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| PÁGINA 10 Uma igreja onde o noivo se une ao noivo LINCE De olho na notícia Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Newton Paiva Ano V | Nº 41 | Julho de 2010 BAIXAR CONTEÚDO DA INTERNET: PIRATARIA OU NÃO? | PÁGINA 3 O QUE FAZER DEPOIS DA FORMATURA? A GRANDE DÚVIDA DOS JOVENS | PÁGINA 4 A FORÇA DO RAP DA VOZ A FAMÍLIA DA RUA | PÁGINA 16

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Jornal Laboratório do Centro Universitário Newton Paiva

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Page 1: Lince 41

| Página 10

Uma igreja onde o noivo se une ao noivo

lince D e o l h o n a n o t í c i a

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo do Centro Universitário newton Paiva

ano V | nº 41 | Julho de 2010

Baixar conteúDo Da internet: Pirataria ou não?| Página 3

o que fazer DePois Da formatura? a granDe DúviDa Dos jovens

| Página 4

a força Do raP Da voz a família Da rua

| Página 16

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Julho/20102

“O caso Bruno nos

leva à conclusão de que a

classe jornalística precisa de

uma reciclagem urgente"

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expedienteReitoRLuis Carlos de Souza Vieira

PRó-ReitoR acadêmicoSudário Papa Filho

co oR de na doRa do cuRso de JoR na lismoPro fes sora Ma ri a lice Em bo ava

cooRdenadoR da centRal de PRodução JoRnalistica- cPJPro fes sor Eus tá quio Trin dade netto (DRT/Mg 02146)

cooRdenadoR adJunto da cPJ Edwaldo Cordeiro

PRo Jeto gRá fico e diReção de aRteHelô Costa (127/Mg)

diagRamação: Cibele inácioDaniela MendonçaLeonardo MoreiraThamires Lopes

monitoRes: Lucas HortaPedro Henrique Silva

RePoRtagens:alu nos do Curso de Jornalismo do Centro Universitário new ton Paiva

CaraNa mídia é cara ou...

carla oliveira

Ao i n g re s s a re m n o mundo do Jornalismo, os futuros amantes da profissão começam a conhecer seus deveres como mediadores da notícia — buscar sempre a verdade, ter compromisso com a sociedade, serem obje-tivos e, acima de tudo, ouvir os dois lados da história. Toda essa teoria é admirável no papel. Mas após algum tempo em contato com o dia a dia do fazer jornalístico, os aspirantes a repórteres pas-sam a ver que a prática per-tence a outra realidade.

Há poucos meses, o caso do ex-goleiro Bruno eviden-ciou os verdadeiros 'furos' do jornalismo. Desde que a cobertura começou, houve uma largada em busca da exclusividade. Foi uma pala-vrinha com o especialista aqui, uma aula de evidências com o perito acolá, e, princi-palmente, a chuva torrencial de revoltas por parte dos advogados de acusação e dos conhecidos mais íntimos de Eliza Samudio, desapare-cida desde junho.

Pronto. Todos os princi-pais ingredientes para a matéria de capa foram adi-cionados. O 'bolo' estava no ponto. Faltou algo? Sem dúvida. O lado inverso, tal-vez, tal como prega o código de ética do jornalismo.

Os veículos midiáticos caíram no pecado de acredi-tar que o importante não é a fidelidade, mas sim os holo-fotes. Como bem diz o jorna-

lista José Cleves Silva, “O caso Bruno nos leva à conclu-são de que a classe jornalís-tica precisa de uma recicla-gem urgente, antes que esse purgante farmacológico cause mais danos à categoria e à sociedade”.

Seu colega de profissão, Deonísio da Silva, diz que, se depois do circo for compro-vada a inocência dos acusa-dos — como já aconteceu em muitos episódios —, não haverá desculpas para o que já foi feito. “Se o caso de Bruno Fernandes também der uma reviravolta, como ficarão seus acusadores?”, provoca Silva. Provavel-mente, os grupos comunica-cionais se contentarão com uma retratação no fim da página. É de praxe.

O público, com todo o seu direito de julgar os fatos, viu-se perdido, ou porque não dizer, conformado com o único lado da moeda que diariamente consumia. E pior ainda, acostumou-se, como sempre, com as infor-mações cruas que de minuto em minuto pipocavam na telinha e nas redes virtuais, nos rádios , nos jornais impressos e nas revistas. O jeito foi ouvir o mantra ' S a m u d i o , M a c a r r ã o e Bruno' bem quietinhos e sem reclamar. Já que a outra face não apareceu para se deixar bater, a solução foi cumpri-mentar as reportagens idên-ticas como velhas amigas, a menos que a mídia decida assumir que o verdadeiro 'jogo' é cara ou coroa.

este é um jor nal-la Bo ra tó rio da dis ci plina la bo ra tó rio de jorna lismo ii. Dis tri bu i ção gra tu ita. edi ção men sal. o jor nal não se res pon sa bi liza pela emis são de con cei tos emi ti dos em ar ti gos as si na dos e per mite a re pro du ção to tal ou par cial das ma té rias, desde que ci ta das a fonte e o au tor.

coR Res Pon dên cianP4 - Rua Ca tumbi, 546 – Bairro Cai çaraBelo Horizonte - Minas gerais CEP 31230-600 – Te le fone: (31) [email protected]

carla oliveira

Ele era só mais um João entre tantos outros naquela cidadezinha quase anônima no país canarinho. Pelo menos foi isso o que lhe dis-seram. Quando questionava a mãe sobre o porquê de ser apenas “outro” nesse mundão de Deus, o mole-que se contentava com um olhar duro e a famosa ame-aça das narinas infladas de falsa ira contida.

– Fica quieto, menino, e come sua comida, que já é pouca. – Foi a resposta amar-g u r a d a q u e r e c e b e u . Enquanto encarava o prato de feijão aguado com angu servido em pequena porção, João tentava em vão reprimir a vontade louca de fazer a diferença. Que importância teria viver no sertão com onze irmãos sofredores da seca?

– não sou mais um, não,

mãe. – não sabia a razão de ter dito aquilo, mas aceitou com alegria a sugestão de suas finas pernas de correr sem pudor pelo terreno ár ido. E e le não parou. Cr iança já adul ta , João aprendeu bem como cuidar de si. O ar quente e pecami-noso da vida não o assustava. a liberdade era seu oásis; era o alimento perfeito que o supria e lhe permitia sorrir com honestidade.

não se intimidou ao che-gar na cidade grande. Logo se inseriu nas luzes, nas buzinas, nas cores, nos amo-res, nos acordes e na malan-dragem. “Por que não, mãe? não vou ser mais um...”, pensava em seus delírios. Descobriu em pouco tempo que para ‘crescer e aparecer’, tinha que se jogar com tudo no que lhe daria poder. Cara, o moleque foi com tudo... aceitou o que era fácil e se

amarrou na petulância . Esqueceu de seu propósito e se tornou verdadeiramente em um João... ninguém.

Precisou de uns ‘tran-cos’ para ele acordar, só que aí, amigo, o ciclo se fechou. O gosto amargo entre os lábios de João lhe dizia que era o fim da linha. Riu com prazer apesar de tudo. Quem sabe seu desejo não foi desperdi-çado, afinal? a mensagem foi dada, mesmo que de um jeito torto. abra seu olho gover-nante. É melhor cuidar das ‘Marias’, dos ‘Paulos’, das ‘anas’... E caia na real... Eles não são ‘só mais um não’. Cada mente grita por um destino diferente para esse Brasil. O que o diria João - de Santo Cristo para diferen-ciar. Bem disse seu porta-voz Renato Russo : “Ele queria era falar pro presidente pra ajudar toda essa gente que só faz sofrer”.

Mais um não, mãe...

CrôniCa

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Julho/2010 3Tudo que caiu na rede é peixe (ou será piraTaria?)

"De grátis"Desde 2001, universida-

des internacionais renomadas, como o instituto de Tecnologia de Massachusetts (MiT) e a John Hopkins, ambas ameri-canas, já disponibilizam conte-údo de suas disciplinas online de maneira gratuita. aqui tam-bém. a prestigiada Fundação getulio Vargas (FgV) foi a pri-meira representante brasileira a integrar a lista, e efetiva-mente disponibilizar as maté-rias na internet por uma espé-cie de rede conhecida como Open Curse Ware Consortium (OCW). O consórcio, projeto iniciado pelo MiT, é formado por mais de 200 faculdades

que se comprometem a divul-gar pelo menos 10 disciplinas. É importante lembrar que algumas instituições não dis-ponibilizam certificado de participação. Porém, essa é a oportunidade para as pessoas, com baixo poder aquisitivo, terem acesso ao material diri-gido para a uma pequena par-cela da população do Brasil e do mundo.

O u t r o e x e m p l o d e empresa privada que permite acesso gratuito a seu conteúdo é a gigante google. Os inter-nautas podem usar o gmail, google Maps ou apenas usar o site www.google.com.br para

fazer pesquisas sem pagar nada por isso. O que a google ganha com isso? anunciantes. Sim, a empresa atrai publici-dade e gera lucros para ela e seus anunciantes. Já a matreira banda inglesa Radiohead lan-çou na internet o disco “in rainbows”, e decidiu que o preço a ser pago pelas músicas era decisão do comprador. O resultado foi que a banda fatu-rou cerca de US$ 10 milhões.

não é novidade que pes-soas comuns baixem arquivos para fins domésticos. Contudo, o que mais incomoda os artistas e autores de conteúdo intelec-tual, é a utilização do material

para fins comerciais. Hoje, qualquer pessoa consegue gra-var CDs e DVDs com boa quali-dade de som e imagem. Já exis-tem vários programas de com-putador e equipamentos que gravam até vinte CDs ao mesmo tempo. Esse processo agiliza a produção, e quem sai lucrando são os vendedores autônomos ou ambulantes.

Fe r n a n d a S a n t o s é camelô e trabalha no bairro alípio de Melo, em Belo Hori-zonte. E não tem o menor pudor em afirmar que “esse é um trabalho honesto e lucra-tivo”. Fernanda, que chega a ganhar mais de R$ 1.500 por

mês só com a venda de CDs pirateados, trabalha de 09h às 18h, de segunda a sexta-feira, e no sábado, de 09h às 14h. “Sustento minha família com meu trabalho”, afirma. Para o professor Menoti, atividades assim têm que ser regulamen-tadas de alguma forma. “ima-gine um filme que é produzido em Hollywood com produção, cenários, figurinos, e paga-m e n t o d e a t o re s . To d o dinheiro gasto e tudo que é feito é para que as pessoas possam ir ao cinema ou nas locadoras e pagar para ver o filme. a pirataria complica pra todos os setores”, frisa.

BárBara camilo e Wagner fonseca

nem todo pirata tem a perna de pau, olho de vidro e cara de mau; já dizia o samba enredo da imperatriz Leo-poldinense, por sua vez parafraseando (ou seria pirateando) uma velha mar-chinha do carnaval carioca. Mas, que atire a primeira pedra quem nunca vascu-

lhou a internet atrás de músicas, filmes ou qualquer outro conteúdo. Hoje, já quem a f i rme que se r i a impossível parar ou contro-lar o compartilhamento gra-tu i to de in formação na internet. Entretanto, baixar discografia completa de artistas e filmes para uso próprio ou para fins comer-ciais sem autorização das gravadoras e sem pagar

direitos autorais configura crime de pirataria.

a pirataria é cópia e venda de produtos sem o pagamento dos dev idos direitos autorais de marca e propriedade intelectual. a lei nº 9.610 de 1998 prevê que qualquer modalidade de reprodução e de divulgação de conteúdo depende da autorização do seu autor. a pena para esse tipo de crime

é de dois a quatro anos de prisão, acrescidos de multa.

Para o pro fessor de legislação e ética do Centro Universitário newton Paiva, Menoti andreotti, a visão das pessoas em relação ao compartilhamento gratuito de arquivos pela internet está mudando. “grandes artistas, como gilberto gil, já entenderam que é melhor colocar a discografia na

internet para que as pessoas baixem, ouçam e depois par-ticipem dos shows. O artista, hoje, ganha muito mais com shows do que com a venda de discos”, diz. no entanto, o professor alerta que o autor dos conteúdos baixa-dos deve receber pelo mate-rial. “Eu não defendo que seja uma coisa livre, é ques-tão de d ire i to autora l” , alerta.

Div

ul

ga

çã

o

Baixar arquivos para uso

doméstico é ilegal? Quem faz isso está no mesmo

patamar dos camelôs que

vendem cópias de

CDs e DVDs? Até onde começa e acaba a

pirataria?

inter

net

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Julho/20104

Daniela rosa De menDonça e silva

a depressão pós – forma-tura ocorre quando o aluno, logo após se formar, não arruma emprego na área dese-jada — para não ficar desem-pregado, arruma um “bico” em qualquer área. Depois da colação de grau vem uma tris-teza que pode evoluir rapida-mente para uma depressão. Entre as saudades dos amigos, professores e até das milhares de cópias Xerox e dos salgadi-nhos ruins da cantina, vem o medo de não ter feito a escolha profissional correta.

Danielle Cristina, 26, for-mada em Educação Física, desde 2007 já trabalha na área e não teve esse problema. “a socie-dade, hoje em dia, principal-mente no setor de educação física está carente de bons profis-sionais”, justifica. Mas ela reco-nhece que seu caso é um caso especial — muita gente não con-segue emprego logo de saída.

Qual a saída? Leandro Vignoli, 22, formado em admi-nistração de empresas em 2008, acha superimportante o estágio na vida acadêmica, pois foi assim que conseguiu seu emprego, Ele já tem quatro anos de empresa, mas come-çou a estagiar no 3º período e permanece lá até hoje. apesar desse privilégio, Leandro sabe que nem todo mundo tem a mesma sorte. “Muitas pessoas não conseguem trabalho por-que ficam escolhendo demais, principalmente por causa de salário”, acredita. Para ele, “as pessoas que estão estudando em faculdades têm que estar sempre fazendo estágio para começar a ter experiência na área em que pretendem atuar”. Leandro é taxativo quando diz que “não se pode formar para depois começar a procurar emprego”.

— aconteceu isso com algumas pessoas que estuda-

ram comigo; esperaram demais, se formaram, não fizeram estágio e depois não conseguiram trabalho na área; hoje estão frustradas, pois não estão conseguindo o trabalho que queriam.

É o caso de Denise Xavier, 25, que não teve a mesma sorte que Danielle e Leandro. Ela se formou em Letras, em 2008, mas não trabalha na área e sim no departamento administra-t i vo / f inance i ro de uma empresa de construção civil. Denise diz que não atua como professora, por ser uma área que já tem demanda muito grande e remuneração baixa. Por não conseguir o tão sonhado emprego na área, conta que sentiu a depressão batendo perto — “Foram os piores meses da minha vida”.

não são poucos os casos de recém-formados que chega-ram ao consultório da psicóloga e professora Sylvia Flores, con-tando que até tentaram o suicí-dio, por causa disso. Ela observa que essa ansiedade só piora no último semestre. “na verdade, não há vagas para todos”, reconhece. “Fazer um curso superior, mas não com a perspectiva de necessaria-mente trabalhar na área ou ser um fracasso total, mas com a perspectiva de admis-são de cultura e o entendi-mento que vai dar a ela condi-ções de trabalhar em qual-quer área”, afirma.

— Uma pessoa que passou por um curso superior, seja qual tenha sido esse curso, pode trabalhar como vendedor de loja ou atrás do balcão de uma lanchonete, que ela vai fazer a diferença: a percepção que essa pessoa tem do mundo, a análise crítica que ela conse-gue fazer das organizações, tudo isso vai fazer a diferença.

Ou seja, a profissão e o curso escolhido nem sempre andam na mesma rota...

depressãopós-formatura

Depois da euforia da colação de grau é que

vem a danada da ressaca, que mistura a

saudade dos colegas com o medo de não entrar no mercado

Mo

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Do

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Julho/2010 5

MinduiM

Apesar de turrona, Patty é a

personagem mais sensível de Charles

Schultz

perfil

não se agarre TanTo à realidade,

anDré coelho

Em meio à turma multiét-nica de “Peanuts”, uma irlan-desa andrógina e inconse-quente rouba a cena nas tiri-nhas, principalmente quando assunto é educação primária e beisebol. Patricia Reichardt, a Patty Pimentinha – devido às sardas e outras ruivisses –, tem duas grandes dificuldades: a matemática e trocar seu inse-parável par de sandálias por incômodos sapatinhos.

apesar de turrona, Patty é a personagem mais sensível de Charles Schultz.

Snoopy, o beagle de Char-lie Brown, está sempre nos jogos de beisebol, escreve ver-sos melosos, pilota na Primeira guerra Mundial e, como se não bastasse, anda sobre duas patas. Porém, no universo de “Peanuts”, o cachorro não deixa de ser um cachorro para as crianças, menos para Patty Pimentinha. Para a garota, o cão é o “amigo narigudo do Minduim”, que mora no quarto de hóspedes do amigo e que, vez em quando, é tam-bém um advogado bastante conveniente.

Em sua relação com Sno-opy, há um contrato interes-sante, onde o cachorro entra em ação como defensor e con-selheiro. na apresentação mais importante do “narigudo”, Patty passava por um perren-gue com a escola. a instituição proibia a garotinha de ir estu-dar de sandálias e camiseta larga. apesar de a presença do advogado da garota não ter intimidado o diretor docente, o cão de Charlie Brown aca-bou encaminhando a garota para uma escola de adestra-mento de cães.

E lá foi ela, esperançosa em ter um futuro melhor, pautado por uma instituição que não tenta restringi-la e onde o que é mais impor-tante é ensinado em pouco tempo de curso.

xx

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A especialidade de Patty Pimentinha está longe de ser a matemática. Munida de um grande advogado, ela tenta fugir desta e

de outras realidades Tudo na vida de Patty Pimentinha é um choque entre realidades – a dela e a outra. Sem mãe e com um pai ausente por causa de viagens constan-tes e trabalho até tarde, o pri-meiro confronto de Pimentinha é com as outras crianças, que têm a família bem estruturada. a garota não se alimenta bem e não se veste adequadamente, não se enquadra no senso comum, o que gera situações cômicas e constrangedoras na relação com os amigos, princi-palmente com sua fiel escu-deira, Marie.

Sem acompanhamento de um guardião, a garotinha tem constantes problemas na escola, que não envolvem ape-nas o jeito de vestir. Ela cochila diariamente em sala de aula, tira notas baixas e tem dificul-dades de aprendizado.

Mais a inda, a lém de ausente, o pai de Patty é des-leixado a ponto de não se preo-cupar com o lugar em que a filha se hospeda enquanto ele viaja. algumas das maiores dificuldades da garota se deram na temporada que ela passou no “quarto de hóspe-des” de Charlie Brown.

apesar de tudo isso, quanto mais distante Pimentinha é do pai, mais ela coloca a figura paterna em um pedestal.

Seu maior receio em per-der o direito de usar as sandá-lias que tanto gosta, está no fato de tê-las ganho do pai, em uma situação romântica e fraternal. Certa vez também ganhou flo-res do pai, que declamou que-rer ser o primeiro a presentear uma mulher que, pela beleza e meiguice, será muito presente-ada pelos rapazes.

O c o n f r o n t o m a i s intenso, porém, é com a sani-dade mental. Com a pouca estrutura familiar que tem e sem dar qualquer sinal de falta da mãe – o que já é estra-nho por si só –, Patty leva a

imaginação para além dos moldes infantis. É verdade que toda criança floreia a rea-lidade, cria personagens, ami-gos, situações. no caso de Pimentinha, há uma aliena-ção extrema mesmo se levado em conta esta fase.

O fato de ela não enxergar Snoopy como um cachorro, não atinar para o fato de que a escola para a qual se transferiu é um Centro de adestramento Canino, não perceber que o quarto de hóspedes é uma casi-nha de cachorro e, acima de tudo, confiar na defensoria e conselhos do cão de Charlie Brown, bastam para apontar que a garota sofre de uma pato-logia psíquica. Certamente, este é um sinal do trauma sofrido pela perda da mãe unido à ausência paterna e a falta de um guardião.

Sem ter com quem desa-bafar e pedir conselhos, Patty sempre recorre a Charlie Brown por telefone, que se vê incapaz de resolver os sérios problemas da garotinha.

Mas é melhor Minduim não esquentar muito a cabeça. no caso da Pimentinha, só duas pessoas poderiam resolver seus infindáveis problemas. Ou Schultz ou Freud.

realiDaDe

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Julho/20106

Muitas vezes, a qualidade musical está em um ruído ou em um

disco arranhado. Pena que nem todos conseguem

perceber que música boa ainda existe

So

Mrenata lima

O estilo musical é pop rock. Fala de amor perdido, mas não é nX0. Possui letras de pro-testo, mas não é Skank. Muito menos, Charlie Brown Júnior. É música mineira, direto de Belo Horizonte. Porém, se você pensou em Jota Quest, errou novamente. as letras são compos-tas por ele... Suas músicas não estão inseridas no item “modinhas” — aquelas todas iguais, que a maioria produz para ficar famoso e inse-rir-se na mídia. “não quero me render à modi-nha”, ele mesmo declara. É tudo de conteúdo e qualidade. inspirado em Legião Urbana. Se você ainda não tem idéia de quem possa ser, vale a pena ler mais algumas linhas para saber.

Vale a pena porque “original” é o adjetivo que melhor caracteriza o trabalho e a perso-nalidade dele. E ser “original” nos tempos atuais, em que as pessoas estão cada vez mais iguais por conta do nosso sistema capitalista, é muito difícil. imagine, então, ser original fazendo música! a indústria cultural em que vivemos obriga as pessoas a entrarem em certo tipo de padrão para fazerem sucesso. É fatal. a qualidade do trabalho pulveriza-se e tudo que o envolve permanece no superficial, porque esse é o caminho mais fácil de cons-truir o próprio espaço nesse meio.

finalmente, ele

Luan nogueira, de apenas 20 anos, já compôs várias músicas. Começou sua car-reira musical bem novo. Desde criança, parti-cipava dos encontros da família, em que a bossa nova e o samba não podiam faltar. Teve influências do pai, que toca violão e é amante da boa música. ganhou seu primeiro violão aos 11 anos de idade. “Minha madrinha que me deu”, relata. aos 14, fez sua primeira melodia. “Procura-se amor” e “Sociedade papel” estão entre as mais antigas. O fato é que sempre gostou de escrever. não é por acaso que também estuda Jornalismo. “Desde pequeno escrevo poemas”, conta.

“Martini Seco” é o nome da primeira banda da qual fez parte. Ela surgiu quando Luan tinha uns 17 anos. Tocaram em algumas casas pubs de Belo Horizonte — entre elas, “Buffalo Beer” e “Pau e Pedra”. Depois que saiu da banda, começou a compor com mais intensidade. Seu pai teve a honra de tocar, em vários festivais, com a pianista Cecília Cavalieri, sua amiga. Luís Henrique, produtor musical, é amigo de Cecí-lia, e foi a partir dela que Luan o conheceu.

ruíDos e cD arranhaDo

Com Luís Henrique, gravou por volta de 20 músicas. Oito faixas foram escolhidas para o primeiro CD, “De volta ao ruído”. O nome

do disco, segundo Luan, faz uma alusão ao que está escasso nos dias de hoje. Esse “ruído” diz respeito a algo que tem conteúdo, alguma coisa a dizer, e que pode ser, até mesmo, um protesto. Exemplo claro de “ruído” encon-trado no disco é a faixa “Sociedade de papel”. nela, Luan critica o sistema burocrático, e aponta as perversidades do mesmo. Disse que seu pai sempre reclamava muito da burocra-cia ao fazer compras. E essa foi a maior inspi-ração para a letra da faixa dois do CD.

“Estandarte” é o nome da outra banda da qual Luan fez parte. Saiu dela, como ele mesmo declarou, “por ter uma proposta muito indivi-dual de fazer música”. neste momento, está em um novo projeto, a gravação do próximo CD, “Disco arranhado”. De acordo com Luan, está produzindo esse novo CD como se estivesse trabalhando em algo destinado a amigos de roda. “É para que possam pensar, refletir e, ao mesmo tempo, curtir as músicas”, explica. nota-se que tudo referente ao trabalho musical de Luan nogueira possui sentido e significado. nada é por acaso. as letras, a diagramação e intitulação são feitas cautelosamente, com alguma proposta, por mais sutil que seja.

a geração Dele

não é à toa a proposta de fazer as pessoas pensarem e refletirem. Segundo Luan, sua geração “não está mais querendo pensar sobre o que ocorre na vida da sociedade”. Por isso e pelo amor à música, é que enfrenta algumas dificuldades. Ele acredita que o mais difícil de tudo é a divulgação e, o mais fácil, gravar um CD. De acordo com ele, não é tão caro como antigamente, e há maior acesso à tecnologia nos tempos de hoje. Quanto à internet, afirmou que ela ajuda demais na questão da divulgação, mas pro-move o aumento da competitividade, já que a maioria das pessoas possui acesso a manei-ras práticas e rápidas de publicação. Luan se define eclético. Renato Russo, Cazuza, Led Zeplin, Skank e Chico Buarque estão entre as favoritas do cantor.

Se você ainda não conhece o trabalho de Luan nogueira, vale a pena procurar conhecer. no blog (luanogueira.blogspot.com), no Palco MP3 (palcomp3.com/luannogueira) e no MyS-pace (www.myspace.com/luannogueira), você encontra tudo sobre o cantor e tem acesso às suas músicas. Música boa ainda existe, cantores bons, que promovem reflexão e que possuem “letras com letras”, também. ainda não chega-mos ao ponto de ter que voltar aos anos passados para contemplar qualidade musical. Muitos cantores como Luan estão por aí, espalhados, tentando buscar espaço por meio da qualidade, não só pela estética. É difícil, mas quem acredita sempre alcança...

Ruídobom deescutar

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Julho/2010 7

mariana cecília

Há muito tempo, a Mariazinha me disse para ficar quietinha em casa. Mas aí, eu ouvi um barulho. Era um barulho que vinha da rua. Eu fiquei tão curiosa! Quando prestei mais atenção, percebi que era o miado de um gati-nho. Subi na poltrona que ficava na sala. Era alta a janela. Dei um pulo, outro pulo. Caí lá de cima! O gatinho veio e me levou com ele. Foi uma aventura!

Quem viu tudo foi Dona alaíde Lisboa, uma professora que adorava ensinar crianças pequenas, como eu e Mariazinha. Ela achou minha aventura tão emocionante que acabou escrevendo tudinho. Desde então, muitas crianças lêem minha estória. Depois, Dona alaíde viu outras aventuras. Escreveu outros livros, acho que foram quase 30.

ao meu livro, ela deu o nome de “a bone-quinha preta”. acontece que sou preta como carvão, uso vestidinho vermelho, tenho olhos redondos e duas trancinhas. acho que o título do meu livro veio por conta de minha cor. na época em que minha estória foi escrita, há mais de 60 anos, havia poucas bonecas pretas. Poucos livros também. Dona alaíde foi a pri-meira á escrever para pessoas pequenas.

Os adultos também gostam de ler meu livro. Uma moça chamada Rosângela guerra, ela é jornalista, disse que sou “encantadora, uma estória que tem valor até hoje porque é delicada.” não sei se sou delicada, sei que sou sapeca. Essa moça, a Rosângela, disse tam-bém que meu livro vende até hoje. Ela acha que “a primeira tiragem, da Editora Francisco alves, se aproximou de um milhão de exem-plares”. É muito livro!

as professoras também gostam do livro que a Dona alaíde escreveu sobre mim. a pro-fessora Lilian da Cruz, por exemplo, já contou minhas aventuras para seus alunos. Ela disse assim: “eu gosto muito do livro, já li muitas vezes”. Lílian também falou sobre o precon-ceito: “a estória é interessante porque fala de uma boneca preta, isso ajuda as crianças a lidarem com a questão do preconceito”. nossa, a professora Lílian fala difícil!

na Biblioteca Estadual Luis de Bessa,

onde eu costumo passear, as pessoas gostam muito de mim. a coordenadora de lá se chama Drusília Xavier. Ela me contou que as crianças sempre procuram meu livrinho, “as vezes, as crianças ainda não conhecem a estória, então os pais apresentam o livro para os meninos. aí, eles acabam gostando.” Drusília também disse que os outros livros da Dona alaíde são procu-rados. a moça bibliotecária falou, ainda, que essas “são estórias que agradam a todos”.

além de professora, minha amiga alaíde Lisboa também foi a primeira vereadora de Belo Horizonte. isso aconteceu há muito tempo, em 1949. Sabia que as mulheres só puderam votar 1932? Quem me contou isso foi àquela moça de nome Rosângela guerra. Ela ainda falou que “alaíde foi pioneira, uma mulher à frente de seu tempo”. Eu não sei o que quer dizer a palavra “pioneira”, mas deve ser coisa boa!

além de vereadora, ela foi a primeira mulher na academia Mineira de Letras. Eu acho que essa academia é um lugar onde pes-soas que gostam de escrever se reúnem para conversar. Porém, Dona alaíde gostava mais de ser professora. Durante muito tempo, ela trabalhou para que a educação fosse fácil para todo mundo. isso é uma coisa muito impor-tante, vocês não acham?

no ano 2000, depois de contar minha estória e muitas outras estórias, a professora alaíde resolveu contar as suas próprias. Ela chamou o livro de “Se bem me lembro”. Eu ainda não aprendi a ler, mas acho que uma pessoa que fez tanta coisa deve ter muitos casos para contar. E quanto ao meu livrinho, ele foi relançado em 2004 pela Editora Lê. Foram apenas 400 exemplares. Você acredita que a Dona alaíde está dentro do livro? É só procurar as fotos dela entre as páginas. Eu achei bacana.

Uma vez, a dona alaíde me falou uma coisa muito bonita, que me deixou pen-sando. Foi bem assim: “que seria de nós se não sonhássemos um pouco? Ou melhor: que seria do mundo se os homens não sonhassem?” Foi aí que eu aprendi uma coisa; estórias para crianças devem ensinar aos adultos a sonhar...

Criada pela pena imortal da escritora

Alaíde Lisboa, a magia da

personagem vem

atravessando décadas,

encantando crianças de todas as gerações

Era uma vez... uma bonequinha

preta...

O bonequinho sapeca

Depois de ver minha aventura na cidade, dona alaíde

Lisboa viu também um bonequinho se

desmanchando no rio. Era o bonequinho construído

por duas menininhas que queriam um irmãozinho.

Ela achou a estória tão legal que também escreveu

tudo num livrinho.

À estória, dona alaíde deu o nome de “O Bonequinho

Doce”. assim como o meu, este livro também é lido

até hoje. a minha amiga, a jornalista Rosângela

guerra, me disse que quando era criança fez um

bonequinho igual ao das meninas. nossa, será que

alguém já fez uma bonequinha preta igual à mim?

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Julho/20108

nathália gorito

“Luz, câmera, ação!” Essa será, de novo, a frase mais usada pelos diretores da lendária Companhia Cinematográfica Vera Cruz. a maior produtora de filmes brasileira da década de 1950 reabre seus estúdios e volta com tudo após 33 anos fora do ar. a Vera Cruz está lançando LB Persona, filme que, além de retratar a vida de Lima Barreto, conta a histó-ria da realização de seu filme mais famoso, “O Cangaceiro” (1953). Com imagens de arquivo, depoimentos de atores e técnicos, com imagens ficcionais, a nova produção busca resgatar um grande momento do cinema brasileiro, em que filmes com

padrões internacionais eram produzidos no país. Logo após a estreia de LB Persona, será rodada a comédia É proibido beijar.

Com o objetivo de fazer cinema nacio-nal com padrões estrangeiros, a companhia foi fundada em 1949, pelo produtor italiano Franco Zampari e pelo industrial Francisco Matarazzo Sobrinho, em São Bernardo do Campo, São Paulo. Em apenas quatro anos, a companhia produziu e coproduziu mais de 40 filmes e foi considerada o primeiro estúdio profissional do país. a produtora recebeu vários prêmios internacionais com os filmes Sinhá Moça, Leão de Bronze, Cai-çara, Santuário e O Cangaceiro, um de seus maiores sucessos.

“Luz, câmera, ação!”

O Cangaceiro

Elenco

O lendário estúdio brasileiro, que

um dia quis ser uma espécie de

Hollywood tropical, quer reviver

seus dias de sucesso e de glamour

CIN

EMA

a Vera Cruz está de volta!

O Cangaceiro estreou em 1953 e recebeu 13 prêmios internacionais, entre eles o Prêmio internacional de Melhor Filme de aventura (Lima Barreto) e Menção Especial (Melhor Trilha Sonora) no Festival de Cannes. O Cangaceiro é um dos filmes brasileiros mais vistos de todos os tempos, tanto no Brasil quanto no exterior. O filme, baseado na vida de lampião, narra a trajetória de um bando

de cangaceiros que aterrori-zava os nordestinos no início da década de 1930. Mas o maior sucesso do filme foi a trilha sonora, com a música Muié rendeira, atribuída ao compo-sitor Zé do norte, que conquis-tou o prêmio de melhor trilha sonora no Festival de Cannes.

nascido em 1906, na cidade de Casa Branca, São Paulo, Lima Barreto foi um dos principais cineastas da Vera Cruz, onde ingressou em 1950.

Em 1951, dirigiu "Santuário", curta-metragem sobre os pro-fetas do aleijadinho em Congo-nhas do Campo. Em agosto do mesmo ano, o filme foi pre-miado no ii Festival de Veneza, na mostra de Filmes Científi-cos e Documentários. Em 1961, dirigiu seu segundo e último longa-metragem, a pri-meira missa. Lima Barreto morreu em 24 de novembro de 1982, vítima de enfarte, em um asilo em Campinas.

além de ter sido a maior companhia cinematográfica brasileira, a Vera Cruz tinha em seu elenco, atores reno-m a d o s c o m o a n s e l m o Duarte, que participou do fi lme Tico-tico no fubá (1952), Eliana Lage, protago-nista do filme Caiçara (1950), Ruth de Souza, que estrelou

no filme Sinhá Moça (1953) e muitos outros grandes artis-tas do cinema. Mas sua grande descoberta foi amácio Mazzaropi que atuou em Sai da Frente (1953).

O sucesso popular de Mazzaropi foi tanto que o ator acabou se dedicando pratica-mente ao cinema. Participou

de oito filmes como ator con-tratado e, em 1958, fundou a Pam Filmes, Produções amá-cio Mazzaropi. O cenário de todos os filmes de Mazzaropi foi a fazenda, o tipo "JECa", o caipira de fala arrastada, tímido, mas cheio de malícia, que arrastou multidões aos cinemas.

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Julho/2010 9

suzana costa

— Ô, minha filha! Eu tenho mais o que fazer! não posso ficar aqui ouvindo essa porcaria que vocês estão tentando me vender! Vai trabalhar!

Bem, para quem trabalha em call center, é comum esse tipo de resposta para um “bom dia”. E para Luciana não foi diferente. Todas as manhãs ela se levanta às seis horas, toma seu café, arruma o cabelo e vai para o ponto de ônibus. Sempre de óculos escuros para disfarçar as olheiras. Ela trabalha em um local que ela chama de “caos Cen-ter”

Ela é vendedora de planos e apare-lhos de celular e tem que telefonar durante sua jornada de trabalho para clientes de outras operadoras a fim de lhe oferecer uma “grande oferta”.

— Luciana, você sabe quais são as suas metas?

— Sim. Monitoria, tempo falado, tempo logado, pausas, e absenteísmo.

Esqueceu o mais importante, Luciana!

— ah, sim! as vendas!— Pois é! Pelo visto, você vem se

esquecendo dessa meta há quase um mês, não é? Que resultado é esse?

— infelizmente, não estou conse-guindo atrair os clientes. Eles estão sempre muito ocupados, não se interes-sam ou não têm o nome limpo...

Todas as manhãs, as reuniões com a supervisora eram mais ou menos assim. Depois de sua reunião, ela senta em sua P.a. (posição de atendimento) e começa a trabalhar.

— alô, bom dia! Meu nome é Luciana e sou consultora da opera-dora “TelCelular”. Com quem falo, por gentileza?

— Ô Joana, eu não quero saber nada de plano, nada de celular! (Os clientes, geralmente trocam o nome do atendente).

— Mas senhora, nós temos uma excelente oferta para a sua redução de gastos. atualmente a senhora é cliente de qual operadora?

— Da Celutel. — Qual é o nome da senhora?

Márcia? Então, dona Márcia, a senhora gasta, em média quanto por mês? O plano da senhora é de cartão

ou de conta?— Ô, minha filha, vem cá! Eu vou

ter que ficar aqui respondendo esse seu questionário com informações particu-lares? Eu tenho mais o que fazer!

— Mas, senhora, a TelCelular tem uma ótima oferta! a partir de agora, a senhora vai falar muito mais e gastar muito menos! E nem vai precisar sair de casa... Dona Márcia? alô, dona Márcia?

Luciana resmungava — Eu tam-bém estou trabalhando, senhora... O pior ainda estava por vir.

— Luciana, dá pra colocar pausa feedback e ir para a sala de monitoria? — Tinha sido monitorada — Oi, Luciana, tudo bem? Olha só, eu te monitorei em uma ligação... Me parece que o nome da cliente era Márcia. Você foi sinalizada em alguns pontos... E ela já estava imaginando o sabão que iria levar da monitora.

— Você deixou de realizar uma per-sonalização da ligação com a cliente. Você a chamou o tempo todo de “senhora”.

— Mas significa respeito!— Mas você poderia utilizar

“senhora Márcia”. assim, a cliente se sentiria particular, ela ouviria você falar. Depois eu te sinalizei em vícios de lin-guagem. Você disse em gerundismo, pelo menos, duas vezes na ligação. E não se pode de forma alguma utilizar o gerundismo. aqui você perdeu mais 12 pontos

— O que?— Bem, você ainda não sondou a

cliente. Lu, você deveria saber bem da cliente o que ela usa, o que ela gasta e qual é o perfil dela. Se você não sondou, me diga como você ofereceria um plano adequado ao perfil da cliente? aqui você perdeu mais oito pontos.

— Mas a cliente não quis res-ponder.

— E onde estava a sua argumenta-ção com a cliente? a gente tem que argumentar, tem que insistir com o cliente. De forma bem rápida, para que ela te ouça, entenda, goste e compre. De preferência, sem pensar.

—Eu tentei argumentar, mas ela desligou.

— Ela poderia ter ouvido você falar se você tivesse insistido com ela... — E blá, blá, blá... Era só o que se passava na

cabeça de Luciana. Ela acabou sendo sinalizada em outros pontos e tirou 50% em monitoria. E a supervisora não pode-ria deixar de reclamar.

— 50%¨, Luciana? Se a sua meta é de 85%, me diga, você está na meta?

— não estou.— Pois é, menina, vamos melhorar

isso! — a rotina da atendente era assim. “não posso falar!” “Olha aqui, estou um pouco ocupada, você poderia ligar mais tarde?” “Estou dirigindo” ”Vou entrar em uma reunião agora” “não tenho condi-ções!” Era o que ela ouvia todo o dia com meta para bater. E quanto a Dona Már-cia? De tanta raiva que ficou, Luciana agendou a ligação para mais tarde:

— alô, boa tarde! Meu nome é Luciana, eu sou consultora da TelCelu-lar, eu falo com quem?

— Boa tarde. Meu bem, já me liga-ram uma vez e eu não estou interes-sada.

— não está? E não gostaria de ouvir a proposta mais uma vez, dona Márcia?

— não, não! Muito obrigada!— agradecemos a atenção, tenha

uma excelente tarde! — Mas a raiva de Luciana ainda não havia passado. E ela agendou mais uma vez a ligação.

— alô, boa tarde! Eu sou consultora da operadora TelCelular, meu nome é Luciana, com quem eu falo?

— Olha aqui, dá para parar de me ligar? Eu não quero nada!

— alô? alô? Por falta de comunica-ção a TelCelular encerra essa ligação, muito boa tarde! — Luciana sabia que essa cliente jamais se lembraria de seu nome. Então, continuou a ligar, somente para deixar a dona Márcia ainda mais nervosa — alô, boa tarde! Meu nome é Luciana, eu sou... (dona Márcia inter-rompe)

—ah! Eu não acredito que são vocês de novo! Eu já falei que eu não quero nada! nada! nada! Parem de me ligar, parem! Tirem meu número daí, tirem porque eu detesto receber ligações de vocês! Vocês não sabem o que é traba-lhar, não?

— Senhora, me desculpe, não agendaremos mais o contato da senhora. Já será excluído de nossos dados. a Tel-Celular agradece a sua atenção e deseja-mos uma ótima noite!

Luciana já tinha deixado a cliente

furiosa, mas era hora de ir embora e não poderia mais ligar para a dona Márcia. a menos que ela agendasse para o dia seguinte. Foi o que ela fez: alô, bom dia!

— Bom dia!— Meu nome é Luciana, eu... —

dona Márcia interrompe: Minha filha! até eu já decorei seu script. O quê que você quer? Quer que eu te ouça? Tudo bem, eu vou te ouvir! Mas dá para falar rápido?

— Sim, senhora! Bem, dona Már-cia, a senhora é cliente de cartão ou de conta?

— De cartão.— E gasta em média quanto

por mês?— Uns 40 reais.— Tem um plano de qual ope-

radora?— Celutel.— a nossa operadora vai oferecer

para a senhora uma oferta (...) — até que enfim, dona Márcia ouviu o que ela tinha a dizer. gostou do plano e até com-prou: — Olha, eu até gostei, mas vocês não estão me enrolando, não, né? não estão dando o golpe não, não é? — Luciana nem acreditava. Minutos depois, foi chamada para saber sua nota: — Luciana, você foi muito bem com essa cliente! Contornou todas as obje-ções, foi rápida, construiu um bom argumento, vendeu. Estamos muito satisfeitos com a qualidade de suas liga-ções. Você teve uma excelência em atendimento. Sua nota foi 100%

Luciana ficou radiante! não conse-guiu bater suas metas, mas conseguiu convencer a dona Márcia a ouvi - La. E isso já era o suficiente para ela. nem parecia mais aquela desmotivada de sempre. De sua supervisora, não rece-beu elogios. apenas um “parabéns”, mas já estava acostumada. Mais um dia se acabou, Luciana foi para o ponto de ônibus, agora sem os óculos escuros. Passou maquiagem para disfarçar as olheiras. Já era tarde para os óculos. Foi pelo caminho mais rápido, foi para o seu cursinho, chegou em casa quase meia noite e se deitou. Porque amanhã, começará tudo outra vez.

N.R.Nossa homenagem a toda a galera que

faz faculdade, mas rala trabalhando em call center.

“alô, boM dia!”

A trágica saga

cotidiana de uma pobre

operadora de call center e sua cliente

muito (mas, muito

mesmo) desalmada...

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Julho/201010 igreja pluralgustavo lameira

na intenção de levar o amor de Deus a todos, e sem preconceito, a igreja Cristã Contemporânea chegou a Belo Horizonte, há dois meses, a pedido da comunidade gay da capital. Sob a direção dos pastores Marcos gladstone, 34, e Fábio inácio, 30, os primeiros nesta função a se casarem no Brasil, os cultos são realizadas a cada 15 dias, para um público – crescente – de 70 pessoas, num hotel na avenida amazo-nas, no centro da cidade. a sede da igreja fica no Rio de Janeiro, onde nas-ceu o casal, e tem cerca de 700 mem-bros espalhados por outras duas unida-des na Baixada Fluminense e em nite-rói. Em breve a Cristã Contemporânea estará também na cidade de São Paulo.

Desde o casamento, em novembro de 2009, eles despertaram a curiosidade da imprensa e são figuras fáceis em entrevistas e debates nos programas

populares da TV. nós não somos uma igreja gay, corrige Fábio, estamos de por-tas abertas para todos. acostumado ao meio evangélico, ele conta que sempre lutou contra sua homossexualidade, apesar de não se reconhecer noutra orientação. “Passei toda infância e ado-lescência sentindo que algo estava errado; para mim aquilo era doença, uma possessão maligna, um trauma; só não poderia ser normal”, disse. aos 18 anos, ainda fugindo, se tornou pastor na igreja Universal do Reino de Deus; época em que também engatou um noi-vado de quatro anos, com segundas intenções. “Resolvi dar em cima da moça, porque ela gostava de um cara que eu também estava a fim”, admitiu. Só mais tarde, uma crise de consciência o levaria a assumir e praticar sua sexua-lidade. “Um menino da igreja me procu-rou pedindo ajuda porque se sentia atraído por outro homem. aí, não supor-tei e larguei tudo”, explicou.

Depois disso, sua vida mudou. “Pas-sei a beber, a usar drogas, me prostitui e perdi meu pai. Sofri muito. a igreja fazia uma falta que eu não sabia; e as outras religiões não tinham nada a ver comigo”, desabafou. nenhuma religião declara abertamente em seus estatutos aceitar os homossexuais. Entretanto as mais liberais, e com maior número de adeptos gays, são as africanas, como o candom-blé e a umbanda. Em 2006, aos 30 anos, Fábio conheceu o pastor Marcos glasds-tone, que tinha uma história parecida com a sua, porém mais bem resolvida. Recém chegado dos Estados Unidos, ele era o líder de uma comunidade que abraçaria a todos sem distinção. – Mar-cos acabara de fundar no Rio de Janeiro a igreja Cristã Contemporânea, nos moldes da Metropolitan Church de nova York, voltada para o público gLBT – a partir daí, eles se tornaram amigos; e entre o primeiro aperto de mão e o beijo no altar, foram apenas três anos.

Segundo o Pr. Fábio, no site da igreja são deixadas diariamente mensagens de apoio e condenação, esta última, na maioria das vezes, por evangélicos. Mas garante que, fora isso não enfrenta maiores problemas. a igreja Cristã Contemporânea toma como base a Bíblia Sagrada, mas com algumas ressalvas no que diz respei to aos homossexuais e às regras para a prática do sexo. nestes casos, a instituição se apóia no livro-manual da Metropo-litan Church (nY) que atua-liza ou substitui a Bíblia no caso de algum erro de tradu-ção. na Contemporânea Cristã é pregada a salvação – céu / inferno – o sexo é permi-tido antes do casamento, dentro dos relacionamentos de fidelidade; para as cerimô-nias de União Entre iguais, é exigido o Contrato de União Homo afetiva, que não é uma certidão de casamento civil, ou garantia de recebimento de bens pós morte, mas sim um documento onde ambas as partes declaram, perante a lei, ter uma vida em comum.

Sobre o Projeto de Lei 122, que propõe punição severa aos crimes de homofo-bia, conhecido no meio evan-gélico por “Mordaça gay” – segundo seus opositores, o fato de emitir opinião contra o homossexualismo já confi-gura discriminação – Fábio pensa que há muito barulho por parte da bancada evangé-lica na Câmara e Senado federal, exatamente para demonizar a imagem dos gays perante a opinião pública. “não estamos aqui por capri-cho, temos o direito de ir e vir; o direito de culto pela consti-tuição, por isso criamos nosso espaço. Sei que não posso obrigar as pessoas a me acei-tarem, até porque passei grande parte da minha vida lutando contra isso; só exijo respeito”, concluiu.

Para além das paradas

gays e batalhas

judiciais, eles só querem

viver em paz com Deus e

com os homens

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Julho/2010 11

Ninguém sabe como

isso começou,

mas, intromissões,

palpites, críticas e

comentários e negativos, tudo isso é associado à figura da

sogra

GE

NTE

desvendaqueM

sogra o enigMa da

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?? ?? ???? ?

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?Deixar a sogra dar muito

palpite na vida do casal é um erro de muitas noras ou gen-ros. Simone ávila, casada há 11 anos, diz que o começo do relacionamento foi difícil, pois os descobrimentos, tanto De sua parte quanto da sogra, interferiam no relaciona-mento e, somente com o tempo o respeito, confiança e a amizade foram adquiridas entre elas. as pessoas generali-zam muito quando o assunto é sogra, pois transferem para a pessoa uma série de caracte-rísticas que são esperadas dela – mas que ela pode, às vezes, não ter. “O ideal é que os limi-tes já sejam colocados desde o

começo”, recomenda. a coisa muda de figura

quando o casal tem filhos, pois os conflitos, agora, passam a girar em torno dos cuidados das crianças. não são comuns os casos de sogras que adoram professar o que julgam correto quanto à alimentação, educa-ção e mimos. Simone explica que, “se os netos fazem algo errado, a culpa é da mãe (nora); mas, se são elogiados é porque se parecem com o pai (filho)”. Já alessandra Lima é incisiva e bem determinada quando se refere à sua sogra: “Ela não liga para meus filhos, só os vê quando fazem aniver-sário e olhe lá”.

a terapeuta alexandra conta que, é comum os casais apresenta-rem problemas de relacionamento, mas não só com as sogras — “na maioria das vezes, esses problemas já aconteciam durante a fase do namoro, ou seja, ninguém casa enganado”.

“O que acontece”, diz alexan-dra, “é que já existe um preconceito social na relação com as sogras e esta visão pode dificultar o estabe-lecimento de vínculos saudáveis; o

preconceito é representado da seguinte forma: se o sogro é visto como um segundo pai, um amigo; a sogra é vista como a velha chata, linguaruda, que sempre mete o nariz onde não é chamada".

E o mesmo ocorre com a nora, que é vista como a rival, aquela que rouba o filho, enquanto que o genro é tido como um filho, para quem a mãe da mulher faz os melhores doces. alexandra diz que, em seu consultório, chovem reclamações:

“não aguento minha sogra, não sai lá de casa!”; “Tudo que eu faço a mãe dele reclama!”; “Ela fala que sou ciumenta, mas ela que é.”; “não, aguento mais ter que almo-çar todo domingo na casa da sogra!”; “acho que minha sogra acha que é mãe do meu filho, quer ficar cuidando dele 24 horas”; “Minha sogra trata meu marido como neném!”.

Essa não é uma imagem exclu-siva da cultura brasileira, “mas

aqui, ganhou contornos únicos”, observa o sociólogo Stefano de Melo Jr., que chama a atenção para a imensa lista de manifestações da cultura popular que usam a sogra como uma figura do mal. “Vem das marchinhas de carnaval à litera-tura de cordel, mas aqui mesmo em Minas, já recebeu o status de uma personagem épica, nos desenhos do Celton, quando vai enfrentar ninguém menos que o diabo — e ganha dele na briga”.

BatenDo na tecla

a prática dessa convivên-cia, em muitos casos, confirma a teoria. alessandra Lima, 34, casada há 17 anos, conta que a primeira impressão que teve de sua sogra não foi boa — “achei-a muito arrogante, pensando que era a dona do mundo”. Bárbara Ribeiro, estudante, namora há quatro anos e defende sua sogra sempre que pode. “acho que ela é um amor de pessoa”, diz Bárbara, acres-centando que a mãe de seu amado “sempre faz a comida que eu gosto, quando sabe que eu vou a casa dela”. Para Bár-bara, essa relação é de suma importância para que seu rela-cionamento com o namorado dê certo. Ou seja, reconhece-se que a sogra, seja como for, tem lá sua influência.

Há casais que se sentem tão incomodados com as desa-venças com as sogras, que chegam a recorrer a psicólo-gos e terapias de casal. a psi-cóloga e terapeuta de casal, alexandra Paiva, especialista em intervenções e práticas sistêmicas com família e casal, explica que, a terapia de casal tem a função de facilitar que o casal identifique os proble-mas, descubra o que o moti-vou e verifique a forma como vem reagindo às dificuldades.

alexandra reconhece que a falta de dialogo dificulta bas-tante para que o relaciona-mento dê certo. Para ela, psicó-logo não tem o objetivo de unir ou separar os casais, “pois isso é o próprio casal quem decide”. Já o terapeuta, é um facilitador e cria as ferramentas necessá-rias para que eles possam resolver suas questões e tomar suas decisões.

lorrayne Peligrinelli

Por que se formou esse mito sobre a sogra? Será essa uma pergunta sem resposta? Será que, realmente, a sogra representa um impasse no relacionamento ou uma amiga que se deve descobrir para aprender a conviver? na visão popular, ela é vista como alguém que destrói lares e torna a convivência do casal mais difícil. Quem nunca ouviu a piada que diz: “nunca tenha uma sogra com nome de Esperança, porque é ela sempre a última a morrer”? no último 28 de abril come-morou-se o “Dia da Sogra”, mas como é que se come-mora esse dia, se a figura da sogra continua execrada no imaginário popular?

a crueldade está pre-sente em cada referência com que a sabedoria popular

contempla a sogra: "Sogra não é parente, é castigo"; "Sogra boa é a que já morreu"; "Deus fez a mãe e o diabo fez a sogra". a palavra sogra vem do latim vulgar, socra, que substituiu o latim clássico socrus, que significa mãe do marido, em relação à mulher; ou mãe da mulher, em rela-ção ao marido — em seu sig-nificado original não há qualquer referência a malda-des; ao contrário, a figura do sogro é vista como “do bem”. Curioso é que só recente-mente a palavra ganhou sua versão masculina, sem que esta carregue nenhum sen-tido pejorativo. Os historia-dores acreditam que, como as noras e sogras passavam muito tempo juntas, devido à realização das atividades domésticas, tinham mais possibilidade de gerar confli-tos e desavenças.

encaranDo o DiaBo

só PalPite infeliz

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Julho/201012

ciBele inácio

enquanto o sol se põe, o trânsito vai ficando lento, o barulho de buzinas aumenta e a fumaça... tudo um pouco mais intenso e acompanhado de stress, afinal é sexta-feira. no rádio de um carro ouve-se: “Boa noite, Belo Horizonte, são seis horas!”. e é chegado o fim de mais uma semana onde o corre-corre diário, a necessidade de se trabalhar muito para sobreviver, a competitivi-dade e a ganância fazem dos cinco dias úteis que temos, insuficientes para que na sexta-feira pos-samos dizer: “acabou!”

o centro da sexta cidade mais populosa do

país, segundo o iBge, não está em alvoroço por-que as pessoas estão indo para casa. apesar da longa semana, para alguns o caminho após o tra-balho na sexta-feira não é o mesmo feito na segunda, terça ou quarta. e nem o frio, fator comum nessa transição outono/inverno, é capaz de fazer com que as pessoas prefiram o aconchego do lar. os bares do centro da capital são o alvo. ali mesmo, nas redondezas da Praça sete: Bang Bang, café Bahia, fórmula 1, Pop & Kid, entre outros... É pra lá que grande parte se direciona. e o som das buzinas, a poluição e o stress são troca-dos por boa música, bebida e companhia.

Jovens, adultos, velhos, não importa a

idade. amigos se unem para esquecer tudo o que foi e o que virá. “o importante é curtir o momento” — conta o assistente administrativo felipe duarte, 26 anos, frequentador do café Bahia nas noites de sexta-feira. ele fala que “é de lei sair pra beber com os amigos na sexta à noite pra colocar a conversa em dia.” e já que está solteiro, “pode até pintar alguém interes-sante”. maria silveira e Juliana amorim, comerciantes e amigas, frequentam o Pop & Kid. o lema das duas é “relaxar e esquecer tudo, afinal é preciso por fim no stress acumu-lado, já que outra semana está a caminho e logo é hora de recomeçar.”

Enquanto alguns vão em busca de descanso, outros vão a trabalho. É notável o número maior de policiais pelas ruas da cidade na sexta-feira. gerentes, gar-çons, seguranças, músicos, taxistas, camelôs, catado-res... Para eles, a sexta à noite significa muito trabalho. É possível perceber os geren-tes, na maioria das vezes perambulando pelo local, atentos como os seguranças, se certificando de que o cl iente é bem atendido. Quem também não para é quem fica atrás do balcão.

Fritando batatas, montando as bandejas, enchendo os copos. no Pop e Kid, para atender a sede da clientela, são vendidas em média 70 caixas de cerveja por semana. O número da sexta-feira é desconhecido, mas é sabido que o movimento é bem mais intenso nesse dia.

“não é o tipo de traba-lho que estressa” — afirma alberto Moreira, 42 anos, segurança do Pop & Kid. Ele pode ser visto de qualquer ponto do bar, com sua esta-tura um pouco acima da média, forte, seus trajes

f o r m a i s e o l h a r s é r i o , andando de um lado para o outro sempre alerta, pondo pra correr qualquer um que pense em incomodar os c l i e n t e s d o b a r n e s s e s momentos tão preciosos. E funciona. alberto conta que, a partir de quinta-feira, o bar começa a ficar movimentado, “mas é na sexta que enche mais” — diz. Quase não ocorrem ocasiões em que ele precisa agir, “as noites, na maioria das vezes, são bastante cal-mas” — conclui o segu-rança.

Beagá, sexta-feira,

seis da tarde...

Para uns lazer, para outros deverentre 11 horas e meia noite, as pessoas começam a deixar os bares. afinal, teve-se uma longa semana e apesar de “desestressar”, “nada melhor do que a casa da gente, um banho quente e cama para repor as energias” — fala emerson Paiva, 24 anos, que costuma ir ao bar toda sexta-feira, acompanhado dos amigos, todos operadores de telemarketing. eles não têm preferência por bar, “qualquer um da Praça sete, que tenha uma mesa disponível onde caiba todo mundo” — contou o amigo michel Bruno, 23 anos, com um largo sorriso no rosto e um copo vazio na mão: “a gente reúne a galera e curte um ambiente gostoso, mas a palavra trabalho é proibida!”

Hora de ir para casaExpediente encerrado, hora de

afrouxar a gravata e ir

pro bar, enfim, a liberdade

ag

ito

ScibElE inácio

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Julho/2010 13

Trabalho infanTil

A idade mínima para ingressar no mercado de trabalho é 16 anos, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente,

mas ninguém

respeita isso

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NTE

só auMenTa a pobreza

amanDa carolina Da silva

Estudos comprovam que o trabalho infantil contribui para o aumento da pobreza, pois as crianças deixam de estudar. Quando chegam à vida adulta, o máximo que conseguem são trabalhos em condições precá-rias, aumentando assim a necessidade do reforço da mão de obra infanto-juvenil — ou seja, o trabalho infantil é um ciclo vicioso.

“Pior é que se trata de uma realidade difícil de mudar”, afirma a assistente social Tiara Fernandes. “O sistema ainda está engatinhando, faltam muitos recursos não só finan-ceiros, há falta também de boas estruturas e de profissionais c a p a c i t a d o s ” , re c l a m a . Segundo Tiara, as pessoas ainda têm que saber que o assistente social não ajuda as crianças porque é bonzinho — “Corremos atrás disso, porque é um direito das crianças e ado-lescentes terem essa ajuda.”

a lei está no Estatuto da Criança e do adolescente - ECa, e admite o trabalho, em geral a partir dos 16 anos, exceto no caso de trabalhos noturnos, para os quais a idade mínima exigida é de 18 anos. Também é permitido que os adolescentes de 14 anos traba-lhem, mas somente na condi-ção de aprendiz.

O que mais impressiona é que ainda se vê muitas crian-ças com idade inferior a 14 anos, trabalhando para ajudar no sustento da casa. É o de João (nome fictício), 13 anos. “Tra-balho para ajudar minha famí-lia; meu pai está desempre-gado, só faz uns bicos de vez em quando, e minha mãe tem que cuidar dos meus irmãos, então eu tenho que sair pra trabalhar e ajudar em casa”, diz. Mas, como qualquer criança de sua idade, João não deixa de sonhar — “Eu não queria estar

aqui, queria era poder estudar mais e jogar bola com meus amigos agora.”

Onde está o Conselho tutelar nessa história? Tiara explica que, caso o Conselho Tutelar receba alguma denun-cia, esta será investigada. “Se for constatado que houve um abuso, a família irá responder a um processo, e receberá ajuda profissional de um assistente social e um psicólogo para con-seguir sair da situação de risco”, explica. Segundo Tiara, caso a família não consiga resolver o problema, “em última instancia, poderá até perder a guarda dos filhos.”

as responsabilidades da família são grandes. Entre elas, preservar a integridade física e moral da criança e do adolescente, garantir a eles uma vida digna, com acesso a saúde, escola, lazer, alimenta-ção, esporte. Caso a família não consiga, quem deve inter-vir é o Estado, que oferecerá todo suporte para ajudar a família a se reestruturar. “ainda falta muito para que essa realidade mude, mas ainda podemos fazer algo pra ajudar”, explica Tiara.

a conscient ização da população é de fundamental importância “ todos devem saber que você não está aju-dando uma criança dando a ela dinheiro no sinal, ou com-prando as balinhas que ela vende, você só esta contri-buindo para que ela continue lá”, explica. apesar de todas as adversidades, as crianças ainda têm sonhos e lutam por uma vida melhor, como no caso de João. no entanto, os sonhos, quase nunca, se transformam em realidade. Mas, como a esperança é a última que morre, nas ruas, nas oficinas, nos sinais de trânsito, essa esperança equilibrista conti-nua pedindo passagem pra viver a vida.

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Julho/201014

uM ‘abecedário’ diferenTe

Diogo leão aluno Da cEntral DE

ProDução Jornalística (cPJ)

“O Brazil nunca foi ao Brasil”, teorizava o poeta a ldy r B lanc , no samba “Querelas do Brasil”, eterni-zado na voz de Elis Regina, c i t ando pa l a v ra s como pererê, jabuti, tapir, jereba, ariranha.. . entre outras palavras que um Brazil com “z”, de hot dogs e downlo-ads, insiste em desconhecer. Segundo aldyr, o “Brazil tá matando o Brasil”. não, se depender de alguns dos mais de 1500 verbetes do

“abecedário da Religiosi-dade Popular, Vida e religião dos pobres”, segundo Fran-ciscus Henricus van der Poel. Quem? Frei Chico, um frade holandês com quase 50 anos de Brasil.

Ele, que é um dos autores do clássico “Beira-Mar”, gra-vado até por Milton nasci-mento e pela dupla Pena Branca & Xavantinho, é coau-tor da obra junto com Lélia Coelho Frota, que está em ponto de bala, depois de mais de 15 anos de preparação.

O livro reúne elementos necessários para a compreen-

são da cultura popular, espe-cialmente da cultura afro-brasileira, focada principal-mente na região do Vale do Jequitinhonha. nele apare-cem elementos tanto religio-sos quanto do dia a dia do povo — desde comidas e remédios até armas. Cada letra do alfabeto é introduzida com um desenho de Maria Lira Marques, musicista e artesã do Jequitinhonha.

O ‘abecedário’ está desti-nado a artistas, jornalistas, educadores, professores, pes-quisadores das áreas de ciên-cias sociais e humanas, reli-

giosos, e todos que desejam refletir sobre a vida e a fé dos pobres. Segundo Frei Chico, “infelizmente é comum a opinião de que a alfabetiza-ção, a organização do traba-lho, a democratização da sociedade podem ser resolvi-dos sem a cultura. E a religio-sidade popular é cultura”.

Desde a juventude , ainda na Holanda, Frei Chico sempre teve interesse pela cultura do Brasil — ele conta que ouvia muita música bra-sileira por lá. “Lembro-me de ter l ido ‘Os Sertões’, de Eucl ides da Cunha, em

holandês. O tradutor pedia desculpas por não conseguir traduzir algumas finezas do vocabulário popular”, conta o frade. Mais tarde, em ara-çuaí, uma das cidades mais importantes do Vale do Jequitinhonha, Frei Chico teve profundo contato com a cultura popular, em diversos patamares — do artesanato à música, passando pela dança e culinária. adicionado a sérios estudos, este contato o capacitou à elaboração da obra. O Brazil com “z” tem, agora, uma chance bem maior de conhecer o Brasil.

frei chico: "os sertões", em holandês

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A organização do

trabalho e democratização da sociedade não podem

ser resolvidos sem a cultura

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Um dos programas

mais antigos do rádio brasileiro, “A Voz do

Brasil” tenta algumas

mudanças para fugir do anacronismo

de sua imagem

DiO

Diogo leão aluno Da cEntral DE ProDução Jornalística (cPJ)

no dia 25 de setembro celebra-se o Dia do Rádio. a Voz do Brasil, no ar há mais de 70 anos, é um dos programas de rádio mais antigos e mais conhecidos do Brasil. Trata-se de um programa de transmissão obrigatória — em horário nobre — em todas as transmissoras de rádio brasileiras, com informações sobre o governo federal. O programa, que teve origem em 1935, com o objetivo de informar à população a respeito das realizações do governo federal, foi utilizado amplamente durante as ditaduras Vargas e militar. a transmissão do programa, sempre às 19h, para todas as emissora de rádio do país, é obrigatória até hoje.

“a questão de ser obrigatório, por si só é um problema. na televi-são não vemos este caráter compul-sório para garantir audiência, sabe-mos que o rádio é um meio de comunicação mais barato, mais popular, que atinge áreas que a tele-visão não. Este nível de obrigatorie-dade é contraditório para a demo-cracia”, diz o professor Rodney Souza Pereira, cientista político do Centro Universitário newton Paiva. “O Vargas criou isso com um propó-sito muito claro, falar bem dele, e gerar uma imagem positiva dele mesmo para a população brasi-leira”, completa o professor.

Conforme o próprio site da EBC – Empresa Brasil de Comuni-cação, a qual se encarrega de parte da produção de a Voz do Brasil (http://www.ebcservicos.ebc.com.br), o programa, criado no Estado novo, teve um papel central de propaganda positiva da ditadura Vargas e de outros governos. a Voz do Brasil ainda é fonte de informa-ção de certa parcela da população. no entanto, a partir de 1985, com o fim da ditadura militar, cada vez mais aparelhos de rádios passaram a ficar desligados durante a trans-missão do programa.

reformulações

Em 1998, o programa foi refor-mulado, com a colocação de novas vinhetas e até mesmo com a con-tratação de uma apresentadora para ajudar na locução dando ao

programa uma nova identidade sonora. Já em 2003, o programa passou por uma reforma editorial mais profunda. O tradicional “Em Brasília 19 horas” foi substituído por “7 da noite, em Brasília”. a parte do programa de interesse do poder executivo adquiriu um enfo-que mais jornalístico e abriu os microfones para a população per-guntar, avaliar e comentar os proje-tos do governo abordados no pro-grama. no entanto, mesmo remi-xado ao ritmo de forró, samba, choro, bossa-nova, capoeira, moda de viola e até techno, “O guarani”, de Carlos gomes continua na aber-tura do informativo.

O professor Elias Santos, dire-tor executivo da rádio da UFMg ligado à EBC e que também leciona matérias ligadas a radio e TV tanto na UFMg quanto na newton Paiva, afirma que não vê “a Voz do Brasil como intuito da ditadura”. Segundo o professor, “getúlio Var-gas foi fundamental para o rádio, ele liberou a publicidade no veículo e assim o rádio pôde crescer no Brasil, passando de amador à pro-fissional”. Ele alerta que as mudan-ças dos últimos anos foram signifi-cativas e conta que “já houve até críticas ao governo no programa”. Hoje, o governo conta com a TV Senado e TV Câmera para divulgar suas ações, mas, lembra Elias, “os senadores e deputados não largam o osso. Eles não largam o rádio. Há lugares na região metropolitana de Belo Horizonte onde só pega rádio, e televisão só com parabólica. É muito interessante ver a força que a Voz do Brasil ainda tem”.

apesar de todas as mudanças já ocorridas no programa, o professor Rodney Souza Pereira continua dizendo que “se os tempos muda-ram, tem que ter maior flexibilidade quanto ao horário e ao tempo de audiência”. Elias Santos concorda que a obrigatoriedade de transmis-são do programa em todas as emisso-ras do Brasil no atual horário “é uma coisa arcaica”, porém conclui que, “não porque venha da ditadura, mas sim de uma sociedade diferente, de uma lógica segundo a qual as pessoas param de trabalhar às 19h. Hoje, isso não é mais verdade. Hoje tem pes-soas que trabalham à noite ou que estudam à noite”.

voz do brasil?essa ainda é a

Uma das pessoas que mais influenciaram nas últi-mas mudanças do programa a Voz do Brasil foi Eugênio Bucci , ex-pres idente da Radiobrás. Em uma entrevista publicada na revista “a Rede” (cfr. http://www.arede.inf.br/inclusao/edicoes-anterio-res/48-2009-06-15-06-05-23/173) o professor comenta que “se uma manifestação pública acontece em Brasília, protestando contra a reforma da Previdência, por exemplo, e isso tem impacto sobre as decisões que o governo está tomando, é um fato que, obri-gatoriamente, precisa ser noticiado na Voz do Brasil”.

Em ou t ro t recho da entrevista Bucci comenta: “O espantoso é notícias como essa serem omitidas, como se fosse um fato que nunca ocorreu. Quando se omite um fato relevante desse tipo, o ouvinte, que só se informa pela Voz do Brasil, terá sido agredido no seu direito à informação”.

Quem financia o pro-grama vai querer falar contra ele mesmo? Eugênio Bucci responde que o programa “depende financeiramente do d inhe i ro púb l i co . O dinheiro não é do governo. O brasileiro precisa de informa-ção de qua l idade sobre governo, Estado e vida nacio-nal. Muitas áreas do Brasil dependem, exclusivamente, da informação produzida pela Radiobrás”.

Quem financia é o dinheiro

público

sabrina assumPção

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Hip

-Ho

p

anDré coelho aluno Da cEntral DE ProDução Jornalística (cPJ)

as mãos erguidas saúdam a batalha de conhecimento. Entre um turno e outro da disputa, o MC Monge, apresen-tador do Duelo de Mc’s e um dos componentes da Família de Rua, coletivo que organiza o evento, manda a real. acon-tece que no dia três de setembro, a Polícia Militar, acompa-nhada por câmeras da Rede globo, resolveu dar uma de “Tropa de Elite” e entrar com pé na porta e soco na cara, numa operação em pleno Duelo. O resultado foi um espec-tador baleado. “Eles [o sistema] fazem isso porque sabem que é o movimento popular que pode tirar eles de lá”, dis-cursa seguido de aplausos e gritos de apoio. O MC Dmorô, outro apresentador, acompanha. “E quem tiver twitter, coloca lá a hashtag ‘vai pro inferno Rede globo’” e manda

um gesto obsceno. Monge emenda com um salve a todos os movimentos populares do Brasil e do mundo.

“na verdade, cara, a gente é muito insistente com a Polícia Militar”, explica PDR Valentim, um dos cinco mem-bros ativos da Família de Rua. “a gente já se reuniu com o batalhão de polícia que toma conta aqui da região várias vezes, fizemos várias cartas, vários ofícios, fomos a várias comissões, reuniões” e o resto a gente conhece. a polícia começa a trabalhar por algum tempo e depois some. Só os fardados saírem, que o tráfico e o consumo de drogas volta a acontecer sem disfarce. “aí eles vêm com o discurso de que estavam monitorando há algum tempo”, continua. Fora a perna ferida do homem baleado, o resultado foi o medo, apreensão e sentimento de insegurança dissemi-nado por quem deveria dar segurança. angústia, revelada por PDR, e revolta para os discursantes no palco.

duelo de Mc’sdá o grito da rua

e não falha

Hoje, o duelo de MC´s é parte

da agenda cultural da cidade

Há três anos a parte de baixo do o viaduto Santa Tereza (Rua aarão Reis, em frente ao número 554, mais ou menos) é ocupada pelo Duelo de Mc’s. a ideia veio a partir de uma etapa da Liga dos Mc’s, disputa nacional criada no Rio de Janeiro, executada em BH, no Lapa Multishow, em agosto de 2007. “a galera pagou ingresso para ver e foi muito bacana, repercutiu bastante”, comenta PDR. Uma semana depois, os primeiros duelos acon-teceram na Praça da Estação.

a Família de Rua é quem organiza tudo ali. O coletivo cul-tural foi criado especialmente para a demanda gerada pelo Duelo. Com o crescimento, o evento passou a precisar de cai-xas de som e de diversidade. PDR esclarece: “Era vontade pessoal de cada um [dos compo-nentes da Família de Rua] que existisse não só um evento do elemento Mc, mas algo que fosse da cultura hip hop”. Convi-daram grupos de rap e black music para tocar no duelo, cha-maram grafiteiros para enfeitar o lugar, DJs para tocarem os beats do duelo, e bboys e bgirls para a dança.

Hoje, o Duelo de Mc’s é parte da agenda cultural da cidade. É algo entre o mains-tream e o underground. Divul-gado nos maiores veículos de comunicação do estado, o evento não se restringe ao movimento hip hop de BH e região metropolitana. Há pre-sença maciça de gente em busca de cultura alternativa.

Fora a estranha operação policial, o evento sempre corre bem. apesar de ter, como diz PDR, a galera que vai para atra-palhar, que tem em todo lugar. Mas ali, o papo é reto. “Se não quiser vir para respeitar, since-ramente, não venha”, diz Monge em uma de sua falas no palco, com o apoio de PDR. “Eu tenho que respeitar o cara que fuma maconha, mas o cara que fuma maconha tem que respeitar o espaço”. Deixam bem claro que ali é lugar do que é legítimo, assim como a cultura de rua: expressão pura, vinda do movi-mento popular, de quem precisa gritar para ser ouvido.

Ocupação cultural

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