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I Jornada de Direito Comercial

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textos jornada direito comercial

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  • I Jornada de Direito Comercial

  • Copyright Conselho da Justia Federal 2013Tiragem: 2.600 exemplares autorizada a reproduo parcial ou total desde que citada a fonte. As opinies expressas pelos autores no so necessariamente reflexo da posio do

    Conselho da Justia Federal.

    COORDENAO CIENTFICA DA I JORNADA DE DIREITO COMERCIAL

    Ministro Ruy RosadoCoordenador Cientfico do evento

    Professor Alfredo de Assis Gonalves Neto Coordenador Cientfico de Empresa e estabelecimento

    Professora Ana Frazo Coordenadora Cientfica de Direito Societrio

    Professor Fbio Ulha Coelho Coordenador Cientfico de Obrigaes Empresariais, contratos e ttulos de crdito

    Professor Paulo Penalva Santos Coordenador Cientfico de Crise da empresa: falncia e recuperao

  • I Jornada de Direito Comercial

    Braslia, maro de 2013

  • EDITORAO

    CENTRO DE ESTUDOS JUDICIRIOSMaria Raimunda Mendes da Veiga Secretria

    COORDENADORIA DE EDITORAO

    Edio e RevisoMilra de Lucena Machado Amorim CoordenadoraAriane Emlio Kloth Chefe da Seo de Edio e Reviso de TextosLuciene Bilu Rodrigues Servidora da Coordenadoria de EditoraoDiagramao e arte-finalHelder Marcelo Pereira Chefe da Seo de Programao Visual e Arte FinalAlice Zilda Dalben Siqueira Servidora da Seo de Programao Visual e Arte Final

    Ilustrao da CapaRaul Cabral Mra Ascom/CJF

    Notas TaquigrficasCoordenadoria de Taquigrafia da Secretaria dos rgos Julgadores do Superior Tribunal de Justia

    IMPRESSOCoordenadoria de Servios Grficos da Secretaria de Administrao do CJF

    Ficha catalogrfica elaborada pela Coordenadoria de Biblioteca do CEJ

    347.7 J82 Jornada de Direito Comercial (1. : 2012 : Braslia, DF) I Jornada de Direito Comercial, [23-24 de outubro de 2012, Braslia]. -- Braslia: Conselho da Justia Federal, Centro de Estudos Judicirios, 2013. 61 p.

    Evento realizado pelo Centro de Estudos Judicirios (CEJ). ISBN 978-85-85572-99-0

    1. Cdigo comercial (2002) -- coletnea. 2. Direito comercial -- estudo e ensino. 3. Enunciados aprovados. I. Conselho da Justia Federal (Brasil). Centro de Estudos Judicirios.

  • Sumrio

    Apresentao ........................................................................................................................ 7Joo Otvio de Noronha

    Abertura ............................................................................................................................... 9Joo Otvio de Noronha

    Painel I O Direito Comercial na jurisprudncia do STJ .......................................................... 11

    Sidnei Beneti ........................................................................................................................ 11

    Ricardo Villas Bas Cueva ...................................................................................................... 20

    Painel II Abertura das Comisses Apresentao e delimitao dos temas .......................... 25

    Crise da empresa: falncia e recuperao ............................................................................... 25Paulo Penalva Santos

    Empresa e estabelecimento ................................................................................................... 27Alfredo de Assis Gonalves Neto

    Direito Societrio ................................................................................................................... 29Ana Frazo

    Obrigaes empresariais, contratos e ttulos de crdito ........................................................... 31Fbio Ulhoa Coelho

    Palestra: A responsabilidade no seio das empresas multinacionais .......................................... 33Jos Engrcia Antunes

    Encerramento ........................................................................................................................ 49Fbio Ulhoa Coelho

    Joo Otvio de Noronha

    Enunciados aprovados I Jornada de Direito Comercial ......................................................... 51

    Comisses de trabalho I Jornada de Direito Comercial ......................................................... 57

  • 7Em razo da exitosa experincia das jornadas de Direito Civil, sob a ilustre coordenao cientfica do ministro aposentado do Superior Tribunal de Justia Ruy Rosado de Aguiar Jnior, surgiu a iniciativa de realizar a I Jornada de Direito Comercial com a finalidade de propiciar aos especialistas oportunidade adequada para debates e de favorecer a interpretao da legislao empresarial.

    O Direito Comercial brasileiro est abrangido por legislao fragmentada, fruto de momen-tos histricos distintos, o que dificulta sua compreenso e aplicao e afeta, por conseguinte, a segurana jurdica no mbito empresarial.

    A I Jornada, realizada pelo Centro de Estudos Judicirios (CEJ) do Conselho da Justia Fe-deral (CJF) no perodo de 22 a 24 de outubro de 2012, em Braslia DF, legitimou a elaborao de 57 enunciados e espera, com isso, consolidar um espao apropriado que acompanhe o dinamismo e as dificuldades prprias do negcio empresarial em era globalizada.

    Com o mesmo formato das Jornadas de Direito Civil, a Jornada de Direito Comercial con-tou com a participao de 172 juristas, entre professores especialmente convidados, magistrados federais e estaduais, membros do Ministrio Pblico, advogados, defensores pblicos, procuradores de entidades pblicas, os quais apresentaram um total de 250 proposies de enunciados interpre-tativos da legislao de Direito Comercial.

    A organizao, sob a presidncia do ministro aposentado Ruy Rosado de Aguiar Jnior, foi coordenada por comisso cientfica integrada pelos professores Alfredo de Assis Gonalves Neto (Comisso de Empresa e Estabelecimento), Ana Frazo (Comisso de Direito Societrio), Fbio Ulhoa Coelho (Comisso de Obrigaes Empresariais, Contratos e Ttulos de Crdito) e Paulo Pe-nalva Santos (Comisso de Crise da Empresa: Falncia e Recuperao).

    Os trabalhos foram instalados em sesso solene no auditrio do STJ, ocasio em que fo-ram proferidas palestras pelos Ministros do Superior Tribunal de Justia Sidnei Agostinho Beneti e Ricardo Villas Bas Cueva.

    Apresentao

  • 8Aps o trabalho das comisses, no ltimo dia, em sesso plenria, houve a votao das proposies aprovadas, aqui divulgadas com a finalidade de orientar a atuao de todos os opera-dores do Direito no campo empresarial.

    O evento foi encerrado com palestra do professor Jos A. Engrcia Antunes autor de vrios livros em Filosofia do Direito, Direito Comercial, Direito das Sociedades, Direito Bancrio, Direito do Mercado de Capitais, Direito dos Contratos Comerciais e Direito Cambirio sobre a responsabili-dade no seio das empresas multinacionais.

    O professor portugus, ao tratar do tema, ressaltou que o Direito Societrio moderno est sendo construdo com base nos princpios regulatrios paradoxais da autonomia e do controle, o que traz tona questes complexas referentes responsabilidade jurdica das empresas e refora a fecunda ideia de se criar e manter um espao adequado para o debate dos temas de Direito Comercial.

    Joo Otvio de NoronhaMinistro Corregedor-Geral da Justia Federal

    Diretor do Centro de Estudos Judicirios

  • 9JOO OTVIO DE NORONHA

    Ministro Corregedor-Geral da Justia Federal

    e Diretor do Centro de Estudos Judicirios

    Excelentssima Ministra Eliana Calmon, na pessoa de quem eu cumprimento todos os magistrados presentes, em destaque os meus colegas do Superior Tribunal de Justia. E, aqui, respeitando a ordem de antiguidade, a Ministra Laurita Hilrio Vaz; o Ministro Arnaldo Esteves Lima, que me sucede em maro na Corregedoria e, consequentemente, na diretoria do CEJ, ser o novo responsvel pelos eventos do CEJ; o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino; a Desembargadora e Ministra substituta Alderita Ramos de Oliveira; na Mesa, o Ministro Sidnei Beneti e o Ministro Ricardo Villas Bas Cueva.

    Quero destacar a presena e prestar os meus agradecimentos a quem o responsvel pela organizao e coordenao deste trabalho, o nosso querido e eterno Ministro Ruy Rosado de Aguiar.

    Tambm quero saudar o Juiz Federal Nino Oliveira Toldo, Presidente da Associao dos Juzes Federais do Brasil, coorganizadores e copatrocinadores deste evento; os colegas integran-tes da magistratura; do Ministrio Pblico; os painelistas e professores; os advogados; estudan-tes e jornalistas.

    Inspirados nas jornadas de Direito Civil, resolvemos realizar a Jornada de Direito Comer-cial. Essa resoluo tem uma razo de ser, qual seja, o abandono pelo qual tem passado o Direito Privado em termos de congresso pelo Pas afora.

    Abertura

  • 10

    Temos constatado que, no Brasil, os congressos, preponderantemente, so de Direito Pro-cessual Civil ou de Direito Constitucional. margem, correm o Direito Civil e o Direito Comercial, que constituem o Direito Privado, objeto de estudos apenas de alguns especialistas.

    Encontramo-nos num momento em que o Pas retoma o desenvolvimento, depois de mui-tos anos estagnado, e em que os institutos jurdicos, forjados ao longo dos anos passados, na dcada de 40, precisam ser repensados, remodelados para atender as necessidades do trfego jurdico moderno.

    Essa necessidade que justifica a instituio das jornadas de Direito Comercial. A ideia nasceu em um congresso de Direito Comercial, h dois anos, promovido pelo professor Fbio Ulhoa, em So Paulo, do qual tive a oportunidade de participar; e em uma conversa com o pro-fessor Fbio e a Dra. Ana Frazo, pensamos que deveramos municiar Braslia com congressos da rea de Direito Privado.

    Braslia no pode mais ser conhecida apenas como a cidade do Direito Constitucional ou do Direito Processual Constitucional. Ela precisa ser inserida, tambm, nos estudos do Direito Privado. Da a razo de trazermos para Braslia as jornadas de Direito Comercial; complementando, com as jornadas de Direito Civil, o incentivo ao estudo do Direito Privado no Brasil.

    Por isso agradeo ao Ministro Ruy Rosado, que aceitou coordenar tambm uma vez que coordenador de longo tempo das jornadas de Direito Civil as jornadas de Direito Comercial.

    Agradeo ainda aos meus colegas do Superior Tribunal de Justia que se dispuseram a comparecer a esta sesso inaugural, trazendo a jurisprudncia de nossa Casa, e Comisso organizadora, que no mediu esforos, vrias vezes reunindo-se em Braslia para preparar este evento.

  • 11

    O Direito Comercial na jurisprudncia do STJ

    SiDnEi BEnEti

    Ministro do Superior tribunal de Justia

    Cumprimento o eminente Ministro Joo Otvio de Noronha, Diretor do Centro de Estudos Judicirios. Ressalto a presena da eminente Ministra Eliana Calmon, Diretora da Escola Nacional de Formao e Aperfeioamento de Magistrados; do Presidente da Ajufe; do nosso querido Minis-tro Ruy Rosado de Aguiar; de meus colegas ministros presentes; dos magistrados; desembargado-res; membros do Ministrio Pblico; advogados; senhoras e senhores.

    O que se pode falar sobre Direito Comercial, esse Direito rebelde a tudo, esse Direito rea-lista, que elabora as prprias normas e impulsiona a sociedade?

    Passei a acompanhar o Direito Comercial nos tempos da Faculdade de Direito da Univer-sidade de So Paulo, onde tive a imensa felicidade de trabalhar com um grande comercialista, o Professor Oscar Barreto Filho. Dedico essas palavras modestas a respeito do Direito Comercial memria desse grande processualista, amigo e mestre.

    Acompanhei o Direito Comercial desde aqueles tempos. Formei-me em 1968. Entrei na Magistratura em 1972. J tenho muito tempo de Casa para ver a evoluo e a transformao das coisas. E vim para trazer a minha vida ao Superior Tribunal de Justia, Presidncia exatamente da Seo de Direito Privado, Segunda Seo. Aqui, como em uma retrospectiva, analiso o que aconteceu com o Direito Comercial naqueles tempos e o que observo agora: um verdadeiro vulco, uma verdadeira revoluo.

    Painel I

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    Realmente, poucas coisas considero semelhantes ao Direito Comercial daquela poca, embora o cerne, os institutos fundamentais, os que do amarrao coerncia lgica do sistema continuem os mesmos, tal como vimos, nas obras de Vivant, de Alfredo Rocco, Waldemar Ferreira, Miranda Valverde, Carvalho de Mendona, Professor Oscar Barreto Filho e Ciro Marcondes, com quem tive aula no segundo ano do curso de ps-graduao, exatamente de Direito Comercial, na minha velha e sempre nova Academia.

    Esses dados do Direito Comercial mostram agora uma alterao enorme da prtica do Direito Comercial, no dos institutos fundamentais, porque estes resistem a toda e qualquer evo-luo do ser humano. A prtica do Direito Comercial e o tipo de questo por ele trazida atividade jurisdicional mudaram muito. E isso mudou luz de uma evoluo enorme da atividade negocial na sociedade.

    Vejam como se alteraram certos institutos fundamentais. Ali, ser difcil, hoje em dia, localizar, como sempre o foi, o prprio objeto de estudo do Direito Comercial, mas agora se tornou muito mais complexo do que j era, esse Direito rebelde, em que os negcios criam fatos novos para serem enfrentados pelo Direito a cada momento da vida. Neste momento, seguramente, esto sendo criados pela vida negocial vrios institutos novos, vrios mecanismos de circulao econmica. Mas temos agora um novo Direito de Empresa trazido pelo Cdigo Civil. Existe certa tentativa de colocar o ncleo do Direito Comercial dentro dos institutos priva-dos assemelhados por intermdio da insero no Cdigo Civil. Temos todo o Direito Societrio colocado no Cdigo Civil, isso implicando a perda de uma enorme quantidade de elaborao cientfica do Direito Comercial, que eram as obras escritas a respeito dos institutos j sedimen-tados do Direito Comercial.

    H, no Direito Comercial, no Cdigo Civil, pelo menos trs elementos importantes a trans-formarem o Direito Comercial e trazerem, para a aplicao deste, os recentes postulados do Direito Civil. Postulados no sentido de verdades fundamentais que condicionam a coerncia lgica de um sistema, e a parte contratual vem agora, realmente, trazida pelo Cdigo Civil com as suas altera-es de perspectiva, com seus ndices, com seus vetores determinativos da interpretao para os negcios comerciais.

    Dentro do Cdigo Civil temos o Direito de Empresa, nos arts. 966 a 1.195. Ali esto o empresrio, a empresa individual e a de responsabilidade limitada, as sociedades, com algumas novidades, a no personificada, a simples ao lado daquela em nome coletivo, em comandita sim-ples, em comandita limitada, a sociedade annima que se conseguiu inserir, de certa forma, no Cdigo Civil, ela que maior, muitas vezes, do que os diplomas de cdigo civil do mundo , sociedade em comandita por aes e a sociedade cooperativa.

    O velho estabelecimento comercial, de onde tudo comeava, ficou deslocado mais para frente. Esse estabelecimento comercial algo impensvel para os grandes comercialistas que cons-truram o Direito Comercial. Basta imaginarmos que o estabelecimento comercial composto, hoje em dia, por uma larga parcela de propriedade imaterial, que vale muito mais do que os bens

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    materiais a comporem o ativo patrimonial do estabelecimento comercial. Quanto vale uma marca importante? Quanto valem os contratos que essa marca apresenta no mundo da publicidade? Ao passo que o estabelecimento fsico, por outro lado, tornou-se tambm, muitas vezes, imaterial e na nuvem. , como se diz nos termos da comunicao informtica, um pequeno estabelecimento, uma boutique, onde se movimentam toda a contratualidade e toda a efetivao dos atos de co-mrcio a serem interpretados pelo Direito Comercial.

    Os contratos esto contidos no Livro III, alguns colocados; contudo, os contratos comer-ciais no se inserem em lei alguma. Estes surgem da vida mais do que a vida dos pobres juristas tem condies de enquadrar tal realidade pujante que a situao econmica obriga a produzir a qualquer momento, mas esto l: comisso, agncia, distribuio, corretagem e o seguro. E foram includos no Cdigo Civil os ttulos de crditos.

    Na verdade, temos uma pujana do Direito Comercial nas leis comerciais extravagantes, felizmente, incodificveis, embora no faltar, provavelmente, no futuro, algum que venha fazer uma tentativa de inserir isso no Cdigo, essa ideia antiga, j superada pelo progresso da civilizao jurdica, de segurar algumas coisas numa realidade escrita, quando esta se muda em frao de segundos, em funo da atividade ciberntica da atualidade.

    As leis comerciais so incodificveis, e muitas delas surgem agora, em perodo posterior criao do Superior Tribunal de Justia, de forma que, para os ombros desse rgo, resta a aplicao da consequencialidade dessas leis em conjunto com as normas do Cdigo Civil e com outras normas que so novas para a interpretao do mago do Direito Comercial, que a relao contratual.

    Os mercados de capitais e as bolsas de valores j se alteraram tremendamente desde a nossa antiga Lei n. 4.728/65, a Lei do Mercado de Capitais, que era do meu tempo de faculdade. Vi o Professor Oscar Barreto Filho escrever um magnfico trabalho sobre ela, tendo sido alterada pelas normas do Banco Central, pelos financiamentos do BNDES, que, na verdade, fazem norma entre as partes pela reiterao da prtica de como se realizam esses financiamentos.

    Os contratos e cdulas de crditos bancrios so novos e exigem interpretao diversa no mbito agrcola, no mbito comercial.

    O Direito da Concorrncia e a Lei Antitruste, Lei n. 8.884, foi editada em 1994, j durante a existncia do nosso Superior Tribunal de Justia, e este ainda recebe alguns dos primeiros casos para acertar uma jurisprudncia estvel para a sociedade.

    bem sabido que, para se formar a jurisprudncia neste Tribunal, preciso aguardar toda aquela passagem pelas instncias intermedirias da jurisdio brasileira, verdadeiro amontoado de atividades processuais em que se perdem os esforos e em que obscurecem as pretenses.

    Vivemos uma fase em todo e qualquer processo, em que se deve vencer para chegar deci-so de mrito e quilo que importa para as partes, uma verdadeira fofoca processual interlocutria

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    que , verdadeiramente, interminvel e faz retardar o desenvolvimento das questes principais e a chegada destas ao enfoque do Tribunal que ir uniformizar a jurisprudncia.

    Recuperaes e falncias, agora comeamos a enfrentar as questes tnicas. Passou o pe-rodo inicial, em que enfrentamos algumas questes processuais tambm a respeito de pequenas falncias, a respeito da validade dos planos de recuperao, e ainda aquilo que mais enfrentamos na atualidade, os conflitos de competncia em matria falimentar, envolvendo, basicamente, as questes de execues trabalhistas, de execues tributrias ou execues comuns em menor nmero diante do fato da recuperao e do plano de recuperao que esteja em andamento.

    O novo Direito Marcrio, a propriedade material, marcas, patentes. Lei relativamente nova. Para ns, nova, porque preciso esperar sua chegada aqui para que possamos definir os padres de interpretao da tese para a sociedade brasileira, e h enorme risco de que, enquanto defini-mos a interpretao que seja a mais adequada para a sociedade brasileira, a ansiedade do furor legislativo venha a alterar as leis que ainda no se permitiram maturar aqui nos tribunais que iro dizer a ltima palavra a respeito dessa matria de Direito Privado, que , no nosso caso, o Superior Tribunal de Justia.

    Propriedade material, marcas, patentes. Houve recentemente casos importantssimos a respeito de patentes pipeline, que tivemos que enfrentar. O Ministro Joo Otvio de Noronha foi relator de um dos processos importantes sobre componentes qumicos, nada mais, nada menos do que o medicamento campeo de vendas no mundo, o Viagra, dentre outros, que foram trazidos a nossa interpretao. Todos ns interpretamos componentes de frmacos para essa matria.

    Estamos em vias de definir a importao paralela, com alguns casos j decididos, sendo importantssima para a sociedade brasileira. E os cultivares, os quais ainda no comeamos, pro-priamente, a enfrentar.

    Tudo isso na Lei n. 9.279/96, que relativamente recente para a dificuldade de vencer as etapas da jurisdio brasileira.

    Tambm incodificvel est o nosso velho Direito Martimo, e a Previdncia Privada interes-sa ao Direito Comercial, porque ela se sustenta na contratualidade, que gera negcios e deve ser trazida para a atividade jurisdicional.

    Quais os vetores do Direito Comercial Novo no STJ? Voltando a lembrar de que a Seo de Direito Privado do Superior Tribunal de Justia, realmente, fornece a ltima palavra nessas matrias, porque se trata de Direito Privado, em que no comum sobrar alguma invocao da atividade constitucional do Supremo Tribunal Federal.

    Com relao a esses vetores que se apresentam na interpretao do Direito Comercial no Superior Tribunal de Justia, temos claramente alguns pontos: basicamente, dois vetores novos, direcionando a interpretao, no sendo mais pura e simplesmente a que se fazia historicamente desses institutos.

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    H dois deles muito importantes. Dispomos de uma nova contratualidade, decorrente da aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor, que veio verdadeiramente permear todo e qual-quer contrato em que haja consumidor e fornecedor, grande parte dos quais envolvem o Direito Comercial. Venho, h pouco tempo, considerando o assunto para um congresso de Direito do Consumidor e acabei escrevendo um artigo, no para explicar um texto meu, porque hoje em dia sou um magistrado perdido na quantidade de processos sem nenhuma pretenso e veleidade de criar teses ou escrever algo, mas exclusivamente para vencer o meu prprio servio, porque para isso que a populao paga a ns, juzes.

    Nova contratualidade de CPC. Esse artigo est publicado em uma revista do Brasilcom, nmero 79, intitulada O fator STJ no Cdigo de Defesa do Consumidor, em que o eminente Mi-nistro Ruy Rosado de Aguiar foi largamente citado. Dentro desse fator STJ no Cdigo de Defesa do Consumidor, houve um fator Ruy Rosado de Aguiar no Cdigo de Defesa do Consumidor e na criao do novo Direito Civil e Comercial com a aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor, h uma infinidade de contratos.

    E, em segundo lugar, a recente contratualidade tambm ante o Cdigo Civil novo sobre a qual o Ministro Ruy Rosado de Aguiar teve a oportunidade de escrever, atualizando o seu livro clssico A extino dos contratos por incumprimento do devedor veio permear uma alterao, inserindo, verdadeiramente, regras sobre o direito que mudam o sentido de todo e qualquer con-trato em que se apresentem algumas dessas situaes classificadas como vetores interpretativos da atividade do Direito Civil aqui, principalmente, aqueles princpios ressaltados por Miguel Rea-le nas suas explicaes: a socialidade, a eticidade, a boa-f objetiva e alguns outros que permeiam a interpretaco em cada caso e que trazem problemas.

    Sem fazer uma digresso muito maior, preciso considerar que este Cdigo Civil novo tambm ainda um personagem procura de um autor que o explique. Basta citar o que se d com o direito das sucesses, sobretudo com a sucesso legtima, diante do choque, pelo menos, de dois artigos 1.790 e 1.829 do Cdigo Civil , os quais conseguiram convulsionar nada mais, nada menos do que a ordem de vocao hereditria no Brasil, que esteve tranquila durante todos os tempos.

    Penso como era fcil trabalhar em Direito de Famlia e Sucesses antigamente, em que as coisas eram muito demarcadas e claras. A ordem de sucesso hereditria era aquela: a imploso familiar vinha de quatro causas do art. 317, muito bem demarcadas, e ns nos queixvamos da dificuldade do Direito de Famlia. No Direito Comercial, claro que mais, principalmente em funo de dois elementos que vetorizam a interpretao do contrato: a nova contratualidade do CDC e a nova contratualidade do Cdigo Civil de 2002.

    Como caminham alguns pontos decorrentes desses novos institutos de super direito? Modernamente preciso ler o contrato como se ele contivesse tambm a clusula do Cdigo de Defesa do Consumidor, ou a clusula ou princpio do Cdigo Civil, que direcionar em algum momento sem que os contratantes a tenham inserido no contrato, e esta nova interpre-

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    tao pode apanhar realmente de surpresa os contratantes mais previdentes e os advogados mais acurados.

    Como surgiram algumas alteraes? Por muito tempo, permeou aqui o depsito do bem alienado fiduciariamente. Depois, isso se alterou. Mas viu-se a impossibilidade de ser retirado o bem do contrato de alienao fiduciria e garantia, quando se tratasse de bem utilizado na pro-duo da empresa; excluso do foro de eleio, por mais estrito que esteja, no tocante aos hipos-suficientes; proteo de pequenos investidores, que realmente tem um tratamento diferente em um dado momento, quando vemos os grandes riscos da atividade burstil, em que distinguimos claramente quem o pequeno e o grande investidor a respeito do clculo dos riscos; minoritrios societrios, que frequentam os tribunais e trazem questes na busca da proteo, que foi enfati-zada nas novas normas vigentes da matria; impenhorabilidade no bem de famlia isso traz um efeito enorme para toda atividade comercial.

    Quanto efetividade negocial, temos trs institutos, pelo menos, que desempenham pa-pel muito importante no dia a dia da jurisprudncia do nosso Tribunal no quero dizer no dia a dia da atividade negocial extrajurisdicional, a qual, imagino, seja inimaginvel (permitam-me o pleonasmo) para mim e para todos, pois no sabemos o que h nessa efetividade negocial mas trs pontos aqui frequentam muito o Tribunal, e chegam na forma de autos, devendo ser decididos para que haja as consequncias de formao de jurisprudncia:

    a) A nova desconsiderao da pessoa jurdica, que ainda precisa ser acabada nesta etapa verdadeiramente legiferante, a atividade jurisdicional e espero que no se tentem fazer lei nenhuma, embora fosse necessrio que houvesse leis melhores sobre essa ma-tria, mas espero que se d tempo para que o Judicirio consiga acertar a desconside-rao da pessoa jurdica, importantssima, mas que ainda apresenta vrios elementos de disperso;

    b) As astreintes e seu novo valor. As astreintes realmente se inserem hoje em dia e se apresentam inseridas, ainda que no constem dos contratos, na atividade contratual, por intermdio da deciso judicial. E a deciso judicial realmente estabelecer conse-quncias importantssimas no cumprimento dos contratos. importante ter-se cuidado com elas, porque cresce no Tribunal a ideia de recorribilidade de risco. Quem recorre assim, fazendo com que o processo dure mais, tambm corre o risco de se acumularem astreintes contra si porque, do mesmo jeito que no cumpriu de imediato a deciso judicial, dosando os riscos e achando que tinha a possibilidade de ganhar, preciso lembrar-se de que tambm poderia perder, e o risco disso milita contra a recorribili-dade de risco, para que se possa estabelecer a igualdade de tratamento com a parte contrria, que, muitas vezes, suportou a letigiosidade de foras mais fortes para invo-car todos os graus da atividade jurisdicional;

    c) Permito-me colocar em terceiro lugar um pequeno pormenor da Lei de Recuperaes Judiciais e Falncias, que a trava bancria. Esta certamente deve estar desempenhando

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    um papel importantssimo na vida extrajurisdicional do Direito Comercial, que agora co-mea a ser enfrentada aqui depois de haver passado e se consolidado pelos tribunais de origem: trata-se do art. 49, 3, da Lei de Falncias e Recuperaes Judiciais.

    Novos problemas processuais: O Direito Comercial novo, formado por esses princpios e ve-tores salientados, veio a apresentar problemas processuais enormes para toda a atividade jurisdi-cional. E esses problemas vieram a desaguar multitudinariamente neste Tribunal. Ns, os ministros da Seo de Direito Privado, passamos alguns meses recebendo, cada um, entre mil e quinhentos e mil e setecentos recursos novos por ms. Esses nmeros hoje em dia no assustam mais. Ocorreu com o juiz e tambm com o jurisdicionado e com os advogados a ideia de que assim mesmo, de modo que assim mesmo. E quando mencionamos esses dados, logo vem a imaginao corpora-tivista: eles esto reclamando de trabalhar, quando, na verdade, tm de trabalhar mesmo; para isso que so pagos pela sociedade brasileira; muito pior a minha situao e a do meu cliente, pois estamos esperando essa soluo jurisdicional. E surgem vrios assuntos da para frente.

    A verdade que esta enorme quantidade de processos traz uma grande dificuldade para a consolidao da diretriz jurisprudencial: ela fragmentaliza, dispersa, espalha uma verdadeira ciznia na interpretao contratual. E esta ciznia se alimenta formando um ciclo, no virtuoso, mas um moto perptuo, que ir trazer realmente novas questes para a vida negocial e para a atividade jurisdicional.

    As dimenses das pretenses coletivas vieram a ser assumidas por uma lei, que quase contempornea criao do Superior Tribunal de Justia de 1988, a Lei da Ao Civil Pblica, de 1985, a qual trouxe enormes efeitos positivos, regulando setores importantssimos da sociedade brasileira, mas no encontrou resultado em um dos pontos esperado, que era consolidar o litgio em poucas aes, de tal maneira que se pudesse decidi-las rapidamente be on fast track para que passasse direto o processo em todas as instncias superiores, e com poucas aes, poucos processos, regrando o campo de atividade para a sociedade brasileira.

    Querem um exemplo? Fui relator dos processos de planos econmicos, dos ativos de ca-derneta de poupana decorrentes das perdas, pois ali se localizaram mil setecentas e trinta aes civis pblicas sobre a mesma matria. Quer dizer, temos uma verdadeira guerra de aes civis p-blicas a intranquilizar, evidentemente, muito mais a sociedade brasileira do que as prprias aes individuais, que deveriam ser reguladas por uma ao civil pblica.

    Em vrios sistemas do mundo, quando entra uma ao civil pblica, litispendncia, param as outras; fica proibida a entrada de outras aes, ou se extinguem outras, para que se pegue realmente aquele piloto e julgue-se individualmente. No se extingue imediatamente, porque a Corte examina-os todos para ver onde a questo foi sustentada com contraditrio mais exercitado, visto que o melhor contraditrio importantssimo para que se faa realmente a melhor Justia. E estamos ainda com fascnio desvairado sobre as aes civis pblicas. E, nesse ponto, no cumpri-ram o seu objetivo. Temos de descobrir algo, inclusive, para que ela venha a cumprir o seu papel em outros aspectos, por sinal.

  • 18

    Exploso das lides multitudinrias, societrias: O STJ, na Seo de Direito Privado, quase que se transformou em um tribunal telefnico, pois s se julgam aes de companhia telefnica. Todo titular de uma linha telefnica acabou virando um demandista, assim como o titular de uma caderneta de poupana ou de uma conta bancria. Evidentemente, um sistema jurdico e um tribu-nal no podem sobreviver a esse verdadeiro tsunami de uma questo s.

    As questes bancrias de clusulas abusivas, juros, comisso de permanncia, conheci-mento ex officio compreendem um campo j mais ou menos assentado.

    Outra etapa de enfrentamento: Os financiamentos habitacionais, crdito agrcola, crdito comercial e os conflitos de competncia. Os conflitos de competncia que procuramos resolver rapidamente, mas que tm sido extremamente imaginativos e criativos. O ltimo dos quais envol-ve arbitragem, no momento em que se prestigia a arbitragem para que resolva realmente essas questes, descobriu-se a via torta de judicializar, por intermdio dos conflitos de competncia, o que, no meu modo de ver, preciso atuar com muito rigor, para impedir que se aniquile o instituto da arbitragem, como j ocorreu no incio do sculo passado, quando o fastgio do Estado forte da jurisdio (exercida pelo Estado forte) acabou com tal meio alternativo de soluo de controvrsia.

    H novos caminhos processuais, sem dvida, que vo ter um papel importantssimo para o Direito Comercial: a) O velho caminho da sumulao a Seo do Direito Privado procura sumular de novo; b) O grande instituto dos recursos repetitivos, da Lei n. 11.672/91, que j comea a pro-duzir os seus efeitos, embora eu tema o day after do nosso julgamento, que a paralizao na ori-gem e, alm da paralizao na origem desses processos, a aplicao das nossas teses j definidas na origem, porque o sistema brasileiro de processo, em que contra qualquer coisa que se escrever nos autos cabe algum recurso. Ento, mandando-se ou no se aplicar na origem, provavelmente, em muitos casos, sero inventados recursos que comearo a grassar e a operar uma procriao multitudinria de fofocas processuais, at chegarem aqui de novo.

    Quanto a esses mecanismos alternativos de soluo de controvrsia, que denomino de mecanismos auxiliares de conduo de controvrsia, cito um deles, francamente alternativo que a arbitragem , necessrio e algo que tentaremos ver na Alemanha, o ombudsman de bancos. Est marcada uma visita Associao de Bancos Privados Alemes, para observarmos um instituto que resolve muito bem essas matrias naquele Pas, pela informao que se tem o ombudsman: direcionado para bancos privados, bancos pblicos, seguros, atividades de sade, como os planos, e que j comea a ser aplicado mesmo para prestadores de servios e outros. S quero mencionar o ombudsman de bancos, a Bundesverband deutscher Banken. Tal ombudsman funciona assim: uma vez proclamada a tese pelo Superior Tribunal de Justia deles Der Bundesgerichtshof essa tese passa a ser aplicada pelo ombudsman dos bancos de cada um des-ses setores, ou dos seguros, ou de outros setores, mediante provocao dos interessados perante o ombudsman. Com isso, no se judicializa, de tal maneira que (o que eu observei, at agora, foi tocante a bancos privados) se o julgamento for at cinco mil euros contra o banco, vinculante para o banco, ter de cumprir. Se for a favor do banco, o consumidor (isso para o Direito do Consu-

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    midor) pode entrar em juzo, estando estancado o prazo da prescrio naquilo que demorou para o ombudsman julgar, e acrescido de seis meses, como o do Cdigo Civil alemo, para os casos em que h obstculo para o curso da prescrio. Nos casos de valores superiores a cinco mil euros, se o consumidor aceitar essa quantia, torna-se tambm vinculante para o banco.

    Alguns diro: Ah, mas isso tudo apenas uma questo de cinco mil euros, o que so cin-co mil euros? Pois bem, eu passei a anotar nos meus votos quanto o valor das causas, quanto que est em controvrsia efetiva no que estou julgando. Realmente h um percentual enorme, que ainda no calculei, de questes que no chegam a mais do que dez, quinze, mil reais, e que ocupam o tempo da jurisdio brasileira, furtando-o da misso da jurisdio e deste Tribunal, que definir as grandes teses para a sociedade brasileira, com uma imerso total na questo, e no rapidamente, como somos obrigados a proceder, dada a massa de processos recebidos pessoal-mente a cada dia.

    Vou encerrar apenas manifestando minha grande emoo em voltar a falar do Direito Comercial e no vejo como fazer caminhar os processos para uma melhor soluo do sistema processual. Quem sabe se o nosso velho Direito Comercial, que de tanto j trouxe de criativo para sociedade, possa vir com um efeito a posteriori a ajudar a resolver os problemas judiciais.

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    RiCARDO ViLLAS BAS CUEVA

    Ministro do Superior tribunal de Justia

    importantssima a iniciativa de trazer novamente ao centro dos debates o Direito Privado, em Braslia, onde se tem, como j se acentuou, discutido quase s unicamente o Direito Pblico.

    Isso muito importante, sobretudo porque o Direito Privado tem sido, de alguma manei-ra, vtima de uma publicizao ou de uma constitucionalizao, e, hoje, falamos quase sempre, mesmo quando discutimos Direito Privado, em princpios e em juzo de ponderao, e esquecemos muitas vezes de aplicar a velha e boa subsuno, enfim, que permite que as relaes privadas tenham seu curso normal e possam se desenvolver dentro da lei e margem dela, como sempre foi a caracterstica do Direito Comercial.

    Antes de iniciar a abordagem do que pretendo seja uma breve exposio sobre a crise do STJ na avaliao e na uniformizao do Direito Comercial, gostaria de dizer que, depois da brilhan-te sntese feita pelo Ministro Beneti, torna-se difcil elencar todos os institutos que poderiam ou deveriam merecer uma anlise mais cuidadosa do STJ.

    De qualquer maneira, nesses 23 anos, o STJ tem tido sua existncia marcada por uma reviravolta no Direito Privado e, sobretudo, no Direito Comercial. Houve, em 2002, a mudana de paradigma legal com o novo Cdigo Civil e, agora, mais recentemente, esse movimento de recodi-ficao do Direito Comercial, liderado pelo Professor Fbio Ulhoa Coelho, esse debate importante sobre o papel do Direito Comercial nas relaes de produo atuais, sobretudo diante da mudana econmica experimentada pelo Brasil nos ltimos dez anos, e sobre como isso deve ser integrado em algum diploma legal que d organicidade e plasticidade a esse desenvolvimento e permita que no fique to fragmentado. Houve ainda, nesse perodo, como bem acentuou o Ministro Beneti, o Cdigo da Propriedade Industrial, os novos ttulos de crdito e, sobretudo, a Lei de Recuperao Judicial.

    O STJ porventura tem desempenhado a contento as suas funes de preservao da lei federal e de uniformizao da jurisprudncia no Pas? No h, infelizmente, no Brasil estatsticas confiveis que faam o monitoramento de como tem evoludo essa jurisprudncia. Mas uma ava-liao, a partir da experincia relatada pelo Ministro Beneti e pela minha prpria, de que no temos, aqui no STJ, desempenhado essa funo a contento.

    O fato que hoje a Segunda Seo do Tribunal responde por cerca de 60%, talvez dois teros, do volume do Tribunal. Acaba sendo um peso desproporcional, considerando que so relativamente poucos julgadores, sem especializao temtica e que h ainda os embargos de divergncia.

    Quais so as causas disso? Todo mundo aponta, naturalmente, o lado positivo, que o aumento do acesso Justia, a noo de cidadania que se difundiu de maneira muito expressiva a

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    partir da Constituio de 1988, o Cdigo de Defesa do Consumidor e outros instrumentos que tm permitido que as demandas judiciais tratem de questes importantes para o dia a dia das pessoas. Mas, claro, h o lado negativo. No podemos negar que quase todas as reformas processuais falharam cabalmente. Temos, hoje, uma discusso de temas que, talvez, j devessem estar sepul-tados. Estamos a discutir, cotidianamente, honorrios, institutos antigos que foram reformados, como embargos infringentes; temos, enfim, o processo de execuo reformado, que volta sempre com problemas e dificuldades. Isso, naturalmente, acaba impedindo que o Tribunal exera a fun-o nomofilcica e de uniformizao para as quais ele foi criado.

    Ento, acabamos, por exemplo, em relao lei mais antiga nesse perodo, que o Cdi-go da Propriedade Industrial, de 1996, at hoje sem definio jurisprudencial, aqui no STJ, sobre alguns pontos de reflexo muito importantes e que ainda esto em julgamento.

    Em relao Lei de Recuperao Judicial, a Segunda Seo tem apreciado conflitos de competncia para discutir aquela velha questo, aquela primeira aula de Direito Falimentar sobre a universalidade do juzo da falncia. Em toda sesso discutimos a quem compete: se ao juzo do trabalho, ao juzo comum, ao juzo recuperacional. At hoje no encontramos uma definio.

    A questo da trava bancria da mais alta relevncia, apesar dos sete anos j decorri-dos da Lei da Recuperao Judicial e da existncia at de smulas, como no Tribunal de Justia de So Paulo. Vejo aqui o Desembargador Pereira Calas, que tem tido um papel importante na definio dessa jurisprudncia no tribunal paulista, havendo oposio de vrios outros tri-bunais quanto a isso e uma contradio que, para o bom desenvolvimento dos negcios, preocupante. At hoje no h um precedente sequer, aqui no STJ, sobre a relevante questo da trava bancria, que foi um dos pontos-chave para a aprovao da nova lei falimentar e que teve um papel muito importante para a mudana da classificao de crdito do pas nas agncias internacionais.

    Ento, essa crise da jurisdio do STJ, de algum modo, o resultado da crise da prpria jurisdio em geral.

    Hoje temos uma mudana muito sbita, persistente e preocupante do velho padro de subjuno de identificar quais as premissas maior e menor e chegar a uma norma individual para o caso concreto, para uma aplicao indiscriminada de juzos de ponderao, mesmo em primeiro ou segundo graus de jurisdio, que geram uma insegurana jurdica muito grande na aplicao do Direito.

    E o caso da trava bancria no exceo. H inmeras decises, num ou noutro sentido, a partir da ponderao do prprio princpio da preservao da empresa, que se encontra no art. 47 da Lei.

    Tudo isso, claro, o reflexo da deficincia que se verificou, na ocasio da Emenda 45, de no dar ao STJ o mesmo tratamento que se deu ao Supremo, que recebeu o instituto da repercus-so geral. Aqui, no tivemos nenhum instituto que permitisse ao Tribunal escolher adequadamente

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    o que vai julgar ou selecionar, de uma maneira relevante, quais as questes que merecem de fato a sua ateno.

    No ano passado, com a aprovao, pelo Plenrio do STJ, de um anteprojeto (agora pro-jeto) de emenda constitucional de relevncia de questo federal, isso, provavelmente, ter um encaminhamento adequado, j que, a partir da, ser possvel, ento, analisarmos as questes que verdadeiramente so importantes para a definio dos institutos de Direito Comercial. Antes que isso acontea, claro, h outras maneiras de fazer com que possamos desempenhar melhor a nossa atividade.

    O Ministro Sidnei Beneti, melhor do que ningum, com a vasta experincia de magistrado e como grande conhecedor de sistemas de organizao judiciria, tem procurado, desde logo, na presidncia da Segunda Seo, organizar o que chamamos internamente de Nupre, ou seja, o setor que classifica os recursos antes da distribuio.

    Hoje os recursos so distribudos a cada um dos ministros, de maneira, no diria aleatria, mas quase. muito comum haver casos de recursos de Sees diversas indo parar na Segunda Seo; questes de custas, guias, deficincias na formao do prprio recurso serem distribu-das, classificaes absolutamente estapafrdias. Ter-se-ia que fazer um verdadeiro bestialgico de classificaes erradas que so realizadas. Isso com o Nupre, esse centro de classificao de feitos talvez pudesse corrigir de 10% a 15% dos casos de distribuio errada (uma estimativa at conservadora). Nesse mar de processos que invade o Tribunal, isso realmente j seria um ganho significativo de eficincia.

    Alm disso, claro, h avanos na tecnologia. Hoje temos, h alguns anos, um sistema considerado, at hoje, bastante bom na rea tecnolgica, tudo digitalizado. Mas no h como, verdadeiramente, entrar no processo, permitir que se faa ali uma triagem e identificar quais os problemas que merecem ou podem ter uma soluo mais rpida.

    Eu me furto a um depoimento pessoal. Tenho um acervo de quinze mil processos. Quase todo (acho que a imensa maioria) digitalizado, mas a triagem continua tendo de ser feita um a um, porque no h nenhum mecanismo tecnolgico para permitir que isso seja feito de maneira mais adequada.

    Outras solues, antes da aprovao da PEC da Relevncia da Questo Federal, tambm seriam importantes. Por exemplo, a criao de um plenrio virtual. Isso j tem sido adotado por alguns tribunais com sucesso, como o prprio Supremo, quanto repercusso geral. Aqui tambm no h nenhuma razo para que tal no se d. Isso melhoraria enormemente a qualidade do julgamento, j que mais de 90% dos julgados so monocrticos. Ento, com um plenrio virtual, tempo adequado e transparncia, ser possvel que o colegiado aprecie, de maneira muito mais efetiva, as decises monocrticas. Com isso, tambm se acaba criando filtros que permitem chegar ao conhecimento do colegiado as grandes questes de direito material, como to bem lembrado pelo Ministro Sidnei Benetti.

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    Por fim, uma iniciativa muito importante do CNJ, anunciada semana passada, mediante resoluo do CNJ (que, ao que eu saiba, at agora no saiu), no sentido de exigir dos tribunais estaduais a criao de grupos de acompanhamento dos temas de repercusso geral ou daqueles julgados pela sistemtica dos recursos repetitivos. Isso faria com que houvesse, sobretudo nos tribunais de grande volume, a criao de um dilogo com o STJ que nos permitisse criar talvez sesses temticas, grupos de trabalho voltados para a discusso de certos assuntos com maior celeridade e evitar que a definio dos contornos dos institutos novos fique postergada no tempo, como tem acontecido hoje.

    Ento, basicamente, espero que tenhamos, no ano que vem, uma emenda constitucional aprovada, para que possamos passar para a discusso da lei que dar contornos definitivos a essa arguio da relevncia de questo federal no STJ. No ser uma questo simples. Haver, certamente, oposio da OAB, que, alis, j anunciou oposio a isso. Mas preciso que se defina muito bem o tipo de relevncia, como ela ser analisada, o tipo de motivao a ser exigido do ato do STJ, se alguma, para a definio dos temas que sero julgados ou (como a tendncia mundial aponta) se ser possvel o STJ decidir imotivadamente quais recursos que ir julgar. Com isso, espera-se que a Segunda Seo, que o foro da discusso dos grandes temas de Direito Privado e do Direito Comercial, possa, enfim, voltar ao leito normal e exercer, de maneira mais eficiente, mais rpida, as funes de preservao da lei federal e de uniformizao da jurisprudncia.

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    AberturA dAs Comisses ApresentAo e delimitAo dos temAs

    Crise da empresa: falncia e recuperao

    PAULO PEnALVA SAntOS

    Professor de Direito Empresarial da Escola da Magistratura do Rio de

    Janeiro e Professor de Direito Comercial da Escola Superior da

    Advocacia Pblica da Procuradoria-Geral do Rio de Janeiro

    extremamente importante a Lei de Falncia e, agora, que completa sete anos de vign-cia, pela primeira vez, as questes relevantes chegam ao Superior Tribunal de Justia. E h uma coincidncia muito grande em relao relevncia dos temas que foram submetidos, mais de setenta enunciados, e os que esto vindo pela primeira vez aqui ao STJ.

    J foi salientado que, at ento, basicamente, eram questes referentes a conflitos de competncia, Justia do Trabalho e Justia Comum, e reclamaes, tambm decorrentes des-ses conflitos de competncia. Temos, portanto, agora, questes da maior relevncia como, por exemplo, uma que foi julgada h pouco tempo, aqui no STJ, relatora a Ministra Nancy Andrighi, referente a controle da legalidade do plano, ou seja, at que ponto so mais de oito enunciados sobre isso em um plano aprovado por assembleia, pode o juiz examinar a legalidade do plano.

    Evidentemente que sim. Mas um desdobramento importante em relao a isso, e que tem causado uma perplexidade muito grande em questes importantes julgadas no Tribunal de Justia de So Paulo, o problema da viabilidade econmica e financeira do plano. H casos em que o que foi aprovado em assembleia no corresponde realidade e s faz com que as empresas per-

    Painel II

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    maneam de forma artificial no mercado. E exatamente o que a lei no pretendia. Sem dvida, uma questo extremamente polmica. Portanto, destacaria esse controle da legalidade do plano aprovado como sendo um dos mais relevantes; so mais de oito enunciados sobre isso.

    Temos, em seguida, tambm, um ponto muito importante que aquela hiptese em que o plano aprova a desonerao dos coobrigados. Seria possvel isso? Ou seja, um plano de recupe-rao judicial aprova liberar os avalistas e garantidores? Essa outra questo tambm, com uma srie de enunciados em relao a isso.

    O terceiro ponto, sem dvida, o mais importante, o problema do afastamento da suces-so trabalhista e tributria. Sabemos que, lendo o art. 50 da Lei, que meramente exemplificativo, em todas aquelas hipteses o devedor pode fazer fora de um sistema de recuperao judicial. Ento, por que deve ele submeter a uma recuperao judicial, correndo o risco de no ter o plano aprovado e ter decretao da falncia? A principal resposta exatamente o afastamento da suces-so tributria e trabalhista, portanto, h um destaque grande em relao a esses pontos.

    Tambm h vrios enunciados em relao interpretao do art. 6, 4, que trata do prosseguimento das aes, ou seja, aquele perodo de 180 dias, como funciona, e se, ainda nesse perodo, h possibilidade de prosseguimento das aes individuais contra garantidores, avalistas etc.

    Outro ponto que tambm destaquei aqui o da possibilidade de extenso da falncia, quais os requisitos, a possibilidade dessa extenso, em que casos ela permitida, inclusive distin-guindo, em alguns enunciados, a diferena entre a extenso da falncia e a desconsiderao da personalidade jurdica que, sem dvida, so dois institutos muito importantes.

    Um outro ponto, que, talvez, merea um destaque grande, a questo referente ao art. 57 da Lei, e o art. 191-A do Cdigo Tributrio Nacional, que condicionam a concesso da recuperao judicial comprovao da regularidade da situao tributria.

    A grande questo que no existe ainda (est em votao no Congresso Nacional) um projeto de lei que trate do parcelamento automtico das dvidas da sociedade em recuperao. Em decorrncia disso, surge a grande dvida: ser que o parcelamento seria um direito do contribuin-te ou, como alega a Fazenda, uma faculdade de conceder ela o parcelamento. Portanto, outro ponto merecedor de destaque.

    E, por ltimo, tambm um tema extremamente polmico e relevante, referente necessidade de haver um tratamento igualitrio entre credores da mesma classe. Parece-me que houve uma gran-de alterao em relao ao sistema anterior, o da concordata preventiva, na qual, sem dvida, era necessrio um tratamento igualitrio. Mas uma questo tambm que tem sido bastante discutida no Judicirio e, provavelmente, deve estar chegando aqui no STJ, recentemente: essa necessidade, essa possibilidade de ter-se um tratamento igualitrio a credores da mesma classe.

    Arrolei mais de oito hipteses; s destaquei os principais pontos. Tenho certeza que ser de grande valia esse debate; com mais de setenta enunciados, todos de altssima qualidade, muito bem fundamentados.

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    Empresa e estabelecimento

    ALFREDO DE ASSiS GOnALVES nEtOProfessor de Direito Comercial da Universidade Federal do Paran eAdvogado na rea de Direito Empresarial e Econmico

    Cumprimento, inicialmente, a organizao do evento na pessoa do Ministro Joo Otvio de Noronha, que tomou a iniciativa de promover a revitalizao do nosso Direito Comercial, que alguns acharam que tinha se perdido por conta de ser inserida a parte da matria do Cdigo Civil de 2002.

    Quero tambm prestar uma homenagem a todos os ministros do Superior Tribunal de Justia, na pessoa do Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jnior, presena indispensvel para podermos montar o que hoje aqui ser apresentado.

    Cumprimento, tambm, os demais coordenadores e os desembargadores, membros da Magistratura e do Ministrio Pblico, professores convidados e advogados presentes.

    A tarefa de organizar a Comisso de Trabalho relativa empresa e estabelecimento foi um pouco difcil, na medida em que os temas seriam muito variados. Tivemos questes relativas marca, nome, estabelecimento, empresa. Enfim, empresa e estabelecimento tornaram-se como que uma espcie de recipiente para receber aquilo que no cabia nas outras comisses. Mas, assim mesmo, creio que foi bem proveitosa a discusso e organizao dos temas, porque dividimos isso em quatro grupos.

    O primeiro deles trata da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, Eireli, porque um tema novo, portanto teve a maioria dos enunciados nessa Comisso. Foram quinze enunciados envolvendo vrias questes. A primeira saber a natureza delas, se seria uma espcie de socieda-de ou um novo ente como um terceiro gnero entre a pessoa do empresrio e a pessoa jurdica da sociedade; a questo de saber quem pode constituir a Eireli, se possvel a constituio por pessoa jurdica e se possvel criar, a pessoa jurdica, mais de uma dessas empresas individuais de responsabilidade limitada. Houve tambm um questionamento sobre a possibilidade de ser criada por sociedade estrangeira, e assim por diante.

    No que diz respeito ao empresrio individual, talvez at por reflexo da questo do surgi-mento de um patrimnio autnomo que se criou com o nome de empresa individual de responsabi-lidade limitada e no quero entrar nesse tema aqui, porque temos presente o Prof. Jos Engrcia

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    Antunes, com sua experincia portuguesa tanto do estabelecimento individual de responsabilidade limitada como, mais recentemente, da sociedade unipessoal, e no Brasil temos uma discusso muito grande que creio que os eflvios dos portugueses podem nos auxiliar muito na soluo dos problemas que iro aqui acontecer , mas, no que diz respeito ao empresrio individual, surgiram alguns questionamentos sobre a distino do patrimnio pessoal dele e do patrimnio que ele afeta sua atividade empresarial.

    E as outras perguntas giraram em torno da empresa especificamente, com aplicao da Lei de Defesa da Concorrncia, recentemente publicada e que entrou em vigor este ano, e temos outras questes envolvendo, em ltima anlise, o estabelecimento comercial. Com relao ao es-tabelecimento, h questes enunciadas sobre sua natureza em funo das novas normas que o regulam; alis, a primeira vez que regulado legislativamente o estabelecimento comercial. Quanto aos efeitos do trespasse, ento, houve perguntas sobre o que entra no trespasse ou no, sobre as responsabilidades que decorrem para o adquirente, para o alienante e assim por diante.

    E, por ltimo, algumas questes envolvendo decises sobre marca, distino com o nome empresarial e tambm, o que curioso, volta tona a eterna questo de se saberem os limites de proteo do nome empresarial, se o mbito exclusivamente estadual, como determina o Cdigo Civil, matria administrativa, ou se nacional por conta da Conveno de Paris.

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    Direito Societrio

    AnA FRAZO

    Advogada e Professora de Direito Civil e Comercial da

    Universidade de Braslia UnB

    Gostaria inicialmente de fazer um cumprimento especial ao Ministro Joo Otvio de Noronha, agradecendo muito pelo convite para esta jornada de Direito Comercial. De fato j era algo que se fazia necessrio h bastante tempo e foi muito bom que Vossa Excelncia tenha tido essa iniciativa, de forma que os agradecimentos so necessrios.

    Tambm gostaria de cumprimentar todos os demais coordenadores e agradecer pela cooperao. Agradeo mais uma vez ao Ministro Ruy Rosado pela brilhante coordenao o Ministro sempre uma fonte de inspirao para todos ns e cumprimento todos aqui pre-sentes, dizendo que realmente uma grande satisfao ver esse auditrio repleto de pessoas, pessoas to autorizadas, que representam todos os segmentos da vida profissional do Direito Comercial, reunidos aqui para as discusses que ora se colocam.

    Na minha comisso, Comisso de Direito Societrio, recebemos quase oitenta enuncia-dos. So setenta e oito enunciados que tratam dos temas mais diversos. E a grande novidade foi exatamente a incluso da discusso sobre as sociedades annimas.

    Aqueles que acompanharam as outras jornadas de Direito Civil j perceberam que havia sim ao longo de todas essas jornadas uma grande discusso que se travava na Comis-so de Direito de Empresa a respeito dos aspectos fundamentais do Direito Societrio, do Direito Empresarial, pelo menos naquela parte em que estava disciplinado pelo Cdigo Civil. Agora, com essa expanso, com a criao de uma jornada prpria, podemos agregar tambm esses temas relacionados s sociedades por aes, j que, no que diz respeito Eireli, e uso a expresso do Professor Alfredo de Assis Gonalves, esse tema de fato foi para a comisso presidida pelo professor.

    So realmente muitos os temas e seria at difcil sistematizar, mas desde j gostaria tambm de ressaltar uma peculiaridade dessa jornada, que j ocorreu como fruto do apren-dizado tambm havido nas jornadas anteriores. que por mais que as jornadas acabem funcionando como um termmetro, um termmetro dos pontos controversos das principais discusses que se travam a respeito das matrias, havia a necessidade de que esses enuncia-dos fossem aprovados com uma certa segurana; ou seja, matrias que gerassem controvrsia muito grande talvez no fossem adequadas para j fazerem parte de enunciados.

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    Parece-me que esse problema foi solucionado agora, inclusive por meio de uma dis-posio regimental que deixa claro refiro-me ao art. 24, inciso V que o enunciado ser submetido votao e ser considerado aprovado se obtiver 2/3 (dois teros) dos votos, presentes a maioria absoluta dos membros da comisso de trabalho credenciados no primeiro dia da jornada. claro que esse qurum pode ser alterado de acordo com critrios a serem observados pela comisso, mas nos pareceu uma medida muita salutar para assegurar que, de fato, os enunciados pudessem refletir pelo menos uma maioria qualificada a respeito de assuntos que muitas vezes so controversos.

    Como havia adiantado, em relao Comisso de Direito Societrio, a grande novi-dade, principalmente diante dos temas que j estavam em debate nas jornadas anteriores, realmente a incluso das sociedades por aes. E aqui temos uma srie de matrias que esto sendo objeto de enunciados, desde a parte relativa a conflito de interesses, definio de controle, acordo de acionistas, direito de retirada, a tormentosa questo sobre a natureza da responsabilidade dos administradores de sociedades por aes, os limites do controle judicial sobre a deciso dos administradores dessas sociedades, at transferncia de controle e oferta pblica, arbitragem, fundo de investimento dentre outras.

    E, no que diz respeito a outras matrias de Direito Societrio, tambm temos um rol muito abrangente e muito diversificado de matrias: desde as sociedades limitadas de diversos aspectos relacionados a essas sociedades; a responsabilidade tambm dos adminis-tradores; a tormentosa questo da aplicao do Cdigo de Defesa do Consumidor s relaes empresariais, mesmo em hipteses restritas; a questo do regime de responsabilidade dos scios em sociedades simples; a questo da teoria do ultra vires, proteo de terceiros de boa-f; e diversos outros temas mais especficos.

    Dentre esses, talvez dois tenham merecido o maior nmero de enunciados diante tambm das controvrsias que sobre eles se projetam. O primeiro a questo da desconside-rao da personalidade jurdica, que recebeu tambm um nmero considervel de enunciados a respeito da questo dos grupos de fato, das questes processuais relacionadas ao prprio reconhecimento da desconsiderao, a desconsiderao inversa, o problema da dissoluo irregular, as prprias diferenas entre a teoria maior e teoria menor. Todos esses pontos sero tema de discusses na Comisso de Direito Societrio. E tambm a questo da dissoluo parcial das sociedades limitadas e direito de retirada, que tambm gera atualmente muitas controvrsias, inclusive na jurisprudncia, e tambm ser objeto de muitas discusses na Comisso de Direito Societrio.

    So essas, em linhas bem gerais, as principais discusses que sero travadas na Co-misso de Direito Societrio.

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    Obrigaes empresariais, contratos e ttulos de crdito

    FBiO ULHOA COELHO

    Professor de Filosofia do Direito, Direito Comercial e

    Empresarial da Universidade Catlica de So Paulo

    At pouco tempo atrs, no dialogvamos a respeito do Direito Comercial, tendo a oportu-nidade nica agora de, sob o abrigo do Superior Tribunal de Justia e do Centro de Estudos Judici-rios, realizar um evento desta magnitude. Ns, comercialistas, s temos a agradecer ao Ministro Joo Otvio de Noronha, ao Ministro Ruy Rosado, pela oportunidade mpar que esto nos ofere-cendo de debater nossas questes, discutir a respeito das nossas divergncias, a fim de encontrar o consenso no que for possvel, mas principalmente para nos identificar como comercialistas.

    Aproveito a oportunidade para agradecer o convite, que deixou-me muito honrado, de participar da Comisso Cientfica desta jornada, dizer da minha grande satisfao que foi trabalhar com os demais membros da Comisso, com o Min. Ruy Rosado e Min. Noronha. Esta foi uma co-misso muito laboriosa, que, enfim, chegou rapidamente a todas as decises que precisou tomar. Sem dvida nenhuma, esto reunidos aqui os comercialistas mais importantes do Brasil e acho que teremos trs dias de profcuos debates e concluses.

    A comisso que me coube coordenar, Obrigaes, Contratos Empresariais e Ttulos de Crdito, , sem dvida, a mais importante das quatro, porque ningum duvida de que, enfim, empresa e estabelecimento sejam matrias de Direito Comercial; ningum questiona que falncia, recuperao sejam matrias de Direito Comercial. s vezes, h as sociedades simples, mas as sociedades dedicadas ao objeto de Direito Comercial tambm ningum questiona.

    Na rea das obrigaes, temos uma questo a enfrentar; existem mesmo especificidades, peculiaridades no campo dos direitos e das obrigaes que justifiquem o Direito Comercial contar com normas e princpios prprios. Este o grande debate que iremos travar na nossa comisso. J antecipando-o, no tenho dvidas de que existem regras e princpios prprios que devem nortear as obrigaes empresariais, os contratos entre os empresrios.

    Outro dia ao tratar desta questo exatamente, foi-me colocada a seguinte pergunta: qual a diferena entre o tratamento que deve ser dado, por exemplo, a um jovem que faz um contrato de locao, inexperiente e assume obrigaes que nenhum outro locatrio est assumindo e

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    um pescador ao vender os seus peixes para um grande atacadista? Por que este jovem merece uma proteo especial, por exemplo, no caso da leso por inexperincia, para se ver desobrigado daquele contrato que ele celebrou, e o pescador, tambm, na mesma situao, enfim, de poucas luzes e tal, teria de estar vinculado, sujeito a uma regra de responsabilizao pelo que contratou diferente?

    A minha resposta foi a de que aquela questo que surge no mbito da relao entre o locador e o locatrio ali morre; o locador deixar de receber o aluguel que ele imaginava que tinha direito e encerrou o assunto. J a liberao do pescador das obrigaes que ele assumiu perante o atacadista de peixes vai gerar um custo para o atacadista. Este no arcar com esse custo, ele ir repass-lo para o varejista de peixes, o qual tambm no vai ficar com o prejuzo, ir repass-lo ao consumidor; ou seja, temos, nas relaes empresariais, contratos em cadeia, alguns at formando redes negociais. O assunto no termina na relao entre o pescador e o atacadista de peixe e, no final, o que a gente tem de decidir se o erro do empresrio deve ser suportado pelo prprio empresrio ou pelo consumidor. No final, essa a deciso que a lei deve tomar.

    Ento, parece-me muito claro que existem especificidades, peculiaridades no mbito do Di-reito Empresarial e das obrigaes empresariais, que mais que justificam a elaborao de princpios prprios, a interpretao das regras de direito vigentes luz desses princpios prprios, e isso que eu acho que ir permear os trabalhos da Comisso de Obrigaes, Contratos e Ttulos de Crdito.

    Nesta comisso temos sessenta enunciados, divididos em quatro grupos: primeiro, das obrigaes empresariais, princpios gerais das obrigaes empresariais (h cinco ou seis enuncia-dos dessa ordem); segundo, a teoria geral dos contratos empresariais, um grupo bastante extenso e significativo, com mais de vinte enunciados sobre contratos em espcies, entre os quais a fatori-zao, o resseguro, os contratos EPC, os contratos de construo, muito mais sofisticados do que a empreitada que est na lei, derivativos; enfim, h diversos contratos em espcie e tambm uns quinze enunciados sobre ttulos de crdito.

    Esse o panorama geral do que me parece ser a expectativa a respeito desta comisso.

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    A responsabilidade no seio das empresas multinacionais

    JOS EnGRCiA AntUnES

    Professor Doutor em Direito

    Gostaria de comear por saudar e cumprimentar o Ministro Joo Otvio de Noronha, Corregedor-Geral da Justia Federal e Diretor do Centro de Estudos Judicirios; cumprimentando, ainda, na pessoa de Vossa Excelncia, o Conselho da Justia Federal; o Ministro Ruy Rosado, coordenador cientfico desta Jornada de Direito Comercial; e todos e cada um dos coordenadores das vrias comisses, permitindo-me uma palavra de especial considerao e de afeto ao Professor Alfredo de Assis Gonalves Neto. E naturalmente tambm cumprimentar a todos os juzes e magistrados, advogados, professores, estudantes e demais da assistncia.

    Estamos hoje prestes a celebrar o trigsimo aniversrio daquela que foi provavelmente a pior catstrofe que a humanidade tem na memria. s primeiras horas do dia 3 de dezembro de 1984, na cidade de Bhopal, na ndia, verificou-se uma fuga de 40 toneladas de hidrocianeto, um gs altamente txico e letal, numa empresa qumica de pesticidas, a Union Carbide India, filial indiana de um grupo com o mesmo nome, o Grupo Union Carbide. Em consequncia da referida fuga de gs de acordo com especialistas esse gs era o mais letal e txico provavelmente jamais manuseado em termos industriais pelo homem quase 4 mil pessoas tiveram morte imediata, e cerca de 500 mil outras tiveram leses de ordem variada.

    Hoje, 23 de outubro de 2012, decorridos praticamente trinta anos sobre a data deste acidente, os habitantes daquela cidade e de cidades vizinhas continuam a morrer, desenvolvendo toda uma srie de patologias, tais como cancro, cegueira, infertilidade e malformaes congnitas.

    Hoje, trinta anos depois, nas guas dos rios e nos solos daquela cidade continuam a restar nveis de mercrio, de chumbo e de outros qumicos txicos, cerca de 6 milhes de vezes superiores

    Palestra

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    ao limite de segurana. Alm disso, o apuramento da responsabilidade empresarial e a imputao dos prejuzos causados por este acidente continuam por fazer.

    A Union Carbide India Limited constituiu uma filial indiana da empresa multinacional Union Carbide, uma empresa multinacional norte-americana da indstria qumica, que controlava cerca de 750 sociedades filiais espalhadas por todo mundo.

    Como de se esperar, o patrimnio da filial indiana no era suficiente para satisfazer, seno uma pequenssima parte do total dos danos que foram provocados por essa enorme catstrofe humana e ambiental. Ao passo que o valor total dos danos do acidente ascendia a qualquer coisa como 3,3 bilhes de dlares; a Union Carbide India possua um patrimnio de apenas 10 milhes de dlares. Ou seja, menos de 0,5% do total dos danos, patrimnio este que resta j agora praticamente reduzido a cinzas.

    Diante disso, as vtimas ou os herdeiros das vtimas decidiram propor uma ao judicial diretamente contra a Union Carbide Corporation, portanto contra a sociedade-me do grupo empresarial multinacional, com sede em Connecticut, nos Estados Unidos da Amrica; e que controlava a filial indiana Union Carbide India por meio de uma complexa rede de participaes detidas por outras sociedades pertencentes ao mesmo grupo.

    Os autores desta ao judicial no tiveram muita sorte. Com efeito, na contestao, a cpula da empresa multinacional Union Carbide sustentou a sua irresponsabilidade pelas dvidas da filial indiana invocando o princpio da independncia jurdica das sociedades envolvidas e a limitao da responsabilidade dos acionistas. Isto , no obstante atuarem no mercado como se de uma nica empresa se tratasse, no obstante a Union Carbide India no fosse seno um mero elo ou uma mera diviso de uma empresa multinacional mais vasta, a qual atuava no mercado como uma unidade econmica, verdade que, de um ponto de vista jurdico, a sociedade indiana possua uma personalidade jurdica prpria, o que significa que tinha um patrimnio ativo e passivo prprio.

    E, como lembrou com alguma ironia o advogado norte-americano nas suas alegaes em julgamento o qual foi presidido pelo Juiz John Keenan , se o privilgio da responsabilidade limitada serve para alguma coisa era para este momento de aflio.

    Ao cabo de vrios anos de impasse, o litgio judicial acabaria num acordo entre as partes, sendo que a sociedade norte-americana aceitou pagar uma indenizao aos credores da sociedade filial indiana no valor de 470 milhes de dlares, ou seja, cerca de 10% do valor estimado dos danos.

    Este caso constitui uma ilustrao horrvel, um caso dramtico, verdade, mas inteiramente atual do problema sobre o qual versar minha interveno de hoje, que o problema da responsabilidade da empresa multinacional perante terceiros e os impasses regulatrios que existem atualmente nesta matria.

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    Para melhor compreendermos este problema, necessrio comear por deixar desde j assente uma premissa fundamental, a de que a empresa multinacional se transformou hoje no ator ou na clula econmica central dos sistemas econmicos contemporneos.

    De uma perspectiva histrica, so trs as principais formas de organizao de empresa: a empresa individual, explorada por uma pessoa fsica, o empresrio; a empresa societria, explorada por uma pessoa coletiva, a sociedade comercial; e a empresa multinacional, explorada por meio de um conjunto de sociedades comerciais sediadas e criadas em diferentes territrios nacionais.

    Ora, no podem subsistir dvidas sobre o seguinte: se a empresa individual foi, sem dvida, a forma empresarial dominante durante o sculo XIX, e a empresa societria teve o seu momento de protagonismo durante o sculo XX, a empresa multinacional a clula chave do sistema econmico da globalizao caracterstica do sculo XXI.

    A frieza dos nmeros no deixa margens para dvidas. Segundo um relatrio recente das Naes Unidas, existe hoje cerca de 82 mil empresas multinacionais, que controlam cerca de 800 mil filiais, que so responsveis por 1/3 do total das exportaes mundiais e que empregam cerca de 77 milhes de trabalhadores.

    Entre as 100 entidades econmicas mais poderosas do globo, temos 50 estados-nao e 50 empresas multinacionais. O volume de negcios das 10 maiores empresas multinacionais, entre as quais a empresa Exxon Mobil, Shell, Wal-Mart Stores e outras, superior ao volume oramental bruto de cerca de 6 estados-membros da Unio Europeia, dentre os quais a Alemanha, a Frana, a Itlia, a Blgica e a Holanda.

    O volume de negcios de algumas dessas empresas multinacionais, individualmente considerado, chega a ser mesmo superior ao Produto Interno Bruto da maior parte dos pases. Por exemplo, o volume de negcios da empresa Exxon Mobil de cerca de 435 bilhes de dlares, o que superior ao Produto Interno Bruto de cerca de 130 pases.

    A empresa Petrobras, a maior empresa multinacional da Amrica Latina, que ocupa atualmente a dcima posio do ranking da Revista Forbes das maiores empresas multinacionais em 2012, tem um volume de negcios da ordem dos 145 bilhes de dlares e ativos estimados em 319 bilhes de dlares, o que superior ao Produto Interno Bruto de muitos pases, entre os quais Portugal, que tem um Produto Interno Bruto de 230 bilhes de dlares.

    Como disse, as poucas empresas multinacionais empregam hoje 77 milhes de trabalhadores; 18 milhes, s empresas multinacionais chinesas, ou seja, cerca de 28% do total; e o nmero de trabalhadores de algumas dessas empresas multinacionais superior ao nmero de trabalhadores de vrios pases; como, por exemplo, a referida multinacional Wal-Mart Stores, uma multinacional norte-americana, que emprega 2,1 milhes trabalhadores; o que superior ao nmero total de trabalhadores de pases como a Dinamarca, a Finlndia, a Irlanda ou a Nova Zelndia, e representa mais da metade da populao industrial ativa de pases, como, por exemplo, Portugal, Sua e Blgica.

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    So nmeros claramente impressionantes. E perante isso se compreende a afirmao feita por Lord Wedderburn, dizendo que falamos, ensinamos, litigamos e legislamos acerca do Direito das Sociedades, mas a realidade predominante hoje em dia no a sociedade, no a empresa societria, mas sim a empresa multinacional.

    A questo comea a ganhar contornos mais definidos, no entanto, quando se agora atenta a outro fato, de natureza jurdica, mas no menos importante e curioso. que no obstante a empresa multinacional seja um ator econmico central dos tempos modernos, ela no constitui um sujeito jurdico, no constitui um sujeito dotado de um estatuto jurdico prprio, no plano das legislaes atuais e designadamente em sede de responsabilidade ou de imputao do risco empresarial.

    A empresa individual tinha e tem um estatuto legal prprio, mormente em sede de responsabilidade; sendo a empresa individual desprovida de personalidade jurdica prpria, e sendo a sua atividade explorada diretamente pelo prprio empresrio em seu nome, este, como pessoa fsica, que assume a totalidade do risco da explorao empresarial, ou seja, que responde juridicamente pela totalidade das dvidas contradas na sua explorao. Do mesmo modo, a empresa societria ou unissocietria, se quiserem cham-la assim, tinha e tambm tem hoje um estatuto jurdico prprio; sendo a sociedade comercial um sujeito jurdico autnomo, e beneficiando o empresrio, agora acionista, de uma limitao da sua responsabilidade ao montante do capital que investiu, ento a prpria pessoa jurdica e no os seus fundadores ou membros que, em princpio, assumem o risco da explorao empresarial.

    Mas pode-se perguntar: e a empresa multinacional? Por estranho que possa parecer, a empresa multinacional nunca teve e continua a no ter hoje um estatuto jurdico prprio, inclusive em sede de responsabilidade e de imputao do risco empresarial. Com efeito, a empresa multinacional representa uma forma jurdica de organizao de empresa por meio da qual um conjunto mais ou menos vasto de sociedades comerciais, sediadas em diferentes pases, e conservando, embora, a sua individualidade jurdica prpria, ditas filias estrangeiras, encontram-se subordinadas direo econmica exercida por uma dessas sociedades; as designaes variam, mas podemos denominar de casa-me.

    A empresa multinacional no constitui um verdadeiro centro autnomo de imputao de direitos e de obrigaes. Ou seja, se no plano dos fatos a empresa multinacional existe e atua como um sujeito econmico, no plano do Direito, tudo que formalmente existe em regra so apenas as diversas sociedades individuais que o compem, no sendo a prpria empresa investida em si mesma no status de sujeito jurdico.

    Ora, esta lacuna regulatria das legislaes atuais, ou seja, a ausncia de um estatuto jurdico prprio para a empresa multinacional tem naturalmente um impacto grande do ponto de vista prtico e do ponto de vista tambm terico.

    Do ponto de vista prtico, tal lacuna regulatria tem sido uma das principais responsveis ou fontes de conflitos e de litgios judiciais na vida empresarial. A melhor prova disso est no nmero

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    avassalador de disputas judiciais e arbitrais cuja questo reside invariavelmente na inadequao do regime tradicional da responsabilidade empresarial, que foi pensado para a empresa individual e para a empresa societria, para o emergente fenmeno da empresa multinacional.

    Catstrofes ecolgicas e humanas foram provocadas por filiais de grandes multinacionais, de que Bhopal um exemplo, mas existem muitos outros, como o acidente com o Amoco Cadiz, na costa da Frana, em 1978; o acidente do Exxon Valdez, na costa do Alaska, em 1983; um acidente mais perto de minha casa, na Espanha, com o petroleiro Prestige, em 2003; ou mesmo o recente acidente com a BP, no Golfo do Mxico, em 2010. Estas so apenas algumas ilustraes deste fenmeno, embora todos os anos se registrem exemplos semelhantes, apenas menos conhecidos porque menos miditicos.

    De resto, o problema da responsabilidade da empresa multinacional de modo algum se confina aos riscos ambientais e ecolgicos, mas, no fundo, estende-se a qualquer risco proveniente do desenvolvimento das atividades empresariais; basta pensar, por exemplo, nos riscos financeiros provenientes da crise de 2008.

    Mas tambm do ponto de vista teortico, no apenas do ponto de vista prtico, a questo em anlise lana um enorme desafio, digamos assim, inventiva dos juristas e dos legisladores atuais. Isso por qu? Porque lidar com o problema da responsabilidade da empresa multinacional significa nada mais, nada menos do que escrutinar diretamente as prprias fundaes ltimas do Direito Comercial, se no mesmo, enfim, forando um pouco a nota, dos prprios pilares do Direito em geral, tal qual como hoje conhecemos.

    Desde logo, porque esse problema coloca em xeque aquilo que podamos denominar vacas sagradas do Direito Societrio, ou seja, o princpio da autonomia da sociedade e o princpio da limitao da responsabilidade do acionista, princpios esses que so acolhidos por todo o mundo e tambm no Brasil, creio, nos arts. 985 e 1.088 do Cdigo Civil.

    Mas, talvez, mais do que isto, este problema venha a lanar um repto aos temas de imputao jurdica com que o prprio Direito e as ordens jurdicas em geral, herdados da velha romanstica e da velha pandectstica, ainda hoje trabalham.

    Como todos sabemos, no recorte que o Direito faz da realidade humana e da realidade social, h apenas basicamente lugar para dois centros de imputao jurdica, as pessoas fsicas e as pessoas jurdicas ou coletivas, como chamamos na Europa. Ou seja, quando uma dada norma civil determina que aquele que lesar os interesses de outrem o obrigado a imunizar os danos provocados; ou quando uma norma mercantil determina que aquele que assumir uma obrigao ou dvida deve pag-la pontualmente; ou quando uma norma de Direito Criminal determina que aquele que poluir responsvel criminalmente pelos danos ecolgicos; ou aquele sujeito da norma legal e o destinatrio da sano jurdica nela prevista sero sempre, em princpio, ou bem uma pessoa singular, fsica, ou bem uma pessoa jurdica; ou um ou outro, tertium non datur.

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    A empresa multinacional como sujeito econmico que no corresponde, todavia, a um sujeito jurdico lana um desafio ordem jurdica em geral, que esta at hoje no foi capaz de responder cabalmente. E o desafio est nesta pergunta: no mbito de uma empresa multinacional, quem deve ser considerado aquele para efeitos da aplicao da lei? Quem o destinatrio da norma civil, da norma mercantil, ou da norma penal relativamente s aes ou condutas das filiais integradas no permetro de uma empresa multinacional? A quem, em ltima anlise, so imputveis as eventuais responsabilidades emergentes dessas aes? filial que praticou essa ao, que contraiu a dvida? sociedade-me que a criou, nomeou a sua administrao e controla o seu capital? prpria empresa multinacional como um todo? Essa, no fundo, aquela que eu chamaria de pergunta de um milho de dlares do jurista da empresa.

    Identificado o problema e realada a sua importncia prtica e terica, chegado o momento de nos interrogarmos sobre quais as possveis estratgias ou solues esse impasse.

    A questo central a resolver, em sede da responsabilidade da empresa multinacional, pode, em sntese, formular-se do seguinte modo: perante uma dada empresa multinacional, quando e como, ou seja, em que condies podero ou devero ser imputveis cpula da empresa (ou prpria empresa como um todo) as condutas ou as dvidas contradas pelas respectivas partes componentes, pelas respectivas filiais?

    No obstante haja grandes diferenas de desenvolvimento legislativo, jurisprudencial e doutrinal nos vrios pases do mundo, julgo que possvel identificar, na escala mundial, trs estratgias de solues fundamentais para o problema que atrs formulei. E essas estratgias so as seguintes: em primeiro lugar, a clssica ou tradicional, que se poderia designar como estratgia da autonomia ou da pluralidade jurdica; em segundo lugar, uma estratgia revolucionria, a do controlo ou da unidade econmica; e, finalmente, uma terceira e ltima estratgia, que uma intermediria, e que eu designaria simplesmente agora por modelo dualista e que mais adiante tentarei explicar.

    A estratgia tradicional designada aqui por estratgia da pluralidade jurdica ou da autonomia , que encontra nos Estados Unidos da Amrica ainda hoje a sua mais clara ilustrao, e hoje sem dvida ainda a mais difundida em nvel mundial, tanto nos pases da civil law quanto nos pases da common law, aquela que se prope a responder pergunta que atrs formulei, com base nos princpios gerais do Direito Comercial e do Direito Societrio.

    Tal estratgia, portanto, consiste na posio daquelas ordens jurdicas que resolvem os problemas da responsabilidade da empresa multinacional com base no dogma fundamental da autonomia ou da independncia jurdica das sociedades. Ou seja, de acordo com o princpio fundamental, segundo o qual a sociedade-me de um grupo multinacional no pode ser responsabilizada pelos atos, omisses ou pelas dvidas das filiais, que esto integradas no permetro da empresa pela simples, mas decisiva razo, de que essas filiais so pessoas jurdicas autnomas, dotadas de uma esfera jurdica de direitos e de vis prprios.

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    Para essa perspectiva, portanto, a responsabilizao da empresa multinacional ou da respectiva cpula hierrquica por dvida de uma filial considerada, em regra, inadmissvel. A responsvel por essas dvidas sempre a filial e apenas em circunstncias excepcionais poder esta regra ser afastada pelos tribunais, mediante desconsiderao da personalidade jurdica das sociedades envolvidas.

    Ora, esta primeira estratgia regulatria tem algumas debilidades, em minha opinio; sejam do ponto de vista jurdico, sejam do ponto de vista econmico. Desde logo, ela caracterizada por uma grande inconsistncia e por uma grande insegurana jurdica, uma vez que a sua aplicao se revela largamente casustica nos casos presentes e bastante imprevisvel nos casos futuros. E a razo fundamental para isso reside no eixo operativo fundamental subjacente a esta estratgia regulatria, ou seja, na questo de saber onde situar com preciso a linha de fronteira entre aqueles casos que poderamos chamar de casos normais, nos quais a independncia jurdica das filiais deve ser reafirmada, e aqueles casos que so seccionais, em que o juiz considera justificado, ignorado; ou afastar semelhante independncia jurdica uma questo que permanece ainda hoje sem uma verdadeira resposta consistente.

    Com efeito, os casos em que os tribunais, a ttulo seccional, levantam o vu da personalidade jurdica das filiais de uma empresa multinacional, a fim de imputar ao respectivo vrtice hierrquico os atos praticados ou os compromissos assumidos pelas filiais, so decididos de acordo com fundamentos que desafiam qualquer construo racional e sistemtica, aparecendo o pensamento jurisprudencial envolto numa espcie de nebulosa, de metforas de valor essencialmente literrio.

    A jurisprudncia norte-americana constitui um bom exemplo desta jurisprudncia metafrica e impressionista, que tem desconsiderado a personalidade jurdica das sociedades envolvidas e imputado seccionalmente respectiva cpula essas aes, afirmando simplesmente que filha, o alias, um pseudnimo, um alter ego, um adjunct, ou seja, um acessrio, um buffer, um para-choques, um cloak, uma capa, um coat, um casaco, um elo, um dummy, um fantoche, uma fachada, por vez at chama as filhas Frankensteins, um little hut, um pequeno chapu, uma mscara, um mero instrumento, um mouthpiece, um porta-voz, um peo, um puppet, um boneco, um ecran, um snare, um shell, ou seja, um estratagema, uma concha, uma ferramenta e um veculo, ou qualquer outra criatura da sociedade-me.

    Num caso muito conhecido, o caso Wallersteiner versus Moir, j relativamente antigo, um dos mais famosos juzes ingleses, Lord Denning, justificava assim a desconsiderao da personalidade jurdica de uma filial relativamente ao seu scio controlador. Dizia: eu tambm sei que tais sociedades so entidades legalmente distintas. Apesar disso, perfeitamente claro para mim que essas sociedades no passam de bonecos ou de fantoches do Dr. Wallersteiner. Era eu que controlava, dizia, cada um dos seus movimentos, e cada uma das sociedades danava ao seu ritmo. Era ele que puxava os cordelinhos por trs de cada uma dessas sociedades. Assim sendo, conclua ele, meu entendimento que o tribunal deve levantar o vu dessas sociedades e trat-las como criaturas do Dr. Wallersteiner, responsabilizando este ltimo pelas respectivas condutas.

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    Ora bem, elevada a uma espcie de frmula mgica para os paradoxos gerados pela personificao jurdica, quase possvel dizer que o jurista que hoje lana mo da tcnica da desconsiderao da personalidade jurdica est um bocadinho para o Direito como aquele mdico que tendo diante de si um paciente que est com febre e no sendo capaz de diagnosticar, na verdade, de que doena padece, fala vagamente em uma virose e lhe prescreve uma aspirina.

    Esta estratgia contudo tambm tem algumas debilidades do ponto de vista econmico. Por qu? Por uma razo simples e bastante estudada, e sobre a qual no vale a pena avanar muito, uma vez que um fenmeno bem estudado, uma estratgia que d azo aos conhecidos fenmenos de moral hazard e a comportamentos chamados de free ride, ou seja, apanhar uma carona, por parte das empresas multinacionais, porque, no fundo, incentiva essas empresas a utilizarem as suas tpicas estruturas jurdicas policntricas como uma espcie de mecanismos ou de instrumentos self-services de externalizao do risco da explorao empresarial.

    Alis, esse problema tem-se agravado, dado que tem sido revelado por vrios estudos. Existe um nmero suficiente de empresas, sobretudo aquelas que operam esses segmentos de mercado de alto risco, ou seja, a indstria nuclear, aeronutica, espacial, farmacutica, a biotecnolgica, a qumica, como era o caso de Bhopal e outras semelhantes, vrias empresas nesses segmentos de mercados que optam por se organizar sob forma de complexos agregados de sociedades individuais, frequentemente sediadas em pases subdesenvolvidos e criadas para explorar as suas atividades econmicas mais melindrosas, aquilo que, por vezes, se chama dirty business, ou atividades com elevadas externalidades econmicas e sociais, simplesmente como forma de evitar ou, pelo menos, externalizar a sua exposio ao risco empresarial.

    Como j algum disse, quando aplicada s empresas multinacionais, a soluo tradicional ou o regime clssico da responsabilidade empresarial um convite irresponsabilidade dos empresrios e dos gestores.

    Nos antpodas deste modelo tradicional, vamos encontrar uma segunda estratgia regulatria absolutamente revolucionria em sede do problema da responsabilidade empresarial multinacional. Aquilo que aqui designei por estratgia do controlo societrio tambm se poderia chamar de estratgia da unidade econmica.

    Tal estratgia aparece pela primeira vez lanada em propostas elaboradas no mbito da Unio Europeia nos anos 80, no quadro da harmonizao dos direitos europeus e quanto aos problemas da responsabilidade da empresa multinacional, com base, no no dogma da autonomia das sociedades, mas na realidade do controle societrio. Ou seja, de acordo com o princpio fundamental segundo o qual a cpula da empresa multinacional deve ser responsabilizada por todo o passivo das filiais que esto integradas no seu primo, pela simples, mas decisiva razo, de que a primeira controla a vida, o governo, a administrao e a gesto empresarial das ltimas, formando assim uma empresa economicamente unitria.

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    Portanto, a grande diferena essa, ao passo que concesso tradicional assente no dogma da autonomia societria sustenta uma aplicao rgida, digamos, do sacrossanto princpio da responsabilidade limitada dos acionistas, esta nova estratgia, arrancando do pressuposto oposto, isto , no fundo, da realidade, do controle societrio, advoga o regime jurdico de responsabilidade ilimitada da sociedade-me.

    No obstante o contributo que ela trouxe ao debate cientfico, sobretudo o abano que deu ao imobilismo da perspectiva clssica, exige, na verdade, reconhecer que esta estratgia regulatria tambm no parece poder aspirar a ser a soluo para o nosso problema. Desde logo, por estranho que isso possa parecer, porque uma soluo que tambm padece dos mesmos vcios de insegurana e de inconsistncia jurdica que caracterizam a soluo tradicional. , desde logo, uma soluo insegura, porque assente num conceito que est mal definido, o conceito de controle. O que significa um conceito cujo contedo ainda permanece vago. Isso acabaria por expor as empresas multinacionais ao risco de se verem permanentemente envolvidas em aes judiciais de responsabilidade por passivos das suas filiais, cujo resultado final acabaria por pender, em grande medida, das prprias idiossincrasias da construo jurisprudencial do conceito de controle.

    soluo tambm inconsistente. Por qu? Porque se trata de estratgia que impe indiscriminadamente uma soluo uniforme para todo tipo de empresas multinacionais. O que quer dizer que ela uma soluo a qual iria penalizar individualmente as empresas multinacionais altamente descentralizadas, nas quais o poder de controle, exercido pela cpula sobre as fil