liberdade acadÊmica e opÇÃo totalitÁria

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1 ANTONIO PAIM LIBERDADE ACADÊMICA E OPÇÃO TOTALITÁRIA Um debate memorável Editora Artenova S.A. Rio de Janeiro 1979

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Antônio Paim

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  • 1

    ANTONIO PAIM

    LIBERDADE ACADMICA

    E OPO TOTALITRIA

    Um debate memorvel

    Editora Artenova S.A.

    Rio de Janeiro

    1979

  • 2

    NDICE

    Introduo do prof. Antonio Paim ............................................................4

    I CARTAS E NOTAS

    Professora sai da PUC em protesto contra censura

    num texto de Miguel Reale .......................................................................21

    Diretor da PUC contesta acusaes de professora ....................................24

    Reitor da PUC considera infundadas as acusaes de

    censura obra filosfica ...........................................................................27

    Reafirmao da profa. Anna Maria Moog .............................................24

    Carta do prof. Antonio Paim.................................................................28

    Reitor nega que PUC-RJ faa doutrinao marxista .................................31

    II EDITORIAIS

    Filosofia intolerante (Jornal do Brasil) ....................................................36

    Discriminao ideolgica (O Globo) ........................................................39

    Em defesa da Universidade (O Estado de So Paulo) ..............................42

    Pela liberdade (Jornal do Brasil) ..............................................................45

    A opo totalitria dos intelectuais (O Estado

    de So Paulo) ............................................................................................47

    III ARTIGOS

    O declnio da liberdade acadmica. A crise no a que vem de

    fora mas a que vem de dentro Aroldo Rodrigues ..................................50

  • 3

    Est entre ns a guerra pelo controle da opinio - Luiz

    Carlos Lisboa ............................................................................................60

    Uma linguagem enredada nela mesma Luciano Zadsznajder ................64

    Universidade, tolerncia e democracia Vicente Barreto ........................69

    Neutralidade acadmica Luiz Alfredo Garcia-Roza ..............................76

    Ensaio de caada Franklin de Oliveira ..................................................80

    A apostila da PUC Olinto A. Pegoraro ..................................................87

    Marxismo e liberdade acadmica Eurico de Lima Figueiredo ..............93

    Ainda a liberdade acadmica Aroldo Rodrigues................................105

    As regras do jogo Simon Schwartzman............................................109

    PUC e liberdade acadmica Creusa Capalbo ...................................119

    Lies da crise da PUC Aroldo Rodrigues .......................................125

    Liberdade, processo e Academia Olinto A. Pegoraro ........................139

    Democratismo autoritrio Vicente Barreto .......................................145

    Universidade e pluralismo cultural Miguel Reale .............................154

    As razes da crise da PUC Antonio Paim .........................................167

    Os fundamentos histrico-culturais da opo totalitria no Brasil

    Antonio Paim............................................................175

    Ignorncia totalitria Vamireh Chacon .............................................182

    Crise da PUC: descendo s razes Henrique de Lima Vaz, SJ ........188

    As formas de opo totalitria no Brasil Antonio Paim ....................196

    ANEXOS

    I. Manifestaes de solidariedade ....................................................205

    II. Segunda carta do prof. Antonio Paim ao Reitor Mac Dowel ...........221

    III. O texto censurado ......................................................................224

  • 4

    INTRODUO

    1. Os Eventos

    O Jornal do Brasil do dia 14/3/1979 publicou uma carta

    da profa. Anna Maria Moog Rodrigues, endereada ao Chefe

    do Departamento de Filosofia da PUC-RJ, na qual protesta

    contra a censura de um texto do prof. Miguel Rale, a ser

    includo numa coletnea para servir de material didtico ao

    curso da disciplina Histria do Pensamento, ministrada por

    cinco professores, entre os quais a autora da carta. A seleo

    dos textos que integrariam a coletnea foi efetivada em comum

    pelos responsveis incluindo Plato, Aristteles, Marx, Sartre

    e trs pensadores brasileiros, um deles o autor censurado. A

    discriminao era de responsabilidade do Chefe do

    Departamento, alegando divergncias com a atuao poltica

    do prof. Miguel Reale. Por considerar este ato arbitrrio e

    cerceador da liberdade acadmica, a profa. Anna Maria

    apresenta o seu pedido de exonerao do Corpo Docente da

    PUC. Ao transcrever esta carta, o Jornal do Brasil indicou

    que, assim, vinha a pblico uma crise existente naquela

    Universidade, remontando-se a carta anterior de outro

    professor dirigida ao Reitor e que no fora tornada pblica -,

    em que manifesta sua estranheza diante da preferncia

    unilateral pela metodologia marxista.

    O mesmo jornal do dia seguinte insere uma carta do

    Diretor do Departamento de Filosofia em que informa ter

    decidido que o texto no fosse includo numa apostila oficial

  • 5

    do Departamento, face ao carter polmico e controvertido das

    atividades polticas do prof. Reale. Afirma ainda que no

    havia convenincia do Departamento realar uma figura

    controvertida nos meios universitrios, especialmente entre

    alunos. Deste modo, a chefia do Departamento assumia a

    responsabilidade pela censura e atribua-lhe razes polticas, o

    que vinha corroborar a alegao da profa. Anna Maria Moog

    Rodrigues para afastar-se do Corpo Docente da PUC.

    A edio subseqente do Jornal do Brasil (16/3/1979)

    transcreve nota do Reitor da PUC-RJ em que se solidariza com

    o Departamento de Filosofia, considera infundadas as

    acusaes da profa. Anna Maria Moog Rodrigues, ridcula a

    afirmativa de existncia de crise e faz questo de reafirmar

    que nem por isto a Universidade se afastar de sua misso de

    despertar a responsabilidade de seus professores e alunos. A

    mesma matria que contm essa nota abrange ainda carta do

    prof. Antonio Paim, do mesmo departamento, igualmente

    desligando-se da PUC, a declarao da profa. Anna Maria

    Moog Rodrigues de que, tendo sido a censura reconhecida de

    pblico, reafirma a sua discordncia com tal procedimento e

    seu afastamento da instituio.

    Todos os textos mencionados constam deste livro..

    Nos dias subseqentes a matria ocupou posio de

    destaque na imprensa. Outros professores da PUC

    denunciaram o clima de discriminao ideolgica ali vigente.

    Os principais jornais do pas condenaram em editorial

    igualmente anexados a esta coletnea o fato da censura como

    contrrio liberdade acadmica.

    Na semana de 19 a 23 de maro, viu-se na PUC-RJ um

    espetculo deveras assustador e que no pode ser esquecido

  • 6

    porquanto revela a audcia do grupo totalitrio, estimulado

    naturalmente pelo apoio que lhe emprestou o Reitor. O

    espetculo em causa transcende aquela instituio e, por isto

    mesmo, deu origem a toda uma meditao que este livro

    pretende refletir.

    O mesmo grupo do Departamento de Filosofia, ora

    apresentando-se como Associao de Docentes, ora como uma

    sociedade de filosofia que havia constitudo, ora como

    entidades fantasmas de estudantes, lanou em campo a ttica

    de distorcer os fatos, quebrar a solidariedade do Corpo

    Docente, caluniar e denegrir, e, finalmente, como disseram,

    mas que caberia denominar com mais propriedade de auto -de-

    f medieval, quando os herticos eram queimados na

    fogueira.

    O chefe do Departamento de Filosofia lanou nova nota

    comunidade acadmica em que no mais fala em censura ao

    texto do prof. Miguel Reale nem nas razes que a

    determinaram, e tenta apresentar os professores demissionrios

    como achando-se a servio de objetivos escusos. No mesmo

    tom se pronunciou a Associao de Docentes, para a qual o

    irrelevante episdio da organizao de uma apos tila de textos

    foi habilmente aproveitado para servir aos propsitos de uma

    ofensiva ideolgica; sob a aparente defesa do pluralismo

    filosfico, esconde-se o inconformismo com as coisas

    novas... etc. etc. As notas das entidades fantasmas dos

    estudantes condenavam com veemncia o afastamento de

    professores, que ocorrera no passado, e enxergavam na atual

    denncia conivncia com aquelas arbitrariedades.

    Mobilizaram-se estudantes para interromper aulas e dar essa

    verso dos acontecimentos e ainda para gritar slogans nos

  • 7

    ptios. O documento da Associao de Docentes foi lido em

    coro. Desceu-se a um nvel to baixo de acusaes rasteiras

    que o prprio Jornal do Brasil foi acusado de ter interesses em

    terrenos na periferia da PUC; correram-se abaixo-assinados

    contra o projeto de fazer passar no interior da PUC uma

    estrada... Os acusados tiveram naturalmente que revidar. De

    sorte que o objeto mesmo da disputa ficou de fato bastante

    ofuscado. Para a opinio pblica restou a impresso de que a

    PUC-RJ havia coletivamente realizado o que em seguida se

    denominou de opo totalitria.

    Em nota aparecida nos jornais do dia 24/3, adiante

    transcrita, o Reitor encampa a tese de ter-se desencadeado uma

    campanha contra a PUC; no diz uma s palavra de

    condenao censura. Apesar disto, fez apelo ao

    desarmamento dos espritos e ao trmino dos ataques pessoais

    e ressentimentos, que teve o efeito de paralisar os promotores

    desses ataques dentro da Universidade. Passa ento a primeiro

    plano o debate de toda a problemtica envolvida na questo.

    Esta coletnea tem justamente o propsito de refleti -lo.

    Antes de passar indicao das grandes linhas do

    debate conviria indicar as verdadeiras razes da censura.

    2. O Autor Censurado

    Explicando as razes da censura, o chefe do

    Departamento de Filosofia da PUC indicou que no havia

    convenincia de realar uma figura controvertida nos meios

    universitrios, especialmente entre alunos. E como se

    incumbiu de explicitar um dos defensores da censura, o carter

  • 8

    controvertido do autor censurado prender-se-ia sua condio

    de ex-integralista.

    Em que pese a alegao, a esquerda brasileira no est

    preocupada com a condio de ex-integralistas daquelas

    personalidades que se converteram sua opo totalitria,

    mesmo porque toda a sua linha de frente constituda na

    atualidade por antigos expoentes do sigma como Alceu

    Amoroso Lima, Helder Cmara, Roland Corbisier etc. A

    circunstncia explica, alis, o boicote a que foi submetido o

    livro recente de Jarbas Medeiros Ideologia Autoritria no

    Brasil (1930/1945), Rio de Janeiro, FGV, 1978, prefaciado por

    Raimundo Faoro onde estuda o pensamento de Alceu

    Amoroso Lima, ao lado de Plnio Salgado, Francisco Campos,

    Oliveira Viana e Azevedo Amaral.

    As restries ao prof. Miguel Reale no se vinculam ao

    passado, mas ao presente.

    Participando na srie de depoimentos que O Estado de

    So Paulo tem organizado, o prof. Reale teve oportunidade de

    indicar que o integralismo se compunha de vrias faces. A

    de Plnio Salgado, dominante, era eminentemente catlica,

    inspirando-se na doutrina social da Igreja, o que era

    reconhecido pelos que ento a representavam. Alceu Amoroso

    Lima teria oportunidade de afirmar: Se h realmente vocao

    poltica, confesso que no vejo outro partido que possa, como

    a Ao Integralista, satisfazer to completamente s exigncias

    de uma conscincia catlica que se tenha libertado dos

    preconceitos liberais.

    Afora essa vertente catlica, majoritria, havia uma

    segunda corrente que vinha do socialismo que se proclamava

    anticapitalista e antiburguesa. Chegou a nutrir a convico de

  • 9

    que a primeira fase do corporativismo que era de

    participao popular e no meramente administrativo-

    burocrtica, como acabaria consolidando-se na Itlia seria o

    caminho apto a facultar a desejada reforma social. Nessa

    vertente inseriam-se Miguel Reale, Santiago Dantas, Jeovah

    Mora e diversos outros.

    Havia finalmente a terceira vertente, chefiada por

    Gustavo Barros, e que receberia influncia anti-semita. (O

    Estado de So Paulo, 14/5/1978, pgs. 14 e 15).

    De sorte quem tendo sido estudante marxista, Miguel

    Reale, entre 1933 e 1937, isto , dos 23 aos 27 anos de idade,

    pertenceu ao movimento integralista. Desde 1940, quando

    ganhou o concurso para reger a cadeira de Filosofia do Direito

    da faculdade paulista e publicou os livros Fundamentos do

    Direito e Teoria do Direito e do Estado -, ocupou-se de

    elaborar uma obra verdadeiramente monumental e que

    granjeou o reconhecimento internacional. Organizou e dirige o

    Instituto Brasileiro de Filosofia, em que coexistem todas as

    tendncias filosficas existentes no Pas, inclusive a marxista.

    Teoria do Direito e do Estado, publicado em 1940,

    talvez o primeiro livro no Pas a defender uma concepo do

    Estado de Direito a partir do pluralismo das entidades sociais,

    com uma crtica de todas as formas de estatismo jurdico.

    No aprofundamento dessa compreenso, nos decnios

    desde ento transcorridos, Miguel Reale chegou doutrina

    contempornea mais coerentemente elaborada do carter

    inelutvel da pluralidade de perspectivas filosficas. Essa

    doutrina afirma no s que a filosofia comporta multiplicidade

    de perspectivas, e no interior destes diferentes pontos de vista,

    como igualmente que no h critrios uniformes, segundo os

  • 10

    quais tem lugar a escolha de uma perspectiva. Assim, a partir

    mesmo do mago do que poderia se constituir numa estrutura

    totalizante e totalitria o saber filosfico Miguel Reale

    refuta essa possibilidade.

    A filosofia de Miguel Reale batizada de forma muito

    apropriada, com o nome de culturalismo afirma que so de

    ndole moral os fundamentos ltimos da evoluo da cultura,

    razo pela qual as civilizaes so odos de hierarquizao dos

    valores. em sua Filosofia do Direito, de que acaba de sair a

    stima edio, teria oportunidade de escrever: No desenrolar

    do processo histrico-cultural, constituem-se determinadas

    unidades polivalentes, correspondentes a ciclos axiolgicos

    distintos, como que unidades histricas da espcie humana no

    seu fluxo existencial, a que denominamos de civilizaes. A

    histria da cultura no , pois, unilinear e progressiva, como

    se tudo estivesse de antemo disposto para gerar aquele tipo de

    civilizao que vivemos ou desejaramos viver, mas se

    desdobra ou se objetiva atravs de mltiplos ciclos em uma

    pluralidade de focos irradiantes.

    Graas significao de sua obra, da atualidade e da

    universalidade dos temas com que se defronta, Miguel Reale

    logrou alcanar uma posio de grande prestgio no seio da

    comunidade filosfica e acadmica dos pases mais cultos da

    Europa e da Amrica. Desde os anos cinqenta, figura sempre

    entre os principais expositores nos Congressos Internacionais

    de Filosofia. No recente Congresso de Dusseldorf, Alemanha

    (1978), foi um dos quatro conferencistas oficiais. Nos l timos

    anos, sua Introduo ao Direito mereceu trs edies

    sucessivas em lngua espanhola. A Filosofia do Direito de

  • 11

    Miguel Reale, do mesmo modo que Teoria Tridimensional do

    Direito acha-se traduzida em diversos pases.

    O que pesou afinal na avaliao do Departamento de

    Filosofia da PUC, o quinqnio da dcada de trinta que na

    verdade nunca estudaram e desconhecem inteiramente ou a

    elaborao posterior de Miguel Reale, denominada de

    culturalismo, e qual dediquei um pequeno livro

    Problemtica do Culturalismo (1977) por sinal que

    publicado pelo prprio Departamento de Filosofia da PUC?

    Tudo leva a crer que a oposio do Departamento ao

    culturalismo. O que alis de todo compreensvel, visto que

    corresponde mais cabal refutao de todo tipo de

    totalitarismo e bem sucedida fundamentao da pluralidade de

    perspectivas.

    Alm disto, o trabalho desenvolvido pelo IBF impediu a

    penetrao no Brasil da denominada filosofia da libertao,

    que circula em outros pases latino-americanos, sob o bafejo

    de importantes personalidades da Ordem dos Jesutas. No

    Brasil, essa doutrina teve que apresentar-se como teologia da

    libertao, o que restringe de muito suas possibilidades de

    difuso. No mundo contemporneo, se o interesse pela

    filosofia cada vez mais restrito, o que no dizer da teologia...

    3. O Debate e Suas Linhas

    O debate do que se convencionou chamar de crise da

    PUC-RJ desenvolveu-se em diversas linhas, e esta coletnea

    no se prope abrang-las em sua inteireza.

    Emergiu, de modo destacado, a preocupao com a

    influncia marxista em muitas Universidades e na Igreja

  • 12

    catlica. Essa preocupao compreensvel, porquanto,

    sabidamente minoritria, os grupos marxistas ganham uma

    caixa de ressonncia muito grande com a circunstncia

    indicada.

    Essa preocupao refletiu-se em notas aparecidas nos

    jornais, artigos, cartas de leitores etc. Expressam-na com

    propriedade o editorial do Jornal da Tarde, de So Paulo, doa

    dia 20/3/1979, sob o ttulo de A PUC, um dos ltimos redutos

    do marxismo, e o artigo Quase inacreditvel, do prof. Jorge

    Boaventura (Folha de So Paulo, 28/3/1979).

    O Jornal da Tarde observa que, na Frana, o marxismo

    considerado ultrapassado, enquanto na Pontifcia

    Universidade Catlica do Rio de Janeiro no s continua em

    moda mas instrumento para a prtica de um autntico

    terrorismo cultural. O prof. Boaventura entende que os fatos

    denunciados correspondem apenas ponta de um iceberg,

    cuja massa extravasa o ambiente universitrio.

    A questo de como enfrentar os comunistas e grupos

    afins, no plano poltico, embora diga respeito plena

    configurao do projeto de convivncia democrtica que

    devemos conceber e implantar, no se apresenta dessa forma

    para o debate acadmico suscitado pela censura ao texto do

    prof. Miguel Reale. Qualquer que seja a soluo poltica do

    problema cuja questo nuclear a permisso ou no da

    existncia legal do Partido Comunista ao nvel da

    Universidade o tema assume conotao diversa.

    Assim, ainda que legtimo e de grande atualidade, o

    tema poltico no se constitui no eixo do debate em curso.

    Outra questo emergente diz respeito conceituao da

    Universidade Catlica. O prof. Jos Artur Rios trouxe baila

  • 13

    esse tema no artigo intitulado A Pontifcia Universidade

    (pluralista) Catlica (Jornal do Brasil, 24/3/1979). Essa

    questo, parece-nos, diz respeito exclusivamente aos catlicos

    e no comunidade acadmica como um todo.

    De todo o debate suscitado pela crise da PUC-RJ, esta

    coletnea pretende ocupar-se apenas da liberdade acadmica e

    da opo totalitria.

    4. A Liberdade Acadmica

    O cerne da liberdade acadmica a liberdade de

    ctedra, assegurada pela Constituio e pela tradio

    brasileira. Isto significa que nenhum Departamento tem o

    direito de imiscuir-se na matria, que da responsabilidade

    individual do professor. A Universidade pode, certamente,

    divergir da orientao que determinado professor tenha

    decidido imprimir disciplina de sua responsabilidade e, neste

    caso, dispensar os seus servios. Mas h de faz-lo s claras.

    Essa questo foi considerada de modo abrangente nos artigos

    dos professores Aroldo Rodrigues e Vicente Barreto, bem

    como em editoriais da imprensa includos nesta coletnea.

    Alguns mestres, entre os quais o prof. Luiz Alfredo

    Garcia-Roza, vieram a pblico para aventar a tese de que a

    liberdade acadmica, como a definimos, ilusria porquanto

    todo saber acha-se vinculado ao poder, est a servio da classe

    dominante. Este texto, como os demais na mesma linha,

    acham-se igualmente transcritos, com excluso apenas daquele

    de autoria do Sr. Luigi Moscatelli que, em artigo publicado no

    Jornal do Brasil, invocou a falsa qualidade de membro do

    Corpo Docente do Departamento de Filosofia da UFRJ,

  • 14

    conforme desmentido que o prof. Paulo Alcanforado, chefe

    daquele Departamento, fez publicar no mesmo jornal em

    5/4/1979.

    O mencionado tipo de argumento insere-se no que o

    prof. Miguel Reale chama de vulgata marxista. A conceituao

    da cincia e das relaes que guarda com a ideologia j

    arrastaram os marxistas a sucessivos debates, sem que seus

    partidrios brasileiros deles se tenha beneficiado. Talvez o

    principal tenha sido o que ocorreu nos anos cinqenta,

    desencadeado pelo prprio Stalin, ao indicar que nem todos os

    fenmenos da vida social assumem carter de classe.

    Mencionou, ento, expressamente, a lngua e a tcnica. No

    curso do debate a lgica formal, que tinha sido proibida na

    Rssia, voltou legalidade. As simplificaes de Lysenko

    inventor de uma biologia socialista foram condenadas a

    esta disciplina de novo conquistou status de cincia. Os

    soviticos foram muito mais longe porquanto at mesmo a

    econometria e o keinesianismo passaram a ser reconhecidos

    como cientficos. Por que os marxistas brasileiros no

    buscaram aprofundar esse debate e logo se agarraram s teses

    anarquistas, ressuscitadas nos anos sessenta, quanto ao carter

    do saber? Esse desinteresse explica-se pelo fato de que o

    marxismo brasileiro tem uma dinmica prpria de

    desenvolvimento, caudatria da tradio positivista.

    A cincia o saber dotado de universalidade, que vale

    para todos. Seu modelo acabado a fsica-matemtica. A

    questo que se discute a seguinte: no podendo a sociologia

    ser uma cincia apoiada em modelos matemticos, capaz de

    elaborar conhecimentos de validade universal? Presos

    tradio positivista brasileira, certos professores nunca

  • 15

    chegaram sequer a entender o que disse Max Weber. Ao

    reivindicar para o socilogo a neutralidade axiolgica, Weber

    no negou que a ao humana tivesse a marca do interesse.

    Apenas apontou os procedimentos atravs dos quais se pode

    estud-la, preservados os requisitos que se atribui cincia. A

    escola weberiana fez progressos notveis em todos os pases,

    inclusive no Brasil. Ignorando este fato, e supondo-se naquelas

    naes totalitrias onde o pensamento de Weber proibido, os

    adeptos brasileiros da vulgata marxista falam em neutralidade,

    racionalidade, cincia, sem saber precisamente o contedo de

    tais conceitos e supondo que todos se encontram na mesma

    crassa ignorncia. Somente essa circunstncia poderia explicar

    tal primarismo.

    A liberdade acadmica supe que tanto ao marxismo

    erudito como ao vulgar seja assegurado o direito de expressar -

    se livremente, no lugar prprio, isto , no curso especfico,

    onde esteja perfeitamente configurada a responsabilidade do

    titular. Para aqueles que se disponham a usar dessa liberdade

    com vistas ao proselitismo poltico, a Universidade dispe de

    instrumentos aptos a coibir semelhante violao dos princpios

    ticos a que est obrigada a comunidade docente. No caso da

    PUC, embora seja quase certo que os totalitrios formem a

    minoria, o incidente assumiu as propores conhecidas graas

    exclusivamente conivncia do Reitor.

    5. A Opo Totalitria

    A crise da PUC serviu para evidenciar que, mais uma

    vez, em nossa contempornea histria, os intelectuais

    brasileiros facilmente se deixam empolgar pela opo

  • 16

    totalitria. Quaisquer que sejam as razes de semelhante

    desfecho, o debate evidenciou que existe uma grande confuso

    entre totalitarismo e autoritarismo. A histria desse sculo

    registra o aparecimento e a conversibilidade de regimes

    autoritrios. Mas no h precedente de sistemas totalitrios

    que tenham sucumbido, salvo o nazista, derrotado numa

    conflagrao blica. Cabe pois novamente reafirmar que a

    opo totalitria no corresponde a uma alternativa aceitvel

    para o autoritarismo.

    Talvez se possa dizer que a evoluo da Repblica

    brasileira, nestes noventa anos de existncia, tem se dado no

    sentido da plena configurao do autoritarismo, que chega a

    dominar a mquina estatal em largos ciclos. certo que,

    durante toda a Repblica Velha, a poltica econmico-

    financeira inspirou-se nas idias liberais da poca; que os

    sucessivos estados de sitio se faziam com a aprovao do

    Congresso e que, em 1926, promoveu-se reforma

    constitucional que tinha como um de seus objetivos bsicos

    acabar com a vitaliciedade do mandato de Borges de Medeiros

    na presidncia do Rio Grande do Sul. Neste ps-guerra,

    tivemos a consolidao da Justia Eleitoral, assegurando a

    lisura dos pleitos e perodos da mais franca democracia, como

    o Governo de Juscelino Kubitschek. Contudo, em que pese a

    presena dessa vertente, que porventura expressar as

    aspiraes dos mais importantes contingentes da sociedade, o

    autoritarismo logra afirmar-se ao longo do perodo.

    Jos Maria Belo apontou com rara felicidade o marco e

    as determinantes iniciais do processo em causa, ao escrever:

    Ainda no libertos das tradies parlamentares do Imprio, os

    congressistas republicanos reivindicavam uma primazia

  • 17

    poltica que violava a natureza do regime... O poder do

    Congresso e o poder do Presidente harmonizavam-se apenas

    nos artigos constitucionais; na realidade, no se entenderiam

    nunca. A oportunidade para inclinar a balana em favor do

    Executivo viria com o atentado em que morreu o Ministro da

    Guerra de Prudente de Morais, o Marechal Machado

    Bittencourt. Diz ento Maria Belo: O atentado de 5 de

    novembro dava-lhe (a Prudente de Morais) os elementos de

    reao que inutilmente procurara; dentro da prpria rbita

    constitucional, o presidencialismo do regime adotado em 15 de

    novembro de 1889 revelava a tremenda soma de poderes que

    poderia enfeixar nas mos do Presidente da Repblica, e dos

    quais os seus sucessores sabero colher o mximo proveito.

    (Histria da Repblica, 6 edio, pg. 150).

    Wanderley Guilherme indicou uma das feies tericas

    que veio a assumir, denominando-a autoritarismo instru-

    mental, que tem em Oliveira Viana seu expoente mximo.

    Segundo este, o sistema liberal, para funcionar, pressupe o

    respaldo de uma sociedade liberal. No Brasil, a sociedade

    parenteral, clnica e autoritria. A farsa das eleies, o

    simulacro do liberalismo, tudo isto resulta da inexistncia de

    agrupamentos sociais capazes de dar-lhe autenticidade. Desse

    diagnstico, Oliveira Viana concluiria que o Brasil necessitava

    de um sistema poltico autoritrio, cujo programa econmico

    e poltico seja capaz de demolir as condies que impedem o

    sistema social de se transformar em liberal. (Ordem Burguesa

    e Liberalismo Poltico, 1978, pg. 93).

    V-se que essa premissa no alheia ao autoritarismo,

    vigente na histria brasileira dos trs ltimos lustros.

  • 18

    Assim, parece essencial compreender que a tradio

    autoritria da Repblica brasileira algo de muito palpvel.

    Na Repblica Velha consistia numa prtica, ao arrepio da

    Constituio. No ltimo meio sculo, vivemos a maior parte

    do tempo sob o signo do autoritarismo. Com a agravante de

    que a tentativa de elimin-lo, neste ps-guerra, acabaria no

    mais absoluto fracasso. No seria correto fazer caso omisso

    dessa dura realidade.

    Na nova tentativa de abandono da tradio autoritria,

    em que ora nos empenhamos, os diversos grupos sociais tm o

    dever de posicionar-se e no apenas a classe poltica. Em

    relao aos intelectuais, o mais importante estabelecer que

    ao autoritarismo se contrape o sistema representativo e no a

    opo totalitria. Semelhante colocao pode parecer ociosa,

    mas no , pelas razes apontadas adiante.

    A expresso acabada do totalitarismo o estalinismo,

    porquanto fornece o modelo mais duradouro, consolidado no

    s na Rssia, mas igualmente no Leste Europeu e na China.

    Deixar de reconhec-lo e limitar a condenao ao totalitarismo

    de tipo nazista corresponde a justificar a tese falsa de que os

    fins justificam os meios.

    Consoante as anlises de Arendt e outros estudiosos, o

    escopo essencial do totalitarismo quebrar a solidariedade

    estruturada historicamente no seio das comunidades. Por esse

    expediente, estas se transformam em massa, manobrvel e

    mobilizvel para impedir o estabelecimento de qualquer forma

    de pluralismo. Partido nico e aparelho repressor completam o

    quadro. Somente quem se imagina beneficirio de semelhante

    estrutura pode adot-la. Quem quer que admita a possibilidade

  • 19

    de vir a encontrar-se em oposio a tal sistema h de repeli-lo

    at mesmo por instinto de conservao.

    Por isto mesmo, a recente crise da PUC-RJ, suscita

    inevitavelmente a questo da esquerda democrtica. O que se

    viu ali foi a emergncia plena do esprito totalitrio. Censurou-

    se um texto do prof. Reale. O chefe do Departamento de

    Filosofia veio a pblico para dizer no s que o fizera mas

    igualmente que partira de razes ideolgicas. Ao invs de

    discutir-se se aos Departamentos, mesmo por votao, deve ser

    atribudo o direito de imiscuir-se nos cursos, que so da

    responsabilidade dos professores, enfim, ao invs de discutir

    se se deve preservar a liberdade de ctedra, o que se viu na

    PUC foi o empenho de quebrar a solidariedade entre os

    membros do Corpo Docente, de transform-los em massa. Os

    que se posicionarem em favor da liberdade acadmica foram

    agredidos de todos os modos. Tal a confuso que se

    estabeleceu que, ao fim de contas, parecia que ramos ns os

    censores. Parece fora de dvida que, naquela instituio, o

    esprito totalitrio venceu em toda a linha.

    Pode-se concluir do episdio que na PUC-RJ no h

    socialistas democrticos. Se os houvesse, certamente no

    teriam compactuado com a censura nem muito menos com a

    operao montada para denegrir a minoria divergente.

    lcito generalizar a concluso? A pergunta no

    extempornea. O socialismo democrtico no Brasil, pelo

    menos depois de 1930, tornou-se extremamente dbil (o que

    corresponde, alis, a uma das diferenas notveis na evoluo

    poltica e cultural do Brasil, em relao a Portugal,

    contemporaneamente). Embora ainda abrigasse, na ltima fase,

    intelectuais de renome e de grande integridade moral, como

  • 20

    Joo Mangabeira ou Domingos Velasco, chegou a tornar-se

    agremiao poltica sem maior expresso. provvel que o

    ltimo ciclo autoritrio tenha contribudo para extingui -los de

    todo. Este ser pois um dado importante da questo. A

    intelectualidade estar dividida entre liberais e totalitrios,

    sem nenhuma camada intermediria que busque uma sntese

    mediadora, aceitando o socialismo, mas subordinando-o s

    instituies do sistema representativo.

    Rio de Janeiro, maio de 1979.

    Antonio Paim

  • 21

    I CARTAS E NOTAS

    PROFESSORA SAI DA PUC EM PROTESTO

    CONTRA CENSURA NUM TEXTO DE MIGUEL REALE

    A professora Anna Maria Moog Rodrigues, do

    Departamento de Filosofia da PUC, apresentou em carta o seu

    pedido de exonerao direo do Departamento, que

    censurou o texto, extrado do livro Pluralismo e Liberdade, de

    autoria de Miguel Reale, cortando-o da coletnea de textos a

    ser utilizada pelos alunos da disciplina Histria do

    Pensamento, durante o atual ano letivo.

    A carta torna pblica uma crise existente no Centro de

    Teologia e Cincias Humanas, onde os professores que

    relutam em aceitar e adotar apenas uma metodologia marxista

    se sentem marginalizados. No fim do ano passado, o prof. Jos

    Artur Rios afastou-se do Departamento de Sociologia, por no

    concordar com a metodologia imposta pelo Departamento e

    por sofrer boicote deliberado.

    A Carta

    a seguinte a carta enviada pela professora Anna

    Maria Moog Rodrigues ao Diretor do Departamento de

    Filosofia da PUC, professor Raul Landim, com cpias ao

    Gro-Chanceler Cardeal Dom Eugnio Salles, ao Reitor, ao

  • 22

    Vice-Reitor Acadmico, ao Decano do CTCH e ao

    Coordenador do Ciclo Bsico do CTCH.

    Acabo de tomar conhecimento de que a Direo do

    Departamento de Filosofia da PUC/R L censurou o texto

    extrado do livro Pluralismo e Liberdade, de autoria de Miguel

    Reale, e o cortou da coletnea de textos a ser utilizada pelos

    alunos da disciplina Histria do Pensamento.

    Como do conhecimento de V. Sa. os cinco professores

    da disciplina, a pedido da Direo, escolheram, aps reunies

    sucessivas e cuidadoso estudo, os textos a serem includos na

    referida coletnea, selecionando autores tais como Plato,

    Aristteles, Comte, Marx, Sartre e trs renomados pensadores

    brasileiros contemporneos: Henrique Lima Vaz, Fernando

    Bastos dvila e Miguel Reale.

    O critrio da seleo procurou caracterizar a pluralidade

    de abordagens da complexa problemtica contempornea e

    formar no aluno uma conscincia crtica, tal como pode ser

    depreendido da lista de autores acima enunciada.

    Como V. Sa. pessoalmente me confirmou, a razo da

    censura ao texto de Miguel Reale foi a atividade poltica do

    referido autor.

    Tal atitude, alm de impossibilitar a formao de uma

    conscincia crtica do aluno por razes de ordem poltica,

    atinge gravemente a liberdade de ctedra e contraria o

    pluralismo filosfico, fundamento da universidade livre e

    democrtica.

    Por considerar este ato de censura arbitrrio e cerceador

    da liberdade acadmica, apresento a V. Sa. meu pedido de

  • 23

    exonerao do corpo docente do Departamento de Filosofia da

    PUC/RJ solicitando a dispensa do aviso prvio.

    Metodologia Marxista

    A carta da professora Anna Maria Moog Rodrigues

    torna pblica uma crise existente no Centro de Teologia e

    Cincias Humanas.

    Um dos professores da PUC escreveu, recentemente,

    uma carta ao Reitor, Pe. Joo MacDowell, mostrando-se

    preocupado com a vertiginosidade com que a PUC caminha

    para a adoo sectria e passional de uma metodologia

    marxista, se no mesmo para a adeso a uma filosofia

    declaradamente marxista.

    O Departamento de Filosofia segundo ainda o

    professor -, embora solicitado a abrir uma rea de pesquisa

    sobre a histria do pensamento catlico no Brasil, no s no

    o fez como extinguiu esta rea, para dedicar-se lgica,

    epistemologia e lingstica.

    O Autor

    Miguel Reale, catedrtico de Direito, ex-Reitor da

    Universidade de So Paulo, membro da Academia Brasileira

    de Letras, por duas vezes presidente da Associao Mundial

    de Filosofia Social e Jurdica, membro do Conselho Federal

    de Cultura, autor de inmeras obras sobre Histria,

    Filosofia, Sociologia, Direito e Economia, e conhecido por

    sua Teoria Tridimensional do Direito.

  • 24

    Entre os seus trabalhos destacam-se Pluralismo e

    Liberdade, O Estado Moderno, Formao da Poltica

    Burguesa, Fundamentos do Direito, Doutrina de Kant no

    Brasil, Horizontes do Direito e da Histria e, mais

    recentemente, Da Revoluo Democracia (1977), estudo em

    que analisa o processo revolucionrio de 64, propondo

    sugestes para a institucionalizao do regime, alternativas

    para o ento vigente AI-5, Constituinte, habeas-corpus, estado

    de direito e estado de emergncia.

    (Transcrito do Jornal do Brasil, 14/3/1979)

    DIRETOR DA PUC CONTESTA

    ACUSAES DE PROFESSORA

    O Diretor do Departamento de Filosofia da PUC, Raul

    Ferreira Landim Filho, afirmou ontem em carta-resposta

    profa. Anna Maria Moog Rodrigues que a direo do

    Departamento no apresentou objeo quanto ao estudo,

    anlise e distribuio em sala de aula de um texto do livro

    Pluralismo e Liberdade, do professor Miguel Reale.

    A professora Anna Maria Moog Rodrigues demitiu-se

    do Departamento insatisfeita com o que classificou de censura

    ao texto da obra do professor Reale, alm de, numa carta

    enviada ao professor Landim, revelar uma crise no Centro de

    Teologia e Cincias Humanas.

    a seguinte a carta-resposta do professor Raul Landim

    professora Anna Maria Moog Rodrigues:

  • 25

    Recebi com surpresa sua carta de 12 de maro. Sinto-me

    obrigado a responder por escrito s graves acusaes que voc

    nela veicula. Inicialmente, lamento que voc no tenha

    comparecido reunio dos professores de Histria do

    Pensamento no dia 7 de maro convocada pela Direo do

    Departamento para debater os problemas referentes ao

    programa e apostila deste ano.

    Todos os professores ali presentes tiveram a

    oportunidade de discutir as crticas e sugestes da Diretoria.

    Estranhei a sua ausncia j que, aps trs meses de frias, voc

    deveria comparecer PUC no dia 7 de maro para reiniciar as

    suas atividades.

    Voc acusa a Direo do Departamento de censurar

    arbitrariamente o texto do professor Miguel Reale e de atingir

    com isso a liberdade de ctedra. Concordo plenamente com

    voc que a liberdade de ensino teria sido atingida se a adoo

    do texto do professor Reale tivesse sido proibida. Entretanto,

    isto no aconteceu. A Direo do Departamento no

    apresentou objeo quanto ao estudo, anlise e distribuio

    em sala de aula do referido texto aos alunos, se assim o

    desejasse o professor. A Direo props, e foi aceito pela

    maioria significativa dos professores ali presentes, que o

    referido texto no fosse includo numa apostila oficial do

    Departamento, face ao carter polmico e controvertido das

    atividades polticas do professor Reale.

    Alm disso, notava-se na apostila uma descontinuidade

    na escolha dos textos entre autores clssicos como Plato,

    Santo Toms, Bacon, etc., e autores brasileiros

    contemporneos, uma vez que o curso versava sobre Histria

  • 26

    do Pensamento, e no sobre Histria do Pensamento

    Brasileiro.

    Este argumento levou inclusive certos participantes da

    reunio a discutirem sobre a validade da permanncia de dois

    outros textos de autores brasileiros, Padre Henrique Vaz, S.J. e

    Padre Fernando vila, S.J. Esta questo ficou em aberto,

    embora fosse frisado pela Direo que estes dois autores, por

    serem professores da PUC-RJ, se encontravam numa situao

    diferente da do professor Reale.

    Ainda na sua carta, voc alegou que a deciso assumida

    contraria o pluralismo filosfico. Ora, foi claramente dito na

    reunio que no estava sendo julgado o contedo do texto, mas

    a convenincia do Departamento de realar uma figura

    controvertida nos meios universitrios, especialmente entre

    alunos. Por outro lado, este pluralismo est completamente

    assegurado com a presena de autores como Plato, Santo

    Toms, Descartes, Sartre etc.

    Estranha democracia universitria voc defende: os

    responsveis pela direo do departamento no tm o direito

    de propor, as propostas debatidas e aprovadas no devem ser

    aceitas e a discusso dos problemas deve ser substituda pela

    denncia s autoridades. Se os motivos reais do seu pedido de

    demisso foram os equvocos expressos na sua carta, espero

    que estes esclarecimentos a levem a reconsiderar a deciso

    tomada.

    (Transcrito do Jornal do Brasil, 15/3/1979)

  • 27

    REITOR DA PUC CONSIDERA INFUNDADAS

    AS ACUSAES DE CENSURA OBRA FILOSFICA

    A PUC Pontifcia Universidade Catlica, do Rio de

    Janeiro, em nota assinada pelo reitor, Padre Joo A.

    MacDowell, considera graves e totalmente infundadas as

    acusaes de censura a textos e autores feitas pela professora

    Anna Maria Moog Rodrigues na carta em que se demite da

    cadeira de Histria do Pensamento.

    A professora Anna Maria Moog Rodrigues acusou o

    Departamento de Filosofia da PUC-RJ de ter exigido a

    excluso de um captulo do livro Pluralismo e Liberdade, de

    Miguel Reale, de uma coletnea para estudo. Outro professor,

    Antonio Paim, em carta Reitoria anuncia seu desligamento

    da PUC-RJ e faz as mesmas acusaes de censura ideolgica.

    Nota da PUC

    Fui surpreendido em Braslia pela publicao no Jornal

    do Brasil de 14/3/1979 da matria Professora sai da PUC em

    protesto contra censura num texto de Miguel Reale ,

    transcrevendo carta com interpretaes distorcidas e

    totalmente infundadas contra a Universidade.

    Em resposta professora Anna Maria Moog Rodrigues,

    divulgada nos jornais de hoje (ontem), o Diretor do

    Departamento de Filosofia demonstrou cabalmente a falsidade

    das acusaes de censura ideolgica ou cerceamento

    liberdade de ctedra que lhe foram assacadas.

    Diante das repercusses do episdio, a Reitoria sente-se

    no dever de rejeitar, desde j e frontalmente, as informaes

  • 28

    contidas naquela matria, reservando-se o direito de voltar

    oportunamente ao assunto para prestar todos os

    esclarecimentos necessrios.

    ridcula a afirmao da existncia de uma crise no

    Centro de Teologia e Cincias Humanas , ou da marginalizao

    dos professores, que relutam em aceitar e adotar, apenas, uma

    metodologia marxista. Mais absurda ainda soa a insinuao de

    que a PUC caminha vertiginosamente para a adoo sectria

    e passional de uma metodologia marxista, se no mesmo para

    a adeso a uma filosofia declaradamente marxista.

    Nem por isso a Universidade se afastar de sua misso

    de despertar a responsabilidade social de seus professores e

    alunos, de acordo com as orientaes da Igreja, alheia a

    qualquer ideologia.

    Nova Carta

    Venho pela presente comunicar-lhe o meu desligamento

    da PUC-R J, pela circunstncia de que no posso pactuar com

    o clima instaurado no Departamento de Filosofia pelos que

    substituram a professora Celina Junqueira. Ao longo do

    decnio em que o Departamento obedeceu direo da

    professora Celina, vigorou o mais absoluto respeito

    dignidade das pessoas, em que pesem as divergncias

    filosficas e de outra ndole entre os seus diversos membros.

    Desde o seu afastamento, paulatinamente se vem instalando

    esprito intolerante e inquisitorial. vista do fenmeno,

    imaginei que se tratava apenas de minoria audaciosa qual, no

    fim de contas, a direo da Universidade poria cobro. Como

    isso no ocorreu, instaurou-se o terrorismo cultural.

  • 29

    A direo do Departamento de Filosofia vem de proibir

    a incluso de um texto do professor Miguel Reale numa

    coletnea estruturada com o objetivo de bem caracterizar o

    momento contemporneo da Filosofia como sendo a da

    vigncia de mltiplas perspectivas. Como a medida no podia

    ser justificada por nenhum critrio acadmico e a chefia do

    Departamento se d conta de que a sua bandeira inquisitorial

    no pode aparecer luz do dia, abertamente como tal, devendo

    mascarar-se e camuflar-se, optou por acusar o prof. Reale de

    ter promovido, no exerccio da Reitoria da Universidade de

    So Paulo, a perseguio a professores, o que corresponde a

    calnia inominvel. O professor Miguel Reale, em toda a sua

    vida acadmica e no apenas nos dois perodos em que assumir

    as funes de Reitor, sempre defendeu a autonomia

    universitria e a manuteno da divergncia no plano prprio

    das idias. O Instituto Brasileiro de Filosofia, que o professor

    Reale fundou e dirige h 30 anos, rene pensadores de todas as

    tendncias existentes do pas, sendo o exemplo mais

    significativo do ambiente de tolerncia que cria a sua volta. A

    obra filosfica do professor Reale constitui hoje, no Brasil, a

    mais acabada elaborao de uma doutrina que parte justamente

    da afirmativa do carter inelutvel da pluralidade de

    perspectivas. E certamente esta filosofia que incomoda a

    atual chefia do Departamento que, no tendo condies para

    enfrent-la no plano prprio, ataca dignidade de seus

    partidrios de forma irresponsvel e gratuita.

    O terrorismo cultural implantado no Departamento de

    Filosofia da PUC-RJ tem muito a ver com a prtica de aes

    terroristas no cenrio poltico brasileiro, em passado recente.

    Apenas os que hoje dirigem e inspiram o Departamento de

  • 30

    Filosofia da PUC-RJ nunca tiveram a coragem de assumir de

    pblico a responsabilidade pela conduo de uma parte da

    juventude catlica diretamente ao terrorismo. Levaram-na ao

    sacrifcio de vidas e outros desastres, e certamente assumiriam

    uma parcela do poder se vitoriosa aquela ao. Diante do

    fracasso, esconderam-se em seus postos docentes, funes

    alis cuja dignidade jamais souberam apreender e, por isso

    mesmo, com tanta facilidade supem que os outros no a

    prezam devidamente.

    Devo dizer-lhe que envidarei todos os meus esforos

    para transformar meu desligamento da PUC-RJ numa denncia

    a ser levada ao conhecimento pblico. A conscincia

    democrtica deste pas, que em outras oportunidades soube

    repudiar os totalitarismos de direita e esquerda, precisa ser

    advertida da escalada a que muitos, fugindo as suas

    responsabilidades, assistem de braos cruzados. Postos de

    mando em instituies educacionais e culturais, bem como nos

    meios de comunicao, no podem ser confiados a espritos

    totalitrios porque seu empenho ser sempre o de restaurar a

    inquisio, eliminar a possibilidade de convivncia de pontos

    de vista diversos, sufocar a crtica construtiva e fomentar a

    deblaterao inconseqente que estimula irresponsabilidade

    social no seio da juventude.

    - (a) Antonio Paim

    O professor Antonio Paim entrou como associado no

    Departamento de Filosofia da PUC-R J no segundo semestre

    de 1971 e tem vrias obras editadas sobre o pensamento

    brasileiro em diversos setores. Promoveu reedies crticas de

    textos de pensadores brasileiros.

  • 31

    Reafirmao

    A professora Anna Maria Moog Rodrigues reafirmou

    ontem suas acusaes contra o Departamento de Filosofia da

    PUC-R J e anunciou sua demisso da cadeira de Histria do

    Pensamento, que exercia h trs anos, porque no posso

    concordar com a censura e o crivo que o Departamento quer

    impor aos textos e autores que indicamos aos nossos alunos.

    Ela enviou carta-resposta ao diretor do Departamento

    de Filosofia, Raul Landim Filho, afirmando que o motivo real

    do meu pedido de exonerao foi a censura do texto do autor

    Miguel Reale para no realar uma figura controvertida

    nos meios universitrios, isto , por razes de ordem poltica

    e ideolgica.

    E conclui: Mesmo na poca em que vigorava o AI-5,

    tinha-se toda a liberdade na escolha de livros e textos e o que

    me admira que logo agora, que o Governo se empenha para

    que haja uma abertura, a direo do Departamento de Filosofia

    da PUC tome atitudes arbitrrias como esta.

    (Transcrito do Jornal do Brasil, 16/3/1979)

    REITOR NEGA QUE A PUC-RJ

    FAA DOUTRINAO MARXISTA

    Qualquer doutrinao ideolgica, em particular a

    marxista, incompatvel com a natureza e o esprito da

  • 32

    Universidade Catlica, declara o Reitor da PUC, Padre Joo

    Augusto MacDowell, em nota oficial distribuda ontem, na

    qual nega existir uma crise de liberdade, a no ser a forjada

    artificialmente, a partir de um episdio menor.

    Para a Reitoria da PUC, a nota pe um ponto final nas

    discusses sobre as denncias de censura ideolgica s

    atividades acadmicas. O mesmo interesse em encerrar o

    assunto se verificava no contato com a maioria dos

    professores ligados Associao de Docentes, da PUC, que

    tambm no vem crise alguma na Universidade.

    A Nota

    A Reitoria da PUC-RJ, na conscincia de sua

    responsabilidade em esclarecer a comunidade universitria e a

    opinio pblica em geral, acerca das acusaes recentemente

    divulgadas pela imprensa contra a Universidade.

    1. Nega a existncia de uma crise de liberdade na

    Universidade, a no ser a forjada artificialmente, a partir de

    um episdio menor. Este episdio, perfeitamente supervel no

    mbito interno, foi levado aos jornais, no intervalo de menos

    de 48 horas, antes que pudesse ser esclarecido ou julgado pelas

    autoridades universitrias.

    2. No pode assegurar que nunca tenha havido qualquer

    tipo de marginalizao de professores a generalizao seria a

    priori pouco sensata contesta, porm, que tal prtica, caso

    tenha alguma vez ocorrido, seja usual ou consentida pela

    direo da Universidade. Os dois ou trs professores que se

  • 33

    afastaram, fizeram-no por prpria iniciativa, talvez em funo

    de divergncias em relao orientao dos respectivos

    Departamentos, mas sem qualquer presso, antes, convidados

    expressamente a permanecer pelo prprio Reitor, que sempre

    os tratou com a maior considerao, como consta de

    documentos em seu poder.

    3. Repudia a campanha desencadeada atravs da

    imprensa contra a PUC-R J, campanha esta que, sob o pretexto

    de defender a liberdade acadmica, denuncia indiscrimina-

    damente professores e departamentos inteiros, instaurando um

    clima de delao e intimidao no meio universitrio, que tem

    provocado reaes, inclusive, no mesmo estilo, e, portanto,

    igualmente deplorveis.

    4. Estranha que se julguem capacitados a dar lies de

    catolicismo queles que, de um lado ou de outro, ferem o

    esprito cristo de verdade e respeito pessoa humana e

    tentam instrumentalizar ideologicamente a Igreja e suas

    instituies.

    5. Afirma que qualquer forma de doutrinao

    ideolgica, em particular a marxista, incompatvel com a

    natureza e o esprito da Universidade Catlica.

    6. Entende que a confessionalidade da Universidade

    Catlica implica, da parte do corpo docente, os seguintes

    requisitos:

  • 34

    a) Adeso aos valores ticos, que fundamentam a vida

    universitria como o amor verdade, o respeito pessoa, a

    responsabilidade social e a abertura ao dilogo.

    b) Respeito aos princpios da f e da moral crist.

    c) Presena, em todas as reas, do pensamento de

    inspirao crist.

    7. Embora se proponha a formar as pessoas num clima

    de concepo integral do ser humano, com rigor cientfico e

    com uma viso crist do homem, da vida, da sociedade e dos

    valores morais e religiosos (Joo Paulo II), considera que tal

    definio em nada prejudica o verdadeiro esprito cientfico e

    a legtima liberdade acadmica, cujo exerccio tem

    caracterizado a PUC-RJ, ainda em perodos difceis da recente

    histria cultural do Pas.

    8. Reconhece que a PUC-RJ ainda no realiza

    plenamente o ideal da Universidade Catlica de promover a

    evangelizao da cultura (Paulo VI), no dilogo entre a f e o

    mundo contemporneo, e a soluo cientfica dos problemas

    do Pas, luz dos princpios da justia social. Tal inadequao

    devida, em particular:

    a) influncia limitada do pensamento cristo em

    alguns setores da Universidade.

    b) tendncia, sempre renascente nos meios

    acadmicos, de substituir o dilogo e a compreenso pela

    intolerncia, a vontade de poder e o encastelamento nas

    prprias posies.

  • 35

    c) atuao e ao confronto de ideologias, de direita e

    de esquerda, sob formas e graus os mais diversos, no cenrio

    cultural brasileiro, atuao da qual a PUC-RJ no est imune.

    9. Chama a ateno para a delicadeza da tarefa de

    conciliar o esprito universitrio com o carter catlico da

    PUC-RJ, no contexto pluralista da sociedade contempornea,

    nem pretende estar isenta de qualquer falha do discernimento

    das situaes e das opes a tomar.

    10. Reafirma a sua deciso de orientar a PUC-R J no

    caminho da autntica fidelidade sua misso de Universidade

    Catlica, de acordo com a mente da Igreja e especialmente

    com as novas diretrizes contidas no documento final da

    Assemblia do Episcopado Latino-Americano em Puebla e nas

    palavras do Papa Joo Paulo II.

    11. Faz um apelo ao desarmamento dos espritos,

    serenidade e reconciliao, a fim de que, excludos os

    ataques pessoais e os ressentimentos, a comunidade

    universitria possa dedicar-se de corpo inteiro ao estudo dos

    grandes problemas, que desafiam a lucidez, a coragem e a

    criatividade dos brasileiros.

    (Transcrito do Jornal do Brasil, 24/3/1979)

  • 36

    II EDITORIAIS

    FILOSOFIA INTOLERANTE

    O pedido de demisso de dois professores do

    Departamento de Filosofia da Pontifcia Universidade

    Catlica do Rio de Janeiro, como forma de protesto contra o

    esprito intolerante e inquisitorial que teria passado a

    prevalecer naquele Departamento, fato que s pode causar a

    mais profunda perplexidade.

    As demisses foram causadas pelo veto da diretoria do

    Departamento a um texto de Miguel Reale includo pela

    professora Anna Maria Moog Rodrigues nas apostilas que

    pretendia fornecer aos seus alunos como parte de um

    programa de estudos que abordava desde Aristteles a

    pensadores brasileiros contemporneos, passando por uma

    constelao de pensadores que inclua Plato, Karl Marx e

    outros.

    O veto foi apenas confirmado na resposta do

    Departamento de Filosofia primeira carta de demisso,

    usando-se como motivo no realar uma figura controvertida

    nos meios universitrios. Expe-se, assim, um estranho mtodo

    de trabalho segundo o qual medida que determinados

    pensadores se tornem controvertidos, devem ser postos de

    quarentena, espera da sua aceitao no mundo dos bem-

    pensantes. Esse mtodo causou, como se sabe, grande prejuzo

    vida cultural de um perodo bem recente da vida brasileira,

    atingindo, entre outros, toda a galeria de pensadores que

    orbitava no campo geral do marxismo. O marxismo ganhou o

  • 37

    seu lugar ao sol. Tornou-se mesmo, ao que parece, to atuante

    nos meios universitrios, que sente-se vontade para exercer

    em relao a outras escolas de pensamento o tipo de presso

    que leva ao monoplio das idias.

    A primeira ironia nesta perturbadora face da vida

    cultural do Brasil de hoje est no fato de que o professor

    Miguel Reale, considerado de direita por ter sido integralista

    e por ter opinado em favor de salvaguardas que substitussem

    o AI-5, foi, no plano da filosofia, responsvel pela mais

    saudvel das mudanas nos mtodos de estudo e ensino das

    idias. Nesse terreno, uma tradio persistente, de que o

    exemplo mais famoso talvez seja Silvio Romero, mandava

    apresentar as idias ao gosto do expositor. Na sua pequena

    histria das idias filosficas no Brasil, Romero que foi, de

    qualquer maneira, um grande esprito punha os seus

    correligionrios nas nuvens e reservava, para os outros, raios

    e troves. Durante muito tempo, foi assim que se ensinou

    filosofia no Brasil.

    Deve-se ao professor Miguel Reale, aos seus 30 anos de

    trabalho no Instituto Brasileiro de Filosofia, um mtodo de

    ensino que frutificava, entre outros lugares, no Departamento

    de Filosofia da PUC-RJ, e em que se tratava de valorizar a

    atmosfera prpria a cada obra filosfica, encarada como

    expresso da sua poca e das diversas perspectivas

    individuais. Ao lado disso, a obra filosfica do professor

    Reale, uma das poucas reconhecidamente essenciais ao

    conhecimento do pensamento brasileiro contemporneo,

    baseia-se tambm ela numa doutrina que afirma o carter

    inevitvel da pluralidade de perspectivas filosficas: a

    filosofia como sempre o afirmou a tradio clssica um

  • 38

    conhecimento que, por tratar de todo o problema do homem,

    est sempre em mutao e no pode congelar-se em

    afirmaes peremptrias.

    Essa bela lio do professor Reale encontrou

    seguidores, como o professor Antonio Paim, autor de uma

    Histria das Idias Filosficas no Brasil e que acaba de

    demitir-se, igualmente, da PUC em protesto contra o esprito

    intolerante e inquisitorial vigente num Departamento a que era

    dedicado.

    A primeira ironia do que est acontecendo na PUC ,

    assim, a de que se passe a censurar, na primeira

    oportunidade, os que estimularam a largueza de vistas que

    tornou possvel a entrada, nas universidades, de todo tipo de

    especulao intelectual.

    Ironia mais grave a que faz de uma unidade catlica o

    palco de demonstraes de fora apoiadas num ponto de vista

    radicalmente oposto ao dos princpios cristos.

    No se trata apenas de que o cristianismo pregue a

    tolerncia como princpio da convivncia. Ao lado da

    tolerncia no plano humano, as universidades catlicas foram

    fundadas como arma de combate no plano das idias; como

    instrumentos de afirmao de verdades negadas, em perodo

    de crise profunda, por toda a gama dos materialismos, que

    insistem em ver no homem um simples condicionamento de

    fatores econmicos e sociais.

    assim profundamente estranho que um tipo de

    pensamento aberto e humanista perca os seus direitos de

    cidade, numa universidade catlica, por fora de preconceitos

    que se originam numa negao explcita dos princpios

    cristos.

  • 39

    Um outro saldo melanclico a extrair deste episdio o

    de que ainda temos muito que andar antes de chegar ao

    primeiro estgio de uma vida cultural aceitvel.

    Permanecemos, ao que parece, em plena idade da pedra. Os

    censurados de ontem so os censores de amanh. para isso

    que se tem gasto tanto esforo no sentido do arejamento da

    nossa vida cultural e poltica?

    (Transcrito do Jornal do Brasil, 18/3/1979)

    DISCRIMINAO IDEOLGICA

    DEVE SER a prpria Pontifcia Universidade Catlica

    do Rio de Janeiro a maior interessada em fazer um exame

    profundo e isento das recentes denncias que, partindo de

    ilustres professores ligados instituio, afirmam ter-se

    instalado ali verdadeiro clima de ditadura e terror cultural, a

    servio da ideologia marxista.

    ESSA AUTOCRTICA no se justificaria apenas para

    considerar o fato isolado das alegaes dos professores

    Antonio Paim e Anna Maria Moog Rodrigues, que se

    demitiram em protesto contra o esprito intolerante e

    inquisitorial, segundo eles hoje dominante no Departamento

    de Filosofia da PUC-Rio, ou o libelo mais abrangente dos

    professores Aroldo Rodrigues e Jos Artur Rios.

    EST EM CAUSA tambm a identidade universitria da

    PUC, desde que pretenda continuar fiel aos objetivos do

    ensino aberto e pluralista, dando acesso despreconceituoso a

  • 40

    todas as formas de pensamento e a todos os mtodos de

    anlise dos fenmenos sociais, polticos e econmicos da

    histria.

    NO CASO da Universidade Catlica, o seu eventual

    engajamento a dogmatismos ideolgicos de esquerda criaria

    situao duplamente anmala, elevando a nveis extremos a

    gravidade das denncias. Pois antes de mais nada no h

    como aceitar, nem sequer entender, o ensino universitrio

    comprometido com doutrinas sociais de qualquer natureza.

    Por outro lado, se algum compromisso deva assumir uma

    instituio de ensino vinculada Igreja, o nico admissvel

    o que o prenda aos princpios do catolicismo e jamais aos do

    credo materialista, com tudo o que nele existe de

    anticristianismo e anti-religiosidade.

    ALM DO SEU comprometimento catlico, a PUC deve

    refletir os valores da sociedade brasileira. Esses valores fluem

    claramente de uma matriz histrica liberal, fiel ao sistema

    democrtico e humanista de vida haja vista o processo de

    abertura em curso e repelem com firmeza o marxismo. Sair

    de tais limites, portanto, equivale a extravasar do prprio

    contexto cultural do Brasil ou nele se alojar como corpo

    estranho, inassimilvel e perturbador.

    CLARO QUE o estudo do marxismo, em todos os seus

    enfoques econmicos e politicos, no pode faltar nos

    currculos universitrios. Ocult-lo ou deform-lo em

    programas de ensino superior ser sempre procedimento

    obscurantista e contraproducente. Mas da a transformar o

    pensamento marxista ou a viso marxista do mundo em

    parmetros de discriminao ideolgica, fora dos quais tudo

    perde a consistncia e at a seriedade, vai distncia infinita.

  • 41

    Nesse ponto o marxismo adquire dimenses de religio e

    haveremos de convir que no se trata da religio que caiba

    PUC professar.

    O PROFESSOR engajado torna-se, por natureza,

    parcialmente inabilitado para o exerccio da docncia. Ele

    no ensina, faz proselitismo, tenta condicionar tendncias e

    mentes. Mas se alm de engajado o mestre se erige em censor

    ideolgico, a sua inabilitao torna-se total. Ele perde por

    completo a autoridade intelectual e moral, e se iguala aos

    inimigos da liberdade acadmica que atuam de fora para

    dentro. no h por que distingui-lo dos que procuram asfixiar

    politicamente o ensino, inclusive atravs de mtodos policiais:

    pelo contrrio, talvez mais perigoso, por se instalar no

    mago do organismo ameaado.

    A PRIMAVERA institucional brasileira reclama a

    clarificao dos caminhos em demanda da plenitude

    democrtica. As denncias em torno da discriminao

    ideolgica na PUC-Rio trazem indesejveis elementos de

    perplexidade ao processo, podendo realimentar preconceitos

    opostos, tambm de inspirao totalitria, contra a qualidade,

    o esprito e o dinamismo compatveis do ensino universitrio

    num pas em desenvolvimento.

    CABE PUC, por conseguinte, mergulhar na anlise

    dos desvirtuamentos e paradoxos que lhe so apontados por

    vozes idneas e trazer l do fundo as verdades exigidas por

    este decisivo momento brasileiro, para as correes

    necessrias.

    (Transcrito de O Globo, 20/3/1979)

  • 42

    EM DEFESA DA UNIVERSIDADE

    A proibio, pelo Departamento de Filosofia da PUC

    do Rio de Janeiro, da incluso de um artigo do prof. Miguel

    Reale em livro de textos a ser usado pelos alunos da disciplina

    Histria do Pensamento no assunto interno daquela

    universidade. Pelo contrrio, assume tal relevncia para a

    comunidade acadmica como um todo que permite e at certo

    ponto exige tomada de posio de quantos se preocupam com

    a defesa da Universidade contra o assalto totalitrio razo.

    Em poucas e simples palavras, o que est vindo a pblico

    sobre o clima poltico-ideolgico que se vive naquela escola

    fluminense demonstra que a liberdade de pensamento,

    especialmente a pesquisa universitria, corre, hoje, o risco de

    ser violentada por aqueles que se arvoram em juzes do

    carter controvertido ou no da vida pblica dos homens de

    pensamento brasileiros, e aceitam passivamente a opinio

    que, sobre esses homens, os alunos (ou uma minoria ativista

    deles) fazem de sua atividade poltica.

    No entraremos, aqui,m na anlise das razes do prof.

    Landim Filho em sua tentativa de contestar o gesto altivo da

    profa. Moog Rodrigues, demitindo-se para no compactuar.

    Mas no podemos deixar de assinalar que, ao dizer que o

    pluralismo que deve nortear o ensino de Filosofia est

    assegurado pela incluso de autores como Plato, Santo

    Toms, Descartes e Sartre, o prof. Landim Filho brinca com

    as palavras. Em primeiro lugar, porque, no caso de Sartre,

    no se sabe a que homem se refere (se o existencialista da

  • 43

    primeira fase, o denunciador do PC, o adepto do marxismo na

    viso existencialista, ou o defensor das barricadas de maio de

    1968 e do processo revolucionrio e subversivo em geral). Em

    segundo lugar, porque o pensamento de Sartre, em qualquer

    de suas fases, nada tem em comum com o de Miguel Reale,

    igualmente tomado em qualquer das fases de sua vida de

    ativista e intelectual.

    O importante, porm, no est em discutir se Sartre e

    Reale representam a mesma corrente de pensamento; est em

    haver-se oposto restrio a um autor pelo fato de haver

    desenvolvido atividades polticas com as quais no se

    concorda e das quais os alunos divergem. Com isso, no melhor

    estilo de pensamento autoritrio, que as condena na Escola

    Superior de Guerra, e totalitrio, que se condenou no

    hitlerismo e no stalinismo, o critrio de aferio do reto

    caminho do saber comea a passar no pela anlise do

    pensamento (texto e contexto), mas da atividade poltica do

    autor, e se d ao aluno, suposto estar na universidade para

    aprender a ajuizar, a capacidade de dizer quais os autores

    que deseja aprender e como aprender. Em outras palavras,

    transforma-se a Universidade em uma escola partidria de

    quadros, formadora de quantos Rubachov sejam necessrios

    para estabelecer a sociedade terrorista, isto , aquela em que

    o indivduo, ele prprio, o acusador de seu semelhante para

    defender a idia abstrata que faz do Estado perfeito.

    O mais dramtico no caso em espcie clara

    configurao da presso daquilo que vulgarmente j se chama

    de patrulhas ideolgicas, e que o prof. Antonio Paim classifica

    corretamente de terrorismo cultural que a transformao

    da ideologia marxista em critrio de aferio da verdade se d

  • 44

    em uma escola particular, mais do que particular, ligada

    Igreja Catlica.

    Quem se der ao trabalho (seguramente, hoje, sero

    poucos) de estudar as lutas da Santa S no sculo XIX para

    manter suas escolas imunes aos ideais nacionalistas leigos e

    socialistas na Europa s conseguir compreender o processo

    que se d na PUC fluminense aceitando as idias daqueles que

    dizem ser a Igreja Catlica ou suas organizaes, hoje, o

    instrumento de infiltrao das idias marxistas no seio da

    sociedade, Afirmao grave, que, infelizmente, vem

    encontrando comprovao na realidade.

    Foi preciso que a prof. Moog Rodrigues protestasse

    contra o aviltamento da idia de Universidade, e se recusasse

    a ser dirigida pelos que vem no marxismo a nova verdade

    revelada, para que a sociedade brasileira tomasse

    conhecimento de que, alm da censura oficial, do Decreto-Lei

    n 477 e dos instrumentos de exceo ainda em mos do

    Governo autoritrio, h nos quadros de instituies privadas

    um cdigo de segurana ideolgica, que discrimina contra os

    que se recusam a pensar de uma nica maneira, esta

    organizao terrorista da cultura que cria o caldo em que

    medra o Estado autoritrio, primeiro, e o totalitrio, depois.

    Contra esse tipo de terrorismo cultural, da mesma maneira

    que contra o assalto totalitrio razo vinda do Estado, s a

    mobilizao da sociedade em defesa da liberdade e da idia

    da Universidade pode ter xito.

    (Transcrito de O Estado de So Paulo, 21/3/1979)

  • 45

    PELA LIBERDADE

    O episdio da demisso de dois professores do

    Departamento de Filosofia da PUC-RJ, motivada pelo veto a

    um texto de Miguel Reale nas apostilas utilizadas pelo

    Departamento, assume de repente uma conotao emocional

    que pode afast-lo dos seus pontos naturais de amarrao.

    Antes que a algum ocorra que este Jornal no capaz

    de avaliar o papel desempenhado pela PUC e pela Companhia

    de Jesus, de maneira geral, na promoo cultural do

    brasileiro, funo que vem sendo desempenhada

    ininterruptamente desde a descoberta do Brasil, convm

    lembrar que o que nos parece estar em causa, neste episdio,

    no a PUC, e sim a liberdade acadmica.

    Ficam, portanto, deslocadas campanhas em defesa da

    PUC e demonstraes de unanimidade em torno de seus

    mtodos e dirigentes, Por prezar o que a PUC significa na

    economia cultural do nosso pas e sobretudo do nosso Estado,

    que gostaramos de v-la representante perfeita do esprito

    universitrio. Este esprito admite e solicita a unidade em

    torno de princpios, sendo um dos mais importantes o da

    liberdade acadmica, que a traduo do prprio esprito

    universitrio.

    Quando ao mais, uma universidade que pensar em

    bloco, departamentos ou em qualquer outra espcie de

    setorizao, estar negando-se a si mesmo, obstruindo os

    canais por onde deve estar sempre circulado ar novo e puro.

    Neste sentido, no lcito apelar sequer para votaes

    que indicariam a vontade de supostas maiorias., Isto pode ser

  • 46

    utilizado como mtodo de administrao; como princpio

    intelectual, talvez represente como parece ter sido o caso

    um tipo de censura que, se odiosa fora da universidade,

    inadmissvel dentro dela, no que toca liberdade de ensino.

    Num Departamento de Filosofia, no se pode, por votao,

    colocar pensadores em ostracismo: preciso conhecer as

    obras que importam para a formao de uma conscincia

    filosfica. Uma dessas obras, no momento brasileiro entre

    tantas outras, como as de Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. e

    Celso Furtado a do professor Miguel Reale.

    Um outro aspecto da discusso que se desencadeou em

    torno da PUC discusso que s pode vir a ser proveitosa

    para o dia-a-dia da Universidade o da misso de uma

    universidade catlica. A esse respeito, melhor do que

    poderamos faz-lo, expressou-se o Papa Joo Paulo II em

    recente pronunciamento no Mxico. A universidade catlica,

    disse o Papa, deve encontrar seu significado derradeiro e

    profundo em Cristo, em sua mensagem redentora, que abrange

    o homem na sua totalidade. Neste sentido, o professor de uma

    universidade catlica no deveria ser considerado unicamente

    um simples transmissor de cincia, mas tambm, e sobretudo,

    uma testemunha e um educador da vida crist autntica .

    informao cientfica dos estudantes conviria, pois,

    acrescentar uma profunda formao moral e crist, no

    considerada como algo que se acrescente de fora, mas como

    um aspecto com o qual a instituio acadmica resulte, por

    assim dizer, especificada e vivida. Eis os altos ideais que se

    colocam frente de uma universidade catlica. Eis por que

    ela no tem o direito de afastar-se dos mais altos padres de

  • 47

    vida universitria, de que a pedra de toque a abundante

    oxigenao das idias.

    (Transcrito do Jornal do Brasil, 20/3/1979)

    A OPO TOTALITRIA DOS INTELECTUAIS

    No , de fato, assunto interno da PUC do Rio,

    conforme pondervamos em nosso ltimo comentrio a

    respeito, o veto censrio imposto incluso de certo texto

    filosfico na apostila da disciplina Histria do Pensamento, a

    pretexto do carter polmico e controvertido das atividades

    polticas do autor. As prprias explicaes do chefe do

    Departamento de Filosofia daquele estabelecimento

    universitrio ainda contriburam mais para a ampliao do

    debate do tema, que j agora transcendo o episdio em si e o

    gesto exemplar da profa. Anna Maria Moog Rodrigues, ao

    demitir-se em testemunho da liberdade acadmica.

    Que se passa?

    Gilberto Freyre incisivo. Ele denuncia a ao das

    patrulhas ideolgicas na rede de ensino superior do Pas, as

    quais se articulam solidariamente para oferecer aos alunos

    uma s opo cultural o marxismo ou melhor, uma s

    direo poltica a da Rssia Sovitica. Jos Artur Rios, que

    j foi chefe do Departamento de Sociologia da mesma PUC e

    que se exonerou por discordar da metodologia marxista ali

  • 48

    implantada, fala em terrorismo cultural. Aroldo Rodrigues,

    passando em revista a sua experincia como professor

    universitrio e participante de congressos ditos cientficos,

    categrico em afirmar que a liberdade, em grande parte do

    ambiente acadmico de nossos dias, mito, pois que os

    departamentos universitrios esto se transformando em blocos

    monolticos de pensamento dogmativamente marxista-

    leninista.

    Uma nova trahison des clercs?

    A crer em Gilberto Freyre, no seriam bem clercs, na

    medida em que a maioria sem escrpulos que impe a nova

    ortodoxia nos departamentos universitrios no possui grande

    inteligncia. O tema merece de Antonio Paim um ensaio sobre

    Os fundamentos histrico-culturais da opo totalitria do

    Brasil, no qual prope duas linhas de investigao para

    chegar gnese do esprito totalitrio que hoje avassala as

    universidades brasileiras. A primeira configura uma hiptese

    sociolgica e, seguindo a Escola weberiana, explica que,

    sendo o Brasil um Estado Patrimonialista, o pensamento de

    esquerda, imprecisamente definido, mascara na realidade o

    desejo de partilhar desse patrimnio, ou, se se preferir, das

    benesses do poder. A segunda hiptese a culturalista, e

    converge com a sociolgica ao propor a tese de que o

    pensamento de esquerda est ligado, entre ns, ao conceito

    catlico medieval da ilegitimidade, melhor dizendo, do carter

    pecaminoso do lucro. O prof. Paim lembra, a propsito, que a

    Igreja deu legitimidade ao lucro quando aderiu ao

    desenvolvimento, que Paulo VI considerava o novo nome da

    paz.

  • 49

    O fenmeno da opo totalitria dos intelectuais,

    sobretudo dos pequenos e mdios, pertence sociologia da

    cultura, e foi seriamente estimulado pela traio dos clrigos

    propriamente ditos, os quais, abandonando a misso religiosa,

    deixaram em aberto a alternativa da eclesiologia da Terceira

    Roma, ou seja, Moscou. Mas o caso brasileiro urgente, visto

    que a clientela universitria do Pas 1 milho e 233 mil

    alunos em 1978, matriculados em 862 escolas chamadas de

    ensino superior est saindo c para fora inteiramente

    desprotegida, conforme o aviso de Gilberto Freyre, contra a

    ao das patrulhas ideolgicas. Como s aprenderam dos

    mestres o resumo balbuciado da vulgata marxista-leninista,

    que lhes fornece, ainda assim, interpretao fcil para todas

    as incgnitas, amanh se vero desarmados quando tiverem de

    enfrentar a realidade e o prprio bruxulear do prestgio do

    pensamento marxista, o qual j um cadver insepulto nos

    campos universitrios da Europa, incluindo a do Leste.

    Entretanto, o mal est feito: o drama das geraes atuais o

    nosso subdesenvolvimento cultural, que nos escraviza a

    teorias j despejadas na lata de lixo da Histria.

    (Transcrito do O Estado de So Paulo, 27/3/1979)

  • 50

    III ARTIGOS

    O DECLNIO DA LIBERDADE ACADMICA

    - A CRISE NO A QUE VEM DE FORA

    MAS A QUE VEM DE DENTRO

    Aroldo Rodrigues

    A liberdade acadmica um dos valores mais

    fortemente arraigados entre os homens e mulheres de cincias,

    artes e letras. O direito de ter uma opinio, o direito de

    discordar, o direito de filiar-se a uma posio filosfica, o

    direito de apoiar-se em uma determinada teoria, o direito e o

    dever de apresentar aos alunos vrios pontos-de-vista, em

    suma, o direito de pensar e de propiciar a opo livre , sempre

    foi a caracterstica marcante do discurso acadmico e motivo

    de orgulho e satisfao das comunidades universitrias. Nas

    universidades e nas associaes cientficas, artsticas e

    literrias, bem como nas mesas-redondas, nos simpsios e em

    outras atividades caracterizadas pelo debate de idias, o

    direito de defender um ponto-de-vista, associado ao respeito

    dos participantes ao direito de expresso do pensamento era,

    no passado, no s plenamente reconhecido, como se

    constitua at no apangio de academicidade do trabalho em

    curso.

    No mudo acadmico de hoje verifica-se uma

    substituio do papel do cientista voltado para o estudo

  • 51

    desapaixonado do real, pelo do poltico engajado em fazer

    prevalecer uma determinada corrente ideolgica. Richard C.

    Atkinson, da Universidade de Stanford, disse recentemente: O

    papel do psiclogo como cientista procurar dados, princpios

    e leis que aumentem a nossa compreenso dos fenmenos

    psicolgicos. Freqentemente, porm, ao reportar achados

    derivados de pesquisas, nos tornamos advogados de uma

    determinada poltica. No h razo para que os psiclogos no

    advoguem pontos-de-vista polticos, mas devem faz-lo apenas

    como cidados. O papel do psiclogo como cientista

    apresentar os fatos e faz-lo de forma to isenta da influncia

    de seus valores quanto possvel.

    papel dos cidados deste pas e seus representantes

    eleitos utilizarem estes fatos ao tomar decises polticas... Se

    um psiclogo fascinado pelo poder poltico e pela habilidade

    de moldar a opinio pblica, ele ou ela deveria candidatar -se a

    cargo eletivo e no tentar disfarar esforos polticos

    encobrindo-os sob a gide da pesquisa psicolgica. Eu

    reconheo que difcil, seno impossvel, apresentar achados

    cientficos de uma forma isenta. Mas todo o esforo deve ser

    feito nesta direo. Do contrrio, a psicologia ser considerada

    como uma fora social e no uma disciplina cientfica. Se isto

    ocorrer, o potencial da psicologia para ajudar a resolver os

    problemas da sociedade estar perdido (Richard C. Atkinson,

    American Psychologist, 1977,32, 204-210).

    A conseqncia bvia e inexorvel da politizao do

    saber o debate apaixonado ao invs do objetivo, os

    extremismos emocionais ao invs da considerao racional do

    tema em debate, a polarizao de posies em detrimento de

  • 52

    um dilogo sadio, respeitoso e produtivo e, em ltima

    instncia, o desaparecimento da liberdade de falar, ser ouvido

    e discutido a no ser que a posio externada seja consoante

    com a postura ideolgica da maioria mais ativa. o declnio

    da liberdade acadmica.

    A crise de liberdade acadmica a que me refiro aqui

    no a que vem de fora mas a que vem de dentro;no a

    decretada pela ideologia dos detentores ocasionais do poder

    poltico, mas sim a imposta pela ideologia dos prprios

    integrantes da comunidade acadmica. Esta , a meu ver, a

    caracterstica distintiva desta nova violao da liberdade de

    pensar e de opinar; o fato de ela provir do seio da prpria

    comunidade acadmica que a torna sui-generis, mais

    perigosa e mais grave, pois persistir mesmo aps uma

    eventual abertura poltica.

    Excluindo as tradicionais honrosas excees, quase

    impossvel emitir-se uma opinio no ambiente acadmico de

    hoje e t-la ouvida, respeitada e discutida honestamente, a

    no ser que ela seja de conotao esquerdista e, de

    preferncia, marxista. Isto ofuscantemente verdadeiro no

    s nas reas do saber social (histria, sociologia e filosofia

    em primeiro luar, seguidas de perto por teologia vulgar,

    economia, psicologia, lingstica e literatura), mas tambm,

    por incrvel que parea, nas reas do saber natural.

    A fonte de fatos mais eloqentes para substanciar o que

    assevero neste artigo a Pontifcia Universidade Catlica do

    Rio de Janeiro, no por ela diferir das demais, mas em virtude

    do contato dirio que com ela mantenho. Embora manancial

    mais rico, no ela o nico. Meu conhecimento de

    acontecimentos verificados na PUC de So Paulo, minha

  • 53

    participao em uma reunio da Sociedade Brasileira para o

    Progresso da Cincia (SBPC) e acompanhamento de vrias

    outras, bem como o relato pessoal de profissionais de alto

    conceito que atuam em diversas universidades espalhadas pelo

    Brasil e ainda minha participao numa reunio anual da

    Sociedade de Psicologia de Ribeiro Preto e o acompa-

    nhamento das que se seguiram, alm de participao direta

    em vrios simpsios, mesas-redondas, crculos de estudos e

    demais reunies que se promovem no Brasil sob a gide da

    dignidade acadmica, convenceram-me, de forma absolu-

    tamente inequvoca, de que a liberdade em grande parte do

    ambiente acadmico de nossos dias um simples mito. Isto

    constitui, para mim, a mais grave crise que me foi dado

    testemunhar em quase cinco lustros de trabalho acadmico

    srio. A ditadura ideolgica se manifesta na orientao sect -

    ria dos departamentos, no clima das reunies cientficas e

    culturais e na atuao das associaes docentes e discentes.

    I AUSNCIA DE LIBERDADE

    NOS DEPARTAMENTOS

    Os departamentos universitrios esto se

    transformando em blocos monolticos de pensamento

    dogmtico, totalmente fechados ao dilogo e absolutamente

    intransigentes a posicionamentos contrrios ao novo status

    quo. Que o digam, por exemplo, os ilustres professores que

    tiveram que abandonar os Departamentos de Histria e de

    Sociologia da PUC-RJ por cometerem o imperdovel erro de

    pensarem de forma independente, no se filiando orientao

  • 54

    marxista neles dominante. Foram estes professores submetidos

    a boicote deliberado, ao ponto de terem de se afastar; em

    outras palavras, caram em desgraa pelo atrevimento de no

    se submeterem servilmente pregao poltica de esquerda e

    por no julgarem ser o marxismo, apesar de sua importncia e

    de seus mritos, o nico mtodo vlido de anlise dos

    fenmenos sociais, histricos e econmicos.

    Outros departamentos da PUC-RJ e de muitas outras

    universidades brasileiras, mormente no setor dos estudos

    sociais (filosofia, teologia e economia principalmente)

    caminham rapidamente para situao semelhante. A atmosfera

    sempre a mesma. A nica verdade a chancelada pelo

    marxismo; o nico mtodo vlido no exame dos fenmenos

    sociais o marxista; os autores mais reverenciados e

    decantados em prosa e verso so os marxistas; slogans

    emocionais, falsos e superficiais so aplicados a qualquer

    tentativa de posicionamento que extrapole a bitola

    estabelecida pelos postulados marxistas; somente o enfoque

    marxista e valorizado; os alunos so devidamente

    proselitizados como se estivssemos em meio a uma cruzada

    religiosa de evangelizao e no numa universidade, onde se

    devem apresentar as vrias correntes de pensamento sem

    tendenciosidades, deixando aos alunos a liberdade de opo

    livre pela que lhes parecer mais plausvel.

    pouco relevante o fato de o sectarismo aqui aludido

    ser de contedo marxista. Fosse ele fascista, positivista,

    psicanaltico, islmico, behaviorista, catlico, budista, enfim,

    revestido e qualquer outra roupagem, seria igualmente abjeto.

    Faz-se mister que se permita, numa universidade, a liberdade

    de opinio, que se pratique a exposio no tendenciosa da

  • 55

    informao, que se respeite a liberdade de pensar e que se

    estimule a posio divergente que, como se sabe, amide se

    constitui em fonte de novos conhecimentos e de uma maior

    aproximao da verdade. Expurgar os membros que

    discordam dos responsveis pelos destinos do Departamento

    no atitude acadmica e sim prpria de seitas fechadas,

    rgidas e pouco esclarecidas. No Departamento de Filosofia

    da PUC-RJ, por exemplo, acabou-se a liberdade de ctedra.

    Os diretores deste Departamento acabam de censurar o texto

    escolhido pelos professores da disciplina Histria do

    Pensamento. Da coletnea que inclua textos de Plato, Santo

    Toms, Marx, Sartre etc., constavam trs de autores

    brasileiros. Um destes trs foi cortado. O texto era fora do

    assunto? No. Era de autor sem mritos? No; seu autor tem

    fama internacional. Era de autor que no se filia corrente de

    pensamento marxista e se insurge contra ela? Sim. E, por esta

    razo, foi o texto de Miguel Reale expurgado. Tentaram os

    professores da disciplina no serem unilaterais e isto,

    atualmente, um pecado imperdovel no Departamento de

    Filosofia da PUC-RJ, e, ao que parece, em vrios outros

    departamentos desta e de outras universidades, onde apenas

    autores marxistas ou os simpticos a esta ideologia merecem o

    nihil obstat da direo.

    II AUSNCIA DE LIBERDADE NAS REUNIES

    CIENTFICAS E CULTURAIS

    Foi simplesmente deprimente o espetculo a que

    presenciei em reunies da Sociedade Brasileira para o

  • 56

    Progresso da Cincia, da Sociedade de Psicologia de Ribeiro

    Preto e em algumas promoes culturais de carter mais local

    em vrios pontos do Pas. O quadro se repete com montona

    identidade de contedo, mtodos de ao e fontes de

    referncia. O contedo dos posicionamentos tem de estar

    eivado de conotaes marxistas para ser valorizado; o boicote

    sistemtico, por vezes agressivo, aos que ousam violar os

    ditames da ideologia de esquerda, notrio; as fontes de

    referncia variam conforme o tema do encontro. Se educao,

    Paulo Freyre referncia obrigatria; se sociologia, alm de

    Marx, conveniente no esquecer-se de Fernando H.

    Cardoso; se histria, urge reverenciar o nome de Werneck

    Sodr; se teologia, cair em desgraa quem no se

    fundamentar nos telogos da libertao (Gutierrez, Segundo

    etc.); se filosofia e, curiosamente, psicologia tambm, Marx

    referncia obrigatria, mas muito se beneficiar o expositor

    se recorrer a citaes de Habermas, Adorno, Althusser e

    Foucault. A eventual contribuio substantiva de alguns

    destes au