linhas de pobreza no plano brasil sem miséria: análise crítica e proposta de alternativa

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS GIORDANO BENITES TRONCO LINHAS DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: ANÁLISE CRÍTICA E PROPOSTA DE ALTERNATIVA Porto Alegre 2015

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Trabalho de conclusão do curso de Políticas Públicas da UFRGS. 2015.

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Page 1: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

CURSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

GIORDANO BENITES TRONCO

LINHAS DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: ANÁLISE CRÍTICA E

PROPOSTA DE ALTERNATIVA

Porto Alegre

2015

Page 2: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

2

GIORDANO BENITES TRONCO

LINHAS DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: ANÁLISE CRÍTICA E

PROPOSTA DE ALTERNATIVA

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Políticas Públicas pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Orientador: Marília P. Ramos

Porto Alegre

2015

Page 3: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

3

GIORDANO BENITES TRONCO

LINHAS DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: ANÁLISE CRÍTICA E

PROPOSTA DE ALTERNATIVA

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção de graduação do Curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Aprovada em:______de________________________de__________.

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________________ Profª. Dra. Marília Patta Ramos

__________________________________________________________ Profª. Dra. Letícia Maria Schabbach

__________________________________________________________ Profª. Dra. ????????????

Porto Alegre

2015

Page 4: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao CEGOV por ter me dado a oportunidade de trabalhar com

Políticas Públicas e por ter me proporcionado o primeiro contato com o tema da

minha monografia. Dentro da equipe, agradeço em especial: à Aline Hellmann,

por ter me ajudado prontamente com indicações de bibliografia sempre que eu

requisitei, e por ter sido uma ótima coordenadora nesses últimos dois anos e

meio; à Ana Júlia Possamai, por ter acreditado em mim e me dado a

oportunidade de trabalhar no CEGOV; e a Bruno Sivelli, companheiro de

discussões sobre os assuntos deste trabalho e de tantos outros assuntos mais.

Page 5: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

5

O maior dos males e o pior dos crimes é a pobreza.

- George Bernard Shaw

Page 6: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

6

RESUMO

O presente trabalho critica a metodologia de medição da pobreza

empregada pelo Governo Federal no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria. O

governo estabelece uma linha de R$ 77,00 per capita para definir famílias em

condição de extrema pobreza e outra de R$ 154,00 para definir famílias em

pobreza. Esses valores, inicialmente embasados na linha de extrema pobreza

internacional do Banco Mundial e na linha de operacionalização do Programa

Bolsa Família, não possuem critérios fixos de atualização e são invariáveis entre

as diferentes regiões brasileiras, zonas urbanas e rurais. A essa metodologia é

contraposta outra, da economista Sonia Rocha, que estabelece linhas de

pobreza regionalizadas e indexadas aos valores de cestas de consumo

observadas nas diferentes regiões do país. Os resultados das duas medições

são comparados, mostrando que as linhas do PBSM são incapazes de captar

13,7 milhões de brasileiros que vivem em situação de pobreza. É sugerida, para

o aperfeiçoamento da medição do governo, a regionalização das linhas e a sua

indexação ao preço de cestas de consumo regionais.

ABSTRACT

This paper criticizes the methodology of poverty measuring used by the

Brazilian Federal Government in Plano Brasil Sem Miséria. The government

establishes a line of R$ 77,00 per capita for the targeting of extremely poor

families and another one of R$ 154,00 per capita to target poor families. These

values, which originally were based in the World Bank’s international extreme

poverty line and Programa Bolsa Família’s operationalization line, have no fixed

rules for updating and are the same to all Brazilian regions, urban and rural

zones. We oppose this methodology with another one, developed by economist

Sonia Rocha, whom established regionalized poverty lines with values indexed

in regionally consumed baskets of goods. The results of both methodologies are

compared, showing that Brasil Sem Miséria’s lines are incapable of perceiving

13,7 million of Brazilians as poor. For the improvement of the government’s

poverty measuring methodology, we suggest the regionalization of its poverty

line’s values and the indexation with the price of regional baskets of goods.

Page 7: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8

1. FOCALIZAÇÃO DE POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA .......................... 11

1.1. PROGRAMAS FOCALIZADOS VERSUS PROGRAMAS UNIVERSAIS ....... 11

1.2. MÉTODOS DE FOCALIZAÇÃO .................................................................... 18

1.3. LINHAS DE POBREZA NA FOCALIZAÇÃO E MONITORAMENTO DE

PROGRAMAS ......................................................................................................... 21

2. CONCEITOS SOBRE A MEDIÇÃO DA POBREZA ............................................ 24

2.1. DEFINIÇÃO DE POBREZA E ESTRATÉGIAS DE MEDIÇÃO ...................... 24

2.2. CALCULANDO A LINHA DE INDIGÊNCIA ................................................... 28

2.3. CALCULANDO A DESPESA NÃO-ALIMENTAR E A LINHA DE POBREZA 32

3. LINHAS DE MEDIÇÃO DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA ..... 36

3.1. O PLANO BRASIL SEM MISÉRIA ................................................................ 36

3.2. A LINHA DO PBMS E AS LINHAS REGIONALIZADAS DE ROCHA ............ 39

3.3. O BANCO MUNDIAL E O DOLLAR A DAY .................................................. 42

3.4. RELAÇÃO ENTRE AS LINHAS DO PBSM E O PROGRAMA BOLSA

FAMÍLIA .................................................................................................................. 44

4. COMPARAÇÕES ENTRE AS MEDIÇÕES DE POBREZA DO MDS E DE ROCHA

50

CONCLUSÃO............................................................................................................. 60

ANEXOS .................................................................................................................... 68

ANEXO A: INDICADORES DE INDIGÊNCIA (ROCHA) / EXTREMA POBREZA

(GOVERNO FEDERAL) SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E

ESTRATOS DE RESIDÊNCIA – PNAD 2013 .......................................................... 68

ANEXO B: INDICADORES DE POBREZA (ROCHA/GOVERNO FEDERAL)

SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E ESTRATOS DE

RESIDÊNCIA – PNAD 2013 .................................................................................... 73

ANEXO C: TAXA DE URBANIZAÇÃO SEGUNDO UNIDADE FEDERATIVA .......... 78

ANEXO D: LINHAS DE INDIGÊNCIA E LINHAS DE POBREZA DE ROCHA PARA

OS ANOS DE 2011 E 2013 ..................................................................................... 80

Page 8: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

8

INTRODUÇÃO

Em 2011 o Governo Federal lançou o Plano Brasil Sem Miséria (PBSM),

planejamento que articula vários programas já existentes e outros novos em

torno do objetivo de erradicar a extrema pobreza no Brasil. Para isso, fez-se

necessário estabelecer uma linha oficial para determinar quem era, de fato,

pobre. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),

encarregado da tarefa, estabeleceu o ponto de corte de R$ 70,00 per capita para

definir famílias em situação de extrema pobreza e o dobro desse valor (R$

140,00) para a pobreza. Foi a primeira vez que o Governo Federal estabeleceu

uma linha oficial de pobreza no Brasil: anteriormente, cada programa trazia sua

própria linha de operacionalização, e mesmo em estudos técnicos os critérios

para definir o que era pobreza variavam de pesquisa para pesquisa.

Três características chamam atenção na escolha do MDS: uma é a

semelhança da linha de extrema pobreza com a linha de operacionalização do

Programa Bolsa Família (ambas têm o mesmo valor), já usada antes do PBSM.

O uso do mesmo valor facilita a instrumentalização do Bolsa Família aos

objetivos do plano, ou, de outro ponto de vista, a instrumentalização do plano

para funcionar de acordo com o programa já existente. Outra característica que

chama atenção é a ausência de dispositivos de correção do valor da linha do

PBSM ao longo dos anos. Não há correção anual baseada na inflação ou em

outros critérios; a atualização é condicionada à disponibilidade orçamentária e à

boa-vontade do governo. Em 2014, quase quatro anos após o início do PBSM,

as linhas de pobreza e extrema pobreza foram reajustadas pela primeira vez, em

10%.

Além da inflação anual, as linhas do PBSM não levam em conta as

diferenças regionais da pobreza no Brasil. Há apenas um valor, válido para todo

o território brasileiro, não importando as diferenças entre zonas rurais e urbanas,

regiões metropolitanas e não-metropolitanas. Outras metodologias, como a

desenvolvida pela economista Sonia Rocha, pesquisadora do Instituto de

Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), trabalham com a medição da pobreza

a partir das necessidades mínimas alimentares e não-alimentares dos indivíduos

e do seu atendimento pela via do mercado. Em outras palavras, linhas de

pobreza como as de Sonia Rocha são sensíveis às diferenças nos custos de

Page 9: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

9

vida de região para região. Desse modo, são geradas várias linhas de pobreza,

compatíveis com as diferenças regionais no custo de vida dos brasileiros.

Neste trabalho, analisamos o funcionamento da linha de pobreza e de

extrema pobreza do PBSM e a sua utilidade para as políticas públicas brasileiras

de combate à miséria. Nosso objetivo é identificar fraquezas nessa metodologia,

partindo da hipótese de que uma linha única é menos eficaz na medição da

pobreza do que várias linhas regionalizadas e com critérios claros de

atualização, que preservem o seu poder de sintetizar a realidade social. Para

isso, compararemos os resultados da contagem de pobres e indigentes no Brasil

utilizando linhas regionalizadas e não-regionalizadas, de forma a evidenciar que

o uso de uma linha única resulta em contagens muito inferiores às de linhas

regionalizadas.

Linhas de pobreza têm dois usos principais: um deles é o monitoramento

de programas, de modo a verificar como os programas sociais impactam na

redução do número de pobres. O outro é a focalização do público-alvo de tais

iniciativas. O primeiro capítulo discute a importância da focalização em

programas sociais, bem como suas possíveis desvantagens ante a opção por

um atendimento universalista, que por vezes é mais bem-sucedido em atingir a

população vulnerável do que uma política especialmente voltada para esta. O

primeiro capítulo também aborda o uso de linhas de pobreza na formulação de

indicadores para o monitoramento de programas. No segundo capítulo,

explicamos passo a passo a construção de linhas de pobreza a partir do

consumo observado das famílias. Trata-se da técnica mais usada para a

construção de linhas de pobreza absoluta. Embora a linha do PBSM não utilize

diretamente essa metodologia, é importante explicar como ela funciona para que

comparações possam ser feitas entre este procedimento padrão e a metodologia

do MDS.

O terceiro capítulo adentra na história da formulação da linha de extrema

pobreza do PBSM e apresenta os argumentos do MDS para a escolha da

metodologia. Identificamos problemas em todos os pontos apresentados como

justificativa para a adoção do valor inicial de R$ 70,00 da linha, e apresentamos

nossos argumentos no espaço desse capítulo. O capítulo seguinte compara os

resultados da contagem de pobres no Brasil segundo as linhas do PBSM e as

de Sonia Rocha, que representam, nesta pesquisa, o contraponto da

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metodologia clássica de medição da pobreza à metodologia do MDS. A

metodologia clássica aprofunda-se nas diferenças regionais da pobreza no país,

sendo, portanto, mais sensível, a ponto de captar, em sua contagem, famílias

que são invisíveis para o PBSM. De fato, os resultados entre as contagens são

díspares, mostrando que as linhas do MDS são incapazes de captar o mesmo

número de pobres e indigentes que uma metodologia regionalizada e baseada

no consumo mínimo observado numa sociedade.

Por fim, a conclusão expõe sugestões para o aperfeiçoamento da

metodologia do MDS e prevê implicações de uma possível alteração na medição

da população pobre sobre o orçamento dos programas de combate à pobreza.

As sugestões podem ser aplicadas num provável novo plano de combate à

miséria pós-PBSM, mas tem boas chances de encontrar resistência política em

tempos de corte de gastos públicos. Como sugestão para contornar esse

problema, é sugerido o cofinanciamento federativo de programas de

transferência de renda, de modo a dividir os custos entre União, estados e

municípios naquelas regiões onde a linha de pobreza for alta demais para a

intervenção do Governo Federal sozinho. Essa complementariedade já vem

acontecendo em alguns estados.

Page 11: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

11

FOCALIZAÇÃO DE POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA

1.1. PROGRAMAS FOCALIZADOS VERSUS PROGRAMAS UNIVERSAIS

Ao desenharem políticas, programas e ações que visam combater a

pobreza e a desigualdade social, os formuladores de políticas públicas têm duas

opções: ou podem deixar o benefício aberto a toda a população, originando

políticas universais, ou podem restringi-lo a determinado público, o que é

conhecido na literatura internacional como targeting e chamado no presente

trabalho de “focalização”.

Segundo Coady et al. (2004, p.5), a focalização “é um meio de aumentar

a eficiência de um programa através do aumento de benefício que os pobres

podem receber dentro do orçamento do programa”1. Para Rocha (2013, p.7), “a

questão da mensuração é crucial, pois permite distinguir e dimensionar clientelas

potenciais, assim como vincular conceitos à formulação de programas sociais”.

Ao mensurar o público-alvo, estabelecendo quantos são os indivíduos pobres,

quem são e onde se encontram, o governo pode dimensionar as suas despesas

tendo em vista um número concreto de pessoas a serem atendidas. A iniciativa

se torna mais eficiente2, pois os recursos são empregados somente na

população que realmente necessita deles. O contrário de um programa

focalizado é um programa universal, onde não há critérios de seleção e todas as

pessoas podem requerer o benefício – o que, em teoria, aumenta os custos para

o governo e retira uma parcela dos recursos daqueles que mais necessitam para

dar àqueles que não necessitam de fato deles.

Peguemos o exemplo de um programa de transferência de renda3:

quando ele é universal, seus recursos são divididos entre beneficiários pobres e

não-pobres. O orçamento do programa, como o de qualquer outro, é limitado.

Com mais pessoas para dividir o bolo, as fatias são menores e podem não ser

suficientes para tirar os mais pobres da sua condição de pobreza. Já com a

1 Tradução livre. 2 Eficiência diz respeito à produção de resultados com o dispêndio mínimo de recursos e esforços; eficácia é relativo ao atingimento de resultados desejados de experimentos. (MARINHO e FAÇANHA, 2001, p. 2) 3 “Programas de transferência de renda são sistemas de proteção e assistência social que envolvem repasse de recursos monetários a famílias, indivíduos ou comunidades de recursos escassos, na forma de transferências governamentais. ” (CECHINNI apud NEME et al., 2013)

Page 12: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

12

focalização, o mesmo montante de recursos é dividido entre menos

beneficiários. As fatias do bolo são maiores, de modo que mesmo os mais pobres

recebem uma quantidade suficiente de recursos para superar a sua situação,

resultando num número maior de pessoas que ultrapassam a linha da pobreza

a um custo total menor do que o de uma política universal.

A diferença na eficiência (relação custo-benefício) de programas de

transferência de renda universais e focalizados pode ser melhor explicada com

auxílio do seguinte gráfico:

Gráfico 1: Focalização de transferências de alívio à pobreza

Fonte: COADY et al., 2004

O eixo “x” do Gráfico 1 mostra os níveis de consumo de domicílios

individuais antes da aplicação de um programa de transferência de renda,

ordenados do pior (consumo zero) para o melhor. O eixo “y” mostra a renda final

após o programa. O consumo máximo e mínimo verificados são Ymax e Ymin,

respectivamente, e “z” é a linha de pobreza, que marca o ponto abaixo do qual

os domicílios são considerados pobres. Segundo Coady et al. (2004, p. 6), o

esquema de transferência ideal é aquele que atinge somente os domicílios

abaixo da linha “z”, transferindo montantes individuais de renda em tamanho

igual ao que resta para completar o intervalo entre o consumo domiciliar e a linha

de pobreza (intervalo “za”). O resultado de um programa assim é a elevação da

renda de todos os domicílios pobres, de forma que eles ultrapassem a linha de

Renda Final

Renda Original

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pobreza, sem que a renda dos demais domicílios sofra modificações. O

orçamento mínimo necessário para eliminar a pobreza é determinado pela área

do triângulo zaYmin.

A linha “ce” representa a aplicação de um programa universal de

transferência de renda, onde todas as famílias, pobres ou não, recebem um

montante de recursos equivalente a “t”. Devido ao vazamento de benefícios a

domicílios que não necessitam de auxílio de renda, o orçamento do programa

não é mais suficiente para elevar todos os domicílios acima da linha “z”. Além

disso, alguns domicílios (localizados no intervalo “ba”) recebem transferências

maiores do que o necessário para saírem da pobreza, o que também contribui

para a ineficiência do programa. Essa ineficiência é medida pela área “bade”, e

a pobreza restante após o programa é a área “zcb”.

Parece claro, pela demonstração do Gráfico 1, que um programa

focalizado tem melhores resultados do que um universal. Pesquisas empíricas,

porém, mostram que nem sempre é assim. Em estudo realizado por Coady et al.

(2004), verificou-se que programas focalizados alocavam aproximadamente

25% mais recursos à população pobre do que programas de alocação aleatória;

entretanto, para cada três casos de sucesso analisados, havia um cuja

focalização resultou num resultado regressivo, inferior ao de uma alocação

aleatória de benefícios. Nesses casos, a focalização teve um efeito menos

eficiente do que uma implementação universal teria. Isso acontece quando há

vieses na focalização, ou seja, quando ocorrem complicações na seleção do

público-alvo e o resultado não reflete a população que de fato é a mais

fragilizada, seja por não incluí-la na sua totalidade ou por incluir pessoas que

não necessitariam do programa.

Por que esses vieses acontecem? Mkandawire, um defensor das políticas

universais, sustenta que a focalização, especialmente em países em

desenvolvimento, baseia-se em dados nem sempre confiáveis, o que pode

originar dois problemas: I) a subestimação do número de pobres e II) o

vazamento de benefícios a quem não deveria estar entre o público-alvo.

Segundo o autor,

Muitos estudos mostram claramente que realizar a identificação de pobres com a precisão sugerida pelos modelos teóricos envolve custos administrativos

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14

extremamente altos e uma sofisticação e capacidade administrativa que podem simplesmente inexistir em países em desenvolvimento. […] em muitos países, o desmembramento do aparato do Estado o deixou incapaz, sozinho, de fazer uma focalização efetiva no setor social.4 (MKANDAWIRE, 2005, p. 16)

O vazamento de benefícios é chamado de “leakage” na literatura

internacional. Sua consequência é a perda de eficiência do programa, pois os

recursos são gastos com indivíduos não-prioritários, reduzindo o potencial de

atendimento do público-alvo. Já o déficit de cobertura é chamado de

“undercoverage” e faz com que uma parcela da população com o perfil do

programa permaneça sem atendimento. Ambos os problemas têm origem em

falhas de informação no processo de focalização, como o uso de estatísticas

incorretas ou a inclusão de beneficiários fora do perfil do programa por algum

agente de má-fé (como um ator responsável pela focalização que inclui parentes

e amigos entre os beneficiários).

No geral, medidas tomadas para diminuir um desses vieses costumam

aumentar o outro. Endurecer as regras de ingresso ao programa, de modo a

diminuir o vazamento, torna o ingresso mais difícil para pessoas que não

precisam do benefício, mas pode torná-lo também para a população-alvo. Ao

mesmo tempo, aumentar a tolerância da linha de corte do programa para

assegurar uma cobertura maior pode provocar mais vazamentos. Cabe ao

formulador do programa decidir o quanto de cada um desses vieses é tolerável

(COADY et al., 2004, p. 11).

Além da falta de informação, há outros problemas associados à

focalização:

Custos administrativos: Mkandawire lembra que a focalização é uma

atividade cara, representando, em média, 9% dos custos totais dos programas,

podendo chegar até 29% (GROSH, 1994, e GWATKIN, 2000, apud

MKANDAWIRE, 2005, p. 11). Altos custos operacionais com pesquisas, gestão

de cadastros e verificação de critérios de elegibilidade encarecem o processo e

fazem com que a focalização perca um pouco de sua vantagem econômica sobre

o universalismo, ainda mais em países onde a população pobre é escassa, o

4 Tradução livre.

Page 15: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

15

que gera o paradoxo “países que precisam de focalização (dado seus recursos

fiscais limitados) não podem implementá-la e países que podem (dada sua

riqueza) não precisam fazê-lo”5 (MKANDAWIRE, 2005, p. 11).

Coady et al. (2004) rebatem a crítica argumentando que o gasto maior é

compensado pela economia no volume de público atendido. Por exemplo:

imaginemos um programa de transferência de renda onde o gasto com coleta de

informação para focalização é de R$ 1 por domicílio, o gasto com custos

administrativos para entrega do benefício é de R$ 5 por domicílio e o valor do

benefício é de R$ 100. Se o programa atender 1 milhão de domicílios, o seu

custo total será de R$ 106 milhões, sendo um pouco menos de 6% destinado às

despesas administrativas. Agora vamos imaginar que a focalização foi refinada,

de modo que a população de domicílios beneficiários foi reduzida para 250 mil e

os gastos com focalização subiram para R$ 5 por domicílio. Nesse caso, o gasto

total com o programa será de R$ 27,5 milhões. Os custos administrativos

subiram para cerca de 10% do gasto total, mas a economia de recursos foi muito

maior do que esse aumento. Com uma população-alvo menor, podemos até

mesmo dobrar o valor do benefício de R$ 100 para R$ 200, e mesmo assim o

gasto será inferior aos R$ 106 milhões anteriores. É claro que essa é uma

simplificação da realidade, mas serve para pensarmos na relação tamanho da

população-alvo versus custo administrativo.

Custos de incentivo (indiretos): beneficiários podem mudar seus

comportamentos para se incluírem como elegíveis a um programa, como no caso

de trabalhadores que se mantêm propositalmente desempregados para receber

recursos da seguridade social. A mudança às vezes é desejável e é parte do

objetivo do programa, como quando as condicionalidades de saúde e educação

de um programa obrigam os participantes a adotarem comportamentos de

interesse do governo. Coady et al. (2004, p. 9) ressaltam que os incentivos

indesejáveis (desemprego voluntário, por exemplo) são pouco relevantes em

programas de renda mínima, onde o benefício é demasiadamente pequeno para

incentivar a manutenção do público na condição de pobreza.

5 Tradução livre.

Page 16: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

16

Custo social (estigmatização): a focalização rotula determinados extratos

da população como “pobres”, o que pode levar ao constrangimento e até mesmo

à abdicação do benefício por parte da população apta a recebê-lo.

Custo político: excluir a classe média da elegibilidade ao benefício pode

tornar o programa insustentável politicamente. Por outro lado, a focalização pode

garantir o apoio de parcelas da população que percebam benefícios indiretos na

redução da pobreza (diminuição da criminalidade, sensação de justiça social,

etc.) e, é claro, o apoio da população beneficiária.

Apesar de modelos que comprovam matematicamente as vantagens da

focalização, como o representado no Gráfico 1, Mkandawire (2005) defende que

a escolha pela focalização é uma decisão mais ideológica do que de custo-

benefício. A posição neoliberal adotada por diversos governos a partir dos anos

70 criou um sentimento de restrição orçamentária e uma corrida por eficiência, o

que incentivou o Estado a diminuir gastos e usar o orçamento, agora reduzido,

para atender somente à população pobre. Porém, a restrição orçamentária nem

sempre é um fator exógeno, mas sim um resultado de esforços para limitar a

ação do Estado, “com base na suposição de que é possível atacar a pobreza

com menos dinheiro” (MKANDAWIRE, 2005, p. 2-3).

Para o autor, uma política de transferência de renda universalista

combinada com uma política de taxação progressiva pode gerar uma distribuição

de renda real, pois, ainda que todos os indivíduos recebam o mesmo montante

de recursos, aqueles com maior renda pagarão mais impostos, o que faz com

que a diferença final entre a renda dos extratos econômicos da população caia.

O quadro abaixo exemplifica o efeito de uma política de transferência de renda

universalista, combinada com uma política de taxação de 40% sobre a renda

total de cada extrato econômico:

Page 17: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

17

Tabela 1: efeitos de um welfare state redistributivo

Grupo

Renda média

Taxação (40%)

Transferências

Renda após taxação e

transferências

A (20%) 1000 400 240 840 B (20%) 800 320 240 720 C (20%) 600 240 240 600 D (20%) 400 160 240 480 E (20%) 200 80 240 360

Razão entre grupos A e E

5/1 (=1200) (=1200) 2.33/1

Fonte: ROTHSTEIN apud MKANDAWIRE (2005)

No exemplo acima, a sociedade é dividida em cinco extratos de acordo

com a renda média. A todos é disponibilizada a transferência mensal de um

mesmo montante de recursos e uma taxação de 40% em cima da renda média

total. O balanço final após esse processo é a queda da desigualdade de renda

entre os grupos: se antes a renda média do grupo A era cinco vezes maior que

a do grupo E, após as transferências e taxações ela é apenas 2,3 vezes maior.

Ao contrário de uma abordagem focalizada, nessa abordagem universalista não

há o risco de exclusão de beneficiários por undercoverage, pois toda a população

está incluída no programa. A política não incorre no risco de deixar beneficiários

de fora por conta de uma focalização deficiente.

Ainda assim, a solução universalista de Mkandawire exige mais do que

aceitação ideológica para ser implementada. Ela demanda outras coisas

também, como: uma pesada movimentação de recursos, combinada com um

processo de operacionalização maior e mais complexo do que seria necessário

para atender somente à parcela pobre da população; uma adequação do sistema

tributário; e uma economia majoritariamente formal, consequentemente

tributável. Não é o caso da maioria dos países que necessitam de programas

amplos de combate à pobreza. O ponto a ser feito aqui é que, enquanto

programas focalizados têm problemas sérios, como vazamentos e deficiências

de cobertura, a implementação de transferências universalistas pode ser tão ou

mais problemática, pois ela requer uma institucionalização maior da economia

do que a encontrada, por exemplo, no Brasil, onde há um mercado de trabalho

e de produção em grande parte informal e um sistema de taxação regressivo.

Page 18: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

18

Sem um sistema de tributação adequado e uma economia majoritariamente

formal, as vantagens do modelo redistributivo universalista se perdem.

1.2. MÉTODOS DE FOCALIZAÇÃO

Fatores como informalidade da economia e reforma tributária fogem do

escopo de poder do formulador de políticas públicas. Já a escolha do método de

focalização é uma variável sob seu controle. Existem várias abordagens

diferentes para o targeting de programas, cada uma com suas vantagens,

desvantagens e contextos de uso. É possível contornar deficiências da

focalização por meio da escolha e combinação adequada dessas abordagens.

Abaixo apresentamos as mais populares:

Avaliação individual (Individual/Household assessment): é um método

onde “um oficial (normalmente um funcionário do governo) acessa diretamente,

domicílio por domicílio ou indivíduo por indivíduo, se o candidato é elegível para

o programa”6 (COADY et al., 2004, p. 13). O procedimento padrão ocorre em

dois passos: primeiro, há a coleta de informações sobre a renda domiciliar dos

candidatos, normalmente por entrevista; depois, essa informação passa por uma

verificação (verified means test) através do cruzamento com fontes de dados

independentes, como registros de impostos sobre propriedade e notas fiscais

(COADY et al., 2004, p. 13). Se as informações baterem com os dados da coleta,

o domicílio está apto a participar do programa.

Obviamente, essa prática não pode existir se não existirem tais registros,

o que coloca em cheque a sua utilização em economias majoritariamente

informais e onde a população possui meios extra-mercado de provisão de bens

(e que não deixam registros). No caso brasileiro, o IBGE realiza pesquisas que

coletam informações sobre a renda domiciliar, como a PNAD e o Censo

Demográfico, e a Receita Federal possui informações sobre os rendimentos

privados, mas a cobertura das informações da Receita sobre a população pobre

é limitada. Na falta de dados de comprovação da renda, outras técnicas podem

ser usadas, como o simple means test (onde a verificação se resume a uma

6 Tradução livre.

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19

visita de um assistente social ao domicílio do candidato ao benefício, a fim de

verificar qualitativamente se as suas condições de vida se adequam ao que é

esperado para o público-alvo), verificação por variáveis proxy ou seleção

comunitária.

Verificação por variáveis proxy (proxy means test): constata a

elegibilidade do candidato por meio de indicadores que sejam próximos à

pobreza, como, por exemplo, a conexão do domicílio com a rede elétrica e de

esgoto. As pesquisas para a coleta dessas informações são caras demais para

serem aplicadas a todos os participantes de programas de grande escala, o que

faz com que esse método seja relativamente raro. A solução é trabalhar com

informações autodeclaradas do beneficiário, que depois são parcialmente

verificadas por meio da visita domiciliar de um funcionário do programa ao

domicílio (COADY et al., 2004, p. 14).

Focalização comunitária (community-based targeting): é um meio de

driblar a falta de informações, deixando para lideranças de comunidades locais

a tarefa de selecionar beneficiários. Esse tipo de focalização é usado quando o

governo não dispõe de dados suficientes para localizar, por si só, o público

prioritário em meio à população. A focalização comunitária parte do princípio que

as lideranças comunitárias são capazes de conduzir a seleção por conhecerem

a comunidade “por dentro”. O governo central perde controle sobre o processo

seletivo, mas permanece definindo o quanto de recursos irá para cada

localidade.

Deaton (2004) identifica dois problemas no uso desse método: primeiro,

ela não é aplicável em espaços maiores do que comunidades pequenas, ou seja,

não funciona para a focalização numa cidade de porte médio ou maior, muito

menos num país. O segundo problema se refere ao vazamento proposital de

benefícios. Se os benefícios do programa são grandes, eles se tornam atrativos

para toda a população e há um

[...] incentivo para as pessoas identificarem seus amigos e parentes (ou elas mesmas) como pobres. Similarmente, algumas ONGs descobriram que, se usarem a identificação de pobreza para matricularem indivíduos em programas de

Page 20: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

20

emprego ou treinamento, então depois de algumas visitas todo mundo vai ser declarado como “pobre”.7 (DEATON, 2004, p. 2)

Essa observação vai de encontro com a preocupação de Ravallion (2003,

p. 22) sobre a captura do processo de focalização comunitária por elites locais,

que escolhem como classificar a população de acordo com critérios políticos e

não critérios de pobreza. Desse modo, a vantagem informacional obtida com o

uso do conhecimento comunitário local é contrabalanceada com uma perda de

accountability, pois o governo perde o controle sobre os critérios que estão sendo

usados na seleção – ou se eles são manipulados para fins clientelistas.

Comprovações empíricas da funcionalidade da focalização comunitária ainda

são escassas.

Autofocalização (self-targeting): a participação no programa é aberta a

toda a sociedade, mas o programa é desenhado de modo que apenas a

população pobre sinta-se disposta a participar. A autofocalização requer que o

custo percebido de participação seja menor para o pobre do que para o não-

pobre, mas, de qualquer modo, o pobre ainda sofre algum tipo de prejuízo caso

faça a adesão. Exemplos de iniciativas de autofocalização são programas de

promoção de emprego que oferecem vagas de trabalho com remunerações

pouco atrativas, o que faz com que pessoas já empregadas não vejam vantagem

em trocar seus empregos e investir seu tempo nessa iniciativa. Os ganhos dos

participantes pobres nesses programas ficam aquém do desejado, pois se o

programa prover benefícios muito atrativos ele automaticamente atrairá a

parcela não-pobre da população.

Para Mkandawire, políticas com autofocalização promovem a

estigmatização do público atendido, que pode se sentir desconfortável em

participar de tais iniciativas. “[…] como resultado, há altos níveis de não-

participação, com o que indivíduos elegíveis para um benefício ou serviço não o

recebem, ou o recebem parcialmente”8 (MKANDAWIRE, 2005, p. 10).

7 Tradução livre. 8 Idem.

Page 21: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

21

Focalização categórica (categorical targeting): o público-alvo é definido

como a população pertencente a uma determinada categoria (de idade, sexo,

região geográfica, etnia, etc.). O objetivo é vincular a elegibilidade ao benefício

a características que sejam “fáceis de observar, difíceis de falsificar e

correlacionadas com pobreza”9 (COADY et al., 2004, p. 14). Como são critérios

muito amplos, a focalização categórica funciona melhor quando combinada com

outras abordagens mais refinadas. A focalização geográfica é uma opção de

combinação comum com outros métodos.

Definir o melhor método de focalização é inútil sem antes conhecer a

realidade local da implementação do programa, o alcance e a qualidade dos

dados disponíveis e o montante de recursos disponível para arcar com os custos

do processo. Como lembra Ravallion:

Evidências recentes sobre a heterogeneidade da performance do mesmo programa em diferentes ambientes, e a falta de heterogeneidade na performance de diferentes programas no mesmo ambiente, apontam para a importância do contexto e a fraqueza das generalizações sobre o que funciona e o que não funciona.10 (RAVALLION, 2003, p. 16)

1.3. LINHAS DE POBREZA NA FOCALIZAÇÃO E MONITORAMENTO DE

PROGRAMAS

Afora a focalização comunitária e a autofocalização, todos os outros

métodos exigem que o governo use algum tipo de critério empírico para definir

quem é elegível ao programa e quem não é. A partir desse critério é feita a

focalização. Nos programas de transferência de renda do Brasil, assim como na

maior parte dos programas sociais daqui e de outros países, a focalização é feita

utilizando-se a variável renda: o governo estabelece um valor de rendimento

monetário abaixo do qual os indivíduos são considerados pobres. Esse valor é a

linha de pobreza.

Segundo o “Compêndio de melhores práticas para medição da pobreza”

do Rio Group, a linha de pobreza é

9 Tradução livre. 10 Idem.

Page 22: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

22

[...] Talvez o método mais usado e aquele adotado nas primeiras tentativas de se obter dados quantitativos de pobreza. De acordo com essa aproximação, um domicílio – a unidade geralmente considerada – é classificado como pobre se a sua renda ou despesa é menor que o valor da linha de pobreza. A linha de pobreza é um conceito normativo, pois representa o valor agregado de todos os produtos e serviços considerados necessários para satisfazer as necessidades básicas da unidade.11 (RIO GROUP, 2006, p. 35)

Há uma diferença entre linhas de pobreza e linhas de operacionalização.

A primeira define a população pobre; a segunda é a linha usada como ponto de

corte para o ingresso de participantes num programa, e pode ou não ser igual à

linha de pobreza (ainda que seja derivada desta). No Brasil, a linha de pobreza

e a linha de operacionalização do Programa Bolsa Família têm o mesmo valor

de R$ 77,00.

Além de servir como base para a linha de operacionalização de programas

sociais, a linha de pobreza serve para mensurar o tamanho da população em

situação de pobreza e originar indicadores sociais de medição desse fenômeno

ao longo do tempo. Um indicador social, segundo Jannuzzi (2002), é

[...] uma medida em geral quantitativa, dotada de significado social substantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para a formulação de políticas públicas). (JANNUZZI, 2002, p. 55)

Exemplos de indicadores sociais relacionados com o conceito abstrato

“pobreza” são a “proporção de pobres na população total” (porcentagem de

pobres dentro de uma dada população) e “intensidade da pobreza” (diferença na

renda entre indivíduos pobres). Tais indicadores são usados no monitoramento

dos programas de combate à pobreza. Por meio da sua medição constante, é

possível constatar se o fenômeno “pobreza” está sendo mitigado ou não.

Números absolutos da população pobre, quando usados para fins de

monitoramento, também são indicadores.

Os processos de monitoramento e avaliação utilizam indicadores para

mensurar fenômenos sociais. Essas informações são insumos não somente para

a criação de novos programas, mas para o aperfeiçoamento das iniciativas já

11 Tradução livre.

Page 23: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

23

existentes: avaliando-se os indicadores, pode-se chegar à conclusão de que, por

exemplo, o benefício de certo programa é insuficiente para retirar as famílias da

condição de pobreza. Com esse dado em mãos, o governo pode propor

mudanças no programa, como aumentar o benefício, mudar a metodologia de

focalização para priorizar o décimo mais vulnerável do público, ou aplicar outra

solução.

A linha de pobreza é, portanto, um recurso com dupla funcionalidade: é o

principal critério da focalização, ou ao menos um critério inicial, pois o público

pode passar por uma segunda “peneira” de seleção (como a verificação da

conexão do domicílio com a rede de luz elétrica ou de esgoto), e é o ponto de

partida para a confecção de instrumentos de monitoramento e avaliação de

programas. O valor da linha define o ponto de corte dos programas direcionados

à população pobre (focalização), ao mesmo tempo em que serve de referência

para a construção de indicadores usados na medição de características da

pobreza ao longo do tempo, usados no monitoramento e avaliação. Desse modo,

justifica-se a importância do seu estudo para a ciência das Políticas Públicas.

No presente trabalho entendemos a linha de pobreza não como um

indicador por si só, mas como um componente usado na formulação de

indicadores, como, por exemplo, o indicador “número de pessoas ou domicílios

em situação de pobreza”. Há situações em que a linha pode ser usada como

indicador, como, por exemplo, na medição da evolução do custo de vida mínimo

de uma sociedade ao longo do tempo. Não é este o uso que importa para a

nossa pesquisa; queremos investigar o uso e limitações da linha na

contabilização da população pobre e na focalização de beneficiários dos

programas sociais. É nessas aplicações da linha de pobreza que iremos nos

focar.

Page 24: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

24

CONCEITOS SOBRE A MEDIÇÃO DA POBREZA

2.1. DEFINIÇÃO DE POBREZA E ESTRATÉGIAS DE MEDIÇÃO

A discussão sobre como medir a pobreza passa antes pela problemática

de definir o que é pobreza. De acordo com Rocha (2003), pobreza pode ser

definida genericamente como “a situação na qual as necessidades não são

atendidas de forma adequada” (p. 9). Essa afirmação nos dá um ponto de

partida, mas não especifica quais seriam tais necessidades. Seriam

necessidades alimentares? Necessidades de abrigo, roupas e saneamento

também estão incluídas? E necessidades como Educação, cuja falta de

atendimento não ameaça a vida de um indivíduo, também estão incluídas na

definição de pobreza?

Observando-se a experiência de diferentes países, nota-se que a

definição de “pobreza” é cultural. Segundo Rocha (2010, p. 11), a preocupação

com o tema nasceu, ironicamente, nos países ricos, para resolver problemas

internos de desigualdade durante o pós-guerra, pois algumas classes sociais se

sentiam menos privilegiadas que outras na distribuição de riquezas. A pobreza

nesses países tem a ver, portanto, com questões de igualdade e não de

sobrevivência. Um indivíduo pobre na Europa do pós-guerra pode não dispor de

meios para alcançar a condição de vida padrão daquela sociedade, mas não é

necessariamente alguém que passa fome ou carece de moradia. Em países

subdesenvolvidos, onde a maior parte da população passa por privações

desconhecidas mesmo pelos pobres dos países desenvolvidos, a definição de

pobreza como desigualdade não é suficiente. Daí se originaram duas noções

diferentes de pobreza: pobreza relativa e pobreza absoluta. “Pobreza relativa” é

aquela que leva em conta o nível de vida médio de uma população, e define

como pobre aquele indivíduo ou família cujo rendimento médio é

substancialmente inferior ao da média da população. A pobreza relativa não é

associada com a privação de necessidades básicas para a vida, mas sim com a

diferença na distribuição de renda dentro de uma dada população (a

desigualdade social). A “pobreza absoluta” trabalha com o não-atendimento de

requisitos básicos para a sobrevivência, especialmente a alimentação. Diferente

da pobreza relativa, a pobreza absoluta não é medida em relação à condição de

Page 25: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

25

vida média de uma sociedade. De fato, em alguns países a pobreza absoluta é

a condição de vida média e, segundo Rocha (2003, p. 16), mesmo em países

como o Brasil, que possui renda média e economia majoritariamente urbana e

monetizada, mas onde “persiste importante contingente populacional

desprivilegiado”, essa abordagem se mantém relevante.

As diferenças entre a pobreza dos países ricos e pobres faz com que

algumas organizações internacionais, como o Programa das Nações Unidas

para o Desenvolvimento (PNUD), adotem duas metodologias diferentes para

medir a pobreza, uma para países ricos e outra para países em

desenvolvimento12. Mesmo dentro de uma nação, a definição do melhor jeito de

se medir a pobreza passa pelo diagnóstico do perfil de pobreza daquele país. O

governo precisa saber como a pobreza se manifesta no seu território para saber

qual a estratégia de medição desse fenômeno que faz mais sentido para a

articulação de políticas e programas sociais. Segundo Rocha:

[Definir o conceito de pobreza trata] de identifica os traços essenciais da pobreza em determinada sociedade. É generalizada, atingindo a maior parte da população, ou, ao contrário, é geograficamente localizada? Quais são seus determinantes? É um fenômeno crônico ou está associado a mudanças econômicas e tecnológicas? Quais são seus sintomas principais – subnutrição, baixa escolaridade, falta de acesso a serviços básicos, desemprego ou marginalidade? Quem são os pobres em termos de um conjunto de características básicas, ou em outras palavras, qual o perfil dos pobres? [...] A obtenção de bons resultados operacionais [de política social], mais adiante, depende em grande parte do bom senso inicial ao definir o que é pobreza, conceitual e estatisticamente. (ROCHA, 2003, p. 10)

Seja qual for a interpretação da pobreza, é consenso que o não-

atendimento das necessidades mínimas diárias de calorias e proteínas está

ligado à noção mais elementar dela. O fenômeno “pobreza” pode até englobar

12 O Índice de Pobreza Humana (IPH) do PNUD separa as nações em “países em vias de desenvolvimento” (IPH-1) e “países industrializados” (IPH-2). Cada índice é formado por um conjunto de indicadores diferente. O IPH-1 se constitui da “proporção de adultos alfabetizados”, do “percentual de pessoas com esperança de vida inferior a 40 anos” e da média simples entre “proporção da população sem acesso à água tratada” e “proporção de crianças menores de cinco anos com peso insuficiente”. Já o IPH-2 inclui indicadores sobre a esperança de vida e alfabetização, mais um indicador da proporção de pobres (pessoas cuja renda per capita se situe abaixo de 50% da renda mediana da população) e outro de exclusão social, calculado com base na taxa de desempregados há mais de 12 meses. (ROCHA, 2003, p. 26-27)

Page 26: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

26

mais aspectos, dependendo da sua interpretação (acesso a renda, serviços

públicos, abrigo), mas, em qualquer sociedade, quem não possui meios de

garantir a própria alimentação diária mínima é considerado pobre. Portanto, a

medição da indigência (como é chamada a situação de não-atendimento das

necessidades básicas alimentares) é o primeiro passo de grande parte das

metodologias de medição da pobreza. “Linhas de indigência” são aquelas que

determinam o valor mínimo de moeda necessário para suprir as necessidades

alimentares de um indivíduo no período de um mês. Elas não são o mesmo que

linhas de pobrezas, que englobam também os gastos mínimos não-alimentares,

mas são o primeiro passo para a definição delas. A linha de pobreza é a soma

da linha de indigência com os demais custos mínimos para um indivíduo

sobreviver numa dada sociedade.

Quando falamos em linhas de pobreza e de indigência, estamos falando

em medição por meio da variável “renda”. A renda é consagrada como a variável

mais popular para esse uso, principalmente por conta de sua comparabilidade

internacional e por ser o meio hegemônico, em sociedades monetizadas, para a

obtenção de bens e produtos que proporcionam bem-estar. Ainda assim, ela não

é a única variável possível, e nem a mais recomendada no caso de sociedades

onde o

[...] nível de desenvolvimento social e produtivo é muito baixo [...], pois implica associar níveis de bem-estar ao grau de sucesso na integração das famílias à economia de mercado, desconsiderando autoprodução e outros consumos não-monetários que têm impacto relevante justamente sobre as condições de vida das camadas mais pobres. (ROCHA, 2003, p. 17)

Em substituição a uma variável como a renda, que mede o atendimento

das necessidades básicas de forma indireta, podemos usar variáveis

antropométricas (peso, altura) para medir o atendimento direto das

necessidades nutricionais. Informações que identifiquem baixo peso entre os

adultos e baixa estatura entre crianças (com relação à idade) evidenciam uma

alimentação deficiente e indicam situação de indigência. Essa abordagem é

interessante, pois verifica diretamente se as necessidades nutricionais estão

sendo atendidas ou não; assim, evita-se um viés comum à utilização da variável

Page 27: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

27

renda em áreas rurais e de baixo desenvolvimento, que é o erro de estimação

de consumo causado pela autoprodução de alimentos nas famílias e pela

economia não-monetizada. É comum que em áreas rurais as famílias produzam

parte do seu alimento em plantações e criações de animais e troquem suas

produções com as de vizinhos, ou até mesmo fabriquem artesanalmente itens

como vestimentas e móveis. Nenhuma dessas ações envolve dinheiro, mas

todas promovem bem-estar de uma forma que não pode ser medida pela renda.

Desse modo, famílias que vivem abaixo da linha da indigência podem não ser,

de fato, indigentes. Com o uso de variáveis antropométricas, a probabilidade de

identificação correta da indigência nesses casos é maior.

Além de medições a partir de renda (linhas de pobreza) ou de variáveis

antropométricas, uma terceira via para examinar a pobreza é através de

indicadores do atendimento de necessidades básicas (basic needs). Segundo

Rocha (2003, p. 19), “Adotar a abordagem das necessidades básicas significa ir

além daquelas de alimentação para incorporar uma gama mais ampla de

necessidades humanas, tais como educação, saneamento, habitação etc.”. Os

defensores dessa abordagem argumentam que a pobreza é multidimensional,

por isso não pode ser definida somente como a falta de dinheiro ou de

alimentação: a privação de outros aspectos, alguns tão objetivos quanto o

acesso a postos de saúde e outros tão subjetivos quanto a religiosidade, também

determinam se um indivíduo é pobre ou não. A medição é feita com o uso de

índices, formados por um conjunto de indicadores que medem os diferentes

aspectos das necessidades sociais (educação, saneamento básico, saúde).

Esses índices popularizaram-se entre os organismos internacionais a partir da

década de 70, quando foram estabelecidas metas mundiais de atendimento de

necessidades básicas. O mais conhecido é o IDH, Índice de Desenvolvimento

Humano, que combina indicadores de produto interno bruto, educação e

longevidade para medir a qualidade de vida de uma população.

Embora interessante, os índices de basic needs são feitos para o

monitoramento e a comparação internacional de desempenho, não para a

focalização do público-alvo de políticas públicas em âmbito nacional. Índices e

indicadores monitoram a população como um todo, sem identificar onde estão

os públicos prioritários. Na realidade, o uso de médias (como ocorre na maioria

dos índices) mascara a ocorrência de situações extremas associadas à

Page 28: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

28

desigualdade entre indivíduos, tornando as situações de pobreza extrema

invisíveis. Por isso, se o objetivo é focalizar programas sociais, a solução é

manter o uso das linhas de pobreza como ferramenta principal e utilizar as

medições de basic needs de forma complementar, para caracterizar uma

subpopulação dentre os pobres (ROCHA, 2003, p. 28).

2.2. CALCULANDO A LINHA DE INDIGÊNCIA

Em regiões cuja população tem amplo acesso ao mercado, a

autoprodução representa uma parcela pequena (em alguns casos, quase nula)

da produção de bem-estar. Essa já é a realidade da maior parte da população

brasileira, pois 84% dos brasileiros vivem em aglomerados urbanos onde a maior

parte dos domicílios adquire os produtos e serviços de que necessita por meio

das trocas monetárias. Nestes casos, o uso da linha de indigência (ou seja, da

variável renda) na verificação do atendimento das necessidades nutricionais é

justificado.

O valor da linha de indigência é igual ao valor mínimo necessário para se

obter, no mercado, uma cesta de alimentos que garanta o mínimo de calorias e

nutrientes necessário para a sobrevivência. Logo, os dois passos para se definir

a linha de indigência são: 1) determinar a necessidade calórica e proteica

mínimas e 2) determinar o preço mínimo da cesta alimentar que cobre essa

necessidade. Ambos os passos possuem desafios, como veremos a seguir.

1) Determinando a necessidade calórica e proteica mínimas: As

necessidades calóricas variam de pessoa para pessoa, de acordo com o sexo13,

idade e tipo de trabalho. A FAO, organização das Nações Unidas para a

Alimentação e Agricultura, estima que a necessidade calórica por indivíduo é de

cerca de 2 mil calorias por dia (DEATON, 2004, p. 4), mas trabalhos pesados,

como os de um trabalhador rural, exigem até o dobro de calorias diárias. Rocha

(2013) nota que, mesmo utilizando-se das mesmas recomendações da FAO,

pesquisadores podem chegar a estimativas diferentes para as necessidades

nutricionais de uma população. Isso decorre

13 Segundo Deaton, “mulheres aparentemente precisam de menos energia, embora esse tipo de distinção raramente seja feita hoje em dia”. (2004, p. 4, tradução livre)

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29

[...] de formas distintas de classificar as atividades ocupacionais dos indivíduos como leves, moderadas ou pesadas, assim como de estabelecer o seu uso do tempo e a correspondente necessidade calórica em 24 horas. (ROCHA, 2003, p. 53)

Normalmente apenas as necessidades calóricas são contabilizadas, pois

supõe-se que as necessidades proteicas são cobertas automaticamente com a

ingestão de uma dieta calórica mínima. A soma das necessidades calóricas de

todos os indivíduos e sua divisão pelo mesmo número de pessoas nos dá a

média de ingestão calórica recomendada para a população, indicador

comumente utilizado na composição da linha de indigência.

2) Determinando o preço mínimo da cesta alimentar: O estabelecimento

da cesta alimentar pode ser feito de dois modos: pela seleção dos produtos de

menor custo que garantam o mínimo de calorias exigido; ou pelo consumo

observado na população. Especialistas em medição de pobreza são unânimes

na utilização do consumo observado, pois experiências de constituição da cesta

alimentar com base somente no preço e no valor calórico dos produtos

resultaram numa dieta “monótona e desinteressante, da qual ninguém se

alimentaria” (DEATON, 2004, p. 4). O consumo observado verifica, na

população, a dieta mais barata que é de fato consumida por um indivíduo ou

família e que atinge o mínimo de calorias estipulado. Para isso, é preciso dispor

de uma pesquisa de consumo abrangente, como a Pesquisa de Orçamentos

Familiares (POF) realizada pelo IBGE, que coleta dados sobre o perfil de

consumo das famílias brasileiras.

Para determinar a cesta que será usada como parâmetro, o primeiro

passo é observar a cesta alimentar de cada família e derivar o seu aporte calórico

per capita. Assim, é possível ordenar as famílias em ordem crescente em relação

ao seu consumo per capita de calorias.

No gráfico a seguir, baseado no trabalho da economista Sonia Rocha com

a formulação de linhas de indigência, as famílias foram ordenadas em décimos

de acordo com a sua despesa alimentar corrente em calorias. A última barra do

gráfico corresponde à média de calorias recomendada para a população, de

acordo com o cálculo das necessidades calóricas.

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30

Gráfico 3: Ingestão energética média observada por décimo de distribuição de

despesa corrente

Fonte: adaptado de ROCHA (2003)

Fonte: adaptado de ROCHA (2003)

Localizado o décimo da população a partir do qual há uma ingestão

adequada de calorias, a quantidade de produtos da cesta é ajustada para que

ela contenha uma medida calórica exatamente igual à média recomendada. Por

exemplo: em sua metodologia, Rocha especifica uma cesta com pelo menos 100

produtos de consumo alimentar, ajustada ao consumo médio diário de alimentos

observado na classe a partir da qual há a ingestão calórica em quantidades

adequadas (ROCHA, 2013, p. 57). A soma do custo desses produtos na

quantidade especificada será o valor da linha de indigência.

No Gráfico 3, percebemos que as necessidades calóricas só são

atendidas satisfatoriamente a partir do quarto décimo populacional. Portanto,

podemos adotar o valor da cesta alimentar desse décimo como referência para

a linha de indigência. Como essa cesta excede um pouco a média recomendada,

deve-se ajustar proporcionalmente a quantidade de alimentos para corresponder

exatamente a 2.123 calorias, que é o valor da média recomendada de calorias.

Esse é apenas um meio de definir a cesta alimentar mínima a partir do

consumo observado. Existem outros: Thomas (1983, apud ROCHA, 2000, p. 5-

6) seleciona para a sua cesta apenas os principais produtos, em termos de

Décimos

(kca

l)

Média

recomendada

(2.123kcal)

Page 31: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

31

aporte calórico, da cesta observada mais barata capaz de suprir a média

recomendada de calorias, e ajusta a quantidade desses alimentos de modo a

atingir 100% das calorias recomendadas. Desse modo, descartam-se os

produtos de menor aporte calórico e o custo da cesta fica menor. Ellwanger

(1992b, apud ROCHA, 2000, p. 6) utiliza uma cesta observada que supra apenas

as recomendações mínimas para a manutenção do funcionamento do

metabolismo basal (em torno de 1.750 kcal/dia) e ajusta as quantidades de

produtos para chegar ao total de calorias recomendado. Esses dois métodos

diferentes restringem a variedade de produtos da cesta, tornando-a mais barata,

o que por consequência reduz o valor da linha de indigência. Isso é útil quando

a linha de indigência obtida por outros métodos fica alta demais em relação à

renda da população. Uma linha muito alta, que inclua uma grande parte da

população na indigência, perde a sua utilidade na focalização de programas, pois

não consegue especificar um público prioritário dentro da população total.

Segundo Rocha:

O que se busca é a determinação de parâmetros de valor operacionais para fins de monitoramento da indigência e da pobreza. Todos são arbitrários na medida em que, introduzindo algum grau de normatização, se afastam do consumo observado. (ROCHA, 2000, p. 6)

É claro que a medição da indigência através dessas linhas pode incorrer

num sem-número de vieses, alguns deles incontornáveis. Primeiramente, o

estabelecimento de uma média das necessidades calóricas para uma população

é um cálculo perigoso, pois o resultado é sensível à interpretação do pesquisador

sobre a distribuição da força de trabalho e utilização da energia. Comparando as

estimativas de necessidades calóricas feitas por dois pesquisadores diferentes

para Brasília, a partir das mesmas recomendações calóricas da FAO, Rocha

(2003, p. 53) encontrou uma diferença de 9% entre elas, decorrida da diferença

de interpretação sobre a classificação de certas atividades ocupacionais como

leves, moderadas ou pesadas e sobre o uso do tempo e a correspondente

necessidade calórica para o período de 24 horas.

Outro problema é que a linha de indigência desconsidera os indivíduos

que têm uma necessidade calórica maior do que a média populacional e que,

portanto, passam fome mesmo consumindo a cesta de alimentos média. O ideal

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32

é que a linha de indigência fosse ajustável para cada família, levando-se em

conta a necessidade calórica de cada um de seus integrantes, mas, para fins de

focalização de programas, isso é impossível.

Outro problema é que pesquisas de orçamento familiar são caras e

normalmente feitas por amostragem em regiões específicas, como metrópoles,

de modo que os dados das regiões interioranas não são computados. No caso

do Brasil, a única pesquisa de consumo familiar conduzida em todo o território

brasileiro foi o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef) de 1974/75, e ela

nunca foi atualizada. Rocha, no cálculo de suas linhas de pobreza para regiões

não-metropolitanas, utiliza até hoje o consumo observado na população

brasileira dos anos 70. Certamente ocorreram alterações no consumo das

famílias interioranas desde então, o que gera um efeito sobre o valor da cesta

de alimentos não captado pelas linhas baseadas na Endef.

Um último problema se refere à dificuldade na estimação da produção

própria de alimentos no orçamento das famílias. Enquanto isso não se manifesta

como problema para a medição nas áreas urbanas, onde a capacidade de

autoprodução é limitada pela falta de espaço agriculturável, nas zonas rurais tal

viés representa um empecilho para a estimativa correta da indigência. Tal

dificuldade poderia ser sanada, em parte, com um novo Endef, mas não há

previsão para uma nova edição do estudo. Qualquer um dos fatores recém

expostos (viés do uso de médias calóricas, pesquisas de consumo defasadas e

invisibilidade da autoprodução) tem potencial para enviesar significativamente a

linha de indigência; uma combinação dos três poderia tornar irrelevantes os

valores computados hoje. Infelizmente, são limitações que temos que enfrentar

ao trabalharmos a estimativa de indigência puramente pelo lado da renda.

2.3. CALCULANDO A DESPESA NÃO-ALIMENTAR E A LINHA DE

POBREZA

Como já dissemos, a pobreza não se resume à indigência: há outras

necessidades vitais a serem saciadas além da fome. Por isso, a linha de pobreza

(entendida como o custo de vida mínimo de uma sociedade) é calculada

adicionando-se os gastos não-alimentares mínimos ao valor da cesta alimentar

mínima. Segundo Rocha (2003, p. 60), apesar da despesa extra-alimentar

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33

representar mais da metade do orçamento das famílias, ela é calculada de

maneira bastante simplificada. Diferente do que acontece com a alimentação,

não há até hoje um cálculo adequado para definir o que seria um gasto mínimo

não-alimentar para um ser humano. É difícil até mesmo definir o que compõe a

despesa não-alimentar mínima, quanto mais quantificá-la.

A solução é observar como as famílias gerenciam os seus orçamentos no

mundo real, e extrair estimativas a partir dessa observação. Nos EUA, por

exemplo, pesquisas realizadas para determinar a composição do orçamento

familiar apontam que o gasto com alimentos corresponde a 1/3 do orçamento

mensal das famílias. Portanto, a linha de pobreza americana é estimada

multiplicando-se o custo da cesta alimentar mínima (ou seja, o valor da linha de

indigência) por três.

A razão despesa alimentar/despesa não-alimentar é chamada de

coeficiente de Engel. Trata-se do método mais popular para estimar as despesas

não-alimentares de maneira indireta: basta calcular qual a porcentagem do gasto

alimentar no orçamento das famílias e, a partir daí, multiplicar o valor da cesta

calórica mínima até atingir a proporção dos gastos não-alimentares. Desse

modo, a atualização da parte não-alimentar da linha de pobreza depende apenas

da atualização do valor da cesta calórica básica e da sua multiplicação pelo

coeficiente, considerado uma constante. Contra esse método simplista, Rocha

alerta que inexiste uma base teórica que “permita considerar o coeficiente de

Engel uma constante de médio prazo”, e que, no caso brasileiro, é improvável

que essa estabilidade tenha ocorrido, seja pelas alterações nos hábitos de

consumo ou pelas mudanças nos preços relativos, decorrentes da inflação

(ROCHA, 2003, p. 61).

No Brasil, a POF fornece informações suficientes para que a despesa não-

alimentar seja calculada a partir da observação direta do consumo das famílias.

Nas medições de Rocha, o consumo não-alimentar da classe de rendimentos

correspondente ao atendimento das necessidades calóricas básicas é

desagregado em seis categorias de produto: habitação, artigos de residência,

vestuário, transporte/comunicação, saúde e cuidados pessoais, despesas

pessoais e outros. A partir daí, a média do valor mensal gasto pelos indivíduos

nessas categorias é calculada com o auxílio de pesquisas sobre o índice de

preços ao consumidor. O quadro a seguir ilustra a metodologia:

Page 34: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

34

Tabela 2: média do valor mensal (em R$) dos itens não-alimentares por

categorias, correspondentes ao intervalo de renda familiar selecionado

segundo regiões metropolitanas – outubro de 1987

Regiões metropolitanas

Habi-tação

Artigos

de resi-

dência

Vestu-ário

Trans-porte/

Comuni-cação

Saúde e cuidados pessoais

Despesas pessoais

Ou-trasa

Total

Belém 157 124 205 119 148 125 81 959 Fortaleza 145 144 213 134 104 162 182 1.084

Recife 169 180 316 237 162 172 220 1.456 Salvador 195 157 317 208 160 193 275 1.505

Belo Horizonte 228 159 199 190 162 190 283 1.411 Rio de Janeiro 223 164 270 223 170 207 219 1.476

São Paulo 368 239 259 308 217 194 229 1.814 Curitiba 219 234 218 153 169 125 253 1.371

Porto Alegre 206 60 113 138 96 95 93 801 Goiânia 302 225 397 218 215 214 300 1.871 Brasília 406 257 311 268 200 249 258 1.949

a Inclui itens investigados pela POF, mas não pela SNIPC, tais como: despesas com festas, mudanças, tratamento veterinário; despesas trabalhistas; transferências; aumento do ativo e diminuição do passivo.

Fonte: ROCHA, 1997

O gasto não-alimentar calculado desse modo é o gasto observado entre

os indivíduos que estão ligeiramente acima da linha da indigência e, portanto, é

entendido como o gasto mínimo tolerável numa dada sociedade. O valor da

despesa não-alimentar é então somado ao valor da linha de indigência para dar

origem à linha de pobreza.

Em seus estudos, Rocha (2003) identificou uma larga disparidade de

valores entre as linhas de diferentes localidades dentro do Brasil, mesmo entre

metrópoles. Por exemplo: em 1990, a linha de pobreza da metrópole de São

Paulo era 78% superior à de Porto Alegre, diferença explicada, segundo a

autora, pelo custo não-alimentar baixo da capital gaúcha (ROCHA, 2003, p. 65).

A variável determinante, segundo a autora, é a urbanização, que afeta “tanto as

despesas alimentares quanto as não-alimentares, a partir de um certo patamar

de tamanho demográfico” (ROCHA, 2003, p. 65). Para exemplificar, ela explica

que as maiores metrópoles brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo,

apresentavam características diversas da terceira metrópole em população, Belo

Horizonte, com menos da metade da população destas14. Essa observação

14 Em 1991 (ROCHA, 2003, p.65).

Page 35: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

35

reforça a necessidade da utilização de linhas de pobreza regionais para a

focalização da população pobre no Brasil, pois linhas associadas a algum cálculo

de média do custo de vida nacional implicam no risco de, por um lado, vazar

benefícios para públicos não-prioritários em zonas de baixa urbanização e, por

outro, tornar invisíveis milhares de pobres nas grandes metrópoles do país.

Page 36: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

36

LINHAS DE MEDIÇÃO DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA

3.1. O PLANO BRASIL SEM MISÉRIA

Este capítulo investiga o funcionamento da linha de pobreza adotada pelo

Governo Federal Brasileiro para a operacionalização do Programa Bolsa Família

e o monitoramento de resultados no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria. O

plano, que coordena mais de 70 programas, serviços e benefícios públicos e

envolve 11 ministérios, iniciou-se em 2011 com a previsão de duração de quatro

anos, mas na prática suas ações continuaram ao longo do ano de 2015.

Segundo Campello e Mello (2014, p. 36), calcula-se que 28 milhões de

brasileiros saíram da condição de pobreza entre 2003 e 2011, especialmente

através do binômio elevação do emprego e distribuição de renda. De um lado, a

estabilidade econômica e a valorização do salário mínimo aumentaram a renda

e as oportunidades de emprego daqueles alocados no mercado formal de

trabalho; de outro, as transferências de renda do Programa Bolsa Família

complementaram os rendimentos mesmo daquelas famílias sem vínculo de

trabalho formal. Ainda assim, em 2011 restava um núcleo duro da pobreza

intocado pelos programas federais de erradicação da miséria. O PBSM foi

desenhado para chegar até esse núcleo duro, os mais pobres dentre os pobres,

tendo como objetivo central a erradicação da miséria no Brasil. Dentre as

iniciativas presentes dentro do guarda-chuva do PBSM estão velhos e novos

programas, dentre eles o Bolsa Família.

Desde o início ficou claro que as ações do PBSM deveriam ser

focalizadas naquelas famílias em condições tão vulneráveis que elas próprias

não tinham condições de requisitar ajuda ao Estado. Por isso, o governo inverteu

a lógica então vigente: em vez de esperar que as famílias procurassem centros

de atendimento, o próprio Estado passou a buscá-las e incluí-las no Cadastro

Único de Programas Sociais (CADÚnico), um grande cadastro da população

brasileira de baixa renda, a partir do qual elas são inscritas em programas sociais

como o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e a Tarifa Social de Energia

Elétrica. Esse movimento foi chamado de Busca Ativa.

Que o público-alvo deveria ser o núcleo duro da pobreza, não restava

dúvidas. Restava, isso sim, estabelecer um critério para definir quem fazia parte

Page 37: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

37

desse “núcleo duro”. Por isso, foi criada uma linha oficial para definir quais

pessoas se encontram em situação de miséria: a linha de extrema pobreza do

PBSM. Seu valor foi estabelecido inicialmente em R$ 70,00 mensais per capita.

O objetivo do Governo Federal era o de, dentro dos quatro anos de duração do

plano, fazer com que todas as famílias brasileiras atingissem rendimentos

mensais per capita superiores a R$ 70,00, erradicando, assim, a extrema

pobreza no país. A partir dessa linha foi definida também a linha de pobreza,

com o dobro do valor (R$ 140,00). Dado o período limitado de execução do

Plano, o decreto de criação do PBSM15 fixou as linhas sem trazer previsão de

reajuste para os seus valores; mesmo assim, eles foram corrigidos

espontaneamente para R$ 77,00 (extrema pobreza) e R$ 154,00 (pobreza) em

maio de 2014.

As linhas de pobreza e extrema pobreza do PBSM foram estabelecidas

pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o mesmo

responsável por operacionalizar o Programa Bolsa Família, programa de

transferência de renda a famílias de baixa renda que cumprem com

condicionalidades de Saúde e Educação. Segundo Falcão e Costa (2014), o

MDS tinha à sua frente uma escolha difícil, pois não havia um consenso entre os

especialistas sobre a melhor forma de abordar a medição da pobreza para fins

de operacionalização do Plano:

[...] as opções de abordagem para definição de pobreza são muitas. [...] Se a linha eleita for absoluta, o ideal é recorrer à abordagem tradicional das necessidades calóricas mínimas? Ou esse seria um método ultrapassado e inadequado a um país em que a fome deixou de ser um problema crônico, como apontado recentemente pela economista Sonia Rocha – uma das maiores autoridades nesse tipo de abordagem?16 [...] Se o enfoque adotado for multidimensional, a quantidade de decisões se multiplica. Quais são as dimensões relevantes para configurar a situação de pobreza? Dentro de cada uma dessas dimensões, quais indicadores de necessidades básicas devem ser incluídos? Qual o critério para definir se cada uma das necessidades foi ou não foi atendida? E qual a importância relativa de cada indicador na definição de quem é pobre? (FALCÃO e COSTA, 2014, p. 69-70)

15 Decreto nº 7.492, de 2 de junho de 2011. 16 A despeito do comentário do autor, a pesquisadora Sonia Rocha continua produzindo seus estudos sobre medição de pobreza no Brasil com base no cálculo de necessidades calóricas.

Page 38: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

38

Segundo os autores, o MDS decidiu ser o mais pragmático possível:

descartou a ideia da criação de uma nova comissão técnica e adotou as linhas

já utilizadas na operacionalização do Programa Bolsa Família (R$ 70,00 e R$

140,00). Supostamente, as linhas seriam confiáveis para medir a pobreza pois

seus valores eram similares aos valores das linhas de pobreza de Rocha e do

Banco Mundial à época (FALCÃO e COSTA, 2014, p. 73). Baseados nos dados

do Censo Demográfico 2010 sobre os rendimentos da população brasileira, o

IBGE e o MDS identificaram uma população de 16,27 milhões de brasileiros

vivendo na extrema pobreza. Esse número seria monitorado ano a ano e

corrigido com as informações da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios

(PNAD, pesquisa amostral anual que atualiza algumas das informações do

Censo com base em informações coletadas nas regiões metropolitanas

brasileiras). Para Falcão e Costa, “o objetivo era que a meta colocada [pela linha]

para o Plano Brasil sem Miséria fosse ousada, porém factível, de modo a conferir

credibilidade à estratégia” (2014, p. 73).

Apesar da afirmação de Falcão e Costa de que as linhas do PBSM estão

em consonância com metodologias consagradas de medição da pobreza como

as de Rocha e do Banco Mundial, temos como hipótese que os valores

escolhidos como ponto de corte do público prioritário não são capazes de medir

adequadamente o fenômeno da pobreza no Brasil, posto que não dão conta das

heterogeneidades regionais (como a diferença nos valores das cestas de

consumo entre as regiões). Na realidade, sob uma análise mais atenta, constata-

se que os valores são bastante arbitrários.

Segundo Falcão e Costa, a linha de R$ 70,00 foi considerada adequada

pelo MDS porque:

1) É compatível com as linhas regionalizadas de Rocha para 2011,

que orbitavam os R$ 70,00 em 2011;

2) É compatível com a linha do Banco Mundial de US$ 1,00 per capita

diário, que em 2011 equivalia a R$ 67,00 mensais (usando a

conversão PPC);

3) É idêntica à linha de operacionalização do Programa Bolsa Família.

Page 39: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

39

Mostraremos a seguir, ponto por ponto, por que esses argumentos

parecem ser inadequados para defender a força metodológica da linha do PBSM.

Explicaremos que a linha de extrema pobreza do PBSM atualmente não

apresenta compatibilidade com a metodologia de Rocha; que a linha do Banco

Mundial não é uma boa referência para os programas sociais no Brasil; e que o

seu elo com a linha de operacionalização do Programa Bolsa Família faz com

que o monitoramento da pobreza fique atrelado ao orçamento do programa e

não ao fenômeno empírico da pobreza.

3.2. A LINHA DO PBMS E AS LINHAS REGIONALIZADAS DE ROCHA

Uma das referências do MDS para o estabelecimento linha de extrema

pobreza, segundo Falcão e Costa (2014), foi o trabalho de medição da pobreza

desenvolvido por Sonia Rocha ao longo dos últimos 30 anos. Seu estudo é

referência na medição regionalizada da pobreza no Brasil. A pesquisadora

calcula anualmente linhas de indigência e pobreza urbanas e rurais para as

diferentes regiões e metrópoles brasileiras, totalizando 25 linhas de indigência e

mais 25 de pobreza.

A metodologia de construção das linhas é idêntica à apresentada no

capítulo 2 deste trabalho, mas vamos resumi-la aqui: primeiro calcula-se a linha

de indigência, a partir da média de necessidades calóricas da população e do

custo da cesta alimentar mínima observada em cada região. Para isso, são

usadas informações das pesquisas de orçamento familiar POF 1987/88 (regiões

metropolitanas) e Endef 1974/75 (regiões rurais e não-metropolitanas). Os itens

alimentares que representam uma ingestão inferior a 1 caloria por dia são

excluídos da cesta; a quantidade dos produtos restantes é então ajustada

proporcionalmente para corresponder à necessidade calórica mínima

recomendada. O valor das cestas é atualizado anualmente conforme o INPC-

alimentação. A linha de pobreza é calculada somando-se o valor da cesta

alimentar com o valor das despesas não-alimentares, calculadas também a partir

da observação do consumo das famílias. As despesas não-alimentares são

classificadas de acordo com os seis grupos de despesas do SNIPC (habitação,

artigos de residência, vestuário, transporte/comunicação, saúde e cuidados

pessoais, despesas pessoais) e mais uma categoria residual, “outras”. Os

Page 40: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

40

valores são atualizados conforme o índice de preços específico de cada grupo

de despesa para cada região (ROCHA, 1997).

Apesar de consagrada, a metodologia de Rocha não é perfeita. Seu maior

viés é a desatualização das pesquisas de consumo usadas como referência.

Outro problema é que as linhas para regiões não-metropolitanas urbanas e rurais

abrangem regiões territorialmente vastas – por exemplo, uma mesma linha é

usada para medir a pobreza rural em todos os estados da região norte. Como os

preços “são afetados por um conjunto de determinantes locais (atividade

produtiva, acessibilidade, redes de comercialização, etc) [...], os resultados [...]

são médias que embutem uma ampla variabilidade de valores” (ROCHA, 1997,

p. 317).

Já expomos as fragilidades dessa metodologia no capítulo 2. Dito isso, as

50 linhas de Rocha são talvez o mais longe que se pode chegar na medição da

pobreza brasileira, tendo em vista os instrumentos disponíveis atualmente. Por

ser uma medição regionalizada, ela gera um mapa da pobreza17 mais específico

do que o utilizado no PBSM, que não tem linhas regionalizadas.

Apesar de Falcão e Costa alegarem sintonia entre as linhas do PBSM e

as de Rocha, a verdade é que elas não compartilham da mesma base

metodológica. Segundo Falcão e Costa (2014, p. 73), a linha do PBSM está em

sintonia com as linhas de Rocha porque essas últimas “orbitavam os R$ 70,00

por pessoa ao mês”. Mais correto seria dizer que algumas das linhas orbitavam

os R$ 70,00, ou que a média dos valores das linhas de indigência orbitavam os

R$ 70,00, conforme vemos a seguir.

17 O Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) cruza anualmente os dados de

rendimento das famílias coletados na PNAD com os valores das linhas de Rocha para atualizar os indicadores de pobreza brasileiros.

Page 41: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

41

Gráfico 4: variação dos valores das linhas de indigência de ROCHA e da

linha de extrema pobreza do PBSM – 2011 a 2015

Fonte: elaboração própria

As linhas coloridas do Gráfico 418 representam as 25 linhas de indigência

de Rocha e as suas variações de valor entre os anos 2011 e 2013, enquanto a

linha preta representa a linha de extrema pobreza do PBSM entre os anos 2011-

-2015. Analisando as linhas de Rocha para o ano de 2011, vemos que, apesar

da maioria das linhas urbanas e rurais realmente terem valores próximos de R$

18 No gráfico estão representadas todas as 25 linhas de indigência de Rocha, mas apenas algumas estão nomeadas, para facilitar a visualização.

Belém

Norte Rural

Fortaleza

Recife

Salvador

Nordeste Urbano

Nordeste Rural

M.G./E.S. Urbano

M.G./E.S. Rural

Rio de Janeiro Metrópole

São Paulo Metrópole

São Paulo Urbano

Curitiba

Brasília

Centro-Oeste Urbano

Linha PBSM

R$ 47,00

R$ 57,00

R$ 67,00

R$ 77,00

R$ 87,00

R$ 97,00

R$ 107,00

R$ 117,00

2011 2012 2013 2014 2015

Val

or

das

lin

has

Ano

Page 42: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

42

70,00, as linhas de todas as regiões metropolitanas eram superiores a esse

valor.

O mais interessante é notar que as linhas de Rocha são atualizadas

anualmente de acordo com a variação nos preços dos produtos, mantendo um

crescendo de valor constante ao longo do tempo; a linha do PBSM, por outro

lado, não possui mecanismos de atualização anual, o que faz com que o gap

entre o seu valor e os valores das linhas de Rocha fique maior a cada ano. Como

resultado, em 2013 apenas seis das 25 linhas de indigência continuavam com

valores menores ou iguais à linha do PBSM. Mesmo a correção tardia do valor

desta para R$ 77,00 em 2014, baseada sem muita precisão na inflação

(conforme veremos adiante), não foi o suficiente para cobrir a variação do

período 2011-2013 na maioria das linhas de Rocha.

Sem uma atualização anual, o elo entre o valor da linha do PBSM e o

fenômeno social que ele deveria representar – a pobreza – foi se erodindo com

o passar dos anos, tornando os atuais R$ 77,00 um valor arbitrário. A

subcobertura de público, observada nas regiões metropolitanas já em 2011,

passou a afetar quase todas as regiões do país em 2013 e (até onde pode ser

observado, pela tendência dos anos passados) 2014 e 2015.

3.3. O BANCO MUNDIAL E O DOLLAR A DAY

Segundo Falcão e Costa (2014, p, 73), a linha de extrema pobreza

mundial do BM, conhecida como dollar a day, foi levada em consideração na

definição do valor da linha de extrema pobreza do PBSM. Em 2011, seu valor

era US$ 1,25/dia e equivalia a R$ 67 per capita mensais. O dollar a day foi

adotado pelo Banco Mundial em 1990 para possibilitar a comparação dos

indicadores de pobreza entre as nações. Ele é uma média das linhas de pobreza

nacionais de diversos países. Em 1990, o valor da linha era realmente de US$

1/dia, resultado do cálculo da média das linhas de pobreza nacionais de 22

países em desenvolvimento, excluindo propositalmente nações desenvolvidas

com linhas de pobreza consideradas muito altas, de modo que a linha resultante

fosse mais sensível à captação da pobreza. O dollar a day foi usado pela ONU

para constituir o primeiro dos “Objetivos do Milênio”: reduzir a proporção de

pessoas que vivem com menos de US$ 1,00 por dia pela metade entre os anos

Page 43: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

43

de 1990 e 2015. Em 2005, a metodologia foi revisada e o número de países

computados na média subiu de 22 para 115, fazendo com que a linha subisse

para US$ 1,25.

Como a linha internacional de US$1,25/dia está expressa em dólares, a

sua operacionalização em países como o Brasil depende da conversão do valor

para a moeda local. Para isso, não é adequado usar a taxa de câmbio comercial,

pois 1 dólar não compra, nos EUA, o mesmo que R$ 3,8719 no Brasil. Embora

no mercado de câmbio esses valores se equivalham, nos mercados domésticos

de Brasil e EUA a quantidade de bens que se pode comprar com US$ 1,00 e R$

3,87 é diferente, porque “alguns produtos, e especialmente serviços, são

reconhecidamente mais baratos em países pobres, em comparação com países

ricos” (Johnson et al., 2009, p. 2). Esse é o Efeito Balassa-Samuelson: países

com alta produtividade e salários têm preços de produtos mais elevados. Por

isso, a linha de pobreza do Banco Mundial não tem aplicabilidade sem um fator

de conversão que traduza o verdadeiro poder de compra de US$ 1,25/dia para

o valor de outras moedas.

O BM resolveu esse problema através do fator de conversão de “paridade

do poder de compra” (PPC). Desenvolvido pelo International Comparison

Program (ICP) através de pesquisas de preços em escala mundial, o fator PPC

é “a quantidade de moeda de um país necessária para comprar a mesma

quantidade de bens e serviços no mercado doméstico que dólares americanos

comprariam nos EUA. Este fator de conversão é para o [uso no cálculo do]

consumo privado (gastos com consumo das famílias)”20. O PPC é, portanto, uma

taxa de câmbio especial que converte o poder de compra das moedas, calculada

com base na comparação dos preços de uma cesta de itens comuns entre

diferentes nações. O PPC também é usado na comparação do PIB de países.

Em 2011, ano de início do Plano Brasil Sem Miséria, a taxa de conversão

PPC entre o real e o dólar era de 1,6621 (US$ PPC 1,00 = R$ 1,66), o que significa

que R$ 1,66 tinha à época o mesmo poder de compra no Brasil que 1 dólar

19 Cotação do dólar comercial em 11/set/2015, usada aqui para fins de ilustração. Fonte: Uol economia. Acesso em 11/set/2015. 20 Tradução livre do texto introdutório sobre o fator de conversão PPC na base de dados do BM, encontrado em http://bit.ly/1VSGBNu. Acesso em 11/set/2015. 21 Retirado de https://research.stlouisfed.org/fred2/series/XRNCUSBRA618NRUG. Acesso em 11/set/2015.

Page 44: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

44

americano nos EUA em 2000. A linha US$ 1,25/dia correspondia, no Brasil, a R$

2,09/dia, ou R$ 62,62/mês para um mês de 30 dias.

Vimos, portanto, que a linha do BM é 10% menor que a linha de extrema

pobreza do PBSM. Mas a irregularidade de valores não é o ponto que queremos

frisar aqui. O ponto mais importante a ser destacado é que a linha do BM foi

construída para permitir a comparação de números entre países e a medição do

atingimento de metas internacionais, e não para o uso em políticas públicas

internas. Por isso, não se constitui num bom referencial para uma linha nacional

de pobreza. A comparabilidade internacional, apesar de reforçar “a consistência

espacial das ações locais com o pensar global” (NERI, 2013, p. 130), é uma faca

de dois gumes, pois um padrão internacional sempre será uma medida

generalista que demandará o sacrifício das especificidades internas. Diferente

das linhas de Rocha, a do BM não é regionalizável, nem ao menos é uma média

das medições brasileiras, mas sim de países que não necessariamente têm a

ver com o nosso perfil de pobreza. Desse modo, consideramos que uma linha

internacional não seja adequada para operacionalizar programas sociais que

lidam com um tema tão sensível à conjuntura local quanto a pobreza. Reforçando

esta opinião está o próprio Martin Ravallion, “pai” do dollar a day¸ que diz:

[...] o Banco Mundial nunca insistiu no uso de uma só linha; de fato, nos seus trabalhos com países em desenvolvimento específicos, o BM usa a linha de pobreza nacional considerada mais apropriada em cada país. (RAVALLION, 2010)

3.4. RELAÇÃO ENTRE AS LINHAS DO PBSM E O PROGRAMA BOLSA

FAMÍLIA

Dado que nem as linhas de Rocha, nem a linha do BM resultam num valor

exato de R$ 70,00, parece provável que a referência mais forte para a linha de

extrema pobreza do PBSM tenha sido a linha de operacionalização do Programa

Bolsa Família. De fato, os valores da linha do Bolsa Família, da linha de extrema

pobreza do PBSM e do benefício básico do Bolsa Família são idênticos, e a

atualização de 2014 manteve a paridade de valores, de forma que, na literatura

do PBSM, “linha de extrema pobreza” e “linha de operacionalização do Bolsa

Page 45: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

45

Família” são usadas como sinônimos (mesmo a linha do PBSM tendo sido criada

depois).

Por isso, é importante saber a origem da linha de operacionalização do

Bolsa Família e quais os critérios que guiam a sua atualização. Primeiramente,

vamos apresentar o Programa Bolsa Família; após, vamos relacionar a sua linha

de operacionalização com o PBSM.

O Programa Bolsa Família é um programa federal de transferência de

renda não-contributivo direcionado a famílias em situação de pobreza e extrema

pobreza, com o objetivo de “contribuir para a inclusão social de milhões de

famílias brasileiras premidas pela miséria, com alívio imediato de sua situação

de pobreza e da fome” (CAMPELLO, 2013, p. 15). As transferências são voltadas

à população produtiva em idade ativa, com ênfase nas crianças (PAIVA et al.,

2013, p. 25). Além do benefício básico, existem benefícios adicionais caso haja,

na composição da família, gestantes, crianças na primeira infância e crianças e

adolescentes em idade escolar, até 15 anos. O repasse dos benefícios está

condicionado ao cumprimento de condicionalidades nas áreas de Educação

(garantir uma frequência escolar mínima das crianças em idade escolar da

família) e Saúde (manter a vacinação em dia, entre outras).

O programa é coordenado a nível federal pelo MDS, mas sua gestão é

descentralizada, sendo tarefa dos municípios cadastrar o público-alvo no

CADÚnico e encaminhar as famílias elegíveis ao programa. A transferência dos

repasses aos beneficiários é operacionalizada pela Caixa Econômica Federal.

A focalização acontece por meio da autodeclaração da renda do

candidato. A família, ao ser cadastrada no CADÚnico, informa sua renda mensal;

se ela estiver dentro do ponto de corte do programa, a família se torna elegível.

Não há teste de meios (verified means test) nem proxy means test para verificar

a renda. Paiva et al. (2013, p. 34) diz que a utilização do teste de meios nunca

chegou a ser “uma opção viável” porque “a incipiente rede de proteção social no

Brasil não teria capacidade de executar testes de meios de forma massificada,

o que condenaria ao fracasso qualquer programa que deles fizesse uso”. A

opção de utilizar proxies também foi descartada porque “faltaria transparência às

concessões de benefícios e clareza na comunicação com os beneficiários do

programa”. Já a renda autodeclarada, “com todos os seus riscos, tornaria fácil a

comunicação com beneficiários, daria transparência à concessão e manutenção

Page 46: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

46

de benefícios e permitiria ações claras de controle, tanto do ponto de vista social

quanto governamental”. As dimensões federal e municipal do Bolsa Família

trabalham com estimativas do tamanho da população-alvo, que servem para

estabelecer o limite (ainda de flexível) para o número de beneficiários em cada

município (PAIVA et al., 2013, p. 34). Ou seja, o município deve se esforçar para

fazer o melhor targeting possível, pois o número de “bolsas” é limitado. Em 2013,

o número limite de famílias beneficiárias, a nível nacional, orbitava os 13 milhões.

Quando o programa atinge esse número, só podem entrar novos beneficiários

se alguém for desligado do programa. O Bolsa Família não tem, portanto,

capacidade de atender a todo os elegíveis ao benefício. Existem famílias

registradas no Cadastro Único que não têm acesso ao benefício e devem

esperar a sua vez.

Uma vez cadastrada no programa, a família beneficiária mantém o

benefício por dois anos, independente de variação na renda mensal, salvo no

caso de grandes variações positivas, tais como a conquista de um emprego

formal ou de benefício social no valor de pelo menos um salário mínimo

(SOARES, 2009, p. 10). Esse período longo no programa protege as famílias

dos efeitos da volatilidade de renda. Como se sabe, famílias de baixa renda

possuem rendimentos mensais incertos, diferentemente de profissionais com

carteira assinada, que sabem o quanto vão ganhar de salário no final do mês.

Pontualmente, essas famílias podem ter rendimentos acima da linha de pobreza,

mas isso não quer dizer que elas superaram essa condição, pois no próximo mês

seus rendimentos podem voltar a cair. O período de dois anos garante que as

famílias não saiam do Bolsa Família caso os seus rendimentos forem

ocasionalmente maiores do que o ponto de corte do programa.

O Bolsa Família não é o primeiro programa do seu tipo. Ele foi precedido

pelas ações de transferência de renda do Programa Fome Zero e, antes disso,

por diversos programas de transferência de renda criados durante o governo

FHC, como o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação. Esses últimos programas não

possuíam coordenação entre si, tinham transferências direcionadas para fins

específicos (como o auxílio para o custeio do gás nos domicílios) e eram focados

nas famílias de baixa renda com crianças em idade escolar. O Fome Zero,

conjunto de ações lançado no início de 2003 com o objetivo de combater a

pobreza, unificou os programas de transferências de renda e descartou a

Page 47: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

47

composição familiar como critério de focalização, adotando a renda como critério

único. Tanto no Fome Zero quanto nos programas da Era FHC, a linha de

operacionalização usada era a de meio salário mínimo per capita, equivalente, à

época, a R$ 100 (ROCHA, 2005).

No final de 2003, houve uma reformulação das transferências de renda do

Fome Zero, de forma que se originou um novo programa, o Bolsa Família.

Diferente do Fome Zero e similar aos programas da Era FHC, o Programa Bolsa

Família novamente priorizou o atendimento às famílias com crianças em sua

composição. Foram criados dois parâmetros de renda, diferenciando dois

conjuntos de beneficiários: as famílias com rendimentos de até R$ 50,00

mensais per capita tinham direito a receber a transferência de R$ 50/mês mais

um benefício adicional de R$ 15,00 por criança de até 15 anos, até o máximo de

três crianças; já as famílias com rendimento per capita entre R$ 50 e R$ 100,00

mensais receberiam somente os benefícios adicionais, caso houvesse crianças

na sua composição.

Segundo Graziano et al. (2010, p. 45), a linha de operacionalização do

Fome Zero tomou emprestado o corte de um dólar por dia do Banco Mundial,

mas, em vez de convertê-lo em reais usando o dólar PPP, foi usada a cotação

média do dólar comercial de setembro de 1999, data de referência da PNAD

usada no planejamento do Fome Zero. Convenientemente, o valor da linha de

pobreza ficou próximo do valor do salário mínimo de 1999.

Com o surgimento do Bolsa Família, as linhas de operacionalização e

valores de benefícios do Fome Zero foram incorporadas ao novo programa, mas

desindexadas da linha do BM. Correções nos valores dos benefícios e do ponto

de corte dos participantes seriam atualizados pelo Governo Federal com base

nas suas disponibilidades orçamentárias. O mesmo valia para o número de

beneficiários, que seria estipulado pelo governo, não importando o real tamanho

da população pobre.

Nas palavras de Sergei e Sátyro (2009)

O Programa Bolsa Família não é um direito. Ao contrário, encontra-se explicitamente condicionado às possibilidades orçamentárias. A Lei no 10.836, de 09 de janeiro de 2004, que o cria, estabelece em seu artigo sexto, parágrafo único: “O Poder Executivo deverá compatibilizar a quantidade de beneficiários do Programa Bolsa Família com as dotações

Page 48: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

48

orçamentárias existentes”. Ao contrário de uma aposentadoria, um seguro-desemprego ou o pagamento de um título da dívida pública, o Bolsa Família é um programa de orçamento definido. Uma vez esgotada a dotação orçamentária, ninguém mais pode passar a receber o benefício, pelo menos até que haja crédito suplementar. (SERGEI e SÁTYRO, 2009, p. 11)

Sendo assim, as atualizações nos valores dos benefícios e das linhas de

operacionalização do programa foram inconstantes, realizados por meio de leis

e decretos, como mostra a tabela a seguir:

Tabela 3: mudanças nos valores do benefício básico e das linhas de

operacionalização do Programa Bolsa Família ao longo dos anos

Data Jan. 2004 Abr. 2006 Jun. 2008 Abr. 2009 Jul. 2009 Abr. 2014 Benefício

básico R$ 50,00

R$ 50,00

R$58,00

R$ 58,00

R$ 68,00

R$ 77,00

Valor da linha 1

R$ 50,00 R$ 60,00 R$ 60,00 R$ 69,00 R$ 70,00 R$ 77,00

Valor da linha 2

R$ 50,00 a R$ 100,00

R$ 60,00 a R$ 120,00

R$ 60,00 a R$ 120,00

R$ 69,00 a R$ 137,00

R$ 70,00 a R$ 140,00

R$ 77,00 a R$154,00

Fonte: adaptado de HELLMANN, 2015

Nos dez anos do PBF, o hiato entre as correções no valor das linhas e

benefícios já foi de dois anos, três anos, alguns meses, e chegou a cinco anos

durante o período 2009-2014. Durante esse mesmo tempo, a inflação e o salário

mínimo foram atualizados anualmente, resultando num aumento do custo de

vida. Porém, as correções do Bolsa Família não acompanharam esse mesmo

ritmo.

Segundo Sergei e Sátyro (2009, p. 13), não há qualquer regra de

indexação formal para os benefícios do Programa Bolsa Família, mas, nas vezes

em que os valores foram corrigidos, eles o foram com base na inflação, calculada

pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE. Ao tentar

confirmar essa relação apontada pelos autores, a presente pesquisa constatou

que o INPC serviu, no máximo, como inspiração para a atualização, mas não foi

usado de forma nominal: segundo os dados do INPC, o benefício básico, que

Page 49: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

49

era de R$ 50 em 2004, deveria valer R$ 87,05 em 2014, e não R$ 77,00.22 O

valor de R$ 77,00 não tem referência exata em nenhum indicador, sendo

arbitrário, possivelmente influenciado pela disponibilidade orçamentária do

governo.

Se os valores dos pontos de corte e dos benefícios foram influenciados

pela disponibilidade orçamentária do governo e não por pesquisas sobre custo

de vida e necessidades de consumo básicas, como a nossa observação leva a

crer, então o uso da linha do Bolsa Família como linha de extrema pobreza do

PBSM se mostra problemático. O problema não está em delimitar um ponto de

corte para o atendimento do Bolsa Família, mas sim em usar esse limite para

monitorar um fenômeno social complexo como a pobreza, que extrapola o âmbito

do programa. Mais correto seria fazer o contrário: com base numa medição

acurada do fenômeno, conduzida com rigor metodológico, é que deveria ser

traçado um plano de erradicação da miséria. Do modo como foi construído, o

objetivo do PBSM de erradicar a pobreza extrema com o atendimento de 16,2

milhões de brasileiros reflete a dimensão do público que o governo consegue

atender, e não no público que realmente existe. Como resultado, mesmo que

esses 16,2 milhões de brasileiros saiam da miséria, o fenômeno não terá sido

erradicado, ainda que, para o Governo Federal, isso tenha acontecido. Há toda

uma outra parte do núcleo duro da pobreza que permanecerá não contabilizada,

sem ser coberta pelo monitoramento feito por meio dos indicadores do governo.

Ou seja, a pobreza não estará erradicada após o cumprimento da meta do

PBSM.

22 Calculado com o uso da calculadora virtual presente em http://bit.ly/1NxnHJZ. Acesso em 06/nov/2015.

Page 50: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

50

COMPARAÇÕES ENTRE AS MEDIÇÕES DE POBREZA DO MDS E DE

ROCHA

Neste capítulo compararemos os resultados das medições dos

indicadores de indigência, pobreza e extrema pobreza para o Brasil usando as

metodologias de Rocha e do Governo Federal. Usaremos como referência os

dados da PNAD 2013, posto que as linhas mais atualizadas de Rocha utilizam

informações dessa edição da pesquisa.

A contagem da população pobre e indigente de acordo com a metodologia

de Rocha foi retirada da planilha “PNAD 2013 – Indicadores de Pobreza e de

Indigência (Sonia Rocha)”, elaborada por Rocha em parceria com o Instituto de

Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) e publicada em novembro de 2014.

Nesta planilha estão os indicadores de pobreza e indigência para Brasil, estados

e regiões, de acordo com as linhas regionais de pobreza para o ano de 2013.

Até o momento da presente pesquisa, tratava-se da medição mais atualizada

desses indicadores.

A contagem do Governo Federal para a população pobre e extremamente

pobre foi extraída da ferramenta PIC Social, disponível no site da Secretaria de

Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) do Ministério do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome (MDS)23. Trata-se de uma aplicação virtual para a

visualização de painéis de monitoramento de indicadores da assistência social,

entre eles os indicadores “Quantidade de moradores de domicílios particulares

permanentes com renda domiciliar per capita de R$ 0,00 a 70,00” e “Quantidade

de moradores de domicílios particulares permanentes com renda domiciliar per

capita de R$ 70,01 a 140,00”, com resultados disponíveis para todos dos estados

do Brasil mais o Distrito Federal24. Estes indicadores foram utilizados no

presente trabalho para determinar os números de pobres25 e extremamente

pobres no Brasil e regiões segundo o MDS, com valores referentes a 2013.

23 Acesso em http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/?grupo=72 24 Estão incluídos na contagem da SAGI a população residente em domicílios sem rendimento ou sem declaração de rendimentos que apresentam algum indicador proxy de pobreza (como ausência de banheiros ou de ligação domiciliar com algum sistema de abastecimento de água), conforme a metodologia de análise discriminante descrita no Estudo Técnico SAGI nº 15/2014. 25 No caso do cálculo de pobres, a contagem dos indicadores “Quantidade...de R$ 0,00 a 70,00” e “Quantidade [...] de R$ 70,01 a 140,00” foram somados.

Page 51: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

51

Como os indicadores de Rocha e da SAGI utilizados nesta pesquisa são

ambos baseados na PNAD 2013, eles são perfeitamente comparáveis. Há

apenas dois problemas nessa comparação. O primeiro é conceitual: Rocha

mede a “indigência”, enquanto o PBSM mede a “extrema pobreza”, ou seja, não

falam da mesma coisa. Indigência, conforme apresentado no capítulo 2, tem a

ver com a incapacidade de meios para prover as necessidades básicas de

alimentação; em outras palavras, tem a ver com a fome. Já indivíduos em

extrema pobreza, no entendimento do PBSM, são aqueles que fazem parte do

“núcleo duro” da pobreza, o que não significa necessariamente indigência.

Provavelmente a decisão do governo de não relacionar diretamente

“extrema pobreza” com “indigência” esteja ligada à eliminação da fome como um

problema crônico no país, como observam Falcão e Costa (2014, p. 69)26; dessa

forma, os “mais pobres dentre os pobres” não são mais os famintos, como em

outros momentos da história brasileira. Superada a fome, a pobreza agora se

materializaria como insuficiência grave em outras necessidades. No entanto, os

indicadores de indigência baseados em Rocha vão na contramão dessas

conclusões, pois em 2011 ainda contabilizavam 8,7 milhões de indigentes.

Conclui-se, portanto, que os mais pobres dentre os pobres no Brasil continuam

sendo os indigentes. Dessa forma, concluímos que “indigência” e “extrema

pobreza” ainda podem ser contabilizadas como a mesma coisa ou que, ao

menos, indigência é um fenômeno que faz parte (talvez seja o definidor) da

extrema pobreza no Brasil. Por isso, acreditamos que as medidas de “indigência”

de Rocha e “extrema pobreza” do PBSM são comparáveis.

O outro porém é que a ferramenta da SAGI usada para extrair os dados

do PBSM não exibe resultados pormenorizados por situação do domicílio (rural,

urbano ou região metropolitana), diferentemente da planilha de Rocha. Isso não

impede a comparação dos resultados gerais, mas limita o universo de testes e

comparações que podem ser feitos – não podemos comparar, por exemplo, a

contagem de pobres em zonas rurais do Brasil entre as duas metodologias.

Uma última observação antes da comparação: entendemos, como Rocha,

que a indigência/extrema pobreza é uma parte do fenômeno maior da pobreza.

Portanto, sempre que forem demonstrados quantitativos da população “pobre”

26 De fato, em 2014 a FAO divulgou que o Brasil havia saído do Mapa da Fome, já que a

subalimentação é inferior a 5% da população (FALCÃO e COSTA, 2014, p. 69).

Page 52: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

52

neste capítulo, eles também englobam os indivíduos classificados como

indigentes/extremamente pobres.27

Começaremos a comparação analisando os resultados da contagem das

duas metodologias para as diferentes regiões do Brasil. O gráfico abaixo

compara os resultados da medição de extrema pobreza do Governo Federal com

os da medição de indigência de Rocha. O gráfico 5 faz a comparação do

resultado do número de pobres entre as duas metodologias.

Gráfico 4 – número de indigentes (Rocha) e de extremamente pobres (Governo

Federal) por região do país

Fonte: elaboração própria

27 Por exemplo: quando dizemos que o número de pobres em 2013, segundo o Governo Federal, era de 15,2 milhões, também estão computados nesse número os 6,2 milhões classificados como extremamente pobres.

0

1000000

2000000

3000000

4000000

5000000

6000000

7000000

8000000

9000000

10000000

de

ind

ivíd

uo

s

Total da população em situação deindigência (Rocha)

Total da população em situação deextrema pobreza (gov. fed.)

Page 53: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

53

Gráfico 5 – número de pobres (Rocha e Governo Federal) por região do país

Fonte: elaboração própria

Para o país como um todo, o resultado das duas medições é bem

diferente: enquanto o Governo Federal localiza 6,2 milhões de brasileiros

vivendo na extrema pobreza, o número de brasileiros indigentes, para Rocha, é

um terço maior: 9 milhões. A distorção entre os resultados aumenta quando o

que se mede é a pobreza: o resultado de Rocha é praticamente o dobro do

calculado pelo governo (29,2 milhões contra 15,5 milhões).

Quando analisamos os resultados por região, observa-se um interessante

fenômeno: nos dois gráficos, Rocha localizou uma população pobre maior do

que o Governo Federal em todas as regiões, mas a diferença nos resultados foi

maior nas regiões Centro-Oeste, Sul e, especialmente, no Sudeste. Já no cálculo

da indigência/extrema pobreza para o Nordeste, a diferença de resultado entre

as duas metodologias, se comparada com a das outras regiões, é menor. Temos,

portanto, uma diferença pequena nos resultados das duas medições para a

região Nordeste, uma diferença considerável para a região Norte e diferenças

grandes para as regiões Centro-Oeste, Sul e, especialmente, Sudeste.

As diferenças entre as estimativas de pobres na região Sudeste foi o que

mais pesou para a disparidade na contagem total de pobres do Brasil entre as

duas metodologias. O número encontrado por Rocha na região Sudeste é mais

de quatro vezes maior do que o do governo e representa quase metade dos 15

0

5000000

10000000

15000000

20000000

25000000

30000000

35000000

Total da população em situação depobreza (Rocha)

Total da população em situação depobreza (Gov. Fed)

Page 54: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

54

milhões de indivíduos que foram identificados como “pobres” por Rocha, mas

que são invisíveis para o Governo Federal. Apenas no estado de São Paulo, a

diferença na contagem é de cinco milhões.

Gráfico 6 – número de indigentes/extremamente pobres e pobres no estado de

São Paulo, segundo Rocha e Governo Federal (Pnad 2013)

Fonte: elaboração própria

Comparativamente, nos estados do Nordeste a diferença entre a

contagem de indigentes (Rocha) e extremamente pobres (Governo Federal) é

baixa, como pode ser constatado no gráfico abaixo:

0

1000000

2000000

3000000

4000000

5000000

6000000

Nº deindigentes/extremamente

pobres

Nº de pobres

Metodol. Rocha

Metodol. Governo Federal

Page 55: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

55

Gráfico 7 – número de indigentes (ROCHA) e extremamente pobres (Governo

Federal) nos estados do Nordeste (Pnad 2013)

Fonte: elaboração própria

Maranhão foi, inclusive, o único estado em que a contagem do Governo

Federal foi maior do que a de Rocha, o que pode ser explicado pela combinação

de dois fatores: o baixo custo da cesta de alimentos na zona rural do Nordeste,

resultando numa linha de indigência regional rural abaixo dos R$ 70,00 (R$

65,00, para ser mais exato); e o perfil majoritariamente rural da indigência no

Maranhão. Ele é o único estado brasileiro com mais indigentes vivendo na zona

rural do que na zona urbana (549 mil contra 325 mil, respectivamente).

O que faz com que os resultados das duas metodologias sejam díspares

na região Sudeste e mais aproximados na região Nordeste? O caso do

Maranhão nos provê uma pista: regiões com custos de vida menores possuem

linhas regionais de pobreza e indigência mais baixas, portanto mais próximas da

linha de R$ 70,00 do PBSM. Já nas regiões onde o custo de vida é maior, a linha

de indigência (e, consequentemente, a de pobreza) terá um valor elevado e,

portanto, mais distante dos R$ 70,00. Como o custo das cestas alimentar e não-

alimentar é menor nas regiões rurais e maior nas regiões urbanas, então uma

hipótese plausível é que a distorção entre a medição de Rocha e do MDS será

0 200000 400000 600000 800000 1000000 1200000

Maranhão

Piauí

Ceará

Rio Grande do Norte

Paraíba

Pernambuco

Alagoas

Sergipe

Bahia

Nº extremamente pobres Nº de indigentes

Page 56: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

56

menor nas regiões rurais e maior nas regiões com pobreza predominantemente

urbana – pois nelas a linha de indigência tende a ser mais alta.

O gráfico a seguir28 mostra que a indigência rural é um fenômeno

marcante da região Nordeste, mas pouco representativo das regiões Sudeste,

Sul e Centro-Oeste, justamente aquelas onde foram encontradas as maiores

disparidades entre as medições de Rocha e do Governo Federal:

Gráfico 8 – número de indigentes por região do país, de acordo com a situação

de residência (Rocha)

Fonte: elaboração própria

O mesmo padrão se repete para a pobreza, conforme o gráfico a seguir:

28 Rocha trabalha a contagem da população indigente em três grupos: rural, urbano e metropolitano. Como as regiões metropolitanas são majoritariamente urbanas, esse grupo foi agregado ao urbano na montagem do gráfico.

0

500000

1000000

1500000

2000000

2500000

3000000

Urbano e Metropolitano

Rural

Page 57: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

57

Gráfico 9 – número de pobres por região do país, de acordo com a situação de

residência (Rocha)

Fonte: elaboração própria

Para verificar a relação entre taxa de urbanização e distorção entre as

mensurações, colocamos lado a lado no gráfico a seguir as medições de pobreza

das duas metodologias para os cinco estados com a maior taxa de urbanização

do Brasil (incluindo o Distrito Federal) e os cinco estados com a menor taxa.

Observando os resultados, nota-se que a linha do PBSM não consegue captar

tão bem a pobreza nas regiões altamente urbanizadas quanto as linhas de

Rocha. Conforme o esperado, a distorção entre as duas medições é menor nos

estados com menor taxa de urbanização.

0

500000

1000000

1500000

2000000

2500000

3000000

Urbano e metropolitano

Rural

Page 58: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

58

Gráfico 10 – comparação de medições de pobreza nos estados mais

urbanizados e menos urbanizados (PNAD 2013)

Fonte: elaboração própria

Podemos concluir que a medição feita por meio das linhas

governamentais de extrema pobreza e de pobreza têm efetividade limitada nos

estados e regiões brasileiras onde o custo de vida é maior, donde se inclui as

zonas mais urbanizadas. As linhas elaboradas por Rocha, por outro lado,

conseguem captar um número maior de pessoas vivendo sem o mínimo

suficiente para satisfazer as suas necessidades básicas, justamente porque elas

incorporam em suas metodologias as diferenças regionais no custo de vida. Ao

deixar de lado esse importante fator, o Governo Federal exclui de suas medições

uma parcela significativa da população pobre, especialmente nas regiões

Sudeste, Sul e Centro-Oeste. O resultado de uma deficiência na medição da

pobreza nessas regiões, que contêm estados populosos e altamente

urbanizados como Rio de Janeiro e São Paulo, resulta na exclusão de milhões

de brasileiros das estatísticas de pobreza e também de sua exclusão no acesso

0 1000000 2000000 3000000 4000000 5000000 6000000

Maranhão (58%)

Piauí (68%)

Pará (69%)

Acre (71%)

Alagoas (71,5%)

Amapá (90%)

Goiás (91,6%)

Distrito Federal (95%)

São Paulo (96%)

Rio de Janeiro (97%)

Nº de pobres (Rocha) Nº de pobres (gov. fed.)

Page 59: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

59

a programas de transferência de renda, visto que a linha de extrema pobreza e

a linha de operacionalização de benefícios como o Bolsa Família são as

mesmas.

Page 60: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

60

CONCLUSÃO

A proposta da linha de extrema pobreza do Plano Brasil Sem Miséria é

localizar o núcleo duro da pobreza no Brasil e chegar até os mais pobres dentre

os pobres. Para isso, estabeleceu-se inicialmente um valor de R$ 70,00, o

mesmo da linha de operacionalização do Programa Bolsa Família. Por sua vez,

a linha do Bolsa Família foi originalmente inspirada na linha do Fome Zero, que

foi inspirada na linha de extrema pobreza do Banco Mundial, que é computada

como a média das linhas de pobreza de diversos países e não dá conta das

particularidades da pobreza no Brasil. Em cada uma dessas ramificações foi

adotada uma metodologia diferente para a atualização do valor da linha, que era

hora indexada à linha do BM, hora desvinculada de qualquer fator senão a

disponibilidade orçamentária. Fruto de todas essas mudanças e derivações, a

linha do PBSM pode ser considerada um instrumento fiel de medição da

realidade social brasileira?

Neste trabalho, comparamos os resultados das medições da pobreza e

extrema pobreza com os resultados da medição de Sonia Rocha, cuja

metodologia é indexada às mudanças nos custos de vida regionais, de modo a

testar a validade dos instrumentos de medição da pobreza usados pelo Governo

Federal. Ainda que não seja perfeita, a metodologia de Rocha tem o cuidado de

atualizar anualmente as linhas de pobreza e de indigência, utilizando dados

retirados de pesquisas nacionais confiáveis, sendo, portanto, um termômetro

mais seguro para medir o fenômeno real da pobreza do que as linhas do PBSM,

que carecem de uma metodologia vinculada à realidade social. Como resultado

da comparação, descobrimos que a medição criada pelo MDS carece de

reconhecer ao menos 2,8 milhões de brasileiros como extremamente pobres, e

mais 10,9 milhões como pobres.

Não é incomum que os critérios de medição da pobreza sejam

simplificados conforme a capacidade estatal de encarar o combate à miséria. A

própria Sonia Rocha diz que linhas de pobreza que informam proporções de

pobres muito elevadas são impraticáveis para uso no diagnóstico e orientação

de políticas (ROCHA, 2003, p. 77-78). A escolha do Governo Federal por uma

metodologia que faz um recorte menor da população pobre poderia ser

justificada pela incapacidade do Estado de lidar com a pobreza em seus números

Page 61: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

61

absolutos. Se o governo adotasse uma metodologia que informasse um público-

alvo muito grande, ela não serviria para focalizar os programas sociais.

Esse é um bom argumento, mas insuficiente para justificar a escolha do

MDS pela linha do PBSM. A população pobre, segundo Rocha, representa

15,3% da população brasileira (4,7% se levarmos em conta só a população

indigente). É um número grande, mas operacionalizável. Ainda que exija o

emprego de mais recursos, essa contagem não representa nenhum número

absurdo para utilização na execução de políticas públicas, o que seria diferente

se o resultado apontasse a população pobre como 30 ou 40% da população

brasileira.

Ainda assim, 15,3% é o dobro da contagem do Governo Federal. A grande

pergunta é: caso uma nova metodologia de focalização fosse adotada pelo

governo, uma metodologia que fosse regionalizada e indexada aos valores dos

custos de vida locais, de forma a identificar o público atualmente invisível, quem

pagaria a diferença? Mais pobres significam mais pessoas elegíveis para

benefícios sociais e maiores gastos governamentais. Isso é especialmente

verdade para as regiões metropolitanas, pois, como vimos, a maior deficiência

de medição do governo se localiza nessas áreas urbanas com custos de vida

altos e maior número absoluto de pessoas na pobreza. O Governo Federal teria

que alocar mais recursos no sistema de assistência social para dar conta do

atendimento de toda essa população. Teria ele condições de fazê-lo sozinho?

Outro problema é que, com a adoção de linhas regionalizadas, os

benefícios das transferências de renda podem se mostrar insuficientes para

eliminar mesmo a pobreza daqueles que recebem os benefícios. Por enquanto,

tanto a linha da extrema pobreza quanto o benefício básico do Bolsa Família têm

o valor de R$ 77,00, o que significa que, no caso de famílias formadas por um

só indivíduo, o recebimento do Bolsa Família já o retira automaticamente da

condição de extrema pobreza. Se as linhas passarem a ser regionalizadas, isso

não acontecerá tão facilmente. Em municípios como São Paulo, cuja linha de

indigência, segundo Rocha, é de R$ 117,77, o benefício do Bolsa Família é

insuficiente para retirar uma família da miséria. Quanto mais alto o custo de vida,

maior é a dificuldade das famílias de superarem a pobreza somente com as

transferências de renda do Governo Federal. Por isso, o poder do Bolsa Família

Page 62: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

62

de combater a miséria enfraquece caso as linhas sejam regionalizadas sem que

os benefícios também o sejam.

A solução pode estar na atualização conjunta dos valores das linhas e dos

benefícios, com o benefício do Bolsa Família sendo complementado

regionalmente por estados e municípios. Estados e alguns municípios têm

condições de alocar recursos próprios nas transferências de renda,

complementando o valor transferido pelo Governo Federal e deixando-o mais

próximo do valor da linha regional de pobreza.

Transferências de renda locais não são nenhuma novidade: nos anos 90,

mesmo antes de programas federais como o Bolsa-Escola, alguns municípios já

tinham programas próprios com esse objetivo. O Bolsa Familiar para Educação,

de Brasília, foi criado em 1995 e transferia um salário mínimo mensal para

famílias pobres com crianças abaixo dos 15 anos. Seu modelo foi reproduzido

em outras cidades - não só em capitais como Belo Horizonte e Goiânia, mas

também em municípios de porte menor, especialmente os paulistas: Franca,

Guariba, Jundiaí, Jaboticabal, Ourinhos e outros (SOARES e SÁTYRO, 2009, p.

9), o que mostra algum grau de possibilidade orçamentária, em certos

municípios, de cofinanciar o Bolsa Família ou de criar programas

complementares. Nesse caso, as transferências de renda federais, estaduais e

municipais devem ser coordenadas e não sobrepostas: transferências locais

devem complementar as transferências já realizadas pelo Bolsa Família, e não

criar transferências novas, pois isso originaria dois sistemas diferentes para o

mesmo fim dentro de uma mesma localidade, repetindo o caos existente antes

da unificação dos programas de transferência de renda federal - quando existiam

quatro programas similares direcionados ao mesmo público, cada um com um

cadastro próprio e operacionalizado por um órgão do governo diferente.

No âmbito estadual, existem diversos estados, principalmente no Sul e

Sudeste, que já possuem programas de complementações de renda ao

Programa Bolsa Família. Cada um operacionaliza o seu programa de acordo

com objetivos locais. No Rio de Janeiro, temos o programa Renda Melhor,

estadual, e o Família Carioca, municipal, da Prefeitura do Rio de Janeiro. Há,

portanto, uma participação dos três níveis da federação no financiamento das

transferências de renda. Cada um tem o seu programa, com certas

particularidades, mas todos utilizam o mesmo Cadastro Único e beneficiam as

Page 63: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

63

mesmas famílias. Esse benefício triplo faz com que as transferências de renda

recebidas pelas famílias cariocas sejam maiores do que as de outras partes do

país, o que é apropriado, pois a linha de pobreza do Rio de Janeiro calculada

por Rocha é uma das mais altas do Brasil.

O exemplo do Rio de Janeiro mostra que o Bolsa Família e as linhas de

pobreza regionais podem funcionar juntas se o financiamento dos benefícios for

dividido entre União, estado e grandes municípios. O benefício básico, federal,

pode inclusive manter um mesmo valor para todo o país (os R$ 77,00 de agora,

digamos), se forem somados a ele as complementações dos entes federados,

de modo que em cada região se atinja um valor de benefício que seja próximo

da linha regional de extrema pobreza. Em estados que não possuem condições

de participar do financiamento, o Governo Federal pode criar benefícios

especiais, como uma complementação especial para os estados do Nordeste,

por exemplo. Desse modo, os estados e municípios que podem complementar o

benefício do Bolsa Família o fazem, enquanto o Governo Federal amplia o valor

dos benefícios familiares naqueles estados que não possuem condições para

isso e cujas taxas de miséria são mais elevadas.

É imprescindível que, para manter a coerência com a realidade

mensurada, a linha de extrema pobreza e a linha de pobreza sejam atualizadas

de acordo com critérios empíricos, de preferência anualmente. A atualização não

pode se dar de forma espontânea, de acordo com critérios vagos de

disponibilidade orçamentária, pois isso deteriora a qualidade da focalização dos

programas e da contagem do público-alvo. A indexação à variação dos custos

de vida regionais, conforme a observação dos preços de cestas básicas

alimentares e não-alimentares, ainda parece ser a melhor solução.

As sugestões aqui apresentadas têm implicações diretas no orçamento

público, pois aumentam os custos de operacionalização dos programas sociais.

O ano de 2016 é, ao mesmo tempo, um momento propício e desfavorável para

mudanças: propício porque é o ano em que um novo plano de superação da

pobreza deve ser anunciado, posto que o Plano Brasil Sem Miséria chegou ao

fim de seu cronograma. Desfavorável, porque o Governo Federal passa por uma

situação financeira delicada, e a regra da casa é que os gastos públicos sejam

reduzidos e não expandidos. Uma mudança na forma de medição da pobreza

que acarrete num aumento do público-alvo e, consequentemente, num aumento

Page 64: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

64

dos gastos, dificilmente seria aprovada. A indexação da linha de pobreza e de

benefícios sociais a indicadores anuais poderia criar um descontrole

orçamentário, visto que não há garantias de que o governo tenha condições de

reajustar benefícios caso a inflação ultrapasse a meta anual. Em outras palavras,

o cenário é de incerteza e tudo o que ele não pede é por indexar gastos a

indicadores permeados por incerteza. Ainda assim, se o Governo Federal encara

a eliminação da extrema pobreza como prioridade, ele deve ser tratado de forma

acurada, e isso implica na construção de um método adequado de medição da

pobreza, que seja aplicável em diversos cenários regionais e que se mantenha

gerando resultados confiável mesmo com o passar dos anos.

Page 65: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

65

REFERÊNCIAS CAMPELLO, T. Uma década derrubando mitos e superando expectativas. In: CAMPELLO e NERI (Org.). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013, p. 15-23 CAMPELLO, T. e MELLO, J. O processo de formulação e os desafios do Plano Brasil Sem Miséria: por um país rico e com oportunidades para todos. In: CAMPELLO et al. (Org.). O Brasil Sem Miséria. Brasília: MDS, 2014, p. 33-66. DEATON, A. Measuring poverty. Research Program in Development Studies. Nova Jérsei: Princeton University, 2004. DEATON, A. e HESTON, A. Understanding PPPs and PPP-based national accounts. Research Program on Development Studies, Princeton University, 2009. HELLMANN, A. Tabela com evolução dos benefícios e linha de corte do Programa Bolsa Família ao longo dos anos. 2015. Planilha de Excel. FALCÃO, T. e DA COSTA, P. V. A linha de extrema pobreza e o público-alvo do Plano Brasil Sem Miséria, In: CAMPELLO et al. (Org.). O Brasil Sem Miséria. Brasília: MDS, 2014, p.67-98. GAIHA et al. Diets, Nutrition, and Poverty: Lessons from India. In: Herring, R. J. (ed.). The Oxford Handbook of Food, Politics, and Society. EUA, Oxford University Press, 2015. GRAZIANO, J. et al. Para os críticos do Fome Zero. In: José Graziano et. al (Org.). Fome Zero: a experiência brasileira. Brasília: MDA, 2010, p. 39-52. JACCOURD, L. O Programa Bolsa Família e o combate à pobreza: reconfigurando a proteção social no Brasil? In: CASTRO, J. A. e MODESTO, L. (Org.) Bolsa Família 2003-2010: avanços e desafios. Brasília: Ipea, 2010, p. 101- 135. JANNUZZI, P. M. Considerações sobre o uso, o mau uso e abuso dos indicadores sociais na formulação e avaliação de políticas públicas municipais. In: Revista de Administração Pública, v. 36, n. 1, p. 51-72, 2002. JOHNSON, S. et al. Is Newer Better? Penn World Table Revisions and Their Impact on Growth Estimates. Journal of Monetary Economics, vol. 60 (2). Elsevier: 2013, pp. 255-274. MACDONALD, R. e RICCI, L. PPP and the Balassa Samuelson Effect: The Role of the Distribution Sector. Working paper do IMF. 2001.

Page 66: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

66

MARINHO, A. e FAÇANHA, L. O. Programas Sociais: Efetividade,

Eficiência e Eficácia como Dimensões Operacionais da Avaliação. Rio de Janeiro: IPEA, 2001 (Texto para Discussão, n. 787) MKANDAWIRE, T. Targeting and Universalism in Poverty Reduction. Social

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Page 67: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

67

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Page 68: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

68

ANEXOS

ANEXO A: INDICADORES DE INDIGÊNCIA (ROCHA) / EXTREMA POBREZA

(GOVERNO FEDERAL) SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E

ESTRATOS DE RESIDÊNCIA – PNAD 2013

As tabelas abaixo trazem os resultados da contagem de Rocha e do IETS

para a indigência no Brasil e, ao lado, a contagem do Governo Federal para a

população em extrema pobreza, ambas tendo como referência os dados da

PNAD 2013 e o ano de 2013.

Brasil Número de Indigentes (ROCHA)

População em extrema pobreza

(gov. fed.)

Norte 1.195.305 807.345

Nordeste 4.331.025 3.863.706

Sudeste 2.514.039 1.013.847

Sul 592.448 297.893

Centro-Oeste 410.420 237.682

BRASIL 9.043.237 6.220.473

Metropolitano 2.177.351

Urbano 4.523.629

Rural 2.342.257

Norte Número de Indigentes (ROCHA)

População em extrema pobreza

(gov. fed.)

Rondônia 67.177 42.596

Urbano 54.027

Rural 13.150

Acre 47.381 45.642

Urbano 24.737

Rural 22.644

Amazonas 363.779 226.057

Urbano 274.825

Rural 88.954

Page 69: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

69

Roraima 29.815 14.381

Urbano 23.959

Rural 5.856

Pará 556.434 396.332

Belém 128.008

Urbano 226.810

Rural 201.616

Amapá 45.279 30.436

Urbano 37.862

Rural 7.417

Tocantins 85.440 51.901

Urbano 52.600

Rural 32.840

NORTE 1.195.305 807.345

Belém 128.008

Urbano 694.820

Rural 372.477

Nordeste Número de Indigentes (ROCHA)

População em extrema pobreza

(gov. fed.)

Maranhão 875.329 930.357

Urbano 325.777

Rural 549.552

Piauí 169.821 124.237

Urbano 118.532

Rural 51.289

Ceará 668.178 593.098

Fortaleza 176.489

Urbano 253.086

Rural 238.603

Rio Grande do Norte 181.522 127.463

Urbano 128.800

Rural 52.722

Paraíba 228.658 188.763

Urbano 147.580

Page 70: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

70

Rural 81.078

Pernambuco 675.219 567.695

Recife 241.007

Urbano 263.574

Rural 170.638

Alagoas 317.204 299.648

Urbano 196.141

Rural 121.063

Sergipe 112.082 84.959

Urbano 78.096

Rural 33.986

Bahia 1.103.012 947.486

Salvador 201.395

Urbano 538.903

Rural 362.714

NORDESTE 4.331.025 3.863.706

Metropolitano 618.891

Urbano 2.050.489

Rural 1.661.645

Sudeste Número de Indigentes (ROCHA)

População em extrema pobreza

(gov. fed.)

Minas Gerais 615.163 343.285

Belo Horizonte 121.866

Urbano 372.647

Rural 120.650

Espírito Santo 138.836 60.564

Urbano 130.839

Rural 7.997

Rio de Janeiro 584.452 233.698

Metrópole 461.517

Urbano 105.809

Rural 17.126

São Paulo 1.175.588 376.300

Metrópole 591.592

Urbano 559.854

Page 71: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

71

Rural 24.142

SUDESTE 2.514.039 1.013.847

Metropolitano 1.174.975

Urbano 1.169.149

Rural 169.915

Sul Número de Indigentes (ROCHA)

População em extrema pobreza

(gov. fed.)

Paraná 223.700 121.545

Curitiba 75.955

Urbano 133.037

Rural 14.708

Santa Catarina 104.374 45.119

Urbano 86.193

Rural 18.181

Rio Grande do Sul 264.374 131.229

Porto Alegre 116.087

Urbano 108.227

Rural 40.060

SUL 592.448 297.893

Metropolitano 192.042

Urbano 327.457

Rural 72.949

Centro-Oeste Número de Indigentes (ROCHA)

População em extrema pobreza

(gov. fed.)

Mato Grosso do Sul 72.192 42.658

Urbano 66.037

Rural 6.155

Mato Grosso 120.547 83.042

Urbano 78.135

Rural 42.412

Goiás 154.246 88.342

Urbano 137.542

Rural 16.704

Page 72: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

72

Distrito Federal 63.435 23.640

CENTRO-OESTE 410.420 237.682

Metropolitano 63.435

Urbano 281.714

Rural 65.271

Fonte: elaboração própria com base na planilha “PNAD 2013 – Indicadores de Pobreza e de

Indigência (Sonia Rocha)” e na ferramenta PIC Social

Page 73: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

73

ANEXO B: INDICADORES DE POBREZA (ROCHA/GOVERNO FEDERAL)

SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E ESTRATOS DE

RESIDÊNCIA – PNAD 2013

As tabelas abaixo trazem os resultados da contagem de Rocha e do IETS

para a pobreza no Brasil e, ao lado, a contagem do Governo Federal, ambas

tendo como referência os dados da PNAD 2013 e o ano de 2013.

Região

Número de pobres (ROCHA)

Número de pobres

(gov. fed.)

Norte 3.268.452 2.362.746

Nordeste 12.812.953 9.338.298

Sudeste 9.807.290 2.629.976

Sul 1.365.683 733.024

Centro-Oeste 1.980.025 520.214

BRASIL 29.234.403 15.584.208

Metropolitano 10.181.059

Urbano 13.960.928

Rural 5.092.416

Norte Número de pobres (ROCHA)

Número de pobres

(gov. fed.)

Rondônia 181.600 126.821

Urbano 149.697

Rural 31.903

Acre 152.941 131.335

Urbano 110.618

Rural 42.323

Amazonas 874.028 590.425

Urbano 711.974

Rural 162.054

Roraima 71.178 43.488

Urbano 61.058

Rural 10.120

Page 74: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

74

Pará 1.625.684 1.228.673

Belém 463.651

Urbano 750.094

Rural 411.939

Amapá 145.552 89.533

Urbano 134.043

Rural 11.509

Tocantins 217.469 152.471

Urbano 169.476

Rural 47.993

NORTE 3.268.452 2.362.746

Belém 463.651

Urbano 2.086.960

Rural 717.841

Nordeste Número de pobres (ROCHA)

Número de pobres

(gov. fed.)

Maranhão 1.877.637 1.767.555

Urbano 905.443

Rural 972.194

Piauí 629.718 482.688

Urbano 425.701

Rural 204.017

Ceará 2.066.581 1.554.092

Fortaleza 736.358

Urbano 720.618

Rural 609.605

Rio Grande do Norte 582.640 399.084

Urbano 439.146

Rural 143.494

Paraíba 757.569 553.595

Urbano 567.541

Rural 190.028

Pernambuco 2.288.144 1.291.583

Page 75: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

75

Recife 1.110.396

Urbano 813.965

Rural 363.783

Alagoas 846.899 674.966

Urbano 602.345

Rural 244.554

Sergipe 367.716 265.742

Urbano 297.948

Rural 69.768

Bahia 3.396.049 2.348.993

Salvador 834.055

Urbano 1.677.405

Rural 884.589

NORDESTE 12.812.953 9.338.298

Metropolitano 2.680.809

Urbano 6.450.112

Rural 3.682.032

Sudeste Número de pobres (ROCHA)

Número de pobres

(gov. fed.)

Minas Gerais 1.789.652 932.945

Belo Horizonte 581.638

Urbano 924.717

Rural 283.297

Espírito Santo 334.243 192.544

Urbano 310.820

Rural 23.423

Rio de Janeiro 2.400.407 540.247

Metrópole 2.004.700

Urbano 340.047

Rural 55.660

São Paulo 5.282.988 964.240

Metrópole 3.450.587

Urbano 1.754.231

Rural 78.170

MG/ES 2.123.895

Page 76: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

76

Metropolitano 581.638

Urbano 1.235.537

Rural 306.720

SUDESTE 9.807.290 2.629.976

Metropolitano 6.036.925

Urbano 3.329.815

Rural 440.550

Sul Número de pobres (ROCHA)

Número de pobres

(gov. fed.)

Paraná 562.789 264.090

Curitiba 234.530

Urbano 286.144

Rural 42.115

Santa Catarina 216.826 117.844

Urbano 189.893

Rural 26.933

Rio Grande do Sul 586.068 351.090

Porto Alegre 264.886

Urbano 249.500

Rural 71.682

SUL 1.365.683 733.024

Metropolitano 499.416

Urbano 725.537

Rural 140.730

Centro-Oeste Número de pobres (ROCHA)

Número de pobres

(gov. fed.)

Mato Grosso do Sul 284.680 85.727

Urbano 270.732

Rural 13.948

Mato Grosso 378.179 147.779

Urbano 309.874

Rural 68.305

Goiás 816.908 221.493

Urbano 787.898

Rural 29.010

Page 77: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

77

Distrito Federal 500.258 65.215

CENTRO-OESTE 1.980.025 520.214

Metropolitano 500.258

Urbano 1.368.504

Rural 111.263

Fonte: elaboração própria com base na planilha “PNAD 2013 – Indicadores de

Pobreza e de Indigência (Sonia Rocha)” e na ferramenta PIC Social

Page 78: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

78

ANEXO C: TAXA DE URBANIZAÇÃO SEGUNDO UNIDADE FEDERATIVA

A taxa de urbanização é calculada pelo IBGE como a porcentagem da população

da área urbana em relação à população total.29

Região Taxa de urbanização

Norte 7461,00%

Nordeste 7334,00%

Sudeste 9316,00%

Sul 8554,00%

Centro-Oeste 9007,00%

BRASIL 8477,00%

Norte Rondônia 7351,00%

Acre 7117,00%

Amazonas 8317,00%

Roraima 8348,00%

Pará 6886,00%

Amapá 9000,00%

Tocantins 7593,00%

Nordeste Maranhão 5825,00%

Piauí 6840,00%

Ceará 7288,00%

Rio Grande do Norte 7863,00%

Paraíba 7962,00%

Pernambuco 8157,00%

Alagoas 7149,00%

Sergipe 7320,00%

Bahia 7390,00%

29 Conforme http://bit.ly/SoN4DQ. Acesso: 18 de novembro de 2015.

Page 79: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

79

Sudeste Minas Gerais 8446,00%

Espírito Santo 8600,00%

Rio de Janeiro 9698,00%

São Paulo 9647,00%

Sul Paraná 8477,00%

Santa Catarina 8747,00%

Rio Grande do Sul 8489,00%

Centro-Oeste Mato Grosso do Sul 8968,00%

Mato Grosso 8253,00%

Goiás 9159,00%

Distrito Federal 9551,00%

Fonte: IBGE, PNAD 2013

Page 80: Linhas de pobreza no Plano Brasil Sem Miséria: análise crítica e proposta de alternativa

80

ANEXO D: LINHAS DE INDIGÊNCIA E LINHAS DE POBREZA DE ROCHA

PARA OS ANOS DE 2011 E 2013

Regiões e Estados

Linha de indigência

(em R$) 2011

Linha de pobreza (em R$)

2011

Linha de indigência

(em R$) 2013

Linha de pobreza (em R$)

2013

Norte Belém 75,37 210,90 92,14 241,52 Urbano 74,18 183,84 90,69 210,53 Rural 48,96 92,23 60,81 105,61 Nordeste Fortaleza 70,52 198,03 87,95 229,25 Recife 90,72 292,27 110,45 336,09 Salvador 84,02 262,07 101,89 296,09 Urbano 61,66 176,96 75,49 202,61 Rural 53,56 106,74 65,58 122,21 M.G./E.S. Belo Horizonte 76,97 259,82 91,37 294,41 Urbano 66,34 174,68 78,76 197,93 Rural 53,22 103,41 63,18 117,17 Rio de Janeiro Metrópole 96,47 296,06 115,36 338,04 Urbano 70,03 184,21 83,74 210,33 Rural 55,31 134,47 66,14 153,54 São Paulo Metrópole 100,04 357,68 117,77 398,04 Urbano 81,65 228,56 96,11 254,35 Rural 64,21 143,79 75,58 160,01 Sul Curitiba 71,78 235,53 84,95 264,22 Porto Alegre 75,62 185,71 90,32 209,53 Urbano 66,69 158,18 79,30 177,89 Rural 52,60 106,64 62,54 119,93 Centro-Oeste Brasília 81,37 346,59 94,26 384,64 Goiânia 80,24 318,82 93,85 357,13 Urbano 69,83 242,75 81,67 271,92 Rural 52,57 139,42 61,48 156,17

Fonte: adaptado de ROCHA, 2013