ligas camponesas do brasil 1954 - 1964 · importância do brasil no contexto regional. assim,...

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE (UNIBH) LUIZ HENRIQUE DIAS DA SILVA LIGAS CAMPONESAS DO BRASIL 1954 - 1964: Revolução Comunista na América Latina? BELO HORIZONTE 2014

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE

(UNIBH)

LUIZ HENRIQUE DIAS DA SILVA

LIGAS CAMPONESAS DO BRASIL 1954 - 1964:

Revolução Comunista na América Latina?

BELO HORIZONTE

2014

LUIZ HENRIQUE DIAS DA SILVA

LIGAS CAMPONESAS DO BRASIL 1954 - 1964:

Revolução Comunista na América Latina?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário de Belo Horizonte (UNIBH) como requisito parcial para graduação em Relações Internacionais. Orientadora: Professora Daniela Vieira Secches

BELO HORIZONTE

2014

Este trabalho é dedicado a meus filhos, Ayres e Laura, com a

esperança de que vivam num mundo cada vez melhor.

Agradecer nem sempre é suficiente para expressar o quanto a

atenção das pessoas que nos cercam reflete na conclusão de

um trabalho. Gratidão, contudo, é reconhecimento. Por isso

sou grato à minha sempre atenciosa, competente e inspiradora

orientadora, professora Daniela Vieira Secches. À minha

esposa Helena, reconheço a paciência e dedicação com que

criou as condições, a tranquilidade e o tempo necessários às

minhas pesquisas, escritas e reescritas. Estendo este

reconhecimento ao corpo docente do UNIBH, às coordenações

de Leandro Rangel e Rafael Ávila, aos meus pais, Ana Maria e

José Amado, e àquele que colocou todos vocês em minha vida

pessoal e nesta trajetória profissional: Deus.

“Esta carta, camponês do Brasil, que te escrevo do Recife, do

quartel-general das Ligas Camponesas, aponta os caminhos

por onde deves seguir em busca da tua liberdade. Digo-te que

a viagem é penosa e cheia de ciladas, mas a tua vitória é tão

certa como o nascer do sol todas as manhãs” (Francisco

Julião, advogado pernambucano, 1915 - 1999).

RESUMO

Este artigo aborda o histórico, dinâmica e composição do movimento agrário no

Norte e Nordeste do Brasil, do período de 1954 até as vésperas do golpe Militar de

1964. Em destaque, a Liga Camponesa do Engenho Galileia, por sua estreita

ligação com a Revolução Cubana, a desconfiança que despertou nos EUA quanto à

existência de focos revolucionários comunistas na América Latina e por atrair a

atenção e esforços de contra insurgência dos governos Eisenhower e Kennedy. A

singularidade do movimento camponês brasileiro dá-se pelo fato de que os

trabalhadores rurais e urbanos organizaram-se por conta própria, juntando-se a

meeiros, foreiros, arrendatários e pequenos proprietários para reivindicar direitos

sociais e jurídicos mínimos, além de combater um sistema de exploração só

comparável ao sofrido em tempos feudais. O advogado e deputado recifense

Francisco Julião, tido como líder dos trabalhadores rurais, na verdade foi mais um

reforço importante numa luta anteriormente iniciada e que faz parte da História das

Relações Internacionais do Brasil. Recupera-se neste artigo a trajetória brasileira de

persecução de autonomia no cenário internacional desde o rompimento dos Acordos

Desiguais, em 1844, como antecedente histórico da Política Externa Independente

(PEI), praticada nos anos de 1960. O objetivo é melhor compreender o forte

interesse norte-americano na América do Sul, bem como a percepção de

importância do Brasil no contexto regional. Assim, pode-se entender melhor o temor

dos EUA quanto à possibilidade de as Ligas Camponesas tornarem-se a

radicalização da Revolução Cubana nas Américas. A política externa brasileira, já

em plena Guerra Fria, transformava-se desde o governo Juscelino Kubitschek (JK) e

tornou-se, durante os governos Jânio Quadros e João Goulart, no que seria

conhecido como Política Externa Independente (PEI). Rompia-se o alinhamento

automático com os EUA, coincidentemente com a radicalização da Revolução

Cubana e o redirecionamento de Fidel Castro quanto a parcerias na América Latina.

O Brasil jogava com o medo norte-americano quanto à possibilidade de surgimento

de focos revolucionários, em especial no extremamente pobre Nordeste, e lançou,

ainda sob JK, a Operação Pan-americana (OPA). O país mais influente da América

Latina, segundo entendimento de Washington, ameaçava aproximar-se, via

governos não alinhados e radicalização do movimento camponês, do ideal

comunista, representado na América por Cuba e, na Europa, pela União Soviética.

Palavras-chave: Política Externa; Ligas Camponesas; Comunismo; Revolução

Cubana; Golpe Militar.

ABSTRACT

This article discusses the history, composition and dynamics of the agrarian

movement in the North and Northeast of Brazil from the period of 1954 until the eve

of the 1964 coup d'état. Featured, the Peasant League of Engenho Galileia, for its

close liaison with the Cuban Revolution, the suspicion it aroused in the USA about

the existence of Communist revolutionary focuses in Latin America and for having

attracted Eisenhower’s and Kennedy`s governments efforts of counterinsurgency.

The uniqueness of Brazilian peasant movement is due to the fact that rural and urban

workers organized themselves, joining the sharecroppers, tenants, foreiros and

smallholders, to claim minimum legal and social rights besides combating an

exploitation only comparable to that suffered in feudal times. Lawyer and

Congressman Francisco Julião, considered as a leader of rural workers, in fact, was

one important additional force in a previously initiated struggle that is part of the

history of Brazilian international relations. This article recovers Brazilian trajectory of

pursuing autonomy in the international arena, since the broken up of the Unequal

Agreements in 1844, as a historical antecedent of Independent Foreign Policy (IFP),

practiced in the 1960s. The goal is to better understand the strong North American

interest in South America as well as the perception of the importance of Brazil in the

regional context. Thus, one can better understand the fear of U.S. as to whether the

Peasant Leagues became the radicalization of Cuban Revolution in the Americas.

Brazilian foreign policy, during the Cold War, transformed itself since Juscelino

Kubitschek (JK) and became, during Jânio Quadros and João Goulart’s

governments, in what would be known as the Independent Foreign Policy (in

Portuguese, PEI). The automatic alignment with the U.S. was being broken,

coinciding with the radicalization of the Cuban Revolution and the redirection of Fidel

Castro’s partnerships in Latin America. Brazil played with the American fear of the

possibility of revolutionary outbreaks, especially in extremely poor Northeast, and

released, still under JK, Pan America Operation (OPA). The most influential country

in Latin America, according to Washington’s assumption, threatened approaching,

via non-aligned governments and radicalization of the peasant movement, to the

communist ideal, represented in America by Cuba and in Europe by the Soviet

Union.

Keywords: Foreign Policy; Peasant Leagues; Communism; Cuban Revolution;

Military Coup.

LISTA DE SIGLAS

ABC - American Broadcast Company

ABC – Folheto para Alfabetização Campesina

ABC - Pacto Secreto Argentina, Brasil e Chile

AD - Ação Democrática

ADEP - Ação Democrática Popular

AID – Agency for International Development

AI – 5 - Ato Institucional nº 5

ALALC - Associação Latino-Americana de Livre Comércio

AMFORP - American & Foreign Power (bond and share)

APRA – Aliança Popular Revolucionária Americana

BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento

BNC - Banco Nacional de Cuba

CGT - Confederação Geral dos Trabalhadores

CIA – Central Intelligence Agency

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

COMINTERN- Congresso da Internacional Comunista

CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do

Brasil

CSNU - Conselho de Segurança das Nações Unidas

CVM - Coletivo Victor Meyer

ELN – Exército de Libertação Nacional

ESG - Escola Superior de Guerra

EUA – Estados Unidos da América

EXIMBANK - Banco de Exportação e Importação

FALN – Forças Armadas de Libertação Nacional

FAR – Forças Armadas Revolucionárias

FEB - Força Expedicionária Brasileira

FETAPE – Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco

FGV – Fundação Getúlio Vargas

FPN - Frente Parlamentar Nacionalista

FSLN – Frente Sandinista de Libertação Nacional

IBAD - Instituto Brasileiro de Ação Democrática

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPES - Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais

ITT - International Telephone & Telegraph

JBUSC - Comissão Conjunta Brasil - EUA para o Desenvolvimento

JFK – John Fitzgerald Kennedy

JK - Juscelino Kubitschek

MIR – Movimento da Esquerda Revolucionária

MR-13 – Movimento Revolucionário 13 de Novembro

MST – Movimento dos Sem Terra

NYT – The New York Times

OEA – Organização dos Estados Americanos

OLAS – Organização Latino-Americana de Solidariedade

OPA - Operação Pan-Americana

OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte

PC – Partido Comunista

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PDF - Portable Document Format

PE – Pernambuco

PEC - Programa de Estudantes Convênio

PEI - Política Externa Independente

Petrobrás - Petróleo Brasileiro S.A.

PRP - Partido de Representação Popular

PRT – Partido Revolucionário Tiradentes

PSB – Partido Socialista Brasileiro

PSD - Partido Social Democrático

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

RBPI - Revista Brasileira de Política Internacional

SAPPP – Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco

SDN - Sociedade das Nações

SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

TNP - Tratado de Não Proliferação Nuclear

UDN – União Democrática Nacional

ULTAB – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil

UNE - União Nacional dos Estudantes

USA – United States of America

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.............................................................................. 11

2. AS LIGAS CAMPONESAS DO BRASIL E O COMUNISMO NA AMÉRICA LATINA........................................................................ 16

3. A GUERRA FRIA E A POLÍTICA EXTERNA BRASIL/EUA......... 34

4. AS LIGAS CAMPONESAS E A REVOLUÇÃO CUBANA............ 66

5. O GOLPE DE 1964 E A PEB MILITAR: capítulos finais do projeto

desenvolvimentista.......................................................................... 80

6. CONCLUSÃO............................................................................... 86

7. REFERÊNCIAS............................................................................ 94

8. ANEXOS....................................................................................... 103

11

1. INTRODUÇÃO

As ligas camponesas do Norte e Nordeste do Brasil remontam ao ano de 1945.

Porém, seu apogeu dá-se entre 1954 e 1964, período de sua consolidação como

movimento social reivindicatório de direitos humanos básicos e negligenciados,

como a garantia de que trabalhadores rurais fossem enterrados em caixões e

covas definitivas (e não provisórias e emprestadas como era praxe no período).

Sua luta pela extinção do dia de trabalho gratuito para o fazendeiro, contra o

trabalho em engenhos não mais produtivos e a resistência a um feudalismo

anacrônico e fora de sua região de origem são como que o embrião de lutas sociais

mais amplas e de repercussão internacional na História do Brasil.

O objetivo deste trabalho é reconstituir a história das ligas camponesas

evidenciando seu vínculo com a Revolução Cubana e o temor do governo norte-

americano quanto à existência de focos comunistas na América Latina. Muitas são

as questões levantadas, dentre as quais se destacam aquelas que buscam elucidar

a real capacidade de mobilização do movimento camponês; se este sofria mesmo

tão forte influência dos ideais revolucionários; se o Nordeste brasileiro estava de

fato amadurecido para a revolução, como pregava Fidel Castro; se os

ensinamentos da experiência guerrilheira de Che Guevara estavam sendo levados

a cabo; se Francisco Julião e Miguel Arraes estavam realmente dispostos a

enfrentar o governo norte-americano; e quais as medidas adotadas por Washington

frente às políticas de Juscelino Kubitschek (JK) e Jânio Quadros, mas,

especialmente, do governo Kennedy em relação ao radicalismo de esquerda do

presidente João Goulart.

Para responder a estas e outras questões, optou-se pelo cruzamento de

informações obtidas em livros de autores nacionais e estrangeiros interessados

tanto pela história das Relações Internacionais do Brasil quanto pela questão da

luta agrária sob influência comunista. Assim, figuram neste artigo, pensamentos,

citações e paráfrases de autores como Neuma Aguiar, Moniz Bandeira, José Flávio

Bertero, Clodoaldo Bueno, Amado Luiz Cervo, Lydia Dittler, Afrânio Garcia, Irving

Louis Horowitz, David Horowitz, Michael Löwy, Antônio Torres Montenegro, David

12

Nasser, Anthony W. Pereira, Tânia Quintaneiro, Vandeck Santiago, William Waack

e Clifford Andrew Welch.

Encontram-se aqui referências de informações obtidas em meio eletrônico, como o

site do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil

(CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os dados obtidos via Portal São

Francisco, Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos e Centro de

Estudos Victor Meyer ou Coletivo Victor Meyer (CVM) também são indexadas ao já

citado CPDOC. Outras importantes fontes informativas são os jornais, como O

Estado de São Paulo e The New York Times, além de filmes e documentários que

repercutiram as ligas camponesas no exterior.

São inúmeros os artigos publicados no jornal norte-americano, atualmente

armazenados em meio digital, e que se pode comprar a U$ 3.95 (três dólares e

noventa e cinco centavos cada). Há, inclusive, a matéria escrita por John P.

Shanley para a edição de 15 de junho de 1961, sobre o documentário The Troubled

Land (1961) - A Terra Conturbada, produzido por Helen Jean Rogers para a rede

de Televisão norte-americana American Broadcast Company (ABC). O

documentário foi ao ar apenas nos Estados Unidos e sua difusão no Brasil foi

proibida pelo regime militar devido às fortes cenas de miséria no Nordeste

brasileiro, então a região mais pobre do mundo.

Por este cruzamento de informações de fontes tão ricas e abalizadas, busca-se a

construção de um painel amplo sobre o relacionamento especial Brasil/EUA. Desta

forma, poder-se-á inferir sobre a pergunta-problema aqui apresentada: seriam as

Ligas Camponesas do Nordeste brasileiro focos da Revolução Comunista, podendo

seu advogado e líder, Francisco Julião, radicalizar o processo revolucionário rumo

a uma guerra camponesa de proporções continentais? O que se quer saber é se

seria justificável a operação de contra insurgência preparada pelos EUA contra o

governo João Goulart e os trabalhadores rurais e urbanos das Ligas, em especial

os da cidade de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, Brasil.

Por meio da reconstituição da história das Ligas Camponesas, abordando seus

possíveis vínculos com a Revolução Cubana, será possível entender tanto sua real

13

capacidade de mobilização quanto a visão formada pelos EUA, de que seriam

focos comunistas no Brasil. Assim, será possível discutir o tratamento dado pelo

governo norte-americano a líderes políticos brasileiros tidos como comunistas,

como o presidente João Goulart, o governador de Pernambuco, Miguel Arraes, e o

advogado das Ligas Camponesas, Francisco Julião.

Entenda-se que as Ligas Camponesas do Brasil figuram neste estudo como um

estudo de caso dentro de um contexto bem mais amplo, o de persecução e

construção de um Brasil autônomo no ambiente internacional. Desta forma, há um

esforço de reconstrução desta busca por autonomia desde o rompimento dos

Acordos Desiguais com a Inglaterra, em 1844, passando pelos mais diversos

governos e regimes da história brasileira. Assume-se neste artigo que há

continuidade neste projeto e que esta busca de afirmação do Brasil no sistema

internacional configura-se como antecedente histórico da Política Externa

Independente (PEI), praticada entre 1961 e 1964, assim como o projeto de

desenvolvimento industrial brasileiro, mais comumente associado ao presidente

Getúlio Vargas.

Apontam-se neste artigo somente dois momentos de ruptura do projeto

desenvolvimentista autônomo brasileiro: um, com o general Castello Branco, no

primeiro governo pós-golpe militar (1964 – 1966); o outro, com o general Ernesto

Geisel, que praticou o alinhamento aos ideais norte-americanos sob a política do

pragmatismo responsável (1974 – 1979). No mais, entre 1844 (fim dos Acordos

Desiguais) e 1985, ano da transição democrática do governo Figueiredo (1979 –

1985) e do fim do projeto nacional desenvolvimentista, houve, como se verá neste

artigo, continuidade e coerência, independente do regime de governo e da

conjuntura internacional.

Nesta reconstituição do projeto desenvolvimentista brasileiro como antecedente

histórico da PEI, ficarão evidentes os interesses norte-americanos de liderança

global após a Segunda Grande Guerra Mundial frente às reivindicações de um

Brasil cada vez mais convencido de sua importância no arranjo da sociedade

internacional de Estados. É neste ambiente de interesses conflitantes e, mais

especificamente, durante os anos de Guerra Fria, que a ameaça comunista, via

14

Revolução Cubana, ameaça materializar-se na América do Sul por meio das Ligas

Camponesas do Brasil.

Este é o painel inicial que será apresentado neste estudo: o rompimento dos

Acordos Desiguais com a Inglaterra e a entrada de um novo ator-líder na condução

da política econômica das Américas Espanhola e Portuguesa, com momentos de

aproximação e distanciamento entre EUA e Brasil; o surgimento do marxismo na

América Latina logo após a Revolução de 1917, na Rússia; o ambiente bipolar da

Guerra Fria; a Revolução Cubana e sua influência sobre as Ligas Camponesas do

Brasil; a condução das políticas externas de Brasil e EUA neste contexto bipolar; e

os antecedentes mais diretos do Golpe Militar de 1964, associados ao temor de

fortalecimento do comunismo nas Américas.

Assim, a seção 2 deste estudo trará o histórico, dinâmica e composição das Ligas

Camponesas do Brasil, com destaque para a Liga do Engenho Galileia, de onde

emanaram a liderança política, as ações jurídicas e o posicionamento social do

movimento. Também é neste momento que se reconstruirá a penetração comunista

na América Latina. Assim, serão recuperados os ideais de figuras históricas como

José Martí, Juan de Mella, José Carlos Mariátegui e Luís Emílio Recabarren, entre

outros, diretamente influenciados pelas ideologias de Fidel Castro e Ernesto Che

Guevara. O objetivo é recuperar o arcabouço ideológico e instrumental comunista,

socialista e/ou anarquista que possa ter exercido influência sobre as Ligas

Camponesas do Brasil.

Tendo-se reconstruído brevemente a história do comunismo na América Latina,

pode-se avançar para a seção 3, onde se discutirá a política externa Brasil / EUA

no ambiente bipolar da Guerra Fria. A ideia é investigar o ambiente interno

brasileiro e os constrangimentos internacionais sobre os dois Estados na condução

do que então era tido como relacionamento especial nas Américas. Por este viés

será possível compreender as motivações de cada ator, sob diferentes governos,

bem como seu posicionamento frente ao comunismo, às pressões por reforma

agrária no Brasil e às constantes reivindicações financeiras brasileiras como

compensação ao alinhamento incondicional quando da Primeira e da Segunda

Guerras Mundiais. Haverá ainda nesta seção uma breve, porém necessária

15

reconstrução do projeto autônomo brasileiro como antecedente da Política Externa

Independente (PEI).

Na seção 4, serão estudadas mais especificamente as influências da Revolução

Cubana sobre as Ligas Camponesas do Brasil. Neste momento já estará formado o

grande painel da busca por desenvolvimento industrial autônomo brasileiro no

sistema internacional e os freios aplicados pelos EUA a este projeto nacional. A

Revolução Cubana e a assimilação de seus valores por parte das ligas figurarão,

respectivamente, como parte do constrangimento internacional e das pressões

domésticas na produção de política externa. Esta seção apresentará, portanto, a

interação entre grupos de pressão domésticos posicionando-se contra e a favor do

liberalismo ou do comunismo, do alinhamento ou da ruptura com os EUA e a

evolução destas tensões em cada grupo de atores analisados.

A seção 5 apresentará um dos resultados mais conhecidos das tensões da Guerra

Fria para o Estado brasileiro: o Golpe Militar de 1964 e uma sucessão de governos

militares durante 21 anos. Entenda-se que a gestação do golpe já terá sido

apresentada em detalhes na seção anterior, como interação entre as políticas

externas entre Brasil e Estados Unidos. Assim, mais interessante a este artigo é

apresentar nesta seção os desdobramentos do golpe e os governos militares, como

integrantes do projeto desenvolvimentista industrial autônomo brasileiro.

Ressaltam-se dois momentos de ruptura já referidos (os governos Castello Branco

e Geisel) e conduz-se a análise pelo período de distensão democrática, iniciado em

1974 e concluído em 1985, com a transição para o regime democrático. Este será,

para este estudo, o fim do projeto desenvolvimentista autônomo brasileiro iniciado

quando do rompimento dos Acordos Desiguais em 1844.

Após esta reconstrução histórica permeada por análise das ideologias e momentos

brasileiros e norte-americanos na condução de suas políticas externas, cuja

interseção se fará com o estudo de caso das Ligas Camponesas do Brasil,

proceder-se-á à conclusão. Neste momento, as análises e imagens evocadas ao

longo do artigo serão recuperadas dentro do contexto proposto de se tentar

entender o temor de governos norte-americanos quanto à possibilidade de as ligas

serem a definitiva semente comunista a grassar na América Latina. Só assim se

16

poderá entender toda a mobilização econômica, diplomática e militar dos EUA, com

apoio de determinados setores políticos, econômicos e sociais brasileiros, contra o

movimento social agrário de viés comunista, protagonizado pelas Ligas

Camponesas do Brasil. Destaque para as pressões domésticas e internacionais ao

governo JK e a construção da PEI de Jânio Quadros e João Goulart.

2. AS LIGAS CAMPONESAS DO BRASIL E O COMUNISMO NA AMÉRICA

LATINA

O embrião dos primeiros movimentos brasileiros autodenominados Ligas

Camponesas1 remonta a 1945, ano de encerramento da Segunda Grande Guerra

Mundial, que inaugura a bipolaridade Leste-Oeste no sistema internacional. Neste

período, o Brasil vive uma ilusão de grandeza, devido ao seu envolvimento nas

duas Grandes Guerras, em auxílio aos EUA e seus aliados. Cobram-se do governo

norte-americano investimentos efetivos para a construção da indústria brasileira,

porém, o foco norte-americano está na recuperação da Europa e suas colônias

asiáticas e africanas (CERVO; BUENO, 2002). Internamente, vive-se o início do

processo de redemocratização, após o autoritarismo do Estado Novo.

Como o país atravessava seus últimos anos de ventos populistas, onde reinava a

falsa ideia de liberdade, aliada a um pretenso progresso industrial, não é de se

estranhar que esses primeiros núcleos reivindicatórios formados por camponeses e

trabalhadores rurais tivessem o suporte do recém-legalizado Partido Comunista

Brasileiro (PCB) (WELCH, 2006)2. Entretanto, embora tenham se espalhado por

1 No livreto Que são as Ligas Camponesas?, número 1 da Coleção Cadernos do Povo Brasileiro,

cujos organizadores dispunham-se a estudar e informar, sem sectarismo, sobre os mais graves problemas da sociedade brasileira, Francisco Julião define as Ligas Camponesas como um tipo de organização nascida entre os séculos XV e XVI na Alemanha dos príncipes e barões feudais (JULIÃO, 1962, p. 15). 2 Doutor em História e com extensa literatura voltada a problemas sociais, questão agrária e

América Latina, Clifford Andrew Welch, professor da Universidade Federal de São Paulo, é também coprodutor (ao lado de Toni Perrini) de Grass War – Peasant Struggle in Brazil (2001). O documentário retrata a luta do líder camponês Jofre Correa Netto, conhecido como o Fidel Castro do Brasil. Em 1959, Jofre liderou cerca de 800 famílias na resistência contra a desapropriação de suas parcas terras. Ele foi ferido em um atentado. De triste memória é a participação do compositor Paulo Vanzolini, então à serviço do governo para a dissuasão dos camponeses. Segundo Welch, em resposta por e-mail, este episódio está mais ligado às ligas camponesas originais, marginalizadas e extintas junto com o Partido Comunista do Brasil. O documentário não está disponível na internet, mas Welch contribuiu gentilmente para esta pesquisa compartilhando o mesmo em uma pasta do Dropbox. Disponível em: < https://www.dropbox.com/lightbox/home/Videos>. Acesso em: 12 maio 2014.

17

quase todo o país, estas primeiras ligas perderam força com a proscrição do PCB

em 19483. Em 1954, apenas a Liga Camponesa de Iputinga (bairro do Recife,

Pernambuco), liderada por José dos Prazeres, estava em atividade.

Todavia, a semente estava lançada, e ainda em 1954 surge no Engenho Galileia,

cidade de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, aquela que viria a ser a liga

camponesa4 mais conhecida da história dos movimentos sociais do Brasil

(BERTERO, 2006). Segundo Gerrit Huizer (1999), “a relação entre mobilização

social e reforma agrária tem sido matéria de discussão e experimentação nos

círculos das Nações Unidas, incluindo algumas agências especializadas, desde os

anos de 1950” (HUIZER, 1999, p. 3, tradução nossa)5. A originalidade das Ligas

Camponesas brasileiras, no entanto, não está ligada somente à necessidade de

alterar uma realidade desfavorável aos trabalhadores, mas na forma como elas se

associaram para fazê-lo.

A dinâmica de atuação das Ligas Camponesas, por assim dizer, é diretamente

devedora da visão materialista da história, inaugurada por Karl Marx em seus

escritos sobre a Revolução Francesa de 1848 – 1849. Frederick Engels (1850)6

aplicou esta teoria à sua revisão das guerras camponesas alemãs dos séculos XV,

XVI e XIX. Esta concepção associa teorias políticas e religiosas ao resultado e não

3 Bastos (1984) afirma que, embora vinculadas ao Partido Comunista (PC), estas primeiras ligas

não passavam de núcleos isolados e sem nenhuma articulação com bases urbanas que lhes propiciassem proteção contra a repressão. Já as ligas ressurgidas em 1955 deslocaram o núcleo de suas lutas para fora do campo (a capital, Recife), tornando-se uma só organização regional, centralizadora do campesinato, contando com ata única e institucionalizada por meio da Associação Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco (SAPPP). 4 Ao contrário do que veio a ficar marcado na história, as ligas camponesas surgiram por iniciativa

dos camponeses. Somente quando sofreram pressão de fazendeiros e do Estado é que recorreram à ajuda de especialistas como o advogado Francisco Julião, considerado líder da Liga Camponesa do Engenho Galileia. Julião confirma este fato em todos os seus livros e entrevistas. 5 “The relationship between social mobilization and land reform has been an issue for discussion

(and some experimentation) in United Nations circles, including some specialized agencies, since the 1950s” (HUIZER, 1999, p. 3). 6 Engels foi o primeiro estudioso a desmistificar os movimentos religiosos na Alemanha, atribuindo à

Igreja Católica a pecha de ter tentado desqualificar as guerras camponesas enquanto movimento social. Liderados por Muenzer e Lutero, cada um à sua maneira, os camponeses alemães dos séculos XV e XVI, na verdade lutavam por direitos sociais, econômicos e civis. A Igreja Católica os classificou de hereges, para facilitar sua perseguição, as torturas e a aniquilação do movimento. Os estudos de Engels figuram no livro The Peasant War in Germany - A Guerra Camponesa na Alemanha - (ENGELS, 1850). Disponível em:< http://www.marxists.org/archive/marx/works/1850/peasant-war-germany/ch0a.htm>. Acesso em: 01 out. 2013.

18

à causa “(...) do estágio de desenvolvimento da agricultura, indústria, terrenos e

vias navegáveis, comércio e finanças, que então existiam na Alemanha” (ENGELS,

1850, p. 4, tradução nossa)7.

Engels é a primeira referência de Francisco Julião no folheto Que são as Ligas

Camponesas? (1962), onde há uma comparação entre o Nordeste brasileiro e a

Alemanha dos séculos XV e XVI: “A fome dizimava populações inteiras, como

dizima hoje os nordestinos do Brasil, menos por causa da seca, do que pela

estrutura econômico-social que esmaga o povo e exige sacrifícios inenarráveis do

campesinato” (JULIÃO, 1962, pp. 13 – 14). Assim como Engels, Julião refere-se à

bíblia traduzida pela Reforma Protestante como catalizadora do processo

revolucionário, por revelar ao homem comum os desmandos de seus governantes.8

Figuram em vários capítulos de The Peasant War in Germany (ENGELS,op. cit.,

1850) os ideais adotados pelas Ligas Camponesas do Brasil: doutrinação e

alfabetização do campesinato, para que tomasse real ciência de sua situação,

aprendendo a reivindicar direitos políticos por meio do voto; reivindicação pacífica e

por meios legais de seu meio de subsistência, a terra onde derramava seu suor de

sol a sol; e a transformação da terra em propriedade nacional comum, tirando-a

das mãos dos burgueses daquele tempo na Alemanha e dos latifundiários dos anos

1950 no Brasil. Reproduzem-se aqui alguns destes preceitos originais, sem querer

esgotá-los, mas como ilustração de sua influência sobre o modo de agir das Ligas

Camponesas do Brasil:

Os trabalhadores assalariados da terra só podem ser livres de sua abjeta miséria quando o principal objeto de seu trabalho, a própria terra, for retirada da propriedade privada dos grandes camponeses e ainda maiores senhores feudais e transformada em propriedade social a ser cultivada por uma associação de base comum de trabalhadores da terra (...) Pela primeira vez na história do movimento trabalhador, a luta vem sendo conduzida de modo que haja três lados, o teórico, o político e o prático-econômico (oposição aos capitalistas) formando uma harmoniosa e bem

7 “(...) in the development of agriculture, industry, land and waterways, commerce and finance, which

then existed in Germany” (ENGELS, 1850, p. 4). Disponível em: < http://www.marxists.org/archive/marx/works/1850/peasant-war-germany/ch0a.htm >. Acesso em: 10 out. 2011. 8 Foi através da leitura da bíblia, traduzida inicialmente por Thomas Muenzer e não por Martinho

Lutero como se apregoa, que os camponeses alemães vieram a saber que Cristo foi homem, pobre, humilde e sem dinheiro, que não tinha terras, não cobrava dízimo e que o fruto da terra seria daquele que derramasse o suor do seu trabalho sobre ela (JULIÃO, 1962, p. 15).

19

planejada entidade. Neste ataque concêntrico, por assim dizer, repousa a força e invencibilidade do movimento germânico (ENGELS, 1850, pp. 9 – 15)

9.

Há ainda inúmeras referências ao caráter pacífico do movimento, adotadas ipsis

litteris por Francisco Julião, assim como sua leitura da composição do movimento,

separando e identificando cada tipo de trabalhador associado à terra. A

transposição das teorias de Marx e Engels para o Nordeste brasileiro mostrou-se

acertada e inteiramente cabível, como se verá na sequência deste estudo, tendo as

Ligas Camponesas do Nordeste encarnado não somente os ideais de igualdade do

campesinato como de todas as classes oprimidas no país. A leitura de A Guerra

Camponesa na Alemanha (op. cit., 1850) é um firme alicerce para esta

compreensão, porém, aqui há que se avançar para o objeto de estudo deste artigo.

Assim, procede-se à análise do histórico, dinâmica e composição das Ligas

Camponesas do Brasil já ciente de suas origens mais remotas.

Oficializada em janeiro de 1955, a Sociedade Agrícola de Plantadores e

Pecuaristas de Pernambuco (SAPPP)10 veio a ser o movimento que aglutinaria, a

partir de então, não só trabalhadores rurais como urbanos. Uma das versões mais

conhecidas para a criação da Liga do Engenho Galileia, reproduzida pelo Coletivo

Victor Meyer (CVM), é que ela tinha o intuito original de acabar com o hábito de os

camponeses mortos serem enterrados como indigentes em valas comuns11.

Entretanto, a pesquisadora Aspásia Camargo (1973), em sua tese de doutorado

Brésil Nord-Est: Mouvements Paysans et Crise Populiste, citada em referências de

outros autores como As Ligas Camponesas e o Movimento Camponês no Nordeste

9 “(...) the wage-workers of the land can be freed from their hideous misery only when the main

object of their work, the land itself, will be withdrawn from the private property of the large peasants and still larger feudal masters, and transformed into social property to be cultivated by an association of land workers on common basis (…) For the first time in the history of the labour movement the struggle is being so conducted that its three sides, the theoretical, the poltical and the practical economical (opposition to the capitalists), form one harmonious and well-planned entity. In this concentric attack, as it were, lies the strength and invincibility of the german movement” (ENGELS, 1850, pp. 9 – 15). 10

Falar em SAPPP, Liga Camponesa da Galileia ou Liga do Engenho de Santo Antão é referir-se à mesma entidade. 11

Esta versão consta de reportagem de Antônio Calado para o Correio da Manhã (edição de setembro de 1959) (BERTERO, 2006, pp. 163 – 180).

20

(1968)12, afirmou que os objetivos iniciais da Liga do Engenho de Santo Antão

eram mais amplos:

Auxiliar os camponeses com despesas funerárias – evitando que os camponeses fossem literalmente despejados em covas de indigentes (caixão emprestado); fornecer assistência médica, jurídica e educação aos camponeses; e formar uma cooperativa de crédito capaz de livrar aos poucos o camponês do domínio do latifundiário. No Engenho Galileia trabalhavam cerca de 140 famílias de camponeses em regime de foro: em troca de cultivar a terra, deviam pagar uma quantidade fixa em espécie ao proprietário da terra. É importante frisar que esse engenho já se encontrava em “fogo morto”, ou seja, inadequado para plantio de cana-de-açúcar (CVM, 2011)

13.

Francisco Julião (1962), advogado e parlamentar recifense, célebre pela defesa

radical das Ligas Camponesas e da reforma agrária, admite, no folheto14 Que São

as Ligas Camponesas? (1962), que sequer interferiu na formação da primeira

Liga, sociedade à qual se refere como sendo a liga mãe de todas as outras. Quanto

12

Embora seja deputada estadual no Rio de Janeiro pelo Partido Verde (PV), Aspásia Camargo não nos atendeu em nossa tentativa de entender o porquê de sua tese ter a data de 1973 quando citada no original em Francês e outra, 1968, quando referenciada em Português, e mais uma (1979), referente a mimeógrafo pretensamente arquivado no CPDOC da Fundação Getúlio Vargas. A autora estudou na Sorbonne, Universidade de Paris, desde 1968, onde concluiu sua tese, defendida em 1974, sob orientação do professor Alain Touraine. 13

O Centro de Estudos Victor Meyer ou Coletivo Victor Meyer (CVM) é um dos vários sites e portais com os quais Aspásia Camargo compartilhou trechos de sua tese de doutorado defendida na Sorbonne, Universidade de Paris, em 1974, e jamais publicada no Brasil. Embora cause um forte impacto, estas informações sobre os objetivos iniciais das Ligas Camponesas vêm sendo reproduzidas em diversas publicações físicas, sites, blogs e portais de internet sem a devida referenciação. Trata-se de informação retirada da tese de doutorado de Aspásia Camargo, defendida na França em 1974, sobre as Ligas Camponesas e o movimento camponês no Nordeste. O trecho aqui referenciado pode ser encontrado, entre outros endereços, no Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos, sob o título O que foram as Ligas Camponesas? Disponível em: <http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2322&Itemid=25>. Acesso em 10 out. 2011. 14

Entre os cerca de 45 milhões de camponeses nordestinos havia um índice de analfabetismo de 97%. No município onde nasceu Julião, Bom Jardim, próximo à Recife, estes números chegavam à 90%, daí a doutrinação do campesinato ser realizada na base da prosa em todos os lugares mais frequentados pela população, da quermesse à briga-de-galo. Também foram escritos boletins como “Guia”, “ABC” (para ensinar o camponês a escrever ao menos o nome), “Recado”, “Cartilha” e “Carta de Alforria”, todos com o complemento “ao camponês”, “do camponês” ou “ao campesino” em linguagem simplória e evangélica, segundo Julião. Utilizou-se, ainda, em larga escala, do trabalho voluntário de cantadores, poetas, violeiros e cantadores para difundir a mensagem das Ligas Camponesas. Denis Rolland (1998) explica em detalhes o uso dos folhetos, identificados em francês como Littérature de colportage, a literatura de cordel do nordeste; Clodomir Santos de Morais (1997), um dos líderes das Ligas Camponesas, relaciona o violeiro / cantador ao menestrel medieval (In: A Questão Agrária no Brasil: história e natureza das ligas camponesas – 1954 – 1964); Francisco Julião (1962), por sua vez, descreve minuciosamente os números por traz da produção de folhetos, o que são os folhetos, as diversas formas de poesia nordestina sob influência do cancioneiro medieval europeu, em especial da chanson de geste (canção de protesto) e da chanson de Roland (usada para narrar feitos de heróis e anti-heróis, entre os quais Robin Hood é o mais famoso). A colonização holandesa e a forte presença de espanhóis, flamengos e franceses no Nordeste explica essa influência. O primeiro folheto conhecido publicado no Brasil data de 1865, segundo Rolland (1998).

21

aos primeiros objetivos, ele diz que esta sociedade civil15 buscava fundar uma

escola primária, além de estabelecer um fundo para aquisição de caixões infantis,

devido à alta mortalidade de crianças no Nordeste daqueles tempos. “O estatuto da

sociedade fala de outros objetivos mais remotos, como aquisição de sementes,

inseticidas, instrumentos agrícolas, obtenção de auxílio governamental, de

assistência técnica” (JULIÃO, 1962, p. 24).

Foi essa sociedade à qual Julião se refere que, numa manobra política ou num

movimento de pura ingenuidade (a história ainda não esclareceu), indica como seu

presidente de honra o proprietário do engenho, Oscar de Arruda Beltrão. Porém,

seu filho reage, temeroso dos ideais sociais do movimento, que poderia insurgir-se

contra as práticas antigas de uso das terras improdutivas para a pecuária (CVM,

2011)16. Além disso, já havia resistência contra o deslocamento dos camponeses

para terras ruins, enquanto a cobrança do foro só fazia crescer17. Tal situação

começou a gerar um medo generalizado de expulsão da terra entre os

trabalhadores.

Organizando-se ainda por conta própria, os trabalhadores do Engenho de Santo

Antão juntaram ao seu redor, foreiros, meeiros, arrendatários e pequenos

15

Francisco Julião foi hábil em reconhecer que, sob a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as Ligas Camponesas poderiam sofrer o mesmo tipo de manipulação que já sofria a classe operária brasileira. Assim, ele opta por estabelecer as Ligas legalmente sob o Código Civil, criado pela burguesia na defesa da propriedade privada, luta que aproximava esta classe do campesinato enquanto neutralizava as possíveis manobras do latifúndio. Segundo Julião, a reforma agrária sempre foi a bandeira da classe burguesa, sendo, portanto, o instrumento ideal para arregimentar a massa camponesa avessa à socialização da terra. Além disso, era extremamente simples registrar uma sociedade civil e seu estatuto, não necessitando da aquiescência do Ministério do Trabalho, mas simplesmente de um Cartório de Títulos, onde a Liga é fundada, adquire personalidade jurídica e legaliza-se como qualquer outra sociedade civil. Julião afirmou em seus escritos doutrinadores do campesinato que, por mais inescrupuloso que fosse um juiz, ele não se atreveria a rasgar o Código Civil, estabelecendo perigoso precedente, que poderia, em último caso, ser revogado em última instância (JULIÃO , op. cit., pp. 58 – 61). 16

Disponível em: <http://www.centrovictormeyer.org.br/attachments/376_O%20que%20foram%20as%20Ligas%20Camponesas%20-%20Aspasia%20Camargo.pdf>. Acesso em 28 ago. 2013. 17

É importante que fique claro o caráter de resistência pacífica e pela busca de meios legais empreendidos pelas Ligas Camponesas aqui mencionadas. Desta forma, é de extrema importância que haja uma distinção entre as Ligas Camponesas do Norte e Nordeste do Brasil e o fenômeno conhecido como banditismo social, também originado no meio rural, também relacionado à resistência à expropriação de terras, porém marcado por situações de vinganças pessoais, reparos de supostas injustiças e recorrência ao uso de armas, bem como táticas de guerrilhas em suas ações. Para uma melhor distinção entre movimentos camponeses, banditismo e fanatismo, ler Bandidos, de Eric Hobsbawm (1969) e Cangaceiros e Fanáticos, de Rui Facó (1963).

22

proprietários18. A identificação sob o termo camponês foi o fator de unidade,

favorecido pelos setores mais conservadores da sociedade de então que, temendo

que a SAPPP fosse a reedição das ligas camponesas antigas, batizaram o

movimento de “liga”. Nesse ínterim, a luta campesina voltava a alinhar-se

ideologicamente ao PCB. Segundo Welch (2006), Em 1954, o PCB organizou a

primeira conferência nacional dos trabalhadores rurais e fundou a União dos

Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB). Organizadores da

ULTAB militaram na defesa dos camponeses e na organização de associações e

sindicatos em muitos estados do Brasil.

Agora reconhecida como movimento agrário, a associação de trabalhadores rurais

do Engenho de Santo Antão passou a lutar na justiça contra as expulsões

arbitrárias de seus membros, sem a devida indenização pelas benfeitorias

realizadas durante o período de arrendamento da terra. Ao mesmo tempo, a Liga

tentava incutir em seus associados a mais explícita recusa a todo e qualquer tipo

de contrato discriminatório e lesivo, entre os quais o mais comum era o cambão19,

cumprimento de um dia de trabalho gratuito para o dono da terra (GARCIA, 2003).

Com estas propostas, a Liga Camponesa já empolgava trabalhadores rurais e

urbanos:

Em agosto de 1955, realizou-se no Recife, o Congresso de Salvação do Nordeste, que teve grande importância para o movimento camponês, uma vez que foi a primeira vez no Brasil que mais de duas mil pessoas, entre autoridades, parlamentares, representantes da indústria, do comércio, de sindicatos, das Ligas Camponesas, profissionais liberais, estudantes, reuniram-se para discutir abertamente os principais problemas socioeconômicos da região. A Comissão de Política da Terra era composta por mais de duzentos delegados, em sua maioria, camponeses representantes da Liga. Em setembro do mesmo ano, foi realizado, também no Recife, o Primeiro Congresso de Camponeses de Pernambuco, organizado pelo professor Josué de Castro, que culminou com um grande desfile de camponeses pelas ruas da cidade (CVM, 2011).

18

Francisco Julião (1962) dividia os 45 milhões de camponeses, dos quais 12 milhões vendiam sua força de trabalho, em: proletários ou assalariados; semiproletários (colonos, peões, camaradas e empreiteiros); camponeses, sendo estes divididos em foreiros (aqueles que pagavam o foro, a renda ou aluguel pelo uso de uma determinada porção de propriedade), os meeiros (que pagavam a meia ou a terça parte do que produziam) e condiceiros (que alugavam a terra de um a vários dias por semana). Ainda há outras categorias, como o parceiro, o posseiro e o sitiante, todos movendo-se do mocambo, favela, maloca, prostíbulo, hospital ou cárcere rumo ao cemitério, conforme Julião (op. cit., 1962, p. 11). 19

Esta prática de trabalho tradicional, porém abusiva, foi combatida por Francisco Julião, que recorreu ao Código Civil de 1916 para denunciar o abuso. Cambão: la cara oculta de brasil, de Francisco Julião (1962), é um livro que revela todas as faces desta prática lesiva ao trabalhador rural e que remete à corveia feudal (no original, em francês, corvée)..

23

Todavia, tamanha visibilidade e o surgimento de outras ligas camponesas em

Pernambuco e em estados como Rio Grande do Norte, Bahia, Rio de Janeiro

(então estado da Guanabara), Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio Grande do

Sul, Goiás, Mato Grosso, Acre e Distrito Federal, despertaram a atenção da polícia.

A Liga Camponesa da Paraíba chegou a contar em seu núcleo mais importante,

Sapé, com mais de doze mil membros, e outros dez mil em Mamanguape

(MORAIS, 1997)20. O número de trabalhadores reunidos nestas ligas é bastante

expressivo, principalmente quando se sabe que a influência do PCB ainda era

incipiente. No entanto, se já havia a legalidade e a politização, o movimento ainda

carecia de uma liderança mais emblemática.

E é neste momento que entra em cena Francisco Julião Arruda de Paula, então

obscuro advogado recifense que defendia lavradores em ações contra

latifundiários. Julião atraiu a atenção dos líderes camponeses por defendê-los num

manifesto de 1945, intitulado Carta aos Foreiros de Pernambuco. A vitória de Julião

no processo que perdurou até 1959, levou a justiça a decretar a desapropriação do

Engenho Galileia. Quem encaminhou o projeto à Assembleia Legislativa foi o

governador daquele estado, Cid Sampaio (PEREIRA, 1991)21. A proposta original

era do próprio advogado, que almejava seguir carreira política22. Julião revelou à

Aspásia Camargo, criadora do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, que não

havia guardado cópia da famosa Carta aos foreiros de Pernambuco:

20

Esta informação é originária de um dos organizadores e assessores das Ligas, nos anos 1960, doutor em Sociologia pela Universidade de Rostock, Alemanha, Clodomir dos Santos Morais, e consta de A Questão Agrária no Brasil: história e natureza das ligas camponesas – 1954 – 1964, organizado pelo líder do Movimento dos Sem Terra (MST), José Pedro Stedile. Também reproduzida no Portal São Francisco. As Ligas Camponesas: atuação. Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/ligas-camponesas/ligas-camponesas-1.php>. Acesso em 10 out. 2011. Todas as informações sobre as Ligas Camponesas recolhidas no Portal São Francisco, no Portal FGV do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC), no Centro de Estudos Victor Meyer e no Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos fazem parte da tese de doutorado de Aspásia Camargo, As Ligas Camponesas e o Movimento Camponês no Nordeste, 1968. A autora fundou o CPDOC em 1974 e cedeu trechos de sua tese aos portais mencionados. 21

O norte-americano de sobrenome açoriano Anthony Pereira é Cientista Político, especialista em questões agrárias e grande conhecedor de Pernambuco. Segundo ele, as Ligas Camponesas foram as grandes responsáveis pela implantação da Aliança para o Progresso pelo governo Kennedy (SANTIAGO, 2004, pp. 165 – 166). 22

Fonseca (1962), Callado (1964), Page (2006) e Pereira (1991) defendem Francisco Julião como um reformador social seriamente engajado. Porém, opiniões contrárias podem ser encontradas em Schmitter (1971), Pearson (1967) e Leeds (1964).

24

Comecei a escrever as famosas cartas dos camponeses. Mas isso somente apareceu depois de 1955. No ano de 46, que se seguiu à redemocratização do Brasil, escrevi a primeira carta, intitulada Carta aos Foreiros de Pernambuco. Lamentavelmente, não tenho cópia desse documento, o primeiro que escrevi. Foi muito interessante. A carta era muito simples, não propunha coisas complicadas. Era um despertar. E, para distribuir essa carta, utilizei um primo (CAMARGO, 1982, pp. 10 – 11).

A notoriedade obtida pela primeira grande vitória das Ligas Camponesas

transforma os ex-trabalhadores do Engenho Galileia em símbolos da luta agrária no

Brasil. Como viesse por via legal, a desapropriação do engenho foi vista como um

claro exemplo de que era possível mudar a realidade sócio-política do país.

Entretanto, embora os ânimos estivessem aparentemente apaziguados, as

lideranças do movimento recrudesceram e um discurso mais radical surgiu.

A mudança parece ter ocorrido, de fato, a partir do I Congresso de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, realizado em Belo Horizonte em novembro de 1961, onde o grupo de Julião e das Ligas Camponesas se confrontou com outro, mais moderado, sob influência comunista, e sob liderança da ULTAB (União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil). Nessa ocasião, Julião recusou alianças e entendimentos mais duradouros com João Goulart, então presidente da República, que havia comparecido ao congresso. O resultado desse confronto foi a vitória formal de Julião e de seus seguidores, que advogavam então uma “reforma agrária na lei ou na marra”. Essa vitória, porém, foi politicamente enganosa, pois a partir daí o Estado reforçaria a ação sindical em detrimento da liderança das Ligas (CAMARGO, 2011)

23.

Adotando uma postura independente, a Liga da Galileia conta agora com apoio da

Igreja Católica e do Partido Comunista (PC). Julião já é deputado do Partido

Socialista Brasileiro (PSB). Segundo Pereira, autores como Schmitter (1971) ou

Leeds (1964) não veem em Julião nada mais que um manipulador de massas, um

criador de banco de votos, um oportunista. Entretanto, o surgimento da Liga da

Galileia, de forma autônoma, com “arrendatários e assalariados em defesa dos

seus interesses” era algo corriqueiro na Zona da Mata, lembra Pereira (1991, p.

103).

Pereira (1991) também ressalta que o surgimento da liga, levantando fundos para

suas atividades e o necessário registro civil para sua efetiva existência, deu-se por

23

Retirado de texto de Aspásia Camargo para a Organização Não-Governamental Memorial das Ligas Camponesas e publicado em meio eletrônico, sem paginação. Disponível em: < http://ligascamponesas.blogspot.com.br/p/historia-das-ligas.html>. Acesso em: 16 nov. 2013.

25

iniciativa dos lavradores do Engenho Galileia. Eles eram em sua maioria

analfabetos, portanto, proibidos de votar, não sendo então nenhum banco de

dados. Além disso, Francisco Julião só foi chamado a colaborar na defesa legal da

Liga quatro meses após a sua formação e porque já não era possível enfrentar

fazendeiros e polícia sem apoio legal.

No campo ideológico, embora convencidos da necessidade de enfrentar o governo

de igual para igual, mesmo em caso de luta armada, o movimento camponês

parecia fortalecer-se politicamente com a adesão de Paulo Freire24 e seu programa

de conscientização. O objetivo era assistir às necessidades dos camponeses com

um embasamento literário de sua luta. A Igreja Católica era outra forte aliada.

Talvez em função dessas pressões intelectuais, o governo Goulart tenha começado

a promulgar leis de reforma agrária que agradavam sumamente ao movimento

camponês.

Por volta de 1961, as Ligas Camponesas pareciam estar no auge de seu poder:

comitês regionais foram criados em cerca de dez Estados; no ano seguinte foi

criado o jornal A Liga, que pretendia ser o porta-voz intelectual do movimento

camponês; ainda em 1962, tentou-se criar o Partido Revolucionário Tiradentes

(PRT)25. Tal crescimento do movimento e as sucessivas adesões que suscitou

parecem ter finalmente ressuscitado o Decreto-Lei número 7.038, “promulgado em

1944 por Getúlio Vargas como extensão da Consolidação das Leis do Trabalho

(CLT)”26, prevendo a sindicalização rural27. Entretanto, o que parecia ser

24

O programa de conscientização do educador pernambucano foi considerado uma ameaça pelos militares. Esta associação entre a expropriação de imensas porções de terra pelos donos de engenhos de açúcar financiados por capital estrangeiro, o surgimento das Ligas Camponesas, em 1955, em Pernambuco, sua associação ao advogado socialista Francisco Julião, o reforço da Igreja Católica (via Teologia da Libertação), a adesão acadêmica de Paulo Freire e a promulgação de leis de reforma agrária pelo governo de esquerda do presidente João Goulart podem ser melhor compreendidos pela leitura do estudo Peasant Mobilization For Land Reform: historical case studies and theoretical considerations, onde Gerrit Huizer (1999) discute a participação popular em movimentos de mobilização social em países como o México, Rússia, China, Japão, Filipinas, Bolívia, Cuba, Indonésia, Zimbábue, Índia e Brasil. Disponível em: <http://www.unrisd.org/80256B3C005BCCF9/httpNetITFramePDF?ReadForm&parentunid=706169C0417986E480256B66003E6841&parentdoctype=paper&netitpath=80256B3C005BCCF9/(httpAuxPages)/706169C0417986E480256B66003E6841/$file/dp103.pdf>. último acesso: 16 jul. 2013. 25

Ver A Questão Agrária no Brasil Vol. 4: história e natureza das ligas camponesas – 1954 – 1964. 26

Portal São Francisco. As Ligas Camponesas: atuação. Disponível em <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/ligas-camponesas/ligas-camponesas-1.php>. Acesso em 10 out. 2011. Todas as informações sobre as Ligas Camponesas recolhidas no

26

conquistas das Ligas Camponesas, em breve se voltaria contra elas próprias.

Secretamente, o governo planejava a substituição das ligas por sindicatos rurais,

devidamente institucionalizados e afastados de lideranças radicais como a de

Francisco Julião.

A recusa a colaborar com o Estado teve, portanto, consequências imediatas, concedendo às organizações sindicais mais oficializadas maior poder de controle sobre o movimento camponês do período. A partir daí, redefiniu-se o papel das Ligas, que passaram muitas vezes a expressar os interesses mais autônomos da base camponesa que representavam, em detrimento de uma liderança populista ligada a camadas e interesses políticos externos ao campesinato enquanto classe: estudantes, intelectuais, jornalistas, militantes de partidos políticos de origem urbana etc. Enquanto isso, a liderança intermediária, e de origem camponesa, manifestou muitas vezes sinais mais evidentes de autonomia. Nesses casos, ora coexistiam, ora eram absorvidas pelas organizações sindicais, mas, ao serem incorporadas, induziam os sindicatos a adotar – sob pena de perder o controle sobre seus próprios associados – as reivindicações básicas de luta pela terra às quais esses mesmos sindicatos eram inicialmente pouco sensíveis (CAMARGO, 2011)

28.

As Ligas Camponesas chegam ao ano de 1963 incorporadas a sindicatos,

organizações que permitiam a diversificação de suas plataformas iniciais, bem

como estender ao trabalhador rural benefícios trabalhistas que jamais haviam saído

do campo ideal. O Estatuto do Trabalhador Rural, aprovado naquele ano, é um

claro exemplo do alcance do movimento. Quem diria que trabalhadores artesanais

em sua maioria pouco instruídos como Zezé da Galileia, João Virgínio e José

Francisco, em Galileia; João Pedro Teixeira, Pedro Fazendeiro, Elizabeth Teixeira

e João Severino Gomes, em Sapé, pudessem integrar um movimento de tamanha

importância político-social para os trabalhadores rurais e urbanos do país e que

este movimento repercutisse no exterior? Tal constatação é corroborada pela

Portal São Francisco, no Portal CPDOC - FGV, no Centro Victor Meyer e no Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos fazem parte da tese de doutorado de Aspásia Camargo, As Ligas Camponesas e o Movimento Camponês no Nordeste, 1968. A autora fundou o CPDOC em 1974 e cedeu trechos de sua tese aos portais mencionados. 27

A sindicalização rural foi a resposta do governo federal à tentativa de criação do Partido Revolucionário Tiradentes (PRT), que daria suporte às Ligas Camponesas. Mais detalhes podem ser obtidos no Centro de Estudos Victor Meyer. Disponível em: <http://www.centrovictormeyer.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=376:memoria-das-lutas-no-campo&catid=35:acervos&Itemid=59>. Acesso em: 01 out. 2013. O decreto pode ser lido em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/del7038.html> Acesso em 05 set. 2013. 28

Memorial das Ligas Camponesas. História das Ligas Camponesas. Texto de Aspásia Camargo (sem paginação). Disponível em: <http://ligascamponesas.blogspot.com.br/p/historia-das-ligas.html>. Acesso em: 01 out. 2013. Também disponível em: < http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2322&Itemid=25>. Acesso em 01 out. 2013.

27

Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas29, que associa o

movimento às tentativas de inserção internacional do Brasil no período:

De fato, a existência mesma do movimento parece estar ligada às ideologias desenvolvimentistas, de integração nacional e de expansão da cidadania. Nesse sentido, as reivindicações camponesas ecoavam como parte de um único e amplo projeto (CAMARGO, 2011)

30.

Surgidas num período de liberalização política, na esteira do populismo de Getúlio

e Juscelino, sem esquecer o período transitório do governo Jango, as Ligas

Camponesas, em 1963, pareciam ser a resposta para todas as mazelas da

sociedade brasileira. A Federação dos Trabalhadores na Agricultura de

Pernambuco (FETAPE) é tida como nitidamente influenciada pelas ideias de

Francisco Julião, como porta-voz dos camponeses. Pereira (1991, p. 109) vê

grande influência do advogado no Acordo do Campo, precursor das convenções

coletivas contemporâneas e que regulamentava o pagamento dos cortadores de

cana-de-açúcar. E ele deriva esta influência não só para o patrocínio de Julião a

organizações rurais como também ao sucesso da greve geral dos trabalhadores

em canaviais de Pernambuco, em novembro de 1963, sob orientação da FETAPE.

Todavia, a calmaria era somente aparente, como se vê a seguir:

O que ocorreu, no entanto, é que enquanto as reivindicações camponesas pela terra, advogadas pelas Ligas, ganhavam corpo, as pretensões políticas da cúpula do movimento se esvaziavam diante de um movimento sindical organizado e mais ligado à Igreja e ao Estado (CAMARGO, 2011).

Apesar de encampadas pelos sindicatos, que lhes tiravam poder embora

atendessem de forma populista às suas reivindicações, as Ligas Camponesas

seguiram com sua política de independência em relação ao governo. Em janeiro de

1963 foi realizado um plebiscito que restituiu plenos poderes ao presidente João

Goulart, mas as Ligas abstiveram-se, por orientação de Julião, mesmo que

estivessem em minoria na votação. Tal orientação também causou celeuma

durante o governo de Miguel Arraes em Pernambuco (1963-1964).

29

O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) encampa a Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, criada em 1973, pela cientista social e atual deputada pelo Partido Verde do Rio de Janeiro (PV), Aspásia Camargo, com o intuito de abrigar uma ampla gama de arquivos públicos da história do Brasil. Disponível em: < http://cpdoc.fgv.br/sobre>. Acesso em: 25 ago. 2013. 30

Originalmente publicado em <www.cpdoc.com.br>. Acesso em 01 out. 2013.

28

De todos os erros de Julião, talvez um dos mais sérios tenha sido o de ter falhado em prever os perigos de uma ditadura militar durante o crepúsculo da república populista. Nas vésperas do golpe, a 31 de março de 1964, Julião afirmou no Congresso que “se amanhã, alguém tentar levantar os gorilas contra a nação, já podemos dispor – por isso ficamos no Nordeste o ano todo – de 500 mil camponeses para responder aos gorilas” (PEREIRA, 1991, p. 109).

Inflamada pelo discurso radical31 de Francisco Julião, a facção mais aguerrida do

campesinato partiu para confrontos que culminaram em prisões. Todavia, o mundo

globalizado já havia tomado conhecimento das Ligas Camponesas do Brasil.

Personalidades internacionais recebiam seus líderes no exterior ou vinham elas

mesmas conhecer de perto a realidade da luta agrária no país. Já em clima de

Guerra Fria, as Ligas Camponesas do Brasil começavam a assimilar as influências

do marxismo na América Latina. Estava armado o cenário para o Golpe Militar de

1964 e a aproximação aos ideais revolucionários de Cuba era um perigo iminente

para o sistema internacional, sobretudo na visão de um dos polos de poder do

período pós Segunda-Guerra Mundial, os EUA.

Todavia, para melhor compreender a influência ideológica e instrumental do

comunismo na América Latina, em especial a preocupação norte-americana com a

incidência de focos revolucionários pós-Revolução Cubana no continente, deve-se

retornar um pouco no tempo, situando-se na década de 1920 do século passado.

Este período, referido por Löwy (1999, p.14) como “comunismo original”, vê surgir

os primeiros estudos e as primeiras teorizações analíticas da realidade das ex-

colônias espanholas e portuguesa (Brasil) nas regiões central e sul da América. Os

primeiros partidos comunistas da América Latina surgem, respectivamente, na

Argentina, 1918; México, 1919; Uruguai, 1920; e Brasil, 192232; Esta primeira

corrente originou partidos socialistas e anarquistas, além de sindicatos operários e

camponeses.

31

O radicalismo de Francisco Julião foi exacerbado no pior sentido que o termo “radical” possa ter, tendo sido usado pela imprensa, pela polícia e pelo latifúndio o afamado lema das Ligas, “Reforma Agrária na lei ou na marra”, como exemplo de intransigência. Entretanto, quem toma contato com as obras de Julião dirigidas ao campesinato, percebe que ele utiliza o termo radical para atacar o sectarismo que, segundo ele, é unidimensional e reducionista, ao contrário do radicalismo, este sim dialético, disposto ao diálogo e participativo (JULIÃO, 1968). 32

Os partidos comunistas apareceram na década de 1920 a partir de duas fontes distintas: os partidos socialistas que cerraram fileiras em torno da Revolução de Outubro, em sua corrente majoritária (Uruguai, 1920, e Chile, 1922) ou em sua ala esquerda (Argentina, 1918); e a evolução rumo ao bolchevismo de certos grupos anarquistas ou anarco-sindicalistas (México, 1919, e Brasil, 1922) (LÖWY, 1999, p. 14).

29

A semente da política seguida por Che Guevara e Fidel Castro após a Revolução

Cubana (1957 – 1961) foi plantada na III Internacional Comunista33. As resoluções

de janeiro de 1921, “Sobre a Revolução na América: um chamado à classe

operária das Américas”, e a proclamação de 1923, “Aos operários e camponeses

da América do Sul” (LÖWY, 1999, p. 14 -15) antecipa a pregação da união entre

trabalhadores proletários rurais e camponeses tão em voga nos discursos de Fidel,

Che e Julião.

A unidade entre o proletariado e o campesinato é concebida no contexto de uma estratégia de revolução “ininterrupta”, capaz de conduzir a América Latina diretamente de um capitalismo subdesenvolvido e dependente (“atrasado e semicolonial” na terminologia da III Internacional) para o poder do proletariado (LÖWY, 1999, p.15).

Entre os livros de cabeceira daqueles que fizeram a revolução em Cuba, tornando

o perigo comunista uma realidade no continente sul-americano, destacam-se o

moderado Juan B. Justo, primeiro tradutor de O Capital para o espanhol, e o

revolucionário Luis Emilio Recabarren. O primeiro, membro do Partido Socialista

Argentino (fundado em 1895), é tido como moderado porque seus escritos refletem

ideais revolucionários burgueses. Já Recabarren, do Partido Socialista Chileno

(fundado em 1912), atuou como líder trabalhista profundamente influenciado pela

Revolução de Outubro34.

Entretanto, aquele que mais fortemente influenciou as lutas revolucionárias de Fidel

Castro, Che Guevara e das Ligas Camponesas foi o estudante cubano Julio

Antonio Mella (1903 – 1929). Em sua terra natal, Mella participou da fundação da

Liga Anticlerical de Cuba (1922), da Federação dos Estudantes Universitários

(1923), da seção cubana da Liga Anti-imperialista das Américas (1925) e do Partido

Comunista Cubano (1925), sendo eleito membro de seu comitê central35. Profundo

admirador do líder José Martí, libertador de Cuba do jugo espanhol, suas ideias, ao

33

A esse respeito, vale a pena ler o interessante trabalho do jornalista William Waack, intitulado Prestes, o nacional desenvolvimentismo e a revolução mundial, para a Revista Lua Nova, disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-64451993000300011&script=sci_arttext 34

Revolução Russa de 1917. 35

Juan Antonio Mella participou das lutas do Partido Comunista Mexicano (após ser preso em Cuba e obrigado a se exilar no México, onde foi assassinado aos 26 anos de idade). Antes disso apoiou a luta do líder Nicaraguense Sandino contra a invasão norte-americana em seu país (LÖWY, op. cit., p. 15 – 17).

30

mesmo tempo universalistas e regionalistas36, serviram de alicerce ao mais

influente de todos os pensadores marxistas da América Latina: o peruano José

Carlos Mariátegui (1894 – 1930).

Escritor e jornalista, Mariátegui tornou-se socialista em 1919 e descobriu o marxismo e o comunismo durante uma longa estada na Europa (1920 – 23), particularmente na Itália. Ao retornar ao Peru, integrou-se ao movimento dos trabalhadores e participou ativamente do estabelecimento de sindicatos de trabalhadores industriais e agrícolas. Em 1926, fundou a revista Amauta, que reuniu em torno de si a vanguarda cultural e política do Peru e da América Latina (LÖWY, 1999, p. 17).

Segundo Löwy (1999), “após as mortes de Mella e Mariatégui, iniciou-se um

processo de degradação do pensamento marxista na América Latina que duraria

décadas” (LÖWY,1999, p. 26). Porém, em 1936, cada partido comunista,

independente do viés adotado, contava com um aparelho dirigente inspirado na

hierarquia stalinista, isto é orgânica, política e ideologicamente ligados à orientação

internacional da liderança soviética. Pela lógica stalinista, que aborda e interpreta o

marxismo sob um método econômico, países coloniais ou semicoloniais (América

Latina incluída) não estariam amadurecidos para a revolução. Daí a divisão dos

revolucionários em quatro blocos (proletariado, campesinato, pequena burguesia e

burguesia nacional), alicerce da revolução por etapas, com a finalidade de

concretização da fase nacional-democrática.

É certo que Stalin gerenciou este processo com mãos de ferro na Rússia, mas se

está interessados nos termos e ideias que serviram de base para o surgimento da

Revolução Cubana e dos focos revolucionários na América Latina. Por isso, não

seria possível negligenciar, de forma alguma, este preâmbulo da atuação

comunista37 no continente. A teoria discutida neste artigo, sobre o que seria o

comunismo na América Latina, é derivada de Michael Löwy (1999). Ele denomina

esta vertente de “comunismo original”, quando surgem os primeiros estudos e as

primeiras teorizações analíticas da realidade das ex-colônias espanholas e

36

Mella reconhecia nas burguesias nacionais a ferramenta ideal de dominação capitalista exercida por Wall Street – entenda-se EUA – e não descuidava, em seus escritos, palestras, pronunciamentos e ações, das questões particulares de cada país latino oprimido e das maneiras específicas de combater o imperialismo (LÖWY, op. cit., 1999). 37

Tânia Quintaneiro fornece em Cuba e Brasil: da revolução ao golpe (1959 – 1964) um interessante painel da influência da Revolução Cubana no continente americano. (QUINTANEIRO, 1988, p. 92 - 102).

31

portuguesa (Brasil) nas regiões central e sul da América, conforme anteriormente

analisado neste estudo.

Esta contextualização permite analisar os focos revolucionários, na América Latina,

diretamente influenciados pela Revolução Cubana, que causou especial

preocupação aos EUA num momento histórico em que a nação norte-americana

buscava fortalecer sua posição de líder das Américas, via Doutrina Monroe. Como

a ocorrência de focos revolucionários está intimamente relacionada às lutas contra

o imperialismo norte-americano38, cabe reproduzir o que diz um trecho de

resolução do IV Congresso da Internacional Comunista (novembro de 1922). Este

é, supostamente, o primeiro texto do Comintern dirigido especificamente aos

trabalhadores da América Latina, reforçando que o campesinato e o operariado são

as únicas classes realmente revolucionárias.

A Doutrina Monroe permite que os imperialistas americanos assegurem sua conquista econômica da América Latina. Os empréstimos, os novos investimentos de capitais americanos em explorações industriais, comerciais e bancárias, as concessões de estradas de ferro e de empresas marítimas, a aquisição de jazidas de petróleo, estas múltiplas formas de expansão da penetração econômica ianque mostram como o capitalismo dos Estados Unidos deseja transformar a América do Sul na base de seu poder industrial [...] Operários e camponeses da América do Sul! O imperialismo capitalista introduz em seus países os antagonismos mundiais que provocaram entre os povos da Europa a guerra mais sangrenta e a maior reação. Já está na hora de unir as forças revolucionárias do proletariado, pois os capitalistas de toda a América se unem contra a classe operária (LÖWY, 1999, pp. 84 – 85)

39.

O texto acima ajuda a compreender a trajetória de ideias revolucionárias

intrinsecamente pequeno-burguesas, amalgamadas pela ideologia jacobina40 que

impregnou a Revolução Russa e as ações libertárias de José Martí, até o campo e

o proletariado, recuperando os ideais do comunismo original da década de 1920, 38

Em artigo intitulado Sur la crise brésilienne (Sobre a crise brasileira). In: Revue Française de Science politique, 18e année, nº 1, 1968. Pp. 20 – 43, Silas Cerqueira discute como a dominação de grupos econômicos norte-americanos quase monopoliza o comércio exterior brasileiro, freia o desenvolvimento do país e contribui para o Golpe de 1964. Disponível em: < http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/rfsp_0035-2950_1968_num_18_1_393068>. Acesso em: 01 out. 2013. 39

Para mais detalhes da influência da Revolução Russa de 1917 na América Latina, ver LÖWY, op. cit., p. 84 - 85. Aqui o autor reproduz trecho da Internacional Comunista, realizada em Moscou no ano de 1922. 40

O termo remete a um dos grupos que formou a Convenção que sucedeu ao poder monárquico durante a Revolução Francesa. Os Jacobinos eram republicanos que identificavam-se com a baixa burguesia, sendo vinculados aos interesses das camadas populares da França. Disponível em <www.ediouro.com.br/vamosnavegarcomahistória>. Acesso em 24 de jan. de 2012.

32

apesar da já mencionada descontinuidade histórica. Sintetizadas no pensamento e

na ação de Ernesto Che Guevara, estas influências mostraram aos líderes

comunistas latinos que o caminho social-democrático rumo à igualdade e à

solidariedade passava pela derrota tanto do imperialismo norte-americano quanto

dos exploradores locais de cada país.

Sob a influência da obra e do exemplo de Che, os discursos e escritos de Fidel Castro, os documentos programáticos da liderança cubana – a Primeira e a Segunda Declarações de Havana (1960 e 1962) – e, acima de tudo, o exemplo concreto da própria Revolução Cubana, uma nova corrente revolucionária nasceu na América Latina: o castrismo (ou guevarismo). Uma das características mais fundamentais da interpretação do marxismo dessa corrente é certo “voluntarismo revolucionário”, político e ético, em oposição a todo o determinismo passivo e fatalista (LÖWY, 1999, p. 46).

Como primeiros focos revolucionários dessa nova corrente comunista, denominada

guevarista, surgem, no início da década de 1960, na América Latina, movimentos

populistas jovens, nos moldes dos partidos comunistas tradicionais (Aliança

Popular Revolucionária Americana - APRA, no Peru; Ação Democrática- AD - na

Venezuela); guerrilhas rurais, como as Forças Armadas de Libertação Nacional

(FALN) e o Movimento da Esquerda Revolucionária (do espanhol Movimiento de

Izquierda Revolucionaria - MIR), ambas na Venezuela.

Além destes, há as Forças Armadas Revolucionárias (FAR) e o Movimento

Revolucionário 13 de Novembro (MR-13), na Guatemala; o MIR e o Exército de

Libertação Nacional (ELN), no Peru; a Frente Sandinista de Libertação Nacional

(FSLN), na Nicarágua; o Movimento 14 de junho, na República Dominicana; e um

outro Exército de Libertação Nacional (ELN), este liderado por Che Guevara, na

Bolívia41.

A ameaça à política imperialista norte-americana no continente avolumava-se, uma

vez que os movimentos revolucionários comunistas proclamavam sua unidade em

torno de um projeto social-democrata. Tal coordenação continental tomou corpo em

1967, em Havana, no congresso da Organização Latino-Americana de

41

A formação, a história e a ideologia destes grupos são detalhadas em O marxismo na América Latina: uma antologia de 1909 aos dias atuais.1999. Editora Perseu Abramo, organizada por Michael Löwy.

33

Solidariedade (OLAS)42. Naquele momento a guerrilha ganhou legitimidade como

método de luta anti-imperialista.

No Brasil, o eco mais forte desta tendência se fez sentir no Nordeste brasileiro

(área de grande preocupação do governo norte-americano devido ao elevado

índice de pobreza) com as Ligas Camponesas, de Francisco Julião. Tanto os EUA

quanto lideranças do Partido Comunista Brasileiro (PCB) viam neste líder um

grande potencial para radicalizar o processo revolucionário rumo a uma guerra

camponesa.

Endossando a suposta ameaça, o II Exército Brasileiro publicou, segundo

Quintaneiro (1988, p. 94), num documento intitulado A guerra revolucionária e

seu desenvolvimento no Brasil, a informação de que, em 1963, das 218 ligas

camponesas do país, metade encontrava-se no Nordeste, sendo 63 apenas em

Pernambuco43. Já a ala mais radical da União Democrática Nacional (UDN)

identificava Fidel Castro como a voz espanhola do comunismo na América Latina,

enquanto Francisco Julião professava a mesma doutrina em português

(QUINTANEIRO, 1988, p. 94)44.

Estabelecia-se, assim, ao menos a nível potencial e no imaginário da opinião

pública anticomunista, um forte vínculo entre o campesinato, a pobreza extrema do

trabalhador ligado à terra, o radicalismo de Francisco Julião e sua simpatia pelas

ideias revolucionárias. Já não faltava mais nada para associar as Ligas

Camponesas do Nordeste brasileiro à Revolução Cubana.

42

O direcionamento adotado pela OLAS a favor da luta armada como método legítimo de defesa popular é influenciado pelo pensamento de Che Guevara e Fidel Castro e pode ser mais profundamente apreciado com a leitura de O pensamento de Che Guevara, Lisboa, Livraria Editora Bertrand, 1973 (edição original em francês, Paris, Maspero, 1970). 43

Sobre o temor que se instalou no Brasil e nos EUA a respeito das Ligas Camponesas e suas ligações com a Revolução Cubana vale a pena ler Quintaneiro (op. cit.,1988). 44

Opinião contrária à tese amplamente aceita de que Francisco Julião era o maior líder das Ligas Camponesas de Pernambuco pode ser encontrada nos escritos e discursos do deputado Bilac Pinto, em especial a matéria publicada em caderno especial do Jornal do Brasil, intitulada a Guerra Revolucionária na América Latina, em que acusa o governo, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e entidades operárias e camponesas de estarem mancomunadas num processo de destruição das instituições militares e civis, via isolamento e alienação dos EUA, do contexto sul-americano e sua eliminação da Organização dos Estados Americanos (OEA). Além disso, Bilac Pinto dizia que não havia na revolução um líder inquestionável e indiscutível.

34

Porém, é importante destacar que o relacionamento ambíguo, as aproximações e

rompimentos entre Brasil e EUA não tiveram início com o advento do comunismo

na América Latina. Tais rupturas são parte do processo histórico de persecução de

autonomia por parte do Brasil desde o rompimento dos Acordos Desiguais, em

1844. Não obstante, como recorte histórico mais imediatamente associado à

Política Externa Independente (PEI), adota-se a Guerra Fria, período no qual serão

analisados os sucessivos e diferentes governos brasileiros e suas formas de

perseguir o projeto de autonomia para o Brasil no cenário internacional.

Desta forma, busca-se evidenciar a importância da América Latina tanto para Brasil

e Estados Unidos quanto para outros Estados alinhados ou não aos interesses

norte-americanos. Assim procedendo, enquanto evidencia-se a construção de uma

política externa brasileira autônoma no sistema internacional nos anos iniciais da

Guerra Fria, pode-se entender a preocupação que a Revolução Comunista causou

aos EUA, bem como analisar possíveis desenlaces da aproximação das Ligas

Camponesas do Brasil aos ideais da Revolução Cubana.

3. A GUERRA FRIA E A POLÍTICA EXTERNA BRASIL/EUA

Após o final da Segunda Grande Guerra Mundial, o Brasil amargou um período de

isolamento político na América Latina, por ter-se alinhado aos EUA contra as

influências hispânicas, lusitanas, africanas e europeias nas Américas Espanhola e

Portuguesa45. Em relação ao novo posicionamento dos Estados Unidos, a

diplomacia brasileira percebeu que o Brasil não passava de um parceiro

contingente norte-americano contra eventuais projeções comerciais da Europa.

Hilton (1981) afirma que as promessas americanas de investimento, embora

resultando na passagem da economia agrícola para a industrialização da Era

Vargas, foram infinitamente menores do que o esperado.

45

Saraiva (2012) detalha as diversas ações brasileiras alinhadas automaticamente aos interesses norte-americanos, inclusive pontos obscuros como a oposição do Brasil à ONU e seu plano de descolonização da África e o apoio à ditadura de Salazar, quando Portugal era membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), instituição liderada pelos EUA contra sua similar no leste europeu, O Pacto de Varsóvia, encabeçado pela União Soviética.

35

O pronto suporte militar e diplomático, a cessão de território para manobras, o

envio de tropas para a frente de batalha da Segunda Grande Guerra ( a Força

Expedicionária Brasileira - FEB), e toda a cooperação brasileira no período foram,

destarte, insuficientes para a manutenção da parceira com os EUA. Os

investimentos estadunidenses na Argentina46, arquirrival brasileira desde as

questões da Cisplatina, causaram ainda mais questionamentos quanto à postura

do antigo aliado (D’ARAÚJO, 1992) 47.

No entanto, a mudança de atitude de Washington não foi percebida de imediato

pelo Itamaraty. Na lembrança da diplomacia brasileira constava que, embora

menores que o esperado, os investimentos estadunidenses no Brasil no período da

Segunda Guerra, propiciaram o desenvolvimento industrial do país. Além disso, o

Brasil contou com o apoio norte-americano à sua campanha pela obtenção de uma

cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU)

(MACCANN, 1998).

Ao que tudo indicava, o alinhamento argentino com o Eixo e do Brasil com os

Aliados parecia apontar para uma prolífica parceria com os EUA no pós-guerra. O

Brasil temia o peronismo e sua política agressiva na América Espanhola, contando

com o suporte americano para frear esta ameaça. Entretanto, à errônea leitura

brasileira de que os EUA continuariam ajudando a modernizar suas forças

armadas, seguiu-se a avaliação estadunidense de que investimentos militares

desnecessários numa região carente social e economicamente como a América

Latina poderiam degenerar no surgimento de regimes antidemocráticos (HILTON,

1981).

Washington queria promover o uso de equipamento americano na América Latina, mas não queria um excedente ao nível do que os planejadores

46

Em The United States, Brazil, and the Cold War, 1945-1960: End of the Special Relationship, Stanley E. Hilton (op. cit., 1981) detalha os fatos que levaram o Brasil ao sentimento de antiamericanismo durante a Guerra Fria, com destaque à Argentina de Perón e a ameaça de revolução socialista no continente. Em relação à Guerra da Cisplatina (1825 – 1828), o Brasil posicionou-se contra a Argentina (ainda sob o nome de República das Províncias Unidas do Rio da Prata) ao reconhecer a independência da Província Cisplatina, que passou a denominar-se República Oriental do Uruguai. 47

Havia na alta cúpula do governo dos EUA o medo de que Perón influenciasse Vargas a implantar uma República Sindicalista no Brasil e a convicção de que a nova liderança Argentina fosse uma verdadeira ameaça comunista no continente. Temia-se um possível levante do Sul contra o Norte das Américas.

36

americanos julgavam adequado à segurança interna e à defesa do hemisfério. Novas armas atômicas, além do mais, lançavam dúvidas sobre as noções de defesa pelas forças convencionais (HILTON, 1981, p.601).

Seguindo em sua linha de reaproximação com regimes que poderiam tender para o

lado soviético, os EUA incluíram a Argentina de Perón num modesto programa de

ajuda militar, semelhante ao que contemplou o resto da América Latina, entenda-

se, Brasil. Claramente contrariado e com sua influência na região ameaçada, o

Itamaraty instou o embaixador estadunidense Herschel Johnson a declarar a

posição de seu país em relação ao Brasil. Hilton (1981) viu este episódio como a

gota d`água para que Washington se calasse, antes afirmando não poder tender

para este ou aquele lado abertamente. Assim, o Brasil não só perdeu remotos,

porém, necessários investimentos militares, como o apoio político norte americano.

Outra situação que gerou ressentimento e perplexidade foi o pedido do então

presidente brasileiro, Eurico Gaspar Dutra, de um empréstimo de $ 1 bilhão de

dólares ao longo de 5 anos e que só se materializou em ínfimos $ 136 milhões de

dólares. A frustração com o que seria um novo salto industrial brasileiro, batizado,

segundo Hilton (1981), de pedra fundamental do governo Dutra, levou o

embaixador brasileiro Raul Fernandes, em meados de 1947, a acusar o governo

dos EUA de não destinar ao Brasil a assistência merecida. Este e outros episódios

políticos ajudaram para a construção da imagem da administração Dutra, que

passou à história como apolítica no início, partidária após a aprovação de uma

nova Constituição, conservadora e anticomunista em suas linhas gerais e sem

poder de barganha com os EUA (SKIDMORE, 1976)48.

De acordo com Hilton (1981), embora tenha apontado a mudança de posição do

governo estadunidense com insistência, o governo brasileiro cometeu um grande

erro: sua diplomacia não percebeu que o fim das pressões das duas grandes

48

Em termos econômicos, segundo Skidmore (op. cit., 1976), ao final de seu governo, o general Eurico Gaspar Dutra pôde exibir números admiráveis para o desenvolvimento brasileiro. O crescimento anual, entre 1945 e 1951, foi de 6% no produto real total e de 3,2% ao ano no produto per capita. Batizado de Industrialização Espontânea, este período ancorou-se nas políticas de controles cambiais que restringiam as importações de forma drástica enquanto mantinham a moeda nacional valorizada. O adjetivo espontâneo deste salto industrial deveu-se ao fato de o governo não estar oficialmente investindo contra a inflação. As importações, no entanto, tornaram-se proibitivas, o que realocou capital para a produção de artigos essenciais contra a exportação de bens de consumo. Como o mercado interno permanecia aquecido e o Cruzeiro mantinha-se forte, desestimulando a exportação, houve um inesperado investimento que propiciou desenvolvimento à indústria local nos mesmos moldes da substituição de importações dos anos 1930.

37

guerras fez nascer em Washington a necessidade de atender corretamente às

exigências burocráticas então negligenciadas pela administração Roosevelt em

meio às urgências daqueles tempos. A ameaça comunista passava a ser a

prioridade no cenário de bipolaridade EUA/União Soviética trazida pelo início da

Guerra Fria. Assim, em 1948, o Brasil já não recebia qualquer ajuda financeira dos

EUA. E havia um total pragmatismo norte-americano na justificativa para tal.

A resistência norte-americana em cooperar economicamente com o Brasil firmava-

se sobre o pilar do liberalismo econômico: para se desenvolver, o país teria que

retirar as restrições à participação estrangeira na exploração de riquezas nacionais,

como o petróleo. A administração Truman rechaçou todas as tentativas de

ministros e embaixadores brasileiros de obtenção de recursos junto ao seu

governo. A recomendação era para que o Brasil se voltasse à captação de capital

privado estrangeiro (HILTON, 1981).

Desde o começo, consequentemente, o Departamento de Defesa apresentou objeções aos planos do petróleo brasileiro que restringiam a participação estrangeira. Em julho de 1947, o Embaixador William Pawley e o Secretário do Tesouro John Snyder advertiram em audiências brasileiras sobre a necessidade de leis liberais para encorajar investidores estrangeiros. Quando o ministro das Relações Exteriores Raul Fernandes discutiu sobre os requisitos para o desenvolvimento brasileiro com o Secretário de Estado George Marshall em Paris no ano seguinte, ele retornou ‘de mãos vazias’ e admoestações sobre a necessidade de amparar-se em capital privado (HILTON, 1981, p.603).

Preocupados com a recuperação econômica da Europa e da Ásia, os homens da

política exterior estadunidense dão ao Brasil e à América Latina menos atenção

nos primeiros anos de Guerra Fria. Junto a um empréstimo de $ 105 milhões de

dólares, muito aquém das expectativas, veio a consideração de que a recuperação

europeia indiretamente beneficiaria o Brasil. Como agravante, o plano Marshall de

ajuda à Europa beneficiava antigas possessões inglesas e francesas na África,

consideradas rivais econômicas brasileiras49.

49

Contra os $ 600 milhões de dólares pedidos em 1949, apenas $ 14, 5 milhões foram liberados pelo governo estadunidense. O Brasil ressentiu-se por não ter sido contemplado pelo Plano Marshall, sendo considerado menos importante que os aliados europeus. Até mesmo antigos inimigos, como Itália, Alemanha e Japão, receberam ajuda; sem contar os competidores africanos, antigas colônias inglesas e francesas.

38

A percepção da diplomacia brasileira era de estar novamente o país relegado ao

papel de fornecedor de matéria prima colonial. Os EUA desconsideravam a

participação brasileira na Segunda Guerra e o suposto apoio estadunidense ao

governo Perón alimentava a ameaça argentina aos interesses brasileiros na

América (HILTON, 1981). O então ministro das Relações Exteriores do governo

Dutra, Raul Fernandes, insistia em empréstimos do governo estadunidense, contra

a nova orientação de abrir o país ao capital privado estrangeiro. Entretanto, seus

repetidos argumentos sobre a importância do papel brasileiro ao lado dos Aliados

contra o Eixo não surtiram efeito algum.

Em resposta às reclamações brasileiras, o Departamento de Defesa norte-

americano afirmou que apenas incentivava o consumo interno africano. Segundo

Washington, $ 760 milhões de dólares do Plano Marshall foram destinados à

América Latina, sem contar os créditos concedidos ao Brasil durante a década de

1940. Segundo Hilton (1981), só não foi mencionado, porém, que a Argentina

recebeu de uma só vez um empréstimo de $125 milhões de dólares, quase

alcançando o valor total concedido durante toda a administração Dutra. Havia ainda

a desconfiança do subcomitê do senado americano de que países produtores de

café estariam aumentando o preço do produto de forma deliberada, o que exigiria

retaliação.

O que veio mudar o cenário favoravelmente para o Brasil foi a ameaça norte

coreana contra a Coréia do Sul, condenada pelas Nações Unidas, e a

determinação americana de contar com tropas brasileiras aliadas às suas próprias

forças. No entender de Hilton (1981), para assegurar a cooperação militar e

econômica do Brasil, Washington liberou pelo Banco de Exportação e Importação

(Eximbank) $25 milhões de dólares para a siderúrgica de Volta de Redonda, além

de dar forte apoio à candidatura brasileira para reeleição no Conselho de

Segurança da ONU. Assim, esperava-se que o Brasil fosse um exemplo para que

outros países sul-americanos aderissem à causa estadunidense na guerra.

(...) enquanto na Coréia do Sul tropas estadunidenses moviam-se sob o impacto da ofensiva de Pyongyang, Washington tornou-se crescentemente ansioso por assegurar uma ativa cooperação militar e econômica do Brasil, em parte por que tal colaboração seria um exemplo que outros países Sul Americanos poderiam seguir. A 14 de julho, concomitantemente, o governo estadunidense, como porta-voz das forças

39

das Nações Unidas, fez com que o Secretário-geral da ONU fizesse saber ao Rio de Janeiro que precisavam de tropas ‘urgentemente’. Ao mesmo tempo, num esforço para dirimir a raiva brasileira quanto à lentidão e mudanças da política estadunidense do pós-guerra, Washington deu forte suporte à candidatura brasileira à reeleição para o Conselho de Segurança e fez com que o Banco de Exportação-Importação liberasse $ 25 milhões de dólares para suprimento de aço para Volta Redonda (HILTON, 1981, p.606).

Apesar de a opinião pública estar de acordo com a posição oficial brasileira de

apoio às Nações Unidas, havia a proximidade de eleições e o receio de Dutra de

comprometer seu sucessor num ambicioso envolvimento militar. Diplomaticamente,

O Itamaraty negou o fornecimento de tropas, sem explicitar a decisão, porém

comunicando ao Conselho de Segurança que cumpriria suas obrigações como

fosse possível. Segundo Hilton (1981) e Quintaneiro (1988), este tom lacônico e

ambíguo da diplomacia brasileira coroou o enfraquecimento do chamado

relacionamento especial com os Estados Unidos.

Face à urgência de ajuda, o Departamento de Estado americano informou ao

embaixador Maurício Nabuco que estava disposto a rever sua política econômica

para com o Brasil. Neste sentidofoi proposto um acordo de assistência técnica

bilateral, reiterando a decisão do presidente Truman de diminuir as dificuldades

para liberação de empréstimos. Skidmore (1976) fornece os números e afirma que

as provisões, vieram do Banco Internacional para a Reconstrução e

Desenvolvimento (BIRD): $ 250 milhões de dólares; e outros $ 100 milhões do

Banco de Exportação-Importação50.

Além disso, dois navios cruzadores de batalha solicitados pelo embaixador

brasileiro estavam sendo providenciados. Como forma de minimizar a carta-

resposta brasileira foi firmada uma Comissão Conjunta Brasil-EUA para o

50

Embora os números apontados por Skidmore (1976) impressionem, na verdade não havia um projeto de industrialização para o Brasil e tudo poderia ruir de uma hora para outra, principalmente por causa do desequilíbrio das contas do governo. Permanecia na sociedade o debate sobre os rumos do desenvolvimento no país. Havia ainda a oposição mais ferrenha ao governo Dutra, partindo do Partido Comunista (PC). Ressurgindo com uma forte campanha contra a faceta neoliberal da Constituição de 1946, o PC elegeu em dezembro de 1945 quinze de seus membros para compor a Assembleia Constituinte. Luís Carlos Prestes, um dos dirigentes do partido, libertado pela Lei de Anistia de Getúlio, quando este sofria pressões pela democratização de seu governo, afirmava que formaria com a União Soviética contra o Brasil em caso de guerra. Os embates com a polícia eram constantes, em especial quando realizavam comícios para criticar a política econômica, liberal ao extremo num primeiro momento (1946 – 1947) e adotando a intervenção estatal em outro (1947 – 1950), segundo Skidmore, (op. cit.,1976).

40

Desenvolvimento Econômico, a Comissão Mista ou JBUSC, na sigla em inglês51.

Aproximava-se o fim do governo Dutra, administração que trabalhou em parceria

com a União Democrática Nacional (UDN), na reconstrução pós-Guerra, ao mesmo

tempo que preservou em seus quadros antigos protegidos de Vargas.

Tal fato, que demonstrava uma estranha transigência democrática de um governo

militar, desagradou à UDN, que abriu oposição aberta ao novo governo. Para

complicar ainda mais a situação, o presidente anterior, Getúlio Vargas, trabalhava

seu retorno no Rio Grande do Sul, organizando o Partido Trabalhista Brasileiro

(PTB). Como o país havia retomado a senda democrática, o ex-ditador conseguiu

eleger-se senador pelo Partido Social Democrático (PSD) e, não perdendo o tino

do jogo duplo do extinto pragmatismo equidistante52, cooptava membros para o

PTB (SKIDMORE, 1976).

Os partidários de Vargas tramavam sua volta à presidência desde que o país foi

engolido pela maré liberal em seu primeiro governo. Em 1945, o ex-ditador foi o

mais votado para o Senado por dois estados, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Assumiu pelo PSD em sua terra natal. Com paciência e discursos hábeis, Getúlio

foi construindo a imagem de amante da democracia, de quem não guardava rancor

de antigos desafetos políticos, como os partidários da UDN. Hábil aliança foi

construída com o governador de São Paulo, o populista Ademar de Barros, que

apoiou a campanha de Vargas pela presidência. Nessa trajetória, foram derrotados

Eduardo Gomes (UDN), Plínio Salgado, do Partido de Representação Popular

(PRP) e Cristiano Machado (PSD) (SKIDMORE, 1976). No discurso, a necessidade

de retomada da industrialização e o fortalecimento da Previdência Social.

51

Formada em 1948, a Comissão Técnica Mista com representantes do Brasil e dos Estados Unidos, visava retomar a cooperação econômica estabelecida pela Missão Cooke, que remete à parceria Dutra/Roosevelt durante a Segunda Guerra Mundial. Chefiada pelo norte-americano John Abbink e pelo brasileiro Otávio de Gouveia Bulhões, a comissão, nitidamente neoliberal, divulgou, em junho de 1949, o Relatório Abbink, sem preocupações com a indústria manufatureira nacional, mas com fortes recomendações para abertura a investimentos de empresas privadas. Em suma, o Brasil de Dutra permaneceu alinhado aos desígnios dos EUA. 52

Gerson Moura (1980) desenvolve a ideia de que entre 1935 e 1941 o Brasil praticou o que ele chamou de Autonomia na Dependência. Maria Celina D’Araújo (op. cit., 1998), porém, afirma que este período durou pouco e mais significativo foi o Pragmatismo Equidistante de Getúlio Vargas. Grosso modo, o Estado Novo de Getúlio conseguiu jogar com os interesses de nações europeias, como Itália, Alemanha, França e Inglaterra frente à pretensão hegemônica dos EUA em benefício do projeto de desenvolvimento da indústria local.

41

Para voltar ao poder, Getúlio Vargas apresentou-se como candidato dos

trabalhadores, angariando decisivo apoio de Ademar de Barros em São Paulo e

Distrito Federal, somando cerca de um quartos dos votos, fora o apoio dos de

dentro, do PSD, e do PTB, no Rio Grande do Sul. Mas Vargas não estava

interessado em pagar dívidas eleitorais. Colocou-se acima dos partidos e das

alianças que habilmente manipulou. E esse foi seu grande erro ao retornar ao

poder, segundo Almeida (1992). Erro este explorado pelos EUA no momento

oportuno, quando o pragmatismo equidistante de Getúlio causava grande

preocupação em Washington.

Se em âmbito interno, Vargas causava estranheza e preocupação nos aliados da

campanha presidencial de 1950, em termos de política externa continuava a insistir

na necessidade de ajuda dos EUA, dando continuidade às tentativas de Dutra com

o ministro Raul Fernandes na pasta do Ministério das Relações Exteriores

(BUENO, 2000). As diferenças eram o alinhamento automático de Dutra, a seu

tempo, contra a sempre ambígua atitude de Getúlio. Se permitiu os trabalhos da

Comissão Mista Brasil – Estados Unidos, por outro lado promulgou lei de remessa

de lucros, contrariando a cartilha liberal norte-americana. Além disso, sancionou a

lei de criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás), empresa vedada à

participação de capital estrangeiro.

O tom adotado pela política externa brasileira sob o governo Vargas foi de

barganha, utilizando a cobiça dos EUA quanto aos minerais estratégicos para

conseguir financiamentos para o projeto industrial. Havia uma necessidade urgente

de injeção de capital no país, cuja população crescia vertiginosamente,

acrescentando “enorme contingente à massa marginalizada dos processos

produtivos” (BUENO, 2000, p. 379). Não havia outra instância à qual recorrer senão

aos EUA, que, no entanto, preocupavam-se em reerguer a Europa e suas colônias

via Plano Marshall. Porém, apesar da ordem mundial bipolar, havia uma certa

primazia econômica norte-americana.. Tal detalhe, por si só, “retirava do Brasil seu

poder de barganha” (BUENO, 2000, p. 378).

No nível internacional apresentaram-se também algumas dificuldades graves para

o desempenho governamental brasileiro. Os Estados Unidos, particularmente,

42

mostravam certa apreensão diante dos movimentos e iniciativas que tinham por

objetivo criticar o imperialismo ou exigir do governo brasileiro posições de maior

independência nacional. Essa preocupação norte-americana estendia-se à América

Latina como um todo, considerada politicamente estratégica na consolidação e

integração do continente ao bloco ocidental. A esse respeito, pressões econômicas

e diplomáticas, diretas ou sutis, faziam parte das relações entre Brasil e Estados

Unidos, e contribuíram para desestabilizar o governo brasileiro (D’ARAÚJO, 1992,

p. 30). Mas também havia atribulações no cenário internacional que pareciam

favorecer ao pragmatismo equidistante de Vargas.

A intervenção da República Popular da China na Guerra da Coreia, no intuito de

evitar um colapso total do regime norte-coreano, obrigou as forças das Nações

Unidas a um recuo de volta à península e tornou premente a necessidade de

adesão Latino-Americana. Delineou-se, então, um novo senso de urgência no

relacionamento político entre as Américas do Norte e do Sul, embora uma nova

tentativa de aproximação de Washington fosse vista com ceticismo pelo Rio de

Janeiro. Maria Regina Soares de Lima (2000) é de opinião que o momento era

propício ao reforço da agenda de desenvolvimento, como demonstrou o firme

posicionamento brasileiro de não repetir os erros de alinhamento pré-Guerra Fria.

O novo ministro das Relações Exteriores do Brasil, João Neves da Fontoura,

insistia em reciprocidade imediata à uma desejada cooperação brasileira e marcou

para fevereiro as negociações bilaterais das exigências brasileiras, antes da

conferência pretendida para março por Washington. Os EUA aceitaram e

compareceram ao encontro, mas havia um clima de dubiedade por parte do Brasil.

O Brasil cooperaria – embora nada fosse dito sobre o envio de unidades militares para a Coréia – mas apenas se os Estados Unidos garantissem os créditos necessários, maquinário, matéria-prima para encorajar a industrialização brasileira e desenvolver suas reservas de petróleo e carvão (HILTON, 1989, p.609).

O Secretário de Estado Assistente dos EUA, Edward G. Miller, compareceu à

conferência brasileira de fevereiro já ciente de haver falhado com o Brasil no

sentido de não ter estendido ao então parceiro da Segunda Guerra os benefícios

do Plano Marshall. Assim, apesar de promessas renovadas de apoio financeiro,

43

deixou o país sem obter a garantia do engajamento das tropas brasileiras na

Guerra da Coréia. O que foi visto por Miller como sendo uma resposta positiva aos

propósitos do presidente Vargas não surtiu o efeito desejado. Os $ 250 milhões de

dólares que seriam liberados pelo BIRD foram considerados por Vargas apenas

como um ponto de partida para projetos de desenvolvimento do Brasil (HILTON,

1989).

As diferenças filosóficas entre EUA e Brasil aumentaram quando Fontoura, então

presidente do comitê econômico do encontro de ministros do exterior das

Américas, na sessão inaugural de 26 de março, passou a advogar pela

necessidade de se armar o país contra a ameaça soviética no hemisfério53. Isso

não só aturdiu o representante estadunidense como relegou para segundo plano a

questão da mobilização sul-americana no conflito da Coréia. Afirma Hilton (1989)

que nem mesmo as negociações bilaterais entre o secretário de Estado Dean

Gooderham Acheson e Fontoura evoluíam54. Vargas, por sua vez, apenas ganhava

tempo ao enviar a Washington para conversações o General Monteiro, comandante

das forças Armadas. O objetivo era diminuir a impaciência estadunidense para com

as recusas brasileiras. A verdade é que em nada se avançou nos três meses em

que Monteiro permaneceu nos EUA.

A situação era realmente irreconciliável quando Monteiro chegou a Washington em fins de julho. Sentindo a possibilidade de que o Brasil pudesse protelar, o Departamento de Estado tinha admoestado as autoridades brasileiras duas vezes sobre a necessidade de resultados rápidos para sua missão. A vacilação brasileira era frustrante, reclamava Miller, por ser aquele país “a chave para a questão na América do Sul”

(HILTON, 1989, p. 611).

53

Em Comércio Internacional em um Mundo Partido: o regime do GATT e os países em desenvolvimento, Sebastião Velasco e Cruz (2005) amplia a análise das tensões, perdas e ganhos da Guerra Fria para a seara do comércio internacional. Disponível em: <file:///C:/Users/Luiz/Downloads/GATT.pdf>. Acesso em: 09 abril 2014. 54

É sabido que o contexto da Guerra Fria é de bilateralidade, porém, a Guerra da Coreia permitiu, segundo Lima ( op. cit., 2000) um exercício de metapoder da diplomacia brasileira. Esta, evoluiria nos anos de 1960, induzindo à criação de arranjos e regimes multilaterais como a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento. A autora refere-se a uma certa indulgência norte-americana, que teria permitido ainda a inclusão do capítulo IV nas normas do GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, em inglês General Agreement on Tariffs and Trade), criando políticas comerciais para 50 mil produtos entre 23 países, em resposta à pressão de países em desenvolvimento.

44

O último ano da administração Truman teve início já com a participação militar

brasileira na Coréia praticamente descartada55. A desconfiança entre os dois

países só aumentou quando Vargas, pressionado por déficits na balança de

pagamentos, além do recrudescimento de grupos nacionalistas contra seu governo,

criou, em dezembro de 1952, uma agência de petróleo diretamente controlada pelo

Estado, a já mencionada Petrobrás.

O turbilhão que envolveu o segundo governo Vargas contou ainda com a eleição

do republicano Dwight D. Eisenhower para a presidência dos EUA no lugar do

democrata Harry Truman, em 1952, o que veio emperrar ainda mais a política de

ajuda econômica praticada por Washington em relação ao Brasil desde a Segunda

Grande Guerra56. O governo norte-americano passou a ser mais assertivo no que

dizia respeito à aceitação de capital privado, recusado veementemente por Getúlio.

Sua política para a Petrobrás não admitia capital que não fosse governo – governo

para os trabalhos de pesquisa, lavra, refino e distribuição de petróleo (BUENO,

2000). Junte-se a isso o recrudescimento militar contra a política do Ministro do

Trabalho de Vargas, João Goulart, e sua intenção de dar um aumento de 100% aos

trabalhadores brasileiros.

O ambiente interno desfavorável e a política externa francamente contrária a seus

intentos fez com que a Casa Branca iniciasse uma forte campanha de

desestabilização do governo Vargas (HILTON, 1989)57. Todos os rumores foram

55

À medida que esfriava o conflito com a Coréia, decrescia a vontade de cooperação da nova administração americana para com os projetos de desenvolvimento do Brasil. O acordo bilateral representado pelo JBUSC, a Comissão Mista Brasil/EUA, seria extinto e o governo brasileiro já não depositava tanta confiança no Eximbank. O enviado para discutir a política do governo estadunidense quanto a América Latina, Milton Eisenhower, irmão do presidente norte-americano, pôde sentir toda a frustração e raiva que a dissolução da comissão bilateral causou. Aceitar a entrada de capital privado estrangeiro era a proposta que mais irritava aos governantes brasileiros. Foi o que Milton trouxe em carta do presidente Eisenhower e a resposta de Vargas era de que tão superficial resposta não necessitava de emissário, poderia ter sido apenas escrita. Sobre o recrudescimento do antiamericanismo no Brasil ver O Antiamericanismo de Cátedra: desenvolvimento e nacionalismo no Brasil na década de 1950, tese de doutorado do professor Túlio Sérgio Henriques Ferreira, defendida em 2012 na Universidade de Brasília. 56

Eisenhower conseguiu firmar com Vargas acordo que previa o estabelecimento de um mercado livre para facilitação de remessas entre as Américas em troca de um empréstimo de $ 300 milhões de dólares. Mas o Brasil se viu novamente traído. Pressionado e orientado pela Agência de Inteligência quanto à uma possível perda de poder de barganha, Eisenhower liberou apenas $ 100 milhões do acordo, levando Vargas a romper o diálogo com a Casa Branca. 57 Segundo Hilton (op. cit.,1981), nem mesmo os argumentos brasileiros de que a ameaça

comunista poderia tomar na América Latina as proporções que tomou na China sem a devida ajuda

45

explorados: a inclinação peronista de seu ministro do trabalho, a falha em fazer

cumprir a ordem constitucional e a ameaça à hegemonia dos EUA com a

divulgação do pacto secreto ABC (entre Argentina, Brasil e Chile). No nível

doméstico, o apoio popular não se mostrou incondicional. Greves sindicais

eclodiram por todo o país, empresários pressionavam o governo e a concessão do

aumento de 100% ao salário mínimo, anunciada por Goulart e levado a cabo por

Getúlio, fez eclodir, em 1954, o Manifesto dos Coronéis58.

No último ano do segundo governo Vargas, a imprensa brasileira cuidou para que

mesmo os boatos fossem assumidos como verdades. A sociedade civil agitou-se

em movimentos hostis de partidos negligenciados pelo presidente, sindicatos

intensificaram as greves, grupos econômicos pressionaram por todos os flancos,

até que o veto militar afastasse Getúlio definitivamente do poder. “A chamada crise

de agosto é, na realidade, o desfecho de uma situação crítica que se inaugurara

com o próprio governo” (D’ARAÚJO, 1992, p. 32).

Após Getúlio, assumiu Café Filho (1954 – 1956), em cuja gestão o Brasil voltou a

alinhar-se aos EUA e abrir sua economia ao capital externo. Este, no entanto, foi

um governo transitório, adepto do legalismo, segundo Visentini59 (1995), e que

visava tão somente terminar o mandato de Vargas, assegurando eleições

tranquilas para o próximo presidente. Era patente seu alinhamento com os EUA,

sua proximidade às alas militares pró-EUA, bem como a intenção de não admitir

um sucessor getulista no governo brasileiro. Mesmo assim, segundo Hilton (1981)

e Visentini (1995), o governo transitório ainda apresentou alguma divergência em

relação à Casa Branca, pois havia o propósito do presidente brasileiro de dar

continuidade a algumas das ideias desenvolvimentistas de Getúlio Vargas.

americana funcionou. Capital privado estrangeiro e auto-ajuda continuaram sendo a cartilha estadunidense pregada para o Brasil. 58

Segundo Maria Celina D’Araújo, em O Segundo Governo Vargas 1951 - 1954, o Manifesto dos Coronéis foi decisivo para a saída do ministro João Goulart, pois o documento atacava fortemente sua política tida como demagógica para com os trabalhadores e subversiva dos valores laborais. O documento foi divulgado no dia 20 de fevereiro de 1954. 59

O autor é muitas vezes referenciado como Vizentini (com z no lugar de s), como é o caso do texto para estudo: Política exterior e desenvolvimento (1951 – 1964): o nacionalismo e política externa independente. Texto para somente para estudo. Disponível em: <www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=3745>. Acesso em: 01 out. 2013.

46

Vargas havia iniciado um alargamento das opções de investimento internacional

para o programa de energia. Para Hilton (1989), tal movimento de independência

veio à medida que crescia a animosidade mundial contra a política norte-

americana, que poderia respingar negativamente no Brasil como seu aliado

histórico, juntamente com o crescente aperto financeiro brasileiro. Assim, não só o

capital europeu foi encorajado como também alianças econômicas com países

vizinhos, como Bolívia e Paraguai. Esta política de aproximação com a América

Espanhola continuou mesmo depois do suicídio de Vargas em agosto de 1954 e

sua sucessão pelo vice-presidente João Café Filho (1954-1956).

Enquanto o ministro da guerra de Café Filho reclamava amargamente sobre a negligência americana, sua ajuda a outra áreas subdesenvolvidas, além da pressão contra a Petrobrás e outras formas de estatismo no Brasil, Dwight D. Eisenhower disse que os Estados Unidos ‘seriam amigáveis – compreensivos e solícitos, mas seus comprometimentos mundiais eram pesados’ (HILTON, 1989, p.617).

A Casa Branca manteve-se firme em seu intento e a curta administração Café Filho

encerrou-se com velhas prescrições estadunidenses para sanar os problemas de

desenvolvimento brasileiro apontados por Raul Fernandes, uma vez mais à frente

do Itamaraty: Equilíbrio de contas, controle da inflação e entrada de capital privado

estrangeiro no setor petrolífero. Ou seja, questões internas que só o Brasil poderia

resolver e que não dependiam necessariamente da ajuda financeira do governo

norte-americano. O mesmo posicionamento foi mantido em relação ao próximo

presidente brasileiro. Porém, houve mudanças por parte da política externa do

Brasil de Juscelino Kubitschek (JK) (HILTON, 1989).

A eleição de JK trouxe de volta o projeto de autonomia política e desenvolvimento

industrial, segundo Cervo (1998), integrantes dos eixos conceituais da Política

Externa Independente, que começaram a ser traçados em 1958, ano de

lançamento da Operação Pan-Americana. Ao assumir o poder em 1956, após o

governo transitório de Café Filho (1954 – 1956), JK deu fim às crises políticas e

militares, preservou a instituição republicana e renovou o sistema partidário com a

aliança PSD – PTB (HILTON, 1989). O conceito de integração das nações menos

favorecidas contra a hegemonia norte-americana foi desenvolvido nos governos

seguintes até que se consolidasse um novo modelo de política externa brasileira.

47

Todavia, Hilton (1989) afirma que antes mesmo de ser empossado presidente,

Juscelino Kubitschek já ouvia de Washington os mesmos argumentos de seus

predecessores. E mais: o tema do anticomunismo agora tomava maior corpo,

sendo assunto dominante tanto em sua visita aos EUA como quando recebeu o

vice-presidente Nixon no Brasil. Kubistchek queria entender porque o comunismo

era combatido com ajuda financeira na Europa e na Ásia, enquanto na América

Latina não saía da esfera político-policial.

Depois de empossado, Juscelino conheceu a estratégia de esperar para ver a

orientação de seu governo, adotada por Eisenhower. Apelos quanto à necessidade

de ajuda oficial em áreas de infraestrutura, como forma de atrair capital privado,

foram solenemente ignorados. O mesmo sucedeu no campo das reivindicações

militares, apesar do interesse estadunidense em Fernando de Noronha como

estação de mísseis. Kubitschek, contrariando setores de esquerda, assinou acordo

neste sentido com os EUA, em janeiro de 1957, incluindo uma cláusula que

obrigaria Washington a um maior comprometimento financeiro, mas, ao final de

1958, as reivindicações brasileiras não haviam sido atingidas. O Brasil deveria

preocupar-se tão somente com a defesa do ocidente (HILTON, 1989).

Enquanto cresciam as divergências entre Brasil e EUA, o primeiro ressentindo-se

do tratamento desigual em relação aos aliados europeus e o segundo achando que

já havia ajudado o suficiente, o governo Kubitschek retornou à estratégia de

aproximação com nações da América espanhola. Na opinião de Hilton (1989), era

preciso esclarecer a posição de isolamento e neutralidade anterior e o mal visto

alinhamento com os Estados Unidos.

Para o autor, com base em acordos bem sucedidos conduzidos pela diplomacia

brasileira no continente durante os dois primeiros anos da administração

Kubitschek, tanto setores da imprensa quanto militares começaram a ver a união

latina como uma promissora alternativa. Assim, sabendo que a integração latina

ocorreria de qualquer forma, cabia ao Brasil antecipar-se e liderar o movimento de

forma a colocar-se em posição de destaque em futuras negociações com os EUA.

48

Esta conclusão aparentemente tinha se tornado dominante na alta esfera da política brasileira em meados de 1958, quando as infelizes experiências de Nixon na América Latina deram a Kubitschek uma dramática oportunidade de lançar a nova estratégia. O primeiro passo do que se tornou conhecido como Operação Pan América (OPA) foi uma carta a Dwight D. Eisenhower, a 28 de maio, clamando por uma mudança na política estadunidense perante a América Latina como um todo (HILTON, 1989, p. 621).

Fato é que, embasando em autores como Hilton (1989), Quintaneiro (1988) e

Visentini (1995), não só as reivindicações brasileiras foram recebidas de forma fria

por Washington como conversações para esclarecer os fatos emperraram devido à

intransigência de ambas as partes. Os EUA propunham um acordo bilateral para

combate meramente político e policial à ameaça comunista na América Latina. O

Brasil insistia no tema da ajuda econômica para o desenvolvimento da região.

O ressentimento brasileiro frente à política estadunidense só fez aumentar, quando

se percebeu que o único e grande interesse era a ameaça comunista de Fidel

Castro (QUINTANEIRO, 1988). Isso ficou claro quando Eisenhower, após visita à

América Latina, respondeu às reivindicações de Kubitschek dizendo que o

comunismo era um problema de todas as Américas e não apenas dos EUA. Ao fim

de seu governo, Juscelino estava convencido de que o Departamento de Estado

Americano havia sabotado a Operação Pan Americana (OPA).

Kubistchek deixou um paradoxal legado seguido por Jânio Quadros e João Goulart.

Sua política de aproximação com as nações da América espanhola foi vista como

um primeiro e grande ato de independência da esfera econômica dos EUA, assim

como a diversificação de empréstimos e parcerias com a Europa. No entanto, ficou

claro que havia por trás de tudo o desesperado objetivo de sanar ou minimizar as

políticas altamente inflacionárias que frearam o salto industrial brasileiro. Neste

sentido, a proeminência brasileira frente às nações da América espanhola era um

forte indício de rompimento do sistema interamericano que a América do Norte

liderava (HILTON, 1989).

Ao final de um longo período de desilusões, reforçado durante os quinze anos

iniciais da Guerra fria, os homens de frente da política brasileira estavam

convencidos de que o interesse estadunidense num relacionamento especial com o

49

Brasil era praticamente nulo (HILTON, 1989). As intervenções norte-americanas

não passaram de paliativos para combater o aumento de influência brasileira no

continente, manter o país como aliado somente em casos emergenciais de

interesse estratégico para a nação do norte e, principalmente, debelar a ameaça

comunista na América Latina60.

De fiel aliado nos tempos das Grandes Guerras a parceiro negligenciado nos anos

subsequentes ao fim da Segunda Grande Guerra, a mudança de atitude de

Washington não só criou um ressentido oponente à sua política externa na América

Latina, como levou o Brasil a afinar seus interesses com os de outras nações do

continente. Antagonistas históricos uniram-se em solidariedade e pela causa

comum do desenvolvimento e da independência financeira. Começava-se a

delinear de forma mais assertiva o que ficou conhecido como Política Externa

Independente (PEI) (HILTON, 1989).

No entanto, é matéria controversa entre estudiosos das Relações Internacionais

estabelecer com exatidão o período que pode ser considerado como de gestação

da Política Externa Independente praticada por Jânio Quadros e João Goulart entre

1961 e 1964. Tânia Quintaneiro (1988) e Paulo Visentini (1995) estabelecem como

antecedentes imediatos da PEI a ascensão de JK, em 1956, e o lançamento da

Operação Pan Americana (OPA), em 1958. Nisso, concordam com articulistas da

Revista Brasileira de Relações Internacionais (RBPI), como Gonzalo J. Fácio,

Oswaldo Aranha e José Garrido Torres. Porém, é forçoso lembrar que o projeto de

autonomia brasileira no cenário internacional vem sendo perseguido desde o

rompimento dos Acordos Desiguais, em 184461, como se verá brevemente a seguir.

60

A erosão do relacionamento especial Brasil/EUA é detalhada por autores como Quintaneiro (op. cit., 1988), Cervo e Bueno (op. cit., 2000), Parker (op. cit., 1977), Ferreira (op. cit. 2012) e Hilton (op. cit., 1989). 61

Já que este artigo tem como estudo de caso as Ligas Camponesas do Brasil, vale a Curiosidade: No dia 8 de março de 1844, na cidade de Crotton Hall, estado de Nova York (EUA), realizou-se uma reunião de camponeses, tendo como primeiro orador Theodore A. Devyr, redator do jornal Williamsbourgh Democratic. Na ocasião, foi criada oficialmente uma sociedade denominada Liga Camponesa. Entre os princípios divulgados pela sociedade figurava a proibição da posse de mais de uma fazenda, fosse numa cidade ou vila. Ver em Francisco Julião, Que são as Ligas Camponesas? (op. cit., 1962).

50

Finda a amarga experiência com os tratados desiguais, o Brasil dá início, em

184462, a um período de reelaboração do modo de fazer política externa,

redefinindo metas de acordo com o conhecimento adquirido a duras penas e

visando uma independência nunca antes imaginada. Segundo McCann (1998),

enquanto a Inglaterra reforça a necessidade da supressão do tráfico negreiro, em

persecução de seu projeto liberal e do fomento à industrialização nascente,

Estados Unidos e Brasil têm posições ambíguas e incoerentes sobre a escravidão.

Os EUA defendem ainda seus interesses comerciais sob a campanha de abertura

da Amazônia ao comércio internacional (MACCANN, 1998).

O Brasil, porém, trabalha duas ideias: a construção de uma supremacia regional

compartilhada e a consolidação da delimitação de fronteiras63 via intensificação da

colonização da região amazônica. Evita-se neste momento qualquer discussão

multilateral, seja em âmbito regional, seja com as potências coloniais, Inglaterra,

Holanda e França. Aos EUA, essa reticência do governo brasileiro em abrir a

navegação amazônica ao comércio internacional soava como nítida intenção de

dominar a economia na América do Sul, o que contrariaria seu desejo de derrubar

as barreiras alfandegárias aos produtos norte-americanos em todo o hemisfério.

Ambígua também é a atitude do governo dos EUA, que ora juntava-se à Inglaterra

contra o Brasil para suprimir o tráfico, ora buscava ajuda brasileira contra a

Inglaterra e a favor da economia escravagista, tudo isso guiado pelo interesse em

tornar-se o grande hegêmona das Américas (MACCANN, 1998).

Esta ruptura entre Brasil e as potências coloniais iniciou-se em 1844, perdurando

até 1876. Trata-se de um primeiro esboço de busca de autonomia, orientada por

três grandes parâmetros ou diretrizes e uma meta: a implementação de uma

política externa independente. Cervo e Bueno (2002) caracterizam este momento

62

Este artigo adota 1844 como o ano que marca o início da busca por autonomia brasileira no cenário internacional. Entende-se, em consonância com o pensamento de Cervo e Bueno (2002), que a nação que surge com a independência em 1822 e segue buscando reconhecimento internacional por via de sacrifícios da verdadeira soberania e pela permissividade com que foram aceitas ingerências da potência industrial Inglaterra, não passava de um transplante da coroa e instituições de governo de Portugal às terras brasileiras. Este que se ergue de 1822 à 1844 é chamado por Cervo e Bueno de Estado dos Bragança, alusivo ainda à passagem de uma dependência (Portugal) a outra (Inglaterra). 63

Ver em Cervo e Bueno (2002) o importante papel do Barão do Rio Branco, o patrono da diplomacia brasileira, na defesa da agroindústria do Brasil, da soberania nacional e na delimitação das fronteiras do país, nos episódios referenciados como solução de problemas lindeiros.

51

como de “robustecimento da vontade nacional” (CERVO; BUENO, 2002, p.65), cuja

primeira diretriz era o controle comercial via autonomia alfandegária. Porém, não se

chegou a um consenso que indicasse o caminho a tomar: protecionismo ou

liberalismo.

O acirramento da resistência inglesa ao tráfico negreiro levou ao segundo ponto,

que era tentar solucionar o problema da aquisição de mão-de-obra externa. Assim,

decidiu-se pela libertação dos cativos e o incentivo à imigração. Interesses

econômicos, políticos e de segurança levaram à terceira medida: a delimitação e

defesa dos limites territoriais, Amazônia e fronteiras platinas incluídas. Nesse

sentido, o Brasil adotou a diplomacia como a melhor maneira de maximizar ganhos

em política externa, porém guardando o uso da força para o último caso e somente

em escala local, onde poderia ter sucesso, mas nunca contra Estados Unidos e

Europa (CERVO; BUENO, 2002).

A política externa brasileira como projeto coletivo era grandemente favorecida pela

presença do poder moderador do imperador, usado à moda da escola absolutista

em prol do conservadorismo e do controle da opinião pública. Contava-se com um

quadro administrativo e institucional harmonioso e com a percepção de estar este

corpo diplomático conservador criando o Estado à revelia e para o bem de uma

sociedade atrasada e sem pressões de classe. Esta visão otimista do período de

rompimento dos acordos desiguais encontra-se em Cervo e Bueno (1998) e reforça

a tese de Visentini (1995) de que, desde seus primórdios, a política externa

brasileira “tem sido um instrumento a serviço do desenvolvimento nacional”

(VISENTINI, 1995, p. 157).

A continuidade e a coerência da política externa eram favorecidas internamente pela natureza do quadro institucional e pelos homens que exerciam as funções públicas. O Estado Brasileiro de então criara condições quase ideais para definição e sustentação de diretrizes externas: a) instituições estáveis, de funcionamento equilibrado; b) conservadorismo político; c) conciliação dos partidos; d) processo de elaboração e execução da política externa, envolvendo o conjunto das instituições (...) A política externa foi o mais poderoso instrumento da conciliação, estendendo-a no tempo e concretizando-a nos planos. O Ministério dos Negócios Estrangeiros foi adaptado às estruturas desse Estado racional, por meio de sucessivas reformas (1847, 1851, 1852, 1859) que o dotaram de normas adequadas e quadros habilitados. A política externa era, pois, uma responsabilidade coletiva que abrangia o conjunto das instituições e perpassava os partidos, os órgãos e o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Era feita pelos homens que a

52

moldavam a suas ideias, temperamentos, percepções do interesse nacional e métodos de ação (CERVO; BUENO, 2002, p. 66 - 68).

Ligiéro (2011) fornece argumento a essa visão de continuidade dos esforços por

uma política externa brasileira autônoma. No entanto, o traço característico do jogo

diplomático do Brasil desde os tempos de colônia é uma dependência maior em

relação a uma ou outra nação, entremeado por estágios de primazia brasileira em

relação aos seus negócios internacionais. Assim é que o Brasil vai passando da

órbita de influência / dependência de Portugal, desde o século XVI, à Inglaterra, no

século XIX, e desta para os Estados Unidos, no século XX (LIGIÉRO, 2011).

Já no hiato entre 1876 e a Proclamação da República, em 1889, a política externa

brasileira fica nas mãos do chefe de Estado, o indivíduo por excelência das

relações internacionais, e não de um grupo político. Emblemática é a visita de Dom

Pedro II, cruzando os EUA de costa à costa para inaugurar a Exposição de

Centenário da Filadélfia, em 1876. Ele é o primeiro monarca, e estrangeiro mais

popular daquele tempo, a visitar a República Federativa dos Estados Unidos. O

recado à Europa foi claro e o Brasil, na sua busca por autonomia, entrou

definitivamente na órbita de influência norte-americana (MACCANN, 1998).

Não se pode perder de vista que os Estados Unidos foram uma das nações não europeias que se erigiram em potência mundial nos primeiros anos do século XX, no apogeu da era dos impérios. As relações internacionais adquiriam, então, escala mundial. Foi nesta conjuntura que Rio Branco, em continuidade com o que fora inaugurado com a República (1889), desenvolveu uma política que tinha como um dos seus principais componentes a íntima aproximação aos Estados Unidos. Tal aproximação não significou “alinhamento automático” e serviu aos propósitos políticos do chanceler no plano sub-regional – América do Sul (CERVO; BUENO, 2002, p. 177).

Não se pode olvidar que a passagem tumultuada de Império à República foi

fortemente influenciada pelas questões relacionadas ao fim do tráfico negreiro. A

abolição da escravatura aconteceu sem qualquer compensação aos proprietários

de negros, o que eliminou de uma só vez um forte sustentáculo político do governo

monárquico. Sem proteção do regime, os republicanos abraçaram o federalismo,

dando início ao protecionismo e clientelismo característicos das oligarquias

nacionais. Em 1891 constituiu-se a República Federativa dos Estados Unidos do

Brasil, a primeira tentativa de estabelecimento de um governo central que pudesse

intermediar os interesses das oligarquias provinciais.

53

O projeto republicano brasileiro, sob a égide e influência norte-americana, absorveu

umas quatro décadas da história do Brasil e, ao fim do período colonial, o que se

tinha era uma miríade de regiões controladas localmente e não um Estado unitário.

Para as relações internacionais brasileiras essa não era uma boa configuração.

MacCann (1998) afirma que, “nos anos de 1920, um combinado de potências (São

Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e, em menor grau, Pernambuco e Bahia)

dominavam e dirigiam o governo nacional” (MACCANN, 1998, p. 35, tradução

nossa)64. Nada disso favorecia a campanha brasileira por um assento permanente

na Sociedade das Nações (SDN)65, mesmo tendo sido o Brasil o único país latino

atuante na Primeira Guerra Mundial e do lado vencedor.

Porém, ao longo dos anos 30, uma revolução multipartidária começou a diminuir os

poderes desses estados autônomos em nome da União. A Revolução de 1930

gestou o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937 – 1945), que, por meio de uma forte

burocracia, centralizou o controle da justiça, do ensino público, dos sindicatos, das

forças policiais e militares. Com Getúlio, ascenderam os ideais de construção do

Estado Nacional, assentados numa forma de política externa aparentemente capaz

de jogar os interesses europeus contra os norte-americanos e até europeus contra

europeus, vide o relacionamento brasileiro com Alemanha, Itália e França no

período entre guerras e durante a Segunda Grande Guerra Mundial. Gerson Moura

(1980) identifica em Getúlio o que ele denomina Autonomia na Dependência. Maria

Celina D’Araújo66 (1998) descreve esta práxis:

Considera-se habitualmente que, durante os anos 1930, o Brasil se contentará em examinar as possibilidades que alguma das potências mundiais pudesse oferecer, tirando partido das circunstâncias internacionais que lhe seriam favoráveis, e evitando engajar-se em alianças por demasiado apressadas com uma ou com outra (D’ARAÚJO, 1998, pp. 59 – 60, tradução nossa)

67.

64

“Dans les années 1920, une combinaison des États les plus puissants (São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul et, à um moindre degré, Pernambouc et Bahia) dominèrent et dirigèrent le gouvernement national” (MACCANN, 1998, p. 35). 65

Cervo e Bueno (2002) fornecem amplo painel da evolução da política externa brasileira nos anos 20, a atuação brasileira na I Grande Guerra, o afastamento da Liga das Nações quando da indicação da Alemanha para o lugar pleiteado pelo Brasil, e a resolução de questões lindeiras pelo governo provisório de Washington Luís, no período de 1926 a 1930. 66

Editora dos diários de Getúlio Vargas, escritos de 1930 a 1942. 67

“On considère habituallement que, durant les années 1930, le Brésil se serait contenté d´examiner les possibilités que chacune des puissances mondiales pouvait offrir, tirant parti des circonstances

54

D’Araújo (1998) concorda com o padrão de comportamento descrito por Moura

(1980). Vargas era ambíguo ao externar, em sua cultura pessoal, as referências

estrangeiras. Havia ainda uma preocupação secundária com política externa e uma

natural aversão à reaproximação com os EUA, principalmente considerando-se os

anos iniciais da guerra. A autora, no entanto, adota o termo pragmatismo

equidistante68, cunhado por Moura (1980) e que passa a reger a busca brasileira

por autonomia no sistema internacional. D’Araújo (1998) reforça sua tese sobre a

análise feita por Gerson Moura (1980)69 de que a Autonomia na Dependência

durou pouco e logo tornou-se apenas dependência:

Nesta perspectiva, o Brasil, embora sujeito à relações assimétricas de força, soube tirar proveito das ambições e necessidades dos dois blocos de poder representados pelos Estados Unidos e pela Alemanha (D’ARAÚJO, 1998, p. 60, tradução nossa)

70.

Vargas não enfrentou problemas para ter o novo regime de governo reconhecido

em plano internacional. Estava em andamento a criação de uma nova diplomacia

conciliadora na América Latina, com o Brasil atuando como mediador de questões

de fronteiras entre Peru e Uruguai, Peru e Colômbia, e na Guerra do Chaco, entre

Bolívia e Paraguai (D’ARAÚJO, 1998). Neste sentido, importante vitória diplomática

foi alcançada com o Tratado Pacifista de Não-Agressão e Conciliação, assinado

em 10 de outubro de 1933, com a Argentina, com a adesão de Chile, México,

Paraguai e Uruguai.

internationales qui lui étaient favorables, et évitant de s´engager par des alliances trop hâtive avec l´une ou l´autre” (D’ARAÚJO, 1998, pp. 59 – 60). 68

Gerson Moura (1980) desenvolve a ideia de que entre 1935 e 1941 o Brasil praticou o que ele chamou de Autonomia na Dependência. Maria Celina D’Araújo, porém, afirma que este período durou pouco e mais significativo foi o Pragmatismo Equidistante de Getúlio Vargas. Grosso modo, o Estado Novo de Getúlio conseguiu jogar com os interesses de nações europeias, como Itália, Alemanha, França e Inglaterra frente à pretensão hegemônica dos EUA em benefício do projeto de desenvolvimento da indústria local. 69

A versão integral da tese encontra-se depositada no site da Fundação Biblioteca Nacional sob o título Relações Exteriores do Brasil 1939 – 1950: mudanças na natureza das relações Brasil-Estados Unidos durante e após a Segunda Guerra Mundial. Disponível em: <http://www.funag.gov.br/biblioteca/dmdocuments/Relacoes_Exteriores_do_Brasil.pdf>. Acesso em: 03 out. 2011. 70

“Dans cette perspective, le Brésil, bien que soumis à des rapports asymétriques de force, aurait su tirer parti des ambitions et des besoins des deux blocs de pouvoir représentés par les États-Unis et l´Allemagne” (D’ARAÚJO, 1998, p. 60).

55

Aos EUA, segundo D’Araújo (1998), interessavam os minerais estratégicos, e, à

Alemanha, que as portas do comércio com a nova nação estivessem abertas. No

plano comercial, o Brasil assinou, de 1931 a 1933, 47 acordos com países

europeus, incluindo a cláusula de nação mais favorecida. A maioria desses

tratados, no entanto, foi denunciada unilateralmente pelo Brasil, porque as nações

europeias recorriam às mais diversas medidas protecionistas.

Por seu turno, a Alemanha oferecia a possibilidade do comércio compensatório, ou

seja, trocas comerciais sem a necessidade de recorrer à libra esterlina ou ao dólar,

o que desagradou às intenções liberais dos Estados Unidos, fortemente

interessados nos minerais estratégicos brasileiros. Essa aproximação com a

Alemanha aconteceu num momento em que Japão e Itália surgiam como novas

potências no sistema internacional. Tal reconfiguração mundial ameaçava a

hegemonia de França e Inglaterra, na Europa, e dos Estados Unidos, no continente

americano (D’ARAÚJO, 1998). O Brasil, assim como seus novos parceiros, passou

a beneficiar-se do novo comércio liderado pelos germânicos.

Aliado ao polêmico e ambíguo discurso de Getúlio Vargas a bordo do porta-aviões

Minas Gerais, o comércio compensatório forçou os EUA a oferecer o aporte

necessário para a construção da Usina de Volta Redonda. A condição era que o

Brasil se orientasse definitivamente a favor dos Aliados e abandonasse o comércio

e quaisquer relações amigáveis com o Eixo. Segundo Maria Celina D’Araújo

(1998), Vargas afirmou em seu diário que, com a cessão das bases militares no

Nordeste e o acesso norte-americano aos minerais estratégicos e à diversas

matérias-primas, entre as quais a borracha, o Brasil havia perdido a capacidade de

decisão autônoma. Já não se podia mais falar em pragmatismo equidistante.

É importante ressaltar como a prática do comércio compensatório fez aumentar as

importações e exportações do Brasil com a Alemanha, entre 1935 e 1938,

enquanto as trocas com os EUA decresceram. No período antecedente, havia uma

inversão, com os norte-americanos liderando a pauta. Depois, por volta de 1942,

com o alinhamento forçado aos Estados Unidos, sua presença militar no Nordeste

e o aporte de capital para as obras desenvolvimentistas de Vargas, a balança

comercial brasileira voltou a pender favoravelmente à potência do norte da

56

América. Na sequência, a entrada dos EUA na Segunda Guerra, junto aos aliados,

obrigou o Brasil a suspender negócios com os países do Eixo71.

Através da leitura dos Diários de Getúlio Vargas, escritos no período de 1930 a

1942, Maria Celina D´Araújo (1998) interpreta a visão pessoal desse homem de

Estado que praticou o jogo duplo com potências totalitárias e democráticas

sabendo de antemão que o alinhamento com os EUA era inevitável questão de

tempo. Quando terminou seu diário, nos primeiros dias de 1942, Vargas estava

amargurado por não ter conseguido elevar o Brasil ao mesmo patamar do que ele

denominava nações fortes e autônomas. Numa época em que desfilavam pelo

Brasil chefes de Estado e diplomatas japoneses, americanos, ingleses, franceses e

alemães, Getúlio não se iludia, sabendo do interesse de cada um e lhes conferindo

tratamento sarcástico no diário72. Aos norte-americanos, por exemplo, ele se referia

como “os técnicos”, e, sobre os ingleses, dizia que eles só queriam “nos depenar,

nos explorar” (D’ARAÚJO, 1998, p. 66).

Getúlio Vargas passou para a história como um incansável defensor do

nacionalismo brasileiro, do pan-americanismo, da soberania política e econômica

Nacional. É citado como aquele que soube manipular as potências liberais e

autoritárias em favor dos interesses do Brasil criando, assim, a face diplomática

brasileira conhecida como pragmatismo equidistante. Porém, D’Araújo (1998)

revela um outro Vargas, consciente da real estatura do país frente às verdadeiras

potências de seu tempo. E mais: a autora afirma que não há nos diários o menor

indício de uma prática racional, consciente, do jogo duplo atribuído ao presidente e

à sua política externa. Getúlio foi um político hábil, nacionalista, populista e

calculista. Contudo,

a vantagem mais cobiçada não foi obtida: a construção de uma nação soberana, respeitada, que poderia viver em pé de igualdade com seus pares no continente. A ideia do maquiavelismo de Vargas, nestas questões de negociação internacional, parece estar excluída com a leitura

71

Maria Celina D’Araújo (op. cit.) desvela os números deste comércio. 72

Os diários de Getúlio Vargas trazem as notas do presidente brasileiro após cada encontro com autoridades estrangeiras, sua intenção de desfazer o mal-entendido causado pelo discurso no porta-aviões Minas Gerais, além das impressões agradáveis que lhe despertaram o príncipe de Gales e o sub-secretário norte-americano Sumner Welles. Todavia, o que mais merece destaque é a evolução dos eventos internos e internacionais sob a ótica de Getúlio, como ele não era o maquiavélico estadista descrito pela maioria dos estudiosos de seu governo e que houve muito sofrimento com o alinhamento forçado aos Estados Unidos.

57

do diário. Na verdade, o país perdeu, tanto nas trocas comerciais e políticas com a Europa, como na sua margem de autonomia com seus pares do continente (D’ARAÚJO, 1998, p. 66, tradução nossa)

73.

Vargas terminou seu primeiro governo em 1945, premido por forças internas e

externas. As últimas notas de seu diário datam de setembro de 1942, ano em que a

mudança na política externa brasileira já se efetivara, favorecendo por completo o

alinhamento aos preceitos norte-americanos. O presidente brasileiro foi obrigado a

perseguir o Partido Nazista local; sofreu pressões de potências totalitárias, como a

Alemanha, a Itália e o Japão; recebeu visitas de representantes ingleses, como a

do príncipe de Gales; e travou longa batalha pela autonomia política do país,

enquanto tentava dar prosseguimento ao tão sonhado projeto de desenvolvimento

industrial. Tudo sob o signo do pragmatismo equidistante.

E mais ainda, o diário revela que Vargas sabia que as concessões feitas no nível

internacional serviriam de munição a seus inimigos dentro do país. Um de seus

aliados de longa data, o embaixador Oswaldo Aranha, foi um dos primeiros a

sublevar-se e liderar a oposição ao regime varguista. Embora tenha sido aquele

que equilibrou as vozes discordantes dentro do governo, Aranha, liberal, sabia da

aversão de seu presidente a este regime e sua tendência ao Eixo. Sabedor de sua

fragilidade, Vargas ressentiu-se e se dizia revoltado, sofrido e mudado, embora

lúcido sobre o momento histórico vivido e as conquistas obtidas. O presidente, em

setembro de 1942, sabia que as concessões aos norte-americanos eram o

fermento que reforça o discurso de seus adversários e, segundo D’Araújo (1998),

considerava-se “duplamente perdido” (D’ARAÚJO, 1998, p. 98).

O que veio em seguida ao primeiro governo Vargas, a presidência do general

Eurico Gaspar Dutra, é comumente descrito como apolítico no início, partidário

após a aprovação de uma nova Constituição, conservador e anticomunista em suas

linhas gerais. Em seu primeiro momento econômico, Dutra, na visão de Skidmore

(1976), não produziu os efeitos desejados no controle da inflação pós-Guerra. Sem

73

“L´avantage le plus convoité n´a pas été obtenu: la construction d´une nation souveraine, respectée, qui pût vivre sur un pied d´égalité avec ses pairs du continente. L´idée du machiavelisme de Vargas, en ces questions de négociation internacionale, semble devoir être écartée à la lecture du Journal” (D’ARAÚJO, po. Cit., p. 66).

58

controle do governo, as reservas cambiais rapidamente foram dissipadas

internamente, enquanto o que restava no exterior encontrava-se bloqueado.

A abertura à importação de manufaturados fracassou, pela própria incapacidade do

país de importar, mesmo que a renda nacional estivesse 50% acima da registrada

em 1929. Havia duas opções no curto prazo: desvalorizar a moeda ou controlar o

câmbio. Ao escolher a segunda opção, no período de 1947 a 1950, Dutra

inadvertidamente propiciou o desenvolvimento industrial que o Brasil precisava

(SKIDMORE, 1976).

A administração Dutra ficou conhecida pelo epíteto de Industrialização Espontânea,

tendo sido ancorada em políticas de controle cambial. Havia fortes restrições às

importações e valorização artificial da moeda brasileira, o Cruzeiro. A alcunha

refere-se ao fato de o governo não ter investido oficialmente em políticas para frear

a inflação, embora tenha propiciado ao país um reconhecido salto industrial. Daí o

adjetivo espontâneo. Outra explicação para a paradoxal imagem do governo Dutra,

segundo Skidmore (1976), é que, tendo as importações encarecido

substancialmente, houve realocação de capital para a produção nacional de bens

essenciais de consumo.

Assim como no período da substituição de importações dos anos 1930, porém por

motivos diversos, como anteriormente descrito, o mercado doméstico brasileiro

manteve-se aquecido. Neste caso, devido à boa demanda e à valorização do

Cruzeiro. Tal conjuntura desestimulava a exportação de bens de consumo,

forçando o reinvestimento que fortaleceu a indústria. “No fim da presidência Dutra,

o Brasil já podia ostentar um índice notável de crescimento econômico. Entre 1945

e 1951, houve um crescimento de 6% ao ano no produto real total e de 3,2% ao

ano no produto per capita” (SKIDMORE, 1976, p. 99).

Todavia, embora os números levantados por Skidmore (1976) possam

impressionar, há que se mencionar que havia no governo Dutra um forte

desequilíbrio de contas. A industrialização no período, de tão espontânea e carente

de projeto específico, era também frágil e passível de ruir frente ao menor revés.

Pairava sobre a sociedade brasileira intenso debate sobre a trajetória

59

desenvolvimentista do país, que sofria ainda forte pressão do parceiro especial, os

EUA. Foi nesse sentido que Brasil e Estados Unidos formaram, em 1948, uma

Comissão Técnica Mista, “destinada à retomada da cooperação econômica

estabelecida pela Missão Cooke, que o presidente Roosevelt havia enviado

durante a Segunda Guerra Mundial” (SKIDMORE, 1976, p. 100).

O norte-americano John Abbink e o brasileiro Otávio de Gouveia Bulhões deram à

comissão um viés extremamente neoliberal. O Relatório Abbink, de junho de 1949,

não trazia bons ventos para a indústria brasileira de manufaturados e eram

incisivas as recomendações pró abertura a investimentos de empresas privadas

norte-americanas. O Brasil permanecia, assim, alinhado às vontades e orientações

dos EUA. O segundo governo Vargas (1951 – 1954), bem como o hiato Café Filho

(1954 – 1956), antecedendo ao presidente JK, já foram detalhados, por isso há que

se retornar aos antecedentes mais imediatos da PEI.

A forma brasileira de fazer política externa que ficou conhecida por Política Externa

Independente começou a ganhar contornos efetivos a partir de 1958, e pode ser

vislumbrada na síntese dos pensamentos de Gonzalo J. Fácio, Oswaldo Aranha e

José Garrido Torres. Tais pensadores e suas ideias refletem, segundo Cervo

(1998), eixos conceituais que remetem aos ideais de autonomia e desenvolvimento

acalentados desde o rompimento dos acordos desiguais em 1844. Esta

continuidade só foi rompida brevemente durante o primeiro governo militar, após o

golpe de 1964, o do marechal Castello Branco (1964 – 1966) e com o pragmatismo

responsável de Ernesto Geisel (1974 – 1979).

Quanto aos eixos conceituais da futura PEI, identifica-se no discurso pacifista de

Gonzalo J. Fácio uma tecla na qual Jânio Quadros e João Goulart bateriam com

constância: desarmar o Brasil e demais governos latino-americanos demonstraria

não só a intenção pacífica destes como um pensamento voltado à inversão dos

recursos militares ao desenvolvimento regional. A sugestão de Fácio soou bem aos

ouvidos norte-americanos porque sinalizava que a América Latina queria “manter a

segurança hemisférica sob dependência dos Estados Unidos, bastião do combate

ao comunismo” (CERVO, 1998, p. 68).

60

A segunda ideia que alimentaria a PEI remete ao reatamento de relações

diplomáticas e comerciais rompidas com a União Soviética desde meados dos

anos de 1940. Defendida por Oswaldo Aranha, esta reaproximação beneficiaria ao

Brasil, então em rápido processo de industrialização, e maduro o suficiente para

não deixar que diferenças ideológicas e de regime político interferissem

negativamente no projeto de desenvolvimento. Aranha reputava o perigo comunista

a grupos escusos, clandestinos, mas não aos diplomatas soviéticos. Dizia ele em

entrevista à Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI) edição de junho de

1958:

O Brasil deve manter relações com os países soviéticos sem temores anódinos, porque não é mais um país subdesenvolvido nem uma colônia onde os imperialismos possam disputar vantagens ou privilégios (ARANHA, In: RBPI 1 (2): 18 – 28, jun., 1958).

Às ideias de Fácio e Aranha junta-se o pensamento de integração econômica para

a América Latina defendido por José Garrido Torres. O analista da RBPI invoca

integracionistas célebres como Bolívar, Mauá, Andrés Bello, Rio Branco, Saenz

Pena, Hélio Lobo, Vargas e Roberto Campos. Sua ideia era forçar o abandono de

um modelo de indústria estatal introspectivo que levava à baixa produtividade,

inflação, preços acima dos padrões de consumo, desemprego, déficit das balanças

comercial e de pagamento e endividamento externo. Torres recorre a elaboradas

análises geoeconômicas para propor “um mercado regional latino-americano

multilateral e competitivo” (CERVO, 1998, p. 69).

Segundo Cervo (1998), Torres buscava reforçar teoricamente as ideias contidas na

Operação Pan-Americana, lançada por Juscelino Kubitschek (JK) como uma

bandeira à não subserviência dos países latinos à América do Norte. O estadista

buscava incutir uma ideia de união das nações subdesenvolvidas do continente,

apontando ao mesmo tempo para a responsabilidade norte-americana no sentido

de investir no continente para seu progresso industrial. No entanto, os argumentos

de Torres e JK esbarraram “na falta de complementaridade das economias e na

política restricionista dos Estados na primeira fase da industrialização” (CERVO,

1998, p. 69). À má vontade cooperativa das nações latinas somou-se a negativa

dos EUA em integrar um projeto de cuja elaboração não participou.

61

Já em 1960 a integração sul-americana era vista como um fracasso. Em oposição

à OPA, os EUA lançaram a Aliança Para o Progresso, destinando recursos à

chamadas ilhas de sanidade administrativa, estados amigáveis à sua intervenção.

Aqueles tidos como alinhados ao comunismo, como o Rio Grande do Sul, de

Leonel Brizola, e Pernambuco, de Miguel Arrais, ficaram à mingua. Ressalte-se que

neste ponto do artigo, tanto a OPA quanto a Aliança para o Progresso são citados

apenas como parte do item integração, o terceiro dos eixos conceituais de

formação da PEI.

A Política Externa Independente, bem como seus conceitos, serão melhor

desenvolvidos na próxima seção, no contexto de resposta às influências da

Revolução Cubana sobre as Ligas Camponesas do Brasil. Por enquanto, retoma-

se a síntese do fracasso da integração latino-americana, do articulista da RBPI,

José Garrido Torres, para que se possa compreender a guinada do governo

seguinte, Jânio Quadros, rumo à África. Dizia Torres sobre as intenções

integracionistas da OPA:

(...) Ainda não é uma política; é um diagnóstico. Aguarda um roteiro; não se lhe deu conteúdo programático. Corre o risco, portanto, de confirmar a regra das manifestações líricas em matéria de cooperação econômica no hemisfério. Poderá dissipar-se por falta de consistência (TORRES, 1960. In: CERVO, 1998, p. 69).

Observe-se que há nos eixos conceituais de construção da PEI a predominância do

fator econômico, devida à incessante persecução do projeto de desenvolvimento

industrial identificada na política externa brasileira sob os mais diversos dirigentes.

Na opinião de Emmanuel Garrot (1998), a recusa a recursos militares, a busca de

soluções pacíficas e o respeito aos tratados apontaram para um realismo que

confinou o país ao pragmatismo, tudo em função do desenvolvimento e da

modernização. Cervo (1998) interpreta esta linha não confrontacionista como uma

renúncia ao papel de potência. Forçoso é dizer, porém, que a formação intelectual

de influência marxista e viés gramsciniano, preponderante no meio intelectual

brasileiro nos anos de 1960, segundo Garrot (1998), foi responsável pelo primado

do fator econômico da política externa do período.

62

Nos anos de 1960 é que se tornaram particularmente fortes as ideias que vieram a

ser conhecidas sob a Teoria da Dependência, corrente de pensamento que reputa

ao imperialismo a condição de atraso das ex-colônias. Ao trazer os conceitos de

centro e periferia, enunciados por Fernand Braudel, esta teoria apontava para

diferenças estruturais entre os países ricos e pobres, subsidiando o estruturalismo

cepalino desenvolvido por Raúl Prebisch e Celso Furtado. Tanto estudos de

autores marxistas, como Caio Prado Jr. e Edgard Carone, ou Gerson Moura, mais

ligado em estudos de influência europeia, identificaram os EUA como o principal

beneficiário do modelo econômico de exploração. Moura reforçava o núcleo duro

da teoria do poder, de Antônio Gramsci, também apropriada pelos teóricos da

dependência (CERVO, 1998).

Esta preponderância do pensamento marxista dentre intelectuais brasileiros deu

forma ao antiamericanismo dos anos de 1960, embasando a busca por um

mercado comum do sul, por via da Associação Latino-Americana de Livre

Comércio (ALALC), instituída pelo Tratado de Montevidéu, de 18 de fevereiro de

1960. Foi o mesmo pensamento que impregnou a Operação Pan-Americana. As

influências do pensamento marxista e das ideias de integração justificavam

plenamente o caráter antibelicista da política externa brasileira. Ambientes de

integração econômica não são desenvolvidos em meio a guerras. “numerosos

estudos de política exterior situam-se nesta corrente” (GARROT, 1998, p. 236,

tradução nossa)74.

Foram pensamentos não confrontacionistas, aliados às dificuldades de

entendimento com os vizinhos sul americanos que animaram a guinada do governo

Jânio Quadros rumo à África (SARAIVA, 2012). Porém, o escritor Alceu Amoroso

Lima, de pensamento conservador, via com maus olhos tanto as tentativas de

integração da OPA de JK e da ALALC quanto a aproximação de Quadros à elite

intelectual esquerdista. Segundo Cervo (1998), o famoso discurso de Jânio,

intitulado Nova Política Externa do Brasil, de 1961, considerado o marco inicial da

política independente levada à cabo por Santiago Dantas, pregava independência

74

“Nombre d’études de politique intérieure se situent clairement dans ce courant” (GARROT, 1998, p. 236). Emmanuel Garrot refere-se, neste trecho, especificamente à influência do marxismo sobre a formulação de política externa brasileira, voltada a objetivos econômicos.

63

em relação a interesses estrangeiros, aproximação aos povos irmãos (em termos

de origem colonial) da América Latina, Ásia e África, eliminação dos EUA do novo

contexto pan-americano voltado aos planos econômico e social e independência

ideológica no período de Guerra Fria.

Este último tópico favoreceria relações diplomáticas e comerciais do Brasil com

qualquer outra nação, independente de possíveis divergências de regimes e

ideologias. Porém, foi desta forma que a lente conservadora enxergou as

propostas, vide reflexão de Alceu Amoroso Lima nas páginas da RBPI de março de

1961, reproduzida por Cervo (1998):

O escritor Alceu Amoroso Lima, notável representante do pensamento conservador, lamentava a deterioração, prejudicial em seu entender, das relações entre os Estados Unidos e a América Latina. Indicava seis causas para explicar esse curso político: o nacionalismo cada vez mais forte dos latinos; a infiltração e a propaganda comunista; o sentimento antiamericano dos movimentos revolucionários; a falta de tato de diplomatas norte-americanos que lidam com os povos do sul e, enfim, os temores criados pela ação cultural das Fundações norte-americanas, como a Fundação Rockefeller e a Fundação Ford (CERVO, 1998, p. 69).

Fato é que, independente da corrente analítica, nos anos 1960, em plena

bipolaridade da Guerra Fria, Jânio Quadros reorientou a política externa brasileira

num período em que se praticava o alinhamento automático aos Estados Unidos da

América (EUA)75. Quadros permitiu ao Brasil aproximar-se do comunismo do Leste

Europeu conforme a conveniência e buscou na África novas saídas comerciais,

políticas e culturais. Entretanto, se houve naqueles tempos o triunfo na

aproximação diplomática, com o estabelecimento já em 1962 de embaixadas de

Gana e Senegal no Brasil, gerando “o mais importante núcleo de diplomatas

africanos na América Latina” (SARAIVA, 2012), a modernização e o

desenvolvimento não vieram para nenhum dos dois lados do Atlântico Sul. Os

motivos estavam na própria condução da iniciativa.

Além de perdurar a mentalidade da Guerra Fria, a política externa brasileira se restringia às Américas. As independências africanas que se iniciaram justamente durante o governo Kubitschek, foram praticamente

75

Segundo Saraiva (2012), a reorientação da política externa brasileira por Jânio Quadros não significou rompimento com o alinhamento automático, nem foi considerado ideologicamente hostil aos EUA. A autonomia praticada coadunava com um pragmatismo estratégico de busca de mercados sob coordenação estatal.

64

ignoradas. Foi preciso o desencadeamento da Política Externa Independente, no governo Jânio Quadros, para que a África adquirisse importância para a diplomacia brasileira. Em 1961, com o lançamento da Política Externa Independente, por Jânio Quadros e seu chanceler, Afonso Arinos, o Brasil lançou uma política africana e tomou posição em favor da autodeterminação dos povos coloniais, especialmente das colônias portuguesas, que iniciavam luta armada. A assinatura de diversos acordos culturais propiciou o estabelecimento de um programa de bolsas de estudo para estudantes africanas no Brasil, que viria a dar origem ao Programa de Estudantes Convênio – PEC (VISENTINI; PEREIRA, 2008, p. 2).

A fórmula de Jânio assentava-se na história comum de ex-colonizados por

Portugal, compartilhada por Brasil e os cinco países lusófonos: Guiné-Bissau, Cabo

Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique e Angola. O ministro das Relações

Exteriores de Quadros, Afonso Arinos de Melo Franco76, trabalharia com o conceito

de que a identidade comum entre África e Brasil já seria condição suficiente para

“uma nova relação especial entre os dois lados do Atlântico Sul” (SARAIVA, 2012,

p. 18). Mas as iniciativas brasileiras, inicialmente para consumo africano, foram

frágeis e acriticamente formuladas com base no discurso culturalista, já bastante

combalido do autor de Casa Grande e Senzala, Gilberto Freire.

Além da construção frágil do discurso de identidade comum Brasil /África, houve o

Golpe de 1964, o início do governo Castelo Branco, o retorno do alinhamento aos

EUA e o interesse na África parceira como barreira natural ao expansionismo

comunista rumo à América Latina. Saraiva (2012) afirma que faltou ao pragmatismo

da PEI consistência prática. Esta só veio com os governos militares que, entre as

décadas de 1970 e 1980 investiram no continente africano como parceiro mercantil

e intensificaram o interesse estratégico sob o intercâmbio de presidentes,

diplomatas e empresários de ambos os lados. Realmente, uma nova e mais

pragmática aproximação com a África aconteceu durante os governos militares.

Neste momento, porém, interessa saber que a nova política externa brasileira

(independente) teria que ser defendida, como aconteceu na XVIII Assembleia Geral

das Nações Unidas, em agosto de 1963. Em discurso, o ministro das Relações

Exteriores do Brasil, João Augusto de Araújo e Castro defendeu com clareza,

segundo Cervo (1998), os novos conceitos. Este é o primeiro sinal de cooperação

76

Autor da Lei número 1.390, aprovada pelo Congresso Nacional em 3 de julho de 1951, denominada Lei Afonso Arinos, e que proíbe atos de discriminação racial, estabelecendo penalidades aos autores.

65

Sul – Sul na história do Brasil, política que na época rendeu bons frutos

diplomáticos.

O trinômio desarmamento, descolonização e desenvolvimento econômico recebeu

novos argumentos referentes à luta pela paz e igualdade jurídica; de emancipação

econômica e pela defesa social; e de luta pelos direitos humanos, respectivamente

(CERVO, 1998). Todavia, O golpe militar de 1964 rompeu com esta linha autônoma

da política externa brasileira, praticada pelo diplomata San Tiago Dantas em defesa

do interesse nacional desenvolvimentista, e propiciou uma nova aproximação com

os EUA.

A diplomacia autonomista dos governos Jânio Quadros e João Goulart, concebida por homens da envergadura de pensamento político de Afonso Arinos de Melo Franco, San Tiago Dantas, Araújo Castro e Renato Archer, cederia lugar a efêmero interlúdio entre 1964 e 1967, durante o governo de Castello Branco. A substituição de pensamento na Chancelaria comportava uma ruptura com os conceitos de projeto nacional, diplomacia universalista, luta pelo desenvolvimento e descolonização, relações com todas as nações e a projeção em seu lugar da aliança com os Estados Unidos, da segurança coletiva, do ocidentalismo, da ideologia anticomunista e do princípio intervencionista (CERVO, 1998, p. 72).

Este preâmbulo se fez necessário, uma vez que este artigo concorda com os

autores já mencionados, que veem no período entre 1844 e 1876 antecedentes do

relacionamento de política externa Brasil/EUA acirrados durante os anos de Guerra

Fria. Foi durante o século XIX que os Estados Unidos começaram a estender sua

influência política e econômica ao Hemisfério Sul. O relacionamento dúbio entre as

duas nações nos eventos que culminaram no golpe militar de 1964 já se verificava

tanto nos tempos de Brasil colônia quanto na fase independente sob o império

português, daí a relevância desta regressão histórica que demonstra as

continuidades e rupturas, os alinhamentos e afastamentos, as semelhanças e

diferenças entre os parceiros especiais das Américas.

Em plena Guerra Fria, o antes especial relacionamento Brasil/EUA recebeu aditivos

que favoreceriam ainda mais o conflito e as divergências políticas e ideológicas. A

Revolução Cubana, analisada na sequência deste artigo, forneceu identidade

latino-americana aos ideais comunistas da Revolução Russa, de outubro de 1917.

Agora, os eixos conceituais da PEI e o projeto de um Brasil autônomo perseguido

66

desde o rompimento dos Acordos Desiguais de 1844 integram-se no Brasil agrário

e desigual das Ligas Camponesas do Nordeste. A ameaça comunista materializa-

se em ações judiciais, em pronunciamentos no Congresso Nacional, na

proselitização e mobilização do campesinato e no viés esquerdista e autônomo das

políticas domésticas e internacionais de JK, Jânio Quadros e João Goulart.

Ademais, definidos os eixos conceituais da Política Externa Independente iniciada

por Jânio Quadros e aprofundada por João Goulart, pode-se avançar para o estudo

das influências da Revolução Cubana sobre as Ligas Camponesas do Brasil. Foi

justamente sob o governo de Goulart que os Estados Unidos endureceram sua

diplomacia no sentido de eliminar toda e qualquer possibilidade de nascentes focos

comunistas na América Latina.

Além disso, a propensão de João Goulart a realizar as reformas de base, partindo

do princípio da reforma agrária apregoada pelas ligas, a adesão ao projeto por

parte de lideranças díspares e o crescimento das manifestações sociais anti EUA

num contexto de Guerra Fria pareciam justificar as preocupações de Washington.

Neste sentido, a PEI, as Ligas Camponesas e a Revolução Cubana assumiram

dimensões ameaçadoras à influência e domínio norte-americano na América

Latina. Perder o Brasil para o comunismo poderia significar a perda de todo o

continente.

4. AS LIGAS CAMPONESAS E A REVOLUÇÃO CUBANA

Antes de atingir e influenciar as Ligas Camponesas do Norte e Nordeste brasileiros,

a radicalização da Revolução Cubana77 permitiu aos governos Juscelino

Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart jogar com os interesses norte-

77

A luta campesina cubana contra o poderio econômico dos grandes latifundiários canavieiros remonta ao primeiro quartel do século XIX (1830), com a introdução das linhas de ferro e a violenta expropriação de pequenas plantações de tabaco em prol da grande necessidade de terras cultiváveis para a cana de açúcar. Porém, o primeiro grande sucesso camponês veio após a tomada do quartel de Moncada, pelo então jovem revolucionário Fidel Castro, em 1953. Enfrentando o regime golpista de Fulgêncio Batista desde 1952, Castro, juntamente com uma legião de guerrilheiros, camponeses, trabalhadores de engenhos e o Partido Comunista, teve sua grande vitória ao tomar o poder e promulgar a reforma agrária em 1959. A maioria das grandes propriedades estava em mãos de estrangeiros, vindo a tornar-se cooperativas ou propriedades estatais, o que veio a institucionalizar o modelo revolucionário que poderia contaminar toda a América Latina daí em diante. Gerrit Huizer (op. cit., p. 27) trata de maneira pormenorizada os números e datas da reforma agrária cubana.

67

americanos na América Latina. O sentimento de ter sido mal recompensado pelas

participações nas duas Grandes Guerras, enviando a Força Expedicionária

Brasileira para combate na Itália, cedendo território para instalação de bases

aliadas e contribuindo em esforços de paz durante e após os confrontos, levou

governos brasileiros diversos a investir ainda mais no projeto desenvolvimentista

acalentado desde o fim do período colonial (CERVO; BUENO, 2002).

A política externa brasileira começou a transformar-se gradativamente desde meados do governo Juscelino Kubitschek até assumir por completo, durante a presidência de Jânio e de Jango, as características que a tornaram conhecida como “independente”. Foi a partir da radicalização política da revolução cubana e do consequente redirecionamento das alianças internacionais do governo Fidel Castro que o ritmo em que se vinha desenrolando o processo de mudança de orientação da nossa política exterior começou a ser acelerado. Isto se deu, no entanto, quando Juscelino estava em vias de transmitir o cargo a Jânio Quadros (QUINTANEIRO, 1988, p. 15)

78.

O Brasil não mais se alinharia automaticamente às decisões dos EUA, bem como

passaria a exigir do governo norte-americano recursos idênticos aos dispensados à

Europa e suas antigas colônias na Ásia e na África via Plano Marshall79. Nesse

ínterim, JK lançou a Operação Pan-americana (OPA), reunindo as nações latino-

americanas, portanto os povos subdesenvolvidos do continente. O presidente

brasileiro adotou um discurso desenvolvimentista voltado para a autonomia política

e o não alinhamento político automático. Ênfase especial foi dada à necessidade

de retomar o projeto de industrialização de Getúlio Vargas.

A iniciativa buscava relacionar o desenvolvimento social, a pobreza e a política com

o sistema interamericano de segurança. Neste sentido, a OPA criada por JK, e

seguida por Jânio e Jango posteriormente, estava imbuída de forte argumento no

sentido de defender o princípio de autodeterminação dos povos80, o que só veio a

favorecer aos revolucionários cubanos, uma vez que Brasil, Argentina e outras

nações do sul não admitiam a invasão da ilha pelos Estados Unidos.

78

Este estudo aponta o ano de 1844 como o marco para o início da construção da Política Externa Independente, levada a cabo pelos governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart. 79

Ver a Política Independente em (CERVO; BUENO, op. cit., p. 335). 80

Quintaneiro (op. cit., p. 108) vê a política externa independente brasileira como um divisor de águas entre as tendências políticas internas naquele momento, tendo, de um lado, o que ela chama de os setores anti-imperialistas, pró-coexistência com os países socialistas e defensores do direito de autodeterminação do povo cubano; contra estes estavam os anticomunistas, favoráveis à aliança com os EUA e sua determinação política de isolar Cuba.

68

Também importante foi a influência da Revolução Cubana sobre Francisco Julião e

as Ligas Camponesas. Em 1962 Julião reconheceu na vitória de Fidel Castro, seu

irmão Raúl, Che Guevara, Juan Almeida e Camilo Cienfuegos, um notável reforço à

luta campesina no Brasil. Segundo Julião, que em 1957 visitou a União Soviética e

em 1960 esteve em Cuba com a comitiva de Jânio Quadros, desde então as Ligas

mantiveram os olhos na “gloriosa pátria de José Martí” (JULIÃO, 1962, p. 42).

Segundo Morais (op. cit., 1997), as visitas de Julião à União soviética, à Bulgária e

à China Continental foram patrocinadas pelo Conselho Regional das Ligas com o

intuito de dar ao advogado maior clareza quanto à participação do campesinato na

reforma agrária (MORAIS, op. cit. 1997, pp. 35 – 36).

Um resultado do programa de reforma cubano foi o medo dos Estados Unidos de que ele pudesse servir de exemplo a outros países latino-americanos. Isso levou a Administração Kennedy (depois da falha da sua Invasão da Baía dos Porcos para derrubar o governo revolucionário cubano) a promover programas de reforma agrária por toda a América Latina no contexto da Aliança para o Progresso (HUIZER, 1999, p. 28, tradução nossa)

81.

A Aliança para o Progresso foi um plano de intervenção do governo Kennedy,

especialmente elaborado em forma de ajuda financeira de U$ 20 bilhões (vinte

bilhões de dólares) aos países latinos no decorrer de 10 anos. Trazia ainda em seu

escopo um plano de reforma agrária destinado ao Nordeste brasileiro, onde a

proposta já vinha sendo seriamente defendida pelas Ligas Camponesas e até

governadores como Miguel Arrais. O plano intervencionista norte-americano

coincidiu com o governo Jânio Quadros e a passagem do então presidente do

Banco Nacional de Cuba (BNC), Che Guevara, por Brasília. Críticos do governo

Kennedy viam a Aliança para o Progresso como mais uma tentativa de manter o

Brasil alinhado (CERVO; BUENO, 2002).

Visto como uma resposta tardia à Operação Pan-Americana (OPA), de Juscelino, a

Aliança e sua ênfase na necessidade de alinhamento automático aos EUA no

contexto da Guerra Fria foi mal vista no Brasil. No nível doméstico, o plano de

Kennedy, segundo Cervo e Bueno (1999), por seu caráter intervencionista e 81

“One result of the Cuban reform programme was the fear of the United States that it might serve as example to other Latin American countries. This led the Kennedy administration (after the failure of its Bay of Pigs invasion to overthrow the Cuban revolutionary government) to promote land reform programmes all over Latin America in the context of the Alliance for Progress” (HUIZER, 1999, p. 28).

69

vinculador do ponto de vista econômico, foi rechaçado tanto pela direita quanto

pela esquerda brasileira. As perdas decorrentes da defasagem dos termos de troca

entre Brasil e EUA seriam imensas para o primeiro. O senador Roberto Campos

afirmou:

Usar a ajuda externa como arma para interferir na liberdade dos governos quanto à escolha das formas de organização econômica e de distribuição de encargos entre empresas públicas e privadas poderá gerar uma fricção perigosa, que é imperativo evitar, sob pena de o desejo de impedir uma socialização limitada levar a uma experiência socialista (CAMPOS, in: CERVO; BUENO, op. cit. , 2002, p. 325).

O senador referia-se ao fato de o Brasil jogar com o medo norte-americano de que

a principal e mais influente nação do continente pudesse tornar-se uma segunda

Cuba. Nossos líderes e executores de política externa anunciavam as constantes

decepções com os antigos aliados. O que ficava patente era que essa

manifestação de predileção dos EUA por reerguer financeiramente a Europa e seus

aliados, em detrimento das nações latinas, poderia aproximar o Brasil ainda mais

do ideal comunista, representado nas Américas por Cuba e, na Europa, pela União

Soviética.

Apesar das acentuadas diferenças entre a perspectiva adotada pela administração Kubitschek e as seguintes, de Jânio Quadros e João Goulart, em matéria de política externa, é no período 1958-60 que serão gestados os principais antecedentes da “política externa independente”. É com o lançamento da Operação Pan-Americana (OPA) em meados de 1958, que o governo Kubitschek ensaia pela primeira vez uma posição menos subserviente diante dos EUA, lembrando a responsabilidade norte-americana de encontrar soluções para as dificuldades econômicas pelas quais atravessam os países da América Latina, especialmente aqueles que tinham alcançado um maior grau de industrialização. (...) Mais tarde, com o aprofundamento da cisão entre os EUA e Cuba, devido aos rumos que a Revolução tomava nesse país, seriam recuperados alguns aspectos substantivos da proposta da OPA, através do programa que o governo Kennedy estabeleceria para a América Latina (QUINTANEIRO, 1988, p. 21).

Como observado, a resposta do governo norte-americano não tardou e pode-se

resumir com o lançamento da Aliança para o Progresso82 (uma cópia da OPA de

82

Para um melhor entendimento da lógica por traz da criação da Aliança para o Progresso, bem como da política de reforma agrária por ela financiada no Nordeste brasileiro, é interessante que se faça um cruzamento comparativo das leituras de Quintaneiro (op. cit., 1988), Moniz Bandeira (op. cit., 1978), Joseph Page e Moniz Bandeira ( In: A Questão agrária no Brasil: história e natureza das ligas camponesas, 2006, organizado por João Pedro Stedile) e Thomas E. Skidmore, Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco 1930 – 1964 (1976), entre tantos outros autores que tratam do assunto.

70

JK adaptada aos interesses dos EUA), o estabelecimento do Interamerican

Development Bank ou Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)83 e a

assinatura do Ato de Bogotá84. Nesse ínterim, Francisco Julião (1962), o presidente

de honra das Ligas Camponesas de Pernambuco, afirmava que a construção de

Brasília em nada ficava a dever a obras suntuosas, como castelos, igrejas e

monumentos de outros tempos, sendo alicerçada sobre o suor de milhares de

camponeses. Juscelino era, segundo Julião, o presidente que, além de não dizer

uma palavra de esperança ao campesinato, abriu as portas ao capital estrangeiro

parasita de nossas divisas (JULIÃO,1962). Em alusão às iniciativas norte-

americanas Julião denunciou:

Chegam a falar em reforma agrária, tendo em vista a expansão do mercado interno. Até o imperialismo a recomendou na Conferência dos Chanceleres em Punta del Este e na “Aliança para o Progresso” (...) Daí o movimento camponês, organizado há poucos anos, ter passado para a manchete dos grandes jornais e revistas, preocupando vivamente a burguesia nacional e o imperialismo americano. Cria-se a SUDENE, inventa-se a “Aliança para o Progresso”. Através desses dois instrumentos, busca-se impedir que a fogueira ateada no Nordeste se transforme em um incêndio que se alastre pelo país (JULIÃO, 1962, p. 66).

Nesse sentido, as ações do governo Kennedy demonstraram uma radical mudança

de atitude frente à América Latina, em especial em relação a seu antecessor, o

quase irredutível Eisenhower. Preocupados com a própria segurança, os EUA

pretendiam evitar a qualquer custo que qualquer outro país das Américas seguisse

o exemplo cubano, dando à União Soviética possibilidades de instalar outra cabeça

de ponte no continente, segundo avaliação de Edward Mason em 196485. No livro

1964: o papel dos Estados Unidos no golpe de Estado de 31 de março, Phyllis

Parker (1977) detalha todas as ações do governo Kennedy para cooptar João

83

Criado em 1959 pela administração Eisenhower, o Banco Interamericano de Desenvolvimento parecia ser uma resposta aos constantes pedidos de aporte norte-americano por parte do presidente Kubitschek. No entanto, a opinião mais corrente entre brasilianistas e especialistas em América Latina é que a iniciativa nada mais foi que uma inteligente manobra para forçar o governo brasileiro a finalmente aceitar capital privado estrangeiro, aporte ao qual Getúlio Vargas havia resistido bravamente. 84

Segundo Tânia Quintaneiro (1988),o BID existe legalmente desde dezembro de 1959, porém, somente após o Ato de Bogotá (ou Plano Eisenhower), de 13 de setembro de 1960, é que começou a operar efetivamente. Somente Cuba, excluída posteriormente da Aliança para o Progresso, votou contra o Ato no Comitê Especial da OEA. Ver (QUINTANEIRO, op. cit., p. 30). 85

A avaliação é de Edward Mason, integrante do Clay Commitee, instituição criada em 1955 pelo presidente Eisenhower para construir um sistema integrado de auto-estradas nos EUA e que, mais tarde, serviu à intenção de fornecer ajuda financeira ao mundo livre, segundo seus críticos, entre os quais Samuel Huntington. Mais sobre o Clay Commitee pode ser lido em Quintaneiro ( op. cit., p. 40).

71

Goulart, inclusive todos os preparativos para uma visita do presidente norte-

americano ao Brasil, em retribuição à visita de Goulart em abril de 1962.

Entretanto, a malfadada invasão norte-americana em Playa Girón86, em 1961,

próximo ao aniversário de dois anos da Revolução, suscitou amplos debates na

sociedade brasileira, radicalizando o discurso em prol dos revolucionários. Neste

tom foram pronunciados discursos na Câmara dos Deputados, bem como

organizados comícios, manifestações e passeatas pela Frente Parlamentar

Nacionalista (FPN), a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), as Ligas

Camponesas, União Nacional dos Estudantes (UNE), o PTB, intelectuais diversos,

estudantes e operários em geral (QUINTANEIRO, 1988).

Francisco Julião organizou em Recife uma manifestação de apoio a Fidel, e a Comissão Brasileira de Solidariedade ao Povo Cubano, a UNE e a União Brasileira de Estudantes Secundaristas, fizeram uma ampla convocação assinada pelos presidentes das respectivas entidades para que o povo carioca participasse de uma concentração pública no dia 25 de abril. O texto expressava indignação diante dos propósitos dos EUA e repudiava “com energia o ultimatum dirigido pelo Presidente norte-americano aos governos da América Latina, inclusive o Brasil, para compartilharem da política agressiva e intervencionista de Washington” (QUINTANEIRO, 1988, p. 47)

87.

Em outubro de 1962, veio a público a Crise dos Mísseis88, com o Brasil já sendo

presidido por João Goulart. Concomitantemente, Fidel Castro dizia em discurso que

considerava o Nordeste brasileiro já amadurecido para a revolução. Nesse ínterim,

a Aliança para o Progresso injetou U$ 113 milhões de dólares na região, além de

financiar via Agency For International Development (AID), projetos de

modernização desenvolvidos por Celso Furtado para a SUDENE, mesmo contra a

vontade dos dirigentes do órgão brasileiro, que vislumbravam mudanças

86

Preparada desde o governo Eisenhower, a invasão de Playa Girón, foi levada à cabo pela CIA, por ordens de Kennedy, contando com dissidentes cubanos treinados para que não houvesse vínculo com o exército norte-americano e para que o Departamento de Defesa pudesse isolar Cuba politicamente sem oposição dos países latinos. A operação fracassou, pois dos 1500 homens que desembarcaram em Playa Girón, 1200 foram presos, de acordo com Quintaneiro (op. cit., p. 46). 87

Enquanto o então presidente Jânio Quadros dirigiu ao embaixador brasileiro na ONU, Ciro de Freitas, um telegrama em que expressava repúdio à ação norte-americana, suavizando seu discurso a conselho de Afonso Arinos, que temia um futuro isolamento do país, Carlos Lacerda, seu porta-voz e ao mesmo tempo opositor, saudou a invasão cubana por meio de artigo no Jornal O Globo, de 18 de abril de 1961. Ver (Quintaneiro, op. cit., pp. 47 - 48) 88

Este evento culminante do período da Guerra Fria foi exemplarmente retratado com base em reuniões gravadas pela alta cúpula do presidente Kennedy no filme 13 dias que abalaram o mundo – Thirteen Days. Distribuição: Europa Vídeos. 2000.

72

socioeconômicas estruturais e reconheciam o interesse apenas político-estratégico

norte-americano89.

Depois da eclosão da Crise dos Mísseis, houve um novo adiamento da prometida

visita de Kennedy ao Brasil, desta vez postergada de julho para novembro de 1962.

O desenrolar da crise fez com que a Casa Branca substituísse o presidente pelo

seu irmão, então Procurador-Geral, Robert Kennedy. O objetivo principal da visita

era obter de João Goulart um sério comprometimento no combate ao Comunismo

nas Américas. O embaixador brasileiro Roberto Campos, que não foi convidado a

participar desta decisão, acreditava que Goulart entenderia a vinda do Procurador-

Geral como um ultimato a seu governo (PARKER, 1977).

Durante o encontro de 17 de dezembro, Goulart disse a Robert que os EUA

superestimavam a presença comunista em seu governo e não houve acordo entre

eles. “Lincoln Gordon, que estava presente à reunião, deu exemplos do sindicato

da Petrobrás e da Agência dos Correios e Telégrafos e ofereceu-se para coadjuvar

as preocupações de Kennedy com nomes específicos” (PARKER, 1977, p. 52).

Robert Kennedy (1966), então senador e aspirante à presidência dos EUA,

classificou o governo de João Goulart como “desastroso e demagógico”

(KENNEDY, 1966, pp. 135 – 136). Robert Kennedy90 esteve no Brasil em 1962

como parte de um grande grupo de pressão sobre o governo de Goulart. O

objetivo, como já mencionado, era que o Brasil não se tornasse uma segunda

cabeça de ponte para o comunismo soviético na América Latina.

89

Um detalhamento dos eventos referentes à Crise dos Mísseis e suas repercussões no relacionamento EUA-Brasil pode ser obtido com a leitura de Cuba e Brasil: da revolução ao golpe (1959 -1964), de Tânia Quintaneiro (1988). Neste período foi designada uma força tarefa para o Brasil, composta por homens de confiança do presidente Kennedy , dentre os quais Adolf Berle Jr. (coordenador), Theodore C. Achiles, Thomas C. Mann, John Leddy, Haydn Williams, Lincoln Gordon, Robert Alexander e Whitaker (QUINTANEIRO, 1988, p. 41). Moniz Bandeira (op. cit. 1978) apresenta em pormenores as atividades e conversas dessa força tarefa, informações estas obtidas em entrevistas com alguns dos homens do presidente Kennedy e também pela audição de cabogramas, informações transmitidas por cabo de submarino e enviadas aos Estados Unidos especialmente durante a administração Goulart (BANDEIRA, op. cit., 1978). 90

Outro irmão do presidente Kennedy que esteve no Brasil como parte dos esforços hegemônicos norte-americanos na América do Sul foi o então senador Edward Kennedy, que visitou o Engenho Galileia e o presenteou com um gerador de energia elétrica, segundo Clodomir Santos de Morais (op. cit., 1997). Francisco Julião (1968) também registrou o fato, além de diversos outros autores que o citam.

73

Foi intenso o fogo cruzado sobre João Goulart. Ele sofreu pressão do assessor da

Casa Branca, Arthur Schlesinger Jr.; do embaixador brasileiro em Washington,

Roberto Campos; do embaixador norte- americano no Brasil, Lincoln Gordon91 e do

Adido da Defesa à Embaixada norte-americana do Rio de Janeiro, Vernon Walters,

além de outros “homens de Kennedy” (PARKER, 1977, p. 38)92. Havia ainda a

questão das empresas norte-americanas expropriadas, a exemplo do que

aconteceu em Cuba93.

Era clara a política de chantagem e a súbita viagem de Robert Kennedy (não houve convite do governo brasileiro) a Brasília gerou diversas especulações na imprensa e nos meios políticos. Noticiou-se que ele viera condenar a propalada infiltração comunista no governo, defender os negócios da Hanna, cobrar as indenizações à AMFORP e à ITT e exprimir o desagrado de Washington ante o crescente comércio do Brasil com os países do Leste Europeu (BANDEIRA, 1978, p. 85)

94.

91

Autores como Skidmore (1976), Quintaneiro (1988) e Bandeira (1978) descrevem com riqueza de detalhes, baseados em farta documentação e entrevistas, o trânsito intenso da força-tarefa do presidente Kennedy no Brasil. O jornalista Vandeck Santiago (2004 e 2006) afirmou que somente no Recife havia 14 vice cônsules e um cônsul , sendo estes agentes da CIA, de acordo com relato do maior estudioso do governo João Goulart, o cientista político Moniz Bandeira (1978). Tais informações jamais foram desmentidas. Morais (2004) ainda afirma que em Pernambuco foi instalado o maior escritório da USAID e que o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) investiu entre U$ 1 e U$ 5 milhões de dólares em candidatos opositores de Miguel Arrais (MORAIS, 2004, p. 160). Lincoln Gordon confirmou tais dados em entrevista a Bandeira (op. cit. 1978). Imagens e áudio dessas movimentações podem ser conferidas no documentário O Dia que durou 21 anos (grifo nosso), de Camilo Tavares, Brasil, 2012. As imagens do documentário confirmam o que Bandeira (1978), Julião (1962 e 1968) e Skidmore (1976) já diziam em livros com base nos cabogramas e telegramas que Gordon e outros homens do presidente Kennedy trocavam com Washington. 92

No dia 3 de abril de 1962, o Presidente Kennedy recepcionou João Goulart para um almoço na Casa Branca e inquiriu ao presidente brasileiro sobre a expropriação da subsidiária da ITT, mencionando sua preocupação com as nacionalizações de empresas no Brasil. No dia seguinte, Goulart ofereceu almoço na embaixada brasileira. Participaram o presidente Kennedy (em breve aparição) e homens do alto escalão de seu governo, entre os quais Walt Rostow, Arthur Schlesinger, Richard Goodwin, John Kenneth Galbraith, Lincoln Gordon, Ted Sorensen e Robert McNamara. Goulart mostrou-se temeroso à tendência norte-americana de apoiar golpes militares (PARKER, 1977, pp. 37 – 39). 93

As frenéticas trocas de correspondências entre a embaixada norte-americana no Brasil e a Casa Branca, bem como a movimentação, as visitas e missões dos homens da força tarefa do presidente Kennedy podem ser verificadas em autores como Moniz Bandeira (op.cit. 1978), Tânia Quintaneiro (1988), Phyllis R. Parker (1977), Robert Kennedy (1966), Thomas Skidmore (1976) e no documento Foreign Relations, 1955 – 1957, Volume VII, pp. 627 – 775). Disponível em: < http://history.state.gov/historicaldocuments/frus1955-57v07/ch10>. Acesso em: 19 jul. 2013. 94

Em Governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil, Moniz Bandeira (op. cit. 1978) trata detalhadamente da política de expropriação e nacionalização de empresas estrangeiras, em especial as norte-americanas, desde o governo parlamentarista até o golpe de 1964. O governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, já havia, em 1959, encampado a Companhia de Energia Elétrica Riograndense, subsidiária da American & Foreign Power (Bond & Share). Representantes da ITT e do governo norte-americano entenderam que a AMFORP estava sendo confiscada. Poucos dias depois do término da expulsão de Cuba da OEA, na Conferência de Punta Del Este, a Companhia Telefônica Nacional, subsidiária da International Telephone & Telegraph (ITT) teve seus bens desapropriados pelo governador do Rio do Grande Sul, Leonel Brizola, cunhado de João Goulart (BANDEIRA, op. cit. 1978, p. 49).

74

Paralelamente às discussões sobre as nacionalizações de empresas norte-

americanas no Brasil, da pretensa solução encontrada por Kennedy e imposta a

Goulart – Emenda Hickenlooper95 ao Foreign Act (Lei de Ajuda Externa de 1962)

dos Estados Unidos, desenrolavam-se as questões de reforma agrária que tiveram

início com as Ligas Camponesas do Nordeste desde 1955. No Rio Grande do Sul,

o governador Leonel Brizola, responsável pelos incidentes da AMFORP e da ITT,

desapropriou as fazendas Sarandi e Camauã, depositando uma quantia irrisória a

título de indenização. Porém, “os conflitos no Nordeste alcançaram maior

amplitude”, segundo Bandeira (1978, p. 56).

Em resposta ao slogan criado por Francisco Julião, “reforma agrária na lei ou na

marra”, e às manifestações de camponeses que aconteciam em várias partes do

país, o Exército Brasileiro passou a reagir de forma violenta. Na Paraíba,

lavradores que manifestavam contra a morte do camponês João Pedro Teixeira,

segundo eles a mando de fazendeiros, foram rechaçados por ordem do General

Arthur da Costa e Silva. Em Pernambuco, reconhecido por Robert Kennedy (1966)

como um dos lugares mais pobres do mundo, houve saques a supermercados e

armazéns. O governador pernambucano Cid Sampaio reagiu, desapropriando

(requisitando ao campesinato) estoques de farinha, feijão e milho para tentar

debelar a fome endêmica.

Há dois filmes recentes que refletem as turbulências do período. Em O Dia que

durou 21 anos (2012), documentário produzido por Camilo Tavares, apresentam-se

imagens e áudios da intensa movimentação da força-tarefa de Kennedy no Brasil.

Só no recife havia 14 cônsules e 1 cônsul, todos agentes a serviço da CIA,

segundo Bandeira (1978). Tais números confirmam as denúncias de Julião (1962 e

1968) e Skidmore (1976). O embaixador Lincoln Gordon confirmou em entrevistas

a Bandeira (1978) e Parker (1964) que em Pernambuco foi instalado o maior escritório

da USAID e que o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) investiu entre U$ 1 e U$

5 milhões de dólares em candidatos opositores a Miguel Arrais (MORAIS, 2004). Em

95

Essa emenda obrigava o governo norte-americano a suspender a assistência a qualquer país que expropriasse empresas pertencentes a norte-americanos, a não ser que esse país demonstrasse haver tomado medidas para a rápida indenização do valor integral da propriedade dentro de seis meses (PARKER, 1977).

75

Dossiê Jango (2013), produzido por Paulo Henrique Fontenelle, reforçam-se estas

informações.

Sabendo da importância da massa camponesa nesse momento turbulento,

diversos setores, entre eles a Igreja Católica, o PCB e o governo, disputavam sua

liderança. Porém, o Departamento de Estado dos EUA já havia identificado o

advogado e deputado socialista Francisco Julião, cujos quatro filhos estavam

estudando em Cuba (recebendo o deputado auxílio direto de Fidel) como o

principal líder das Ligas Camponesas. Segundo Antônio Callado (1979)96, Julião

seria um representante do comunismo internacional no Brasil. Tais associações e a

possibilidade do surgimento de um líder castrista na América do Sul causaram

alarme nos Estados Unidos.

O certo, porém é que cerca de 4.968 norte-americanos, conforme as estatísticas oficiais de desembarque, chegaram ao Brasil, apenas em 1962, batendo todos os recordes de imigração originária dos Estados Unidos e superando quase todos os números registrados durante os anos da Segunda Grande Guerra Mundial, quando eles instalaram, oficialmente, bases militares em diversos estados do Nordeste (BANDEIRA, 1978, p. 56)

97.

Ressalte-se que a informação acima faz parte de um engano que vem sendo

reproduzido por autores diversos desde que publicado por Moniz Bandeira em

96

O jornalista Antônio Callado, do Correio da Manhã, foi um dos principais divulgadores dos feitos das Ligas Camponesas do Nordeste e assim é reconhecido por Francisco Julião, em 1962. Outros veículos de imprensa que receberam e divulgaram cartas e boletins das Ligas Camponesas e receberam a gratidão de Julião foram “Semanário”, “Novos Rumos”, “Terra Livre”, “Binômio”, Última Hora” e “Jornal do Brasil”, via Heráclio Sales. (JULIÃO, op. cit.,1962, p. 41). Segundo Joseph A. Page (op. cit. 2006), a Newsweek e o The New York Times, respectivamente, revista e jornal norte-americanos, sendo esta última responsável por imagens de TV gravadas para o público dos EUA, também estiveram no Brasil especificamente por causa das Ligas (PAGE, op. cit. 2006). Julião confirma essas presenças, porém identificando-as junto à imprensa reacionária brasileira. Foi Antônio Callado que avisou a Julião sobre o recrudescimento dos militares e o ajudou a fugir para o exílio, evitando o Ato Institucional nº 2, de Castelo Branco, que dissolveu todos os partidos políticos brasileiros, e uma prisão decretada de 19 anos (PAGE, original de 1972, pp. 135 – 136, In: A Questão agrária no Brasil: história e natureza das ligas camponesas, 2006, organizado por João Pedro Stedile). 97

É interessante notar que todos os dados quanto à presença ostensiva de agentes norte-americanos em território brasileiro e, mais especificamente em Pernambuco, foram retirados de entrevistas que autores como Bandeira (op. cit., 1978) e Parker (op. cit., 1977) realizaram com vários personagens políticos aqui mencionados, incluindo o embaixador Lincoln Gordon. Santiago (op. cit., 2004) ainda acrescenta aos agentes da CIA e diplomatas norte-americanos os Green Berets (Boinas Verdes), parte das forças especializadas em contrarrevolução. Porém, há que se ressaltar que o número 4.968, que autores dos mais diversos repetem como sendo o daqueles norte-americanos que aportaram no Nordeste somente no ano de 1962, superando os anos da Segunda Grande Guerra, constam no Anuário Estatístico do Brasil, IBGE, 1963, p. 38 (ou p. 40 referente ao formato PDF) como sendo de turistas espanhóis.

76

vários de seus livros, entre os quais O governo João Goulart: as lutas sociais no

Brasil (1961 -1964) aqui referenciado. Bandeira indica o Anuário Estatístico do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1963, como fonte primária

que cita 4.968 como sendo o número de norte-americanos entrados no Brasil no

ano de 1962.

Porém, há que se ressaltar que o número 4.968, que autores como Tânia

Quintaneiro (op. cit., 1988) e Vandeck Santiago (op. cit., 2004), entre outros,

repetem como sendo o daqueles norte-americanos que aportaram no Nordeste

somente no ano de 1962, superando os anos da Segunda Grande Guerra, consta

no Anuário Estatístico do Brasil, IBGE, 1963 (p. 38 em meio físico, ou p. 40

referente ao formato PDF)98 como sendo de turistas espanhóis (ANEXOS A e B).

Ressalvas à parte, contribuíram para a projeção das Ligas Camponesas manifestos

como os de Irwing Horowitz, autor de Revolution in Brazil, alertando aos EUA para

que decidisse logo se iria querer 42 milhões de camponeses como amigos ou como

inimigos, insistindo que o adiamento na tomada de decisão poderia ser interpretado

como um não categórico. Este autor comparava as ideologias de Fidel Castro e de

Julião, analisando se o líder camponês brasileiro teria a capacidade de deflagrar

um processo revolucionário no Brasil99.

Como se não bastasse, o jornal O Estado de São Paulo (ANEXO C), em edição de

29 de janeiro de 1963, divulgou documentos encontrados após a queda, no Peru,

de um avião que transportava um grupo de cubanos que estava no Brasil. Sob o

título Documentos da subversão no Brasil orientada por Cuba (O ESTADO DE

SÃO PAULO, 1963), o jornal afirmou que, entre os documentos do presidente do

Banco Nacional de Cuba (BNC), constavam sugestões sobre o treinamento de

guerrilheiros, disponibilização de dispositivos guerrilheiros para as Ligas

Camponesas em Goiás, proposta de dois congressos em solidariedade a Cuba e

esclarecimentos sobre a possível assessoria militar, política e financeira para a

revolução100.

98

Do original em inglês Portable Document Format. 99

Horowitz, I.L. Revolución en El Brazil; política y sociedad de Vargas a Goulart (1930 – 1964). México, Fondo de Cultura Economica, 1966. 100

Documentos da Subversão no País orientada por Cuba (O Estado de São Paulo, jan., 1963).

77

Enquanto isso, Julião sofria críticas que minimizavam seu papel. O PCB, um tanto

quanto afastado dos problemas do campesinato (apesar de ter fundado a União

dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil - ULTAB), dizia que a tentativa

de radicalização da revolução no Brasil, atribuída às Ligas Camponesas, era, além

de artificial, fruto de inexperiência e que isso poderia descambar numa guerra

camponesa. Já o deputado Carlos Lacerda, líder da ala mais radical da União

Democrática Nacional (UDN), identificava as Ligas Camponesas de Julião como a

ponta de lança do “comunismo internacional” na América Latina

(QUINTANEIRO,1988, p. 94) .

Todavia, as críticas e campanhas contrárias não puderam impedir a mobilização

camponesa. Com apoio das classes médias urbanas, realizou-se em Belo

Horizonte (1961), e em João Pessoa (1962), o Primeiro Congresso Nacional das

Federações das Ligas Camponesas. Miguel Arraes, governador eleito em

Pernambuco, também questionava a presença dos EUA na região, bem como sua

percepção dos problemas nordestinos, aos quais se referiam como o câncer do

Nordeste, passível de espalhar-se para os estados vizinhos101. Era no Nordeste do

Brasil que os norte-americanos concentravam os esforços da Aliança para o

Progresso, devido especialmente ao grande número de ligas camponesas.

Hoje é bem sabido de todos, estudiosos ou não, que os EUA insuflaram os ânimos

no Brasil, fossem a seu favor ou contra, com o intuito de derrubar o governo

Goulart e exterminar de uma vez por todas as Ligas Camponesas. Santiago (2004)

reputa ao presidente Kennedy duas perguntas feitas ao então governador do Rio

Grande do Norte, Aluízio Alves, quando este foi recebido na Casa Branca, em

1961: a primeira, como seguia a Aliança para o Progresso, e a outra a quantas

andava o “movimento de Francisco Julião” (SANTIAGO, 2004, p. 159). Estas

questões estavam impregnadas de uma carga histórica e de interesse mútuo, como

se verá a seguir.

Disponível em: <http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19620129-26922-nac-0005-999-5-not/busca/Documentos+subvers%C3%A3o+Pa%C3%ADs>. Acesso em: 19 maio 2014. 101

Arraes externou sua indignação no discurso de sua posse, após ter sido eleito em 1962.

78

Sabe-se que entre Brasil e Europa, considerando os EUA parte da cultura

europeia, há um intenso compartilhamento de matrizes desde os tempos coloniais,

sejam elas linguísticas, étnicas, sociais, econômicas ou políticas (SECCHES,

2013). Mais especificamente de Portugal, de acordo com Faoro (1975), o Brasil

herda o capitalismo de Estado, com o fornecimento de subsídios que aniquilam

(artificial e paliativamente) os conflitos sociais, favorecendo a aferição de lucro por

parte do estamento burocrático do Estado Patrimonial Português (FAORO, 1975).

Da Inglaterra vieram os ideais do capitalismo industrial, a persecução racional dos

lucros e uma forte burocratização, favorecida pela regulamentação contratual do

Estado, porém regida pela burguesia. Somados ao sistema colonial, tanto o

capitalismo industrial inglês quanto o capitalismo de Estado português explicam a

dissociação histórica e o distanciamento entre Estado e sociedade no Brasil

(FAORO, 1975). Quando os EUA substituem a Inglaterra em termos de influência

no continente sul-americano, o perfil brasileiro de política externa já estava

praticamente formado e acostumado a lidar com o liberalismo europeu.

Esta ligação com a Europa veio na esteira da busca por lucros, segundo Secches

(2013): “Como em qualquer relação iniciada no contexto mercantilista do exclusivo

colonial, o intercâmbio mercantil pautou, há mais de cinco séculos, as relações

estabelecidas entre Brasil e Europa” (SECCHES, 2013, p. 16). Quanto aos EUA,

também considerado parte da matriz europeia que influencia o Brasil, houve uma

série de aproximações e afastamentos desde que a nação norte-americana ocupou

o lugar da Inglaterra como potência liberal das Américas. Contudo, segundo

Furtado (2005), o inicial fracasso das colônias de povoamento no norte da América

obrigou a uma revisão de métodos e estratégias de sobrevivência por parte dos

primeiros colonos.

Nos EUA, as pequenas propriedades voltadas à produção local mostraram-se mais

apropriadas ao desenvolvimento industrial do que as colônias de exploração ao sul

do continente. Assim, as 13 colônias do norte se voltaram ao pequeno comércio, à

cultura em pequenas propriedades e à produção voltada para dentro, já que o

comércio internacional não se interessava por seus produtos. Tal contingência

79

favoreceu a formação de uma sociedade independente do Estado e sabedora de

suas vontades e necessidades.

Em contrapartida, no Brasil, Furtado (2005) afirma que houve êxitos desde o

princípio em abastecer o mercado internacional, com exploração em larga escala

de produtos de grande aceitação na Europa. As grandes propriedades, como os

engenhos de cana-de-açúcar e fazendas de café, favoreceram a migração interna

dos setores de subsistência para a agroindústria, assim como promoveram a

desumana concentração de renda verificada no chamado complexo econômico

nordestino. Facó (1963) identifica a origem dos conflitos sociais no Brasil como

intimamente associada ao êxito da economia monocultora, que favoreceu o

monopólio da terra e “entravou brutalmente o crescimento das forças produtivas”

(FACÓ, 1963, p. 16).

Uma série de crises - de ordem econômica, ideológica, de autoridade – expressa em rebeliões espalhadas em vastas áreas do interior do Brasil, abrangendo muitos milhares de habitantes do campo, é a característica principal do período de transição que compreende o último quartel do século XIX e o primeiro deste século em nosso país. Que foram Canudos, o Contestado, Caldeirão, Pau de Colher, Pedra Bonita, que precedeu a todos, com traços mais ou menos idênticos, ao lado do cangaceirismo, que se prolongou até os fins da década de 30? Para a nossa história têm sido encarados como fenômenos extra históricos (FACÓ, 1963, p. 15).

Para melhor compreender as íntimas ligações entre os objetos de análise deste

artigo – a política externa brasileira, o relacionamento ambíguo com os EUA, as

Ligas Camponesas do Nordeste, a Revolução Cubana e o papel dos Estados

Unidos na gestação do Golpe Militar de 1964, é preciso recordar o estado de atraso

semifeudal do Nordeste brasileiro, palco dos conflitos aqui tratados, frente ao Sul

capitalista e mais desenvolvido102. Facó (1963) não hesita ao afirmar que a herança

de três séculos de escravidão e o monopólio da terra são os principais motivos do

atraso cultural e consequente “encarceramento em massa das populações rurais

102

O Nordeste brasileiro, onde surgiram as primeiras Ligas Camponesas do Brasil, vivia em estado de sociedade pré-industrial, sem conhecimento das relações mercantis, do pagamento em espécie pela atividade laboral, da sobra para a farra nos bares e puteiros da cidade ou para enviar dinheiro para quem não pôde emigrar. O trabalhador que retornava ao Nordeste o fazia com a imagem da competição mercantil dos seringais e levava uma mensagem de inconformismo contra a estagnação de sua sociedade semi-escravizada pelo latifúndio e maltratada pela fome e miséria causadas pela seca renitente.

80

na nossa hinterlândia103, e que chamamos Sertão, estagnada por quatro séculos”

(FACÓ, 1963, p. 17).

Quando havia conhecimento do mundo exterior ao Sertão Nordestino, este era

dado pela religião. Tal situação só fez agravar, com a transferência gradativa do

centro de gravidade econômico do Nordeste para o Sul do país, valorizado por

mais uma monocultura, a do café. Para o Sul afluíam escravos e trabalhadores

livres, além dos imigrantes europeus. Ao Nordeste restou a lentidão e muitas vezes

a imobilidade de uma sociedade cuja divisão de classes era sumária: “o senhor de

grandes extensões de terras e o homem sem terra, o semi-servo” (FACÓ, 1963, p.

17).

Considerando-se o interesse econômico e geopolítico que o Brasil representava

para os Estados Unidos em tempos de Guerra Fria, com a iminência de uma

revolução comunista liderada pelas Ligas Camponesas, não é de se estranhar todo

empenho norte-americano em amparar o golpe de 1964. Quintaneiro (1988),

Parker (1964) e Bandeira (1978 e 1979) apontam e detalham à exaustão as

artimanhas gestadas em Washington e levadas à cabo pela Agência Central de

Inteligência dos EUA (Central Intelligence Agency ou CIA) para que João Goulart

fosse deposto. Este estudo também apontou várias destas artimanhas, entre as

quais o envio de missões de agentes norte-americanos nos mais prosaicos

disfarces, por isso, agora é hora de seguir adiante. Este artigo defende a tese de

que a PEI não se encerrou com o golpe, pois fazia parte de um projeto maior de

desenvolvimento brasileiro, cujos suspiros finais acontecem em 1985, ano da

transição democrática.

5. O GOLPE DE 1964 E A PEB MILITAR: capítulos finais do projeto

desenvolvimentista

O golpe militar de 1964 trouxe não somente a violência contra cidadãos brasileiros

e estrangeiros envolvidos em atividades consideradas subversivas como a

103

Em referência ao Hinterland, aquela porção de território na Europa Central que seria o coração, o centro do mundo conhecido para a nova ciência geopolítica, e de onde seria possível partir para a dominação global.

81

supressão dos conflitos no campo, em benefício dos grandes proprietários de terra.

Houve a prisão quase que imediata de cerca de 50 mil pessoas contrárias ao novo

regime, bem como a reposição de lideranças mais alinhadas com os novos

interesses e com a política intervencionista e anticomunista norte-americana.

Todavia, reconhecendo a gravidade da questão agrária e a comoção estrangeira

gerada no período, o governo militar admitiu a existência de uniões de

trabalhadores rurais, em forma de sindicatos sob a supervisão da Igreja Católica

(SANTIAGO, 2006)104.

Porém, aqueles que se envolveram com os conflitos agrários foram perseguidos

como comunistas. Cerca de duzentas pessoas foram presas, somente no Recife,

nos dois primeiros dias de Ditadura Militar, enquanto as Ligas Camponesas foram

abolidas após a destruição de suas sedes. Francisco Julião foi preso em 1964,

libertado e exilado em 1965, só retornando ao país após a promulgação da Lei da

Anistia, em 1979 (PEREIRA, 1991). Quem conseguiu fugir, a exemplo de Elizabeth

Teixeira, da Liga do Engenho Galileia, teve que mudar de nome, abandonar a

antiga vida, amigos e parentes, passando a viver na clandestinidade. Ou seja, nem

só de classe média se fez a resistência ao golpe militar de 1964.

Pelo viés de persecução do desenvolvimento aliado à autonomia, adotado por este

artigo, o governo Castello Branco (1964 – 1966), o primeiro após o golpe, é

considerado por Bueno (2000) um anacronismo, um passo fora da cadência do

projeto desenvolvimentista brasileiro. Castello Branco levou ao governo um modelo

de desenvolvimento associado ao capital internacional e à burguesia nacional

diametralmente oposto ao preconizado pela PEI e defendido pelo pensamento

progressista de San Tiago Dantas. Sua vitória contra os setores nacionalistas da

sociedade brasileira significou, também, o protagonismo do Brasil na luta contra o

comunismo na América Latina.

O novo alinhamento aos Estados Unidos viria por influência da Escola Superior de

Guerra (ESG), articulando órgãos brasileiros como o Instituto de Pesquisas e

104

Há neste artigo duas referências à obras de Vandeck Santiago, uma refere-se ao livro História e Natureza das Ligas Camponesas – 1954 – 1964, organizado por João Pedro Stedile, e o outro a artigo de 2006 publicado em meio digital. Disponível em: < http://www.pernambuco.com/diario/2006/08/30/especial.asp>. Acesso em: 02 jan. 2012.

82

Estudos Sociais (IPES), Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e Ação

Democrática Popular (ADEP) a organizações similares no exterior, assim como a

órgãos do governo norte-americano. O objetivo principal desta coalizão era

desacreditar o anterior governo populista de João Goulart. As críticas a este

período de rompimento do desenvolvimentismo são muitas. Houve ainda revisão

da política de Quadros e Goulart para a África, cujo novo direcionamento foi

detalhado segundo a visão de Saraiva (2012), reduzindo-se o seu caráter

anticolonialista.

Mesmo ao pretender recuperar as tradições da política externa brasileira, Castello Branco marchava contra elas. Ao invocar o Barão do Rio Branco, esqueceu-se de que a aproximação com os Estados Unidos, concebida pelo patrono da diplomacia brasileira, tinha por finalidade preservar a soberania e a segurança diante das investidas do imperialismo. Rompeu Castello Branco com o legado de Vargas, incorporado também à tradição, no sentido de tornar a política externa instrumento do poder a serviço prioritário do interesse nacional, e ainda consentiu em limitar a soberania, agregando-lhe o conceito de segurança coletiva (BUENO, 2000, p. 399).

As críticas ao governo Castello Branco não provinham somente da imprensa

brasileira como também da linha dura das Forças Armadas, em repúdio à posição

subserviente do Exército Brasileiro aos Estados Unidos. Segundo Bueno (2000),

também empresários e classe média externaram seu descontentamento com a

desnacionalização da economia e o que ela trouxe a reboque, a seu ver, a

recessão. Críticas também vieram do exterior e foi neste período que a Venezuela

rompeu relações com o Brasil, engrossando o coro norte-americano, que se dizia

preocupado com as medidas duras do regime de exceção. As críticas, porém, não

trouxeram o fim dos governos militares, mas apenas a abreviação da gestão

Castello Branco. O regresso ao passo desenvolvimentista aconteceu com o seu

sucessor, Artur da Costa e Silva.

O governo de Artur da Costa e Silva (1967 – 1969) retomou o desenvolvimento

como objetivo da política externa e acentuou o nacionalismo brasileiro.

Ressurgiram conflitos com os EUA, devido às denúncias de injustiças do sistema

internacional e o grande não ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP).

Documentação disponibilizada em meio digital pelo CPDOC ilustra um pouco das

pressões domésticas internacionais ao novo regime. A ruptura com o governo

anterior tinha como pano de fundo a rapidez com que se desenvolvia a Guerra Fria

83

e um ambiente interno confuso, em especial com a edição do Ato Institucional

número 5 (AI – 5), de 13 de dezembro de 1968.

O AI – 5, que autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação judicial, a: decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir nos estados e municípios; cassar mandatos parlamentares; suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão; decretar o confisco de bens considerados ilícitos; e suspender a garantia do habeas-corpus (FGV/CPDOC).

O AI – 5 é das mais dolorosas lembranças do início do período ditatorial no Brasil

em termos políticos. Na seara econômica, porém, retornava-se ao projeto

desenvolvimentista, desta vez sob a Política Externa da Prosperidade, praticada

pelo ministro Magalhães Pinto. Entretanto, em âmbito internacional frustraram-se

as pretensões de autonomia multilateral e, internamente, esta ficou marcada como

a PEI sem reforma social: “o projeto desenvolvimentista correspondeu aos

desígnios de desenvolvimento restrito, na medida em que visava robustecer a

economia antes de equacionar as desigualdades sociais” (CERVO; BUENO, 2002,

p. 383).

O governo seguinte, o do General Emílio Garrastazu Médici (1969 – 1974), seguiu

a linha desenvolvimentista traçada por Costa e Silva ((1967 – 1969), que uniu os

níveis interno e externo da política exterior em torno dos esforços da diplomacia.

Subdesenvolvimento e possiblidades de superação passaram a fazer parte do

repertório dos diplomatas saídos do Instituto Rio Branco. Esta diplomacia do

interesse nacional, no entanto, pautava-se na autonomia pelo alinhamento e foi

gerida pelo ministro Mário Gibson Barbosa. Foi o período conhecido como Milagre

Econômico, calcado no desenvolvimento de infraestrutura das empresas estatais,

forte investimento em indústrias de bens duráveis e captação de recursos privados

direcionados aos bens de consumo popular. Na visão de Cervo e Bueno (2002),

em termos diplomáticos, esta PEI pautou-se por um nacionalismo autoritário.

A diplomacia foi concebida e mantida como instrumento do desenvolvimento econômico. Buscou o consenso, apelando para a complexidade do Brasil, e apoiou-se no esforço interno para direcionar-se pelo mundo, contra estratificação do poder e da riqueza, contra a “desordem” do capitalismo, particularmente suas regras internacionais de comércio e finanças, contra decisões internacionais calcadas na velha bipolaridade ou em sua reedição reaganiana, contra a resistência do

84

Primeiro Mundo em admitir novos sócios no clube dos ricos (CERVO; BUENO, 2002, p. 384).

A política externa brasileira de viés independente e busca do desenvolvimento

econômico e político autônomo, todavia, sofreria um novo golpe com a crise do

petróleo, em 1974. O novo presidente, o General Ernesto Geisel (1974 – 1979),

praticou o que ficou conhecido como pragmatismo responsável. Seu ministro das

relações exteriores, Azeredo da Silveira, levou adiante o que denominava política

externa da ousadia, com um forte cunho de desconstrução da ideologia autônoma

de seus antecessores. Segundo ele, a crise do petróleo trouxe também uma crise

do modelo desenvolvimentista praticado até então. Assim, embora houvesse nesse

período atritos com os EUA devido à discordância em assuntos nucleares e

militares, em termos políticos e econômicos buscou-se a abertura.

Com a crise econômica internacional decorrente da valorização do petróleo, a partir de 1974, o governo de Ernesto Geisel redefiniu as funções supletivas da política externa ao projeto de desenvolvimento: a diplomacia, convertendo-se em instrumento mais ágil, buscou a cooperação, a expansão do comércio exterior, o suprimento de matérias-primas e de insumos, o acesso a tecnologias avançadas, com a finalidade de dar suporte a grandioso plano interno de auto-suficiência em insumos básicos e bens de capital. Seu ministro das Relações Exteriores, Azeredo da Silveira, concebia a política externa como elo entre passado e futuro, isto é, entre seus princípios e o progresso nacional (CERVO; BUENO, 2002, p. 385).

Saraiva (2012) refere-se às décadas de 70 e 80 como as mais frutíferas da política

africana do Brasil, pois levou a efeito o que havia sido apenas pensado pelos

formuladores de política externa dos anos 60. Foi um período de intensas

atividades e trocas bilaterais, o Brasil instalando suas primeiras empresas privadas

e estatais na África negra enquanto esta ampliava o número de embaixadas e

missões comerciais em terras brasileiras. “Cerca de quinze embaixadas africanas

estavam em funcionamento em Brasília em 1974, enquanto o Brasil mantinha seis

embaixadores acreditados em 16 países africanos” (SARAIVA, 2012, p. 22).

Convinha ao país a possibilidade de acesso ao petróleo africano e a um mercado

consumidor tido como relevante naqueles tempos.

Do início da década de 1970 até meados dos anos 1980, a pauta de trocas

comerciais Brasil / África saltou de 2% para 10%, “superior ao comércio total com

85

os vizinhos da América do Sul” (SARAIVA, 2012, p. 21). A orientação prioritária das

exportações brasileiras, num movimento conhecido como Sul-Sul, deveu-se ao

forte protecionismo praticado pelas grandes potências liberais do Norte, abaladas

pelas crises do petróleo. Houve neste período um forte entrelaçamento de ações

de diplomatas, agências de governo, empresas estatais e privadas para reforçar as

vantagens comparativas como força motora do intercâmbio comercial com regiões

periféricas, como a África. Contudo, a proximidade da distensão democrática dos

anos 1980 trouxe a reboque o fim do projeto desenvolvimentista, cuja continuidade

e coerência perpassaram diversos governos e regimes brasileiros, segundo a

análise apresentada neste artigo.

O último suspiro do modelo de política nacional desenvolvimentista brasileiro foi

dado pelo governo do general João Batista de Figueiredo (1979 – 1985). Seu

ministro das Relações Exteriores, Saraiva Guerreiro, aplicou o que chamou de

política externa universalista, aproveitando os ventos de liberalismo no cenário

internacional. O desenvolvimento e o progresso foram buscados incessantemente

por meio da tentativa de obtenção de financiamentos às indústrias brasileiras.

Enfrentava-se internamente uma forte depressão econômica, buscava-se enfatizar

a responsabilidade do governo, porém ressaltando as dificuldades de captação no

nível externo.

Praticou-se neste período tanto o multilateralismo quanto o bilateralismo105 em

relações comerciais, além de se enfatizar a cooperação sul-sul contra o

protecionismo dos Estados Unidos. Inaugurava-se uma nova forma de fazer política

externa para o Brasil, já coadunada com os preceitos neoliberais106 que se

seguiriam nas décadas de 1980 e 1990, sob um sistema internacional multipolar.

Chegava ao fim o modelo desenvolvimentista iniciado em 1844 com o rompimento

105 No plano bilateral, esses objetivos organizaram-se em torno de quatro grandes eixos: a

assinatura de tratados de cooperação comercial e técnica; o aumento de rotas de comércio no Atlântico; a abertura de investimentos para projetos de desenvolvimento e a retomada do discurso culturalista do início dos anos de 1960 (SARAIVA, 2012, p. 21). 106

As políticas neoliberais impostas ao Brasil pelo Consenso de Washington na década de 1990, como resultado de adaptações ao mundo multipolar globalizado, aos mandamentos de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, e ainda, como reflexo das duas crises do petróleo dos anos 1970, podem ser estudadas em Furtado (1983), Batista (1994), Cervo e Bueno (2010), dentre outros que analisam o fenômeno da desindustrialização no Brasil e no mundo.

86

dos Acordos Desiguais e o início da presença ostensiva dos EUA em assuntos de

política externa da América Latina e do Brasil.

6. CONCLUSÃO

Este estudo partiu do objetivo de reconstituir o histórico, dinâmica de ação e

composição estrutural do movimento social conhecido no Brasil e no mundo, entre

os anos de 1954 e 1964, como as Ligas Camponesas do Brasil. Adotou-se o

recorte de uma década para as ligas, desde a sua formação, em 1954, até o seu

desmantelamento pelo regime militar, inaugurado em 1964. Porém, entendeu-se

por bem contextualizar tanto a influência do comunismo russo, datado da

Revolução de Outubro de 1917, quanto a penetração do marxismo na América

Latina. Esta última, deu-se apenas um ano depois (Argentina, 1918), por isso

mesmo denominada comunismo original nos termos de Michael Löwy (1999).

Foram os primeiros partidos socialistas e anarquistas latinos, assim como os

movimentos operários urbanos, campesinos e mistos surgidos na Argentina, 1918;

México, 1919; Uruguai, 1920; e Brasil, 1922, além do ideário discutido quando da III

Internacional Comunista (em 1921), que forneceram à Revolução Cubana (1957 -

1961) seu escopo ideológico e instrumental. E as Ligas Camponesas do Brasil,

mais especificamente as do Nordeste do país, foram herdeiras diretas destes

movimentos. Também a intelectualidade marxista brasileira, de viés gramsciniano,

suscitou estudos analíticos e críticos da realidade das ex-colônias das Américas

espanhola e portuguesa, discutida desde o início do século XX em círculos

socialistas da América Latina. Foram as pressões desta elite intelectual marxista

que forneceram o norte econômico do projeto desenvolvimentista autônomo

brasileiro.

Além disso, pela reconstituição do comunismo original nascido no hemisfério sul

pôde-se vislumbrar o robustecimento da social democracia frente ao liberalismo

norte-americano. Deste embate ideológico, político, econômico e social nutriu-se o

relacionamento especial Brasil / EUA desde que a Inglaterra foi substituída pela

nação norte-americana em termos de luta por hegemonia na América do Sul. Por

87

via da Doutrina Monroe para as Américas e do Plano Marshall de reconstrução da

Europa, os Estados Unidos traçaram seu caminho hegemônico, posto este

pretendido pelo Brasil, ao menos em sua região geopolítica, a América do Sul.

Tendo localizado o início do relacionamento especial Brasil / EUA em 1844, ano de

rompimento dos Acordos Desiguais com a Inglaterra, este artigo buscou destacar

as pressões históricas domésticas e internacionais sobre os parceiros especiais

das Américas na produção de suas políticas externas.

Tão elástica reconstrução histórica mostrou-se eficiente no sentido de entender que

é de longa data o interesse estratégico norte-americano na América Latina, e que

houve, de parte a parte, coerência e continuidade em termos de pressões, ações,

reações, aproximações e pretensos rompimentos. Não tendo para os EUA a

mesma importância que se reputava no cenário internacional, o Brasil sofreu com a

errônea avaliação e com os constantes pedidos de reconhecimento ao alinhamento

protagonizado quando das duas Grandes Guerras Mundiais. Somente após, 1945,

portanto já no ambiente bipolar da Guerra Fria é que o Brasil, sob o pragmatismo

equidistante de Getúlio Vargas, pôde dar início ao salto industrial pretendido desde

os tempos iniciais da República.

Entendidos o histórico, dinâmica e composição das Ligas Camponesas; a natureza

do relacionamento histórico Brasil / EUA desde 1844; a influência material e

ideológica do marxismo na América Latina e o papel de modelo da Revolução

Cubana no mundo bipolar, já estavam refeitas as interconexões entre os assuntos

tratados neste artigo. A saber: as Ligas Camponesas do Brasil e o Comunismo na

América Latina; a Guerra Fria e a política externa Brasil / EUA, onde também foram

analisados os antecedentes da Política Externa Independente; as Ligas

Camponesas e a Revolução Cubana; e O Golpe de 1964 e a PEB Militar, seção na

qual foram apresentados os capítulos finais do projeto desenvolvimentista

brasileiro.

Por este apanhado histórico, cruzando informações, análises e críticas à política

externa brasileira, evidenciaram-se os antecedentes da PEI e do projeto

desenvolvimentista, que este artigo defende como sendo retrospectos e contínuos

desde 1844 até 1985, com duas exceções: os governos alinhados de Castello

88

Branco (1964 – 1966) e o pragmatismo responsável de Ernesto Geisel (1974 –

1979). Feitas as análises estruturais e conjunturais relativas aos ambientes

domésticos enfrentados por Brasil e EUA, bem como dos constrangimentos

internacionais aplicados a ambos, pôde-se compreender o papel das Ligas

Camponesas do Brasil, da OPA de JK e da PEI de Jânio e Jango como

catalisadores do Golpe Militar de 1964.

Assim, o já referido cruzamento de informações, análises, críticas e fontes,

apresentados neste artigo, conduziram naturalmente à resposta da pergunta-

problema incialmente apresentada, assim como a confirmação da hipótese de que

as Ligas Camponesas do Brasil estavam realmente capacitadas e decididas a

repetir no Brasil os feitos das revoluções Russa (1917) e Cubana (1957 – 1961).

Autores que confirmam esta tese foram amplamente referenciados, destacando-se

livros e artigos de Moniz Bandeira (op. cit., 1978), Phyllis R. Parker (op. cit.,1977) e

Tânia Quintaneiro (op. cit., 1988), dentre os mais representativos na reprodução de

documentação e entrevistas de representantes do governo norte-americano no

sentido de neutralizar João Goulart, Leonel Brizola, Miguel Arrais, Francisco Julião

e as Ligas Camponesas.

Portanto, as respostas que possam surgir de um estudo que tenha como pergunta-

problema a tentativa de entender se seria justificável a perseguição norte-

americana em relação às ligas camponesas do Norte e Nordeste brasileiro como

focos da revolução comunista na América Latina são de enorme utilidade para as

Relações Internacionais. A história das Ligas coincide com o final da Segunda

Guerra Mundial (1945) e início da bipolaridade Leste/Oeste, protagonizada por

União Soviética e Estados Unidos, e este tem sido um período de especial

interesse para os estudiosos de política externa brasileira. Se, internamente, o

Brasil vivia um período de busca da redemocratização, após o autoritarismo do

Estado Novo de Getúlio Vargas, no nível internacional, as Ligas Camponesas

atraíram a atenção mundial quanto à situação de pobreza, em especial do

Nordeste brasileiro.

Se, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, o Brasil ainda tinha esperanças

de um relacionamento especial com os EUA, isso se desfez em ilusão tanto com a

89

Doutrina Monroe, em que o parceiro norte-americano afirmava-se como legítimo

dono das Américas, quanto com as constantes negativas de Washington em

atender aos pedidos de aportes financeiros para a modernização industrial do país.

No nível doméstico, o desgosto do governo brasileiro coincidiu com a radicalização

das Ligas Camponesas, já oficializadas em vários estados, entre os quais: Rio

Grande do Norte, Bahia, Guanabara, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Rio Grande

do Sul, Goiás, Mato Grosso, Acre e Distrito Federal.

Historicamente, o caráter sui generis das Ligas assentava-se justamente na forma

pacífica de recorrer aos mecanismos do Código Civil para requerer direitos e obter

vitórias. A desapropriação do Engenho Galileia, prenúncio da Reforma Agrária

proposta por João Goulart, foi uma dessas ações. Com apoio da Igreja Católica e

do Partido Comunista, Francisco Julião, advogado da Liga do Engenho Galileia, em

Pernambuco, lutava em três frentes: a doutrinação e alfabetização do camponês; a

batalha de ações, embargos e contestações nos tribunais; e no âmbito político,

como representante do campesinato no Congresso Nacional.

Como demonstrado ao longo deste artigo, não foram poucos os motivos para que

se acreditasse que o miserável Nordeste Brasileiro estivesse realmente preparado

para a revolução campesina, aos moldes do que Fidel Castro, Che Guevara e José

Martí conduziram em Cuba. Concentrando, segundo relatório do II Exército

(1963),de acordo com Quintaneiro (1988, p. 94), cerca de metade das 218 ligas

camponesas existentes no país, não surpreende o fato de o governo norte-

americano ter enviado para esta Região quase cinco mil homens treinados em

ações anti-guerrilha. Estranha-se menos ainda a destinação de 113 milhões de

dólares ao Nordeste, enquanto o estado da Guanabara, o futuro Rio de Janeiro,

recebia 71 milhões em ajuda da Aliança para o Progresso.

À primeira vista, pode parecer contraditório o interesse norte-americano e a

destinação de vultosas verbas para o desenvolvimento do Nordeste. Entretanto,

analisado sob a perspectiva da época, avanço da influência comunista no

continente; alto poder de mobilização das ligas camponesas; situação de miséria

extrema da Região; além do embate com o governo esquerdista de João Goulart,

fica fácil perceber a importância geopolítica que assume o Nordeste do Brasil neste

90

contexto. Por isso mesmo, os primeiros enviados estrangeiros vieram ao país por

iniciativa do governo Kennedy, entre eles, seus irmãos Robert, com a esposa Ethel;

e Edward.

Menção especial deve ser feita aos inúmeros agentes da CIA, disfarçados sob as

mais prosaicas missões e profissões. Este foi o caso, por exemplo, dos Voluntários

da Paz, que montaram no Brasil um Quartel-General para vigiar as ações dos

governos subversivos de Miguel Arraes, Leonel Brizola e João Goulart, mantendo

ainda estreita vigilância sobre as Ligas. Edward Kennedy, em 1962, chegou a

presentear o Engenho Galileia com um gerador de energia elétrica.

Devido à extrema importância geopolítica e militar do Nordeste brasileiro para os

Estados Unidos, tanto como estação de apoio a mísseis intercontinentais como de

foguetes do Cabo Canaveral, seria inadmissível para Kennedy perder este

território, que poderia significar a perda da América Latina para o comunismo.

Assim é que se justifica ou se pode entender a verdadeira missão de homens do

presidente, incluindo aí seu irmão Robert e a esposa Ethel, que andaram pelos

canaviais de Carpina e Nazaré da Mata – PE – na companhia de Padre Crespo, um

defensor dos camponeses, sem ideologia ou tendência partidária, segundo sua

própria definição. O objetivo oficial desta aparentemente inocente visita, no entanto,

faz parte de extenso acervo de fitas de entrevistas e transcrições do governo

Kennedy e remete à tentativa de evitar que o presidente João Goulart abrisse as

portas do Brasil ao Comunismo.

O grande destaque dado às Ligas Camponesas em duas matérias de capa do The

New York Times e também a produção de um documentário pela jornalista Helen

Jean Rogers (The Troubled Land – A Terra Conturbada)107 para a rede de TV

107

Segundo O Diário de Pernambuco.Com, há uma cópia deste documentário, proibido em território brasileiro pelo regime militar, no Acervo Celso Furtado. Teria sido a veiculação do documentário nos EUA o que causou maior curiosidade às inúmeras personalidades internacionais que visitaram o Nordeste. O Diário de Pernambuco, jornal veiculado em meio físico, relata parte do roteiro do filme, com entrevistas a um camponês cuja renda diária de 25 centavos de dólares por dia era para alimentar 10 filhos e a esposa. Também foram entrevistados o líder das Ligas Camponesas do Engenho Galileia, Francisco Julião, alguns proprietários de terras e o superintendente da SUDENE à época, Celso Furtado. O Diário de Pernambuco.Com está disponível em: < http://www.old.pernambuco.com/diario/2004/03/31/especialgolpede64a9_2.html>. Acesso em: 08 maio 2014.

91

americana ABC aumentaram ainda mais a curiosidade, o medo e o interesse

estrangeiro em relação à luta agrária no Brasil e este temor foi documentado, entre

outros, pela pesquisadora Neuma Aguiar (1979). Autores como Cyntia Hewit

(1969), Joseph Page (2006), Florência Mallon (1978) e Clodomir de Moraes (1970)

escreveram sobre as Ligas Camponesas. Também repercutiram no exterior o

documentário Grass War – Peasant Struggle in Brazil (2001), de Clifford Andrew

Welch e Toni A. Perrini, além do filme Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo

Coutinho (1984).

Confirma-se, com este farto e abalizado material a convicção, de que as Ligas

Camponesas do Brasil, em especial as localizadas no Nordeste, realmente

atraíram a atenção de inúmeras personalidades estrangeiras ao país, entre os

quais destacamos Sargent Shriver, Edward Kennedy, Robert Kennedy, Arthur

Schlesinger Jr., George McGovern, Henry Kissinger, Adlai Stevenson, John dos

Passos, Yuri Gagarin e Jean Paul-Sartre. Se, por um lado não foi possível

comprovar a vinda do cosmonauta russo, é notório o material visual a respeito da

visita de Sartre e sua esposa, Simone de Beauvoir, ao Brasil na década de 1960.

Sartre não se contentou em defender a democracia e liberdade ideológica para o

Brasil em encontros realizados com autoridades brasileiras em Paris. Ele veio ao

país em 1960 e foi impedido de retornar três anos mais tarde, quando avizinhava-

se o golpe de 1964.

Retornando às Ligas Camponesas, o alvoroço que causavam naquele período de

Guerra Fria e de recrudescimento das ações contra qualquer representante do

Comunismo na América Latina, pareceu justificar toda a violência que lhe foi

dispensada. Documentos de arquivos militares, como o famoso compêndio Orvil108,

em que são elencados todos os movimentos subversivos do Brasil e da América

Latina, dão conta de que as Ligas elegeram Stalin como o quarto maior pensador

comunista, atrás de Marx, Engels e Lenin. O autor Irwing Horowitz (1966), por

exemplo, causou sensação com o já mencionado Revolution in Brazil (também

lançado como Revolución en Brasil), onde afirma que os EUA deveriam decidir,

108

Produzido pelo Centro de Informações do Exército (CEI) em resposta às acusações contidas no livro Brasil: nunca mais. Disponível em: < http://www.averdadesufocada.com/index.php?option=com_content&task=view&id=737&Itemid=78>. Acesso em: 10 nov. 2013.

92

com urgência, se queriam 42 milhões de camponeses brasileiros como amigos ou

como inimigos. Como se percebe, vários foram os incitadores da repressão às

Ligas e a seus simpatizantes.

Cabe aqui o reconhecimento à coerência do pensamento de Joseph Page (2006)

como amálgama de todas as referências aqui citadas e que creditam à tradição

intervencionista da política externa norte-americana e, em especial, à iniciativa do

presidente Kennedy em enviar ao Brasil seus mais notórios agentes, fossem

sabidamente da CIA, como Ralph Nader109, ou militante contra a fome e a pobreza,

como Sargent Shriver. Este último, conforme detalhado neste estudo, entrou no

Brasil por iniciativa da CIA e não dos voluntários da paz. Page refere-se à presença

das personalidades estrangeiras no Nordeste das Ligas Camponesas em termos

militares, utilizando o termo deployments110, derivado de deploy, cuja entrada em

dicionários é “usar ou colocar em prontidão para ser usado, especialmente de um

modo efetivo” (Cambridge International Dictionary of English, 1995, p. 368,

tradução nossa)111.

Há autores, como Phyllis Parker (1977) que, mesmo tendo recuperado entrevistas

e documentos confirmando a ostensiva presença da marinha norte-americana em

pontos da costa brasileira às vésperas do golpe de 1964 e tendo apontado em seus

escritos a também anormal presença de agentes da CIA em território brasileiro no

mesmo período, conclui seus artigos e livros dizendo que não se pode falar em

participação direta dos EUA no evento. Um de seus livros mais conhecidos, 1964: o

papel dos estados unidos no golpe de estado de 31 de março, traz a seguinte

109

Lydia Dittler desvenda a vida dupla do agente da CIA, Ralph Nader, ainda em 1976, em artigo para o jornal Norte-americano New Solidarity International Press. Na mesma edição, de outubro de 1976, o periódico publica artigos e notícias sobre o recrudescimento soviético em relação aos Estados Unidos, numa possível escalada para a Terceira Grande Guerra Mundial. Também há referências à crise do petróleo, notícias sobre o Terceiro Mundo, a possibilidade de moratória por parte da Itália e a ameaça de abandono do padrão dólar. Disponível em: < http://www.larouchepub.com/eiw/public/1976/eirv03n41-19761011/eirv03n41-19761011.pdf>. Acesso em: 02 jan. 2012. 110

O termo deployment refere-se ainda a homens ou mulheres que deixam seu país-natal com outros soldados e recebem pagamento para combater em outro país. Em suma, é um termo oficial para designar ações de contra insurgência e foi o que se fez no Brasil. Não só foram as Ligas Camponesas do Nordeste o primeiro movimento social a ser banido para a clandestinidade e, consequentemente, perseguido, como seus membros tiveram que recorrer ás armas para tentar se defender. (CAMBRIDGE international dictionary of english. London. Cambridge University Press, 1995, p. 368). 111

“To use, or top ut into position ready to be used, especially in an effective way (Cambridge International Dictionary of English” (1995, p. 368).

93

conclusão: “não há provas de que os Estados Unidos instigaram, planejaram,

dirigiram ou participaram da execução do golpe de 1964” (PARKER, 1977, p. 128).

Segundo a autora, cada uma das tarefas ou funções elencadas acima e

relacionadas ao golpe foram de inteira responsabilidade de Castello Branco e seus

apoiadores. O livro de Parker (1977) é um dos mais ricos em termos de entrevistas

com personalidades com poder de decisão dentro do governo norte-americano,

como o embaixador Lincoln Gordon, responsável pela espionagem à João Goulart.

Inúmeros são os atores da alta cúpula do governo norte-americano entrevistados e

todos confirmam o complô para a derrubada do presidente brasileiro. No entanto,

Phyllis Parker (1977) contenta-se em dizer (depois de um grande esforço

investigativo) que há apenas evidências de que os EUA aprovaram e apoiaram o

golpe de 1964 no Brasil, tendo tão somente fornecido apoio na elaboração de

planos militares preventivos de cobertura dos revoltosos, porém, cuja necessidade

não se verificou.

Autores como Moniz Bandeira (op. cit., 1978 e 1979), por seu turno, discordam

veemente desta visão, que reduz a responsabilidade dos EUA nos acontecimentos

que culminaram no golpe militar de 1964. Bandeira entrevistou as mesmas

personalidades de ponta do governo dos EUA e sua conclusão é de que não

haveria golpe sem o apoio dos Estados Unidos, fosse ele na elaboração de planos,

no fornecimento de tecnologia para a espionagem ou no fomento à insatisfação da

sociedade para com o presidente Goulart. Isso, sem contar os escritórios-fachada

da CIA no nordeste brasileiro e no Rio de Janeiro, a incessante concessão de

vistos a agentes norte-americanos e a presença militar dos EUA no litoral brasileiro.

Esta, no entanto, seria uma discussão mais apropriada a um estudo direcionado a

temas de segurança e estratégia, cuja abordagem teria que ser diversa da proposta

deste artigo.

94

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103

8. ANEXO A - Anuário Estatístico do Brasil – V – Migrações 1962 – 2.

Imigrantes entrados no país, segundo nacionalidades, segundo vários

aspectos.

104

ANEXO B – Detalhe do Anexo A.

105

ANEXO C - O ESTADO de São Paulo. São Paulo, 29 jan. 1963.