet

5 1. Tr nsporu da estátua ch uis XI V m 1699: chegada d Place Vendóme de René-AntoineH ouasse óleo sobre tela c l700 Musée de la Ville de Paris. Musée Carnavalet

A PABRICAÇAO DO ReiO POR · DO · SOL

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52 . O colosso. Estátua ~ q ü t s t r tdo rti, gravura anônima da estálua deGirardon c l 9 Brilish Library Londres

morados. m outras palavras o volume fornecia o que tant os historiógrafos reaistinham sido encarregados de produzir mas nunca tinham publicado: uma históriaoficial do reinado . Os intendallts receberam ordens para conservar essa obra dereferência em suas mesas de trabalho.

O próprio rei participou da revisão do volume para a segunda edição que

incluiu 318 medalhas desse período mas nunca chegou a ver os res ultados .Quando o volume foi publicado e m 1723 Luís já estava em seu túmul o haviaoito anos. De fato as duas últimas medalhas no volume comemoram a mortedo rei.

53. Reprodução em miniatura. Maquete para aestátua da Place Louis-le -Grand 1691. The Metropolitan Mu seum of Art Nova York HewittFund 1911

CENAS FINAIS

A última doença de Luís XIV foi teatraliz ada no mais alto grau com várias cenasde leito de morte em que o rei disse adeus a seus cortesãos e deu conselhos a s ~

bisneto e sucesso r de cinco anos de idade. ua observação mais lembrada f01:... Amei a guerra em excesso: não me imite nisso e tampouco nos gastos excess tvosque fiz [J ai trop aimé l guerre: nem imitez pas en cela, non plus que dans lestrop grandes dipenses que j ai faites]. 33

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54. O Templo da Glória, gravura de Guérard extraída de a statue eqOtstre de Louis e Grand de- • • • - • • • • • • t

SS. C l e ~ r a ç i l od celebração de Luis. Fronti spício para Midaillts ... da Academia 1702 gravur ad e L o u ts S t mo n ne a u seaundo desenho de Noe C o vo c British Librarv. Londres

A FAB RI CAÇ J O DO REI O PÓR ·O O · SOL

ção de Argele Gênova. O amordeLuís pelas artes também foi mencionado.Nemé preciso dizerque o tardiozelo do rei pela religião csuas obras de caridade (emespecial a fundaçãodos Invalides e de Saint Cyr) foram fasú diosamentelouvados.

Uma imagem final do rei foi projetadaem seu testamento escritoem Marly

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56. D e s l u i s i f i c a ç ã o ~Detalhe de Ense igne de Gersaim, deAotoineWatteau, 1721.Schloss Charlottenburg, Berlim

Os relatos oficiais so breo funeral realdão impressãode magnificência. Acerimôniadeve ter sido ainda mais impressionante, porque desde 1643 nãoserealizavao funeral deum rei de França.No entanto, segundotestemunhas daépoca, oânimodo povoera maisde alívio que de regoz.ijo. 4

Mais de 50 oraçõesfúnebressobreLuís foram publicadas.3s Elas davamao spregadores umaoportunidadeúnicade resumiro reinadoe falarse m se r ouvidospelo rei. Algunsdesses pregadores preferiramse deter na morte do rei, descrevendo-acomo umaboamorte nosentido cristão etambémcomoum magníficoespetáculo··de co rageme resignação. 6 Outros tinhammais a di zer so b re a vidaeo reinadode Luis. Estavamprontos paracriticar suamoral, particularmentenaépocaem que o jovem rei era um escravo dese us desejos .Foramfeitas referênciastambémao s males c às misériasque guerrasdemasiado freqüentes atraíramsob rea França . es maux e r l es miseres que de rrop fréque nte s guerres on t attiré s ur

la F rance . 7

Mesmo assim, o tom geraldesses se rm ões era triunfalista, aponto deevocar, mesmono púlpito,as vitóri as conquistadas em Flandresc a humilha-

Uma imagem final do rei foi projetadaem seu testamento, escritoem Marlyem 1714,e na carta, escrita alguns dias antes desua morte,paraser entregue aoDelfim em se u décimo sétimo aniversário, em1727.38 A carta aconselhavaofuturoLuís XV a nunca romper comRoma, a preferir a pazà guerrae a manteros impostosbaixos.Devemosinterpretarestetexto comoum reconhecimentodoserros doreinado,ou como um derradeiro esforço para causar boaimpressão àposteridade?

Se a segundahipótese for a correta,o rei parece não ter tidosucesso.Suamorte foiseguida por um extravasamento deco mentáriosirreverentes sobreoreinado (abaixo, CapítulolO . A Regênciaparece terse marcado por um estadode espírito dereação contra o rei,nitidamente simbolizadapor Watteauem suafamosa imagem (Figura 56) dalojado marchand, comum retratode Luis, agoraencalhado, acaminhodo porão.39

IX

A CRISE DAS REPRESENTAÇÕES

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57 . -um l :o.tud o hbt ô ricn··, fmnti.,píci u para ire aris Skerclrbook de Titmarsh (W .M . Thackcray),1840 . Briti h Lihrary, Londrl·:-.

Le changement des temps et des affairespeut obliger à supprimer ou à corriger:

Bignon

avia in cômodas discrepâncias entre a imagem oficial do rei e a reaHdadecotidiana tal como percebida por seus con temporâneos, mesmo simpati

zantes. Essas discrepâncias, ainda que não fossem, evidentemente, exclu sivasdesse governa n te específico, complicavam a tarefa de artistas, escritores eoutros envolvidos com o que se poderia chamar de a .. administração daimagem real.

Por exemplo, Luís não era um homem alto. Media apenas cerca de 1,60metro. Esta discrepância entre sua altura real e o que poderíamos chamar desua .. altura social tinha de ser camuflada de vários modos. Seu filho, o GrandDauphin , embora mais alto, ..era em geral disposto nas pinturas e gravuras demodo a que isso não ficasse inconvenien.te . 1 A peruca e os saltos altos(Figuras l e 57) ajudavam a tornar Luís mais imponente. A peruca disfarça vatambém o fato de que o rei perdera boa parte do cabelo durante uma doençasofrida em 1659. Seus retratos também tendiam a melhorar sua aparência,embora o próprio Luís tenha permitido que o retratassem envelhecendo, e até

sem dentes (acima, p.44, 46)Há outro tipo de discrepância a considera r. Em certos casos, citados acima(p. 65 , 67, 124), havia contradições óbvias entre os relatos oficiais das façanhasdo rei e a informação disponível a partir de outras fontes. O müo do heróiinven cíve l era obviamente incompatível com as derrotas francesas, e é reveladorobservar como os meios de comunicação oficial lidavam - ou não conseguiamlidar - com incidentes desse tipo. Cer tos eventos eram celeb rad os na ocasião esuprimidos mais tarde, como no caso notório d destruição de Heidelberg por

• A mudança dos tempos e dos problemas pode obrigar a suprimir ou a corrigir . (N.T.}

A FABRICAÇ ÀO DO REI

tropas francesas (acima, p. 0). Como o expressou discretamente o padreBignon (o censor oficial, e mais tarde responsável por todas as academias):

M u d a n ç a ~na situação política podem tornar necessário suprimir ou corrigiri f õ 2

A CRISE DAS REPRESENTAÇOES

ordem francesa para as colunas do Louvre,em vez das tradicionaisordensdórica, jônica ou coríntia, tinha implicações políticas.De fato, erauma mensagempolítica.

A itó i d d f i itó i d L í XIVAf l

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informações. 2É possível encontrar também casos do contrário da supressão, isto é, a

celebração de eventosnão ocorridos, o que o historiador norte-americano DanielBoorstin chamou de pseudo-eventos .3 Por volta de 1670, Sébastien Leclerc fezuma gravura representandouma visita de Luísà Académie des Sciences (verFigura 18), quando nenhuma visita desse tipo acontecera.4

Estes exemplos revelam o que poderíamos chamar de problemasrecorrentes ouaté normais na representação oficial de soberanos. Na segundametade doséculo XVII,um outro tipo de problema, ou conjunto de problemas, emergiu. Voume referir aesse conjunto, talvez um tanto dramaticamente,como a crise dasrepresentações do século XVII, e dividi-loem duas partes: o declínio da Antiguidade e o declínio das correspondências.

O declínio da Antiguidade como modelo cultural na França do século XVII éanalisado em geral sob a rubrica da discussão [querei/e] entre os antigos e osmodernos; Jonathan Swift a chamou de a Batalha dos Livros . Esse debatechegou ao seu apogeu no final da década de 1680.Boileau e La Fontainedefendiam os antigos, ao passo que os irmãos Perrault e Fontenelle apoiavamos modernos. 5 O cerne do debate era a superioridade ou não dos antigos, emparticular os escritores Virgílio e Horácio, sobre seus equivalentes modernos.Naturalmente, a discussão ampliou-se para incluir a questão da superioridadeou não da cultura moderna (incluindo a ciência) sobre a da Antiguidadeclássica. Outras questões diziam respeito à propriedade de escolher heróispós-clássicos (como Clóvis ou Carlos Magno) como protagonistas de poemas e peças teatrais, de usar uma linguagem moderna para inscrições em

monumentos (abaixo, p. 169, 172),de representar armas modernas (mosquetes, bombas, etc.) nesses monumentos, e de retratar figuras contemporênas, como o rei, em trajes modernos. De certo modo os modernos

ganharam a batalha, pois Boileau, o líder da outra facção, acabou por sedeclarar convencido.

Esse debate não era uma questão puramente literária.Os participantestinham plena consciência desuas implicações políticas.Se a era de Luí s oGrandesuperava a de Augusto,então também Luís superava Augusto.Charles Perraultchegou ao ponto de criticar Alexandre porseu enorme orgulho eAugusto porsua crueldade . Uma decisão aparentemente estética,como a escolhada nova

Aparentemente, a vitória dos modernos foiuma vitória de Luís XIV.Afmalde contas, os mais destacados defensoresdo movimento eram protegidos deColbert. Apesar disso, a apresentaçãodo monarca estava tãointimamente associada ao prestígio da tradição clássica que qualquer declíniona importância dessatradição criava dificuldades para artistas e escritores, dificuldadesque Boileau,

por exemplo, tomou como um dos principais temas desua Quarta Epístola sobrea campanha de 1672.

O segundo problema foi o do declínio de uma correspondência e do quefoi chamado de a analogia orgânica , numa época em que os intelectuais doOcidente estavam começando a ver o mundo como uma grande máquina. Oshistoriadores da ciência, da filosofia,da literatura e do pensamento político oconhecem bem. De fato, eles o vêm discutindo desde a década de 1930. 1 Aquestão atraiu também alguma atenção dos historiadores da arte.11 No entanto,pelo que sei, a discussão não foi vinculada a análises das representações desoberanos.

Os mitos dos soberanos da IdadeMédia e do Renascimentofundavam-seconsideravelmente numa visão de mundo ou mentalidade tradicional.Se umsoberano dessa época era representadocomo (digamos) Hércules,isso era muitomais que uma metáfora para dizer que era forte, oumesmo que resolveriaosproblemas de seu reinocom a mesma facilidadecom que Hércules realizaraseusvários trabalhos. A conexão,ou correspondência ,como às vezes achamavam,era de natureza mais forte, como ocorria também no caso da correspondênciaentre um Estado e uma nau (ver Figura20), ou entreum rei e um pai, ou entre ocorpo político e o corpo humano, ouentre o microcosmo e o macrocosmo.l2 Osoberano era identificado,no sentido forte do termo,com Hércules,como se aaura do semideus tivesse se transferido para ele. Esta linguagemnão é muito

precisa,mas é difícilser preciso acercade um processo desse tipo,que atua numnível muito mais inconscienteque consciente.Essas analogias eram tratadas não como construções humanas, mas como

paralelos objetivos. Argumentações políticas presumiam sua realidade, aoafirmar, por exemplo, que o mandamento Honrarás pai e mãe condenava aresistência aos reis.13 Poderíamos, portanto, falar deuma mentalidade mística , admitindo similaridades com o conceito de participação mística [parti-cipation mystique] proposto no início do século XX pelo antropólogo e filósofo francês Lucien Lévy-Bruhl, embora evitando o uso de seu termo primitivo . A palavra místico foi usada por Lévy-Bruhl para denotar conexões ou

A FABRICAÇÃO DO REI

identificaçõesnão observáveis, como a identificação que certa tribo fazia entregêmeos e aves.14

Um bom exemplo dessa mentalidade em ação pode ser encontrado na idéiado casamento místico entre o rei e o reino A idéia estava inscrita tanto na

=A CRISE DAS REPRESENTAÇOES

chamar essa revolução intelectualde a ascensão da literalidade , embora talvezsejamais exato falar de uma crescente consciência da diferença entresentidosliteral e simbólico.16 É nessa altura que Hércules éreduzido a uma expressãoda força o leão a uma expressão da coragem e assimpor diante como se

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do casamento místico entre o rei e o reino. A idéia estava inscrita tanto nacerimôniade coroaçã o francesa (como vimos no Capítulo 3) como nos EsponsaisVenezianos doMar. Jaime VI e1, em meio a um conflito com seu parlamento,também recorreu a essa idéia, como se fosse evidente: Sou o esposo e a ilha todaé minha legítima esposa. A analogia entre o rei e o sol também era místi ca ,

por ser inacessível à observação, ao mesmo tempo em que desempenhava aimportante função de naturaliza r a ordem política, em outras palavras,defazê-la parecer tão inevitável e inquestionável quanto a própria natureza.

Durante o século XVII, ocorreu entre certas elitesde algumaspartes daEuropa ocidental (França, Inglaterra, a República Holandesa e a Itáliado norte)uma revoluçã o intelectual que solapou os pressupostos dessa mentalidade mística.Esta revolução está associada, em particular, com Descartes e Galileu, Locke eNewton,mas muitas figuras de menor expressão também participaram dela.

Este não é o lugar para uma exposição detalhada das origensou conseqüências dessa revolução intelectual, de suas relações com mudanças econômicas esociais (como a transição do feudalismo para o capitalismo) ou com movimentos

intelectuais anteriores, como o nominalismo, associado com o filósofo do séculoXIV Guilhermede Occam (um movimento mais estreito tanto no sentido intelectual como social) . Basta dizer aqui que uma conseqüência crítica da revolução foio chamado declínio da magia , na forma de um crescente ceticismo das elites naeficác ia da magia, como parte do movimento geral de secularização ou desencantamento do mundo[Entzauberung der elt] discutido pelo sociólogo MaxWeber.u

Segundo a nova mentalidade, o mundo era visto mais como uma máquinaque comoum organismo ou um animal . O novo cosmo era o chamado universoda bola de bilhar , de Descartes, em que nada se move a menos que seja tocadopor alguma outra coisa, e Deus põe todo o conjunto em movimentocom umpiparote, nas palavras de Pascal.

Igualmente importante nessa nova mentalidade foi a mudança nos t tus

da analogia: produziu-se um deslocamento da correspondência objetiva paraa metáfora subjetiva. O simbolismo tornou se mais acanhado. Esse deslo-camento foi acompanhado de uma desvalorização da metáfora, dosímbolo edo ritual, cadavez mais qualificados de meros . Por esta razão, étentador

Em Veneza, cerimônia anual na qual o doge tomava posse do mar Adriátko, lançando às ondasum cordeiro bento pelo patriarca. (N.T.)

Jaime VI da Escócia (1567-1625) e Jaime Ida Inglaterra eda Irlanda (1603-1625). (N.T.)

da força, o leão a uma expressão da coragem, e assimpor diante, como seespectadores e leitoresse sentissem mais à vontade com qualidadesabstratasque com mitos.

Em suma, uma forma mais concreta de pensamento foi substituída por outramais abstrata. A palavra forma merece ênfase.~ T ; : , .estou tentando negar a

importânciado empirismo no século XVII, do interesse pelos detalhes concretosdo mundo natural. A questão é que categorias mais abstratas estavamsubsti-tuindo as correspondênciasdo pensamento medieval e renascentista.Juntocom essas mudanças veio a ascensão da fé na razão, e a ascensãodo que écômodo chamar de relativismo cultural ,em outras palavras, a idéiade quearranjos sociais e culturais particulares nãosão estabelecidos porDeus ounecessários,mas contingentes. Variam de um lugar para outro epodem mudarde um tempopara outro.

É provável que, na altura de 1700, somente uma minoria dos intelectua isdaEuropa ocidentaljá tivesse mudado desse modo sua visão de mundo, mas asconseqüências da mudança foram profundas, desde o declínio da caça às bruxa

até a rejeição de procissões religiosas como maneira de afugentar a peste. Osignificado do ritual foi redefinido, especialmente num estudo escrito porumbeneditino francês, Claude de Vert, durante o reinado de Luís XIV, que propôsuma explicação chamada literal do ritual, um bom exemplo da literalidadeque há pouco mencionamos.

Por que, por exemplo, põem-se velas no altar durante a missa? Segundo ateoria tradicional, formulada por Durandus no século XIII, as velas significavamque Cristo é a luz do mundo. Claude de Vert, ao contrário, rejeitou essasexplicações, que chamou de místicas , em favor de explicações históricas.Segundo ele, as velas tinham sido necessárias nos tempos em que a missa eracelebrada nas catacumbas, e o costume sobrevivera à sua utilidade (pelo processo

queos sociólogos chamam hoje deculturallag ).

A revolução intelectual teve sérias conseqüências tanto políticascomoreligiosas. Os soberanos perderam parte considerável do que Pierre Bourdieuchamaria de seu capital simbólico. 8 Essas conseqüências podem ser vistasemsua máxima evidência na famosa crítica que Locke fez da analogia entre reis epais, aceita como válida porSi r Robert Filme r em seu livroPatriarcha, que Lockese propôs refutar. 9 Em suma, os reis estavam perdendo suas roupagens simbólicas. Estavam sendo demitizados e desmistificados.. Por esta razão, talvez não seja despropositado aplicar a esse período afamosa expressão de Jürgen Habermas, crise de legitimação . Não estou suge-

A FABRICAÇÃO DO REI

rindo que em meados do século XVII os soberanos europeus tenham perdido sualegitimidade, mesmo que Carlos I tenha de fato perdido sua cabeça justamentenesse período. Estou de fato sugerindo, porém, que um importante modo delegitimação estava perdendo a eficácia.

A CRISE DAS REPRESENTAÇÚES

nas universidades francesas (decisão pela qual o rei parece ter sido pessoalmenteresponsável). 3

Houve outras reações à crise das representações. Registrou-se, no tempode Luís uma mudança na fórmula pronunciada quando o rei tocava o doente

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legitimação estava perdendo a eficácia.

Que relação tem isto com a imagem de Luís XIV? Como vimos, Luís, do mesmomodo que outros soberanos e talvez mais que outros soberanos de sua época) eraqualificado, na linguagem do paternalismo e do patriarcado, como o pai de seu

povo. Era retratado na forma de são Luís, de Hércules, de Apolo, do sol. Eraconsiderado um soberano sagrado e atribuía-se naturalmente a seu toque real opoder de operar curas milagrosas.

Esse poder, obviamente incompatível com o universo mecânico de Descartes e Galileu, foi alvo da zombaria de Montesquieu em suas Lettres persanes,publicadas alguns anos após a morte de Luís. Nelas, um visitante persa escrevepara casa descrevendo o rei de França como um grande mágico . 20 O problemado rei era ser um soberano sagrado num mundo cada vez mais secular. Eraidentificado com o sol numa época em que a lógica da identificação ou dacorrespondência estava em questão. Nas memórias reais, é explicado que o solé uma imagem apropriada do monarca porque é o mais nobre dos corpos

celestes. Nessa altura, porém, Galileu já apresentara poderosos argumentoscontra a aplicação de termos morais como nobre ou perfeito à natureza

inanimada.A revolução intelectual não foi ignorada nos círculos mais próximos do rei.

Afinal, um dos mais destacados relativistas culturais, La Mothe Le Vayer, tinhasido o tutor do rei. Furetiere, que deu uma definição reducionista dos símbolosem seu famoso Dicionário, foi também autor de poemas em louvor ao rei. AAcademi a de Ciências fora fundada em 1666 como parte do projeto de apresenta ro rei como um magnificente protetor do saber. Os irmãos Perrault envolveram-seao mesmo tempo com a nova ciência e com a fabricação da imagem oficial deLuís XIV. Charles Perrault rejeitou alguns mitos clássicos, vendo neles fábulas

que só convinham às crianças.21

Bemard de Fontenelle não foi apenas o libretistade ópera que usava a mitologia clássica para glorificar o rei, mas também o autor deum ensaio que solapava o poder do mito reduzindo-o à alegoria. Publicou esse ensaio,L Origine desfables após a morte de Luís XIV, mas parece tê-lo escrito mais cedo.

Que se devia fazer? Sem dúvida podia-se seguir adiante como se nadaestivesse acontecendo. Bossuet continuou a qualificar a monarquia de sagradae paternal, e Luís continuou a tocar os doentes (mais de dois mil noDomingo de Páscoa de 1697, e 1.800 quatro anos depois). 22 Em Versailles,o l v r du roi ou levantar do rei continuou a corresponder ao nascer dosol. Outra possibilidade era banir o ensino de Descartes, como aconteceu

de Luís, uma mudança na fórmula pronunciada quando o rei tocava o doente.Seus precedessores tinham dito: Le roi t touche, Dieu te guérit, ou o rei te toca,Deus te cura . A nova fórmula, mais cautelosa, era: Dieu te guérisse, ou quedeus te cure . 4

A partir de 1680, aproximadamente, se não antes, podemos ver Luís

adotando uma nova e s t r a t é g i aO emblema do sol, embora nunca tenha sidoabandonado, perdeu a importância que tivera na época dos balés das décadasde 1650 e 1670. Referências a Alexandre e Augusto declinaram, como vimos.Em 1679, o projeto mitológico original para a Grande Galerie, centrado emHércules, foi substituído por representações dos feitos do próprio rei. Asmedalhas, que eram produzidas em número cada vez maior nesse período(p. 216) também representavam o rei de forma mais direta que alegórica.Por volta de 1680 a rejeição da mitologia clássica se revelaria extremamen-te significativa.

O novo mito de Luís XIV fundava-se numa nova retórica, mais modernaque antiga e mais literal que alegórica. 26 Anteriormente, as medalhas comemora

tivas das proezas do rei traziam inscrições inspiradas nas medalhas dos célebresimperadores romanos. Nesta nova fase, no entanto, podemos encontrar váriosexemplos de estatíst icas. Das medalhas cunhadas entre 1672 e 1700 22 incluemcifras em suas inscrições. Vinte cidades no Reno tomadas pelo Delfim numúnic? mês , VIG INTI URBES AD RHENUM A DELPHINO UNO MENSE SUBACf AE ( 1688);80 ctd.ades capturadas (1675); 300 igrejas construídas (1686); 7.000 prisionei-ros fettos (1695); 60.000 marinheiros alista6os (1680); e dois milhões decalvinistas retornam à Igreja , VICIES CENTENA MILLIA CALVINIANORUM AD

ECCLESIAM REVOCA TA (1685) (Figura 58) são frases que fazem lembrar asmanchetes dos jornais do século XX. 7 Esta era, afinal de contas, a época deColbert e Vauban, que foram, entre outras coisas, grandes colecionadores dedados

estatísticos.8

. Tal tendência não se manifestava apenas na França. Os britânicos tinhamIgualmente seus especialistas em estatística, ou aritmétic a política , como achamav am no século XVII: William Petty, Gregory King, John Graunt. No-iníciodo século XVIII, ao ouvir as argumentações apresentadas nos discursos SirRobert Walpole observou que a Câmara dos Comuns britânica levava as cifrasda aritmética mais a sério que as figuras de retórica :

* N Iongma a frase tem mais sabor, pois contrapõe figures of arithmetic a figures of rhetoric.N.T.)

A PAB RI C A Ç A O DO REI A CRISE DAS R I P R E S E N TA Ç O E S

..Uma ideologia bem-estabelecida ... perpetua-se co m pouca propaganda planejada Quand o se co meça a pensar sobre maneiras e meios de disseminar a conv icção,é que esta já deftnhou . 29

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58. Vicil s Ct ntl na M il/ia Ca /vinianor um d Ecclesiam Revocata,reverso de medalha, 1685, Cabinet des Médaill es, Bibliothêque Nationale, Paris

Seria possível afirmar também que o grande esfo rço que o governofrancês empenhou na repre se nta ção de Luís XIV, o núm ero tota l de meda-

lha s, es tátua s eqües tres, tapeçarias etc. (especialmente na se gunda metade

do reinado) foi a reação a uma crise ou, mais exatamente, a uma sé ri e decrises .

Em primeiro lugar , houve a crise política extremament e ó bvia dos anosda Pronda, que co incidiu com a chamada c rise geral, ou pelo menos com umasé rie de rev o ltas na Europa, que ze ram do ano 1648, como o se ri a 1848, umano carregado de rev o lu ções. Em seg und o lugar vieram as grande s dificuldade s políticas da seg unda part e do reinado , quando os exércitos fran cesestiv eram menos êxito que anteriormente e os problema s financeiros se agravaram . Em tercei ro lugar , cu s ug er iria que o progressivo investimento na imagemherói c a do rei (ass im como determinadas mudanças ne ss a imagem) guardamcerta relação com a crise das repr esentações. Como observo u ce r ta ocas iãoHa r old Lasswell, renomado analista da comunicação política de nossos dia :

X

0 R EVERSO DA M EDAL H A

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59. Luís, o usurpador. L habit usurpé, gravura holandesa anônima, início do século XVll. Coleçãoparticular

Le grand-pêre est un fanfaron,Le s un ímbécile,Le petit-fils un grand poh.ron,Oh La belle famillet"

Anônimo c 1708

A imagem he róica de Luís XIV não e ra a única em circulação. Havia oreverso da medalha", como assinalava um poema manuscrito do final do

rein ado. 1Conservamos um número considerável de imagens alternativas do ReiSo l, bem menos lisonjeiras que as oficiais. 2 Por vezes Luís foi representado-especialmente pe lo pinto r holandês Romeyen de Hooghe - não como Apolo,mas como Faeton te, que perdeu o c o ntrole do carro do Sol. Para alguns críticosele não era Augusto, e sim Nero. Para os protestantes, inspirados na Bíblia, nãoera Salomão nem Davi, e sim Herodes ou o Faraó. Como os louvores oficiais, asimagens alte rnativas compunham-se em geral de lugares-com uns Neste caso,contudo, os indivíduos conseguiam produzi r variações mais engenhosas em tomo

de temas comuns. 3

O conceito de ~ r v r s oda medalha", por mais apropriado que seja a umco rpus de textos e imagens em que a paródia e a inversão dominam, é evidentemente vago demais para uma análise séria. É necessário distinguir pelo men osdois tipos de divergência em relação às apresentações oficiais.

O primeiro foi expresso po r indivíduos que se consideravam súditos leais- ou pe lo menos assim se apresentavam - que apenas brincavam gentilmentecom a corte, como Bussy RabULin; ou que davam ao rei bons conselhos, ainda queindesejados, como o arcebispo Fénelon. O segundo tipo de divergência foi obrade inimigos declarados do rei e de seu regime, muitos dos quais escreveram numaépoca em que seu próprio país (a Grã-Bretanha, a República Holandesa , o SacroImpério Romano) estava em guerra com a França. A crítica do rei pelo s hugueno tes, in icialmente do primeiro tipo, foi mudando para o segundo.

.. O avô é um fanfarrãoJ O filho um imbecilJ O neto um grande poltrão,/ Oh Que bela fa.nu1ia N.T.)

A FABRICAÇÃO DO REI

Os meios pelos quais essas imagens divergentes foram transmitidas incluempinturas, medalhas, gravuras, poemas e vários tipos de textoem prosa (nãosó emfrancês,como em latim, holandês, alemão, inglês e italiano). Luísnão era o únicoalvo. No decorrerdo reinado, os satiristas centraram fogo tambémem Ana daÁustria Mazarin Colbert Louvois Madame de Maintenon o duque da Borgo

O REVERSO DA MEDALHA

Os principais temas dessa orquestra alternativa, que nem sempre manti nhaa afinação,se ligam à ambição do rei, sua falta de escrúpulo moral e de religião,sua tirania,sua vaidade, e suas debilidades militares,. sexuais e intelectuais.Consideremos brevemente estes seis temas,um a um, construindo uma imagem

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Áustria, Mazarin, Colbert, Louvois, Madame de Maintenon, o duque da Borgonha, o padre La Chaise, confessordo rei, e em vários de seus generais menosbem-sucedidos, como Villeroi.

A forma, estilo e tom desses textos variam extremamente. Alguns deles sãosimples denúncias, comoO tirano francês",O Maquiavel francês"[Machiavel-

lus gallicus], O Átila francês"[Der Franzõsische Attila],O Nero francês"[Nerogallicanus],e assim por diante. Mas a maioria das possibilidadesdo rico repertório satírico da época foi também explorada, tendo-se usado especialmenteosvários tipos de paródia.

Um exemplo é a paródia doPai Nosso(não incomum na cultura popular daEuropa no início da Idade Moderna). "Pai Nosso que estais em Marly, vossonomenão é santificado, vosso reino está quase acabado, vossa vontade não é maisfeita .. "[Notre pere, qui êtesà Marly, votre nom n 'est plus glorieux, vot re n?gneest sur sa fin, votre volonté n 'est plus faite... ] 4 Na época dos romancesde Mllede Scudéry e Mmede Lafayette, não espanta encontrar o romance burlesco.Umdeles descrevia o comba te entre o "notável cavaleiro Nasonius" (isto é, Guilhermede Nassau) e o invencível gigante Galieno", "por alguns chamado tambémGrandíssimo".s

Outro gênero muito apreciado era a versão zombeteira do testamento,comoO testamento de Luís, o Grande"[Ludwig des Grossen Testament],bem como

os testamentos políticos atribuídos a Mazarin, Colbert e Louvois. Outro era orelatório diplomático burlesco, como aRelation dela Cour de France.Encontramos ta mbém o catecismo burlesco, a confissão burlesca(Confessio regis gallicaeLudovici XIV),a mofa do casamento(The F rene h King 's Wedding),a falsadescrição medieval das pílulas receitadas para Luís, para que pudesse vomitarsuas conquistas, e o epitáfio burlesco, que gozou de especial popularidadeem1715. A estrutura do sonho é usada mais de uma vez em descrições de Luísadormecido recebendo a visita do fantasma de Mazarin, e de Madame de Main

tenon recebendo a do fantasma de seu primeiro marido, Scarron (Figura 63).O tom dessas composições varia do moralizante ao cínico, e o estilo vai daelegância urbana deLes conquêtes amoureusesdu Grand Alcandreàs cruezasgalhofeiras deThe Frenclz King 's Wedding,que pretende descrevera cômicacorte, o charivari e as surpreendentes cerimônias do casamento de Luís XIVcomMadame Maintenon sua ex-égua oficial".* As táticas literárias variam dos ataquesdiretos às insinuações de "histórias secretas" reveladas em confidências.

No original: -the Comical Courtship, Calterwauling and Surprising MarriageCeremonies ofLewis the XIVth with Madam Maintenon his late Hackneyof State" (N.T.)

discordante compósitado rei (assim comoos capítulos anteriores construíramuma favorável), antes de prosseguir com a distinção dos diferentes pontosde vistados emissários das mensagens.

1 Os críticos de Luís XIV faziam freqüentes referências ao queum deleschamou O insaciável apetite de sua ambição".6 A crítica moral geral ligava-se auma afirmação política específica, expressaem 1667 num famoso panfletointitulado O escudo de Estado"[ e Bouclierd État] e freqüentemente reiterada.O que se afirmava era que Luís tinha "u m vasto e profundo plano"de se tornar"Senhorda Europa" e assim realizaruma "monarquia universal".Os críticoscondenavam com tanta veemência o fimcomo os meios adotados para alcançá-lo.Segundoum deles, os eventos do reinado eram "Livros eloqüentes, através dosquais se pode ler, em grandes caracteres,LUÍS,o GRANDE SACRIFICA TUDOA SUAAMBIÇÃO E INTERESSE".7 A paródia tipográfica das letras maiúsculas usadasparao nome do rei nas publicações oficiais (acima, p. 46) é digna de nota. Amaisexpressiva ilustração da ambição do rei figura num impresso que o representacom roupas roubadas(L'habit usurpe)(Figura 59).

2. Luís era freqüentemente atacado por sua falta de escrúpu los morais, oque os autores dos panfletos associavam à doutrina da "razão de Estado" eàsidéias de Maquiavel, que ele supostamente teria aprendido do cardeal Mazarin"Todas as políticas maquiavélicas tentei/ E todos os obstáculos religiosos desafiei. "8 Maquiavel recomendara aos príncipes transgressões àfé: Luís foi acusa dode "perjúrios", "embustes" e "fraudes" e sua Revogação do Edito de Nantes foirepresentada como u ma transgressão à fé pelos huguenotes.9 O rei foi acusadotarnbém de transgredir o direito internacional, "Invadindo, queimando, destruindo, pilhando, saqueando e eliminando as populações dos territórios e domíniosde seus pacíficos vizinhos cristãos", e especialmente pela "crueldade e barbarismo da invasão francesa do Palatinado (acima, p.120).10 Esse evento foiq ~ l i i -

cadodeum exemplo de "Crueldade mais que turca, tártara, bárbara " [Omehrals

türckische, tartarische, barbarische Grausamkeit ],ou, para citar o títulode umpanfleto alemão, da "Razão francesa de Estado".

3. Outra acusação comum foi a de tirania. Feita em 1689num dos maisfamosos panfletos contra o rei, "Os suspiros da França escrava"[Les soupirs del France esc/ave],encontrou muitas vezes ecoem outros textos,em especialnum panfleto inglês intituladoThe French Tyrant( 1702). O crescimento do poder

. absoluto, arbitrário, despótico do rei era cotejadocom a destruição das liberdadesdos huguenotes, da nobreza, dosparlements,das cidades e finalmente da liberda-

A I'AB RI CAÇAO REI O Ra VER SO OA M E D A L HA

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60. Luís cont ra Cristo. Cont r a Cllris ti Animum, gravura dorevers o de uma medalha, ex traída da ed ição falsilicada daHistoirt d u ro i de e n e ~ r i e r1691 . Briti sh Library, Londre:.

de do povo. Lu ís era apre sen tad o como o gran de ato r da impiedad e, c rue ldade,opressão e tirania n o palc o do mundo . 12 Mai s es pe c ificamente, fui qualifi cad oalgumas vc 1cs co mo ~ orei dos impo stos , r i dos impo stos extraordinários , /e

roi des impô rs /e roi des malrôriers) e por aí af o ra.4. Uma quarta acusação co ntra Luí s era s ua falta de religiã o. Nas pala v ra s

que um panfl eto lhe atribui (fazendo eco a um pr e tens o Maquiavcl) : Para n6 s areligião não passa de hipocri s ia . 3 A falta d e religiã o era claramente cx e mphficada pel o tratament o qu e o rei di spe nsav a aos huguen otc s, ..o esporte de meus

so ldad os . 14 Rev e lava-se tam bém no que os dis sidente s dizia m se r uma aliançaco m um Es tado não-cristão, o Imp ério Otomano . Uma medalha sa tíri ca re pr ese n to u Luí s junto com o s ultã o otoma no Suleiman Ill , o dei de Arg e l, ~ M e o-

mo rt o , e Jaime 11; abaixo deles liam -se as palavra s Contra o es pírit o deCristo [CONTRA CHRtSTI ANIMUM) (Figura 60 ) e no rev e rso estava a imagemdo demônio, co m a leg e nda O quint o na Alian ça IN FOEDERE QUJNTUS).Outr as re f erê ncia s 1.ombeteiras à alia nça aparecem em títul os de panfl e to: Oc ristian íssimo tu r co 1690 ) e O Co rã o de Luís XJV l695). A falta de rel igio-

s idad e d o rei f o i tamb ém cxe mplifi cada co m a blasfêmia c o pa ga nismo do

c ult o oficial ao Re i Sol.

61. Vtnit, Vidit std non Vicit, reverso de medalha, 1693 .Department of Coin:. and Medab , Briti:.h M u:.eum, Lon ·dres

5. Esse c ult o permitiu ai nda aos fabricantes hos tis da imagem atrair aatenção para o que chamava m de o ~ i m e n s oam o r pr óp rio do rei [un amour

propre d une grande ur immense]. Um panfl eto alemão que se co nce ntr ou nessetema exibia o título -o autolouvor fede (E igullob srin ckl gern]. A acusação éilu strada por ref erê nci as aos .. ouv o res ext ravagant es feitos ao re i em poemas,óperas etc .. bajuladores , e que teriam .. nflad o s ua ambi ção ao eq uipará -lo aos ol ~ 6 O s panfl etos se referem ainda à cons truçã o de Versailles a altíss imo custo,também por va i dad e, e às está tua s de Luí s, em es pecia l a que foi erguida na Pla cedcs Vicloir cs.

6. Em contrapartida, os discordantes enfatizam as muita s fraquezas dessemero mortal. A acu sação de medi oc ridade intelectual feita por Spanhcim cSaint-Sim o n nã o se d es tinou a publi caçã o. A re ferên cia impr essa de Swifl à.. doença vergonhosa do re i, is to é, sua fístula, fo i r e lati va ment e rara na época. 7

As debilidad es do rei em que os panflet os se co nce ntravam eram a militar c asexual. D e fato os do is temas eram es treitam ente associados, co mo na troça.. Foges da guerra mas persegues as belas [Bel/afugis, bel/as seq ueri s]. 8 Ambo sforam claramente ilu strad os numa gravura de Luí s bat endo e m retirada co m seu.. harém (Figura 62) c numa medalha que o rep rese nta num ca rro de guerra qu equatro mulher es tentam puxar da linha de fren te (em algum lugar da Holanda)

PA8RICAÇAO DO R EIO REVERSO DA Ml DAI. .HA

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62 . Luís como mulherengo. L m:5 bate em retirada com seu harém gravura anônima, 1693 .Dcpartmcnt of Prints and Drawing s, Briti sh Mu seum, Londres

63. Maintenon atacada. Frontispício gravado paraScarron apparu d Mad ame de Mainren on 1694. Bri-tisb Library, Londres

para Versailles. Em flagrante contraste com a imagem oficial do rei herói, Luísera apresentado como um medroso diante das batalhas. Era alvo de zombaria por

suas derrotas. Como diz a inscrição da medalha das quatro damas, VENIT, vmrrSED NON VlCIT (Figura 61), alusão não só a César mas à divisa composta para Luisno carrousel de 1662: UT VIDI VlCJ.

A idéia de que Luís era melhor fazendo o amor que a guerra é também otema central de Conquistas amorosas. Mais uma vez, o cenário são os Países

Baixos , e o nome do herói, ..Le Grand Alcandre . é uma refe rência maliciosa àson eira comparação que Mlle de Scudéry fizera entre o rei e Alexandre num

romance (acima, p . 42). A guerra era uma metáfora do sexo. A história seconcentra em quatro das amantes do rei. La Valliere (descrita como ..d'unemédiOcr e beauté ), Montespan (que teria outros amantes), Fontanges e finalmenteMainten on (Figura 63), .. que agora se faz de pudica [qui Jair maintenanr laprude 9 A conclusão é que o Grande Alcândor, embora alçado acima dosdemais, não e ra dife rente dos homens comuns em humor e temperamento ..20 Estaconclusão, q ue hoje pode parecer banal, toma-se sub versiva quando vista contrao pano de fundo da ca mp anha oficial para apresentar o rei como um herói.

A FABRICAÇÃO DO REI O REVI R SO DA MED AL HA

A referência a Maintenon como .. esposa mos traque o se gund o casamento do reiera a essa altura umse gredode polichinelo.

Como no caso das imagensoficiaisdo rei, vale a penaexaminar o mod o comodeterminad os eventos foram representados- na verdade manipulads pelos

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64. Luíshumilhado.Frontispíciogravado deNouvel/es amours de Louls te Grand 1696,Britisb Library, Londres

A metáfora militarress urgeem Os Novos Amores de Luís o Gra11de, em queLuís é represe ntado de joelho s diante desua m a i s . r ~ e n t edescoberta,Mme deSaintTr on (Figura64 ). Ao se r in fonnado de suas ulumas derrotas no a m p ~debatalha 0 rei admite preferir Vênus a Marte, enquantoMamtenonlhe comuruca,com b a ~ t a n t emordacidade: ..Vossa Majestadenão vai g ~ n h a rbata.lha nenhuma

M don Marly Versailles. 21 Mais uma vez,a guerrae uma metáforado sexo.em cu , , · ~ dPor outro lad o, em The Fre ch King s Wedding o sexo tomou-se _meta ora a

guerra. Aqui Luisé apresentado - no ano de Oudenarde -n ~ o .

como ummulherengo,mas como um parvo impotente, um ..monar ca caduco ,Igualmentemal-sucedido nas frentes sexual e militar:

TbePlagues of WarandWif e consentTo send the Kinga Paclóng;You cannotgive your SpouseCon tent.For sbe llbe always laclóng:

Os nagelosda guerra e da mulhero m b i n a r a ~Enviarao rei um pacote;/ Satisfazertua esposaJamatsc o n ~ e g u i r á > , /Pois ~ m p ncarente ela estare.(N.T )

determinad os eventos foram representados- na verdade,manipulad s pelosdiscordant es. Obviamente,cunharam-se medalhas paracomemorar a derrotadosexércitos franceses em Blenbeim, Oudenarde, Ramillies etc.De fato, publico u-seuma história metálica das campanhasde 1708-9em Utrechtem 1711. Quandoos francesesperderam Namurem 1695,o poeta inglês Matthew Prior ce lebrou oevento fazendournaparódiados versoscom que Boileauexa ltarasua cap tur a trêsanos antes.

Talvez seja mais compensador examinaras imagensde eventos mais ambíguos , ou nã o-eventos, a começar com afamosa medalhadas quatro mulheresarrastando Luís do campo de batalha.Essa imagem foiobviam ente inspiradanaocasião em que Luí s levou nãosó a rainhacomo tambémLa Valliere e Montespanpara a campanha nos Pa íses Baixos durante a Guerrade Dev o lução.23

Outro exemplo reveladorda manipulação de eventos é a imagem de Luisem aliança com o Grande Tur co. Em 1681,o im peradorLeopoldoestava sobgrande pressão . Luis XIV anexou Estrasburgo,os húngarosse rebelaramcontrao domínio imperial e os turcos tiraram proveitoda situação para reunirumexércitoem Belgrado no intuito de invadiro Sacro ImpérioRomano. Luís nãofirmou realmente umaaliança com os turcos. Por outro lado, a despeitode umapelo do papa, nada fez para ajudar o imperadorquando os turcoses tavam sitiandoViena. É este não-eve nto que está subjace nte à imagem daaliança diabólica deLuís (acima,p. 150).2•

No caso da Revo gação do Edito de Nantes, nãohouve necessidadedeinvençã o. O própri o evento foi um prese nt e para os propagandistas holandeses,inglesese alemães. Nãoprecisamse não descrevere condenar ..a mais cruel e maisviolenta perseguição jamais havidaem França", o que fi zeram com muito gosto,em medalhas , gravur as e panfletos.2'

Evidentemente,esseseventostinhamsido ce lebrados pelos meiosde comu

nicaçãooficiais franceses (acima,p. 113). A íntimarelaçãoentre as duas ima gensopostas de Luí s, o herói e o vilão,mereceum comentário adicional.

Assuntos que eram tabu no discurso oficial,es pecialmente as amante s dorei e seu segundo casamento sec reto, foram,é claro,enfatizados pelos discordantes. Apesar desta diferença óbvia,os doisgrupos opos tos de artistase esc ritoresescolhiam muitas e muitas vezes os mesmos temas, um produzindoimagensinvertidas do trabalho do outro. Como vimos, as imagens hostisse valiammaciçamente da paródia. imitavam as formasde alguns meios oficiais,comomedalhas e inscrições, inve rtendo se u cont eúdo. 6 Referiam-seao ~ p ô r - d o - s o l

ou ao .. olstício" (no se ntido do dia mais curto e escuro do ano)Y Para eles,Luís

A FABRICAÇÃO DO REI

não era0 sol e sim o meteoro dourado .28 Em vez de Apolo, eracom Faetonteque c o m p a r a ~ a m0 rei,29Emvez de Constantino,com Juliano, o Apóstata.30 Luísusava a orgulhosa divisanão inferior a muitos [NEC PLURIBUSIMPAR]; comonão podi a deixar de ser, na época da Grande Aliança alguém o descreveucomo

francês fico inferior a m itos[G ll i l ib í ]

O REVERSO DA MEDALHA

Sincehir'd for life, thy Servile Muse must singSuccessive Conquests and a glorious King;Must o f a Man1m mortal vainly boast;And bring him laurels whatso'er they cost.36*

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o francêsque ficou inferior a muitos[Gallus iam pluribus ímpar].Rotineiramente, os panfletos qualificavam o rei de covarde,em :ez de

corajoso, vanglorioso em vez de glorioso, injustoem v ~ zde j u s ~ o~ assim pordiante. Seu título oficial de Luís, o Grande provocou diversas rephcas. Troca

vam Grand por Petit ,ou 0 qualificavam detão impudentemente engrande-b . - 3

cido , ou grande apenas naam 1çao . .Outro título oficial, o de cristianíssimo rei , era tambem um permanente

convite à paródia,como nesses títulos de panfletos:O r i s t i . a n ~ s s m o~ a r ~ e "~

cristianíssimo Turco ,O cristianí ssimo precisa se tomar cr1stao[Chrzstzamsslmus christiandus] ou O bombardeio anticristão do cristianíssimorei Y

o patrocínio real do saber e das artes não foi ignorado pelos dissidentes,mas foi mais condenado que celebrado. As pinturas de Versailles eram apresentadascomo manifestações da arrogância do rei, as academias eram consideradasinstrumentos de despotismo, enquanto as pensões que o rei dava a escritores, eaté a co nstrução do Observatório, foram interpretadas como meios de afastar osintelectuais da política e da crítica ao governo.3 O Louvre foi comparado à CasaDourada de Nero. A acusação de extravagância era muito repetida.34

Os discordantes freqüentemente chamavam atenção para o que poderíamoschamar de0 culto da personalidade real, interpretando-o em termos de bajulação,vaidade, blasfêmia e paganismo.Os bajuladores do rei têm tido tais caprichosque inflaram cada vez mais sua ambição, comparando-oo ~ o ~ o l... como sepretendessem erigi-lo num ídolo perante o qual o mundom t e 1 r ~devesse seprostrar, para fazê-lo parecer imaculado e esplendoroso, quase,se nao completamente,ao nível da blasfêmia.3

o culto a Luís foi o tema central de vários panfletos, especialmenteOautolouvor fede [Eigenlob stinckt gem] Extrato de algumas flores[Extractetz/ichen Flosculorum] e O malogrodo louvor a Luís [Laus Ludovici de/usa].O Extract ataca a bajulação do rei pelo historiador oficial Périgny, ao passo queEingenlob é uma crítica deParallele (1685), de Charles-Claude de Vertron (outrohistoriógrafo real), que comparou Luís favoravelmentecom outros soberanosintitulados grandes, de Alexandre a Carlos Magno. De maneira similar, MatthewPrior atacou ao mesmo tempo Boileau e o rei:

Pindar, that Eagle mounts the Skies;While Virtue leads the noble Way:Too like a Vulture Boileau flies,Where sordid Interest shows the Prey.

A estátuade Luís na Place des Victoires deu aos discordantes uma oportunidadeque não perderam tempo em explorar. Três anos após sua inauguração, opanfletoOs suspiros (1689) observava que Luís permitia estátuasem cujo

pedestal estão gravadas blasfêmias em sua honra , reproduzindo em notaderodapé a inscriçãoVIRO IMMORTALI(a discussão de um único exemplo no pluralé uma técnica retórica bem conhecida)Y Um panfleto inglês descreveu a e státuacomo coroada com raios e estrelas, como os romanos antigos costumavam fazercom seu Deus Júpiter ... em um local, puseram as figuras da Europa, Ásia, Áfricae América ajoelhadas a seus pés, comose ele ditasseleis para a terra inteira .38

Outro panfleto declarava queos franceses ... oferecem incenso hojemesmo àdivindadede Luís o Grande, esob sua estátua, cuja cabeça é envolta por umaGlória, estão es critas estas palavras blasfemas,Numini Ludovici Magni ... fazemsuasoblações ao homem imortal,Viro immortali . 39 Em alemão, umaDescriçãodo monumento aliciador de louvores e arrogante[Beschreibung der Ruhmsüch- und Hochmüthigen Ehren-Seule], publicada em1690, não discute outracoisa senão esse monumento.40 Em 1715, um poema contra o falecido reimencionava a estátua:

Cet homme qu'un indigne et basse flatterieSur un piédestal criminelExpose à tous les yeux comme étant immortel.**

Até a coroa de lourosfoi usada contra Luís. Um poema zomba da hesitação deVitória no ato de coroar o rei, enquanto a contrafação de uma medalha do monumentomostra Vitória retirando a coroa, num exemplo lindamente literal do que o crí ticorusso Bakhtin chamava de descoroação .41 A paródia visual era talvez a maneiramais eficaz de solapar a imagem oficial. Uma gravura que circulavaem Parisem 1694 substituía as figuras nos cantos do pedestal por quatro mulheres que traziamo rei nacoleira- La Valliere, Fontanges, Montespan e Maintenon.42

' Píndaro, essa águia, sobe ao céu/ Enquanlo a virtude aponta o caminho nobre;/ Mais semelh antea um abutre Boileau voa/Para onde o interesse sórdido revela a presa.

Contratadas para a vida toda, tuas musas servis têm de cantar/Sucessivas conquistas e umglorioso rei;/Têm de se vangloriar de um homem imortal;/ E levar-lhe lauréis não importa a quepreço. (N.T.)' ' Este homem, que uma bajulação indigna e baixa/ Sobre um pedestal criminoso/ Expõe a todos

os olhares como sendo imortal. (N.T.)

FABRICAÇA O DO REI

O REVERSO DA \ ED A L H

Quem era re spo nsáve l por essa imagem não-oficial do rei ? Sabe-se muito poucosobre a organização e a distribuição desse corpus de text os e imagens . O local dapublicaçã o, quando declarado, nem sempre é digno de crédito. Alguma s vezes olugar é ..Vrystadt ou ..Villefranche , uma piada comum dos impressores clandestinos da época. Alguma s vezes é ..Pari s , Versailles ou até Trianon . O

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65 . Luís como sáliro. Lui s t Madamt dt Monttspan u mfestim, do:Joseph Werner, óleo sobre tela, 1 ~ 7 0 .Zurique,_ c.olcçao von Murah .FOio Schweiz . Institui für Kunstw1ssenschaft Zunch

cronologia desses ataques a Luís é digna de nota. É impossível. o m ~ ruma

lis t mesm odos panfletos por causa da dificuldade de dcfimr o genero -

ta ex a a, • . ? o u ,quando um texto que inclui observaçôes desfavoráveiS se o ~a um ataque. q :se pode é discutir um corpus de 75 textos (listados no Apendlce 3) , q.uct r a t a m~

ssoa de Luís com algum detalhe. Quatro textos (entre os quais o f m ~s o~ c u d odt Estado datam da década de 1660, a década da Guerra da Dcvoluça o.Seis textos datam da década de 1670, a do ataque à República Holandesa . Ogotejar só se tomou um fio d água na década de 1680, com .16 texto s, entre ~ : - .

quais o famoso s suspiros da França escrava c outras ~ r í u c a sda Rcvogaç;;do Edito de Nantes. O fio d água torn o u-se um jorro na e c ~de 1 6 ~ 0com •

d d 1690) Emseguida ele seca; ha apenas 14 texto stextos (sete apenas o ano e ·do períod o 1700 -15.

p g ,topônimo mais comum na folha de rosto dos tex tos franceses é Colônia ., e oimpre ssor mai s freqüente é ..Pierr e du Marteau , que talvez jamais tenha existidoe certamente não imprimiu todos os livros que lhe são atribuídos ao longo de umperíodo de mai s de um séc ulo . 3

Em alguns casos, detetivc s-bibli ógrafos segu iram pistas tipográficas c estasos levaram aos Elsevir, uma família de impressores de Lciden e Amsterdam. Éprovável que boa parte da literatura francesa anti-Lui s fosse impressa na República Holandesa e contrabandeada para a França. Os holandeses já tinham umatradição de imprimir livros em línguas estrangeiras para exportação, e oshugucnotes,que fugiram para os Paíse s Baixos na década de 1680não raro passaram a ganhar avida como escritores ou livreiros. É provável que alguns deles estivessem profundamente envolvidos nessas formas de co muni cação clandestina. O grande golpedessa imprensa c land es tina foi a contrafação, em 1691, da história metálica deMenestrier (aci ma, p. 125), introduzindo nela cinco cliché s extras de medalhassatíricas, como uma nota que dizia: os ci nco clichés que se seguem não são

menos relevante s para a HISTÓRIA DELuis, O GRANDEque os anteriore s , maso padre M encs tri e r teve suas razões para não os inserir em suas ob ras .... (verFigura 60) .

Os criadores dessas imagens discordantes são em geral tão anônimos oupseudônim os quanto os impressores, mas é possível identificar pelo menos algunsartistas e escritores. O artista mais destacado foi o holandê s Romeyen de Hooghe ,famoso sobretudo como aquafortista, mas ativQtambém como pintor, escultor,medalhista e escritor. Sua cruzada dos de se nhos , como foi chamada, con tra Luíscomeçou na época da guerra de 1672 e continuou até sua morte, em 1708 . Incluiuma repre sentação das ..atrocidades co ntra os protestantes franceses , em 1685 ,e imagens memoráveis de Luís como Faetonte ou na forma de um Apol o estropiado.•5 Outro adversário ferrenho de Luís XIV foi Nicolas Chevali er . Pastor

huguenote, ele deixou a França após a Revogação do Edito de Nantes c se tomoulivreiro e medalhi sta na República H oland esa, combinando as duas atividadesnuma hlst ória metálica das campanhas de 1708-9. 46

Outro s artistas parecem ter trabalhado para ambo s os lados, desde que ospagassem . Já encontramos antes o pintor suíço Joseph Werner na co rte, na décadade 1660, retratando o jovem Luís como Apolo (p. 66). Não tendo conseguido fazerca rreita na França, Werner foi para a Alemanha e pint ou Luís, já idoso, comosátiro numa bacanal (Figura 65). Devemos interp retar essa mudança da glorificação para a sátira como desapontamento pessoal ou mera mudança de protct or?• 7

E que dizer de Nicolas Lannessin? Esse gravurista e livreiro é conhecido so bre -

A FABRICAÇÃO DO REI

tudo pela série de frontispícios que fez para o Almanaque Real editado anualmente, numa importante contribuição para a glorificação do rei. No entanto foipreso na Bastilha em 1704 acusado de ter feito ou vendido uma caricatura do reie de Madame de Maintenon. 48

Os autores a quem os panfletos são atribuídos formam uma mistura seme-

O REVERSO DA MEDALHA

A questão mais importante e mais difícil foi deixada em último lugar. Queeficácia tinha essa campanha? Quem lia os panfletos ou via as medalhas? E quepensavam essas pessoas d s críticas? A recepção d s imagens desfavoráveis deLuís assim como as reações às representações oficiais do Rei Sol serão discutidasno próximo capítulo.

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lhante de críticos empenhados e mercenários. Entre eles há alguns nomes bemconhecidos na época. O Escudo e Estado foi obra de Franz Paul von Liso a umadvogado do Franche-Comté que se tomou diplomata a serviço do imperadorLeopoldo. 49 Maclziavellus Gallic us é geralmente atribuído a Johan Joachim -

cher, que esteve também a serviço de Leopoldo no duplo papel de alquimista eeconomista. 5° Considera-se em geral que o panfleto Os suspiros da Françaescrava foi escrito pelo pastor huguenote Pierre Jurieu. 5

O nome mais famoso porém ainda está por vir. Concorda-se em geral queGottfried Wilhelm Leibniz foi o autor do panfleto O cristianíssimo Marte [MarsChristianissimus]. Uma crítica de Luís XIV pode parecer algo muito distante dosestudos filosóficos c matemáticos que fizeram a fama de Lcibniz mas ele passougrande parte de sua vida adulta a serviço de dois príncipes alemães o eleitor deMainz e o duque de Bruswick e chegou a conceber um plano para desviar Luísda Alemanha propondo a invasão do Egito.

Outros escritores que fizeram oposição a Luís eram profissionais conhecidos em seu tempo mas não propriamente famosos. Um dos mais pitorescos foi omilanês Gregorio Leti um convertido ao calvinismo e autor de vários panfletosanti papais. Em 1680 ele foi à França e apresentou um panegírico de Luís XIVmas cinco anos depois começou a escrever contra ele. O famoso Conquêtesamoureuses é em geral atribuído a um nobre francês Courtilz de Sandras quetambém parece ter escrito de ambos os ladosY Christianissimus christiandus foiobra de um jornalista vira-casaca o inglês Marchmont Needham.

As três maiores figuras literárias da Grã-Bretanha acrescentaram todas elasdetalhes à imagem alternativa do rei: Jonathan Swift Matthew Prior e JosephAddison. Swift fez referências desfavoráveis ao tirano infatigável numpoema que celebrava a expedição de Guillherme à Irlanda. Prior, que naépoca servia como diplomata, fez circular entre os membros do governo

britânico sua balada sobre a tomada de Namur. A poesia como a diplomacia,era uma continuação da guerra por outros meios. Quanto a Addison, além deintroduzir algumas observações ferinas sobre Luís em seu aparentementeinocente ialogues on Medals aceitou um convite oficial para escrever umpoema celebrando Blenheim. 53

A campanha de propaganda contra Luís foi é claro consideravelmentemenos coordenada que a campanha a favor. Jornalistas em Londres medalhistasem Nuremberg, exilados huguenotes na República Holandesa e críticos francesesdo rei não podiam se comunicar facilmente entre si. Ironicamente era a imagemoficial do rei que dava aos ataques alguma coerência.

p p

XI

A RECEPÇÃO DA IMAGEM E Luts X V

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66. O trono de prata. Gravura do trono real, extraída doercure Galanr dezembro, 1686.Bibüotheque Nationale, Paris

Etudiez lacour et eonnoissiezla ville.•

Boileau

Atéagora este livro concentrou-se,comoestudos anterioressobrerepresentaçõesde Luís XIV,mais na produção que noconsumo,mais na imagem projetada

quena imagemrecebida.No entanto nenhumestudode comunicação podeserconsideradocompleto, comoos historiadoresda literaturae da arteacabaram porcompreender,sem alguma discussãoda recepção da mensagem,a natureza da

audiênciae os modoscomo estareagiu.1Em outraspalavras, devemos estudar agora nãoapenas..quemdiz o quê.

mastambém..paraquem e ..comqueefeitos. refinandoesta fónnula (acima,p.25) para levar em contaos processos de interpretação demensagense adequando -ospara ftnsa que nãoforam originalmente destinados. No caso deLuísXIV,pelomenosa documentação referenteàs audiênciaspretendidasé relativamenterica, e os registros nospermitem ter também algtfns vislumbres fascinantesdereaçõesindividuais.

REcEPTORES DoMÉSTICOS

Paraatingir quem, paraconvencer quem,foi essaimagemexibida por maisde 70anos? improvávelque fossedirigidaà grande maioria dos súditosde Luís,os20 milhõesde francesese francesas que viviam em1643,ou 1661, ou 1715 (ap o p u l~ ã oda França no final do reinadoera mais oumenos a mesmado início).Os meios decomunicação deLuísnãoerammeiosde comunicaçãode massa.As medalhaseramdistribuídasem ocasiões especiais como ainauguração docanal do Languedocou da estátua da Place des Victoires, mas não eram

' Estudea cor te e conheça a cidade.(N.T.)

A FABRICAÇÃO DO REI

cunhadas em grande número. Todos os parisienses podiam ver os arcos do triunfoe as estátuas erguidas em sua cidade, mas poucos teriam sido capazes de entenderas inscrições latinas ou mesmo de decodificar a iconografia. Versaille s estavaaberto para qualquer adulto do sexo masculino que portasse espada, e podia-sealugar uma espada na entrada, mas só uma minoria tinha condições de fazê-lo.

A RECEPÇÃO DA IMAGEM DE LUIS XIV

sugere que a imagem oficial era - até certo ponto - a expressão de umanecessidade coletiva. Embora isto seja pura especulação, é tentador sugerir umvínculo entre a ascensão de um Estado centralizador no século XVII e aascensão do culto ao rei, que representava - de fato, encarnava - o poder docentro.

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Os apartamentos reais eram abertos três vezes por semana para o que foidescrito como todas as pessoas distintas [toutes les personnes d une qualit édistinguée

De maneira similar, os festivais, embora talvez se assemelha ssem à televisãode nossos dias em seu brilho, seu fascínio e seu apelo simultâneo aos olhos e aosouvidos, eram produzidos para um pequena audiência na corte. O ballet de courera um teatro íntimo. Os panegíricos em prosa e verso dirigiam-se em primeirolugar a uma audiência de uma só pessoa, o próprio rei, e podiam ser lidos por ele(ou para ele) ainda em manuscrito, embora freqüentemente os textos fossempublicados mais tarde. As Mémoires do rei também foram escritas originalmentepara uma audiência de uma só pessoa - o Delfim. Esse documento confidencialsó foi publicado em 1806.

Quem era, ou seria, o público? A questão é bem mais difícil de responderdo que pode parecer. Antes de mais nada, o conceito de público mal estavacomeçando a existir naquela época. Os franceses usavam expressões como o

bem público , falar em público , e assim por diante, mas não o público toutcourt. O conceito de opinião pública ainda não e ra conhec ido - a primeirareferência a l opinion du peuple data do último ano do reinado, 1715. 3 Aexpressão la voix publique, no sentido de voz pública , ou talvez preferência pública , era apenas um equivalente parcial. Diz-se que um homemtem a voz pública a seu favor para significar o aplauso universal [ n ditqu un homme a la voix publique pour luy, pour dire, l applaudissementuniversel).4

Poder-se-ia contestar que faltava o significante porque faltava também osignificado. O público poderia ser definido como um grupo social que, assimcomo uma classe social, precisa ter consciência de si mesmo para existir.s Essa

autoconsciência foi incentivada pelo crescimento dos meios de comunicação.Assim, os fabricantes da imagem do rei deram uma importante contribuição paraa criação de uma opinião pública na França. Nesse sentido, tornaram mais fácil acirculação tanto das imagens oficiais como das não-oficiais.

Por outro lado, os meios de comunicação do século XVII - como os dehoje - eram moldados por sua vez segundo as necessidades e desejos do público,ou pelo menos pelo que os comunicadores acreditavam ser as necessidades e osdesejos do público. A imagem do monarca onisciente e onipotente não podeser desprezada como mero produto de um círculo de propagandistas e bajuladores. A semelhança entre o rei-herói francês e os heróis de outras culturas

Evidentement e seria um erro tratar as audiências e os espectadores do séculoXVII como monolíticos. Na verdade, eu gostaria de sugerir que os comunicadoresda época tentavam atingir três audiências em particular. Os três alvos que tinhamem mira eram: a posteridade; as classes altas francesas, tanto de Paris como dasprovíncias; e os estrangeiros, especialmente as cortes estrangeiras. Façamos umexame destes diferentes grupos, pela ordem.

Por estranho que possa parecer hoje, os publicistas do rei estavamtentando nos atingir, ou, mais exatamente, atingir a posteridade tal como aimaginavam. Como as memórias reais o expressam, os reis são obrigados aprestar contas de seus atos a todas as eras . 6 O rascunho de uma carta escritapor Charles Perrault a Colbert apresenta a pintura e a escultura como artes que,segundo o rei, deveriam dar uma contribuição especial à transmissão de seunome à posteridade . 7 Uma razão para a preponderância de obeliscos nosprojetos de monumentos era que eles simbolizavam a fama eterna. Os própriosmonumentos eram feitos de materiais como o mármore e o bronze para durar

por séculos. Medalhas dos eventos do reinado eram enterradas nas fundaçõesde edifícios p o r exemplo, do Louvre em 1655, do Observatório em 1667 eda Pont Royal em 1685. 8

A melhor prova da preocupação do governo com a posteridade é certamente o esforço feito para encontrar autores adequados para uma históriaoficial do reinado. Dos 90 escritores sobre os quais Chapelain deu informaçõesa Colbert em 1662, nada menos que 18 eram historiadores. Pelo menos 20pessoas ocuparam o posto, ou se arrogaram o título de historiographe du roi,ou foram encarregadas pelo governo de escrever sobre história (Apêndice 3).O próprio rei se envolveu na redação de relatos oficiais de determinadascampanhas. 9

A imagem do rei era projetada também para atingir os súditos do rei, ospovos sobre os quais reinamos les peuples sur qui nous régnons ] Em primeirolugar, os cortesãos, especialmente a alta nobreza, que era praticamente obrigadaa freqüentar a corte. Saint-Simon conta a história do desagrado do rei com eleporque saíra da corte sem permissão. Pretendia-se que a alta nobreza servisse aorei na corte, não só para isolá-la de suas bases de poder locais mas também paraofuscá-la com a glória dele. Os cortesãos, homens e mulheres, compunham a parteprincipal da audiência rotineira das peças teatrais, balés e óperas e outros espetá.culos na corte (sem esquecer o lever real). Em ocasiões especiais, os númeroscresciam. Nada menos que 600 damas e cavalheiros participaram dos Plaisirs de

A FABRICAÇÃO DO REI

1 /le Enchantée de 1644, e 1.500 num Divertissement ainda mais elaborado de1668. O fato de mulheres participarem nos mesmos termos que os homens e emnúmeros aproximadamente iguais merece destaque.

Numa famosa frase de sua Art poétique, Boileau caracterizou o públicoliterário francês como la cour et la ville, a corte e a cidade (isto é, Paris). 10 A

A RECEPÇÃO DA IMAGEM DE LUIS XIV

a uma acade mia de música, segundo o modelo de Paris, foi fundada em Marse lhaem 1684. Como seus modelos parisienses, essas instituições ocupavam-se freqüentemente de promover a glória do rei. As academias de Arles e Angersofereciam prêmios para louvores a Luís, a academia de Soissons organizavacelebra ções para o dia de são Luís, e a academia humanística de Caen empenhou

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corte tendia a menosprezar a cidade como burguesa , termo que começava a serusado na década de 1660 para designar advogados e outros plebeus. Quanto aorei, a idéia tradicional de que suas experiências durante a Fronda (acima, p. 50-1)o tomaram hostil à cidade parece procedente. Após as bodas reais e a entradasolene na cidade, que podem muito bem ter sido testemunhadas por 100.000pessoas, os parisienses tiveram poucas oportunidades de ver pessoalmente seusoberano. 1 Ele passava relativamente pouco tempo no palácio do Louvre, eparticipou de relativamente poucos eventos públicos em Paris após o lit de justicede 1673 (acima, p. 51). Foi somente em 1687 que Luís fez uma visita ao Hôt el deVille, para demonstrar que esquecera a Fronda e estava disposto a fazer as pazescom a cidade. 12

Ao mesmo tempo, os louvores ao rei atingiam o público urbano. AGazette, que era impressa no Louvre, podia ser lida ainda fresca pelos parisienses. Espetáculos produzidos para a corte eram muitas vezes repetidos emParis. La princesse d Elide de Moliere, por exemplo, estreou em Versailles em

maio de 1664, como parte dos Plaisirs, mas foi reencenada em Paris, no teatrodo Palais Royal, em novembro seguinte. A peça de Racine, Alexandre, foiencenada no mesmo teatro e também no concorrente Hôtel de Bourgogne. Em1673 a direção do teatro do Palais Royal passou para as mãos de Lully, cujasóperas foram produzidas ali.

As academias reais de literatura, pintura, arquitetura e música eram todassediadas em Paris. Assim também a fábrica real dos Gobelins, que expunha suastapeçarias por ocasião dos festivais mais importantes. John Locke, por exemplo,as viu na festa de Corpus Christi de 1677, tendo comentado: Luís, o Grande, erao herói de cada peça. 13 Os principais teatros e a ópera estavam em Paris. Areconstrução do Louvre, a construção dos Invalides, os arcos do triunfo e as

estátuas reais erguidos na Place des Victoires e na Place Louis-le-Grand (PlaceVendôme) carimbaram a imagem do rei sobre a cidade. A transformação foicomemorada com uma medalha com a inscrição Paris ornamentada [ORNATA

LUTETIA].

Há indícios também da crescente preocupação oficial com o público daprovíncia. Seis academias provinciais, organizadas segundo o modelo da Académie Française foram fundadas entre 1669 e 1695 em Arles, Soissons, Nímes,Angers, Villefranche e Toulouse, enquanto academias científicas que reproduziam a Académie des Sciences foram fundadas em Caen (que já tinha umaacade mia para as humanidades), Montpellier e Bordeaux. 14 Uma ópera combina da

se em erguer uma estátua dó rei.Luís fez também várias visitas solenes a cidades francesas, dando aos

habitantes uma oportunidade de vê-lo em pessoa. Foi a Reims, segundo o costume, para sua coroação em 1654. Fez uma entrada formal em Lyon em 1658. Noperíodo de seu governo pessoal, visitou diversas cidades, em sua maioria recémadquiridas, como Dunquerque (1662, 1671), Lille (1671, 1680), Dijon, Besançone Estraburgo (todas em 1683) e Cambrai (1684).

O governo esperava que acontecimentos felizes como vitórias ou osnascimentos de novos membros da família real fossem celebrados em Paris enas províncias. Os bispos recebiam mensagens que os instruíam a promover ocanto do e De um em suas catedrais nas ocasiões apropriadas e chegavam atéa especificar pessoas e grupos que deveriam comparecer à cerimônia. 15

Muitas vezes as celebrações assumiam forma mais elaborada. Em 1678,por exemplo, houve festas públicas pela paz de Nijmegen em Abbeville (ondeum retrato do rei foi exibido), Caen, Chartres, Havre e Montpellier. 16 Em 1682,

o nascimento do duque da Barganha foi profusamente comemorado nas pro-víncias, de Rennes a Marselha, mas sobre tudo na província da Barganha e emsua capital, Dijon. 17 Os festejos por ocasião do nascimento de outro neto,o duque de Anjou, em 1684, seguiram o mesmo padrão, principalmente emAngers. 8 Em 1687, festivais para celebrar o restabelecimento da saúde dorei foram organizados em Arles e outras cidades. 9 Celebrações desse tipo,que em geral incluíam panegíricos do rei, podiam ser organizadas dointendant local, pela municipalidade ou por ~ e m r o sdas várias academiasprovinciais.

As províncias recebiam informação regular sobre o rei através de periódicos, sobretudo a Gazette, oficial, e o Mercure Galant. O editor do Mercure (que

passou a receber uma pensão real a partir de 1684) se dirigia aos seus leitorescomo se todos fossem provincianos, ávidos de notícias de Paris, do rei e da cor te(acima, p. 1 05). O periódico era escrito na forma de cartas dirigidas a uma senhorana província - a atenção à mulher merece destaque. 20 Um impressionanteindicador da crescente preocupação do governo com a província é fornecido pelaexpansã o desses órgãos oficiais. Na altura de 1685, a Gazette de Paris eraimpressa também em cinco cidades da província (Bordeaux, Lyon, Rouen, Toulouse e Tours); em 1699, já era impressa em 21 cidades e no final do reinado, em30.

21O Mercure Galant também era impresso na província: em Bordeaux, Lyon

e Toulouse.

A FABRICAÇÃO DO REI

A "campanha das estátuas" da década de 1680 voltou-se igualmente paracidades importantes da província: Arles, Caen, Dijon, Lyon, Montpellier, Pau,Poitiers e Troyes. Além disso, ergueram-se arcos do triunfo em Tours, Besançone Montpellier (todos em 1693). Arcos similares foram projetados para La Rochelle, Marselha e MetzY A distribuição geográfica desses arcos assemelha-se à das

A RECEPÇÃO DA IMAGEM DE LUIS XIV

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estátuas eqüestres (acima, p. 106) e à das visitas solenes. Concentravam-se naperiferia, nos territórios mais recentemente adquiridos, os que gozavam de maisprivilégios - e os que mais freqüentemente se rebelavam. Chamar uma fortalezana recém-conquistada Saarland de "Saarlouis" (acima, p. 95) fazia parte dessatendência geral.

As famosas mensagens dirigidas às províncias, em 1709, para convencêlas da necessidade de levar a guerra adiante (acima, p. 122) poderiam ser vistascomo a culminação dessa tendência. Cartas abertas aos governadores provinciais e aos bispos, assinadas por Luís mas escritas por Torcy, descreviam osesforços do governo para fazer a paz, a má fé do inimigo e a devoção do rei aseu povo. Essas cartas eram reproduzidas pelas imprensa local de toda aFrança. 23

Esta descrição das representações de Luís perante um público internoconcentrou-se, como o governo, nas elites. Provavelmente nem uma única ed içãoda Gazette chegou a ter mais de 2.000 cópias, ao passo que o preço variava entre

um e quatro sous. O Mercure Galant, mais exclusivo, custava 25 sous por númeromensal na década de 1680. As medalhas, dado seu custo de produção, provavelmente circularam entre um grupo pequeno, assim como a história metálica oficial,um magnífico e caro volume in-fólioY Os jetons eram distribuídos em maiornúmero - mais que 26.000 em 1682, por exemplo m a s ainda ficavam restritosa uma minoria da população. ~

Isto não quer dizer que a gente do povo não tinha uma imagem do seu rei.As visitas solenes às cidades permitiam a todos os interessados pelo menosvislumbrar Luís. Um relato oficial da visita do rei a Cambrai em 1684comentou a multidão extraordinária que se reunira para ver o rei cear. 26 Ocostume do toque real dava aos franceses e francesas comuns mais uma

oportunidade para ver seu soberano face a face. Sugerir que Luís tocou350.000 pessoas ao longo de seu reinado seria fazer uma estimativa conservadora. Pode-se dizer que essas pessoas atestaram com os próprios pés sua crençana monarquia sagrada. No entanto, deveríamos ter em mente que os que eramtocados desse modo recebiam 15 sous cada um, e que isso era antecipadamenteanunciado (Figura 67 _27

As pessoas comuns participaram também das orações públicas pelo êxitodos exércitos franceses, ordenadas em 1672, 1683 e 1709. A carta escrita pelo reiem 1709 aos governadores de suas províncias foi lida em voz alta a todo oexército pelo marechal Villars, como o atestou um espião inglês. 28 Conside-

D E P R LE R O YE T M O N S I E V R L E MAR. .QYIS DE SOVCHES

Preuoft de l'Hofteldefa Maieflé, Grande Preuoftéde F ance.

faiél: 1 fc;auoir 1 tous qu'il ,appar tiend ra, que Dimanche prochaintour de Pafques, Sa Matefl:e touchera les Malades des Efcroüelles,

dans les Gàlleries du Louure, à dix heures du mat in, 1 ce que nu n'en pretende caufe d'igno rance, que ceux qui font attaquez dudit mal ayent~ s _ytrouuer, fi bon leu r e ~ b l e .Faiét à Paris , le

1

Roy y efl:ant, le vingt-. · fixtefme Mars mli fix cens cmquante-fept. Signe, DE. S o v c H E s.

Leu publié à on deTrompe&cry publicpar tom le.r Carrefours de cetteViDe Fauxbourtl de Paris , par tnoy Charles Canto Crieur I uré de [a Maiefté, accompagnéde Jean du

B ~ s ] a c q ~ e s/e Frain, ri: 8flienne Chappt Jure-z Trompettes, dudit S eigneur, alfiché, /evtngt-fixufme Mar.r, mtl Jix cens cinquante-fopt. Signe, C A N T o

67. Comunicado anunciando o toque real, 1657. Bibliotheque Nationale, Paris. Um anúncio de1692 faz referência a pagamentos aos doentes

rando que cerca de 650.000 franceses ingressaram no exército só nos anos1701-13, a instituição merece estudo como um meio de difundir imagens oficiaisdo rei por toda a nação. 29 As imagens visuais do rei eram capazes de romper abarreira à comunicação imposta pelo analfabetismo, e algumas delas, emespecial as estátuas, tinham extrema visibilidade. Mesmo as tapeçarias da

história do rei era m expostas ao público ocasionalmente, como nos Gobelins nafesta de Corpus Christi. 30

Apesar disso, os fabricantes da imagem raramente se referem às pessoascomuns. Charpentier foi uma exceção ao recomendar o uso do vernáculo emlugar do latim nos monumentos públicos, para permitir ao povinho [menupeuple] o prazer de participar por uma vez da magnificência do Estado e daglória de seu príncipe . Seja como for, sua recomendação não foi seguida.Numa nação de camponeses, os esforços oficiais para dar ao rei uma boa imagem

.Pública concentravam-se nas cidades. De fato, é raro encontrar uma estátua do reinuma aldeia. O único exemplo conhecido é uma escultura em Guimiliau (Finis-

A PABRICAÇÃO DO R l l

têre), que rep rese nt a Luís XIV co mo são Lu ís. 32 Certamente não por co incidência,a data, 1675 , é também a da revolta dos bretões contra o rei.

RECEPTORES ESTRANGEIROS

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O público externo para a h istoi re du roi era considerado não men os important eque o intern o. Em 1698 , por exemplo, Pontchartrain pediu à petite académieque fi zesse uma li s ta de medalha s adequadas para a apre se nt ação a es tran-

geiros.O cardea l Mazarin qualificou o jove m Luí s como ..o maior rei d o mund o"

[le plus grand r oy du monde]l 3 (Figura 68 ). A expressão pode par ece r tanto purahipérbole com o puro etnoce ntri s mo, ma s foi repetida e ampliada pel os pan eg iri s-tas. Uma medalha cunhada para comemo rar o Tratado de Nijm egen apresen-tava Luís co m o ..o pacificador do Universo" [PACATOR ORBIS] e mo s travaVitória pre senteando -o com um globo. A imagem do s quatro co ntinente s, ou..os quatro cantos do mundo" (a Au s trália ainda não fo ra de scobe rta) re con hecendo a s uprema cia do Rei Sol podia se r vista na cali e r des Ambassadeurse em out ros l u re s ~As insc r ições no monu ment o a Luí s na Pla ce desVi c toir es incluíam uma referên cia às embaixadas de ..naç ões distantes", m en

cionando as d e Mo scou, Guiné, Marroco s, Sião e Arg é lia . Um festival reali-zado em Grenoble e m 1701 represen tou Lu ís em se u trono recebendo home-nag em dos povos do mundo, en tre os quais .. siameses, tonquineses, a rgelinos,chineses, iroqu eses .3' Estes cinco exemp los são referências precisas a eventosdo rei nad o.

Essas imag ens co rrespo ndiam a um projeto conc ret o, com obje tivos que iammuito além das fro nteiras da Eur opa. Em particular, a atenção dada à embaixad asiamesa em 1686 (co m emorada com uma medalha, p. 111 ) e à embaix ada persaem 1715 dão um eloq üente tes temunho desse projeto. 36 Para impressionar osrepresentan tes dos .. despotismos orientais , como os franceses os viam, Luí srec ebeu os embaixadore s oto man o e persa num .. rono exage radam en te alto [ n

Tr óne fort élevé]31

(Figura 66).O rei tinha boa s razões práticas (p. 152-3) para bajular o s ultã o o tomano-a h osti lidade ao Sacro Império Romano dava-lhe s int e resses com uns. Arg e l eMarroc os eram dependência s do Império Ot om an o. Um bombardeio obr igouArgel a se s ubmete r à França em 1684 (p. 107). Quant o à Pérs ia , quem tomou ainiciativa dipl omática não f o i o re i, mas o xá. Na esperança de ob ter a ajuda deum esquadrão francês em sua tentati va de tomar o porto de Muscat, no GolfoPérsic o, o xá Husseim mand ou um enviado a Lu ís em 1715.

Lu ís XIV tinha pe lo menos um lugar onde pôr o pé nas Américas . A cidadede Quebec , fundada por co lonizado res franceses em 1608, tomou-se a capita l da

O recebimento da medaJha hi il órica . Retrato de raf von IHhn e Nicolas e Largilliere,.1 702 . Herzog Anlon Ulrich -Museum, Braunschweig

A FABRICAÇÃO Rl l

provínciada NovaFrançaem 1663. Um bustodo rei foi instalado na Place Royaleem 1686,na épocana campanha das estátuasnas províncias francesas (acima,p.l02-3).Os iroqueses, que resistiramà dominação francesa,foram obrigadospelo governador francês, Frontenac, aimplorara paz em 1696.Foide Quebec queo exploradorRobertde la Salte partiu para a Louisiana,regiãomuitomais vastaque o atualestadoda União, anexada porLuís XIV em1682e batizadaem sua

A RI CEI'ÇAO DA IMAOI M OI LUIS XIV

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q , phomenagem.

A morte deLuísXIV chegou a serhomenageadaaté na América espanhola,graças ao fato deser ele o avôdo monarcareinante, FilipeV Exibiu-se umféretro

na catedrald Cidade do México,o arcebispo Lanciego fez um sermão epublicou-seum panegírico do finado rei,Luis XIV e/ Grande queo qualificava deespelhodos príncípes"38 (Figura 69).

Contatosoficiais com o Extremo Orienteremontama 1661, quandoLuísofereceu sua amizade aos reis da Conchinchina, Tonquim e China".390 jesuítaJoachlm Bouvet foi paraa Chinae ingressouno serviço doimperador Kang-Hi,que reinou de 1662 a1722. Bouvet descreveu paraKang-llia grandeza de Luís.Infelizmente desconhecemos que impressãoo rei causouno imperador.Pelospadrões chineses, osoberano de 20milhões de pessoas não devia parecermuitomais que um principezinho.Bouvet, no entanto, foi enviado devolta a Versaillespara apresentar a Luís uma descrição dacortechinesa.'0

Essescontatosatendiam a finalidadesreligiosas,econômicas e políticas.Os jesuítas eram fundamentalmente missionários,seguindo os passosde sãoFrancisco Xavier, o apóstolo do Extremo Oriente, ede Matteo Ricci, ofundador da missão chinesa. Colbert estava empenhado empromover ocomércio com a Ásia. Odesejo de difundir a lotícia daglória do rei eassimampliá-la era umarazão a mais para o cultivo dasrelaçõescom esses reinosdistantes.

Isso não impedia quese fizessegrandeesforço para impressionaras outrascortes da Europacom a grandeza deLuís XIV. O tempo do reiera tomado emboaparte pelos rituais da diplomacia, incluindorelações com Estadosmuito pequenos. Tomando como exemploum mês bastantenonnal, Luís passouo mês denovembrode 1682em Fontainebleau e Versailles.Em Fontainebleauconcedeuduas audiências ao embaixador da Savóia(comquem umcasamentoreal estavasendo negociado) e uma a cada um dos enviados deHanover, ao passo queosenviadosde Savóiae da Bavária foram lhe apresentarseusrespeitos antesde partir(o conge . Em Versailles, deu audiência aosenviadosde Wolfenbüuele Parmaerecebeuas despedidas dos deHanovere Zell.'1 Em ocasiões especiais, comoamorte da rainha, todosos membrosdo corpo diplomático iam uma um Lheapresentarseus cumprimentos, ou,no caso,suascondolências.'2

Os embaixadorescompunhampartesubstancialda audiência dos festivais,representaçõesteatrais, balése óperasrealizadosna corte.Freqüentementeeram

69. Luís no Novo Mundo.Folha de rosto de Espejo dePrincipes México,1715

agraciados com presentes que haveriam deenallecera imagem dorei no exterior- medalhas e tapeçarias representandoeventosdo reinado, volumes de gravurasreproduzindo os objetos das coleçõesreais e miniaturas do próprio Luís ricamente

ornamentadas. Presentes desse tipo desempenhavamsimultaneamente váriasfunç.ões: Eram amostras da munificência real, difundiamsua imagem e podiamservu amda aoutros propósitos.É razoávelsupor que a tapeçariaoferecidaaopapa, representando odoge de Gênova desculpando-se perante Luís, pretendiaser umaadvertência.•l

A apresentaçãode espetáculosno estrangeiro era mais um meio de promovera reputação do rei em outraspartes da Europa. Em 1668,o embaixadorjunto àcorte doeleitorde Mainz recebeu instruções deParis paraorganizar emAix-laChapelle uma representaçãoteatralsobre otema a pazrecé m-concluída [ ax

nuperrimefacrum] (acima,p 84). Em 1682,o nascimento do duque de Borgonha

A PABRICAÇÁO DO R EI

foi publicamente celebrado por embaixadores franceses em Veneza, Roma, Madri, Berlim e até na republicana Suíça.•• m 1688, o embaixador francês em Romacelebrou a captura da fortaleza de Filipesburgo com uma queima de fogos deartifício.•

Texto s de glorificação a Luís em línguas estrangeiras mostram a importância conferida a leitores estrangeiros. As inscrições nos monumentos e medalhas

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eram em latim , apesa r dos protest os de .. modernos . como Charpenti er e Desmarets, não apenas em obediênc ia ao precedente clássico, mas também para assegurar uma comunicação mais efetiva com as pessoas instruídas de toda a Europa.• 6

Alguns dos muitos panegíricos ao rei foram compostos em latim . A escolha dolatim por vezes indicava um evento acadêmico - Jacqu es La Beaune, porexemp lo, autor de um elogio de Luís como patrono das artes (acima, p. 35) eraprofessor do colégio jesuíta Louis-lc-Grand. Por ou tro lado, as traduções depanegíricos para o latim (como as que Charles de la Rue fez de Corneille)visavam sem dúvida uma audiência externa à França. Encontravam-se tambémrelatos em latim da coroação do rei e do famoso carrousel nas Tuileries ,Algumas das estampas que repre sentavam a histoire du roi traziam inscriçõesem latim. Panfletos ustificando a Guerra da Devolução e a Guerra da SucessãoEspanhola também foram traduzidos para o latim, assim como a históriametálica oficial. s

Nesse período o latim era usado po r tantas categorias de pessoas, para tantosIins, que textos nessa língua não nos permitem fazer uma avaliação precisa dogrupo a que as mensagens se destinavam. Uma impressão mais nítida das principais audiências-alvo pode se r obtida a partir das traduções para as várias Hnguasvernáculas.

O espanho l, ou castelhano, e ra a língua da corte de Madri, com a qual arivalidade do rei foi particularmente intensa na década de 1660 (acima, p. 76).Não espanta, portanto, que a defesa oficia l da Guerra de Devolução (supostamente travada em defesa dos direitos da rainha espanhola de Luís) tenha sidoimediatamente traduzida para o castelhano. É intrigante verificar que um relatoem espanhol do famoso divurissemenr de 1668 (acima, p. 76) - Bre vedescrição de u esplêndido banquete de um certo Pedr o de la Rosa - foipublicado na época não na Espanha, mas em Pari s, a suge rir que a traduçãofoi inspirada pelo governo. Afora estes casos, textos em espanhol exaltandoLuís são raros antes do período de se u neto Filipe V. Panflet os que justificavama Guerra da Sucessão Espanhola foram traduzidos para o espanhol e distribuídos pelo embaixador francês em Madri O famoso retrat o de Luís idoso, pintadopor Rigaud, foi originalme nte encomendado para ser exibido no palácio de Filipe Vem Madri .

Sendo o alemão a língua da co rte do sacro imperador romano, outro dosgrandes rivais de Luí s no pal co europeu, não su rpreende encontrar traduções

. uis como o destruidor da heresia gravura de Elias Hai nzelmann 1686 .Btbliothêqu e Nationale, Paris

A FA B R I C A Ç Ã O DO REI

para essa língua.Uma das descrições das bodas reais feita na época foi traduz idapara 0 alemão,° bem como a justificativa oficial da Guerrade Devolução e ahistória metálica. Uma tradução alemã da descrição, por Félibien,de tapeçarias Gobelins que representavam os quatro elementos e as quatroestações -a que se misturam louvoresao r i foi publicada em Augsburgoem 1687.5

Foi também em Augsburgo que um gravador alemão, Elias Haizelmann,

A RECEPÇÃO DA IMAGEM DE LUIS XIV

cível, magnificente ? O melhor que se pode fazer é oferecer exemplos individuais,faces na multi dão. Se essas reações eram típicas dos grupos a que osindivíduospertenciam, é impossível dizer, massua variedade, pelo menos, podeserinstrutiva.

Poderíamos começar com contrastes no seio da alta nobreza. O duquedeSaint-Aignan, um favorito do rei, empenhou-se arduamente em promover a glória

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Foi também em Augsburgo que um gravador alemão, Elias Haizelmann,fez uma estampa celebrando a derrota da heresia pelo rei (Figura 70),umlembrete de que os europeus não eram unânimes na críticaà Revogação doEdito de Nantes. Alguns panfletos que justificavam a Guerra daSucessãoEspanhola foram traduzidos para o alemão,52 bem como grande númerodeataques aLuís (Apêndice 3).

A tradução dos louvores ao rei para o italiano sugere o desejodeimpressionar o papa e talvez as cortes de Turim, Módena e outras.Umadescrição da coroação do rei foi publicadaem italiano em 1654, e umadescrição das bodas reaisem 1660. Girolamo Graziani, se cretário doduque deMódena recebia pensão de Luís para glorificá-lo.Além de fazer sonetossobre as vitórias do rei,Graziani difundiu justificações francesas da Guerrade Devolução. 53 Elpidio Benedetti mais conhecido como um dos conselhei-ros artísticos de Colbert (acima, p. 67), foitambém o autor de um panegí-rico do rei A glória da virtude na pessoa de Luís, o Grande publicado

em Lyon presumivelmente p ~ r fins de exportação. 54 Outro panegírico dorei da autoria de Pelisson foi traduzido para o italiano bem como váriospanfletos que justificavam a posição francesa durante a Guerra da SucessãoEspanhola. 5

Ao que parece, fez-se relativamente pouco esforço para convencer osinglesesou os holandeses da grandeza do rei. No caso dos holandeses, o uso dofrancês pe la elite dominante fazia o esforço parecer desnecessário, argumento quenão podeser aplicado aos ingleses. No entanto,só na época da Guerra da SucessãoEspanholase fez uma tentativa séria de convencer o público inglês da legitimidade da causa francesa. A afirmação de Luís, meu único objetivo é manter apaz , foi traduzida para o inglês e difundida pelo enviado francês em Londres.

Esse enviado tentou ainda recrutari Charles Davenant para escrever panfletosem defesada causa francesa. Alguns relatos pró-franceses de operações militares(escritos por Donneau de Visé, editor doMercure foram publicados em traduçãoinglesa.56

REAÇOES

A questão crucial é a mais difícilde responder. De quemodo esses váriospúblicos reagiram à representação de Luís como um monarca glorioso, inven-

g , , p p gde seu senhor. Ofereceu um prêmio, anunciado noMercure Galant, para poemasem homenagem ao rei. Ele próprio escreveu poemas desse gênero. Desempenhouimportante papel na fundação da Academia de Arles, que entoava regularmentelouvores ao rei, e na construção de uma estátua de Luís na cidade do Havre.Demodo similar, numa escala mais grandiosa, o duque de Feuillade, marechal deFrança, encomendou a famosa estátuado rei na Place des Victoires. De fato, foiele quem pagou pela estátua, embora o projeto tenha sido apoiado pelo governoe o rei tenha dado o mármore. Em contrapartida, como bem sabem os que leramsuas memórias, o duque de Saint-Simon foi extremamente crítico em relação aorei e também ao modo como era glorificado (verp 195).

Mais abaixo na escala social, é mais fácil encontrar registros de reaçõescoletivas que individuais, particularmente as dos jesuítas e as das municipalidades. Um número considerável de jesuítas contribuiu para a criação da imagemreal em diferentes meios de comunicação, notavelmente Jouvancy,La Beaune,

Le Jay, Menestrier, Quartier e la Rue. Espetáculos em louvor a Luís foramorganizados por esses padres em Paris, Lille, Lyon, Toulouse e outras cidades.Celebravam Luís nãosó como um monarca piedoso que combatera a heresia,mastambémcomo conquistador e protetor das artes.É difícil verno empenhodaordemem incentivar Luís a suprimir o protestantismo razão suficiente para todoo dinheiro e esforço que seus padres investiram para glorificá-lo.

As municipalidades também oferecem exemplos de entusiasmo oficial pelorei. Em 1676, por exemplo, os cônsulesde Arles ergueram um fragmento recémdescoberto de um obelisco romano como monumento ao rei, coroando-ocom umsol dourado e apondo-lhe uma inscrição latina composta por Pelisson. Isso custouà cidade 6.825 libras.7 Uma história do século XVIII, porém, sugere queem Pau

municipalidade acolheu com menos entusiasmo a idéia de erguer uma estátuade Luís em praça pública.58 Nas cidades que acataram a sugestãode erguer~ s t á t u sdo rei, é difícil interpretar os motivos dos conselhos municipais. Poden m estar expressando lealdade, bajulando o governo central para obter favores,ou tentando melhorar o aspecto de suas cidades, aproveitando o ensejo para seglorificar a si mesmos.59

. Essa espécie de reinterpretação local ou de apropriação de mensagensvtndas do centro é tão fascinante quanto difícil de definir, pois seu sucessodependiada ambigüidade.À primeira vista a inscrição posta (em 1715) na está tuade Luís no arco do triunfo de Montpellier, com sua referência apaz na terra eno

A FABRICAÇAO DO REI

mar [PAX TERRA MARJQUE PA RTA] parece um exemplo clássico da hipérbol eoficial. Um segundo exame, co ntud o, sugere a possibilidade de que o monumentocelebrasse a Paz de Utrecht, não a do monarca.

Abaixo desses ní veis aristocráúcos e corporativos, os regi s tros são fragmentários. Inventários feitos em Pari s mostram que alguns parúculares possu íamretratos do rei. 0 Sua imagem figurava em cartazes de estabe lecimentos de Pari s,

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como o do gravador real Guillaume Vallet, ~ s u s t ede Louis XIV , ou dosarmazéns do Peút Pont, ~ u Grand Monarque 61 Figurava também em louça

barata. A manufatura desses objetos suge re ce rto grau de devoção ao rei, mas não

há como medir sua intensidade e difusão. Só nos resta citar alguns exemp loscontrastantes de reações individuais ao rei e a seu culto.

O conceito de ~ i n d i v í d u oisolado é bem mai s difícil de definir do qu epode parecer à primeira vista. Uma pintura de Luís XIV tocando os doentes,por exemp lo (Figura 71 ), foi encomendada por um certo Ch a r les d · Aligre,abade de Saint-Rlquier. No entanto, verifica-se que o falecido pai do abade,Etienne d'Aligre, fora chanceler de França e prim o de um out ro ch a nce ler ,Michel Le Tellier, pai de Louvois. O papel dos administradores, seus parentes

e protegidos na encomenda de obras de glorificação do rei merece se r estudadoem detalhe.

Conservando isto em mente, tomemos algumas faces em meio à multidão.Do lado negativo, poderíamos começar com um homem de Thouars que, em l 707,se viu nas barras do tribunal após observar, com brutal simplicidade: .. Le roi estu bougre et un voleur : Em 1709, quando a comida escasseava, houve o queSaint-Simon chamou de ..enxurrada de cartazes cont ra o rei. Suas es tátua sforam desfiguradas c uma carta anõnima pedia seu assassínio. 6 O contraste

tradicional ent re o bom rei e seus maus conselheiros não era do agrado geral.

De modo seme lhant e, ainda que numa linguagem mai s polida, Paul - lgna ceChavatte, um tecelão de Lille (cidade recém-incorporada à França) fez comentários desfavoráveis so b re o rei em se u diário intimo, criticando Luís emparticular por permitir ao seu exército invadir, pilha r e queimar sem préviadeclaração de gue rr a.6l

Em co ntrapartida , Pierre Gaulthier, deão de Toul, também na s fronteirasda França, dedicou uma galeria de 31 estátuas .. à glóri a de Luís, o Grande .. Afigura cent ral era a do rei, representado ..como está na Place des Victoires emParis (ver Figura 36), com a diferença de que a estátua segurava uma maçacomo a de Hér cul e s para mostrar que é um verdadeiro her ói, domador dasnações . Detallhe curioso e talvez revelad o r numa descrição dessa estátua feitana época é a refe rência a um anjinho prestes a coroar o rei com louros.

Ficamos imaginando quantas pessoas, ao ver a estátua da Place des Victoires

·o rei é um velhaco e um ladrio· . (N .T.) 7 1 luíso l Lu Xre · . pera m _agres. S IV curando a ucrófula de Jean Jouvenet, óleo sobre tela, 1690:Ja abactal de Saint · Riquier

A PABRICAÇAO DO RBI

teriam interpretado assim a figura da Vitória.6ot Mais abaixo na esc ala so c ial, odiário de um cura de aldeia registra a Revogação do Edito de Nantes como umcaso em que a piedade superara o interesse pessoal, qualificand o Luí s de..grande .M

As descrições mai s sistemáúcas d s reações estrangeiras à imagem realencontram-se nos relatórios dos embaixadores venezianos, testemunh as cuja

t lid d Uú t i l t fiá i A õ d i l

A RECI:.PÇAO DA IMAOt.M DE LUIS XIV

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neutralidade poUúca tomava especialmente confiáveis. As reações d os ingle ses- entre os quai s Addison, Evelyn, Prior e Swift s ã o mai s vívidas, mas tambémmais parciais. Addison e Prior já foram citados (p. 123, 156) . John Evelyn

mencionou com certo desdém .. esses bajuladores reais Perault, Carpenti e r , LaCnapel [s ic] e a .. egrégi a vaidade da medalha da estátua da Plac e de sVictoires 66 De modo semelhante, John Northleigh, um médico inglês quevisitou a França na década de 1680, expressou sua reprovação às Mgrote scas .inscrições em monumentos a Luís e .. à Aplic ação Abu s iva o u Bla s fema . a orei de palavras e imagens associadas a Cristo (inclusive .. uma Glória acima de

sua cabeça ) .67 As semelhanças entre estes comentários e a propaganda antiLuis (p. 156-7) é óbvia. Talvez Northleigh e Evelyn tivessem sido pe r suadid os

a ver o rei desse modo . Seja como for, uma reação nã o é men os genuína porter sido aprendida .

AJém disso, um cavalheiro do interior da Inglaterra denun ciou Luí s numacarta particular de 1686 por suas ..crueldades sem paralelo co m seus sú d itos

protestantes e chegou ao ponto de se regozijar com sua doença (as notícias da

fistula evidentemente viajavam depressa): .. Ouço dizer que fede ainda vivo, equando mo rrer sua ca rcaça há de feder ainda mais , e assim fed erá tamb é m sua

memória por toda a eternidade .. 68 •

Os ingleses não foram os únicos a se escandalizar co m o modo como Lui sera glorificado . A corte de Viena chocou-se com a ..arrogância., do embaixad or

francês , cuja forma de celebrar o nascimento do segundo filho d o imperad o r, em

1682, foi exibir um emblema que fazia reivindicações imperiais a Luí s XIV .69

Carlos Xl instruiu seu embaixador a deixar a França caso se confirmasse a hi s tó riade que o rei da Suécia fora representado como um suplicante num baixo-rele vo

do famoso monumento da Place des Victoires (Figura 72) . O Grande Eleito r de

Brandemburgo-Prússia ficou igualmente ofendido p e las repr ese ntaç ões humilhante s de seu s rios, o Oder e o Elba. 70 Alguns habitant es de Ro ma fi caramchocados com as celebrações feita s na embaixada fran ces a após a c a ptura deFilipesburgo em 1688 .71 Segundo Saint-Simon , as pinturas da h is roire u ro

em Ver s aille s contribuíram ..de modo não d es prezível para irrit a r a Europacontra o rei ..

• No o riginal : ·t heare he stinclcs Ative, a his Carkass w ll Slinck worse whcn hc is dead, and c;owiU his mem ory to aU eternity . (N. T.)

72. s sut cus rt introdut.ldos nu Alt munhu, de Jean Am ould, relevo, 1686. Louvre,Paris

No e ntant o, a lgum as cor tes est range iras pr es taram a Lui s a h ome nag em deimitar seu es til o de auto-repre se ntação. Em parti c ular , Versailles foi muit as vezes

tomad o como mod elo.O caso mai s claro de imitação fo i a co rte da Espanha so b o ne to de Luís,

Filipe V . O ret rat o so le ne de Filipe pintado por Rigaud faz eco ao retrat o so lene

de Luí s fe ito pelo mes mo artista (Figura s 73 c I A co rte es panhola foi ref ormadasegundo o modelo fran cês, tend o o rei se tornad o mais visível e acessível. As

estátua s nos jardins do palá cio de Filipe em La Granja imitavam as de Ver sa ill es

- Apolo , Hé rcules, Lat ona e ass im por diante . O pinto r H ouasse e o arquitetoRobert de Cotte trabalharam tant o para Luís co mo para Filipe , e o ve l ho reiinterferiu pessoalmente na reco ns tru ção e redeco raçã o dos paláci os espa nh óis.Filipe fund ou também academias de arte, língua e história segundo o model ofran cês.n

A RE CEPÇ O DA IMAOEM DB LUIS XIV

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73. Luís como mode lo. Rerrar o de Fil ipe V de Hyacinthe Rigaud , óleo sobre tela, c l1 Louvre.Par is

14 Outro rival real.Frontispício gravadopara H istoire de Guil-laum e 111 de NicolasChevalier, 1692 BritishLibrary, Londres

m outr os casos a imitação foi mais espontânea. Nicodemus Tessin ,surintendant des bâtiments de Carlos XI da Suécia, a estr e la polar do Norte ,que havia s ido recebido por Lui s em Versailles e estivera com Lebrun, Rigaud,

Mignard e outros artista s levou a sério as lições recebidas ao construir opalácio real de Est oco lmo .13 Por outro lado, Balthasar Neumann, quand oincumbid o de cons truir um palácio para o príncipe-bispo de Würzburg, fezuma visita à França, em 1723, para ver .. Versame como o chamava , esubmeter se us projetos ao arquiteto real, Robert de Cotte. Não admira que agrande e sc adaria de Würzburg lembre a Esc a l i u ~ s m b s s d~ u sde Versailles. •

A li st a de palácios que f o ram classificados como imitaçõe s de Ver sa illes é longa , indo de Caserta a Wa shingt on . O critério adotado na c lass ificação nem sempre é c lar o. 7l Seja como for, o Paláci o do Sol é apenas part e

A RE CEPÇÃO DA IM AOEM DE LU I S Xl\1

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75. Um Versailles inglês. Boughton House, Nortbamptonshire, exterior. c.l6 90- 1700.

. ~ ~ v ....... m-. t« Pnnnrnmn nrnit tado o Pt tt rhol com cascatas de Ale xis

77. O rival de Luis. ei

Leopoldo I como conquista-dor dos turcos, de MathiasSteinl, estatueta de marfim,1693 . Kunsthi storischesMuseum. Viena

da imagem de Luís XlV. Por isso ta lvez seja mais útil examinar três co rtes queconsideraram Lu ís exemp lar sob mais de um aspecto: Lond res São Petersburg o e Viena.

Carl os l tomou a França como modelo ao fundar a London G azette em 1665 ,o Observat ó ri o Real em 1675 e o Hosp ital de Chelsea o In va lides inglês) em1681. Ir onicame nte Guilherme , o inimigo de Luís, imit ou-o de modo maisconsumad o que se u protegido Ca rl os. Guilherme co ntrat ou o arquiteto huguenoteDaniel Mar ot, que fora o br igado a deixar a Fran ça após a Revogação, paraajudá -lo a reconstruir o pa lácio de Het Loo incluindo uma réplica da Escalier des

mbas sadeurs de Versa illes. Os feitos militares de Guilherme, como os de seuadversári o foram comemo rados com uma história metálica : L 'histoire métallique

de Guill aume l i 1692 6 Figura 74). m outras palavra s , alguns dos mais

A R E C E P Ç A O DA IMAOBM DI L U I S XIV

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7R o ampamlor Lt·opoldo como Apolo, de Christian Dittmann e Gcorg von Gros..,,gravura, 1674. Bildarchiv, Nationalhihliothek, Viena

T• •

79 . Primeiro prajrtn para o Palóci o t Schõnbrunn de Jo.seph Bcmhard Ft l>Chcr. von E ~ l a c l ·• • '- -- .. . -1. --'---"' nhn In o r u lf'l n r 1700 Rildarchav Nauona

80 m V e r s a i l l e ~austríaco. Sclrõnbrunn como o Palácio doSol de I V. Wolfgang, medalha, 1700 . Kunsthistorisches Museum, Viena

ferrenhos oposilores de Luí:> ficaram suficientemente impressionados com afabricação de sua imagem para seguir-lhe o exemp lo.

Entre indivíduos, Joseph Addison, nada simpatizante de Luís, recomendou a fundação de uma Academia de Insc rições nas linhas da petite académie.O primeiro duque de Montagu, um partidário de Guilherme ID, contratou umarquiteto francês para fazer o projeto da Montagu House, em Londres, e umpintor francês (Lafossc, um favorito de Luís XIV) para decorá-la. Sua casade campo, Boughton, em Northamptonshire, que, segundo Nikolaus Pevs

ner, era talvez a construção do sécu lo XVII de aspecto mais francês daInglaterra . foi descrita na época como ..projetada seg und o o modelo deVersailles, com longas alas, excelentes avenidas, vistas e perspectivas .

(Figura 75). Os anos que passara como embaixado r na França tinhamafetado o gosto de Montagu. 77

Pedr o o Grande esteve na França em 1717, tendo visitado Versailles e aAcademia das Inscrições. De volta a seu país, enviou a esta a inscrição para seumonumento eqüestre em São Petersburgo. 71 O czar fundou também um jornaloficial segundo o modelo da Ga (.elle, uma fábrica de tapetes nos moldes do s

A FABRICAÇÃO DO REI

Gobelins e uma Academia de Ciências nos moldes da Académie des Sciences.Seu palácio de Peterhof em São Petersburgo (Figura 76) poderia ser vistocomo um novo Versailles, senão na aparência pelo menos na função, levando-se em conta que, mesmo pelos padrões russos de distância, ficava a uma boadistância de Moscou. Peterhof, que foi parcialmente projetado por J.B.A. LeBlond (um pupilo deLe Nôtre, o criador dos jardins de Versailles), continhauma gruta e uma área chamada Marly 79 Os appartements de Luís também

A RECEPÇÃO DA IMAGEM DE LUIS XIV

d ~José como rei dos romanos em 1690 foi marcada por uma entrada triunfal emVtena. Aclamaram-no como um novo Sol e representaram-no como Apolo nteto da sala ~ ~ n q u e t e sde Schõnbrunn. Seu sarcófago foi decorado com e l e v o ~

de quatro vttonas sobre a França, entre as quais a batalha de Ranu llt At ·tú 1 1 · es. e nomu o e e c ontinuou a competir com Luís. 83

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uma gruta e uma área chamada Marly . Os appartements de Luís tambémtinham seu equivalente russo nas assembléias de São Petersburgo, embora oobjetivo destas fosse bem diverso - ensinar as maneiras ocidentais à aristo-

cracia russa.A corte de Viena seguiu o exemplo francês ainda mais de perto. 80 O

impera dor Leopoldo I (Figura 77), que reinou de 1658 a 1705, era não só um rivalde Luís XIV, mas seu cunhado (casara-se com a infanta Margarida Teresa, irmãmais jovem de Maria Teresa). Leopoldo era também muito musical, e o balée a ópera floresceram em sua corte. O mais notável espetáculo foi O pomodourado [ pomo d oro], de 1668, uma magnífica produção em que Júpiter eJuno representavam o imperador e sua noiva. 8

O estilo de reinar de Leopoldo foi em geral mais sóbrio que esplêndido. Oadjetivo modest o lhe era oficialmente aplicado e de fato o quarto de dormirimperial era modesto se comparado ao quarto de dormir real de Versailles. O

termo grande não lhe foi aplicado enquanto viveu, mas após sua morteem

1705.A contratação por ele de historiadores oficiais (os nobres italianos GaleazzoGualdo Priorato e Giovanni Baptista Comazzi) e sua iniciativa de reconstruir seupalácio em Viena, o Hofburg, são exemplos normais do tipo de patrocínioesperado dos príncipes na época. Mesmo as comparações feitas entre Leopoldo eo imperador Constantino ou o deus Apolo (Figura 78) eram demasiado banaispara serem interpretadas como reações à imagem de Luís XIV.

Por outro lado, o carrousel encenado no Hofburg em 1667 pode ser vistocomo uma reação ao que ocorrera nas Tuileries cinco anos antes, assim como afundação de um hospital militar em Viena foi inspirada pelos Invalides. Alémdisso, a construção de um novo palácio fora de Viena, em Schõnbrunn (Figura79), confiada a J.B. Fischer von Erlach, foi certamente uma reação a Versailles,mais evidente ainda porque o primeiro projeto para o palácio coincide com adeflagr ação da Guerr a da Liga de Augsburgo. De fato, uma medalha cunhada em1700 por um certo I V. Wolfgang apresenta Schõnbrunn como o Palácio do Sol(Figura 80). Poderíamos portanto falar de uma guerra de imagens , ou da artecomo continuação da guerra por outros meios. 82 Os meios escolhidos não deixavam de ser uma forma de homenagear Luís como modelo a seguir, por maisinvoluntária que fosse.

A apresentação oficial do filho mais velho e sucessor de Leopoldo, José I,que reinou de 1705 a 1711, foi ainda mais semelhante à de Luís XIV. A ele ição

XII

Luts EM PERSPECTIV

Qu eut dit Louis XIV si on luí avait prouvé qu·en touchant

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81. Um modelo para Luís como conquistador. Filipe I V a cavalo de Diego de Velázquez, óleo sobre

tela, 1636. Prado, Madri

Qu eut dit Louis XIV si on luí avait prouvé qu en touchantles écruelles il prenait modele sur un chef polynésíen (

Reinach 1

Neste livro procurei descrever a formação gradual da imagem de Luís XIV

no decorrer de seu reinado, e considera r as aud iências a quem era dirigidae o modo como era recebida. Para concluir o estudo, gostaria de situar essaimagem numa perspectiva comparativa. Tentarei três tipos de comparação. Emprimeiro lugar , entre Luís e outros soberanos de seu tempo. m segundo, comsoberanos de períodos anteriores , concentrando-me naqueles que eram mais

conhecidos pelo rei e seus conselheiros, artistas e escritores. Finalmente, retornando a um dos temas do capítulo introdutório, farei uma justaposição da imagemde Luís XlV com a de alguns chefes de Estado atuais.

Luts EM S U T MPO

Luís XIV não foi o único soberano de sua época a dispensar atenção aos modosde auto-apresentação. Assim como outros competiram com ele, assim também ele

competiu com outros, aprendeu com eles e se definiu por contraste com eles. Se

Luís não imitou Leopoldo tanto quanto Leopoldo o imitou, invejou-lhe o títulode imperador (e de fato tentou obtê-lo para si por ocasião da eleição imperial de

1658).Como outros reis do inicio da Idade Moderna, especialmente após 1648,

Luís tentou se apresentar como igual ao imperador, e seu reinado como umimpério. 2 Assim, por exemp lo, na descrição oficial da entrada de 1660, a famo s afrase da Eneida de Virgílio, ..Foi-me dado um império sem limite . [imperiumsine fin dedi foi aplicada aos reis de França, que foram apresentados como

Que diria Luís XIV se lhe tivessem prov1d o que, 1 0 tocar escrófulas, tomava por model o umchefe polinésío 7 (N.T .)

A FABRICAÇÃO DO REI

sucessores dos imperadores romanos. A reivindicação foi feita de modo maisexplícito e cabal em 1667, no panfleto escrito por Aubéry sobre os direitos deLuís sobre o império (acima, p.84). 3

Muitas referências aparentemente casuais reforçam essa pretensão. Vemon,um dos historiógrafos reais, por exemplo compôs uma inscrição que intitulavaLuís de o imperador dos francos [IMPERATOR FRANCORUM]-4 As freqüentesreferê ncias a Luís como augusto ou como o maior monarca do mundo deveria m

LUIS EM PERSPECTIVA

Não obstante, Filipe foi comparado com o sol e qualificado de o reiplaneta [el r y planeta]. Foi também conhecido, enquanto vivia, como Fili-pe, o Grande [Felipe l Grande]. Uma esplêndida estátua eqüestre do rei, daautoria do escultor italiano Pietro Tacca, foi erguida na Plaza de Oriente emMadri, em 1640. Filipe se dispunha a gastar muito dinheiro para aparecer empúblico num cenário magnífico. Foi em sua época, na década de 1630, que seconstruiu nos arredores de Madri um novo palácio, a um custo de dois milhões

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gser interpr etadas tanto como apoio a pretensões políticas particulares quanto comouma forma geral de glorificação. O mesmo se aplica a seu uso do tradicional

símbolo imperial, o sol, com a implicação de que há um soberano supremo naterra assim como há um sol no céu.

Para situar a fabricação de Luís XIV numa perspectiva histórica, é neces-sário remontar a antes de 1660, ou até a 1643. Dois reis foram particular-mente importantes para Luís nas gerações anteriores à sua, como exemplosa emular e superar: um foi seu próprio pai, Luís XIII e o outro foi seu tio esogro, Filipe IV.

Filipe IV dedicou considerável atenção à sua imagem pública. O termoimag em é especialmente apropriado no caso de um rei que impressi onava os

estrangeiros, como o embaixador francês, por sua capacidade de permanecer praticamente imóvel, como uma estátua de mármore , quando aparecia em público, sóseus lábios se m o v e n d o ~De fato, Filipe não fez muitas dessas aparições. O reiparticipava de rituais religiosos e diplomáticos, e vez por outra saía numa carruagem,mas preferi a ficar longe dos olhares. Comia em público uma vez por semana.

Essa maneira de desempenhar o papel real não foi exclusiva de Filipe,fazendo parte da tradição espanhola, em que a serenidade e dignidade - ou, como ·eles o chamavam, o sosiego - era uma qualidade extremamente valorizada.Gravidade e sobriedade não devem ser confundidas com falta de interesse pelaauto-apresentação - o número de retratos que se conservam do rei são provaeloqüente dessa preocupação. O interesse de Filipe pelos rituais da corte manifesta-se igualmente pelo cuidado com que observa os protocolos oficiais [etique-tas]. A imobilidade e quase invisibilidade do rei deveriam, portanto, ser vistoscomo parte do te atro da corte. O fato de Filipe não poder ser visto durante a mai orparte do tempo era uma maneira de tomar suas aparições públicas ainda maisdeslumbrantes.

Deslumb rante pode parecer um termo impróprio para um monarca tãosóbrio como Filipe IV, que em geral se vestia (como seu avô Filipe I de coresescuras, especialmente após atingir a meia-idade, usando um colarinho simples

a golilla] em vez da esplêndida gola de tufos engomados que tinha sido moda nacorte (Figura 81). Seus retratos pintados por Velázquez são igualmente sóbrios eimpressionam pela discrição.'

construiu nos arredores de Madri um novo palácio, a um custo de dois milhõesde ducados, o Buen Retiro, que incluía uma magnífica sala do trono, a Salados Domínios. 8 Foi também na época de Filipe, na década de 1640, que 0

palácio Alcázar, no centro de Madri, recebeu sua suntuosa Sala de Espelhos[Sala de Espejos] (Figura 82), para servir de cenário às audiências reais. Foiali que os delegados franceses foram recebidos, durante as negociações parao casamento de Luís XIV. 9

Filipe fez de Velázquez seu pintor da corte, e encarregou-o da decoraçãodos palácios reais. Na verdade, decoração é um termo muito fraco, uma vez queas pinturas nas salas solenes transmitiam mensagens políticas. Na Sala dosEspelhos, em Madri, era exibida uma pintura de Rubens que representava Filipecomo Atlas, o globo sobre os ombros, numa alusão às reivindicações dos Habsburgos ao império mundial. O tema imperial era reforçado pela famosa pinturaeqüestre de Carlos V feita por Ticiano, exposta na mesma sala, juntamente

com retratos de imperadores romanos.1

Na Sala dos Domínios, no BuenRetiro, pendiam cinco retratos eqüestres de Velázquez e dez cenas da vida edos trabalhos de Hércules (o ancestral mítico do rei), de Zurbarán. A salaabrigava ainda doze pinturas das grandes vitórias do reinado de Filipe, emespecial a Rendição de Breda de Velázquez, e a Recuperação da Bahia de JuanBautista Maino (Figura 83). O rei podia se vestir simplesmente, mas suaresidência tinha de ser magnífica.

O primeiro-ministro de Filipe, o conde-duque de Olivares, partilha a responsabilidade pela fabricação da imagem real com o monarca amante das artes eseu pintor da corte. Como seu contemporâneo Richelieu, Olivares sabia daimportância política de pinturas, panfletos, histórias, poemas e peç_as teatrais.Empregou o poeta Quevedo (entre outros) mas escreveu tanto panfletos comopeças teatrais sobre temas tópicos, ao passo que o nobre italiano Virgílio Malvezzifoi designado historiador da corte para glorificar o rei. 12 Olivares esperavaparticipar dessa glória. Na Recuperação da Bahia Maino glorifica não só oc o ~ n d n t evitorioso e seu monarca como também o ministro. Nem Mazarin, aquem se entoaram louvores na entrada de 1660 (p. 55) foi tão longe assim.Olivare s aparece também no fundo de uma pintura que Velázquez fez do herdeirodo trono, príncipe Baltasar Carlos. A significação política dessa aparição podeser aferida pelo fato de que, numa cópia feita depois que caiu em desgraça, oministro foi otnitido. 13

APABIUCAÇÀO

REI LUIS EM PERSPE C TIVA

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82. Um modelo para aGrande Galerie. Carlos daEspanha n Sala dt Espe -lhos, Escoriai, de Juan Car -reõ o de Miranda, óleo sobretela. c. l676. Prado, Madri

Luís XIV, que tinha mã e e esposa espan ho la s, conhecia bem o esti lode monarquia de Filipe IV. Durante as negociaç ões que levaram ao seucasamento, os apartamentos reais do Alcázar foram mostrados ao embaixador francês. Em 1660, Luís teve uma oportunidade de se encontrar com otio p. 55, ver Figura 2 ).

Como o conflit o de 66 em tomo da questão da precedência deixa bas tant eclaro, o objetivo de Luís era suplantar Filipe. Seu método era a imitação, nosentido renascentista do termo: seguir o modelo para ultrapassá-lo. Embora nuncatenha permitido a Colbert t omar-se um O vares, Luís tinha seu próprio Velázquezna pessoa de Charles Lcbrun, que era o guardião da coleção real e comprava obrasde arte para o rei de todas as partes da Europa.l 4 Versailles assemelhava-se aoBuen Retiro tanto em sua concepção - um palácio nos arredores da capital -como em sua decoração com pintura s de vitórias reais . A Galerie des Glaces, por

83. Recuperação d Bahia, de Juan Bautista Maino, c.l633. Prado, M dri

outro lad o, seguiu- e superou o exemplo da Sala de E .pejos no Alcázar. Osrituais diários de Versailles, tão mais formais que os d corte de Luís Xill, devemalgo ao precedente espanhol. Os cortesãos franceses parecem ter sido tomados deinteresse pelo esti lo espanhol: em todo caso, o guia de sobrevivência na corte daautoria do espanhol Baltasar Gracián ganhou pelo menos oito edições francesasentre 1684 e 1702. Luís foi provavelmente menos acessível e menos visível queseus predecessores imediatos. Saint-Simon foi o primeiro a expressar essa opinião, tend o criticado a idéia de se fazer mais veneráve l furtando-se aos olhos damultidão [l'idée de se rendre plus vérzirable en se dérobant aux yeux de lamultitude]. u

A imagem oficia l do rei enfatizava sua acessibilidade. As memór ias estabelecem um contraste explicito entre o estilo francês de monarquia com os daquelas.. nações - obv iamente a Espanha - em que .. a majestade dos reis consiste, emgrande parte, em não se deixar ve r [oú la majesré des rois consiste, pour unegrande parrie, d ne se poim /aisser \ Oirj. 6 O jesuíta a Rue congratulava os

A FABRICAÇÃO DO REI

habitantes das províncias conquistadas da Espanha porque com isso passariam apoder ver seu monarca. Uma opinião semelhante foi emitida em um dos r m ~ s

feitos quando da morte de Luís, que o descrevia como bem diferente desses retsmisteriosos que se escondem para se fazer respeitados [bien différent de cesrois mystérieux qui se cachent pour se faire respecter]. 8 Não há dúvida deque Luís aparecia em público muito mais que ~ i l i p e .Seu e s ~ i l o_de auto-apresentação era majestático, mas também expanstvo. Quando mstttutu em Ver

ll d

LUIS EM PERSPECTIVA

Gazette impresso no Louvre e editado por um protegido de Richelieu, Théophraste Renaudot. 2

A história do reinado foi narrada por diversos historiadores oficiais,como Charles Sorel (mais conhecido como escritor de ficção), Pierre Matthieu,autor de es merveilles de Louis le Juste (1627), e Scipion Dupleix, cuja Histoire

e Louis le Juste (1635) também apresentava o reinado como uma série demaravi lhas e comparava o rei a César, Clóvis, Carlos Magno e são Luís. 23

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sailles 0 costume dos appartements ele e a rainha passeavam entre as mesasde jogo e chegavam até a jogar também, honrando assim_ _ e u ~s ú d i ~ ~ sc o ~ o

0Mercure Galant se apressou em assinalar) com sua famthartdade. O esttlo

de Luís poderia ser definido como um meio-termo entre a rígida m a n e ~ r a

espanhola e o estilo mais demótico dos outros reis do é c ~ l ?XVII, em espectalCristiano IV da Dinamarca e Gustavo Adolfo da Suecta, que gostava deconversar com seus súditos na feira. Já se sugeriu (ver p. 43-4) que o famosoretrato de Luís pintado por Rigaud tenta alcançar esse equilíbrio entre formalidade e informalidade. A ostentação das insígnias reais e a pose relaxada dorei são ambas características que os retratos reais espanhóis evitavam aplica-

damente.o contraste entre Luís e Filipe pode ter sido uma questão de diferença de

temperamento, mas deveria ser explicado também em termos de tradiçãopolítica e cultural. A sobriedade de Filipe, como a do i m p e r ~ d o r_Leopoldo

(acima, p. 188), faziam parte do estilo Habsburgo. Poder-se-ta a f t r . ~ a rq ~ euma família que vinha reinando desde o século XIII gozava de t a l l e ~ t t t m a ç ~ o

por herança que não precisava de muita glorificação _por o u t r ~ smetos. Luts,em contrapartida, era um mero rei de França de t e ~ c e t r ageraçao ( embo.ra umBourbon anterior tivess e sido rei de Navarra). Por tsso os seus retratos ttnhamde ser mais bombásticos e mais heróicos. Luís precisava de mais estátuaseqüestres e de mais medalhas que Filipe ou Leopoldo. O governo francês fazi atambém muito maior uso da imprensa que os Habsburgos. Sob este aspecto,como em outros, seguiu o modelo de governo de Luís XIII e do cardealRichelieu.

Richelieu, juntamente com seus assistentes o frei capuchinho Joseph (paraa literatur a) e o intendant Sublet des Noyers (para a arquitetura e a pintura) tin hamse empenhado muito em atrelar artistas e escritores ao carro do E ~ t a d ~ ,emapresentar uma imagem favorável do rei e de seu governo. Com essa f t _ n a l ~ d a d e

fundaram em 1634 a Académie Française, um grupo de 40 pessoas tndtcadassegundo uma mistura de critérios literários e políticos. 20 A p e d i ~ ode Richelieu,o nobre Jean-Louis Guez de Balzac, um membro da academta, escreveu umtratado sobre O príncipe que retratava Luís XIII como um soberano ideal. Váriospanfletos foram escritos para justificar as políticas do g o v e ~ ~contra c r í ~ i c o s

internos e externos. Um deles, de autoria do sieur de Fancan, extbta o conv em entetítulo a voix publique.21 Em 1631, foi fundado um jornal oficial, o semanário

Note-se o uso do título Justo enquanto o rei vivia. De maneira semelhante ,Henrique IV foi denominado Henri le Grand numa ode do poeta Malherbe.

O governo dava atenção também ao espetáculo e às artes plásticas. Luís XIIIapreciava a música e a dança, e o ballet e cour como o teatro, floresceram emseu reinado. A função política de algumas encenações do período é óbvia, comono caso do a prospérité des armes e France (1640), idealizado por JeanDesmarets, um membro-fundador da Académie Française.

O rei mostrava pouco interesse pelas manifestações visuais, mas sua mãe eRichelieu lhe atribuíam considerável importância. Foi a rainha Maria de Mediciquem cham ou Rubens a Paris em 1622 para pintar um ciclo de 24 telas do reinadode Henrique IV e da Regência, cenas da história da época combinada com alegori aque são talvez o precedente mais próximo das imagens de Luís XIV feitas porLebrun na Gr ande Galerie de V ersailles (Figura 48). Além disso, a r ainhaencomendou uma estátua eqüestre do marido, Henrique IV, ao mais destacadoescultor de Florença (de fato, da Europa) na época, Giambologna, ao passo queRichelieu encomendou o famoso monumento eqüestre de Luís XIII erguido naPlace Royale, em Paris.

O interesse do cardeal pela pintura era ainda mais claro. ChamouSimon Vouet e Nicholas Poussin de volta à França, tendo tentado tambématrair artistas italianos. Quanto às gravura·s, o flamengo Jacques de Biededicou a Luís XIII sua La F rance métallique ( 1634 ), uma história dos reisde França em medalhas que certamente ajudou a inspirar a história metálicade Luís XIV.

Quando dançava no ballet e cour o jovem Luís XIV estava de fatoseguindo os passos do pai, que talvez gostasse ainda mais de música e dedança. O famoso carro use/ de 1662 seguiu o precedente do carrousel de 1612.As semelhanças entre o programa de Richelieu na década de 1630 e o deColbert na década de 1660 são também claras. Na verdade, houve fortesconexões e continuidades entre os dois. A suntuosa publicação oficial, Os

triun fos de Luís o Justo que envolveu artistas e poetas (entre os quaisCorneille), foi planejada enquanto o rei ainda vivia, embora só tenha sidopublicada em 1649. 24

Mazarin, que foi protegido de Richelieu e protetor de Colbert, fez aponte entre as décadas de 1630 e a de 1660, ao lado de todo um grupo de

A PABII.ICAÇÀO DO REILU I S EM PERSPECTIVA

munificente prote tor das artes e da literatura, tendo sido apresentado como tal emseu próprio tempo. Foi comparado a Constantino e Carlos Magno e representadoenvergando a armadura romana. Foi homenageado com uma estátua eqüestre eum arco do triunfo à maneira romana , embora essas construções não tenhamsobrevivido aos festivais de que fizeram parte. 6 Henrique foi qualificadode Rei Sol, dançava e m b l l ~ t s~ cour e patrocinou uma academia. Alémdisso, designou um Grão-Mestre de Cerimônias e tomou o ritual da cort e

É

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84. Um modelo para Luis em triunfo. Entrada triunfal de Henrique IV em Paris, de Pcter PaulRubens (detalhe), c.l625. Uffizi, Florença .

escrito res. Jean Chapelain, por exemplo, era um protegido de Richelieu antes dese tornar conselhe iro de Colbert. Bourzeis foi assistente literário de Richelieu antes de ingressar na petite académie. Desm a rets viveu o bastante paraescreve r panegíricos das campanhas de Luís XIV nas décadas de 1660 e 1670(acima, p. 86). Quando Co lbert contratou o seigneur de Chantelou para acompanharBernini em sua vinda à França, estava seguindo o precedente de Sublet des Noyerse Richelieu, que enviara Chantelou a Roma para trazer Poussin de vo lta .

PRECEDENTES

Nenhuma tentativa de situar a imagem de Luís XIV numa perspectiva histórica

pode se restringir à França e à Espanha, ou se deter no início do século XVII .Poderíamos partir do fato de que a notória estratégia alribuíd a a Luís, a de obrigara alta nobreza a se deslocar para Versailles no intuito de enfraquecê-la, já tinh asido atribuída a Henrique IV por um embaixador inglês., Sir George Carew.Consistia e la : ..Em tê-los morando na cor te; assim não exerciam atividade s emnenhum outro lugar; e ali à força de divertimentos, e outras prodigalidade s,empobreciam. Z'

Sob ce rtos aspectos, a corte de Luís XIV se parece mais com as cortes dosreis Valois que com as que cercavam seu pai e seu av ô. Francisc o I foi um

(incluindo os do e ver e do coucher mai s elaborados e formais. 7 É improvávelque Luís e seus me s tre s-de-cerimônias desconhecessem esse precedente. 8 A

relação entre os outros rituai s públicos do século XVI e os de Luís XIV é bemmenos perceptivel. 29

A dívida francesa para com as tradições italianas renascentista e barrocafoi enorme em quase todos os mei os de comunicação em que o rei foirepresentado. A conexão italiana , como poderíamos chamá-la, é um aspectoóbvio do patrocínio das artes exercido por Ma zar in (acima, p.58). Ele aprendera a ser um patrono em Roma , no círculo do papa Urbano VIII, e tendia afavorecer os italianos. Contratou um italiano, Francesco Buti, como se uconselheiro artístico em Pari s, ao passo que Elpidio Benedetti e Luigi Strozzio mantinham em contato com Roma e Florença. Levou da ItáJia para a Françacantores, compositores, pintores e cenóg rafos (Giacomo Torelli, Gasparo,Carlo Vigarani).

Uma conexão italiana específica que merece destaque é o eixo Paris-Módena . Francesco d'Este, duque de Módena, tinh a grande interesse pelas artes.Consultou Bernini a propósito dos melhoramentos de seu palácio, encomendou-lhe a pintura de um bu-;to ;eu e contratou Gaspare Vigarani como seuarquiteto e superintendente dos festivais da corte. Além disso, o duque cultivourelaç ões com a corte de França. Visitou Paris em 1657, propôs sua filha comoesposa para Luís XIV e casou-se ele próprio com uma sobrinha de Mazarin. 30

O rei de França seguiu o exemplo do duque de várias maneiras. Em 1659,Gaspare Vigarani foi chamado a Paris e projetou os arcos para a entrada realna cidade no ano seguinte, ao passo que seu filho dedicou duas décadas aprojetar máquinas para as festas reais. O secretár io do duque, GiarolamoGraziani , recebeu pensão de Luís XIV na década de 1660 e escreveu panegíricos do ..Hércules francês (acima, p. 63). É impr ovável que tenha sido porcoincidência que tanto Francesco I como Luís XIV tenham pedido conselhos aBernini com relaçã o a modificações em seus palácios e encomendado dele apintura de seus bustos.

Como estes exemplos demonstram, a conexão italiana sobreviveu a Mazarin. Foi incentivada pela fundação em Roma da Academia Francesa ( 1666), ondejovens artistas podiam estudar. De fato, o hábito de estuda r na Itália, e maisespecialmente em Roma, fora estabelecido antes de ser institucionalizado . Lebrun

A PA B R I C A Ç A O D O REI L U I S I M PI RSPI CTJVA

Um grão-duque anterior da Toscana, Cosimo de Medici , foi quase certamente um modelo para Luís XIV e se us conselheiros. Cosirno, que reinou de 1537 a1574, tr ansfonnou seu ducado numa monarquia absoluta em miniatura, governando um Estado com meno s de um vigésimo da população da França sob Luís XIV.Cosirno era filho de um capitão merce nário, que foi tomado rei de Florença de poisque Alessandro de Medici foi assassinado sem deixar filhos. Sua falta de legitimidade tomou-o ainda mais cônscio dos usos políticos das artes na criação de

b i úbli

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85. Um modelo para Versailles. Salão de Saturno, Palazz o Pitti, Florença, de Pietro d Cortona, c.l640

passara quatro anos em Roma , de 1642 a 1646 . Girardon também esteve em Romana década de 1640, ao passo que Mignard passou mais de 20 anos lá ( 1635-57).

A It ália tinha muito a oferecer aos artistas a serv iço de Luís XIV. Em Roma,

eles podiam observar o uso dos obeliscos na transformação de espaços urbanosem monumentos de celebração aos papas. Em Veneza, o uso de pinturashi stóricas no Paláci o dos Doges, como meio de glorificar o regim e. EmFlorença, a seqüência de salas - a ss oc ia da s aos planetas - do Palazzo Pitti(Figura 85), residência do grão-duque da Toscana, parece muito um modelo

de VersaiUes. 31 Essas salas foram decoradas por Pietro da Cortona entre 1637e 164 7, com uma combinação de es tuqu e, douração e afrescos que glorificam

a família Medici. O exemp lo era especialmente apropriado porque a avó deLuís XIV era uma Medici.

uma boa imagem pública .Entre outras coisas, Cosimo ergueu uma coluna na Piazza Santa Trinità, em

Florença, para comemorar sua vitória sobre as forças dos republicanos exilados.Mandou cunhar 12 medalhas para comemorar eventos do reinado. ContratouBronzino, Celline e Va sa ri para retratá-lo de maneira heróica, em pose rígida eleonina, em telas, estátuas e afrescos. 32 Fez-se também representar ao lado dosartistas que patrocinava (Figura 86). Cosimo designou historiadores oficiais,que recebiam pensões e tinham acesso a documentos oficiais, estando encar-regados de narrar uma história que favorecesse os Medici. Em 1565, gastou50.000 escudos num esplêndido festival de boas-vindas à noiva de seu filho(irmã do imperador), com arcos do triunfo, cercos simulados, fogos de artifícioetc. Fundou dua s academias, a Academia Florentina, que trabalhou numagramática e num dici onário italianos, e a Academia de Desenho. Essas acade-mias foram os protótipo s da Académie Française e da Académie Royale dePeinture .

Os artistas e escritores que trabalharam para Luís XIV eram grandes admiradores da Itália ren ascentista. Jean Chapelain, por exemplo, era versado em

literatura italiana, tendo chegado até a escreve r versos em italiano .33 Os grandesdebates entre antigos e modernos e, no terreno da pintura, entre a primazia dodesenho ou da cor, ecoavam debates ocorridos antes na Itália . m sua "históriapoética" da guerra entre os antigos e os modernos, François de Callieres atribuiuao exército dos modernos o coma ndo de Torquato Tasso. Não chega a espantardescobrir que rmitk (1686), a ópera de Quinault-Lully, baseia-se em episódiosde Gerusalemme liberata, de Tasso, ou que os Plaisirs e 1 /sle Enchantéecontinham cenas de Orlando Furioso, de Ariosto, adaptadas para o contexto de

um torneio . O famoso carrousel de 1662 deve muito a modelos italianos. Aprópria idéia de combinar torneio e teatro remonta às cortes renascentistas de

Ferrara e Florença . 4

As divisas ou imprese usadas no s festivais, ou nas medalhas, pertenciama uma tradição rena scent ista italiana. O mesmo se aplica às próprias medalhas,bem como grande parte de sua iconografia, especialmente personificaçõescomo as da Fama, na forma de uma mulher, da Discórdia, na forma de ummonstro, e assim por diante, freqüentemente tomadas da obra de Cesar Ripa,Iconologia (1593), esse in estimável livro de re f e rên cia para artistas, traduzido

A FABRI C A Ç A O DO REI

em francês em 1644. Os escritos de Menestrier sobre o que ele chamou de anlosofia das imag ens revelam seu conhecimento da literatura renascenti s taitaliana sobre divisas. 3' De fato, Menest rier poderia se r conside rado um exemplo tardio de um fenômeno renascentista, o chamado conselheiro humanistade artistas.

Também no estilo a Itáli a renascentista forneceu um modelo, ou melhor,modelos, pois os estilos florentino e veneziano tinham cada um seus adeptos. A

ma neira elevada de Lebrun era o estilo do Alto Renascimento e particular

L U I S BM PERSPECTIVA

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ma neira elevada de Lebrun era o estilo do Alto Renascimento e em particularde Rafael. Em Triunfo de Constantino Lebrun rendeu homenagens simultâneas

a Rafael, Colbert e o rei. Essa gravura de Constantino numa biga, coroado pelaVitória, seguia um desenho de Rafael. Foi dedicada a Colbert e representava umdos soberanos com quem Luis foi mais freqüentemente comparado. Além disso,as conferências de François Blondel, diretor da Academia de Pintura, mostramconstante consciência de precedentes rena scent istas. Ele cita com freqüência osprincipais arquitetos italianos desse período, como Alberti , Pa1ladio, Vignola cScamozzi.

Essas formas de imitação não eram servis. Não são exemplos do pesomorto da tradição. Artistas e escritores franceses escolhiam do rep e rt ó ri oi taliano precisamente o que podiam usar. Seu respeit o pelas realizaçõesitalianas não impedia alguns de pensar que eram capazes de fazer

melhor. 36

A relação da imagem de Luís com a tradição medieval é bastante diferente. Nestecaso, o que encontramos são antes continuidades mais ou menos inconscien tesque imitação e competição. O ritual do sacre seguia um precedente medievalfrancês (p. 53). Assim também os /its de justice da parte inicial do reinado (p.52) . A entrada real so lene numa cidade era um costume medieval, embora

tivesse sido reconstruído no Renascimento segundo o modelo do triunforomano, com carros, panóplias , arcos do triunfo e assim por diante. Um ritualelaborado caracterizava a corte da Borgonha no final da Idade Média - de

fato, alguns traços do ritual da corte espanho la tinham sido adotados daBorgonha em meados do sécu lo XVI.

Os franceses do sécu lo XVII, em geral, não admiravam a Idade Média .Tendiam a olhar com desdém para essa era de trevas e a associá-la com obarbarismo do godos Y Isso não impedia, porém , que vínculos entre Luís eClóvis, Carlos Magno e são Luís fossem levados a sério (F igura 87). Sob certosaspectos, soberanos medievais forneciam modelos para a apresentação pública deLuís XIV. Luís foi ungido com o santo óleo que supostamente teria sido levadopara Clóv is por uma pomba. Usava o manto real tradicional, bordado comflores-de-lis. Usava as insígnias reai s, os símbolos tradicionais da autoridade -

86. Um modelo para Luís como patrono. Cosimo ~ u arquitetos. de GiorgioYasari, pintura em teto, c.l560. Palazzo Yecchio, Florença

coroa, cetro, orb e, espada, anel etc. 31 O rei executava outros ritos medievais (comoo lit de justice e a entrada solene) que, a despeito da transformação sofrida noséculo XVI, eram essencialmente medievais. Tocava os doentes e lavava os pésdos pobres. Poderíamos dizer que Luís era profano o suficien te para ap reciar asvantagens de se r um monarca sagrado, uma afirmação que Bossuet, por exemplo,continuava a fazer em seu favor .39 Talvez não partilhasse da fé de se us pred ecessor s merovíngios no poder mágico dos cabelos longo s, mas usava s ua fam osaperuca alta .

No decorrer do reinado, o rei se afastou desses modelos medievai s semabandoná-los por completo. Ao contrário de sobe ran os medievais, não u savasempre coroa, ou segurava um cetro, uma main de justice (um bastão encimado

A PA B R I C A Ç A O DO REIt UIS M P E R S P E C TIVA

1660 com dedicatória para Colbert. Talve z tenha s ido uma pena que o famosoguia para o ritual da corte escrito por Constantino VIl P orfir ogêneto fossedesconhecido em Versailles, pois Luí s se assemelhava em mai s de um aspecto aoimperador biz.antino.•o

Lu zes ardiam diante das imagens dos imperadores, e havia rituai s fonnais

para saudá- los de manhã, para ficar de pé ou sentado em sua pr esença, e até parase prostrar diante deles (o chamado proskynesis). O imperad or era quaiHicado de

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87. Luís idcnlificado com são ís. Luís como são Luís, pintura anônima, c.l660. Poiticrs, capelado Colégio Jesuíta

por uma mão , que representava o papel do rei como juiz supremo). Depois dedesistir de manter os lits de jusrice, Lui s não se se nt ou muita s vezes num trono.Entre as raras ocasiões em que o fez podem-se co ntar as audiências concedidasaos enviados argelinos em 1684, aos enviados s iamese s em 1686 e aos enviados

persas em 1715 (ve r Figura 68) . Ficamos portanto com a impressão de que o tronocomeçara a se r visto como um re sq uício arcaico, tão exótico que só era usado paraimpressionar or ient ai s.

Até as representaç ões do rei abandonavam os símbo los tradicionais deautoridade, mostrando-o muita s vezes em traje s comuns, se ntad o numa cadeiraou empunhando um bastão em vez do cetro para demonstrar sua autoridade. Ofamoso retrat o solene de Rigaud (Figura I) ex ibe alguns dos sí mbolo s racionais,mas de forma discreta. Luís usa o manto real , mas ele está aberto, de modo adeixar ver, por baixo, suas roupas modernas. Segura o cetro, mas de maneira nãoconvencional. Traz a es pada sole ne, mas só o punho c visível. Não há orbe nemmain de jusrice.

Outro modelo de governo conhecido nos círculos do rei era o de Bi1..âncio .Uma magnifica edição in-fólio da his tó ria bizantina foi publicada na década de

pacificador- (eirenpoios), piedoso (eusebius), benfeitor (euergetes), de sace rd o

te, de aurokrator (não tão longe assim de m ona rca absoluto), de representante de

Deus, de sol. Algumas das moedas de Constantino tra ziam a legenda o so linvicto- [SOL INVJCTUS).

A pretensão do rei francês a se r monarque de l'tmi,•ers talvez pareçamenos chocante aos ouvidos modernos quando nos lembram os de que osimperadores bizantinos também re ivindi cavam o coma nd o do mundo todo

(oik umene). 1 Como imperadore s posteriores, Luí s foi qualificado de umnovo Constantino-, paralelo ainda mais apropriado porque (como historiado

res recentes enfatizam), o próprio Constantino tinha clara percepc,:ão do va lor

da propaganda. Bossuet, que deu esse titul o a Luís, provavelmente via a simesmo como um novo Eusébio, o bispo de Cesaréia, famoso por seus panegí

ric os de Constantino, sua perseguição aos hereges c sua história da Igr eja. : Océlebre arco de Constantino

em Roma foiuma inspiração

eum modelo dos

arcos do triunf o do rei, embora, como Charles Perrault não deixou de assinalaros arcos de rei fossem maiores.•J '

Os imperadores bizantinos se inspiravam nas tradições imperiais romana s, e aqui estamos num terreno mais firme . Na época de Luís XIII, Guez de

Balzac tinha suge rid o a imita ção do culto romano ao imperador. Especialistasem cerimo nial, como Godefroy e Saintot estuda ram os rituai s dos imperadores

romano s.•• Os críticos da estátua da Place des Victoires (acima, p.l56-7) eram

mai s precisos do que podiam imaginar em suas alusões maliciosas à apoteoseromana .43

A relação entre a imagem de Luís XIV e a tradição clássica é um assuntoque sem dúvida merece por si só uma monografia, à maneira de Aby Warburg,que discuta as percepções que o 5\ culo XVII tinha da Antiguidade, bem como aadaptação do repertório de formas e imagens clássicas a novas funç ões e novos

contextos. Arquitetos e artistas tinham pleno conhec iment o dos modelos roman osantig os, mesmo quando optavam por se desviar deles. Charles Perrault publi couuma tradução do tratado de autoria do arquiteto romano Vitrúvio, ao mesmo

tempo em que projetou uma "ordem francesa" para o Louvre, para mostrar que aFran ça moderna podia competir com a Roma antiga. François Blondel gostava deincluir armas modernas em seus emblemas, entre as quais mosquetes, canhões

e até bombas (no que era um grande especia lista) , mas gostava também de ci tar

A f A B R I C AÇ ÃO DO REI

precedentes romanos para seus projetos,como a coluna de Trajano,o Arco deTito (com suas vitórias aladasnos tímpanos)e o Arco de Constantino(comseu

sol).46

O fato de restarem monumentos antigosem cidades francesas, a PortedeMarsem Reims, por exemplo, tomavamos precedentesclássicosfamiliares tantopara Colbertcomo para seus arquitetos.47 Escultores iam a Roma paraestudarestátuasantigas e voltavam para ensinar seuspupilos sobre o Laocoonte, oHérculesde Famese e o Torso do Belvedere •• Estátuasclássicase modelosde

L UISl:i

M PE RS P EC TI VA

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Hérculesde Famese e o Torso do Belvedere. Estátuasclássicase modelosdeargamassa(atéda Colunade Trajano) foram levados para Paris por Colbert, por

razõestantopolíticascomoestéticas, para impressionarestrangeiros edemonstrarque Parisera uma nova Roma.9Estátuas eqüestres de Luís tiveram muitasvezes por modelo aestátuade

MarcoAurélio no Capitólio. Umacópiade argamassadessa estátuaficavaemexibição na Acadérnie Royalede Peinture et Sculpture, onde os enviados

siameses a viram em 1686.0 Girardon foium dos escultoresque seguiu essemodelo,embora tenha feito questãode que sua estátuafossemaior. 1 No debatesobre dourar ou não a estátuade Luís na Place des Victoires, foi invocadooexemplo de Marco Aurélio.» Medalhistasacompanhavam os precedente sromanos tanto nas imagens como nas inscrições, embora ocasionalmente sedispusessem a romper com eles (p. 143). É pouco provável que artistascomo Lebrun e Desjardins, que representaram Luís como Hércules, desco-nhecessem que também os imperadores romanos tinham sido representadosdesse modo.

A relação entre a literatura da Roma antiga(e, em menor extensão, daGrécia) ea da França doséculoXVIIera aindam is estreita emaiscomplexa quea existente nas artes plásticas, porqueos escritores (ao contráriodos artistas,ouem medida muito maior queestes) podiam supor uma familiaridadecom osclássicos d parte de seus leitores. Escritores exploravamessa familiaridadejogando com a citação ea alusão.

Se Bossuet foi um novo Eusébio, Boileau qualificou asi mesmode um novoHorácio,sendoColbertseuMecenase LuísseuAugusto.ComoHorácio, escreveuodes, epístolas, sátirase uma Arte da poesia. Os retratos em prosa do rei, daautoria de Félibien eoutros, seguiama tradição do clássicoekphrasis is to é, adescriçãode uma obra de arte. 3 Os panegíricosformais do rei, e me smo ohábito de lançá-losno dia do seu aniversário,seguiamprecedentes cláss ic o s.O jesuíta La Beauneescreveupanegíricos tantoclássicos como modernos. Opanegírico que Plínio fez do imperador Trajanoera particularmentebemconhecido.Para os que não sabiamler latimou grego, as traduçõesse faziamcada vez mais disponíveis.

Benserade,por exemplo, traduziuas Metamorfoses de Ovidioem ver so,e o rei ordenou sua publicaçãonuma ediçãoilustrada,sem dúvida porque isso

88 . O m p e ~ or Claudius camafcu, c ulo I Cabinct dcs Médaill es, Bibh hêqueNattonalt , Part:-

ajudariaos leitoresa decodificar muitas das pinturas alegóricasem sua homenag c ~ Os c ~ c to c s viam a R~ m aantiga co mo uma ri val a sup erar para amaJor glona de Lu1 s XIV. Evidentemente, se ria ab surdo reduzir a famos a

a t a l h ~dos livros Mentre antig os c moderno s a um meio de pr opaganda~ a ~ a.L.uJ s XI V . ~ s o as sim, havia um elemento político no lugar -comumhtcrarJ()de que Lu1 s era um novo Augusto, ou até, segundo a inscrição de umbu sto ~o rc1no co nvento dos maturinos, ..mais augusto que Augusto ug ustoaugustwrj .

. o m~ ~ sclassicistas mostraram que Augusto dava grande atenção à suau ~ a g c mpubhca, talvezseja interessante desenvolver um pouco mais a compara-çao. De fato, os paralelos entreos dois líderes são impress ionantes. Augusto eraumh b ·. ornem_ a1xo e, a ~ aparecer mais alto, usavasallos.36 Apresentousua pr ópriamtcrpretaçao de se u remado em suas memórias, ou Res ge sta e . Acreditava-se que

A FABRICAÇÃO DO REI

tinhauma relação especial comApolo. Foi representado como Júpiter. Muitasestátuasde Augusto foram erguidasem praças públicas, tanto nas provínciascomo em Roma, retratando-o como altivo, majestático e heróico .58 As pessoas,por sua própria conta, mantinham também imagens de Augustoem suas casasemsinalde lealdade, enquanto cidades provinciais o reverenciavam comoum deus,o salvadordo mundo, o senhor da terra e do mar (como Luís XIV,os imperadoresromanos sublinhavam seu poder sobre o mundocom títulos comoConservatorOrbis Pacator Orbis Restitutor Orbis etc )59 Moedas e estátuas associavam

LUIS EM PERSPECTIVA

pesquisaramos obeliscos egípcios como modelos para sua própria época e tinhamconhecimentodo culto egípcio aosol M Seria interessante saber se pens avamnasala cósmica do paláciode Coroés (rei sassânida da Pérsia noséculo XVI),analisado por pelo menos uma publicação eruditada época,como um prece-dentepara Versailles.66 No tempo de Luís,Coroés foi também o herói deumapeça teatral de Jean'Rotrou, cuja ação se passava no paláciode Persépolis. 67

É improvável, contudo, que adjetivos aplicados a Luís,como doado porDeus , fossem ecos conscientes dos epítetos de soberanos acadianos esumé-

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Orbis, Pacator Orbis, Restitutor Orbis etc.) Moedas e estátuas associavamAugusto,como outros imperadores (Figura 88),com a figura da Vitória.Ele

dedicou dois obeliscos a o sol. Organizavam-se festivais para estimular a lealdadedo povo.Com a ajuda de Mecenas, vários escritores foram recrutados para servirao regime, en tre eles o historiador Lívio, bem com o Virgílio e Horácio.

As diferenças na apresentação dos dois soberanos também são dignasdenota. Augusto substituiu uma república e foi necessário modificar a ling uagemda comunicação política (literária e visual) para representar sua posiçãocomochefe.60 Foi retratado como eternamente jovem, ao passo que Luís, como vimos,permitiu-se envel hecer discretamente. Augusto fezda simplicidadeuma virtudee, se pudesse ter visto Versailles, teria provavelmente reprovado sua rica decoração. Eramais populista que Luís no sentido de se declarar interessadonaaprovação popular. Apareciano teatro para ser visto pelo povo romano e até paradialogarcom ele. 1

O acúmulo de paralelos exatos é notável, mas não se deve presumir que asimagens similares (ou mesmo idênticas) tinham o mesmo significado nos doiscontextos. Apolo, p or exemplo, fazia parte do panteon oficial romano. Na épocade Luís,era uma alegoria cristã. As diferenças políticas e culturais entre as du asépocas são fundamentais, embora fiquem mascaradas pela reverência do séculoXVII pela tradição clássicaem geral, eem particular pela época de Augustolebeau siecle d Auguste]. 62

O culto romano a Júlio César, Augusto e imperadores posteriores tinhamuito a dever à Grécia e às tradições orientais. O mausoléu de Augusto,porexemplo, tomou a forma de uma pirâmide, como se ele fosse maisum faraó.63

Tanto para Césarcomo para Luís XIV, o grande herói foi Alexandre Magno . Entreos feitos de Alexandre estava nãosó a conquista da maior partedo mundoconhecido,como o estabelecimento de novo estilo de monarquia, segundo omodelo persa ou egípcio,com um elaborado cerimonial de corte. Foi assim q ueo proskynesis oriental entrou na tradição ocidental. O culto ao soberano expressou-se tambémna fundação de pelo menos13 cidades com o nomede Alexandria,e o projeto de transfonnar toda uma montanha, o monte Atos, numa colossalimagemde Alexandre.4

É difícil saber até que ponto os eruditos da época de Luís XIV conheciambem a tradição da adoração do soberano. Tanto Blondel como Charles Perrault

Deus , prios 68 É ainda menos provável que os fabricantes da imagem de Luíssoubessem

da associação tradicional entre o soberano e o sol em culturas tão distantesdeles

como as do Japão e do Peru.Também no Havaí havia uma conexão entre a realeza, a divindade e o sol.69

O recurso àmesma imagem de poder em culturas tão diferentes não deverianossurpreender. A identificação implícita entre a ordem política e aordem cósmicaé um exemplo clássico da legitimação de detenninado conjunto deacordosinstitucionais através de sua apresentaçãocomo natural, de fato,como o únicosistema possível.

o SÉCULO

Até aqui, a tentativa foi ver Luís em perspectiva, olhando para trásno corredordo tempo. Luís foi comparado e contrastado com certos outros monarcasnaintenção de descobrir se seu modo de auto-apresentação foi ou não inusitado.Umavezque o próprio rei eos artistas e escritores a seu serviço tambémolhavam paratrás, mo strou-se necessário discutir suas atitudes diante de diferentes período s esoberanosdo passado.

É impossível ignorar o fato de que nosso próprio ponto de vista é necessariamente diferentedo deles. Nos três séculos que os separam de nós, as representações dos governantes mudaram de muitas maneiras. Quer tenhamosou nãoconsciência disto, a visão que temos do século XVII é moldada pelas nossaspróprias experiênciasdo século XX. Para evitar julgamentos anacrônicos, talvez

seja melhor fazer comparações explícitas. De fato, podemos chegar a umacom-preensão mais profunda tanto de nossaépoca como da de Luís XIV seconsiderarmos tanto as semelhançascomo as diferenças entreesses doisperíodos. Gostaria, portanto, de concluireste capítulo - e o livro - compa-rando e contrastando meios de comunicação do século XVII e XX, e a imagempública de Luís com as imagens de alguns de nossos mais recentes chefesde Estado.

Os estudiosos dos meios de comunicaçãodo século XX operampor vezescom pressupostos bastante questionáveis sobre períodos anteriores,entre osquais o chamado velho regime , que precedeu a Revolução Francesa.Tomemos,

A FABRICAÇÃO DO REI

por exemplo, um estudo bastante conhecido sobre propaganda, escrito nos anos1920, que sugere que os tempos mudaram desde Luís XIV, e que a ascensãoda propaganda, e a nova profissão de relações públicas , é um fenômenodo século XX, estimulado pela Primeira Guerra Mundial mas tomado necessáriopela livre competição de idéias numa sociedade democrática. 7

Outro exemplo de estudo do mundo de hoje prejudicado por falsos pressupostos sobre o velho regime é o arguto e provocativo ensaio sobre a imagempublicado no início da década de 1960 por Daniel Boorstin, historiador da cultura

h d l

LUIS EM PERSPECTIVA

norte-americanos, são análogos sob certos aspectos importantes aos meios empregados por Luís XIV. 7 A grandiosidade da arquitetura e escu ltura oficiais, porexemplo, que toma os espectadores anões para que tomem maior consciência dopoder do governante. O mito do herói como onisciente, invencível e destinado aotriunfo sobre as forças do mal e da desordem. A imagem do líder que trabalhadurante a noite enquanto seu povo dorme. Muito antes que essa imagem deMussolini (ou, na verdade, de Napoleão) se difundisse, La Bruyere descreviacomo nós repousamos .. enquanto esse rei vela sozinho sobre nós e sobre todo

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norte-americano. Nesse ensaio Boorstin aftrma que o que chama de revoluçãográftca do ftnal do século XIX e início do século XX (graças à impressão a vapor,

à fotografta etc.) levou à ascensão do que ele chama de pseudo-evento , um termocujos signiftcados vão desde um acontecimento encenado para efeitos da mídia a umque é noticiado antes de ter lugar.71 Espero ter mostrado a utilidade desse termo deBoorstin para a análise dos meios de comunicação do século XVII, entre os quais osjornais, medalhas e gravuras. Na época de Luís XIV, ações aparentemente espontâneas eram por vezes encenadas com algum cuidado, desde os regozijos públicos comnotícias de vitórias francesas até a construção de estátuas do rei.

Além disso, um estudo escrito na década de 1970 usa expressões como oEstado-espetáculo [l état-espectacle]e o sistema estelar em política paraqualiftcar o mundo de Kennedy, De Gaulle, Pompidou e Carter. O autor estabeleceuma comparação entre essa personalizaçã o da política e a insistência em

empacotar candidatos ao poder com o sistema que dominava outrora (seja istoquando for), quando as idéias importavam e os políticos redigiam os própriosdiscursos. Explica a diferença pela influência do cinema - i nc lu in do LouisXIV

de Rosse l in í - e da propaganda. 72

O exagero desta argumentação deveria ser óbvio para os leitores destelivro. O poder já era personalizado no século XVII. O cardeal Richelieu e LuísXIV empregavam ghost-writerspara escrever seus discursos, memórias e atécartas (p. 20). Talvez os políticos atuais sejam apresentados como produtos, masseria possível aftrmar igualmente que os produtos contemporâneos são louvadosde uma maneira outrora reservada aos príncipes. Hype deriva de hyperbole.

Muito antes do cinema, o teatro afetava percepções da política. Quando odoge de Gênova chegou em Versailles em 1685, um observador da época, que poracaso era um dramaturgo, Donneau de Visé, observou que o personagem que eletinha de sustentar não era fácil [le Personnage quil avoit soutenir n estoitpas

aiseJ73A comparação entre a política e o teatro era comum nesse período. Tantopara seus contemporâneos como para a posteridade, o Rei Sol era um astro.

Os meios de persuasão empregados por governantes do século XX comoHitler, Mussolini e Stalin e, em menor grau, pelos presidentes franceses e

Hype é publicidade enganosa e exagerada. (N.T.)

l ~ \

p qO Estado [nous reposons.. tandis quece roi ... veil/e seu[SUf IWUS et SUf tout l État ~

A publicação de periódicos oficiais, a organização de escritores em academias oficiaisencarregadas da publicação d e prestigiosos dicionários e enciclopédias. Até um detalhecomo a insistência de Mussolini em que seu título de DUCE fosse impresso em letrasmaiúsculas te m seu paralelo na apresentação tipográfica de LOUIS. Ambos os governantes eram apresentados em público como um segundo Augusto. 76 Se a partes íntimasde Lyndon Johnson foram o centro da publicidade durante sua operação da vesícula,assim também o foram as de Luís na época de sua fístula.

Olhando para trás, ao longo do corredor da história, a supressão da medalhasobre a destruição de Heidelberg, assim como a supressão de Olivares do retratode Baltasar Carlos, ganham semelhança com a eliminação de Trotsky da Enciclopédia Soviética.As instruções às municipalidades francesas para que erguessemvoluntariamente uma estátua de Luís XIV na praça principal da cidade (acima, p.

106) são bons exemplos do que um historiador da Rússia revolucionária chamoude o mito da espontaneidade . Os nomes Saarlouis e Louisiana, como Leningrado, parecem expressão do culto da personalidade. Chapelain parece ser operfeito apparatchik,e a reação contra Luís XIV no perío do da Regência, um casode desluisificação , segundo o modelo da desestalinização. Olhando do pontode vista oposto, podemos ver a Academia Soviética de Ciências como, ironicamente, um ato de homenagem à França de Luís XIV - ou, mais exatamente (p.188), a sucessora de uma instituição fundada por Pedro, o Grande em homenagemàs academias francesas.

Estas semelhanças são sem dúvida impressionantes. Lembram-nos não somente

a importância do ritual, do mito e do símbolo na política em todos os tempos, mastambém a persistência de determinados mitos e símbolos nas sociedades ocidentais.78 Não desejo, no entanto, fazer a afirmação simples de que plus ça change,plus c est la même chose.A imagem dos governantes atuais, e mais ainda aimagem dos regimes atuais, difere de fato da de Luís XIV e de seus contemporâneos em alguns sentidos importantes.

A mais óbvia dessas diferenças é tecnológica. Luís era apresentado empúblico através da imprensa, de estátuas e medalhas, ao passo que osgovernantes do século XX apóiam-se cada vez mais na fotografia, no cinema,no rádio e na televisão. Os novos meios eletrônicos têm suas próprias exigên-

A FABRICAÇÃO DO REI

cias. A mudança de discursos políticos para debates e entrevistas, por exemplo,é um de seus efeitos. 79 Mesmo assim, o contraste entre o que poderíamoschamar de governantes eletrônicos e seus predecessores foi exagerado.

Mais importante é a ascensão da legitimação por eleição popular. Luísrepresentava Deus, ao passo que governantes posteriores representavam a nação,aspecto ressaltado por um especialista em direito internacional em 1758.

8A

Revolução Francesa é um divisor de águas entre os velhos regimes, em que nãohavia necessidade de persuadir o povo, e os Estados modernos, em que ele é o

LUIS EM PERSPECTIVA

1792. Após 1917, as estátuas dos czares foram removidas das praças de Moscoue de Leningrado e substituídas pelas dos heróis populares e revolucionários. 7

A mais longo prazo, os governantes retornaram às ruas como retornaramaos palácios presidenciais. Simplesmente passaram a ser representados numestilo mais popular. Exemplos desse estilo podem ser encontrados ocasionalmente, seja na época de Gustavo Adolfo da Suécia, seja na de Augusto (p.204-8). A multiplicação dos retratos de famílias reais - a domesticação damajestade , como foi chamada - é um notável indicador dessa mudança de

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p p , , qprincipal alvo da propaganda. Surgiram os jornais populares. Consta que um

deles, Pere Duchesne, chegou a vender um milhão de cópias. Os analfabetospodiam ouvir a leitura desses textos por outros, ou ler as imagens políticas, ouparticipar de rituais políticos como o Festival da Federação, que celebrou aprópria Revolução. Não foi por acaso que as idéias de conversão política econversão religiosa surgiram nessa época. 8

Desde esse tempo, a organização da persuasão tornou-se ainda maiselaboradas: sofisticada, em especial nos Estados Unidos, graças à combinaçãode um regime presidencialista, eleições democráticas e um interesse pelosnovos meios de comunicação. Já foi sugerido que a fabricação da imagemtornou-se importante nas campanhas presidenciais americanas desde a décadade 1820, com o desenvolvimento da biografia de campanhaY Empresáriospolíticos profissionais remontam à Califórnia da década de 1930, com agênciascomo Campaigns Inc. . 83 A ascensão dessas agências está associada com aidéia de pacote . Como observou o presidente do conselho do Partido Republicano em 1952, Vocês vendem seus candidatos e seus programas do mesmomodo que uma companhia vende seus produtos . 84.Chegamos à época deSaatchi and Saatchi.

Foi afirmado com alguma ênfase que o Estado russo após 1917 foi maispermeado pela propaganda que qualquer outro , no sentido de um esforço consciente para criar uma nova humanidade adequada para viver numa nova sociedade. Nenhum Estado anterior teve ambições semelhantes, e nenhum líderdedicou atenção comparável às questões da persuasão. Alguns dos meiosempregados eram relativamente tradicionais. O Comitê do Partido da cidadede Smolensk, por exemplo, enfatizava a necessidade de esplendor, grandiosidade e pompa como meio de influenciar os jovens, e advogava a instituiçãode feriados revolucionários. Outros meios de persuasão eram novos, notavelmente o uso de cartazes, jornais murais, filmes curtos e simples (os chamadosagitki e trens e navios especiais de propaganda, com cinemas, bibliotecas egráficas a bordo.86

O objetivo original, tanto em 1789 como em 9 7, era celebrar a própriarevolução. Houve tentativas de eliminar as estátuas dos soberanos, assim comoos próprios soberanos. A maioria das estátuas de Luís XIV foi destruída em

j , foi é um notável indicador ç deestilo. 88

Um exemplo da França é o do rei Luís-Filipe. Após chegar ao poderdepois da revolução de 1830, ele foi apresentado como um soberano acessível aos seus súditos e de fato não muito diferente deles. Assim, seusprimeiros retratos oficiais o mostravam - em contraste com seu predecessor Carlos X - sem acessórios patentemente reais, como a coroa e o mantoda coroação, e com os olhos no nível dos do espectador. 89 Esse igualitarismo,fosse genuíno ou artificial, teria sido impensável na época de Luís XIV. Erauma conciliação entre os ideais da monarquia tradicional e os da RevoluçãoFrancesa.

De maneira similar, poderíamos dizer que a imagem de Lenin nos últimosdias de sua vida foi uma conciliação entre os ideais da Revolução Russa e atradição dos czares. O estilo de vida de Lenin era modesto, e ele evitava pintorese fotógrafos. 90 No entanto, já havia um culto a Lenin antes de sua morte, marcadopor poemas em seu louvor, biografias, cartazes, e por escolas, fábricas, minas efazendas coletivas batizadas com seu nome. 9

Hoje, a linguagem dominante da política é a linguagem da liberdade,igualdade e fraternidade. Presume-se que o poder emana do povo e os monumentos públicos celebram o soldado desconhecido ou um trabalhador heróicogenérico. Líderes eleitos precisam pensar nos eleitores, e até governantes antidemocráticos afirmam que seu poder vem do povo. A distância social foi abolida,ou parece ter sido (graças tanto à invasão das câmeras de TV como a escolhasconscientes). A ilusão de intimidade com o povo é necessária, a conversa ao pédo fogo, os apertos de mão intermináveis etc. A dignidade é perigosa, porqueimplica distância. A ênfase recai agora sobre o dinamismo, a juventude e avitalidade. Mussolini está longe de ser o único governante de meia-idade a seapresentar em público como esportista e até atleta. 92 Escolhem-se fotografias queressaltem as qualidades dinâmicas. Ocasionalmente, a linguagem corporal deindivíduos é modificada por conselho das agências de publicidade e dos empresários de campanha, para que o candidato melhor se ajuste ao papel de líderpopular.

Luís proclamava dever seu poder a Deus, não ao povo. Não precisavacultivar eleitor nenhum. Seus meios de comunicação não eram de massa. Foi

A FABRICAÇÃO DO REI

t d de fato nha de sê-lo - como alguém especial, o ungidoporapresen a o - • · 1Deus, le Dieudonné. O contraste entreos líderesdo século XVII e osd ~sec.u oXX não éum contraste entre retórica e verdade.É um contraste entre do1s estilosde retórica.

GLOSSÁRIO

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ABSOLU[absoluto].É definido por Furetiere em seu Dicionário como~ s e mcondição,sem

reserva . Spanheim, por exemplo, referiu-se ao período anterior a 1661 como aqueleemque ~ l epouvoir absoludu gouvemement était entre les mainsd un premier ministre ,emoutras palavras, aquele em que Mazarin estava no controle. Um dos historiadores oficiaisde LuísXill, Dupleix, afirmou a seu respeito:~ j a m a i sroi ne fut si absolu en France quenostre Louis.

ACADÉMIEfRANÇAISE. A mais prestigiosa academia, composta por 40 homens de letras,fundadaem 1635.

ACADÉMIE DES lNSCRIPTIONS,ver PETITE ACADÉMIE.

ACADÉMIE ROYALE DEPEINfURE ET SCULPTURE(Academia Real de Pintura e Escultura).Fundadaem 1648.

ACADÉMIE DES SCIENCES(Academia de Ciências). Fundadaem 1666.

APPARTEMENTS.Termo usadona época nãosó para designar os apartamentos reaisemVersailles,mas também o costume de abri-los ao público três vezes por semana.

BALLET.O ballet de cour desse período era uma encenação musical que, embora centradanadança, não excluía o canto.

CONSEILD EN HAUT. O ~ c o n s e l h odo andar de cima , assim chamado por causado local emque se reunia,era o conselho de Estado, em queos ministros mais importantes se reuniamsemanalmente com o rei eas decisões mais importantes eram tomadas.

CONSEIL SECRET. O equivalente francês do que os britânicos chamam de ~ P r i v yCoun-cil .

ESTADOS[Etats]. Assembléias regulares com representação dos três~ e s t a d o sou ~ o r d e n s(oclero, a nobreza e o~ t e r e i r oestado )em certas províncias francesas (conhecidas comoospays d états): Artois, Bretanha, Languedoc, Normadia e Provença.s Estados Gerais,

representando todo o reino, não se reuniram entre 1614 e 1789.GRANDE GALERIE.Nome francês que se dava na época à sala de Versailles hoje conhec ida como

1 Galerie des Glaces, ou Galeria dos Espelhos.

GRATIFICATION.Um presente do rei, com freqüência uma pensão.

HISTOIREou ROI [ ~ Ahistóriado rei ]. Nome dado pelos contemporâneos do reinão só àshistórias sobreseus feitos mas também às várias séries de representações dos mesmos empinturas, tapeçarias, gravuras e medalhas.

HISTOIRE MÉTALLIQUE[história metálica]. A históriado reinado contada pelo arranjo em ordemcronológica das medalhas que representavam seus eventos. Houve duas histórias metálicas

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A FABRJCAÇÀO DO REI

2. A datação das próprias medalhas. Dezesseis medalhas foram atribuídas a Jean Warin,que morreu em 1672. 4 Em 1675, após a morte de Warin, seu discípulo François Chéronfoi chamado a Paris e designado graveur ordinaire des médailles. Chéron trabalhara emRoma para os papas Clemente X e Inocêncio X. Sugeriu-se que apenas 37 medalhas foramcunhadas no período de Colbert, isto é, 1661-83, mas esse número é implausivelmentebaixo. Uma fonte da época afirma que 99 medalhas tinham sido cunhadas até o início de1685. 5 A história metálica não oficial publicada por Menestrier em 1689 inclui 122medalhas que representam eventos ocorridos entre 1638 e 1688. Subtraindo este númerode 332, ficamos com 220 medalhas cunhadas no período 1689-1715. Destas, 92 referem

A P ~ N D I C E2IcoNoGRAFIA DE Luís XIV

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se ao período 1689-1715. Se as deduzirmos de 220, ficamos com 128 medalhas cunhadasno período 1689-1715, embora representando eventos anteriores do reinado.

3. A datação da história metálica do reinado também apresenta problemas. Em geral, oprojeto oficial de uma história metál ica é datado em cerca de 1685 e associado a Louvois. 6

Se o que nos interessa é um projeto bem definido para publicação em forma de livro, adata pode muito bem estar correta, mas idéias mais vagas podem ser encontradas bemmais cedo no reinado, especialmente nas cartas de Jean Chapelain 1 2 de agosto de 1665e 28 de setembro de 1672). Em 1673, o Mercure Galam falava de Jean Warin comoenvolvido na Histoire du Roy en médailles .

A tarefa de realizar o projeto oficial foi confiada à petite académie. O trabalhoavançava lentamente - a academia tinha outros afazeres. Nesse ínterim, em 1689,Claude-François Menestrier publicou sua famosa (mas não oficial) Histoire du roi p r

les médailles. Esta coleção de medalhas e emblemas comemorativos de eventos ocorridos

entre 1638 e 1688 parece ter sido um tributo ao rei em seu qüinquagésimo aniversário.Foi talvez em reação a essa publicação não oficial que a petite académie foi reno meadaAcadémie des Inscriptions, em 1691, e recebeu ordens para se concentrar na históriametálica. Em 1693, a segunda edição do livro de Menestrier recebeu um novo título,L Histoire du regne de Louis XIV presumivelmente para permitir à academia o uso daexpressão clássica l histoire du roi. Contudo, quando o trabalho da academia foi finalmente publicado em 1702, recebeu o título de Médailles sur les principaux événementsdu regne de Louis le Grand. Para maiores detalhes, ver Jacquiot (1968), Jones (l979a eb), Ferrier (1982) e Oresko (1989).

NOTAS:

Jacquiot (1968); cf. MG, janeiro de 1682, pp. 53 e segs.

2 Jacquiot (1968), pp. 433 e segs, 617 e segs.3 Compare o número de 312 em N.R. Johnson (1978), p. 52.4 O inventário com sua listagem está publicado em Jacquiot (1968),

documento 725 Ibid., p. xxvi; MG janeiro de 1685, p 99.

6 J acquiot (1968), pp. x x ~xxv e segs.

Parece não haver nenhuma maneira de avaliar o número de retratos de Luís XIV

execu.tados durante seu reinado nos vários meios de comunicação. o levantamento ~ scompl.eto do meu conhecimento restringe-se às obras que se conservaram,exclumdo asstm as famosas estátuas da década de 1680.1 Está também limitadoa obras de artistas que viram ou puderam ter visto o rei . Os compiladores listamsoment.e 99 grav.uras, embora assinalem (p. 4n) que se encontram 671 gravurasde L o ~ t sno Cabmet des Estampes da Bibliotheque Nationale. Seu levantamentoe.xclm. medalhas e tapeçarias. Apesar de todas essas restrições, 0 total chega a 433(mclmndo e ~ b o ç o se algumas cenas em que o rei não é figura proeminente).Destas, ~ t r ~ 1 ~ 8 ? r e t r ~ t o sacabados passíveis de datação para uma maior análise.

A d1stnbmçao das Imagens por décadas merece algum comentário. Ao contrário doque se passa com s medalhas, há geralmente pequena discrepância entre a data representada. e a d a t ~~ apmtura, gravura etc. (com exceção dos números 7, 165 e 271, que forampor Isso omltldos da tabela que se segue).

1630 51640 301650 141660 481670 401680 621690 441700 361710 5

Total 284

O p i ~ ona década de 1680 é pronunciado, e seria mais ainda se todas as estátuasergutdas nessa década tivessem se conservado.

NOTA:

1 Maumené e d'Harcourt (1932).

P ~ N D I C E3C R O N O L O G I D L I T E R T U R

P u B L I C D c o N T R u í s XIV

169016901690

1.1691

1692169216921693

1693

1694

P ~ N D I C E S

The Present French KingBeschreibung .. Ehren SauleSolstitium gallicumLudwig der franz.õsische GreuelThe French King LamentationsMonarchie UniverselleL Ombre de LouvoisFrench ConquestRoyal CuckoldOn the Taking o Huy

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A lista que se segue inclui unicamente publicações que discutem o ~ e i em contraposiçãoà França) em algum detalhe. Quase todos são anônimos, ou pseudommos, ao passo que

0 local de publicação raramente merece crédito.

16651667

c.166716731673167416741678

167816801681

16841684168416841685168616871688168816881689168916891689168916901690169016901690

Histoire amoureuse des GaulesBouclier d étatChimaera gallicanaDi e franz.õsische TürckeyDas franz.õsische CabinetMachiavellus gallicusRisées de PasquinChristianissimus christiandusThe French King ConqueredThe French PoliticianFrench IntriguesMars christianissimusBreviarium Maz.ariniConduct o F ranceTriomphe de la VéritéLes Conquêtes amoureuses du Grand AlcandreLe Dragon missionaireMars Orientalis e OccidentalisLa France galanteL Esprit de la F ranceRemarques sur le gouvernement du royaume

IntriguesBombardirenSoupirs de la France esclaveLaus Ludovici delusaMontespan im Schlaf

Eigenlob stinckt gernDer Franz.õsische Atti laThe Most Christian TurkConcursusNero Gallicanus

1694169416941694169516951695

1695

1696169616971697169917001702170217 5

170617 8

17 8

1708c.1709

170917091711

17121714

On the Taking o HuyGiant GalienoLa politique nouvelle de la cour de FranceScarron apparuAlcoran de Louis XIVAmours de Mme de MaintenonTombeau des amours de Louis [e GrandOn the Taking o NamurGrand Alcandre frustréNouvelles amoursParalleleChrestien nonfrançaisTélémaqueLa partage du lionThe

French TyrantFranz.õsische Ratio St atusCatechismus van de Konig van FrankrijkAllerchristliche FragstückeThe French King s WeddingLudwig des Grossen TestamentProben einer koniglichen BaukunstPillers geordeneerd voor L 4CursesThe French King s DreamClear ViewFriendshipArcana gallica

NoTAS

N O T S

42 Sobre mitos políticos, Tamse (1975). Cf.Burke (1939-40); Kershaw (1987).

43 Racine (1951-2), p. 209.44 Geertz (1980); cf. Schwartzenberg

(1977).45 Saint-Simon (1983-8)1 pp. 714, 781,

857 etc.46 Quiqueran (1715), p. 48; Mongin (1716),

p. 3.47 Lünig (1719-20); Longnon (1927).

PERSUASAO

1 Lee (1940).2 Reprod. em Félibien (1688), pp. 83-112;

cf. Bosquillon (1688); Benserade (1698)1 pp. 171-2; Guillet (1854)1 pp. 229-38.

3 Mauméné e d'Harcourt (1932).4 Grivet (1986).5 Dotoli (1983).6 Christout (1967); Silin (1940).

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ABREVIA TIJRAS

DNB Dictionary o National BiographyHARI Histoire de l Académie Royale des Inscriptions

MG Mercure Galant

I APRESENTAÇAOA LUÍS XIV

1 Lavisse (1906); Goubert (1966); Wolf(1968); Labatut (1984); Bluche (1986).

2 Sonnino (1964); Thireau (1973).3 Vries (1947); N.R. Johnson (1978).4 Burke (1987, 1990).

5 Maumené e D'Harcourt (1932); Jacquiot(1968); Mai (1975); Jones (1979a);M.Martin (1986); Oresko (1989).

6 Estudos recentes incluem Beaussant(1981); Verlet (1985); Himelfarb (1986);Néraudau (1986); Pommier (1986); Walton (1986).

7 Ssymank (1898); Ferrier Caveriviere(1981); Marin (1981).

8 Ranum (1980); Fossier (1985); Tyvaert(1974); Klaits (1976).

9 Kantorowicz (1963); Elias (1969); Haueter (1975); Giesey (1985, 1987); Chris

tout (1967); Isherwood (1973); Apostolides (1981); Moine (1984).10 L Orange (1953); Hautecoeur (1953);

Kantorowicz (1963).11 Dilke (1888); Lavisse (1906)12 Giesey (1985),p. 59.13 Zwiedineck-Südenhorst (1888); Gillot

(1914b); Gaiffe (1924); Malssen (1936);Jones (1982-3).

14 Hartle (1957); Posne r (1959); Grell eMi-chel (1988).

15 Godelier (1982).16 Citado em Adhémar (1983),p. 26.17 Chapelain (1883, 1964); Clément (1868);

Jacquiot (1968).18 Para detalhes, ver Apêndice1.19 Grell e Michel ( 1988).20 Apostolidês ( 1981 ),p. 126; Picard (1956)21 Walton (1986)22 Moine (1984), p. 12;M. Martin (1986).23 Collas (1912), p. 357.24 McGinniss (1968); Atkinson (1984).25 Klaits (1976);cf. Speck (1972); Schwoerer

(1977); Vocelka (1981), esp. cap.1; Kenez(1985), introdução;J Thompson (1987).

26 Schieder e Dipper (1984).27 France (1972).28 Kenez (1985),p. 4.29 Veyne (1988).30 Furetiêre (1690), s.v. Gloire .31 Rosenfield (1974).32 Longnon ( 1927), pp. 33,37 etc.33 Scudéry (1671).34 Clément (1868) 5,p. 246.35 Longnon (1927), p. 134.36 Bossuet ( 1967), livro 1O.

37 Montesquieu (1973),p. 58. .38 Charpentier (1676), p. 131;MG abnl

1686, p. 223.39 Naudé (1639),p. 158.40 La Bruyêre (1960),p. 239.41 Cf. N. R. Johnson (1978).

g ( ); g ( )48 Kertzer (1988).

49 Goffman (1959).50 La Porte (1755).51 Pitkin (1967); H. Hofmann (1974); Po-

dlach (1984).52 Gaxotteq930). p. 104.53 Furetiêre (1690).54 Saint-Simon (1983-8)1 pp. 803 segs;

Gaxotte ( 1930), introdução.55 Longnon (1927), p. 53. Sobre a autoria

das memórias, Dreyss (1859); Sonnino(1964).

56 Courtin (1671), p. 41.5 Félibien (1688).

58 Courtin (1671), p. 40.59 M.G., setembro de 1687, p. 178 (Poitiers)60 Em Agde em 1687;MG abril de 1687,

p. 141.61 Visconti (1988), p. 28.62 Lacour-Gayet (1898), pp. 306, 357.63 Longnon (1927), p. 280; cf. Hartung

(1949).64 Bossuet (1967), p. 177; Soupirs (1689),

p. 18.65 Bossuet (1967), p. 141; LouisXIV(1806)

3, p. 491.66 Cf. o título de Biondi (1973).

67 Godelier (1982); Bloch (1987), p. 274.68 Bloch (1924).69 Boorstin (1962); sobre pesquisa emco

municações nos Estados Unidos, W.Shramm (1963).

1 Shils (1975); Eisenstadt (1979).71 Geertz (1980); p. 13; cf. Tambiah

(1985).2 Burke (1987), cap. 2.

73 Trilling (1972), cap.1.14 Lasswell (1936); Hymes (1974).

6 C stout ( 96 ); S ( 9 0).7 Quinault (1739), 4, 145 segs, 269, 341; 5,

200, 257, 411;cf. Gros (1926).8 Félibien (1674); Apostolidês (1981).9 Mõseneder (1983).

10 Pincemaille (1985); Sabatier (1985,1988).

11 Perrault (1909), p. 60.12 Combes (1681; Rainssant (1687).13 Curtius (1947).14 Tronçon (1662); cf. Roy (1983); Bryant

(1986).15 Maumené e d'Harcourt (1932),n2s 79,

178.16 Jenkins(1947); Mai (1975); Burke (1987)17 Chapelain ( 1936), pp . 335-6;Krüger

(1986), pp. 227-46.18 Fléchier (1670).19 Jump (1974)20 Racine (1951-2) 2, p. 986.21 Benserade (1698) 1, pp. 193-4.22 La Beaune (1684).23 Bossuet ( 1961 ); Boudaloue (1707); Flé

chier (1696); La Rue (1829). Sobre o sermão, Hurel ( 1872); Truchet ( 1960), pp. 19segs; Bayley (1980).

24 Perrault (1688-97), pp. 262 segs.25 Bossuet (1961), pp. 310, 340 etc

26 Truchet (1960), pp. 216-58.27 Rapin (1677).28 Poussin (1964), p. 170; Piles (1699) 1, p.

6; Coypel in Jouin (1883), p. 280.29 Chantelou (1889), p. 212.30 Boileau (1969), p. 45.31 France (1972); Pocock (1980), pp. 74 segs.32 Rapin (1677), pp. 43 segs. Racine (1951-

2) 2, p. 209.33 Spanheim (1900), p. 70 segs; sobre ele,

Loewe (1924).

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A FABRICAÇÃO DO REI

2 Collas (1912), p. 435.3 Aubéry (1668).4 Félibien (1688), pp. 197-270.5 Maumené e d'Harcourt (1932), n2s 237-

40; Collas (1912),p. 373.6 Gersprach (1893), pp. 62 segs.7 Médailles (1723), n2s 97-107.8 Chapelain (1883), p. 635.9 Blondel (1698) 4, 12, 3,p. 608; Brice

(1698) 1, pp. 345-6.

39 Comeille (1987),p. 1306.40 MG março de 1679, passim;s e t e ~ r ode

1689, pp. 2, 5, 9; novembrode 1682, p.106.

41 Comeille (1987),p. 1325.

VII A RECONSTRUÇÃO DO SISTEMA

1 Trout (1967-8).2 MG di ã t j lh d 1683 188

NOTAS

31 Josephson (1928); Boislisle (1889); Souchal ( 1983), que usa o termo Mcampagne ,p. 133; Martin (1986).

32 Récit (1685);Gazette (1685),p. 560;MGoutubro de 1685, pp.13 segs.

33 MG janeiro de 1686, p.2.34 Lister (1699), p. 25. Cf. Boislisle (1889),

pp. 49 segs; Description (1686); e MGabril de 1686, pp. 216 segs, 224 segs,240-309.

( )

56 Menestrier (1689), pp. 36-7; Médailles( 1702), pp.209-ll.

57 Perrault (1686), pp.99-l 06.58 Stankiewicz ( 1960),p. 179.59 Bossuet (1961),p. 340.60 Quartier (1681); Jouvancy (1686);Le Jay

(1687).61 Quartier (1681); La Rue (1683).

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10 Per rault (1909), p. 101.

11 Clément (1868) 5,p. 288.12 Félibien ( 1680), p. 4; Walton (1986),cap. 6.

13 Collas (1912), pp. 397-8.14 Dalicourt (1668),p. 43.15 Comeille (1987), pp. 705-7.16 Comeille (1987),p. 716.17 Chapelain (1883), pp. 783,786-7.18 Racine (1951-2) 2, pp. 207-38. Para uma

avaliação mais imparcial, Wolf (1969),caps. 16-18.

19 Racine (1951-2) 2,p. 207.20 Gazette (1672), pp. 560, 562, 564, 572,

615.21 lbid., pp. 684, 849-60.22 Comeille (1987), pp. 1155-65.23 Boileau (1969), pp. 45-9; Genest (1672).24 Jouin (1883), pp. 108-12.25 Guillou (1963); Néraudau (1986); Walton

(1986).26 MG setembro de 1680, pp. 294-5.27 Dussieux et al. (1854),p. 40; Nivelon

(s.d.), f. 327a.28 Félibien (1703),p. 102.29 Dussieux (1854)1 p. 448.30 lbid., 2, p. 43.

31 Médailles (1723), n

s 119-27; Jacquiot(1968), pp. 264 segs.32 Desmarets 1673, 1674); Furetiere

(1674).33 Félibien (1674), pp.71 seg.34 Petzet (1982).35 Desmarets (1673),p. 7.36 Comeille (1987),pp. 1309 seg.,1317 seg.;

Médailles (1723), n2 156, pp. 159-62.37 Wolf (1968), pp. 287 seg., 304 seg.38 Desmarets (1674),p. 2.

2 MG edição extra, julho de 1683, p. 188.

3 K.O. Johnson (1981)4 Autin (1981), pp. 52 seg.5 Rainssant (1687); Félibien (1703).6 Walton (1986),p. 95.7 MG dezembro de 1684,p. 7.8 MG dezembro de 1684,p. 10.9 Rainssant (1687), pp. 9-84.

10 Racine (1951-2) 1,p. 68. Segundo Furetiere, porém, as inscrições originais eramde Tallemant.

11 Jansen (1981).12 Félibien (1680);MG setembro de 1680,

pp. 295-310.13 Saint-Simon (1983-8) 5,p. 607.14 Ibid., p. 604.15 Elias (1969).16 Saint-Simon (1983-8) 5, p. 530.17 Ibid, ?, pp. 553, 877,951 etc.18 Courtin (1671).19 Cf. Hobsbawm e Ranger (1983), especial-

mente a introdução.20 Saint-Simon (1983-8) 5, pp. 596 segs.

Sobre ele, Coirault ( 1965).21 Visconti (1988),p. 61. Cf. a famosa descri

ção do duquede Vendôme em postura semelhante, Saint-Simon (1983-8) 2,p. 695.

22 Courtin (1671).23 Saint-Maurice (1910) 1,p. 157.24 MG dezembro de 1682,p. 48.25 Autin (1981).26 Corvisier (1983), pp. 375-404; cf. Duche-

ne (1985).27 Perrault ( 1909), pp. 135-6.28 Guillet, in Dussieux (1854)1 p. 67.29 Mélese (1936); Mirot (1924); Teyssedre

(1957).30 Corvisier (1983),p. 390.

35 Brice (1698), pp. 169 segs.

36 Boisl isle ( 1889), pp. 58 segs;MG abril de1686, pp. 250-309.37 Relation (1687).38 MG fevereiro de 1687, pp. 50, 55, 57,

73.39 MG junho de 1685, p. 69.40 MG outubro de 1685, p.13; fevereiro de

1686, parte 2, pp. 49 segs.41 Boislisle (1889), pp. 210 segs;Wolf

(1968), 465, 787; Souchal (1983), p. 311;Metta m ( 198 8).

42 Rance (1886); N.R. Johnson (1978); Met-tam (1988).

43 Mallon ( 1985); Taton (1985).44 H RI (1740) 2, pp. 10-13.45 Rousset (1865) 2,p. 376, 464.46 Menestrier (1689), p. 53; Médailles

(1702), p. 195.47 Médailles ( 1702),p. 202.48 Sobre o Mcastigo de Gênova, veja os ver

sos em MG abril de 1684, p. 323, eagosto de 1684, pp. 52 segs.

49 Gazette (1685), pp. 192, 271, 295 seg.,320; MG maio de 1685 pp. 310 segs.

50 Menestrier (1689),p. 51.51 Para um baixo-relevo de Coysevox no

pedestal da estátua do rei para Rennes,Dussieux (1854) 2,p. 36. Para medalhas,Menestrier (1689), p. 66; Médailles(1702),p. 216; Lanier (1883), pp.58 segs.

52 MG janeiro de 1682, p. 10; junho de1685,p. 20.

53 MG dezembro de 1684, pp. 88-9.54 MG outubro de 1685, pp. 32 segs.55 MG janeiro de 1686, p.18. Cf. fevereiro

1686 (número especial sobre a Revogação).

VIII OPóR-00-SOL

l MG abril de 1686, pp. 2-4; novembro de1686, pp. 322.

2 Le Roi (1862),p. 261, 277.3 Klaits (1976).4 Magne (1976).5 Schnapper (1967).6 La Bruyere(1960), pp.452.454.7 Mallon (1985); Taton (1985).8 Herault (1692); Boileau (1969), pp. 123-

7; Maumené e d'Harcourt (1932),n 2549 Médailles (1702), 228, 230, 238, 241,

243, 249, 250, 254.

lO Médailles (1702), pp.235,236,240,251,267; sobre a medalha de Heidelberg, Jacquiot (1968), pp. 617 segs, p. 110.

11 Wolf (1968), p. 546; Médailles (1702),pp. 234, 268.

12 Addison (1890), p. 351.13 Mldailles (1723), pp.303,309.14 lbid., pp. 311, 314.15 Gaxotte (1930), pp. 126 (Vigo), 136 (Ra

millies).16 Maintenon (1887) 2,p. 30.17 MG agosto de 1704,p. 426, e outubro de

1704, p. 8; Surville citou Isherwood(1973),

p.281.

18 Para a reação pessoal do rei diante .daderrota de Oudenarde e a perda de Lille,Gaxotte (1930), pp. 143 seg., 147 seg.

19 Gazette (1708), pp. 118,360.20 MG,j ulhod e 1708, parte 2,prefác io, e pp.

141, 167-8.21 Médailles (1723), n2 316.22 Gaxotte (1930); Klaits (1976), pp. 208

seg. Torcy confessou a autoria em suasmemórias.

A FABRICAÇÃO DO REI

23 Félibien (1703),p. 103.24 MG março de 1687, parte1, pp. 7-9, 110

segs, e part e 2, um número especial sobreos festejos.

25 Para a reação do reià morte do duque e daduquesa, Gaxotte (1930),p. 158.

26 Pinturac 1655 no colégio jesuíta de Poitiers, in Polle ross (1988), fig. 104; estátuafeita para a entrad a régia em Paris. 1660,Mõseneder (1983), pp. 103, 107; estátuade 1675 in Guimiliau (Finistere) Polle

13 Schochet (1975).14 Lévy-Bruhl (1921).15 Thomas (1971).16 Cf. Burke 1987), cap. 16; e Burke

(1990).17 Vert (1706-13).18 Bourdieu e Passeron (1970).19 Locke (1690)1, 6, p. 65.20 Montesquieu (1721), carta 24.21 France (1982).22 Le Roi (1862) pp234 247

NOTAS

5 An Hisrorical Romance.6 Nero.7 Presenr Frenclr King.8 Frenclr Tyrant.9 Frenclr Tyram; Nero.

10 Nero; Politique nouvelle.11 Bombardiren p. 11; Franzõsisclre Ratio

Status.12 Nero gallicanus.13 Tire Frenclr Tyrant.14 lbid

41 Raunié (1879), p. 27; Chevalier (1711),pp. 30-1, tomando a mensagem claracoma inscriçãoAUFER NON DAT.

42 Clément (1866), pp. 76-7.43 Janmart (1888).44 Menestrier (1691),p. 38.45 Kunzle (1973), pp. 109 seg.46 Chevalier (1711).47 Sobre Werner, Glaesemer (1974).48 Sobre Larmessin, Grivet ( 1986), p. 244.49 S b Li l P ib (1894) 15

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de 1675 in Guimiliau (Finistere), Polle

ross (1988),n2 555.27 Gazette (1669),p. 859.28 Zobermann (1985); cf.MG 1679, 1681,

1682, 1689, 1693, 1697.29 Jacquiot (1968), lâminaK.30 Neveu (1988).31 Menestrier (1699).32 Jacquiot (1968), p. cxii.33 Luís XIV ( 1806) 3, p. 492.34 N.R. Johnson (1978), p. 100.35 Hurel (1872), p. xxxixn. Compare com o

númerode 35 inN.R. Johnson(1978),p. 78.36 Mongin (1716), p. 3.37 Quiqueran (1715), pp. 18, 27.38 Gaxott e (1930), p. 186.39 Rave (1957);Le Roy Ladurie (1984).

IX A CRISE DAS REPRESENTAÇOES

1 Hatton ( 1972), p. 42.2 Jacquiot ( 1968), p. cviii.3 Boorstin (1962).4 Hahn (1971).5 Gillot (1914a); Jauss (1964); Kortum

(1966).6 Blondel (1698), pp. 167 segs, 174;Per-

rault (1687); Hall (1987).7 Michel ( 1987), p. 146.8 A. Niderst , in Godard (1987), p. 162.9 Gouhier (1958); Foucault (1966).

10 Borkenau (1934); Hazard (1935); Gusdorf (1969).

11 Simson (1936); Sedlmayr (1954); Bryson(1981).

12 Kantorowicz ( 1957); Archambault(1967).

22 Le Roi (1862), pp.234,247.23 Sagnac (1945),1, p. 87; mas observeas

restrições em Brockliss ( 1987), p. 446n.24 Haueter (1975), p. 250n. corrigindo

Bloch, 1924).25 C . Apostolides ( 1981) sobre " e passage

du systeme de signes antique au moderne". Não posso concordar, no entanto,com sua datação da mudança para 1674.A data é ao mesmo tempo demasiado precisa (como espero que meus exemplostenham demonstrado) e precoce.

26 Cf. Klait s (1976), pp. 293-5 sobre a mudança para "apresentações mais racio-nais".

27 Médailles (1702), pp. 121, 126, 138, 143,148, 179, 183, 199, 206, 210, 213, 223,224, 226, 232, 240, 244, 249, 260, 263,271,283.

28 King (1949).29 Lasswell (1936), p. 31.

X O REVERSODA MEDALHA

1 Raunié (1879)1, pp. 46-92 Para detalhes sobre panfletos hostis, em

sua maioria anônimos, ver Apêndice3.3 Há muitas monografias sobre imagens

discordantes de Luís, em epecial Zwiedeneck-Südenhorst (1888); Schmidt (1907);Gillot (1914b); e Kleyser (1935) sobre omaterial alemão; van Malssen ( 1936) sobre o holandês; e Blum ( 1913) e Rothkrug( 1965) sobre o francês. Não conheço nenhuma monografia sobre o material inglês, ou algum estudo do conjunto.

4 Cf. Burke (1978).

14 lbid.15 Soupirs.16 The Most Clrristian Turk.17 Swift (1691).18 Remarques.19 Grand alcandre in Bussy (1930),p. 178.20 lbid., p. 12.21 Nouvelles amours p. 36, 122.22 Chevalier (1711).23 Wolf (1968),p. 261.24 Cf. ibid., pp. 505 seg; Kõpeczi (1983).25 Menestrier (1691), p. 39.26 Para inscrições zombeteiras, vejaDer

franzõsische Attila e os epitáfios em Raunié (1879), pp. 58 segs.

27 Gillot (1914b)p. 273n.; Solstitium gallicum.

28 Swift, "Ode to the King" (1691), in Swift(1983), pp. 43-6.

29 Meda lha de 1709, in Chevalier ( 1711 ), p.112. Faetonte tinha sido usado oficialmente, mas como símbolo do governopessoal.

30 Lapeste

31 "Louis e. petit", Raunié (1879), p. 58; eMars p. 108. Grande apenas na ambição,Bombardiren p. 5.

32 Mars; Turk Christianissimus Bombardiren.

33 Fragestücke, p.1134 Soupirs p. 19; Fragestücke p. 14; Pro-

ben p. 335 Turk p. 67.

6 Prior (1959) 1, p. 141, 220.37 Soupirs p. 19.38 Turk p. 70.39 Politique nouvelle.40 Gillot (1914b), pp. 269 seg.

49 Sobre Lisola, Pribram (1894), cap. 15,

esp. p. 353n., e Longin ( 1900).50 Sobre Becher, Hassinger (1951), p. 210.51 Sobre Jurieu, Dodge (1947) e Stankie

wicz ( 1970).52 Sobre Courtilz, Woodbridge (1925).53 Swift (1983); Prior (1959)1, pp. 130-51;

cf. Legg (1921); Addison (1890), p. 351.

XI A RECEPÇÃODA IMAGEM DELUÍS XIV

Holub ( 1984); Freedberg (1989).

2 MG fevereiro de 1683, p. 23.3 Hõlscher (1978),p. 448.4 Furetiere (1690).5 Cf. Habermas (1962).6 Longnon ( 1928), p. 32.7 Citado in Gould (1981), p. 123.8 Brice (1698) 2,p. 309; Jacquiot (1968),

documento 9.9 Sonnino (1973-4).

10 Auerbach (1933).11 Loret, citado in Mosedener (1938) , p. 13.12 Boislisle (1889).13 Locke (1953), p. 150.

14 Storer 1935);Roche 1978) l,pp.19-20;Lux (1989).15 Um exemplo de 1693 in Gaxotte (1930),

p. 83.16 MG (1678).17 MG agosto de 1682, pp. 224-34.18 MG,janeirode 1684,pp.l84segs.19 MG (1687).20 Vincent (1979); Dotoli (1983).21 Feyel (1982), p. 33.22 S topfel (1964), pp. 63-73.

A FABRICAÇÃO DO REI

23 Texto in Gaxotte (1930); comentário inKlaits (1976), pp. 209, 213 segs.

24 Cf. Jones (1982-3), pp. 209 segs.25 MG janeiro e 1682, p. 53.26 MG maio e 1684, p. 238.27 Num a ocasião,em 1654, ele tocou 2.000

ou 3.000 pessoas (Haueter, 1975, p.251n.). A cerimôniase realizou váriasvezesao ano por pouco mais de70 anos,1654-1715. Por isso o númeroe 350.000(70 x 5.000) não parece exagerado. Para

55 Klaits (1976), pp. 151, 174,199,275.56 Ibid.,pp. 70n., 106 seg.57 Rance (1886)1, pp. 298 seg, 340n.58 Johnson (1978), pp. 50-1.59 Cf. Roy (1983) e Mettam (1988) , pp. 54

seg, uma aftrmativa extremadada idéia deque as elites locais estavam pensand o somente em si mesmas.

6 Pardailhé-Galabrun (1988), p. 386.61 Grivet (1986); Rave (1957), p. 4.62 Bercé (1974), p. 609; Saint-Simon (1983-

TNOTAS

2 Duchhardt (1981).3 Mõseneder (1983), p. 105; Aubéry

(1668).4 MG junho de 1684,p. 118.5 Hoffmann ( 1985), p. 23n.6 Brown e Elliott (1980), cap.2; Elliott

(1977); Elliott (1989), caps. 7-8.7 Brown (1988).8 Brown e Elliott (1980).9 Orso (1986).

10 Ibid cap 2

Warmington (1974); Barnes \1981);McCormick (1986).

43 Perrault (1688-97)1, p. 80.44 Hanley (1983), pp. 330 segs.45 Saint-Simon (1983-8) 1, pp. 629-30;

Choisy, citado in Gaiffe (1924),p. 10.46 Blondel (1698) parte 4, livros 11-12.47 Petzet (1982),p. 162.48 Conferências de G. Marsy, J. van Obstai

eM. Anguier, 1667-9.

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os anúncios, Blegny (1692) 1, p. 21.28 Klaits (1976), p. 219.29 Corvisier (1964) não trata desse problema.30 Locke (1953), p. 150.31 Charpentier (1683), p. 131.32 Polleross (1988), n2 556.33 Mazarin (1906), p. 257, cartae 1659.34 Jansen (1981), pp.61 segs.35 Menestrier (1701).36 Sobre o enviado turco, talvezum impos

tor, Beaussant (1981). Sobre a embaixadasiamesa, Lanier (1883), sobre a persa,Herbette (1907) e Walton (1986),cap. 1.

37 Gazette (1669),p. 1.165;MG, dezembrode 1686, parte 2, p. 325.

38 Tovar de Teresa (1988), pp. 66-7.39 Gaxott e (1930), pp. 12 seg.40 Bouvet (1697).41 Gazette (1682), pp. 724-39.42 Gazette (1683), pp. 551-672.43 Leith (1965) , p. 22.44 MG (1682).45 Pastor (1940) 32, p. 396n.46 Bruno (1917), cap. 2.47 Regis Ludovici inauguratio, atribuído a

C. de Hennot; Perrault (1670b).48 As Lettres d un suisse de La Chapelle

circularamcom o título deHelvetti d

Gallulfl epistolae, e seu Testament politi-que de Leopold I com o de Ultima Consi-lia. Klaits (1976), pp. 113n.,151,297.

49 Klaits (1976), pp. 150-1.50 Relation (1660).51 Félibien (1665, 1667).52 Klaits (1976), pp.113,275.53 Chapelain ( 1883),p. 513.54 Benedetti (1682).

8) 3, pp. 476 segs.63 Lotti n (1968), p. 189.64 Sohier (1706),f. 13a.65 Dubois (1965), pp. 70, 175.66 Evelyn (1697), pp. 78, 81.67 Northleigh (1702) 2, pp.7, 54.68 Vemey (1904) 2, p. 447.69 Kovács (1986),p. 75; Polleross (1987), p.

251.70 Ellenius (1966), cap. 5; Geoffroy (1885),

pp. lxxii-lxxiii.71 Pastor (1940), p. 396n.72 Bottineau (1962), pp. 154 segs, 167 segs,

191 segs, 258 segs; Moran (1990), pp. 15,46, 50, 62.

73 Josephson ( 1930), pp. 9 segs.74 Hansmann (1986), pp. 33, 44.75 Moine (1984), pp. 168 seg., sugere São

Petersburgo, Potsdam, Estocolmo, HetLoo, Caserta, Racconigi e Washington.

76 Chevalier (1692);cf. Speck (1972); eSchwoerer (1977).

77 DNB s.v. ~ a l p hMontagu ; Pevsner(1961),p. 105; Boyer (1703-13) 8, 371.

78 HARI, pp. 70, 77.79 Cracraft (1988), pp. 158, 185.80 Moraw (1962); Ehalt (1980); Mandlmayr

e Vocelka ( 1985); Kovács (1986); Polleross (1986, 1987); Hawlik (1989).

81 Biach-Schiffmann (1931).82 Polleross (1987),p. 239.83 Uma gravura do sarcófago é reproduzida

em Hawlik (1989), p. 39.

XII LUÍS EM PERSPECTIY A

1 Bloch (1924). p. 52.

10 Ibid., cap. 2.

11 Brown e Elliott (1980).12 Elliott (1989), cap.9; Elliott (1986), pp.418 segs.

13 Harris (1976).14 Guillet, in Dussie ux (1854) 1, p. 26.15 Saint-Simon (1983-8) 5, p. 239.16 Lon gnon (1928), p. 133.17 La Rue (1987), p. 716.18 Mongin (1716), p. 10.19 MG dezembro e 1682, pp. 48-50.20 Mesnard (1857), cap.1.21 Thuau (1966), pp. 177 segs, 215 segs;

Church (1972).

22 Solomon ( 1972), especialmente pp.111segs.23 Ranum (1980), pp. 99, 129 segs; Dupleix

(1635).24 Valdor (1649).25 Carew (1749), p. 453.26 Lecoq (1987), pp. 217 segs, 264 segs.27 Lecoq (1986); Boucher (1986), especial-

mente pp. 196 segs.28 Bluche (1986), pp. 274, 279.29 Giesey (1987).30 Southom (1988), cap. 2.31 Campbell (1977), pp. 177 segs.32 Forster (1971).33 Chapelain (1964), pp. xv segs.34 Strong (1984), pp. 142 segs.35 Menestrier (1684).36 Perrault (1688-97)1, pp. 61-3.37 Edelman (1946); Voss (1972).38 Schramm ( 1939).39 Bossuet (1967).40 Kantorowicz (1963), p. 165.41 Treitinger ( 1938).42 Bossuet (1961), p. 340; Drake (1976);

g ,49 MG julho de 1682, pp. 138-9; Perrault

(1688-97), pp. 191-2.50 MG setembro de 1686, parte 2, p.

362.51 Boislisle (1889), p. 118n.52 MG junho de 1687, parte 2, p. 48.53 Cf. cap. 2,n. 41.54 MG setembro de 1682, p. 52.55 Charlesworth ( 1937); Syme ( 1939); Price

(1984); Zanker (1987).56 Syme ( 1939), p. 480.57 Gagé (1955), pp. 499 segs.58 Syme (1939), p. 385.59 Zanker (1987), pp. 264 segs; Syme

(1939),p. 519.6 Zanker (1987), cap.1.61 Ibid., pp.151 segs.62 Perrault (1688-97).63 Blondel (1698),p. 164.64 Taylor (1931), pp.18 segs, 74 segs.65 Blondel (1698),p. 164.66 Herbelot ( 1697),p. 997.67 Rotrou (1649)68 L'Orange (1953); Seux (1967).69 Sahlins (1985), pp. 18, 19n.70 Bemays (1928).71 Boorstin (1962), especialmente cap.1.72 Schwartzenberg (1977).73 MG maiode 1685, p. 339.74 Burke (1939-40); Biondi (1967); Melo

grani (1976); Stem (1975); Kenez (1985);Kershaw (1987).

75 La Bruyêre (1693),p. 544.76 Kostof (1978).77 Kenez (1985), pp. 153,23 7.78 Kertzer (1988); Kantorowicz (1963.79 Mie ke1son (1972) ,p. 46.

A FABRICAÇÃO DO REI

80 Vattel (1758), pp. 42 segs.81 Leith (1965); Ozouf (1976); Schieder e

Dipper (1984); Charti er (1990).82 Heale (1982), p. 51.83 Perry (1968).84 McGinniss ( 1968), p. 2785 Kenez (1985), p. 4.

86 lbid ., pp. 62, 91, 109.87 Bowlt (1978).88 Schama (1988).89 Marri nan (1988), p. 3 segs.90 Tumarkin (1983), p. 63.91 lbid., p. 80, 88 95 seg, 197, 131.92 Pozzi ( 1990).

TB I B L I O G R A F I A

Esta bibliografia contém todas as publicações mencionadas nas notas, com exceção dos

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Nota: Os números das figuras estão em itálico.

Abbeville,167Ablancourt, Nicholas Perrotd', 65absoluto, poder,52, 61, 215Abundância,39, 75Académied' Architecture,62, 202Académie de Danse,62, 80Académie des Inscriptions,ver petite académieAcadémie des Sciences62 65-67 109, , ' ,

122, 138, 142, 167, 215Académie d'Opéra,62Académie Française,17 41 62-63 70 79

12s, 121, 167, 197,;ot. 21s ' ' 'Académie Française de Rome,62, 199Académie Royalede Musique,62Académie Royalede Peinture et de

Sculpture,62-63, 68, 77-78, 84, 89, 104,110, 116, 121, 201, 206, 215

académies,47, 62, 103-104, 167, 181, 187,201, 211

Addison, Joseph,122, 160, 187Aix-en-Provence,104Aix-la-Chapelle [Aachen],84, 173Alcândor , 43, 153

alegoria,39, 74-75, 197, 208alemã, língua,174Alexandre Magno,15, 43, 47, 48, 80-81,

90, 127, 138, 143, 153, 208Alexandre VII, papa [Flavio Chigi],76, 78Alexandria,208Aligre, Charles e Etienne d ,178a l m a n a q u e ~28, 160imbuia,53Amsterdam,159Ana da Áustria, Rainha, [mãe de Luís

XIV], 51-52, 56, 68

a n a l o g i a ~139Angers, 104, 166Anguier, Michel,62, 89Anjou, duque de [posteriormente Filipev

da Espanha],125, 167, 172, 174, 181-183antigos e modernos,138, 201, 206Apolo, 53, 56, 89, 159, 188, 208-209appartements, 103, 215arcos do triunfo,31, 56, 86, 90, 168, 177,

205

Argel, 39, 109-113, 135,ISOAriosto, Ludovico,201

r l e ~47, 104, 108, 167-168, 177Arnould, Jean,72

Arnoult, Nicolas,36A r r a ~84

t l a ~56, 193Atos, monte,208Aubéry, Antoine,84, 192Augsburgo,176Augsburgo, Liga de,120, 122Augusto César,46, 47, 49, 104, 138, 143,

206-209

Avice, Henrid',5

Bakhtin, Mikhail,157Bali, 19, 23ballet, 14-15, 29, 58, 80-81, 94, 116, 197,

199, 215Baltasar Carlos, infante,193Balzac, Jean-Louis Guez de,196, 205Barcelona,122Barrillon de Morangis, Antoine,108barroco,38, 199

A FABRICAÇÃODO REI

batalhas: Blenheim, 119, 123-124; Cassei,90; Ereken. 123; Fleurus, 122; Fridligen.123; Leuze, 122; Luzara, 123;Malplaquet, 123; Marsaglia, 122;Neer.vinden, 122; Oudenarde, 123-124;Pforzheim, 122; Ramillies, 123; Rocroi,52; Staffarde, 122; Steinkirke, 122; Ter

122Baudouin. Jean; citado, SIBecher, Jonhan Joachim, 160Belgrado, ISS

Buti, Francesco, 199

Caen. 104, 107-108, 167-168Callieres, François de, 201Cambefort, Jean, 68Cambrai. 43, 90, 167, 168Campanella, Tommaso, S1Canadá, 122, 170capital simbólico, 141

Caproli, Carlo, 58

Carcavy, Pierre de, 65-67, 104

INDICE REMISSIVO

Chelsea, Hospital de, 187Chéron. François, 42Chevalier, Nicolas, 74 147Chigi, cardeal, ver Alexandre VIIChina, 172Ciro [rei da Pérsia], 47, 80, 127clássica, tradição, 206-207classicismo, 38Clóvis, 43, 53, 116, 127, 138, 197, 204Colbert, Jean-Baptiste, 17, 30, 61-63,

65-67, 68-71, 77-80, 86-87, 98, 103,

Delfim [o futuro Luís XV], 135demitificação, 141

Descartes, René, 140, 143descoroação, 157Desjardins, Martins [van den Bogaert],

36-8 53 68, 107-108, 116, 127desluisificação, 68, 141, 211

Desmarets, Jean, 43, 68, 86, 89, 94, 174,197, 198

Desportes, François, 121

Destouches, André, 69-70, 121

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Benedetti. Elpidio, 67, 176, 199Benoist, Antoine, 46 119Benserade, Isaac, 29, 56, 58, 68, 80, 206Bernini Gianlorenzo, 12, 30, 36, 38, 58, 68,

78-80, 127, 199-200; citado, 67, 80Besançon, 39, 86, 104, 167-168Bie, Jacques de, 197Bignon. Jean-Paul, 138; citado, 137Bizâncio, 204-205Blainville, Jules-Armand Colbert, marquês

de, 103Blenheim, 119, 123-124, ISS 160Bloch, Marc, 99

Blondel, François, 202, 205, 208Boileau, Nicolas [Despréaux], 35, 36, 38,48-49, 86-90, 99, 121-122, 138,155-157, 166, 206; citado, 163

Bolonha, 68Boorstin. Daniel, 138, 210Bordeaux, 104, 167-168Borgonha, corte da, 202Borgonha, duque da, 121-123, 125, 167, 174Borgonha, duquesa da, 20, 125Bossuet, Jacques-Bénigne, 17, 21, 22, 36,

38, 116, 142, 204-206Boughton. 187Bouhours, Dominique; citado, 27Bourdaloue, Louis, 35

Bourdieu, Pierre, 141

Bourzeis, Amable de, 65, 68, 83, 199Bouvet, Joachim, 172Brandenburgo, 180Bruges, 84, 86Buen Retiro, 193, 194Burick, 88

burocracia, 69Bussy-Rabutin, Roger, conde de, 43, 58, 147

Carew, Sir George, 198carisma, 22Carlos Magno, 43, 53-54, 116, 127, 138,

197, 199Carlos I, 46, 142Carlos da Inglaterra, 77 185Carlos V imperador, 193Carlos XI da Suécia, 181-183carrousel de 1612, 197carrousel de 1622, 78, 174, 188, 201carrousel de 1667, 188Cartagena, 122Cassagnes, Jacques de, 70ca5sel [Kassel], 89Cassini, Gian-Domenico, 65, 68Cavalli, Francesco, 58centralismo, 22Cérbero, 46, 95, 107cercos: Barcelona, 122; Charleroi, 122;

Landrecies, 123; Lille, 124; Maastricht,86, 90; Mons, 122; Namur, 119, 122;Nice, 122; Tortosa, 124; Toulon, 123

César, Júlio, 127, 154, 197Cévennes, 125chaise percée 102Chambord, 97Champaigne, Philippe de, 58

Chantelou, Paul Fréart de, 198-199Chapelain. Jean, 35, 62, 64-65, 68-71, 77,

83, 87, 65; citado, 61, 62, 63-65, 86,198, 201

Charleroi, 122Charpentier, François, 68-69, 98, 174, 180Chartres, 167Chaulnes, Charles d' Albert d' Ailly, duque

de, 108Chavatte, Pierre-lgnace, 178

139, 143, 165, 172, 197, 204, 206Comazzi, Giovanni Baptista, 188Cochinchina, 72concursos entre artistas e poetas, 43, 63,

77, 84, 88-89, 176Condé, Luís de Bourbon. príncipe de, 35,

52, 86Conring, Herman. 64, 83, 87conseil 215Constantino, 117, 88, 199, 202, 205-206Constantino VII Porfirogênero, 204-205coroação de Luís XIV, 53-SS 140, 204Corneille, Pierre, 28, 58, 61-62, 74, 89,

174, 197; citado, 73, 87-89, 90correspondência, declínio da, 139corte, 99, 121, 195Cortona, Pietro da, 85 200Cosimo de Medici [grão-duque de

Florença], 86 201Cosroes, 209Cotte, Robert de, 181, 183coucher 99, 119, 199Courtilz, Gatier de [sieur de Sandras], 160Courtin. Antoine, 102Courtin. Nicolas, 43Courtrai, 86Coustou, Nicolas, 9

couvert 99Coypel, Noêl, 31 55 121

Coysevox, Antoine, 33 34 99

Dangeau, Philippe, marquês de, 20, 102Dati, Carlo, 76Davenant, Sir Charles, 176decoro, 24, 35Delfim [Luís, filho de Luís XIV], 17, 74,

121-122, 125, 137, 164

Devolução, ver guerrasDijon. 104, 108, 167-168Dilke, Augusta, 14Dittmann, Christian, 8

divertissement 17, 78

Dõle, 84, 86Donneau de Visé, Jean, 104, 176; citado,

210dramatúrgica, perspectiva, 19Du Bos, Jean-Baptiste, 43Du Cange, Charles, 43, 68, 125Duai. 84Dunquerque, 43, 77, 122, 167

Dupleix, Scipion. 197Durandus, Gulielmus, 141

éclat 17Edelinck, Gérard, 68-69Egito, 208Ekeren. 123Elias, Norbert, 99Elisabete I, 46Elsevirs, 159embaixadores ou enviados): argelinos, 109,

169-172; bávaros, 172; ingleses, 199;franceses, 76, 84, 172, 194; de Guiné,169; hanoverianos, 172; marroquinos,169; moscovitas, 169; papais, 76; deParma, 172; persas, 1 70; savoiardos,103, 172; siameses, 44 113, 169espanhóis, 76; suíços, 76, 180;tonquineses, 169; turcos, 170;venezianos, 56, 180; de Wolfenbüttel,172; de Zell, 172

Enghien, duque de, ver Condéentradas reais, 31, SS-56

epopéias, 35

A FABRICAÇÃO DO REI

Ercole Amante, 58Espanha personificada, 76espanhóis, 174estado de teatro, 19, 210Estado, conceito de, 21-22estampas, 28, 30, 52, 54, 157-160estatística, 131estátuas, campanha das, 15, 105, 109, 168

Este, Francesco d , 199estilo elevado, 38Estrasburgo, 38, 116, 155, 167

Frischmann, Johann, 87Fronda, 14, 52-53, SS, 144, 166Furetiere, Antoine, 89, 127, 142

Galba, 74Galileu, 142Gallois, Jean, 65Gamier, Jean, 16Gaulthier, Pierre, 178Gazette de France, 28, 38, 73-75, 105, 109,

124, 166, 167, 187, 197; citada, 83, 88,

•ÍNDICE REMISSIVO

Habsburgo, família, 196 (ver tambémimperador Leopoldo, Filipe IV)

Hainzelmann, Elias, 176Hallé, Claude, 43, 113Hardouin, ver MansartHeidelberg, 40, 48, 122, 137, 211Heinsius, Nikolaes, 64Henrique III, 51, 199Henrique IV 103, 127, 198Herauh de Lionniere, Thomas l , 122Hércules, 39, 56, 89-90, 98, 127, 143, 178,

Journal des Savants, 63, 65Jouvancy, Joseph de, 177Jouvenet, Jean, 71 121

Juliano, o Apóstata, Luís como, ISSJuno, 53, 56, 188Júpiter, 38, 188, 208Jurieu, Pierre, 160Justiniano, Luís como, 47

Kang-xi, imperador da China, 172

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eufemismo, 38, 119Eugene de Savóia, 123Eusébio, 205Evelyn, John; citado, 180

fabricação, idéia de, 21-22Faetonte, Luís como, 147, 155, 159Fama, 29, 74Fancan, sieur de, 197faraó, 147, 208Félibien, André, 27, 65, 70, 176, 206Félibien, Jean-François, 98Fénelon, François de Salignac de la Mothe,

147Ferrara, 201Feuillade, François d Aubusson, duque de

la, 108, 177Filipe IV [rei da Espanha], 56, 75, 83,

192-193Filipe V ver AnjouFilipesburgo, 174, 180Filmer, Sir Robert, 141Fischer von Erlach, J.B., 79 188

Fléchier, Valentin-Esprit, 35

Fleurus, 122Florença, 67, 200, 201fogos de artifício, 89, 108, 127, 174Fontainebleau, 74, 97, 174Fontanges, Marie-Angélique, duquesa de,

153, 157Fontenelle, Bemard de, 138, 142fontes, 30, 43fontes, problemas de, 102-103Fouquet, Nicolas, 61, 68-69Franche-Comté, 84, 86, 89, 94-95, 99, 160Francisco I 198Fridlingen, 123

113Geertz, Clifford, 19, 23

gêneros, 29-36Genest, Charles-Claude, 88

Gênova, 108-113, 135, 173

Gerião, 46Ghent [Gent, Gand], 90ghost-writing, 20, 74

Giambologna, 197Girardon, François, 35, 50-52, 62, 79, 108,

121, 127, 200, 206Girouard, Jean, 108glória, 17, 75, 80, 83, 88, 104, 109Gobelins, 63, 68, 70, 94, 166, 170, 188

Godefroy, Denys, 53, 205Goffman, Erving, 19, 22, 46governo pessoal, 61, 73-75Gracián, Baltasar, 195Grande Eleitor, 180Grande Galerie, ver Versaillesgravuras, ver estampasGraziani, Girolamo, 64-65, 176, 199Grenoble, 104-108, 170griot, 48Gross, Georg von, 8

Gualdo Priorato, Galeazzo, 188

Guérard, Nicolas, 54Guérin, Gilles, 14guerras: Devolução, 83-87, 159, 174, 176;

Liga de Augsburgo, 120; SucessãoEspanhola, 14, 120-121, 123, 174, 176

Guilherme de Orange Guilherme deNassau, Guilherme 111] 121, 148, 160,185

Guimiliau, 169

Habermas, Jürgen, 142

199heresia, 116Het Loo, 185hidra, 46, 99l histoire du roi, 17, 18, 21, 28, 63, 68, 71,

98, 170, 180historiografia oficial, 36, 38, 43, 88, 165,

188, 193, 201Hochstãdt, ver BlenheimHolanda personificada, 43, 88Hooghe, Romeyn de, 147, 159Horácio, 138, 207-208Houasse, René Antoine, 50-51, 121, 127,

181huguenotes, ver protestantes

idealização, 36, 46ideologia, 16, 23Império Otomano, ver turcosimprensa régia, 63, 122imprese, 202intendants, 108, 130, 167, 196Invalides, 134, 187Irã, ver Pérsiaironia, 38iroqueses, 172italianos, 176, 201

Jaime 11 150Jaime VI e I, 140jesuítas, 36, 54, 115, 116, 125, 172, 177,

[ver também Bouhours; Bourdalou;Bouvet; Jouvancy; La Baune; le Jay;Menestrier; Quartier; de la Rue]

jetons, 216Jo6é I, imperador, 188Joseph, padre, 197

La Beaune, Jacques de 6, 36, 174, 177, 207La Bruyere, Jean de, 18, 121

La Chapelle, Henri de Besset, sieur de, 104La Chapelle, Jean de, 121, 180Lafayette, Marie-Madeleine, condessa de,

148La Fontaine, Jean de, 49, 62, 138Lafosse, Charles de, 121, 187Lalande, Michel-Richard de, 30, 121

La Mothe Le Vayer, François, 142Lamotte, Antoine de, 121

Landrecies, 123La Reynie, Gabriel-Nicolas de, 63

Largilliere, Nicolas de, 32, 7Larmessin, Nicolas, 159La Rochelle, 168

La Rue, Charles de, 36, 87, 174, 177, 196Lasswell, Harold; citado, 144-145latim, 174Latona, 43La Valliere, Louise-Françoise, duquesa de,

80, 153-155, 157Lavisse, Emest, 14Leblond, J.B.A., 188Lebret, 108

Lebrun, Charles, 10, 17, 20, 21, 25, 26, 27,32, 38, 43, 54, 62, 67, 68-71, 76-77, 81,84, 89, 97, 104, 109, 121, 183, 194,200, 202

Leclerc, Michel, citado, 97Leclerc, Sébastien, 18 138legitimação, crise de, 142Le Havre, 104, 108, 167, 177Leibniz, Gottfried Wilhelm, 160Leiden, 159Le Jay, Gabriel, 116Le Laboureur, Louis, 43

A FABRICAÇÃO DO REI

Lenin, 213Le Nôtre, André, 62, 68, 80, 104, 188Leopoldo, imperador, 155, 160, 180, 188,

191Lessing, Gotthold Ephraim, 27Le Tellier, Michel, 36, 178Leti, Gregorio, 160Leuze, 122

e Vau, Louis, 62, 68, 78, 80, 84, 86lever 99, 103, 143, 199Lévy-Bruhl, Lucien, 139

67

Maastricht, 86, 90Mabillon, Jean, 68Madri, 174-176, 193madrigais, 97, 119main de justice 204Maino, Juan Bautista, 83 193-194Maintenon, Françoise d Aubigné, Madame

de, 20, 97, 124, 127, 148-149, 154, 157,160

Mainz, 84, 173Malplaquet, 123

INDICE REMISSIVO

México, 172Mézéray, François-Eudes de, 65Mignard, Pierre, 28, 58, 68, 89, 104, 183,

200Minerva, 39, 56, 74, 89-90Miranda, Juan Carreii.o de, 82mitificação, 22, 73-76, 78mito, 18-19, 211Módena, 176, 199Moliêre [Jean-Baptiste Poquelin], 29, 62,

68-69, 80, 84, 86, 166Mônaco príncipe de 70

Orsoy, 88Oudenarde, 84, 86, 123, 154Ovídio, 206

panegírico, 35-36, 48, 87, 99, 116, 174,177, 200, 206

Paris, 55-56, 86, 97, 108, 127, 166;Bastilha, 160; colégio de Clermont[depois Louis-le·Grand], 36, 116, 174;Hôtel de Bourgogne, 166; Hôtel deVille, 53, 125, 166; Louvre, 17, 53, 68,

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8/18/2019 Livro BURKE Peter a-Fabricacao-Do-Rei

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Library, Royal,67,

104-105Lille, 31, 84, 86, 124, 167-168, 177-178Limoges, 104Lisola, Franz Paul Freiherr von, 160lit de justice 52, 166, 202-203, 216literalidade, 141Locke, John, 141, 166Londres, 79, 185Louisiana, 97, 211Louvois, François-Michel Le Tellier,

marquês de, 98-99, 103-104, 109, 120,122, 178

Louvre, ver ParisLuís IX [são Luís], 20, 43, 86, 108, 125,

169, 197Luís VII, 54Luís XIII, 51, 58, 80, 102, 125, 192, 196Luís XIV, acessibilidade, 75-76, 195-196;

assiduidade, 75; nascimento, 105;caridade, 131; como conquistador, 86;constância, 124; coragem, 88; comodançarino, 58, 80, 103; projeto, 120,fístula, 119, 125, 151; funeral, 131;grandeza, 86, 1 56; cabelo, 58, 137;altura, 137; pernas, 46; magnificência,77-78, 80; memórias, 74-75, 164, 196;moderação, 94; bigode, 56-57; retratos,

14, 20, 29, 31, 43-46, 167, 173-174,180, 196, 203; cadeira de rodas, 15, 119;perucas, 58, 119, 137, 204; ardor,115-116, 131; citado, 131

Luís XV 131Lully, Jean-Baptiste, 29-30, 71, 80, 84, 121,

201Lünig, Johann Christian, 19Luzara, 123Lyon, 104, 108, 167-168, 177

Malvezzi, Virgílio, 193Mansart, François, 68, 78Mansart, Jules Hardouin, 97, 108, 121Maquiavel, Nicolau, 149Marco Aurélio, imperador, 207Maria de Medici, rainha [mulher de

Henrique IV], 197Maria Teresa, rainha [mulher de Luís XIV],

20, 56, 83, 97-98, 155, 174, 188Marlborough, John Churchill, duque de, 123Marly, 121, 188Marot, Daniel, 121, 187Marsaglia, 122Marselha, 104, 108-109, 167-168Massillon, Jean-Baptiste, 35, 38Matthieu, Pierre, 197Mazarin, cardeal [Giulio Mazzarino], 52,

56-57, 59, 61, 68, 73, 78, 148-149, 193,197-200; citado, 170

Mazeline, Pierre, 68mecenas, 207-208medalhas, 28, 39, 64, 75-76, 79, 89,

109-110, 116, 122-125, 127, 143, 154,163, 165, 167-168, 169, 197

Medici, ver Cosimo, Mariemeios de comunicação, 13, 27-30, 62, 212memórias régias, 74-75, 164, 196

Menestrier, Claude-François, 20, 54 127,159, 177, 202

mentalidade mística, 139Mercure Galant 29, 94, 98, 104, 105-108,

113, 124, 168, 176; citado, 119Mcrcury, 56metálica, história, 109, 122, 127, 159, 174, 185Metz, 168Meu1en, Adam-Frans van de, 24 7 38, 81,

84, 89

Mônaco, príncipe de, 70Mons, 122

Montagu, Ralph, primeiro duque de, 187Montespan, Françoise, marquesa de, 84,

155, 157

Montesquieu, Charles, barão de, 17, 142Montpellier, 31, 105, 167-168, 177Morei, 30Mussolini, 211, 214

Namur, 119, 122, 155, 160Nantes, Edito de [revogação], 113-117não-eventos, 22, 124Napoleão, 211Needham, Marchmont, 160Neetwinden, 122Nero, Luís como, 147-148, 156Neumann, Balthasar, 183, 187Nice, 122Nijmegem [Nymwegen], Paz de, 31 90,

97-98, 167, 170Nimes, 108, 170N xon, Richard, 16

N ocret, Jean, 8, 41

Northleigh, John, 180

obeliscos, 68, 165, 200, 208

Observatório (Londres), 187Observatório (Paris), 65, 86, 165Occam, Guilherme de, 140odes, 35, 38, 90, 116, 122Olivares, Gaspar de Guzmán, conde-duque

de, 193-194, 211óperas, 14, 29, 58, 167, 188, 201

opinião pública, 16, 164Orfeo 58Orléans, Philippe duc d , 121-122

139, 156, 165-166, 205; Marché Neuf,56; Notre-Dame, 87-88; Palais-Royal,166; Petit Pont, 178; PlaceLouis-le-Grand [Place Vendôme], 28,36-38 105, 108, 122, 127; Place Royale[Place des Vosges], 197; Place du Trône[Place de la Nation], 86, 90; Place desVictoires, 28, 36 37 38 97, 107-108,116, 127, 151, 157, 170, 178, 180, 206;Pont Royal, 165; Porte Saint Antoine,31, 90; Porte Saint Bemard, 90; PorteSaint Denis, 31, 90; Porte Saint Martin,31, 90; Tuileries, 78-89

Parlamentos, 52, 55Parrocel, Joseph, 78-79Pascal, Blaise; citado, 13, 140paternalismo, 113, 124-125patrocínio privado, 62, 121-122patrocínio real, 63, 67, 68-71, 104, 121-122Pau, 105, 168, 177peças teatrais, 19Pedro, o Grande, 187Peleu e Tétis 58Pellisson, Paul, 87, 108, 176; citado, 48pensões, 63, 83Pepys, Samuel, 76Perelle, Adam, 29Perrault, Charles, 67, 68, 70-71, 77-78, 83,

86, 104, 116, 138, 142, 165, 180, 205,208

Perrault, Claude, 67, 78, 86, 138, 205Pérsia, 80, 127, 170, 203, 208Peterhof, 187- 188Petite Académie, 79, 122, 124, 127, 170Pevsner, Nikolaus, 187Pforzheirn, 122Philidor, André Danican, 30

A FABRICAÇÃO DO REI

Piles, Roger de. 104Píndaro, 35Pireneus, Paz dos, 56, 58, 98Piton, 47, 53, 56, 99Pitti, palazzo, 200P/aisirs de l Ile Enchantée, 80, 165-166, 201

Plínio, 206Poitiers, 105, 108, 127, 168Pompéia, 89, 127Pontchartrain, Louis Phélipeaux, conde de,

108, 121, 170

retórica, 16, 35, 38, 39, 44, 48Retz, Jean-François Paul de Gondi, cardeal

de. 58Reuil, 108Revogação do Edito de Nantes, 45,

115-117, 121, ISS, 159-160, 174, 178Revolução Francesa, 16, 212Revolução Russa, 211-213Rheinberg, 88Richelieu, cardeal de [Armand Du Plessis],

18, 53, 62, 68, 197-198, 210Richelieu, duque de, 08

•INDICI REMISSIVO

Sevin, Pierre Paul, 11

Sião, 113simbolismo (ver também alegoria), 102Simonneau, Charles, 25Simonneau, Louis,sinceridade, 24Soissons, 167sol, Luís XIV como, 38, 58, 78, 142, 151,

156, 192; imperador como, 188;Henrique III como, 199; Filipe IV como,193; outros soberanos como, 13, 209

soneto s, 4 7, 1 76

"Titmarsh", 136toque real, 55, 99, 143, 168, 178Torcy, Jean-Baptiste Colbert, marquês de,

121, 124, 168Torelli, Giacomo, 58, 199Tortosa, 124Toul, 178Toulon, 123Toulouse. 94, 167-168, 177Toumai, 84, 86Tours, 105, 168Trajano, imperador, 17, 206

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posteridade, 165Poussin, Nicolas, 37, 197, 198precedência, 76, 99Prior, Matthew, 155-160; citado, 156-157propaganda, 16, 210, 212propaganda, conceito de. 16-17propriedades, 46-4 7protestantes, 113-117, 125, 147-148, 150,

159-161prova, problemas de, 102-103províncias, 166pseudo-eventos, 22, 67, 138, 210Puget, Pierre, 104Puigcerda, 90

Quartier, Philibert, 116, 177Quebec, 172Quevedo, Francisco, 193Quinault, Philippe, 29, 62, 80, 116, 201

Racine. Jean, 29, 35-36, 38, 43, 48-49, 63,68, 81, 87, 88, 99, 121, 166; citado 19,

44, 88Rafael, 202Rainaldi, Carlo, 78rainha, ver Maria TeresaRainssant, Pierre, 98, 109Ramillies, 123, 155, 188rebelião, 52-53, 55, 109, 125, 170Reims, 53-54, 167, 206Reinach, Salomon; citado, 191Rérny, St., 53Renascimento, 67, 202Renaudot, Théophraste, 197Rennes, 105, 108, 167Reno, travessia do, 88-90, 99representação, 19-22

, q ,Rigaud, Hyacinthe, 1 20, 28, 46, 73 119,

121, 174, 180-181, 196, 203Ripa, Cesare, 202rituais, 29, 99-103, 141, 199Rocroi, batalha de, 52Roger [Ruggiero], 80Roma, 58, 67, 76-77, 199romances, 19Rossellini, Roberto, 210Rossi, Luigi, 58Rotrou, Jean, 208Rouen, 168Roussel, Jérôme, 48

Royal Society of London, 65-67Rubens, Sir Peter Paul, 193, 197Rue, ver La Rue

Saarlouis, 97, 168, 211sacre, ver coroaçãoSaint-Aignan, François Beauvillier, duque

de, 80, 108, 177Saint-Esprit, ordem do, 51Saint-Louis, ordem de, 125Saint-Simon, Louis, duque de, 19-20, 54,

98, 102, 151, 165-166, 177-178, 180,195-196; citado, 16, 196

Salle, Robert de la, 97, 172Sallo, Denis de, 65São Petersburgo, 187-188Savóia, Eugene, príncipe de, 123Scheldt, 123Schõnbrunn, 189Scudéry, Madeleine de, 17, 43, 119, 148,

153secretários reais, 20-21, 74sermões, 36, 38, 116-117, 134, 196

Sorel, Charles, 84, 197Spanheim, Ezechiel, 38, 102, 151St.-Omer, 90St.-Denis, igreja de, 68Staffarde, 122Steinkirke, 122Steinl, Bartholomãus, 89Strozzi, Luigi, 67, 199Sublet des Noyers, François, 197, 199sublime, 38Sucessão Espanhola, ver guerrasSuécia, 180-181surintendant des bâtiments, 61, 103-104,

120-121, 183Surville, Louis-Charles de Hautefort,

marquês de, 124-125Swift, Jonathan, 138, 151, 160

tabouret, 101Tacca, Pietro, 193Tallard, Camille d'Hostun, conde de, 124Tallemant, Paul, 90Talon, Omer, 53tapeçarias [ver também Gobelins], 17 21

41 54, 63, 84, 113, 173, 174Tasso, Torquato, 80, 201

teatros, 166Teodósio, imperador, 47, 116, 127Teseu, 127Tessin, Nicodemus, 181Testelin, Henri, 5Thackeray, William Makepeace, 7

Thatcher, Margaret, 16Thouars, 178Thulden, Theodor van, 7Ticiano, 193

Trajano, imperador, 17, 206Trianon, 121Tríplice Aliança, 46, 95

Tróia, 53trono, 5, 66, 55, 170, 203Troyes, 105, 168turcos, ISO, ISS, 172Turenne, Henri de la Tour d Auvergne,

visconde de, 36, 86

Urbano VIII, papa, 199

Valenciennes, 90Vallet, Guillaume, 178Van Dyck, Sir Antônio, 13 33Vasari, Georgio, 86

Vauban, Sébastien Le Prestre, marechal de, 143Vaux-le-Vicomte, 62Velázqu< z, Don Diego de Silva y, 81 193Vendôme, Louis-Joseph, duque de, 124Veneza, 67, 140, 200Vemansel, Guy Louis, 45, 116Veronese; Paolo, 67Versailles, 14-15, 17, 20-21, 29-30, 41, 43,

68, 74-75, 76, 80-81, 84, 86, 89, 97-104,122, 151, 172, 181, 183, 187, 195, 199,200; appartements, 103, 164, 188;

capela, 127; Escalier des Ambassadeurs,86, 89, 98-99, 169, 183; festas, 15, 80,84, 89, 166; jardins, 17; Grande Galerie[Galerie des G/aces], 15, 41, 43, 74, 76,89, 98, 125, 143, 180, 194; PetiteGalerie, 104

Vert, Glaude de, 141Vertron, Charles-Claude de, 4 7, 156, 192Veyne, Paul, 17Viena, 188, 189