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    Literatura Brasileira II

    Florianpolis - 2012

    Marco Antonio de Mello Castelli

    5Perodo

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    Equipe de Desenvolvimento de Materiais

    Produo Grfica e Hipermdia

    Design Grfico e Editorial:Ana Clara Miranda Gern; Kelly Cristine Suzuki

    Coordenao: Thiago Rocha Oliveira, Laura Martins RodriguesAdaptao do Projeto Grfico: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha Oliveira

    Diagramao:Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli Michelon

    Capa: Raquel Darelli Michelon

    Tratamento de Imagem: Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli Michelon

    Design Instrucional

    Superviso do Design Instrucional:Ane Girondi

    Designer grficos:Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli Michelon

    Designer Instrucional:Daiana da Rosa Acordi

    Copyright , Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSC

    Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer

    meio eletrnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Coordena-

    o Acadmica do Curso de Licenciatura em Letras-Portugus na Modalidade a Distncia.

    Ficha Catalogrfica

    C348l Castelli, Marco Antonio de Mello

    Literatura brasileira II / Marco Antonio de Mello Castell i. Florian-

    polis : LLV/CCE/UFSC, 2008.

    93p. : 28cm

    ISBN 978-85-61482-08-4

    1. Literatura brasileira. 2. Modernismo. 3. Ensino de literatura . I. Ttulo

    CDU 869.0(81)

    Catalogao na fonte pela Biblioteca Universitria da

    Universidade Federal de Santa Catarina

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    Apresentao

    Literatura Brasileira II, ou Fragmentos para um Mosaico

    Este livro-texto no se traa em linha reta. Seguir com ele o con-

    tedo inerente Literatura Brasileira II como um passeio atravs

    de caminhos incertos. Como aqueles em que a gente sai pelas ruas

    da cidade distraidamente procurando-olhando um no-se-sabe-o-qu; como

    um dndi, moda Joo do Rio, a borboletear seu pouso inconfessvel sobre

    cada passante. Assim: um livro livre em sua geometria difusa, sinuosa apenas

    aparentemente anti-lgica.

    Distante de uma abordagem estruturalista, este livro-texto no se preocupa

    com a ordem cronolgica que convencionalmente caracteriza os livros didti-

    cos. Prope-se, na verdade, a estabelecer elos entre as correntes de criao e

    produo literrias brasileiras. Nesse sentido, enfocaremos parte da histria

    do pensamento brasileiro a que se desenvolveu entre fins do sculo XIX e

    meados do XX alinhavando manifestaes esttico-literrias e escritores re-

    fletindo acontecimentos e inquietaes de seu tempo. Antes, cotejaremos au-

    tores de perodos histricos e estticos diferentes. No nos parece fundamental

    seguir a linha cronolgica que insiste nos rompimentos entre o antes e o agora,

    o velho e o novo. O importante o laivo do permanente e sua transformao

    caleidoscpica. Os vestgios de um tempo no outro, de uma obra dentro da

    outra. No se trata de continusmo, mas sim de continuidade feita de novos

    lances, novos dados que, todavia, jamais aboliro o acaso, bem lembrando,

    assim, o poeta francs Stphane Mallarm por seu poema Um lance de dados

    jamais abolir o acaso.

    Desta feita, ora estaremos nos anos dez do sculo passado, ora na contem-

    poraneidade, com os olhos nos anos 60 e seus reflexos tecnolgicos na boca

    do presente sculo, ora nos anos 20 e 30. Noutro momento, retomaremos aos

    meados do sculo XIX to romntico quanto revolucionrio e passaremos

    ao cientificismo finissecular para, quem sabe, entendermos as contradies da

    sociedade brasileira. A testemunha, claro, ser sempre a obra literria.

    Dividido em duas unidades As Entradas e As Bandeiras, referncia aos pri-

    meiros sertanistas , este livro busca, na verdade, os ladrilhos para que o aluno

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    componha, aos poucos, o mosaico que forma a cultura brasileira. Da viria

    um ttulo adequado para este programa de Literatura Brasileira II: Fragmentos

    para Um Mosaico.

    Por meio deste livro, identificaremos os fragmentos concernentes LiteraturaBrasileira II, objetivando um mural, um quadro, enfim, uma composio har-

    moniosa ao termo do semestre. Nosso princpio pode ser tomado s rapsdias

    da Odissia, de Homero, que os alunos de Teoria da Literatura I tiveram a opor-

    tunidade de conhecer atravs das tramas de Penlope. A mulher de Ulisses ter

    sido a mais emblemtica das personagens da literatura no que se refere fatura

    esttica, porquanto tecia e destecia at que as aventuras do marido guerreiro se

    completassem. H que tomarmos, ainda, a rapsdia do prprio povo brasileiro

    representado nas estripulias do protagonista homnimo de Macunama, a obra

    de Mrio de Andrade: uma colcha de retalhos da cultura brasileira.

    No presente, Fragmentos Para Um Mosaico, voc j sabe, no incio, qual a

    ltima tarefa a ser realizada, aquela que encerrar o Curso do semestre. Acom-

    panhando o livro diretriz da Disciplina , voc se colocar como um artis-

    ta plstico que, pela palavra escrita, cumprir a tarefa de ordenar a grande

    quantidade de fragmentos escolhidos para este livro e para este Curso. A, en-

    to, caber a voc, aluno, a complementao do processo interativo que deve

    nortear o ensino. No caso, mostrar o corpo da civilizao brasileira, em toda a

    sua expresso esttica, moral, poltica, social.

    Mas, para bem entender quais ferramentas so necessrias para compor o mo-

    saico, h que se passar por muitos de nossos estudiosos Alfredo Bosi, Antonio

    Cndido, Cavalcanti Proena, Roberto Schwarz, Otto Maria Carpeaux, Silvi-

    ano Santiago, Benedito Nunes, Affonso vila, J. Guinsburg. vila, por exem-

    plo, oferece uma abordagem crtica bastante apropriada sobre a lngua como

    ferramenta maior para a formao da linguagem literria. Especialmente no

    caso brasileiro, oriundos que somos de um longo processo de colonizao e de

    influncias profundas de vrias outras culturas, desde a marcha das imigraes

    no sculo XIX, at os tempos atuais, com a forte presena da lngua inglesa de

    origem estadunidense.

    Convenhamos: uma lngua se deforma para se conformar. Assim est nas falas,

    assim est nas escritas que as formam, ora em intenes lingsticas como a

    estria inventada pelo fillogo Joo Ribeiro, em 1944, ora pela licena poti-

    ca para a mesma palavra, trazida no linguajar inventivo de Guimares Rosa,

    tambm nos anos 40 do sculo passado.

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    Literatura o exerccio da inteligncia a servio

    da sensibilidade nostlgica ou revoltada.

    (Albert Camus)

    Atravs da arte, distanciamo-nos e

    ao mesmo tempo aproximamo-nos da realidade.

    (Goethe)

    To be, or not to be: that is the question.

    (Hamlet Shakespeare)

    Tupy, or not tupy that is the question.

    (Oswald de Andrade)

    Eu sou trezentos, trezentos e cinqenta.

    (Mrio de Andrade)

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    Unidade AAs Entradas

    BRASIL

    UFSC

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    Primeiro Fragmento

    Dando incio busca de nossos ladrilhos, vamos aos ttulos que compem

    a matria-prima do programa, seguidos de um coquetel sobre a conformaoda lngua a partir do Barroco at a era da tecnologia.

    Ento, isso, pessoal. Vocs vo encarar essas obras a citadas em

    seguida, o que, alis, pouco para que vocs se aprontem como pro-

    fessores de Portugus. No adianta torcer o nariz, fazer bocas ou caras

    como artista de novela, nem xingar. Afinal, literatura tudo o que h

    de mais importante na formao de um povo. Na verdade, de um ser

    humano, de um cidado se a gente pensar em termos amplos (globali-

    zantes, para usar uma expresso da hora).

    Textos para leitura obrigatria:

    1) Jos de Alencar: Iracema.

    2) Machado de Assis: Dom Casmurro. Contos (Coleo Grandes

    Leituras. FTD).

    3) Raul Pompia: O Ateneu.

    4) Alusio Azevedo: O Cortio.

    5) Euclides da Cunha: Os Sertes A terra (cap. I, IV, V) O ho-

    mem (cap. II e III).

    6) Lima Barreto: Triste Fim de Policarpo Quaresma. O Destino da

    Literatura.

    7) Joo do Rio: O Homem da Cabea de Papelo (ler na WEBTE-

    CA).

    8) Mrio de Andrade:Macunama.

    9) Oswald de Andrade:Manifestos Pau-Brasil e Antropofgico. Me-

    mrias Sentimentais de Joo Miramar. O Rei da Vela.

    10) Graciliano Ramos: Vidas Secas.

    11) Guimares Rosa:A Hora e a Vez de Augusto Matraga.

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    12) Srgio Buarque de Holanda: Razes do Brasil.

    13) A potica romntica:

    a) Gonalves Dias: A Cano do Exlio (in: Primeiros Can-

    tos), Cano do Tamoio (in: ltimos Cantos).

    b) Castro Alves: Vozes dfrica (in: Os Escravos).

    14) A potica parnasiana:

    a) Alberto de Oliveira: Fantstica (in: Meridional: Poesias. 4.

    srie. Francisco Alves, 1927).

    b) Olavo Bilac: Profisso de F (in: Poesias 26. ed. FranciscoAlves, 1956).

    15) A potica simbolista:

    a) Cruz e Sousa: Antfona (in: Broqueis: Poesia Completa. Ed.

    da UFSC, 1985), Da Senzala..., Dilema (in: O Livro Derra-

    deiro: Poesia Completa. Ed. da UFSC, 1985).

    16) A potica modernista:

    a) Manuel Bandeira: Os Sapos (in: Carnaval), Potica (in: Li-

    bertinagem).

    b) Carlos Drummond de Andrade: Quadrilha (in: Alguma

    Poesia), poro, O Elefante, Morte do Leiteiro (in: A Rosa

    do Povo).

    c) Jorge de Lima: Essa Negra Ful (in: Novos Poemas).

    d) Ceclia Meirelles. Lamento do Oficial por seu Cavalo Mor-to (in: Mar Absoluto e outros poemas).

    e) Vincius de Moraes: A Rosa de Hiroshima (in: Antologia

    Potica. Companhia das Letras, 1992).

    Pense s uma coisa (ah, bom avisar: ao longo de nossa conversa, es-

    tarei sempre alternando o tratamento quanto ao nmero - voc/vocs):

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    Estes conceitos so, na verdade, meras transcries lexicais quevoc encontra em qualquer dicionrio de lngua portuguesa. Alis, esse

    tema voc j tirou de letra em Histria dos Estudos Lingsticos, Estu-

    dos Gramaticais e Teoria da Literatura I.

    Mas vamos reflexo. A lngua que a gente fala e usa para a comu-

    nicao entre ns cidados brasileiros, aqui nascidos ou no a

    lngua que tomamos aos portugueses. Essa tomada da lngua aos portu-

    gueses configura-se literariamente e devemos entend-la como um longo

    processo, que se estende desde os primeiros tempos da colonizao. Esse

    processo, ns o acompanharemos atravs da abordagem apresentada por

    Affonso vila em Do Barroco ao Modernismo: o desenvolvimento ccli-

    co do projeto literrio brasileiro (VILA, 1975: 29-38), que voc deve ler

    logo aps passar pelos prximos itens, todos referentes linguagem. Des-

    tes itens, os trs primeiros foram retirados do texto de vila:

    1) A tomada principia quando a colonizao comeara a se fir-

    mar quase ao fim do sculo XVII e primeira metade do sculo

    XVIII, tempo em que se d o chamado perodo Barroco da his-

    tria literria brasileira. Naquele momento, a obra potica de

    Gregrio de Matos oferecia elementos a uma anlise formal,

    lingstica e ideolgica como indicativos de um processo de

    apropriao da linguagem e apropriao da realidade.

    2) Face Independncia do Brasil, a lngua dos portugueses se

    transforma em coisa nossa, ao longo do sculo XIX. Ela ganha

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    Mas o que eu percebo que o ingls no fator de influncia abso-

    luta. Antes, vm desta lngua expresses que se conformam em uma lin-

    guagem prpria e especfica. Em verdade, trata-se de expresses oriun-

    das das fibras ticas que, por sua vez, abrem-se em pginas de um livro

    de ningum: o computador.

    Este fenmeno lingstico define o que chamamos de perodo Ps-

    Utpico, o qual, por sua vez, englobaria as demais terminologias utiliza-

    das at aqui. Trata-se de termos como ps-modernismo, ps-colonialis-

    mo, ps-industrialismo termos usados e gastos com a rapidez de um

    chip ligando nosso computador.

    Pois isso: tal fenmeno lingstico estabeleceu um novo processo

    literrio de linguagem inventiva (como pensava Oswald de Andrade),porm exacerbado em seu incontrolvel desenvolvimento. Tempos de

    hiper: hipertexto, hiper-linguagem, hiper-realismo.

    A lngua do agora traz mltiplas linguagens nela embutidas para

    determinar o pensamento moderno e as atitudes ticas e estticas da

    metade do sculo XX para c. Que o digam as mais recentes geraes de

    escritores e artistas. Eles tm na mdia a matria-prima mais urgente de

    sua fatura esttica ou de sua performance artstica. A tev, a fotografia,

    o cinema, o outdoor, a imagem, enfim, formam a grade dos elementos

    para a composio esttica. Quanto ao contedo, este no raro se assen-

    ta na referncia ao j visto, ao j dito, ao j pensado em obras anteriores

    e em outros tempos. Os temas abordados so marcadamente urbanos,

    primam pela fragmentao semelhante aos clipes das mais variadas cor-

    rentes do rockn roll.

    Olha a, minha gente, isso assunto que no acaba mais e nos leva

    busca da gerao dita 90 e 00 (1990 e 2000), e da em diante. Isto ,

    os escritores que vieram na esteira dessa transubstanciao lingstica,

    cujos fenmenos eclodiram com a gerao baby boom, ou seja, os nas-

    cidos ao tempo da exploso atmica em Hiroshima e Nagasaki; com a

    gerao easy-rider, desdenhosa do sistema american way of life, que

    teve em Jack Kerouak seu mais expressivo representante; com a gerao

    rockn roll de Elvis Presley e Os Beatles; com a gerao hippie e beatnik

    da liberao sexual dos anos 70; a nova ordem econmica instaurada

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    nos anos 80 e embasada no neo-liberalismo ingls de Margareth Ta-

    tcher e referendada pelo ex-ator hollywoodiano Ronald Reagan, ento

    presidente dos EUA; com, enfim, a queda do muro de Berlim em 1989,

    curiosamente h exatos 200 anos aps a queda da Bastilha, exaurindo

    o perodo iluminista calcado na trade libert-egalit-fraternit, que

    tanto ajudou a fundar os movimentos libertrios do sculo XIX, como

    a abolio dos escravos e a proclamao da repblica onde grassava o

    sistema monarquista.

    Hoje, pois, fim das utopias. No existe aquele pas, aquela socieda-

    de em que tudo est organizado de modo a haver graa e felicidade nas

    relaes humanas. Hoje, h o reinado da hipermdia e da lei de merca-

    do. Era da tecnologia exacerbada. E ponto.

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    2 Segundo Fragmento

    Vamos a duas abordagens de reflexo em torno de questes cientfico-

    tecnolgicas para percebermos a modernidade em dois autores marcantes denossa literatura. Contemporneos entre si, porm de fases e estilos diferentes,

    Machado de Assis e Joo do Rio so os pilares do presente fragmento.

    Bem. No d para pr um ponto final no assunto do Fragmento

    anterior, assim, sem mais nem menos. claro que a tecnocincia um

    assunto do hoje, do agora, e que vai, no mnimo, atravessar esse XXI. Mas

    no possvel falar do hoje sem que nos reportemos ao passado. No caso,

    voltemos cem anos (fins do XIX incio do XX) quando, ento, toda uma

    era cientfica se esgotava. Comeava o tempo dos grandes inventos tec-

    nolgicos: o automvel chegava pela primeira vez em solo brasileiro (S.

    Paulo) em 1893, Santos Dumont (1873-1932) inaugurava a era da avia-

    o, o cinematgrafo dos irmos Lumire estreava em 1896, Karl Marx

    (1818-1883) j era texto sagrado do socialismo-comunismo que sacudia

    a Europa e Sigmund Freud (1856-1939) teorizava sobre as neuroses hu-

    manas, enquanto Machado de Assis (1839-1908)j havia posto muita

    gente em seu div de analista (basta lembrar o velho Simo Bacamarte, o

    Alienista, que botou uma cidade inteira no manicmio da Casa Verde).

    2.1 Machado de Assis

    E por falar em Machado de Assis, vamos traz-lo j para o nosso

    Curso. Vamos com ele abordar um de seus temas mais preciosos, ou

    seja, os deslizes psquicos do ser humano. Por meio desta abordagem,

    Machado se coloca como dos mais avanados escritores de seu tempo.

    Como dissemos acima, ele se antecipa a Freud: enquanto este pesquisaa mente e o comportamento humanos, o brasileiro vai direto ao ponto,

    porquanto transfere para o plano esttico-literrio o drama das desor-

    dens mentais. S que com refinada ironia.

    Vamos ao texto longo conto O Alienista, que , sem dvida, uma

    jia da literatura mdica. Mdica? Isso mesmo, porm sem compromis-

    so com a cincia, mesmo porque o texto , na verdade, pea de crtica ao

    excesso de cientificismo que marcou o fim do XIX. Entretanto, parte de Machado de Assis

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    uma das preocupaes mais profundas de Machado, pois a epilepsia, doen-

    a nervosa que o acometera, nele se manifestava na forma de convulses.

    Moderno esse conto que, de certa maneira, inaugura matria ca-

    racterstica da ps-modernidade: a exposio de dramas psicopatolgi-

    cos vividos por seus personagens, manipulados pelo psiquiatra Simo

    Bacamarte em sua busca obsessiva dos limites entre a razo e a loucura.

    Da pena irnica machadiana no escapa o cruel retrato dos manic-

    mios brasileiros semelhantes aos nossos atuais presdios. Outro ingre-

    diente importante o fato de refletir a ordem poltico-social brasileira

    por meio do micro universo representado pela provinciana cidade de

    Itagua. Publicado pela primeira vez em 1881, O Alienistaentrou para a

    galeria dos cnones na qualidade de obra fonte da literatura brasileira.

    Agora, vamos trazer baila outro conto cabea (duplo sentido:

    mexe com o tema cabea e mexe com a cabea do leitor). Trata-se de

    O Homem da Cabea de Papelo, do antenado Joo do Rio, autor que,

    embora sem o mesmo refinamento literrio de Machado, soube fazer

    o retrato do Rio de Janeiro de seu tempo sem nunca perder de vista as

    mazelas e contradies humanas.

    Antes, porm, para que voc tenha certa noo da modernidade de

    Joo do Rio e compreenda como pode um texto significar igualmentedois tempos to distantes (os anos dez do sculo XX e do XXI), ocupe-

    se com as Abordagens Reflexivas I e II:

    2.1.1 Abordagem I

    Para entendermos a modernidade de Joo do Rio e sua cabea de

    papelo, passemos reflexo assomada a abaixo, que espicha aquela

    do quadro logo acima. Esta vem na forma de parfrase, quando no

    com palavras tomadas integralmente a Adauto Novaes (O Estado de SoPaulo, D6, 19/8/07), intelectual que se aprimorou em juntar cabeas

    pensantes do Brasil em conferncias que discutem temas de capital im-

    portncia para esse nosso tempo de mutaes. Uma dessas confern-

    cias justamente a que trata do Silncio dos Intelectuais, como se eles

    houvessem sido tomados por uma paralisia ante as situaes de risco,

    porque no dizer ante as barbries de uma sociedade perplexa face

    quebra dos tradicionais conceitos sobre poltica, crenas e pensamen-

    to. Mais do que crise, estes fenmenos poderiam ser entendidos como

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    um processo de mutao que germina no nada da revoluo tcnico

    cientfica dos ltimos tempos e aponta para a igualdade entre crebro

    humano e artificial, aquele dos computadores.

    Esse assunto no tem ponto final, como pretendi acima. Entretanto,

    no vamos muito alm. Apenas um pouquinho mais de reflexo sobre

    o tema a que chamamos Ps-Utopias, no qual linguagens, conceitos

    e crenas entram em crise. Crise no seria o termo adequado, melhor

    falar em mutao.

    Em tempos de avanadssima tecnologia, em que os biotecnlo-

    gos prevem, ainda para meados deste sculo XXI, a equivalncia total

    da inteligncia artificial (a de computadores) inteligncia humana, a

    mutao o processo marcante. No se trata do conceito em seu sen-tido tradicional, em que a mutao era precedida de grandes sistemas

    filosficos, polticos, culturais, artsticos. A mutao que vivemos atu-

    almente feita no vazio do pensamento, na esteira da grande revoluo

    tcnico-cientfica das dcadas recentes. A tecnocincia tem autonomia

    face s cincias humanas que tm precedentes na histria do pensamen-

    to. Como a tecnocincia no tem em que se apoiar, o resultado que

    precisamos inventar muita coisa.

    Vivemos em uma poca crtica, em que concepes polticas, cren-as e idias, que antes pareciam dar sentido, agora perdem valor. O fato

    que estamos passando por uma grande mutao que, embora consiga-

    mos identificar, no conseguimos definir.

    Fala-se muito em uma grande revoluo da informao, mas como

    trabalhar com informaes provisrias que se tornou uma grande

    questo. A informao apenas a mostra do imediato pnico, do fato

    em si, puro e simples. Ela a imagem do caos e, como tal, apenas o

    caos. Portanto, haveramos de nos ocupar com a reviso dos fatos, o queno conseguimos fazer no calor da hora. Assim que no administra-

    mos a poltica dos fatos e nos deixamos levar por esse caos assustador

    em que se desvaloriza a idia do tempo histrico. Ou seja, vivemos em

    um tempo que definido pelo aqui e agora, destroando-se, com isso, as

    duas maiores invenes da humanidade, que so o passado e o futuro.

    como se a gente pensasse: j que somos mortais e, por certo, desapare-

    ceremos, que se dane o futuro, e o passado j era!

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    Estampa-se no presente o mal pensado da morte da civilizao.

    Qual seria, ento, outra perspectiva (se houver)?

    Hoje as coisas no podem ser pensadas isoladamente e est mui-

    to claro que h uma interdependncia entre os mais variados assuntos.Convergem os temas entre si: a nanotecnologia com a biotecnologia, a

    infotecnologia com as cincias cognitivas. Est cada vez mais evidente

    que o pensamento no existe isoladamente. Assim pensam intelectu-

    ais como Srgio Paulo Rouanet, para quem o homem tem a necessidade

    de voltar a ser o sujeito do processo de gerao e aplicao do conheci-

    mento, com a capacidade plena de ter uma viso de conjunto das ativi-

    dades cientficas e tecnolgicas contemporneas.

    2.1.2 Abordagem II

    Voc assistiu ao filme de Ridley Scott, O Caador de Andrides, ou

    Blade Runner(1982), seu ttulo em ingls? Pois bem, um filme que um

    espanto. Quanto mais o vemos, mais descobrimos ngulos a serem ana-

    lisados. Nele, o ator Harrison Ford faz um detetive duro que sai caa

    de pobres andrides, seres criados em laboratrio de biotecnologia, que

    eram enviados para terrveis guerras interplanetrias e que, pior, tinham

    um tempo de vida delimitado. Alguns desses trans-humanos lograram

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    fugir da guerra e vm para uma Los Angeles catica em busca do Pai,

    ou seja, daquele que os criara para to desgraada finalidade. Sobretudo,

    eles no queriam morrer!

    A fico se adianta realidade. Sempre foi assim: o artista criador,muito tempo antes da realidade, prev em traos, letras, formas um fu-

    turo distante a ser realizado pela cincia. Assim se deu, atravs das hist-

    rias em quadrinhos, a criao de Flash Gordon, a prenunciar as viagens

    espaciais; o Superman, dubl de homem e mquina. Porm, antes deles,

    a literatura genial de Jlio Verne, com seus personagens em viagens ex-

    traordinrias ao fundo do mar e ao centro da terra; e, antes de todos, o

    Franksteinde Mary Shelley, estranha criatura urdida nas nvoas densas,

    toda sombras do ultra gtico romntico, expresso mesma da iminente

    decadncia de uma Europa cansada de sua prpria civilizao.

    Frankstein se saiu um monstro. Os robs de hoje trazem mlti-

    plos disfarces, inclusive para esconderem candidamente o assassino que

    neles poder existir. Foi o caso de outra pea de fico anterior a Bla-

    de Runner. Hall 2000, personagem robtico/computador inteligente,

    que protagoniza uma das cenas antolgicas do melhor cinema de fico

    cientfica. Em 2001, uma Odissia no Espao, Stanley Kubrick, baseado

    no romance homnimo de Arthur C. Clark (1918-2008), mostra-nos a

    agonia e morte do rob. Trata-se de Hall, nas cenas em que desligado

    pelo nico tripulante que sobreviveu srie de assassinatos tecnologica-

    mente praticados pelo prprio rob.

    Anos 60. Ainda assistia-se supremacia do homem sobre a mqui-

    na. Ser assim em 2045, tempo para o qual est prevista a ocorrncia

    daquilo a que os biotecnlogos chamam de Singularidade Tecnolgica,

    ou seja, o momento exato em que a inteligncia artificial (a de computa-

    dores) se igualar dos humanos?

    Enfim, chegou o tempo daquilo tudo que era urdidura, trama, in-

    veno ficcional tornar-se realidade. Assustadora em meio a um noti-

    cirio de pnico, complexa diante de uma sociedade que s faz pensar

    narcisicamente no presente como se no houvesse a morte que vir, sem

    querer lembrar o passado que poderia ter sido.

    Que fazer, enquanto so tantos os homens e pior, homens com

    investidura poltica que tm cabea de papelo?

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    (Voc pensou em algum poltico, em algum cartola ou em algum seu

    vizinho-amigo-colega espertalho, sempre pronto para levar vantagem em

    tudo? Ento, voc pensou certo!)

    2.2 Joo do Rio

    Pois agora chega de bl e vamos ao nosso personagem o Antenor

    inventado pelo extravagante Joo do Rio. Ou Godofredo de Alencar,

    ou Jos Antonio Jos, ou Joe, ou Claude, ou Joo Paulo Emlio (Crist-

    vo) Coelho Barreto, seu verdadeiro nome, dado pelos pais um gacho

    e uma mulata desde seu nascimento em 05/08/1881, no Rio de Janeiro,

    onde morreu em 23/06/1921. Foi redator de jornais importantes, como

    O Pas e Gazeta de Notcias, fundando depois um dirio que dirigiu at o

    dia de sua morte,A Ptria. Contista, romancista, autor teatral (condio

    em que exerceu a presidncia da Sociedade Brasileira de Autores Tea-

    trais), tradutor de Oscar Wilde, foi membro da Academia Brasileira de

    Letras, eleito na vaga de Guimares Passos. Entre outros livros, deixou

    Dentro da Noite, A Mulher e os Espelhos, Crnicas e Frases de Godofredo

    de Alencar, A Alma Encantadora das Ruas, Vida Vertiginosa, Os Dias

    Passam, As religies no Rio eRosrio da Iluso, que contm como pri-

    meiro conto a admirvel stira O homem da cabea de papelo.

    A obra literria deste contemporneo de Machado de Assis no se

    encaixa facilmente no Realismo finissecular, nem na esttica modernis-

    ta j em andamento, quando, em 1922, se v confirmada na Semana de

    Arte Moderna, em So Paulo.

    Joo do Rio se situa naquele entre-tempo, entre-caminho a que se

    convencionou chamar de Pr-Modernismo, em companhia de Euclides da

    Cunha, Afonso Henriques de Lima Barreto, Monteiro Lobato, para citaralguns dos mais importantes nomes que j apontavam para as grandes pre-

    ocupaes nacionais e literrias das trs primeiras dcadas do sculo XX.

    Dedique-se agora leitura de O Homem da Cabea de Papelo.

    Joo do Rio

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    Bah, tch! (L vem o gacho admirado de confirmao).

    Pois isso. Veio a fala. A gente se comunicou. Desde a mais remo-

    ta antigidade que se contam histrias que encerram as mais variadas

    experincias vividas, como anotou Walter Benjamin para pensar a nar-rativa, no livroMagia e Tcnica, Arte e Poltica (BENJAMIN: 1987, 197-

    221). Mas o que era literatura oral e no foi grafado perdeu-se. Assim

    como h muitas lnguas que desaparecero porque no tm literatura.

    No tm a memria documentada, grafada, escrita.

    Orra, meu! (O paulistano macarrnico, bem depois do jeito que

    Antnio de Alcntara Machado flagrou a fala da italianada no formid-

    vel Brs, Bexiga e Barra Funda).

    Claro que vocs, curiosas e curiosos, movidos pelo esprito de pesquisa

    de que todo professor deve se imbuir, havero de buscar confirmao para

    o assunto em livros como Presena da Literatura Portuguesa das origens

    ao Realismo, de Antonio Soares Amora e Segismundo Spina, pela Editora

    Bertrand. Portanto, uma lngua s desde que tenha literatura. Afinal, o

    texto documenta um momento histrico e at mesmo os aspectos scio-

    lingsticos de uma gente, de uma sociedade, de uma nao. Correria o

    risco de desaparecimento toda riqueza da memria de um povo, por sua

    literatura oral, caso no fosse grafada. Eis a a funo da literatura.

    E a? (Pergunta todo o Brasil como quem quer saber o que que

    eu fao com isso?).

    Bom, se para entender o que Lingstica, conforme o professor

    Castilho, tem que ficar pegando em elefante, digo que para entender de

    literatura (um pouco) tem que pegar em livros na forma e no conte-

    do. Vamos l!

    Conferindo Conceitos

    Literatura: o que e quais alguns conceitos que podero deixar

    clara sua importncia para uma sociedade como a brasileira, que, alis,

    no l, malgrado o alerta feito por Monteiro Lobato (aquele do Stio do

    Pica-pau Amarelo?):

    Um pas se faz com homens e livros.

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    4 Quarto Fragmento

    Colhendo este quarto fragmento, voc ter uma idia sobre as razes

    culturais brasileiras, principalmente a partir das reflexes modernistas. Tais

    reflexes aparecem aqui por meio de um recurso que bem poderia ser entendi-

    do como um dilogo entre Srgio Buarque de Holanda, Oswald de Andrade e

    Mrio de Andrade. Entretanto, para aodar o assunto, havemos de nos remeter

    ao indianismo de Jos de Alencar e malandragem braslica, esta correndo

    solta pelas novelas de tev.

    Onde comea o Brasil?

    Essa uma boa pergunta. Porm, antes de mais nada, d uma olha-

    dinha no esplndido quadro A Primeira Missa do Brasil, pintado em

    1861 pelo catarinense Vitor Meireles.

    A Primeira Missa do Brasil, Vitor Meireles

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    Ento, se voc logo se puser a ler Razes do Brasil, de Srgio Buar-

    que de Holanda, vai descobrir de cara a ponta do novelo para entender

    quem somos ns, os brasileiros. Vai descobrir de onde veio toda essa

    preguia, o desleixo com a coisa pblica, o anseio por buscar o meio mais

    fcil para atingir um fim, o levar vantagem em tudo, as relaes de favo-

    res, a facilitao s prticas corruptas, o gostoso sentimento da saudade.

    Se voc pensou no colonizador portugus, acertou em cheio. In-

    sisto: leia Razes do Brasil e o assunto lhe parecer muito claro. Outra

    obra de grande importncia para entender a nossa nao Retratos do

    Brasil, cujo autor, Paulo Prado, trouxe-o a lume no efervescente ano de

    1928, o mesmo ano do Macunama de Mrio de Andrade e do definitivo

    Manifesto Antropfago, do agitador cultural Oswald de Andrade.Quer saber de uma coisa? Pegue uma folha de papel almao pauta-

    da (ops! coisa mais antiga!), abra o Word e j v escrevendo sua primeira

    redao sobre o assunto O Brasil: o que era e no que deu para que

    j faa um arquivo para consulta posterior sobre o aproveitamento que

    voc tirou dessas paradas.

    Agora vamos encarar a cozinha brasileira, preparando uma comi-

    dinha cultural.

    Pegue os seguintes ingredientes:

    1) um suco bem concentrado de Razes do Brasil;

    2) uma poro bem escolhida de Iracema;.

    3) uma medida esperta de Paraso Tropical (ou qualquer outra te-

    lenovela equivalente).

    4.1 Da Telenovela

    Lembra daquela telenovela do ano passado na Globo, em que a sa-

    fadeza, a bandidagem e o mau-caratismo corriam soltos? Era a tal Para-

    so Tropical, em que personagens com aquelas qualidades aqui citadas

    faziam a catarse da nao brasileira. Era o Olavo (personagem vivido

    por Wagner Moura) e a Bebel (vivida por Camila Pitanga). ta, dupla de

    cafajestes! Mas cafajeste era o que no faltava naquela novelinha, no

    Este assunto ser retoma-do logo frente.

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    mesmo? (Alis, mau carter o que no pode faltar em novela alguma,

    caso contrrio, no d ibope.)

    Despreze aqueles personagens xaropes feitos de caras e bocas, ba-

    lanando a cabeorra tal aqueles bichinhos de R$ 1,99 que muitos mo-toristas gostam de pr no painel do automvel s pra ver aquelas coisi-

    nhas balanarem ao movimento do carro. Estou falando de personagens

    clichs como a Lcia, feita pela atriz Rene de Vilemond: s ela no en-

    xerga que o marido a trai e toda bondade! Depois da grande desiluso

    em saber-se enganada, descobre, toda pudores, o grande amor de sua

    vida. Trata-se de um jovem com idade para ser seu filho e com quem,

    para delrio dos telespectadores, adota uma criana. Mais politicamen-

    te corretos impossvel. Telenovela isso: o abuso da inverossimilhana.Dane-se. A audincia a-do-ra!

    A propsito, se voc no viuParaso Tropical, serve qualquer outra,

    pois ingrediente de novela sempre o mesmo. E, pelo jeito, ser sempre

    assim.

    Mas vale aqui indicar as origens da malandragem braslica que

    debandou, lamentavelmente, em cafajestice generalizada. Refiro-me

    necessria leitura deMemrias de um Sargento de Milcias, de Manuel

    Antnio de Almeida, que focalizou os costumes fluminenses dentro domomento histrico de um Rio de Janeiro transformado em sede do im-

    prio portugus, com D. Joo VI. Para se aprofundar no tema, voc deve

    mergulhar no precioso ensaio de Antonio Candido, intitulado Dialti-

    ca da Malandragem (1993).

    4.2 De Iracema

    AIracema do Alencar era aquela ndia bonita, toda bondade e todaentregue ao portugus desbravador, com o intuito ideolgico de mos-

    trar a miscigenao das raas ndia e branca para a boa formao do

    carter nacional. Mas s que, voc bem observou, o danado do bravo

    portugus pegou o filhinho dele feito com a pobre ndia que, coitada,

    morreu, e levou pra criar e educar em Portugal. Direitinho como faziam

    as famlias de grandes recursos em relao aos seus rebentos, seus filhos,

    que voltariam de Coimbra diplomados em Direito para continuar a ge-

    Lembretinho chato: seainda no leu, corra!

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    Bom mesmo para entrar nesse assunto e entend-lo com segurana

    e qualidade dar uma boa lida (isto quer dizer: fazer uma leitura crite-

    riosa) nas poucas pginas (apenas dez) em que Affonso vila apresenta

    o projeto literrio brasileiro entre o Barroco e o Modernismo. O texto

    se encontra em O Modernismo, editado pela Perspectiva, que contm

    vrios ensaios sobre o tema, assinados por Benedito Nunes, Silviano

    Santiago, Affonso Romano de Santanna, entre outros, e foi o prprio

    Affonso vila quem coordenou e organizou essa importante edio em

    comemorao aos 50 anos da Semana de Arte Moderna. Bom, sobre o

    texto de Affonso vila, apontarei algumas dicas mais adiante.

    O negcio o seguinte: 1928 foi o ano da publicao, nada mais

    nada menos, de trs ttulos de fulcral importncia para o entendimento

    do Brasil. Vejam s:

    1) Manifesto Antropfago, de Oswald de Andrade.

    2) Macunama, de Mrio de Andrade.

    3) Retratos do Brasil, de Paulo Prado.

    mole? Ento vamos voltar quatro anos, 1924, para bem entender

    o esprito da coisa. Quer dizer, do Modernismo. E comecemos pelo seu

    grande mestre de cerimnias. Como em um picadeiro, assim diramos: Senhoras e senhores, com vocs, para animar a festa:

    4.4 Oswald de Andrade!

    Para bem compreender o Modernismo do Brasil, cumpre sejam

    feitas algumas leituras. Os Manifestos de Oswald de Andrade Pau-

    Brasil, de 1924, eAntropfago, de 1928 so bandeiras apontando para

    um novo pensamento que abraa a um s tempo as artes, a poltica e asociedade.

    Importantssima foi a obra de Oswald. Seus dois romances,Mem-

    rias Sentimentais de Joo Miramar(1924) e Serafim Ponte Grande(1933),

    sua poesia inscrita do Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de

    Andrade(1927), bem como sua pea teatral O Rei da Vela, escrita em

    1933, publicada em 1936 e levada ao palco apenas em 1963 na ence-

    nao fundadora do Tropicalismo, criada por Jos Celso Martinez no Oswald de Andrade

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    Teatro Oficina de So Paulo, radicalizam as conquistas da liberdade de

    criao artstica propugnadas pelo Modernismo.

    Vamos pegar a seguir alguns versos comentados desse aluno mes-

    tre que, no dizer de Dcio Pignatari (bem ao final do documentrio daTV Cultura), mais do que vanguarda de seu tempo, Oswald foi moder-

    no, mais que moderno, eterno.

    4.4.1 Pau-Brasil

    No livro Pau-Brasil, Oswald de Andrade pe em prtica as propos-

    tas do Manifesto de mesmo nome. Na primeira parte do livro, Histria

    do Brasil, ele recupera documentos da nossa literatura de informao,

    dando-lhes um vigor potico surpreendente. Na segunda, Poemas dacolonizao, rev alguns momentos de nossa poca colonial.

    A descrio da paisagem brasileira, as cenas do cotidiano e o uso de

    metalinguagem so constncias entre os poemas de Pau-Brasil, marca-

    dos, ainda, pelo verso livre, pelo tom de prosa, pela simplicidade da lin-

    guagem e pela extrema condensao. Pau-Brasil sugere a idia da poesia

    como ingenuidade, surpresa e tambm imaginao, inveno, magia,

    liberdade. Associado ao universo infantil, o livro rompe as fronteiras

    entre sonho e realidade, propondo uma potica de renovao estticaque aponta para a redescoberta da poesia.

    Passemos a alguns dos poemas de Pau-Brasil, pincelando pequenos

    comentrios:

    Pronominais

    D-me um cigarro

    Diz a gramtica

    Do professor e do aluno

    E do mulato sabido

    Mas o bom negro e o bom branco

    Da nao brasileira

    Dizem todos os dias

    Deixa disso camarada

    Me d um cigarro

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    Os versos apontam para uma potica da coloquialidade e da na-

    cionalidade. Da miscigenao racial negros e brancos , forma-se o

    mulato, ou seja, uma outra cor, uma nova raa. Esta raa, por sua vez,

    altera a cultura do colonizador e faz valer sua prpria inveno lings-

    tica. Em processo, pois, a miscigenao cultural. O poema remete a um

    dos baluartes da formao cultural brasileira. Trata-se de Gregrio de

    Matos, que, juntamente com Machado de Assis e Euclides da Cunha,

    forma o que Oswald chamava de base literria do Brasil.

    O Capoeira

    Qu apanh sordado?

    O qu?

    Qu apanh?

    Pernas e cabeas na calada

    A idia de luta sugerida apenas por um dilogo-relmpago, ti-

    picamente popular (note que o texto escrito copia a oralidade) e pela

    metonmia (pernas e cabeas na calada a parte pelo todo), que ilustra

    o estilo telegrfico, extremamente sinttico, de Oswald de Andrade. Se-

    gundo Antonio Candido, Oswald foi o inaugurador, em nossa literatura,

    da transposio de tcnicas de cinema montagem de cenas, tentativade descontinuidade para causar a impresso de imagens simultneas

    para o texto literrio.

    Relicrio

    No baile da corte

    Foi o conde dEu quem disse

    Pra Dona Benvinda

    Que farinha de Suru

    Pinga de Parati

    Fumo de Baependi

    com beb pit e ca

    Este poema representativo da proposta Pau-Brasil de poesia de

    exportao. Trata-se de recontar momentos significativos da histria

    da colonizao do Brasil de maneira irnica, crtica, como na cena de

    Relicrio. Nela, um personagem histrico, o Conde dEu, no baile da

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    Corte, conversa com Dona Benvinda uma conversa de cozinha: rt-

    mica, folclrica, engraada, surpreendente para o contexto do baile da

    Corte. Note que o relicrio significa recinto ou lugar especial, prprio

    para guardar objetos de estimao. Veja-se, pois, a impropriedade con-tida no poema ele mesmo um relicrio para essas coisas to prosaicas

    e pndegas do Brasil monarquista. Poema marcadamente oswaldiano: a

    conversa, a ironia, a piada.

    Cano de Regresso Ptria

    Minha terra tem palmares

    Onde gorjeia o mar

    Os passarinhos daquiNo cantam como os de l

    Minha terra tem mais rosas

    E quase que mais amores

    Minha terra tem mais ouro

    Minha terra tem mais terra

    Ouro terra amor e rosas

    Eu quero tudo de l

    No permita Deus que eu morra

    Sem que eu volte para l

    No permita Deus que eu morra

    Sem que eu volte para So Paulo

    Sem que eu veja a rua 15

    E o progresso de So Paulo

    Esta a primeira pardia modernista da Cano do Exliode Gon-

    alves Dias, poeta romntico. Hino nacionalidade, o poema original

    apresenta uma viso ufanista, idealizadora da ptria. Em sua pardia,

    Oswald de Andrade troca palmeiras por palmares, mostrando, assim, o

    nacionalismo crtico dos modernistas: minha terra tem opresso, escra-

    vido, dominao e tambm lutas pela libertao. Palmares o nome do

    mais famoso quilombo para onde fugiam os escravos.

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    H, tambm, uma referncia clara ao progresso de So Paulo sm-

    bolo do desenvolvimento econmico do pas , que se ope valoriza-

    o da natureza presente no poema de Gonalves Dias.

    Ao dizer que os passarinhos daqui, isto , do estrangeiro, no can-tam como os de l os do Brasil , Oswald relativiza a idia da superio-

    ridade de nossa fauna e de nossa flora em relao Europa, afirmando

    a diferena em oposio ao que se encontra em Gonalves Dias. O ver-

    so E quase que mais amores acentua a relativizao do patriotismo

    romntico a que nos referimos. Finalmente, a ausncia de pontuao,

    especialmente em Ouro terra amor e rosas, acaba de configurar a mo-

    dernidade da Cano de Regresso Ptria. Trata-se, pois, de um poema

    pardico que, aparentemente imitando o texto a partir do qual foi escri-to, faz, na verdade, inverter seus sentidos atravs da stira.

    Leitura:

    Manifesto da Poesia Pau-Brasil

    A poesia existe nos fatos. Os casebres de aafro e de ocre nos verdes da

    Favela, sob o azul cabralino, so fatos estticos.

    O Carnaval no Rio o acontecimento religioso da raa. Pau-Brasil. Wagner

    submerge ante os cordes de Botafogo. Brbaro e nosso. A formao tni-ca rica. Riqueza vegetal. O minrio. A cozinha. O vatap, o ouro e a dana.

    Toda a histria bandeirante e a histria comercial do Brasil. O lado doutor,

    o lado citaes, o lado autores conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma

    cartola na Senegmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes

    e das frases feitas. Negras de Jockey. Odaliscas no Catumbi. Falar difcil.

    O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando

    politicamente as selvas selvagens. O bacharel. No podemos deixar de

    ser doutos. Doutores. Pas de dores annimas, de doutores annimos. OImprio foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavio de penacho.

    A nunca exportao de poesia. A poesia anda oculta nos cips malicio-

    sos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitria.

    Mas houve um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam

    tudo se deformaram como borrachas sopradas. Rebentaram.

    A volta especializao. Filsofos fazendo filosofia, crticos, critica, donas

    de casa tratando de cozinha.

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    A Poesia para os poetas. Alegria dos que no sabem e descobrem.

    Tinha havido a inverso de tudo, a invaso de tudo : o teatro de tese e a

    luta no palco entre morais e imorais. A tese deve ser decidida em guerra

    de socilogos, de homens de lei, gordos e dourados como Corpus Juris.gil o teatro, filho do saltimbanco. gil e ilgico. gil o romance, nascido

    da inveno. gil a poesia..

    A Poesia Pau-Brasil. gil e cndida. Como uma criana.

    Uma sugesto de Blaise Cendrars : - Tendes as locomotivas cheias, ides

    partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O me-

    nor descuido vos far partir na direo oposta ao vosso destino.

    Contra o gabinetismo, a prtica culta da vida. Engenheiros em vez de

    jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idias.

    A lngua sem arcasmos, sem erudio. Natural e neolgica. A contribui-

    o milionria de todos os erros. Como falamos. Como somos.

    No h luta na terra de vocaes acadmicas. H s fardas. Os futuristas

    e os outros.

    Uma nica luta - a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importao.

    E a Poesia Pau-Brasil, de exportao.

    Houve um fenmeno de democratizao esttica nas cinco partes s-bias do mundo. Institura-se o naturalismo. Copiar. Quadros de carneiros

    que no fosse l mesmo, no prestava. A interpretao no dicionrio

    oral das Escolas de Belas Artes queria dizer reproduzir igualzinho... Veio

    a pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas. Apareceu a

    mquina fotogrfica.

    E com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa

    genialidade de olho virado - o artista fotgrafo.

    Na msica, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todasas meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de

    patas. A pleyela. E a ironia eslava comps para a pleyela. Stravinski.

    A estaturia andou atrs. As procisses saram novinhas das fbricas.

    S no se inventou uma mquina de fazer versos - j havia o poeta

    parnasiano.

    Ora, a revoluo indicou apenas que a arte voltava para as elites. E as

    elites comearam desmanchando. Duas fases: 1) a deformao atravs

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    do impressionismo, a fragmentao, o caos voluntrio. De Czanne e

    Malarm, Rodin e Debussy at agora; 2) o lirismo, a apresentao no

    templo, os materiais, a inocncia construtiva.

    O Brasil profiteur. O Brasil doutor. E a coincidncia da primeira constru-o brasileira no movimento de reconstruo geral. Poesia Pau-Brasil.

    Como a poca miraculosa, as leis nasceram do prprio rotamento di-

    nmico dos fatores destrutivos.

    A sntese

    O equilbrio

    O acabamento de carrosserie

    A inveno

    Uma nova perspectiva

    Uma nova escala.

    Qualquer esforo natural nesse sentido ser bom. Poesia Pau-Brasil

    O trabalho contra o detalhe naturalista - pela sntese; contra a morbidez

    romntica - pelo equilbrio gemetra e pelo acabamento tcnico; con-

    tra a cpia, pela inveno e pela surpresa.

    Uma nova perspectiva:

    A outra, a de Paolo Ucello criou o naturalismo de apogeu. Era uma ilu-

    so tica. Os objetos distantes no diminuam. Era uma lei de aparncia.

    Ora, o momento de reao aparncia. Reao cpia. Substituir a

    perspectiva visual e naturalista por uma perspectiva de outra ordem:

    sentimental, intelectual, irnica, ingnua.

    Uma nova escala.

    A outra, a de um mundo proporcionado e catalogado com letras nos li-

    vros, crianas nos colos. O redame produzindo letras maiores que torres.

    E as novas formas da indstria, da viao, da aviao. Postes. Gasmetros

    Rails. Laboratrios e oficinas tcnicas. Vozes e tiques de fios e ondas efulguraes. Estrelas familiarizadas com negativos fotogrficos. O corres-

    pondente da surpresa fsica em arte.

    A reao contra o assunto invasor, diverso da finalidade. A pea de tese

    era um arranjo monstruoso. O romance de idias, uma mistura. O quadro

    histrico, uma aberrao. A escultura eloquente, um pavor sem sentido.

    Nossa poca anuncia a volta ao sentido puro.

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    Brbaros, crdulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A

    floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minrio e a dana. A

    vegetao. Pau-Brasil.

    OSWALD DE ANDRADE

    Correio da manh, 18 de maro de 1924.

    (In: Revista do Livro. Rio de Janeiro: INL, n 16, dezembro, 1959.

    APUD: Gilberto Mendona Teles. Vanguarda Europia e Modernismo

    Brasileiro. Petrpolis: Vozes, 1978, p. 266-271.)

    Agora que voc fez este ligeiro contato com a potica do mais ino-

    vador dos modernistas, passemos ao texto que contm todas as cha-

    ves para o entendimento do pensamento moderno brasileiro. Oswaldo publicou no jornal paulistano Correio da Manh, na edio de 18 de

    Maro de 1924. Leia oManifesto Pau-Brasile os poemas de Oswald de

    Andrade. Boa leitura!

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    Unidade BAs Bandeiras

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    Quinto Fragmento

    Este fragmento tem a propriedade de acentuar o grande tema das preo-

    cupaes estticas e polticas do Modernismo entre ns. Por isso ele remete adois textos tidos como bandeiras que avanam no mbito das discusses para a

    compreenso da cultura brasileira.

    5.1 Retomando 1928

    Macunama, do outro Andrade, o Mrio, apresenta uma nova pers-

    pectiva da nao brasileira, porquanto alude formao de um carter

    nacional que se revela indefinido. Tal observao aponta para o heri

    sem nenhum carter como personagem universal, e no exclusivamente

    brasileiro. No entanto, possvel pesar os fatos do nascimento e cres-

    cimento do heri: Macunama nasce no fundo do mato-virgem e vive

    num mocambo numa clara referncia sua origem indgena , era

    preto retinto e filho do medo da noite (ANDRADE, 1993, p. 9). No Ca-

    ptulo IV, toma banho numa gua encantada, tornando-se [...] branco

    louro e de olhos azuizinhos (ANDRADE, 1993, p.30). Assim, Mrio

    nos apresenta o heri, resultado da fuso de trs raas, sendo todas elas

    ao mesmo tempo e, portanto, tipicamente brasileiro.

    Quanto a Retratos do Brasil, Paulo Prado o escreveu em 1928, tra-

    zendo como subttulo Ensaio Sobre a Tristeza Brasileira. A tristeza, o

    romantismo, a luxria e o vcio da imitao eram apontados como os

    maiores problemas da nacionalidade. Naquela poca, mais precisamen-

    te em 1931, dois outros livros, O Pas do Carnaval, de Jorge Amado, e

    Maquiavel e o Brasil, de Otvio de Farias, expressavam o clima intelec-

    tual da poca, marcado pela idia de crise e incerteza.

    Leitura:

    Manifesto Antropfago

    S a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente.

    Filosoficamente.

    nica lei do mundo. Expresso mascarada de todos os individualismos, de

    todos os coletivismos. De todas as religies. De todos os tratados de paz.

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    Tupy, or not tupy that is the question.

    Contra todas as catequeses. E contra a me dos Gracos.

    S me interessa o que no meu. Lei do homem. Lei do antropfago.

    Estamos fatigados de todos os maridos catlicos suspeitosos postos em

    drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da

    psicologia impressa.

    O que atropelava a verdade era a roupa, o impermevel entre o mundo

    interior e o mundo exterior. A reao contra o homem vestido. O cinema

    americano informar.

    Filhos do sol, me dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com

    toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos

    touristes. No pas da cobra grande.

    Foi porque nunca tivemos gramticas, nem colees de velhos vegetais.

    E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteirio e continen-

    tal. Preguiosos no mapa-mndi do Brasil.

    Uma conscincia participante, uma rtmica religiosa.

    Contra todos os importadores de conscincia enlatada. A existncia pal-

    pvel da vida. E a mentalidade pr-lgica para o Sr. Lvy-Bruhl estudar.

    Queremos a Revoluo Caraiba. Maior que a Revoluo Francesa. A unifi-cao de todas as revoltas eficazes na direo do homem. Sem n6s a Eu-

    ropa no teria sequer a sua pobre declarao dos direitos do homem.

    A idade de ouro anunciada pela Amrica. A idade de ouro. E todas as

    girls.

    Filiao. O contato com o Brasil Caraba. Ori Villegaignon print terre.

    Montaig-ne. O homem natural. Rousseau. Da Revoluo Francesa ao

    Romantismo, Revoluo Bolchevista, Revoluo Surrealista e ao br-

    baro tecnizado de Keyserling. Caminhamos..

    Nunca fomos catequizados. Vivemos atravs de um direito sonmbulo.

    Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belm do Par.

    Mas nunca admitimos o nascimento da lgica entre ns. Contra o Padre

    Vieira. Autor do nosso primeiro emprstimo, para ganhar comisso. O

    rei-analfabeto dissera-lhe : ponha isso no papel mas sem muita lbia.

    Fez-se o emprstimo. Gravou-se o acar brasileiro. Vieira deixou o di-

    nheiro em Portugal e nos trouxe a lbia.

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    A fixao do progresso por meio de catlogos e aparelhos de televiso.

    S a maquinaria. E os transfusores de sangue.

    Contra as sublimaes antagnicas. Trazidas nas caravelas.

    Contra a verdade dos povos missionrios, definida pela sagacidade de umantropfago, o Visconde de Cairu: mentira muitas vezes repetida.

    Mas no foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civiliza-

    o que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o

    Jabuti.

    Se Deus a conscinda do Universo Incriado, Guaraci a me dos viven-

    tes. Jaci a me dos vegetais.

    No tivemos especulao. Mas tnhamos adivinhao. Tnhamos Poltica

    que a cincia da distribuio. E um sistema social-planetrio.

    As migraes. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urba-

    nas. Contra os Conservatrios e o tdio especulativo.

    De William James e Voronoff. A transfigurao do Tabu em totem.

    Antropofagia.

    O pater famlias e a criao da Moral da Cegonha: Ignorncia real das

    coisas + falta de imaginao + sentimento de autoridade ante a prole

    curiosa. preciso partir de um profundo atesmo para se chegar idia de Deus.

    Mas a caraba no precisava. Porque tinha Guaraci.

    O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois Moiss divaga.

    Que temos ns com isso?

    Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto

    a felicidade.

    Contra o ndio de tocheiro. O ndio filho de Maria, afilhado de Catarina

    de Mdicis e genro de D. Antnio de Mariz.

    A alegria a prova dos nove.

    No matriarcado de Pindorama.

    Contra a Memria fonte do costume. A experincia pessoal renovada.

    Somos concretistas. As idias tomam conta, reagem, queimam gente

    nas praas pblicas. Suprimamos as idias e as outras paralisias. Pelos

    roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.

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    Contra Goethe, a me dos Gracos, e a Corte de D. Joo VI.

    A alegria a prova dos nove.

    A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura ilustrada pela

    contradio permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano eo modus vivendi capitalista. Antropofagia. Absoro do inimigo sacro.

    Para transform-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade.

    Porm, s as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que

    traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identifica-

    dos por Freud, males catequistas. O que se d no uma sublimao do

    instinto sexual. a escala termomtrica do instinto antropofgico. De

    carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo,

    a cincia. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa

    antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo a inveja, a usura,a calnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianiza-

    dos, contra ela que estamos agindo. Antropfagos.

    Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do cu, na terra de Irace-

    ma, o patriarca Joo Ramalho fundador de So Paulo.

    A nossa independncia ainda no foi proclamada. Frase tpica de D. Joo

    VI: Meu filho, pe essa coroa na tua cabea, antes que algum aventu-

    reiro o faa! Expulsamos a dinastia. preciso expulsar o esprito bragan-

    tino, as ordenaes e o rap de Maria da Fonte.

    Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud a

    realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituies e sem peni-

    tencirias do matriarcado de Pindorama.

    OSWALD DE ANDRADE

    Em Piratininga Ano 374 da Deglutio do Bispo Sardinha.

    (Revista de Antropologia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)

    Passemos agora apreciao do Manifesto Antropfago, de Oswald

    de Andrade.

    Este Manifesto constitui-se numa sntese de alguns pensamentos

    do autor sobre o Modernismo Brasileiro. Inspirava-se explicitamente

    em Marx, em Freud, Breton, Montaigne e Rousseau e atacava explici-

    tamente a missionao, a herana portuguesa e o padre Antonio Vieira.

    Antes de os portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto

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    Lembrando de Literatura I

    Mas nunca admitimos o nascimento da lgica entre ns. Contra

    o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro emprstimo, para ga-nhar comisso. O rei-analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel

    mas sem muita lbia. Fez-se o emprstimo. Gravou-se o acar

    brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a

    lbia.

    Qual a relao que este trecho doManifesto Antropfagotem com os

    sermes de Vieira e com o texto Vieira ou a cruz da desigualdade,

    de Alfredo Bosi, que voc leu na Disciplina de LBI (LLV9002)?

    Resposta:

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    Sexto Fragmento

    Com este Fragmento, passamos ao estudo de um de nossos maiores

    poetas, Carlos Drummond de Andrade, cotejando-o, porm, com outraslinguagens poticas. Alm de dois ensaios esclarecedores sobre a obra do poeta

    mineiro, o Fragmento remete prtica da interdisciplinaridade, referindo-se a

    um dos cantos de Os Lusadas, matria da Disciplina Literatura Portuguesa I.

    6.1 Uma Fatia de Poesia: Augusto dos

    Anjos, Carlos Drummond de

    Andrade e Adlia Prado

    Para a presente aula, voc vai encarar trs tempos literrios dife-

    rentes por meio de trs poetas com alguns pontos em comum. Voc

    comprovar algumas coisas importantes:

    1) que a gente pode ensinar e estudar literatura agrupando pocas

    bem distintas e autores diferentes entre si.

    2) que ns, professores, no precisamos (e nem devemos) progra-

    mar o ensino seguindo uma linha horizontal, como nos im-pem os livros didticos tradicionais.

    3) que escritores e artistas de diferentes tempos cumprem estti-

    cas diferentes, porm se alinham em torno de temas comuns de

    maneira grandiosa.

    4) que fases literrias diferentes so muito relativas, pois no se

    joga fora o passado de um momento a outro.

    Os trs tempos so:

    a) Simbolismo, Decadentismo, Impressionismo, cujo pero-

    do ficaria definido entre as ltimas dcadas do sculo XIX e a

    Semana de Arte Moderna de 1922, em So Paulo. O processo

    literrio se d nos anos 80 e 90 daquele sculo, quando o ne-

    gro catarinense, Joo da Cruz e Sousa, surge com uma potica

    que se afasta pouco a pouco da dos parnasianos, indo na dire-

    o de uma mais profunda, tal qual a dos franceses Baudelaire,

    6

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    6.2 Anlise 1

    Para o bom entendimento destas duas obras da literatura brasileira,

    escolhemos a anlise em termos comparativos feita pelo escritor, jorna-

    lista, compositor paraibano Brulio Tavares.

    A Mquina do Mundo / As Cismas do Destino

    Uma Anlise Comparativa entre Drummond e dos Anjos

    Brulio Tavares

    Quero comparar dois poemas famosos de nossa literatura: As Cismas do

    Destino, de Augusto dos Anjos (1908), e A Mquina do Mundo, de Carlos

    Drummond de Andrade (em Claro Enigma, 1948-1951). So tantas as se-

    melhanas entre os dois poemas (em tema, em linguagem, em estrutura)que no h dvida de que o segundo uma citao deliberada do pri-

    meiro. Penso que a inteno de Drummond foi de recompor em termos

    prprios a experincia da viso csmica, registrada no texto de Augus-

    to. Podemos dizer, com alguma liberdade potica, que ambos os poetas

    funcionaram como stuntminds, como mentes de aluguel que correram

    o risco de receber o Claro emitido pela Verdade Oculta do Universo (ou

    coisa equivalente) para transmitir em palavras o seu plido reflexo.

    So numerosos os relatos de indivduos que declaram haver experi-

    mentado em algum momento um vislumbre visionrio em que o mun-do inteiro parecia estar presente diante de si, e em que todas a coisas

    pareciam embebidas de significao. Ao emergir de uma experincia

    desse tipo, as pessoas de ndole religiosa a consideram uma iluminao

    mstica, um sinal da presena da Divindade. Freud chamou a isso ex-

    perincias ocenicas, Jung experincias numinosas, Abraham Maslow

    experincias culminantes (peak experiences). As interpretaes variam,

    mas parece claro que esto todos se referindo mesma coisa.

    Os poemas As Cismas do Destino (Augusto) e A Mquina do Mundo

    (Drummond) descrevem experincias desse tipo. Em ambos, o poeta

    faz a ss uma caminhada, e comea a ser dominado pela sensao cada

    vez mais intensa da presena (quase que da aproximao) do Mundo.

    Ele tem a impresso de que o mundo se personifica, o mundo lhe dirige

    a palavra; segue-se uma torrente de imagens que procuram, de modo

    fragmentrio, exprimir esse recado do Mundo. A viso fugaz e logo se

    desvanece; o poeta constata a impossibilidade de apreender o Mundo,

    cuja complexidade transcende o intelecto e os sentidos.

    Ele pode ser lido maisamide nos sites: www.

    jornaldaparba.globo.com

    e tambm na revista ele-trnica Cronpios www.cronpios.com.br

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    As Cismas do Destino um poema longo: 105 quadras em decassla-

    bos (420 versos). A Mquina do Mundo se compe de 32 tercetos em

    decasslabos (96 versos). Para efeito desta anlise, tambm bom con-

    siderar o poema Relgio do Rosrio ( 22 dsticos em decasslabos, num

    total de 42 versos), que o prprio Drummond considerou complemen-

    tar ao outro -- os dois juntos compem a Parte VI (intitulada A mquina

    do mundo) do Claro Enigma.

    As Cismas do Destino puro Augusto dos Anjos: uma catadupa de

    imagens desconexas e inesquecveis (o poema abre com as famosas li-

    nhas: Recife. Ponte Buarque de Macedo. / Eu, indo em direo casa do

    Agra, / assombrado com a minha sombra magra, / pensava no Destino,

    e tinha medo!). Augusto era um poeta obsessivo, que gostava de vivisse-

    cionar uma imagem no papel at livrar-se dela. Em As Cismas do Desti-

    no, essa reiterao dos prprios lugares comuns acaba desequilibrando

    o poema, ao inchar em demasia suas duas primeiras partes e retardar

    o momento da Viso: Augusto dedica 40 linhas imagem do escarro

    (quadras 19 a 28 ), 64 linhas s formas de vida rudimentares (quadras 35

    a 50), 28 linhas prostituio (quadras 51 a 57). visvel nesses trechos

    (como de resto ao longo de toda sua obra) que ele no escrevia para

    produzir emoes no leitor, e sim para dren-las de si prprio.

    Surge a Revelao, que menos visual que auditiva. Augusto ouve uma

    impressionadora voz interna / o eco particular do meu Destino. Essa vozo interpela diretamente (Homem!); zomba da sua ambio de entender

    os cosmos, e faz depois uma extensa enumerao de todas as coisas que

    o terrqueo abismo encerra. Esta enumerao catica se desenrola ao

    longo de quase cem versos (quadras 70 a 83), e caracterstica de Augus-

    to: ele sempre d a impresso de que poderia prolong-la indefinidamen-

    te, sem nunca se dar por satisfeito. Concluda (ou melhor: interrompida)

    a enumerao, a Voz ainda joga umas derradeiras ps-de-cal no poeta, e

    cala-se. O texto se interrompe logo frente, como se o poeta tivesse de

    repente largado a pena e se erguido da mesa, dizendo: Chega.

    Comparado ao poema de Augusto dos Anjos, A Mquina do Mundo

    um texto de notvel frieza. O texto de Augusto pontilhado de excla-

    maes e de exageros; o de Drummond todo nostalgia e voz baixa,

    como um entomlogo relatando a um colega de laboratrio uma ex-

    perincia levada a efeito tempos atrs, e no muito bem sucedida. Em

    ambos os poemas, entretanto, esto presentes os mesmos elementos:

    a Caminhada; a contemplao da Paisagem; a brusca Revelao; o Re-

    cado do Mundo.

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    A revelao colhida por Drummond lcida, apolnea: a revelao

    dada aos olhos de um homem maduro, por volta dos 50, e difere da

    que recebida pelo rapaz neurtico de 24 que escreveu As Cismas do

    Destino. O Mundo, para Drummond, uma mquina ou algo cuja

    natureza tem parentesco com a natureza das mquinas. A mquina se

    desvela, majestosa e circunspecta; o poeta reconhece que o fez sem

    voz alguma / ou sopro ou eco ou simples percusso, mas recebe a re-

    velao como uma mensagem pessoal, e no hesita em abrir aspas para

    a mquina e atribuir-lhe palavras.

    A mquina de Drummond tambm menos loquaz do que a voz ou-

    vida por Augusto: fala-lhe durante treze linhas (a de Augusto precisou

    de 140); cala-se logo, e a enumerao catica dada ao leitor atravs

    dos olhos do prprio poeta. Encerrada a viso, o poeta no precisa da

    zombaria csmica para saber que a verdade lhe vedada: ele rejeita a

    oferta como se antevisse nela uma armadilha, e se dispensa de solver o

    mistrio. No mais o Cosmos que repele a pergunta humana sobre o

    seu significado, como em Augusto: o Homem, agnstico, que declina

    de formular essa pergunta ao Cosmos.

    Todo ms, em algum lugar do mundo, um sujeito de olhos injetados e

    barba por fazer desembarca num hospcio, esperneando s mos dos

    enfermeiros e gritando: Larguem-me, seus idiotas! Estou lhes dizendo

    que decifrei o Segredo do Universo! Por outro lado, muitos indivduostiveram revelaes desse tipo, mas foram discretos o bastante para

    guard-las consigo, ou ento encontraram uma maneira inteligvel de

    transmiti-la: Kepler intuiu uma harmonia bsica na mecnica celeste,

    Descartes vislumbrou a natureza fundamentalmente matemtica do

    mundo material, Edgar Poe (no Eureka) antecipou em quase um scu-

    lo algumas idias da cosmologia contempornea. Experincias seme-

    lhantes foram relatadas por Jung, Aldous Huxley, Philip K. Dick e muitos

    outros autores.

    Esses vislumbres podem levar perplexidade, beatitude, a revoluescientficas ou camisa-de-fora; mas a sua universalidade nos permite

    acreditar que correspondem a uma possibilidade de funcionamento de

    nosso crebro. possvel provoc-los deliberadamente atravs de est-

    mulos fsicos: jejum, fadiga, exerccios, tcnicas de concentrao, drogas

    alucinginas. Muitas vezes, no entanto, eles se manifestam de modo es-

    pontneo e inesperado. Mesmo quando essas vises so atipicamente

    longas (o poeta Robert Graves dizia ter experimentado uma que durou

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    um dia inteiro), persiste a impresso de que houve uma compresso

    temporal, de um ano em um s dia, um dia em um s minuto. Num livro

    intitulado The Timeless Moment, Warner Allen refere-se a uma viso que

    teve, durante uma execuo da 7 Sinfonia de Beethoven: Primeiro, o

    misterioso evento em si mesmo, que ocorreu numa frao infinitesimalde um segundo ( ... ); depois, a Revelao, um fluxo sem palavras de

    sentimentos complexos ( ... ); finalmente, a Luz, a tranqila lembrana de

    toda a complexidade da Experincia, como que preservada em palavras

    e formas de pensamento. Allen registra que tudo isto deve ter ocorrido

    no intervalo entre duas fusas.

    bom lembrar que tais experincias nem sempre so de carter jubilo-

    so ou deslumbrante. Muitos indivduos, quando arrebatados por vises

    dessa natureza, vem-se projetados num mundo onde tudo carece de

    sentido, onde tudo ameaador ou repugnante, ou simplesmente vazio.Nesses momentos, ele tem acesso ao que parece ser o universo habitual

    dos esquizofrnicos, dos usurios de droga que entram numa bad-trip.

    Sartre relata experincias similares em A Nusea, que em grande parte

    se baseou em suas viagens com a mescalina. E podemos conjeturar

    que indivduos como Kafka, Strindberg ou Samuel Beckett eram sujeitos

    a mergulhos randmicos, involuntrios, em situaes desse tipo.

    As Cismas do Destino e A Mquina do Mundo verbalizam uma experin-

    cia de iluminao pessoal (e do ponto de vista literrio no interessa

    se os poetas experimentaram de fato uma iluminao ou se apenas a

    imaginaram), mas so iluminaes frustradas, onde o sentido ltimo

    do universo se entremostra e logo a seguir se evade. So experincias

    msticas abortadas, nas quais teve incio a fuso do Poeta com alguma

    realidade superior, transcendente, mas o processo desandou a meio.

    Drummond era um agnstico convicto, sem propenso para a viso

    mstica pura. Quanto a Augusto, lcito supor que, depois de doses ma-

    cias de Pencer, Schopenhauer e Haeckel, sua f crist conhecia limites.

    Seu mtodo era de um visionrio, e o prazer com que descreve imagensmonstruosas lembra Lovecraft, Brueghel ou Lautramont. Suas leituras

    cientficas (nem sempre bem assimiladas) deram-lhe informao e vo-

    cabulrio, mas seu temperamento foi sempre o de um alucinado, um

    vidente. Talvez tivesse (como sugere com benevolncia seu bigrafo

    Raimundo Magalhes Jr.) uma telha fora do lugar; textos como Poema

    negro e Tristezas de um quarto minguante so certamente retratos

    fiis das madrugadas insones em que metrificava seus delrios. No de

    admirar que declarasse sentir, no momento de criar seus versos, uma

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    srie indescritvel de fenmenos nervosos, acompanhados muitas vezes

    de uma vontade de chorar. Em seu hoje clssico estudo sobre o poeta,

    Ferreira Gullar observa com propriedade que Augusto, em que pese a

    aparncia cientificista e racionalizante de seus poemas, sobretudo um

    criador de atmosferas, nisso residindo talvez a fora principal de sua lin-guagem gtica e teatral.

    Mesmo assim, que outro poeta, em pleno parnasianismo bilaqueano,

    ousou falar em Raio X, universo radioativo, ons, energia intra-atmi-

    ca, hidrognio incandescente, anlise espectral? Talvez por isso, em

    sua viso, a Voz ironize sua cincia louca e reitere que o mundo in-

    cognoscvel, inalcanvel ao intelecto humano. Mesmo a dor, realidade

    ltima que veio e vai desde os tempos mais transatos / para outros tem-

    pos que ho de vir ainda, inabarcvel conscincia individual, e para

    compreend-la seria necessrio ser a prpria humanidade sofredora,porque seu todo no reside no quociente isolado da parcela.

    O mundo de Carlos Drummond menos gtico. um mundo crepus-

    cular, uma estrada pedregosa de Minas. As pupilas continuam gastas,

    a mente exausta de mentar. O mundo se desdobra, oferecendo-lhe

    uma sabedoria capaz de seduzir qualquer Prometeu, qualquer Fausto:

    uma cincia sublime e formidvel, mas hermtica, a total explicao

    da vida, o nexo primeiro e singular das coisas. O poeta, no entanto,

    no se deixa seduzir por essa viso, a qual lembra uma utopia de fico

    cientfica que inclui as mais soberbas pontes e edifcios e os recursos

    da terra dominados. Drummond, como se j tivesse presenciado a viso

    do poeta paraibano, declina desse reino augusto, dessa ordem geo-

    mtrica que se abria gratuita a meu engenho. Ele tambm opta pela

    dor individual, dor primeira e geral, dor de tudo e de todos, dor da

    coisa indistinta e universal e o complemento dessa dor, o amor, o alvo

    divino, motor de tudo e nossa nica fonte de luz (ecos do Paraso de

    Dante). O poeta recusa as revelaes da cincia, e escolhe aquilo que a

    Augusto dos Anjos tinha sido imposto como castigo: o destino indivi-

    dual, sem comunho mstica com um Deus, sem fuso pantestica como Cosmos. Escolhe o indissolvel par dor/amor de simplesmente existir,

    pois nada de natureza assim to casta / que no macule ou perca sua

    essncia / ao contato furioso da existncia.

    Seria interessante mapear na literatura brasileira outras pginas que te-

    nham afinidade com estas, pginas que tambm sugiram o vislumbre

    csmico, o breve descerrar dos vus que encobrem a Realidade mais

    profunda... Talvez o episdio do hipoptamo no Brs Cubas, de Macha-

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    do de Assis; talvez a viagem mental-interplanetria do narrador de H

    Dez Mil Sculos, de Enas Lintz (1926), o qual passeia pelo interior do

    tomo e atravs do Sistema Solar; talvez a barata que funciona como

    Aleph e Zahir para a narradora de A Paixo Segundo G. H., de Clarice Lis-

    pector (1964). Nossa literatura tem sido extremamente competente emrecriar o Brasil e os brasileiros, mas nada nos impede de fazer o mesmo

    com o Universo e a humanidade.

    Braulio Tavares ([email protected]) poeta e escritor,

    autor de O que fico cientfica(Brasiliense) eA Mquina

    Voadora(Rocco). Copyright 1998 Jornal da Tarde, 28.11.1998

    Mquina do Mundo com Cames, Augusto dos Anjos e Carlos Drummond de Andrade

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    Agora, a respeito do tema, observe, a seguir, um ligeiro aponta-

    mento de uma das fontes mais importantes de literatura de lngua por-

    tuguesa. Trata-se deA Mquina do Mundo, parte final do Canto X, l-

    timo canto de Os Lusadas, a epopia escrita em 1556 por Luiz Vaz de

    Cames.

    Aps as muitas aventuras e desventuras pelos mares nunca dantes

    navegados, Vasco da Gama e sua tripulao so recebidos com honras e

    deleites pelas ninfas da Ilha dos Amores. Terminado o festim de recep-

    o de esplndido banquete, Ttis, a ninfa maior, convida Gama para o

    espetculo da Mquina do Mundo: o espetculo nico das esferas ce-

    lestes de Ptolomeu (estrofes 77 a 144). Aqui vemos que, ao gnio e aos

    conhecimentos de Cames sobre geografia, histria, mitologia, religio,guerra, comportamento humano e navegao, junta-se a astronomia a

    do sculo XVI, naturalmente.

    Includas neste episdio, temos ainda mais profecias sobre os por-

    tugueses. Trata-se da histria dos milagres de So Tom, evangelizador

    da ndia (estrofes 108 a 118), com uma breve, mas arriscada crtica aos

    Jesutas na estrofe 119; depois, na estrofe 128, uma referncia ao naufr-

    gio de Cames, do qual se salvou a nado com Os Lusadas; por fim, uma

    curiosa previso de que a sua Lira sonorosa Ser mais afamada queditosa (a sua obra seria mais famosa do que a sua vida afortunada).

    Depois disto, vem o Eplogo, quando os portugueses desembarcam

    novamente e chegam sem mais problemas a Lisboa, onde recebem as

    glrias que lhes so devidas.

    A partir deste momento, atentem para mais este poema de

    Drummond:

    O Elefante

    Fabrico um elefante

    de meus poucos recursos.

    Um tanto de madeira

    tirado a velhos mveis

    talvez lhe d apoio.

    E o encho de algodo,

    de paina, de doura.

    Assunto abordado pelaDisciplina Literatura Portu-guesa I, com a prof SalmaFerraz.

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    A cola vai fixar

    suas orelhas pensas.

    A tromba se enovela,

    a parte mais feliz

    de sua arquitetura.

    Mas h tambm as presas,

    dessa matria pura

    que no sei figurar.

    To alva essa riqueza

    a espojar-se nos circos

    sem perda ou corrupo.

    E h por fim os olhos,

    onde se deposita

    a parte do elefantemais fluida e permanente,

    alheia a toda fraude.

    Eis o meu pobre elefante

    pronto para sair

    procura de amigos

    num mundo enfastiado

    que j no cr em bichos

    e duvida das coisas.

    Ei-lo, massa imponente

    e frgil, que se abana

    e move lentamente

    a pele costurada

    onde h flores de pano

    e nuvens, aluses

    a um mundo mais potico

    onde o amor reagrupa

    as formas naturais.

    Vai o meu elefante

    pela rua povoada,

    mas no o querem ver

    nem mesmo para rir

    da cauda que ameaa

    deix-lo ir sozinho.

    todo graa, embora

    as pernas no ajudem

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    e seu ventre balofo

    se arrisque a desabar

    ao mais leve empurro.

    Mostra com elegncia

    sua mnima vida,

    e no h cidade

    alma que se disponha

    a recolher em si

    desse corpo sensvel

    a fugitiva imagem,

    o passo desastrado

    mas faminto e tocante.

    Mas faminto de serese situaes patticas,

    de encontros ao luar

    no mais profundo oceano,

    sob a raiz das rvores

    ou no seio das conchas,

    de luzes que no cegam

    e brilham atravs

    dos troncos mais espessos.

    Esse passo que vaisem esmagar as plantas

    no campo de batalha,

    procura de stios,

    segredos, episdios

    no contados em livro,

    de que apenas o vento,

    as folhas, a formiga

    reconhecem o talhe,

    mas que os homens ignoram,pois s ousam mostrar-se

    sob a paz das cortinas

    plpebra cerrada.

    E j tarde da noite

    volta meu elefante,

    mas volta fatigado,

    as patas vacilantes

    se desmancham no p.

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    Ele no encontrou

    o de que carecia,

    o de que carecemos,

    eu e meu elefante,

    em que amo disfarar-me.

    Exausto de pesquisa,

    caiu-lhe o vasto engenho

    como simples papel.

    A cola se dissolve

    e todo o seu contedo

    de perdo, de carcia,

    de pluma, de algodo,

    jorra sobre o tapete,

    qual mito desmontado.Amanh recomeo.

    6.3 Anlise 2

    A propsito de O Elefante, observe este curto ensaio que fiz publi-

    car no nmero 2 da Revista Travessia, do Curso de Ps-Graduao em

    Literatura Brasileira da UFSC:

    A Remontagem do Mundo

    A socialidade primria feita de coisas simples e arranjadas, de vizi-

    nhana e solidariedade est perdida no tempo. Nessa socialidade o ser

    humano no tem medida, ele visto pela criatura que verdadeiramente

    , na sua essncia. Na sociedade de homens inteiros as sofisticaes no

    existem. No deve haver complexidades. O homem trabalha e divide o

    trabalho, ele sustenta e divide o sustento. No h que armazenar porque

    sente segurana ao lado de seu semelhante. Esta sociedade, infelizmen-

    te, est num passado remoto (se que alguma vez existiu). Porm, ela

    no se perdeu na memria do poeta.

    ento que o poeta procura por esse homem e o conclama a uma

    sociedade em que o amor e o belo se sacralizam. A sacralizao da for-

    ma ingnua de viver e de pensar. O poeta fala do seu tempo, do hoje,

    abraando o lirismo das coisas para represent-las atravs da memria

    rica da linguagem quebrando o senso comum, aquilo que est sob o

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    domnio do ideologizado, contrapondo-se ao que pr-moldado e sub-

    vertendo a ordem dos valores estabelecidos de

    Um mundo enfastiado

    Que j no cr nos bichos...

    (e na poesia) para reavivar a memria empedernida na tentativa

    incansvel de sacralizar os valores mais profundos da vida humana:

    onde h flores de pano

    e nuvens, aluses

    h um mundo mais potico

    onde o amor reagrupa

    as formas naturais.

    Lucidez e esprito crtico perpassam a obra de Drummond. Lucidez

    e esprito crtico, mostrando a carga de perplexidade ante uma socieda-

    de tecida de fraudes e vazio, atravs da singeleza e, ao mesmo tempo,

    prosasmo, em O Elefante.

    To alva riqueza

    A espojar-se nos circos

    Sem perda ou corrupo.

    E h por fim os olhos,

    Onde se depositaA parte do elefante

    Mais fluida e permanente,

    Alheia a toda fraude.

    O sentimento de amor que emana dO Elefante o sentimento com

    o tempo do poeta procurando recompor, reavivar atravs do prprio

    poema, chamando a ateno do leitor para os verdadeiros valores da

    vida. O elefante o seu smbolo de coisas que so simples, mas como a

    prpria tentativa de recomposio, ao mesmo tempo complexas. O ele-fante o seu smbolo de luta. O poeta recria os objetos e o clima em que

    esses objetos se realizam, dando-lhe o verdadeiro carter, valor e funo,

    contudo sem idealiz-los, pois eles existem porque existe a linguagem

    potica, a nica arma imune aos efeitos da coero social. justamente

    essa linguagem potica um dos seus poucos recursos para fabricar o

    seu elefante, o seu personagem-brinquedo que o transporta memria

    da infncia, ao mundo da recriao.

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    Um tanto de madeira

    tirado a velhos mveis

    talvez lhe d apoio.

    E o encho de algodo,

    de paina, de doura.A cola vai fixar

    suas orelhas pensas.

    A tromba se enovela,

    a parte mais feliz

    de sua arquitetura.

    Mas h tambm as presas,

    dessa matria pura

    que no sei figurar

    A montagem do elefante feita dos pedaos tomados aqui e ali na

    memria do poeta. feita de elementos simples que se movimentam

    alm da concepo fraudulenta do mundo de hoje que , em contrapar-

    tida, um mundo morto, sem graa, sem felicidade, feito de coisas vs.

    Um mundo cuja complexidade tenta soterrar os valores humanos mais

    profundos.

    nesse passo que vemos a conscincia crtica do homem e do poe-

    ta Drummond que busca a recomposio rdua do universo mgico que

    os novos tempos renegam:

    Mas faminto de seres

    e situaes patticas,

    de encontros ao luar

    no fundo do oceano,

    sob a raiz das rvores

    ou no seio das conchas,

    de luzes que no cegam

    e brilham atravsdos troncos mais espessos.

    Esse passo que vai

    sem esmagar as plantas

    nos campos de batalha,

    procura de stios,

    segredos, episdios

    no contados em livro,

    de que apenas o vento,

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    a folha ou a formiga

    recolhem o talhe.

    Drummond tenta recolher as verdadeiras formas naturais, mos-

    trando que so os elementos mais simples que recompem a verdade;assim, na construo do objeto do poema, os pedaos mais primitivos

    da memria, ao mesmo tempo a prpria linguagem potica, representa-

    dos pelos velhos mveis (madeira), algodo, paina, cola, pano estampa-

    do de flores, pluma, etc.

    V-se, portanto, que ao montar seu elefante o poeta retira da me-

    mria um processo da infncia reinventa no brinquedo sua forma de

    amor: o poema e, ao reinvent-la, regrupa as formas naturais. Ento

    costura o poema com um lirismo mtico cheio de encantamento, o quefaz exatamente supor o seu desencantamento com o mundo reificado,

    justa forma de condenar a sociedade de seu tempo. a respeito disso o

    argumento de Alfredo Bosi: A resposta ao ingrato presente , na poesia

    mtica, a ressacralizao da memria mais profunda da comunidade. A

    poesia trabalhar, ento, a linguagem da infncia recalcada....

    Drummond traz implcito ao poema o mito da infncia, que s se

    aclara e se insurge como tempo imorredouro no momento presente-

    maduro e inquisitivo. Embora o seu Elefante seja to presente, o poema, na verdade, uma representao do passado: o tempo da criana que

    junta os pedaos de sua intimidade e constri o seu mundo cheio de dis-

    farces, justamente para resguardar a inveno. Assim como a criana ao

    passar o seu eu para o brinquedo-verdade, dando-lhe existncia cheia

    de simplificao, eis o poeta passando o seu eu para o bicho-persona-

    gem no mesmo processo. Justifica-se dessa forma sua postura diante

    de Criana e Brinquedo: No lhe dem brinquedo caro, porque logo o