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COMEÇANDO A ENTENDER O QUE É LINGUÍSTICA DO COMEÇO: SAUSSURE Linguística I – LEF140 UFRJ/ Faculdade de Letras - Linguística I - Prof. Maria Carlota Rosa 1

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COMEÇANDO A ENTENDER

O QUE É LINGUÍSTICA DO COMEÇO:

SAUSSURE

Linguística I – LEF140

UFRJ/ Faculdade de Letras - Linguística I - Prof. Maria Carlota Rosa 1

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O substantivo português

LINGUÍSTICA foi registrado

num dicionário pela

primeira vez na edição de

1858 do Diccionario da

Lingua Portugueza, de

Antônio de Morais Silva

(1755-1824).

O Morais foi publicado pela primeira vez em 1789 e é considerado o primeiro dicionário monolíngue de português(Nunes & Seligman, 2003: 37). A primeira edição pode ser consultada emhttp://dicionarios.bbm.usp.br/en/dicionario/edicao/2

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• A palavra entrou no português

pelo francês LINGUISTIQUE.

• O francês tomara essa palavra

do alemão LINGUISTIK, criação

do século XVIII

(Koerner, 1989).

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Algumas décadas depois da publicação

da obra de Morais Silva, já no século XX, a

denominação LINGUÍSTICA ainda era mal

aceita no Brasil e competia com outros

termos, como Glotologia e até com

Filologia.

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Não apenas a palavra linguística érelativamente recente em português.

A Linguística emerge como disciplina no

século XIX. Mas o grande marco viria no

início do século XX.

UFR

J/ F

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Essa nova ciência tem como marco inicial a obraCours de linguistique générale, do professor suíçoFerdinand de Saussure (1857-1913), publicada em1916.

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• Saussure não escreveu o Curso.• Entre 1907 e 1911 ficou responsávelpela cadeira de Linguística Geral naUniversidade de Genebra e a ministrou três vezes: 1907, 1908-1909, 1910-1911.

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Depois da morte de Saussure, dois de seus colegas, Charles Bally (1865-1947) e Albert Sechehaye (1870-1946) resolveram publicar os três cursos que

Saussure ministrara.

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Reuniram as anotações de aula dos alunos (umas 1000 páginas), as poucas anotações de aula do próprio Saussure e transformaramesse material numa “obraunificada”, “conferindoprecedência à terceira série de conferências” (Culler, 1976 [1979]: 10).

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Os estudantes que serviram de fonte para o Courssegundo o prefácio :

• Louis Caille (1884—1962)

• Léopold Gautier ([1894?]-1971)

• Paul F. Regard

• Albert Riedlinger (1883-1978)

• George Dégallier;

• Francis Joseph;

• Louis Brütsch ;

E uma mulher• Marguerite Sechehaye (1887-1964)

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Nem Bally nem Sechehaye frequentaram as aulas.

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O que o Curso de

linguística geral trazia

de novo?

Em primeiro lugar, delimitava o

objeto de estudo: a Linguística

estuda a linguagem, atribuindo à

língua, sua manifestação, o foco

do estudo.

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Assim, o Curso• definia claramente o objeto da Linguística,

procurando determinar sua natureza (Saussure, Curso, 1 – p. 10);

• dissociava a Linguística do estudo “desprovido de qualquer valor científico” que tinha por objetivo “formular regras para distinguir as formas corretas das incorretas” (Saussure, Curso, 1 –p. 7);

• distinguia a Linguística da Filologia” (Saussure, Curso, 1 –p; 7-8) .

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Segundo Saussure, para definir o objeto

da Linguística

“é necessário colocar-se primeiramente

no terreno da língua e tomá-la como

norma de todas as outras manifestações

da linguagem”.

(Saussure, Curso, Introdução, cap. 3, §1 –

p. 16)

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Mas o que é uma língua?

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« A língua é um sistema no qual todas as partes

podem e devem ser consideradas em sua

solidariedade sincrônica ».(Saussure, Curso, Princípios Gerais, cap. 3, § 3 – p. 102)

Na citação atribuída erroneamente a Saussure (ver Peeters, 1990;

Bauer, 2003),

Uma língua é um “système où tout se tient”

(‘um sistema onde tudo se sustenta’).

Uma língua “constitui-se num sistema de signos”

(Saussure, Curso, Introdução, cap. 3, § 2 – p. 23 ).

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Uma língua é, “ao mesmo tempo, um produto

social da faculdade da linguagem e um

conjunto de convenções necessárias, adotadas

pelo corpo social para permitir o exercício dessa

faculdade nos indivíduos” . (Saussure, Curso,

Introdução, cap. 3, §2 – p.17).

A língua é “um tesouro depositado pela prática da fala em todos os

indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema

gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais

exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua

não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo

completo” (Saussure, Curso, Introdução, cap. 3, §2 – p.21).

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A língua existe na coletividade sob a formaduma soma de sinais depositados em cadacérebro, mais ou menos como um dicionáriocujos exemplares, todos idênticos, fossemrepartidos entre os indivíduos.

(Saussure, Curso, Introdução, cap. 4, p. 27 ).

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Apesar do prestígio que a sociedade atribui à escrita, a obra de Saussure vai estabelecer o primado da língua falada nos estudos linguísticos.

A escrita passa a ser considerada uma imitação secundária da fala.

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O signo linguístico: a união indissociável e arbitrária entre um significante e um significado

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As setas em direções opostas indicam a relação indissociável de que resulta a forma linguística.

Significante – padrão sonoro depositado na mente (e não a palavra efetivamente pronunciada)Significado – conceito depositado na mente (e não o objeto significado)

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1ª Característica Primordial do SIGNO: o signo o é arbitrário

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Arbitrariedade significa que significante e significado estão

relacionados por convenção, sem qualquer elo natural. Neste

sentido, o signo é arbitrário ou imotivado.

Saussure chama a atenção, no entanto, para o fato de que

apenas uma parte dos signos é totalmente arbitrária:

“o signo pode ser relativamente motivado”

(Saussure, Curso, Linguística Sincrônica, cap. 6,§3, p. 152 ).

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Assim, vinte é imotivado, mas dezenove não o é no mesmo grau, porque evoca os termos dos quais se compõe e outros que lhe estão associados, por exemplo, dez, nove, vinte e nove, dezoito, setenta etc.; tomados separadamente, dez e nove estão nas mesmas condições que vinte, mas dezenove apresenta um caso de motivação relativa. O mesmo acontece com pereira, que lembra a palavra simples pera e cujo sufixo –eira faz pensar em cerejeira, macieira etc.; nada de semelhante acontece com freixo, eucalipto etc.(Saussure, Curso, Linguística Sincrônica, cap. 6, §3, p. 152 ).

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Dezenove é associativamente solidário de dezoito, dezessete etc. e sintagmaticamente de seus elementos dez e nove [....]. Essa dupla relação lhe confere uma parte de seu valor.

(Saussure, Curso, Linguística Sincrônica, cap. 6, §3, p. 153 ).

A relação significante-significado é sempre arbitrária considerado o signo em isolado, i.e. , fora de um sistema. A motivação relativa surge nas “solidariedades” impostas pelo sistema que levam à “limitação do arbitrário” (p.154): relações associativas e relações sintagmáticas.

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E casos como tic-tac, blim-blom?

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Quanto às onomatopeias autênticas (aquelas do tipo glu-glu, tic-tac

etc) não apenas são pouco numerosas, mas sua escolha é já, em certa

medida arbitrária, pois que não passam de imitação aproximativa e

já meio convencional de certos ruídos (compare-se o francês ouaoua e

o alemão wauwau). Além disso, uma vez introduzidas na língua,

elas se engrenam mais ou menos na evolução fonética, morfológica,

etc, que sofrem as outras palavras(cf. pigeon, do latim pipio,

derivado também de uma onomatopeia): prova evidente de que

perderam algo de seu caráter primeiro para adquirir o do signo

linguístico em geral, que é imotivado.

(Saussure, Curso, Princípios Gerais, cap. 1, §2, p. 83 ).

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• As onomatopeias (isto é, palavras cujos sons

evocam sons existentes no mundo biossocial),

têm certo grau de arbitrariedade. Como notou

Hockett (1958: 298), em inglês, um sino faz

ding-dong e, em alemão, bim-bam. Em

português, blim blom.

• Em outras palavras: as onomatopeias não são

imitações fiéis, mas expressões fonemizadas

(Lenneberg, 1964: 64)

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O signo linguístico é arbitrário

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Isso não significa que há nomes arbitrários

ligados a conceitos preexistentes,

independentes de qualquer língua. Se fosse

assim, uma língua seria uma

nomenclatura.

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Pressuposto da arbitrariedade:

uma língua não é uma nomenclatura para

um conjunto de conceitos universais.

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Se uma língua fosse uma nomenclatura:

a) seria muito fácil traduzir;

b) não haveria mudança nos significados.

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Saussure insiste em que uma língua não é apenas

uma nomenclatura. Os recortes dos significados

diferem de uma língua para outra; ou na mesma

língua, no correr do tempo.

francês

fleuve- corre para o

mar;

rivière não corre

para o mar.

português

rio - riachoa diferença diz respeito ao

caudal, não onde desemboca.

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Ex. 1:

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Ex. 2:

Na Odisseia, o heroi Odisseu se apresenta a o

ciclope Polifemo com o nome de Ninguém e o ataca

(Odisséia, canto IX, 159). Polifemo pede socorro

aos outros gigantes, que não o entendem:

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Grego – tem quantificador negativo (‘ninguém’)

Oûtis me kteínei dólōi ēè bíēphin

Ninguém me mata por-astúcia ou por-força

Dolorosamente Ninguém quer matar-me; sem uso de força.

Russo - tem quantificador negativo (‘ninguém’), mas

precisa de múltiplas negaçõesa. Nikto menja ne gubit

ninguém me NEG mata

b. Nikto menja gubit

[A pessoa chamada] Ninguém me mata

(texto em grego extraído de Comrie, 1989, autor aqui tomado por base).

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Ex. 4:

Camara Jr ( 1977: 62)

Verbo + marcas gramaticais

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2ª Característica Primordial do SIGNO: o caráter linear do significante

os significantes acústicos dispõem apenas da linha do tempo; seus elementos se apresentam um após outro; formam uma cadeia.

(Saussure, Curso, Princípios Gerais, cap. 1, §3, p.84 ).

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Por que tanta ênfase na noção de sistema?

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Uma língua é “um sistema em que todos os

termos são solidários e o valor de um resulta

tão-somente da presença de outros, segundo o

esquema

(Saussure, Curso, Linguística Sincrônica, cap. 4, § 2 – p. 133)

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Langue/ parole

• A língua (langue) é um sistema de signos, “elementos

decisivos para a função significante da língua” (Culler,

1976 [1979]: 24).

• A parole “é a fala real, os atos de fala tornados possível

pela língua” (Culler, 1976 [1979]: 23).

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A langue é coletiva; a parole é individual.

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Para achar, no conjunto da linguagem, a esfera que

corresponde à língua, necessário se faz colocarmo-nos diante

do ato individual que permite reconstituir o circuito da fala.

Este ato supõe pelo menos dois indivíduos [....] Suponhamos,

então, duas pessoas, A e B, que conversam.

O ponto de partida se situa no cérebro de uma delas, por

exemplo A, onde os fatos de consciência, a que chamaremos

conceitos, se acham associados às representações dos signos

linguísticos ou imagens acústicas que servem para exprimi-

los.

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Suponhamos que um dado conceito suscite no cérebro uma

imagem acústica correspondente: é um fenômeno inteiramente

psíquico, seguido, por sua vez, de um processo fisiológico: o

cérebro transmite aos órgãos da fonação um impulso correlativo

da imagem; depois as ondas sonoras se propagam da boca de A

até o ouvido de B: processo puramente físico. Em seguida, o

circuito se prolonga em B numa ordem inversa: do ouvido ao

cérebro, transmissão fisiológica da imagem acústica; no

cérebro, associação psíquica dessa imagem com o conceito

correspondente.

(Saussure, Curso, Introdução, cap. 3, §2 – p.19)

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Implicações

decorrentes

do conceito de

língua na

teoria

saussureana

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Entender a língua como sistema gramatical,

que funciona para os membros de uma

comunidade levou à distinção entre

focalizar a sincronia (um estado da

língua) ou a diacronia (sua evolução),

entre estudos sincrônicos e estudos

diacrônicos .

Implicação 1:

Linguística sincrônica e linguística diacrônica

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O paradoxo saussureano

Como podem os falantes continuar usando uma língua de maneira eficaz, quando essa língua está constantemente mudando? (Trask, 2004: 222).

A primeira coisa que surpreende quando se estudam os fatos da língua é que, para o indivíduo falante, a sucessão deles no tempo não existe: ele se acha diante de um estado. Também o linguista que queira compreender esse estado deve fazer tabula rasa de tudo quanto produziu e ignorar a diacronia.

(Saussure, Curso, Princípios Gerais, cap. 3, §2 – p. 97)

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“... a língua constitui um sistema de

valores puros que nada determina de fora

do estado momentâneo de seus termos.(Saussure, Curso, Princípios Gerais, cap. 3, § 1 –

p. 95).

Um exemplo: qual a raiz do verbo português

comer?

Leitura: Camara Jr. Introdução ao estudo das

línguas indígenas brasileiras. p. 47-63,

especialmente 58-59.

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... está claro que o aspecto sincrônico

prevalece sobre o outro [o diacrônico –

MCR], pois, para a massa falante, ele

constitui a verdadeira e única realidade

[...]. Também a constitui para o linguista:

se este se coloca na perspectiva

diacrônica, não é mais a língua o que

percebe, mas uma série de acontecimentos

que a modificam.(Saussure, Curso, Princípios Gerais, cap. 3, § 5 -´p. 105-106).

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Como funcionam essas relações

num dado estado de língua ou

sincronia?

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Implicação 2:

Língua é forma, não substância

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• Ou: um elemento vale pelo que ele não é.

O valor de um elemento corresponde a dois

tipos de atividade mental:

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Implicação 3:• Numa sincronia, os elementos linguísticos constituem

um sistema de relações:

• relações que fazem parte do “tesouro interior que constitui a língua de cada indivíduo”, cuja sede é o cérebro: as oposições, que apontam elementos que poderiam substituir um ao outro;

• de relações entre os elementos em sequência, as relações baseadas no caráter linear da língua.

(Saussure, Curso, Linguística Sincrônica, cap. 5 § 1 –p.142)

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As relações sintagmáticas e as relações associativas (ou

paradigmáticas)

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Ou relações em presença e relações em ausência

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Esse foi o começo da Linguística

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Desde Saussure a pesquisa linguística assumiu diferentes enfoques, materializados em teorias.

Esses enfoques podem ser esquematizados em:• externalista;• emergentista;• essencialista.(SCHOLZ, PELLETIER & PULLUM, 2015)

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O quadro a seguir, adaptado de SCHOLZ, PELLETIER & PULLUM, 2015, aponta para diferentes interesses que a pesquisa linguística pode assumir.

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Externalista Emergentista Essencialista

Ob

jeti

vo

Desenvolver modelos

acurados de propriedades

estruturais dos sons da fala,

palavras, expressões ...

Explicar a capacidade para a

linguagem em termos de

capacidades humanas não

linguísticas : pensamento,

comunicação e interação

Postular universais da

estrutura linguística, não

aprendidos, mas tacitamente

sabidos, que permitem e

auxiliam as crianças na

aquisição de línguas

Estr

utu

ra li

ngu

ísti

-ca Um sistema de padrões ---

que é inferido dos traços

objetivos e geralmente

accessíveis do uso linguístico

Um sistema de construções --- que

vão de expressões idiomáticas a

tipos produtivos altamente

abstratos

Um sistema de condições

abstratas --- que podem não

ser evidentes da experiência

do usuário típico de uma língua

Tem

a

pri

már

io

Uso linguístico Comunicação, cognição, variação e

mudança

Princípios universais abstratos

que explicam as propriedades

de línguas específicas

Exe

m

plo

Bloomfield, linguística de

corpus

Sapir, Labov, Tomasello, Camara Jr Chomsky

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• Enfoque não essencialista

• Enfoque essencialista

UFRJ/ Faculdade de Letras - Linguística I - Prof. Maria Carlota Rosa 51

• o grupo ou comunidade linguística;

• língua / dialeto/ variedade

Langue/ parole

• o indivíduo ,• a linguagem enquanto um

faculdade da mente

Competência/ desempenholíngua-I / língua-E

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Referências

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