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A professora Joana de Jesus Lima e a “sua” casa-escola em Lagoa Grande-PI 1972 a 1984. JÉSSIKA MARIA LIMA O presente trabalho visa construir a trajetória de vida da professora Joana de Jesus Lima focando em sua carreira docente e em “sua” casa-escola. Para a realização desta pesquisa foi necessário à utilização de fontes bibliográficas e relatos memoriais. Nossos entrevistados foram: a professora aposentada Joana de Jesus Lima (82 anos), a ex-aluna Maria José Sousa Sales (61 anos), a ex-aluna Carmeci de Jesus Sousa (57 anos) e o ex-aluno Agenor Rocha (57 anos). A história da educação está interligada com a vida dos professores, pois podemos compreender o modo de ensino referente a uma determinada época a partir de suas trajetórias, na qual se pode concluir que são correlacionadas, de acordo com isso, poderemos entender um pouco mais sobre a formação do conhecimento docente que a professora Joana Lima construiu com base em suas vivências e assimilar as formas de ensino que persistiram no âmbito rural. De acordo com Jane Bezerra (2009: 46 apud Goodson 1995: 95): Os estudos referentes às vidas dos professores podem ajudar-nos a ver o indivíduo com a história do seu tempo, permitindo-nos encarar a intersecção da história de vida com a história da sociedade, esclarecendo, assim, as escolhas, contingências e opções que se deparam com ao indivíduo. ‘Histórias de vida’ das escolas, das disciplinas, e da profissão docente proporcionariam um contexto fundamental. A incidência inicial sobre a vida de professores reconceptualizaria, por assim dizer, os nossos estudos sobre escolaridade e currículo. Rememorar é um ato que se apoia em pontos de referências, momentos que marcaram a lembrança individual. As recordações mais distantes permanecem submersas em nosso inconsciente, e precisa na maioria das vezes evocá-las para que elas possam surgir. “Se as lembranças às vezes afloram ou emergem, quase sempre é uma tarefa, uma paciente reconstituição” (BOSI, 1994: 39). As recordações são revestidas por valores e sentimentos que cada sujeito atribui as etapas de sua vida, são modificadas com a visão que a pessoa tem da atualidade, ou seja, elas passam por uma espécie de releitura. * UFPI, mestranda no Programa de Pós-Graduação em História do Brasil.

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A professora Joana de Jesus Lima e a “sua” casa-escola em

Lagoa Grande-PI – 1972 a 1984.

JÉSSIKA MARIA LIMA

O presente trabalho visa construir a trajetória de vida da professora Joana de Jesus

Lima focando em sua carreira docente e em “sua” casa-escola. Para a realização desta

pesquisa foi necessário à utilização de fontes bibliográficas e relatos memoriais. Nossos

entrevistados foram: a professora aposentada Joana de Jesus Lima (82 anos), a ex-aluna Maria

José Sousa Sales (61 anos), a ex-aluna Carmeci de Jesus Sousa (57 anos) e o ex-aluno Agenor

Rocha (57 anos).

A história da educação está interligada com a vida dos professores, pois podemos

compreender o modo de ensino referente a uma determinada época a partir de suas trajetórias,

na qual se pode concluir que são correlacionadas, de acordo com isso, poderemos entender

um pouco mais sobre a formação do conhecimento docente que a professora Joana Lima

construiu com base em suas vivências e assimilar as formas de ensino que persistiram no

âmbito rural.

De acordo com Jane Bezerra (2009: 46 apud Goodson 1995: 95):

Os estudos referentes às vidas dos professores podem ajudar-nos a ver o indivíduo

com a história do seu tempo, permitindo-nos encarar a intersecção da história de

vida com a história da sociedade, esclarecendo, assim, as escolhas, contingências e

opções que se deparam com ao indivíduo. ‘Histórias de vida’ das escolas, das

disciplinas, e da profissão docente proporcionariam um contexto fundamental. A

incidência inicial sobre a vida de professores reconceptualizaria, por assim dizer,

os nossos estudos sobre escolaridade e currículo.

Rememorar é um ato que se apoia em pontos de referências, momentos que marcaram

a lembrança individual. As recordações mais distantes permanecem submersas em nosso

inconsciente, e precisa na maioria das vezes evocá-las para que elas possam surgir. “Se as

lembranças às vezes afloram ou emergem, quase sempre é uma tarefa, uma paciente

reconstituição” (BOSI, 1994: 39).

As recordações são revestidas por valores e sentimentos que cada sujeito atribui as

etapas de sua vida, são modificadas com a visão que a pessoa tem da atualidade, ou seja, elas

passam por uma espécie de releitura.

* UFPI, mestranda no Programa de Pós-Graduação em História do Brasil.

Sobre a lembrança de velhos, o principal assunto tratado na obra de Bosi, se torna

pertinente para a compreensão deste trabalho, pois será possível construir a trajetória de vida

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como professora da senhora Joana Lima a partir da sua narração com base em sua memória.

Segundo Bosi (1994: 60):

Um verdadeiro teste para a hipótese psicossocial da memória encontra-se no estudo

das lembranças das pessoas idosas. Nelas é possível verificar uma história social

bem desenvolvida: elas já atravessaram um determinado tipo de sociedade, com

características bem marcadas e conhecidas.

As lembranças de pessoas idosas têm a característica idônea de apresentar as

evoluções/rupturas das sociedades. Uma fonte viva capaz de transcrever emoções históricas

de um dado momento.

A história oral é um dos meios de construção do passado e foi escolhida para narrar a

história da casa-escola, essa que não está incluída na História Oficial, é interessante salientar

que os relatos memoriais possuem um elevado grau de detalhes e a forma como é relatado

torna o fato mais vivo, mais perto. É proeminente ressaltar, mesmo que o ser que conta os

fatos seja participante daquele momento, as suas experiências de toda a sua vida, sejam elas

passadas ou atuais, vão de certo modo modificar a sua visão.

Pensar a memória historicamente é ver o quão relevante ela foi para as comunidades

não letradas ate chegar à sociedade da atualidade. O que podemos perceber é a importância

que cada uma delas atribui às lembranças e como elas a utilizam de acordo com sua

necessidade. Antonio Torres Montenegro (2013: 18) afirma: “A memória contém os

elementos básicos para a construção de uma concepção histórica”.

A memória coletiva está correlacionada com a individual, na qual um fato grupal se

entrelaça com a experiência pessoal, gerando conotações divergentes, isso se explica a partir

do ponto de vista do sujeito, isso porque a sua narrativa foi moldada de acordo com sua

subjetividade,

Uma memória coletiva se desenvolve a partir de laços de convivência familiares,

escolares, profissionais. Ela entretém a memória de seus membros, que acrescenta,

unifica, diferencia, corrige e passa a limpo. Vivendo no interior de um grupo, sofre

as vicissitudes da evolução de seus membros e depende de sua interação(BOSI,

1994: 408-411).

Le Goff (1990: 423) aborda: “A memória, como propriedade de conservar certas

informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às

quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa

como passadas”. O sujeito sempre estará fazendo releituras na narração de suas experiências.

Sobre o cenário educacional piauiense, o Estado se empenhou em expandir o Ensino

Primário pelo território piauiense, tentando atingir principalmente os interiores, visto que à

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maioria da população residia na zona rural e consequentemente a taxa de analfabetismo era

alta. O censo demográfico de 1970 aponta que a população entre 5 a 14 anos de um total de

501.215, 403.880 não sabiam ler nem escrever.

Já se tinha em mente, para ter uma sociedade desenvolvida deveria investir em

educação,

Coube ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), criado em 1937, por

iniciativa de Gustavo Capanema, ministro da educação naquele período, elaborar

um programa geral de construções escolares no interior do país, pois a inexistência

de prédios escolares era tida como um dos principais fatores que contribuíam para

o agravamento da situação do Ensino Primário no Brasil, vinculada a uma enorme

taxa de analfabetismo que o país possuía, especialmente, na zona rural (SANTANA,

2011: 65).

Prova disso, no estado piauiense vários municípios foram selecionados, de acordo com

a Repartição das Escolas no Piauí, produto dos acordos produzido com INEP 1948 –1952, em

Alto Longá – PI foi contemplado com quatro prédios escolares (SANTANA, 2011: 94). Um

avanço para educação dessa região, porém, não foi o suficiente para alcançar toda sua

delimitação territorial, a confirmação disso, é que a Lagoa Grande, o lugar da casa-escola em

foco, não foi alcançando. Aqui entra uma questão relevante a ser tratada referente aos

interesses políticos,

É notório que a política educacional dos governantes nos anos de 1940 a 1970

atendia precariamente à zona rural. Vale ressaltar que o critério de escolha dos

locais das construções ou reformas dos grupos escolares não estava exposto

claramente nas fontes escritas, o que leva à dedução de que isso se dava de acordo

com a demanda por matrículas e com os acordos políticos realizados entre os

fazendeiros e as lideranças políticas que estavam no poder naquele momento (SANTANA, 2011: 96).

A educação rural piauiense se desenvolveu de forma lenta e deficiente, por

consequência de vários motivos,

O ensino rural deixado a cargo do município enfrentava dificuldades, uma vez que

muitos deles não tinham condições de manter essas escolas em pleno

funcionamento. Assim, a maioria dos municípios não implantava políticas

educacionais que atendessem as necessidades locais e, em consequência, o ensino

era realizado em espaços sem uma estrutura própria, como, por exemplo, a casa da

professora ou de algum fazendeiro, onde era cedido um cômodo para que o poder

público municipal ofertasse o Ensino Primário (SANTANA, 2011: 85).

Essa situação exposta por Santana, explica a realidade que a educação rural piauiense

na década de 1970 sofria e que consequentemente alcançava a Lagoa Grande. A necessidade

de ter uma escola nesse ambiente para atender a população desse lugar, na qual os pais não

tinham condição financeira de sustentarem a educação dos filhos na cidade, impulsionou a

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iniciativa da professora aposentada Joana Lima, em meados de 1972, que cedeu um espaço da

sua própria casa e também exerceu o papel do magistério.

Mesmo com todos os esforços, essa educação ainda não seguia um modelo

educacional formal, visto que na maioria das vezes essa forma de ensino acontecia nas

fazendas, como é o caso também da casa-escola em foco.

Para uma melhor contextualização acerca dessa pesquisa histórica sobre a professora

Joana de Jesus Lima e a “sua” casa-escola em Lagoa Grande-PI – 1972 a 1984, faz-se

necessário um breve histórico sobre a vida dela voltada para os aspectos educacionais, os

quais foram norteadores para sua formação como docente. No Piauí, na localidade Belém do

Lobo em São João da Serra1, nasceu no dia 08 de novembro de 1934. Filha do lavrador e

criador de animais, Adilino José de Sousa e da dona de casa Josefa Maria da Conceição. Ela

foi concebida no leito de sua casa amparada por uma parteira. Sua mãe deu a luz a quatro

filhos, sendo ela a primogênita, todos ainda permanecem vivos.

Por volta de 1942, começou a estudar com aproximadamente oito anos de idade,

cursou o primário na escola pública em São João da Serra, por esse motivo ela passava a

semana toda na casa do senhor Quinca Freire, um comerciante e amigo da família. Nessa

escola, ela aprendeu além das noções básicas da alfabetização, também matérias de ciências

sociais, ciências e algo diferencial, em um dia da semana tinham aulas direcionada a fazer

bordados, porém, esse módulo era destinado apenas para as meninas, os meninos nesse

mesmo horário realizavam outros tipos de atividades, mas as alunas tinham que levar os

materiais. Essa escola funcionava numa casa alugada pela prefeitura.

A metodologia que as professoras empregavam começava com uma carta de ABC, na

qual os alunos liam essa cartilha, depois escreviam, esse método auxiliava no aprendizado de

maneira satisfatória. Eram passadas lições com base nos livros, um desses livros que a

memória da professora Joana Lima nos permitiu saber foi o pequeno escolar, depois de feito

os exercícios os alunos deveriam ler para a professora. Outro tipo de atividade frequente eram

os ditados, na qual tinha como base palavras retiradas desse material didático.

Por volta de 1945, o senhor Adilino José de Sousa, se mudou com toda a família para

a Caiçarinha, lugarejo compreendida nos limites de Alto Longá2, porque idealizava que nessas

1São João da Serra é um município brasileiro no estado do Piauí, Distante da Capital Teresina, a 120

quilômetros, microrregião de Campo Maior. A cidade de São João da Serra localiza-se a uma altitude de 155 m.

O município, com uma área total de 959,1 km², tem apenas 6 760 habitantes, o que corresponde a uma densidade

demográfica de 7,05 h/km². Fonte: Wikipédia 2 Alto Longá é um município brasileiro do estado do Piauí. Localiza-se a uma latitude 05º15'04" sul e a

uma longitude 42º12'37" oeste, com uma altitude de 170 metros. Sua população pelo censo de 2007 era de

13.612 habitantes, com uma área de 1.621 km². Fonte: Wikipédia.

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novas terras seria melhor para criar os animais pelo fato de estar mais próximo dos familiares.

Nesse novo lugar, a professora Joana Lima e seu irmão Manoel Quirino estudaram em uma

escola particular em Bom Princípio, localidade de Alto Longá, por já serem mais velhos que

os outros irmãos, com o professor Pedro Gomes, na casa de Zé Moreira, amigo da família,

lavrador e criador de animais, ele possuía filhos que ainda não eram alfabetizados, nessa

escola também estudaram mais crianças e adolescentes. Ela durou cerca de seis meses, pelo

fato dos filhos do dono terem aprendido o básico e o pai deles não ver mais sentindo a

continuar pagando e mantendo essa escola. Prática bastante comum, nas quais o aluno

frequentava as aulas durante o tempo que os pais achassem necessário. Logo após esse

período a professora Joana Lima parou de estudar.

O seu percurso de aprendizagem que a professora Joana Lima absorveu, foi de suma

importância na constituição do seu saber docente e em suas práticas pedagógicas, visto que

ela fez parte da categoria denominada como professores leigos, os quais aplicavam em sua

metodologia o ensinamento de mestres anteriores, posto que era o principal tipo de referência

que se poderia ter.

No dia 12 de setembro de 1950, a professora Joana Lima casou com Aristides Lima, a

cerimônia foi realizada na sala principal da casa grande, na Lagoa Grande3, quem realizou a

consagração de casamento foi um juiz. Essa nova senhora teve uma juventude efêmera, essa

fase de sua vida foi encerrada com o seu casamento, tendo ela apenas 15 anos. Começa, então,

uma etapa de adaptação ao casamento, ser uma dona de casa. Em meados de 1972, por

iniciativa própria, decide abrir uma escola em sua casa para alfabetizar as crianças da

comunidade.

Evidenciar a casa-escola é envolvê-la no assunto da educação rural piauiense e

demonstrar algumas mazelas desse passado. Ou seja, para compreender a sua estrutura,

funcionamento, normas, práticas, ensino é preciso conhecer o meio em que ela esteve

inserida.

No Piauí, era comum a presença de professores leigos responsáveis pela alfabetização

da população, ou seja, docentes que não tiveram uma formação formal para seguirem

profissão. Sobre o assunto, a professora Joana Lima (2013) afirma: “Tenho formação no

3 O lugarejo na qual ela residiu após casar-se. O seu marido era o vaqueiro responsável pelas atividades

pecuaristas na fazenda. Em 1975, a professora Joana Lima e o senhor Aristides Lima compraram a fazenda na

Lagoa Grande do doutor Franklin, pela quantia de 15 milhão de cruzados.

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segundo grau pedagógico LOGOS II. Enquanto estava funcionando a escola e eu estava

estudando o LOGOS II4”. Foi em meados de 1980 que ela iniciou esse curso.

Uma das questões norteadores dessa pesquisa: quais foram os motivos que a

impulsionaram a fundar uma escola dentro de sua casa? Sobre isto, a professora Joana Lima

justifica:

Foi porque eu vi a necessidade, e eu devia enfrentar, porque só eu que podia

enfrentar. Eu me atrevi enfrentar e eu acho que eu fiz uma tarefa forte, pesada. Lá

ninguém sabia ler nada! Lá onde eu morava se chegasse uma carta na casa do

Deca Cabral nenhum filho dele sabia ler e levavam pra mim ler. Não tinha escola

perto, só no Novo Santo Antônio5 era duas léguas não dava pras crianças irem, a

maioria não tinha bicicleta. No inverno tinha o rio cheio, riacho que não dava pros

alunos ir, ai ficava todo mundo em casa, ninguém ia pra escola (LIMA, 2013).

Essa escola que a professora Joana Lima criou dentro da sua casa, possibilitou àquelas

crianças a oportunidade de serem alfabetizadas. Por mais que existisse uma ou outra escola

desse tipo naquela região no interior de Alto Longá, tudo era mais difícil por conta da

distância e consequentemente a dificuldade de locomoção.

Sobre o processo que ela enfrentou para conseguir oficializar a escola na sua casa, a

professora Joana Lima esclarece o seguinte:

[...] Eu fui na casa do Pedro Henrique, foi Pedro Henrique que me ajudou a

começar a escola lá (lagoa grande). Mas eu foi que vim na casa dele e ele foi quem

me ajudou, me levou até o campo maior para mim tirar uma carteira, pra poder

assinar, porque eu trabalhei dois anos de serviço prestado, porque não tinha

carteira ai ele levou em campo maior pra mim tirar a carteira, pra poder assinar a

carteira, pra registrar que a escola era da prefeitura (LIMA, 2013).

Nesta passagem fica claro o envolvimento político. É relevante destacar que na

dissertação da Santana, ela explicita sobre esse tema e deixa claro que era comum a relação

dos educadores com a política. A respeito da Professora Joana Lima, ela foi procurar apoio

para a realização do seu desejo.

Depois de oficializada, a professora Joana Lima anunciou para os pais da região sobre

a escola que iria funcionar em sua casa. Segundo Maria de José, ex-aluna: “ela avisou que ia

dar aula né, que ia abrir essa escola e queria que os pais fossem fazer a matrícula dos filhos e

fez o convite pra gente participar” (SALES, 2015).

4 Esse curso era destinado aos professores leigos, seu objetivo geral é "habilitar, em nível de 2°. grau, para

lecionar até a 4ª série do 1º grau, com avaliação no processo, mediante ensino à distância, aplicado através de

módulos de ensino, professores não titulados, em exercício no magistério nas quatro primeiras séries do 1º grau”.

Fonte: http://www.rbep.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/2182/1451 data: 20/05/15 hora:

22h11min. 5Novo Santo Antônio é um município brasileiro do estado do Piauí. Localiza-se a uma latitude 05º17'18" sul e a

uma longitude41º56'00" oeste, estando a uma altitude de 180 metros. Sua população estimada em 2004 era de 3

129 habitantes, fonte: Wikipédia.

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Com relação ao espaço físico da escola, ou melhor, como ela organizava a sala de aula

da casa-escola, na qual buscava adequar a estrutura à realidade do momento, além de destacar

os seus materiais didáticos e sua metodologia, a professora Joana Lima relata:

Era só uma sala, eu ensinava de 1º a 4º série, mas, eu repartia, como as séries

assim: como quem faz trabalhos em grupo, nesse canto fica o primeiro ano, naquele

fica o segundo e assim até a quarta série. Para copiar os alunos de segundo ano, os

de primeiro ano eu escrevia no caderno, os de segundo ano eu escrevia no quadro;

ai então eu botava matemática para os de quarto ano e fazia um ditado para os de

terceiro ano, atendia todos, tudo ao mesmo tempo. Eu mandei fazer uns bancos para

os meninos sentar e a mesa também era minha, o quadro também era meu, a sala

era na minha casa, tudo era meu. O quadro, o giz (era a prefeitura que fornecia).

Eu tinha o diário de anotar a presença dos meninos e o livro do professor pra dar

aula. Frequentava uns trinta, vinte e tantos alunos. Era tudo misturado. A primeira

série era junto com os outros, que não dava pra separar não. Tudo junto (LIMA,

2013).

O formato utilizado pela professora para a dinamização dos alunos tem um caráter

multisserial, que consiste do docente ensinar alunos de séries diferentes em um mesmo local,

ou seja, divide as atividades e conteúdos para os alunos de diferentes níveis, que geralmente

eram repartidos entre ler, escrever e contar. A respeito disso, a ex-aluna Maria de José e a

professora Joana Lima explanam sobre as dificuldades dessa realidade do ensino:

[...] Às vezes o aluno até misturava uma coisa com a outra né, era difícil também

pra gente, tanto era difícil pro professor como pra gente, porque bem aqui, eu

acabava de ver uma aula do segundo ano, agora é aula do terceiro do ano, isso

mexia com a gente (SALES, 2015).

[...] Porque não tinha quadro, não tinha giz, era no lápis, no caderno, eu escrevia

no caderno pro aluno copiar, aí depois foi que eu mandei fazer um quadro, era tão

difícil que nem material não tinha, um quadro lá na cidade a gente não arranjava,

era tudo difícil, enquanto não teve o quadro era muito difícil (LIMA, 2015).

São perceptíveis pelos relatos das entrevistadas as dificuldades que enfrentavam

com a estrutura deficiente da escola, dificultando assim o ensino. A professora Joana Lima

expõe o problema presente em seu dia-a-dia na atuação como profissional, isso fica claro

quando declara que era mais complicado sem o quadro, visto que esse instrumento a ajudaria

dinamizar melhor a sua didática.

Fazendo uma breve síntese, essas escolas do meio rural eram destinadas

primordialmente a ler, escrever e contar, princípios básicos da educação e a casa-escola não

foge dessa regra, assim, o depoimento da professora aposentada Joana Lima confirma esse

fato:

Ensinava a ler, escrever, gramática e matemática. A prefeitura as vezes fornecia

livros, quando não eram pra todos, mas pra séries mais alteradas, por exemplo a

quarta série, a terceira e por ai, ai os primeiros eu ia ensinando mesmo nos

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caderno, para atividade melhor que eles tavam precisando era ler e escrever. Eu

ensinava escrever o nome dele, o nome do pai, da mãe, da localidade, fazia assim as

colunas de palavras pra eles copiar ou então mandava eles escrever uma coluna de

palavras começada com tal letra, por exemplo: c, n, j; e ai então a gente navegava

pra frente. Eu dava aula de todas as matérias de primeiro a quarto ano. Dava as

primeiras letras que era silibas e o abc, a gente sempre usava o abc e ler e escrever

para os meninos de primeira e segunda serie, agora os de terceiro e de quarto a

gente avançava mais, dava uma gramática, dava a matemática, que quando o

menino chegava na terceira série, ele já sabia ler, porque no primeiro e no segundo

ele só fazia letra e não sabia ler. Os bem pequenininho eu escrevia nos cadernos e

ficava perto deles (LIMA, 2013).

Nesse trecho, a entrevistada expõe o seu cotidiano escolar, a sua forma de atuação e

sua didática. Essa narração é rica em detalhes sobre o trabalho que ela desenvolvia em sala de

aula e a precisão dos fatos é surpreendente. De acordo com Ecléa Bosi (1994: 53): “A

lembrança é a sobrevivência do passado. O passado conserva-se no espírito de cada ser

humano, aflora à consciência na forma de imagens-lembrança”.

A professora Joana Lima descreveu práticas educacionais do momento, geralmente

essas escolas rurais seguiam uma metodologia semelhante. É interessante a forma como ela

separava as lições e os conteúdos, passando desde as primeiras letras à matemática, tudo em

um mesmo dia.

Outra característica proeminente da casa-escola, ela aplicava o método lancasteriano

ou mútuo6, Lima (2013) relata: “quem me ajudava era os mesmos meninos que sabiam mais

um pouco, eu mandava eles ensinar a lição para aquele que nada sabia”. Como ela não

possuía ajudante, era viável esse método, assim facilitava para ela dar assistência a todos os

alunos, já que eram muitos.

É interessante também escutar os alunos que estavam sendo instruídos pela professora

Joana, seus ex-alunos Maria José, Carmeci e Agenor se posicionaram quanto ao assunto:

[...] Mas eu lembro muito que a tia Joana botava muito pra gente fazer cópia,

ditado, ler livro, né, toda semana tinha o dia da leitura do livro, aquele que não

fazia a leitura ficava num cantinho até aprender e a gente aprendia mesmo, né, uma

forma assim que hoje não usam mais, mas era tão interessante, né. [...] Uma

contona! Ela gostava muito de passar conta, e eu não aprendi muito na época, eu

nunca fui boa de matemática, é porque eu não aprendi mesmo. Matemática e

português era bem explorado (SALES, 2015).

[...] Primeiramente era assim, a gente estudava só o ABC minúsculo, quando a

gente aprendia aquele minúsculo a gente ia pro maiúsculo. A gente só passava de

um pra outro quando sabia aquele mesmo, ta entendendo? Do maiúsculo a gente

aprendia a gente ai pro B A Ba, aí quando terminava o B A Ba todinho que

aprendia mesmo ai ia para os nome (SOUSA, 2015).

6 Sua elaboração inicial é atribuída ao educador inglês Joseph Lancaster, e tem como característica principal o

fato de utilizar os próprios alunos como auxiliares do professor. (FILHO, 2000: 141).

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[...] É com a cartilha de ABC suletrando be a ba; be e be; be i bi; be o bo era

assim. Eu li a cartilha do ABC e li uma revista e um livrozin que parecia uma

revista e pronto, aí botava pra nós tirar conta de somar, diminuir, multiplicar tudo

na caneta, naquele tempo nem calculadora não existia não, era tudo na caneta

(ROCHA, 2015).

O cotidiano escolar explicitado pela professora Joana Lima e pelos seus ex-alunos

trazem características próprias do momento, especificidades das práticas educacionais do

meio rural. Direcionada mais para o aprendizado das letras, desencadeando outras etapas,

depois as silabas, as formações das palavras e assim até de fato aprender a ler.

A educação no meio rural tinha um formato simples e não perde o seu significado, até

hoje é relembrado pelos alunos, que mostram um sentimento de satisfação e gratificação,

porém, a realidade para eles nesse período da década de 1970 apresentava algumas

dificuldades principalmente referentes à parte financeira. Mas, para o bom funcionamento de

toda escola é necessário materiais didáticas, embora os mais simples que sejam. A respeito

desse tópico, as entrevistadas narram o seguinte:

[...] O pai que comprava, quando entrou o Hugo Napoleão foi que deu caderno

pros menino, mas antes eram os pai que comprava o caderno e o lápis eu mesmo dei

muitos lápis pros menino que eu comprava logo era um bocado pra não faltar, folha

de papel, as vezes eu botava um caderno assim na sala de aula, fulano hoje não

escreveu porque não tem papel, pegava tirava uma folha do caderno: pegue

escreva, enquanto seu pai compra. Porque os pai era pobre não era todo dia que

tinha e eu dava uma folha pra aquele menino naquele dia escrever, bichin escrevia

por um lado escrevia pro outro, tanto que hoje tem aluno que só começa escrever no

caderno e já estrói, estraga, eh. [...] Era papel de embrulho é que os comerciante

ante dessas sacola usavam eram umas folhonas de papel pra embrulhar a

mercadoria e aí a gente comprava porque era mais barato e dobrava pro menino

escrever ali, enquanto dava certo pra comprar... [...] olha, uma só borracha, eu

comprava os lápis para os menino porque naquele tempo os lápis não vinha com

borracha, mas eu comprava uma borracha e botava em cima da mesa, uma

borracha pra todo mundo, ninguém tira de cima da mesa! E eu tinha cuidado de na

hora que saírem quem foi que botou a borracha? quem foi que pegou a borracha?

Se por acaso a borracha não tivesse em cima da mesa que ali o menino tava ali

precisava pegar, usava e botava lá em cima da mesa que era pra outro, a borracha

era pra todo mundo que eu não podia comprar uma borracha pra cada um,

comprava só uma borracha pra todos (LIMA, 2015).

[...] Tudo era por conta da gente essa parte aí, papai comprava caderno e lápis, na

época não recebia ajuda de nada, tudo era bem mais simples mesmo. Até pro

professor dá aula era difícil o material didático era muito pouco mesmo (SALES,

2015).

[...] a gente ganhava só um caderninho dos bem pequeninho e um lápis. O outro

caderno o pai da gente tinha que comprar o pai da gente às vezes não podia

comprar, às vezes arrancava a folha de outro caderno lá. La no comercio enrolava

a mercadoria era com um papelzinho amareladinho aí às vezes a gente levava

aquele papel, as vezes a gente não tinha e levava aquele pedaço de papel pra ficar

escrevendo até ver se o pai podia comprar o cadernhio pra gente porque a escola

dava pouquinho e a gente estregava rapidinho, que era bem... Era umas dezoito

folhinha, o máximo era dezoito folhazinha talvez e era pequeninho os cadernhio,

então aí o quê que acontecia, ai acabava e não tinha nem um centavosim pra

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comprar, aí ficava naquelas folhinha mesmo, aí a professora ficava juntando lá as

folhinha as folhinha pra no final do mês ficar tudin direitin. Era difícil de mais,

muito difícil! O lápis ficava o pedacinho de madeira acabando entrando na

borrachinha e a gente pegando com os dois dedinhos pra poder fazer as letrinha

porque acaba e não tinha como comprar. Era difícil, muito difícil! (SOUSA, 2015).

Esses relatos comprovam que a vontade de aprender era maior que as dificuldades,

tornando assim a educação resistente e forte com o passar dos anos. A sede de conhecimento

amplia os horizontes e supera as barreiras.

A casa escola funcionava de segunda a sexta no turno da tarde. É conveniente salientar

que naquele período da segunda metade do século XX, a Lagoa Grande e nas suas

redondezas, a base da economia era a agricultura e a pecuária, os pais tinham a ajuda dos seus

filhos nesse serviço, vejamos qual era o posicionamento dos pais com relação aos filhos irem

à escola, a professora Joana Lima suas ex-alunas Maria de José e Carmeci relatam:

[...] Tinha não, os pais tudo queriam, porque quem é que não quer que os filhos estudem? Só obrigavam os filhos a ir pra roça de manhã ao mei dia e levava os meninos, quando eles vinham passavam no riacho tomavam banho, iam pra casa almoçar ai vinha correndo alegre porque viam para o colégio, ai meu Deus que tempo (LIMA, 2013).

[...] Sim, incentivavam principalmente a mamãe, a minha mãe lutava muito pra gente ir, muitas vezes o papai desviava a gente da sala de aula pra ir trabalhar com ele na roça, aí a mamãe falava: deixa as meninas estudar, tira essas meninas da roça, ai a gente fazia as duas coisas ia pra roça pela manhã e a tarde ia pra escola (SALES, 2015)

[...] Meu pai às vezes falava assim: não hoje não vai não, hoje vai é pra roça a gente vai plantar, vai fazer isso e minha mãe: Manelo não pode fazer isso com as menina elas têm que estudar, eu não tive essa opostunidade, não aprendi nada, mas já que elas tem essa opostunidade de ir até a escola tem que deixar as menina ir. Minha mãe sempre batalhou por isso. Meu pai achava melhor levar pra roça pra ajudar ele porque era sozinho e a família muito grande, né, não tinha vencimento de nada, tinha que plantar muito chão pra ter muito ligume mesmo pra poder vender pra comprar outras coisas o óleo, café, o açúcar, essas coisas assim, né. Por isso que os pais da gente tinha que tirar a gente da escola e levar pra roça por causa disso (SOUSA, 2015).

A partir dessas narrações, fica ilustrado o cotidiano daquela época. A educação se

adéqua a essa realidade para se desenvolver. Os pais entendiam a importância do ensino para

seus filhos, apesar das dificuldades que enfrentavam nesse ambiente rural, o sustento provinha

da terra, da roça e em outros casos também da criação de animais.

Um assunto pertinente sobre a educação das décadas passadas é a temida palmatória,

instrumento de punição presente no meio escolar como forma de inibir o mau comportamento.

A respeito disso, a ex-aluna Carmeci e a professora Joana Lima declaram:

[...] Lá quando a gente chegava lá a gente estudava quando tava pra sair, a

professora chamava por nome de cada aluno e cada um ia ler uma página do livro,

se a gente errasse uma letrinha daquela ela já chamava a gente pegava nos dedo da

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gente e tinha uma palmatória aí dava três lapada da mão da gente e tinha gente que

chorava mesmo. Amanhã você vai dizer direitinho, você vai aprender, vai estudar

hoje à noite e amanhã você vai dizer todos os nome completo. No outro dia a gente

chegava lá a gente e dizia o nome completo e não pegava mais a palmatória. E era

assim! (SOUSA, 2015).

[...] Tinha e foi usado poucos dias porque eu mesmo não quis ficar com palmatória,

mas naquela época tinha. [...] Sim, mas depois eu desisti. Eu botava eles mesmo pra

se usarem quando faziam uma entrevista que se chamava argumento aí eu dizia

assim: fulano vai assoletrar a palavra chocalho, aí ele não sabia se outro soubesse

assoletrava e dava o bolo nele, eu mesmo pegar um pra bater nunca bati, era assim

(LIMA, 2015).

Nesses relatos é evidente uma pequena divergência. A memória que se evoca pode ser

transmitida de uma forma mais afável pelo entrevistado, isso porque na narração dessas

lembranças julgam elas de acordo com o seu trajeto de vida, se pauta em valores atuais. A

punição, hoje em dia em sala de aula, é vista com argumentos negativos, porém, há décadas

atrás era uma prática corriqueira e aceitável.

Em toda escola, seja ela humilde ou sofisticada, existem procedimentos para avaliar o

desempenho dos alunos. A professora Joana Lima explica como ocorria esse processo:

[...] Fazia. Era só quatro, porque a gente começa em março, abril, maio e junho e

logo ficava o mês todinho de férias em julho, era o tempo que iam ajudar os pais na

roça, apanhar os legumes. Ai quando começava em agosto ai continuava. Tinha oito

prova dentro do ano. Para quem não sabia ler ditava, a prova era oral, para quem

sabia ler escrevia a prova no caderno e depois que eu mandei fazer o quadro eu

escrevia no quadro, pra eles copiarem e depois responderem (LIMA, 2015).

O processo de avaliação se adéqua a realidade que está inserida. Mesmo que de forma

simples, a professora Joana arrumava maneiras para aplicação de provas e adaptava o teste de

acordo com as carências dos alunos.

Em toda instituição de ensino é necessário uma boa relação entre professor e aluno,

essa é outra instância importante na composição do processo de ensino e aprendizagem. Sem

ela a educação fica debilitada e não consegue alcançar o alvo almejado. Sobre esse assunto as

entrevistadas a professora Joana Lima e a ex-aluna Maria de José relatam o seguinte:

[...] Naquele tempo os meninos, tinha respeito e consideração pelo professor, era o

mestre, era o mestre mesmo. Não é como hoje depois do conselho tutelar, que os

meninos não respeitam ninguém, nem mesmo os pais e muito menos os professor

(LIMA, 2013).

[...] A gente aprendeu muito, a gente ia com interesse pra sala de aula, né, tinha

muito interesse o aluno naquela época ia pra brincar não e tinha mais se a gente

ficasse na brincadeira bastava a professora mandar o recado: diga pra Manel ou

diga pra João que o filho dele não se interessou, aí meu filho já era castigo em casa

já tava no ponto, agora não a gente vê uma professora reclama com o filho o pai dá

é o apoio pro menino aí fica difícil, né (SALES, 2015).

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A educação na casa como escola tinha um caráter disciplinador, mas essa

característica se aplica a maioria das instituições do século XX. Pelos relatos se percebe uma

relação respeitosa e com pudor, uma particularidade que podemos destacar no discurso das

entrevistadas é a necessidade da comparação do tempo passado com o tempo presente

referente à educação, isso imprime a sensação que o ensino naquele período era melhor.

O cotidiano escolar marca a vida dos estudantes, muitos guardam na memória

momentos felizes e também infelizes desse período. Amigos, brincadeiras, professor entre

outros, fazem parte desse conjunto. Sobre isto, a ex-aluna Maria de José e a ex-aluna Carmeci

relatam algumas experiências referentes à vida escola:

[...] Era correndo atrás do outro, era brincando de roda, era cantando, chupando

limão debaixo dos pé de limão saber quem mais chupava limão que outro. Uma vez

eu com a Mariana, me lembro de mais nós pegamos uma aposta pra saber quantos

limão a gente chupava sem fazer cara feia olhando olho no olho. [...] Agora uma

coisa que a tia Joana fazia sempre todo dia era cantar o hino do Piauí. Antes de

iniciar a aula vamos cantar um hino, muito bonito eu achava isso da parte dela,

cantava o hino do Piauí e o hino do Brasil. A gente desenhava a bandeira do Brasil,

a família da gente, a casa da gente, desenhe você e a professora, hoje é o dia do

professor bora desenhar a professora aí desenhava a gente fazia aquele desenho,

chegava “nam será que sua professora é desse jeito, será que ela não ta com a

barriga muito grande ou é porque minha barriga é grande mesmo?” Ela gostava de

brincar assim com a gente, era muito gostoso (SALES, 2015).

[...] Tinha a lição da mamãezinha, mamãezinha você é linda mais que ninguém,

mamãe me beija me faz carinho, me ensina a ser bonzinho [...] cumade, você se

lembra que a gente parava nos pé de jatobá e derruba um monte de jatobá e comia

ia comendo, oh mermã do céu chega se entalava os meninos na estrada faltava

morrer porque ele tem uma massa, não dava, a aguinha da boca não dava conta

(SOUSA, 2015).

São essas situações simples que marcam todo um período de vida estudantil,

atividades feita em sala de aula, brincadeiras que eram realizadas pelos alunos na escola, a ida

para as aulas, todos esses momentos são formados por características simbólicas que são

guardadas por esses sujeitos em um espaço da memória que podemos denominar de lugar

feliz. Atitudes da professora como o ato de cantar o hino do Brasil e Piauí junto com a turma

revela o patriotismo. O ato de lembrar é “Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver,

mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado”

(BOSI, 1994: 55).

É de extrema relevância para essa pesquisa saber qual foi a importância que a casa-

escola teve na vida desses ex-alunos, eles relatam: “Só assinei o nome e escrevi pouca coisa”

(ROCHA, 2015).

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Naqueles tempo a gente não tinha muita opostunidade mesmo pra estudar, né, aí

quando eu já fui estudar eu já tinha quase 10 anos de idade, né, e o pouco que eu

aprendi foi com a dona Joana Lima, o pouquin que eu aprendi mesmo foi com a

dona Joana Lima mesmo (SOUSA, 2015).

A importância foi muito grande assim, porque a gente não tinha estudo em quase

nada, né, antes de estudar lá na casa-escola o papai tinha pago uma escolinha

particular pra gente e a gente só conheceu algumas letras e o primário mesmo foi

feito com a tia Joana Lima... Com certeza, como serviu o que eu aprendi foi com a

tia Joana Lima [...] (SALES, 2015).

Os ex-alunos da professora Joana Lima trazem em seus discursos gratidão, como eles

mesmos expuseram não se tinha muita oportunidade no meio social em que eles viviam e foi

através da sua iniciativa que eles conseguiram, mesmo que de maneira simples, se alfabetizar.

A educação da casa-escola serviu de base para aqueles que prosseguiram nos estudos e

também para aqueles que não seguiram, de uma maneira geral todo o aprendizado desse

período serviu de suporte para a vida.

De acordo com as informações recolhidas das entrevistas com os ex-alunos eles

começaram a estudar com cerca de oito a dez anos de idade e o período que ficaram na escola

foi de aproximadamente de dois a quatro anos. Na casa-escola funcionava apenas o primário.

Para alguns alunos essa escola foi a única oportunidade de ensino que tiverem em toda a sua

vida. Outros prosseguiram nos estudos.

A professora aposentada Joana Lima era e ainda é muito respeitada pelos seus ex-

alunos. Ela desempenhou um belíssimo papel como educadora e ainda colhe frutos desse

período saudoso. Contribuiu, mesmo que de maneira ínfima, a diminuir os índices de

analfabetismos, mas marcou de maneira feliz a vida desses alunos, e reconhecem que

aprenderam a ler, contar e somar com a professora Joana em uma escolinha tão simples,

porém muito acolhedora. E guardam em suas lembranças esse tempo cheio de

particularidades.

REFERÊNCIAS

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3. ed. São Paulo: Companhia das

Letras, 1994.

COSTA, Alcebíades Filho. A escola do sertão: ensino e sociedade no Piauí, 1850-1889.

Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2006.

LE GOFF, Jacques. História e memória; tradução Bernardo Leitão, Campinas, SP Editora da

UNICAMP, 1990.

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MONTENEGRO, Antonio Torres. História Oral e Memória: a cultura popular revisitada. 6.

ed., 2ª reimpressão. São Paulo, Contexto, 2013.

SANTANA, Maria do Perpetuo Socorro Castelo Branco. A constituição da rede escolar e a

prática das professoras primárias na zona rural do Piauí nos anos de 1940 a 1970. 2011.

179 f. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal do Piauí, 2011. Site

http://www.ufpi.br/subsiteFiles/ppged/arquivos/files/DISSERT%20Socorro%20Santana.PDF,

Acesso em: 10/07/15.

SOUSA, Jane Bezerra de. Ser e fazer-se professora no Piauí no séulo XX: a história de

vida de Nevinha Santos. 2009. 236 f. Dissertação, Universidade Federal de Uberlândia,

2009. Site https://www.fe.unicamp.br/revistas/ged/histedbr/article/viewFile/3789/3205, Data

de acesso: 16/07/15.

ENTREVISTAS

Entrevista concedida por LIMA, Joana de Jesus. [Abril de 2013]. Entrevistadora Jéssika

Maria Lima. Alto Longá, 2013.

___________. [Julho de 2015]. Entrevistadora Jéssika Maria Lima. Novo Santo Antonio,

2015.

Entrevista concedida por ROCHA, Agenor. [Julho de 2015]. Entrevistadora Jéssika Maria

Lima. Novo Santo Antonio, 2015.

Entrevista concedida por SALES, Maria de José Sousa. [Janeiro de 2015]. Entrevistadora

Jéssika Maria Lima. Novo Santo Antonio, 2015.

Entrevista concedida por SOUSA, Carmecir de Jesus. [Janeiro de 2015]. Entrevistadora

Jéssika Maria Lima. Novo Santo Antonio, 2015.