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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SP

    Janice Gusmo Ferreira de Andrade

    Imigrao e Misria no Brasil:

    O caso dos descendentes de pomeranos do Municpio de Santa Maria de

    Jetib no Esprito Santo

    Doutorado em Servio Social

    So Paulo 2017

  • Janice Gusmo Ferreira de Andrade

    Imigrao e Misria no Brasil:

    O caso dos descendentes de pomeranos do Municpio de Santa Maria de

    Jetib no Esprito Santo

    Doutorado em Servio Social

    Tese apresentada Banca Examinadora da

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo,

    como exigncia parcial para a obteno do ttulo

    de Doutora em Servio Social, sob a orientao da

    professora Doutora Maria Carmelita Yazbek.

    So Paulo 2017

  • BANCA EXAMINADORA

    _________________________________________

    _________________________________________

    _________________________________________

    _________________________________________

    _________________________________________

  • Dedicatria

    Aos imigrantes e as comunidades tradicionais.

    Ao meu filho.

    A todas as mulheres que ora so mes, esposas,

    filhas, irms, sobrinhas, netas, afilhadas,

    trabalhadoras, amigas, e ora so tudo isso

    reunidas numa s pessoa e que optaram por

    contribuir com a bela e rdua jornada da

    produo da cincia.

  • Esta pesquisa teve o incentivo do Programa de Excelncia da Coordenao de

    Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES-PROEX).

  • AGRADECIMENTOS

    Como crist que sou, agradeo a Deus pela permisso da realizao deste trabalho,

    sonho desde a graduao. Pela fora, coragem concedida para realizar cada viagem

    e vencer os desafios que surgiram ao longo do processo.

    A minha estimada orientadora, a Professora Doutora Maria Carmelita Yazbek.

    Profissional de quem sou f. De to sbia que , conseguiu reunir na sua pessoa

    humildade, generosidade e doura. Sempre simptica, foi parceira e me conduziu

    nesse processo com sabedoria. Agradeo a compreenso, o incentivo e a confiana

    depositada em mim. MUITO OBRIGADA!

    Aos membros da banca do Exame de Qualificao, s Professoras Dra. Marta Silva

    Campos, Maria Lucia Martinelli, pessoas maravilhosas, que me acompanharam

    desde o mestrado, que dividiram comigo seu saber e tem toda a minha admirao.

    Agradeo pelas arguies, anlises e contribuies preciosas que indicaram novos

    caminhos para esta pesquisa.

    Aos professores do Programa de Estudos Ps-graduados em Servio Social da

    PUC-SP que me acompanharam nesse processo e me transmitiram seu

    conhecimento. Foi um prazer ter sido aluna de vocs.

    minha me, irms e sobrinhos e sobrinhas, pela pacincia e compreenso das

    minhas ausncias.

    Vnia e Andria Canhetti, secretrias do Programa, que me receberam bem, me

    acolheram, sempre pacientes e carinhosas, vocs tambm fazem parte deste

    processo.

    Aos amigos que me receberam, me acolheram e estiveram comigo nesse processo,

    no me deixando desistir. Em especial s da Famlia Guerra: Mrcia, Mariane,

    Virgnia e Eliene, que me acolheram em sua casa sempre que precisei. Foram mais

    que parceiras, foram amigas e irms. Gratido eterna.

  • Liane Bittencourt, Samira, Lourdes, aos amigos e professores do NET/UFES e

    tantos outros que enriqueceram meus dias com a alegria de suas presenas, do

    estmulo ofertado, da alegria compartilhada, do conhecimento dividido.

    grande amiga irm Irlene, que mesmo residindo em outro pas esteve sempre

    presente, me animando quando o cansao me consumia eme mostrando luz no

    caminho quando as luzes ficavam menos brilhantes pela adversidade dos dias.

    Zanza, Stanley, Glio, Gabriel que me ajudaram com meu querido filho Renato nas

    minhas ausncias.

    Ao meu esposo Renato, por sua participao na minha vida, por sua contribuio no

    meu crescimento intelectual, espiritual e na construo desta tese.

  • LISTA DE SIGLAS

    ABONG - Associao Brasileira de ONGs

    ADERES - Agncia de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas e do Empreendedorismo

    BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

    BIRD - Banco Mundial

    BPC - Benefcio de Prestao Continuada

    Cadnico - Cadastro nico

    CAPES - Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

    CESAN - Companhia Esprito Santense de Saneamento

    Cf. - Conferir

    CF 88 - Constituio Federal em 1988

    CIB - Comisso Intergestores Bipartite

    CLT - Constituio das Leis Trabalhistas

    CNAS - Conselho Nacional de Assistncia Social

    CNPT - Centro Nacional de Pesquisa e Conservao da Scio-biodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais

    CONEAS - Conselho Estadual de Assistncia Social

    CONEGRO - Conselho Municipal do Negro

    CONSEA - Conselho Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional

    CPMF - Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira

    CRAS - Centro de Referncia de Assistncia Social

    CREAS - Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social

    DEM - Partido Democratas

    Detran - Departamento Estadual de Trnsito

    EBSERH - Empresa Brasileira de Servios Hospitalares

    ECA - Estatuto da Criana e do Adolescente

    ECO-92 - Segunda Conferncia Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, 1992

    Enem - Exame Nacional do Ensino Mdio

    FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador

    FHC - Fernando Henrique Cardoso

    FIES - Programa de Financiamento Estudantil

    FMI - Fundo Monetrio Internacional

    Fundeb - Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica

    FUNPRESP-EXE - Fundao de Previdncia Complementar do Servidor Pblico Federal do Poder Executivo

    http://sisfiesportal.mec.gov.br/

  • GEPS - Gesto Estratgica de Polticas Sociais

    IAVE - International Association for Volunteer Effort

    IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

    IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IETS - Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade

    IJSN - Instituto Jones dos Santos Neves

    INAN - Instituto Nacional de Alimentao e Nutrio

    INCAPER - Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistncia Tcnica e Extenso Rural

    INCRA - Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    INSS - Instituto Nacional do Seguro Social

    IPEA - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    IPCA - ndice Nacional de Preos ao Consumidor Amplo

    IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados

    LOAS - Lei Orgnica da Assistncia Social

    MARE - Ministrio da Administrao e Reforma do Estado

    MDS - Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome

    MDSA - Ministrio de Desenvolvimento Social e Agrrio

    MEC - Ministrio da Educao e Cultura

    MMA - Ministrio do Meio Ambiente

    NOB-RH - Norma Operacional Bsica de Recursos Humanos

    ONGs - Organizaes No Governamentais

    ONU - Organizao das Naes Unidas

    OPEP - Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo

    OS - Organizaes Sociais

    OSCIPs - Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico

    PAA - Programa de Aquisio de Alimentos

    PAC - Programa de Acelerao do Crescimento

    PAEG - Plano de Ao Econmica do Governo

    PAIF - Programa de Ateno Integral a Famlia

    PBC - Projeto Bolsa Capixaba

    PBF - Programa Bolsa Famlia

    PBSM - Plano Brasil Sem Misria

    PED - Programa Estratgico de Desenvolvimento

    PIB - Produto Interno Bruto

    PMDB - Partido do Movimento Democrtico do Brasil

  • PNAE - Programa Nacional de Alimentao Escolar

    PNAS - Poltica Nacional de Assistncia Social

    PND - Plano Nacional de Desenvolvimento

    PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento

    PPS - Partido Popular Socialista

    PRODEX - Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo

    ProJovem - Programa Nacional de Incluso de Jovens

    PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

    Pronatec - Programa Nacional de Acesso Escola Tcnica

    PROUNI - Programa Universidade para Todos

    PSB - Partido Socialista Brasileiro

    PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira

    PT - Partido dos Trabalhadores

    RBC - Renda Bsica de Cidadania

    RDM - Relatrio sobre o Desenvolvimento Mundial

    REUNI - Reestruturao e Expanso das Universidades Federais

    Seab - Sistema de Avaliao da Educao Bsica

    SEADH - Secretaria de Estado da Assistncia Social e Direitos Humanos

    SEAE - Secretaria de Estado Extraordinria de Aes Estratgicas

    SEAG - Secretaria de Estado de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca

    SECULT - Secretaria de Estado de Cultura

    SECTTI - Secretaria de Estado de Cincia, Tecnologia, Inovao, Educao Profissional e Trabalho

    SEDES - Secretaria de Estado de Desenvolvimento

    SEDU - Secretaria de Estado da Educao

    SEDURB - Secretaria de Estado de Saneamento, Habitao e Desenvolvimento Urbano

    SEP - Secretaria de Estado de Economia e Planejamento

    SEPPIR - Secretaria de Polticas de Promoo da Igualdade Racial

    SESA - Secretaria de Estado de Sade

    SESP - Secretaria de Estado da Segurana Pblica e Defesa Social

    SESPORT - Secretaria de Estado de Esportes

    SETOP - Secretaria de Estado dos Transportes e Obras Pblicas

    Sinaes - Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior

    SUAS - Sistema nico de Assistncia Social

    SUS - Sistema nico de Sade

    UBS - Unidade Bsica de Sade

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1: Crescimento da renda real per capita por percentil na distribuio dos

    rendimentos (% a.a.) ........................................................................................... 115

    Grfico 2: Distribuio da populao por classes de renda (em milhes de

    habitantes)........................................................................................................... 115

    Grfico 3: Salrio mnimo deflacionado pelo IPCA (ndice 2002 = 100) e

    variao (%) anual .............................................................................................. 116

    Grfico 4: Relao crdito/PIB (%) pessoa fsica (PF) e pessoa jurdica (PJ) . 117

    Grfico 5: Endividamento e comprometimento da renda das famlias (em % da

    renda pessoal disponvel) ................................................................................... 118

    Grfico 6: Taxa de desemprego dessazonalizada (em %) ............................... 119

    Grfico 7: Volume de vendas no varejo por regies ndice 2002 = 100 e variao

    (%) acumulada no perodo .................................................................................. 120

    Grfico 8: Populao em situao de extrema pobreza por faixa etria ............ 222

    Grfico 9: Recursos Transferidos do Programa Bolsa Famlia aoMunicpio ...... 228

    Grfico 10: Escolaridade .................................................................................... 237

    Grfico 11: Composio Familiar ....................................................................... 238

    Grfico 12: Conhecimento sobre a Assistncia Social .......................................239

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Populao em 1870................................................................................. 172

    Tabela 2: Distribuio e ocupao profissional na Provncia do Esprito Santo ...... 172

    Tabela 3: Famlias Cadastradas por Faixa de Renda ............................................ 222

    Tabela 4: Transferncia de Renda ......................................................................... 227

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Mapa da Antiga Pomernia ...................................................................... 147

    Figura 2: Mapa da Pomernia ................................................................................. 147

    Figura 3:Vista antiga da Praia do Canto .................................................................. 166

    Figura 4: Vista atual da Praia do Canto e Praia de Jardim Camburi ....................... 166

    Figura 5: Mapa do Estado do Esprito Santo. Em destaque, de vermelho, a

    localizao do Municpio de Santa Maria de Jetib ................................................. 182

    Figura 6: Casamentos ............................................................................................. 188

    Figura 7: Casa tpica do pomerano ......................................................................... 189

    Figura 8: Igreja Luterana ......................................................................................... 194

    Figura 9: Placa de boas vindas na entrada da Cidade. Escrita em Portugus e em

    Pomerano ................................................................................................................ 198

    Figura 10: Braso Municipal .................................................................................... 201

    Figura 11: A Bandeira ............................................................................................ 202

    Figura 12: Casa tpica do pomerano. Imagem mais recente .................................. 203

    Figura 13: Forno a Lenha ....................................................................................... 203

    Figura 14: Sala de Aula na Escola do Municpio .................................................... 204

    Figura 15: Centro da Cidade .................................................................................. 204

    Figura 16: Vista area da zona urbana do Municpio ............................................. 205

    Figura 17: Prefeitura Municipal de Santa Maria de Jetib ...................................... 205

    Figura 18: Crianas brincando na roa .................................................................. 206

    Figura 19: Crianas Pomeranas ............................................................................. 206

  • ANDRADE, Janice Gusmo Ferreira de. Imigrao e Misria no Brasil: O caso dos descendentes de pomeranos do Municpio de Santa Maria de Jetib no Esprito Santo. 2017. 288 p. Tese (Doutorado em Servio Social) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, PUC-SP, 2017.

    RESUMO

    Nosso objetivo geral investigar o processo de implantao e implementao do

    Plano Nacional de Erradicao da Extrema Pobreza no Brasil, especificamente o

    Plano Brasil Sem Misria (PBSM), tendo como foco da pesquisa os imigrantes

    descendentes de pomeranos considerados povos de comunidades tradicionais, no

    Estado do Esprito Santo. Esta se se justifica pela necessidade da democratizao

    do acesso a renda e aos servios socioassistenciais s famlias em situao de

    extrema pobreza das comunidades tradicionais, especificamente os descendentes

    de pomeranos. Eu fui a assistente social, fiz parte da primeira Equipe do Programa

    Incluir (PBSM) no municpio de Santa Maria de Jetib. Realizamos um estudo

    qualitativo. Nosso processo metodolgico se constituiu de entrevista, aplicao de

    questionrio e formulrio. O primeiro Boletim Nacional do Plano Brasil Sem Misria

    divulgado no ano de 2012 registrou 92 famlias na cidade. Calculamos assim, uma

    amostragem de 10% deste universo para nossa pesquisa. Encontramos 15 famlias

    que preenchiam o perfil, sendo que somente nove famlias beneficirias do

    Programa concordaram em participar da pesquisa realizada atravs de formulrio. O

    Plano Brasil Sem Misria atuou juntos aos agricultores, na rea rural e trouxe

    diversos programas para trabalhar as famlias da rea urbana, preocupou-se com os

    grupos mais marginais da sociedade: os grupos que no haviam sido inseridos no

    Cadastro nico, isso significa dizer que muitas famlias estavam na invisibilidade das

    polticas pblicas e sociais. O sujeito de nossa pesquisa trabalha na agricultura em

    regime de economia familiar. Considerando todo nosso referencial e constatando

    que, em muitos casos, os programas de transferncia de renda so a nica renda

    dessas pessoas, nos imposto dizer que estes programas promovem incluso,

    mesmo que de forma precria e marginal, pois no tm o objetivo de universalizar e

    sim focalizam no mais pobre entre os pobres. Mas ainda assim, a focalizao do

    PBSM foi essencial para localizar as famlias invisveis ao sistema de proteo

    social.

    Palavras-chave: Imigrao; Misria e Assistncia Social.

  • ANDRADE, Janice Gusmo de. Immigration and poverty in Brazil: the case of descendants of pomeranians of the municipality of Santa Maria de Jetib in Esprito Santo.2017. 288 p. Tese (Doutorado em Servio Social) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, PUC-SP, 2017.

    ABSTRACT Our general objective is to investigate the deployment process and implementation of

    the National Plan for the Eradication of Extreme Poverty in Brazil, specifically the

    Plan Brazil Without Misery (PBSM), focusing the search on the immigrants

    descendants of pomeranians considered "people of traditional communities" in the

    State of Esprito Santo. This thesis is justified by the necessity of democratizing

    access to income and socioassistenciais services to families in extreme poverty

    situation of traditional communities, specifically the descendants of pomeranians. I

    was the social worker who made the first team of the program Include (PBSM) in the

    country of Santa Maria de Jetib inEsprito Santo. We conducted a qualitative study.

    Our methodological process was constituted of interview, questionnaire and

    application form.The first National Bulletin Brazil plan Without Misery released in

    2012 registered 92 families in the city. We estimate a 10% sampling of this universe

    for our research. We found 15 families who meet the profile, and recipient families

    program 09 only agreed to participate in the survey through form. The Brazil Plan

    Without Misery acted together to farmers in rural areas and brought several programs

    for working for families in the urban area. Worried about more marginal groups in

    society: the groups that had not been entered in the register Only, this means that

    many families were in public policies and social invisibility. The subject of our

    research work in agriculture on a family economy. Considering all our benchmark

    and noting that in many cases the income transfer programs are the only income of

    these people, we say that these tax programs promote inclusion, even precarious

    and marginal way, they dont have the goal of universalizing and rather focus on the

    poorest among the poor. But the focusing of the PBSM was essential to locate

    families invisibility to the social protection system.

    Keywords: Immigration, Poverty and Social Assistance.

  • Sumrio

    Introduo ......................................................................................................................... 16

    Captulo 1 Polticas Sociais no Brasil: o lugar das classes subalternas ......................................... 23

    1.1. A pobreza no Brasil ....................................................................................................... 23 1.2. O Estado: padres de interveno social ...................................................................... 36 1.3. Sistema de proteo social ........................................................................................... 44 1.4. Polticas sociais no Brasil .............................................................................................. 48 1.5. Terceiro Setor .............................................................................................................. 58 1.6. Os Caminhos da Modernizao Conservadora no Brasil .............................................. 63 1.7. Voluntariado no contexto neoliberal ............................................................................. 71

    Captulo 2 Polticas Sociais no governo Dilma: a proposta de erradicar a extrema pobreza em 4 anos (2011-2015) ....................................................................................................... 82

    2.1. Neoliberalismo no Brasil ............................................................................................... 86 2.2. Erradicar a pobreza dentro do sistema capitalista? Senso e descensos ....................... 99 2.3. Em meio crise, dados mostram crescimento econmico no Brasil ........................... 112 2.4.Programas de transferncia de renda .......................................................................... 119 2.5. Plano Brasil Sem Misria ............................................................................................ 121 2.6. Descrio dos programas ........................................................................................... 128

    Captulo 3 Pobreza e Imigrao no Brasil e no Estado do Esprito Santo ..................................... 134

    3.1. Pobreza e imigrao no Brasil .................................................................................... 134 3.2. Poltica nacionalista: perseguio tnico-cultural a identidade alem no Brasil ........... 143 3.3. Imigrao dos pomeranos no Brasil ............................................................................ 145 3.4. A imigrao pomerana no Estado do Esprito Santo .................................................. 147 3.5. Povos de comunidades tradicionais ............................................................................ 149 3.6. Imigrao e formao do Estado do Esprito Santo: contexto histrico ....................... 158 3.7. Santa Maria de Jetib: o municpio mais pomerano do Brasil ..................................... 181 3.7.1. O cotidiano do pomerano ......................................................................................... 185

    3.7.2. O trabalho nas comunidades de descendentes de pomeranos no municpio de Santa Maria de Jetib ........................................................................................................ 188

    3.7.3. Questes religiosas ................................................................................................. 192 3.7.4. Pomerano, um povo bilngue ................................................................................... 196 3.7.5. Smbolos que identificam a pomeranidade ............................................................... 199

    Captulo 4 A adeso ao Plano Brasil Sem Misria no Estado do Esprito Santo: O Programa Incluir, a verso capixaba do Plano ............................................................................... 206

    4.1. As diretrizes para implantao e implementao do Programa Incluir no Estado ....... 206 4.2.Primeiro ano do Programa Incluir- 2011 ... ......................................................................211 4.3. Implantao do Plano Brasil Sem Misria no municpio de Santa Maria de Jetib: Incluir - O Programa Capixaba de Reduo de Pobreza ............................................................. 219

    Consideraes Finais ...................................................................................................... 256

    Referncias ...................................................................................................................... 266

    Anexos.............................................................................................................................. 275

  • 16

    INTRODUO

    Avaliar uma poltica no somente dizer se ela foi benfica ou malfica para

    um determinado contingente populacional. preciso compreender como na histria

    da humanidade tal poltica se torna necessria. A pobreza existe h muito tempo, e

    pensar em como intervir nela matria diria de debates e encaminhamentos.

    Nesse sentido, qual o papel da luta de classes nas aes junto pobreza? Como

    sobrevivem as classes subalternas que possuem no horizonte de suas vidas a

    realidade da pobreza e da misria?

    No fcil ver a pobreza sem pensar numa forma de suprimi-la da sociedade,

    mesmo porque ela expressa uma dada forma de estruturao da sociedade. Desse

    modo, pensar um sistema de proteo social que possa transformar essa realidade

    e construir mais igualdade, mais vida em plenitude vem sendo o desafio atual.

    Algumas alternativas tm sido apresentadas para minimizar os impactos da

    misria no Brasil e no mundo. O chamado terceiro setor e o voluntariado tm sido

    apresentados como agentes capazes de criar uma nova sociabilidade onde no

    existam mais a pobreza e a misria. Em nosso texto, discutimos como esses

    agentes tm se comportado frente ao quadro que temos em nossa sociedade hoje.

    A lgica de manuteno do sistema e do status quo determina que se mude

    tudo para que tudo permanea como est. Assim, algumas mudanas so vistas

    como modernizao conservadora, ou seja, mudanas ocorrem com o objetivo de

    conservar e preservar a realidade como est. Polticas podem ser pensadas com o

    intuito de garantir as desigualdades do sistema.

    Nessa esteira, possvel erradicar a extrema pobreza? Alguns autores dizem

    que sim e outros afirmam que dentro do capitalismo isso no possvel. Ainda,

    possvel indagar: um governo pode tomar para si essa interveno necessria? Pois

    , um governo j fez isso e este o fio condutor desta tese. Um governo se props a

    erradicar a extrema pobreza e ns estudamos se foi ou no possvel faz-lo.

  • 17

    Alguns programas de transferncia de renda surgiram com o objetivo de

    diminuir a pobreza, mas, estudos recentes sobre esses programas na Amrica

    Latina revelam que eles apenas atenuaram e minimizaram as condies de pobreza

    de seus usurios1.

    Estudaremos aqui o Plano Brasil Sem Misria, a proposta de erradicar a

    extrema pobreza em 4 anos, criado no governo da Presidente Dilma Rousseff (2011-

    2014) com o intuito de descobrir sua eficcia em determinada cidade brasileira, onde

    grande parte dos pobres faz parte do que convencionado chamar de povos de

    comunidades tradicionais.

    Nosso objetivo geral investigar o processo de implantao e implementao

    do Plano Nacional de Erradicao da Extrema Pobreza no Brasil, especificamente o

    Plano Brasil Sem Misria, tendo como foco da pesquisa os imigrantes descendentes

    de pomeranos considerados povos e comunidades tradicionais, no Estado do

    Esprito Santo.

    Nosso objetivo especfico principal fazer uma anlise crtica da forma a que

    ele se prope e o momento em que se estabelecem os programas de transferncia

    de renda. imprescindvel analis-lo como parte de um projeto maior, dentro da

    conjuntura mundial de crise do capitalismo financeiro e reconhec-lo como um

    fenmeno (contra) hegemnico aos interesses do capital, sem perder de vista a

    magnitude dos programas de transferncia de renda e seus antagonismos como

    estratgia de enfrentamento s expresses da Questo Social.

    Outros objetivos especficos:

    - Conhecer as aes das polticas pblicas para o desenvolvimento social e

    econmico, junto aos povos e comunidades tradicionais, que desenvolvam

    atividades rurais na implementao de polticas viabilizando condies de acesso s

    polticas agrcolas, agrrias, sociais e culturais;

    1Sobre esse tema ver: O Mito e a Realidade no Enfrentamento Pobreza na Amrica Latina: Estudo Comparado

    de Programas de Transferncia de Renda no Brasil, Argentina e Uruguai. Coordenado por Maria Ozanira da Silva e Silva, So Paulo:Cortez, 2016.

  • 18

    - Refletir sobre as aes do CRAS na garantia do acesso Poltica de Assistncia

    Social junto s comunidades tradicionais do Estado do Esprito Santo,

    especificamente nas comunidades dedescendentes de pomeranos, na perspectiva

    das diretrizes do Plano Brasil Sem Misria.

    Os pomeranos sero apresentados no terceiro e quarto captulos desta Tese.

    Iremos tratar de sua imigrao da Pomernia (pas que no existe mais e que era

    fronteirio da Alemanha) para o Brasil, como aqui chegaram e como foram

    inicialmente tratados. Esse povo que reconhecido como pertencente a

    comunidades tradicionais deveria receber um atendimento diferenciado na execuo

    das polticas sociais, mas no foi essa a realidade encontrada no municpio de Santa

    Maria de Jetib no Estado do Esprito Santo.

    O referido grupo populacional compe-se de descendentes dos primeiros

    imigrantes originrios da Provncia Pomerana da Prssia, uma pequena faixa de

    terra no litoral do mar Bltico, que desembarcaram em Vitria, em 1847, e foram

    enviados para trs ncleos de imigrao no Esprito Santo. So eles: Santa Isabel,

    Santa Leopoldina e Rio Novo; todos sem infraestrutura para acolh-los (RLKE,

    1996; ROCHE, 1968; FERRARI, 1968; WAGEMANN, 1949 apud FEHLBERG,2011).

    O grupo se instalou no ncleo de Santa Leopoldina e, posteriormente, se

    dispersou ao longo das montanhas fundando algumas cidades, entre elas Santa

    Maria de Jetib, que hoje conta com um grande nmero de descendentes que

    preservam algumas caractersticas tnicas, principalmente a lngua.

    importante lembrar que aps o fim da Segunda Guerra Mundial, a

    Pomernia foi dividida pelos aliados, parte dela sendo desmembrada como Estado

    da Alemanha Oriental e parte permanecendo em poder da ustria. Seus cidados

    foram expulsos do pas, refugiando-se na Alemanha e em outros pases prximos,

    resultando em um processo de progressivo desuso e esquecimento da lngua e dos

    seus costumes na prpria Europa.

    No Brasil, os imigrantes pomeranos apresentaram comportamentos

    adaptativos bem-sucedidos em suas atividades laborais. Foram vistos como os

  • 19

    trabalhadores mais dedicados lavoura e os que mais rpido e melhor se

    adaptaram s duras condies de solo e clima (PACHECO, 1994; HEINEMANN,

    2008). Ainda hoje mantm a caracterstica de trabalhadores fortes e dedicados.

    Outra caracterstica importante foi a formao de ncleos de agricultura

    familiar tpica, que se deu pela escassez de mo de obra e de recursos financeiros

    vivida pelas primeiras famlias2. Contudo, a realidade da agricultura no pas tem sido

    desfavorvel manuteno da propriedade de administrao familiar, por ela ser

    pouco competitiva em comparao aos grandes produtores que, com mais recursos

    e investimentos em tecnologia, reduzem custos e preos da produo (PASSOS,

    2008).

    Nas sociedades campesinas, formadas a partir da colonizao europeia no

    Brasil, comum atribuir-se grande valor ao esforo laboral, estando toda a famlia

    envolvida no processo de produo na lavoura. O trabalho familiar nas pequenas

    propriedades constitui o meio de produo preponderante no interior do Esprito

    Santo. No municpio de Santa Maria de Jetib, a economia de base agrcola

    desenvolvida pelas famlias dos pequenos proprietrios predominante.

    (SCHWARZ, 1993).

    Existem muitas pequenas e mdias propriedades com produo intensa de

    excedentes para comercializao, diferentemente das prticas camponesas

    verificadas entre descendentes de europeus nos primeiros anos da imigrao, que

    envolviam produo diversificada e voltada para o consumo prprio do ncleo

    familiar (SALETTO, 1996; ROCHE, 1968; CARNEIRO, 2001).

    Em 1978, a base da agricultura no Esprito Santo envolvia pequenas

    propriedades (80% delas com menos de 100 ha), com predominncia da agricultura

    familiar formada basicamente por descendentes de imigrantes europeus, de acordo

    com Prado Jr. (1979). Tal quadro diferia da tendncia nacional de aumento da

    concentrao de terras em grandes propriedades com o sistema de monocultura

    (SILVA, 1980; PRADO JR., 1979). Como estratgia usada pelo grupo em questo,

    2 A agricultura familiar delimitava-se no somente pelo tamanho das propriedades, mas pela forma de trabalho

    predominantemente familiar.

  • 20

    constatou-se a produo intensa de itens dirigidos exclusivamente ao mercado,

    consumindo grande esforo da famlia, inclusive filhos menores, em ambiente de

    trabalho ininterrupto e intenso.

    Observa-se que o trabalho exacerbado e valorizado como objetivo principal,

    em detrimento de outros valores apregoados pela sociedade de consumo, que

    incentiva, primordialmente, a valorizao da novidade associada com a busca de

    prazeres imediatos, ofertados em uma espcie de varejo individualista (FEHLBERG;

    MENARO,2011).

    Dadalto (2006) argumenta que o prprio crescimento econmico desse grupo

    baseou-se na especificidade da estrutura familiar em que a famlia ao mesmo

    tempo produtora e consumidora. Pesquisas anteriores mostram que os

    descendentes de pomeranos dedicam pouco tempo ao lazer ou descanso, quase

    no usufruindo dos recursos de conforto disponveis. Assim, as atividades laborais

    dominam o dia a dia dos trabalhadores.

    No Esprito Santo, o Plano Brasil Sem Misria foi implantado com o nome de

    Programa Incluir, no ano de 2011. Vrias cidades aderiram ao Programa, entre elas,

    Santa Maria de Jetib e, por esse e outros motivos, essa cidade foi escolhida para

    ser o foco de nossa anlise.

    No ltimo captulo da tese, detalhamos mais sobre o Programa Incluir, a

    verso capixaba do Plano Brasil Sem Misria, sobre sua implantao em Santa

    Maria de Jetib e sobre a vida cotidiana dos pomeranos.

    Esta tese se justifica pela necessidade da democratizao do acesso renda

    e aos servios socioassistenciais s famlias em situao de extrema pobreza das

    comunidades tradicionais, especificamente os descendentes de pomeranos, dentro

    do Plano Brasil Sem Misria.

    Nesse contexto, eu fui a assistente social que fez parte da primeira Equipe do

    Programa Incluir no municpio de Santa Maria de Jetib. No incio, a inteno do

    programa era contratar somente uma equipe do Programa Incluir e eu havia

    passado em primeiro lugar no processo seletivo. Posterior a minha contratao, o

  • 21

    municpio decidiu contratar mais 01 equipe, formando 02 equipes do Programa

    Incluir. Sendo assim, foi atravs de minha insero no programa, naquele municpio,

    que o tema em discusso me despertou interesse.

    Fiquei surpreendida com as particularidades vividas pela populao. poca,

    eu fazia parte do Conselho Municipal do Negro CONEGRO, no municpio da

    Serra/ES. Estava acostumada a discutir a excluso, a pobreza e as condies de

    subalternidade que vivia a populao negra. Chegando em Santa Maria de Jetib,

    encontrei uma populao de brancos que vivia condies de misria e excluso e,

    que, muito frequentemente, vivia situaes de humilhao por conta de sua pobreza,

    sua lngua, seu modo de vida. Caa no descrdito por ser da agricultura e ter pouco

    para comer.

    A proposta metodolgica da investigao desenvolvida sobre O Plano

    Brasil Sem Misria volta-se para seu processo de implantao e implementao no

    Municpio de Santa Maria de Jetib no Estado do Esprito Santo, onde se encontra a

    maior colnia de descendentes de pomeranos no Brasil, povos considerados de

    comunidades tradicionais.

    Nossa aproximao com o tema se deu atravs desta aproximao. Nosso

    processo metodolgico para conhecimento e identificao de objetivos propostos se

    constituiu da prpria vivncia enquanto profissional do programa; da observao; da

    pesquisa bibliogrfica, pesquisa documental, de entrevistas, da aplicao de

    formulrio e questionrio.

    Desenvolvemos a pesquisa junto a profissionais da Assistncia Social com o

    objetivo de compreender o processo de implantao, implementao e resultados

    obtidos com o Programa.

    Para o desenvolvimento desta tese se realizou um estudo qualitativo3,

    atravs de entrevistacom 01 tcnico da Assistncia Social, que tem como objetivo

    proporcionar:

    3 Segundo Martinelli (1999, p. 27) [...] a relao entre a pesquisa quantitativa e qualitativa no de oposio,

    mas de complementaridade e de articulao. A pesquisa qualitativa tem um sentido social, aquilo que sempre

  • 22

    [...] um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informaes a respeito de determinado assunto, mediante uma conversao de natureza profissional. um procedimento utilizado na investigao social, para a coleta de dados ou para ajudar no diagnstico ou no tratamento de um problema social. Trata-se, pois, de uma conversao efetuada face a face, de maneira metdica [...].(MARCONI; LAKATOS, 1996, p. 84)

    Desta forma, nossa pesquisa est configurada nas seguintesdimenses:

    a) caracterizao do Plano Brasil Sem Misria;

    b) caracterizao do que seria a pobreza brasileira;

    c) caracterizao do pblico alvo;

    d) identificao do processo de implantao do Programa Incluir;

    e) identificao, avaliao e anlise do impacto do Programa de erradicao da

    extrema Pobreza na vida das famlias, descendentes de pomeranos no

    municpio de Santa Maria de Jetib no Estado do Esprito Santo.

    defendemos e executamos em nossa vida acadmica, ou seja, seus resultados devem ser retornados aos sujeitos dela, visto que estamos trabalhando com um sujeito coletivo. [...] sujeito coletivo, no sentido de que aquela pessoa que est sendo convidada para participar da pesquisa tem uma referncia grupal, expressando de forma tpica o conjunto de vivncias de seu grupo. O importante, nesse contexto, no o nmero de pessoas que vai prestar a informao, mas o significado que esses sujeitos tm, em funo do que estamos buscando com a pesquisa. A riqueza que isso traz para opesquisador muito importante, permitindo-lhe aprofundar efetivamente, na relao sujeito-sujeito, o seu objeto de anlise (MARTINELLI, 1999, p. 24) (grifo do autor).

  • 23

    CAPTULO 1 POLTICAS SOCIAIS: O LUGAR DAS CLASSES

    SUBALTERNAS

    1.1. A pobreza no Brasil

    A noo de pobreza ampla, ambgua e supe gradaes. Embora seja

    uma concepo relativa, dada a pluralidade de situaes que comporta, usualmente

    vem sendo medida atravs de indicadores de renda (mltiplos e submltiplos do

    salrio mnimo), emprego, ao lado do usufruto de recursos sociais que interferem na

    determinao do padro de vida, tais como sade, educao, transporte, moradia,

    penses, entre outros. Os critrios, ainda que no homogneos e marcados por um

    vis economicista, acabam por convergir na definio de que so pobres aqueles

    que, de modo temporrio ou permanente, no tm acesso a um mnimo de bens e

    recursos, sendo, portanto, excludos, em graus diferenciados, da riqueza social.

    Entre eles, esto: os privados dos meios de prover a sua prpria subsistncia e que

    no tm possibilidade de sobreviver sem ajuda; os trabalhadores, assalariados ou

    por conta prpria, que esto includos nas faixas mais baixas de renda; os

    desempregados e subempregados que fazem parte de uma vastssima reserva de

    mo de obra que, possivelmente, no ser absorvida. Na caracterizao das

    situaes de pobreza, de fundamental importncia o recurso e a anlise

    sociolgica e antropolgica (TEIXEIRA, 1989), tendo em vista situar a questo em

    mbito mais abrangente, abordando causas e consequncias sociais da pobreza

    (YAZBEK, 2007, p. 62).

    A pobreza uma das expresses diretas das relaes sociais vigentes na

    sociedade e, certamente, no se traduz s privaes materiais. Alcana o plano

    espiritual, moral e poltico dos indivduos submetidos aos problemas da

    sobrevivncia. Para Martins (apud YAZBEK, 2007, p. 63): pobreza muito mais que

    falta de comida e de habitao, carncia de direitos, de possibilidades, de

    esperana.

    A pobreza uma face do descarte de mo de obra barata, que faz parte da

    expanso do capitalismo brasileiro contemporneo. Expanso esta que cria uma

    populao sobrante, criando o necessitado, o desamparado e a tenso

  • 24

    permanente da instabilidade na luta pela vida a cada dia. Implica a disseminao de

    diferentes formas de trabalho clandestino, mediante pura e simples supresso de

    direitos conquistados pelas classes trabalhadoras [...]. (DURHAM apud YAZBEK,

    2007, p. 63). Est na base de movimentos coletivos que se articulam a partir da

    conscincia de carncias comuns.

    Yazbek (2007) conclui que a pobreza brasileira se constitui de um conjunto

    heterogneo, cuja unidade buscamos encontrar na renda limitada, na excluso e na

    subalternidade.

    Do ponto de vista da renda, o que se evidencia que para a grande maioria

    dos trabalhadores, com registro em carteira ou no, com contrato de trabalho ou por

    conta prpria, predominam os baixos rendimentos e a consequente privao

    material da advinda. Do ponto de vista da excluso e da subalternidade, a

    experincia da pobreza constri referncias e define um lugar no mundo, onde a

    ausncia de poder de mando e deciso, a privao de bens materiais e do prprio

    conhecimento dos processos sociais, que explicam essa condio, ocorrem

    simultaneamente a prticas de resistncia e luta.

    So os membros das classes populares os que constituem/vivem a pobreza

    brasileira. Neste lugar, criam uma relao de identidade; so os que tm precrio ou

    nulo acesso aos bens e servios sociais pblicos. Sua relao de identidade se

    constitui no significado da pobreza: no poder ou no de aquisio de bens e servios

    que vo intervir na sua condio material e imaterial necessrios para sua

    sobrevivncia.

    A saber, elencamos algumas dessas condies no universo da pobreza:

    precrio ou nulo acesso renda; precrio ou nulo acesso educao. Esta

    entendida como porta de oportunidade de pertencer classe trabalhadora

    (entendida aqui como o trabalhador protegido pela Constituio das Leis

    Trabalhistas), tendo um ganho salarial maior e protees previdencirias; precrio

    ou nulo acesso sade, entendida no seu sentido mais amplo como sade fsica,

    mental, bucal que, para tanto, seria importante acessar o esporte, alimentao

    suficiente para a boa nutrio do corpo, materiais de higiene e limpeza, condies

  • 25

    salubres de moradia, oportunidade de dormir etc. Importante atentar que o acesso

    sade tem se dado no sentido da cura e no no sentido da preveno. Isso quer

    dizer que os indivduos quando tentam acess-la j se encontram em seu estado

    mais crtico; lazer, que ir proporcionar aos indivduos o descanso, estabelecer

    relaes coletivas, de convivncia e fortalecimento dos seus vnculos, que ir intervir

    na sua condio imaterial de vida, na sua subjetividade, dentre outros fatores

    essenciais para sua sobrevivncia.

    Nas contribuies de Montao (2012), um estudioso sobre o enfrentamento

    da questo social, a misria e a pobreza e toda a manifestao deste conjunto tm

    sido pensadas no como resultado da explorao econmica, mas como

    fenmenos autnomos e de responsabilidade individual ou coletiva dos setores por

    elas atingidos (MONTAO, 2012, p. 272). Ou seja, a questo social passa a ser

    concebida como questes isoladas, como fenmenos naturais ou produzidos pelo

    comportamento dos sujeitos que a vivem.

    A partir desta perspectiva, as causas da misria e da pobreza estariam

    vinculadas pelo menos a trs tipos de fatores, que colocam sempre no indivduo a

    responsabilidade da pobreza que padece.

    Primeiramente a pobreza no pensamento burgus estaria vinculada a um dficit educativo (falta de conhecimento das leis naturais do mercado e de como agir dentro dele). Em segundo lugar, a pobreza vista como um problema de planejamento (incapacidade de planejamento oramentrio familiar). Por fim, esse flagelo visto como problemas de ordem moral-comportamental (malgasto de recursos, tendncia ao cio, alcoolismo, vadiagem etc.). Surgem, com isso, as bases para o desenvolvimento de concepes, como a da cultura da pobreza, onde a pobreza e as condies de vida do pobre so tidas como produto e responsabilidade dos limites culturais de cada indivduo. (MONTAO, 2012, p. 272)

    Na Europa do sculo XVI ao sculo XIX, o enfrentamento da questo social

    se desenvolveu a partir da organizao de aes filantrpicas.

    O tratamento passa a ser segmentado: separado por tipo de problema, por

    grupo populacional, por territrio; filantrpico: orientando-se segundo os valores da

    filantropia burguesa; e comportamental: a pobreza e as manifestaes vindas da

    questo social so entendidas como um problema que se expressa no

  • 26

    comportamento dos indivduos, nesse sentido, a soluo seria alterar tais

    comportamentos, passando pela educao e pela filantropia. Assim, surgem os

    abrigos para os pobres e as organizaes de caridade e filantropia (MONTAO,

    2012).

    Nesse entendimento, em 1601, promulga-se a Lei dos Pobres (Poor Law) que

    institua um aparato oficial, centrado nas parquias, destinados a amparar

    trabalhadores pobres, sob o auspcio da taxa dos pobres. (MONTAO, 2012, p.

    273). Esta lei durou dois sculos e a Inglaterra cuidou do pauperismo atravs da

    beneficncia pelo caminho burocrtico.

    No ano de 1834, no auge do contexto da expressiva luta da classe

    trabalhadora contra a burguesia da poca, o Parlamento Ingls passa a entender a

    prpria Lei dos Pobres como a fonte principal da situao extrema do pauperismo

    ingls (DUAYER; MEDEIROS apud MONTAO, 2012, p. 273).

    A beneficncia, segundo o pensamento de Malthus, estimularia a misria.

    Aes filantrpicas estariam reforando e estimulando os costumes e hbitos do

    pobre, estariam estimulando os indivduos a permanecerem na sua condio de

    pobreza para receber assistncia, acomodando-se em tal situao e reproduzindo

    sua condio de pobreza (MATINELLI apud MOTAO, 2012).

    Desta forma, em vez de tratar da pobreza com aes filantrpicas/assistenciais (como sendo um problema de dficit ou carncia dos pobres), ela passa a ser reprimida e castigada (como sendo uma questo delitiva ou criminal dos pobres). A beneficncia e os abrigos passam a ser substitudos pela represso e recluso dos pobres. A ideolgica expresso de marginal comea a adquirir uma conotao de criminalidade. O pobre, aqui identificado com marginal, passa a ser visto como ameaa ordem.

    Aqui produz-se a separao entre pobre (objeto de aes assistenciais, por mendicncia e vadiagem) e trabalhador (objeto de servios de Sade e Previdncia Social); portanto, diferencia-se o indivduo integrado do desintegrado ou disfuncional. (MONTAO, 2012, p. 273)

    Impressionante, chegarmos ao sculo XXI ouvindo a reproduo desse

    pensamento - to antigo, formado em tempo e conjuntura diferente-, quando se

    refere aos programas de transferncia de renda. Por vezes, se reforam que os

  • 27

    mesmos trazem comodismo s famlias beneficirias dos programas; que os sujeitos

    se recusam a procurar trabalho e sair da condio de pobreza que se encontram

    para no perder seu benefcio; que os programas de transferncia de renda

    retroalimentam a situao de pobreza. Essas so as falas mais comuns encontradas

    sobre o Programa Bolsa Famlia no Brasil.

    Diante dessas caractersticas, Carlos Montao aponta problemas no que

    tange questo social e pobreza:

    a. A questo social separada dos seus fundamentos econmicos (a contradio capital/trabalho, baseada na relao de explorao do trabalho pelo capital, que encontra na indstria moderna seu pice) e polticos (as lutas de classes). considerada a questo social durkheimianamente como problemas sociais, cujas causas estariam vinculadas a questes culturais, morais e comportamentais dos prprios indivduos que os padecem; b. A pobreza atribuda a causas individuais e psicolgicas, jamais a aspectos estruturais do sistema social; c. O enfrentamento, seja a pobreza considerada como carncia ou dficit(onde a resposta so aes filantrpicas e beneficncia social). Ou seja, ela entendida como mendicncia e vadiagem (onde a resposta a criminalizao da pobreza, enfrentada com represso/recluso), sempre remete considerao de que as causas da questo social e da pobreza encontram-se no prprio indivduo, e a uma interveno psicologizante, moralizadora e contenedora desses indivduos. Trata-se das manifestaes da questo social no espao de quem os padece, no interior dos limites do indivduo, e no como questo do sistema social (MONTAO, 2012, p. 274).

    Avanando para a concepo de pobreza e questo social no capitalismo

    monopolista, no regime de acumulao fordista/keynesiano, os problemas da

    pobreza passam a ser internalizados na ordem social, entendidos no mais como

    um problema, meramente, oriundo do indivduo, mas como consequncia do ainda

    insuficiente desenvolvimento social e econmico.

    [...] a questo social passa de ser um caso de polcia para a esfera da poltica (de uma poltica reduzida gesto administrativa dos problemas sociais e seu enfrentamento institucional), passa a ser tratada de forma segmentada, mas sistemtica, mediante as polticas sociais estatais. (NETTO apud MONTAO, 2012, p. 275)

    Nas formulaes keynesianas, existe um problema na distribuio do

    mercado, um descompasso na relao oferta e demanda de bens e servios. Nesta

    perspectiva, o Estado intervm na questo social absorvendo e organizando o

    excedente e redistribuindo-o mediante as polticas sociais.

  • 28

    O problema de distribuio estaria vinculado a um dficit de demanda efetiva (por bens e servios) no mercado, criado pela sobre oferta de fora de trabalho no absorvida pela esfera produtiva. Isto , com o desenvolvimento das foras produtivas (ou, na interpretao keynesiana, em funo do ainda insuficiente desenvolvimento), um contingente da populao fica excludo do mercado de trabalho, e ao no poder vender sua fora de trabalho, no tem fonte de renda que lhe permita adquirir no mercado bens e servios. Para enfrentar esse hiato, segundo Keynes, o Estado deve passar a intervir em dois sentidos: (a) responder a algumas necessidades (carncias) /demandas dessa populao carente; (b) criar as condies para a produo e o consumo, incentivando a uma conteno do desemprego ou uma transferncia de renda(seguridade social e polticas sociais). Promove-se o chamado crculo virtuoso fordista/keynesiano. (MONTAO, 2012, p. 275)

    Nesta poca, novas formas de intervenes na questo social vo contribuir

    para novas concepes que caracterizam a pobreza.

    a. Esta abordagem avana ao considerar as manifestaes da questo social como um produto (transitrio) do sistema capitalista (ou como resultado do seu ainda insuficiente desenvolvimento), e no como meras consequncias dos hbitos e comportamentos dos indivduos que padecem as necessidades sociais;

    b. No obstante isso, tal concepo ainda conserva o tratamento segmentado das manifestaes da questo social, tal como no pensamento liberal clssico.

    c. Finalmente, considera-se aqui a pobreza como um problema de distribuio. Com isso, desloca-se a gnese da questo social da esfera econmica, do espao da produo, da contradio entre capital e trabalho para a esfera poltica, no mbito da distribuio, como uma questo entre cidados carentes e o Estado. Assim, o tratamento da questo social e o combate pobreza se determina como um processo de redistribuio. Trata-se de garantir, mediante polticas e servios sociais, o acesso a bens e servios por parte da populao. Assim, no se questionam os fundamentos da ordem: a explorao de trabalho alheio pelo capital, a partir da separao entre possuidores de fora de trabalho e proprietrios dos meios e condies para efetiv-lo (MONTAO, 2012, p. 276)(grifo nosso).

    Anos aps, no contexto neoliberal, o pauperismo concebido, novamente,

    como um problema individual-pessoal, devolvendo para a filantropia a

    responsabilidade pela interveno social, colocando em cena o terceiro setor, a

    filantropia empresarial e o voluntariado. Concordamos com Montao (2002, 2012) e

    Yazbek (2007), que a autoajuda, a solidariedade, a caridade, a filantropia,

    substituem o direito estatal e constitucional, pelo assistencialismo, caridade e

    benemerncia.

  • 29

    Estamos nos referindo s dcadas mais recentes datadas dos anos de 1980,

    1990. Segundo Montao (2012), neste perodo, tambm se pensava a pobreza

    vinculada a um problema na esfera da distribuio, mas contrria perspectiva

    keynesiana (que entende como um dficit de demanda efetiva no mercado).

    [...] a partir da crise do capital, ps-1973, essa corrente concebe a pobreza como vinculada a um dficit de oferta de bens e servios, como um problema de escassez. O problema estaria no dficit da oferta no mercado, requerendo assim de um processo de desenvolvimento econmico prvio. Para isso, o Estado deveria canalizar toda sua capacidade de arrecadao (supervit primrio) para tal propsito. Em lugar de estimular o consumo (com aes redistributivas), o Estado deve estimular o capital a investir, garantindo e preservando o lucro frente s flutuaes do mercado, particularmente em contexto de crise. Enquanto isso, a ao social ficar focalizada e precria no mbito estatal, e de fundamental responsabilidade da ao voluntria e solidria de indivduos e organizaes da sociedade civil (MONTAO, 2012, p. 277).

    Segundo o autor, a estratgia neoliberal orienta-se numa tripla ao. Por um

    lado, a ao estatal, as polticas sociais do Estado, orientadas para a populao

    mais pobre (cidado usurio); aes focalizadas, precarizadas, regionalizadas e

    passveis de clientelismo. Por outro lado, a ao mercantil, desenvolvida pela

    empresa capitalista, dirigida populao consumidora, com capacidade de compra

    (cidado cliente), torna os servios sociais mercadorias lucrativos. Finalmente, a

    ao do chamado terceiro setor, ou da chamada sociedade civil (organizada ou

    no), orientada para a populao no atendida nos casos anteriores, desenvolvendo

    uma interveno filantrpica.

    A causa da desigualdade a estrutural distribuio da riqueza no capitalismo.

    No h capitalismo sem desigualdade. O que h so variaes nessa desigual

    distribuio da riqueza. Nessa variao, interferem fatores como os apontados,

    abaixo, por Francisco Ferreira.

    Segundo Francisco Ferreira (apud BRANCO, 2008), as causas da desigual

    distribuio de renda entre membros de um pas so resultados de cinco grupos de

    fatores, alguns de ordem social, outros de ordem natural-gentica: (1) as diferenas

    nas caractersticas natas dos indivduos (raa, gnero, inteligncia e/ ou riqueza

    inicial); (2) diferenas nas caractersticas adquiridas dos indivduos, como por

    exemplo, a educao e a experincia profissional; (3) mecanismos do mercado de

  • 30

    trabalho (discriminao, segmentao e projeo); (4) imperfeies nos mercados

    de capitais e; (5) fatores demogrficos (fertilidade da populao). De acordo com

    sua teoria, o primeiro grupo de fatores acima identificado como as caractersticas

    natas dos indivduos constitui-se como a pedra angular da distribuio de renda

    entre cidados de um mesmo pas. Fatores de ordem natural, assim, so

    relacionados como prioritrios no entendimento terico da alocao da riqueza

    produzida nacionalmente. De posse de suas aptides inerentes, cada indivduo

    passa ento a interagir com as instituies educacionais, na busca de uma melhor

    capacitao para, como elucidam Paes de Barros e Mendona, a preparao para a

    corrida do mercado de trabalho. O terceiro momento a insero do indivduo no

    mercado de trabalho e sua consequente remunerao. Quanto mais apto e melhor

    qualificado for o indivduo, informa Ferreira (apud BRANCO, 2008), melhor ser a

    sua remunerao vis--vis outros indivduos menos capazes, menos esforados e

    mais desqualificados. Por ltimo, o indivduo formar o que o autor chama de

    clubes de consumo (os domiclios), nos quais a renda poder aumentar ou diminuir

    de acordo com suas escolhas matrimoniais e a quantidade de filhos do casal.

    Ferreira (apud BRANCO, 2008)acredita que o seu modelo terico supera a

    dicotomia na qual o debate brasileiro sobre desigualdade social opera desde os

    anos 1970, perodo marcado por francas polarizaes entre as explicaes de

    Fishlow e Langoni, e que agora, passados mais de trinta anos, podemos retornar a

    um debate menos ideologizado e mais cientfico. O modelo terico uma espcie de

    sntese que busca mltiplos fatores dentre eles caractersticas inerentes aos

    indivduos, como por exemplo, a educao e a luta poltica as causas

    fundamentais da desigualdade de renda no Brasil. H, entretanto, uma hierarquia

    entre aqueles fatores. No se deve atribuir o mesmo peso explicativo a todos eles.

    Ferreira (apud BRANCO, 2008) cita o nvel de escolaridade de um chefe de famlia

    como o principal fator explicativo da desigualdade social entre os indivduos.

    Chegaria, assim, o momento de os economistas deslocarem o foco das suas

    agendas de pesquisa sobre o mercado de trabalho para o funcionamento das

    instituies educacionais. no nvel formal de educao de cada indivduo, ou seja,

    na sua capacidade de competio no mercado de trabalho que devemos buscar as

  • 31

    causas primrias e fundamentais do pauperismo, e no nas relaes estabelecidas

    entre as classes sociais (FERREIRA apud BRANCO, 2008).

    O enfrentamento pobreza

    As estratgias de combate pobreza no Brasil sugerem que os social-

    liberais 4 deveriam sofrer alteraes. Historicamente, privilegiamos o crescimento

    econmico per se e o aumento real do salrio mnimo e dos benefcios

    previdencirios como meio de combate pobreza. Aps realizar simulaes

    economtricas e comparar a situao social (renda per capita e grau de pobreza) do

    Brasil com outros pases, da renda per capita nacional com a linha de pobreza e

    analisar o padro de consumo das famlias, tais idelogos concluem que a reduo

    dos nveis de pobreza no pas reagiria melhor e mais rpido s polticas sociais

    compensatrias (transferncia direta de renda aos mais necessitados) e estruturais

    (democratizao dos ativos educao, terra e crdito).

    Conforme Neri (2005), a principal medida de combate pobreza no Brasil no

    passa pelo crescimento da economia e da gerao de riqueza, mas pela melhor

    distribuio da renda nacional (NERI, 2005, p.321). Esta seria conseguida, em larga

    medida, por meio da alocao eficiente dos recursos escassos j disponveis. O

    principal mecanismo operacional desta alocao eficiente se caracterizaria pelas

    polticas sociais compensatrias, operadas tanto pelo Estado quanto pelo chamado

    terceiro setor, com o papel central reservado para este ltimo (IETS, 2001, p.31). Os

    autores argumentam, entretanto, que uma combinao entre polticas sociais e de

    crescimento econmico trar um resultado mais eficaz e imediato: em suma, a

    conjugao de crescimento com a promoo do desenvolvimento social, via

    equidade, o melhor remdio para os males do pauperismo (BRANCO, 2008, p.28).

    Nas teses dos sociais liberais, o n cego reside na ineficincia das polticas

    sociais. Essa ineficcia ficaria patente quando se constata que o volume de recursos

    pblicos direcionados aos programas sociais no garante a mudana no padro

    4 Os que muitos autores chamam de Neoliberais no Brasil, so por ns chamados de sociais liberais, visto que

    investiram recursos no social. Muito embora existam diferenas drsticas entre os investimentos realizados por Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Incio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Os dois primeiros com perfil mais prximo do Neoliberalismo Clssico e os dois ltimos com investimentos um pouco mais acentuados no social.

  • 32

    estrutural da desigualdade social. Eles, ento, propem medidas de cunho

    administrativo para aumentar a efetividade das polticas sociais: (1) focalizao dos

    gastos sociais nos mais pobres dos pobres; (2) avaliao do impacto das polticas

    sociais e (3) integrao e coordenao dos programas sociais em todos os nveis

    governamentais federal, estadual e municipal e do setor privado.

    Vejamos cada uma das medidas propostas para aumentar a efetividade das

    polticas sociais. Primeiro, apesar da suposta generosidade dos oramentos

    pblicos, conjugados com a beneficncia privada, os gastos sociais brasileiros no

    atingem aqueles que mais necessitam desta interveno. A soluo proposta a

    focalizao dos gastos nos segmentos mais pobres da populao.

    Para colocar em prtica esta focalizao, as medidas eficientes seriam a

    melhor distribuio dos recursos federais de acordo com as carncias dos estados

    da federao, o remanejamento das verbas entre os programas, a abolio ou

    mudana do vis intergeracional na poltica social e, por ltimo, a criao de um

    cadastro nico da clientela.

    Em segundo lugar, eles alertam para o fato de o Brasil no ter um sistema de

    avaliao dos impactos das polticas sociais. O objetivo da criao de mecanismos

    tcnicos de avaliao visa concentrar os recursos nos programas mais efetivos e

    propiciar a tais programas uma maior flexibilidade no atendimento das necessidades

    dos beneficirios e das localidades assistidas. Por ltimo, as polticas sociais

    atuariam de forma desintegrada, sem coordenao entre os trs nveis da

    administrao pblica e o setor privado, causando a superposio, ineficincia e m

    distribuio dos recursos.

    Para superar os problemas diagnosticados acima, os sociais liberais definem

    trs grandes desafios para a nossa sociedade: (1) flexibilidade nas aes de

    combate pobreza e misria, adaptando-se s necessidades locais dos municpios

    e especificidades das regies; (2) aumentar o grau de cooperao e envolvimento

    das comunidades carentes nos programas sociais; (3) elencar a prioridade dos

    gastos nas camadas mais pobres da sociedade. Desafios menores seriam a

  • 33

    unificao e a simplificao da enorme gama de programas sociais existentes, o que

    j foi de certa maneira garantido com o novo formato do programa Bolsa Famlia.

    O foco dos sociais liberais no que diz respeito ao combate pobreza e s

    desigualdades sociais no fica somente restrito ao debate sobre as polticas sociais

    compensatrias. A estrutura social que reproduz incessantemente a pssima

    distribuio de renda entre nossos cidados alicerada, conforme a lgica do

    social-liberalismo, na distribuio desigual do ativo educao. Se quisermos

    polticas de combate excluso social, dizem os sociais liberais, deveramos lutar

    por um sistema educacional mais eficiente do ponto de vista da melhor formao

    profissional para o mercado de trabalho, capacitando os trabalhadores para as

    demandas tecnolgicas e organizacionais decorrentes da nova revoluo

    tecnolgica. O fim da persistncia da desigualdade passa pela luta de classes,

    conforme escreve Ferreira (apud BRANCO, 2008), mas no entre capitalistas e

    trabalhadores, e sim pela constituio de um novo sistema educacional, com

    prioridade de financiamento pblico para a educao primria e secundria em

    detrimento do ensino superior estatal.

    Barros et al(apud BRANCO, 2008) realizaram, a partir de simulaes

    matemticas, um estudo acerca das causas da desigualdade salarial. Os resultados

    apontam para um peso de 11% para fatores gerados pelo mercado de trabalho,

    como a discriminao racial e a de gnero. J as desigualdades reveladas pelo

    mercado de trabalho, isto , que j existiam antes da insero do trabalhador no

    setor produtivo, foram identificadas, pelos autores, com um peso de 48%, sendo que

    a heterogeneidade educacional responde por 39,5%, sendo o fator de maior peso na

    decomposio da desigualdade salarial brasileira.

    Com base nisso, dever fundamental do Estado proporcionar s crianas e

    aos adolescentes uma educao bsica de qualidade, comprometida com a

    formao e o investimento do capital humano nacional. Cada um dos nossos jovens

    cidados deve ter igualdade de oportunidades na busca por uma melhor insero no

    mercado do trabalho, sendo que, a educao, apontam os sociais liberais, o

    melhor caminho para a promoo da equidade social.

  • 34

    Deste ponto de vista, a educao entendida como um ativo do portflio de investimento de um determinado indivduo, equiparado a uma ao de empresa, a um meio de produo ou qualquer ativo que gere renda para seu proprietrio. O Estado brasileiro deve, a todo custo, investir na formao do chamado capital humano, pois os retornos sociais so altos se comparados com outras polticas sociais. Enquanto o Estado deve fornecer uma educao de qualidade para todos os brasileiros, em particular aos que no podem pagar por este servio, os indivduos pobres devem investir seus melhores esforos nos estudos escolares, que no futuro podem lhes gerar rendimentos monetrios. Forma-se, ento, uma espcie de simbiose virtuosa da responsabilidade cvica do Estado com o comprometimento moral do indivduo. (BRANCO, 2008, p. 29)

    s polticas educacionais, consideradas de carter estrutural, agregar-se-iam

    outras polticas pblicas de combate ao pauperismo. Apesar da posse do ativo

    educao gerar a possibilidade de uma insero no mercado de trabalho, no h

    garantias reais da efetivao desta insero, o que por sua vez no gerar renda

    para o seu proprietrio. Nem sempre o indivduo consegue aproveitar as

    oportunidades do mercado; ou melhor, nem sempre o mercado oferece tais

    oportunidades, pois restries do mercado de crdito na oferta de dinheiro podem

    interferir no nvel de investimento nas atividades produtivas, o que aumentaria o

    desemprego e, portanto, aqueles indivduos formalmente qualificados no

    ingressariam no mercado de trabalho. Da a necessidade de o Estado atuar nas

    falhas do mercado de crdito, corrigindo-as com a oferta de dinheiro barato e

    acessvel para microempresrios e empreendedores liberais, inclusive do mercado

    informal.

    O patrocnio da igualdade de oportunidades, via educao, e a expanso do

    microcrdito no Brasil so formas de interveno do Estado na questo social

    vislumbrada pelo social-liberalismo, pois, segundo sua lgica, tal interveno no

    atenta contra a liberdade individual dos cidados e os mecanismos bsicos de

    regulao mercantil, tampouco estimula a preguia da classe trabalhadora, uma

    preocupao que assola as elites desde os escritos do reverendo Malthus. Esta ,

    em linhas gerais, a ideologia social-liberal para a interveno estatal na questo

    social (BRANCO, 2008).

    O que sugere o pensamento social-liberal sobre o combate pobreza que a

    desigualdade no se d no campo da luta de classes, mas no campo da disputa por

    melhores salrios. Ou seja, se existe luta, esta entre os trabalhadores; a disputa

  • 35

    entre os trabalhadores. Quando se fala em requerer melhor formao profissional

    para o mercado de trabalho, significa reafirmar que a desigualdade permanea e se

    perpetue, pois tal ideologia mina a possibilidade de distribuio com equidade da

    riqueza socialmente construda e disponvel no sistema. Reduzir o discurso da

    desigualdade ao campo da educao e da formao profissional colocar o

    trabalhador em concorrncia e disputa com o prprio trabalhador. E retira da disputa

    os membros da sociedade que sequer tiveram a oportunidade de serem inseridos no

    campo da educao e do trabalho.

    Vejamos os ndices numricos dos analfabetos ainda existentes no Brasil. As

    possibilidades reais da capacidade instrutiva, formativa, de elaborao da realidade

    social e econmica que tm dado o ensino pblico fundamental e mdio do nosso

    pas que incapaz de ingressar, com igualdade, um pobre na disputa por melhores

    salrios. A prpria pobreza tem seu grau de desigualdade e seus impactos so

    diferentes nos indivduos, mesmo que de mesma famlia. No possvel requerer

    igualdade atravs da educao, sendo que o acesso mesma altamente desigual,

    a considerar as condies para ingresso nas universidades, bem como as vagas

    disponveis. No h quantidade de vagas nas universidades pblicas disponveis por

    quantidade efetiva de membros que deveriam estar dentro das mesmas.

    No decorrer deste trabalho, avaliaremos as estratgias de enfrentamento

    pobreza, de combate fome, de erradicao da misria, proposta por grandes

    organizaes internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetrio

    Internacional, a Organizao das Naes Unidas e as polticas desenvolvidas no

    Governo da ex-Presidenta Dilma Rousseff (2011-2016), especificamente as com

    pretenso de erradicar a extrema pobreza no Brasil. Estas trazem dados de

    diminuio da desigualdade social, mas possuem as mesmas caractersticas das

    polticas de governos anteriores, sendo compensatrias, focalizadas, fundadas na

    contradio capital-trabalho, na explorao da fora de trabalho, na acumulao e

    centralizao de capital.

  • 36

    1.2. O Estado: padresdeintervenosocial

    A temtica questo social tem sido objeto de intensos debates nos anos

    recentes, em funo das atuais transformaes societrias. No Brasil, o tema tem

    sido bastante discutido por vrios intelectuais, estudiosos e profissionais, dentre

    os quais apontamos os assistentes sociais, uma vez que o surgimento do Servio

    Social como profisso e como prtica institucionalizada tem sua vinculao s

    peculiaridades da sociedade burguesa, nas expresses da questo social e nas

    polticas sociais como forma de seu enfrentamento5.

    A expresso questo social identifica um processo histrico emergente na

    poca do capital industrial, que anuncia a tomada de conscincia de classe, o

    momento em que o trabalhador se reconhece como classe, reivindica seus direitos

    de cidado e se ope ordem econmica instituda que provoca misria e

    desmoralizao em massa.

    O termo questo social surge pela primeira vez na Europa, no sculo XIX,

    mais precisamente em 1830, num contexto de lutas ideopolticas6 da classe operria

    contra os agravos da pobreza no incio do capitalismo industrial. Ela fruto da

    desigualdade e da injustia existente nas relaes sociais pela concentrao de

    poder e riqueza da classe burguesa e pela pobreza dos trabalhadores.

    A questo social efeito de uma sociedade liberal e do processo de

    desenvolvimento da industrializao que gerou grandes tenses sociais. Ela surge

    no bojo do processo de industrializao, onde o capital modifica os meios de

    produo para acelerar a produtividade e aumentar as taxas de lucratividade,

    transformando o trabalhador livre em trabalhador assalariado.

    A revolta do proletariado e suas manifestaes esto relacionadas aos efeitos

    do capitalismo e dos novos meios de produo que so a causa motora do

    5 Para Netto (2005), o surgimento do Servio Social como profisso, est vinculado emergncia do Estado

    burgus da idade dos monoplios, aos projetos das classes sociais e execuo das polticas sociais. Na viso do autor a gnese histrico-social da profisso no se esgota na questo social, mas envolve as peculiaridades da sociedade burguesa na fase de transio idade dos monoplios. 6 JAMUR (1997, p.184).

  • 37

    surgimento da questo social. Contribuiu para o seu surgimento o trabalho tornado

    mercadoria, em que o trabalhador livre vende sua fora de trabalho aos capitalistas

    em troca de salrio.

    No momento em que adquire conscincia desses fatores, o trabalhador trava

    uma luta contra a classe burguesa (os comandantes do capital), em protesto s

    sequelas do capitalismo e para garantir suas condies de existncia. Esse

    momento significou uma ameaa da classe operria ordem instituda. Essa luta do

    trabalhador representou uma espcie de rompimento da classe operria com a

    ordem econmica vigente.

    A expresso questo social surge com a emergncia da classe operria no

    cenrio poltico por meio de lutas em prol de direitos atinentes ao trabalho e seu

    reconhecimento enquanto classe.

    Contudo, a questo social parte constitutiva das relaes sociais capitalistas

    de produo. Ela apreendida como [...] expresso ampliada das desigualdades

    sociais: o anverso das foras produtivas do trabalho social (IAMAMOTO, 2001,

    p.10).

    Neste sentido, pensar a questo social pensar os efeitos do processo de

    acumulao capitalista que trouxeram graves reflexos para a classe operria

    levando-a a um grande empobrecimento.

    Questo social indissocivel do processo de acumulao e dos efeitos que produz sobre o conjunto das classes trabalhadoras, o que se encontra na base da exigncia de polticas sociais pblicas. Ela tributria das formas assumidas pelo trabalho e pelo Estado na sociedade burguesa [...]. (IAMAMOTO, 2001, p. 11)

    A luta dos trabalhadores contra a burguesia exigia a presena do Estado para

    fazer frente ameaa dessas lutas. Desta forma, em meados dos anos de 1920 e

    1930, origina-se uma esfera de direitos que se ampliar futuramente, no surgimento

    do Welfare State, no ps-segunda guerra. O Welfare State representa a interveno

    Estatal na esfera dos direitos sociais pblicos atinentes ao trabalho,

    consubstanciados em servios e em polticas sociais em favor do trabalhador.

  • 38

    O Welfare State ou Estado de Bem-estar configura um momento histrico da

    interveno do Estado no mbito social, com caractersticas e peculiaridades

    prprias desta interveno, que no ocorreu em todos os pases. Assim,

    compreendemos que a tentativa de construo de um Estado interventor na busca

    de bem-estar no significa a reconstruo de um Welfare State do passado.

    O Estado de Bem-Estar foi uma das formas de enfrentamento s expresses

    da questo social da poca. A ideia era a constituio de um Estado forte que

    interviesse na questo social e proporcionasse proteo social aos indivduos

    desempregados e em situao de vulnerabilidade social, para que estes no se

    mantivessem margem da sociedade, e a ela pudessem se reintegrar impedindo

    sua desfiliao7.

    O Welfare State tem suas bases fundadas na interveno do Estado junto

    sociedade. A ideia de um Estado interventor foi proposta por John Maynard Keynes

    (1883-1946) como forma de enfrentamento a uma das crises do capitalismo. Sua

    proposta surge numa poca em que o mercado sofre uma grande crise,

    intensificando a pobreza e ampliando as desigualdades.

    O Welfare State tinha o objetivo de conter as crises econmicas cclicas do

    capitalismo e assegurar o pleno emprego, a sistematizao de um conjunto de

    medidas de proteo social contra os riscos sociais decorrentes da perda de

    capacidade dos indivduos de se manterem por meio da renda do trabalho.

    Caracteriza-se por um tipo de relao entre Estado e sociedade antes

    inexistente. Diferente das protees sociais outrora oferecidas, o Welfare State tem

    os seguintes objetivos: extenso dos direitos sociais; oferta universal de servios

    sociais; preocupao com o pleno emprego; institucionalizao da assistncia social

    como rede de defesa pobreza absoluta e meio de garantir a manuteno de

    padres mnimos de ateno s necessidades humanas bsicas. Neste sentido, a

    teoria do Welfare State ancorada por princpios que se identificam com o conceito

    de cidadania (PEREIRA, apud STEIN, 1999, p. 8).

    7Castel (2001).

  • 39

    Era preciso uma estratgia estatal de sustentao do pleno emprego, dos

    fatores de produo e da mo de obra para que a demanda ou a procura de bens e

    servios fossem mantidas, pois, manter a demanda significava ter capacidade de

    comprar bens e servios no mercado, com salrios suficientes advindos do emprego.

    O Estado de Bem-Estar no aconteceu em todos os pases e a proposta de

    Estado interventor, provedor de direitos, entra em crise quando o sistema capitalista

    se reconfigura, mais precisamente na passagem da dcada de 1970 para a dcada

    de 1980, quando o Estado passa a no mais oferecer proteo social da mesma

    forma que previa o Welfare State.

    A estruturao do Welfare State se d numa economia de pleno emprego e

    de forte industrializao, articulada em torno dos gastos pblicos para a proteo

    social. As crises capitalistas e a revoluo tecnolgica mudaram profundamente as

    formas de reproduo da fora de trabalho e as organizaes de trabalhadores, em

    que o desemprego se tornou o principal problema social.

    Segundo Stein (1999),a histria do Welfare State dividida em trs fases:

    -Pr-crise (1950-1975): onde ele firmou-se como paradigma dominante e estvel do

    desenvolvimento social no Ocidente, num contexto de emergncia devido

    depresso econmica e ao desemprego; a Segunda Guerra Mundial; a prosperidade

    econmica do ps-guerra e a crescente ameaa do comunismo;

    -Crise (1975-1980): marcada pelo desequilbrio do capitalismo e pela viabilidade do

    Estado keynesiano;

    -Ps-crise (incio de 1980): no qual surgem abordagens neoconservadoras,

    adaptadas a uma economia de mercado de propriedade privada, orientada para o

    lucro, com novos instrumentos, atores e regras.

    No h um nico modelo de Welfare State8, posto que seu contexto varia de

    8 Importante saber que o WelfareState no significa necessariamente garantia de bem-estar a todos, por parte do

    Estado. Seu significado [...] uma auto-denominao concebida pelo arcebispo Ingls Willian Temple que, em contraposio ao Estado beligerante nazista, da segunda grande guerra, acenava com um Estado de bem-estar que nasceria com o processo de reconstruo europia pelos aliados. Assim, preciso diferenciar o Welfare

  • 40

    uma nao outra, podendo, assim, apresentar num contexto satisfatrias

    condies de bem-estar social e no outro no apresentar o mesmo desempenho,

    apesar dos gastos e das aes sociais realizadas.

    justamente o seu carter multifuncional e a sua capacidade de servir, concomitantemente, a mltiplos objetivos, que tornam a organizao poltica do Estado Social to atrativa para uma ampla coligao de foras heterogneas (OFFE, apud STEIN, 1999, p. 9).

    Conforme Singer (1998), a partir do fim dos anos 1960, tal prosperidade

    sofreu a interferncia da diminuio da produtividade, ligada crescente insatisfao

    com as condies de trabalho, por parte de um operariado mais estudado.

    Passou-se a ter crescente resistncia execuo de tarefas repetitivas,

    embora bem pagas, o que aumentou o nmero de faltas ao servio, contnuas

    mudanas de emprego e greves, no apoiadas por todos os sindicatos, que

    contrariamente, junto s empresas, tentavam acalmar os trabalhadores, melhorando

    os salrios, porm, sem sucesso.

    Houve um desequilbrio entre salrio e produtividade, aumentando os custos

    de produo, o que significou reduo dos lucros e aumento da inflao. Indstrias

    foram transferidas para pases com mo de obra barata, como por exemplo, o Brasil.

    O Primeiro Choque do Petrleo, em fins de 1973, desencadeou a primeira

    grande crise do ps-guerra, onde os preos do petrleo foram triplicados pela

    Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo (OPEP).

    Os governos, diante dessa circunstncia, decidiram implantar polticas

    recessivas como: corte no gasto pblico e restrio do crdito, afetando, assim, a

    demanda efetiva, o que acarretou o declnio nas importaes. A economia capitalista

    sofreu severa recesso durante dois anos (1974-1975), em consequncia da

    diminuio da produtividade e do aumento do desemprego.

    State (Estado de Bem-Estar) do processo de bem-estar social (Social Welfare), pois no significa que, onde h um Estado de Bem-Estar funcionando deve haver um efetivo bem-estar social. O Welfare State tem a inteno de promover o bem-estar de todos os membros de uma dada sociedade e o Social Walfare o efetivo bem-estar usufrudo pela sociedade, seja mediante as polticas de Welfare State ou de outras instituies. Logo, o conceito de bem-estar social uma expresso da realidade vivenciada em contextos socioculturais particulares, enquanto o Estado de Bem-estar um rtulo criado com base num desejo (PEREIRA, 1994).

  • 41

    Dentro deste quadro de crise econmica do capital, a classe mais prejudicada

    foi a dos trabalhadores, os pobres e os excludos que necessitavam da interveno

    do Estado na esfera social.

    [...] a recesso gera menos receita para a Previdncia e para o Estado, implicando violentos cortes no oramento pblico, at por exigncias dos bancos internacionais. So as reas sociais as que mais sofrem cortes, porque as prioridades do governo voltam-se para os setores de exportaes, beneficiados com inmeras isenes de taxas e impostos (FALEIROS, 1986, p. 78).

    Em 1979, ocorreu o Segundo Choque do Petrleo, equivalente tambm ao

    grande aumento do preo do combustvel, produzindo os mesmos efeitos. Porm, a

    recesso, desta vez, durou trs anos (1980-82), sendo mais profunda e acentuada.

    O desemprego, causado pelas recesses, enfraquece os sindicatos e abafa a

    resistncia operria contra as pssimas condies de trabalho. Os salrios

    diminuem e a lucratividade se recupera. Mas, o desemprego continua se

    expandindo, o que se explica tambm pela revoluo tecnolgica e sua interferncia

    na reestruturao produtiva que requer pouqussima participao do trabalho

    humano.

    Os choques do Petrleo no chegaram a atingir de imediato os pases

    importadores, pois estes depositavam suas receitas de exportao no Euromercado

    Mercado Internacional de Capitais no controlados por nenhum governo. Contudo,

    com a crise no Euromercado, o fluxo de crditos foi cortado, levando os pases ao

    superendividamento, como aconteceu com o Brasil.

    Esses acontecimentos marcam o surgimento de um novo modelo de

    regulao do sistema capitalista - o neoliberalismo - com propostas de no

    interveno dos controles estatais sobre a economia, que teve incio nos anos 1970,

    sob o governo conservador de Margaret Thatcher, na Inglaterra, que tinha como

    lema o direito de ser desigual. As desigualdades sociais eram entendidas como

    questes devidas s diferenas individuais. Conforme Faleiros (2000, p. 187):

  • 42

    As reformas neoliberais tm propsitos e mecanismos semelhantes em todo o mundo, embora, em cada pas, haja reaes e arranjos diferentes. O propsito o de mudar a estruturao do sistema de bem-estar social com a diminuio do papel do Estado e, principalmente, da garantia de direitos sociais, e a insero dos dispositivos de manuteno da fora de trabalho nos mecanismos lucrativos do mercado.

    Analisando a proposta real do Welfare State, verifica-se que ele um

    fenmeno contraditrio9, pois, embora vise atender s necessidades humanas, o

    faz preservando a integridade capitalista, ou seja, o sistema econmico.

    Segundo Faleiros (2000), os princpios do Welfare State so aplicados, no

    para a promoo da justia, mas sim porque h uma crise no mercado.

    Os neoliberais propem, nos perodos de crise, a extino das medidas sociais e a volta ao mercado de trabalho, sem proteo do Estado, e isto justamente num momento em que os trabalhadores esto mais vulnerveis pela desmobilizao decorrente do desemprego e da procura de emprego (FALEIROS, 1986, p. 79).

    Desta forma, nesta mais nova configurao do capitalismo, se preconiza a

    no participao estatal para que o capitalista possa maximizar os lucros, tambm,

    pelo controle do mercado. Assim, d-se um novo redirecionamento nas funes do

    Estado, ou seja, modificam-se suas formas de atuao em favor do capital.

    Segundo Netto (2005), o Estado sempre interveio no processo capitalista

    quando houve presso sobre a burguesia. [...], no entanto, com o ingresso do

    capitalismo [...] essa interveno muda funcional e estruturalmente (NETTO, 2005,

    p. 24). O Estado, at seu estgio monopolista, pautava sua interveno como

    guardio das condies externas da produo capitalista (NETTO, 2005, p. 24).

    Ultrapassava a fronteira de garantidor da propriedade privada dos meios de

    produo burguesa somente em situaes precisas. E no capitalismo monopolista,

    as funes do Estado esto imbricadas com suas funes econmicas.

    Sua atuao para alm de garantidor da propriedade privada dos meios de

    produo burguesa s se dava de forma emergencial, episdica e pontual. Na

    Idade dos monoplios, o Estado vai atuar na preservao das condies externas da

    produo capitalista.

    9 Stein (1999).

  • 43

    A interveno estatal incidir na organizao da dinmica econmica do

    capital. [...] o eixo da interveno estatal na idade dos monoplios direcionado

    para garantir os superlucros dos monoplios (NETTO, 2005, p. 25). O mesmo autor

    elenca as funes do Estado na economia capitalista:

    [...] possui um especial relevo a sua insero como empresrio nos setores bsicos no rentveis (nomeadamente aqueles que fornecem aos monoplios, a baixo custo, energia e matrias-primas fundamentais), a assuno do controle de empresas capitalistas em dificuldades (trata-se aqui, da socializao das perdas, a que frequentemente se segue, quando superadas as dificuldades, a reprivatizao), a entrega aos monoplios de complexos construdos com fundos pblicos, os subsdios imediatos aos monoplios e a garantia explcita de lucro pelo Estado [...]. (NETTO, 2005, p. 25)

    No se esgotam a as aes do Estado em favor do monoplio do capital.

    Ainda observamos as aes indiretas que no so menos importantes. Neste

    sentido, tm-se como subsdios indiretos favorecidos ao capital pelo Estado, os

    investimentos pblicos em meios de transporte e infraestrutura, a preparao da

    fora de trabalho requerida pelo capital e os gastos com investigao e pesquisa.

    Sua interveno, aqui, se d na direo do desenvolvimento, por meio de

    planos e projetos de mdio e longo prazo. Sendo assim, verificamos que o [...]

    Estado atua como instrumento de organizao da economia, operando [...] como um

    administrador dos ciclos de crise (NETTO, 2005, p. 26).

    Neste sentido, Netto (2005) salienta que este Estado func