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Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

I-1

I. IÍndice 1. Introdução .......................................................................................................................................................... 1- 1

1.1. Termos de Referência ................................................................................................................................. 1- 1 1.2.Comentários Gerais ..................................................................................................................................... 1- 1 1.3. Comentários sobre o Relatório ................................................................................................................... 1- 1

2. Execução do Projecto EMERGE ..................................................................................................................... 2- 1 2.1. Enquadramento ........................................................................................................................................... 2- 1

2.1.1. Proposta e Aprovação do Projecto EMERGE.................................................................................... 2- 1 2.1.2. Conhecimentos Prévios...................................................................................................................... 2- 1 2.1.3. Objectivos da Proposta Inicial ........................................................................................................... 2- 2 2.1.4. Acções Propostas ............................................................................................................................... 2- 2

2.2. Execução do Projecto EMERGE ............................................................................................................... 2- 3 2.2.1. Quadro Institucional.......................................................................................................................... 2- 3 2.2.2. Equipa Científica............................................................................................................................... 2- 3 2.2.3. Cooperação com Outros Projectos ..................................................................................................... 2- 4 2.2.4. Factores Restritivos da Execução ..................................................................................................... 2- 4 2.2.5. Execução Financeira .......................................................................................................................... 2- 6

2.2.5.1. Equipamento ............................................................................................................................. 2- 6 2.2.5.2. Sub-Contratos ........................................................................................................................... 2- 7 2.2.5.3. Consumíveis .............................................................................................................................. 2- 8 2.2.5.4. Missões...................................................................................................................................... 2- 8 2.2.5.5. Despesas com Pessoal ............................................................................................................... 2- 8

2.3. Avaliação do Desenvolvimento das Acções Propostas ............................................................................. 2- 9 2.3.1. Levantamento Batimétrico do Estuário ............................................................................................. 2- 9 2.3.2. Cartografia Sedimentológica do Estuário ......................................................................................... 2- 9 2.3.3. Hidrologia do Estuário ....................................................................................................................... 2- 9 2.3.4. Dinâmica Sedimentar ......................................................................................................................... 2- 9 2.3.5. Estrutura Geológica e Evolução Recente do Estuário ...................................................................... 2- 9 2.3.6. Riscos Associados ao Plano de Água ................................................................................................ 2-10 2.3.7. Fontes e Sorvedouros de Azoto no Estuário ..................................................................................... 2-10 2.3.8. Ecologia Microbiana no Estuário ...................................................................................................... 2-10 2.3.9. Modelo Operacional do Estuário ...................................................................................................... 2-10 2.3.10. Sistema de Informação Geográfica ................................................................................................. 2-10

2.4. Campanhas Intensivas de Aquisição de Dados .......................................................................................... 2-11 2.4.1. Campanha WADI ANA ..................................................................................................................... 2-11

2.4.1.1. Enquadramento.......................................................................................................................... 2-11 2.4.1.2. Componentes ............................................................................................................................. 2-11 2.4.1.3. Equipamento utilizado............................................................................................................... 2-12

2.4.2. Campanha SIRIA 2001 ..................................................................................................................... 2-13 3. Caracterização Geral ........................................................................................................................................ 3- 1

3.1. Introdução ................................................................................................................................................... 3- 1 3.2. Caracterização............................................................................................................................................. 3- 4

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

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4. Levantamento Batimétrico do Estuário .......................................................................................................... 4- 1

4.1. Comentários à Execução do Trabalho ........................................................................................................ 4- 1 4.2. Execução do Levantamento Batimétrico do Estuário ................................................................................ 4- 1

4.2.1. Trabalhos de campo ............................................................................................................................................4- 2 4.2.1.1. Equipamento e software utilizados...........................................................................................................4- 2 4.2.1.2. Posicionamento ..........................................................................................................................................4- 2 4.2.1.3. Sistema de Referência................................................................................................................................4- 3 4.2.1.4. Redução do Efeito da maré .......................................................................................................................4- 4 4.2.1.5. Levantamento Batimétrico........................................................................................................................4- 5

4.2.2. Produção da Carta Batimétrica...........................................................................................................................4- 6 4.2.2.1. Processamento dos Dados.........................................................................................................................4- 6 4.2.2.2. Elementos Complementares para a Elaboração dos Mapas....................................................................4-10

4.3. Resultados .....................................................................................................................................................................4-10

5. Sedimentologia do Estuário .............................................................................................................................. 5- 1 5.1. Comentários à Execução do Trabalho ........................................................................................................ 5- 1 5.2. Colheita de Sedimentos de Fundo ............................................................................................................. 5- 1

5.2.1. Equipamentos e software utilizados................................................................................................... 5- 1 5.2.2. Trabalhos de Campo .......................................................................................................................... 5- 1

5.3. Análise do Esboço de Carta Sedimentológica ........................................................................................... 5- 3 5.4. Análise Granulométrica ............................................................................................................................. 5- 5

5.4.1. Métodos Utilizados ............................................................................................................................ 5- 5 5.4.2. Análise das distribuições granulométricas ......................................................................................... 5- 6

5.5. Análise integrada ........................................................................................................................................ 5- 6

6. Hidrologia do Estuário...................................................................................................................................... 6- 1 6.1. Comentários à Execução do Trabalho ........................................................................................................ 6- 1 6.2. Escoamentos Fluviais ................................................................................................................................. 6- 1

6.2.1. Escoamentos Anuais .......................................................................................................................... 6- 1 6.2.2. Escoamentos Mensais ........................................................................................................................ 6- 3 6.2.3. Caudais Diários .................................................................................................................................. 6- 5 6.2.4. Efeito das Barragens nos Escoamentos Anuais ................................................................................. 6- 6

6.3. Marés .......................................................................................................................................................... 6-11 6.3.1. Enquadramento .................................................................................................................................. 6-11 6.3.2. Instalação e Exploração do Marégrafo............................................................................................... 6-11 6.3.3. Nível do Plano de Água e Episódios de Sobreelevação..................................................................... 6-13 6.3.4. Assimetria da Maré em V.R.Sto. António ......................................................................................... 6-17

6.4. Correntes..................................................................................................................................................... 6-19 6.4.1. Enquadramento .................................................................................................................................. 6-19 6.4.2. Resultados .......................................................................................................................................... 6-19

6.4.3.1. Secção Transversal Correntométrica ................................................................................... 6-19 6.4.3.2. Correntometria junto à Desembocadura .............................................................................. 6-24

6.5. Salinidade e Temperatura ........................................................................................................................... 6-26 6.5.1. Enquadramento .................................................................................................................................. 6-26 6.5.2. Resultados .......................................................................................................................................... 6-28

6.5.2.1. Secção Transversal .................................................................................................................... 6-28 6.5.2.2. Salinidade e Temperatura junto à Desembocadura junto à Desembocadura ............................ 6-31

6.6. Turbidez e Matéria em Suspensão ............................................................................................................. 6-32 6.6.1. Enquadramento .................................................................................................................................. 6-32 6.6.2. Resultados .......................................................................................................................................... 6-33

6.6.2.1. Secção Transversal de Turbidez................................................................................................ 6-33 6.6.2.2. Correntometria junto à Desembocadura.................................................................................... 6-34 6.6.2.3. Perfil Longitudinal .................................................................................................................... 6-35

6.6.2.3.1. Métodos Utilizados ..................................................................................................... 6-35 6.6.2.3.2. Interpretação Preliminar.............................................................................................. 6-35 6.6.2.3.3. Mineralogia da Matéria Particulada em Suspensão .................................................... 6-36

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7. Fontes e Sorvedouros de Azoto e Ecologia Microbiana ................................................................................. 7- 1 7.1. Introdução ................................................................................................................................................... 7- 1 7.2. O Caso-Estudo do Guadiana....................................................................................................................... 7- 2 7.3. Metodologia ............................................................................................................................................... 7- 4

7.3.1. Descriminação das acções realizadas................................................................................................. 7- 4 7.3.1.1. Acções de campo...................................................................................................................... 7- 4 7.3.1.2. Análises preparatórias ............................................................................................................... 7- 5 7.3.1.3. Acções potenciadoras de futuros estudos de monitorização ..................................................... 7- 5

7.4. Localização das Estações de Amostragem ................................................................................................ 7- 6 7.5. Resultados................................................................................................................................................... 7- 7

7.5.1. Coluna de água................................................................................................................................... 7- 7 7.5.2. Fluxos sedimento-água ...................................................................................................................... 7- 8 7.5.3. Distribuição vertical de nutrientes, pigmentos e matéria orgânica nos sedimentos de Mértola. ....... 7- 8

7.6 Conclusões e Perspectivas Futuras .............................................................................................................. 7-12

8. Morfologia do Fundo Estuarino....................................................................................................................... 8- 1 8.1. Prospecção Geofísica.................................................................................................................................. 8- 1

8.1.1. Introdução .......................................................................................................................................... 8- 1 8.1.2. Métodos.............................................................................................................................................. 8- 1 8.1.2. Resultados .......................................................................................................................................... 8- 4 8.1.3. Discussão Preliminar da Análise Morfológica.................................................................................. 8-11

8.2. Evolução da desembocadura e do delta do Rio Guadiana nos últimos 50 anos ......................................... 8-12 8.2.1.Introdução ........................................................................................................................................... 8-12 8.2.2. Material e Métodos ............................................................................................................................ 8-12 8.2.3. Resultados: Evolução das áreas junto à desembocadura ................................................................... 8-14 8.2.4. Análise do desenvolvimento da linha de costa .................................................................................. 8-18

9. Estrutura Geológica e Evolução Recente do Estuário ................................................................................... 9- 1 9.1. Comentários à Execução do Trabalho ........................................................................................................ 9- 1 9.2. Execução dos perfis de Reflexão Sísmica Ligeira ..................................................................................... 9- 1 9.3. Resultados .................................................................................................................................................. 9- 4

9.3.1. Comentários Prévios .......................................................................................................................... 9- 4 9.3.2. Estratigrafia Sísmica .......................................................................................................................... 9- 5 9.3.3. Análise Interpretativa ......................................................................................................................... 9-19 9.3.4. Considerações sobre a Actividade Neotectónica ............................................................................... 9-21

10. Modelo Hidrodinâmico ................................................................................................................................. 10- 1 10.1. Descrição do modelo .............................................................................................................................. 10- 1

10.1.1. Introdução ...................................................................................................................................... 10- 1 10.1.2. Equações da Hidrodinâmica........................................................................................................... 10- 2 10.1.3. Discretização das Equações ........................................................................................................... 10- 2 10.1.4. Condições Fronteira ....................................................................................................................... 10- 5

10.2. Resultados da modelação no Estuário e Rio Guadiana .......................................................................... 10- 7 10.3. Conclusões.............................................................................................................................................. 10-13

Bibliografia............................................................................................................................................................ 11- 1

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

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1. Introdução 1 1.1. Termos de Referência

O Projecto EMERGE (Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana: Dinâmica do Estuário - Situação Actual, Influências Antrópicas e Perspectivação do Futuro) foi proposto, em 1997, ao Programa ODIANA, tendo sido aprovado pelo Gestor do Programa em Maio de 1999 e homologado em 6 de Agosto de 1999.

Esteve em execução desde finais de 1999 a Março de 2001, isto é, durante pouco mais de um ano.

1.2. Comentários Gerais

1 por J. Alveirinho Dias

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

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Mesmo nestas condições, a preparação de um relatório como este representa um investimento significativo, em tempo, da equipa científica. Também neste aspecto se adoptou a estratégia de privilegiar a rentabilidade da equipa, isto é, apresentar resultados já disponíveis e concentrar os esforços no tratamento dos dados existentes. O investimento na preparação de resultados específicos para este relatório seria bastante inconsequente quando comparado com o processamento normal e sequencial da informação que, esse sim, se traduz num incremento significativo no conhecimento do funcionamento do estuário.

Pela mesma razão, e porque o projecto esteve principalmente focalizado no interior do estuário, omitem-se os resultados obtidos na plataforma continental adjacente, embora alguns desses resultados estejam expressos nalguns artigos que se anexam.

Numa avaliação global, tem-se consciência que o trabalho desenvolvido foi muito, que os objectivos propostos foram atingidos (sendo-o, plenamente, no futuro próximo, após completo processamento da vasta informação adquirida), que o projecto se traduziu num avanço muito significativo no conhecimento do funcionamento do estuário do Guadiana, e que a região ficou dotada de um sistema (observacional) instrumental e logístico que pode e deve ser potenciado no futuro próximo.

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2. Execução do Projecto EMERGE 1 2.1. Enquadramento

2.1.1. Proposta e Aprovação do Projecto EMERGE

O Projecto EMERGE foi concebido e proposto em 1997. Após a resolução de variadas questões de índole burocrático-administrativa e algumas reformulações, o Projecto acabou por ser aprovado pelo Gestor do Programa em 10 de Maio de 1999, e homologado em 6 de Agosto de 1999, tendo o responsável do Projecto disso tomado conhecimento em Setembro de 1999, isto é, mais de dois anos e meio após a submissão inicial da proposta. Como é evidente, foi apenas a partir deste momento que a execução do Projecto pode ser efectivamente iniciada.

2.1.2. Conhecimentos Prévios

Pode afirmar-se que o século XX terminou sem existir um conhecimento compreensivo do estuário do Guadiana nos seus diferentes aspectos, designadamente evolutivo (a diferentes escalas temporais), hidrodinâmico, sedimentodinâmico, morfodinâmico e estrutural.

O conhecimento hidrodinâmico do estuário do Guadiana iniciou-se em 1977, quando uma equipa da Université Libre de Bruxelles, liderada pelo prof. R. Wollast, aí efectuou, no quadro de cooperação com o Serviço de Estudos do Ambiente, uma campanha de observações (correntometria, salinidade, temperaturas e turbidez). Foi apenas no final da década de 90 que se efectuaram novas observações, desta vez encomendadas pelo Gabinete Coordenador do Alqueva e executadas pelo Instituto Hidrográfico. Desta forma, pode afirmar-se que, até ao final do século XX, o estuário era bastante mal conhecido sob o ponto de vista da sua hidrodinâmica, nunca se tendo realizado observações sistemáticas continuadas no tempo.

Sobre as marés, houve um marégrafo instalado em V. R. Sto. António, cujos dados foram utilizados para determinar as componentes de maré e efectuar as previsões para este local, mas que se encontra desactivado há alguns anos. Em 1989 e em 1992, o Instituto Hidrográfico, por solicitação do Gabinete Coordenador do Alqueva, efectuou observações durante cerca de 2 meses em V. R. Sto. António, em Alcoutim, na foz do Odeleite e no Pomarão. Estes dados possibilitaram, designadamente, fazer uma primeira abordagem aos atrasos de maré ao longo do estuário. Todavia, que se saiba, nunca foram efectuados estudos de mais longa duração tendentes a determinar a variação dos atrasos e a distorção da curva da maré em função dos caudais fluviais e da variabilidade dos factores meteorológicos e oceanográficos.

No que se refere à dinâmica sedimentar, sendo os seus mecanismos forjadores principais de índole hidrodinâmica, e sendo este aspecto, como se aludiu, bastante mal conhecido, o que existia até ao final do século XX era muito incipiente, derivando, na maior parte, de deduções teóricas pouco fundamentadas em dados adquiridos no local, ou de modelos computacionais carentes de calibração e validação neste estuário (até porque a quantidade de observações utilizáveis para o efeito eram raras).

Já no que respeita à batimetria do estuário existem, desde há muito, levantamentos topo-hidrográficos vários, incidindo essencialmente na zona da barra e/ou no baixo estuário até V. R. Sto. António. Os levantamentos mais relevantes devido à sua abrangência da área estuarina são os realizados pelo Instituto Hidrográfico para o Gabinete Coordenador do Alqueva, em 1989-90, e pela Direcção Geral de Portos, em 1995. Porém, que se saiba, nunca foi efectuado um estudo coerente sobre a evolução batimétrica do estuário (á excepção do trabalho Weinholtz, 1964, sobre a evolução da embocadura), nem se estabeleceram relações causais entre a variabilidade morfológica e os caudais fluviais, designadamente com as cheias.

A evolução geológica e morfológica do estuário tem sido objecto de interesse desde há muito. Entre vários outros autores, interessaram-se por esta problemática Bonnet (1850), Sousa (1924), Hernández-Pacheco (1928), Lautensach (1931), Medeiros-Gouvêa (1938), Zbyszewski (1939), Feio (1947, 1949, 1952), Birot (1948), Hernández-Pacheco (1958; 1961), Daveau (1977), Ribeiro, Lautensach & Daveau (1988) e Morales (1997). Todavia, a abordagem francamente dominante é a descritiva e especulativa, muito na tradição naturalista das ciências naturais. Só muito recentemente começaram a ser efectivados trabalhos de índole mais interventiva, podendo-se referir, neste aspecto, entre outros, os trabalhos de Boski et al. (1998; 2000) baseados no estudo de sondagens efectuadas na margem direita do estuário. Até ao início do projecto EMERGE, e tanto quanto seja do conhecimento geral, nunca se tinham efectuado estudos de reflexão sísmica e de sonar de pesquisa lateral na zona estuarina.

1 Por J. Alveirinho Dias e Ó. Ferreira com contribuições da restante equipa científica do projecto

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

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Estudos anteriores (1980-85 no estuário do Guadiana revelaram a ocorrência de florescência de cianobactérias, geralmente associadas a elevados níveis de fósforo e azoto dissolvidos, em particular durante anos de reduzido caudal (Cabeçadas & Brogueira, 1981; Oliveira, 1985). As conclusões de trabalhos realizados durante o programa INTERRED II (1996-98) apontam para que a redução muito significativa do caudal verificada nos meses de primavera e verão, dado o controlo exercido pelas barragens a montante, potencia um ambiente de recursos nutricionais dissolvidos durante os meses mais quentes, caracterizado pela predominância de baixos rácios SI:N e N:P biodisponíveis, situação que, acoplada a uma elevada temperatura média da coluna de água (>21º), parece fornecer condições ideais para o domínio de cianobactérias sobre as restantes fitoplanctónicas no alto Guadiana (Rocha et al., submetido)

Do exposto conclui-se que até ao final do século XX existiam muito grandes lacunas no conhecimento do funcionamento actual do estuário e das suas características evolutivas.

2.1.3. Objectivos da Proposta Inicial

Face às lacunas do conhecimento existentes, bem como às perspectivas de modificação significativa de alguns dos mecanismos forçadores, reconheceu-se ser importante desenvolver um estudo integrado que permitisse colmatar algumas das lacunas inventariadas e, simultaneamente, contribuísse para traçar um quadro de referência mais fiável que permitisse a detecção de alterações futuras.

Deste modo, concebeu-se o Projecto EMERGE (Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana: Dinâmica do Estuário - Situação Actual, Influências Antrópicas e Perspectivação do Futuro), o qual tinha como objectivo efectuar um estudo multidisciplinar do estuário do Guadiana, focalizado essencialmente nas componentes de hidrodinâmica, de dinâmica sedimentar, de morfodinâmica e de evolução geológica recente. Em articulação estreita com estas componentes, estava previsto desenvolverem-se, também, estudos de carácter químico e biológico, designadamente sobre o Azoto e sobre a ecologia microbiana.

No sentido de potenciar o projecto e de criar novas sinergias, na proposta estava também previsto o desenvolvimento do projecto de forma inter-institucional, envolvendo na sua execução outras instituições, quer directamente na concretização de acções específicas, quer através de colaborações e articulações com outros projectos. Antevia-se, ainda, que a parte de logística de campo se articulasse, de forma estreita, com outros projectos em execução.

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2.1.4. Acções Propostas

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2.2. Execução do Projecto EMERGE

2.2.1. Quadro Institucional

O projecto EMERGE foi executado, entre finais de 1999 e Março de 2000, na Universidade do Algarve, especificamente no CIACOMAR (Centro de Investigação dos Ambientes Costeiros e Marinhos), na UCTRA (Unidade de Ciências e Tecnologias dos Recursos Aquáticos) e na UCE (Unidade de Ciências Exactas).

Como apoio aos trabalhos de campo foram utilizadas as instalações do pólo da Universidade do Algarve em Vila Real de Santo António.

Tal como previsto, desenvolveram-se acções de cooperação com outras instituições. A nível nacional, essa cooperação estabeleceu-se principalmente com o Instituto Hidrográfico e com o Instituto Superior Técnico. A nível internacional verificou-se interacção relevante no desenvolvimento de acções específicas com o Instituto Español de Oceanografia, com a Facultad de Ciências del Mar da Universidad de Cádiz, com a universidade de Ferrara e com a Université de Bordeaux I.

2.2.2. Equipa Científica

A equipa científica da Universidade do Algarve envolvida na execução deste projecto foi grande. Os principais elementos envolvidos foram (por ordem alfabética do último nome):

nome instituição grau Obs. Ana Barbosa UAlg / FCMA / CIMA Licenciada Assistente UAlg Henrique Coelho UAlg / CIACOMAR Mestre Assistente UAlg Alexandre Braga Coli UAlg / CIACOMAR Mestre Bolseiro UAlg (EMERGE) Júlio Cunha CIACOMAR Tecn.Ocean. J. M. Alveirinho Dias UAlg / FCMA / CIACOMAR Doutor Prof. Ass. UAlg Sandra Fachin UAlg / CIACOMAR Mestre Bolseiro UAlg (EMERGE) Óscar Ferreira UAlg / FCMA / CIACOMAR Doutor Prof. Aux. UAlg Helena Galvão UAlg / FCMA Doutor Prof. Ass. UAlg Carla Garcia UAlg / CIACOMAR Mestre Bolseira doutoramento PRAXIS/UAlg Ramon González UAlg / CIACOMAR Doutor Bolseiro pós-doc UAlg (SWAMIEE) Francisco Lobo UAlg / CIACOMAR Doutor Bolseiro UAlg (EMERGE) Joaquim Luis UAlg / CIACOMAR Doutor Prof. Aux. UAlg Amélia Machado CIACOMAR/UAveiro Mestre Bolseira doutoramento PRAXIS/UAveiro Flávio Martins UAlg Doutor Prof. Adj. UAlg Isabel Mendes UAlg / IMAR/ CIACOMAR Licenciada Bolseira Sandra Mesquita UAlg / FCMA Licenciada Bolseira UAlg (EMERGE) Rute Miguel UAlg / FCMA Licenciada Bolseira UAlg (EMERGE) Carlos Rocha UAlg / FCMA Doutor Bolseiro pós-doc UAlg

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

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2.2.3. Cooperação com Outros Projectos

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2.2.4. Factores Restritivos da Execução

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2.2.5. Execução Financeira

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2.3. Avaliação do Desenvolvimento das Acções Propostas

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2.4. Campanhas Intensivas de Aquisição de Dados

Além do trabalho sistemático de campo para produção da Carta Batimétrica e da Carta Sedimentológica (correspondentes a mais de 2 meses de actividade de colheita de dados no local), e das campanhas observacionais isoladas, a grande maioria dos dados foi obtida no decurso de duas campanhas intensivas.

2.4.1. Campanha WADI ANA

2.4.1.1. Enquadramento

A campanha WADI ANA foi promovida pela Universidade do Algarve / CIACOMAR no âmbito do projecto EMERGE e no quadro da colaboração com os projectos SIRIA e SWAMIEE. Decorreu entre os dias e de Novembro de 2000.

Foi caracterizada por profunda cooperação interinstitucional. As principais instituições envolvidas foram:

• Universidade do Algarve • Instituto Hidrográfico • Instituto Español de Oceanografia (Espanha) • Instituto de Tecnologias Nucleares • Universidade de Lisboa • Universidade de Ferrara (Itália) • Universidade de Cádiz (Espanha) • Universitè de Bordeaux I (França) • Museu Nacional de História Natural • Universidade de Aveiro • Universidade de Évora

2.4.1.2. Componentes

A campanha WADI ANA desenvolveu-se segundo vários componentes complementares. As principais componentes concretizadas foram:

• Reflexão sísmica e sonar lateral no baixo estuário (em que se obtiveram perfis de reflexão sísmica ligeira e de sonar de pesquisa lateral no baixo estuário.

• Reflexão sísmica e sonar lateral na plataforma (em que se realizou uma malha de perfis de reflexão sísmica ligeira e de sonar de pesquisa lateral que permita complementar a malha existente de perfis anteriormente obtida pelo IEO, pelo IH e pela UAlg.)

• Amostragem de sedimentos de fundo no estuário (em que se colheram amostras de sedimento superficial, numa secção longitudinal entre Vila Real de Santo António e Alcoutim)

• Amostragem de sedimentos de fundo na plataforma (em que se procedeu à colheita de amostras de fundo na plataforma interna e média adjacente ao estuário)

• Estação fixa no estuário (em que, nos dias 24 e 25 de Novembro, na coluna de água, se obtiveram de dados sobre correntes, salinidade, temperatura, nefelometria e se procedeu à colheita de água e de matéria em suspensão numa estação fixa localizada no estuário entre V. R. Sto. António e Ayamonte, durante dois ciclos semidiurnos de maré em situação de maré-viva; as observações foram efectuadas de hora a hora entre as 11:00 do dia 24 e as 14:00 do dia 25)

• Estação fixa na plataforma (em que, na coluna de água, se obtiveram, de hora a hora, entre as 11:00 do dia 24 e as 14:00 do dia 25, dados sobre correntes, salinidade, temperatura, nefelometria e se procedeu à colheita de água e de matéria em suspensão numa estação fixa localizada na plataforma interna frente à desembocadura do estuário, a cerca de 10m de profundidade, durante dois ciclos semidiurnos de maré em situação de maré-viva)

• Equipamento fundeado no estuário (em que, com equipamento deposto no fundo, se adquiriram dados sobre correntes, oscilação da superfície livre, temperatura, salinidade e nefelometria no baixo estuário próximo da base dos molhes, durante um período abrangendo marés mortas e marés vivas)

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• Equipamento fundeado na plataforma (em que, com equipamento deposto no fundo, se efectuou a aquisição de dados sobre correntes, oscilação da superfície livre, temperatura, salinidade e nefelometria na plataforma interna adjacente à embocadura do Guadiana, durante um período abrangendo marés mortas e marés vivas)

• Perfis longitudinais do estuário (em que se obtiveram dados sobre salinidade, temperatura, nefelometria, oxigénio dissolvido e pH, e se procedeu à colheita de águas e de matéria em suspensão ao longo da parte navegável do estuário até Alcoutim, em situação de maré enchente e de maré vazante; as observações foram efectuadas no dia 24, entre as 11:40 e as 15:37, tendo-se ocupado 13 estações entre a plataforma frente à desembocadura e um pouco acima de Alcoutim, e no dia 25, entre as 06:10 e as 10:30, tendo-se ocupado 11 estações entre uma posição um pouco a montante da foz e a estação efectuada no dia anterior em Alcoutim; em cada estação foram efectuadas colheitas próximo da superfície e junto ao fundo)

• Amostragem de sedimentos de fundo na plataforma (em que se colheram amostras de sedimento superficial na plataforma continental adjacente ao estuário).

As observações decorreram em simultâneo, o que permitirá estabelecer correlações entre os dados adquiridos pelas diferentes estações. Por exemplo, no período de funcionamento das estações fixas no estuário e na plataforma (um ciclo de maré completo) torna-se possível correlacionar os dados aí adquiridos (designadamente de correntometria, salinometria, termometria, nefelometria) com dados do mesmo tipo obtidos pelo equipamento fundeado noutras posições no estuário e na plataforma (e que estiveram em funcionamento durante quase 15 dias), e com os dados colhidos nos perfis longitudinais até Alcoutim. De igual forma, é possível comparar as informações existentes nos registos de sonar de pesquisa lateral com os dados hidrológicos obtidos pelo equipamento fundeado no estuário e na plataforma, e deduzir, nomeadamente, relações sobre o transporte sedimentar, as formas de fundo, etc.

2.4.1.3. Equipamento utilizado

A cooperação interinstitucional / interprojectos que caracterizou a campanha WADI ANA viabilizou a utilização de um conjunto de equipamentos muito vasto. Os principais equipamentos utilizados foram:

Reflexão Sísmica

Reflexão Sísmica 3.5 kHz ou Mud Penetrator Reflexão Sísmica Geopulse Side scan sonar

Correntometria

3 Aanderaa RCM 9 c/ nefelómetro, condutividade e pressão ADCP RDI 600 kHz Aanderaa RCM9 ADCP RDI 600 kHz com PT

CTDs

CTD Idronaut c/ nefelómetro, sensores de O2 e pH

Colhedores de água

2 garrafas Niskin 5 l 2 garrafas Niskin 5 ou 8 l 1 garrafa Niskin 3 l Bomba de aspiração superficial Gerador

Matéria em suspensão

Rampas de filtração Mesa de filtração Bombas de Vácuo Bomba de vácuo manual Crivos com rede de 60 µm Fluorímetro in situ 1 sistema de filtração manual

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Batimetria

Sondas batimétricas

Colhedores de sedimentos

Corer de gravidade Petit Ponars SMT

Posicionamento

DGPS GPS- Hypack Diferencial

Outros meios materiais:

Marégrafo portátil Instalações laboratoriais Geradores para iluminação Geradores para sísmica e bombagem

2.4.2. Campanha SIRIA 2001

Em Fevereiro de 2001 realizou-se a campanha SIRIA 2001, análoga à campanha WADI ANA embora, em certo sentido, com menor amplitude, visto que, por exemplo, não incluiu componentes de geofísica (reflexão sísmica, sonar de pesquisa lateral). Esta campanha foi promovida pelo Instituto Hidrográfico no âmbito do projecto SIRIA, em colaboração com o projecto EMERGE.

Esta campanha revestiu-se de grande interesse pois que, por sorte, as datas de realização coincidiram com elevados caudais no Guadiana.

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3. Caracterização Geral 1 3.1. Introdução

Uma das melhores definições do Guadiana deu-a Francisco Hernández-Pacheco (1961) ao afirmar que "el Guadiana, tanto por su especial régimen, como por la peculiar morfologia de su valle, es uno de los ríos más anormales y extraños de los de la Península".

Localizado no sudoeste da Península Ibérica, o Baixo Guadiana possui uma notável unidade. A zona do Pulo do Lobo, entendida como a zona de ruptura do declive fluvial existente entre a confluência do Terges e a Azenha dos Canais, perto de Mértola, compreendendo a queda quase vertical de 13,5 m que constitui propriamente o Pulo do Lobo, separa uma larga planície aluvial onde o rio se espraia, entre Mérida e Badajoz, de um vale estreito e traçado anguloso que continua até próximo da foz.

Nas palavras de João Garcia (1996), "o motivo condutor de uma vivência de séculos por parte das populações em torno do Guadiana é a navegabilidade do rio que, com características muito próprias, estimula e condiciona a navegação. A extensão das áreas dependentes, organizadas económica e socialmente pelo grande colector, variou ao longo do tempo em função das condicionantes naturais, dos contextos históricos, dos ciclos dos produtos transportados".

Apesar da extrema irregularidade do regime fluvial, consequência da grande variabilidade anual dos elementos climáticos, a que se junta marcada variabilidade interanual, os cerca de 70 km navegáveis do Baixo Guadiana constituíram, ao longo da história, via de circulação fluvial que se institui como eixo transformador do espaço.

Efectivamente, já na época romana o Guadiana viabilizava o escoamento fácil de minérios, explorados designadamente nas minas de S. Domingos. Pelo menos desde a época árabe, começou a ser estrategicamente utilizado como canal de circulação entre as cidades do norte (Beja, Évora, Alcácer do Sal, Lisboa) e o litoral algarvio e andaluz.

Neste contexto, Mértola instituiu-se como notável entreposto dos circuitos de escala regional, onde convergiam distintos tipos de transporte (terrestre e fluvial) e por onde transitavam cereais, minério, gado, lenha e mel (Garcia, 1996).

Convertido em fronteira em 1267 (convenção de Badajoz, entre Afonso X de Castela e Afonso III de Portugal), o núcleo polarizador da região estuarina, Ayamonte, ficou na margem esquerda castelhana, havendo necessidade estratégica de se criar um contraponto, em Portugal, a essa cidade. Assiste-se, assim, ao desenvolvimento da velha atalaia árabe de Castro Marim, a que é concedido foral em 1277, e que um pouco mais tarde será cabeça da poderosa Ordem de Cristo. Como fronteira, o curso internacional do Guadiana carece de pólos estratégicos de defesa e controlo da faixa fronteiriça, tarefa esta iniciada por D. Diniz que, logo em 1304, concede foral a Alcoutim.

A utilização preferencial desta via de comunicação entre o norte e o sul foi intensificada devido aos perigos existentes (temporais, pirataria e corso internacionais) na ligação marítima entre as cidades localizadas nos estuários do Tejo e do Sado e as do Algarve, e às difíceis passagens terrestres da serra algarvia, quer em direcção a Silves-Lagos, quer a Loulé-Faro.

Apesar de ter sido convertido em fronteira e dos actos de soberania amiúde tomados pelos soberanos de cada um dos países, o estuário é compartido pelas populações ribeirinhas de cada uma das margens, numa vivência que só numa pequena parte os poderes instituídos conseguem controlar.

Em meados do século XIX surge novo fenómeno que se prolonga até à I Guerra Mundial, a exploração mineira (designadamente as minas de S. Domingos), a qual vem intensificar fortemente a navegação fluvial. A exportação do minério proveniente das minas de S. Domingos era efectuada através do porto do Pomarão, dimensionado para o efeito, e onde chegavam a estacionar ao mesmo tempo 20 embarcações de 200 a 1 500 toneladas. Todavia, devido às dificuldades em cruzar a instável barra do Guadiana, cujas profundidades não permitiam o tráfego dos vapores carregados, a carga era completada já com o navio fora da barra, utilizando-se para isso barcos de transbordo. A navegação associada a esta indústria era extremamente intensa, sendo o minério transportado para Inglaterra em 400 a 500 navios (Garcia, 1996).

1 por J. Alveirinho Dias e Ó. Ferreira

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A este intenso movimento marítimo adicionava-se a navegação associada ao desenvolvimento da região, ao crescimento da indústria conserveira e das pescas que lhe estão a montante. Só em V. R. Sto. António existiam, no início do século XX, 6 fábricas de conserva de peixe.

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Fig. 3.1 – O estuário do Guadiana

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Devido a todo este movimento, o porto de Vila Real Sto. António tornou-se no 3º ou 4º do reino em importância marítima. Entre 1904 e 1908 o porto de Vila Real de Santo António registou um movimento de 3 927 navios (média de 785 navios/ano), dos quais 64% a vapor e os restantes à vela. 60% desses navios eram estrangeiros. As mercadorias importadas e exportadas constituem um bom indicador das indústrias existentes no Baixo Guadiana e das suas necessidades: carvão de pedra, ferro, máquinas, minério de cobre, conservas de peixe, cortiça, peixe salgado, etc. (Loureiro, 1909).

O encerramento das minas, o caminho de ferro contornando a bacia económica do Baixo Guadiana (linha de Moura e Beja - Faro - V. R. Sto. António), a intensificação do tráfego viário e, mais tarde, o declínio da indústria conserveira, viriam reduzir drasticamente a actividade humana ligada ao rio. Excluindo as travessias fluviais (nomeadamente em V. R. Sto. António e em Alcoutim) a pouca navegação remanescente ficou limitada às pequenas embarcações de pesca artesanal fluvial e costeira e aos barcos dedicados à pesca industrial (que no entanto apenas utilizam a parte terminal do estuário).

A bacia hidrográfica e, consequentemente, o seu estuário, foram profundamente afectadas, a partir da década de 50 do século XX, pela construção de barragens. Em 1954 a capacidade total de armazenamento da bacia do Guadiana era de apenas 64,3 hm3. Em 1967, 13 anos mais tarde, essa capacidade de armazenamento ascendia já a 4120hm3, isto é, 64 vezes mais… Todavia, apesar destas intervenções, e de, por esta altura, ter começado a ser gizado o grande empreendimento do Alqueva, o conhecimento científico do Guadiana reduzia-se a alguns pequenos trabalhos esparsos, a que faltava a coerência e consistência, as quais só poderiam surgir através de um esforço minimamente organizado e continuado no tempo. Esta situação prolongar-se-ia, pelo menos, por mais 3 décadas.

Entretanto, entra-se em novo ciclo, o do turismo, que incide principalmente na orla algarvia. Progressivamente, a vida no rio começa a conhecer alguma nova revitalização, quer com a navegação de recreio, cada vez mais intensa, quer com os passeios turísticos ao longo de todo o estuário.

Apesar de toda a utilização supra-referida, continua a haver deficiente conhecimento do funcionamento do estuário do Guadiana. É apenas na década de 80 que, de forma consistente, começam a aparecer trabalhos de vulto com inegável relevância, mas que, em geral, carecem de medições continuadas no tempo e no espaço. Por outro lado, como reconhece Garcia (1996), "os estudos sobre este curso de água ficam a dever-se (na maioria dos casos), a autores espanhóis ou a autores portugueses (nunca a equipas mistas), que ignoram em larga medida as contribuições bibliográficas dos vizinhos homens de ciência, apesar dos compartidos troços do rio".

Fig. 3.1. - Principais bacias hidrográficas da fachada atlântica da Península Ibérica

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3.2. Caracterização

O rio Guadiana nasce em Espanha, nas lagoas de Ruidera, em Montiel, a 1700 m de altitude. A bacia é estreita e comprida, desenvolvendo-se segundo a direcção geral leste – oeste (fig. 3.2). É delimitada a norte pela bacia do Tejo, a oriente pelas bacias do Jucar e do Odiel, a ocidente pelas do Sado, do Mira e do Arade, e a sul pela do Guadalquivir (Loureiro et al., 1986).

Com 66 960 km2, a bacia hidrográfica do rio Guadiana é a quarta em área da península ibérica, a seguir às do Douro (97 682 km2), do Ebro (86 000 km2) e do Tejo (80 629 km2). 83% (55 260km2) da bacia hidrográfica do Guadiana está localizada em território espanhol, e apenas 17% (11 700km2) em Portugal (Loureiro et al., 1986). Tem um comprimento total de cerca de 810 km, situando-se 550km em Espanha e 160km em Portugal, estes com orientação aproximadamente Norte-Sul.

Existem dois troços internacionais, um com 65km (entre a foz do rio Caia e a foz da ribeira de Juncos) e outro com 45km (entre a foz do rio Chança e a foz do Guadiana). Os principais afluentes do rio Guadiana estão referidos na tabela 3.I. No geral, as bacias hidrográficas afluentes ao curso principal são pequenas. As maiores são as dos rios Ciguela (10 582km2) e Zujar (8 511km2).

Tabela 3.I. – Principais afluentes do Guadiana (segundo Loureiro et al.,1986)

Afluente Margem Área (km2) País Ciguela direita 10 582 Espanha Bullaque direita 2 034 Espanha Ruecas direita 1 865 Espanha Gévora direita 2 185 Espanha Caia direita 813 Portugal Degebe direita 1 527 Portugal Cobres direita 1 151 Portugal Vascão direita 462 Portugal Odeleite (1) direita 773 Portugal Jabalón esquerda 2 362 Espanha Zujar esquerda 8 511 Espanha Matachel esquerda 2 546 Espanha Guadajira esquerda 902 Espanha Albuera esquerda 435 Espanha Ardila esquerda 3 634 Portugal Chança esquerda 1 480 Portugal

(1) – conjunto Odeleite / Foupana

No que se refere ao troço estuarino, as afluências são bastante assimétricas (fig. 3.3). Na margem esquerda apenas existe o rio Chança (cuja bacia hidrográfica tem cerca de 1500km2). Entre este, que desagua no Guadiana junto ao Pomarão, e a foz apenas existem algumas linhas de água, revelando forte condicionamento desta bacia pela do Odiel, imediatamente a oriente.

Pelo contrário, na margem direita, a sul de Mértola, definem-se várias pequenas bacias hidrográficas, cujas áreas são geralmente inferiores a 500 km2 (tabela 3.II), correspondentes às ribeiras de Oeiras, de Carreiras, do Vascão, de Alcoutim, da Foupana, de Odeleite e de Beliche. Esta densidade da rede de drenagem reflecte o acidentado da serra do Caldeirão e drena as águas da sua vertente nordeste.

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O perfil longitudinal é, no seu conjunto, bastante regular. Todavia, verifica-se que a zona do Pulo do Lobo constitui ruptura maior, apresentando o rio, para montante, declive médio de 0,62m/km, e para jusante de apenas 0,0003m/km. Desde a fronteira, onde o rio corre a 158m de altitude, até ao Pulo do Lobo, a 26m de altitude, o declive médio é de 0,8m/km (Feio, 1949; 1952).

Fig. 3.3 - Principais afluentes do estuário do Guadiana

Tabela 3.II – Principais afluentes da margem direita do estuário do Guadiana (segundo Loureiro et al., 1986)

Afluente Área (km2)

Comprim. (km)

Altitude média

(m)

Pendor médio

(%) Beliche 118 36 205 1,4 Odeleite 352 72 313 0,7 Foupana 410 95 266 0,6 Limas 247 36 185 0,6 Vascão 439 77 271 0,8 Oeiras 475 76 220 0,7

O estuário do Guadiana constitui um canal relativamente estreito e pouco profundo. A largura máxima, de cerca de 800m, regista-se próximo da foz. Para montante, largura vai-se reduzindo de forma mais ou menos progressiva sendo, a 10 km da foz, já inferior a 500m. Entre 40km e 70km da foz a largura é geralmente inferior a 200m.

As profundidades máximas ao longo do estuário, embora sempre pequenas, são bastante irregulares, não revelando, aparentemente, qualquer tendência consistente. Raramente a profundidade excede os 10m. Esta irregularidade do profundidade reflecte, essencialmente, a morfologia resultante da erosão hídrica do substracto xisto-grauváquico e fenómenos de assoreamento induzidos pelos caudais sólidos provenientes de algumas das ribeiras afluentes.

Do ponto de vista climático, a bacia do Guadiana tem características mediterrâneas. Na bacia hidrográfica portuguesa as temperaturas médias anuais variam entre 12ºC, na região de Castelo de Vide e Marvão, e 18ºC, na região fronteiriça da Aldeia Nova de S. Bento (Loureiro et al., 1986).

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O regime das chuvas é extremamente irregular, característica das regiões mediterrâneas, chovendo principalmente no Outono e no Inverno e tendo verões secos. Segundo Loureiro et al. (1986), a precipitação média anual é de 600mm, verificando-se os maiores valores de precipitação nas regiões das serras do Caldeirão (1018mm), de S. Mamede (840mm) e de Ossa (774mm), sendo a região com valores mais baixos de precipitação anual a do Baixo Guadiana, com o mínimo de 65mm em Mértola. A precipitação média anual ponderada na bacia hidrográfica portuguesa é de apenas 598mm.

Como é reconhecido pela generalidade dos autores, uma das características mais notáveis do rio Guadiana é a irregularidade interanual dos caudais.

As principais afluências ao estuário verificam-se através da secção de Pulo do Lobo, cuja bacia drenante, com cerca de 60 900 km2, representa 91% da bacia hidrográfica. Estima-se que, por aqui, passem cerca de 90% das afluências totais ao estuário (Ribeiro et al., 1988).

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4. Levantamento Batimétrico do Estuário 1 4.1. Comentários à Execução do Trabalho

O levantamento batimétrico foi prejudicado pelos vários condicionalismos referidos no ponto 2 deste relatório.

Tendo-se decidido não efectuar o levantamento com sonda multifeixe (o que, em qualquer dos casos, devido à necessidade de abrir concurso internacional, aos prazos decorrentes deste facto, e aos períodos imprescindíveis para montagem da instrumentação na embarcação, respectiva calibração e aprendizagem da operação, dificilmente poderia conduzir à obtenção de resultados úteis no decurso de 2000), avançou-se com o levantamento batimétrico utilizando uma sonda batimétrica monofeixe.

Mesmo para a execução do trabalho com o equipamento aludido tornou-se necessário ultrapassar várias dificuldades, relacionadas designadamente com atrasos na entrega de equipamentos, avarias e não existência de embarcações apropriadas para este tipo de trabalhos.

Refere-se, a título meramente exemplificativo das dificuldades que foi necessário ultrapassar de forma satisfatória a não existência de marégrafo fixo em Vila Real de Santo António (e que serviria para redução da maré, libertando o marégrafo móvel para outros tipos de trabalho). Mediante acordo com o Instituto Hidrográfico (que em Portugal tem a atribuição de estudar os aspectos maregráficos e explora praticamente todos os marégrafos fixos existentes), esta instituição encarregar-se-ia da sua instalação com um sistema que permitiria a consulta, via telefónica, dos dados arquivados no marégrafo, bem como a obtenção destes dados em tempo real. Esta solução permitiria que as instituições interessadas pudessem ter livre acesso aos dados, bem como garantiria a manutenção e correcta operação do equipamento.

Todavia, este marégrafo foi entregue com atraso significativo e não obedecendo às especificações pretendidas, pelo que foi necessário devolvê-lo ao fornecedor. Foi posteriormente, após adaptação, entregue no Instituto Hidrográfico. Todavia, verificou-se que as instalações onde, no passado, esteve a funcionar o marégrafo de V. R. Sto. António não estavam em condições, designadamente porque o poço respectivo se encontra assoreado. Actualmente, o Instituto Hidrográfico está em negociações com o Instituto Portuário do Sul, com a Capitania de V.R.Sto. António e com o Porto de Recreio no sentido de se conseguir recuperar as instalações, bem como de dispor de corrente eléctrica e de linha telefónica. Espera-se que, no decorrer de 2001, seja possível ter este marégrafo a adquirir dados de acordo com o sistema pretendido. Para proceder ao levantamento batimétrico foi necessário, consequentemente, utilizar um marégrafo portátil, que foi instalado, a título provisório, no Porto de Recreio de V. R. Sto. António.

Também para a produção dos mapas finais se encontraram várias dificuldades, algumas das quais não eram inicialmente previsíveis. O simples facto de não se ter conseguido encontrar, em formato digital, a linha de costa actualizada (nomeadamente com os molhes da barra do Guadiana) permite dar uma ideia dessas dificuldades. Neste caso específico, tornou-se necessário proceder à rectificação da fotografia aérea vertical efectuada em 2000 pelo CIACOMAR, e daí extrair os elementos necessários para completar o mapa batimétrico.

No entanto, devido, essencialmente, ao grande empenhamento do pessoal envolvido, foi possível ultrapassar todas as dificuldades aludidas e efectuar o levantamento batimétrico, bem como produzir a carta batimétrica anexada.

É de referir, porém, que um levantamento batimétrico é algo datado no tempo, isto é, reproduz uma situação determinada. No caso vertente, a carta apresentada (constituída por 3 folhas), embora represente o levantamento batimétrico detalhado mais recente do baixo estuário, retrata a situação de verão – outono de 2000. Sendo os corpos estuarinos entidades altamente dinâmicas, e tendo em consideração os caudais muito elevados registados neste inverno, pode, nalguns pontos, não corresponder já à realidade. Torna-se, assim, necessário, no futuro próximo, proceder a pequenas acções de validação da informação constante desta carta e, caso se detectem modificações, proceder a novos levantamentos batimétricos das áreas afectadas.

4.2. Execução do Levantamento Batimétrico do Estuário Os levantamentos batimétricos foram realizados ao longo do estuário do rio Guadiana desde sua foz, próximo à ponta do molhe de Vila Real de Santo António, até as proximidades do afluente denominado Ribeira das Choças, próximo à localidade de Almada de Ouro, abrangendo uma extensão de 15km.

1 Por J. Alveirinho Dias, Ó. Ferreira, A. B. Coli, S. Fachin e R. Gonzalez

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

4-2

4.2.1. Trabalhos de campo ∗

4.2.1.1. Equipamento e software utilizados

Na execução destes levantamentos batimétricos todos os equipamentos utilizados atenderam ao nível de precisão requerido pelo projecto com a utilização de softwares avançados, específicos para levantamentos hidrográficos, conforme discriminados a seguir:

• 2 aparelhos receptores de navegação por GPS marca DSNP, modelo Scorpio 6001 MK, com link de rádio próprio; • 1 sonda batimétrica analógico-digital, marca JMC, modelo 840; • 1 marégrafo digital marca Valeport, modelo 740; • Computador Notebook Compaq, Pentium II 450Mhz, 64Mb RAM; Cartão PCMCIA duas portas series. • Software de navegação e pré-processamento dos dados batimétricos Hypack Max, da Coastal Oceanographics; • Inversor de voltagem 12DC/220V; conversor RS422 –RS232 Raytheon. • 03 baterias de 12V; cabos • Embarcação de 5 metros – Ecorecursos/UALG; Embarcação semi-cabinada de 6 metros É pápá; • Estação Total Nikon e mira topográfica; • Computador Desktop, Pentium III 650Mhz, 64Mb RAM, Modem 56K; • Software de processamento Surfer, da Golden Software, versão 7.0; Software de desenho assistido por

computador (CAD) AutoCAD, da AutoDesk, versão R14; • Plotter HP DesignJet 450C. 4.2.1.2. Posicionamento

O posicionamento foi efectuado através de sistema DGPS em tempo real com precisão submétrica, a partir da correção de sinal por protocolo KART. O sistema de posicionamento diferencial em tempo real, apresentado na figura 4.1, consiste numa estação de referência, designada por “base”, instalada num ponto de coordenadas conhecidas, e numa estação móvel, colocada no local onde se pretende obter o posicionamento. A estação de referência permanece durante toda a operação, adquirindo o posicionamento via satélite e enviando as correcções via rádio para a estação móvel, a bordo da embarcação.

Estação BaseEstação

MóvelGPS GPS

Ecosonda

Esquema de Funcionamento daBatimetria em Tempo Real

Fig.4.1 – Esquema geral de funcionamento da batimetria em tempo real através de

sistema de posicionamento GPS diferencial.

∗ por Sandra Fashin e Alexandre Braga Coli

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Na embarcação móvel, o sistema de posicionamento DGPS está interligado com à sonda batimétrica (também designada por eco-sonda) através do software Hypack Max, registando simultaneamente o posicionamento e a profundidade, adquiridos com uma frequência pré-definida (fig.4.2).

Fig.4.2- Esquema do funcionamento da estação móvel. Na embarcação os

equipamentos são ligados ao computador e descarregam os dados adquiridos em tempo real. O software HYPACK processa e grava os dados.

4.2.1.3. Sistema de Referência

Para definir o sistema de referência da base foram obtidos, através de consulta ao Instituto Português de Cartografia e Cadastro (IPCC), os parâmetros de transformação do sistema de coordenadas WGS84, utilizado pelo sistema GPS, para a transformação ao sistema local (Datum Lisboa-DLx). Posteriormente, foi definido o local para a instalação da estação base de referência.

O ponto coordenado utilizado como Estação de Referência (Base) foi o do Farol de Vila Real de Santo António (fig. 4.3), o qual é descrito pelo Instituto Hidrográfico como “Farol de Vila Real NE”, materializado num taco de latão no pavimento do patim superior do farol, com os dizeres “IH/BH2 8/89”. As coordenadas da Base estão assim definidas segundo as projecções:

Hayford-Gauss X = 63651,94E Y = -275209,90N datum horizontal Lisboa (Dlx), elipsóide Internacional

Geográfica Lat. 37º 11,21152’ N Long. 7º 24,97465’ S elipsóide WGS-84.

Fig 4.3 – Fotografia dos equipamentos da base DGPS instalados no Farol de Vila Real de Sto.

António. O sistema é composto de um GPS com antena receptora do sinal de satélite e rádio de transmissão do sinal de correcção para a unidade GPS móvel (barco).

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4.2.1.4. Redução do Efeito da maré

Para redução do efeito da maré nos levantamentos batimétricos foi instalado um marégrafo de pressão VALEPORT com saída digital e uma régua maremétrica no Porto de Recreio de Vila Real de Santo António (fig. 4.4).

Fig. 4.4 – Nas fototografias pode observar-se a preparação do marégrafo VALEPORT nas instalações

do Pólo da UALG em Vila Real de Sto. António. Na sequência o marégrafo e a régua de controle instaladas no pontão do Porto de Recreio, em situação de maré viva.

Antes do início dos levantamentos, foi efectuada a geo-referenciação e o nivelamento da régua e do marégrafo, utilizando para tal uma estação total, tendo como ponto de referência o vértice geodésico de Castro Marim (situado numa das torres do castelo de Castro Marim), pertencente à rede geodésica nacional.

Para redução do efeito da maré e subsequente correcção das profundidades determinadas no decurso dos trabalhos de campo, efectuaram-se automaticamente medições com o marégrafo a cada 5 minutos. As medições obtidas pelo marégrafo foram aferidas com leituras da régua maremétrica.

Após o levantamento, os dados digitais obtidos com o marégrafo, (fig.4.5) foram processados e, utilizando o programa Hypack Max, foram corrigidas as variações da maré ao longo do dia de sondagem, ficando as profundidades resultantes referenciadas ao zero da régua do marégrafo. Posteriormente, a batimetria foi reduzida ao Zero Hidrográfico.

Fig.4.5 - Recuperação dos dados maregráficos, utilizando um computador

portátil. Este procedimento foi efectuado em rotina após cada dia de trabalho de campo.

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O Nível de Redução utilizado nos levantamentos batimétricos refere-se ao valor adoptado em Portugal como Zero Hidrográfico (ZH), o qual, convencionalmente, se situa 2,00 metros abaixo do nível médio do mar (determinado no início do séc. XX com base nos maregramas da estação de Cascais). As referências utilizadas estão representadas na figura 4.6.

Fig. 4.6 – Esquema da Referência de Níveis do marégrafo

4.2.1.5. Levantamento Batimétrico

Para os trabalhos de sondagem foi estabelecida uma rotina diária que consistia na montagem de todos os equipamentos na embarcação disponível, aferição, obtenção dos dados batimétricos na zona de trabalho e, no final do dia, desmontagem de todo o equipamento e seu transporte para o pólo da Universidade do Algarve em V.R.Sto.António, recolha dos dados maregráficos e processamento dos dados obtidos nesse dia (Fig. 4.7, 4.8).

Fig.4.7 – Exemplo das actividades diárias de instalação do equipamento na embarcação, montagem e aferição da sonda

No levantamento batimétrico foi utilizado o software Hypack, o qual permite efectuar o planeamento das linhas de sondagem, fazer a navegação em tempo real e proceder à aquisição dos dados através da interface entre o sistema DGPS e a sonda, permitindo uma aquisição de dados de profundidade e de posicionamento a uma taxa de 2 segundos.

A determinação das profundidades foi efectuada utilizando uma sonda batimétrica JMC-840, de registro analógico contínuo e saída digital com precisão decimétrica. No início e no final de cada dia de trabalho efectuou-se a aferição da sonda, utilizando para tal uma placa metálica, arriada por um cabo graduado, abaixo do transdutor (fig. 4.7).

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Fig. 4.8 - Detalhes das interfaces e entre os diversos equipamentoss durante o trabalho de sondagem. Os equipamentos foram acondicionados em caixas plásticas de modo a ficarem protegidos de respingos de água ou de chuva eventual.

O planeamento das linhas de sondagem foi efectuado de modo a serem o mais perpendiculares possível às margens do estuário. A escala de levantamento foi de 1:5 000, ou seja, com equidistâncias de 50 metros para as linhas transversais. Foram também executadas algumas linhas longitudinais ao rio para aferição e controle das sondagens batimétricas.

4.2.2. Produção da Carta Batimétrica

4.2.2.1. Processamento dos Dados ∗

Como mapa base para o processamento e tratamento dos dados, foram utilizadas as cartas militares digitais No. 600 e 591, na escala 1:25.000 do Serviço Cartográfico do Exército. Estas cartas foram tratadas através do programa AUTOCADR14 e posteriormente transportadas para o sistema de coordenadas Datum Lisboa através do programa AutoCADR14.

O processamento inicial foi efectuado utilizando o próprio software Hypack, através da redução da maré pelo programa TIDES. Posteriormente, os dados foram exportados para um formato x,y,z para receberem o tratamento final através do programa Surfer 7.0 e Autocad R14. Para controlo da qualidade e da densidade dos dados, elaborou-se um mapa base, com o programa Surfer 7.0, utilizando todos os valores obtidos nos trabalhos de levantamento batimétrico. Na produção desse mapa, e devido à alta densidade de pontos adquiridos durante a sondagem (um a cada 2 segundos), utilizou-se apenas um em cada 15 pontos. A partir deste mapa base foi exportado um arquivo de cotas em formato DXF e através do programa AUTOCADR14, foram produzidas as folhas da carta batimétrica (fig 4.9, 4.10 e 4.11).

Os mapas de isolinhas ou isóbatas representam linhas de mesma profundidade ao longo do estuário. A confecção destes mapas foi efectuada através do interpolamento dos dados em uma malha regular. Neste caso, em que há uma alta densidade de linhas e pontos, foi utilizado um método de interpolação suave para a confecção da malha, onde o peso de cada ponto é inverso à sua distância (Inverse Distance to a Power). Este é o método mais exacto e que melhor se aproxima da realidade quando se tem uma densidade grande de pontos.

∗ por Sandra Fachin e Alexandre Braga

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Fig. 4.9 – Reprodução da folha 1 da carta batimétrica do estuário do rio Guadiana, abrangendo a região compreendida entre a barra e Ayamonte.

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Fig. 4.10 – Reprodução da folha 2 da carta batimétrica do estuário do rio Guadiana, abrangendo a região compreendida entre Ayamonte e as proximidades de Punta de la Vaca.

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Fig. 4.11 – Reprodução da folha 3 da carta batimétrica do estuário do rio Guadiana.

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4.2.2.2. Elementos Complementares para a Elaboração dos Mapas ∗

Para a produção final da carta batimétrica foi necessário obter dados adicionais que servissem de enquadramento à informação aí expressa. Os elementos referentes à parte espanhola (linhas topográficas e a rede secundária de drenagem ) foram digitalizados a partir da Carta Militar de Espanha No. 8-41 (998), na Escala 1:50.000 e a carta da ‘Desembocadura de Rio Guadiana y Ria de Isla Cristina’, na escala 1:20.000 da Comissão Hidrográfica Espanhola, os quais foram tratadas através dos programas MAPInfo e ERMapper e transportadas para o sistema de coordenadas Datum Lisboa.

No sentido de expressar uma linha de costa tão actualizada quanto possível, procedeu-se à rectificação, digitalização e geo-referenciação de fotografias aéreas verticais. Do lado português da desembocadura utilizaram-se fotografias de 2000, na escala 1:8 000 (voo CIACOMAR). Para o lado espanhol, as fotografias utilizadas foram obtidas em 1994, na escala 1:20 000. Foi, assim, possível obter a linha de costa actualizada dos dois lados da desembocadura, o bordo do estuário até 5 km a montante dos molhes, os limites actuais da Ponta da Espada (ilha barreira que delimita o delta do Guadiana do lado espanhol), o limite norte do delta e a rede de drenagem primária dos sapais na área da desembocadura.

4.3. Resultados

Os resultados obtidos confirmam que o estuário do Guadiana corresponde a um canal relativamente estreito e pouco profundo. Na figura 4.12 representaram-se as profundidades máximas e larguras de secções intervaladas de 250 metros, até cerca de 16km da foz. Para montante os valores foram deduzidos das cartas topográficas.

Fig. 4.12 – Profundidades máximas e larguras do estuário do Guadiana. Até 16km da foz os dados foram

retirados de secções batimétricas espaçadas de 250m. Para montante foram deduzidos das cartas topográficas.

Verifica-se que a profundidade é bastante irregular, sendo o valor máximo (pontual) detectado de 18m. Todavia, na generalidade, as profundidades médias são bastante inferiores. Com base nas secções aludidas, a profundidade média do troço levantado é de 7,4m.

Quanto à largura, verifica-se que, desde o canal definido pelos molhes (em que a largura é da ordem de 500 – 600m), os valores vão aumentando até mais de 750m a 2,5km da foz, mantendo-se a largura à volta de 700m até 6,5km dos molhes. Decresce, então, muito rapidamente para menos de 400m. Daí para montante, embora existam algumas irregularidade, no

∗ por Ramon Gonzalez

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

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geral a largura decresce monotonamente até atingir menos de 100m a 60km da foz. A largura média no troço levantado é de 540 metros.

A análise geomorfológica do levantamento efectuado está presentemente em curso. Trata-se da exploração do documento cartográfico preparado pois que o verdadeiro produto final desta acção foi elaboração de uma carta batimétrica na escala 1:10 000, constituída por 3 folhas, de um trecho de, aproximadamente, 15km do estuário do Guadiana, as quais se encontram reproduzidas nas figuras 4.9, 4.10 e 4.11 e se encontram, presentemente, na tipografia. Foram, ainda, produzidas outras versões em que a informação batimétrica está representada em escalas de cores, e que facilitam uma leitura rápida e fácil detecção das variações de profundidade (como a que está representada na figura 4.13).

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Fig. 4.13 – Reprodução da Carta batimétrica do estuário do Guadiana, na versão colorida.

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5. Sedimentologia do Estuário 1 5.1. Comentários à Execução do Trabalho

A cartografia sedimentológica do estuário foi fortemente afectada pelos vários condicionalismos referidos no ponto 2 deste relatório. Efectivamente, sendo necessário dispor de uma batimetria adequada, esta componente do projecto só pode ser iniciada após aquela estar em curso.

O facto de não se dispor, para este trabalho, de uma embarcação adequada, designadamente dotada de guincho apropriado à utilização de colhedores, tornou as actividades de colheita de amostras mais morosas e, essencialmente, obrigou a um dispêndio físico muito grande. Em alguns locais (ex. junto à desembocadura) a presença constante de bioclastos e os fortes fluxos de água dificultaram imensamente os trabalhos de colecta de amostras. Todavia, mercê do empenhamento e elevado profissionalismo do pessoal envolvido, foi possível proceder à colheita de amostragem que permitirá a elaboração de uma carta sedimentológica do estuário compreendido entre os molhes da barra e as proximidades de Almada de Ouro.

Numa primeira fase foi possível estabelecer um esboço de carta sedimentológica, baseado na classificação de campo da amostragem recolhida. Presentemente, a amostragem encontra-se em activa fase de processamento. Além da utilização “clássica” da peneiração, que permitirá efectuar a análise da fracção grosseira, a análise granulométrica da fracção arenosa está a ser efectuada com uma coluna de sedimentação (balança de sedimentação), a da fracção fina com um sedimentógrafo, e a composição de siltes e argilas a ser determinada com difracção de raios X.

Prevê-se que, antes do final do corrente ano, seja possível publicar a carta sedimentológica definitiva, a qual será, tanto quanto se sabe, não apenas a primeira a ser preparada para o estuário do Guadiana, mas também a primeira de um estuário português.

5.2. Colheita de Sedimentos de Fundo

Os trabalhos de colheita de amostragem para a elaboração da Carta Sedimentológica e para a determinação das características sedimentológicas do estuário do Guadiana decorreram, nesta fase, entre a foz, próximo à ponta do molhe de Vila Real de Santo António, e as proximidades do afluente denominado Ribeira das Choças, próximo à localidade de Almada de Ouro, no período de 8 de Setembro e 3 de Outubro de 2000.

5.2.1. Equipamentos e software utilizados

Nos trabalhos aludidos utilizaram-se, essencialmente, os equipamentos e o software seguintes:

• amostradores do tipo Petit Ponar; • aparelhos receptores de navegação por GPS marca DSNP, modelo Scorpio 6001 MK, com link de rádio próprio; • sonda batimétrica analógico-digital marca JMC, modelo 840; • marégrafo digital marca Valeport, modelo 740; • computador Notebook Compaq, Pentium II 450Mhz, 64Mb RAM; • software de navegação e pré-processamento dos dados batimétricos Hypack Max, da Coastal Oceanographics; • computador Desktop, Pentium III 650Mhz, 64Mb RAM, Modem 56K; • embarcação de 6 metros; • software de processamento Surfer, da Golden Software, versão 7.0; • software de processamento Autocad R14; • plotter HP DesignJet 450C.

5.2.2. Trabalhos de Campo

A malha de amostragem foi previamente determinada e definida através do software HypackMax, tendo sido elaborado um mapa base para navegação, no qual estavam inseridas as coordenadas das estações de colheita de amostras. Estas, encontravam-se dispostas em linhas transversais, distanciadas 150m entre si. Ao longo destas linhas as amostras foram colhidas por forma a serem representativas das diferentes morfologias do fundo (ex. canal, bancos, etc.). Procurou-se colher sempre um mínimo de 3 amostras por perfil transversal, de modo a se obter dados das margens e do canal de navegação.

1 por J. Alveirinho Dias, Óscar Ferreira, Sandra Fachin, Alexandre Braga Coli, Isabel Mendes e Ramon Gonzalez

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Na colheita dos sedimentos não consolidados utilizaram-se amostradores do tipo PETIT PONAR (fig. 5.1). As amostras foram guardadas em caixas plásticas numeradas, sendo a localização geográfica, a profundidade e a hora da colheita gravadas automaticamente através do programa HypackMax. As características texturais de cada amostra, determinadas visualmente (areia, lodo, cascalho, cascalho com areia, areia lodosa, etc.), foram anotadas em impresso específico, imediatamente após o acto da colheita. A quantidade de amostras obtidas diariamente foi variável em função da eficiência do amostrador e do tipo de fundo.

Fig. 5.1 – Colhedor tipo Petit ponar e amostra recém colhida.

O posicionamento geográfico de cada ponto foi determinado no momento em que o amostrador tocava no fundo. Para tal usou-se um sistema DGPS marca DSNP, mod. SCORPIO 6001MK, operado em tempo real e com precisão submétrica a partir da correcção de sinal por protocolo KART. A estação de referência ou estação base foi instalada no marco geodésico do Farol de Vila Real de Sto. António. A projecção utilizada foi a de Hayford-Gauss no datum horizontal Lisboa-DLx, elipsóide Internacional.

Para determinação da profundidade utilizou-se a sonda batimétrica JMC-840 de registo analógico contínuo e saída digital, com precisão decimétrica. Todos os equipamentos foram interligados através do software HYPACKMAX de modo a possibilitar a navegação precisa e a aquisição simultânea do posicionamento, da profundidade, da hora de colheita e de dados complementares descritivos das amostras (fig. 5.2). No total, foram colhidas 306 amostras representativas dos 12km do baixo estuário do Guadiana (fig. 5.3), encontrando-se a distribuição espacial dos tipos sedimentares, segundo a classificação de campo, expressa na figura 5.4.

Fig. 5.2 - Esquema do funcionamento e dos links da estação móvel (barco) do Sistema de

Posicionamento–DGPS, ecobatímetro e programa HypackMax.

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5.3. Análise do Esboço de Carta Sedimentológica

Com os dados referentes à classificação de campo efectuada para cada amostra, elaborou-se um Esboço de Carta Sedimentológica (fig. 5.4). Como mapa base, foram utilizadas as cartas 600 e 591, na escala 1:25.000, do Serviço Cartográfico do Exército. Estas cartas foram tratadas através do programa AUTOCAD 14 e posteriormente transportadas para o sistema de coordenadas Datum Lisboa DLx através do programa ER-Mapper. O mapa batimétrico utilizado foi o referido no capítulo 4, estando as profundidades referidas ao Zero Hidrográfico. Os mapas de amostragem e de distribuição sedimentar foram efectuados com o programa SURFER 7.0 e finalizados com o programa PHOTSHOP 5.0.

Fig. 5.3 – Mapa de localização das amostras colhidas para produção da carta sedimentológica do estuário do

Guadiana, com indicação da classificação de campo.

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

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Fig. 5.4 – Esboço da carta sedimentológica, baseada na classificação de campo.

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Ao analisar-se a cobertura sedimentar num estuário, deve-se ter em atenção que a distribuição dos sedimentos é condicionada por diversos factores químicos, físicos, biológicos e morfológicos, de entre os quais a intensidade do fluxo adquire relevância especial. Outro factor importante que é importante considerar é o da interacção entre as influências fluviais (caudais) e oceânicas (maré e ondas), frequentemente dominantes em partes distintas do estuário.

No caso do estuário do Guadiana, e através do esboço sedimentológico da classificação de campo, conclui-se que os sedimentos mais grosseiros (areia e cascalho) são predominantes ao longo de todo o estuário, mas estão, principalmente, associados às zonas mais profundas e dinâmicas, como o canal de navegação onde, em princípio, o fluxo é mais intenso.

Nas margens (quer espanhola, quer portuguesa) regista-se predomínio de sedimentos lodosos, em associação a zonas de baixa profundidade e dinâmica menos intensa. Nas amostras colhidas nestas zonas detectou-se a presença comum de organismos bentónicos, designadamente bivalves.

Alguns dos sedimentos mais grosseiros de toda a área foram recolhidos próximo da desembocadura, no canal de navegação. A textura mais grosseira destes materiais pode ser explicada pelas intensas correntes aí actuantes. Muitos desses sedimentos têm, seguramente, origem marinha, sendo transportados para o interior do estuário pela acção conjunta das ondas e da maré.

Em muitos locais intermédios, situados entre as margens e as regiões mais profundas do canal, verificou-se a existência de sedimentos compostos pela mistura de materiais arenosos e lodosos, com presença de nódulos e de níveis lodosos entre camadas de areia. Pela análise das amostras, foi igualmente evidente a existência de maior diversidade sedimentar à medida que se progride para montante no estuário, estando a componente arenosa frequentemente misturada com lodos ou com cascalhos.

É de referir que as colheitas que viabilizaram esta cartografia foram efectuadas numa situação de verão, com pequenos escoamentos e agitação marítima calma. Corresponde a uma situação específica, desconhecendo-se em que medida “retrata” situações diferentes (por exemplo, quando se verificam grandes caudais). A presença de camadas de lodo alternantes com camadas de areia pode traduzir essas modificações de situações contrastantes.

5.4. Análise Granulométrica

5.4.1. Métodos Utilizados

Como abordagem preliminar à caracterização das variações granulométricas transversais e longitudinais, na parte final do estuário do Rio Guadiana, foram seleccionados 5 perfis típicos, distribuídos sequencialmente de Norte para Sul, estando o perfil 1 mais a Norte e o perfil 5 mais a Sul, junto à desembocadura do Rio Guadiana (figura 5.5). As amostras colhidas segundo estes perfis foram sujeitas a tratamento laboratorial específico, com vista à determinação das suas características granulométricas.

Para o presente relatório analisaram-se granulometricamente 4 amostras por perfil, à excepção do perfil 3 onde se analisaram 6, num total de 22 amostras. As amostras foram colhidas sempre que possível nas margens e no canal de navegação e a sua localização no perfil batimétrico pode ser observada na figura 5.5.

As amostras foram homogeneizadas, tendo-se retirado uma alíquota de cada amostra, com peso variável em função do tamanho do grão. De seguida foi destruída a matéria orgânica com água oxigenada. Após este processo, as alíquotas foram lavadas com água desionizada, usando velas porosas com sistema de vácuo e, de seguida, separadas em 3 fracções por via húmida: cascalho, areia e silte+argila. A fracção do cascalho, quando superior a 5% da amostra total, foi peneirada de 0,5φ em 0,5φ. À fracção de areia foi retirada uma alíquota, para análise por balança de sedimentação e, quando a quantidade restante tinha um peso superior a 15g, foi efectuada peneiração de φ em φ. À fracção silte e argila, foi retirada uma alíquota para determinação do peso dos finos, através do método de pipetagem. Foi ainda guardada uma alíquota desta fracção para futura análise microgranulométrica em sedimentógrafo (Malvern).

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

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5.4.2. Análise das distribuições granulométricas

No perfil 1, localizado mais a montante no estuário, verificou-se que as amostras analisadas apresentam, na sua maioria, elevadas percentagens (até 82%) de silte e argila, à excepção de uma amostra que apresentou 93% de areia (figura 5.5). No perfil 2, as amostras colhidas nas margens apresentam percentagens de silte e argila de 79% e 81%, enquanto que as amostras colhidas no canal de navegação apresentaram maiores percentagens de areia, 81% e 53%. No perfil 3, as características granulométricas das amostras não revelam tendência nítida, não existindo um domínio visível de finos ou de grosseiros. No perfil 4, a amostra colhida na margem Este do Rio Guadiana foi a única que apresentou percentagem de silte+argila superior a 50%; as restantes têm percentagens de areia superiores a 85%. em duas destas amostras foi detectada a presença de cascalho. No perfil 5, situado na desembocadura do estuário, verificou-se que as amostras são, na generalidade, constituídas por areia com algum cascalho, o qual, na amostra colhida mais a Oeste, atinge 34% da amostra (figura 5.5).

Da análise das curvas de distribuição granulométrica média, por perfil, onde apenas se englobaram amostras com percentagem de areia significativa, verificou-se que a moda se encontra centrada em 0,35mm (areia média) em todos os perfis (figura 5.5). Observou-se, também, que o perfil 5 apresenta uma cauda de sedimentos grosseiros (cascalho), que diminui no perfil 4, e que se apresenta muito reduzida nos perfis 3, 2, 1. Pelo contrário, a frequência de sedimentos mais finos (>0,04 mm), tem maior significado no perfil 1, decresce no perfil 2, assume valores inferiores a 6% nos perfis 3 e 4, e valores inferiores a 1% no perfil 5.

Os resultados obtidos parecem indicar que os perfis 1 e 2 são representativos de um ambiente de transição, em que se faz sentir a acção conjunta dos processos fluviais e da maré, dominando os sedimentos finos (silte e argila). Nesses perfis, as areias apenas predominam na zona do canal de navegação, sendo a presença de cascalhos muito reduzida. O perfil 3 aparenta ser um perfil de transição, que poderá corresponder a uma área de conjunção de efeitos de alta e de baixa energia, sem domínio absoluto de uma das partes, o que poderá explicar a variabilidade observada e a inexistência de uma padrão definido. O predomínio de areias médias nas zonas mais profundas do perfil 4 parece indicar que este corresponde a um perfil de transição para regiões com energia mais elevada. No perfil 5, o predomínio de areias, a cauda de material grosseiro e a reduzida percentagem de silte e argila, permitem deduzir que se trata de um local com elevada influência oceânica, de alta energia, em que parte dos sedimentos são provenientes do exterior (captura da deriva litoral?).

5.5. Análise integrada

Da análise integrada do esboço de Carta Sedimentológica e da granulometria dos cinco perfis seleccionados podem retirar-se as seguintes conclusões preliminares:

• A cobertura sedimentar do estuário do Guadiana é maioritariamente composta por sedimentos grosseiros (areias e cascalhos), ao longo do seu eixo central, e por sedimentos lodosos nas suas margens e nalguns locais de menor profundidade;

• Existe claro predomínio dos sedimentos grosseiros na parte terminal, junto à foz, e aumento da quantidade relativa de finos para montante;

• Os sedimentos da parte terminal do estuário reflectem o domínio de acção marinha (designadamente através da actuação das correntes de maré e da agitação marítima), correspondendo a uma zona de energia mais elevada;

• Os sedimentos do canal do estuário, pela pequena quantidade de finos que contêm, denotam existência de energia média a elevada, fazendo supor a existência de condições de correntes (fluviais e de maré) com intensidade apreciável;

• Os sedimentos das margens e das áreas planas de baixa profundidade evidenciam o domínio de baixa a moderada energia, devendo as correntes possuir, nesses locais, velocidades relativamente pouco elevadas;

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5-7

Figura 5.5 - Localização dos perfis seleccionados no estuário do Rio Guadiana e sua batimetria suavizada, com

indicação da localização das amostras analisadas. Os diagramas circulares representam as percentagens de cascalho, de areia e de silte+argila em cada amostra. Representaram-se, também, as curvas granulométricas médias de cada perfil.

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6-1

6. Hidrologia do Estuário 1

6.1. Comentários à Execução do Trabalho

Verificou-se atraso significativo na e6.3cução das acções tendentes à aquisição de dados sobre a hidrologia do estuário devido à morosidade na entrega do equipamento adquirido para o efeito (correntómetros, marégrafos, etc.), a problemas relacionados com o funcionamento inicial de alguns aparelhos, e ao tempo necessário para adaptação a do pessoal. No momento presente todo o equipamento se encontra em condições funcionais.

Além das acções singulares de medição, verificaram-se duas campanhas de aquisição intensiva de dados: as campanhas WADI ANA, promovida pelo projecto EMERGE e realizada em Novembro de 2000; e a campanha SIRIA 2001, promovida pelo projecto SIRIA em cooperação com o projecto EMERGE, e concretizada em Fevereiro de 2001. Esta cooperação viabilizou a utilização de equipamentos e meios navais diversificados, designadamente navios na plataforma continental e embarcações variadas no estuário, procedendo a medições em simultâneo.

É de referir que, tal como estava previsto na proposta inicial, a cooperação com os projectos SIRIA e SWAMIEE viabilizaram a forte ampliação dos trabalhos realizados, dando-lhe uma maior abrangência. O projecto SIRIA, desenvolvido pelo Instituto Hidrográfico e pela Universidade do Algarve, está mais vocacionado para a plataforma continental, pelo que, neste contexto, surge como complemento óbvio ao projecto EMERGE. O projecto EMERGE (do programa europeu Training and Mobility of Researchers) é desenvolvido por várias instituições europeias, designadamente a Universidade do Algarve, e tem como objectivos principais a formação complementar de jovens doutorados e a mobilidade de investigadores, viabilizando potenciação recíproca com o projecto EMERGE, designadamente pelas possibilidades que abre de cooperação com outros investigadores europeus.

No momento presente está-se em plena fase de processamento da grande quantidade de dados adquiridos nestas campanhas, pelo que se apresentam, aqui, apenas alguns resultados e6.3mplificativos.

Face à grande carência de dados que existia sobre a hidrologia do estuário do Guadiana, o conjunto de observações efectuadas permitirá, em breve, ter uma panorâmica bastante mais precisa sobre o seu funcionamento, a qual se reveste de especial importância dadas as prováveis grandes modificações que se verificarão em breve, com a entrada em funcionamento do empreendimento do Alqueva.

6.2. Escoamentos Fluviais ∗

6.2.1. Escoamentos Anuais

O escoamento anual médio calculado para o Guadiana, na estação de Pulo do Lobo, para o período 1946/47 a 1984/85 era de 5,2 km3. O “módulo” respectivo é de 164 m3/s, a que corresponde o caudal específico médio de apenas 2,7 l/s/km2 (Ribeiro et al., 1988).

No entanto, parte deste caudal deve-se à contribuição dos afluentes portugueses, visto que o caudal específico do Guadiana em Badajoz é de somente 1,6 l/s/km2. A contribuição dos afluentes portugueses está estimada em 4,6 l/s/km2 (Ribeiro et al., 1988; Garcia, 1996).

É interessante verificar que os valores dos índices aludidos, determinados para o período 1946/47 a 1998/99 (com mais 14 anos), decrescem significativamente. O escoamento médio anual, por e6.3mplo, decresce de 5,2 km3 para 4,4 km3. Os valores característicos para este período encontram-se expressos na Tabela 6.I.

Verifica-se que os valores médios anuais têm reduzido significado dada a forte variabilidade internual dos escoamentos, os quais, no período considerado, variam entre um máximo de 13,9km3, em 1963/64 (caudal de 436 m3/s) e um mínimo de apenas 0,18km3, em 1994/95 (caudal de 5,8 m3/s).

Aliás, esta variabilidade extrema é realçada quando se comparam os escoamentos do Guadiana com os dos outros rios cujas bacias hidrográficas são compartilhadas com Espanha. Com base na série hidrológica de Pulo do Lobo referente ao período 1946/47 a 1984/85, Ribeiro et al. (1988) determinaram o valor 55 para a relação entre os escoamentos máximo e mínimo, valor este muito superior aos calculados para o Douro (6), para o Tejo (17) e para o Minho (7). Considerando o período 1946/47 a 1998/99 o valor da referida relação é, ainda, mais expressivo, sendo superior 77! 1 Por J. Alveirinho Dias, Óscar Ferreira, Alexandre Braga Coli, Sandra Fachin e Carla Garcia ∗ por J. Alveirinho Dias e Óscar Ferreira

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Tabela 6.I – Valores característicos do escoamento, em Pulo do Lobo, para o período 1946/47 a 1998/99

Escoamentos e caudais médios anuais Escoamento

(km3) Caudal médio

(m3/s) Caudal específico

(l/s/km2) Valor Médio 4,4 139 2,3 Valor Máximo (1963/64) 13,9 436 7,2 Valor Mínimo (1994/95) 0,18 5,6 0,1 Média de Anos Húmidos (escoamento anual > 9km3) 11,1 352 5,8 Média de Anos Médios (3 a 9km3) 5,8 183 3,0 Média de Anos Secos (escoamento anual < 3km3) 1,3 41 0,7

Escoamentos e caudais mensais Máximo (Jan 1970) 6,7 2 565 42,1 Médio Mensal 0,4 11,7 0,2 Mínimo (p.ex. Set.1954 e Set.1995) 0 0 0

A grande irregularidade interanual dos escoamentos do Guadiana fica bem evidenciada quando se observa a sua representação gráfica (fig. 6.1). A observação desta figura permite também concluir que, por vezes, se verificam sequências de anos húmidos (p.ex.: 1961/62 a 1963/64) e, outras vezes, de anos secos (p.ex.: 1991/92 a 1994/95).

A capacidade de armazenamento das barragens que têm sido construídas na bacia hidrográfica do Guadiana é da mesma ordem de grandeza, actualmente, do escoamento médio plurianual, o qual será e6.1edido quando a barragem do Alqueva entrar em funcionamento.

Mesmo sob influência das várias barragens construídas a partir da década de 50 e, especialmente, do Plano de Rega de Badajoz, a variação de caudal de ano para ano continua a ser notável.

Na figura 6.1 é possível, também, constatar que, após o grande aumento da capacidade de armazenamento conferido pelas aludidas barragens (construídas principalmente nas décadas de 50 e de 60), o número de anos com escoamentos baixos parece ter aumentado. Todavia, o reduzido período, na série analisada, correspondente ao funcionamento do rio em regime natural (isto é, sem estar afectado por barragens), torna difícil concluir se tal se deve a influência efectiva destes empreendimentos ou apenas a fenómenos de variabilidade climática.

Fig. 6.1 - Escoamentos anuais em Pulo do Lobo, durante o período 1946/47 a 1998/99. Assinalou-se, também, a

linha representativa do módulo interanual, bem como a capacidade de armazenamento das barragens existentes na bacia hidrográfica vertente para Pulo do Lobo. Do lado direito, a vermelho, está assinalada a capacidade de armazenamento prevista para a barragem do Alqueva.

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6-3

6.2.2. Escoamentos Mensais

Os escoamentos mensais do Guadiana apresentam, como é natural nesta região climática, contraste muito marcado entre os meses de inverno e os de verão.

Fig. 6.2 – Escoamentos médios mensais, em Pulo do Lobo, no período 1946/47 a 1998/99. A tracejado

vermelho representou-se o escoamento médio mensal referente a todos os meses do ano.

O mês em que, em média, se registam os maiores escoamentos é o de Fevereiro (Fig. 6.2), logo seguido pelos meses de Março e de Janeiro. Nos meses de Julho e Agosto os escoamentos reduzem-se ao mínimo, tendo-se mesmo já verificado escoamentos nulos, isto é, em que o rio deixa de existir como fluxo hídrico. Todavia, a variabilidade interanual dos escoamentos mensais é muito elevada.

Fig. 6.3 - Escoamentos de Fevereiro e de Agosto, em Pulo do Lobo, no período 1946/47 a 1998/99. Para

aumentar a legibilidade, foram utilizadas diferentes escalas de escoamentos nos gráficos correspondentes a cada um dos meses.

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Na figura 6.3 representaram-se os escoamentos registados em Pulo do Lobo em Fevereiro e em Agosto de cada ano do período 1946/47 a 1998/99. No sentido de tornar as figuras legíveis, utilizaram-se escalas bastante diferenciadas.

Tal como se verifica nos escoamentos anuais, também a variabilidade dos escoamentos verificados em cada mês é muito elevada, principalmente nos meses mais húmidos. A razão entre os escoamentos máximo e mínimo é de cerca de 110 em Agosto, ascendendo a quase 320 em Fevereiro.

Efectivamente, em Fevereiro de 1979 registou-se um escoamento de quase 4,9 km3, enquanto que no mesmo mês de 1981 o volume determinado foi de, apenas, 0,02 km3. Comparem-se estes valores com o do escoamento médio da série referente a este mês, que é de cerca de 1 km3.

Em Agosto, obviamente, os escoamentos reduzem-se ao mínimo, sendo a média mensal da ordem dos 0,04 km3. Ainda assim, em Agosto de 1979 o escoamento ascendeu a mais de 0,11 km3. Pelo contrário, em Agosto de 1995 o rio deixou completamente de correr (escoamento nulo).

Na figura 6.4 representaram-se os escoamentos máximo, mínimo e médio determinados em Pulo do Lobo no período 1946/47 - 1998/99. Os escoamentos mínimos mensais são tão reduzidos relativamente aos escoamentos médios e máximos que praticamente não são detectáveis na figura.

Fig. 6.4 - Escoamentos mensais máximo, médio e mínimo, em Pulo do Lobo, no período 1946/47 a 1998/99.

No que se refere aos escoamentos máximos mensais, estes apresentam valores particularmente elevados entre Dezembro e Março, atingindo-se mesmo valores superiores ao escoamento médio anual determinado para o período em referência. Foi o que se verificou em Março de 1947 e em Janeiro de 1970.

Porém, estes valores particularmente elevados ocorrem apenas esporadicamente, o que aliás se depreende da comparação com os valores médios mensais, muito mais reduzidos. Pode mesmo concluir-se que os escoamentos mensais do Guadiana têm tendência para apresentar valores relativamente baixos. Na realidade, os escoamentos médios mensais de Dezembro, Janeiro, Fevereiro e Março apenas são excedidos em cerca de 30% dos anos.

A referida assimetria dos valores dos escoamentos mensais no sentido dos valores baixos é também evidenciada por outros índices. Efectivamente, em 57% dos anos o escoamento mensal de Dezembro foi inferior a metade do escoamento médio mensal desse mês. Essa percentagem para os meses de Janeiro, Fevereiro e Março foi, respectivamente, de 55%, 49% e 55%.

Tal assimetria ressalta ainda mais quando se analisam as classes de escoamentos mensais em função da percentagem de ocorrências (Fig. 6.5). É aí bem evidente que as maiores percentagens, nos meses considerados, ocorrem nos escoamentos muito fracos (entre 0,1 e 0,2 km3). Á medida que os valores dos escoamentos aumentam, as percentagens de ocorrências diminuem rapidamente, seguindo uma tendência aparentemente exponencial. Os

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escoamentos superiores a 2 km3 correspondem a percentagens relativamente modestas (principalmente quando se considera que os escoamentos máximos mensais registados em Dezembro, Janeiro, Fevereiro e Março, no período considerado, foram superiores a 4 km3, atingindo mesmo valor superior a 6,5km3 em Janeiro).

Fig. 6.5 – Escoamentos mensais em Pulo do Lobo, durante o período 1946/47 – 1989/99, em

função da percentagem de ocorrências.

Resumindo, pode afirmar-se que o Guadiana é um rio caracterizado por escoamentos mensais geralmente pequenos (tipicamente inferiores a 1 km3 nos meses húmidos e inferiores a 0,1 km3 nos meses secos), mas em que, ocasionalmente, podem ocorrer escoamentos muito elevados (chegando a ultrapassar largamente 5 km3 nos meses de inverno).

6.2.3. Caudais Diários

Tal como é reconhecido por Garcia (1996), a grande variabilidade que caracterizava o Guadiana, em regime natural, é bem exemplificada pelos três anos hidrológicos 1946/47, 1947/48 e 1948/49, cuja evolução dos caudais médios diários está expressa nos gráficos da figura 6.6. Na tabela 6.II indicam-se os valores dos escoamentos anuais e dos respectivos módulos.

Fig. 6.6 - Evolução anual dos caudais médios diários, em Pulo do Lobo, nos anos 1946/47, 1947/48 e 1948/49

(adaptado de Garcia, 1996)

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O ano 1946/47 corresponde a um ano húmido e exemplifica bem a variabilidade diária dos caudais. O ano hidrológico de 1947/48 corresponde ao que se pode considerar um ano “normal” ou “médio” (escoamento anual de 5,2km3, próximo do escoamento médio anual no período 1946/47 a 1985/86), não obstante o reduzido significado de que estes termos se revestem para o Guadiana. Os valores do ano hidrológico de 1948/49 são representativos de um ano muito seco.

Tabela 6.II – Escoamentos anuais e módulos em Pulo do Lobo entre 1946/47 e 1948/49 ano

hidrológico escoamento anual (km3)

Módulo (m3/s)

1946/47 12,02 381,1 1947/48 5,19 164,1 1948/49 0,45 14,3

No ano de 1946/47, os valores, que se mantinham muito pequenos desde o início de Outubro (de 0,05 a 22 m3/s), têm um primeiro acréscimo a partir da primeira semana de Janeiro mas, sobretudo, um mês mais tarde. Os caudais começam então a aumentar muito rapidamente, até atingirem o valor máximo de 8,053 m3/s no dia 6 de Março. A diminuição dos caudais é brusca, de tal forma que, uma semana após a ocorrência dos grandes caudais aludidos, o valor corresponde, apenas, a um décimo desses máximos. Nos finais de Março e princípios de Abril ocorre ainda outro pequeno aumento de caudal, que surge de forma brusca, após o que se dá um decréscimo progressivo até final de Abril. A partir de Junho os caudais são mínimos, atingindo o valor de 0,6 m3/s em meados de Agosto (Garcia, 1996).

Comparativamente ao ano anterior, os caudais do inverno de 1947/48 foram muito mais pequenos. Registam-se, todavia, três picos, no final de Janeiro, nos fins de Fevereiro e em meados de Maio, os quais surgem de forma mais ou menos brusca. Não se registam nunca caudais diários que se aproximem dos máximos observados no ano anterior. A partir de Julho os caudais são extremamente fracos, chegando a ser nulos em 15 e 16 de Setembro de 1948 (Garcia, 1996).

No ano hidrólogo de 1948/49 o valor máximo do caudal médio diário é de apenas 87 m3/s, ocorrido a 7 de Janeiro. No verão registaram-se os caudais mais baixos, com o valor de 0,1 m3/s (Garcia, 1996). 6.2.4. Efeito das Barragens nos Escoamentos Anuais

O regime, muito contrastado, do Guadiana, com uma estação húmida que pode ser marcada por grandes caudais e uma estação seca em que, com frequência, o rio quase seca, bem como a enorme variabilidade interanual dos escoamentos, foram desde sempre fonte de grande preocupação para as populações que se fixaram na sua bacia hidrográfica. Muitos são os testemunhos de secas prolongadas no vale do Guadiana, produzindo destruição das colheitas e morte dos rebanhos, períodos esses em que a fome e as epidemias alastravam. Estes problemas, recorrentes desde a antiguidade, estão muito provavelmente na origem da construção, no período romano, das barragens de Proserpina e de Cornalbo, as mais antigas da Península ibérica.

Fig. 6.7 – Evolução da capacidade de armazenamento criada na bacia do Guadiana ao longo do século XX.

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6-7

Actualmente, a bacia hidrográfica está afectada por mais de três dezenas de barragens, cuja capacidade total de armazenamento excede os 4,5km3 (tabela 6.III; fig. 6.7), isto é, ultrapassa o escoamento médio anual determinado para o período 1946/47 – 1998/99, o qual será largamente excedido com a entrada em funcionamento da barragem de Alqueva, prevista para o inverno de 2001/2002. Todavia, não é fácil determinar, com precisão, as consequências que as barragens tiveram no regime do rio Guadiana.

Tabela 6.III – Barragens existentes na bacia hidrográfica do rio Guadiana (segundo Loureiro et al., 1986)

Ano de Características Nome Rio Construção Tipo Altura Capacidade de Área

(m) Armazenamento (106 m3) inundada (ha) Cornalbo Albarregas 200 TE 24 10 44 Proserpina Arroyo Pardillas 200 TE 19 4 7 Albuera de Castelbar Alconera 1500 PG 19 0,3 4 Albuera de Feria Ribera de Feria 1747 PG/CB 24 0,7 12 Zelamea Ortigas 1800 PG/CB 17 0,2 47 Albuera Casabaya Arroyo Casabaya 1840 PG 15 0,1 3 Peña del Aguila Zapaton 1897 PG 22 18 300 Gasset Arroyo Becea 1909 TE 19 23 482 Montijo Guadiana 1954 PG 22 8 400 Cijara Guadiana 1956 PG 81 1670 635 Piedra Aguda Olivenza 1956 PG 30 16 258 Peñarroya Guadiana 1959 PG 50 48 412 Valuengo Ardila 1959 PG 34 20 150 Brovales Arroyo Brovales 1960 CB 25 7 159 Orellana Guadiana 1961 PG 63 824 554 Guadajira Guadajira 1962 PG 27 1 9 Garcia de Sola Guadiana 1963 PG 66 554 365 Zujar (Collado) Zujar 1964 PG 23 0 0 Zujar (Collado) Zujar 1964 PG 61 723 452 Caia (P) Caia 1967 TE/CB 52 192 1970 El Mosquil Arroyo los Labrados 1971 PG 10 0,2 3 Vigia (P) Vale de Vasco 1981 TE 30 17 262 Lucefece (P) Lucefece 1981 TE 23 10 169 Torre de Albraham Bullaque 1988 PG 51 60 762 El Vicario Guadarrama 1988 PG 22 7 336 Zafra Alconera 1988 PG 37 240 37 M. Novo (P) Degebe 1988 PG 28 15 277

Efectivamente, a grande variabilidade interanual dos escoamentos (fig. 6.8), bem como a reduzida série de observações efectuadas em regime “natural”, não permitem evidenciar, com clareza, as alterações que, com certeza, ocorreram.

O período mais intensivo de construção de barragens na bacia hidrográfica do Guadiana verificou-se entre 1956 e 1967, tendo então a capacidade total de armazenamento passado de 0,064km3 para 4,120km3.

Porém, a série de observações em Pulo do Lobo iniciou-se apenas em 1946/47. Tal deixa apenas um período de 10 anos para deduzir qual seria o regime “natural” do rio, período este que, obviamente, é curto, designadamente se se considerar a variabilidade aludida e a tendência, por vezes bastante evidente, para a ocorrência de sequências de anos húmidos e de anos secos.

Curiosamente, o período mais intensivo de construção de barragens correspondeu a uma época bastante húmida, tendo o escoamento médio anual, entre 1955/56 e 1966/67, excedido os 7km3. Aliás, entre 1961/62 e 1965/66 o escoamento médio foi mesmo superior a 10,5km3, isto é, mais do dobro do valor determinado para a série completa (1946/47 a 1998/99).

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6-8

Fig. 6.8 – Escoamentos anuais em Pulo do Lobo, entre 1946/47 e 1998/99

A figura 6.9 representa a evolução dos valores do escoamento médio anual ao longo da série de observações considerada. Os primeiros valores não são, obviamente, estatisticamente significativos devido ao pequeno número de anos considerado. Porém, á medida que a extensão da série se vai ampliando, a significância estatística dos valores vai sendo progressivamente maior.

Verifica-se que, após a construção das grandes barragens, existe tendência bem marcada para que o valor do escoamento médio anual decresça progressivamente até ao final da série. Esta deriva dos valores, atendendo à extensão da série, é significativa e pode ser interpretada como consequência do represamento das águas e sua utilização no regadio e outras actividades.

Fig. 6.9 – Evolução dos valores dos escoamentos médios anuais em Pulo do Lobo

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6-9

Após 1967 o aumento da capacidade total de armazenamento atenuou-se drasticamente. Efectivamente, após o grande acréscimo verificado no período 1956-67 (correspondente a mais de 0,300km3/ano), entre 1967 e 1988 a capacidade de armazenamento aumentou em apenas 0,350km3, isto é, em média, 0,017km3/ano.

No sentido de averiguar melhor qual foi o efeito das barragens nas afluências ao estuário, provenientes de montante, construiu-se o gráfico da figura 6.10, que representa os escoamentos médios anuais ao longo da série de Pulo do Lobo, considerando períodos de 21 anos. Escolheu-se este período alargado para atenuar as forte variabilidade interanual do rio e para evitar qualquer periodicidade climática de curto período.

Fig. 6.10 – Escoamentos anuais médios observados em Pulo do Lobo, considerando períodos de 21 anos

Verifica-se a existência de um período inicial, sem tendência definida, como seria de esperar num rio ainda muito marcado pelo seu regime natural. No entanto, após 1968/69 até à actualidade, existe tendência marcada para decréscimo consistente dos valores. É provável que tal comportamento reflicta o efeito das barragens construídas principalmente na década de 60.

Este comportamento corresponde ao que seria de esperar perante uma cascata de barragens que, além da exploração hidro-eléctrica, tem como objectivos a irrigação (designadamente do Plano de Rega de Badajoz), o abastecimento de populações e indústrias, e várias outras actividades consumidoras de água. Efectivamente, além das perdas decorrentes da evaporação verificada nos grandes planos de água constituídos pelas albufeiras das barragens, a irrigação, na medida em que aumenta a evapo-transpiração, é responsável, também, por grandes perdas de água. Estas alterações ao funcionamento do sistema natural têm de se reflectir, de igual modo, nos anos extremos.

No sentido de analisar a influência das barragens (e das actividades por elas proporcionadas, designadamente a irrigação) nos regimes de cheias e de secas, construiu-se o gráfico da figura 6.11. Um pouco arbitrariamente, consideram-se, como anos “húmidos” aqueles em que o escoamento anual ultrapassou o dobro do escoamento médio anual na totalidade da série, e como anos “secos” aqueles em que o escoamento foi inferior a metade do escoamento médio. Nos anos designados como “normais” o escoamento localizou-se entre os dois valores limite referidos.

Pelas mesmas razões apontadas atrás, consideraram-se médias móveis referentes a 21 anos.

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Fig. 6.11 – Distribuição percentual, ao longo do tempo, de anos “húmidos” (com escoamento anual superior ao

escoamento médio entre 1946/47 e 1998/99), anos “secos( com escoamento inferior a metade do escoamento médio) e de anos “normais”, considerando médias móveis com janelas de 21 anos.

Verifica-se que, após o final da década de 60, a percentagem de anos “húmidos” diminui de forma bastante clara, estabilizando-se nos 10%. Pelo contrário, a frequência de anos “secos” aumenta nitidamente, podendo considerar-se que talvez exista tendência para se estabilizar por volta dos 60%. Aparentemente, a frequência de anos “normais” não apresenta grande variação, sendo, em média, de cerca de 30%.

Assim, pode concluir-se que o efeito das barragens se manifesta por um decréscimo acentuado dos anos “húmidos” e aumento nítido dos anos “secos”, isto é, cerca de 75% dos anos “húmidos” são convertidos pelas barragens em “normais”, e cerca de 75% destes transformam-se em anos “secos”. Este comportamento corresponde, também, ao que seria de esperar.

Efectivamente, os grandes escoamentos são aproveitados para encher as albufeiras, criando reservas estratégicas, passando para o estuário, de forma significativa, apenas os caudais excedentes. Deste modo, os anos com elevada pluviosidade são convertidos em anos com escoamentos “normais”, exceptuando aqueles em que a precipitação é invulgarmente elevada e provavelmente as sequências de anos húmidos. Em muitos dos anos em que a precipitação está próxima dos valores médios, a necessidade de manter as reservas estratégicas conduz a retenção de grande parte dos caudais afluentes, conduzindo à ocorrência de anos “secos” em termos de escoamento. É provavelmente essa a razão porque a frequência de anos “secos” praticamente duplicou após o final da década de 60.

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6-11

6.3. Marés

6.3.1. Enquadramento

Dos estudos maregráficos anteriores realizados no estuário do Guadiana destaca-se o realizado pelo Instituto Hidrográfico entre 1984 e 1985, o qual viabilizou a determinação das constantes harmónicas.

Posteriormente foram realizadas, pelo Instituto Hidrográfico, mais duas curtas campanhas de observações, por encomenda do Gabinete de Coordenação do Alqueva. A primeira foi efectuada entre Setembro e Novembro de 1989, com observações em Alcoutim, Foz do Odeleite e V.R.Sto. António. A segunda decorreu em Fevereiro e Março de 1992, tendo sido analisada a maré no Pomarão e em V.R.Sto. António. Não se conhece a existência de outros dados prévios além dos aludidos.

No estuário do Guadiana as marés são do tipo semi-diurno regular. Na tabela 6.IV expressam-se os elementos de maré em V.R.Sto. António.

Tabela 6.IV – Elementos de maré em V.R.Sto.António Preia-mares Baixa-mares

Valores médios Valores médios máximo Águas vivas Águas mortas Águas vivas Águas mortas

mínimo

3,72 3,28 2,64 0,72 1,36 0,28 Fonte: Roteiro da Costa de Portugal (1990)

Segundo Silva et al. (1998), o atraso médio da maré entre Vila Real de Santo António e o Pomarão é da ordem de duas horas e meia, sendo superior em baixa mar; a onda de maré apresenta distorção significativa, tendo as vazantes, no Pomarão, duração que excede a das enchentes em quase uma hora.

Tabela 6.V – Atrasos da propagação da maré, relativamente a V.R.Sto.António (em minutos) Estação Atraso da preia-mar Atraso da baixa-mar Amplificação da M2 Odeleite 44 58 0% Alcoutim 81 107 -2% Pomarão 132 154 -6%

Fonte: Silva et al. (1998)

6.3.2. Instalação e Exploração do Marégrafo ∗

Para a instalação do marégrafo fez-se uma vistoria aos locais ribeirinhos de V.R.Sto.António que poderiam ser apropriados para o efeito. O local óbvio para a instalação seria, em princípio, aquele em que funcionou o antigo marégrafo, há muito desactivado. Todavia, as más condições de conservação das infra-estruturas (casa, poço, etc.), associadas ao assoreamento que se verificou junto ao cais (e do próprio poço do marégrafo), impossibilitaram a instalação neste local.

Após a análise de várias hipóteses, decidiu-se instalar o marégrafo no Porto de Recreio de V. R. Sto. António, mais precisamente na estaca de ancoragem mais externa do cais flutuante.

Obtidas as necessárias autorizações, construiu-se uma régua maregráfica, que foi fixada na estaca aludida, juntamente com o sensor do marégrafo. Adicionalmente, fez-se uma caixa para protecção do marégrafo que não chamasse muito a atenção (para evitar eventuais danos causados por curiosos), tendo-se utilizado para tal uma vulgar caixa de correio (fig. 6.12).

O marégrafo instalado é da marca Valeport, modelo de sensor de pressão, com acurácia de 1,0mm. A taxa de aquisição dos dados foi ajustada para 5 minutos. Possui armazenamento interno das medições requerendo, por isso, que os dados sejam retirados periodicamente.

Todas as vezes que se retiram os dados efectua-se, também, a aferição da leitura digital do marégrafo com a leitura visual da régua maremétrica, como forma de controle da qualidade dos dados adquiridos.

∗ por Alexandre Braga Coli e Sandra Fachin

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

6-12

Figura 6.12 - Marégrafo e Régua Maregráfica instalados na estaca externa do Porto de Recreio de

V.R.Sto.António.

Para a inserção dos dados maregráficos no contexto geodésico nacional, utilizou-se uma estação total para determinar, com precisão, a localização geográfica, tendo-se para tal “transportado” as coordenadas a partir do vértice geodésico do castelo de Castro Marim (visto que o ponto coordenado do Farol de V.R.Sto.António não é estacionável). Assim, as medições efectuadas pelo marégrafo estão inseridas na rede geodésica do IPCC, o que viabiliza a utilização das referências de base normalmente utilizadas, como sejam o Zero Topográfico / Nível Médio do Mar e o Zero Hidrográfico.

Figura 6.13 - Desenho esquemático do nivelamento efectuado para o marégrafo instalado no

porto de V.R.Sto.António. O Nível Médio do Mar corresponde ao Zero Topográfico e o Nível de Redução ao Zero Hidrográfico.

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

6-13

6.3.3. Nível do Plano de Água e Episódios de Sobreelevação ∗

A análise dos dados adquiridos, desde Setembro, pelo marégrafo instalado no porto de recreio de V. R. Sto. António revela que existe muito boa correlação com os níveis previstos pelo Instituto Hidrográfico, para antiga localização do marégrafo de V. R. de Sto. António, como pode ser verificado nas figuras 6.14 a 6.16, referentes aos meses de Setembro, Outubro e Novembro.

O nível médio do plano de água, considerando os meses aludidos é de 2,06 m (ZH). Tal está de acordo com o nível calculado por Cardoso (1990) para a série obtida entre 20 de Fevereiro e 2 de Abril de 1992, que foi de 2,05m (ZH). Todavia, para a série maregráfica de 20 de Setembro a 22 de Novembro, o valor do nível médio foi de 2,27m (ZH), o que provavelmente se deve aos caudais elevados que ocorreram durante o período de observação (Cardoso, 1990). Efectivamente, o nível da água em V.R.Sto. António parece estar bastante dependente dos caudais afluentes ao estuário (além, obviamente, das influências meteorológicas), como o comprova o nível determinado para Dezembro com base na série agora obtida (Fig. 6.17), o qual atingiu o valor de 2,16 m.

Figura 6.14 - Maregrama de Setembro de 2000. O registo de marés adquirido pelo marégrafo está

representado a azul e a previsão efectuada pelo Instituto Hidrográfico está em vermelho.

Figura 6.15 - Maregrama de Outubro de 2000. O registo de marés adquirido pelo marégrafo está

representado a azul e a previsão efectuada pelo Instituto Hidrográfico está em vermelho. ∗ por Alexandre Braga, J.A. Dias, Óscar Ferreira e Sandra Fachin

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

6-14

Figura 6.16 - Maregrama de Novembro de 2000. O registo de marés adquirido pelo marégrafo está

representado a azul e a previsão efectuada pelo Instituto Hidrográfico está em vermelho.

Figura 6.17 - Maregrama de Dezembro de 2000. O registo de marés adquirido pelo marégrafo está

representado a azul e a previsão efectuada pelo Instituto Hidrográfico está em vermelho.

Como se referiu, os dados maregráficos de Dezembro afastam-se bastante mais da previsão, principalmente na segunda quinzena do mês. Tal deve-se aos grandes caudais afluentes ao estuário e à sobreelevação, de índole meteorológica, do nível do mar (storm surge), induzida essencialmente por baixas pressões atmosféricas e pelo vento.

Na realidade, a possibilidade de ter o marégrafo instalado nesta altura, permitiu registar este evento de alta energia e os que se lhe seguiram, o que viabilizará uma maior compreensão da actuação e das consequências, a nível hidrológico e hidro-sedimentar, das cheias no estuário. Aliás, o facto de ter existido uma campanha intensiva de medidas em Fevereiro de 2001 (campanha SIRIA 2001), ainda no decurso do período excepcional de escoamentos que foi o inverno hidrológico de 2000/2001, e na qual se fizeram observações simultâneas tanto em diferentes pontos do estuário como na plataforma adjacente (estações móveis e fixas), permitirá uma visão abrangente da actuação das cheias do Guadiana, até ao momento nunca efectuada neste estuário. Neste contexto, as observações efectuadas pelo marégrafo instalado em V.R.Sto.António adquirem dimensão e valor bastante mais latos.

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6-15

No sentido de compreender melhor o fenómeno, determinaram-se, para os quatro meses em referência, as residuais da comparação entre a maré observada e a maré teórica. Após retirar, da maré observada, o valor da maré teórica, aplicou-se uma linha de tendência aos dados resultantes, a qual representa a variação do nível médio das águas no estuário do Guadiana (figuras 6.18 a 6.21).

Verifica-se que, nos meses de Setembro a Novembro (figuras 6.18 a 6.20), apenas ocorreram pequenas oscilações de ordem centimétrica entre os dois níveis comparados, localizando-se o nível das águas em torno do zero maregráfico. Essas pequenas variações, positivas e negativas, devem-se, seguramente, a influências meteorológicas, principalmente a variações da pressão atmosférica.

Todavia, no mês de Dezembro, a situação é radicalmente diferente. O nível do plano de água sofre sobreelevação relativamente ao nível médio, principalmente na segunda quinzena do mês.

O primeiro episódio de sobreelevação iniciou-se no dia 3, atingindo o máximo, de quase 0,5m, na transição dos dias 7 para 8. A taxa de elevação foi reduzida, inferior a 0,5cm/hora.

Figura 6.18 - Variação do nível médio das águas, em Setembro, no estuário Guadiana, em V.R.Sto. António.

Figura 6.19 - Variação do nível médio das águas, em Outubro, no estuário Guadiana, em V.R.Sto. António.

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Figura 6.20 - Variação do nível médio das águas, em Novembro, no estuário Guadiana, em V.R.Sto. António.

Figura 6.21 - Variação do nível médio das águas, em Dezembro, no estuário Guadiana, em V.R.Sto. António.

No dia 18 inicia-se nova sobreelevação, do tipo polifásico. A primeira fase atingiu o máximo de 0,38m no dia 20, sendo a taxa de subida de 1,3cm/hora. Após alguma estabilização por volta do nível 0,30m no dia 21 ocorreu nova fase de elevação, bastante rápida ( taxa de subida de 5cm/hora), a qual atingiu o máximo de cerca de 1 metro entre as 19:00 do dia 21 e as 7:20 do dia 22. O decaimento não se verificou de forma homogénea. No dia 25 o nível da água estuarina era, já, inferior a 0,50m acima do nível normal. Verificou-se, então, nova fase de elevação, relativamente pequena, após o que o decaimento se deu de forma consistente, encontrando-se o nível das águas já próximo do normal na passagem do ano.

Este episódio de sobreelevação, associado a ventos fortes sentidos na ocasião, provocou grandes problemas na zona.

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Segundo o Jornal do Algarve de 28 de Dezembro, em V.R.Sto. António “grande parte do paredão junto ao rio aluiu, um barco da carreira fluvial e outro da Guarda Fiscal partiram as amarras indo parar à margem espanhola, junto aos estaleiros”. No porto de recreio verificaram-se danos graves em muitas embarcações, algumas das quais se afundaram. Foram ainda registados estragos noutros locais do estuário do Guadiana (ex. Alcoutim). De acordo com o jornal Região Sul de 27 de Dezembro, “a Estrada Nacional 122, que liga Vila Real de Santo António a Mértola, foi cortada junto à ribeira da Foupana devido a cedência do tabuleiro da ponte que a atravessa, causada pela força da água corrente naquela ribeira que escavou o pilar central, provocando o abate do referido tabuleiro em mais de um metro”.

Os grandes caudais do Guadiana, nesta altura, tiveram, seguramente, importância decisiva na ocorrência e no tipo desta sobreelevação. Todavia, a amplitude e as características deste episódio resultaram da convergência de influências meteorológicas e hidrológicas. Efectivamente, na altura, faziam-se sentir ventos fortes (com rajadas até 130km/h), bem como baixas pressões. Aguarda-se a disponibilização dos dados sobre os escoamentos fluviais, o vento, a pressão atmosférica e a agitação marítima para se poder interpretar correctamente este interessante episódio de sobreelevação.

6.3.4. Assimetria da Maré em V.R.Sto. António ∗

No sentido de analisar a assimetria da maré em V.R.Sto. António, analisaram-se os maregramas referentes ao período de 30 de Agosto a 6 de Dezembro, não se tendo utilizado os restantes dados referentes a este mês devido aos episódios de sobreelevação verificados nessa altura.

Numa primeira abordagem determinaram-se os intervalos de tempo que mediavam entre as estofas de maré, ou seja, entre preia-mares e baixa-mares, ao longo de toda a série maregráfica referida. Numa segunda abordagem calcularam-se as durações das marés altas e baixas, sendo estas consideradas como correspondentes aos intervalos de tempo em que o nível de água permanece acima ou abaixo do nível médio do estuário. A figura 6.22 exemplifica os métodos adoptados.

Determinando as médias das diferenças de todas os intervalos de tempo entre estofas de maré, considerando valores positivos quando a duração da maré de enchente era maior do que a da vazante e negativa no caso contrário, obteve-se o valor de 2 minutos e 31 segundos. Consequentemente, pode concluir-se que, possivelmente, a duração da enchente é ligeiramente maior do que a da vazante.

Figura 6.22 - Gráfico demonstrativo dos métodos utilizados para analisar a assimetria da maré em V.R.Sto.

António. Os dados utilizados na figura correspondem aos de 14 de Setembro de 2000. O nível médio corresponde a 2,0 metros acima do Z.H.

Considerando as diferenças absolutas (tabela 6.VI), verifica-se que a média destas corresponde a cerca de 25 minutos, obtendo-se resultado análogo quando se calculam as médias das diferenças para os casos em que a duração das vazantes é maior do que as enchentes consecutivas e vice-versa.

∗ por Alexandre Braga, J.A. Dias, Óscar Ferreira e Sandra Fachin

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Tal significa que a diferença verificada entre os ciclos consecutivos é, em média e em valor absoluto, de cerca de 25 minutos, equivalendo-se após vários ciclos de maré. Por essa razão, ao fim de cerca de 3 meses, a diferença média foi, apenas, de cerca de 2 minutos. Todavia, é de referir que o nível de significância dos valores determinados é relativamente pequeno, porque a série maregráfica é pequena, correspondendo, apenas, a cerca de 3 meses.

Tabela 6.VI - Médias relativas às diferenças entre durações de enchentes e vazantes Média das Diferenças: 2’ 31” Média das Diferenças Absolutas: 25’ 34” Média da Vazante > Enchente: 25’ 46” Média da Enchente > Vazante: 25’ 12”

Todavia, como se pode verificar na tabela 6.VII, o resultado obtido está em relativa concordância com outros obtidos anteriormente.

Tabela 6.VII - Diferença entre as durações das enchentes e das vazante, em minutos. V. R. Sto. António

1989 V. R. Sto. António

1992 Odeleite

1989 Alcoutim

1989 Pomarão

1992 +4 -2 -24 -40 -49

Fonte: Silva et al. (1998)

Como se referiu, no segundo tipo de abordagem para calcular a assimetria da maré, determinaram-se as diferenças entre o tempo em que o nível de água ultrapassa o nível médio do estuário (maré alta) com o tempo em que o nível da maré fica abaixo do nível médio (maré baixa). Este tipo de análise indica a forma da onda de maré, a qual implica significativamente na hidrodinâmica estuarina e, consequentemente, na dinâmica sedimentar.

A duração média calculada para as situações de maré alta foi de 5 horas e 50 minutos, enquanto que para a maré baixa o valor determinado foi de 6 horas e 35 minutos (tabela 6.VIII). Constata-se, consequentemente, uma diferença de 45 minutos, isto é, o nível de água, em V.R.Sto. António, permanece mais tempo abaixo do nível médio do que acima, o que implica uma forma assimetria da curva de maré.

Tabela 6.VIII - . Médias das durações das marés altas e das marés baixas e diferenças determinadas (em horas:minutos)

Média das Marés Altas 5:49.6 Média das Marés Baixas 6:35.2 Média das Diferenças 0:45.7

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6.4. Correntes

6.4.1. Enquadramento

Até ao início do Projecto EMERGE, os conjuntos de dados correntométricos conhecidos, referentes ao estuário do Guadiana, eram reduzidos, existindo duas campanhas de obtenção de dados que se destacaram. Os dados mais antigos foram colhidos, no final da década de 1970, pelo Service Environnement da Université Libre de Bruxelles, no quadro de cooperação com o Serviço de Estudos do Ambiente, correspondendo a séries temporais curtas, de 1 a 2 dias. Mais recentemente, em 1989 e 1990, o Instituto Hidrográfico efectuou, para o Gabinete de Coordenação do Alqueva, observações correntométricas mais longas (cerca de um mês), cobrindo situações de verão e de inverno.

A análise dos dados efectuada por Silva et al. (1998) revela que as velocidades no estuário apresentam muito pouca rotação, o que se deve à pequena largura do estuário. As velocidades atingem valores de 1 a 1,5m/s nas várias estações, sendo superiores no inverno. As correntes residuais, calculadas para o troço jusante do estuário (na região de Ayamonte e da Capitania), são dirigidas para montante na camada mais profunda (observações a 6m da superfície) e para jusante mais próximo da superfície (observações a 4m da superfície), o que sugere a influência de diferenças de pressão dissimétricas, associadas à estrutura salina vertical, no escoamento. No inverno as velocidades residuais são mais acentuadas, o que sugere a estratificação da coluna de água.

6.4.2. Resultados

Como já foi referido, além das observações pontuais efectuadas exclusivamente por elementos da equipa científica do projecto, a cooperação interprojectos (principalmente entre os projectos EMERGE e SIRIA) viabilizou a aquisição de um volume muito grande de dados. Atendendo a que a maioria desses dados foi obtida em Novembro de 2000 e em Fevereiro de 2001, não houve, ainda, possibilidade de proceder à sua validação completa e tratamento, tarefa esta que terá a duração de alguns meses. Quando esse trabalho estiver concluído, dispor-se-á de uma conhecimento do estuário muitíssimo mais completo do que existia até agora, o que permitirá uma gestão mais cientificamente suportada e não, como tem acontecido, baseada em pressupostos e hipóteses carecedoras de confirmação.

Apresentam-se seguidamente, a título exemplificativo, alguns dos resultados obtidos até ao momento.

6.4.3.1. Secção Transversal Correntométrica ∗

No sentido de compreender melhor o comportamento tridimensional da correntometria estuarina, efectuaram-se observações (velocidade e direcção) numa secção transversal localizada, aproximadamente, entre Vila Real de Santo António e Ayamonte (figura 6.23).

Figura 6.23 - Mapa de localização da secção transversal de correntometria no estuário do Guadiana

∗ por Alexandre Braga Coli, Óscar Ferreira, Sandra Fachin e J. A. Dias

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Nessa secção realizaram-se perfis correntométricos em 3 estações localizadas no meio do canal de navegação e entre este e as margens portuguesa e espanhola, cujas coordenadas militares são as seguintes:

estação junto à margem direita: 63806,01; -273005,10 estação no canal de navegação: 63943,61; -272971.73 estação junto à margem esquerda: 64141.27; -272889.22

As observações foram efectuadas em diferentes estados de maré, designadamente em preia-mar, em meia vazante, em baixa-mar e em meia enchente. Os dados apresentados foram obtidos no dia 15 de Fevereiro de 2001.

Neste trabalho utilizou-se um correntómetro Aanderaa, modelo RCM9 que, além de medições acústicas da velocidade da corrente, do seu módulo e direcção, está dotado de outros sensores que permitem medir, designadamente, a salinidade, a temperatura, a turbidez e o oxigénio dissolvido. O sensor de turbidez foi aferido com sedimentos presentes amostras de água colhidas no próprio local das medições, nos três perfis realizados, tendo-se obtido a correlação de 98,66%.

Nas figuras 6.24 a 6.27 os resultados obtidos estão expressos de forma a possibilitar a sua compreensão em função da topografia da secção analisada. Nas figuras 6.28 a 6.31 encontram-se os perfis de correntes para cada situação de maré.

Figura 6.24 - Velocidade da corrente no eixo longitudinal da secção do Rio Guadiana, em situação de preia-mar. .

Velocidades negativas indicam corrente para jusante e positivas para montante

Figura 6.25 - Velocidade da corrente no eixo longitudinal da secção do Rio Guadiana, em situação de meia vazante.

. Velocidades negativas indicam corrente para jusante e positivas para montante

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6-21

Figura 6.26 - Velocidade da corrente no eixo longitudinal da secção do Rio Guadiana, em situação de baixa-mar. .

Velocidades negativas indicam corrente para jusante e positivas para montante

Figura 6.27 - Velocidade da corrente no eixo longitudinal da secção do Rio Guadiana, em situação de meia

enchente. Velocidades negativas indicam corrente para jusante e positivas para montante.

Verifica-se que o comportamento vertical das velocidades tende a ser oposto em situações de enchente relativamente às de vazante, com domínio da corrente dirigida para jusante durante a vazante e predominância da corrente dirigida para montante durante a enchente. No entanto, na zona central da secção (canal) há a assinalar a existência de inversões pontuais.

Em situação de enchente, verifica-se que a zona superficial do canal apresenta fluxo para jusante, provavelmente por influência do fluxo fluvial. Na situação de vazante, a corrente, na parte mais funda do canal, está dirigida para montante, o que está associado à presença da cunha salina e à influência da estrutura salina vertical no escoamento.

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Figura 6.28 - Perfis de correntes em situação de baixa-mar.

Figura 6.29 - Perfis de correntes em situação de enchente.

Figura 6.30 - Perfis de correntes em situação de preia-mar.

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6-23

Figura 6.31 - Perfis de correntes em situação de vazante.

Tal situação encontra-se bem expressa no gráfico relativo à resultante da corrente, após integração da totalidade do ciclo de maré analisado (figura 6.32), havendo a destacar o predomínio do fluxo fluvial na parte superior da secção e da entrada de água salina pela parte inferior. A resultante da corrente dirigida para a foz é, genericamente, mais intensa, provavelmente por influência dos fluxos fluviais existentes. Verifica-se, ainda, que existem maiores velocidades médias no lado espanhol do que na margem portuguesa, podendo tal facto resultar do controlo topográfico exercido a montante, onde o canal sofre um estrangulamento com meandrização dirigida para o lado nascente.

Todos os resultados obtidos apontam para a existência de uma clara estratificação das massas de água durante a amostragem realizada, com repercussões a nível correntométrico, 0 que corrobora a opinião de Silva et al. (1998), que indicam uma influência da estrutura salina vertical no escoamento do estuário do Guadiana.

Figura 6.32 - Resultante da corrente, após integração da totalidade do ciclo de maré analisado. Os valores

negativos indicam que a corrente está direccionada para jusante, e os positivos que o sentido é para montante.

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5.4.3.2. Correntometria junto à Desembocadura ∗

Durante a Campanha WADI ANA, uma das acções empreendidas foi a colocação de um correntómetro Aanderaa, modelo RCM9, junto ao fundo, a 7,5m (ZH), na porção jusante do estuário junto à Ponta da Areia. A aquisição de dados efectuou-se entre os dias 14 e 25 de Novembro de 2000,em simultâneo com outras componentes integrantes da campanha, designadamente as referidas como estação fixa no estuário, estação fixa na plataforma (frente à desembocadura), subidas do estuário e observações na plataforma.

Os dados obtidos (figuras 6.33 a 6.35) revelam, como era de esperar, um efeito muito marcado da maré, verificando-se a existência de corrente muito forte, alternadamente para montante e para jusante, sem predomínio claro de uma das situações. Os gráficos expressos são exemplo dos resultados obtidos, e que se encontram presentemente em fase de processamento.

Figura 6.33 - Gráfico da variação da velocidade (em centímetros por segundo) ao longo do eixo Norte-Sul, que

é aproximadamente o eixo longitudinal do Guadiana.

Figura 6.34 - Gráfico da variação da velocidade (em centímetros por segundo) ao longo do eixo Leste-

Oeste, que é aproximadamente o eixo transversal ao Guadiana.

∗ por Alexandre Braga Coli, Óscar Ferreira e Sandra Fachin

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Figura 6.35 - Gráfico da variação da profundidade (em metros), a qual está relacionada com as variações do

nível da água causado pelas marés. Valores não reduzidos ao Zero Hidrográfico.

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6.5. Salinidade e Temperatura

6.5.1. Enquadramento

Que seja do nosso conhecimento, os primeiros dados sistemáticos sobre salinidade no estuário do Guadiana foram os obtidos em Novembro de 1977 pelo Service Environnement da Université Libre de Bruxelles, no quadro de cooperação com o Serviço de Estudos do Ambiente (Wollast et al., 1978). Trata-se de séries curtas (1 a 2 dias), de perfis longitudinais e de perfis verticais. Posteriormente, em 1989 e 1990, o Instituto Hidrográfico efectuou, para o Gabinete de Coordenação do Alqueva, novas observações em séries mais longas mais longas (cerca de um mês). Mais recentemente, nos últimos 5 anos, várias equipas da Universidade do Algarve obtiveram dados de salinidade em perfis ao longo do estuário (p.ex.: Rocha et al., submetido).

Segundo os dados de Wollast et al. (1978), reproduzidos na figura6.36, o limite da intrusão salina situa-se, consoante o estado da maré e, obviamente, o caudal, entre 14 e 26km da foz,. Todavia, em condições de grandes caudais fluviais, mesmo a embocadura do estuário pode ser dominada pela presença de água doce, chegando mesmo a constituir-se uma pluma de água doce na plataforma continental adjacente à desembocadura (Wollast & Michel, 1980). Os perfis verticais de salinidade obtidos em 1977 revelam, com frequência, heterogeneidade na estrutura da coluna de água, principalmente no troço terminal do estuário (figura6.37). O conjunto de observações efectuadas pela equipa de Bruxelas revela que, nas condições de caudais em que foram realizadas, a estrutura salina apresenta estratificação, sendo possivelmente a profundidade da haloclina crescente para montante. Na figura6.38 reproduz-se uma secção salinográfica longitudinal do estuário.

Figura 6.36 - Perfis longitudinais de salinidade obtidos em Novembro de 1977 (modificado de Wollast et al., 1978).

Figura 6.37 - Perfis verticais de salinidade obtidos em 7 Novembro de 1977 (modificado de Wollast et al., 1978).

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Figura 6.38 - Perfis verticais de salinidade obtidos em 7 Novembro de 1977 (modificado de Wollast et al., 1978).

Os resultados referentes á temperatura são pouco conclusivos pois que, principalmente na época do ano em que foram efectuadas as observações, a água doce e a água marinha têm temperaturas da mesma ordem de grandeza (17,5 a 18,5ºC).

Segundo Silva et al. (1998), os dados obtidos pelo IH em 1989 revelam que, em situação de fortes caudais (da ordem de 300-400m3/s), existem salinidade bastante baixas (da ordem de 5%o) junto à foz; após o estabelecimento da haloclina, as marés requerem cerca de 15 dias para misturarem a coluna de água.

Figura 6.39. Estrutura salina ao longo de perfis longitudinais do estuário do Guadiana, obtidos em Março de 1997, durante marés mortas (A) e marés vivas (B). Os círculos representam os pontos de amostragem. (adaptado de Rocha et al., submetido)

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De acordo com o trabalho desenvolvido por Rocha et al. (submetido), que analisa campanhas efectuadas entre Abril de 1997 e Março de 1998, o limite de intrusão salina foi relativamente constante para o período entre a Primavera e o Outono, em que os caudais fluviais foram pequenos. Contudo, no Inverno de 1997/98 não se observou estrutura salina no estuário, com os valores de salinidade a atingirem 14%o na zona de pluma estuarina, junto à foz. Os autores concluem que o Guadiana é um estuário que pode ser dominado por água doce, mas apenas em situação de elevada descarga fluvial, enquanto que no período estival é controlado pela acção marinha, condicionada pelo efeito de maré. Tal efeito induz uma forte mistura vertical durante marés vivas (correntes mais elevadas, figura 6.39a) e a formação de intrusão salina marcada durante marés mortas (figura 6.39b). O limite máximo da intrusão salina observado pelos autores no período amostrado foi sempre inferior a 40 km.

6.5.2. Resultados

Atendendo a que o vasto conjunto de dados obtidos no âmbito deste projecto está, actualmente, em fase de processamento, apresentam-se, seguidamente, apenas alguns dos resultados preliminares obtidos até ao momento.

6.5.2.1. Secção Transversal ∗

As observações efectuadas com o RCM9 na secção transversal localizada entre V.R.Sto. António e Ayamonte (figura 6.23) indicam que, nas condições existentes aquando das medições, existia estratificação salina da coluna de água (figuras 6.40 a 6.43).

Efectivamente, são identificáveis duas massas de água, uma mais salina (água marinha) localizada na parte mais profunda, e outra, superficial, constituída por água doce (água fluvial). A representatividade destas massas de água na secção em referência depende do estado da maré. Em preia-mar verifica-se incremento da espessura correspondente a água salgada (reduzindo-se a de água doce) e, na baixa-mar, ocorre o inverso. Tal indica que a acção da maré, designadamente os desníveis por ela criados, têm influência maior na circulação estuarina.

Figura 6.40 – Salinidade observada na secção transversal do estuário do Guadiana, em situação de preia-mar.

Figura 6.41 – Salinidade observada na secção transversal do estuário do Guadiana, em situação de vazante.

∗ por Alexandre Braga Coli, Sandra Fachin, J.A. Dias e Óscar Ferreira

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

6-29

Figura 6.42 – Salinidade observada na secção transversal do estuário do Guadiana, em situação de baixa-mar.

Figura 6.43 – Salinidade observada na secção transversal do estuário do Guadiana, em situação de enchente.

É, ainda, observável que a massa de água salgada (salinidade entre 30 e 30%o) está sempre presente, junto ao fundo, mesmo em situações de baixa-mar, indicando que a cunha salina aí permanece praticamente sem mistura. Tal facto está de acordo com a existência de caudais fluviais moderados aquando da obtenção dos dados.

Verifica-se, também, que existe assimetria na distribuição destas massas de água relativamente às margens. Tendencialmente, em todas as situações de maré, na margem esquerda ocorre mais água salgada e, na direita, mais água fluvial. Este comportamento é particularmente nítido em vazante e em baixa-mar.

Nas figuras 6.44 a 6.47 pode observar-se a estrutura térmica da secção no ciclo de maré analisado. A temperatura da água não apresentou variação muito significativa no seu comportamento, havendo a assinalar a distinção de duas camadas, uma superficial (mais fria) e outra próxima do fundo (ligeiramente mais quente), em todas as situações de maré. As temperaturas mais quentes correspondem à presença de água marinha, verificando-se que a estrutura térmica acompanha as variações de salinidade acima descritas.

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

6-30

Figura 6.44 – Temperatura observada na secção transversal do estuário do Guadiana, em situação de preia-mar.

Figura 6.45 – Temperatura observada na secção transversal do estuário do Guadiana, em situação de vazante.

Figura 6.46 – Temperatura observada na secção transversal do estuário do Guadiana, em situação de baixa-mar.

Figura 6.47 – Temperatura observada na secção transversal do estuário do Guadiana, em situação de enchente.

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

6-31

6.5.2.2. Salinidade e Temperatura junto à Desembocadura junto à Desembocadura ∗

Os dados de salinidade e de temperatura observados durante a Campanha WADI ANA, pelo RCM9 localizado no fundo junto à Ponta da Areia, estão expressos nas figuras 6.48 e 6.49. É, aí, possível observar o efeito muito marcado da maré na variação da salinidade. Verifica-se que em situação de maré alta a água na foz era sempre água marinha praticamente não misturada, enquanto que na maré baixa ocorreu sempre um decréscimo da salinidade por mistura entre águas fluviais e marinhas. Essa mistura possuiu maior intensidade no final do período de amostragem, provavelmente devido à ocorrência de caudais fluviais mais elevados.

A variação da temperatura é marcada por ciclos diários (dia/noite), sendo as temperaturas mais baixas coincidentes com as situações de maior mistura de água, em maré baixa nocturna. Tal indica que a água fluvial possuía temperatura genericamente inferior à da água do mar. Existe, no entanto, uma perturbação no registo, com aumento da temperatura média na fase terminal do período de amostragem, responsável pela diminuição de intensidade dos ciclos diários da temperatura.

Figura 6.48 - Variação da salinidade detectada pelo RCM9 fundeado junto à Ponta da Areia no período de 14 a 25 de

Novembro de 2000.

Figura 6.49 - Variação da temperatura registada pelo RCM9 fundeado junto à Ponta da Areia no período de 14 a 25

de Novembro de 2000.

∗ por Alexandre Braga Coli, Sandra Fachin e Óscar Ferreira

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6-32

6.6. Turbidez e Matéria em Suspensão

6.6.1. Enquadramento

Os primeiros dados sistemáticos sobre a matéria em suspensão obtidos no estuário do Guadiana foram os adquiridos em Novembro de 1977 pelo Service Environnement da Université Libre de Bruxelles, no quadro de cooperação com o Serviço de Estudos do Ambiente (Wollast et al., 1978). Trata-se de perfis longitudinais e de medições efectuadas em estação fixa (fig. 6.50).

Os dados do perfil longitudinal revelam um aumento nítido da matéria em suspensão na zona de confluência da ribeira de Odeleite (fig. 6.51). Os da estação fixa indicam a existência de um mínimo de turbidez na baixa-mar, e de um máximo na preia-mar (Wollast et al., 1978).

Figura 6.50 – Salinidade, turbidez e profundidade registadas numa estação fixa localizada frente a Ayamonte, em

9/10 de Novembro de 1977 (modificado de Wollast et al., 1978).

Figura 6.51 - Perfis longitudinais de turbidez obtidos em Novembro de 1977 (modificado de Wollast et al., 1978).

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6-33

6.6.2. Resultados

Embora se esteja, ainda, em fase de validação e processamento da informação, apresentam-se, seguidamente, alguns dos resultados já obtidos.

6.6.2.1. Secção Transversal de Turbidez ∗

A informação sobre turbidez obtida na secção transversal localizada, aproximadamente, entre V.R.Sto. António e Ayamonte, e referida no ponto 6.4.3.1., está expressa nas figuras 6.52 a 6.55.

Figura 6.52 – Turbidez (convertida em mg/l) na secção transversal do estuário, em situação de preia-mar.

Figura 6.53 – Turbidez (convertida em mg/l) na secção transversal do estuário, em situação de vazante.

Figura 6.54 – Turbidez (convertida em mg/l) na secção transversal do estuário, em situação de baixa-mar.

∗ por Alexandre Braga Coli, Sandra Fachin e J.A.Dias

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

6-34

Figura 6.55 – Turbidez (convertida em mg/l) na secção transversal do estuário, em situação de baixa-mar.

Existe tendência para as águas superficiais serem mais túrbidas do que as águas próximo do fundo, o que é mais nítido no canal de navegação e em situações de preia-mar e de vazante. É possível que tal esteja relacionado com o facto da água fluvial ter maior carga em suspensão do que a água marinha, e com a litologia do fundo que, no canal, é essencialmente arenosa, e nas margens predominantemente lodosa.

6.6.2.2. Correntometria junto à Desembocadura ∗

Os dados de turbidez (convertidos em mg/l) observados durante a Campanha WADI ANA, pelo RCM9 localizado no fundo junto à Ponta da Areia, estão expressos na figura 6.56. Tal como os outros dados observacionais, estão actualmente em fase de processamento. É, aí, possível observar o efeito muito marcado da maré.

Figura 6.56 – Variação dos valores de turbidez (convertidos em mg/l) obtidos pelo RCM9 fundeado junto à Ponta da Areia

no período de 14 a 25 de Novembro de 2000.

∗ por Alexandre Braga Coli e Sandra Fachin

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6-35

6.6.2.3. Perfil Longitudinal

6.6.2.3.1. Métodos Utilizados ∗

No sentido de determinar a variação da matéria em suspensão na coluna de água ao longo do estuário, foram efectuados, durante a campanha WADI ANA, perfis longitudinais, em dias consecutivos, em diferentes fases da maré: maré cheia, no dia 24 de Novembro entre as 11:40 e as 15:37, e maré vazia, no dia 25 entre as 06:10 e as 10:30. No primeiro dia foram ocupadas 13 estações, localizando-se a cerca de 4,5km para o exterior da desembocadura e a última em Alcoutim. No segundo dia efectuaram-se observações em 11 locais, com início a cerca de 2km a montante da foz e finalização na mesma estação do dia anterior.

O equipamento utilizado consistiu num equipamento RCM9 (conjunto correntómetro, turbidímetro, transdutores de pressão e sensores de salinidade e temperatura), 2 Garrafas de Niskin (de 8 e de 5 litros), 2 rampas de filtração de 6 copos, bombas de vácuo e balanças de precisão.

Em cada estação foram colhidas águas a 2 níveis: a cerca de 2 metros do fundo e a 2 metros da superfície. As águas colhidas foram armazenadas em contentores de 1,5 litros e, posteriormente, filtradas nas instalações do CIACOMAR. Os resultados obtidos estão expressos na figura 6.57.

Perfis Longitudinais do Guadiana - Campanha WADI ANA

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

-5000 0 5000 10000 15000 20000 25000 30000 35000 40000 45000 50000

Distância à Foz (m)

Con

c. (m

g/l)

PMSup BMSup PMFundo BMFundo

Figura 6.57 – Perfis longitudinais de concentração de matéria em suspensão perto da superfície e junto ao fundo. Os perfis representados a vermelho e laranja correspondem ao dia 24 (durante a enchente), e os azuis ao dia 25 (maré vazante).

6.6.2.3.2. Interpretação Preliminar

Os valores máximos (correspondentes ao máximo de turbidez) foram encontrados entre 20 e 35km da foz. Como era de esperar, em situação próxima de preia-mar esses máximos encontram-se localizados mais para montante do que em situação próxima de baixa-mar. Tal parece indicar que, em situações de baixo escoamento como as existentes aquando das observações, o máximo de turbidez se desloca, em cada maré, cerca de 15km.

Como é normal, a água junto ao fundo está sistematicamente mais carregada de matéria em suspensão do que a de superfície. Se, à superfície, as concentrações são análogas nos dois estados de maré, o mesmo não se verifica nas águas mais profundas, em que os valores correspondentes a preia-mar parecem ser mais elevados do que em baixa-mar. ∗ por Carla Garcia

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6-36

6.6.2.3.3. Mineralogia da Matéria Particulada em Suspensão ∗

A mineralogia da matéria em suspensão foi determinada, na Universidade de Aveiro, por difracção de Raios X, utilizando directamente os filtros que serviram para separar essa matéria da água em que se encontrava dispersa. Os resultados obtidos estão expressos nas figuras 6.58 e 6.59.

Figura 6.58 – Mineralogia da matéria particulada em suspensão próximo da superfície.

∗ por Amélia Machado

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

6-37

Figura 6.59 – Mineralogia da matéria particulada em suspensão junto ao fundo.

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7-1

7. FONTES E SORVEDOUROS DE AZOTO E ECOLOGIA MICROBIANA 1 7.1. Introdução

A eutrofização dos ecossistemas aquáticos, efeito de escorrências agrícolas e efluentes domésticos e industriais não tratados, têm sido um efeito indisputável, exaustivamente documentado, da actividade humana na sua envolvência hidrológica. A acção antropogénica têm levado ao aumento da carga em azoto (N) e fósforo (P) introduzida em bacias dulçaquícolas, estuarinas ou costeiras (Smayda, 1990). Embora N e P sejam os nutrientes mais importantes no controle do crescimento fitoplanctónico (Kilham & Hecky, 1988; Sommer, 1989), é a disponibilidade relativa de todos os recursos nutricionais, seja do ponto de vista temporal, seja do ponto de vista local, e não as suas concentrações absolutas, que desempenha um papel estruturante fundamental sobre as comunidades fitoplantónicas (Tilman et al., 1982; Sommer, 1989; Egge & Asknes, 1992; Granéli et al., 1999).

Neste âmbito, entre as alterações observáveis ao nível de ecossistema em resposta à eutrofização, Conley et al. (1993) distinguem entre duas tipologias principais: a primeira, que ocorre à medida que se verifica um enriquecimento em nutrientes das bacias aquáticas, a qual leva ao acréscimo acelerado da produção primária, seguindo-se episódios de anoxia quando do colapso da população em crescimento; a segunda, quando uma fracção crescente da população de diatomáceas é perdida por sedimentação e enterramento nos fundos das bacias, levando posteriormente a um decréscimo temporal da disponibilidade relativa deste nutriente e, eventualmente, a uma transição progressiva de dominância nas populações de fitoplancton de cadeias tróficas dominadas por diatomáceas para cadeias dominadas por flagelados e/ou cianobactérias.

Por via da maior velocidade de reciclagem de N e P em sistemas aquáticos, acrescida da carga contínua por acção humana, tem sido documentado um aumento progressivo da retenção de sílica em sedimentos de albufeiras de barragens, tanto nos EUA como na Europa (Conley et al., 1993; Humborg et al., 1997; Milliman, 1997), aumentando a carga relativa N, P para Si nos estuários a jusante, mesmo que estabilize a poluição em N e P a montante. Este facto é consequência da política de regulação de caudal por represamento (ver Humborg et al., 1997 e Milliman, 1997), levando a uma resposta do ecossistema que têm por base uma alteração profunda da estrutura trófica ao nível dos produtores primários (ver Smayda, 1990).

Com efeito, de acordo com Officer & Ryther (1980), as comunidades fitoplanctónicas podem ser divididas em duas categorias: as dominadas por diatomáceas e aquelas que não o são. O crescimento de populações de diatomáceas depende da disponibilidade em silicato dissolvido, enquanto que comunidades de fitoplancton que não incluam este grupo não depende deste recurso. É então concebível (Turner & Rabalais, 1994) uma transição de populações fitoplanctónicas silicatosas (com predominância de diatomáceas) para não-silicatosas (com menor persistência de diatomáceas) em resposta a eutrofização “cultural” (enriquecimento em N e P das bacias aquícolas estuarinas e costeiras associada geralmente ao incremento local de actividade humana, nomeadamente uso incrementado de adubos nitrogenados e/ou fosfatados, bem como aumento da poluição orgânica oriunda de sistemas de saneamento).

Esta eutrofização “cultural” de bacias aquáticas naturais têm sido o agente causal demonstrado de episódios de anoxia pontual (levando a morte repentina de todos os organismos aeróbicos na área de incidência), e tem sido relacionada com o decréscimo observado em stocks de peixe e bivalves, para além de aumento da frequência de florescências de algas potencialmente tóxicas – flagelados e cianobactérias (Turner & Rabalais, 1994; Granéli et al., 1999). A título de exemplo, Smayda (1990) documenta o caso do Mar do Norte, aonde um aumento em N e P biodísponiveis, em contraste com a estabilidade ou mesmo diminuição progressiva da quantidade de silicato dissolvido ao longo das ultimas décadas está associado ao aumento da frequência de florescências de bacterioplancton potencialmente tóxico e à diminuição da biomassa de diatomáceas.

Neste sentido, tanto Ryther & Officer (1981) como Chorus & Bartram (1999) constituem literatura de suporte, no aspecto em que sugerem, com base na análise da eficiência da transferência energética através das várias cadeias tróficas e em estudos estatísticos, que enquanto uma população de produtores primários dominada por diatomáceas estará relacionada com stocks pesqueiros ricos, uma população de produtores primários dominada por flagelados e/ou cianobactérias será menos desejável do ponto de vista da gestão de recursos aquáticos, ora porque não constitua uma base alimentar ideal para organismos superiores, ora porque esteja associada a efeitos nocivos sobre a saúde das populações locais.

1 por Helena Galvão e Carlos Rocha

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

7-2

7.2. O Caso-Estudo do Guadiana

Estudos anteriores (1980-85) no estuário do Guadiana revelaram a ocorrência de florescências de cianobacterias, geralmente associadas a elevados níveis de fósforo e azoto dissolvidos, em particular durante anos de reduzido caudal (Cabeçadas e Brogueira, 1981; Oliveira, 1985). Estas florescências de cianobactérias tem sido cada vez mais frequentes, desde a década de 80 (na década de 90, ocorreram em níveis variados todos os anos, desde 96 a 2000), muito embora um largo espectro de caudais de água doce tenha sido observável durante esse período. Resultados obtidos durante o biénio 96-98 (programas INTERREG-II) sugerem um padrão repetitivo (ver Fig. 7.1 e 7.2) de sucessão de diversas espécies fitoplanctónicas dulçaquícolas, com o ciclo a iniciar com uma florescência de diatomáceas no início da primavera, em resposta ao aumento da temperatura e intensidade luminosa, e a descargas pronunciadas de azoto e fósforo durante os meses anteriores. Esta florescência de um grupo de crescimento rápido esgota rapidamente o nutriente mais desfavorecido pelas descargas controladas de inverno, a sílica, condicionando o ambiente trófico futuro a espécies que não dependam deste micronutriente para crescimento.

Month (1997/98)

5

10

15

20

25

30

35

Dist

ance

up-

river

(km

)

Cyanobacteria

M A M J J A S O N D J F M

5

10

15

20

25

30

35

Diat

ance

up-

river

(km

)

Clorophytes

5

10

15

20

25

30

35

Dist

ance

up-

river

(km

)

Diatoms

>-1.5E+004

>0.0E+000

>3.5E+003

>7.0E+003

>1.5E+004

>3.6E+004

>5.8E+004

>7.9E+004

>1.5E+005

Figura 7.1.∗ - Gráfico de interpolação agregando distribuições longitudinais e variação sazonal das abundâncias

de grupos específicos de fitoplanctôntes (Diatomáceas, Clorofitas e Cianobactérias) em estações de amostragem seleccionadas de modo a representar o gradiente de salinidade do estuário. A barra de escala representa abundâncias em células.ml-1.

∗ figura adaptada de Rocha, Galvão e Barbosa, “Role of transient silicon limitation in the development of cyanobacteria blooms in the Guadiana estuary, south-western Iberia”, em revisão para publicação em Marine Ecology Progress Series

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

7-3

As conclusões do trabalho prévio apontam para que a redução muito significativa do caudal verificada nos meses de Primavera e Verão, dado o controle exercido pelas barragens a montante, potencia um ambiente de recursos nutricionais dissolvidos durante os meses mais quentes caracterizado pela predominância de baixos rácios Si:N e N:P biodisponíveis, situação que, acoplada a uma elevada temperatura média da coluna de água (> 21 ºC), parece fornecer condições ideais para o domínio de cianobactérias sobre as restantes espécies fitoplantónicas no alto Guadiana.

0,01 0,1 1 10 1000,1

1

10

100

1000

10000

Si:N Molar ratio

0,01 0,1 1 10 1000,1

1

10

100

1000

10000

0,01 0,1 1 10 100

N:P

Molar R

atio

0,1

1

10

100

1000

10000High estuary (S<5') Mid estuary (5'<S<20')

Low estuary (S>20')

0,01 0,1 1 10 1000,1

1

10

100

1000

10000

N:P=16

Si:N=1Si:P

Figure Key

P, Si, N

Si, P, N

Si, N, PN, Si, P

N, P, Si

P, N, Si

a b

c

Figura 7.2.∗ - Representação esquemática (Log-Log) da variação sazonal da biodisponibilidade relativa de

nutrientes no estuário do Guadiana em 1997. Os símbolos cinzentos representam valores médios analisados nas estações representadas durante um mês específico. Símbolos mais pequenos a branco indicam medidas individuais numa determinada estação; a. Estações de amostragem localizadas no alto estuário (a montante do máximo de turbidez); b. Estações de amostragem localizadas na zona intermédia (salobra) do estuário; c. Zona da pluma estuarina. Linhas horizontal e vertical estabelecem respectivamente o racio N:P de Redfield et al., (1963) e o rácio Si:N de Brzezinski (1985). A linha diagonal estabelece o rácio agregado (Si:N:P=16:16:1). Na chave da figura indicam-se em cada octante a sequência previsível de limitação nutricional ao crescimento fitoplantónico.

∗ figura adaptada de Rocha, Galvão e Barbosa, “Role of transient silicon limitation in the development of cyanobacteria blooms in the Guadiana estuary, south-western Iberia”, em revisão para publicação em Marine Ecology Progress Series

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

7-4

As condições no Outono, em termos de biodisponibilidade relativa de nutrientes na coluna de água não parece melhorar se não se verificarem períodos de chuva logo a partir de Setembro/Outubro. Com efeito, à semelhança do que ocorreu em Out/Nov de 1996, ano seco, é de prevêr que sempre que não chova a partir do inicio do Outono, ocorrerão florescências recorde de cianobactérias durante este período.

7.3. Metodologia

Tendo em vista os resultados conseguidos anteriormente pelo grupo de biogeoquímica microbiana, a estratégia seguida na execução científica do projecto EMERGE centrou-se no estudo e avaliação da importância do acoplamento entre os compartimentos pelágico e bentónico, na medida estrita em que seria necessário estabelecer uma relação concreta entre os processos de senescência e sedimentação dos blooms de cianobactérias e a libertação de toxinas para o meio. De facto, é demonstrável que o único processo bem descrito (ver Chorus & Bartram, 1999) que terá como resultado a libertação de cianotoxinas do interior de cianobactérias para o meio aquoso, é o da destruição das células, seja em caso de ingestão acidental, tratamento de águas para consumo, predação, senescência do bloom por inversão da dinâmica nutricional ou sedimentação seguida de decomposição. De qualquer modo, um ponto comum às possibilidades mencionadas seria a sedimentação. Uma vez que antes do programa EMERGE, a sedimentologia, bem como a interacção entre os processos pelágicos ao nível das populações de produtores primários e os processos de transferência de massa entre os sedimentos e a coluna de água careciam de estudo no estuário do Guadiana, optou-se por abordar esta questão ao nível da execução das sub-medidas INTERFLUX e CIANOTOX.

Assim, a investigação desenvolvida centrou-se nos vectores de potencial acumulação e/ou libertação de toxinas para a coluna de água, a saber: libertação dos sedimentos por senescência de células depositadas, ataque viral e colapso e senescência na coluna de água por inflecção da dinâmica nutricional. Para tal, face aos constrangimentos tanto financeiros, como logísticos, optou-se pela seguinte sequência de linhas de acção a seguir:

1. Desenvolvimento de meios de medida “in-loco” da troca de compostos químicos (essencialmente silicatos dissolvidos e compostos azotados) entre os sedimentos e a coluna de água.

2. Execução de saídas de campo de amostragem, na zona fluvial do estuário, com o objectivo de colher amostras em diferentes alturas do ano e estabelecer uma relação entre o material orgânico sedimentado e a sucessão de espécies fitoplantónicas dominantes na coluna de água.

3. Recolher amostras, tanto de água como de sedimentos, destinadas a posterior análise quantitativa do conteúdo em toxina Mycrocistina-LR, seja por HPLC (Cromatografia Liquida de Alta Pressão), GC-MS (Cromatografia Gasosa com acoplamento de Espectrometria de Massa, ou testes ELISA (Enzyme Lynked Immuno Sorbent Assay).

4. Em conjunto com meios agregados a outros projectos, retirar amostras de sedimento ao longo de um transecto longitudinal do Guadiana, de modo a estabelecer zonas de preferencial acumulação de material fitoplantónico em senescência no fundo. Este estudo preliminar permitiria no futuro definir zonas de estudo da senescência de material biológico no fundo do Rio, com vista ao planeamento de um eventual plano regular de monitorização.

7.3.1. Descriminação das acções realizadas

7.3.1.1. Acções de campo

Desenvolvimento e teste de câmaras de fluxo bêntico: No período compreendido entre Janeiro a Maio de 2000, foram construídas e testadas e optimizadas câmaras de fluxo bêntico a utilizar na medição “in-loco” de transferência de compostos químicos dissolvidos entre o sedimento e a coluna de água do Guadiana. De notar que o financiamento desta acção não foi canalizado pelo projecto EMERGE, uma vez que o corte orçamental imposto não o permitia. As saídas de campo de colocação de câmaras realizaram-se apenas em Mértola, uma vez que a utilização de mergulhadores, por falta de apoio naval, esteve circunscrito a saídas a partir de terra. O cais de Mértola foi escolhido como base destas actividades por diversas razões, incluindo a existência de um cais com escada, a proximidade de zona habitada por forma a garantir um mínimo de apoio em caso de acidente e o facto de esta localidade se encontrar bem dentro da zona de água doce do rio, o que propiciaria à partida garantias de que se observasse a presença e desenvolvimento de florescências de cianobactérias.

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

7-5

Saídas de campo: Realizaram-se saídas de campo para colheita de amostras em Mértola e Alcoutim, nos meses de Junho, Julho, Setembro, Outubro e Novembro de 2000. Foram colhidas amostras de água e sempre que possível, de sedimentos, aonde se analisou o teor em nutrientes (fosfatos, silicatos, nitratos e amónia), teor em clorofilas e faeopigmentos e conteúdo em matéria orgânica. As amostras de água foram pré-tratadas no local para posterior concentração de microalgas potencialmente tóxicas e toxinas derivadas, tratamento que foi dado também à água intersticial dos sedimentos colhidos na altura. Durante as mesmas saídas de campo, as câmaras de fluxo bêntico foram instaladas com apoio de mergulhador de forma a estudar-se no local a troca de compostos entre o fundo e a coluna de água. Amostras de água foram também colhidas para análise da composição em fitoplancton e quantificação do bacterioplancton presente por microscopia de epifluorescência.

7.3.1.2. Análises preparatórias

Análise de teor em ciano-toxinas de amostras de água recolhidas durante 1999: As amostras de água colhidas durante o ano de 1999 em Alcoutim e Guerreiros do Rio, foram pré tratadas por extracção sólido-liquido em cartuchos concentradores de sílica C-18. Durante os meses de Janeiro a Março de 2000, estas amostras foram levadas aos Estados Unidos da América, à Universidade de Wright State, Ohio, para detecção e quantificação de microcistinas através da realização de teste ELISA (Enzyme Lynked Immuno Sorbent Assay) depois de reconstituídas em metanol. Verificou-se que a água colhida no Guadiana continha Microcistina, uma hepato-toxina, em quantidades mensuráveis durante todo o ano de 1999, embora com maior acuidade durante o Verão (Agosto-Setembro). Estas toxinas, a confirmar-se a sua persistência em quantidades equivalentes ou superiores às medidas (1,5-5 ng.g-1 de seston a montante de Alcoutim), poderão constituir um sério risco à saúde publica, bem como à agro-pecuária da região, uma vez que estão relacionadas com a ocorrência de gastroenterites em humanos, mortalidade e cancro em mamíferos. No entanto, as análises à composição por espécies da população de microalgas no Guadiana identificou a presença de espécies produtoras de outras toxinas, como Anabaena sp., que está relacionada com a produção de uma neurotoxina, a Anatoxina, que poderá constituir um perigo para a saúde, uma vez que ataca o sistema nervoso de mamíferos superiores, produzindo a sua paralisia total ou parcial. Para a detecção eventual da presença desta toxina, estão a ser colhidas amostras de água com periodicidade mensal, a fim de serem analisadas por Cromatografia Líquida de Alta Pressão (HPLC) e Espectrometria de Massa acoplada a Cromatografia Gasosa (GC-MS), análises essas que decorrerão na Universidade de Wright State, EUA.

7.3.1.3. Acções potenciadoras de futuros estudos de monitorização

Estudo e localização dos locais privilegiados de deposição de blooms de microalgas: De modo a estudar, no âmbito de potenciais acções de monitorização mais alargadas no futuro, a degradação dos blooms de microalgas potencialmente tóxicas, realizaram-se colheitas de sedimentos ao longo de um transecto longitudinal do estuário, por forma a determinar as quantidades de clorofila em degradação no sedimento e as zonas de deposição mais acentuada. Este estudo será fundamental para se determinar a relação entre o colapso de blooms de fitoplancton e a zona de libertação de compostos eventualmente tóxicos.

Virologia: Por forma a verificar a hipótese de existência de vírus especialmente adaptados às células de microalgas tóxicas, que ao se reproduzirem, provocassem a senescência das células com consequente libertação de toxinas para o meio aquoso, efectuaram-se preparações de amostras colhidas no Guadiana para Microscopia Electrónica de Transmissão, que foram analisadas na Universidade de Aveiro, para quantificação aproximada de VLP (Virus Like Particles).

Manutenção de culturas: Estão a decorrer em laboratório, ensaios de isolamento e cultura de cianobactérias originárias de amostras colhidas no Guadiana, de modo obter-se um isolado de cianobactérias potencialmente tóxicas funcional em posteriores experiências de fisiologia nutricional e dinâmica de crescimento com aplicação em eventuais estudos de bio-remediação e de gestão da qualidade da água na bacia do Guadiana.

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7-6

7.4. Localização das Estações de Amostragem

A Figura 7.3 representa a localização das diversas estações de amostragem no estuário do Guadiana.

Figura 7.3. - Localização das estações de amostragem. À esquerda, estações já estabelecidas em anos anteriores

para monitorização de parâmetros de qualidade da água. Operações de mergulho tiveram lugar em Mértola. Medidas de concentração de Microcistina-LR durante o ano de 1999 obtiveram-se a partir de amostras de água colhidas entre o Mértola e Guerreiros do Rio (Estação 7). À direita (mapa cortesia do Instituto Hidrográfico), estão representadas as estações de colheita de amostras sedimentares de fundo, ao longo de um transecto longitudinal do estuário, executado em Novembro de 2000 durante a campanha WADI ANA. Todas as posições estão em coordenadas militares, datum Lisboa. Estas coordenadas não são mais do que distâncias, em metro (X para Este, Y para Norte), contadas a partir de um ponto arbitrariamente definido a SW do cabo de S. Vicente.

250000 255000 260000 265000 270000 275000

250000 255000 260000 265000 270000 275000

15000

20000

25000

30000

35000

40000

45000

50000

55000

60000

65000

70000

15000

20000

25000

30000

35000

40000

45000

50000

55000

60000

65000

70000

25

26

27

28

29

30

Pomarão

Alcoutim

Foz de odeleite

V.R. Sto. António

Turismar

Amostras de Fundo noEstuário do Guadiana

Percurso e estações

25 Nov 1999

SIRIA 2000-11(WADI ANA)

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7-7

7.5. Resultados

7.5.1. Coluna de água

Na Figura 7.4 estão representados as abundâncias de cianobactéria pertencentes ao género Microcystis, medidas na coluna de água, bem como os níveis de Clorofila a e faeopigmentos na em Mértola e Alcoutim durante as amostragens de 2000.

Mértola

1-Jun 5-Jul 26-Jul 19-Set 9-Out

TCN

(Log 103 cel.m

l-1

)

1

10

100

1000

10000

Microcystis

Alcoutim

Data de amostragem (Ano de 2000)

1-Jun 5-Jul 26-Jul 19-Set 9-Out1

10

100

1000

10000

1-Jun 5-Jul 26-Jul 19-Set 9-Out

Concentração (µg.l

-1)

0

5

10

15

20

25Clorofila aFaeopigmentos

1-Jun 5-Jul 26-Jul 19-Set 9-Out0

5

10

15

20

25

Figura 7.4. Abundâncias medidas de cianobactérias pertencentes ao género Microcystis, em Mértola e Alcoutim (à

esquerda), durante as amostragens realizadas no ano de 2000, bem como a evolução da concentração em Clorofila a e faeopigmentos, nos mesmos locais (à direita).

Os resultados descritos na Figura 4 mostram que, a exemplo dos anos anteriores, e em concordância com os postulados a partir de estudos realizados sobre dados anteriores da coluna de água (ver secção 2.), que a partir de Julho inicia-se um período de fluorescência de cianobactérias do género Microcystis, com abundâncias em Mértola atingindo valores superiores a 1×106 células/ml. As abundâncias decrescem para jusante, e as concentrações de pigmentos na coluna de água reflectem o crescimento acentuado de biomassa.

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7-8

7.5.2. Fluxos sedimento-água

A Figura 7.5 mostra um esquema em corte da câmara desenvolvida para medição in-situ de troca de compostos entre o sedimento e a coluna de água.

Figura 7.5. - Esquema em corte da câmara de fluxo bêntico desenvolvida para medir “in-loco” o intercâmbio de

compostos químicos entre os sedimentos e a coluna de água. 1. Amostra de água encerrada em contacto com os sedimentos (volume interno 25 dm3, cobrindo uma área de 5,7 dm2); 2. Compartimento de motor eléctrico, estanque, incluindo baterias e integrado de regulação da velocidade de agitação; 3. Agitador, em forma de disco, destinado a manter o volume interno homogeneizado durante o tempo de incubação; 4. Porto de amostragem. A câmara inclui ainda um dispositivo de compensação do volume amostrado, e é colocada no local enterrando-se a base cortante cerca de 15 cm dentro do sedimento, aonde fica estabilizado devido à saia. Toda a câmara é construída de material acrílico, excepto o centro electrónico de controle – autonomia de funcionamento, cerca de seis horas a uma profundidade de 12 metros.

Executaram-se até Junho vários testes e aperfeiçoamentos do desenho original, de modo a incrementar a funcionalidade da câmara. De notar que todo este processo foi financiado por outros projectos, dada a redução do orçamento previsto em cerca de 50% em relação ao valor original. No entanto, os teste realizados, em comparação com incubações laboratoriais de testemunhos verticais de sedimento colhidos in-situ, bem como com a forma e magnitude dos perfis de nutrientes encontrados nos sedimentos de Mértola, demonstraram inequivocamente que o uso de incubações laboratoriais não é comportável com a medida correcta da magnitude das transferências de compostos químicos entre o sedimento e a coluna de água, fruto com certeza do longo interregno que medeia entre a colheita de amostras e a chegada ao laboratório. Este longo período, sem controle de temperatura eficaz e com elevada manipulação e agitação dos testemunhos verticais durante a viagem contribui com certeza para o desvirtuamento dos resultados finais, enquanto que os resultados das câmaras condizem com o esperado pela análise dos perfis sedimentares de concentração, que são obtidos de amostras pré-processadas e fixadas in-loco, logo após a colheita. Deste modo, parece crucial a utilização de equipamentos deste tipo se no futuro se pretender estudar a transferência de compostos entre o sedimento e coluna de água no estuário do Guadiana.

7.5.3. Distribuição vertical de nutrientes, pigmentos e matéria orgânica nos sedimentos de Mértola.

De seguida, são apresentados os resultados obtidos pela análise dos gradientes de variação em perfil vertical da concentração de nutrientes na água intersticial dos sedimentos colhidos em Mértola, para três amostragens, nomeadamente 1 de Junho, 29 de Julho e 9 de Outubro de 2000, que correspondem a três períodos postulados como críticos na sucessão fitoplanctónica característica do estuário: fim de florescência de Primavera, fim de florescência

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7-9

de clorófitas e pleno desenvolvimento do bloom dominante da cianobactéria do género Microcystis (ver também secções 7.2. e 7.5.1.).

Nos sedimentos colhidos no mês de Junho, observa-se uma relação positiva, estatisticamente significativa, entre a distribuição vertical de Si(OH)4 nas águas intersticiais dos sedimentos e as correspondentes concentrações de tanto pigmentos viáveis (Clorofila a) como subprodutos de degradação de pigmentos (Faeopigmentos). Esta relação suporta, como esperado (ver secção 7.2), o facto de no final da Primavera, inicio do Verão, a hipótese de senescência e sedimentação maciça do bloom primaveril de diatomáceas.

Pigmentos (µg.m-2)

0 200 400 600 800

Profundidade no sedimento (cm

)

0

2

4

6

Clorofila a

Phaeopigmentos

Pigmentos (µg.m-2)

0 200 400 600

Si(OH

)4 intersticial (µm

ol.dm-3

bulk)

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Chl a Phaeo

Si(OH)4 (µmol.dm -3 bulk)

0 10 20 30 40

0

2

4

6

NH4+ (µmol.dm -3 bulk)

0 20 40 60 80 100

Silicato

Amonio

A B

C

Figura 7.6 - Perfis verticais da distribuição de A. Clorofila a e Faeopigmentos e B. de nutrientes (NH4

+, Si(OH)4 )

na água intersticial dos sedimentos em Mértola – Situação de 1 de Junho de 2000. C. Relações observadas entre o gradiente de pigmentos e o gradiente de silicato dissolvido na água intersticial – Chlª a vs Si(OH)4 -R2=0,892, n=7, P<0,05; – Faeopigmentos vs Si(OH)4 -R2=0,892, n=7, P<0,05.

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7-10

De notar ainda (Fig. 7.6 B) o elevado máximo de concentração de amónio, na zona sub-superficial do sedimento, indicando remineralização acentuada de material orgânico recentemente depositado, contendo ainda alguma quantidade de compostos azotados, naquela região, muito próxima da superfície de contacto com a água. Estas observações suportam a tese explanada anteriormente, segundo a qual no final da primavera, a população de diatomáceas entre em colapso devido à escassez crescente de silicato biodísponivel em solução. Com efeito, a concentração deste micronutriente na altura, na coluna de água era já inferior a 5 µmol.l-1, estando já na faixa claramente limitante de crescimento em aceleração sustentada de um bloom de diatomáceas.

Si(OH)4 (µmol.dm -3 bulk)

0 50 100 150 200 250

0

2

4

6

NH4+ (µmol.dm -3 bulk)

0 50 100 150 200 250

Si (OH)4

NH4+

Pigmentos (µg.m -2)

0 200 400 600 800 1000 1200

Profundidade no sedimento (cm

)

0

2

4

6

Clorofila a

Phaeopigmentos

PO43- ; NO3

- + NO2- (µmol.dm -3 bulk)

0 5 10 15 20 25 30

0

2

4

6

Matéria Orgânica (%)

0 1 2

PO43-

OM (%)

NO3- + NO2

-

A B C

Figura 7.7 - Perfis verticais na água intersticial dos sedimentos em Mértola, da distribuição de A. Clorofila a e

Faeopigmentos; B. de nutrientes (NH4+, Si(OH)4); Situação de 26 de Julho de 2000. C. PO4

3-, NO2- +

NO3- e percentagem de matéria orgânica por peso de sedimento seco.

A análise da situação cerca de dois meses depois, a 29 de Julho (Fig. 7.7) já mostra uma situação completamente diferente: com efeito, nesta altura não existe relação observável entre os silicatos e os pigmentos presentes nos sedimentos, encontrando-se os primeiros numa concentração muito elevada no interior da coluna sedimentar, o que indica que a biomassa constituinte do bloom sedimentado na Primavera já foi remineralizada, sendo agora o sedimento uma fonte difusa de silicatos para a coluna de água. Este ultimo facto é confirmado pelas medições de fluxos realizadas in-situ com recurso às câmaras bênticas, aonde foi possível quantificar a taxa de transferência de silicato para a coluna de água à razão de 3,98 µmol.dm-2.h-1. No entanto, os gradientes verticais de pigmentos mostram que depois de um interregno (correspondente a um mínimo de concentração em redor dos 1,5 cm de profundidade), uma nova fase de deposição acentuada de material orgânico ocorre nesta altura, correspondendo ao máximo relativo justamente á superficie do sedimento. O anterior pico, com elevada fracção faeopigmentos/clorofila encontra-se ao nível do máximo sub-superficial de silicatos (Fig. 7.6 B).

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7-11

PO43- (µmol.dm -3 bulk)

0 1 2 3 4 5

0

2

4

6

Matéria Orgânica (%)

0 1 2 3 4 5

PO43-

OM (%)

Si(OH)4 (µmol.dm -3 bulk)

0 50 100 150 200 250

0

2

4

6

NH4+ (µmol.dm -3 bulk)

0 50 100 150 200 250 300

Si (OH)4

NH4+

Pigmentos (µg.m -2)

0 200 400 600 800 1000 1200 1400

Profundidade no sedimento (cm

)

0

2

4

6

Clorofila aPhaeopigmentos

A B C

Matéria Orgânica (%)

1 2 3 4

Pigmentos (µgm

-2)

0

200

400

600

800

1000

1200

Chl aPhaeop

D

Figura 7.8 - Perfis verticais na água intersticial dos sedimentos em Mértola, da distribuição de A. Clorofila a e

Faeopigmentos; B. de nutrientes (NH4+, Si(OH)4

+); Situação de 9 de Julho de 2000. C. PO43-, NO2

- + NO3

- e percentagem de matéria orgânica por peso de sedimento seco; D. Paralelismo observado entre o enriquecimento orgânico e o aumento da concentração de pigmentos extraíveis.

Os perfis de compostos azotados e ortofosfatos sugerem que o material em decomposição possui um elevado rácio N:P, numa gama que varia de 20 a 15, o que suporta os estudos anteriores de dinâmica fitoplantónica na coluna de água (ver Fig. 7.1 e 7.2), na medida em que este é o rácio ideal de incorporação de nutrientes por parte da generalidade das clorófitas. Nesta medida, os resultados do mês de Julho suportam o paradigma sugerido pelos estudos realizados na coluna de água nos anos anteriores, segundo o qual é no mês de Julho que a dominância de clorófitas começa a dar lugar à seguinte fase da sucessão, em que predominam as cianobactérias. Este facto é também visível na Figura 4, em que se mostra que de facto as abundâncias de cianobactérias do género Microcystis estão em pleno crescimento. Este é o período em que a dinâmica nutricional no estuário do Guadiana se torna mais favorável à predominância de cianobactérias: baixos rácios N:P e Si:P disponíveis na coluna de água.

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7-12

Em Outubro (Fig. 7.8C) o sedimento em Mértola evidência uma elevada acumulação de material orgânico relativamente à situação observável em Julho (Fig. 7.7C), com correspondentes aumentos significativos de pigmentos em degradação (Fig. 7.8 A). De facto, o acréscimo de material orgânico sedimentado é de cerca de 1-2 % em peso seco, quase duplicando a quantidade existente em Julho, numa proporcionalidade quase directa com a quantidade de pigmentos em degradação (Fig. 7.8D). A existência de gradientes consistentes destes dois parâmetros até cerca de 2,5 cm de profundidade sugere que o apport de material particulado orgânico para os sedimentos tenha sido contínuo, desde Julho.

7.6 Conclusões e Perspectivas Futuras

Os resultados práticos e conclusões deste trabalho permitem-nos estabelecer um acoplamento entre os compartimentos bêntico e pelágico no estuário do Guadiana, através da ligação verificada entre os processos tróficos ao nível da sucessão de grupos funcionais diferenciados de produtores primários e os processos físicos, químicos e bioquímicos em acção sobre os fundos do estuário. As amostras já recolhidas, tanto de água como de sedimentos, e preservadas para posterior análise permitir-nos-ão confirmar ou não a hipótese de ser de facto o fundo do estuário, na zona alta, uma fonte importante não só de compostos remineralizados, como também de toxinas. Este facto permitirá circunscrever futuros programas de monitorização a zonas específicas do estuário, estreitando a área de acção no que respeita à avaliação do tempo de retenção das cianotoxinas produzidas em forma viável, tóxica.

Por outro lado, o forte acoplamento verificado entre os sedimentos e a coluna de água permitiu confirmar in-loco a hipótese já posta pelos investigadores responsáveis sobre os agentes causais da frequente ocorrência de fluorescências potencialmente tóxicas no estuário alto do Guadiana. Aparentemente, os resultados apontam para que um constrangimento ainda maior do caudal normal do Guadiana induzirá efeitos imprevisíveis sobre o ecossistema, uma vez que um acréscimo de retenção de água conduzirá certamente a uma mais acentuada retenção de sedimentos a montante. Dada a estreita relação verificada entre estes e os processos pelágicos de produção primária, certamente que ocorrerá um efeito directo, mas por ora não quantificável, mas que convirá seguir atentamente no futuro.

A estreita relação entre os dois eco-compartimentos é ainda motivo de interesse na medida em que se sempre se verificou desta forma, será possível com uma amostragem cuidadosa de testemunhos sedimentares profundos, quer em plena zona de deposição deltaica, quer nos fundos das represas a montante, reconstituir temporalmente as alterações sofridas pelo ecossistema ao longo dos tempo, informação de sumo interesse para a avaliação das possíveis alterações do ecossistema à acção humana.

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8-1

8. Morfologia do Fundo Estuarino 1

8.1. Prospecção Geofísica ∗

8.1.1. Introdução

A geologia e estrutura da parte superficial do estuário do rio Guadiana foi estudada através da realização de perfis sísmicos de muito alta resolução (3,5 kHz) e registos de sonar de pesquisa lateral. Estes registos foram obtidos durante a prospecção geofísica efectuada no interior do estuário do Guadiana, durante a campanha WADI ANA. Os principais objectivos deste estudo foram a caracterização morfológica dos fundos do estuário (tentando-se determinar quais as zonas dominadas por sedimentos e quais as que possuem afloramentos rochosos), definir os padrões de transporte sedimentar junto ao fundo e obter informação sobre as direcções das correntes no estuário.

8.1.2. Métodos

A prospecção geofísica no interior do estuário, efectuada durante a campanha WADI ANA, realizou-se entre os dias 19 e 21 de Novembro, a bordo da embarcação Esmeralda Azul. Foi utilizado o seguinte equipamento: 1) Sistema sísmico de muito alta resolução (3,5 kHz ou “mud penetrator”); 2) Sistema sísmico de alta resolução (Uniboom, Geopulse™). 3) Sonar de pesquisa lateral (SSS). Os perfis sísmicos foram obtidos quer paralelamente quer perpendicularmente ao principal canal do estuário, enquanto que os registos de sonar foram obtidos de forma paralela ao canal principal, cobrindo quase por completo o fundo do estuário. Durante a campanha, obtiveram-se cerca de 250 quilómetros de registos geofísicos . A distribuição geral dos perfis de sonar de pesquisa lateral e de reflexão sísmica de muito alta resolução (3,5 kHz) está representada na Figura 8.1.

Para a caracterização sub-superficial do estuário, utilizaram-se principalmente os perfis sísmicos de 3,5 kHz, que proporcionam uma elevada resolução nas camadas superficiais, e os registos de sonar de pesquisa lateral, que dão informação sobre as principais características morfológicas. Apresenta-se, em seguida, uma descrição muito simples de cada um destes equipamentos:

a) 3,5 kHz (Mud Penetrator). Trata-se de um sistema de reflexão sísmica que permite elevada resolução (10-30 cm) e uma reduzida penetração (30-60 m), dado que opera em frequências muito elevadas, utilizando um transmissor-receptor multi-frequência variável de forma continua entre 3-11 kHz. Na referida campanha, a escala vertical escolhida foi de 100 ms. Este equipamento é utilizado para obter perfis sísmicos das camadas superficiais de sedimento não consolidado. Com este sistema, obteve-se informação dos processos sedimentares mais recentes e/ou actuais. O sistema pode ser subdividido em vários subsistemas:

- Transmissor/Receptor, que é o módulo de controlo e modificação do sinal

- Transceptor ORE “Mud penetrator” (3.5 kHz), mod. 140 (Figura 8.2). É uma eco-sonda de grande precisão, cujo funcionamento está baseado na transformação da energia eléctrica em energia acústica

- Registador gráfico, onde as imagens são representadas

- Módulo de controlo.

b) Sonar de pesquisa lateral. É um sistema acústico que opera com frequências tão elevadas (100-500 kHz) que não permite a penetração das ondas no fundo marinho. O sistema emite feixes laterais em bandas estreitas e na perpendicular à direcção do perfil. Como resultado, obtêm-se perfis sonográficos que podem atingir larguras de até 500 m. Na campanha WADI ANA, a largura do perfil foi de 75 m. Estes registos permitem obter informações sobre a morfologia e a topografia do fundo e, também, das características físicas dos materiais. O sistema geral consta de vários sub-sistemas (Figura 8.3):

- “Peixe” do sonar de pesquisa lateral, de dupla frequência, KLEIN, mod. 422S-101HF, que apresenta lateralmente dois transdutores cerâmicos que transformam o sinal eléctrico num impulso de pressão que se transmite por toda a coluna de água

- Registador digital de 4 Canais com “mapping”, KLEIN, mod. 595.

1 por J. Alveirinho Dias, Francisco Lobo, Óscar Ferreira e Ramon Gonzalez ∗ por Francisco Lobo, J. Alveirinho Dias e Óscar Ferreira

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

8-2

Figura 8.1: Localização dos registros de sónar de barrido lateral e perfis de 3,5 kHz no estuário do rio Guadiana.

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

8-3

Figura 8.2 - Sistema 3,5 kHz: A) Cerâmicas do transceptor ORE “Mud Penetrator” B) Localização do 3,5 kHz no

exterior da embarcação.

A metodologia utilizada foi a tradicionalmente utilizada em estudos da morfologia dos fundos marinhos. Consiste na discriminação das zonas de afloramentos rochosos e das zonas com cobertura sedimentar. Posteriormente, caracterizam-se as morfologias sedimentares, de natureza deposicional ou erosiva. Entre as lineações mais características encontram-se as formas de fundo, cujo estudo proporciona informação sobre as direcções predominantes das correntes e do transporte sedimentar. Neste estudo, para caracterizar as formas de fundo, adoptou--se a nomenclatura de Ashley (1990), que utiliza o nome genérico de dunas submarinas para designar as formas com uma morfologia característica. Os termos dunas de areia e “megaripples” podem considerar-se sinónimos.

A descrição das formas de fundo baseia-se na análise morfológica das mesmas. A elevada resolução dos perfis sísmicos de 3,5 kHz e dos registos de sonar de pesquisa lateral permite a definição das características externas das dunas submarinas (caracterização das formas de fundo). Após a definição das formas de fundo nos perfis sísmicos e nos registos de sonar, determinaram-se as propriedades geométricas das maiores dunas. A determinação da altura das dunas é um dos parâmetros necessários à caracterização detalhada das mesmas (Harris, 1989). Para o cálculo das alturas considerou-se uma velocidade média de propagação de 1500 m/s. A orientação e a extensão lateral foram determinadas a partir dos registos de sonar, sempre que possível. A forma, das cristas, em planta, varia em função da velocidade efectiva da corrente, podendo-se distinguir dois tipos fundamentais de dunas em função da forma das cristas: 1) Dunas 2D (caracterizadas por cristas rectilíneas e alturas uniformes ao longo da crista. 2) Dunas 3D (caracterizadas por cristas com formas onduladas) (Dalrymple and Rhodes, 1995).

Dias & Ferreira (Coord) Projecto EMERGE – Estudo Multidisciplinar do Estuário do Rio Guadiana (2001)

8-4

Figura 8.3 - Sistema de sonar de pesquisa lateral: A) “Peixe” de dupla frequência KLEIN; B) Registador digital de

4 Canais com “mapping” KLEIN.

8.1.2. Resultados

No estuário do rio Guadiana, o estudo dos processos sedimentares recentes tem sido dirigido para a evolução das margens (Morales, 1997) ou, mais recentemente, para a evolução do domínio estuarino mais influenciado pelas condições marinhas (González et al., 2000). No entanto, os processos sedimentares recentes no canal do Guadiana não tinham sido abordados, até ao momento.

Neste relatório descrevem-se as principais características morfológicas que caracterizam o troço superior da parte terminal do estuário do Guadiana (figura 8.1). A restante informação encontra-se em fase avançada de processamento.

Neste troço identificou-se uma série de campos de dunas submarinas, em função da sua relação com a batimetria. A simetria das dunas é indicada nas figuras respeitantes aos registos. Quando as dunas apresentam assimetria, as flechas indicam o sentido da vergência (sentido para onde aponta a face mais declivosa). Quando as dunas são simétricas , existem flechas nos dois sentidos, perpendiculares à crista das dunas.

A descrição destes campos de formas de fundo é apresentada em seguida, de Norte para Sul (ou seja, de montante para jusante):

a) Campo 1: localiza-se a uma profundidade média de 7,5 m, e encontra-se limitado a sul por uma elevação batimétrica, onde se atinge uma profundidade mínima de 3,5 m. Neste campo, a maior parte das formas de fundo são assimétricas com vergência dirigida para NW e para N. As dimensões das dunas são reduzidas (<1 m de altura), excepto nas proximidades da elevação batimétrica, onde existem algumas formas com alturas compreendidas entre 1,5 e 2 m.

Na parte mais setentrional deste campo (Figura 8.4), a direcção das cristas varia entre N 30° E e N 50° E, excepto localmente, identificando-se algumas cristas com direcção N 75° E. A existência de uma zona caracterizada por uma resposta acústica reflectiva, indicativa de uma cobertura sedimentar reduzida, estabelece o limite com as dunas mais meridionais neste campo, cujas cristas estão caracterizadas por orientações N 105° E. Neste campo setentrional as

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dunas apresentam uma geometria dominante de 2D. Na parte mais próxima da elevação batimétrica, as maiores formas de fundo caracterizam-se por possuírem cristas com direcção N 55° E e um perfil simétrico.

Figura 8.4: Imagem de sonar de pesquisa lateral obtida no campo 1, onde se vêm as dunas submarinas.

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b) Campo 2: é constituído pelas formas de fundo que se localizam sobre a elevação batimétrica. A elevação vai-se tornando menor para sul, aumentando a profundidade de 3,5-4 m até 7,5 m. Na parte menos profundas as morfologia são caracterizadas por relevos muito suaves, com alturas moderadas (<1 m), possuindo no entanto extensão lateral considerável. A maior parte das dunas apresenta assimetria com vergência para WNW. Na parte mais profunda da elevação, as dunas apresentam dimensões mais reduzidas, indicando diminuição da velocidade da corrente. As dunas mais setentrionais possuem vergência para SE e ESE, enquanto que as mais meridionais se encontram direccionadas para NW e WNW. Na zona de transição, as dunas são simétricas. A direcção principal das cristas das dunas é N 20° E, e a maior parte delas são do tipo 2D (Figura 8.5). No entanto, na parte meridional deste campo, próximo a um canal submarino, as dunas são do tipo 3D; Estas são caracterizadas por uma direcção dominante N 55° E na parte direita, mudando lateralmente para N 80° E.

Figura 8.5: Imagem de sonar de pesquisa lateral representativa do campo 2.

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c) Campo 3: é constituído por formas de fundo que se identificam nas paredes e no fundo do canal. As dunas do fundo do canal distribuem-se a duas profundidades: a parte mais profunda localiza-se a uma profundidade máxima de 20 m, enquanto que lateralmente se identifica um terraço a uma profundidade média de 15m ∗ (Figura 8.6). Na parte mais profunda, as dunas possuem perfis assimétricos, de tal forma que as mais setentrionais têm vergência para S e as meridionais para N. A altura média destas dunas é inferior a 1,5 m. Sobre o terraço lateral também se identificam dunas, mas de menores dimensões (alturas < 1m). Estas dunas apresentam formas mais arredondadas, sendo geralmente simétricas ou com pequena assimetria para a parte mais profunda do canal (para N).

Também foram detectadas algumas dunas que cobrem as paredes do canal submarino, sobretudo na parede setentrional. São dunas de pequenas dimensões (0,5 m de altura) que mostram uma assimetria irregularmente orientada. Na parede meridional diferenciam-se pequenas ondulações no fundo, mas com uma altura muito reduzida (< 0,5m de altura).

As formas de fundo que se localizam no canal submarino não parecem ter uma elevada continuidade lateral (70-80 m), já que estão limitadas lateralmente por canais erosivos, caracterizados por uma resposta acústica muito reflectiva. As cristas das dunas apresentam direcções muito variáveis, devido às formas predominantemente curvadas (geometria 2D a 3D) e à existência de ramificações. No entanto, as direcções predominantes das cristas estão compreendidas entre N 80° E e N 95° E.

Figura 8.6: Registo de 3,5 kHz, onde se observam as dunas submarinas no canal do campo 3.

∗ profundidades não corrigidas

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d) Campo 4: localiza-se sobre uma zona relativamente plana, a uma profundidade média de 5 m, que se encontra limitada a S por outro canal submarino. A parte mais setentrional caracteriza-se pela ausência de formas de fundo significativas, e apresenta nos registos de sonar contrastes de tonalidades bastante fortes, associados à existência de um sedimento arenoso sobre o substrato rochoso sub-aflorante. Lateralmente, identifica-se a continuação do canal que estabelece o limite N deste campo. As dunas são frequentes na parte mais meridional, onde possuem vergência preferencialmente direccionada para WSW. No entanto as formas que se encontram na zona mais perto do canal apresentam uma vergência direccionada para ENE. De forma geral, estas dunas tem alturas reduzidas (< 1,5 m). Apenas as formas que estão orientadas para ENE apresentam dimensões algo maiores (H>1 m). As dunas submarinas maiores mostram cristas com continuidade relativamente elevada (formas 2D). A direcção geral das cristas é N 150° E, evoluindo para uma disposição geral N 120° E a sul (Figura 8.7).

Figura 8.7: Imagem de sonar de pesquisa lateral obtida no campo 4.

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e) Campo 5: as dunas que formam este campo localizam-se sobre o vale situado a sul do campo 4 (Figuras 8.8 e 8.9). Lateralmente ao vale existe um afloramento rochoso que apresenta uma reflectividade muito elevada. Este vale atinge localmente uma profundidade máxima de 16 m∗ e, lateralmente, na parte meridional, apresenta um terraço onde se identificam algumas dunas submarinas com alturas de 2-3 m (Figuras 22 e 23). A parede meridional do vale tem um pendor reduzido, e é caracterizada pela presença de varias formas de fundo de pequenas dimensões (H < 1m), com vergência dirigida para a parte S do canal.

As cristas das dunas têm direcções que variam entre N 70° E e N 110° E, e apresentam geometrias 2D a 3D. As formas maiores têm perfis simétricos ou têm vergência para direcções opostas, dirigidas para a parte central do canal.

Figura 8.8: Registo de 3,5 kHz, onde se observam as formas de fundo no canal do campo 5.

∗ profundidades não corrigidas

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Figura 8.9: Imagem de sonar de pesquisa lateral do fundo do canal no campo 5.

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f) Campo 6: é o campo mais meridional dos descritos. As dunas têm altura reduzida (H < 1m), e localizam-se sobre uma zona sub-horizontal, situada a uma profundidade média de 8 m. O carácter assimétrico das dunas é bastante variável, mas na parte mais perto do canal predominam as formas simétricas, e na parte mais meridional apresentam uma assimetria com vergência para N dominante.

A direcção dominante das cristas submarinas neste campo é N 105 E, e a maior parte delas podem ser consideradas como 2D.

8.1.3. Discussão Preliminar da Análise Morfológica

A primeira consideração resultante da análise morfológica é de carácter geral e implica que a maior parte das formas de fundo identificadas foram provavelmente geradas por processos com uma magnitude não demasiadamente elevada, já que as dimensões das dunas são genericamente reduzidas. Consequentemente, a génese destas dunas estará relacionada com processos e frequência relativamente elevada. A disposição assimétrica de muitas dunas sugere que as correntes de maré, tanto de enchente como de vazante, possuem um papel muito importante no transporte sedimentar no interior do estuário.

As dunas submarinas maiores localizam-se geralmente nos campos localizados em áreas de canal pronunciado, o que é indicativo das correntes no estuário serem preferencialmente canalizadas por estas depressões, tal como o transporte sedimentar. A identificação de afloramentos rochosos nestes canais também evidencia o reforço da velocidade das correntes quando estas se encontram canalizadas.

Outras características morfológicas significativas neste troço do estuário do rio Guadiana são: a) Domínio de geometrias 2D (rectilíneo) relativamente às 3D (onduladas), o que sugere que os fluxos de correntes dominantes neste troço são lateralmente homogéneos, existindo variações laterais das orientações das cristas, localmente; b) Presença de ramificações das cristas das dunas, atribuível à existência de fluxos mais complexos; c) Existência, em vários locais de dunas com orientações contrapostas, indicativo de zonas de transição dominadas alternativamente por fluxos para montante e para jusante.

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8.2. Evolução da desembocadura e do delta do Rio Guadiana nos últimos 50 anos∗

8.2.1.Introdução

Efectuou-se no âmbito do projecto uma análise do desenvolvimento da linha de costa na área adjacente a desembocadura do Rio Guadiana. Foram considerados os troços influenciáveis pelo rio em ambos os lados da desembocadura, nomeadamente a linha de costa a oeste do molhe poente (lado português), e a costa do delta do Rio Guadiana a leste do canal principal (lado espanhol) (Figura 8.10).

Figura 8.10 - Mapa do estuário e delta do Rio Guadiana

8.4.2. Material e Métodos

O estudo foi efectuado através da interpretação de fotografias aéreas do período entre os anos quarenta e o presente (Tabela 8.I). A análise da desembocadura tem também em consideração a linha de costa e os elementos gerais geomorfológicos, tal como aparecem em mapas publicados desde o século XIX (extraídos de uma publicação de Weinholtz , 1978).

As fotografias e os mapas foram digitalizados a 300 dpi. Os níveis de cores (respectivamente do espectro preto/branco) foram corrigidos, quando necessário, com o programa Photoshop 4.0, para maximizar o contraste e a definição das estruturas morfossedimentares.

As imagens corrigidas foram importadas para o programa ERMapper 6.0 e rectificadas, usando o datum de Lisboa (Castelo de S. Jorge), numa projecção Universal Transversal Mercator (quadrângulo NUTM 29). Para a rectificação foram usados pelo menos 10 pontos de referência por imagem e 5 por mapa. A fotografia aérea de 1986 foi rectificada de acordo com o mapa de 1977/86, tendo o resto das fotografias sido rectificadas relativamente a esta primeira imagem (podendo assim ser usados vários tipos de pontos de referência, tais como árvores, casas, cruzamentos de estradas, etc.).

As imagens rectificadas foram importadas para o programa MAPInfo 5.5, onde se efectuou a análise detalhada da cobertura morfossedimentar. Esta análise foi efectuada através da comparação visual das áreas, tendo por base 1) a cor, ou a tonalidade de cinzento; 2) o padrão da cobertura; 3) a forma; e 4) o contexto de cada área na imagem. O limite superior da zona entre-marés foi definido como correspondente ao limite entre a areia molhada (mais escura) e a areia seca, linha esta que é geralmente bem visível nas fotografias aéreas obtidas em maré baixa e a meia maré.

∗ por Ramon Gonzalez, J.A. Dias e Óscar Ferreira

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Tabela 8.I. Fotografias utilizadas na análise da linha de costa do delta e da desembocadura do Rio Guadiana (só as do 1999 e 2000 em cor).

Ano Área coberta na fotografia Escala aproximada

1945? Margem oeste da desembocadura do Guadiana 1:20 000

1956 Delta do Guadiana 1:33 000

1958 Margem oeste da desembocadura do Guadiana 1:10 000

1969 Margem oeste da desembocadura do Guadiana 1:25 000

1972 Margem oeste da desembocadura do Guadiana 1:7 000

1976 Margem oeste da desembocadura do Guadiana 1:30 000

1977 Delta do Guadiana 1:18 000

1980 Delta do Guadiana 1:25 000

1985 Delta do Guadiana 1:30 000

1986 Margem oeste da desembocadura do Guadiana ?

1991 Delta do Guadiana 1:20 000

1994 Delta do Guadiana 1:20 000

1999 Parte sudoeste do Delta (com parte da desembocadura) 1:8 000

2000 Parte sudoeste do Delta (com parte da desembocadura) 1:8 000

Foram determinadas as seguintes áreas de cobertura: zona entre-marés, areias sem vegetação com pouco relevo (incluindo praias), dunas com pouca vegetação, dunas com vegetação densa, dunas com vegetação de alto porte, sapais, sapais arenosos, canais, áreas relacionadas com canais, áreas com construções fixas (incluindo os molhes), estradas pavimentadas e caminhos. A zona entre-marés não foi incluída na determinação da área total da margem oeste, uma vez que não foi possível determinar a altura da maré em que as fotografias foram efectuadas.

Para a análise de linha de costa de uma região a partir de fotografias aéreas existem vários métodos válidos, sendo importante possuir visibilidade na fotografia do elemento a comparar. No caso de estudo esses elementos foram: 1) a evolução do limite do cordão dunar com a alta praia (normalmente nitidamente visível pela distinção de áreas vegetadas e não vegetadas) e 2) o limite da praia molhada na maré alta (visível pela distinção de areia molhada e areia seca). Em geral, pode dizer-se que o primeiro método é mais consistente para análises temporais de médio e longo prazo, já que o limite do cordão dunar só é afectado por períodos de erosão consistentes, e por tempestades de maior importância. Em contraste, o limite da praia pode variar rapidamente a curto prazo, podendo ser alterado por qualquer tempestade, variações de maré, e em função do ‘run-up’ e do pendor da praia. Porém, embora este segundo método tenha as suas desvantagens em comparação ao segundo, foi necessário utiliza-lo no contexto da margem do Guadiana porque 1) no espaço de tempo considerado a margem oeste se encontrava em rápida progradação, o que se reflecte melhor na variação do limite da areia molhada que do campo dunar, já que este reage mais lentamente a uma rápida progradação da linha de costa e 2) o campo dunar propriamente dito só se desenvolveu a partir dos anos setenta, em grande parte da margem leste vizinha ao Guadiana.

Em termos práticos, a variação da linha de costa foi medida com uma linha partindo em ângulo recto da linha de costa mais antiga para a mais jovem. Estas medições foram efectuadas ao longo da costa a cada 50 m na vizinhança da desembocadura e a cada 150 m para a zona do delta.

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8.2.3. Resultados: Evolução das áreas junto à desembocadura

1) O Banco do O’Bril.

O Banco do O’Bril, uma acumulação arenosa intertidal, tem existido desde pelo menos 1648 como pode ser visto no mapa do Algarve daquela época. Weinholtz (1978) e Morales (1997) verificam o seguinte ciclo de vida do banco:

O banco cresce durante várias décadas na margem poente do Estuário do Guadiana. Este crescimento é acompanhado por uma rotação para leste da parte distal do banco, começando assim por bloquear a desembocadura do rio. A seguir forma-se um novo canal, geralmente perto da margem poente, próximo do enraizamento do banco na margem poente, assim segmentando o banco em dois ou mais troços. Este novo canal cresce em extensão com o tempo sob a influência combinada da agitação marinha e das correntes de maré. Parte da areia removida da parte oeste do banco é redepositada na parte leste. Como consequência o antigo canal principal do estuário é assoreado e diminui em tamanho e importância. Parte do banco acaba por se transferir para o lado espanhol, ficando uma fonte depositada junto à ribeira da Ponta da Espada. A restante areia é transportada para leste, pela deriva litoral. Este ciclo de crescimento, rotação, separação e migração tem acontecido várias vezes nas últimas centenas de anos.

Em 1876 o banco de O´Bril encontrava-se provavelmente na fase final de um destes ciclos. Existia uma restinga de pequena largura se encontrava na margem poente, estando vários bancos intertidais posicionados próximo da linha de costa espanhola (Figura 8.2). O banco tinha, nesta altura uma área de 0.8 km2 no lado português e um total de 2.7 km2 incluindo os bancos do lado espanhol. De acordo com Weinholtz (1978) a maior cheia do Guadiana em tempos históricos ocorreu naquele ano, destruindo grande parte do Banco de O’Bril.

Em 1915, o banco encontrava-se reconstituído, com uma área de 3.7 km2 no lado português e 5.9 km2 de área total (Figura 8.11). Nos anos seguintes o banco entrou numa fase de redução de área, perdendo aproximadamente 48 m2 por ano. Esta fase foi acompanhada por uma rotação para nordeste (Figura 8.11). Este processo foi ligeiramente acelerado após a construção dos molhes. No mapa de 1978 o Banco do O’Bril é menor que depois da grande cheia de 1876, com 0.6 km2 no lado Português e 3 km2 incluindo o lado espanhol (Figura 8.11).

A velocidade de rotação para nordeste da extremidade distal do banco, influenciada pela agitação marinha, as marés e o número de cheias, tem sido irregular. Foi mais rápida entre 1915 e 1938, com 65 m/ano, mais lenta entre 1938 e 1964, com 19 m/ano, e acelerou ligeiramente entre 1964 e 1978, com 22 m/ano.

2) Margem oeste da desembocadura

A evolução da margem oeste do estuário tem sido caracterizada por uma forte progradação durante os últimos 140 anos. O mapa de 1876 mostra a linha de costa seguindo ainda os limites de um velho cordão dunar que, de acordo com Morales (1997), tem uma idade de pelo menos 3000 anos. Os mapas de 1915 e 1938 mostram que, já nesta época, a linha de costa tinha começado a progradar em direcção a sul. Uma análise de elementos morfológicos mostra que a península cresceu de oeste para leste, com progradação de corpos arenosos, sob influência da agitação e das marés (Figura 8.12).

Entre 1938 e 1945 verifica-se o crescimento de uma restinga arenosa para leste. Uma análise das áreas da península mostra um crescimento de aproximadamente 170’000 m2, correspondendo a 24’000 m2/ano (Figura 8.13).

Até 1958, esta restinga cresceu para sul, e em seguida para norte, fechando assim uma pequena área de baixa energia, na qual começou a formar-se um sapal e uma primitiva rede de drenagem. Esta tendência continuou, com consolidação da península até final dos anos sessenta (Figuras 8.12 e 8.13).

Com a construção dos molhes entre 1972 e 1974 iniciou-se uma fase de rápido assoreamento da área. Estima-se que entre 1974 e 1980 uma área de 125’000 m2 tenha sido coberta por areia, ou seja, passando de zona entre-marés para praia e, mais tarde, numa segunda fase de acumulação sedimentar, para dunas. As areias depositadas neste período correspondem à quase totalidade da resultante da deriva litoral, que se encontra estimada em cerca de 180’000 m3/ano(Figura 8.13).

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Figura 8.11 - Evolução da desembocadura do Guadiana e do Banco do O’Bril baseada em mapas históricos

utilizando os níveis do zero hidrográfico e +1m acima do Z.H.

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Figura 8.12 - Evolução geomorfológica da margem oeste da desembocadura do Guadiana

Figura 8.13 - Evolução das áreas de cobertura na margem oeste da desembocadura baseada em mapas históricos e

fotografias aéreas

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Uma análise das áreas de cobertura sedimentar mostra que a área coberta por areias não vegetadas teve o seu máximo nos períodos de rápida progradação da península (1938-45, 1977-86). As áreas dunares com pouca vegetação são relativamente constantes durante o período de analise e podem ser consideradas como um tipo de cobertura de transição. O mais rápido crescimento efectuou-se nas dunas com densa vegetação, que cresceram aproximadamente 7’000 m2/ano, entre 1945 e 1999 (Figura 8.16.4). Este tipo de áreas de cobertura domina a península actualmente. Um crescimento significativo foi também observado nas áreas de sapais e de canais que ocorrem entre os cordões dunares e que cresceram aproximadamente 4’500 m2/ano (Figura 8.13).

3) Margem leste da desembocadura

Pode dizer-se que até aos anos 1920-1930 a margem leste era sobretudo constituída por sapais, protegidos da erosão do mar pelas areias do Banco do O’Bril (Figura 8.11). Um sistema dendrítico de canais de maré drenava os sapais, tendo direcção dominante norte-sul. Uma comparação dos mapas de 1915 e 1938 mostra um forte crescimento da Punta de la Espada, para oeste (Figura 8.11).

Uma análise da fotografia aérea de 1956 mostra o estado embriónico em que se encontra esta ilha barreira ainda nesta época. Grande parte da restinga arenosa mostra pouca ou nenhuma vegetação. Nesta altura o sistema de drenagem já tinha alterado a sua direcção de norte-sul para leste-oeste (Figura 8.14).

Figura 8.14 - Evolução dos principais elementos geomorfológicos da margem leste da desembocadura do Guadiana

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Em 1969 a Punta de la Espada tinha efectuado uma rotação para norte e crescido em direcção ao canal principal do Guadiana (Figura 8.14). Grande parte da restinga mostra uma estabilização, com grande aumento da cobertura de vegetação. Entre os dois braços da Punta de la Espada formou-se, entre 1958 e 1969, um sapal. O sistema de canais de maré tinha progradado em direcção ao canal principal do Rio Guadiana, formando um pequeno delta de maré.

A fotografia aérea de 1977 é a primeira após a construção dos molhes. O efeito do molhe submerso do lado espanhol, não é tão drástico como aquele do lado português. A partir desta época verificam-se as seguintes tendências (Figura 8.14):

- A extremidade da Punta de la Espada continua a crescer em direcção ao canal principal do estuário, com uma velocidade de aproximadamente 10 m/ano.

- Este crescimento da ilha barreira é acompanhado por um crescimento do delta de maré associado, levando a um crescimento da área de sapais em cerca de 3’500 m2/ano entre 1977 e 1994;

- A área do delta de maré dos terraços associados cresce em direcção ao canal principal do Rio Guadiana entre 1977 e 1985 (Figura 8.15).

- A área coberta por canais e sapais arenosos decresce em favor da área de sapais, à medida que os canais são assoreados e o sistema atinge uma mais elevada maturidade.

Em termos globais, a margem leste da desembocadura mostra um ligeiro crescimento em área entre 1977 e 1994, causado principalmente pelo crescimento da extremidade das ilhas barreira do delta em direcção do canal principal do Guadiana (Figura 8.14).

8.2.4. Análise do desenvolvimento da linha de costa

1) Evolução entre 1870 e 1938

Os dados discutidos nesta parte são predominantemente qualitativos, visto que se baseiam em mapas de uma qualidade que não pode ser comparada à dos mapas modernos, devido a incertezas nos dados gerais de referência (por exemplo o datum, o nível do mar utilizado ou a precisão do levantamento).

Na região da desembocadura podem ser observadas as seguintes tendências (Figura 8.11):

- A progradação da margem oeste a partir do cordão antigo de dunas delimitando esta margem da desembocadura. Esta progradação iniciou-se e efectuou-se em paralelo com o crescimento da parte oeste do Banco do O’Bril entre 1876 e 1915, que, nesta época, se recompunha da grande cheia de 1876.

- O crescimento de leste para oeste da ‘Punta de la Espada’, formando um novo troço de costa (Figura 8.16.2). Como consequência deste crescimento, a área a norte da nova restinga começou uma rápida colmatação. Este processo afastou o povoado espanhol de Ayamonte do mar.

- A redução dos bancos arenosos entre-marés, nomeadamente, associados ao Banco de O’Bril.

2) Evolução a partir dos anos quarenta

A linha de costa da desembocadura do Rio Guadiana e do delta pode ser dividida nos seguintes segmentos (de oeste a leste): 1) Margem oeste da desembocadura do Guadiana, 2) margem leste da desembocadura do Guadiana (Ponta da Espada), 3) praia de Isla Canela, 4) margem oeste da barra da Higuerita (ou Barra de Carreras), 5) e margem leste da barra da Higuerita (praia de Isla Cristina).

a) Margem oeste da desembocadura do Guadiana (Figura 8.16.7): Entre 1940 e 1969 verificou-se uma progradação continua da praia nesta parte da costa em cerca de 10-20 m/ano. Esta progradação deveu-se principalmente à acumulação de areia transportada por deriva litoral, a oeste da desembocadura do Guadiana. O sistema foi bruscamente alterado pela construção do molhe oeste do Guadiana entre 1972 e 1974. A evolução da linha de costa mostra uma rápida acumulação de areia nesta área, até 1980, correspondendo a uma progradação de 50 m/ano nas proximidades do molhe e até uns 500 m de distância, acumulação que corresponde à quase totalidade da resultante da deriva litoral deste período. A maior distância de molhe as taxas de acreção descem rapidamente, até atingirem valores em torno dos 0 m/ano a mais de 750 m de distância do molhe. Depois de um crescimento mais lento, até o 1986, verificou-se uma estabilização da linha de costa até 2000. Neste período a linha de costa não variou de mais que 5 m/ano, sendo parte desta tendência erosiva. Estes valores provavelmente estão dentro da margem de erro do método, tendo em conta que são variações medidas a partir da linha de água molhada/água seca, referente ao limite da maré.

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Figura 8.15 - Evolução da extremidade da Punta da Espada e do delta de maré associado. Todas as imagens

mostram a mesma área.

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b) Margem leste da desembocadura do Guadiana (Ponta da Espada) (Figura 8.16): O conjunto de fotografias de 1958 mostra a Ponta da Espada em fase de crescimento. Nesta época, estava uma restinga em desenvolvimento, formando uma extensão ocidental do ramo principal da Ponta da Espada (Figura 8.11). Em 1969 a ponta desta restinga tinha efectuado uma rotação para NW, movendo a linha de costa mais de 200 m para norte. Ao mesmo tempo, esta restinga já atingia a margem da desembocadura do Guadiana. Entre 1969 e 2000 pode verificar-se uma relativa estabilização da costa deste lado da desembocadura, embora a parte mais próxima do Guadiana mostre um lento recuo em volta dos 5 a 10 m/ano a partir de 1976, ou seja, após a construção dos molhes do Guadiana. Tal como no lado oeste da desembocadura, a linha de costa deste lado estabiliza-se após o início dos anos 80, estando as variações medidas dentro da margem de erro de método a curto prazo.

c) Praia da Ilha Canela (Figura 8.16): A praia da Ilha Canela representa o local mais exposto de todo o delta do Guadiana. No centro desta área encontra-se desde meados dos anos setenta a aldeia turística de Ilha Canela. Esta parte da linha de costa sofreu variações de 10 a 20 m/ano, entre 1958 até 1976, tanto de erosão quanto de acreção. Estas variações devem-se, provavelmente, a uma reacção da linha de costa à considerável progradação da margem oeste que ocorreu nesta época. Após a construção dos molhes verificam-se dois tipos de tendências contrárias. Enquanto que o troço de costa frente à aldeia de Isla Canela é estável, progradando até à praia da ilha barreira a leste e oeste regista lento recuo, verificando-se também a existência de vários locais com galgamentos, e um notável estreitamento do cordão dunar. Embora estas alterações sejam em magnitude inferiores às mudanças observadas antes da construção dos molhes, são também mais consistentes. O troço frente à Isla Canela encontra-se neste período em estabilidade devido a repetidas alimentações desta praia.

d) Margem oeste da barra da Higuerita (Figura 8.16): A margem oeste da Barra de Higuerita (ou Barra de Carreras) foi fortemente influenciada pela construção de dois molhes em 1974 estabilizando a localização da barra (que dá acesso ao pequeno porto de Isla Cristina). Esta parte da costa, situada a leste do ponto mais proeminente do delta, e sendo assim menos exposta à agitação marinha, encontrou-se em progradação pelo menos desde o fim dos anos 50. Outro factor influenciando a evolução desta linha de costa é o facto de que existia nesta área uma barra adicional, que se abriu provavelmente no começo dos anos sessenta, e que se manteve aberta até ao final dos anos setenta. A barra fechou-se provavelmente devido a acumulação de areia contra o molhe construído na barra da Higuerita, em 1974.

e) Margem leste da barra da Higuerita (praia de Isla Cristina) (Figura 8.16): Até a mais recente série de fotografias aéreas era pouca a variação da linha de costa a leste da Barra da Higuerita, com excepção do troço situado imediatamente a leste do molhe construído em 1974. Este mostrou um forte assoreamento e uma progradação de uma restinga arenosa contra o molhe, levando ao avanço a linha de costa por várias centenas de metros. Actualmente, a área entre a velha e a nova costa está a ser rapidamente assoreada.

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8-21

Figura 8.16 - Taxas de acreção/erosão da linha de costa na desembocadura do Guadiana, entre 1876 e 1999.

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8-22

Figura 8.16 - Variação da linha de costa no delta do Guadiana entre 1956 e 1994

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3) Variações temporais da linha de costa na área da desembocadura

Além das variações para troços da linha de costa foram analisadas as variações globais por períodos de observação, ou seja, as variações globais da linha de costa numa mesma área (Figura 8.17).

Verificam-se dois períodos de grandes alterações, desde o começo do século. Um deles é referente aos anos quarenta e o outro a partir dos anos setenta. O período de forte crescimento nos anos quarenta deve-se, provavelmente, à existência de um incremento na erosão no interior da bacia hidrográfica do Guadiana devido à ‘campanha de trigo’, efectuada nos anos trinta e quarenta no país para aumentar a produção agrícola. A partir dos anos setenta as fortes alterações da linha de costa da desembocadura explicam-se com a construção dos molhes do Guadiana. A linha de costa a leste passa de uma fase de elevada erosão (devida à rotação para noroeste da restinga da Ponta da Espada) para um período de estabilidade, sem grandes alterações globais.

A análise do desvio padrão das alterações da linha de costa (valores sempre positivos) indica a dinâmica do sistema (Figura 8.17). Verifica-se que o período de elevada acumulação nos anos quarenta era de dinâmica relativamente baixa se comparado com o dos anos setenta, isto é, as variações ocorreram com maior regularidade do que após a construção dos molhes, que alteram completamente a dinâmica sedimentar da área.

Figura 8.17 - Variações temporais da linha de costa na área da desembocadura.

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9-1

9. Estrutura Geológica e Evolução Recente do Estuário 1

9.1. Comentários à Execução do Trabalho

Inicialmente, estava previsto realizar esta acção com equipamento a adquirir para o efeito, nomeadamente um sonar de pesquisa lateral e um sistema de reflexão sísmica ligeira (o qual, devido ao seu elevado custo, seria comprado em conjugação com outros projectos em execução). Todavia, os condicionalismos verificados na execução deste projecto, designadamente o atraso no seu início efectivo (o que impediu a conjugação de verbas para aquisição do equipamento aludido), conduziram à procura de outras soluções. A melhor solução encontrada, e que se revelou muito eficaz, foi a de utilizar equipamento e técnicos cedidos pelo Instituto Español de Oceanografia (instituição com que o CIACOMAR, desde há muito, mantém cooperação efectiva), pagando os serviços do técnico electrónico normalmente utilizado por este instituto.

Assim, no decurso da campanha WADI ANA, promovida pelo projecto EMERGE, foi possível efectuar 250km de reflexão sísmica e de sonar de pesquisa lateral no interior do estuário do Guadiana, a bordo de uma embarcação alugada para o efeito, bem como 600km de reflexão sísmica na plataforma continental adjacente (designadamente no prodelta associado ao estuário), tendo para tal sido utilizado o navio “Andrómeda”, do Instituto Hidrográfico, cuja utilização foi possível devido à cooperação estabelecida no âmbito do projecto SIRIA.

Os dados de índole geofísica adquiridos no decurso da campanha WADI ANA são de muito alta qualidade, muito superior ao que inicialmente se previa e rara a nível internacional.

A informação está, actualmente, em plena fase de processamento.

9.2. Execução dos perfis de Reflexão Sísmica Ligeira

A parte de geofísica da campanha WADI ANA, decorreu de 13 a 26 de Novembro do 2000, tendo sido promovida pelo CIACOMAR, e efectivada em cooperação entre a Universidade do Algarve, o Instituto Español de Oceanografia, o Instituto Hidrográfico e a Universidade de Cádiz. A prospecção geofísica no interior do estuário foi efectuada de 19 a 21 de Novembro, a bordo da embarcação “Esmeralda Azul”.

Para a execução do trabalho utilizaram-se dois sistemas sísmicos, um de alta resolução (Uniboom, Geopulse™), e outro de muita alta resolução (3,5 kHz ou mud penetrator).

Os perfis sísmicos foram localizados paralelamente ao canal principal do estuário, tendo-se também obtido alguns perfis perpendiculares a esse canal, na parte mais inferior do estuário (fig. 9.1). No total, os perfis geofísicos obtidos no interior do estuário correspondem a mais de 100km.

A análise dos perfis sísmicos revelou que, tal como se esperava, a informação proveniente do sistema 3,5 kHz não revelava boas condições de penetração devido à elevada proporção de areias nos fundos do estuário, o que determinou uma resposta acústica muito reflectiva nestes perfis sísmicos. Pelo contrário, o sistema Uniboom (Geopulse) forneceu informação de qualidade excepcional.

O sistema Uniboom (Geopulse) é um sistema sísmico de média-alta resolução e média penetração, que emite um impulso acústico de grande potência e curta duração (0,1 mseg), mediante um Boomer de desenho avançado. Os sinais acústicos são recebidos por um grupo de hidrofones (“streamer”) rebocado de forma paralela ao emissor. Os sinais acústicos recebidos, uma vez amplificadas e convenientemente filtrados, são impressos em papel especial. Obtêm-se, assim, perfis do fundo marinho, atingindo penetrações maiores a 100m.

O sistema utilizado é composto por (Fig. 9.2 e 9.3):

1) Fonte de energia (modelo 5420S), que fornece ao emissor acústico um impulso eléctrico curto mas de grande energia (Fig. 7.3B);

2) Catamaran (modelo 5812A) com emissor acústico (modelo 5813B); 3) Cadeia de hidrofones (modelo 5110A); 4) Processador digital de sinal (Octopus 360), com compensador electrónico de ondas; 5) Registador de papel térmico (EPC GSP-1086).

1 por Francisco Lobo e J. Alveirinho Dias

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9-2

Fig. 9.1 – Localização dos perfis sísmicos (a tracejado vermelho) obtidos no decurso da campanha WADI ANA. Os

perfis reproduzidos neste relatório estão assinalados a amarelo. As letras ASA indicam os afloramentos do soco acústico 1, 2, 3 e 4.

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9-3

Fig. 9.2 – Sistemas sísmicos de alta resolução. A) Principio de funcionamento da reflexão sísmica marinha; B)

Funcionamento do sistema de Geopulse.

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9-4

Fig. 9.3 – Alguns elementos do equipamento do Geopulse: A) Equipamento geral de Geopulse; B) Fonte de energia.:

C) Emissor acústico; D) Registador de papel térmico.

Na configuração utilizada na campanha WADI ANA, o catamaran localizou-se a estibordo da esteira do barco, a 10m da popa, e a cadeia de hidrofones situou-se a bombordo da mesma, praticamente à superfície (Figura 9.2). Utilizou-se esta disposição geométrica do equipamento para optimizar a recepção do sinal e maximizar a atenuação do múltiplo.

A potência utilizada foi de 280 joules, sendo a cadencia de disparo de 500ms. A escala utilizada nos registos foi de 200ms.

9.3. Resultados

9.3.1. Comentários Prévios

O estudo do preenchimento sedimentar dos sistemas estuarinos utilizando perfis sísmicos de alta resolução é geralmente dificultado por uma série de factores, entre os quais podem ser destacados:

1) Baixa penetração da sinal acústico; 2) Resposta acústica muito reflectiva devido à existência de grande quantidade de sedimentos grosseiros; 3) Existência de múltiplos que, devido à baixa profundidade, se localizam muito próximo da superfície, nos

registos, mascarando a informação útil (o que, no trabalho efectuado, foi extremamente minimizado, de tal forma que pode ser considerado inovador).

A análise dos trabalhos publicados revela que o estuário do Guadiana não tem sido encarado como um sistema compreensivo, abarcando tanto as margens, como o canal submarino e os sedimentos deltáicos emersos e submersos existentes quer no estuário senso stricto, quer na plataforma continental adjacente.

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9-5

A maior parte dos estudos efectuados até ao momento tem-se concentrado no estudo da evolução recente da faixa litoral deltáico-estuarina (p.ex.: Morales, 1997; González et al., in press) e na evolução durante o Quaternário superior com base em perfurações (sondagens) efectuadas na parte emersa da margem portuguesa (p.ex.: Santos et al., 2000).

As sondagens realizadas na margem direita do estuário permitem conhecer a coluna estratigráfica aí existente e deduzir a evolução post-glaciária. Segundo Boski et al. (1998), Moura et al. (2000) e Santos et al. (2000), o preenchimento sedimentar é caracterizado pelas seguintes sucessão estratigráfica: a) nível basal de sedimentos grosseiros (cascalheiras) de origem fluvial; b) espessa sequência argilosa acumulada em ambiente de planície intermarés durante a inundação do estuário; c) fases de progradação do estuário em ambientes de barras e por acreção lateral. É possível definir, assim, uma fase fluvial inicial, correspondente ao último glaciário, uma fase de transgressão pós-glaciária, complexa, e uma última fase evolutiva verificada em condições de relativa estabilidade do nível médio do mar. De acordo com Dabrio et al. (1998, 2000), no Golfo de Cádiz a máxima inundação ocorreu há 6500 anos. A maior parte do fornecimento sedimentar fluvial acumulou-se na parte axial dos estuários e em corpos deltáicos, indo também promover a acreção vertical das planícies mareais e favorecer o crescimento de restingas arenosas litorais.

Neste contexto, a análise dos perfis de reflexão sísmica obtidos, pela primeira vez, no estuário do Guadiana revestem-se de especial interesse, pois que permitem definir pormenorizadamente as sequências que constituem o preenchimento sedimentar estuarino, facultam o conhecimento da geometria e da profundidade de grande parte do substrato (bedrock) do vale fluvial, e viabilizam o estudo de falhas presumivelmente activas.

Na exploração dos perfis obtidos durante a campanha WADI ANA adoptaram-se os princípios da estratigrafia sísmica, os quais têm sido utilizados com sucesso noutros sistemas estuarinos poucos profundos (p.ex.: Dalrymple e Zaitlin, 1994; Lessa et al., 1998). Para a determinação de espessuras, e na ausência de dados específicos sobre a impedância acústica das formações sedimentares que constituem a coluna estratigráfica do preenchimento do vale em que se localiza o estuário do Guadiana, considerou-se, para a propagação do som nos sedimentos, e à semelhança do que tem sido adoptado noutras zonas semelhantes (p.ex.: Dalrymple e Zaitlin, 1994), a velocidade média de 1500m/s.

6.3.2. Estratigrafia Sísmica

O preenchimento sedimentar do estuário apresenta uma estrutura complexa (Figura 9.4). Em secção longitudinal, diferencia-se uma série de pequenas bacias sedimentares limitadas por afloramentos do soco acústico, a localização dos quais está assinalada na figura 1 com as letras ASA. Definem-se, assim, 4 zonas intermédias (bacias), designadas, de montante para jusante, pelas letras A, B, C e D.

Fig. 9.4 - Esquema geral da estratigrafía sísmica do estuário do rio Guadiana, em que se mostra a configuração

geral das unidades sísmicas (US) e horizontes sísmicos (HS).

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9-6

Figura 9.5 - Perfil de reflexão sísmica localizado na transição entre as zonas A e B; observa-se o ASA 2 (ver

localização na figura 9.1).

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9-7

O soco acústico é identificável em locais específicos do estuário (figuras 9.5 e 9.6), caracterizando-se por uma resposta acústica típica, em que não se diferenciam reflectores internos. Como se referiu, é aflorante nalguns locais, onde origina morfologias positivas do fundo estuarino (com alturas inferiores a 10m), encontrando-se a parte mais superficial a profundidades variáveis entre 5 e 12m, sendo a extensão lateral reduzida (<150 m).

Fig. 9.6 - Perfil sísmico situado na parte montante da zona D, em que se observa parcialmente o ASA 4 (ver

localização na figura 9.1).

A continuidade destes afloramentos, em secção transversal ao canal do estuário, é difícil de determinar, mas é provável que seja reduzida. Efectivamente, embora os afloramentos do soco acústico designados pelos números 3 e 4 sejam identificáveis em dois perfis longitudinais, não têm, aparentemente, continuidade lateral. Por vezes, junto a estes afloramentos, é possível identificar canais submarinos constituídos pela perturbação que estes relevos induzem no fluxo hídrico.

As principais características dos afloramentos do soco acústico (de montante para jusante) identificados nos perfis analisados estão expressas na tabela XSI.

Tabela XSI Afloramentos do Soco

Acústico (ASA) Elevação Profundidade

mínima Extensão lateral Canais laterais

1 3 m 7 m 100 m Não 2 9 m 5 m 150 m Sim

3 (afloramento duplo) 4 m e 6 m 12 m e 8 m 100 m e 50 m Não 4 (afloramento duplo) 5 m em ambos casos 5 e 9 m 50 m em ambos casos Sim

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9-8

De forma genérica, a penetração obtida no estuário do Guadiana não tem permitido a detecção de horizontes sísmicos a mais de 40-45m de profundidade. Não entanto, em determinadas locais é possível identificar reflectores a maior profundidade, especialmente na zona mais próxima à foz (zona D), onde se detectaram horizontes sísmicos a mais de 60m de profundidade (Figura 9.7). Estes reflectores apresentam um padrão estratificado, diferenciando-se, também, algumas superfícies de erosão que delimitam unidades sísmicas, embora estas superfícies não revelem, nos perfis, boa continuidade lateral.

Fig. 9.7 –Perfil sísmico situado na parte intermédia da zona D (ver localização na figura 9.1).

As superfícies de erosão aludidas são sub-horizontais e apresentam carácter irregular, com morfologias com 2 a 3m de altura. Internamente, as unidades sísmicas apresentam configurações sísmicas agradantes, com reflectores que mostram continuidade lateral, por vezes com carácter irregular. Contudo, estes reflectores apresentam, localmente, incrementos da inclinação (0,6°), associados à deformação existente na adjacência de falhas mais recentes. Normalmente, a espessura destas unidades é relativamente pequena (<10 m).

Nalguns casos identificaram-se, também, paleo-canais preenchidos, o mais significativo dos quais revela uma incisão máxima de 11m, forma de V e extensão lateral aproximada de 200m, localizando-se o tecto a profundidade superior a 30m (Figura 9.7).

Estas unidades mais profundas também tem sido reconhecidas na zona mais setentrional (zona A indicada na figura 7.1), onde apresentam características sísmicas semelhantes, embora seja aí possível distinguir alguns reflectores internos com maior inclinação (>1°).

A análise dos perfis de reflexão sísmica obtidos no decurso da campanha WADI ANA permitiu o reconhecimento de cinco unidades sísmicas na área de estudo (Figura 9.4), as quais foram designadas, da mais antiga para a mais recente, pelo dígitos 5 a 1 (US 5 a US 1). As descontinuidades sísmicas que estabelecem os limites destas unidades

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9-9

foram denominadas como horizontes sísmicos 5 a 1, também desde o mais antigo até o mais recente (HS 5 a HS 1). De forma geral, o horizonte sísmico X representa o limite inferior da unidade sísmica X.

a) Horizonte sísmico 5 (HS 5).

Esta descontinuidade sísmica apresenta-se como um reflector com uma amplitude moderada-alta, que ocasionalmente não apresenta boa continuidade lateral devido a perda do sinal acústico. Relativamente aos reflectores inferiores, dispõe-se, na maior parte da área estudada, em concordância, embora localmente possa constituir superfície de truncação erosiva. Relativamente aos reflectores superiores, estes também se dispõem, geralmente, em concordância. Todavia, quando este horizonte sísmico origina depressões morfológicas, são observáveis terminações onlap. Ocasionalmente pode, também, representar superfícies de downlap. Na adjacência dos locais onde o soco acústico é aflorante, este horizonte une-se com as descontinuidades mais recentes (figura 9.5).

Fig. 9.8 –Perfil sísmico transversal situado na zona C (ver localização na figura 9.1).

A profundidade a que se localiza o horizonte sísmico HS5 parece apresentar tendência para ser maior a jusante do que a montante; na zona A localiza-se a 20-25 m de profundidade, mas na zona D localiza-se perto dos 30 m (figura 9.7). Na zona A este horizonte apresenta-se como uma superfície bastante regular e sub-horizontal na parte montante, mas na parte jusante tem carácter muito mais irregular, caracterizando-se por alternância de elevações e depressões morfológicas (figuras 9.5 e 9.8). Por essa razão, pode encontrar-se a maior profundidade (35-38 m), onde é afectado por falhas mais recentes, e nas depressões morfológicas. A depressão mais setentrional está influenciada pela presença de falhas com rejeito vertical de 2 a3 m. Para sul desenvolve-se uma depressão morfológica, com profundidade aproximada de 10m e extensão superior a 1 km (figura 9.8). Na zona B o HS 5 também apresenta relevo negativo (com profundidade máxima de 12m e extensão lateral de 900m), mas lateralmente é bastante regular. A tendência geral vê-se interrompida na zona C, onde a profundidade a que se localiza o HS5 decresce para sul (de 33 para 17m). Nesta zona volta a apresentar relevo muito irregular (figura 9.9), parcialmente controlado pela actividade de falhas com rejeitos verticais que podem atingir 5m (figura 9.10). Existem, também, pequenos altos e baixos morfológicos com 5 a 6m, de natureza erosiva (figura 9.9). Na adjacência do ASA4 este horizonte sísmico tem comportamento especialmente irregular, com alternância de elevações de 5 a 6 m e zonas mais deprimidas.

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10-1

10. Modelo Hidrodinâmico 1

10.1. Descrição do modelo

10.1.1. Introdução

Para a simulação hidrodinâmica desenvolveu-se e adaptou-se um sistema de modelos composto por um modelo hidrodinâmico tri-dimensional de equações primitivas, dois modelos de transporte: um do tipo euleriano e outro do tipo lagrangeano, os quais permitem a simulação da evolução de um vasto conjunto de propriedades em função das formulações particulares de cada propriedade.

No modelo hidrodinâmico as equações são resolvidas pelo método do volume de controlo. Utilizam-se para isso células de cálculo rectangulares na horizontal mas com os vértices livres de se mover no sentido vertical como se mostra na figura 10.1. Com esta estratégia torna-se simples implementar qualquer tipo de coordenada vertical actuando unicamente sobre a geometria das células de cálculo, sem necessidade de alterar as equações hidrodinâmicas que desta forma não incluem termos relacionados com a forma da malha. Os processos físicos tornam-se também mais perceptíveis uma vez que tudo se passa no domínio real.

Figura 10.1 - Célula de cálculo

Este tipo de implementação permite também utilizar simultaneamente vários tipos de coordenadas em zonas distintas do domínio de cálculo (zonas estas denominadas subdomínios). Desta forma adapta-se facilmente a malha às exigências específicas de cada subdomínio, sendo também facilmente resolvidos os problemas com as singularidades atrás referidos.

A malha adoptada é uma malha descentrada do tipo C de Arakawa sendo as células de cálculo hexaedros. Os vértices destes hexaedros são coplanares na vertical definindo por isso de forma unívoca os planos que compõem as faces verticais. As faces superior e inferior de cada hexaedro são definidas pelos quatro vértices superiores e inferiores respectivamente. No entanto estes vértices não são coplanares na horizontal, não definindo por isso univocamente uma superfície. Várias superfícies podem ser adoptadas neste caso desde que sejam usadas de forma consistente por todas as células. No modelo optou-se por uma superfície composta por quatro triângulos definidos pelo centro da superfície em questão (média vectorial das posições dos vértices) e por cada uma das quatro arestas. Como a superfície e composta

1 por Ramiro Neves e Flávio Martins

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10-2

sectorialmente por planos torna-se fácil o cálculo do volume da célula assim como a determinação dos fluxos por essa superfície.

10.1.2. Equações da Hidrodinâmica

O modelo resolve as equações primitivas na forma cartesiana considerando equilíbrio hidrostático e que ρ é constante excepto quando multiplica pela aceleração da gravidade (aproximação de Boussinesq). As equações de balanço para a massa e para o momento são (Martins et. al., 1998):

∂∂

∂∂

∂∂

ux

vy

wz

+ + = 0 1

( ) ( ) ( )∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂η∂ ρ

∂∂ ρ

∂ρ∂

ρ∂∂

ν∂∂ ρ

∂∂

ν∂∂ ρ

∂∂

ν∂∂

ηut

uux

vuy

wuz

fvx

px

gxdz

xux y

uy z

uz

s

z

h h v

+ + + = − − −′

+

+

+

+

∫1

1 1 10 0

0 0 0

2

( ) ( ) ( )∂∂

∂∂

∂∂

∂∂

∂η∂ ρ

∂∂ ρ

∂ρ∂

ρ∂∂

ν∂∂ ρ

∂∂

ν∂∂ ρ

∂∂

ν∂∂

ηvt

uvx

vvy

wvz

fuy

py

gydz

xvx y

vy z

vz

s

z

h h v

+ + + = − − − −′

+

+

+

+

∫1

1 1 10 0

0 0 0

3

∂∂ ρ

∂∂

wt

pz

=1

0 4

Onde u, v e w são as componentes do vector velocidade nas direcções x, y e z respectivamente, η a elevação da superfície livre, f a frequência de Coriolis, νh e νv as viscosidades turbulentas, p

s a pressão atmosférica, ρ a massa

específica e ρ' a anomalia da massa específica ( ρ ρ ρ= + ′0 ). A massa específica é calculada por intermédio da equação de estado (Leendertse e Liu, 1978):

( ) ( ) ( )(( ))STT

STTTSTT3375.0385890698.0

01.08.30745.025.115.17793375.03858902

22

+−+

++−−++−+=ρ 5

Com vista à determinação da massa específica torna-se por isso necessário resolver uma equação de transporte para a temperatura e outra para a salinidade, com a forma comum:

( ) ( ) ( )∂α

∂∂ α∂

∂ α∂

∂ α∂

∂∂

∂α∂

∂∂

∂α∂

∂∂

∂α∂t

ux

vy

wz x

kx y

ky z

kzh h v+ + + =

+

+

6

onde α e um qualquer traçador (s ou t por exemplo).

10.1.3. Discretização das Equações

As equações anteriores são resolvidas recorrendo ao método do volume finito (Martins, 1999). Ao contrário do método das diferenças finitas consegue-se com esta abordagem uma separação completa entre as variáveis físicas de cálculo e a geometria da discretização justificando a sua aplicação neste caso. Como se trabalha no espaço real e não no espaço transformado, em vez do Jacobiano e da métrica da transformação ou das componentes contravariantes do vector velocidade o que e necessário calcular são os fluxos normais a cada face da célula no espaço real sendo por isso necessário saber, em cada instante, as áreas, volumes e direcções das normais para cada célula. Os vértices da célula de cálculo utilizada neste modelo apenas possuem um grau de liberdade (na direcção vertical) o que simplifica consideravelmente essa tarefa.

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10-3

As equações 1 a 5 formam um sistema que é resolvido utilizando um método ADI semi implícito. No modelo são implementados dois tipos de discretização: O esquema S21 (Abbott et al., 1973) e o esquema de Leendertse (Leendertse, 1967). O esquema S21 é um esquema de 4 equações algébricas, duas para cada meio passo de tempo. No primeiro meio passo de tempo calcula-se a elevação e uma das componentes da velocidade (quantidade de movimento) de forma implícita. Para a outra componente utiliza-se o valor da iteração anterior. No segundo meio passo de tempo calcula-se novamente a elevação e a outra componente da velocidade de forma implícita. A velocidade vertical é recalculada em todos os meios passos de tempo em função da nova elevação. A figura 10.2 representa esquematicamente o processo de cálculo.

( ) →→ →→→ +++++−+++ 2121213

Geometriada Cálculo

21*3

11221

11

21 ,,,, 21

21 tttttttttt TSuuuuuuuη

( ) 1113

Geometriada Cálculo

1*3

232

212

232

111

1 ,,,, +++++++++ → →→→→ tttttttttt TSuuuuuuuη

Figura 10.2 - Discretização do esquema de quatro equações S21.

O cálculo da salinidade e da temperatura encontram-se também indicados na figura. O esquema de Leendertse é um esquema de 6 equações algébricas, três para cada meio passo de tempo. Neste esquema a componente da velocidade na direcção explícita é calculada também em cada meio passo de tempo antes do cálculo da elevação. A figura 10.3 representa a sucessão dos cálculos para este esquema.

( ) →→ →→→→ ++++++++ 2121213

Geometriada Cálculo

21*3

2112

211

21212 ,, ttttttttt TSuuuuuu η

( ) 1113

Geometriada Cálculo

1*3

12

12

211

111 ,, +++++++++ → →→→→→ ttttttttt TSwuuuuu η

Figura 10.3 - Discretização do esquema Leendertse de seis equações.

Como se calculam as duas componentes da velocidade em cada meio passo de tempo as condições fronteira de descobertura são actualizadas com maior frequência, melhorando o comportamento do modelo em regiões intertidais. As menores necessidades computacionais do esquema S21 favorece a sua utilização para águas mais profundas onde a restrição do número de Courant é maior e as zonas de descobertura são menos frequentes. Em ambos os métodos os cálculos são centrados a meio do intervalo de tempo tendo por isso os resultados precisão temporal de segunda ordem.

Integrando a equação. 1 para uma posição i,j ao longo de todo o volume da coluna de água e integrando seguidamente em ordem ao tempo de t até t+Δt/2 obtém-se, com o auxílio do teorema da divergência de Gauss a equação de conservação de massa em termos integrais:

ρ ρ0

2

0

2

0div v dV dt v ndsdtijVt

t t

sct

t t

ij

∫∫ ∫∫+ +

= ⋅ =Δ Δ

7

onde Vij é o volume da coluna de água na posição i,j, sc é a superfície lateral da coluna de água e n é a normal exterior

a sc.

Decompondo a velocidade nas componentes horizontal e vertical e tendo em conta que as superfícies laterais das células são verticais e que os fluxos pela superfície livre e pelo fundo são considerados nulos obtém-se:

v ndsdt w ndsdth

sct

t t

Supt

t t

⋅ + ⋅ =∫∫ ∫∫+ +Δ Δ2 2

0 8

O Último integral representa o aumento de volume da coluna de água entre os instantes t e t+Δt:

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10-4

( ) w ndsdtdtDUX DVY

Supt

t t

ij ij ijt

ijt⋅ = ⋅ −∫∫

+

+

Δ 21 2

2 η η/ 9

Na malha adoptada as áreas verticais (Area_U e Area_V na figura 1) são planares e perpendiculares ás direcções x e y respectivamente, podendo-se por esse motivo calcular facilmente os fluxos laterais do primeiro termo da equação. 8 na forma:

u e U AUx

k

⋅ = ⋅∫ ∑ 10

e de igual forma para a direcção y.

Somando 9 e 10 obtém-se a equação de cálculo da elevação da superfície livre para o instante t+1/2 na forma discretizada:

( ) ( ) ( ) ( )

( ) ( )

η ηijt

ijt

ij ij

ijkt

kijkt

kij kt

kij kt

k

ijkt

kijkt

k

dt DUX DUY

AU AU AU AU

AV AV

+= =

+=

+=

= =

−=

⋅ + ⋅

⋅ + ⋅

+

+

⋅ + ⋅

∑ ∑ ∑ ∑

∑ ∑

1 21 1

11

11

2

1

2

1

21

U U

2

U U

2

V V

2

ijkt +1

k

ijkt

k

ij+1kt +1

k

ij+1kt

k

ijkt +1

k

ijkt -1

k

max max max max

max max

( ) ( )

⋅ + ⋅

+=

+=

∑ ∑V U

2

i+1jkt +1

k

i +1jkt -1

kmax max2

11

21

1

AV AVi jkt

ki jkt

k

11

onde o valor Ut+1

é determinado implicitamente através da equação de momento.

No segundo meio passo de tempo a elevação da superfície livre e calculada por:

( ) ( ) ( ) ( )

( )

η ηijt

ijt

ij ij

ijkt

kijkt

kij kt

kij kt

k

ijkt

k

dt DUX DUY

AU AU AU AU

AV

+ ++

=

+

=++

=++

=

+

=

−=

⋅ + ⋅

⋅ + ⋅

+

+

⋅ +

∑ ∑ ∑ ∑

1 1 21 2

1

1 2

111 2

111 2

1

2 1 2

1

21

U U

2

U U

2

V V

ijkt +1

k

ijkt

k

ij+1kt +1

k

ij+1kt

k

ijkt +3

k

ijkt

max max max max

max

( ) ( ) ( )+1k

i+1jkt +3

k

i+1jkt +1

kmax max max

2

V U

2

2 1 2

1

211 2

1

211 2

1

⋅ + ⋅

+

=++

=++

=∑ ∑ ∑AV AV AVijk

t

ki jkt

ki jkt

k

12

tendo-se alternado a direcção do termo implícito que é agora Vt+3/2

. Desta forma, em cada meio passo de tempo a matriz do sistema de equações é tridiagonal sendo resolvido recorrendo ao algoritmo de Thomas.

Com esta discretização temporal as duas componentes horizontais da velocidade encontram-se globalmente centradas em t+1/2, conseguindo-se por isso no conjunto dos dois meios passos de tempo uma precisão temporal de segunda ordem no cálculo da elevação da superfície livre.

A discretização das equações de momento (equações. 2 e 3) é efectuada de forma semelhante, por integração dessas equações no volume de controlo que é agora uma célula i,j,k. Obtém-se para o caso U

t+1:

( )VolUt

Uv n ds F F F F Fu sc xb trop

xb clin

xcoriol

xdif h

xdif v

∂∂ ρ

+ ⋅ = + + + +

1

0 . . . . 13

Onde Volu é o volume de fluído da célula ijk ,

v o vector velocidade nas faces do volume de controlo e Fx as

componentes na direcção x das forças aplicadas a essa massa de fluido.

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10-5

Durante o cálculo das componentes horizontais da velocidade o volume de controlo permanece fixo. O efeito da variação da geometria é contabilizado apenas durante o cálculo da velocidade vertical. Desta forma torna-se fácil implementar coordenadas verticais que não dependem exclusivamente da elevação da superfície livre.

Por questões de estabilidade o termo de difusão vertical deve ser calculados de forma implícita, sendo os restantes termos, incluindo o barotrópico e o convectivo, calculados de forma explícita. Os termos baroclínico, Coriolis, convectivo e difusão horizontal foram por simplicidade agrupados em X

ijk. A equação discretizada fica:

( ) ( )( ){ }( ) ]

U Udt Vol

p p g AU

U UDUZ

U UDUZ

DZX DYY X

ijkt

ijkt

ut

t t t t t t

ij k

t t

ijkij k

t t

ijkij ij ijk

sij sij ij ij ijk

ijk ijk ijk ijk

++ + + +

+ +

− −

+ +

−−

−=

⋅− + −

⋅ +

+−

−−

⋅ ⋅ +

− −

+ −

1

0

1 2 1 2 1 2 1 2

0 1 2

1 1

1 2 1

1 1

11

11 1

1 1

ρρ η η η

ρ ν ν

14

A velocidade vertical é calculada integrando a equação 1 de forma semelhante à efectuada para o cálculo de η mas agora aplicada apenas a uma célula ijk:

Vol Vol v ndsdzijkt t

ijkt

sct

t t+

+

− = − ⋅∫∫ΔΔ

22

15

Onde o integral de superfície se estende a toda a superfície exterior da célula. Para se garantir que o esquema é conservativo torna-se necessário que a discretização desse integral seja feita de forma a que as áreas utilizadas no cálculo dos fluxos sejam as mesmas que foram utilizadas no cálculo das velocidades. Decompondo a velocidade nas suas componentes horizontal e o integral de superfície fica:

( ) v nds v nds w nds v nds DUX DVY W Wsc

hsc sc

hsc

ij ij ijkt

ijkt⋅ = ⋅ + ⋅ = ⋅ + ⋅ ⋅ −∫ ∫ ∫ ∫ +

+ +11 2 1 2/ / 16

O volume da célula no instante t+1/2 para coordenada vertical genérica normalmente ainda não é conhecido: no caso de coordenadas Lagrangeanas a malha move-se em função da própria velocidade vertical W e portanto o procedimento devia ser implícito, em coordenadas isopícnicas a malha move-se em função do campo de densidades que ainda não foi actualizado, finalmente no caso de coordenada sigma a malha move-se em função de η e portanto já é conhecida. De forma a permitir a implementação de qualquer tipo de coordenadas o cálculo da velocidade vertical é efectuado em duas etapas. Numa primeira fase calcula-se W* considerando que o volume é constante:

( )DUX DVY W W v ndsij ij ijk ijk hsc

t t⋅ ⋅ − = − ⋅+

+ +

∫11 2 1 2* *

17

depois de se redefinir a malha corrige-se a velocidade vertical em função da variação de volume:

( )DUX DVY W W v ndsVol Vol

tij ij ijk ijk hsc

ijkt t

ijkt

t t⋅ ⋅ − = − ⋅ −

−+

++ +

∫1

21 2 1 2

2

Δ

Δ

/

/ 18

A salinidade e temperatura são calculadas depois de conhecido o campo de velocidades (no caso de coordenadas isopícnicas utiliza-se W* para velocidade vertical). As equações de transporte são obtidas da equação. 6 por integração no volume de controle obtendo-se equações semelhantes à equação. 14 em ordem a S e T.

10.1.4. Condições Fronteira

As equações 1 a 3 são do tipo parabólico, necessitando por isso para a sua solução da especificação dos valores das variáveis de cálculo em todo o domínio num determinado instante (condições iniciais) e da especificação em todos os instantes nos limites do domínio (condições fronteira).

As condições iniciais são do tipo variável especificada (Dirichlet) sendo por isso facilmente implementadas.

As condições fronteira podem ser de vários tipos em função das características da fronteira em causa. Neste modelo são distinguidos cinco tipo de fronteira: superfície livre, fundo, fronteira lateral fechada, fronteira lateral aberta e fronteira móvel.

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10-6

Na superfície livre considera-se fluxo vertical nulo e tensão de corte devida ao vento τw imposta:

w sup = 0 e

No fundo considera-se fluxo nulo na direcção perpendicular à fronteira e tensão de corte com forma quadrática:

w bot = 0 e ν∂∂vh

botD h h

vz

C v v

=

Nas fronteiras laterais fechadas o domínio é limitado por terra. Como se trata de um modelo de mesoescala a sua resolução espacial na horizontal é superior à dimensão característica da camada limite nessa fronteira pelo que se impõe condição de livre escorregamento:

∂∂

vn= 0 19

onde n é, para cada ponto, a direcção perpendicular à fronteira fechada.

As fronteiras abertas são introduzidas artificialmente como forma de limitar o domínio de estudo. As condições a impor nesse tipo de fronteiras dependem da zona ou das razões pelas quais a fronteira foi criada. Os tipos de condições implementadas no modelo são de caudal imposto, utilizada normalmente em fronteiras com rios e de elevação da superfície livre imposta, utilizada nas fronteiras sujeitas a maré.

As fronteiras móveis são fronteiras fechadas cuja posição espacial varia com o tempo. Este tipo de situação surge quando se modelam domínios com zonas de descobertura, normalmente estuários ou rias. Neste caso deve-se saber em cada instante de tempo quais as células que se encontram com água e quais as que se encontram com terra, impondo condições do tipo das equação. 19 nas células vizinhas a terra.

Por questões numéricas não se pode dizer que uma célula se encontra descoberta quando η ≤ −h pois o modelo “produziria” terra a partir de água não sendo conservativo. O critério utilizado para decidir em cada instante se uma determinada célula está ou não descoberta é melhor entendido recorrendo à figura 4

ηijhij

HijHminu1ijk

a)

HminHij-1

hij-1

u1ijk

Referência

b)

ηij-1

Figura 10.4 - Critério para descobertura nas fronteiras móveis

Define-se HMIN como uma profundidade abaixo da qual a célula se considera descoberta mantendo-se por isso uma fina película de água sobre as células descobertas. As células da coluna de água i,j consideram-se descobertas da direcção x quando se verifica pelo menos um dos dois casos seguintes:

H HMINij < e ηij ijh HMIN− < − +1 20

ou

H HMINij− <1 e ηij ijh HMIN< − +−1 21

A segunda condição do caso 20 faz descobrir a célula quando a onda se aproxima pela esquerda e a segunda condição do caso 21 faz descobrir a célula quando a onda se aproxima pela direita. As perturbações provocadas pelas variações descontínuas de velocidade nos pontos de descobertura são controladas com a escolha criteriosa de um valor para HMIN (Leendertse, Stelling)

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10-7

10.2. Resultados da modelação no Estuário e Rio Guadiana

A aplicação do modelo ao Rio Guadiana permitiu caracterizar a hidrodinâmica da região. Para isso criou-se uma batimetria com 598x207 pontos de cálculo e com um passo horizontal variável de 250 a 25 metros como representado na figura 5. As simulações efectuaram-se com o modelo em modo barotrópico com uma camada. A escolha desta configuração teve em atenção os resultados que se pretendiam (caracterização global da hidrodinâmica) permitindo uma economia computacional considerável. Na figura 6 representam-se o campo de elevações e de velocidades na região do estuário e da barra para condições de vazante (4h após preiamar) e para uma situção de maré média. Na figura 10.7 apresentam-se as mesmas grandezas para a região a jusante da Foz de Odeleite.

Figura 10.5: Batimetria do Rio e Estuário do Guadiana (598x207 pontos ; Dx = 250-25 metros)

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10-8

Pode-se observar que o escoamento no estuário se verifica predominantemente junto à margem Oeste durante a vazante e que o fluxo de vazante do sapal de Hayamonte se efectua preferêncialmente pela zona Sul do canal de ligação ao estuário. O escoamento no exterios caracteriza-se por um jacto divergente com rotação para a direita devido ao forçamento de Coriolis.

Para caracterizar de uma forma mais precisa o escoamento na região exterior à barra utilizou-se o modelo de transporte lagrangiano simulando-se o transporte de traçadores passivos. A emissão inicial dos traçadores efectuou-se em preia-mar, por caixas, enchendo todo o estuário como mostra a figura 10.8. O movimento dos traçadores foi depois calculado pelo modelo de transporte. Na figura 10.9 apresentam-se as posições dos traçadores em baixa-mar após uma vazante, na figura 10.10 apresentam-se as posições na preia-mar seguinte e na 10.10. e 10.11 apresentam-se a posição dos traçadores na segunda baixa-mar. Pode-se verificar que no fim da primeira vazante todo a água da região baixa do estuário e sapais se encontra fora da barra e que o canal principal do estuário se encontra ocupado por massas de água provenientes das regiões de montante do estuário. Durante a enchente parte dos traçadores que sairam do estuário voltam a entrar como observado na figura 10.10. Após dois ciclos de maré já grande parte da água do estuário se encontra fora da barra podendo-se encontrar no interio do estuário traçadores provenientes de regiões de montante do estuário e rio. Os resultados indicam assim para uma boa renovação da água da zona de jusante do estuário por oposição à região de montante que apresenta uma renovação mais lenta.

Figura 10.6 - Elevações e velocidades para a secção final do Rio/Estuário do Guadiana (4horas após a preiamar para

uma situação de maré média)

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10-9

Figura 10.7 - Elevações e velocidades para a secção a jusante da Foz de Odeleite (4horas após a preiamar para uma

situação de maré média)

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10-10

Figura 10.8 - Traçadores Lagrangianos: Posição inicial

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10-11

Figura 10.9 - Traçadores Lagrangianos: Posição após uma vazante

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10-12

Figura 10.10 - Traçadores Lagrangianos: Posição em Preiamar após um ciclo de maré

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10-13

Figura 10.11 - Traçadores Lagrangianos: Posição após duas vazantes

10.3. Conclusões

A metodologia adoptada para a modelação hidrodinâmica mostrou-se adequada a este domínio, tendo sido possível caracterizar hidrodinâmicamente a região. O recurso a um modelo lagrangiano permitiu identificar e seguir massas de água, aumentando o conhecimento da hidrodinâmica e do transporte na região. Como trabalho futuro deve-se explorar as caracteristicas tri-dimensionais do modelo, efectuar uma calibração e validação cuidada dos resultados e abordar problemas espeçíficos da região através da aplicação do modelo de transporte de sedimentos e do modelo ecológico.

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