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Literatura, Sociedade e Política A relação da arte com os aspectos políticos da história do Brasil

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Literatura,Sociedade e Política

A relação da arte com os aspectos políticos da história do Brasil

Uma sociologia da literatura toma por objeto de estudo o fato literáriocomo fato social (ESCARPIT, 1958). Analisa a literatura como fenômenosocial. E é naturalmente neste aspecto que podemos analisar como aLiteratura ocupou-se da política em incontáveis momentos, não apenasjornalisticamente descrevendo e repercutindo os fatos políticos comocriando ficções sensacionais, por vezes baseadas no cenário político quevivenciavam seus escritores, alguns com caráter de protesto ou resistência,como, por exemplo, todos os livros que têm como pano de fundo os golpesmilitares na América do Sul ao longo do século XX.

Embora o nosso objeto de estudo aqui não seja especificamenteuma Sociologia da Literatura e sim procurar entender como a Literaturaocupou-se intensamente das relações políticas e sociais ao longo dahistória é inegável como um ponto de vista se aproxima do outro.Sobretudo se entendermos, sem esgotar as perspectivas que um estudosociológico literário aborda, como este procura “relacionar o conjunto deuma literatura, um período, um gênero, com as condições sociais”(ANTONIO CÂNDIDO) ou ainda como um estudo “que investiga a funçãopolítica das obras e dos autores, em geral com intuito ideológico marcado”

site: www.portalconscienciapolitica.com.br/literatura-e-politica/

Literatura e Sociologia

Antonio Cândido de MelloSouza (1918), Rio de Janeiro.Está vivo.

Sob vários aspectos podemos pensar a literatura como um“instrumento” da política, um instrumento que utiliza os meios decomunicação para produzir resultados políticos e sociais. Muitosescritores tiveram suas obras censuradas por terem sido usadas comoinstrumento de denúncia política e em épocas de proibição daliberdade de expressão, o artifício literário pode ser usado parapropagar certas mensagens e chamar os indivíduos à luta. Se, contudo, aliteratura é uma forma plausível de representação do real, esta sedistingue da política pelo seu discurso e pela forma de abordagem ecompreensão da realidade social e histórica. Na literatura a realidade écriada ou recriada, inventada ou reinventada, imaginada, fantasiada,através de metáforas, alegorias, linguagem simbólica mas nem por isso aliteratura, neste caso, deixa de contribuir para desvendar aspectos dasrelações sociais e de poder. Por meio da literatura somos levados a nosrelacionar imaginariamente com a realidade histórica. Entretanto,enquanto a política ocupa-se do real, a “literatura política” ocupa-secom o possível.

Site: www.portalconscienciapolitica.com.br/literatura-e-politica/

Literatura e Política

Gregório de Matos Guerra

A Bahia, a cana-de-açúcar e a escravidão/racismo À cidade da Bahia

Triste Bahia! Oh quão dessemelhanteEstás, e estou do nosso antigo estado!Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,Rica te vejo eu já, tu a mi abundante.

A ti tocou-te a máquina mercante,Que em tua larga barra tem entrado,A mim foi-me trocando, e tem trocadoTanto negócio, e tanto negociante.

Deste em dar tanto açúcar excelentePelas drogas inúteis, que abelhudaSimples aceitas do sagaz Brichote.

Oh se quisera Deus, que de repenteUm dia amanheceras tão sisudaQue fora de algodão o teu capote!

Epílogos

Que falta nesta cidade?... Verdade.Que mais por sua desonra?... Honra.Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha.O demo a viver se exponha,Por mais que a fama a exalta,Numa cidade onde faltaVerdade, honra, vergonha.

Quais são seus doces objetos?... Pretos.Tem outros bens mais maciços?... Mestiços.Quais destes lhe são mais gratos?... Mulatos.

O açúcar já acabou?... Baixou.E o dinheiro se extinguiu?... Subiu.Logo já convalesceu?... Morreu.À Bahia aconteceuO que a um doente acontece:Cai na cama, e o mal cresce,Baixou, subiu, morreu.

Pretende, Doroteu, o nosso chefeMostrar um grande zelo nas cobrançasDo imenso cabedal que todo o povoAos cofres do monarca está devendo.Envia bons soldados às comarcas,E manda-lhes que cobrem, ou que metam,A quantos não pagarem, nas cadeias.Não quero, Doroteu, lembrar-me agoraDas leis do nosso augusto; estou cansadoDe confrontar os fatos deste chefeCom as disposições do são direito;Por isso pintarei, prezado amigo,Somente a confusão e a grã desordemEm que a todos nos pôs tão nova idéia.

Entraram nas comarcas os soldados,E entraram a gemer os tristes povos.Uns tiram os brinquinhos das orelhasDas filhas e mulheres; outros vendemAs escravas, já velhas, que os criaram,Por menos duas partes de seu preço.Aquele que não tem cativo ou jóia,Satisfaz com papéis, e o soldadinhoEstas dívidas cobra, mais violentoDo que cobra a justiça uma parcelaQue tem executivo aparelhado,Por sábia ordenação do nosso reino(…).

Tomás Antônio Gonzaga

Minas Gerais, a Inconfidência e a Liberdade

Conjuração Mineira, movimento denatureza separatista, ocorrido naentão capitania de Minas Gerais, noEstado do Brasil, contra a Lei daDerrama e o domínio português,sendo abortada pela Coroaportuguesa em 1789.

Proclamando-se “monarquista sincero”, José de Alencarsustentava que o Brasil nasceu para a independência soba forma monárquica, sendo dever de todos os brasileirosmanter sua forma em sua pureza e integridade, que aMonarquia é, não só uma necessidade para este País,como uma questão de honra e de pundonor nacional eque:

O Brasil comprometeu-se a dar à América omesmo exemplo que deu a Inglaterra à Europa.Nós, os brasileiros, devemos provar ao mundoque sabemos ser um povo livre e que um Rei,essa entidade que espantava o povo romano,bem longe de ser um obstáculo para nossafelicidade, é, ao contrário, um instrumento danossa liberdade. (José de Alencar)

José de Alencar

O nacionalismo, a monarquia e o indianismo

A ESCRAVIDÃO levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido aoutras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por seligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro aopé; havia também a máscara de folha-deflandres. A máscara faziaperder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinhasó três buracos, dous para ver, um para respirar, e era fechada atrás dacabeça por um cadeado. Com o vício de beber. perdiam a tentação defurtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravamcom que matar a sede, e aí ficavam dous pecados extintos, e asobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas aordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, ealguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, naporta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai umacoleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, atéao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente,mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde querque andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.

ASSIS, Machado. Trecho do conto Pai contra Mãe.

Machado de Assis

O realismo, a denúncia e a escravidão

1839-1908, Rio de Janeiro.

Canudos não se rendeu.

Fechemos este livro.

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao

esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do

termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos

defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens

feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil

soldados.

Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem

poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente

emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos.

Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma

perspectiva maior, a vertigem...

Ademais, não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores

em que se amostrassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios

lares, abraçadas aos filhos pequeninos...

E de que modo comentaríamos, com a só fragilidade da palavra humana, o

fato singular de não aparecerem mais, desde a manhã do dia três, os

prisioneiros válidos colhidos na véspera, e entre eles aquele Antônio Beatinho,

que se nos entregara, confiante — e a quem devemos preciosos

esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa História?

Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as

casas, cinco mil e duzentos, cuidadosamente contadas.

CUNHA, Euclides. Fragmento da obra Os Sertões.

Euclides da Cunha

A chacina de Canudos

Governo Prudente de Morais(1894-1898):

• o paulista Prudente de Moraisfoi o primeiro civil a assumir apresidência da República.

• Em seu governo ocorreu um dosmais célebres episódiosmilitares da história do país: aGuerra de Canudos (1897).

• Por agir com cautela em relaçãoao arraial de AntônioConselheiro, acabou sendoapelidado de "PrudenteDemais" por seus opositores.

• Neste conto, Lobato adere à campanha dopetróleo e da Petrobrás, sem, no entanto, terqualquer tipo de empatia ao governo GetúlioVargas.

• Na história, a turma do sítio encontrapetróleo em suas terras e se vê ameaçadapor forasteiros (metáfora dos paísesestrangeiros que desejavam tomar a riquezanatural descoberta no Brasil)

• Lobato defendia o positivismo Ordem eProgresso e a arte da Belle Epoque(conservadora e alienada)

Monteiro Lobato

Reacionarismo, nacionalismo e o Petróleo

Hoje você é quem mandaFalou, tá faladoNão tem discussãoA minha gente hoje andaFalando de ladoE olhando pro chão, viuVocê que inventou esse estadoE inventou de inventarToda a escuridãoVocê que inventou o pecadoEsqueceu-se de inventarO perdão

Apesar de vocêAmanhã há de serOutro diaEu pergunto a vocêOnde vai se esconderDa enorme euforiaComo vai proibirQuando o galo insistirEm cantarÁgua nova brotandoE a gente se amandoSem parar

Apesar de vocêAmanhã há de serOutro diaVocê vai ter que verA manhã renascerE esbanjar poesiaComo vai se explicarVendo o céu clarearDe repente, impunementeComo vai abafarNosso coro a cantarNa sua frente

Apesar de vocêAmanhã há de serOutro diaVocê vai se dar malEtc. e tal

Apesar de Você, 1970.

Quando chegar o momentoEsse meu sofrimentoVou cobrar com juros, juroTodo esse amor reprimidoEsse grito contidoEste samba no escuroVocê que inventou a tristezaOra, tenha a finezaDe desinventarVocê vai pagar e é dobradoCada lágrima roladaNesse meu penar

Apesar de vocêAmanhã há de serOutro diaInda pago pra verO jardim florescerQual você não queriaVocê vai se amargarVendo o dia raiarSem lhe pedir licençaE eu vou morrer de rirQue esse dia há de virAntes do que você pensa

Chico Buarque

A ditadura e a

sociedade reacionária

Momento crítico

Hegemonia política - DIREITA

Militares, parte dominante da Igreja e grandeparte da sociedade burguesa conservadora e aTV GLOBO (que se manteve ignóbil durante operíodo, tendo, inclusive, sua concessãoadquirida de forma muito duvidosa).

Hegemonia cultural - ESQUERDA

Grupos ligados à produção ideológica: estudantes,jornalistas, artistas, que crescem com o apoio dasmassas.Todos os Partidos de esquerda foram caçados edestituídos. O povo, nas ruas, dizia: Comunismonão. Democracia sim.

SINTO QUE O MÊS PRESENTE ME ASSASSINA

Sinto que o mês presente me assassina, As aves atuais nasceram mudasE o tempo na verdade tem domíniosobre homens nus ao sul das luas curvas. Sinto que o mês presente me assassina, Corro despido atrás de um cristo preso, Cavalheiro gentil que me abominaE atrai-me ao despudor da luz esquerda Ao beco de agonia onde me espreita A morte espacial que me ilumina.Sinto que o mês presente me assassina E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas De apóstolos marujos que me arrastam Ao longo da corrente onde blasfemas Gaivotas provam peixes de milagre. Sinto que o mês presente me assassina, Há luto nas rosáceas desta aurora,Há sinos de ironia em cada hora (Na libra escorpiões pesam-me a sina) Há panos de imprimir a dura face À força de suor, de sangue e chaga.

Sinto que o mês presente me assassina, Os derradeiros astros nascem tortos E o tempo na verdade tem domínio Sobre o morto que enterra os próprios mortos. O tempo na verdade tem domínioAmen, amen vos digo, tem domínioE ri do que desfere verbos, dardosDe falso eterno que retornam paraAssassinar-nos num mês assassino.

Mário Faustino

Estado Novo e ditadura Vargas

1930-1962. Morreu vítimade um acidente de aviãono Peru. Foi francoopositor à ditadura Vargas,denunciou perseguições etorturas.

INTEGRANTES DO GRUPO TEATRO EM GREVE CONTRA A CENSURA PROTESTAM NO RIO DE JANEIRO EM FEVEREIRO DE 1968.

A líder estudantil CatarinaMeloni mais tardeescreveria o livro 1968: otempo das escolhas

Fiz essa pequena introdução para chegar ao nosso presidente.Quando começou o jogo de candidaturas, disse eu: "Ganha esse, pelonome e pela cara". Não é impunemente que um homem se chamaEmílio Garrastazu Médici. Tiremos o Emílio e fica Garrastazu. Tiremoso Garrastazu e ficará o Médici. Bem sei que essa meditação sobre onome pode parecer arbitrária e até delirante. Não importa, nadaimporta. Depois vi a sua fotografia. Repeti, na redação, para todo omundo ouvir: "É esse o presidente". Ora, numa redação há sempreuns três ou quatro sarcásticos. Um deles perguntou: "Só pelo nome?".Respondi: "Pelo nome e pela cara".

Outra singularidade do chefe da nação: gosta de futebol e sabeviver, como o mais obscuro, o mais anónimo torcedor, todas asperipécias dos clássicos e das peladas. Isso é raro, ou melhor dizendo,isso é inédito na história dos presidentes brasileiros. Imaginem umDelfim Moreira, ou um Rodrigues Alves, ou um Wenceslau Brásentrando no estádio Mario Filho. Qualquer um dessesperguntaria: "Em que time joga o Fla-Flu?", "Quem é a bola?" ou "Ocorner já chegou?".

O nosso presidente sabe tudo de futebol. Eu diria que hoje nenhumbrasileiro será estadista se lhe faltar a sensibilidade para o futebol.

RODRIGUES, Nelson. Trecho de uma crônica escrita para o jornal O Globo.

Nelson Rodrigues

Reacionarismo, ditadura e

Médici

• Fortemente moralista, eraassumidamente reacionário,apoiador da Era Vargas e daditadura e admiradorincondicional de Médici

• Anticomunista: propagou a ideiado mal do comunismo no Brasil

• Ironicamente, seu filho, Nelsinho,tornou-se guerrilheiro e viveu naclandestinidade durante a décadade 1970

• Trabalhou no jornal O Globo