literatura brasileira i - ufsc - 2008.pdf

94
7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf http://slidepdf.com/reader/full/literatura-brasileira-i-ufsc-2008pdf 1/94 Literatura Brasileira I Florianópolis - 2008  Alckmar Luiz dos Santos Cristiano de Sales Período

Upload: magustharoth

Post on 27-Feb-2018

222 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    1/94

    Literatura Brasileira I

    Florianpolis - 2008

    Alckmar Luiz dos Santos

    Cristiano de Sales

    1Perodo

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    2/94

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    3/94

    Governo FederalPresidente da Repblica:Luiz Incio da Silva

    Ministro de Educao:Fernando Haddad

    Secretrio de Ensino a Distncia:Carlos Eduardo Bielschowky

    Coordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil:Celso Costa

    Universidade Federal de Santa CatarinaReitor: Lcio Jos Botelho

    Vice-Reitor:Ariovaldo Bolzan

    Secretrio de Educao a Distncia:Ccero Barbosa

    Pr-Reitor de Oramento, Administrao e Finanas:Mrio Kobus

    Pr-reitor de Desenvolvimento Urbano e Social:Luiz Henrique Vieira da Silva

    Pr-reitora de Assuntos Estudantis:Corina Martins Espndola

    Pr-reitora de Ensino de Graduao:Thereza Christina Monteiro de Lima Nogueira

    Pr-reitora de Cultura e Extenso:Eunice Sueli Nodari

    Pr-reitor de Ps-Graduao:Valdir SoldiPr-Reitor de Ensino de Graduao: Marcos Laffin

    Departamento de Educao a Distncia: Araci Hack Catapan

    Centro de Comunicao e Expresso:Viviane M. Heberle

    Centro de Cincias da Educao:Carlos Alberto Marques

    Curso de Licenciatura Letras-Portugus na Modalidade a DistnciaDiretora Unidade de Ensino: Viviane M. Heberle

    Chefe do Departamento: Roberta Pires de Oliveira

    Coordenador de Curso: Roberta Pires de Oliveira

    Coordenador de Tutoria: Zilma Gesser Nunes

    Coordenao Pedaggica: LANTEC/CED

    Coordenao de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem: Hiperlab/CCE

    Comisso EditorialTnia Regina Oliveira Ramos

    Izete Lehmkuhl Coelho

    Mary Elizabeth Cerutti Rizzati

    Equipe Coordenao Pedaggica Licenciaturas a Distncia

    EaD/CED/UFSCNcleo de Desenvolvimento de Materiais

    Produo Grfica e Hipermdia

    Design Grfico e Editorial:Ana Clara Miranda Gern; Kelly Cristine Suzuki

    Adaptao do Projeto Grfico Laura Martins Rodrigues,Thiago Rocha Oliveira

    Responsvel:Thiago Rocha Oliveira

    Diagramao:Paula Reverbel, Laura Martins Rodrigues

    Reviso gramatical:Gustavo Andrade Nunes Freire, Marcos Eroni Pires

    Design Instrucional

    Responsvel:Isabella Benfica Barbosa

    Designer Instrucional:Vernica Ribas Crcio

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    4/94

    Copyright , Universidade Federal de Santa Catarina / LLV/CCE/UFSC

    Nenhuma parte deste material poder ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer

    meio eletrnico, por fotocpia e outros, sem a prvia autorizao, por escrito, da Coordena-

    o Acadmica do Curso de Licenciatura em Letras-Portugus na Modalidade a Distncia.

    Ficha Catalogrfica

    S237lSantos, Alckmar Luiz dosLiteratura brasileira I / Alckmar Luiz dos Santos, Cristiano de Sales .Florianpolis : LLV/CCE/UFSC, 2008.

    91p. : 28cmISBN 978-85-61482-03-9

    1. Formao da Literatura no Brasil. 2. Manifestao literria. I. Sales, Cristiano de.II. Ttulo.

    CDU 37.015.3

    Elaborado por Rodrigo de Sales, supervisionado pelo setor tcnico da Biblioteca Universitria da

    Universidade Federal de Santa Catarina

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    5/94

    Sumrio

    Unidade A ............................................................................................ 9

    Elementos constitutivos de uma literatura nacional1 ......................11

    1.1 Literatura como sistema ................................................................................11

    1.2 Uma literatura empenhada ...........................................................................12

    1.3 Pressupostos .......................................................................................................13

    1.4 O terreno e as atitudes crticas .....................................................................13

    1.5 Os elementos de compreenso ...................................................................14

    1.6 Conceitos .............................................................................................................15

    A Carta do escrivo da armada Pero Vaz de Caminha2 ....................17

    2.1 Observaes para a leitura da Carta..........................................................19

    Tempo colonial da Literatura Brasileira3 ................................................27

    O Tratado da Terra do Brasil4 .....................................................................31

    4.1 Observaes sobre o Tratado .......................................................................31

    A Obra de Padre Jos de Anchieta5 .........................................................35

    Unidade B ...........................................................................................43O Boca-do-Inferno1 ......................................................................................45

    1.1 Algumas leituras em paralelo .......................................................................45

    1.2 Do Antigo Estado Mquina Mercante, algumas anotaes ........... 51

    A obra de Padre Antnio Vieira2 ...............................................................57

    2.1 Anotaes sobre Vieira, ou a Cruz da desigualdade ............................57

    2.2 O Sermo da Sexagsima ..............................................................................64

    Arcadismo Brasileiro: a lira de Gonzaga3 ...............................................73

    3.1 Anotaes de Uma aldeia falsa, de Antonio Candido .........................73

    O Uraguai e o sculo XVIII4 ........................................................................79

    4.1 Anotaes a O Uraguai eA dois sculos dO Uraguai ..................... ......79

    Referncias .........................................................................................91

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    6/94

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    7/94

    Apresentao

    Aperspectiva que aqui se adotar, no estudo da Literatura Brasileira,, em princpio, histrica. Isso quer dizer que sero analisadas, na

    seqncia, as manifestaes literrias na Era Colonial, do sculoXVI ao XVII, baseados em dois dos mais importantes crticos brasileiros dosculo XX, Antonio Candido e Alfredo Bosi. Todavia, a abordagem histricano se esgota em si mesma e no ser a nica. Este material pretende tambmfornecer uma srie de elementos de reflexo para as leituras que sero feitas,propondo perspectivas de abordagem tanto da obra literria, quanto do ma-terial extraliterrio. Em resumo, a disciplina Literatura Brasileira I pretendeuma abordagem panormica e, claro!, no exaustiva, de alguns escritores e dealgumas obras dos sculos XVI a XVII, perodo de formao daquilo que, apartir do sculo XIX, ser chamado Literatura Brasileira. Como conseqncia,

    uma srie de escritores, listados como portugueses nos compndios e man-uais lusitanos, passa a ganhar outro relevo, por estarem inseridos numa srieliterria no mais europia. Por outro lado, tambm importante salientarque essa perspectiva autnoma no pode nos impedir de entender sempre essanossa literatura dos primeiros sculos dentro do contexto artstico e estticoportugus. justamente das tenses entre ser portugus ou brasileiro que sealimentam algumas das leituras crticas mais interessantes que procuramos as-sociar s obras.

    A este material impresso, se acrescenta o material desenvolvido especialmentepara a navegao na internet. Ambos se complementam e, por vezes, se reco-

    brem, sem que o aluno tenha a qualquer obstculo a seu processo de aprendi-zagem. De fato, seja por meio do papel impresso, seja na tela do computador,um curso de Literatura Brasileira deve incentivar as pessoas a ler, a refletir, aescrever: ler obras literrias, crticas sobre essas obras, elementos de histrialiterria e de teoria do texto, informaes de histria e de esttica; refletir so-bre os elementos apresentados e sobre suas prprias leituras; escrever a partirde sua experincia concreta de leitor. Em funo disso, foram programadas asdiferentes atividades presenciais e no presenciais listadas no plano deensino.

    De outro lado, tambm importante salientar que tais possibilidades no soas nicas. Ao leitor destas pginas sempre estar aberta (e encorajada!) a pos-sibilidade de caminhar por seus prprios meios, buscando mais informaes,alm das que aqui so colocadas: outras obras de histria e de crtica literria,outras obras literrias de outros autores, outros tipos de adaptao da obraliterria a diferentes meios (filmes, histrias em quadrinhos etc.).

    Alckmar Luiz dos Santos

    Cristiano de Sales

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    8/94

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    9/94

    Unidade AMomentos da Colnia

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    10/94

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    11/94

    CAPTULO0

    11

    1 Elementos constitutivos deuma literatura nacional

    Apresentar e discutir os elementos constitutivos de uma literatura nacio-

    nal: o que faz com que, a partir de determinada poca, se afirme a existncia

    de uma literatura nacional diferente e minimamente autnoma?

    LEIA!

    CANDIDO, Antonio.Formao da Literatura Brasileira: momentos de-cisivos. 5. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.

    1.1 Literatura como sistema

    Candido entende que a formao da literatura deve se dar manei-

    ra de um sistema. Para o crtico, isso distinguiria manifestaes liter-

    rias de literatura.

    Em outras palavras, para Candido, literatura est definida como

    um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permi-

    tem reconhecer as notas dominantes duma fase. Estes denominadores

    so, alm das caractersticas internas (lngua, temas, imagens), certos

    elementos de natureza social e psquica, embora literariamente organi-

    zados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto

    orgnico da civilizao. (p. 23)

    Dentre os elementos desse sistema, Candido destaca os autores

    (conjunto de produtores (...) mais ou menos conscientes de seu papel),

    os leitores (conjunto de receptores (...) formando os diferentes tipos de

    pblico) e as obras (mecanismo transmissor, linguagem traduzida

    em estilo). (p. 23) O conjunto dos trs, diramos melhor, a relao dos

    trs d origem literatura.

    Candido fala ainda de uma literatura enquanto fenmeno de ci-

    vilizao. Para que isso ocorra, necessrio instaurar-se uma tradio

    (algo que se transmite entre os homens) para que, no contato entre os

    escritores de diferentes perodos, uma espcie de tocha seja passada.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    12/94

    12

    A tradio consolida-se a partir do momento em que as obras no

    sejam tomadas autonomamente, mas sim dentro de um dado sistema,

    articulando-se assim com outras obras.

    Antonio Candido atribui o termo manifestaes literrias sobras que no se articulavam ainda nesse sistema (pensando aqui nos

    textos feito no Brasil desde o sculo XVI at as academias do sculo

    XVIII). Atentemos, porm, para o fato de que mesmo no estando inse-

    ridos ainda no sistema da literatura brasileira, esses textos (e os autores

    que surgiram nesse perodo) tm suas importncias reconhecidas pelo

    crtico: perodo importante e do maior interesse, onde se prendem as

    razes de nossa vida literria e surgem, sem falar dos cronistas, homens

    do porte de Antnio Vieira e Gregrio de Matos... (p. 24)Para percebermos em que momento o sistema realmente se estabelece,

    Candido aconselha que olhemos para os artfices imediatos, pois assim se

    verifica a real continuidade que define uma tradio. E essa condio atinge

    plena nitidez apenas na primeira metade do sculo XIX. (p. 25)

    Antes disso, segundo o crtico, o que se pode notar uma vonta-

    de de fazer literatura, que d origem a conjuntos orgnicos. E Candi-

    do estabelece como incio desses conjuntos o perodo que se inicia em

    1750, quando surgem as Academias dos Seletos e dos Renascidos, bem

    como os primeiros trabalhos de Cludio Manuel da Costa.

    1.2 Uma literatura empenhada

    Empenho, nesse caso, no se restringia apenas vontade de mos-

    trar que no Brasil se fazia literatura como na Europa, mas tambm se

    aplica vontade de construir um pas livre (principalmente depois da

    independncia). Da a importncia dada por Candido ao fato de teremou no os escritores conscincia de seus afazeres literrios.

    Porm, esse esprito nacional custou certo preo em termos de estti-

    ca, pois o engajamento podia muitas vezes limitar a inventividade: Como

    no h literatura sem fuga do real, e tentativas de transcend-lo pela ima-

    ginao, os escritores se sentiram freqentemente tolhidos no vo, preju-

    dicados no exerccio da fantasia pelo peso do sentimento de misso, (...)

    Por outro lado favoreceu a expresso de um contedo humano,... (p. 27)

    Tendo sua poesia publi-cada apenas em 1881,

    Gregrio de Matos noteria infludo no sistemada literatura antes dessa

    data.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    13/94

    CAPTULO0

    13

    Do ponto de vista esttico, Antonio Candido afirma ser positivo

    que esse primeiro empreendimento tenha se dado no sculo XVIII:

    graas a isto, persistiu mais conscincia esttica do que seria de esperar

    do atraso do meio e da indisciplina romntica. (p. 27)

    Por outro lado, essa relao direta com a Ilustrao neoclssica fez

    de nossos poetas desse perodo verdadeiros guardies da realidade.

    1.3 Pressupostos

    imprescindvel, para Candido, esclarecer alguns aspectos acerca

    da escolha de abordar a literatura pelo vis da histria. Isso se justifica

    mais ainda, se levarmos em conta o uso que se fez desse tipo de crticanos anos que antecederam a Formao: um esteticismo mal compreen-

    dido procurou, nos ltimos decnios, negar validade a esta proposio

    o que em parte se explica como rplica aos exageros do velho mto-

    do histrico, que reduziu a literatura a episdio da investigao sobre a

    sociedade, ao tomar indevidamente as obras como meros documentos,

    sintomas da realidade social. (p. 30)

    Deve-se tambm um pouco dessa resistncia ao mau uso do forma-

    lismo que ... se fecha na viso dos elementos da fatura como universoautnomo e suficiente... (p. 30)

    Porm, essa forma equivocada de abordar a histria em suas re-

    laes com a literatura no desacredita o crtico que tentar estabelecer

    como ponto de equilbrio de seu trabalho justamente o fino trao en-

    tre contedo e forma. Na busca desse equilbrio, est o ideal do crtico:

    uma crtica equilibrada no pode, todavia, aceitar essas falsas incom-

    patibilidades, procurando, ao contrario, mostrar que so partes de uma

    explicao tanto quanto possvel total, que o ideal do crtico... (p.31)

    1.4 O terreno e as atitudes crticas

    Sobre a postura e o procedimento que o crtico deve assumir, Can-

    dido nos ensina que Toda crtica viva isto , que empenha a perso-

    nalidade do crtico e intervm na sensibilidade do leitor parte de uma

    impresso para chegar a um juzo... (p. 32)

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    14/94

    14

    O arbtrio deve ser experimentado pelo crtico para que suas im-

    presses pessoais (diramos melhor, suas percepes) lhe mostrem a

    particularidade de cada autor, ou obra. A partir de ento, o crtico deve

    relacionar essa primeira experincia com suas respectivas leituras para

    que, dessa relao, haja julgamento da obra. O crtico feito pelo es-

    foro de compreender, para interpretar e explicar; mas aquelas etapas se

    integram no seu roteiro, que pressupe, quando completo, um elemento

    perceptivo inicial, um elemento intelectual mdio, um elemento volun-

    trio final. Perceber, compreender, julgar. (p. 33)

    A Formao da Literaturafoi escrita num perodo em que muito se

    trabalhava com o formalismo. Por isso Candido chama a ateno para

    que o estudo das formas seja utilizado, sim, mas como etapa impor-tante da elaborao crtica e no como base para todo o argumento.

    Nada melhor que o aprofundamento, que presenciamos, do estudo da

    metfora, das constantes estilsticas, do significado profundo da forma.

    Mas erigi-lo em critrio bsico um sintoma da incapacidade de ver o

    homem e as suas obras de maneira una e total. (p. 33)

    A filosofia e a histria fizeram, nesse sentido, um grande bem ao

    pensamento crtico dos sculos XIX e XX libertando-o dos gramticos

    e retores.

    1.5 Os elementos de compreenso

    Os elementos so exatamente aqueles do sistema literrio: social (pbli-

    co), individual (escritor) e os resultados manifestados em objetos (texto).

    O crtico deve abordar esses trs elementos juntos para no se tor-

    nar um socilogo, psiclogo, bigrafo, esteta da lngua.(...) olhar os trs

    elementos simultaneamente entender a obra como uma realidade au-tnoma, cujo valor est na frmula que obteve para plasmar elementos

    no-literrios: impresses, paixes, idias, fatos... (p. 34)

    Propomos a leitura do exemplo dado por Candido na pgina 35,

    em que se recorta o sofrimento de trs poetas que perderam seus filhos

    e que fazem da pena instrumento de alvio. Nessa passagem, o crtico

    deixa claro que a inspirao pode servir como ponto de partida, mas o

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    15/94

    CAPTULO0

    15

    sucesso ou no, o alcance ou no do efeito literrio conseguido pelo

    tratamento literrio que se d.

    Diferente do que pensam os formalistas, a interpretao dos textos

    literrios no dispensa os elementos no literrios. Se nos limitarmos carga emotiva e no relacionarmos todos os elementos no h crtica,

    operao, segundo vimos, essencialmente de anlise, sempre que pre-

    tendemos superar o impressionismo. (p. 35)

    A mera ordenao de elementos formais, bem como a recorrncia a

    imagens no so crtica literria se no vierem acompanhadas da anlise

    que nos dar o homem e o mundo que refletido pela literatura: Um

    poema revela sentimentos, idias, experincias; um romance revela isto

    mesmo, com mais amplitude e menos concentrao. Um e outro valem,todavia, no por copiar a vida, como pensaria, no limite, um crtico no-

    literrio; nem por criar uma expresso sem contedo, como pensaria,

    tambm no limite, um formalista radical. Valem porque inventamuma

    vida nova, segundo a organizao formal, tanto quanto possvel nova,

    que a imaginao imprime ao seu objeto. (p. 35)

    1.6 Conceitos

    Quando Antonio Candido presta contas sobre a forma com que

    trabalhou os conceitos em sua Formao, ele procura deixar bem clara

    aquela proposta de continuidade, de tradio. Por isso, aproveita um

    conceito comum histria literria, o de perodo.

    proposto ainda uma troca do conceito gerao por tema: procu-

    rando apontar no apenas a sua ocorrncia, num dado momento, mas a

    sua retomada pelas geraes sucessivas, atravs do tempo. (p. 37)

    Conceito bsico na Formao da Literatura a coernciatanto dos

    acontecimentos internos quanto externos da obra. Candido entende por

    coerncia uma integrao orgnica dos diferentes elementos e fatores

    (meio, vida, idias, temas, imagens etc.), formando uma diretriz, um

    tom, um conjunto, cuja descoberta explica a obra como frmula. (p.

    38). No nvel do autor, essa coerncia se d atravs da personalidade li-

    terria. E no se trata de psicologizar o autor, mas sim de buscar o trao

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    16/94

    16

    afetivo, intelectual e moral do mesmo. E ela (a coerncia) se d tambm

    no nvel do momento: se manifesta pela afinidade, ou carter comple-

    mentar entre as obras. (p. 38)

    Nesse empreendimento de desenhar uma coerncia e um estilo parao tempo e para a obra que se olha, o crtico pe em prtica aquele exerc-

    cio que apontamos inicialmente: faz valer um arbtrio que d asas a sua

    inventividade e depois submete o imaginrio a julgamento. Nessa ordem

    que o pensador da literatura poder contribuir para o sistema literrio,

    imprimindo sua prpria leitura na obra e no tempo analisados.

    Leia mais!

    CASTELLO, Jos Aderaldo.Manifestaes literrias do perodo colonial:1500-1808/1836. So Paulo: Cultrix, 1975.

    COUTINHO, Afrnio. Introduo literatura no Brasil. Rio de Janeiro:Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

    PICCHIO, Luciana Stegagno. Histria da literatura brasileira. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 1997.

    ROMERO, Slvio. Historia da Literatura Brasileira: 1500-1830. Dispon-

    vel em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00768.html. Acessado em 24/08/2007.

    VERSSIMO, Jos. Histria da Literatura Brasileira. Disponvel em:http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html.Acessado em 24/08/2007.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    17/94

    CAPTULO02

    17

    A Carta do escrivo da armadaPero Vaz de Caminha

    Apresentar e discutir sobre o que tido como o primeiro documentoescrito produzido no Brasil, na perspectiva da cultura europia colonizadora, a

    Carta, do escrivo da armada Pero Vaz de Caminha.

    LEIA!

    Carta ao rei D. Manuel, de Pero Vaz de Caminha, de LeonardoArroyo (org.), So Paulo: Dominus, 1963.

    http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-02136.html

    Numa introduo crtica a uma das edies dA Cartade Caminha,

    Leonardo Arroyo destaca um apontamento feito por Jaime Corteso.

    Diz ele que o texto apresenta um carter eminentemente literrio da

    missiva, considerando-a como obra-prima literria dum gnero muito

    portugus e muito quinhentista: as cartas-narrativas de viagens, diri-

    gidas a El-Rei, e em que se colhem na espontaneidade nativa das emo-

    es a fora ntima dos caracteres e modos de a dizer... E diz ainda queesse texto deixa mais evidente um carter de documento que de obra de

    arte, que , alis, o esprito em que est vazada.

    Leonardo Arroyo v no autor dA carta um admirvel cronista,

    sim, e por todos os ttulos. Em Pero Vaz de Caminha, ilustrado nas suas

    observaes, transparece realmente um profundo humanista, tocado

    pela graa da terra, de suas mulheres e de seus mancebos.

    E os elogios vo alm: Tocado pela inocncia da terra e dos homens,

    traos que se notam em muitas das passagens do documento, com um

    acentuado lastro lrico, cheio de compreenso e tolerncia. (p. 11-12)

    O crtico diz tambm que a carta de Pero Vaz de Caminha, a par de

    sua beleza como descrio, como fotografia de um mundo novo e surpre-

    endente, rica de contedo humano, de conhecimento humano... (p. 13)

    No perodo de escrita do documento, 1 de maio de 1500, as nar-

    rativas dos escrives das armadas eram ao depois largamente utilizado

    pelos cronistas... (p. 13)

    2

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    18/94

    18

    Malheiros Dias se referiu Cartacomo certido de batismo, e Ar-

    royo via essa certido como um dos mais belos na sua significao e no

    realismo de seu contedo: a terra tal como era e seu gentio, no alvorecer

    indeciso de uma nao... (p. 14)

    Ele concorda com a opinio de Antnio Baio, que afirma: no con-

    texto geral (...) a carta (...) de uma notvel naturalidade.... Diz ainda

    que a maior impresso colhida por Pero Vaz de Caminha ante a nova

    paisagem foi a do autctone... (p. 14)

    Leonardo Arroyo lembra tambm que ela representou um registro

    da surpresa e da admirao do escrivo. (p. 15)

    Acompanhemos o crtico lendo passagens da Carta: As mulheres,

    por outro lado, so objeto de particular admirao (...): bem novinhas

    e bem gentis, com cabelos mui pretos e compridos pelas costas. Vai ele,

    porm, a maior detalhe, quando se refere s suas vergonhas, to altas

    e to cerradinhas e to limpas das cabeleiras que, de as ns muito bem

    olharmos, no se envergonhavam. (...) atitude que seria, ao longo da his-

    tria, talvez o fundamento dessa misteriosa plasticidade do portugus

    em todo o mundo: a confraternizao...

    Por outro lado, Arroyo parece esquecer que a empreitada colonial eli-de, desde o incio, qualquer trao dessa tolerncia que ele pretende ver no

    portugus. Iluso de ptica, distoro de quem se embaraa no esttico-

    literrio e esquece as mazelas do sistema colonial e a imposio destrutiva

    da cultura branca, como se pode ver em passagens como ... o respeito pelo

    indgena, pela sua inocncia, que ao depois, ao longo da conquista, no

    seria assim to tocante, mas assim mesmo, ainda, orientado num sentido

    de profunda confraternizao racial. Confraternizao de que resultaria,

    principalmente, o mameluco a sintetizar as qualidades do branco e do in-

    dgena em benefcio da conquista e do domnio da imensa terra. (p. 15)

    Atentemo-nos ao recorte que Arroyo faz de Jacques Barzun: Pero

    Vaz de Caminha totaliza amplamente um esprito humanista, inclusi-

    ve na preocupao pelo encontro do ouro, motivao fundamental dos

    feitos portugueses. (p. 15) Da pode-se perceber que falta indiscutivel-

    mente um t no ouro que procuram os portugueses. De fato, nessa busca

    obsessivas pelo ouro, eles nunca chegam ao ou(t)ro.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    19/94

    CAPTULO02

    19

    2.1 Observaes para a leitura da Carta

    Olhando ento para1) A Carta(da citada edio organizada por

    Arroyo), notamos algumas intromisses do organizador que

    parecem tirar um pouco da espontaneidade do original: Na

    noite seguinte segunda-feira (quando) amanheceu, se perdeu

    da frota Vasco de Atade com a sua nau, sem haver tempo for-

    te ou contrrio para (isso) poder ser! (p. 28). Vejamos, mais

    uma vez, a intromisso descaracterizadora do organizador: E

    depois tornou (a entregar) as contas a quem lhas dera. (p. 35)

    E novamente: ... para l andar com eles e saber de seu viver e

    (das suas) maneiras. (p. 36)

    Pensemos com mais calma naquilo que Arroyo chama de tra-2)

    balho estetizante de Caminha: Ali andavam entre eles trs ou

    quatro moas, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pre-

    tos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, to altas e to

    cerradinhas e to limpas das cabeleiras que, de as ns muito

    bem olharmos, no se envergonhavam (p. 38) A partir do jogo

    de palavras com o termo vergonha, poderamos pensar tam-

    bm que se queria dizer: no nos envergonhvamos. Oswald

    de Andrade, nos poemas de Pau-Brasil, retoma trechos como

    esse. E tambm o trecho seguinte: ... Diogo Dias (...) fez-lhe ali

    muitas voltas ligeiras, andando no cho, e salto real, de que se

    eles espantavam e riam e folgavam muito. (p. 49)

    Mais que a mera preocupao documental, v-se aqui e ali o3)

    desejo de verbalizar alguma preocupao de fidelidade (o que

    talvez seja herana das crnicas de Ferno Lopes) ... para afor-

    mosentar nem afear, aqui no h de pr mais do que aquilo quevi e me pareceu. (p. 28)

    Duas indicaes so importantes quanto ao descobrimento do4)

    Brasil. Primeiro, uma designao diferente para o ato da des-

    coberta: ... a notcia do achamento desta Vossa terra nova...

    (p. 27). Segundo, na Cartano h indicaes da calmaria que

    teria levado os navios de Cabral at o Brasil, como se pode ver

    nas pginas 28-29.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    20/94

    20

    Arroyo fala de uma mistura dos ndios e dos europeus no sen-5)

    tido de uma confraternizao (como se v na pgina 46). Esse

    contato se d realmente nesse sentido, ou poderamos falar

    mais de um confronto que de uma confraternizao?

    H, ao menos, a conscincia de que o smbolo cristo no , natu-

    ralmente, reconhecido pelo nativo: ... muito mais para verem a ferra-

    menta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz, porque eles

    no tm coisa que de ferro seja... (p. 55)

    Em certas passagens, se percebe uma dificuldade de compreenso

    entre ndios e europeus, e lugar-comum atribuir essa dificuldade di-

    ferena das lnguas: Mas no pde deles haver fala nem entendimentoque aproveitasse, por o mar quebrar na costa. (...) E com isto se volveu s

    naus por ser tarde e no poder haver deles mais fala, por causa do mar.

    (p. 55) Mas no estaria Caminha falando sobre uma falta de entendi-

    mento pela posio fsica e no pela diferena das lnguas?

    A compreenso que tm os portugueses dos atos e gestos dos in-

    dgenas reflete, ao mesmo tempo, incapacidade para compreender o

    outro, mesmo que mediada pela vontade de faz-lo, e tambm de um

    sentimento de superioridade cultural e intelectual.

    Os outros dois o Capito teve nas naus, aos quais deu o que j ficou

    dito, nunca mais aqui apareceram fato de que deduzo que gente bestial e

    de pouco saber, e por isso to esquiva. (p. 50) A questo se esse sentimen-

    to natural, ao menos nos primeiros contatos com a terra e com o nativo.

    patente que os portugueses consideram a f crist universal. Ademais,

    a inocncia aqui associada ao puro sentimento cristo, como se um estives-

    se ligado ao outro, indissoluvelmente: Parece-me gente de tal inocncia que,se ns entendssemos a sua fala eles a nossa, seriam logo cristos, visto que

    no tm nem entendem crena alguma, segundo as aparncias. (p. 60)

    De todo modo, essa no compreenso da religiosidade indgena

    o no entender do europeu implicaria a no-existncia da religio

    do mesmo teor das consideraes dos jesutas quanto a Tup, tomado

    como o Deus-pai, quando ele de fato no nada disso.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    21/94

    CAPTULO02

    21

    Interpretao ou imposio de sentidos? Temos a, claramente,6)

    um confronto cultural. Ser que o Humanismo de Caminha se-

    ria suficiente para bem compreender o alcance da cultura que

    estava diante dele?

    Por outro lado, a inteno propagandstica de Caminha fica bem

    evidente nesse trecho, em que no consegue esconder a nsia de atrair

    o interesse da Coroa e justificar o investimento e a empreitada: Mas

    nem sinal de cortesia fizeram, nem de (querer) falar ao capito; nem a

    algum. Todavia um deles fitou o colar do Capito, e comeou a fazer

    acenos com a mo em direo terra, e depois para o colar, como se

    quisesse dizer-no que havia ouro na terra. E tambm olhou para um

    castial de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para

    o castial, como se l tambm houvesse prata! (p. 34)

    Todavia, ainda uma vez, as inseres do organizador tiram o ritmo

    e a espontaneidade da expresso de Caminha.

    O que, antes, era sinal de que o objeto podia ser encontrado na ter-

    ra, agora se torna signo de troca. Caminha inventa, a seu bel-prazer, ou

    de acordo com suas necessidades, uma estratgia de decodificao dos

    gestos dos indgenas, sem se dar conta, talvez, de que ele faz os gestosdos indgenas significarem exatamente aquilo que ele deseja ou que ele

    deseja que El-Rei pense: Viu um deles umas contas de rosrio, brancas;

    fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lanou-as ao pesco-

    o; (...) e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar

    do Capito, como se dariam ouro por aquilo. Isto tomvamos ns nesse

    sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as

    contas e mais o colar, isto no queramos ns entender, por que lho no

    havamos de dar! (p. 35).Novamente, temos interpretaes pr-concebidas e ideologizadas

    dos europeus. Se os ndios no se fazem entender, a superior mente

    europia se faz entender pelos ndios: Ali por ento no houve mais

    fala ou entendimento com eles, por a barbaria ser tamanha que se no

    entendia nem ouvia ningum. Acenamo-lhes que se fossem. E assim o

    fizeram e passaram-se para alm do rio. (p. 38)

    Seria interessante umaanlise semitica dessasdicotomias gestos indge-nas interpretaes deCaminha.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    22/94

    22

    Aponta-se para um possvel livre-arbtrio associado aos nativos. A

    preocupao de Caminha centra-se na correta interpretao dos gestos

    e intenes significativas dos ndios: E concordaram em que no era

    necessrio tomar por fora homens, porque costume era dos que assim

    fora levavam para alguma parte dizerem que h de tudo quanto lhes

    perguntam. (p. 44)

    O que notamos aqui seria ingenuidade de Caminha, ou estratgia fic-

    cional para que a Coroa criasse interesse na nova terra? ... mas ningum o

    entendia, nem ele a ns, por mais coisas que a gente lhe perguntava com

    respeito a ouro, porque desejvamos saber se o havia na terra. (p. 48)

    A retrica de Caminha e os seus raciocnios valem um estudo7)

    aprofundado, pois suas indues e dedues so extremamente

    distorcidas por idias pr-concebidas e por preconceitos. Veja-

    se, como exemplo: ... porque os seus corpos so to limpos e

    to gordos e to formosos que no pode ser mais! E isto me

    faz presumir que no tm casas nem moradias em que se reco-

    lham; e o ar em que se criam os faz tais. (p. 50)

    A imitao que fazem os indgenas dos gestos dos portugueses

    interpretada por estes como reverncia natural diante da superioridade

    de uma f e de uma cultura que eles no entendem, mas que sentem

    instintivamente ser superior. Sculos depois e ainda no nos libertamos

    dessa postura espantada diante da superioridade do que incompreen-

    dido. Seria mais interessante especular como o indgena estava vendo

    aquele ritual europeu e como ele tentava relacion-lo a suas realidades

    imediatas. Vejamos um trecho em que isso aparece: E quando se veio

    ao Evangelho, que nos erguemos todos em p, com as mos levantadas,

    eles se levantaram conosco, e alaram as mos estando assim at se che-

    gar ao fim; e ento tornaram-se a assentar, como ns. (p. 62)

    Ora, em toda leitura, h sempre esse perigo de reduzir o texto ex-

    terior a nossas vontades interiores, nossa vontade de ter razo e de en-

    tender o texto perfeio. Cremos que o esforo de Caminha se insere

    na viso que o cristianismo tem de si mesmo como nica f natural

    e universal. Encontrar selvagens que no (re)conheciam os smbolos e

    as verdades reveladas do cristianismo deveria ser uma experincia no

    mnimo traumtica: E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    23/94

    CAPTULO02

    23

    com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o cu, como

    se lhes dissesse alguma coisa de bem; e ns assim o tomamos! (p. 64)

    Um elemento que atravessa todo o discurso (entenda-se docu-8)

    mento) a pretensa superioridade europia. Caminha d umacerta nfase no interesse despertado pelos brancos nos selvagens.

    E quando fizemos vela estariam j na praia assentados perto do

    rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado

    ali aos poucos. (p. 31) O autor parece comprazer-se com esse

    interesse, sem deixar de demonstrar a humildade de lei.

    Evidencia-se tambm a legitimao da superioridade do branco,

    demonstrada no modo como mostram objetos e seres que os europeus

    dominam e que fazem medo aos nativos. Ao mesmo tempo, a con-firmao de que havia um mnimo de comunicao entre europeus e

    nativos, confirmando a compreenso dos portugueses de que a suspeita

    da existncia de ouro e prata era factvel. A histria da galinha, ademais,

    no plausvel, se pensamos na quantidade de animais emplumados,

    semelhantes a galinhas, que os ndios deviam, por certo, conhecer.

    Aparecem, contudo, algumas diferenas nas interpretaes que os

    nativos fazem dos portugueses. De todo modo, Caminha enfatiza sem-

    pre que os europeus conseguem entender a gestualidade dos nativos e es-

    tes no entendem a dos portugueses. Acenaram-lhes que pousassem os

    arcos e muitos deles os iam logo pr em terra; e outros no os punham.

    Andava l um que falava muito aos outros, que se afastassem. (p. 43)

    Caminha no consegue esconder seu senso de superioridade, a

    despeito do humanismo que lhe confere Arroyo. Mesmo os condenados

    europeus seriam capazes de domesticaro nativo: ... mas sim, para os de

    todo amansar e apaziguar, unicamente de deixar aqui os dois degreda-

    dos quando daqui partssemos. (p. 46)

    E os europeus, naturalmente, ensinam aos ndios: ... e, antes que

    chegssemos, pelo ensino que dantes tinham, puseram todos os arcos, e

    acenaram que sassemos. ( p. 46)

    Nota-se, at mesmo, um certo deleite ao se fazer referncia in-

    genuidade do nativo: ... como se fossem mais amigos nossos do que

    ns seus. (p. 61)

    Mostraram-lhes um papa-gaio pardo que o capitotraz consigo; tomaram-nologo na mo e acenarampara a terra, como se oshouvesse ali. Mostraram-

    lhes um carneiro; nofizeram caso dele. Mos-traram-lhes uma galinha;quase tiveram medo dela, eno lhe queriam pr a mo.Depois lhe pegaram, mascomo espantados. (p. 34)

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    24/94

    24

    No que se refere ao europeu diante do Novo Mundo ressalte-se a9)

    bela imagem da intromisso do estrangeiro em terras brasileiras,

    indo de corrida atrs dos nativos, sendo guiados por eles, mas,

    no final das contas, trazidos beira do mar-oceano para espojar-

    se na gua e provar o gosto da novidade trazida pelas ondas.

    Nem mesmo dissimulado foi o projeto de dominao. A imposio

    cultural j detectada desde o incio. Assim, tudo no se passa exata-

    mente como eles querem, mas, na verdade, como querem os europeus:

    Bastar (isso para Vossa Alteza ver) que at aqui, como quer que se lhes

    em alguma parte amansassem, logo de uma mo para outra se esquiva-

    vam, como pardais (com medo) do cevadouro. Ningum no lhes ousa

    falar de rijo, para no se esquivarem mais. E tudo se passa como eles

    querem para os bem amansarmos. (p. 50)

    Novamente o projeto de colonizao j visto como imposio cultu-

    ral e controle estrito das manifestaes culturais por parte do portugus:

    ... esta gente boa e de bela simplicidade. E imprimir-se- facilmente

    neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor

    lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. (p. 60)

    Na empresa de levar a F aos pagos apreciemos um mote propa-

    gandstico do projeto colonial europeu: E o Ele nos para aqui trazercreio que no foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja

    acrescentar a santa f catlica, deve cuidar da salvao deles. (p. 60).

    O incio da escravido aqui mostrado quase como conseqncia na-

    tural da supremacia cultural e intelectual do europeu: ... Simo de Miranda,

    um que j trazia por pajem; e Aires Gomes a outro, pajem tambm. (p. 61)

    No obstante, h o que se pode chamar de projeto de aculturao do

    nativo: ... e foram esta noite mui bem agasalhados tanto de comida como decama, de colches e lenis como de cala, para os mais amansar. (p. 61)

    Contudo, possvel uma passagem da inocncia salvao, pela

    obra da pregao dos europeus: Entre todos estes que hoje (...) o que

    pertence sua salvao. (p. 66)

    Poderamos tambm falar de uma publicidade oficial: Em tal ma-

    neira graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se- nela tudo; por cau-

    sa das guas que tem! (p. 67)

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    25/94

    CAPTULO02

    25

    O argumento da catequizao serve algumas vezes, na pena de Ca-

    minha, para encobrir o projeto comercial: At agora no pudemos sa-

    ber se h ouro ou prata nela (...) Contudo, o melhor fruto que dela se

    pode tirar parece-me que ser salvar esta gente. E esta deve ser a princi-

    pal semente que Vossa Alteza em ela deve lanar. (p. 67)

    Prticas poltico-administrativas, como o clientelismo e o nepotis-

    mo, j comeavam a ser praticadas em 1500, conforme mostra o prprio

    documento E pois que, Senhor, certo que tanto neste cargo que levo

    como em outra qualquer coisa que de Vosso servio for, Vossa Alteza h

    de ser de mim muito bem servida, a Ela peo que, por me fazer singular

    merc, mande vir da ilha de So Tom a Jorge de Osrio, meu genro o

    que dEla receberei em muita merc. (p. 68)Por fim, destaquemos a imagem da tbula rasa aristotlica, mesmo no

    que se refere crena religiosa. Atravs desse raciocnio de base escolstica,

    os europeus pretendem justificar a imposio de sua cultura e de sua religio

    que no seria imposio, mas ensinamento aos indgenas das verdades

    que eles ainda no foram capazes de aprender no contato com o real, com a

    natureza. H aqui, assim, todo o projeto catequtico dos jesutas: construir a

    f catlica em selvagens atrasados que ainda no tiveram a graa de conhe-

    cerem a verdade revelada. Por outro lado, seria interessante especular sobrea sorte dos degredados que aqui ficaram. Mais do que converter os nativos,

    de presumir que foram eles os aculturados, como os europeus dos anos

    seguintes que, vivendo entre ndios antropfagos, adotaram os hbitos todos

    dos nativos, para horror dos europeus recm-chegados ao Novo Mundo: E

    segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, no lhes falece outra coisa

    para ser toda crist, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo

    que nos viam fazer como ns mesmos; por onde pareceu a todos que nenhu-

    ma idolatria nem adorao tm. (...) E por isso, se algum vier, no deixe logo

    de vir clrigo para os batizar; porque j ento tero mais conhecimentos de

    nossa f, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam... (p. 65)

    Leia mais!

    CASTELLO, Jos Aderaldo.Manifestaes literrias do perodo colonial:1500-1808/1836. So Paulo: Cultrix, 1975.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    26/94

    26

    COUTINHO, Afrnio. Introduo literatura no Brasil. Rio de Janeiro:Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

    PICCHIO, Luciana Stegagno. Histria da literatura brasileira. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 1997.

    SCHLER. Donaldo. A retrica da subordinao e da insubordinaona carta do achamento. Revista Agulha. Disponvel em: http://www.revista.agulha.nom.br/dschuler.html#pero. Acessado em 24/08/2007.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    27/94

    CAPTULO03Tempo colonial da Literatura Brasileira

    2727

    Tempo colonial da LiteraturaBrasileira

    Apresentar e discutir a posio de Alfredo Bosi, quanto ao sculo XVI,

    dentro da Literatura Brasileira.

    LEIA!

    BOSI, Alfredo. A condio colonial. In: Histria Concisa da Literatura

    Brasileira. So Paulo: Cultrix, 1973, p. 11-29.

    Observaes sobre a condio colonial

    A condio colonial, mesmo que determinada parcialmente1)

    pela cultura europia, teve de adaptar-se s condies e s con-

    tingncias locais. No se tratou apenas de uma transposio da

    mentalidade europia, mas de um modo de ver europeu que foi

    levado a ver coisa totalmente nova e, por isso, modificou-se em

    sua prpria maneira de ver. Vide pgina 13:

    O problema das origensda nossa literatura [deve ser entendido]nos mesmos termos das outras literaturas americanas, isto , a partir

    da afirmao de um complexo nacionalde vida e de pensamento.

    Bosi v nas diferenas entre metrpole e colnia a origem do2)

    nativismo e do incio do processo de autonomizao (criao

    de esfera prpria de auto-reflexo). No final desse processo,

    desenvolve-se o nacionalismo. Com isso, as questes que mar-

    caram a fase colonial transcendem o prprio perodo colonial

    e so fundamentais para se entender a cultura brasileira como

    um todo, at os dias de hoje.

    Bosi aponta que ciclos de3) ocupaoe de exploraoformaram

    ilhas sociais (Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Rio de Janeiro,

    So Paulo), que deram Colnia a fisionomia de um arqui-

    plago cultural. (p. 13-14). Como conseqncia, temos dois

    movimentos diferentes: a disperso do pas em subsistemas

    3

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    28/94

    Literatura Brasileira I

    2828

    regionais, at hoje relevantes para a histria literria e a seq-

    ncia de influxos da Europa, responsvel pelo paralelo que se

    estabeleceu entre os momentos de alm-Atlntico e as esparsas

    manifestaes literrias e artsticas do Brasil-colnia....

    Haveria um paralelismo nada rigoroso entre as manifestaes4)

    culturais europias e as brasileiras. Como exemplo, a coexis-

    tncia do barroco arquitetnico de Aleijadinho (e outros) e os

    textos neoclssicos, nas Minas Gerais.

    Disso resulta, segundo Bosi, uma mistura de cdigos literrios5)

    europeus maismensagens ou contedos j coloniais, um ca-

    rter hbrido (...) luso-brasileiro... (p. 14).

    Com a decadncia portuguesa, no sculo XVII, o Brasil passa6)

    a receber manifestaes culturais j de segunda mo. O Brasil

    reduzia-se condio de subcolnia... (p. 14)

    E as diferenas entre a produo portuguesa e a brasileira? A rigor,7)

    s laivos de nativismo, pitoresco no sculo XVII e j reivindica-

    trio no sculo seguinte, podem considerar-se o divisor de guas

    entre um gongrico portugus e o baiano Botelho de Oliveira, ou

    entre um rcade coimbro e um lrico mineiro. (Nesses termos,haveria apenas diferenas de contedo. Seria s isso mesmo?!)

    Mesmo com a Conjurao Mineira, as idias de renovao e de8)

    liberdade so emprestadas da Europa, da Revoluo Francesa.

    De qualquer modo, a busca de fontes ideolgicas no-portu-

    guesas ou no-ibricas, em geral, j era uma ruptura consciente

    com o passado e um caminho para modos de assimilao mais

    dinmicos, e propriamente brasileiros, da cultura europia,

    como se deu no perodo romntico. (p. 14-15)

    De todo modo, o perodo inicial importante para compreen-9)

    dermos em que bases se deu a mestiagem cultural (e no apenas

    racial), base de nossa literatura, inserida nessa dialtica (que, em

    muitos casos, no passa de hesitao) entre localismo e universa-

    lismo (transposta, inclusive, para o nvel nacional, em que tam-

    bm se estabelecem tenses entre local leia-se regies menos

    desenvolvidas e universal regies mais desenvolvidas).

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    29/94

    CAPTULO03Tempo colonial da Literatura Brasileira

    2929

    Textos de informao

    A respeito desses textos, Bosi afirma, na pgina 16, que en-1)

    quanto informaes, no pertencem categoria do literrio,

    mas pura crnica histrica e, por isso, h quem as omita porescrpulo esttico (Jos Verssimo, por exemplo, na sua Hist-

    ria da literatura brasileira).

    Prestemos ateno, porm, a esses textos que no tm valor2)

    apenas pelo teor documental, nem apenas pelo literrio, mas

    nos faz enxergar um fundamento primeiro, de imposio de

    uma lngua e de descoberta de temtica e de cenrio. pgina

    16, l-se: No entanto, a pr-histria das nossas letras interessa

    como reflexo da viso do mundo e da linguagem que nos lega-

    ram os primeiros observadores do pas.

    Conseqentemente, em decorrncia da imposio de formas e3)

    de assuntos, podemos ver tambm de que forma nossa produ-

    o escrita reage a ... sugestes temticas e formais. Em mais de

    um momento a inteligncia brasileira, reagindo contra certos

    processos agudos de europeizao, procurou nas razes da terra

    e do nativo imagens para se afirmar em face do estrangeiro...

    Textos de origem portuguesa que merecem destaque:4)

    aa) Cartade Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel (...);

    ob) Dirio de Navegaode Pero Lopes e Sousa, escrivo do

    primeiro grupo colonizador, o de Martim Afonso de Sou-

    sa (1530);

    oc) Tratado da Terra do Brasil e a Histria da Provncia de

    Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil de PeroMagalhes Gndavo (1576);

    ad) Narrativa Epistolare os Tratados da Terra e da Gente do Brasil

    do jesuta Ferno Cardim (a primeira certamente de 1583);

    oe) Tratado Descritivo do Brasilde Gabriel Soares de Sousa

    (1587);

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    30/94

    Literatura Brasileira I

    3030

    osf) Dilogos das Grandezas do Brasilde Ambrsio Fernan-

    des Brando (1618);

    asg) Cartas sobre a Converso dos Gentiosdo Pe. Manuel da

    Nbrega;

    ah) Histria do Brasildo Fr. Vicente do Salvador (1627).

    Sobre Caminha, Bosi diz:

    ... a Cartade Caminha a D. Manuel (...) insere-se em um gnero

    copiosamente representado durante o sculo XV em Portugal e Espa-

    nha: a literatura de viagens...

    Esprito observador, ingenuidade (no sentido de um realismo sem

    pregas) e uma transparente ideologia mercantilista batizada pelo zelo

    missionrio de uma cristandade ainda medieval (...) atenuando a im-

    presso de selvageria que certas descries poderiam dar... (p. 16-17)

    Leia mais!

    CASTELLO, Jos Aderaldo.Manifestaes literrias do perodo colonial:

    1500-1808/1836. So Paulo: Cultrix, 1975.

    COUTINHO, Afrnio. Introduo literatura no Brasil. Rio de Janeiro:

    Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

    PICCHIO, Luciana Stegagno. Histria da literatura brasileira. Rio de Ja-

    neiro: Nova Aguilar, 1997.

    SANTOS, Ilda dos. Peregrinaes braslicas Modalidades da Aventura no s-

    culo XVI. O exemplo de Antony Knivet, ingls. Disponvel em: http://www.

    geocities.com/ail_br/peregrinacoesbrasilicas.htm. Acessado em 24/08/2007.

    Literatura de viagens. Disponvel em: http://www.instituto-camoes.pt/cvc/literatura/litviagens.htm. Acessado em 24/08/2007.

    Literatura de viagens. Disponvel em: http://www.universal.pt/scripts/

    hlp/hlp.exe/artigo?cod=6_145. Acessado em 24/08/2007.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    31/94

    CAPTULO04O Tratado da Terra do Brasil

    3131

    O Tratado da Terra do Brasil

    Apresentar e discutir uma das obras mais importantes

    da chamada literatura informativa, o Tratado da Terra do Brasil,de Pero de Magalhes Gndavo.

    LEIA!

    Tratado da Terra do Brasil, de Pero de Magalhes Gndavo.

    Disponvel em: http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/

    texto/0006-00941.html

    4.1 Observaes sobre o Tratado

    Pensemos na importncia da estratgia de convencimento ou1)

    de propaganda, apontada por Bosi em Tratado da Terra do Bra-

    sil e Histria da Provncia Santa Cruz, de Gndavo: Ambos os

    textos so, no dizer de Capistrano de Abreu, uma propaganda

    da imigrao, pois cifram-se em arrolar os bens e o clima da

    colnia, encarecendo a possibilidade de os reinis (especial-mente aqueles que vivem em pobreza) virem a desfrut-la. (p.

    18)

    Ainda nos dizeres de Bosi, o texto denota um perfil ... huma-2)

    nista, catlico, interessado no proveito do Reino. (p. 18)

    preciso ateno ao Nativismo da obra. De acordo com Bosi,3)

    a sua atitude ntima, na esteira de Cames, e que se rastrea-

    r at os picos mineiros, consiste em louvar a terra enquan-

    to ocasio de glria para a metrpole. (...) o nativismo, aqui

    como em outros cronistas, situa-se no nvel descritivo e no

    tem qualquer conotao subjetiva ou polmica. (p. 19)

    Aparecem imagens ednicas do novo mundo: ... certo otimis-4)

    mo (...) quanto s potencialidades da colnia: e quem respin-

    gou os louvores desses cronistas, ainda imersos em uma credu-

    lidade pr-renascentista, pde falar sem rebuos em viso do

    4

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    32/94

    Literatura Brasileira I

    3232

    paraso como leitmotivdas descries: Eldorado, den recupe-

    rado, fonte da eterna juventude, mundo sem mal, volta Idade

    de Ouro... (p. 19)

    Na pgina 20, Bosi aponta a descrio de costumes e de elemen-5)tos scio-econmicos: Nem faltam passagens pinturescas; no

    captulo Das plantas, mantimentos e frutos que h nesta Pro-

    vncia...; Sua atitude em face do ndio (...) vai da observao

    curiosa ao juzo moral negativo...

    Atitudes preconceituosas e cheias de presuno so encontra-6)

    das no Tratado: A lngua tupi carece de trs letras, convm a

    saber, no se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto

    porque assim no tm F, nem Lei, nem Rei, e desta maneiravivem desordenadamente sem terem alm disso conta, nem

    peso, nem medido.

    Uma constante preocupao mercantil tambm apontada por7)

    Alfredo Bosi: A Histriatermina com uma das tnicas da li-

    teratura informativa: a preocupao com o ouro e as pedras

    preciosas... (p. 20)

    Em outra passagem, Bosi deixa entrever que a existncia das8)riquezas, para os homens do sculo XVI, se explicaria pela pro-

    vidncia divina, que aqui as colocaria para atrair a ambio dos

    homens e, assim, permitir a chegada da palavra de Deus.

    Olhemos um pouco mais de perto oTratado.

    Logo na dedicatria, vemos o alcance poltico da literatura infor-

    mativa e a importncia e originalidade (pretextada pelo autor) das vi-

    ses do paraso. Isso se repete no Prlogo ao leitor, que evidencia tam-

    bm uma certa rivalidade com a Espanha.

    Na Declarao da costa o que se nota uma preocupao com da-

    dos geogrficos, que por sua vez nos faz pensar num pragmatismo: faci-

    litar a ocupao do pas e a produo de riquezas.

    A partir do Captulo Primeiro, a diviso geogrfica obedece divi-

    so em capitanias, imposta por Portugal, em vez de uma diviso baseada

    nas diferenas tnicas entre os povos indgenas.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    33/94

    CAPTULO04O Tratado da Terra do Brasil

    3333

    No Captulo Segundoo que se v uma nfase no empreendimento

    mercantil e na acumulao de riquezas. E poderamos destacar tambm

    um otimismo propagandstico.

    No Captulo Terceiroaparecem dados demogrficos e apresentaodas foras produtivas.

    Os primeiros espantos do europeu diante da especificidade brasi-

    leira aparecem no Captulo Quarto. O pitoresco comea a aparecer e vai

    ser presena constante na Literatura Brasileira.

    No Captulo Quintotemos as primeiras descries de ndios hostis,

    nota-se isso pela nfase que se d na diferena deles com relao aos de-

    mais ndios (ningum os entende, so avessos a contatos com civilizados).

    Com isso o europeu opera num sentido de demonizar o indgena

    para justificar a violncia da empreitada colonial.

    No Captulo Nonofica marcada uma cumplicidade dos jesutas na

    empreitada da coroa em colonizar (a qualquer custo) a terra e sua gente.

    Tratado Segundo

    No Captulo Primeirodo segundo Tratadose inverte uma relao:

    h uma adaptao da terra cultura europia e no o oposto; a terra

    que tem de ser propcia criao de cabras e ovelhas, por exemplo. H

    tambm uma defesa da base servil da economia.

    No Captulo Segundovemos a recriao de imagens da terra da Co-

    cagne, isto , do paraso terrestre, na viso de uma mitologia europia

    medieval.

    Uma hospitalidade do clima da terra pode ser observada no Cap-

    tulo Terceiro.Poderamos pensar novamente numa viso ednica.

    Do Captulo Quartoao Sextodestaca-se uma viso nativista, tema a

    se tornar recorrente em nossa Literatura: so os casos de Bento Teixeira,

    Botelho de Oliveira, Rocha Pita e tantos outros.

    O Captulo Stimo traz descries dos brbaros e dos costumes

    segundo a perspectiva europia, etnocntrica; em nenhum momento, se

    atenta para o fato de que h tambm a perspectiva do Outro.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    34/94

    Literatura Brasileira I

    3434

    Descrio que se compraz no exotismo autctone perceptvel no

    Captulo Oitavo. Podemos at pensar num antecedente da postura que,

    at hoje, assume grande parte dos brasileiros intelectual ou no no

    exterior.

    E, por fim, o Captulo Nono demonstra a cobia e predestinao

    como mveis da expanso europia (e, claro, tambm da f catlica).

    Leia mais!

    CASTELLO, Jos Aderaldo.Manifestaes literrias do perodo colonial:1500-1808/1836. So Paulo: Cultrix, 1975.

    COUTINHO, Afrnio. Introduo literatura no Brasil. Rio de Janeiro:Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

    NOELLI, Francisco Silva; GUIRADO, Maria Ceclia. Relatos do descobri-mento do Brasil as primeiras reportagens Revista Brasileira de Histria.Vol. 25, n 50. So Paulo, julho/dez. de 2005. Disponvel em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-1882005000200014&script=sci_arttext.Acessado em 24/08/2007.

    PICCHIO, Luciana Stegagno. Histria da literatura brasileira. Rio de Ja-

    neiro: Nova Aguilar, 1997.VAZ. Joo. Upupiara: o que vive no fundo das guas. Disponvel em:http://maritimo.blogspot.com/2003/12/upupiara-o-que-vive-no-fun-do-das-uas.html. Acessado em 24/08/2007.

    VERSSIMO, Jos. Histria da literatura Brasileira. Disponvel em:http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html.Acessado em 24/08/2007.

    Livro 02. Histria da provncia Santa Cruz a que vulgarmente chamamos

    Brasil. Pero de Magalhes Gndavo (1576) Histria e Estrias de um PasPrimitivo. Disponvel em: http://www.senado.gov.br/sf/senado/ilb/Bra-sildasLetras/mod1_02.html. Acessado em 24/08/2007.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    35/94

    CAPTULO05Obra de Padre Jos de Anchieta

    3535

    A Obra de Padre Jos de

    Anchieta

    Apresentar e discutir a obra e a atuao cultural do Padre Jos de Anchieta,

    segundo a perspectiva de Alfredo Bosi.

    LEIA!

    BOSI, Alfredo.Anchieta, ou as flechas opostas do sagrado. In: Dialticada Colonizao. 2. ed. So Paulo: Companhia das Letras, 1994.

    Alfredo Bosi dedica todo um captulo de sua Dialticaa Anchieta,

    por isso a importncia de se ler oAutoacompanhado das reflexes que

    destacamos abaixo.

    Na tentativa de utilizar a tradio literria europia com intui-1)

    tos pedaggicos precisos, ou seja, catequizar os nativos, nota-

    se um descompasso entre a pretenso ideolgico-pedaggica

    dos jesutas e o material humano ndios e lingsticos de

    que dispunham os padres: no ... idioma tupi (...) O poeta pro-

    cura, no interior dos cdigos tupis, moldar uma forma poticabastante prxima das medidas trovadorescas em suas variantes

    populares ibricas... (p. 64)

    Os jesutas (sobretudo Anchieta) apostam na tentativa de2)

    transpor o imaginrio e a linguagem do colonizador para o

    espao do colonizado. Em decorrncia disso, aculturar tam-

    bm sinnimo de traduzir. (...) transpor para a fala do ndio

    a mensagem catlica (...) um esforo de penetrar no imagin-

    rio do outro... E ainda: Como dizer aos tupis, por exemplo, apalavrapecado, se eles careciam at mesmo da sua noo (...)?

    Anchieta, neste e em outros casos extremos, prefere enxertar o

    vocbulo portugus... (p. 65)

    Notamos ento, a criao de uma mitologia terceira, hbrida3)

    entre os ndios e os europeus, cujos frutos cumpre discutir e,

    talvez, questionar. A ttulo de exemplo, pensemos em trs co-

    mentrios de Bosi:

    5

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    36/94

    Literatura Brasileira I

    3636

    O mais comum a busca de alguma homologia (...) Bispo

    Pai-guau, (...) paj maior. Nossa Senhora (...) Tupansy, me de

    Tup. O reino de Deus Tupretama, terra de Tup. Igreja, coe-

    rentemente tupka, casa de Tup. Alma anga, que vale tanto

    para sombra quanto para o esprito dos antepassados. Demnio Anhanga, esprito errante e perigoso. Para a figura bblico-cris-

    t do anjo, Anchieta cunha o vocbulo karaibeb, profeta voador

    (...) A nova representao do sagrado assim produzida j no era

    nem a teologia crist nem a crena tupi, mas uma terceira esfera

    simblica, uma espcie de mitologia paralela que s a situao

    colonial tornara possvel. (p. 66)

    De qualquer modo, o que poderia significar para a mente dos

    tupis, fundir o nome de Tupcom a noo de um Deus uno e

    trino, ao mesmo tempo todo-poderoso, e o vulnervel Filho do

    Homem dos Evangelhos?

    Kara tanto o homem branco (...) quanto o profeta-cantor gua-

    rani, a santidade que vai de tribo em tribo anunciando a Terra

    sem Mal. Mas em que pensariam os ndios acoplando kara

    idia de vo expressa em beb? Nos seus prprios xams nma-

    des e videntes, mas agora dotados de asas? Ou ento em portu-

    gueses alados? (p. 66)

    Logo, possvel observar que a mitologia indgena perde suas4)

    caractersticas tradicionais: O crculo sagrado dos indgenas

    perde a unidade fortemente articulada que mantinha no estado

    tribal e reparte-se, sob a ao da catequese, em zonas opostas e

    inconciliveis. De um lado, o Mal, reino de Anhanga, (...). De

    outro lado, o reino do Bem, onde Tup se investe de virtudes

    criadoras e salvficas, em aberta contradio com o mito origi-

    nal que lhe atribua precisamente os poderes aniquiladores do

    raio. (p. 66)

    Primeira conseqncia desse descompasso: imposio de uma5)

    viso simplista e redutora: os ndios eram considerados uma

    sociedade sem religio, esperando a chegada da verdadeira

    religio o catolicismo. Da a afirmao de Bosi de que h em

    ... Anchieta (...) uma poesia e um teatro cujo correlato imagi-

    nrio um mundo maniquesta cindido entre foras em perp-

    tua luta... (p. 67)

    Que significa raio.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    37/94

    CAPTULO05Obra de Padre Jos de Anchieta

    3737

    Na pgina 68, Bosi fala do que seria uma iluso de ptica do co-6)

    lonizador: ... os tupis no prestavam culto organizado a deuses

    e heris, foi relativamente fcil aos jesutas inferir que eles no

    tivessem religio algumae preencher esse vazio teolgico com

    as certezas nucleares do catolicismo, precisamente a criao e

    a redeno.

    Segunda conseqncia dessa viso do europeu imposta cul-7)

    tura do indgena americano: a demonizao da religiosidade

    indgena. De acordo com Bosi, ... se deveria buscar em outro

    locus simblicoo cerne da religiosidade tupi. (...) nem em li-

    turgias a divindades criadoras, nem na lembrana de mitos as-

    trais, mas no culto dos mortos, no conjuro dos bons espritos eno esconjuro dos maus. (p. 68)

    Acontece uma espcie de aculturao, isto , de modificao nos

    esquemas culturais do indgena, mas com a inverso simblica de sua

    religiosidade. De fato, a ... pregao jesutica [acaba por] diabolizar toda

    cerimnia que abrisse caminho para a volta dos mortos. (p. 69)

    De outro lado, a colonizao acaba apostando at na inverso do

    sentido do fato histrico. Segundo Bosi, exemplar, a fala de Guaixar,

    rei dos maus espritos, no auto intitulado Na Festa de So Loureno. (...)

    o nome de Guaixar se deve ao fato de assim chamar-se o heri tamoio

    do Cabo Frio que atacou duas vezes os lusos... (p. 70)

    Como resultado, temos ... religies que tendem a edificar a figura

    da conscincia pessoal unitria, como o judasmo e o cristianismo, te-

    mem os rituais mgicos (...) suspeitando-os de fetichistas ou idlatras.

    (...) H uma tradio multissecular de luta judeu-crist (a que no esca-

    pou o islamismo) para depurar o imaginrio... (p. 71)

    Em conseqncia, no caso luso-brasileiro, a ponte entre a vida

    simblica dos tupis e o cristianismo acabou-se fazendo graas ao car-

    ter mais sensvel, mais dctil e mais terrenal do catolicismo portugus,

    se comparado com o puritanismo ingls ou holands dominante nas

    colnias da Nova Inglaterra. A devoo popular ibrica no dispensa-

    va o recurso s imagens; antes, multiplicava-as. Por outro lado, valia-se

    muitssimo das figuras medianeiras entre o fiel e a divindade... (p. 72)

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    38/94

    Literatura Brasileira I

    3838

    Mas, ... as cerimnias indgenas de relao com os mortos foram

    vistas, sob a tica dos viajantes e missionrios, como sintomas de barb-

    rie e, mais comumente, caram sob a suspeita de demonizao. O pro-

    cesso colonial impedia que a aculturao simblica se fizesse livre, lisa e

    horizontalmente sem desnveis e fraturas de sentido e valor. (p. 73)

    Terceira conseqncia: a demonizao da cultura indgena e da8)

    natureza. De fato, isso correspondia ao espanto e ao temor dos

    colonizadores postos em terra hostil, diante de uma natureza

    e de costumes a que eram totalmente alheios. Diz Bosi que a

    natureza que no se pde domar perigosa. Os espritos infer-

    nais chamam-se, Na festa de So Loureno: boiuu, que cobra-

    grande;mboitininguu

    , cobra que silva, cascavel;andiraguau

    ,morcego-vampiro;jaguar, jaguar ou co de caa; jibia; soc;

    sukuriju, sucuri, cobra que estrangula; taguat, gavio; atyra-

    beb, tamandu grenhudo; guabiru, rato-de-casa; guaikuka,

    cuca, rato-do-mato; kuiruru, sapo-cururu; sariguia, gamb;

    mborar, abelha-preta; miaratakaka, cangamb; sebi, sangues-

    suga; tamarutaka, espcie de lagosta, tajassuguaia, porco.Tudo

    quanto no reino animal metia medo ou dava nojo ao europeu

    vira signo dbio de entidades funestasem ambos os planos, o

    natural e o sobrenatural. (p. 73-74)

    Quarta conseqncia: mascaramento das verdadeiras ques-9)

    tes polticas.

    Do auto Na vila de Vitria:

    Como o processo todo figurado e rebatido para uma cena em

    que se movem entes emblemticos, o espectador no v nem co-

    nhece de perto o drama histrico real, nem sequer os atos polticos

    dos grupos supostamente possudos pela megera Ingratido. (...)mimar as atitudes socialmente reprovveis com falas e gestos gro-

    tescos que, por hiptese, agradariam a pblicos iletrados. A moral

    e o circo enlaados a servio de um interesse poltico. (p. 77)

    Podemos destacar, ainda, trechos do ensaio de Bosi que nos10)

    mostram a produo do colonizador dentro da colnia e o

    quanto se usava de forma estratgica as alegorias para a elabo-

    rao do discurso.

    A esse propsito, ler Cata-tau, de Paulo Leminski.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    39/94

    CAPTULO05Obra de Padre Jos de Anchieta

    3939

    A inspirao dos motivos internos e a sua seqncia obedecem

    lgica do pensamento mtico, mas tudo vem preso a um ponto de

    vista alegrico-poltico fundamente enraizado na dinmica dos

    interesses e do poder. (p. 78)

    ... na alegoria, o cotidiano dos grupos sociais e os seus desejos e

    conflitos reduzem-se a extremos de funo exemplar: ou degra-

    dam-se ao nvel bestial, ou sublimam-se pelo mecanismo ideo-

    lgico que consiste em assumi-los figuradamente pelo discurso

    sobre uma coisa para fazer entender outra. (p. 80)

    ... Anchieta (...) Nas entranhas da condio colonial concebia-se

    uma retrica para as massas que s poderia assumir em grandes

    esquemas alegricos os contedos doutrinrios que o agente acul-

    turador se propusera incutir. A alegoria exerce um poder singularde persuaso, no raro terrvel pela simplicidade das suas imagens

    e pela uniformidade da leitura coletiva. Da o seu uso como ferra-

    menta de aculturao, da a sua presena desde a primeira hora

    da nossa vida espiritual, plantada na Contra-Reforma... (p. 81)

    Na maneira como se apresente a obra de Anchieta, a literatura11)

    surge como subjetividade e como revelao. Poderamos pen-

    sar numa pausa em meio ao processo colonial? ... Anchieta (...)

    sua lrica (...) em vez de pregar ao tupi e ao colono, diz as suas

    prprias tenses espirituais (...). A f atinge o nvel da experi-

    ncia. (p. 82)

    Bosi fala de duas linhas de formao potica (...) a) a prtica de

    smbolos tomados vida cotidiana; b)a proliferao da linguagem ms-

    tico-efusiva. (p. 82)

    A transposio dos mesmos elementos de um discurso a outro12)

    modifica-lhes a validade e evidencia um etnocentrismo. O co-

    lonizador cai, muitas vezes, em contradio por querer fazer de

    seu discurso sempre o mais importante, por ser, acima de tudo,

    centralizador. Tudo quanto se condenava como inspirao

    diablica na vida das comunidades tupis o uso e a celebrao

    tribal da comida e da bebida, da dana e do canto, da orao e

    do transe reverte positivamente Eucaristia como expresso

    de um culto de teor interpessoal que se vale do alimento para

    santific-lo. (p. 83)

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    40/94

    Literatura Brasileira I

    400

    A religiosidade vivida e mostrada como experincia lem-13)

    brando o misticismo de um San Juan de la Cruz ou de uma S-

    ror Juana Inez de la Cruz. possvel percebermos a revivescn-

    cia de uma ritualidade que se aproxima imperceptivelmente de

    um substrato comum aos indgenas.

    Algumas vezes podemos ver a cultura do colonizado desper-14)

    tando latncias na cultura do colonizador. Haveria nisso uma

    comunicao cultural? ... na averso que certas prticas in-

    dgenas (...). Talvez (...) o pavor de recair em algum escuro e

    vertiginoso poo pr-histrico submerso (...) Sacerqueria di-

    zer tambm, no velho latim, tremendo e nefando (auri sacra

    fames), aquilo que no se deve sequer nomear. (p. 84 )Uma diferena importante: Se nas cerimnias tupis h a difuso

    do sagrado com a perda de identidade anterior (a cada ritual antrop-

    fago seguia-se uma renomeao dos seus participantes), no itinerrio

    cristo ortodoxo busca-se a mais perfeita realizao da alma individual

    que os telogos medievais, mestres de Incio de Loyola, denominavam

    visio beatifica. (p. 84)

    Reatemos os fios.15)

    Houve duas faces da colonizao: deturpao da cultura do colo-

    nizado e incorporao de alguns de seus elementos culturais prpria

    cultura do colonizador. A pedagogia da converso apagava os traos

    progressistas virtuais do Evangelho fazendo-os regredir a um substituto

    para a magia dos tupis. No entanto, a poesia do Anchieta [surge] outro

    tempo histrico e psicolgico, o tempo da pessoa que escolhe aceitar

    ou recusar o amor de um Deus pessoal e entranhadamente humano.

    (p. 92) ... o que aconteceu (...) ter significado uma franca regresso da

    conscincia culta europia quando absorvida pela prxis da conquista e

    da colonizao. (p. 93)

    Como material complementar para o tema podemos destacar

    tambm alguns recortes feitos a partir do captulo I da Histria Con-

    cisa, tambm de Alfredo Bosi.

    Quanto informao dos jesutas ele afirma: ... to rica de infor-

    maes e com um plus de inteno pedaggica e moral. (p. 21)

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    41/94

    CAPTULO05Obra de Padre Jos de Anchieta

    411

    E centrando fogo em Anchieta fala que ... os missionrios (...) uni-

    ram sua f (neles ainda de todo ibrica e medieval) um zelo constante

    pela converso do gentio... (p. 22) Fala tambm que ... s em Jos de

    Anchieta que acharemos exemplos daquele veio mstico que toda obra

    religiosa, em ltima anlise, deve pressupor. (p. 22) E que o enxerga

    como ... diligente anotador dos sucessos de uma vida acidentada de

    apstolo e mestre; para conhec-lo precisamos ler as Cartas, Informa-

    es, Fragmentos Histricos e Sermes... (p. 22)

    Bosi emite tambm um juzo esttico-ideolgico acerca do Padre An-

    chieta: E se seus autos so definitivamente pastoris (no sentido eclesial

    da palavra), destinados edificao do ndio e do branco em certas ceri-

    mnias litrgicas (Auto Representado na Festa de So Loureno, Na Vila deVitria, e Na Visitao de Santa Isabel), o mesmo no ocorre com os seus

    poemas que valem em si mesmos como estruturas literrias. (p. 22)

    Novamente uma viso direcionada para o esttico-ideolgico: A

    linguagem de A Santa Ins, Do Santssimo Sacramento e Em Deus,

    meu Criador molda-se na tradio medieval espanhola e portuguesa;

    em metros breves, da medida velha, Anchieta traduz a sua viso do

    mundo ainda alheia ao Renascimento e, portanto, arredia em relao

    aos bens terrenos. (p. 22-23)

    Diz ainda que ... aqueles traos de mortificao (exasperados mais

    tarde pelo jesuitismo barroco) nele servem de contraponto ao motivo

    mais abrangente do alimento sagrado, smbolo da unio com Deus... (p.

    24); e que, ao lado desse veio, outro igualmente religioso, mas tirante a

    um cmico simples, quase simplrio no trato das comparaes... (p. 24)

    Novamente a ideologia e a esttica atuando juntas: quanto aos

    autos atribudos a Anchieta, deve-se insistir na sua menor autonomia

    esttica: so obra pedaggica, que chega a empregar ora o portugus,

    ora o tupi, conforme o interesse ou o grau de compreenso do pblico a

    doutrinar. (p. 25)

    E, por fim, ressalte-se a ... tradio ibrica dos vilancicos, que se

    cantavam por ocasio das festas religiosas... e a constatao feita acerca

    do alegrico nessa empreitada esttico-ideolgico: os autos de Anchie-

    ta, como os mistriose as moralidadesda Idade Mdia, que estendiam

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    42/94

    Literatura Brasileira I

    422

    at o adro da igreja o rito litrgico, materializam figuras fixas dos anjos

    e dos demnios os plos do Bem e do Mal, da Virtude e do Vcio (...) da

    o seu realismo, que primeira vista parece direto e bvio, ser, no fundo,

    alegoria. (p. 26)

    Leia mais!

    CANDIDO, Antonio & CASTELLO, Jos Aderaldo. Presena da litera-tura brasileira. Das origens ao Romantismo. 7. ed. So Paulo: DifusoEuropia do Livro, 1979. V. 1.

    CASTELLO, Jos Aderaldo.Manifestaes literrias do perodo colonial:1500-1808/1836. So Paulo: Cultrix, 1975.

    COUTINHO, Afrnio. Introduo literatura no Brasil. Rio de Janeiro:Editora Distribuidora de Livros Escolares, 1975.

    ENCICLOPDIA ITA CULTURAL. LITERATURA BRASILEI-RA. Anchieta, Jos de, padre (1534 - 1597). Disponvel em: http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_lit/index.cfm?fuseaction=biografias_texto&cd_verbete=5269&cd_item=35&CFID=467025&CFTOKEN=33099133. Acessado em 24/08/2007.

    HERNANDES. Paulo Romualdo. O teatro de Jos de Anchieta: arte e peda-gogia no Brasil colnia. Dissertao (Mestrado em Literatura). Universida-de Estadual de Campinas, Campinas, 2001. Disponvel em: http://libdigi.unicamp.br/document/?down=vtls000228748. Acessado em 24/08/2007.

    MERQUIOR, Jos Guilherme. De Anchieta a Euclides. Breve Histricoda Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1977.

    PICCHIO, Luciana Stegagno. Histria da literatura brasileira. Rio de Ja-neiro: Nova Aguilar, 1997.

    VERSSIMO, Jos. Histria da Literatura Brasileira. Disponvel em:http://alecrim.inf.ufsc.br/bdnupill/arquivos/texto/0006-00767.html.Acessado em 24/08/2007.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    43/94

    Unidade BRazes de um Brasil literrio

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    44/94

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    45/94

    CAPTULO0

    45

    1 O Boca-do-Inferno

    Apresentar e discutir a obra e a trajetria intelectual

    de Gregrio de Matos, o Boca-do-Inferno.

    1.1 Algumas leituras em paralelo

    LEIA!

    CANDIDO, Antonio.Formao da Literatura Brasileira: momentos de-

    cisivos. 5. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.

    INDO O POETA PASSEAR PELAILHA DA CAJAIBA, ENCONTROULAVANDO ROUPA A MULATA

    ANNICA E LHE FEZ ESTE

    ROMANCE

    Gregrio de Matos

    Achei Anica na onte

    lavando sobre uma pedra

    mais corrente, que a mesma gua,

    mais limpa, que a onte mesma.

    Salvei-a, achei-a corts,

    alei-a, achei-a discreta

    namorei-a, achei-a dura,

    queixei-me, voltou-se em penha.

    Fui dar Ilha uma volta,

    tornei onte, e achei-a:

    riu-se, no sei se de mim,

    e eu ri-me todo pra ela.

    Dei-lhe segunda investida,

    e achei-a com mais clemncia,

    ROSRIO

    Vinicius de Moraes

    E eu que era um menino puro

    No ui perder minha inncia

    No mangue daquela carne!

    Dizia que era morena

    Sabendo que era mulata

    Dizia que era donzela

    Nem isso no era ela

    Era uma moa que dava.

    Deixava... mesmo no mar

    Onde se azia em gua

    Onde de um peixe que era

    Em mil se multiplicava

    Onde suas mos de alga

    Sobre meu corpo boiavam

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    46/94

    46

    Trazendo tona guas-vivas

    Onde antes no tinha nada.

    Quanto meus olhos no viram

    No cu da areia da praiaDuas estrelas escuras

    Brilhando entre aquelas duas

    Nebulosas desmanchadas

    E no beberam meus beijos

    Aqueles olhos noturnos

    Luzindo de luz parada

    Na imensa noite da ilha!Era minha namorada

    Primeiro nome de amada

    Primeiro chamar de filha...

    Grande filha de uma vaca!

    Como no me seduzia

    Como no me alucinava

    Como deixava, fingindo

    Fingindo que no deixava!

    Aquela noite entre todas

    Que cica os cajus! travavam!

    Como era quieto o sossego

    Cheirando a jasmim-do-cabo!

    Lembro que nem se mexia

    O luar esverdeado

    Lembro que longe, nos Ionges

    Um gramoone tocava

    Lembro dos seus anos vinte

    Junto aos meus quinze deitados

    Sob a luz verde da lua.

    Ergueu a saia de um gesto

    Por sobre a perna dobrada

    desculpou-se com o amigo,

    que estava entonces na terra.

    Conchavamos, que eu voltasse

    na segunda quarta-eira,que osse costa da Ilha,

    e no pusesse o p em terra,

    Que ela viria buscar-me

    com segredo, e diligncia,

    para na primeira noite

    lhe dar a sacudidela.

    Depois de eito o conchavopassei o dia com ela,

    eu deitado a uma sombra,

    ela batendo na pedra.

    Tanto deu, tanto bateu

    coa barriga, e coas cadeiras,

    que me deu a anca endida

    mil tentaes de od-la.

    Quando lhe vi a culatra

    to tremente, e to tremenda,

    punha eu os olhos em alvo,

    e dizia, Amor, pacincia.

    O sabo, que pelas coxas

    corria escuma deseita,

    dizia-lhe eu, que seriam

    gotas, que Anica j dera.

    Porque segundo jogava

    desde a popa proa, a perna,

    antes de eu lhe ter chegado,

    entendi, que se viera.

    De quando em quando esregava.

    a roupa ao caro da pedra,

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    47/94

    CAPTULO0

    47

    Mordendo a carne da mo

    Me olhando sem dizer nada

    Enquanto jazente eu via

    Como uma anmona na guaA coisa que se movia

    Ao vento que a aralhava.

    Toquei-lhe a dura pevide

    Entre o plo que a guardava

    Beijando-lhe a coxa ria

    Com gosto de cana brava.

    Senti presso do dedoDesazer-se desmanchada

    Como um dedal de segredo

    A pequenina castanha

    Gulosa de ser tocada.

    Era uma dana morena

    Era uma dana mulata

    Era o cheiro de amarugem

    Era a lua cor de prata

    Mas oi s naquela noite!

    Passava dando risada

    Carregando os peitos loucos

    Quem sabe para quem, quem sabe?

    Mas como me seduzia

    A negra viso escrava

    Daquele eixe de guas

    Que sabia ela guardava

    No undo das coxas rias!

    Mas como me desbragava

    Na areia mole e macia!

    A areia me recebia

    E eu baixinho me entregava

    e eu disse mate-me Deus

    com puta, que assim se esrega.

    Anica a roupa torcia,

    e torcendo-a ela mesma,eu era, quem mais torcia,

    que assim az, quem no pespega.

    Estendeu a roupa ao sol,

    o qual, levado da inveja

    por quitar-me aquela glria,

    lha enxugou a toda a pressa.

    Recolheu Anica a roupa,dobrou-a, e p-la na cesta,

    oi para casa, e deixou-me

    a la Luna de Valencia.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    48/94

    48

    Com medo que Deus ouvisse

    Os gemidos que no dava!

    Os gemidos que no dava...

    Por amor do que ela davaAos outros de mais idade

    Que a carregaram da ilha

    Para as ruas da cidade

    Meu grande sonho da inncia

    Angstia da mocidade.

    In: Poemas, sonetos e baladas

    In:Antologia PoticaIn: Poesia completa e prosa: O encon-

    tro do cotidiano

    Gregrio

    Discreta e ormosssima Maria,

    enquanto estamos vendo a qualquer hora

    em tuas aces a rosada Aurora,em teus olhos e boca o sol e o dia.

    Enquanto com gentil descortesia

    o ar, que resco Adonis te namora,

    te espalha a rica trana brilhadora,

    quando vem passar-se pela ria,

    goza, goza da flor da mocidade,

    que o tempo trota a toda ligeireza

    e imprime em toda a flor sua pisada.

    , no aguardes que a madura idade

    te converta em flor, essa beleza,

    em terra, em cinza, em p, em sombra,em nada.

    Gngora

    Ilustre y hermossima Maria,

    mientras se dejan ver a cualquier hora

    en tus mejillas la rosada Aurora,Febo en tus ojos, y en tu rente el dia,

    y mientras con gentil descortesa

    mueve el viento la hebra voladora

    que la Arabia en sus venas atesora

    y el rico Tajo en sus atena cria....

    Goza cuello, cabello, labio y rente,

    antes que lo que ue en tu edad dorada

    oro, lilio, clavel, cristal luciente,

    no slo en plata ou viola truncada

    se vulha, mas tu y ello juntamente

    en tierra, en humo, en polvo, ensombra, en nada.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    49/94

    CAPTULO0

    49

    Quevedo

    Muchos dicen mal de mi,

    y yo digo mal de muchos;

    mi decir es ms valiente,por ser tantos, y ser uno.

    Que todos digan verdad,

    por imposible lo juzgo;

    que yo la diga de todos,

    con mi licencia lo dudo.

    Gregrio

    Querem me aqui todos mal

    mas eu quero mal a todos;

    eles e eu, por nossos modos,nos pagamos tal por qual.

    E querendo eu mal a quantos

    me tm dio to veemente,

    o meu dio mais valente,

    pois sou s, e eles tantos.

    Gregrio

    Triste Bahia! quo dessemelhante

    Ests e estou do nosso antigo estado!

    Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,

    Rica te vi eu j, tu a mi abundante.

    A ti trocou-te a mquina mercante,

    Que em tua larga barra tem entrado,

    A mim oi-me trocando, e tem trocado,

    Tanto negcio e tanto negociante.

    Deste em dar tanto acar excelente,

    Pelas drogas inteis, que abelhuda,

    Simples aceitas do sagaz Brichote.

    Oh se quisera Deus, que de repente,

    Um dia amanheceras to sisuda

    Que ra de algodo o teu capote.

    Francisco Rodrigues Lobo

    Formoso Tejo meu, quo dierente

    te vejo e vi, me vs agora e viste:

    turvo te vejo a ti, tu a mim triste,

    claro te vi eu j, tu a mim contente.

    A ti oi-te trocando a grossa enchente

    a quem teu largo campo no resiste;

    a mim trocou-me a vista, em que consiste

    o meu viver contente ou descontente.

    J que somos no mal participantes,

    sejamo-lo no bem. O quem me dera

    que ramos em tudo semelhantes!

    Mas l vir a resca primavera:

    tu tornars a ser quem eras dantes,

    eu no sei se serei quem dantes era.

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    50/94

    50

    LEIA!

    No se trata talvez de perguntar se participa Gregrio de Matos

    desse estado de esprito a que chamamos cultura brasileira; cabe j

    perguntar sem rodeios como ele participou na formao desse es-

    tado. Optando pela primeira investigao, como se duvidssemos

    que uma das causas ocasiona a conseqncia; em outras palavras,

    trata-se de considerar Gregrio de Matos como um dos agentes cau-

    sadores da nacionalidade e no de perguntar se ele teria tido algu-

    ma influncia na conseqncia (pois at mesmo Vieira, mais lusitano

    que todos, tambm influenciou a nossa lbia, como j disse Oswald!)

    Para pensar tais questes, importante percorrer o ensaio de AlfredoBosi, Do Antigo Estado Mquina Mercante, em Dialtica da Coloni-

    zao. (2. ed. So Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 94-118).

    Em seguida, novamente o soneto de Gregrio que motiva o ttulo

    desse terceiro captulo da Dialtica da Colonizao.

    Triste Bahia! quo dessemelhante

    Ests e estou do nosso antigo estado!

    Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,

    Rica te vi eu j, tu a mi abundante.

    A ti trocou-te a mquina mercante,

    que em tua larga barra tem entrado,

    A mim oi-me trocando e tem trocado

    Tanto negcio e tanto negociante.

    Deste em dar tanto acar excelente

    Pelas drogas inteis, que abelhuda

    Simples aceitas do sagaz Brichote.

    Oh se quisera Deus que de repente

    Um dia amanheceras to sisuda

    Que ra de algodo o teu capote!

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    51/94

    CAPTULO0

    51

    1.2 Do Antigo Estado Mquina Mercante,

    algumas anotaes

    Bosi destaca a relao de um eu lrico e de um tu: Pelo primeiro, o

    eu lrico entra em simpatia com o tu, a cidade da Bahia (...). Pelo segun-

    do, vem a separao: o eu, agora juiz, invoca um castigo para o outro...

    (p. 94), mas no para si mesmo!

    E ala ainda de como isso se desenrola nos tercetos: ... eeito inicial

    de empatia (...) triste (...). A Bahia no est s magoada; tambm um

    exemplo lastimvel de mudana para situao pior, de cuja responsabi-

    lidade no pode isentar-se. (p. 95)

    Veja como Gregrio, na concepo de Bosi, descreve a construo

    lrica do poema: ... Bahia e Gregrio, o tu e o eu. sobre essa identifi-

    cao prounda de sujeito e objeto que assenta a liricidade do texto: as

    contradies da histria social alam aqui pela voz do indivduo. (p. 95)

    A propsito do soneto de Rodrigues Lobo (acima transcrito) obser-

    va Bosi o quanto o segundo quarteto obsessivo na denncia do agente

    responsvel pelo desastre comum. (...) mquina mercante... (p. 96)

    E ainda: A esperteza da mquina mercante, esse engenho danoso,

    a Coisa por excelncia, levou a Bahia a entregar-se; e aqui se d a passa-

    gem do lrico sorido (Triste Bahia!) ao satrico encrespado. (p. 97)

    Sobre o que Bosi chamou de situao e estamento, o recorte eito

    a partir de Gramsci, que ala (...) dos grupos ideolgicos undamen-

    tais que coexistem em sociedades onde o modo de pensar capitalista e

    burgus ainda est lutando, palmo a palmo, com instituies e valores

    herdados ao antigo regime. (...) o intelectual eclesistico (em contrastecom o orgnico, rente ao sistema produtivo)... (p. 100)

    Em certo sentido, notamos no um germe de nosso esprito de na-

    cionalidade, mas juzos contra o mestio e contra o mercador: O que

    est em jogo no uma orma irritada de conscincia nacionalista ou

    baiana, mas uma rija oposio estrutural entre a nobreza, que desce, e a

    mercancia, que sobe. O antagonismo vem do Medievo, que j lanara as

  • 7/25/2019 LITERATURA BRASILEIRA I - UFSC - 2008.pdf

    52/94

    52

    pechas de vilo e tratante contra o homem de negcios... (p. 101-102).

    Ao mesmo tempo, aparece a insinuao de que a mistura das raas no