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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO PEDAGÓGICO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ANDRESSA DIAS KOEHLER LITERATURA E IMAGINAÇÃO EM ESPAÇOS/TEMPOS ESCOLARES: O ENSINO E A APRENDIZAGEM DE LITERATURA EM QUESTÃO VITÓRIA 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO PEDAGÓGICO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ANDRESSA DIAS KOEHLER

LITERATURA E IMAGINAÇÃO EM ESPAÇOS/TEMPOS ESCOLARES: O

ENSINO E A APRENDIZAGEM DE LITERATURA EM QUESTÃO

VITÓRIA 2008

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ANDRESSA DIAS KOEHLER

LITERATURA E IMAGINAÇÃO EM ESPAÇOS/TEMPOS ESCOLARES: O ENSINO E A

APRENDIZEM DE LITERATURA EM QUESTÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Pedagógico da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa em Cultura, Curriculo e Formação de Professores. Orientadora: Profª. Drª. Regina Helena Silva Simões.

VITÓRIA 2008

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LITERATURA E IMAGINAÇÃO EM ESPAÇOS/TEMPOS ESCOLARES: O ENSINO E A

APRENDIZEM DE LITERATURA EM QUESTÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Pedagógico da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação na linha de pesquisa em Cultura, Currículo e Formação de Professores.

Aprovada em 18 de abril de 2008.

COMISSÃO EXAMINADORA

____________________________________________ Profª. Drª. Regina Helena Silva Simões Orientadora

____________________________________________ Profª. Drª. Janete Carvalho Magalhães

____________________________________________ Profª. Drª. Francisca Izabel Pereira Macial

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por me conduzir a mais esta vitória, dentre tantas que se passaram e outras que

estão por vir.

Aos meus pais, pelo amor incondicional, pelo apoio e pela paciência em meus momentos

de ausência e de pouca atenção.

A Regina, que orientou este trabalho e me transmitiu, com sua calma e segurança, o

equilibrio necessário para os momentos tensos e decisivos.

Ao Harley, pelo apoio na parte de informática. A ele e aos demais irmãos pela

preocupação, pelo carinho e paciência nos momentos de pouca atenção.

Aos amigos: Leide, pela ajuda nos momentos de sufoco deste trabalho. A Ana Paula,

Joelma, Georges, Christiano, Creuza, Fábio, Juliana, dentre tantos outros por

permaneceram amigos e companheiros neste período, compreendendo minhas

limitações, minha correria e minha falta de atenção.

A Mara e a Quézia, que com boa vontade abriram as portas para que esta pesquisa fosse

realizada.

A FAPES, que financiou parte deste trabalho.

A Fabiana, que auxiliou na impressão e na entrega do trabalho à banca.

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Acredito que mais forte que a sabedoria, é a imaginação. Que mais potente que a história, é o mito. Que a esperança sempre triunfa sobre a experiência. Que a única cura para a dor é o sorriso. Que mais poderosos que a realidade, são os sonhos.

Robert L. Fulghum

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RESUMO

Esta dissertação de Mestrado analisa em que medida as aulas de Literatura ministradas a

um grupo de alunos de uma escola estadual do município da Serra, estado do Espírito

Santo, potencializam expectativas geralmente associadas à experiência literária.

Expectativas que, segundo alguns autores, estão ligadas um poder humanizador, no

sentido de instigar o prazer pela prática de leitura, liberar a imaginação do leitor, levá-lo a

vivenciar experiências estéticas, a conhecer diferentes culturas em seus aspectos

históricos e sociais, a dialogar com diferentes textos e linguagens, bem como a trabalhar

a subjetividade, a capacidade de fruição e interpretação de textos. Ciente dessas

acepções, este trabalho investiga ainda que outros usos e sentidos têm sido atribuídos à

literatura, por parte da escola e dos alunos. Procura, além disso, compreender a relação

dos estudantes com a biblioteca disponível, e o trabalho do educador no sentido de

aproximá-los desse ambiente. Autores diversos — teóricos da Linguagem, da Literatura,

da Educação, da Psicologia, da História, dentre outros — me auxiliaram a planejar,

arquitetar e construir este trabalho. Desses, pode-se citar Antônio Cândido, Vygotsky,

Boaventura, Bakhtin, Ginzburg, Alfredo Bosi e outros autores. Dentre os recursos

metodológicos de coleta e análise de dados estão: observações nos diversos ambientes

da escola, como sala de aula, biblioteca, pátio; entrevistas com alunos, professora e

pedagoga; referencial teórioco; minhas reflexões como professora de Língua Portuguesa

e pesquisadora. Compreendi que o discurso em torno do ‘poder’ da Literatura é, sem

dúvida, encantador e instigante; todavia, o encontro entre leitor e texto literário, nas aulas

de Literatura, nem sempre se dá numa dimensão tão harmoniosa e fantástica, vis-à-vis a

racionalidade cognitivo-instrumental que impera no ambiente escolar ao se tratar a

Literatura num mesmo plano de outras áreas do conhecimento que, por vezes, se utilizam

de métodos de distanciação e conceitos frios, priorizando mecanismos de regulação aos

de emancipação. Contudo, observei que o bom encontro com a Literatura acontece, sim,

por diversas vias, seja pelos amigos, pela família ou pelas aulas de Literatura. Este último,

como sugere esta pesquisa, apresenta lacunas na formação de leitores de obras

literárias, mas constitui-se, ainda, em um espaço/tempo propício para promover o

encontro e a dialogicidade entre leitores e obras literárias.

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Palavras-Chaves: Literatura; Ensino de Literatura; formação e prática de professores.

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ABSTRACT

This master degree dissertation examines in which dimension the classes of Literature

administered to a group of students from a public school of Serra, city of Espírito Santo

state - Brazil, leverage expectations generally associated with the literary experience.

Expectations that are, according to some authors, linked a humanizing power to instigate

the pleasure for the practice of reading, to liberate the imagination of the reader and leave

himself to feel aesthetic experience, to know different cultures in their historical and social

aspects, to dialogue with different texts and languages, as well as to work the subjectivity,

the ability to enjoyment and interpretation of texts. Aware of these senses, this study

investigates even though other uses and meanings have been attributed to the literature

by the school and students. It pursues, in addition, to understand the relationship of

students with the library available and the work of the educator to bring them closer to that

environment. Different authors - language, literature, education, psychology and history

theoretical among others - helped me to plan, organize and build this research. Of these

authors, we can mention Antonio Cândido, Vygotsky, Boaventura, Bakhtin, Ginzburg,

Alfredo Bosi and other. Among the methodology resources of collection and analysis of

data are observations in the different environments of the school as the classroom, library,

patio; interviews with students, teacher and pedagogue; referential theoretic; my thoughts

as a teacher of Portuguese Language and researcher. I understood that the speech about

the “power” of literature is, undoubtedly, charming and instigating, however the meeting

between reader and literary text, in the lessons of literature, not always happens in a

harmonious and wonderful dimension, vis-a-vis the cognitive-instrumental rationality that

rules in the school environment when it is treated about literature in the same plan for

other areas of knowledge that sometimes use of concepts and methods of detachment

and cold concepts, focusing on mechanisms of regulation over the emancipation.

However, I noticed that the successful meeting with the literature happens by several

ways, either by friends, family or by the lessons of literature. This last point, as this

research suggests, presents gaps in the training of literary book readers, but it is

constituted, still, in a space / time conducive to promoting the meeting and dialogue

between readers and literary books.

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Keywords: Literature; Literature Teaching; Training and Practice of Teachers.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Informantes para livros de literatura (alunos)........................... 75

Gráfico 2 – Informantes para livros de Literatura (professores).................. 76

Gráfico 3 – O que mais dificulta a leitura de textos literários hoje?.............79

Gráfico 4 – O hábito de leitura dos pais dos alunos................................... 81

Gráfico 5 – As preferências de leituras dos pais dos alunos...................... 82

Gráfico 6 – (Ao aluno) Você gosta de ler?.................................................. 83

Gráfico 7 – O que os alunos costumam ler?............................................... 84

Gráfico 8 – A opinião dos alunos sobre a linguagem dos textos literários.. 85

Gráfico 9 – Fonte de pesquisa para preparar o seminário de literatura..... 87

Gráfico 10 – Empréstimo de livros: Homens X Mulheres........................... 94

Gráfico 11 – Autores que mais “circularam” entre os alunos no ano de

2007............................................................................................................ 95

Gráfico 12 – (Alunos) As aulas de literatura contribuíram para incentivar a sua

prática de leitura? ............................................................................ 96

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SUMÁRIO

1 INICIANDO UM PERCURSO ................................................................................13

2 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA, OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA DA PESQUISA

....................................................................................................................................20

3 METODOLOGIA ................................................................................................... 25

4 ENSINO DE LITERATURA NO BRASIL ..............................................................29

5 APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS............................................................34

5.1 CONCEITO DE LITERATURA ...........................................................................40

5.2 IMAGINAÇÃO E ATIVIDADE CRIADORA NA PERSPECTIVA DO PENSAMENTO DE

VIGOTSKY ............................................................................................................... 44

5.3 PENSANDO A LITERATURA NA PERSPECTIVA DA RACIONALIDADE ESTÉTICO-

EXPRESSIVA ....................................................................................................48

5.4 LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO: CULTURA POPULAR E CULTURA ERUDITA

................................................................................................................................... 50

5.5 POR QUE LER LITERATURA? .......................................................................... 55

6 O ENSINO DE LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR .................................57

6.1 SOBRE A ESCOLA .............................................................................................61

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6.2 FRAGMENTOS DAS OBSERVAÇÕES EM SALA DE AULA .............................63

6.2.1 O que dizem os estudantes ..............................................................................71

6.3 O PROGRAMA E O LIVRO DIDÁTICO ..............................................................87

6.4 VISITANDO A BIBLIOTECA ESCOLAR ............................................................ 91

6.5 CONVERSAS COM A PROFESSORA ...............................................................99

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................103

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................. .....................................113

9 APÊNDICES ........................................................................................................119

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1 INICIANDO UM PERCURSO

Percorrer o trajeto descrito ao longo deste trabalho foi uma tarefa desafiadora e por vezes

árdua. A transcrição verbal de todo o processo e a articulação de teorias, observações e

análises, todavia, me custaram tamanha dedicação, que considerei a etapa mais

trabalhosa do processo. A precisão dos dados, o peso e o valor de cada palavra é que

delineariam aos leitores os detalhes da construção. Ciente de que pequenas falhas na

engenhosidade de um projeto podem abalar a estabilidade da obra, e tendo em vista o

pouco tempo disponível para a conclusão do trabalho, preocupei-me em ser precisa e

objetiva em alguns pontos.

Pensei em como iniciar este texto e resolvi citar uma frase que me chamou atenção certo

dia, do poeta Paulo Leminski: “a maldição de pensar fez suas vítimas: em minha geração,

vi muitos poetas se transformarem em críticos, teóricos, professores de literatura...”. A

afirmação me inquietou. Maldição? Benção? A premissa de que ser professor de

literatura, crítico ou teórico, seriam tarefas amaldiçoadas, explicita, a meu ver, um

discurso de desvalorização deste grupo de pessoas que, em determinados momentos,

precisam substituir a arte de poetizar e de sonhar, para refletirem sobre essas artes,

analisá-las, quantificá-las, teorizá-las. E, apesar da responsabilidade e do desafio de

fazer o presente trabalho, acredito ser uma benção a complexa tarefa de refletir,

pesquisar e escrever sobre a temática em questão – o ensino de literatura - , levando em

consideração que a literatura não é outra coisa além de um sonho dirigido, como afirmou

Jorge Luis Borges. Logo, teria o sonho, mesmo que dirigido, uma áurea de fantasia,

imaginação, fuga; uma racionalidade estético-expressiva, como afirma SANTOS (2002),

abstraída da arte e da literatura.

Penso que o melhor do sonho é sonhá-lo, por vezes lembrá-lo e contá-lo, todavia a tarefa

de analisá-lo carece de um certo tipo de racionalidade que prescinde, em grande parte, da

dimensão onírica e reside em um espaço/tempo menos aprazível de se habitar, porém,

necessário. Necessário porque, além de vivermos em uma geração que nega para muitos

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o direito de sonhar e realizar os sonhos, vivemos em uma época também em que a tarefa

de pensar por vezes tem ficado em segundo plano, dando lugar a imitação de modelos

prontos apresentados com freqüência pela mídia. Embora isso seja um fato vivido por nós

nos dias de hoje, ainda me surpreendi ao ler uma charge recentemente que ironizava a

figura d’O Pensador, escultura de Auguste Rodin, que retrata um homem sentado em

estado de profunda meditação, com uma outra figura semelhante, mas com controle

remoto na mão e renomeado “O Clicador”, fazendo alusão à posição cômoda de homens

e mulheres que passam tantas horas de seus dias à frente da tevê e se limitam a

absorver diariamente os modelos, caricaturas e opiniões publicadas pela mídia. Refletindo

sobre isso e sobre o fato de muitas vezes deixarmos em segundo plano os sonhos e o

prazer da ficção, e relacionando à minha posição de pesquisadora, questionei-me

também se seria possível conciliar minhas leituras literárias às leituras “técnicas”

necessárias para confeccionar este tecido na qualidade, na textura, na maciez e na cor

desejada...

“Vais encontrar o mundo. Coragem para a luta”. Disse o pai do personagem Sérgio, ao

deixá-lo à porta do colégio “Ateneu”, em O Ateneu, de Raul Pompéia. Senti-me dessa

forma ao iniciar esse momento de busca, que depois percebi, já havia se iniciado há

alguns anos. Entretanto, como o personagem Sérgio, “bastante experimentei depois a

verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada

exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico...”. Talvez porque

eu esperasse, no fundo, encontrar apenas a repetição do que já conhecia há alguns anos

em minha prática como professora e como aluna, o que não ocorreu de fato, tendo em

vista algumas descobertas interessantes que vivenciei ao longo da produção deste

trabalho. No início desta trajetória, após ler algumas teorias sobre o ‘poder’ humanizador

da Literatura, reforcei a minha a concepção ‘romântica’ sobre a arte literária. Meus

primeiros escritos revelavam-me uma pessoa que via na Literatura uma força tamanha

capaz de mudar a realidade e a visão de mundo de muitas pessoas. Mas, na medida em

que observei as relações dos sujeitos desta pesquisa com a leitura, passei a me

questionar sobre o poder atribuído à arte literária e a forma como isso se concretizava na

vida dos estudantes. Percebi que algumas de minhas hipóteses deveriam ser repensadas

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e que seria necessário ‘quebrar’ um pouco do encantamento inicial para entrar nesta

pesquisa menos influenciada por minhas idéias hipotéticas.

Em relação a minha história de leitura, o seu marco inicial foi durante a infância com livros

de fábulas e apólogos, revistas em quadrinho da Turma da Mônica dentre outras. De

forma geral, incentivadas pela família. Uma escola, especificamente, me possibilitou viver

experiências, na adolescência, que considero inesquecíveis e parte fundamental na

constituição de minha vida como leitora e professora de Língua Portuguesa. Em um

cenário sem incrementos, nas salas com poucas carteiras, com o velho quadro de giz, a

biblioteca pequena, a sala de vídeo sem cadeiras e o pátio sem quadra de esportes,

apaixonei-me pela leitura e pela escrita, mesmo com a pouca quantidade de livros na

biblioteca. Lembro-me de duas feiras de leitura promovidas pela escola: a primeira

quando estudava a quarta-série (em 1988), com 10 anos de idade, quando escrevi um

livro chamado “O ninguém que virou alguém” – sobre um menino de origem humilde que

com muito esforço e trabalho alcança sucesso na vida e ajuda financeiramente sua

família; a segunda, na sétima série (1991), com meus 13 anos, quando escrevi “Laços do

destino”, um romance entre uma mulher negra e um homem branco, vivenciado na África

no período do “Apartheid” – para esse busquei inspiração nas aulas de história, que

enfatizavam a questão do racismo. Tanto o primeiro quanto o segundo livros foram

baseados no tipo de leitura que eu fazia e no tipo de filmes que assistia: a figura do herói

– moço de boa índole - era sempre importante, bem como a vitória do bem sobre o mal, a

realização dos amores impossíveis e o desfecho feliz para as histórias. Considerava

importante também a presença de ilustrações nos livros, por isso cada capítulo era

introduzido com uma figura, como eram os livros da série Vagalume lidos por mim (Açúcar

amargo, Os barcos de papel, O mistério do cinco estrelas, O escaravelho do diabo, dentre

outros) na época. Essas obras foram importantes, quase determinantes, para despertar

em mim o gosto pela leitura e pela escrita. As feiras, os teatros e as comemorações da

escola me instigavam a ler e a escrever, já que sempre ficava encarregada de preparar

apresentações para os eventos. Nesse período, a leitura significava para mim um lazer,

um meio que me transportava para outros mundos, que me fazia sonhar, identificar-me

com personagens, refletir, emocionar-me e, também, apropriar-me da leitura como forma

de melhorar a escrita, pois tinha interesse por aprender novas palavras e desenvolver a

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criatividade para escrever. Esse interesse me levou a escrever e a publicar textos no

jornal infantil A Gazetinha, dos nove até os treze anos de idade. Em seguida, tive o

contato com romances como Iracema, Lucíola, O Primo Basílio, Memórias Póstumas de

Brás Cubas, dentre outros que me permitiam refletir sobre questões de ordem pessoal

que não dividia com pessoas próximas, talvez pela minha personalidade, na época, mais

observadora e de poucas palavras. Buscava assim, nos livros, o diálogo que não

praticava em família, bem como os exemplos de personagens que passavam por

vivências semelhantes às minhas e, muitas vezes, resolviam suas questões de formas

surpreendentes.

O acesso aos livros dentro de casa, sem dúvida, foi um fator importante para o início da

minha prática de leitura. Quanto aos meus pais, apesar da pouca instrução que têm

(apenas as séries primárias), herdei deles o hábito de ler diariamente o jornal. A maioria

das experiências de leitura ocorreu dentro de casa, mas a escola teve um papel

importante ao proporcionar momentos que me permitiram dividir minhas experiências de

leitura com colegas, durante a apresentação de trabalhos, a ilustração de histórias, a

escrita e a encenação de peças de teatro, bem como a escrita de livros e poemas.

Alguns anos depois, durante minha graduação no curso de Letras Português, vivenciei

experiências como docente em instituições de ensino públicas e privadas da Grande

Vitória. Nas primeiras, onde iniciei minha carreira no magistério, tive meus momentos de

epifania, quando percebi que a precariedade (em alguns casos a ausência) de bibliotecas,

a carga horária excessiva, o baixo salário e as turmas numerosas constituíam-se em um

grande “desafio” para desenvolver nos alunos o interesse e o gosto pela leitura literária.

Na rede privada, onde dispunha do material necessário para realizar um bom trabalho,

percebi também que esses recursos não eram suficientes, pois o currículo inflexível e

conteudista, voltado especificamente para o preparo de futuros vestibulandos,

configurava-se em um outro obstáculo para as aulas de Literatura.

Outra experiência que me levou a pesquisar o assunto foram as experiências vividas em

aulas de Literatura durante a graduação do curso de Letras. Nesse período posso dizer

que tive um “bom encontro” com o universo da ficção, por meio de algumas obras e

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autores, apresentados por professores que marcaram minha vida acadêmica. Posso

afirmar que a atuação desses profissionais foi essencial para despertar o meu interesse

pela Literatura. Um fato marcante foram os estágios realizados no último período do

Curso, pois proporcionaram a mim e aos demais estudantes da turma a possibilidade de

desenvolver um projeto na área de Literatura em algumas escolas da Grande Vitória.

Nesse período, eu atuava como professora das turmas que receberam os estagiários.

Pude acompanhar o desenvolvimento dos meus alunos após as aulas em que

participaram com os estagiários, e percebi o quanto se desenvolveram em relação às

práticas literárias; os livros de literatura passaram a circular com mais freqüência dentre

os alunos, pelo colégio; a maioria adquirida por meio de empréstimo de amigos ou

compra, já que a biblioteca da escola estava desativada naquele ano (2005) por motivo de

reforma. Observei também a forma como os estudantes se apropriaram do termo

“concretismo” – assunto trabalhado nas aulas de literatura do estágio – para caracterizar

objetos cuja beleza estética consistia na sua forma irregular, diferente dos padrões

convencionais. Na época, era comum entre os alunos a idéia de que todos os poemas

tinham rimas e versos regulares. O contato com outras formas causou estranhamento e

os levou a perceber que o “belo” pode ser encontrado inclusive nas formas irregulares,

nos espaços e nas palavras não ditas no poema. Os próprios estudantes chegaram a

comentar que o poema concreto representaria melhor as suas vidas do que um poema

parnasiano cuja estrutura é formal, com rimas e versos uniformes.

Enfim, retomando a conversa interrompida anteriormente, questionei-me se seria possível

conciliar as leituras literárias com as leituras técnicas, obrigatórias e necessárias para a

produção deste trabalho. Ao longo da trajetória, vi que conciliar seria um ato necessário,

confesso, porém, que gostaria que tê-lo feito com mais eficiência. O pouco tempo

disponível para a conclusão da pesquisa tornou indispensável selecionar dentre os fios

aqueles que garantiriam a confecção do tecido, talvez menos macio, com menor brilho e

cor que gostaria, mas que tornariam possível alinhavar as idéias e pô-las em ponto de

prova.

Ainda que sem a “maciez” desejada, o produto representa para mim uma benção, jamais

maldição, pois a Literatura, lida, refletida ou analisada, representa alimento para a alma,

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pois ela a nutre e a consola, nas palavras de Voltaire. Encontrei, sim, como o menino

Sérgio – de O Ateneu – um mundo, não novo, mas menos observado antes dessa

trajetória: um mundo de jovens leitores que encontram na leitura caminhos para lidar com

as dificuldades e desafios do mundo contemporâneo, adolescentes que não são apenas

“clicadores”, como rotulados rotineiramente, mas que pensam, sonham, imaginam e

buscam um mundo melhor para se viver. Isso porque vivemos em uma sociedade e uma

época marcada pela desigualdade social, pela fragilidade das relações humanas e pela

destruição do homem a sua própria espécie. Por conseguinte, uma humanidade carente

do canto, do encanto e da poesia. Não é por menos que o ser humano, em suas práticas,

demonstra ao longo dos séculos e em diferentes culturas, a necessidade de expressar-se

das mais diversas formas e interpenetrar-se no universo lúdico e fabulado. Procura assim

representar-se na arte e ver-se representado por ela. Temos como exemplo a gritante

audiência de filmes e telenovelas, bem como o interesse infantil por histórias em

quadrinhos e jogos (manuais, de rua ou internet), todos esses recursos situados nos

entremeios da realidade e da ficção, e importantes muitas vezes pelo simples prazer que

proporcionam. Reporto-me também àquelas pessoas que se aventuram em experimentos

artísticos sem um fim pragmático, como teatros e danças de rua, ou festas carnavalescas

(e muitas outras) com o intuito de divertir-se e entrar em contato com alguma espécie de

atividade capaz de arrebatar pessoas, mesmo que por alguns instantes, da tensão do

mundo moderno e conduzi-lo a uma dimensão onírica.

A atenção dada às práticas de ensino de Literatura, portanto, não se explica somente pelo

desejo de transformá-las, mas também por uma profunda paixão por essa arte surgida

ainda na minha infância.

Os questionamentos e a busca de soluções criativas para a formação de leitores levaram-

me a pensar numa pesquisa e num estudo que possibilitassem, a mim e à escola onde

realizei a pesquisa, repensar o papel da Literatura no ambiente escolar, bem como as

práticas historicamente utilizadas para se trabalhar o texto literário em sala de aula.

Este trabalho apresenta, então, os caminhos percorridos para a exploração do tema e

desenvolvimento da pesquisa e reflexões levantadas a partir dos dados coletados. O texto

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foi dividido em 9 (nove) capítulos: no primeiro capitulo, apresento as questões que

norteiam os ensino de Literatura e a formação de leitores; no segundo, delimito o

problema, esclareço os objetivos e a justificativa da pesquisa; no terceiro, explico a

metodologia de pesquisa utilizada; no quarto, relato um histórico do ensino de Literatura

no Brasil. No quinto, detalho o aporte teórico-metodológico que norteou os passos da

pesquisa; nesse capítulo faço referência aos conceitos de Literatura abordados por

Antônio Cândido e outros autores, ao conceito de Imaginação e Atividade Criadora, de

Vigotsky, à ótica da racionalidade estético-expressiva, segundo Boaventura Santos, à

circularidade cultural – cultura popular e cultura erudita – segundo Bakhtin e Ginzburg e,

baseada nas teorias de Bosi e Fuentes, discuto sobre a importância de se ler Literatura.

No sexto, descrevo e analiso as informações colhidas durante a pesquisa; no sétimo,

apresento as considerações finais; no oitavo listo as referências bibliográficas utilizadas;

no nono e último capítulo, exponho os apêndices.

É importante destacar foram utilizados nomes fictícios para designar os sujeitos e o local

desta pesquisa. O termo “professor” e “professora” foram utilizados, ora no sexo

masculino, ora no feminino.

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2 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA, OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA DA PESQUISA

Um dos objetivos deste trabalho é discutir o lugar ocupado pela literatura no ambiente

escolar, por ser este um dos poucos ambientes em que o acesso ao texto literário pode se

dar de forma mais abrangente.

O que pude observar, no decorrer de minha vida estudantil e profissional, em conversas

com professores e alunos, bem como em textos que abordam o trabalho de literatura nas

escolas, é que a escola tende a priorizar o didático em detrimento do lúdico durante as

aulas da disciplina, o que atribuiria à leitura uma função predominantemente conteudista.

Da mesma forma, ao enfatizar a leitura parafrásica e ignorar a leitura polissêmica, exclui-

se a participação do leitor no texto, privando-o de manifestar suas outras leituras. Ao

ensinar a leitura como um ato mecânico, o aluno, que aprende a ler na escola, perde ali

mesmo a assiduidade da leitura por falta de incentivo, de recursos e de informação sobre

a importância da obra literária. Lê com freqüência outras fontes, como jornais, revistas,

propagandas, anúncios, mas não lê (ou lê pouco de) literatura. Isso se deve, em parte, ao

fato de a escola operar basicamente com a função referencial da linguagem, centrada

sobre os referentes textuais, desprezando a função poética como capaz de contribuir ao

desenvolvimento lingüístico.

Existe, entretanto, segundo Perrotti (1990, p. 65), “a crença generalizada na possibilidade

de escola e biblioteca desempenharem um papel redentor para vencer a ‘crise da leitura’,

pois pelo seu caráter especializado, escola e biblioteca poderiam viabilizar o processo de

leitura e da formação do leitor, bem como disponibilizar o acesso aos textos literários e

incentivar o uso do livro. Nesse sentido, a biblioteca escolar, que funciona como local de

guarda e de acesso à literatura, organiza o espaço e o tempo da leitura, faz a seleção de

livros e determina rituais e socialização de leitura. Por sua vez, a leitura escolarizada é

sempre determinada e orientada por um professor e vem seguida de algum tipo de

avaliação. A leitura literária, que passa a ser um dever, incide, na maior parte, sobre

fragmentos enxertados nos livros didáticos e contempla o gênero narrativo e poemas.

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Consistem em fator agravante alguns discursos que circulam na sociedade. Frases do

tipo “o jovem não gosta de ler” ou “jovem hoje em dia só quer saber de televisão e

internet”1 são comuns de se ouvir, inclusive da parte de professores que enfrentam dia a

dia o desafio de formar leitores. Acrescenta-se a isso, a idéia de que a pouca leitura dos

estudantes está relacionada ao déficit de leitura por parte da família. É comum também a

idéia de que o problema é decorrente da dificuldade em se ter acesso aos textos literários

devido aos altos preços, ou, à falta de tempo – o fato de alguns estudantes trabalharem

impediria-os de se dedicarem à leitura. Soma-se a isso fatores como a escassez de

bibliotecas e o reduzido número de livrarias.

Paralelo a isso, é sabido que a maioria das provas de literatura dos vestibulares ainda

exige do estudante um conhecimento computadorizável. Levam em conta, geralmente, o

conhecimento mecânico das obras literárias, incluindo detalhes da vida dos personagens,

bem como as características e a história correspondente a cada período literário. Ao se

utilizar questões deste tipo, essa imagem da literatura tende, retroativamente, a modelar o

ensino que antecede ao ensino universitário. E é nesse cenário por vezes turbulento, em

meio ao extensivo rol de conteúdos, divididos entre tantas disciplinas, que o espaço lúdico

e fabular é, com freqüência, reduzido a uma categoria secundária e a literatura, então,

tratada como acessório das aulas de português para se trabalhar questões gramaticais ou

interpretações textuais objetivas. A figura do livro de literatura cede o seu lugar aos

resumos e aos fragmentos de textos dos livros didáticos, que tendem, em grande medida,

a perpetuar essa situação, ao priorizar determinados autores para estudos diacrônicos,

com base nos períodos literários, características, biografias, para supostamente oferecer

uma formação literária “útil”, aquela capaz de garantir boas notas nos vestibulares. Essas

práticas, por sua vez, tendem a privar o aluno de uma efetiva leitura do texto literário e do

exercício da imaginação e da criatividade, devido à preocupação de, em pouco tempo,

abranger a extensa produção literária do século XVI ao século XXI apenas em seu

aspecto conteudista (na medida em que propõem a leitura de resumos, lidos nos

fechados limites da historiografia literária e das biografias de seus autores).

1 Frases pronunciadas por professores e pais de alunos, em conversas informais sobre o assunto durante a pesquisa.

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É importante ressaltar ainda a resistência de alguns profissionais de língua portuguesa

em trabalhar com obras consideradas cânones, e substituir a leitura desses textos por

outros considerados menos “complexos” para o aluno. Em relação a isso, Alcir Pécora diz

que

o professor que despreza as leituras canônicas corre o risco de submergir, não propriamente na moda, mas no mundo subletrado das produções paradidáticas, pedagogizantes, demasiado ativas no mercado brasileiro e que sempre aparentam tomar o lado destemido do mais fraco, da desmitificação, da dessacralização, ou o simpático do popular, da literatura infantil, da história literária dos autores minúsculos, tudo em nome da apropriação heróica que resiste à apropriação autoritária do autor, da cultura erudita e das classes dominantes. Que não se vá de Chartier, tampouco, “linguística da libertação”. (CHARTIER, Roger. 1996, prefácio.)

Nessa mesma obra, Chartier deixa claro que, para ele, as obras canônicas não devem ser

as únicas a serem trabalhadas na escola, mas também não podem ser repudiadas do

ponto de vista estético.

Em meio a essas e outras questões, é inevitável o questionamento: É possível ensinar

literatura na escola?

Ao discutir sobre isso, Magda Soares faz uma crítica, não à escolarização da

literatura, mas à

inadequada, a errônea, a imprópria escolarização da literatura, que se traduz em sua deturpação, falsificação, distorção, como resultado de uma psicopedagogização ou uma didatização mal compreendidas que, ao transformar o literário em escolar, desfigura-o, desvirtua-o, falseia-o [...] (in: PAIVA et al.,2004, p. 173).

Qual seria então o papel da escola em relação à Literatura? Qual seria a finalidade dos

textos literários no ambiente escolar?

Outro aspecto a ser observado é fato que, com o processo de urbanização, a

popularização da imprensa tornou os livros, sobretudo os folhetins, mais divulgados,

principalmente para a classe burguesa, que em parte incorporou a leitura literária como

um hábito. A esse hábito estavam ligados valores que vão desde a paixão pela leitura aos

interesses de se manter uma identificação com a burguesia ou - de forma simplista - às

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poucas opções de lazer. Ao longo do século XX, no entanto, observou-se um

deslocamento do prestígio do livro e da literatura, com o surgimento de novos suportes

que privilegiaram outros sistemas de signos. Instaurou-se uma sociedade midiática, na

qual estamos envolvidos em uma rede mundial de informações e entretenimentos, pela

televisão, pela internet, pelas revistas e jornais, o que tem sido apontado também por

alguns estudiosos e professores como um dos fatores que desviaram as atenções antes

dadas ao texto literário.

Diante de tantos discursos que permeiam a questão da leitura literária, bem como a sua

importância e a sua incompressibilidade para homens e mulheres, e tendo em vista os

entraves que dificultam (e muitas vezes impedem) a formação de leitores, é interesse

desta pesquisa investigar a forma como os benefícios da literatura e seu caráter

humanizador, fatores que a instituíram como disciplina escolar, têm chegado aos

estudantes nas escolas.

Com base nessa reflexões, o foco deste trabalho é, dentre outras questões, investigar

sentidos atribuídos por professores e alunos ao ensino-aprendizagem de literatura nos

espaços-tempos escolares pesquisados. Em que medida as aulas dessa disciplina

potencializam expectativas geralmente associadas à experiência literária, como o prazer

pela prática de leitura, como ensejo para liberar a imaginação, sonhar, vivenciar

experiências estéticas, conhecer diferentes culturas em seus aspectos históricos e

sociais, dialogar com diferentes textos e linguagens, bem como trabalhar a subjetividade,

a capacidade de fruição e interpretação de textos? Que outros usos e sentidos têm sido

atribuídos à literatura, além desses? Qual a relação dos estudantes com a biblioteca

disponível, e o trabalho do educador no sentido de aproximá-los dessas bibliotecas?

Dentre os sujeitos envolvidos neste trabalho, participou em grupo de 220 alunos, que

cursavam primeiro, segundo e terceiro ano do ensino médio (sendo 3 turmas de primeiro

ano, uma de segundo e duas de terceiro) no ano de 2007, na escola estadual Maria

Eleonora2, localizada no município da Serra, no bairro Cidade Continental. A escolha

2 Nome fictício.

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desta instituição deu-se pela disposição e pelo interesse da professora e da pedagoga em

participar deste trabalho.

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3 A METODOLOGIA

Para desenvolver a pesquisa, foi realizado um “estudo de caso”, uma abordagem

metodológica geralmente associada ao estudo de

[...] um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos; enfrenta uma situação tecnicamente única em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados e, como resultado, baseia-se em várias fontes de evidência [...] e beneficia-se do desenvolvimento prévio de proposições teóricas para conduzir a coleta e análise dos dados (YIN, 2001, p. 32-33).

Pode-se dizer que os estudos de caso têm algumas características em comum: são

descrições complexas e holísticas de uma realidade, que envolvem um grande conjunto

de dados; os dados são obtidos basicamente por observação pessoal; o estilo de relato é

informal, narrativo, e traz ilustrações, alusões e metáforas; os temas e hipóteses são

importantes, mas são subordinados à compreensão do caso. Assim, um estudo de caso é

mais indicado para aumentar a compreensão de um fenômeno do que para delimitá-lo.

Quanto ao foco temporal, o Método do Estudo de Caso permite o estudo do fenômeno

com base em situações contemporâneas ou em situações passadas consideradas

importantes para a compreensão das questões de pesquisa colocadas.

Segundo André (1995), o estudo de caso de tipo etnográfico é indicado:

(1) quando se está interessado numa instância em particular, isto é, numa determinada instituição, numa pessoa ou num específico programa ou currículo; (2) quando se deseja conhecer uma instância particular em sua complexidade e em sua totalidade; (3) quando se estiver mais interessado naquilo que está ocorrendo e no como está ocorrendo do que nos seus resultados; (4) quando se busca descobrir novas hipóteses teóricas, novas relações, novos conceitos sobre um determinado fenômeno; (5) quando se quer retratar o dinamismo de uma situação numa forma muito próxima do seu acontecer natural (p. 51-52).

Uma das vantagens desse método, apontadas pela autora, é “a possibilidade de fornecer

uma visão profunda e ao mesmo tempo ampla e integrada de uma unidade social

complexa, composta de múltiplas variáveis” (ANDRÉ, 1995, p. 52). Além disso, essa

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metodologia pode “retratar situações do dia-a-dia escolar, sem prejuízo de sua

complexidade e de sua dinâmica natural” e “oferecer insights e conhecimentos que

clarifiquem ao leitor os vários sentidos do fenômeno estudado”. Esses insights “podem vir

a se tornar hipóteses que sirvam para estruturar futuras pesquisas, o que torna o estudo

de caso especialmente relevante na construção de novas teorias e no avanço do

conhecimento na área” (ANDRÉ, 1995, p. 52).

A opção por esse método surgiu do interesse por focalizar a coleta a análise de dados em

um grupo específico de sujeitos com características em comum, como série escolar,

instituição de ensino e comunidade onde convivem. Optei por trabalhar com o ensino

médio por entender que nessa faixa etária os alunos acumulam experiências escolares

com a Literatura, sendo, portanto, capazes de narrar diferentes encontros com a literatura

em percursos de escolarização e experiências vividas.

Foram observados 40 dias letivos, que correspondem a aproximadamente 180 horas de

atividade. Os alunos e a professora (responsável pelas turmas) foram observados e

entrevistados, com o intuito de entender como se dá o seu encontro com o texto literário,

bem como conhecer e compreender como pensam e articulam as suas práticas na escola.

Busquei, também, ouvir a história de leitura dessas pessoas, para entender como foram

construídas as relações com a Literatura e como isso influencia na prática de trabalho

atual:

[...] Ao lançar um olhar mais detido e mais arguto sobre seu passado, os professores têm a oportunidade de refazer seus próprios percursos, e a análise dos mesmos tem uma série de desdobramentos que se revelam férteis para a instauração de práticas de formação. Eles podem reavaliar suas práticas e a própria vida profissional de modo concomitante, imprimindo novos significados à experiência passada e restabelecendo suas perspectivas futuras (BUENO, 1998, p. 15).

Em relação a isso Freire afirma que “ninguém nasce feito, vamos nos fazendo aos

poucos, na prática social de que tomamos parte” (2001. p. 79). Assim, aquilo que nos

tornamos é fruto de um processo marcado pela construção permanente e pela

sedimentação de saberes profissionais. Dessa forma, pode-se afirmar que a história de

leitura dos professores envolvidos constitui um dos pilares da sua formação. Formar

leitores implica também “ser leitor” (dentro e fora da vida acadêmica ou escolar). Por isso

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o diálogo com esses profissionais constitui um dos principais instrumentos de análise das

práticas do ensino de Literatura. Como afirma Nóvoa (1997),

esta profissão precisa de se dizer e de se contar: é uma maneira de a compreender em toda a sua complexidade humana e científica. É que ser professor obesso a opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser (p. 10).

Somado a isso, analisei os livros utilizados pela professora para preparar e ministrar as

aulas de Literatura e busquei informações sobre a organização do plano de ensino da

disciplina.

Os recursos e procedimentos utilizados tiveram como finalidade descobrir pistas que me

permitissem encontrar possíveis respostas para as questões suscitadas. O método de

buscar pistas e indícios, segundo o historiador Carlo Ginzburg (1989), tem raízes muito

antigas, que remontariam à própria evolução da humanidade:

Por milênios o homem foi caçador [...] Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba. Aprendeu a fazer operações mentais complexas com rapidez fulminante, no interior de um denso bosque ou numa clareira cheia de ciladas. Gerações e gerações de caçadores enriqueceram e transmitiram esse patrimônio cognoscitivo [...] (p. 151).

A partir da investigação de indícios e de dados aparentemente irrelevantes, foi possível

descrever uma realidade complexa que não seria cientificamente experimentável.

Ginzburg acredita que a idéia de narração (contar uma história, descrever situações e

comportamentos), distinta de outras formas de expressão, como o sortilégio, o exconjuro

ou a invocação, tenha nascido numa sociedade de caçadores, a partir da experiência da

decifração das pistas:

[...] O caçador teria sido o primeiro a "narrar uma história" porque era o único capaz de ler, nas pistas mudas (se não imperceptíveis) deixadas pela presa, uma série coerente de eventos (p. 152).

Entretanto, ao longo de sua argumentação, o historiador adverte sobre a necessidade de

um rigor flexível. Para ele, o tipo de rigor das ciências da natureza é não apenas

inatingível, mas, certamente, também indesejável para as formas de saber mais ligadas à

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experiência cotidiana - mais precisamente, para “todas as situações em que a unicidade e

o caráter insubstituível dos dados são, aos olhos das pessoas envolvidas, decisivos” (p.

177).

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4 O ENSINO DE LITERATURA NO BRASIL

Como disciplina escolar, a Língua Portuguesa passou a integrar os currículos escolares

brasileiros somente nas últimas décadas do século XIX. A preocupação com a formação

de professores dessa disciplina, no entanto, passou a estar em evidência por volta dos

anos 30 do século XX.

Segundo Villalta (1997, p.351), depois de institucionalizada como disciplina, as primeiras

práticas de ensino da língua portuguesa eram eloqüentes, retóricas, imitativas, elitistas e

ornamentais, visando, no dizer de Villalta (1997, p. 351), à construção de uma civilização

de aparências com base em uma educação “claramente reprodutivista, voltada para a

perpetuação de uma ordem patriarcal, estamental e colonial”. Assim, priorizaram uma

não-pedagogia, acionando no cotidiano o aparato repressivo para inculcar a obediência à

fé, ao rei e à lei moldavam-se ao ensino do latim, para os poucos que tinham acesso a

uma escolarização mais prolongada.

Em meados do século XVIII, o Marquês de Pombal tornou obrigatório o ensino da Língua

Portuguesa em Portugal e no Brasil. Em 1837, o estudo da Língua Portuguesa foi incluído

no currículo sob as formas das disciplinas Gramática, Retórica e Poética, abrangendo,

esta última, a Literatura. Somente no século XIX, o conteúdo gramatical ganhou a

denominação de Português e, em 1871 foi criado, no Brasil, por decreto imperial, o cargo

de Professor de Português.

Entretanto, a característica elitista do ensino de Língua Portuguesa manteve-se até

meados do século XX, quando iniciou-se, no Brasil, a partir de 1967, “um processo de

‘democratização’ do ensino, com a ampliação de vagas, eliminação dos chamados

exames de admissão, entre outros fatores [...].” (FREDERICO e OSAKABE, 2004, p. 61).

Como conseqüência desse processo de “democratização”, a multiplicação de alunos, as

condições escolares e pedagógicas, as necessidades e as exigências culturais passaram

a ser outras bem diferentes.

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Faraco destaca que

com a expansão quantitativa da rede escolar, passaram a freqüentar a escola em número significativo falantes de variedades do português muito distantes do modelo tradicionalmente cultivado pela escola. Passou a haver um profundo choque entre modelos e valores escolares e a realidade dos falantes: choque entre a língua da maioria das crianças (e jovens) e o modelo artificial de língua cultuado pela educação da lingüística tradicional; choque entre a fala do professor e a norma escolar; entre a norma escolar e a norma real; entre a fala do professor e a fala dos alunos (1997, p. 57).

A historiografia literária, que ainda resiste nas salas de aula, também excluía o aluno de

um papel ativo no processo de leitura, ao colocá-lo em contato com intermináveis listas de

autores e resumos de obras nos quais deveriam ser encontradas características de época

já estabelecidas, sem nenhum estímulo à reflexão crítica.

Assim, o ensino de Língua Portuguesa precisava adequar-se a propostas pedagógicas

que levassem em conta as necessidades trazidas por esses alunos para o espaço

escolar, ou seja, a presença de registros lingüísticos e padrões culturais diferentes dos

até então admitidos na escola. Cabe lembrar que no processo brasileiro de

industrialização, iniciado já no governo de Getúlio Vargas (1930-1945), institucionalizou-

se a vinculação da educação com a industrialização. A Lei n. 5692/71 ampliaria e

aprofundaria essa vinculação, ao dispor que o ensino deveria estar voltado à qualificação

para o trabalho.

Desse vínculo decorreu a instituição de um ensino tecnicista que, na Língua Portuguesa,

estava pautado nas teorias da comunicação, com um viés mais pragmático e utilitário do

que com o aprimoramento das capacidades lingüísticas do falante.

Com a Lei n. 5692/71, a disciplina Língua Portuguesa passou a denominar-se, no primeiro

grau, Comunicação e Expressão (nas quatro primeiras séries) e Comunicação em Língua

Portuguesa (nas quatro últimas séries), baseando-se, principalmente, nos estudos de

Jakobson, referentes à teoria da comunicação. Em decorrência disso, a Gramática

deixava de ser o enfoque principal do ensino de língua e a teoria da comunicação

passava a ser o referencial, embora na prática das salas de aula o normativismo

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continuasse a ter predominância. Durante a década de 1970 e até os primeiros anos da

década de 1980, o ensino de Língua Portuguesa passou a se pautar, então, em

exercícios estruturais, técnicas de redação e treinamento de habilidades de leitura.

Por sua vez, verificou-se uma intensa ampliação de vagas escolares e de acolhimento a

professores advindos de ambientes menos letrados3. Em decorrência de tal política,

houve uma multiplicação do número de alunos, rebaixamento dos salários docentes, o

que precarizou ainda mais as condições de trabalho, de modo que os professores

passaram a buscar alternativas didáticas para facilitar o ensino, entre elas o uso do livro

didático, produzido industrialmente, como orientador das atividades. Com base na

estrutura dos livros didáticos, tinha-se um ensino de Literatura focado na transmissão da

historiografia literária e no trabalho com fragmentos de textos, apenas, em vez dos textos

integrais. Para o ensino da Língua Materna, aplicavam-se exercícios estruturais do tipo

preenchimento de lacunas ou questionários de simples verificação de ocorrência, que

desconsideravam as potencialidades que a interação com o texto propiciaria para a

expansão dos sentidos da leitura.

Os estudos lingüísticos, centrados no texto e na interação social das práticas discursivas,

e as novas concepções sobre a aquisição da língua materna chegaram ao Brasil em

meados da década de setenta e contribuíram para fazer frente à pedagogia tecnicista,

geradora de um ensino baseado na memorização. A dimensão tradicional de ensino da

língua cedeu espaço a novos paradigmas, envolvendo questões de uso, contextuais, e

promovendo a valorização do texto como unidade fundamental de análise. Assim, as

novas teorias do texto e da linguagem – Semiótica, Análise do Discurso, Estética de

Recepção e Teoria da Intertextualidade – redimensionaram as concepções e práticas do

ensino de textos. É importante destacar, entretanto, que ainda ocorrem, nos dias de hoje,

atuações pedagógicas calcadas em perspectivas teóricas anteriores às que prevaleciam

na década de 70.

Mizukami (1990) ressalta que a ação do professor no Brasil acha-se norteada por cinco

abordagens educacionais, as quais compreendem, respectivamente: a) Tradicional,

centrada na figura do professor, entendendo-o como principal pólo no processo de ensino

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e aprendizagem, e restringindo o aluno a elemento secundário no ato pedagógico. b)

Comportamentalista, pautada nos trabalhos de Skinner, a qual defende o princípio de que

o comportamento humano pode ser moldado através de estímulos significativos. c)

Humanista, enfocando o educando como único eixo nas atividades didáticas. d)

Cognitivista, sustentada pela produção científica de Jean Piaget, e que revolucionaria, a

partir dos anos 80, os procedimentos com alfabetização, até aqui sob postura Empirista.

e) Sociocultural, de caráter marxista, marcada por concepções que enfocam a escola

como instrumento de conscientização e transformação social.

No que concerne especificamente aos estudos literários, verifica-se, no decorrer do

século XX, o surgimento de múltiplos olhares sobre o texto artístico, os quais implicariam

em propostas para o ensino com narrativas. As análises concentravam-se, em princípio,

na figura do autor, desconsiderando-se outros elementos também essenciais na

comunicação artística (contexto, recepção...). Com o Formalismo Russo, valorizaram-se

os aspectos intrínsecos da obra (estilo, personagem...). A partir da crítica bakhtiniana, foi

apontada e problematizada a perspectiva diacrônica do texto, ou seja, o diálogo

texto/contexto, não se privilegiando a atenção exclusiva da obra em si mesma, nem em

qualquer outro elemento isolado do ensejo histórico da produção textual. As contribuições

de Bakhtin e dos pensadores que integraram seu círculo alavancaram os estudos em

torno da natureza sociológica da linguagem, ou seja, a língua como um espaço de

interação entre sujeitos que se constituem por meio dessa interação.

Mas, se, por um lado, tais pesquisas trouxeram avanços para o ensino de Língua

Portuguesa, por outro, tornaram-se hegemônicas em relação aos estudos literários,

trazendo o desprestígio da função poética em proveito da função referencial da linguagem

(GERALDI, 1997).

Embora tenha ocorrido um avanço teórico considerável nas pesquisas acerca do ensino

da língua, com enfoque nas práticas discursivas, houve uma apropriação, por grande

parte dos professores, dos novos conceitos, sem que isso se refletisse, necessariamente,

na mudança efetiva das práticas desenvolvidas nas escolas.

3 SOARES, 2001

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Até meados do século XX, para o ensino da Literatura, vigorou a predominância do

cânone, baseado na Antigüidade Clássica, quando o principal instrumento do trabalho

pedagógico eram as antologias literárias. Até as décadas de 1960-70, a leitura do texto

literário, no ensino primário e ginasial, transmitia a norma culta da língua, com base em

exercícios gramaticais e estratégias para incutir valores religiosos, morais e cívicos.

Como tentativa de rompimento com essa prática, a abordagem do texto literário passou a

centrar-se numa análise literária simplificada, a partir de questionários sobre personagens

principais e secundários, tempo e espaço da narrativa.

A partir da década de 1970, o ensino de Literatura restringiu-se ao então segundo grau,

com abordagens estruturalistas ou historiográficas do texto literário. Na análise do texto

poético, por exemplo, adotava-se o método francês, isto é, propunha-se a análise do texto

conforme as estruturas formais: rimas, escansão de versos, ritmo, estrofes etc. Cabia ao

professor a condução da análise literária e aos alunos a condição de receptores passivos

dessa análise pronta.

Todavia, a busca da superação desse ensino normativo, historiográfico, recentemente

tem alcançado os estudos curriculares e, em particular, os ensinos de Língua e Literatura,

seja pelo impacto dos pensadores contemporâneos como Deleuze, Foucault, Derrida e

Barthes, seja por meio de novos campos de saber ou espaços teóricos como a análise do

discurso, teoria da enunciação, teorias da leitura, pensamento da desconstrução etc.

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5 APORTES TEÓRICO-METODOLÓGICOS

A partir da década de 1980, os estudos lingüísticos mobilizaram os professores para a

discussão e o repensar sobre o ensino da língua materna e para a reflexão sobre o

trabalho realizado nas salas de aula. Geraldi marcou as discussões sobre o ensino de

Língua Portuguesa no Brasil, além de Carlos Alberto Faraco, Sírio Possenti, Percival

Leme Britto, dentre outros.

Vários autores vêm pesquisando as questões da leitura, como Orlandi (1986), Smolka

(1995), Kleiman (1997), Lajolo (1995), Zilberman (1991), Cândido (1996) e investigam as

dificuldades que os alunos têm ou possam ter no trabalho de interpretação de textos.

Segundo Kleiman, no caso de textos poéticos as “dificuldades” dos alunos não decorrem

simplesmente do desconhecimento prévio sobre tal texto, mas também da falta de leitura

ou das suas histórias de leitura e do pouco contato que hoje os jovens têm com a poesia.

Os artigos publicados pelo GT Alfabetização, Leitura e Escrita, da ANPED, indicam que

as discussões sobre o Ensino de Literatura têm instigado professores e pesquisadores a

aprofundarem os estudos na área, visto que os déficits na formação de leitores têm

aumentado no decorrer dos anos. Nesse entremeio, pode-se citar Maria das Graças

Paulino (2000), que em artigo recente decorreu sobre as dificuldades dos alunos na

interpretação de textos literários dos diversos usos que o professor fazia em sala de aula

com os textos:

Líamos trechos belíssimos d’Os Lusíadas para aprender análise sintática. Então, mesmo sendo poético o objeto da leitura, não o eram os objetivos dela. Que a compreensão da sintaxe muitas vezes ajude a ampliar a compreensão da criação poética pode ser verdadeiro, mas que disso se faça o motivo condutor da leitura de textos literários na rotina escolar constitui uma distorção. [...] Entramos, quando se tornou hegemônica a Teoria da Comunicação, numa fase de escolarização da leitura literária em que os textos literários estavam (e muitas vezes ainda estão) sendo lidos e tratados como as notícias do maremoto: quantas foram as vítimas, como sucedeu o evento, que países atingiu, por que não houve dele previsão? Lidos como textos informativos, cada resposta sobre textos literários corresponderia à verdade dos fatos, textualizados para serem detectados e memorizados (2000, p. 03).

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Nesse mesmo GT, Paula Gomes de Oliveira (2000) publicou o relato de uma pesquisa

que contribuiu na constituição de sujeitos produtores de textos literários no ensino médio.

No trabalho, ela analisa a relação que os alunos produtores de textos literários possuem

com a escrita. Sobre Literatura Infantil na escola, Maria Luiza Oswald e Andréia Attanazio

Silva dissertam (motivadas pelo reconhecimento de que a literatura, ao lado de outras

produções culturais para a infância, pode favorecer a experiência da infância, que a

chamada pós-modernidade tende a diluir) sobre a capacidade da criança de fazer história

com os resíduos da história (parafraseando Benjamin). Maria Zélia Machado em A

Literatura e suas Apropriações (insubmissas) por Leitores Jovens trata da relação

literatura/escola, focalizando dois eixos: a análise das práticas de leitura literária e a

análise dos modos de apropriação das obras por leitores jovens de duas escolas de Belo

Horizonte, uma pública e uma particular.

São de grande relevância os trabalhos desenvolvidos pelo CEALE (Centro de

Alfabetização, Leitura e Escrita), constituído por um grupo de pesquisadores do núcleo de

pesquisa Educação e Linguagem do Programa de Pós-Graduação Conhecimento e

Inclusão Social (Mestrado e Doutorado) da Faculdade de Educação da UFMG. Este grupo

tem, ao longo dos seus dez anos de existência, se dedicado a pesquisas voltadas para a

formação de leitores literários. Em Literatura e letramento: espaços, suportes e interfaces

(2001), há uma reunião de trabalhos de pesquisadores sobre diferentes dimensões

envolvidas na difusão da literatura e na formação de seu público nos dias de hoje. Os

artigos mostram que os livros sofrem o impacto de meios como a Internet e apresentam

novas características, influenciados também por linguagens visuais como o cinema e os

quadrinhos. Em A escolarização da leitura literária (1997), os autores discutem a

afirmação de Magda Soares de que “’é contraditória e até absurda a afirmação de que ‘é

preciso desescolarizar a literatura da escola’”. Além disso, analisam a leitura sob aspectos

culturais, políticos, pedagógicos, estéticos e psicolingüísticos. Democratizando a leitura:

pesquisas e práticas (2004) faz uma relação dos entraves para a formação de leitores no

Brasil, entre eles a carência de livrarias, o pouco incentivo à cultura, a falta de

acessibilidade a determinados livros devido ao alto custo, a falta de estrutura de muitas

bibliotecas escolares, etc. Leituras literárias: discursos transitivos (2006) aborda, de forma

amadurecida (sexta publicação do grupo) a importância da literatura na formação de

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alunos e professores, as especificidades da leitura literária, o uso da literatura nos ensinos

fundamental e médio, entre outros assuntos que contribuem para as atuais reflexões

acerca da formação de leitores e das possibilidades de letramentos escolares e sociais.

No fim do século: a diversidade (2000) é uma coletânea de artigos que abordam os novos

desafios para as práticas escolares de leitura na virada do século XX, abrangendo a

diversidade de suportes, gêneros e leituras que caracterizam o fim do século XX.

O banco de dados da Capes registra, desde 1987, vários trabalhos publicados sobre o

assunto. Dentre eles, pode-se citar a tese de doutorado de Alice Vieira, Análise de uma

realidade escolar: o ensino de literatura no 2.o grau, hoje (1988), que nessa essa época já

levantava questões sobre o que deve ser ensinado em Literatura, segundo a Secretaria

de Educação, e o que ocorre de fato na prática em sala de aula. A autora discutiu também

sobre os conteúdos de Literatura avaliados pelos Vestibulares, detectando a forma

sistematizada com que os conhecimentos literários são cobrados em provas desse tipo. A

pesquisadora apontou, em seu trabalho, caminhos para que a formação de leitores seja

um dos principais objetivos do ensino de Literatura no Ensino Médio. Em 1996, Alayr

Rodrigues, em dissertação de Mestrado intitulada Literatura como palavra reinventada:

uma reflexão sobre a prática pedagógica, discute o sentido histórico da prática

pedagógica do ensino se literatura, articulando teoria da linguagem, literatura e educação.

O trabalho pontua três questões de natureza mais mediata: criação literária no ensino de

literatura, interação das linguagens artísticas na escola e formação do professor de

literatura. A partir da leitura de Dom Casmurro, de Machado de Assis e São Bernardo de

Graciliano Ramos, ele discute o problema da relação entre linguagem, realidade e

consciência, contrapondo as perspectivas estruturalista e sócio-histórica, com base

respectivamente em Bakhtin e a Schaff. Destaca a relevância da literatura como "palavra

reinventada" no âmbito educacional-escolar. Em 1999, Andréa Grijó, em De-formação do

leitor: a literatura no vestibular da UFES, detecta que a prova de Literatura Brasileira do

exame de ingresso da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) é norteadora dos

currículos e de práticas pedagógicas nas escolas do Estado do Espírito Santo. Para isso,

a pesquisadora analisou provas de vestibulares da Universidade desde 1990 e traçou um

perfil dessas provas e dos modelos de ensino de Literatura por ela indicados. No ano

seguinte e na mesma Universidade, em O processo de socialização com a leitura e a

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prática docente: implicações para a formação de professores (2000), Valdete Côco

analisa, a influência do processo de socialização com a leitura vivido pelos professores

nas práticas implementadas no cotidiano da sala de aula, tendo como referência o

trabalho de dez professoras atuantes na terceira série do ensino fundamental. O trabalho

da autora ratifica a importância da viabilização de mecanismos de democratização do

saber e no interior destes, do "tempo de formação" como uma demanda do trabalho com

a leitura e com perspectiva de formação que, no entrelaçamento teórico-prático, objetive a

superação das interdições impostas ao povo brasileiro. O ano de 2001 contou com vários

trabalhos publicados sobre o ensino de Literatura. Um deles foi o de Eliana Asche, sob o

título O espaço da Literatura no ensino secundário: uma investigação sobre um campo do

saber escolar (1873 - 1979). Nesse estudo, a autora pesquisa sobre a disciplina de

literatura como um componente disciplinar que figura nos currículos das escolas

brasileiras desde o final do século XIX. A autora procura compreender as formas

assumidas por estes componentes nas suas relações com a Retórica, com a Gramática e

com a Estilística. Para tanto, ela investigou os movimentos decisivos da crítica literária,

desde os românticos do final do século XIX, até os estruturalistas e formalistas que

influenciaram o ensino da literatura no Brasil, na década de 70. Os aspectos finais do

trabalho explicitam as mudanças na área acadêmica com o ingresso da teoria literária e

da lingüística sob o impacto do estruturalismo e do formalismo russo. Mudanças que

fizeram surgir novas orientações teóricas e curriculares que alteraram profundamente o

conteúdo da disciplina, especialmente o divulgado pelos guias curriculares e pelos livros

didáticos após a edição da lei 5692/71. Nessa mesma época, Genoveva Maria Lage de

Carvalho, em A ascensão da cultura e o livro didático de literatura no ensino (2001),

confrontou algumas posições da teoria literária contemporânea acerca da natureza da

literatura e os Parâmetros Curriculares Nacionais, publicados em 1999, com livros

didáticos para o ensino de Literatura no nível médio, disponíveis no mercado editorial

brasileiro entre 1995 e 2000. A imagem da Literatura e o trabalho historiográfico foram

tratados como representações discursivas passíveis de novas construções. É interessante

citar, também de 2001, o estudo de Cleria Maria Monteiro da Silva, Literatura e ensino:

duas perspectivas para uma mesma direção. Nesse trabalho, a pesquisadora investiga a

percepção estética desenvolvida por crianças e adolescentes, em escolas de Porto

Alegre. Recorrendo aos pressupostos da Estética da Recepção, ao resgatar a importância

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do leitor na construção do valor estético da obra, ela analisa o material de leitura utilizado

para o ensino da literatura. A autora buscou mostrar, através dos pressupostos teóricos, a

relevância do leitor na construção da obra literária, viabilizada no processo de leitura,

mediante a relação da literatura com o ensino a ela dirigido; além disso apresentou

formas como a literatura é entendida, formas propiciadas pelo ensino da disciplina e as

conseqüências desse tipo de entendimento. Cita-se ainda, de 2001, o trabalho de

Alessandro Eloy Braga, O professor e o ensino de literatura em escolas de ensino médio:

uma avaliação da prática por professores e estudantes. O autor investiga, em seu

trabalho, se a prática do ensino de Literatura, nas escolas de ensino médio, está voltada

para a contextualização do conteúdo da disciplina com a realidade sócio-histórica dos

educandos e, consequentemente, para a formação intelectual e crítica dos alunos. A

pesquisa foi realizada em escolas de Brasília e detectou que o ensino de Literatura não

vem cumprindo o seu papel para o desenvolvimento de uma prática educacional que

promova o desenvolvimento crítico do aluno acerca de sua realidade e que há, entre

professores e alunos, um desencontro entre o que os professores confirmam estar

ensinando e o que os estudantes consideram estar recebendo. De 2003, cita-se a tese de

doutorado de Elisa Cristina Lopes, Por onde caminha a literatura no ensino médio. O

trabalho teve como objetivo refletir sobre a forma como a literatura, como disciplina

presente no currículo do ensino médio, pode auxiliar a formação do leitor, tendo em vista

que literatura e leitura se inter-relacionam numa mesma perspectiva: do leitor e sua

formação; do sujeito e sua construção. A autora alertou em seu trabalho para a

necessidade de se buscar novas perspectivas para o ensino da literatura, uma vez que

esta não apenas precisa ser otimizada e redefinida como disciplina escolar, mas também

reforçada como instrumento fundamental na formação e construção do sujeito-leitor. Os

resultados obtidos pela pesquisa mostraram que, mesmo com problemas, a literatura

ainda existe e persiste nas salas de aula e que cabe ao professor não apenas a tarefa de

levar efetivamente o texto literário para a sala de aula, mas também a responsabilidade

de formar leitores sendo ele mesmo um leitor em constante formação. Em 2004 foi

publicado o trabalho de Maria Eugênia da Silva Viotto, A Leitura, o ensino de Literatura e

o livro didático: uma questão a ser discutida. Nesse trabalho, a autora investigou até que

ponto o livro didático tem colaborado para o ensino de literatura em contexto escolar do

Ensino Médio. Os resultados da pesquisa revelaram que o livro didático, recurso que, com

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maior freqüência é utilizado pelo professor, não interfere como deveria no processo de

formação do leitor. A análise mostrou que, embora apresentando-se como detentor do

saber legítimo, o livro didático ainda privilegia a abordagem histórico-informativa do texto

literário, não cumprindo a sua função de desenvolver no aluno o gosto pela leitura e o seu

despertar crítico. Ainda nesse ano, publicou-se o estudo de Sônia Maria Machado

MIrandola, intitulado O Ensino e aprendizado da literatura no Ensino Médio a partir da

Teoria Histórico-Cultural (2004). Nesse trabalho, foi investigada a influência da leitura de

obras literárias no desenvolvimento do hábito de ler, da criatividade e da produção textual,

em um grupo de alunos da segunda série do Ensino Médio de uma escola pública

estadual, da cidade de Ituverava, interior de São Paulo. Os dados revelaram que há

correlação positiva e mediada entre o hábito da leitura e a produção textual dos jovens, e

que a leitura de obras literárias incentiva a escrita. No ano seguinte, Anderson de

Figueiredo Matias, em Do real ao imaginário: a leitura dialógica da literatura no ensino

médio (2005), investigou a recepção da literatura em ambiente escolar de ensino médio.

Partindo do pressuposto de que há, em qualquer nível de ensino, um desinteresse pelo

ato de ler, que se agrava mais ainda quando o texto a ser lido é literário, o autor trabalhou

com duas hipóteses de justificativas: a primeira diz respeito à falta de prática de leitura,

habilidade imprescindível para a compreensão do texto literário; a segunda relacionada à

forma adotada no sistema educacional brasileiro de se ensinar literatura. Uma

metodologia que pressupõe leitores com uma competência reconstrutiva e, em certo

sentido, atemporal. Por não possuírem essa competência, os alunos acabam não entendo

o porquê de se estudar literatura na escola e formulam a idéia de que esta se ocupa de

historinhas inócuas e inofensivas. No ano de 2006, em A Literatura e seus caminhos: os

dizeres dos alunos de Letras, Pablo Varela buscou compreender o discurso dos

estudantes de Letras à respeito da literatura, procurando com isso perceber as

implicações do ensino de literatura na formação desses sujeitos. A pesquisa apontou

alguns tópicos importantes, como a pouca afirmação da linguagem literária como

componente essencial na percepção desta como fenômeno cultural de circulação social, a

passavidade de muitos acadêmicos, que deixam a cargo do professor a responsabilidade

no processo educativo, e a abordagem dos temas literários sendo percebida muito mais

no período de graduação do que em outras fases da vida escolar. Ainda em 2006, Sonia

Maria Ribeiro Jaconi, em A apresentação da literatura nos livros didáticos do Ensino

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Médio, abordou o fato de que o ensino de literatura no nível médio é apresentado, tanto

nos livros didáticos como nas aulas ministradas, como uma matéria que explora muito

mais os fatos históricos de uma época que influenciaram determinado movimento artístico

do que uma disciplina que possibilita o estudo da arte como força criativa da imaginação e

a intenção estética da linguagem escrita. A autora atentou para o fato de que os

professores perdem a oportunidade de motivar adequadamente a prática de leitura dos

alunos, uma vez que a literatura fica restrita ao estudo dos fatos históricos.

Percorrer esses trabalhos foi necessário para aprofundar as reflexões sobre a temática ao

longo desta pesquisa, bem como para verificar como determinados problemas em comum

com outras regiões do país têm sido tratados por diferentes profissionais.

5.1 O CONCEITO DE LITERATURA

Com intuito de tornar mais claro o objeto de estudo deste trabalho, entendo como

necessário esclarecer os sentidos atribuídos ao termo Literatura ao longo deste texto.

Muitas são as significações comumente conferidas à palavra Literatura. Neste trabalho,

optei pelas reflexões e concepções do poeta, ensaista e crítico literário Antônio Cândido,

que em uma de suas obras (1995, p. 242) abordou a literatura como “todas as criações de

toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os

tipos de cultura, desde o que chamamos de folclore, lenda, chiste, até as formas mais

complexas e difíceis da produção escrita das grandes civilizações”. Ela se constitui,

segundo o teórico, em um instrumento capaz de liberar a nossa criação ficcional e

poética, presente em todos os seres humanos, analfabetos ou eruditos: “Ora, se ninguém

pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a

literatura parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e

cuja satisfação constitui um direito” (CÂNDIDO, 1995, 242).

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Com base na proposta de Antônio Candido expressa em Formação da Literatura

Brasileira (2000), a literatura é

um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes de uma fase. Estes denominadores são, além das características internas (língua, temas, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização (grifo meu) (CANDIDO, 2000, p. 23).

Nesta perspectiva, não é possível separar a literatura dos aspectos sociais e considerar

que as obras de ficção que surgem a todo momento em diversas sociedades do mundo

sejam desgarradas do momento e da conjuntura histórico-social nas quais esteja inserido

o autor.

O sistema literário referido por Antônio Candido é também definido como “um sistema

simbólico, por meio do qual as veleidades mais profundas do indivíduo se transformam

em elementos de contacto entre os homens, e de interpretação das diferentes esferas da

realidade” (2000, p.23).

Em outro de seus textos, CANDIDO (2006, p.191) refere-se à literatura brasileira como

“empenhada” ao comentar a tendência de nossa literatura em problematizar e suscitar

reflexão à respeito de temas representativos de nossa situação histórico-social. O que

não significaria que, para ser representativa e considerada como boa literatura, uma obra

deva necessariamente tratar de assuntos socialmente engajados, mas sim que esta obra,

tomada como arte,

depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos de sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais. Isto decorre da própria natureza da obra e independe do grau de consciência que possam ter a respeito os artistas e os receptores de arte (CÂNDIDO, 1985, p. 20-21).

Em relação ao artista, Cândido o considera como aquele que “toma para si a tarefa de

criar e representar ou apresentar a obra”, sendo que a utiliza “como veículo das suas

aspirações individuais mais profundas” CANDIDO (1985, p. 25), . Assim, mesmo que

influenciada pela sociedade e o momento histórico vivenciado por este grupo, a obra é

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resultado do trabalho artístico do autor, de sua subjetividade individual e, portanto, única.

Assim, esta acaba sendo impregnada pela forma como o autor vê o mundo.

Ao conceituar tão amplamente a Literatura e ao atribuir-lhe intenso poder no que diz

respeito à liberação da criação artística em homens e mulheres, o teórico considera a

Literatura como uma necessidade vital do ser humano e, portanto, um direito comum

como os demais direitos humanos, o que inclui pensarmos no direito à vida, à liberdade –

de pensamento, de expressão, de manifestação, de culto, de orientação sexual -, à

igualdade e à dignidade, à educação, ao lazer, à saúde e a tantos outros considerados

essenciais para a plenitude da vida humana. Para referir-se a esses direitos, Antônio

Cândido faz uso do conceito de incompressibilidade, julgando como conquistas essenciais

para garantir a sobrevivência digna dos seres humanos. Entre os bens incompressíveis o

autor identifica a importância do sonho para as civilizações:

Alterando um conceito de Otto Ranke sobre o mito, podemos dizer que a literatura é o sonho acordado das civilizações. Portanto, assim como não é possível haver equilíbrio psíquico sem o sonho durante o sono, talvez não haja equilíbrio social sem a literatura. Deste modo, ela é fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente. Neste sentido, ela pode ter importância equivalente à das formas conscientes de inculcamento intencional, como a educação familiar, grupal ou escolar. Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentidos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles (1995, p. 242).

Em uma análise mais profunda, a Literatura foi distinta por ele em três faces: pode ser

vista como “uma construção de objetos autônomos como estrutura e significado”, como

“uma forma de expressão, isto é, manifesta emoções e a visão do mundo dos indivíduos e

dos grupos” ou como “uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e

inconsciente.” É importante ressaltar que mais comumente é destacado o terceiro

aspecto, pela tendência de atribuirmos à Literatura a função de transmitir conhecimentos,

como se fosse um texto instrutivo. Em relação a isso, Cândido infere que o efeito das

produções literárias é resultante da atuação simultânea dos três aspectos.

A produção literária tira as palavras do nada e as dispõe como todo articulado. Este é o primeiro nível humanizador, ao contrário do que geralmente se pensa. A organização da palavra comunica-se ao nosso espírito e o leva, primeiro, a se organizar; em seguida, a organizar o mundo. Isto ocorre desde as formas mais simples, como a quadrinha, o provérbio, a história de bichos, que sintetizam a

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experiência e a reduzem à sugestão, norma, conselho ou simples espetáculo (1995, 244).

Por esse motivo, acredita-se que em muitas sociedades a literatura tem sido um

instrumento poderoso de instrução e educação, uma vez que ela fala, por meio da ficção,

da poesia e da ação dramática de valores que a sociedade apregoa e também daqueles

considerados mais ou menos aceitos socialmente. Isso porque teria um caráter

humanizador e de formação humana, não necessariamente no sentido “moralista” desses

termos, uma vez que também representa e cria realidades e estereótipos que fogem às

convenções sociais, transparecendo, nesses casos, a desordem e a transgressão das

normas estabelecidas.

Nessa perspectiva, os múltiplos caminhos que se abrem, por meio da Literatura,

possibilitariam uma formação que levaria ao questionamento de verdades estabelecidas e

à descoberta de outros trajetos em busca de respostas a questões historicamente postas

à condição humana. Isso porque a Literatura é polifônica e dialógica, no sentido

bakhtiniano, que vê no texto/discurso diferentes vozes que o constituem, de forma a reunir

uma multiplicidade de pontos de vista, presentificados em cada situação específica da fala

de um enunciador. As relações humanas, portanto, se constituem num diálogo contínuo,

em que diferentes vozes, de diferentes lugares sócio-históricos, interagem, polemizam

entre si, de forma que não há primeira nem última palavra proferida (BAKHTIN, 2003).

São essas diferentes vozes, as oscilações internas, os dramas que as personagens vivem

– ora figuras estóicas, ora cheias de dignidade, ora frágeis, cômicas -, os diferentes

espaços, tempos, linguagens e formas, que conferem à Literatura a sua possibilidade de

levar o leitor ao liberar a sua imaginação para deixar-se envolver no universo da ficção.

Ela é, nessa perspectiva, uma forma de expressão, de manifestação das emoções e a

visão de mundo de indivíduos e grupos, uma arte que exercita a reflexão humana, toca as

emoções e a possibilidade de compreender questões humanas além de proporcionar

diferentes formas de ver e perceber o mundo, uma vez que dialoga com diferentes

culturas, épocas e saberes. Tudo isso afirmaria a incompressibilidade deste bem para as

pessoas.

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5.2 IMAGINAÇÃO E ATIVIDADE CRIADORA NA PERSPECTIVA DO PENSAMENTO DE

VIGOTSKY

Os termos imaginação e criatividade, frequentemente utilizados neste trabalho, estão

fundamentados na teoria histórico-social de Lev S. Vygotsky, que teve por base o

desenvolvimento do indivíduo como parte de um processo sócio-histórico, enfatizando o

papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento.

Para Vygotsky (1998), o estudo dos fundamentos psicológicos das Artes só seria possível

a partir do desenvolvimento de uma argumentação baseada num dos três aspectos da

psicologia humana, percepção, sentimento e imaginação, ou numa articulação conjunta

deles. Ele esclarece que embora a questão da percepção seja um dos problemas

fundamentais no estudo psicológico da criação artística ela não se constituía no seu eixo

central. As investigações deveriam resultar do cruzamento entre a questão da

sensibilidade e da imaginação. Vygotsky ressaltava a necessidade de estudos e

pesquisas para elucidarem as questões relacionadas à emoção e à fantasia - os campos

mais desconhecidos da psicologia da época.

De acordo com a teoria da projeção sentimental, não é a obra de arte que desperta no

público os sentimentos, como um instrumento musical ao produzir o som, e sim o público

projeta nos objetos artísticos seus sentimentos. Segundo Vygotsky, essa teoria, apesar

de seus inúmeros defeitos (entre eles o fato de não enxergar a diferença entre a reação

estética e as outras reações biológicas do organismo), representava um avanço em

relação à idéia de que o objeto estético infundiria no público suas qualidades emocionais.

A teoria da projeção sentimental representava a reação, a resposta ao estímulo. Mas, de

acordo com Vigotsky, essa "resposta" do público à criação artística se baseava em

mecanismos complexos de percepção da totalidade dos produtos artísticos e não poderia

ser explicada apenas pelo esquema estímulo-resposta. Vygotsky atentava para a

necessidade de distinguir a reação estética das outras reações biológicas do organismo,

por exemplo, reações causadas pelo paladar ou olfato. Em relação a isso, nenhuma

teoria da emoção estava em condições de explicar a relação interna que existe entre o

sentimento e os objetos que se colocam diante da percepção do sujeito porque, para

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obter-se uma explicação satisfatória, seria necessário investigar melhor as relações e

inter-relações entre fantasia e sentimento uma vez que "todas as nossas emoções

possuem não apenas uma expressão corporal, mas também uma expressão anímica"

(1998, p. 263).

Ao relacionar emoção-sentimento e fantasia-imaginação, Vygotsky refere-se à lei da

dupla expressão emocional para concluir que toda emoção utiliza-se da imaginação para

projetar uma série de representações e imagens fantásticas, e que, é por meio da

imaginação, que passa a ser apresentada a sua lei da realidade dos sentimentos:

Se pela noite em casa confundo um paletó pendurado com um homem, meu erro é evidente, já que minha vivência é falsa e não corresponde a nenhum conteúdo real. Mas o medo que experimento neste caso é verdadeiro. Deste modo, todas nossas vivencias fantásticas e irreais se desenvolvem sobre uma base emocional completamente real. Por conseguinte, o sentimento e a fantasia não são dois processos isolados um do outro, mas de fato representam o mesmo processo, e temos direito de considerar a fantasia como a expressão central da reação emocional (1998, p. 264).

O teórico ainda observou que no faz-de-conta e nos processos de representação

dramática de natureza estética (no Teatro, por exemplo) a reação emocional dos

indivíduos envolvidos é contida, pois "a criança que brinca de luta detém o movimento da

mão disposta a acertar o golpe em seu companheiro de brincadeira" (1998, p. 265).

Assim, para ele, tanto o sentimento esteticamente determinado como o sentimento

habitual, embora fossem formas de sentir muito semelhantes, originavam-se de

processos psicológicos distintos: o sentimento artisticamente determinado se constituía e

se mantinha através da imaginação, que o reforçava, e isso fazia com que a expressão

dos sentimentos e emoções suscitados pelo brinquedo infantil, pelo Teatro ou por

qualquer criação artística fossem de alguma maneira contidos e "controlados" e ao

mesmo tempo possuíssem grande intensidade. Para ele, as emoções suscitadas pelas

artes eram emoções “inteligentes”, devido a sua dimensão anímica.

À reação estética propriamente dita, Vygotsky denomina catarsis, esclarecendo que não

pretende com esse termo fazer alusão ao conceito aristotélico utilizado pelo pensador

grego em relação a sua Poética:

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[...] nenhum outro termo dos empregados até agora em psicologia expressa de forma tão completa e clara o fato, fundamental para a reação estética, de que os afetos dolorosos e desagradáveis se vejam submetidos a certa descarga, a seu aniquilamento, a sua transformação em sentimentos opostos, e de que a reação estética como tal se reduza de fato à catarsis , ou seja, a uma completa transmutação de sentimentos (1998, p. 270)

Ele explica que a base da catarsis reside na oposição entre material e forma e que os

sentimentos surgidos a partir da criação artística são alimentados pela fantasia-

imaginação e se encontram conscientemente organizados nos objetos artísticos para a

obtenção da catarsis (reação estética). Com isso, Vygotsky enfatiza a importância das

Artes e sua influência no sistema geral da conduta humana.

Paralelo a essas idéias, a atividade criadora ou criatividade é conceituada por Vygotsky

como “toda realização humana criadora de algo novo, quer se trate de reflexos de algum

objeto do mundo exterior, quer de determinadas construções do cérebro ou do

sentimento, que vivem e se manifestam apenas no próprio ser humano” (1982, p. 7).

Segundo ele, existem dois tipos básicos de impulsos na conduta tipicamente humana: o

impulso reprodutor ou reprodutivo, e o impulso criador ou combinador. O primeiro

estreitamente vinculado à memória e o segundo intimamente relacionado à imaginação. A

transformação da realidade e a modificação do presente é possível, segundo o teórico, a

partir das projeções feitas por homens e mulheres por meio de sua atividade criadora.

Imaginação ou fantasia é como ele denomina esta atividade do cérebro humano que se

baseia na combinação.

Imaginação e fantasia, expressões geralmente associadas ao irreal, a tudo aquilo que

não se ajusta à realidade e que carece de qualquer valor prático, para a psicologia

vygotskyniana, constituem-se na base de toda atividade criadora e se manifestam em

todos os aspectos da vida cultural, possibilitando a criação artística, científica e técnica:

“Todos os objetos da vida diária, sem excluir os mais simples e habituais, vêm a ser algo

assim como fantasia cristalizada” (1982, p.10).

O teórico ainda ressalta que:

Existe criação não apenas onde têm origem os acontecimentos históricos, mas também onde o ser humano imagina, combina, modifica e cria algo novo, por

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insignificante que esta novidade possa parecer se comparada com as realizações dos grandes gênios. Se somarmos a isso a existência da criação coletiva que reúne todas essas pequenas descobertas insignificantes em si mesmas da criação individual, compreenderemos quão grande é a parte de tudo o que foi criado pelo gênero humano e que corresponde à criação anônima coletiva de inventores desconhecidos (1982, p. 11).

Essa afirmativa combateria a idéia comum de que o uso cotidiano da criatividade é

propriedade privada de poucos, considerados gênios, talentosos ou ainda é atribuído a

artistas, inventores, cientistas, dentre outros.

O teórico explica também que a imaginação ou fantasia é instigada pelas experiências

vividas por cada pessoa, por isso, quanto mais rica for a experiência humana, maior será

a capacidade imaginativa do ser humano. Ele acrescenta que a memória e a fantasia ou

imaginação são funções psicológicas complexas e dialeticamente interrelacionadas: “A

fantasia não está contraposta à memória, mas se apoia nela e dispõe de seus dados em

novas e novas combinações” (1982, p. 18). Portanto, do mesmo modo que a imaginação

apoia-se na experiência, a experiência pode ser construída exclusivamente a partir da

mobilização do imaginário do sujeito.

As atividades criadoras, por sua vez, são permeadas por relações afetivas:

[...] tudo o que edifica a fantasia influi reciprocamente em nossos sentimentos, e ainda que essa construção em si não concorde com a realidade, todos os sentimentos que ela provoca são reais e efetivamente vividos pelo ser humano que os experimenta (1982, p. 23).

Segundo o psicólogo russo, o sentido e a importância de se promover a criação artística

na infância residem no fato de ela auxiliar a criança na superação da estreita e difícil

passagem ao amplo funcionamento de sua imaginação - que irá conferir à sua fantasia

uma nova direção ao longo do seu subseqüente desenvolvimento. Também porque ela

aprofunda e ao mesmo tempo flexibiliza sua vida afetiva, despertando-lhe o interesse

para o engajamento em atividade socialmente relevante. Além disso, a criatividade

estética permite à criança exercitar seus desejos e formar hábitos, dominar o

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funcionamento da representação simbólica na linguagem4, formular e transmitir suas

idéias, auxiliando-a no desenvolvimento da modalidade categorial de pensamento: “O

sentimento estético tem que se tornar um assunto da educação como são todos os outros

assuntos, e receber atenção especial” (1997, p.259).

Sob essa ótica, a Literatura, entendida como ferramenta capaz de liberar a imaginação e

a criação ficcional e poética nos seres humanos, provocaria no leitor uma catarsis que iria

além de uma reação de estimulo e resposta; as projeções feitas pelo leitor a partir de

suas reflexões e emoções advindas da experiência estética poderiam levá-lo à

transformação da realidade e à modificação do presente por meio de sua atividade

criadora.

5.3 PENSANDO A LITERATURA NA PERSPECTIVA DA RACIONALIDADE

ESTÉTICO-EXPRESSIVA

A necessidade de poesia vai além da esfera individual. Segundo Santos (2002), a ciência

moderna encontra-se desencantada e desapaixonada5 devido aos métodos de

distanciação e aos conceitos frios. O autor, ao criticar o projeto da Modernidade Ocidental

– entendida por ele como o paradigma sócio-cultural dominante do pensamento filosófico

e científico a partir do século XVI - parte da distinção e tensão entre a regulação social e a

4 Vygotsky atribui à linguagem a função de fornecer conceitos e formas de organização do real, bem como promover a mediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. É por meio da linguagem, segundo ele, que as funções mentais superiores são socialmente formadas e culturalmente transmitidas, portanto, sociedades e culturas diferentes produzem estruturas diferenciadas. São essas culturas que fornecem ao indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade, ou seja, o universo de significações que permite construir a interpretação do mundo real. Ela dá o local de negociações no qual seus membros estão em constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significações. 5 O autor, segundo Boaventura de Sousa Santos, manteve-se como uma representação inacabada da modernidade e, consequentemente, foi mais resistente à colonização. O assunto é tratado com riqueza de detalhes em SANTOS, 2002, p.76-77.

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emancipação social. Três princípios são apontados como fundamentos dessa regulação:

mercado, Estado e comunidade. Três racionalidades caracterizam o pilar da

emancipação: a racionalidade estético-expressiva, a racionalidade cognitivo-instrumental

e a racionalidade moral-prática. Todavia, ele identifica uma série de distorções dentro da

“execução” do projeto da Modernidade, que acabaram por saturar o paradigma e

principiar sua crise. No pilar da emancipação, que nos interessa em especial neste

trabalho, o autor nota uma colonização das racionalidades moral-prática e estético-

expressiva pela racionalidade cognitivo-instrumental. Assim, os pressupostos e métodos

científicos passam a reger inclusive a produção artística. Por conseguinte, os

pressupostos originais das racionalidades colonizadas enfraquecem-se, sendo

substituídos pelos critérios e padrões da racionalidade científica. O mercado, o Estado e a

comunidade, portanto, passam a ser regidos também pela racionalidade cognitivo-

instrumental, concebida, a partir desse momento, como a única racionalidade válida para

a regulação desses setores: a emancipação torna-se subordinada e inferior à regulação.

Entretanto, mesmo com essa “invasão” da racionalidade cognitivo instrumental da ciência,

a racionalidade estético-expressiva, sob análise de Santos (2002) é a que resistiu melhor

à cooptação total por residir nos conceitos de prazer, de autoria² e de artefactualidade

discursiva6.

A colonização do prazer na modernidade ocidental deu-se através da industrialização do lazer e dos tempos livres, das indústrias culturais e da ideologia e da prática do consumismo. Contudo, fora do alcance da colonização manteve-se a irredutível individualidade intersubjetiva do homem ludens, capaz daquilo que Barthes chamou jouissance, o prazer que resiste ao enclausuramento e difunde o jogo entre os seres humanos. Foi no campo da racionalidade estético-expressiva que o prazer, apesar de semi-enclausurado, se pôde imaginar utopicamente mais do que semi-liberto (SANTOS, 2002. p. 76).

O que Santos propõe, nesse sentido não é um equilíbrio entre regulação e emancipação –

uma vez que esse equilíbrio não se concretizou durante dois séculos de excesso de

regulação –, mas um desequilíbrio dinâmico que penda para a emancipação, uma

6 A artefactualidade discursiva é outro conceito organizador do domínio artístico e literário apontado por Souza. Segundo ele, toda obra de arte é produto de uma intenção específica e de um ato construtivo, cuja qualidade, importância e adequação são estabelecidas por meio de um discurso argumentativo dirigido a um público alvo. Outros detalhes em Santos, 2002. p. 77-78.

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assimetria que sobreponha a emancipação à regulação, de forma a ascender a

racionalidade estético-expressiva.

A literatura e as artes são, nessa acepção, fatores preponderantes na constituição da

racionalidade estético expressiva por oferecerem um arsenal de possibilidades aliadas ao

plano estético, de maneira que a forma e o conteúdo estão interligados, dependentes em

mesmo nível um do outro.

5.4 A LEITURA DO TEXTO LITERÁRIO: CULTURA POPULAR E CULTURA ERUDITA

Em relação aos estudos literários e à questão cultural, Bakhtin publicou trabalhos,

reunidos em livros como Questões de literatura e de estética, Problemas da poética de

Dostoievski, Estética da criação verbal e Cultura popular na Idade Média e no

Renascimento. No segundo, ele analisa o suposto “mau acabamento” do homem

representado na criação de Dostoievski, e enaltece justamente esse detalhe, por

expressar uma literatura cujo centro estava exatamente na idéia do não-acabamento dos

seres humanos, conceito que foi amadurecendo ao longo da história em oposição aos

gêneros épicos, expressões justamente do “homem finalizado”, no tempo e no espaço.

Em Estética da criação verbal (2003) Bakhtin afirma que “não se pode estudar a literatura

isolada de toda a cultura de uma época, e que seria ainda mais nocivo fechar o fenômeno

literário apenas na época de sua criação. Para ele as obras dissolvem as fronteiras da

sua época, vivem nos séculos” (p. 362). Assim ele problematiza:

Se o significado de alguma obra se reduz, por exemplo, ao seu papel na luta contra o feudalismo (e é o que se costuma fazer na escola secundária, entre nós), semelhante obra deve perder inteiramente o seu significado quando o feudalismo e os seus remanescentes deixam a vida, mas amiúde a obra ainda aumenta o seu significado, isto é, entra no grande tempo (BAKHTIN, 2003, p. 362).

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Logo, ele também ressalta o importante papel da história nesse processo:

Entretanto, uma obra não pode viver nos séculos futuros se não reúne em si, de certo modo, os séculos passados. Se ela nascesse toda e integralmente hoje (isto é, em sua atualidade), não desse continuidade ao passado e não mantivesse com ele um vínculo substancial, não poderia viver no futuro. Tudo o que pertence apenas ao presente morre juntamente com ele (BAKHTIN, 2003, p. 363).

Em Cultura popular na Idade Média e no Renascimento (1999) o crítico russo analisa a

obra de François Rabelais, colocando-o ao lado de grandes artistas literários como

Shakespeare e Cervantes.

A principal qualidade que Bakhtin destaca na obra do autor renascentista é a sua ligação

profunda às fontes populares e, por conseguinte, sua resistência a ajustar-se aos cânones

e regras da arte literária vigentes desde o século XVI até os nossos dias.

Segundo o teórico russo, os românticos, que redescobriram Rabelais, não conseguiram

decifrá-lo, e suas imagens, em grande parte, continuam enigmáticas até os dias de hoje.

Para ele, a compreensão da obra do artista depende de uma reformulação radical de

todas as concepções artísticas e ideológicas do leitor, de forma a desfazer-se de muitas

exigências do gosto literário predominante. Para alcançar uma compreensão em parte

satisfatória, Bakhtin empreende um estudo das fontes populares da obra e do autor, com

o intuito de entender as transformações milenares da cultura popular, especificamente

em seu aspecto cômico, incluindo o riso e suas formas, devido a predominância dessa

característica na obra de Rabelais. Nesse estudo, Bakhtin produz uma teorização do

grotesco e da cultura carnavalesca, tomando estes como peças chaves para a

compreensão da cultura cômica popular da Idade Média e do Renascimento. Afirma que

o riso é um dos aspectos mais importantes no que diz respeito ao conjunto das criações

populares, mas que a despeito disto, ele é um dos itens menos estudados. Isso se deve

ao fato de que a concepção estreita do popular e do folclore quase sempre excluiu a

cultura específica de praça pública e o humor popular em toda sua riqueza de

manifestações, não considerando-o do ponto de vista cultural, histórico, folclórico ou

literário.

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Mas apesar desse lugar modesto ocupado pela cultura do riso, a sua importância na

Idade Média e no Renascimento era considerável, por se opor à cultura oficial, ao tom

sério, religioso e feudal da época (BAKHTIN, 1999, p.3). As manifestações cômicas

ocorriam de diversas formas e em várias ocasiões, como as festas públicas

carnavalescas, os ritos e cultos cômicos, os bufões e tolos, gigantes, anões e monstros,

palhaços, literatura paródica, entre outras. Além disso, compreendia também as

diversas formas e gêneros do vocabulário familiar e grosseiro, incluindo-se os insultos,

juramentos etc. Para Bakhtin, essas manifestações cômicas populares

ofereciam uma visão do mundo, do homem e das relações humanas totalmente diferente, deliberadamente não-oficial, exterior à Igreja e ao Estado; pareciam ter construído, ao lado do mundo oficial, um segundo mundo e uma segunda vida aos quais os homens da Idade Média pertenciam em maior ou menor proporção, e nos quais eles viviam em ocasiões determinadas (...); sem levá-la em consideração, não se poderia compreender nem a consciência cultural da Idade Média nem a civilização renascentista (BAKHTIN, 1999, p.3).

Em relação ao carnaval, ele diz que essa festa situa-se na fronteira entre a arte e a vida,

pois ignora toda a distinção entre atores e espectadores, estes que não assistem ao

carnaval, mas o vivem. Isso abolia as relações hierárquicas para dar lugar a um contato

livre e familiar entre os indivíduos normalmente separados na vida cotidiana, o que não

acontecia nas festas oficiais.

É importante destacar que na própria literatura, na hierarquia dos gêneros, a obra de

Rabelais, Cervantes, Montaigne e outros autores permaneceu durante anos reconhecida

como “divertida”, “alegre”, ocupando o lugar mais baixo devido a sua comicidade. Para

que se mudasse esse conceito, portanto, foi necessário que os próprios leitores da

literatura oficial se diferenciassem e passassem a interessar-se pelo humor da cultura

popular.

Essas diversas manifestações populares, relata o teórico, ocorriam também no ambiente

escolar e universitário, onde os estudantes, por meio de festas e recreações,

participavam (e gozavam) de atividades que envolviam as brincadeiras, o riso, a vida

material e corporal. Durante esse período, os estudantes libertavam-se dos regulamentos

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escolares e da seriedade desse meio, para viver a alegria das alternâncias e das

renovações. Assim, venciam o medo das imposições, do mundo e do poder.

Esse ritual possibilita, em um nível simbólico, a paródia das organizações do poder, ou seja, essa representação do mundo “às avessas”, simboliza algo mais profundo, já que nos traz a noção da “relatividade de qualquer regime ou ordem social, de qualquer poder e qualquer posição (hierárquica)” (BAKHTIN, 1999, p.124).

Inspirado na obra de Bakhtin sobre Rabelais e a cultura popular renascentista, o

historiador Carlo Ginzburg afirma a tese de um movimento circular constante entre a

cultura erudita e a cultura popular. Em seu livro “O queijo e os vermes” o autor narra a

história de um moleiro friulano chamado Menocchio, que tinha uma capacidade

extraordinária de criticar os dogmas da Igreja Católica – em pleno século XVI, época da

Inquisição - e as atitudes de enriquecimento ilícito dos clérigos. Para defender-se das

acusações, esse personagem lança mão de uma série de argumentos baseados em suas

interpretações do vasto arsenal de leituras a que tinha acesso (a maioria foi presenteada

por amigos, padres, mulheres, outras foram emprestadas por alguém; apenas uma obra,

o “Fioretto della Bibbia” havia sido comprada), entre eles almanaques, canções, livros de

piedade, vida de santo etc. Entrementes, a forma muitas vezes “equivocada” com que

Menocchio interpretava essas leituras, serviu de indício para que Ginzburg suscitasse um

questionamento sobre a interferência da cultura oral na leitura de textos clássicos:

Como eram lidos pelo público de então? Em que medida a cultura predominantemente oral daqueles leitores interferia na fruição do texto, modificando-o, remodelando-o, chegando mesmo a alterar sua natureza? As referências de Menocchio a suas leituras nos dão um exemplo claro desse tipo de relação com o texto, a qual diverge por inteiro dos leitores cultos de hoje (GINZBURG, 1987, p. 27).

Segundo o historiador, “foi o choque entre a página impressa e a cultura oral”, da qual era

depositário, que induziu Menocchio a formular – para si mesmo em primeiro lugar, depois

aos seus concidadãos e, por fim, aos juizes – as “opiniões que saíram de sua própria

cabeça” (GINZBURG, 1987, p. 80).

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Ao defender a tese da “circularidade cultural”, Ginzburg cita Bakhtin, que ao analisar a

prosa de Rabelais chega à conclusão de que ela se nutria das manifestações populares

renascentistas e da cultura cômica popular. E que esta cultura, por sua vez, promovia

uma paródia da cultura de elite. Um movimento, portanto, de troca constante, de

“circularidade” permanente, de interpenetração e interferência mútua, no dizer de

Ginzburg. Assim, ele reflete sobre a relação entre a cultura das classes subalternas e

cultura das classes dominantes. Até que ponto a primeira se subordinaria a segunda?

Segundo ele, a idéia de subordinação entre culturas é uma concepção aristocrática,

concepção esta que classificava a cultura oral como subalterna, enquanto a escrita seria

representativa das elites e, portanto, oficial. Deveras, o que existe para ele e para

Bakhtin, é uma interpenetração recíproca entre as culturas de classes.

Algumas hipóteses gerais de reflexão...

podem ser levantadas a partir das idéias de Ginzburg e Bakhtin, bem como dos pontos

discutidos anteriormente. Parodiando a expressão “circularidade cultural“ podemos levar o

personagem Menocchio a “circular“ no ambiente da prosa rabelaisiana para tentarmos

estabelecer um diálogo entre obras, personagens, culturas populares e subalternas.

Que leituras Menocchio faria da obra de Rabelais? Que opiniões ele formularia e que

argumentos lhe seriam acrescentados para defender-se diante dos tribunais da

Inquisição? O fato é que se ele tivesse acesso a essa leitura, é possível que encontrasse

nela outras formas de ver o mundo e internalizasse diferentes concepções de vida.

Imagina-se que um moleiro leitor de Boccacio, Mandeville e a própria Bíblia não rejeitaria

ler Rabelais por sua complexidade, mas faria dele os usos que foi capaz de fazer, mesmo

com a interferência de sua cultura oral, dos inúmeros cânones a que teve acesso. Por

outro lado, fica claro que as leituras feitas por Menocchio não se constituíram em um

instrumento capaz de salvá-lo das acusações dos tribunais, ao passo que seu veredicto

final foi a condenação à morte. O choque da cultura da oralidade com a escrita não

impediu a produção de sentidos por parte do moleiro para com as obras lidas, mas nada

que se constitui-se em um instrumento capaz de defendê-lo diante da inquisição.

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Metaforizando a obra de Dostoievski, Menocchio seria também o personagem dessa

poética, uma vez que se reconhece como um homem inacabado, que tenta se completar

a todo instante saciando a sede e a fome da sua alma por meio da literatura, seja ela

popular ou clássica.

Ao analisar a obra de Rabelais, Bakhtin faz jus a sua complexidade e chega a comentar

sobre a necessidade de um certo refinamento para entendê-la. Uma parte desse

refinamento seria o entendimento de que a beleza da obra literária dá-se na união da

forma com o conteúdo. Trata-se de uma beleza que exige um olhar mais aguçado e com

certo estranhamento.

Em relação a isso, Kleiman (2000) destaca a importância, na leitura, das experiências,

dos conhecimentos prévios do leitor, que lhe permitem fazer projeções e inferências sobre

o texto. O leitor constrói e não apenas recebe um significado global para o texto: ele

procura pistas formais, formula e reformula hipóteses, aceita ou rejeita conclusões, usa

estratégias baseadas no seu conhecimento lingüístico e na sua vivência sociocultural, seu

conhecimento do mundo. Para Lajolo (1982), a relação que se estabelece no ato de

leitura torna-se mais complexa quanto mais amadurecido estiver o leitor e maior qualidade

estética tiver o texto. Desde que não se preste exclusivamente a uma prática utilitarista de

leitura sistematizada, o texto literário pode constituir um excelente meio de contato com a

pluralidade de significações que a língua assume em seu máximo grau de efeito estético.

Assim, esse ”refinamento”, do qual fala o teórico russo, é constantemente associado, por

profissionais responsáveis de promover o encontro da literatura com os estudantes, a

questões de classe social. Logo, àquele aluno que teve mais acesso à leitura no ambiente

familiar e convive com parentes e pessoas próximas letradas, é atribuída maior

capacidade de compreender um texto clássico.

Todavia, Antônio Cândido rompe com essa concepção, ao atentar para o fato de que

obras como Dom Quixote, Os Lusíadas e obras de Machado de Assis podem ser fruídas

em todos os níveis e são importantes para desenvolver esse afinamento pessoal, se a

nossa sociedade não segregasse os indivíduos em grupos sociais, impedindo a difusão

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dos produtos eruditos e confiando ao povo apenas uma parte da cultura, a chamada

cultura popular. Ele exemplica casos como o do Brasil, que tem de um lado altos níveis de

instrução erudita, e de outro um grande número de analfabetos, sem acesso aos próprios

bens materiais necessários à subsistência. Ao conceber a literatura como a a reunião de

todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis da

sociedade, Antônio Cândido inclui nesse arsenal as diversas manifestações culturais,

desde a chamada cultura popular, como o folclore, a lenda, as paródias, até as formas

mais complexas de produção escrita das grandes civilizações. Resta saber se esse

suposto refinamento e gosto pelas leituras clássicas não estaria deficitário para os

próprios formadores de leitores, o que talvez explicaria a preferência por leituras de fácil

compreensão.

Octávio Paz relaciona essa questão – a substituição dos cânones por obras consideradas

de fácil entendimento – a uma suposta negação do passado e por conseguinte um

enaltecimento do presente:

Nossa época exaltou a juventude e seus valores com tal frenesi, que fez desse culto, não tanto uma religião, mas uma superstição; contudo, nunca se envelheceu tanto e tão rápido como agora. Nossas coleções de arte, nossas antologias de poesia e nossas bibliotecas estão cheias de estilos, movimentos, quadros, esculturas, romances e poemas prematuramente envelhecidos (p. 22).

Ele atenta para as mudanças e revoluções estéticas ocorridas no último século,

concluindo que não se trata de rupturas, mas de continuidades, persistência de certas

maneiras de pensar, de ver, de sentir (p. 24).

Enfim, retorno ao personagem Menocchio, um simples moleiro friulano produto de um

entrelaçamento de culturas orais e eruditas. De outro lado, o clássico escritor Rabelais,

que apesar de tão erudito, alimentou-se da cultura popular ao construir sua obra. O riso, a

alegria, a simplicidade, o grotesco, o carnavalesco, os sonhos, a ficção, as paródias, o

refinamento, o estranhamento, enfim, tudo isso faz parte da complexidade humana, que

não escolhe classes sociais e não se fixa em determinados períodos históricos. A questão

é que homens, mulheres, jovens e crianças, parecem sentir a necessidade de expressar-

se por meio da fábula e do sonho.

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Nesse sentido, questiona-se nesse trabalho em que medida a escola tem se constituído

em um espaço/tempo para se vivenciar essas experiências, de forma a promover, em

movimento circular, o encontro do culto e do popular. Um encontro no qual fosse

estimulada a reflexão e a expressão de sentimentos a partir de experiências com a leitura

literária.

5.5 POR QUE LER LITERATURA?

A Literatura, assim como outras expressões artísticas, está sujeita a mecanismos de

mercado. A mídia que impulsiona o ‘sucesso’ de determinados textos e autores, promove

a opacidade de outros. Assim, lê-se por prazer, mas lê-se e compra-se livros também por

modismo. Paralelo a isso, tem-se as telas cinematográficas cada vez cada vez mais ricas

efeitos visuais, trilhas sonoras e tantos outros aparatos que envolvem a atenção do

telespectador. Além, é claro, das telenovelas, dos entretenimentos do mundo virtual, dos

jogos eletrônicos, dentre tantas outras formas de lazer e de aprendizagem que temos à

nossa disposição nos dias atuais. A partir disso, questiona-se, mais uma vez, qual seria o

lugar e o papel da Literatura em nossa sociedade.

Segundo Alfredo Bosi, a atividade literária pode constituir-se em um instrumento de valor

para a formação da cultura de um povo, bem como para expressar e problematizar

diferentes culturas. Em seus ensaios e livros o autor não se limita à análise literária sob o

ponto de vista estético; seu objetivo é também e principalmente ressaltar a

contextualização histórica, social e cultural das obras literárias. Ao analisar a obra Dom

Quixote, por exemplo, o autor abre o leque de usos que essa criação pode ter sob o olhar

de diferentes leitores. Segundo ele, o leitor encontra na literatura o mundo de seus heróis.

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Ele pode fazer apenas uma leitura apaixonada, viver as aventuras de suas personagens

prediletas e torcer por elas. Pode também, com a mentalidade de seu tempo, encontrar

novos sentidos para uma obra. Por outro lado, pode apenas divertir-se com as loucuras

de Dom Quixote e rir delas. Pode esperar que o cavaleiro venha salvá-lo e sair a procura

de Dulcinéias. Mas pode também encontrar no texto marcas deixadas pelo autor, que

recuperam parte do pensamento da época em que o livro foi escrito.

Percebe-se, até então, a importância da Literatura relacionada ao sonho como direito

(incompressível) do ser humano, como pilar de uma racionalidade estético-expressiva e

riqueza cultural, histórica e social de um povo. Mas, o que então diferencia o texto literário

de outras modalidades discursivas? Por que ler, também, Literatura, se temos ao nosso

alcance tantos outros recursos – como as novelas televisivas, filmes, documentários etc -

que nos põem em contato com o universo fabulado? Recursos esses que em plena era

visual nos são muitas vezes mais atraentes devido à comodidade de se mergulhar na

ficção por meio de imagens e discursos prontos e um arsenal de efeitos sonoros e visuais

que nos envolvem em uma dimensão fantasista.

Poderíamos dizer, de forma simplista, que o texto literário se distingue de outras

modalidades discursivas pela “superioridade” de suas mensagens, pela “nobreza” dos

conteúdos que ele possa veicular ou pela capacidade que a obra de arte teria de dar voz

a experiências que os outros meios de comunicação não são capazes de expressar.

Todavia, para Fuentes (1993), o valor social e humano da literatura reside não sobre o

que "é dito", mas sobre aquilo que o texto constela a partir do "não dito". É desta forma

que ele compreende a literatura: se a ficção preserva sua importância não pelo que ela

diz, mas pelas possibilidades de acesso que ela abre ao mucho más que no es dicho

(FUENTES, 1993. p.12), é porque coloca-se aqui a questão da imaginação e do sonho. O

papel da obra literária se definiria, então, por sua capacidade de colocar em cena o

domínio do "tempo e do desejo" (FUENTES, 1993. p. 13), ou seja, o domínio da

imaginação, no campo da comunicação com o leitor. Em seu texto ¿Ha muerto la novela?

é possível compreender que, para o autor, a imaginação, e não a mera informação, pode

levar ao conhecimento. Pois a imaginação, resgatada pela ficção literária, pode levar o

leitor a certas áreas inacessíveis da vida. A obra literária abre múltiplas possibilidades de

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caminhos por onde o leitor pode viver experiências que lhe são recusadas no seu

cotidiano. O texto encenaria o invisível, representaria o irrepresentável pela capacidade

do poema ou do romance de configurar, através do que é escrito, aquilo que se faz

presente por sua ausência representativa. A ficção ofereceria formas ao imensurável

território do não-dito:

Pués aunque no existisse una sola antena de televisión, un solo periódico, un solo historiador o un solo economista en el mundo, el autor de novelas continuaría enfrentándose al territorio de lo no-escrito, que siempre será, más allá de la abundancia o parquedad de la información cotidiana, infinitamente mayor que el territorio de lo escrito (FUENTES, 1993, p.13).

Segundo o autor, portanto, o caráter privilegiado da obra literária residiria na sua

capacidade de estimular a imaginação e submeter o leitor a diferentes experiências.

Para Yunes (1995), outras habilidades podem ser desenvolvidas por meio da leitura, entre

elas a memória. Nesse sentido, o ato de ler, quando pede a atitude responsiva do leitor,

suscita suas memórias, que guardam seus sonhos, suas opiniões, sua visão de mundo.

Por isso, o ato de ler convoca o leitor ao ato de pensar. A intersubjetividade é outro

aspecto abordado pela autora. Para ela, o ato de leitura é interação não apenas do leitor

com o texto, mas com as vozes presentes nos textos, marcas do uso que os falantes

fazem da língua, discursos que atravessam os textos e os leitores. Soma-se a isso o

desenvolvimento da capacidade de interpretação, pois a leitura não acontece no vazio. O

encontro de subjetividades e memórias resulta na interpretação. Ela destaca ainda a

importância da fruição, uma vez que o ato de ler não se esgota ao final da leitura e das

sensações. A leitura permanece. E nisso o prazer que ela proporciona difere do prazer

que se esgota rapidamente. Yunes decorre de “uma percepção mista de necessidade e

prazer [...]” (YUNES, 1995, p.194). É importante destacar também que o ato de ler

envolve resposta a muitos textos, em diferentes linguagens, que antes do ato de leitura

permeiam o mundo e criam uma rede de referências e recriações: palavras, sons, cores,

imagens, versos, ritmos, títulos, gestos, vozes etc. No ato de ler, portanto, a memória

recupera intertextualidades.

É interessante, também, destacar que o escritor brasileiro José de Alencar, no prefácio a

Sonhos d’Ouro, em 1872, enfatizou a idéia da literatura como arma política:

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a literatura nacional que outra coisa é senão a alma da pátria, que transmigrou para este solo virgem com uma raça ilustre, aqui impregnou-se da seiva americana desta terra que lhe serviu de regaço; e a cada dia se enriquece ao contato de outros povos e ao influxo da civilização? [...] Sobretudo compreendam os críticos a missão dos poetas, escritores e artistas, nesse período especial e ambíguo da formação de uma nacionalidade. São estes os operários incumbidos de polir o talhe e as feições da individualidade que se vai esboçando no viver do povo (p. 9-11).

Em outra perspectiva, também importante, a escritora Ana Maria Machado, num ensaio a

respeito da questão, “Literatura para Todos”, resultado de uma palestra apresentada no

Encontro Anual da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infanto-Juvenil,

em 2004 , fala sobre a necessidade de

[...] substituir o senso comum tradicional por um espírito crítico capaz de formular seus próprios anseios. Sem leitura de literatura, essa meta fica muito distante, se não inatingível. Por mais que hoje tenhamos também outros meios e outras linguagens, nenhuma outra produção cultural tem o potencial do texto literário para desempenhar esse papel. Só a literatura – com o tempo e o ritmo que caracterizam a palavra escrita – permite que se desenvolva tanto a imaginação do usuário, dando-lhe a possibilidade de criação individual de roteiros improváveis paralelos, enquanto lê. Ou lhe propiciando a simultânea construção imaginária, às vezes até inconsciente, de cenários utópicos sofisticadamente estruturados. Só ela é capaz de acompanhar de dentro a mente de diferentes personagens com visões do mundo variadas, contraditórias e complementares, ou contrapor autores diversos, mas igualmente fortes e sedutores. Com isso, ao mesmo tempo, ela é capaz de ensinar tolerância, respeito à diferença e a capacitar a que se oponham teses distintas e se busquem as sínteses necessárias (2004).

Compreende-se dessa forma, que o trabalho com a leitura literária implicaria, segundo

alguns autores, o reconhecimento da incompletude dos processos discursivos e os

vazios que eles apresentam – implícitos, pressupostos, subentendidos – que podem ser

“preenchidos” pelo leitor. De igual modo, a Literatura poderia ser utilizada como arma

política e como instrumento para o desenvolvimento do senso crítico e para a formação

da cultura de um povo, bem como para expressar e problematizar diferentes culturas.

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6 O ENSINO DE LITERATURA NO CONTEXTO ESCOLAR

6.1 SOBRE A ESCOLA

A pesquisa foi realizada em uma escola estadual do município da Serra, Espírito Santo.

Segundo dados divulgados pelo IBGE7, até o ano de 2007, o município possuía em média

385.370 habitantes, distribuídos em uma área territorial de 553 km². Os habitantes contam

atualmente com 127 escolas de Ensino Fundamental (38 estaduais, 53 municipais e 36

particulares) e 30 de Ensino Médio (18 estaduais e 12 particulares). O município dispõe

ainda de 10 instituições de Ensino Superior, todas da rede privada. Até o ano de 2006,

havia 80.496 alunos matriculados no ensino básico (64.156 no Ensino Fundamental e

16.340 no Ensino Médio).

O município teve início com a fundação de uma aldeia próxima ao morro Mestre Álvaro8 -

montanha com 833,00m de altitude; na várzea, onde foi construída uma pequena igreja e

em volta se estabeleceram os fundadores, em local diferente onde hoje se encontra a

Igreja de Nossa Senhora da Conceição, ½ légua da atual localização da Igreja matriz.

Seus fundadores foram Maracajaguaçu, Chefe dos índios Temiminós e o padre jesuíta

Brás Lourenço, que a 08 de dezembro de 1556, terminaram a obra da igreja e assim,

fundaram a então, a Aldeia de N.S. da Conceição da Serra, hoje Serra.

A escola onde se desenvolveu a pesquisa situa-se no bairro Cidade Continental, que 9surgiu de um conjunto habitacional, há 11 anos. O bairro já foi uma fazenda que tinha

como marca uma vasta quantidade de árvores frutíferas. O local foi projetado pelo

Conjunto Habitacional Capixaba (CNH), e a construção de 2.685 residências ficou a cargo

da Cooperativa Habitacional do Espírito Santo (Cohab-ES), com financiamento pela Caixa

7 Dados disponíveis no site http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php 8 Informações disponíveis no site http://www.camaraserra.es.gov.br/hist_municipio.asp 9 Dados publicados pelo jornal A Tribuna em 22 de outubro de 2007, p. 05.

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Econômica Federal. As obras tiveram início em 1990 e foram concluídas cinco anos

depois.

O bairro foi dividido em setores, que receberam os nomes de cinco dos seis continentes

do planeta: Ásia, África, América, Oceania e Europa. Cidade Continental foi entregue com

água encanada, energia elétrica, rede de esgoto e com as vias públicas asfaltadas. O

sorteio para a ocupação das casas foi realizado em duas etapas, sendo a primeira

realizada em outubro de 1995, quando, na ocasião, 1.455 pessoas foram contempladas.

A segunda etapa foi realizada em abril de 1996, quando 1.410 residências foram

sorteadas.

As ruas e avenidas do bairro possuem nomes que fazem referências aos países e

personalidades dos cinco continentes do planeta Terra. O comércio de Cidade Continental

começou a se desenvolver em 1997, com a iniciativa dos moradores locais. Atualmente,

tornou-se o bairro das confecções10, com as mulheres indo à procura de trabalho próximo

à família e com renda garantida e investindo nesse ramo.

Cidade Continental possui também, três escolas11 estaduais e uma municipal.

A escola Maria Eleonora12, onde se realizou a pesquisa, foi a segunda instituição

estadual de ensino a ser construída no bairro, em 08 de março de 199613. Desde a

fundação, a escola funciona com ensinos fundamental e médio. O prédio, que já passou

por algumas reformas, é freqüentado atualmente por 1.200 alunos, aproximadamente. O

nome14 oficial da instituição deu-se em homenagem a uma superintendente de Educação

do município da Serra, que faleceu na época da construção do colégio. A instituição

possui atualmente 30 turmas (total dos três turnos) com a média de 40 alunos por sala.

Desse total, participaram da pesquisa, incluindo a fase de observação de aulas, além de

entrevistas (orais ou por questionário escrito) um total de 220 alunos15. O colégio conta

10 Informações publicadas pelo jornal A Tribuna em 23 de outubro de 2007, p. 09. 11 Informação disponível no site serra.es.gov.br. Consulta realizada no dia 06.04.2007. 12 Nome fictício, conforme informado na introdução do trabalho. 13 Portaria E 3217. 14 Informações obtidas em entrevista a funcionários da Superintendência de Educação do Estado. 15 Uma pesquisa realizada pela CST no ano de 2007 estará em breve disponível na escola. O trabalho traça o perfil dos adolescentes dessa instituição de ensino.

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com 10 salas de aula, biblioteca, cantina, cozinha, laboratório de informática, quadra de

esportes, banheiros, auditório, secretaria, salas de supervisão e direção.

6.2 FRAGMENTOS DAS OBSERVAÇÕES EM SALA DE AULA

Ao chegar à escola, fui bem recebida pela pedagoga, que comentou a respeito da

carência de pesquisas sobre a instituição, bem como da necessidade de profissionais

mais empenhados em aperfeiçoar as práticas pedagógicas e contribuir para melhores

resultados no processo de ensino-aprendizagem. Além disso, fui informada de que, por

ser fim de ano letivo, a escola se empenhava em recuperar notas de alguns alunos, o que

alterava a rotina da escola.

Na disciplina de Literatura, especificamente, para efeito de avaliação final do ano letivo,

os alunos foram incumbidos de preparar e apresentar seminários, cujos temas eram

direcionados pela professora. Dentre as exigências do trabalho, estavam a apresentação

teatral do tema e a explicação verbal do conteúdo para a turma.

No total, foram assistidos 26 seminários, realizados no auditório da escola, no turno

matutino. A sala ampla e bem iluminada tinha capacidade para aproximadamente 80

alunos.

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Foto 1 – Auditório da escola

O ambiente é agradável, dispõe de dois aparelhos de ar condicionado, dois ventiladores,

um quadro branco, um aparelho de tevê, um DVD, persianas, armário e um palco onde

foram encenadas as apresentações.

A professora esclareceu-me que não ministrou aulas para explicar o conteúdo dos

trabalhos, pois pretendia fazê-lo após a apresentação de todos os alunos. Como suporte,

ela preferiu disponibilizar algumas de suas aulas para que os estudantes pesquisassem e

preparassem os trabalhos.

Relato a seguir alguns momentos presenciados durante as observações:

a) Os seminários

Chegou enfim o primeiro dia de apresentações.

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Momento 1. Instante de expectativa. O primeiro grupo (do primeiro ano) se dirigia ao

palco, enquanto a professora se empenhava em manter a disciplina da turma. Lembrei-

me nesse instante de cenas não muito diferentes de minha época de adolescente. A

apresentação de trabalhos era (e ainda é) um momento de grande tensão para a maioria

dos estudantes.

Aparentemente nervosos, os apresentadores folheavam os cadernos e resumos para a

última leitura da parte que cada um deveria apresentar.

Oscilavam no meio da turma momentos de risos, conversas, pedidos de silêncio, olhares

atentos e outros apreensivos, enquanto um barco muito grande confeccionado com jornal

é levado ao palco para compor o cenário da peça cujo tema era Literatura informativa

sobre o Brasil.

Foto 2 – Apresentação do seminário: Literatura informativa sobre o Brasil

Tudo pronto e o silêncio parecia tomar conta do ambiente.

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Com voz baixa e rápidas passadas de olho nos pedaços de papel dentre as mãos, os

alunos, em poucos minutos, comentaram sobre as cartas escritas na época do

descobrimento do Brasil. Simultaneamente, a professora procurava intervir com perguntas

sobre a temática, sobre a participação de cada aluno no trabalho e sobre a postura dos

atores no palco (alguns ficavam sentados, outros afastados do grupo, outros encostados

no quadro). A platéia, que se divertia com a apresentação dos colegas, era envolvida em

um misto de descontração e apreensão ao mesmo tempo, visto que em poucos minutos

trocaria de lugar com os apresentadores e teria também os seus minutos de “glória” (para

uns) ou “tortura” (para outros, que temiam pela avaliação). O grupo se empenhava em

explicar para a turma os fatos históricos referentes ao Brasil Colônia. Aos poucos, as

palavras pareciam se perder, tornavam-se poucas, até que desapareceram por completo,

dando lugar ao silêncio mais uma vez. Restou o olhar soslaio dentre os atores e, em

seguida, os aplausos surgidos de um pequeno grupo estenderam-se ao restante da

turma. Era o sinal de que a apresentação acabara. O barco confeccionado com papel foi

retirado do palco e, segundo os alunos, seria levado para a casa de algum membro do

grupo.

Momento 2. _ Próximo grupo!

Silêncio, alguns sussuros e troca de olhares.

_ Próximo grupo! – repetia a professora.

Em alguns segundos um componente do “próximo grupo” se manifestou, alegando que o

trabalho não havia sido preparado. Imediatamente a professora mostrou-se decepcionada

e o advertiu sobre a nota que isso implicaria para aquele grupo.

Ao perceber que realmente não haveria apresentação, anunciou então o outro “Próximo

grupo!”. Como se o “replay” fosse acionado, a cena de silêncio se repetia. Inconformada,

a professora entrou em cena e declarou toda a sua indignação pelo descaso dos alunos

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mesmo depois de tantas aulas que cedera para a preparação dos trabalhos. Nenhuma

surpresa. Veio à tona novamente o discurso das notas para esses alunos.

Enfim, um outro grupo se prontifica a apresentar o seminário. “Barroco” era o tema.

Quatro alunos, acompanhados de seus inseparáveis rascunhos alternavam-se na fala,

que durou pouco mais de 3 minutos. Rapidamente o período histórico do Barroco foi

mencionado, a todo instante relacionado à religião. A professora, então, interferia,

questionando a respeito das artes e da literatura desse período. “O Barroco foi só um

período depois do Classicismo...foi o que a gente entendeu”, disse um aluno. Ela

perguntou então sobre a encenação do grupo, que havia apenas “explicado” o assunto.

Logo, um dos componentes que já estava com uma vassoura na mão, encenou Jesus

Cristo carregando a cruz....motivo: enfatizar a relação entre o Barroco e a religião. A fonte

de pesquisa, segundo os estudantes, foi o livro didático utilizado nas aulas. Em poucas

palavras, a professora liberou o grupo para que fosse à biblioteca pesquisar mais sobre o

assunto, para apresentar novamente na semana seguinte.

Foto 3 – Alunos apresentado seminários com os respectivos resumos

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Enfim, chegara a vez do grupo que causava tanta expectativa na turma: era a vez dos

fantoches e cartazes. Em um diálogo dos bonecos, um dos atores perguntava a outro o

que entendia por Arcadismo. Como resposta, uma crítica à professora: “tenho uma

professora que não sabe explicar a matéria”. A apresentação continuou e em poucos

minutos o grupo explicou o contexto histórico do Arcadismo e citou seus principais

autores. No cartaz havia alguns poemas, que não foram lidos para a turma nem ficaram

expostos após a apresentação (todo o material utilizado era levado para a casa dos

alunos).

Intervalo.

Foto 4 – Apresentação do seminário “Arcadismo”.

Momento 3. Iniciam-se então as apresentações dos alunos do segundo ano. Os trabalhos

seguiriam os mesmos moldes do primeiro ano, com diferença da temática.

Com voz baixa, uma aluna do primeiro grupo leu o poema Amemos!, de Castro Alves,

enquanto os alunos contracenavam. O tema: Romantismo. Em seguida foi explicado o

contexto histórico do período literário e citadas as principais obras de Castro Alves. Em

dado momento, uma comparação foi feita entre o autor e Álvares de Azevedo. Um aluno

então perguntou ao grupo se havia outros autores que se destacaram no período. “A

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gente não viu outro não”, disse um dos componentes. Anunciou-se então o fim do

trabalho.

O grupo seguinte, em tom corajoso, anuncia que não fez o trabalho. Minutos depois, após

todo o discurso da professora sobre as notas, duas alunas se prontificaram a entrar em

cena, com o livro didático na mão e leram trechos do capítulo sobre Romantismo. Uma

delas comentou ter lido Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco e disse que o grupo

pretendia encenar parte da peça Romeu e Julieta, mas não preparou. A professora então

perguntou que relação teria Romeu e Julieta com o assunto. Com simplicidade, a aluna

explicou que o romance de Castelo Branco poderia ter se inspirado na obra de

Shakespeare, por tratar de um amor impossível. Sem maiores comentários, encerrou-se a

apresentação das alunas.

E assim deu-se seguimento à apresentações. Um aluno apresentou sozinho, lendo seu

rascunho. Outros grupos contracenaram. Em geral, houve o enfoque dos aspectos

históricos e sociais do período, bem como questões econômicas e religiosas, citação das

principais obras e autores. O texto às vezes aparecia em um cartaz. Algumas vezes era

lido, outras não. Utilizou-se também outros recursos, como a maquete (representando o

Brasil Colônia), o retroprojetor, o vídeo (um grupo fez uma gravação, com fundo musical

gospel, sobre a morte de Cristo, para relacionar o Barroco à religião). A figura de

Aleijadinho foi bastante enfatizada por um grupo de alunos, principalmente sua aparência

física. Chamou-me atenção nessa hora a preocupação desses alunos em pesquisar

certos detalhes, dentre eles os nomes dos escravos de Aleijadinho. Todavia, ao serem

questionados pela turma sobre a doença do artista, não souberam responder. Outro

aluno deu ênfase a Padre Antônio Viera, mas não soube responder, quando questionado

por um colega, sobre o que seria um “orador” - palavra muito citada na apresentação. Os

apresentadores explicaram que procuraram o sentido do termo, mas não descobriram, e

que provavelmente estaria relacionado a “alguém que ora”. Alguns conceitos também

foram mencionados, como o cultismo e o conceptismo. Mais uma vez o aspecto religioso

foi enfatizado por alguns alunos, ao encenarem a peça da passagem bíblica em que uma

prostituta é livrada, por Jesus, do apedrejamento. Outros optaram por ler um trecho do

sermão da sexagésima e ao explicarem o que entenderam recorreram a conhecimentos

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bíblicos sobre o “falso profeta”. Um grupo, que optou por encenar um jornal televisivo,

tratou da liberdade de expressão e fez relação à época da Inquisição. Em seguida, leu o

poema de Camões “Amor é fogo que arde sem se ver”. Ao serem questionados sobre o

que entenderam do texto, os alunos disseram que o objetivo era apenas mostrar o jogo de

palavras e as antíteses, mas não souberam mostrar como esses elementos apareciam no

poema.

Encerradas as 26 apresentações de seminários, a professora fez um balanço para a

turma de quem apresentou ou deixou de apresentar. Alguns alunos optaram por ficar sem

nota, mesmo com a chance de apresentarem outro dia.

Terminado o clima de avaliação, a descontração volta a fluir em meio aos comentários da

professora sobre sua participação nos jogos da escola. Emendam-se as notícias sobre o

futebol no país e outros fatos.

Quando questionada sobre a presença marcante dos aspectos religiosos nos trabalhos

dos alunos, a professora explicou que a maioria dos estudantes são evangélicos e que a

escola recebe semanalmente a visita de um pastor que leva peças teatrais para abordar o

problema das drogas, da criminalidade e outros assuntos voltados para o público jovem.

Momento 4. Após os seminários, de volta para a sala de aula. Encerrada a maratona de

eventos, o velho quadro de giz volta a desempenhar suas funções. A professora passa no

quadro alguns conceitos sobre os períodos literários apresentados pelos alunos:

informações sobre o contexto histórico e social, principais obras e autores. Os alunos

copiam, resolvem exercícios se preparam para as aulas da próxima semana, não mais de

Literatura, mas de gramática.

Durante os seminários de Literatura apresentados pelos estudantes, prevaleceram as

falas decoradas sobre a vida de alguns autores e os períodos literários. Em alguns

(poucos) trabalhos, foi recitado um (ou parte de um) poema, ou simplesmente o texto foi

exposto em um cartaz, sem que fosse feita a leitura durante a apresentação. Apesar

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dessa situação observada, surpreendeu-me que a maioria dos alunos admitiu não ter

sequer pesquisado sobre o assunto do trabalho; outros disseram ter lido o livro didático de

português; pouquíssimos alunos disseram ter lido alguma obra literária relacionada ao

tema do trabalho.

A observação de momentos como os citados acima me levaram a refletir sobre o poder

humanizador da Literatura, apregoado por Antônio Cândido e por outros autores.

Perguntei-me se aqueles momentos e se aquelas práticas escolares possibilitavam, de

alguma forma, a liberação da criatividade, da imaginação e do sonho daqueles jovens.

Aparentemente, havia um grande empenho em se exercitar a memorização de dados;

tentava compreender, porém, em que dimensão fruía-se também a intersubjetividade, a

interpretação e a intertextualidade a partir das leituras efetuadas pelos estudantes para a

preparação do trabalho. A partir dessas reflexões, dediquei-me a uma maior aproximação

dos sujeitos envolvidos neste estudo, com o intuito de buscar entender a relação direta

desses indivíduos com a Literatura.

6.2.1 O que dizem os estudantes

Outras informações foram obtidas por meio de diferentes instrumentos, como entrevistas

(a alunos, professora, pedagoga e funcionários da Superintendência de Educação do

Estado), questionários escritos e consulta aos boletins informativos recentes da

Associação de Leitura do Brasil (ALB). Do total de 220 questionários distribuídos, foram

recolhidos 115.

Os alunos entrevistados pertenciam à faixa etária de 14 a 18 anos. Uma das perguntas

direcionadas a eles foi: “Na sua opinião, para que serve a literatura e por que faz

parte do currículo da escola?” As respostas obtidas, em ordem de maior reincidência,

foram as seguintes:

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Serve para conhecer culturas e linguagens de diferentes lugares - 37 respostas semelhantes a esta.

Ajuda a aprender histórias dos países no passado - 19 respostas semelhantes a esta.

Aprender sobre os períodos literários - 12 respostas semelhantes a esta.

Desenvolver a leitura dos alunos – 11 respostas semelhantes a esta.

Ajuda a compreender outras matérias devido a interpretação de texto - 6 respostas semelhantes a esta.

Provavelmente terá alguma utilidade no futuro, na hora de arrumar um emprego – 6 respostas semelhantes a esta.

É um momento de lazer, pra viajar na ficção – 6 respostas semelhantes a esta.

Nos ajuda a entender a nossa própria realidade – 6 respostas semelhantes a esta.

Não sei. Só estudo pra não ficar com nota baixa – 5 respostas semelhantes a esta.

Ajuda a aprimorar a nossa comunicação – 4 respostas semelhantes a esta.

Ajuda a compreender a matéria de português – 3 respostas semelhantes a esta.

Ajuda a entender as estruturas textuais – 3 respostas semelhantes a esta.

Aprimorar a escrita – 3 respostas semelhantes a esta.

Algumas pessoas citaram mais de uma resposta. Onze pessoas optaram por não responder à pergunta.

Outra questão direcionada aos alunos foi: Na sua opinião, por que algumas obras são

consideradas mais apropriadas no contexto da escola? Você concorda com as

obras escolhidas pela escola para a leitura dos alunos? Concorda com os critérios

de escolha?

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A maioria dos alunos não respondeu à pergunta. Dentre os que a responderam, quase

todos afirmaram não conhecer os critérios de escolha, mas concordar com os livros

utilizados. Algumas justificativas foram:

A escola escolhe os livros de acordo com o que os alunos precisam aprender – 21 respostas semelhantes a esta.

As obras são escolhidas de acordo com a faixa etária dos alunos – 6 respostas semelhantes a esta.

As obras escolhidas pela escola são mais resumidas, o que facilita a leitura – 4 respostas semelhantes a esta.

São obras que aumentam a vontade de ler – 2 respostas semelhantes a esta.

Provavelmente esses livros serão úteis no futuro, na hora de procurar emprego – 2 respostas semelhantes a esta.

Dentre os alunos que não concordam com a escolha dos livros, apareceram as seguintes

justificativas:

Os alunos deveriam ter a liberdade de escolher os livros que querem ler – 4 respostas semelhantes a esta.

Os livros usados na escola são muito infantis – 4 respostas semelhantes a esta.

Algumas obras estabelecem tabus – 4 respostas semelhantes a esta.

Ao serem questionados sobre o que eles buscam em um livro de literatura, de forma a

haver envolvimento com a obra, alguns alunos responderam:

Emoção, suspense, tragédia, aventura, drama, ação, comédia, viajar na história lida – 35 respostas semelhantes a esta.

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Procuro conhecer autores e períodos literários – 27 respostas semelhantes a esta.

Procuro exemplos que possam me ajudar de alguma forma / semelhança com a realidade – 17 respostas semelhantes a esta.

Não costumo ler livro de literatura - 12 respostas semelhantes a esta.

Não gosto de ler literatura – 9 respostas semelhantes a esta.

Histórias pequenas e fáceis de se entender – 3 respostas semelhantes a esta.

Procuro uma linguagem para aperfeiçoar minha escrita - 2 respostas semelhantes a esta.

Procuro histórias alegres, com final feliz – 2 respostas semelhantes a esta.

Acho que muitos livros são ultrapassados, não representam a nossa realidade: 1 resposta.

Linguagem de fácil compreensão – 1 resposta.

Histórias curtas – 1 resposta.

Em relação aos informantes para livros de literatura:

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75

55%26%

4%

15%

Gráfico 1 – Informantes para livros de literatura (alunos). Número de alunos: 115.

Quando questionados sobre qual seria o principal informante para suas leituras de livros

de literatura, a maioria dos alunos respondeu para a categoria “outros”, na qual

predominaram afirmações do tipo: “leio apenas a Bíblia, pois ela é suficiente para a

minha vida”, “leio apenas aquilo que me mantém informado sobre atualidades ou

assuntos específicos, como sexualidade, jogos, adolescência etc”, ou “ escolho o livro

pela capa". Foram agrupadas nessa categoria as respostas de 63 alunos, e

predominaram as afirmações citadas. Em segundo lugar, os “amigos” foram apontados

como principais informantes de livros de literatura (total de 30 alunos); com 17 votos, o

professor foi apontado como o principal indicador de leituras literárias e, em último lugar,

os familiares e parentes, com 5 votos. Nenhum aluno entrevistado deixou de responder a

esta questão.

A mesma questão foi levantada pela Associação de Leitura do Brasil, no ano de 2007,

para professores de todo o País, por enquete realizada via email. Seguem, a seguir, os

resultados obtidos.

outro

amigos

professor

familiar ou

parente

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Gráfico 2 – Informantes para livros de Literatura (professores)

16Qual o principal informante para as suas leituras de livros de literatura? "amigas"

parecem responder majoritariamente para a categoria "outro" nesta pesquisa,

complementadas por suplementos de jornais, sites e pelas necessidades profissão. Em

seguida, por ordem de importância, apresenta-se o "professor" como forte informante de

leitura para os respondentes desta pesquisa. Depois, em ordem decrescente se colocam:

lista bibliográfica, colega de trabalho, autor de resenha e familiar ou parente. Isto parece

mostrar que as pessoas não recebem sugestões de livros de literatura em âmbito familiar

e muito menos fazem as suas opções através da leitura de resenhas. Ainda que dentro da

categoria "outro" exista predominância de "amigos, o ambiente acadêmico exercem

significativa função nessas escolhas: professor, bibliografia e colega de trabalho.

16 Os gráficos e resultados da pesquisa realizada pela ALB foram organizados por Ezequiel Theodoro da Silva, em 12

de outubro de 2007, e podem ser conferidos no site da ALB, no link http://www.alb.com.br/pag_cenario.asp. Optei por

manter, neste trabalho, a organização gráfica e textual da enquête original.

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A ENQUETE

Qual o principal informante para as suas leituras de livros de literatura?

Outro - 29,38% (265 votos)

Professor - 22,17% (200 votos)

lista bibliográfica - 18,40% (166 votos)

colega de trabalho - 13,64% (123 votos)

autor de resenha - 10,09% ( 91 votos)

familiar ou parente - 6,32% ( 57 votos)

Total: 902 votos

COMENTÁRIOS17

confidencial - Leio temas de acordo com a necessidade de meu trabalho (liderança), família, auto-ajuda e livros indicados na folha de São Paulo ou revistas educativas. confidencial - É urgente a tarefa de produzir jornais de informação e divulgação literárias. confidencial - Acho que os amigos se tornam a nossa "comunidade de leitura" para livros de literatura. confidencial - Os amigos e colegas de cursos são também informantes importantes na escolha de livros a serem lidos. confidencial - Relaciono as obras referentes à pesquisa que estiver desenvolvendo (minha ou de orientandos) e, a partir dessas, vou encontrando outras correlatas. confidencial - Normalmente estabeleço um projeto de leitura e pesquiso quanto às obras

17 Comentários divulgados pela ALB, em sua pesquisa publicada no site da Associação de Leitura do Brasil, no link

http://www.alb.com.br/pag_cenario.asp

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que atendem a esse projeto. Por exemplo, a atividade do professor na literatura contemporânea. Aí, vou atrás das obras perguntando aos conhecidos se sabem de alguma obra. confidencial - Recebo constantemente divulgadores de editoras com livros novos. confidencial - Amigas que também gostam de ler... confidencial - Como sou professora de língua e literatura, tenho paixão por leitura, por isso estou sempre bem informada. confidencial - Algo que tenho percebido é que quanto maiores são nossa necessidades de aprofundamento técnico, menor é o tempo que dedicamos à leitura pela fruição, pelo prazer, pelo gosto. A necessidade de atualização permanente restringe o tempo de leitura espontânea. confidencial - Busco informações em vários sites de editoras, em livrarias, em revistas especializadas e com colegas. A variedade de fontes propicia melhor escolha, principalmente quando o informante é idôneo e leitor em que acredito. confidencial - Tenho como informante a folha de São Paulo, caderno Mais!, de domingo. Confidencial - Tenho diversos informantes que são: professores, sobrinhos, amigos, também utilizo como meio de informações e indicações de livros algumas revistas e jornais.

Dando seqüência às respostas dos estudantes, quando questionados sobre o que mais

dificultaria (ou impederia) a sua leitura de textos literários, as informações obtidas foram

as seguintes:

Falta de Hábito

Acessos a Textos

Tempo Curto

Preço dos Livros

Prefere Internet

Tv e Jogos Elet.

0,86 % (1 voto)

12,17% (14 votos)

10,43% (12 votos)

21,73% (25 votos)

6,08% (7 votos)

48,69 % (56 votos)

Total: 115 votos

Gráfico 3 – O que mais dificulta a leitura de textos literários hoje?

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Em sua maioria, os alunos apontaram a falta de hábito como o grande fator dificultador da

prática de leitura literária. Em segundo lugar, foi apontada a falta de tempo. Em relação a

isso, um detalhe importante a se observar é que, dos 115 alunos entrevistados, 84 deles

não trabalham, enquanto 31 deles conciliam os estudos com diferentes tipos de atividade,

como secretaria, vendas, menor aprendiz, auxiliar de mecânica, babá, estágios etc.

Quase todos os alunos que apontaram a falta de tempo como empecilho para a prática de

leitura pertencem ao grupo de trabalhadores. Em seguida, alguns alunos afirmaram que

priorizam as leituras de internet, enquanto outros disseram ler pouco devido ao preço dos

livros. Em número menor, alguns estudantes apontaram a dificuldade de se ter acesso

aos textos literários (por não terem livros em casa ou por “não gostarem” dos livros da

biblioteca da escola). Apenas um aluno disse substituir suas leituras por programas de

tevê e jogos eletrônicos. A escola, segundo alguns alunos, não costuma indicar livros, e

quando o faz, tem como objetivo apenas avaliar os alunos. O aspecto obrigatório dessa

leitura, segundo os estudantes, seria suficiente para prejudicar ou até mesmo impedir o

seu envolvimento com o texto.

A pesquisa realizada pela ALB, em 2007, a professores do País, também abordou a

questão dos fatores que dificultam a prática de leitura:

Qual a principal dificuldade para você fazer leituras de textos impressos atualmente?18

Falta de hábito 3,70% (17 votos)

Acesso a textos 2,61% (12 votos)

Tempo curto 46,74% (215 votos)

Preço dos livros 42,61% (196 votos)

Prefere a Internet 4,35% (20 votos)

18 Pergunta e respostas publicadas pela ALB no site da Associação, no link http://www.alb.com.br/pag_enquete.asp

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TOTAL 460 VOTOS

Tabela 1 – Qual a principal dificuldade para você fazer leituras de textos impressos atualmente.

Nesse caso, o “tempo curto” foi apontado como o maior dificultador da prática de leitura

por parte dos professores, seguido de “preço dos livros”. Outros admitiram que preferem

as leituras de internet; em número menor, foram apontadas a falta de hábito e a

dificuldade de acesso aos textos. Diferente da resposta dos estudantes, que apontaram a

falta de hábito como o maior responsável pela pouca leitura dos jovens brasileiros, a

pesquisa realizada pela ALB com professores de todo o País constatou a falta de tempo

como maior empecilho para a leitura de obras literárias nos dias de hoje, seguida do

preço dos livros. É importante lembrar que esta pesquisa – da ALB – teve como sujeitos,

em sua maioria, trabalhadores da Educação, grande parte de Língua Portuguesa,

provavelmente com vida profissional ativa. Da mesma forma, dentre os estudantes que

apontaram a falta de tempo como um problema, em sua maioria eram trabalhadores, que

conciliavam a rotina escolar com o trabalho. Os demais, que apenas estudavam, raras

vezes apontaram a questão da falta de tempo, o que nos leva a pensar nesse item como

um fator preponderante e de considerável relevância para se tratar a questão da leitura no

país, em especial no ambiente escolar. Dado o caráter incompressível da Literatura, por

se constituir em uma necessidade vital do ser humano e, portanto, como afirma Antônio

Cândido, um direito comum como os demais direitos humanos e, levando em

consideração que essa necessidade muitas vezes não é suprida devido à falta de tempo

para dedicação dos estudantes à leitura, aumenta-se o desafio da escola em proporcionar

ao jovem o acesso a esse bem em seus diversos espaços-tempos. Entretanto, esta

pesquisa detectou entre os seus sujeitos que o maior indicador de leituras para eles não

tem sido a escola, mas os amigos, o gosto pessoal pela aparência do livro ou outras

finalidades específicas que não a de fruição do texto literário. Essa informação é

preocupante, tendo em vista crença generalizada na possibilidade de a escola

desempenhar um papel redentor para vencer a crise da leitura19.

19 segundo Perrotti (1990, p. 65).

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Em relação ao hábito de leitura dos pais dos alunos:

Em sua casa, seus pais ou demais parentes têm o hábito de ler?

Gráfico 4 – O hábito de leitura dos pais dos alunos

O que eles mais lêem?

Total de respostas: 134 (obs.: alguns alunos citaram mais de uma resposta).

Gráfico 5 – As preferências de leituras dos pais dos alunos

É possível observar no gráfico que, segundo os alunos entrevistados, o tipo de leitura

mais praticada pelos seus pais é a de jornais. Em seguida, aparece a leitura bíblica e, em

igual número, a leitura de revistas. Na categoria “outros” os estudantes citaram os livros

de receitas, a internet e os livros técnicos. Em menor incidência (10,44%), apareceram os

Sim

Não 35,65% (41 votos) 64,34% (74 votos)

Biblia

Literatura

Revistas

Jornais

Outros 15,67% (21 votos) 38,05% (51 votos) 17,91% (24 votos) 10,44% (14 votos) 17,91% (24 votos)

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livros de literatura. Outro detalhe importante de se destacar é que, segundo as

informações coletadas nesta pesquisa, muitos dos estudantes que admitiram gostar de ler

são provenientes de famílias de pouca instrução e pouca leitura, o que nos levaria a

questionar a idéia comum de que uma família leitora seria requisito para a formação de

um jovem leitor. Inclusive, muitos estudantes disseram ter despertado seu gosto pela

leitura a partir de um empréstimo de livro de algum colega, e não por influência ou suporte

da família ou da escola. Outros, chegaram a demonstrar rejeição pelas leituras literárias

por acreditarem que a leitura bíblica seria suficiente para suas vidas. Esses jovens

afirmaram ter em família o hábito de ler somente a Bíblia e, segundo eles, qualquer outro

tipo de leitura seria desprovida de “valor” e “utilidade” para eles. A predominância da

leitura de textos técnicos em detrimento aos literários nos leva a refletir sobre a

colonização das racionalidades moral-prática e estético-expressiva pela racionalidade

cognitivo-instrumental, conforme afirma Boaventura, o que causaria o enfraquecimento

dos pressupostos originais das racionalidades colonizadas, sendo substituídos pelos

critérios e padrões da racionalidade científica. Pôde-se perceber nesta pesquisa, por

exemplo, que a maioria dos alunos entrevistados atribui à Literatura a função de transmitir

determinados tipos de conhecimentos, como a história de diferentes países, a história de

vida dos autores, as características de cada período literário, dentre outros. Raras vezes a

Literatura foi relacionada à ficção, ao prazer de ler, ao lazer e à reflexão. Muitos alunos

disseram não conhecer os critérios de escolha (utilizados pela escola) dos livros usados

no cotidiano escolar. Grande parte admitiu não ter lido nenhum livro durante o ano; alguns

sequer freqüentaram a biblioteca, tanto que preferiram nem opinar sobre esse ambiente

da escola. E, apesar do alto índice de procura pelo literário (detectada nos arquivos da

biblioteca), poucos alunos souberam citar algum livro lido durante o ano de 2007 – a

grande maioria disse não se recordar de nenhum livro lido e se queixou da linguagem

“cansativa” e “complicada” das obras.

Questionamos também, nesta pesquisa, se os alunos (entrevistados) gostam de ler:

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Gráfico 6 – (Ao aluno) Você gosta de ler?

E o que costumam ler:

Total de respostas: 135 (obs.: alguns alunos citaram mais de uma resposta).

Gráfico 7 – O que os alunos costumam ler?

Os leitores de textos literários (tipo de texto mais citado) demonstraram preferência pelos

livros de romance e, em segundo lugar, pelos livros de ficção e aventura. Oito alunos

citaram as poesias. Em número menor, foram mencionados dramas, contos, comédia e

literatura infantil. Em seguida, apareceram os jornais como segunda leitura predileta,

seguida da leitura de revistas. Os livros técnicos aparecem depois, dentre os quais foram

citados os de informática, robótica, instrumentos musicais, catálogos de peças de

automóveis e livros relacionados a temas da adolescência. A leitura bíblica apareceu logo

Sim

Não28,69% (33 votos)

71,3% (82 votos)

textos literários

documentários

bíblia

internet

revistas

jornais

auto-ajuda

livros didáticos

gibis

livros técnicos

9,66% (9 votos)

4,44% (6 votos)

4,44% (4 votos)

2,22% (3 votos)

23,7% (32 votos)

16,29% (22 votos)

2,96% (4 votos)

8,14% (11 votos)

2,22% (3 votos)

29,62% (40 votos)

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depois, seguida, respectivamente, pelas, os livros didáticos (matemática, química, física

etc), a internet, os livros de auto-ajuda e os documentários.

É importante destacar que a maioria dos alunos (65) afirmou que não há (ou há em pouca

quantidade) livros de literatura em sua casa, enquanto os demais (50) afirmaram ter livros

literários em quantidade satisfatória em casa.

Grande parte dos alunos afirmou também indicar para os colegas as leituras que

consideram interessantes.

Em relação à linguagem dos textos literários, agrupando-se as opiniões de maior incidência, os alunos entrevistados responderam:

O que você acha da linguagem dos textos literários?

Gráfico 8 – A opinião dos alunos sobre a linguagem dos textos literários

Outros comentários:

Confidencial: Poderia ter mais gírias ou falas mais específicas pra que a leitura fique mais interessante.

4%

10%

43%

4%39%

Linguagem “bonita”, mas de difícil interpretação.

“enriquece a nossa linguagem”

“ultrapassada”, “formal demais”

“interessante” e “criativa”

“complicada” e

“cansativa”

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Confidencial: Boa, a linguagem expressa uma época.

Confidencial: A linguagem é muito boa, pois a leitura da norma culta até nos incentiva a empregá-la no cotidiano.

Confidencial: Às vezes chata.

Nesse quesito, a maior parte dos alunos respondeu que considera as diferentes

linguagens literárias interessantes e criativas, mas não se manifestou sobre o grau de

dificuldade que porventura teriam para interpretá-la. Uma grande quantidade de alunos,

entretanto, afirmou sentir-se desestimulada em ler os textos literários por considerarem a

linguagem “cansativa” e “complicada”. Outro grupo disse que acha prazeroso o desafio de

encontrar diferentes palavras nos textos e procurar entendê-las no seu contexto ou com a

ajuda do dicionário. Segundo esses alunos, o exercício enriquece o vocabulário, por isso

consideram importante. Um pequeno grupo diz considerar a linguagem “ultrapassada”

para a nossa época, o que desestimulada a leitura cada vez mais; outro grupo, apesar de

admitir que sente dificuldade em interpretar determinados textos, reconhece a beleza das

diferentes linguagens utilizadas.

Em relação aos seminários apresentados pelos alunos do primeiro e do segundo ano

durante as aulas do 4º bimestre, questionamos aos estudantes sobre a aprendizagem

obtida nessa experiência. A maioria (um pouco mais da metade) respondeu que aprendeu

muito. Em relação a essa aprendizagem, citou-se com maior freqüência o conhecimento

sobre a vida de autores e sobre os períodos literários. Alguns alunos comentaram que

aprenderam durante os seminários um pouco sobre a história do Brasil e da Europa.

Outros, disseram ter aprendido somente o conteúdo que preparam para a apresentação.

Foram citados também, como aprendizagem, a arte de falar em público e o preparo de

seminários. Vinte e dois alunos comentaram que aprenderam pouco ou nada aprenderam

devido à preocupação com a nota do seminário, fator que os levou a apenas “decorar” o

conteúdo. Um grupo de 12 alunos preferiu não responder à pergunta.

Em relação ao material utilizado como fonte de pesquisa para a preparação dos

seminários de Literatura:

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Qual foi sua fonte de pesquisa para preparar o seminário de literatura? Leu alguma obra

literária?

Gráfico 9 – Fonte de pesquisa para preparar o seminário de literatura.

Embora aparentemente haja um certo descaso com o papel da Literatura na escola, os

dados revelam também que a experiência dialógica e humanizadora não está

completamente ausente do ambiente escolar. Foi possível perceber que há diversas

situações diferentes em relação à prática de leitura dos alunos. Alguns praticam a leitura

literária por prazer, independente do incentivo da escola; outros dizem não gostar de

Literatura, mas que afirmam nunca ter lido uma obra completa; há aqueles que leram

textos literários apenas para atender às exigências da escola, fato que instigou a leitura

de uns e desestimulou a de outros; outro grupo teve experiências com a leitura, mas que

não chegaram a proporcionar-lhes um envolvimento emocional; e ainda há aqueles que

gostam da literatura que é ensinada de forma sistemática, abordando os períodos

Fonte de pesquisa para preparar o seminário de literatura

35%

8%5%32%

20%

livro didático (26alunos)

obra literária (6alunos)

resumos deinternet (4 alunos)

não pesquisou (24alunos)

não responderam(15 alunos)

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literários e vida dos autores, sem relacioná-la diretamente ao ato de ler. Percebi, nesse

grupo, que faltou à maioria uma experiência prazerosa com o universo literário. A partir

daí, questionei-me se realmente havia uma resistência à leitura ou se simplesmente não

faltava da parte dos alunos uma intimidade maior com os textos literários. Já teriam sido

realmente apresentados a eles? Como se deu esse encontro? O que explicaria o fato de

haver encantamento da parte de uns e uma suposta resistência da parte de outros,

levando em consideração a distância e a falta de conhecimento e de intimidade de alguns

alunos para com o literário? Neste último caso, que dialogismo poderia haver entre

leitores e obras, se ambos parecem tão distantes?

Foram essas e outras questões que me fizeram repensar no papel da escola no

desenvolvimento da leitura literária, visto que a instituição é um lugar propício para se

promover esse encontro entre culturas de forma orientada e planejada, de acordo com a

realidade dos estudantes.

6.3 O PROGRAMA E O LIVRO DIDÁTICO

Segundo informações da professora entrevistada, a escola não faz uso de um programa

específico para cada disciplina. Em entrevista a profissionais da Superintendência de

Educação do Estado, obteve-se a mesma informação, de que cada escola estadual teria a

liberdade de criar o seu próprio programa, de acordo com a realidade social dos alunos.

Isso seria feito na chamada jornada pedagógica, na primeira semana de planejamento do

ano, com professores de cada área. Além disso, o suposto programa deveria seguir o livro

didático adotado. Tal fato tende a mudar a partir de 2009, quando entrará em vigor o

Currículo Básico Comum. Esse currículo, segundo a Superintendência, não se trata

especificamente de um currículo uniforme, mas de um programa cujo objetivo é

proporcionar uma variedade de caminhos em direção áreas importantes do conhecimento.

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Em relação ao uso do livro didático durante as aulas de Literatura, a professora

entrevistada disse não aprovar o adotado atualmente pela escola, Português, Literatura e

Produção de Texto, dos autores Leila L. Sarmento e Douglas Tufano. Segundo ela, o livro

foi escolhido pelos docentes da escola há 3 anos, prazo em que o material deve ser

obrigatoriamente utilizado. O livro apresenta volume único e é divido em Português,

Produção de Texto e Literatura. Esta, que aparece com um número reduzido de páginas,

apresenta, sucintamente, conceitos de cada período literário, contextualização histórica,

trechos de textos literários e biografia resumida da vida de alguns autores. As atividades

sugeridas são essencialmente questões de vestibulares e algumas de “interpretação” de

texto. Percebe-se nesse livro que a Literatura é tratada para fins imediatos, com objetivo

explícito de preparar o aluno para o exame do vestibular. As atividades pouco incentivam

a leitura, por exigirem do aluno apenas o conhecimento prático e academicista da

disciplina. Em outros casos, tenta-se levar o aluno a “interpretar” enunciados. Por

exemplo, em uma das atividades o livro apresentou ao leitor o poema Cantigas Praianas,

de Vicente de Carvalho, e, de forma simplista, propôs ao aluno que ele “interpretasse” o

título do soneto. Além disso, há pouca incidência de gêneros como o teatro e a fábula, por

exemplo, gêneros que apresentam grande riqueza, principalmente de aspectos lúdicos da

linguagem, tão importantes no processo de formação de leitores. É interessante destacar

que, segundo a professora, os alunos gostam de utilizar esse material.

Para suprir as lacunas desse instrumento de ensino e aprendizagem, que deveria servir

de suporte às aulas de Literatura, a docente diz utilizar outros livros didáticos. Um deles é

Gramática, Texto, Reflexão e Uso, de Willian Roberto Cereja. Como o próprio nome

sugere, esse livro praticamente não comporta o conteúdo de Literatura. Um mesmo texto

ora é classificado como determinado gênero, ora como outro, dependendo do objetivo do

autor naquela unidade ou seção. Ou seja, a definição se dá pela função atribuída ao texto.

Por isso textos de literatura aparecem classificados como: informativos, instrutivos e

outros. Há o predomínio do trabalho com gêneros textuais de caráter prático que circulam

na sociedade, como carta, resenha, editorial, texto publicitário, email, dentre outros.

Outros livros são utilizados, como Literatura, produção de texto e gramática, de Samira

Yousseff Campedelli e Jésus Barbosa Souza, Novas palavras, literatura, gramática e

redação, de Emilia Amaral, Mauro Ferreira, Ricardo leite e Severiano Antônio, além de

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apostilas de cursos pré-vestibulares. Em todos esses prevalecem os resumos de obras e

conceitos prontos sobre os períodos literários.

Segundo informações coletadas na pesquisa20 INAF (Indicador de Analfabetismo

Funcional) em 2001, o livro didático é um dos veículos de leitura mais presentes nos lares

brasileiros. Entretanto, a função que os textos, literários ou não, exercem nesses livros é,

em sua maioria, meramente ilustrativa, com o objetivo de se trabalhar gramática, história

e ‘interpretação de textos’.

Há o predomínio de textos informativos, instrutivos e outros do tipo, buscando assegurar o

contato do aluno, principalmente com os textos que circulam socialmente, para que ele

desenvolva habilidades e competências necessárias em seu dia-a-dia. Dessa forma,

esses textos representam a maioria, deixando em segundo plano as obras literárias.

Essa questão pode ser discutida na perspectiva de Orlandi (1987), que apresenta como

diferença entre literatura e livro didático, a reversibilidade do discurso. Orlandi (1987) ao

propor uma tipologia para o discurso, utiliza-se de alguns critérios: funcionamento

discursivo, reversibilidade e polissemia. O funcionamento discursivo seria “a atividade

estruturante de um discurso determinado, para um interlocutor determinado, por um

falante determinado, com finalidades específicas” (p. 153). Ou seja, é saber estruturar o

discurso a partir do objetivo que se pretende atingir ciente de que essa estrutura não leva

em conta somente o falante, mas tem como objetivo atingir um interlocutor determinado,

considerando as expectativas e perspectivas desse destinatário. O segundo critério, a

reversibilidade, seria a dinâmica da interlocução; Orlandi propõe graus maiores ou

menores de reversibilidade de acordo com a abertura dada aos interlocutores. O terceiro

critério seria a polissemia, que se refere às muitas possibilidades de darmos sentido a um

mesmo discurso.

A partir desses três critérios, Orlandi (1987) propõe três tipos de discurso: o autoritário, o

polêmico e o lúdico. O discurso autoritário seria um discurso contido, em que a polissemia

20 Uma análise minuciosa dessa pesquisa pode ser encontrada na publicação “Letramento no Brasil” (RIBEIRO,2003),

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e a reversibilidade seriam quase nulas; seria o discurso da verdade absoluta, que circula

nos mais diversos lugares e em diversas situações cotidianas; aparece com freqüência

nos livros didáticos. O discurso polêmico seria aquele em que se controlam a

reversibilidade e a polissemia; mais aberto ao destinatário do que o discurso autoritário,

mas uma abertura ainda controlada. O discurso lúdico seria o da reversibilidade e da

polissemia por excelência, o que permitiria a abertura entre os interlocutores,

possibilitando várias leituras de um mesmo discurso, e um mesmo discurso sendo feito de

diferentes maneiras. O discurso literário, por sua vez, consistiria em um discurso lúdico,

pois é polissêmico, ou seja, que permite ao leitor várias interpretações e várias

possibilidades de entendimento. O lúdico estaria estreitamente ligado com a literatura, à

linguagem do prazer e, segundo Orlandi (1987, p.154), “contrasta fortemente com o uso

eficiente da linguagem voltada para fins imediatos, práticos etc.”, caso do livro didático,

que nas palavras de Azevedo (1987, p. 9) são “livros essencialmente utilitários,

constituídos de informações objetivas que, em resumo, pretendem, exclusivamente,

transmitir conhecimento e informação.”

Como o discurso lúdico envolve a estética e visa ao entretenimento e ao prazer do leitor,

leva-o também a dialogar com a obra. Por isso é considerado um discurso inacabado que

só se realiza no contato com o outro.

Como discurso autoritário, Orlandi (1987, p 28) nos apresenta o discurso pedagógico por

sua tendência a um único sentido. A escola seria a sede deste discurso, que em sua

função da transmissão da informação cultural cumulada dissocia o cultural e o social.

E, como ferramenta, utiliza-se do livro didático, que representaria a própria seleção,

organização e redistribuição de discursos, expondo os saberes sob a forma de disciplinas,

ou seja, delimitados em campos específicos. O livro didático se tornaria, então, um

regulador de informações.

O trabalho de livros didáticos com resumos de textos e atividades objetivas que enfatizam

questões históricas e formais de uma determinada obra, autor ou período literário,

tendem, portanto, a “sufocar” o caráter lúdico da Literatura, impedindo que a polissemia

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seja evidenciada em um movimento dialógico entre leitor e texto. Sem esse movimento, o

livro didático deixa de ser um suporte e passa a assumir um discurso pronto e autoritário,

típico de uma racionalidade cognitivo-instrumental, no dizer de Santos (2002).

6.4 VISITANDO A BIBLIOTECA ESCOLAR

Para descrever a biblioteca desta escola é indispensável destacar o trabalho de Joana21,

pessoa responsável pelo setor e proporcionou melhoria desse ambiente. Com 35 anos,

Joana é formada em teologia, trabalha “oficialmente” na secretaria da escola, mas na

prática desempenha suas atividades na biblioteca da escola. É nesse espaço que

desenvolve um brilhante trabalho e torna mais acessível e agradável a leitura para os

estudantes do colégio. Segundo ela, que trabalha há um ano no colégio em regime de

Designação Temporária, até o ano passado a biblioteca funcionava parcialmente, devido

à ausência de um funcionário específico para o setor. As secretárias é que compareciam

à biblioteca sempre que um aluno solicitava. A sala, constituída de dois ambientes, media

no total 5m de comprimento e 3,5 de largura. Nesse pequeno espaço concentrava 4

mesas com 4 cadeiras cada, uma mesa maior, com espaço para 8 pessoas, 8 estantes

com livros, uma mesa com computador (que ainda não funciona a serviço da biblioteca) e

outra mesa para atendimento. No fim do ano, esse espaço foi reduzido devido à

necessidade de se criar um novo espaço na escola para outras finalidades. Durante o ano

de 2007, Joana implantou o sistema de fichas para empréstimos de livros, carteira de

identificação para os alunos, sistema de agendamento para professores que quiserem

utilizar a sala para aulas; organizou e catalogou os livros das estantes. Além disso, Joana

atendia pessoas da comunidade e disponibilizava a biblioteca para o uso com

agendamento. O espaço físico, decorado com enfeites de sucata (confeccionados por

Joana), constituia-se em um lugar agradável e bastante freqüentado pelos alunos para

21 Nome fictício

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fins de pesquisas e leituras diversas. Em meio a tantas atividades, a funcionária ainda

preparava um projeto para encaminhar à SEDU, com o intuito de conseguir algumas

melhorias para o setor.

Durante as entrevistas aos alunos, em relação à função da biblioteca na escola, a maioria

dos alunos comentou que é a de “incentivar a leitura dentre os alunos”, seguido de

“disponibilizar livros aos estudantes para a realização de trabalhos” e “possibilitar o

acesso à informação”. Em relação ao espaço físico, quase todos os alunos disseram

achar “pequeno”. Muitos também se queixaram da ventilação e da iluminação. Em relação

à quantidade e à qualidade dos livros, foi quase unânime a opinião de que há poucos

livros e de que estes não estão em bom estado. Poucos alunos declararam-se satisfeitos

nesses quesitos. A maioria se declarou satisfeita também com o atendimento dos

funcionários desse setor, bem como os horários de funcionamento.

O sistema de empréstimo de livros foi considerado bom por grande parte dos estudantes,

com críticas por parte de alguns e relação ao período de empréstimo dos livros (sugeriram

que haja um prazo maior para a devolução dos livros).

Como sugestão para a melhoria da biblioteca, os alunos disseram ser necessário

aumentar o espaço físico, pintar as paredes para “dar mais vida ao lugar” (alguns

estudantes comentaram que o lugar tem aparência “triste”), melhorar a organização das

fichas e informatizar o setor para que as pesquisas sejam feitas com mais agilidade.

Alguns chegaram a sugerir, para tornar mais eficiente a devolução de livros, que a escola

aplique multa aos estudantes que atrasarem a devolução, ou que os professores

descontem nota desses alunos.

Paralelo às entrevistas (orais ou via questionário) aos alunos, foi analisado o arquivo de

empréstimos da biblioteca da escola.

Como o sistema de empréstimos ainda não é informatizado, foi necessário analisar as

fichas de cada aluno da escola (dos turnos matutino, vespertino e noturno). Por fim, foi

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contabilizado que a biblioteca realizou o total de 624 empréstimos de livros durante o ano

de 2007 (número obtido na primeira semana do mês de dezembro/2007).

Paralelo às entrevistas (orais ou via questionário) aos alunos, foi analisado o arquivo de

empréstimos da biblioteca da escola.

Como o sistema de empréstimos ainda não é informatizado, foi necessário analisar as

fichas de cada aluno da escola (dos turnos matutino, vespertino e noturno). Por fim, foi

contabilizado que a biblioteca realizou o total de 624 empréstimos de livros durante o ano

de 2007 (número obtido na primeira semana do mês de dezembro/2007).

Gráfico 10 – Empréstimo de livros: Homens X Mulheres

Foram detectadas discrepâncias dentre os índices de leitura de homens e mulheres. Em

média, as mulheres entrevistadas lêem muito mais (Literatura) que os homens. Por

exemplo, algumas mulheres chegaram a ler, por interesse próprio, 12 livros durante o

ano, dado não encontrado (nem próximo) dentre os homens entrevistados. Estes, além de

0

100

200

300

400

500

600

livros emprestados

Empréstimo de livros: Homens X Mulheres

homens 61

mulheres 155

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menos a biblioteca para empréstimo, liam com mais freqüência os livros técnicos, de

assuntos específicos, como informática, automóveis, mecânica etc.

Esses empréstimos foram efetuados por 61 alunos do sexo masculino e 155 alunas. Para

as mulheres, foram emprestados o total de 511 livros, enquanto os homens foram

responsáveis pelos 113 restantes. Isso equivaleria a uma média de 3,3 livros para cada

mulher e 1,8 livro para cada homem.

Dentre os autores que mais circularam (segundo os registros de empréstimos) estão:

Gráfico 11 – Autores que mais “circularam” entre os alunos no ano de 2007

Da literatura nacional, Monteiro Lobato foi o autor que mais circulou entre os alunos,

segundo dados da biblioteca. Dentre os seus livros estavam O Picapau Amarelo, O

nascimento do Visconde, Urupês, Peter Pan, As caçadas de Pedrinho, Reinações de

Narizinho, dentre outros. Na literatura internacional, em igual número, destacaram-se as

obras de Shakespeare - em primeiro lugar, Romeu e Julieta, seguido de Sonho de uma

noite de verão, A tempestade, Conto de inverno e Otelo. De volta à literatura brasileira, as

Machado de Assis (16)

Edgar Alan Poe (9)

J. K. Rowling (9)

Casimiro de Abreu (5)

Shakespeare (18)

René Goscinny (8)

Ana C. Siqueira (8)

Ferreira Gullar (8)

Monteiro Lobato (18)

José de Alencar (13)

Elias José (8)

Vinícius de Moraes (6)

Carlos D. Andrade (4)

João C. Marinho (4)

Jorge Amado (3)

Mário Quintana (3)

Pedro Bandeira (3)

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obras de Machado de Assis também circularam com freqüência pela escola. Helena,

Cinco Histórias do Bruxo do Cosme Velho, Quincas Borba, Bons dias, Don Casmurro e

Iaiá Garcia foram algumas delas. José de Alencar marcou presença em obras como

Iracema, O Guarani e O tronco do Ipê. J.K. Rowling e Edgar Alan Poe também foram

muito procurados, em obras como Harry Potter, Histórias Extraordinárias e Os assassinos

da rua Morgue. Destacaram-se também as obras de R. Goscinny, dentre as quais

estavam Asterix nos Jogos Olímpicos, O filho de Asterix e Uma volta com Asterix. Agora

ou Nunca, de Ana C. Siqueira, Noites de lua cheia, de Elias José, As mil e uma noites, de

Ferreira Gullar, também estavam na lista dos mais emprestados. De Vinícius de Moraes,

Nova antologia poética foi o mais procurado; de Casimiro de Abreu, cita-se A descoberta

do amor em versos como mais cotado. Outros livros, de autores diversos, também

circularam, mesmo com pouca incidência: Don Quixote (Caco Galhardo), Sangue Fresco

(João C. Marinho), A droga da obediência (Pedro Bandeira), A metamorfose (Franz Kafka)

e A invenção do cotidiano (Michel de Certeau) foram alguns deles, dentre outros.

Durante as entrevistas e conversas formais com os sujeitos desta pesquisa, surpreendeu-

me encontrar - retomando Boaventura22, em tempos de colonização das racionalidades

moral-prática e estético-expressiva pela racionalidade cognitivo-instrumental - jovens e

adolescentes que se declararam apaixonados pela leitura literária. São estudantes que

leram (e releram) obras de Shakespeare, Monteiro Lobato, Machado de Assis, J.K.

Rowling, Edgar Alan Poe e tantos outros, e que, de forma encantadora, revelaram sua

paixão pela leitura e por algumas obras, personagens e autores específicos. Os leitores

de Shakespeare, por exemplo, comentaram ter lido várias vezes os mesmos livros do

autor, devido a paixão não só pelas histórias, mas pela linguagem poética das obras que,

segundo esses estudantes, teria o poder de levar homens e mulheres a refletirem sobre

sua condição humana, sobre seus atos, sobre seus valores e, consequentemente

(conforme esses jovens), poderia diminuir a agressividade do homem moderno, fato que

amenizaria a violência praticada dentre as pessoas. Segundo esses jovens, a cada

releitura é possível fazer diferentes interpretações, bem como entrar em contato com

diferentes linguagens e compreender o sentido de novas palavras em contextos diversos.

22 SANTOS, 2002, p.76-77.

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Já os leitores de Harry Potter (de J.K. Rowling) afirmaram que a leitura desta obra os

transportava para um universo diferente do real; a idéia de um mundo com fadas, bruxos,

magia e poderes mágicos, onde as pessoas teriam outras possibilidades para resolver

seus problemas (por exemplo, com seus poderes sobrenaturais), seria o segredo de tanto

envolvimento dos leitores com essa obra. Os leitores de Harry chegaram a criar na escola

dois clubes de leitura, que disputavam entre si quem lia mais obras. Esses clubes

colecionavam objetos personalizados sobre a obra e afirmaram que esta paixão não se

tratava de um modismo lançado pelo marketing em torno da obra de J. K. Rowling, como

pensam algumas pessoas, mas de um envolvimento que surgiu desde a primeira leitura,

de uma experiência de transposição de um mundo para outro, fato que os levaria a refletir

sobre a própria realidade.

Sobre essas redes criadas pelos próprios alunos, é interessante citar a abordagem que

Teresa Colomer (2007), especialista em literatura infantil e juvenil e professora da

Universidade de Barcelona, faz sobre quatro dimensões da leitura literária nas escolas: a

de ler autonomamente, a leitura compartilhada, a leitura como meio para expandir

conhecimentos e a leitura com especialistas, isto é, levantando interpretações mais

aprofundadas e mostrando diferentes enfoques de uma obra. A primeira, conforme

Teresa, depende de uma postura do professor, que precisa ler efetivamente o que as

crianças estão lendo para conhecer seus gostos e afinidades. Para estimular a prática de

leitura entre os estudantes, a autora diz ser necessário selecionar livros que dialoguem

com aspectos, características e sentimentos da atualidade, além de se considerar a

aplicação de critérios de capacidade leitora ou grau de facilidade de leitura do livro. O

segundo aspecto a ser trabalhado, o da leitura coletiva, deve ser encarado como uma

oportunidade de fazer com que crianças e adolescentes compreendam que a leitura é

também uma atividade de compartilhamento e socialização, explica Teresa. A especialista

assinala que, ao “ler com o outro”, discutir um livro e debatê-lo em sala de aula, contar a

história para os pais e amigos, o leitor consegue estabelecer “redes horizontais” de

relacionamento. A criança e o adolescente têm a sensação de que pertencem a um

grupo, assim como estabelecem, por meio da leitura coletiva, “redes verticais” com os

responsáveis por conduzi-los à compreensão da leitura. Fato verificado dentre os grupos

de leitura observados durante a pesquisa. A abordagem da leitura literária como meio

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para expandir conhecimentos estaria diretamente relacionada com uma prática escolar

pensada para possibilitar a aproximação entre livros e alunos, situa a escritora. A quarta

dimensão básica da leitura a ser considerada pelas escolas é a de ler com especialistas,

com a intenção específica de aumentar a capacidade de interpretação das obras

literárias.

A autora também acredita na possibilidade de se planejar e criar espaços para a leitura de

obras inteiras nas escolas e aponta a função multidisciplinar que a literatura pode exercer

no ambiente educacional como um desafio-chave a ser superado para a formação de

leitores.

Durante as entrevistas, alguns alunos admitiram ter lido cinco vezes o mesmo livro, outros

declararam “pegar escondido” o livro da biblioteca (devido à “concorrência” pelo

empréstimo), outros disseram que faziam suas leituras escondidos da família, devido à

proibição por parte de alguns pais evangélicos. Um detalhe muito interessante foi o fato

de esses estudantes preferirem a obra escrita à cinematográfica. Segundo eles, a leitura

seria mais envolvente por liberar a sua imaginação, enquanto os filmes, além de

“distorcerem” (termo utilizado por alguns alunos) a história original, devido aos efeitos

visuais e sonoros, impunham um entendimento limitado da história, além de induzirem o

telespectador a uma visão uniforme dos personagens, cenários, vozes (etc.), muitas

vezes distante das características imaginadas por eles durante a leitura do texto escrito.

Essa idéia nos faz retomar a afirmação de Fuentes, que valoriza a literatura

principalmente pelas possibilidades de acesso que ela abre pelo “não dito”, colocando em

cena o caráter imaginário e onírico de uma leitura literária, bem como o domínio do

“tempo e do desejo”23. Para ele, a imaginação (e não a mera informação) pode levar ao

conhecimento, e a literatura pode levar o leitor a viver experiências que lhe são recusadas

no seu cotidiano.

Você acha as aulas de literatura contribuíram neste ano para incentivar a sua

prática de leitura? Para essa pergunta, as respostas obtidas foram:

23 (FUENTES, 1993. p.12),

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Gráfico 12 – As aulas de literatura contribuíram para incentivar a sua prática de leitura?

A maioria dos estudantes respondeu que as aulas de literatura ocorridas ao longo do ano

os incentivaram a ler mais. Dentre as justificativas, a de maior incidência foi a de que as

aulas de literatura de certa forma “forçam” (esse termo foi o mais utilizado) o aluno a ler

mais, por isso alguns acabam se interessando pela leitura. Outros afirmaram que “o

interesse pelas notas acaba incentivando os alunos a ler” ou “as aulas nos ajudaram em

provas”, “as aulas me fizeram ver a necessidade de leitura no ser humano”, “as aulas

foram importantes par ajudar a passar na primeira fase do vestibular”, dentre outras

respostas. Poucos alunos justificaram a resposta de que as aulas não incentivaram ou

pouco incentivaram a leitura. Dentre as justificativas estavam a de que “ler depende do

gosto pessoal”, “as aulas não foram interessantes”, “ sempre gostei de ler, e as aulas não

fizeram diferença” ou “tivemos poucas aulas de literatura”, “o professor tem que usar livros

mais interessantes”; dentre outras respostas.

59%

14%

27%

sim

não

pouco

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6.5 CONVERSAS COM A PROFESSORA

Mariana, 29 anos, atua no Magistério há 6 anos e diz que, antes de cursar Letras na

Universidade Federal do Espírito Santo, tentou, sem sucesso, entrar nos cursos de

Psicologia e Direito da UFES e, por fim, acabou por ingressar no curso de Biblioteconomia

e transferir, posteriormente, para o curso de Letras – área com a qual se identificava e

considerava mais acessível por diversos motivos.

Quando questionada sobre a sua opinião em relação ao curso de Letras, a professora diz

ter gostado do curso, entretanto, criticou a organização curricular e a ministração das

aulas de literatura que, segundo a docente, eram divididas em escolas literárias e

distantes da realidade dos futuros professores que atuariam em escolas de ensino

fundamental e médio. A professora comentou que a faculdade de Letras era “voltada para

a academia”, explicando que o curso oferecia uma boa formação para alunos que

desejassem continuar a sua vida acadêmica com pesquisas, mas deixava a desejar no

preparo dos estudantes como futuros profissionais da Educação.

Pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura, a professora faz atualmente outras

especializações (em Educação Especial e Gestão Educacional) e se prepara para o

processo seletivo do Mestrado em Educação. Em relação a sua formação continuada, a

docente relata que raramente há cursos na escola e que, por conta própria, participa

sempre que possível de congressos e palestras da área de Educação.

A formação de professores e a necessária reestruturação dos cursos que respondem por

ela têm sido alvo de intensos debates entre os educadores. A formação dos professores

em institutos superiores de Educação, como aponta o Governo Federal, é criticada por

muitos que consideram a universidade ''o locus privilegiado dessa formação''. A

necessidade de se agregarem os cursos de licenciatura e os de bacharelado, hoje

oferecidos de forma estanque, para dar ao futuro professor uma formação mais completa

e a necessidade de se pensar no professor como um pesquisador, sempre, são outros

caminhos apontados por Donaldo Bello e Rodolfo Ferreira, em Bacharel ou Professor? O

Processo de Reestruturação dos Cusos de Fromação de Professores no Rio de Janeiro

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(1999). Segundo os autores, a não integração entre os cursos de bacharelado e os de

licenciatura interfere negativamente na formação do professor, pois leva o profissional a

achar que desempenha dois papéis distintos e a não enxergar a unidade que existe em

seu trabalho. Conforme Donaldo, está se acentuando uma dicotomia que já existia entre

formação específica, o bacharelamento, e a formação docente - a licenciatura. No caso da

professora, que fez sua graduação em Letras na Universidade Federal do Espírito Santo,

o curso concedeu-lhe o título de Licenciada Plena em Língua Portuguesa e Literaturas de

Língua Portuguesa. Entretanto, até então, as disciplinas da área específica de educação,

além de ocuparem um espaço mínimo da grade curricular do curso de Letras, não eram

oferecidas pelo próprio Departamento de Letras, mas sim pelo de Educação. Tal situação

torna explícita a dicotomia entre estudos da língua e estudos do ensino da língua. É

interessante ressaltar que houve um interesse inicial por desenvolver a presente pesquisa

junto aos mestrados do Departamento de Letras, o que não foi possível porque persistia,

até então, a idéia de que as questões de ensino e de aprendizagem deveriam ser

tratadas exclusivamente pelo Mestrado em Educação. Por outro lado, é contraditório o

fato de que o curso de Letras muito incentivava o desenvolvimento de pesquisa e pouco

enfatizava a questão das práticas de ensino, mesmo sendo um curso de licenciatura.

Hoje, uma proposta de vários educadores e de entidades representativas é de que se

tenha um curso de formação de professores que possa oferecer concomitantemente a

dimensão específica e a dimensão pedagógica. Algumas mudanças significativas já têm

ocorrido, é o caso da grade curricular do curso de Letras da Ufes, que passou a enfatizar

mais a questão do ensino. O aumento do período de estágio em regência, bem como a

sua antecipação para os primeiros períodos do Curso são algumas dessas mudanças.

Em relação a sua história de leitura, a docente comentou que seu contato com a leitura

teve início durante a infância, quando sua mãe lia, em voz alta, a Bíblia e histórias

infantis. Na adolescência, lembra de ter lido “Meu pé de laranja lima” e algumas obras da

Clarice Lispector. Atualmente, destaca dentre suas leituras, os jornais, revistas, textos

sobre Economia e atualidades.

Questionei à professora como foram feitas as avaliações da disciplina de Literatura

durante o ano de 2007. Ela respondeu que os alunos desenvolveram pesquisas, fizeram

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provas e outros trabalhos; além disso, “ganharam nota” pela participação em projetos

como Amostra Cultural, Amostra Folclórica, projeto Moxuara, festa do Dia das Mães, festa

do Dia dos Pais, Dia do Estudante, projeto “Gravidez na adolescência não é legal”, dentre

outros. O projeto específico para Literatura foi a apresentação dos seminários pelos

alunos no quarto bimestre.

No que diz respeito à Literatura na escola, a docente diz considerar a disciplina muito

importante, por ser o espaço/tempo para se trabalhar o senso crítico do aluno e aguçar a

sua reflexão sobre a vida, bem como levá-lo a contextualizar obras literárias com a

história e a sociedade. Entretanto, a professora reconheceu haver déficts no trabalho com

a Literatura. Além dos problemas apontados (anteriormente) em relação à formação

durante o curso de Letras, ela disse não haver um momento específico para que

professores de Língua Portuguesa se reúnam para planejar o trabalho (no horário de

“planejamento” da escola, segundo a professora, não há o encontro de professores de

uma mesma área), o que dificultaria um melhor desempenho por parte dos profissionais.

Outro detalhe comentado pela docente foi a dificuldade que encontra de trabalhar

Gramática, Literatura e Redação, simultaneamente, em turmas de diferentes níveis. Ela

admitiu que isso representa um empecilho para ela e para outros professores, por não

haver uma capacitação para lidar de forma eficiente com as três áreas. Isso dificultaria o

aprofundamento dos conteúdos e o desenvolvimento de projetos que contemplem de

forma eficiente todas essas áreas. Pensando nessa questão, ela comentou que para o

ano de 2008, em parceria com outra professora da escola, resolveram dividir todo o

conteúdo da disciplina: uma professora trabalharia com Literatura, enquanto a outra

trabalharia com os demais conteúdos (Gramática e Produção de Texto).

Conversamos também sobre a relação do jovem de hoje com a Literatura. Mariana

considera que houve um afastamento da juventude com os textos literários e vê com bons

olhos o interesse e a procura dos alunos por livros como Harry Potter, por entender que

possa nascer ou fomentar daí o gosto pela leitura. Ela atentou para a necessidade de

mais interesse do Governo por desenvolver políticas públicas para incentivar a leitura dos

jovens, e dentre as medidas necessárias, citou campanhas em prol da leitura,

investimento em bibliotecas e contratação de bibliotecários para administrá-las, bem como

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o investimento em recursos de multimídia. Queixou-se também da rotatividade de

professores do ensino estadual, o que prejudicaria um bom trabalho com projetos (a

professora destacou a todo instante a importância de se fazer um trabalho com projetos

envolvendo vários professores e disciplinas).

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das leituras efetuadas e das informações obtidas durante esta pesquisa, algumas

idéias e questionamentos podem ser levantados em relação à formação de leitores,

considerando que a leitura é um processo interativo em que o leitor é um agente que atua

ativamente sobre o texto. Segundo Paulo Freire (1986), a leitura da palavra é precedida

pela leitura do mundo e é, também, uma forma de "escrevê-lo" ou de "reescrevê-lo" e de

transformá-lo por meio da prática consciente do leitor. Nesse sentido, linguagem e

realidade se prendem dinamicamente, e a compreensão do texto a ser alcançado por sua

leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto.

Em geral, atribui-se à leitura um valor positivo absoluto: ela traria benefícios óbvios e

indiscutíveis ao indivíduo e à sociedade, sendo uma forma de lazer e de prazer, de

aquisição de conhecimento, de ampliação das condições de convívio e interação social.

No texto literário, especificamente, autor e leitor partilhariam um universo fictício, um

conjunto de referências culturais e uma língua. Trata-se de um discurso que se destaca

pela sua elaboração artística diferenciada, capaz de despertar no leitor algo que se

costuma denominar de prazer estético. Além disso, apresenta-se como produto de uma

visão ou interpretação pessoal das condições sociais, políticas e econômicas de um povo

em um dado momento de sua história. Por esse motivo, a experiência literária poderia se

constituir em alguns momentos como um mecanismo de questionamento ou de defesa de

valores e ideais, preconceitos, limitações, conquistas e derrotas de uma sociedade ou

parte dela.

Com base nisso, caberia à escola, como espaço privilegiado para a formação de leitores,

a tarefa de viabilizar e difundir a leitura literária entre os estudantes, visando proporcionar-

lhes bons encontros com o universo da ficção e a humanização a partir de práticas

reflexivas.

Na problematização do ensino de literatura no contexto escolar, busquei compreender: 1)

Em que medida as aulas de Literatura potencializam expectativas geralmente

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associadas à experiência literária, cmo o prazer pela prática de leitura, como ensejo

para liberar a imaginação, sonhar, vivenciar experiências estéticas, conhecer

diferentes culturas em seus aspectos históricos e sociais, dialogar com diferentes

textos e linguagens, bem como trabalhar a subjetividade, a capacidade de fruição e

interpretação de textos? 2) Que outros usos e sentidos têm sido atribuídos à

literatura, além desses? 3) Qual a relação dos estudantes com a biblioteca

disponível, e o trabalho do educador no sentido de aproximá-los dessas

bibliotecas?

Vale ressaltar que as situações descritas e analisadas nesta pesquisa se referem a um

estudo de caso, sem qualquer intenção de quantificar ou generalizar os resultados,

tampouco tirar conclusões definitivas sobre o assunto, mas sim refletirmos sobre o ensino

de Literatura na escola no recorte acima mencionado.

Em relação à primeira questão suscitada, pude observar no trato com a literatura na

escola, a presença de práticas normativistas, fundamentadas em teorias que têm pouco a

dizer sobre a noção de enunciado, de texto como unidade discursiva. O texto24, segundo

Bakhtin (1992, p. 330), encontra-se determinado por dois fatores: sua intenção (propósito)

e a execução dessa intenção. Nessa intenção, é manifestado o sentido que inclui as

previsões e movimentos do outro, isto é, desde o momento inicial de sua produção há

uma preocupação com o seu interlocutor. Dessa maneira, todo o texto tem um sujeito/um

autor, podendo ser o escritor ou o leitor. Assim, o fato de o leitor ou o escritor se constituir

autor do texto, permite-lhe construir um acontecimento novo e autêntico na vida do texto.

Na perspectiva bakhtiniana, durante o processo de leitura ocorre o encontro de dois

textos; daquele que está concluído e do que está sendo elaborado pelo leitor/escritor

enquanto autor, dando um novo propósito ao texto inicial esse texto. Bakhtin (1981)

enfatiza, em sua teoria, o diálogo intertextual na compreensão/produção do texto, opondo-

se à relação objetiva do conhecimento. Para ele, a comunicação só existe na

24

Na perspectiva da Bakhtin, o texto se define como (a) objeto de significação, (b) produto da criação ideológica do

que estiver subentendido, ou seja, o texto não existe fora da sociedade, mas só existe nela e não pode ser reduzido à

materialidade lingüística ou dissolvido na subjetividade daquele que o produz ou interpreta, (c) dialógico - define-se

pelo diálogo entre os interlocutores e pelo diálogo com outros textos e (d) objeto único, irreproduzível, não reptível (cf.

Barros, 1997:28-29)

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105

reciprocidade do diálogo, assim, o princípio da dialogia é considerado como fundamento

da linguagem. No que diz respeito aos textos, a concepção de dialogia de Bakthin é

tratada enquanto diálogo entre os interlocutores, através da interação verbal como

também a interação que é mediada pelo texto. Em relação à dialogia entre interlocutores,

a interação entre estes constitui o princípio fundador da linguagem – não há dialogia se

não houver essa interlocução entre leitor e escritor mediada pelo texto que os une. A

concepção de dialogia leva em conta a relação entre sujeitos (interlocutores que

interagem) e a relação dos sujeitos com a sociedade. Na relação dos sujeitos com a

sociedade, o teórico ressalta a questão da variação e das múltiplas facetas que

caracterizam o significado que um texto pode ter. Essas relações ocorrem como fato

social da interação que se cumpre entre os textos. Em outras palavras, a concepção de

diálogo de Bakhtin é constitutiva da linguagem enquanto fenômeno heterogêneo, não

entendido como uma conversa entre duas pessoas, mas pela leitura e escrita

compreendidas enquanto formas de produzir sentidos possíveis e previsíveis no texto,

como um tipo de diálogo. Nessa perspectiva, os leitores buscariam uma interação com o

texto com o intuito de compreendê-lo a partir do conhecimento individual e das

experiências trazidas de outros textos e/ou contextos. Nesse plano, a leitura é

considerada uma prática social, constitutiva de sujeitos leitores, sendo entendida como

produtiva de construção de sentidos e como processo dialógico.

Todavia, nas situações observadas, o predomínio em sala de aula de trabalhos com

fragmentos de textos isolados, a ênfase na memorização de dados históricos, de

características de períodos literários e da vida dos autores, me pareceram valorizados

pela escola como produto final, como se o “processo”, a relação dialógica entre texto e

leitor, estivessem subjacentes e postos em segundo plano. Um encontro – entre leitor e

texto literário – aparentemente desencantado e desapaixonado, distante da racionalidade

estético-expressiva alicerçada no prazer como seu fundamento; o diálogo proposto por

Bakhtin pareceu não ocorrer de forma satisfatória via aulas de literatura, pois não se

verificava, por parte de muitos alunos, uma relação com obras literárias que pudesse levá-

los à representatividade, à descoberta e ao estranhamento de outros mundos, bem como

ao questionamento sobre os contextos culturais, históricas e sociais de produção das

obras lidas.

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106

A partir dessas proposições, passei a me questionar se estaria a escola realmente

disposta e “habilitada” a proporcionar ao aluno, via literatura, momentos para liberar a

imaginação, para sonhar, fantasiar e envolver-se no universo da ficção – necessidades

vitais, segundo Antônio Cândido, que muitas vezes não podem ser supridas na vida

familiar e social do estudante. Entende-se, a partir do arcabouço teórico desde trabalho,

que o processo de humanização via Literatura poderia ser facilitado a partir do diálogo

que a escola seja capaz de estabelecer com os saberes construídos pelos alunos no seu

contexto de vida e formação. Mas, para isso, seria essencial, por parte da escola, a

compreensão do seu papel formador, somado ao interesse em problematizar uma

realidade dinâmica, com o intuito de estimular os alunos a refletirem sobre o seu fazer e

estar no mundo, o que poderia ser também vivenciado por meio de experiências estéticas

e fictícias. Dessa forma, ao mesmo tempo em que a escola conserva o seu saber

normativo, poderia utilizá-lo como recurso de problematização de uma realidade que

educa o indivíduo para estar no mundo e dele fazer parte; o que ocorreria por meio de

uma dialogicidade entre saber normativo e contexto de vida e formação do leitor.

Embora os resultados deste estudo revelem um certo descaso com o papel da Literatura

na escola, os dados revelam também que a experiência dialógica e humanizadora não

está completamente ausente do ambiente escolar. Pude ouvir, durante o período de

convivência com os sujeitos desta pesquisa, opiniões diversas em relação à leitura

literária e às aulas de Literatura. Para facilitar esta explanação, divido em cinco grupos

esses indivíduos: 1) aqueles que praticam a leitura literária por prazer, independente do

incentivo da escola; 2) aqueles que dizem não gostar de Literatura, mas que afirmam

nunca ter lido uma obra completa; 3) aqueles que leram textos literários apenas para

atender às exigências da escola, fato que instigou a leitura de uns e desestimulou a de

outros; 4) aqueles que leram alguns livros e não se envolveram emocionalmente com

nenhuma obra; 5) aqueles que dizem gostar de Literatura, referindo-se a ela como uma

disciplina sistemática que ensina os períodos literários e vida dos autores, sem relacioná-

la ao ato de ler. Desse quadro, me chama atenção o fato de que muitos desses jovens

parecem não terem sido realmente apresentados a uma leitura que lhes proporcionasse o

mínimo de envolvimento. Isso me levou a refletir sobre a suposta “resistência” à leitura,

comumente comentada entre professores de Língua Portuguesa. Pergunto-me se poderia

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chamar de ‘resistência’ o fato de alguns alunos não lerem ou se a ‘resistência’ seria com

relação à disciplina de Literatura. Como um desdobramento necessário, os dois itens –

‘leitura’ e ‘aulas de literatura’ – são aqui tratados de forma diferenciada. Isso porque o fato

de alguns alunos gostarem das aulas de Literatura não implicava necessariamente o seu

aliciamento pela leitura. De igual modo, o encantamento com os textos literários por parte

de alguns pareceu não estar vinculado diretamente às aulas da disciplina. Dentre os que

sequer leram um livro que não fosse por ‘obrigação’, não me surpreende o fato de não

terem se encantado com a leitura. Subentende-se, nesse caso, que o compromisso de ler

para ser avaliado nos moldes da avaliação escolar tende a dificultar e até impedir um

envolvimento com as obras. Preocupa-me mais o grupo que revela não ter lido uma única

obra literária completa e, ainda assim, afirma não gostar de ler. O fato me causou reflexão

e associação com outras expressões artísticas: poderia alguém não gostar de cinema

sem nunca tê-lo visitado? Ou não gostar de uma música sem nunca tê-la ouvido? Não

gostar de teatro sem nunca ter assistido a uma peça? Entendo que muitas pessoas

possam não se sentir atraídas por essas e outras manifestações artísticas, todavia, a

distinção semântica entre ‘atração’ e ‘gosto’ permite-me inferir que a crença comum de

que “o jovem não gosta de ler” precisa ser pensada sob uma ótica talvez diferente: muitos

jovens não tiveram, de fato, um encontro com a leitura que lhes permitisse estabelecer

uma relação dialógica com o texto, na qual fosse possível construir sentidos a partir da

interação entre texto literário, conhecimento individual do leitor e suas experiências

trazidas de outros contextos; uma experiência importante que, como sugerem Ginzburg e

Bakhtin, possibilitaria um diálogo entre cultura oral e cultura erudita, o que provocaria um

movimento de “circularidade”, de interpenetração e interferência mútua entre texto e leitor.

Talvez um ‘choque’ dessas culturas, oral e erudita, como ocorreu com Menochio25, possa

ocorrer com os jovens que lêem aleatoriamente sem a presença de um mediador que os

auxilie na ‘degustação’ desse alimento. A partir daí, acredito que a escolarização da

leitura literária é, ainda, um instrumento poderoso para proporcionar bons ‘encontros’

entre leitores e textos literários, e, por conseguinte, difundir a prática de leitura por meio

da formação de leitores.

25 Personagem do livro O queijo e os vermes (GINSBURG, 1987). Menochio era um moleiro friulano que, após algumas leituras, cria significados divergentes dos da doutrina da época para definir Deus e outras questões ligadas à fé. Em virtude das divergências de pensamentos com os instituídos na época, Menochio é intimidado a depor na Inquisição, livrando-se do primeiro julgamento, mas sendo condenado no segundo e terceiro julgamentos.

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É importante lembrar que a vivência de alguns alunos com a prática de leitura,

independentemente da influência da família ou da escola, sinaliza que há uma

receptividade e até mesmo uma procura de alguns jovens por experiências estéticas por

meio da ficção. Percebe-se nesse ponto um terreno fértil e propício à ação escolar. Isso

possibilitaria um trabalho com a leitura direcionada, capaz de suscitar memórias,

desenvolver a intersubjetividade, a interpretação, a fruição e o trabalho com

intertextualidades.

Paralelo a isso, o quinto grupo, discriminado anteriormente, me ajudou a refletir sobre os

outros usos e sentidos que têm sido atribuídos à Literatura por parte dos sujeitos desta

pesquisa - segunda questão que compõe a problemática investigada. O fato de um

número significativo de alunos associar a disciplina Literatura apenas a um ensino

normativo e sistemático - cujo objetivo seria a transmissão e memorização de

características peculiares de cada período literário, da vida de autores, das ‘principais’

obras, do contexto histórico e social – e sem ligação estreita com a leitura, mostra a

reprodução de um modelo que historicamente não alcançou êxito na formação de leitores.

Trata-se de um modelo que exclui o aluno de um papel ativo no processo de leitura, ao se

trabalhar com resumos de obras que não levam à reflexão crítica, muito menos seduzem

o leitor a ter acesso à obra completa.

Percebe-se, nessa atitude, a insistência da escola em uma postura baseada numa

racionalidade que reforça mecanismos de regulação supressivos de práticas

emancipatórias. Como resultado, tem-se uma visão técnica e academicista dos alunos em

relação ao papel da Literatura. O fato é que muitos não tiveram outro tipo de vivência que

não esta. Assim, enquanto a Literatura é passada de forma fria e conceitual, o que se

pode esperar é uma relação estímulo-resposta entre texto e leitor, na qual o segundo, de

forma passiva, recebe informações e conhecimentos que nem ele mesmo sabe como usá-

los. Dai comentários do tipo: “não sei para que serve, talvez nos ajude a arrumar emprego

no futuro” ou “a escola usa os livros de Literatura para passar os conteúdos que ela

considera importantes”. Trata-se de experiências construídas sob outros fundamentos,

que não o imaginário, o que retarda ou impede a formação de leitores e prejudica o

desenvolvimento da atividade criadora.

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No se diz respeito ao relacionamento dos estudantes com a biblioteca disponível, e ao

trabalho do educador em aproximá-los desse ambiente, percebi, mais uma vez, um

movimento partido dos estudantes e pouco da escola. Muitos alunos freqüentavam

assiduamente esse local para ler jornais e revistas, fazer pesquisas e trabalhos escolares

e efetuar empréstimos de livros diversos. A biblioteca era também o ponto de encontro

para reuniões estudantis sobre trabalhos a serem apresentados e um espaço utilizado por

alguns para conversas. Por diferentes razões, esse local esteve sempre movimentado e

parecia ser um dos ambientes preferidos de alguns estudantes. Todavia, muitas dessas

ações foram motivadas por interesses individuais e pouco relacionadas à escola, a não

ser em caso de trabalhos disciplinares. Os livros, como mostra esta pesquisa, são

geralmente escolhidos com base em critérios pessoais, como aparência externa, figuras,

títulos, finalidades específicas e indicações de amigos. Percebe-se, assim, a pouca

participação escolar em aproximar os estudantes da biblioteca. Enquanto a escola dispõe

de uma sala ampla informatizada, cujos computadores são pouco utilizados devido a

questões técnicas, têm-se um espaço pequeno do qual se reclama da pouca iluminação e

ventilação, além da situação precária de muitos livros. Por outro lado, havia movimentos

internos por uma melhora desse ambiente. Além do trabalho de alguns alunos que

auxiliam em melhorias físicas da biblioteca, a dedicação dos funcionários desse setor

revelou-se responsável por muitos progressos, tanto físicos como organizacionais, o que

estimulava a freqüência a esse local.

A predominância da leitura de resumos de obras, publicadas em livros didáticos e

apostilas de pré-vestibular, o ato mecânico de responder a perguntas sobre datas,

períodos literários e autores, a preocupação de se sistematizar todos esses

conhecimentos para fins avaliativos. Um quadro que retrata a primazia de uma

racionalidade cognitivo-instrumental. Tem-se, dessa forma, uma Literatura vista, por

muitos alunos, como utilitária, para fins imediatos e práticos, constituída de informações

objetivas para transmitir conhecimento e informação. Suprime-se, com isso, o caráter

lúdico da obra literária, que poderia envolver o leitor e estimular sua leitura.

Qual seria o papel da escola diante desses fatos? Um poema de Drummond retrata um

pouco mais de minhas proposições sobre a questão:

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Quadrilha

João amava Teresa que amava Raimundo

que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili

que não amava ninguém.

João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,

Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,

Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes

que não tinha entrado na história.

Ao reler este poema, comecei a refletir sobre os encontros e desencontros a que

estamos sujeitos ao longo de nossa vida.

Somos produto de uma trajetória de encontros e desencontros de pessoas, de sonhos, de

objetivos. Há encontros devidamente programados, arquitetados, há outros que ocorrem

ocasionalmente. Há alguns que, por motivos diversos, jamais irão acontecer.

Onde entraria a Literatura? Percebi que temos na escola o que precisamos para promover

um encontro: um espaço para a Literatura no currículo; professores formados; livros;

alunos. Todavia fiquei pensando por que, mesmo com esses elementos, o encontro

insiste em não acontecer em muitos casos. Não creio que todos sejam igual a Lili, que

não amava ninguém, e que, talvez, nem sentia falta desse encontro. Ou como a Teresa,

que se fechou em um convento e trancou as portas para viver outras experiências. Ou

como Joaquim, que se suicidou e levou consigo suas agonias, seus sonhos, seus

anseios, desistindo de realizá-los. Quem sabe o J. Pinto Fernandes não traduziria melhor

o papel da Literatura. Ele, que nem na história estava, parece ter conquistado Lili, que não

amava ninguém. E foi esse encontro que alterou o enredo trágico do poema.

Essa reflexão me levou à convicção de que promover pequenos encontros como este,

esteja ao alcance da escola; proporcionar aos jovens momentos lúdicos, de envolvimento

com a ficção e com os sonhos, e levá-los a refletir sobre o seu papel no mundo pode, sim,

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alterar trajetos até então trilhados. Motivar o encontro do saber científico escolarizado

com as experiências e visões de mundo dos sujeitos, pode levá-los a compreender não

apenas como as coisas são, mas como elas são sentidas.

Firmar a incompressibilidade da Literatura para homens e mulheres, como o fez Antônio

Cândido (1995), seria assumi-la como um bem indispensável, do qual a sociedade, ao

tomar posse e fazer os seus usos, produziria uma geração mais humana e sensível.

Haveria um certo ar de utopia nessa crença: acreditar em macro mudanças até então não

alcançadas sequer por lideranças bem intencionadas, campanhas sociais, instituições

religiosas, e, também, por instituições educativas? A convivência com jovens leitores que

confirmam o poder humanizador da Literatura mostrou-me que há pequenos grupos

isolados que acreditam nessas mudanças, inclusive via Literatura. Existem partes do todo

que se articulam, que se movem e às vezes se encontram, formando grupos em

potencial, que a partir da experiência literária, tendem a refletir sobre questões sociais e

individuais, produzir novos discursos e, por conseguinte, novas realidades. São fatos que

podem continuar invisíveis para muitos, inclusive para a escola, pois os seus resultados

ainda não são sentidos em uma esfera macro, sequer são descobertos em alguns casos.

Logo, poderia pensar que diferença faria para a sociedade saber da existência desses

grupos? Que boas novas eles poderiam anunciar em dias tão turbulentos? Se esses

movimentos são entendidos por alguns como pouco substanciosos, pergunto-me o

porquê da persistência de tantas manifestações culturais que, na perspectiva de Antônio

Cândido, são também Literatura. Seria realmente indispensável viver sem Literatura?

Seria utopia considerá-la um instrumento para se produzir uma geração mais humana e

sensível?

Embora não haja um valor prático visível nessas expressões artísticas, a imaginação e a

fantasia, expressões geralmente associadas ao que não se ajusta à realidade, para a

psicologia vygotskyniana, constituem-se na base de toda atividade criadora. São elas que

levam o ser humano a combinar, modificar e criar algo novo, por insignificante que esta

novidade possa parecer se comparada com as realizações dos grandes gênios. Segundo

Vigotsky, “se somarmos a isso a existência da criação coletiva que reúne todas essas

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pequenas descobertas insignificantes em si mesmas da criação individual,

compreenderemos quão grande é a parte de tudo o que foi criado pelo gênero humano e

que corresponde à criação anônima coletiva de inventores desconhecidos “(1982, p. 11).

Assim, a valorização e o incentivo desses pequenos grupos, quem sabe, não seria um

caminho para adubarmos o campo com novas sementes, com o intuito de ocupar um

terreno ora preparado com uma racionalidade cognitivo-instrumental (SANTOS, 2002).

Semear uma racionalidade estético-expressiva poderia, nessa perspectiva, produzir bons

frutos, dentre eles a emancipação.

Promover o “choque entre a página impressa e a cultura oral”, como ocorreu com o

personagem Menocchio (GINZBURG, 1987, p. 80), bem como possibilitar o encontro de

racionalidades e experiências tendem a produzir novas culturas e racionalidades. Se a

Literatura seria um caminho? Possivelmente sim. Não aquela entendida como discurso

pronto, meramente informativo e de caráter utilitário, mas aquela que torna possível o

diálogo de diferentes vozes, o dialogismo e a circularidade cultural tão apregoados por

Bakhtin (2003) e Ginzburg (1987).

Para finalizar, reconheço que muitas reflexões poderiam ser levantadas ainda sobre o

assunto, tendo em vista as informações colhidas durante esta pesquisa. O interesse

predominante de leitoras (do sexo feminino) por textos literários, a paixão de muitos

alunos por Shakespeare e Harry Potter, dentre outras temáticas merecem ser exploradas

em trabalhos futuros, dando continuidade aos estudos sobre o ensino de Literatura.

A reflexão que por hora se encerra, parte da convicção certo dia declarada por Jorge

Amado: “ Eu continuo firmemente pensando em modificar o mundo e acho que a literatura

tem uma grande importância."

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9 APÊNDICES

APÊNDICE A – Entrevistas

Na entrevista com os alunos procurei compreender:

1. Faixa etária dos alunos.

2. ( ) só estuda ( ) estuda e trabalha

3. Tipo de trabalho:

4. Na sua opinião, para que serve a literatura e por que faz parte do currículo da

escola?

5. Seus pais têm (ou tinham) o hábito de ler? Qual tipo de leitura?

6. Na sua casa há muitos livros de literatura?

7. Você costuma comentar e indicar para outros colegas os livros que você lê?

8. Para você, o que mais dificulta a sua leitura de textos literários? ( ) falta de hábito

( ) acesso a textos ( ) tempo curto ( ) preço dos livros ( ) prefere a

internet ( ) outros:

9. O que você busca em um livro de literatura?

10. Você tem algum(ns) autor(es) predileto(s)? Qual (is)?

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11. Quando assistimos a um filme, alguns sentimentos afloram em nós. Em alguns

casos nos emocionamos, em outros nos sentimentos apreensivos, com medo,

tristes, alegres...quando você lê um texto literário o seu envolvimento costuma ser

nesse nível? O que um livro precisa ter para envolver você dessa forma? Você

costuma se identificar com os personagens, enredo... ?

12. Você acha que deveria ler mais? Por quê?

13. O que você acha da linguagem dos textos literários?

14. Você se lembra dos livros que leu ao longo dos anos? O que te levou a escolhê-

los?

15. Algum livro ou autor foi marcante para você? Qual? Por quê?

16. Você acha que aprendeu muito durante os seminários de literatura? O que você

aprendeu?

17. Quais livros você leu para preparar o seminário?

18. Na sua opinião, é importante que os brasileiros leiam mais obras literárias? Por

quê? O que é necessário, no seu ponto de vista, fazer para se formar mais leitores

no Brasil?

19. Você acha que durante as aulas de literatura da sua turma há o incentivo para a

leitura? Por quê?

20. Na sua opinião, o que poderia ser feito para promover a leitura de obras literárias?

21. Na sua opinião, qual é a função da biblioteca na escola?

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22. O que você acha da biblioteca da sua escola nos seguintes aspectos: espaço

físico, ventilação e iluminação, quantidade e qualidade de livros, horários de

atendimento, atendimento dos funcionários e empréstimo de livros?

23. A partir dos problemas apontados por você na questão acima, quais sugestões

você daria para melhorar a biblioteca?

Na entrevista com a professora procurei compreender:

1. Há quanto tempo atua no Magistério?

2. Por que escolheu o curso de Letras Português?

3. Qual a sua opinião em relação ao curso de Letras Português em relação ao

preparo dos profissionais para atuação em sala de aula?

4. Como você da continuidade a sua formação?

5. Como foi o seu ‘encontro’ com a Literatura ao longo de sua vida?

6. A que tipo de leitura você se dedica com mais freqüência?

7. Na sua opinião, qual é o papel da Literatura na escola?

8. Você acha que a escola desempenha seu papel de forma eficiente no trabalho com

a Literatura? Quais são os maiores entraves para realizar esse trabalho?

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9. Na sua opinião, o que poderia ser feito para impulsionar a formação de leitores na

escola?

10. Como você vê a relação do jovem de hoje com a Literatura?

11. Algum projeto foi realizado ao longo do ano para incentivar a leitura dos alunos?

Qual (is)?