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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO INQUÉRITO CIVIL E A DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS LEONARDO MIALICHI Ribeirão Preto 2009

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Page 1: LEONARDO MIALICHI · LEONARDO MIALICHI INQUÉRITO CIVIL E A DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS Dissertação apresentada à banca examinadora da Universidade de Ribeirão

UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO

INQUÉRITO CIVIL E A DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

LEONARDO MIALICHI

Ribeirão Preto

2009

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LEONARDO MIALICHI

INQUÉRITO CIVIL E A DEFESA DOS INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Dissertação apresentada à banca examinadora da Universidade de Ribeirão Preto, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Sebastião Sergio da Silveira.

RIBEIRÃO PRETO

2009

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Ficha catalográfica preparada pelo Centro de Processamento Técnico da Biblioteca Central da UNAERP

- Universidade de Ribeirão Preto -

Mialichi, Leonardo, 1978 -

M618i Inquérito civil e a defesa dos interesses individuais homogêneos /

Leonardo Mialichi. - - Ribeirão Preto, 2010.

101 f. Orientador: Prof. Dr. Sebastião Sergio da Silveira.

Monografia (graduação) - Universidade de Ribeirão Preto, UNAERP, Direito. Ribeirão Preto, 2010.

1. Direito. 2. Ministério Público. 3. Direito coletivo. 4.

Direito

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LEONARDO MIALICHI

INQUÉRITO CIVIL E A DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Dissertação apresentada à banca examinadora da Universidade de Ribeirão Preto, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação do Prof. Dr. Sebastião Sergio da Silveira.

Nota:______

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________ Orientador: professor Dr. Sebastião Sergio da Silveira.

Universidade de Ribeirão Preto

____________________________________________

Professor Dr. Universidade de Ribeirão Preto

____________________________________________ Professor Dr. Universidade de Ribeirão Preto

Ribeirão Preto, 2009

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Mestre Doutor. Sebastião

Sergio da Silveira, pela orientação e

importante contribuição no presente

trabalho.

A minha família pelo constante apoio.

Ao professor Doutor Luiz Manoel Gomes

Junior, meu amigo, jurista que sem sombra

de dúvidas contribui e sempre contribuirá

de modo ímpar e excepcional para a ciência

jurídica.

Aos meus sócios do escritório Mascaro,

Rossi e Berto, Alysson Leandro Mascaro,

Luis Antonio Rossi, Alexandre Fontana

Berto, Fabio Rossi e Alex Antonio

Mascaro, meu muito obrigado.

A advogada Ketri Daniela Damianci,

mulher especial, pelo constante apoio e

pela imensurável ajuda.

A todos aqueles que de certa forma

fizeram torcida pelo êxito desse trabalho.

Aos meus alunos, do Instituto Municipal

de Ensino Superior de Catanduva.

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Abrir uma clareira no Direito, desocultar caminhos, descobrir as sendas encobertas... É este o desafio! Numa palavra, é na abertura da clareira, no aberto para tudo que se apresenta e ausenta, é que se possibilitará que a Constituição se mostre como ela mesma, que se revele e se mostre em si mesma, enquanto fenômeno, enfim, como algo que constituí, deixando vir à presença o ente (constitucional/ constitucionalizado) no seu ser (isto é, em seu estado descoberto), conduzindo o discurso jurídico ao próprio Direito, desocultando-o, deixando-o visível.

Lenio Luis Streck

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RESUMO

A Constituição Federal de 1988 reservou um capítulo próprio ao Ministério

Público, dispondo sobre as atribuições que lhe são próprias, entre as quais a legitimidade

para a propositura do inquérito civil. O inquérito civil é um instrumento constitucional,

colocado a disposição do Ministério Público para a proteção dos direitos difusos, coletivos

e em alguns casos os individuais homogêneos. Com ele o órgão do Ministério Público, de

forma responsável, exerce uma de suas principais atribuições previsto na Constituição,

como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, e, em defesa da

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A legislação que a disciplina, confere ao Ministério Público, a possibilidade de efetuar

recomendações, celebrar compromissos de ajustamento de conduta, realizar perícias,

expedir notificações, produzir toda e qualquer prova licita, apta a desvendar a verdade dos

fatos levados ao órgão, como fato lesionador de interesse social, difuso, coletivo e

individual homogêneo. Poderá ainda ao seu término, dar substrato ao mesmo para que

possa promover a Ação Civil Pública, instrumento destinado a coibir abusos e obrigar

aqueles que feriram direitos amparados pelo regime jurídico brasileiro. Assim, insta

observar que o inquérito civil adquire grande importância e eficácia na proteção dos

direitos supra-individuais, uma vez que por seu intermédio se solucione conflitos de massa,

o amparo dos direitos da coletividade, e a proteção ao patrimônio público, sendo

atualmente principal objetivo do Ministério Público, razão maior para ter ao alcance o

procedimento do inquérito civil.

Palavras chave: Direitos homogêneos, inquérito civil, Ministério Publico, interesse social, direito difuso, coletivo e individual homogêneo.

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ABSTRACT

The civil inquiry is, without shade of doubts, one of the best and more efficient

instruments constitutional, placed the disposal of the Public prosecution service for the

protection of the diffuse, collective rights and in some individual cases the homogeneous

ones. With it the agency of the Public prosecution service, responsible form, exerts one of

its main attributions constitutional as permanent, essential institution to the jurisdictional

function of the State, in defense of the jurisprudence, the democratic system and

unavailable the social and individual interests. The legislation confers to the Public

prosecution service, the possibility to effect recommendations, to celebrate commitments of

behavior adjustment, to carry through perícias, to forward notifications, to produce all and

any test bids, apt to unmask the truth of the facts taken to the agency, as lesionador fact of

social, diffuse and collective interest. It will still be able to its ending, to give to substratum

to the Public prosecution service, so that it can promote the Civil action Public, destined

instrument to restrain abuses and to compel those that of certain form, had wounded rights

supported for the Brazilian legal regimen.

Key Words: Rights homogeneous, civil investigation, prosecution, social interest, right diffuse, collective and individual homogeneous

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................07 1- ORIGEM, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA............... ...........................................09 1.1 Conceito e Natureza Jurídica .................................................................................................11 2. DOS PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO INQUÉRITO CIVIL ..... ................................15 2.1 – Princípio Do Devido Processo Legal ..................................................................................16 2.2 – Do Princípio da Legalidade..................................................................................................17 2.3 – Princípio da Impessoalidade ................................................................................................19 2.4 – Princípio da Publicidade ......................................................................................................21 2.5 – Princípio da Moralidade.......................................................................................................24 2.6 – Princípio da Eficiência .........................................................................................................26 2.7 – Princípio da Motivação ........................................................................................................27 2.8 – Princípio da Razoabilidade .................................................................................................28 2.9 – Princípios informativos do processo Coletivo ....................................................................30 2.9.1 - Princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo.....30 2.9.2 - Princípio da Máxima Prioridade Jurisdicional da Tutela Jurisdicional Coletiva...............31 2.9.3 - Princípio da Disponibilidade Motivada da Ação Coletiva ................................................31 2.9.4 - Principio da Legitimidade Ativa Concorrente ou Pluralista.............................................32 3. DA INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO CIVIL ............. ...................................................34 3.1- Instrução.................................................................................................................................40 3.2 -Poder de Requisição ..............................................................................................................41 3-Das provas ilícitas e a atuação do Ministério Público ...............................................................50 3.4 - O Contraditório .....................................................................................................................55 3.5 - A Condenação do Ministério Público nas Penas de Litigância de Má-Fé e sua responsabilidade............................................................................................................................59 3.6 – Recursos no Inquérito Civil ................................................................................................62 3.7 - Arquivamento e seus efeitos.................................................................................................64 3.8- Compromisso de Ajustamento de Conduta ...........................................................................69 3.9- Projeto de Lei que altera a Lei n.º 7.347/1985 em relação ao Inquérito Civil.......................80 4. – O INQUÉRITO CIVIL E A DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUA IS HOMOGÊNEOS ........................................................................................................................83 Conclusão.....................................................................................................................................98

Bibliografia ..................................................................................................................................101

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INTRODUÇÃO

Incluído no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Lei Federal n.º

7.347/1985, o inquérito civil é autêntico instrumento de defesa da cidadania e dos direitos

de massa, cuja disposição se encontra na Constituição Federal de 1988, no artigo 129,

inciso III.

A utilidade do instituto é inegável e decorre da sua finalidade, que é a de

possibilitar ao Ministério Público o suficiente domínio dos fatos que impliquem no seu

dever de cumprir as missões que lhe foram atribuídas pela Constituição Federal em nome

da coletividade, viabilizando não só a segurança da formação ou da expressão da sua

vontade enquanto órgão público, e assim o exercício responsável da ação civil pública,

como também, e, principalmente, a correta defesa dos interesses sociais, individuais

indisponíveis e individuais homogêneos com o máximo cuidado pelo efetivo respeito aos

Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública, direitos esses, assegurados na

Constituição.

Rompendo com a tradição de separação das funções investigatória e acusatória,

o instituto, que impulsionou a alteração do perfil institucional do Ministério Público,

presente no ambiente jurídico nacional, merece um cuidadoso estudo para aquilatar não

somente sua importância, mas para dimensionar seu alcance, seus requisitos e

características, bem como, sua função e seu futuro à luz do cotejo com os princípios

jurídico-constitucionais.

Vários estudos e obras têm sido apresentados sobre o instituto no seio de

respeitáveis análises sobre a tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos, mas o exercício cada vez mais intenso da ação civil pública tem suscitado

novas questões que merecem apreciação, notadamente as que se referem à extensão e os

limites dos poderes instrutórios do Ministério Público, e o valor que os elementos de

convicção obtidos por estes meios terão no processo.

Levando em conta que o inquérito civil é um instrumento de atuação do

Ministério Público e suas diversas atribuições, a dissertação se aterá mais aos aspectos

estruturais do instituto e sua aplicabilidade com relação à defesa dos interesses individuais

homogêneos quando lesados ou ameaçados de lesão, cingindo-se ao estabelecimento de

critérios que legitimem sua instauração e instrução, fazendo-se ao final uma analise sobre o

compromisso de ajustamento de conduta, que por sua importância pode ser objeto de

trabalho especifico.

Com a finalidade de conferir uma maior dinâmica as posturas teóricas-

doutrinárias sobre o tema, procurou-se dirigir uma importante atenção aos pronunciamentos

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jurisprudenciais com relação à natureza do inquérito civil, os poderes investigatórios do

Ministério Público e seu campo de atuação. Levando-se em consideração, assim, a

efetividade dos conceitos teóricos à aplicação prática do Direito. O presente trabalho

principia com a exposição da origem, do conceito, da evolução e da natureza jurídica do

inquérito civil e, em seguida, a identificação de seu regime jurídico pela evocação dos

princípios jurídicos que o informa como procedimento administrativo. Nesse percurso será

abordada a projeção dos princípios constitucionais da atividade administrativa, não obstante

a natureza inquisitiva do instituto, assim como a compreensão de princípios particulares do

instituto.

Fixadas estas premissas, a matéria será destacada para análise da instauração do

inquérito civil envolvendo entre outros assuntos a exclusividade do Ministério Público, os

requisitos e condições da instauração, seus efeitos e necessidade de controle. Após terá hora

vez a instrução do inquérito civil dimensionando poderes e seus limites e a valia das provas

coligidas.

O instituto do inquérito civil pode gerar a imposição de conseqüências de

interesses alheios diretamente pelo Ministério Público mediante recomendações e

compromissos de ajustamento de conduta ou dar a ignição ao controle judiciário pela ação

civil pública. Não obstante, nem sempre o inquérito civil motivara qualquer dessas

medidas, razão pela qual merecem abordagem sua conclusão. Ou seja, será abordado o

arquivamento do inquérito civil buscando identificar-se a natureza deste ato sujeito ao

reexame obrigatório e seus efeitos e limites. Por fim, cuidar-se-á de dissertar sobre o

instituto incidental do compromisso de ajustamento de conduta como formula de solução

extrajudicial de conflitos de interesses e sua utilização para a defesa dos interesses

individuais homogêneos.

Não se pode olvidar nestas linhas introdutórias que inquérito civil também é

meio de participação popular na Administração Pública, já que o administrado pode

provocar, através de denúncia, que se investiguem lesões, ameaça de lesão e outras

arbitrariedade praticadas contras interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

É nesse exato contexto que o inquérito civil, meio hábil á proteção de interesses

difusos, coletivos e individuais homogêneos, se apresenta como indispensável fator de

sublimação da cidadania, qualidade que o articula como direito e garantia fundamental.

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1- ORIGEM, CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

O inquérito civil foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro por meio da

Lei da Ação Civil Pública – Lei n. 7.347/1985, legislação essa que legitimou o Ministério

Público para a propositura de ação civil pública, e, em caráter privativo, para “instaurar, sob

sua presidência, inquérito civil” (artigo 8º, parágrafo 1º)1.

Posteriormente veio a ter previsão na Constituição Federal de 1988, no artigo

129, inciso III2. Posteriormente outras normas trataram igualmente do instituto, dentre elas

a Lei dos Portadores de Deficiência, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto das

Cidades, Estatuto do Idoso, dentre outros.

Por sua vez, a Lei 8.625/1993 que regula a Lei Orgânica do Ministério Público,

acompanhando o texto constitucional, especifica como função institucional do Ministério

Público a “instauração de inquérito civil público para a proteção, prevenção e reparação de

danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico,

estético, histórico, turístico, paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e

individuais indisponíveis e homogêneos”.

Todavia, antes da criação do instituto pela Lei da Ação Civil Pública, mesmo

não existindo um instrumento investigativo como é o inquérito civil, o órgão do Ministério

Público já tinha titularidade para a instauração de procedimentos administrativos

inominados para o exercício de suas funções institucionais.

A Lei Complementar n. 40/1981, que estabelecia normas gerais para a

organização do Ministério Público nos Estados, autorizava em seu artigo 15 e incisos, a

realização de diligências para a defesa da ordem pública e dos interesses indisponíveis da

sociedade.

O termo inquérito civil, segundo a literatura jurídica, surgiu no ano de 1980, em

um grupo de estudos criados por Promotores de Justiça do Estado de São Paulo, e liderados

por José Fernando da Silva Lopes que afirma:

O inquérito civil se justificava porque, como órgão do Estado, o Ministério Público, a exemplo do que ocorre com o trabalho da polícia judiciária através do inquérito policial, poderá valer se dos organismos da administração para realizar

1 Artigo 8º § 1º: O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis 2 Artigo 129, inciso III da Constituição Federal: promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

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atividades investigativas preparatórias – inquérito civil – muitas vezes indispensável para colher suficientes elementos de provas.3

Sua criação inspirou-se, no inquérito policial, todavia, não com a finalidade de

angariar elementos para prova de autoria de materialidade delitiva das infrações penais,

mais sim, para colher elementos e investigar fatos que dão relevo à atuação do Ministério

Público, servindo de base à propositura da ação civil pública.

Embora guarde significativas semelhanças com o inquérito policial, com esse

não pode ser confundido. O inquérito policial é presidido por um Delegado de Policia, ao

passo que o inquérito civil, como expressamente afirma o texto legal, é presidido por um

Promotor de Justiça ou um Procurador da República. No inquérito policial, o Ministério

Público investiga indiretamente, no inquérito civil, a investigação é feita diretamente e sob

o comando do Ministério Público. No inquérito policial há interferência judicial e,

inclusive, participação do Ministério Público, enquanto no inquérito civil não há

interferência judicial, que eventualmente só realizará controle de legalidade. Desta forma,

no caso de arquivamento do inquérito civil, o arquivamento é promovido e homologado

pelo próprio Ministério Público, diferentemente do inquérito policial, que passa pelo

requerimento do Ministério Público e homologação do juiz, não podendo o delegado

arquivá-lo ex officio.

Destarte, a finalidade precípua do inquérito policial é apurar infrações

penais, sua respectiva autoria e colher elementos para propositura da ação penal, já o

inquérito civil visa buscar elementos de convicção sobre infrações civis, provas que

embasem a propositura da ação civil pública. A disciplina legal do inquérito encontra-se no

artigo 4º e seguintes do Código de Processo Penal, já a do inquérito civil está nos artigos 8º

e 9º da Lei de Ação Civil Publica.

Assim, como já pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:

O inquérito civil é um instrumento de coleta de informações de forma a aclarar, determinar e precisar os fatos denunciados, para que se possa verificar a necessidade ou não de ajuizamento de ação civil pública.4

Com relação a legitimação do Ministério Público após a Constituição Federal

foram editadas também: a Constituição do Estado de São Paulo (artigo 97, parágrafo

único); Lei Complementar Estadual n.º 734/1993, que instituiu a Lei Orgânica Nacional do

Ministério Público do Estado de São Paulo; Lei Federal n.º 8.625/1993, que instituiu a Lei

3 FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo. Inquérito Civil : dez anos de um instrumento de cidadania.In: Milaré, Edis (Coord.). Ação Civil Pública, Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 62 4 REsp nº 262.186 –MT – relator Ministro Castro Meira, Julg 23/05/2006.

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Orgânica Nacional do Ministério Público; e a Lei Complementar n.º 75/1993 que dispõe

sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União.

É certo que todas essas inovações repercutiram no inquérito civil, pois

ampliaram seu objeto não só em relação á proteção dos interesses difusos e coletivos, como

também incluiu o dever de zelar pelo efetivo respeito aos Poderes Públicos e aos serviços

de relevância pública bem como, aos direitos assegurados no ordenamento jurídico vigente,

como meio de possibilitar a defesa dos interesses individuais homogêneos, objeto maior da

presente pesquisa, em perfeita consonância com as atribuições do Ministério Público

estabelecidas pelo artigo 127 da Constituição Federal.

1.1. Conceito e Natureza Jurídica.

Trata- se de procedimento administrativo, de caráter inquisitorial, unilateral e

facultativo, instaurado pelo órgão do Ministério Público para coligir provas e outros

elementos de convicção para propositura da ação civil pública, ou para agilizar celebração

de compromisso de ajustamento de conduta.

Assim na concepção de Motauri Ciocchetti de Souza:

O inquérito civil é um procedimento administrativo de natureza inquisitiva, presidido pelo Ministério Público – MP e que tem por finalidade a coleta de subsídios para eventual propositura de ação civil pública pela instituição5.

Na mesma trilha ensina Hugo Nigro Mazzilli:

O inquérito civil é uma investigação administrativa prévia, presidida pelo Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública6.

Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz7 discorre que o inquérito civil é um

procedimento administrativo de natureza inquisitiva, tendente a recolher elementos de

prova que ensejam o ajuizamento da ação civil pública.

No mesmo diapasão seguem José Rogério Cruz e Tucci8, Rodolfo de Camargo

Mancuso9, José Marcelo Menezes Vigliar10, acordando ter o inquérito civil natureza

5. Ação Civil Pública e Inquérito Civil. São Paulo: Saraiva, 2º.ed, 2005, p.103/104. 6.O Inquérito Civil. São Paulo: Saraiva, 2ª ed, 2000, p. 53. 7 FERRAZ. Antonio Augusto Mello de Camargo. Inquérito Civil: dez anos de um instrumento de cidadania. In Ação Civil Pública. coord. MILARÉ, Edis. São Paulo: RT, 1995. p. 63.

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investigatória, cuja função se faz em colheita de provas para assim dar ensejo à ação civil

pública.

Desta feita ressalta-se que o inquérito civil não pode ser instaurado, instruído e

presidido por outras entidades, como as associações e os demais co-legitimados que podem

propor a ação civil pública, a teor do que dispõe o artigo 5º da Lei 7.347/1985, mas

somente pelo órgão do Ministério Público, sendo procedimento administrativo onde não há

acusação, e por isso não possuindo natureza jurisdicional.11

E se assim não fosse, como bem apontado por Luiz Manoel Gomes Junior12, o

inquérito civil sem tais prerrogativas, seria um instituto jurídico totalmente inútil.

O inquérito civil, não é, pressuposto processual para a propositura das ações de

titularidade do Ministério Público, muito menos para a adoção de outras medidas de sua

competência, sua finalidade é apurar os fatos á respeito dos quais, a lei impõe ao Ministério

Público o dever de agir, que, por sua vez permitirá o esclarecimento da situação jurídica

dos responsáveis, para que posteriormente se promova as medidas necessárias à tutela de

interesses difusos e coletivos.

Sua instauração está relacionada ao exercício das funções estatais, entre as quais

as do Ministério Público, que segundo a Constituição Federal, é a defesa da ordem pública,

do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A função de zelar pela satisfação das necessidades coletivas, dadas como

essenciais á justiça, não direciona que o Ministério Público deva agir somente perante o

Poder Judiciário, mas também fora de seu alcance, como atividade extrajudicial,

administrativa, onde, na grande maioria das vezes obtêm excelentes resultados.

O inquérito civil, como instrumento de colheita de elementos probatórios, não é

requisito essencial e obrigatório para a propositura de ação civil pública. A legislação

vigente não condiciona a propositura de tal ação à realização de mencionado procedimento

investigatório o que, enterra o entendimento de pequena parcela da doutrina que considera

“a instauração como condição de procedibilidade” 13.

8 Código do Consumidor e processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991 p. 32. 9. Ação civil pública em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 111. 10. Ação Civil Pública. São Paulo: Atlas, 1997. p.82 11 Artigo 5º: Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. 12. Curso de Direito Processual Coletivo. São Paulo: SRS Editora, 2ª edição, 2008, p.252. 13 SMANIO, Gianpaolo Poggio, Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo: Atlas. 1999, p. 115.

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Aliás, no sentido da indispensabilidade de instauração de inquérito civil para

a propositura de ação civil pública, cabe mencionar a jurisprudência do Tribunal de Justiça

do Estado de São Paulo:

Agravo de Instrumento - Decisão proferida em demanda movida pelo Ministério Público, fundamentada em ato tido como de improbidade administrativa, previsto pela Lei Federal 8.429/92 - Decisão sobre a indisponibilidade dos bens dos réus a respeito da qual já ocorreu preclusão - Litispendência com ação popular inocorrente, pois diversas a causa de pedir e o pedido - Inquérito civil busca apenas informações a respeito da necessidade de ajuizamento do processo, em que será observado o contraditório, motivo porque desnecessário o contraditório na fase inquisitiva, que caracterizaria uma mera contradição - Prescrição inocorrente, no que tange ao ressarcimento dos danos, em vista do disposto no artigo 37, § 5o da Constituição Federal - Legitimidade ativa do Ministério Público, conferida pelo artigo 17 da Lei Federal 8.429/92 - Apesar de incabível a ação civil pública, tal como prevista na Lei Federal 7.347/85, o pedido deve ser deduzido em processo de conhecimento, pelo rito ordinário, em que possível o decreto liminar de indisponibilidade dos bens dos réus, o que foi observado - Recurso não provido. (Al 132.193-5, Avaré, 3a Câmara de Direito Público, rei. Des. Hermes Pinotti, j . 20/6/2000, v.u). “Ação Civil Pública - Propositura sem prévia instauração de inquérito civil - Admissibilidade - Mera faculdade outorgada ao Ministério Público - Instituto que não figura como pressuposto processual - Preliminar rejeitada - Recursos não providos. O inquérito, quer no âmbito civil quer no criminal, embora seja considerado praxe neste último, constitui faculdade para colher as provas necessárias ao ingresso das ações civil ou penal públicas. (Apel. Cível 211.502-1, Sertãozinho, rei. Des. Cambrea Filho, j . 8/3/1995, v.u.).

Como bem apontado por Luiz Roberto Proença, o inquérito civil das definições

acima apontadas, pode se extrair o seguinte: “exclusividade de sua titularidade,

facultatividade de sua instauração, formalidade restrita, e auto executoriedade” 14.

No tocante a titularidade exclusiva, embora os demais co-legitimados terem

recebido da lei a legitimação para propor ação civil pública, somente ao Ministério Público

caberá a instauração e condução do procedimento, isso porque, em razão poder

investigativo que o Ministério Público tem, em virtude de suas funções institucionais, o que

falta aos demais legitimados.

A facultatividade é característica do inquérito civil, pois, não se faz

necessária a sua prévia instauração para a tomada de medidas colocadas a disposição do

Ministério Público para a defesa dos interesses sociais, notadamente a propositura da ação

civil pública.

O Ministério Público possui competência discricionária para a instauração

do inquérito civil, no intuito de colher elementos para a sua convicção. A avaliação das

circunstancias e critérios determinantes para a instauração do inquérito civil, incumbe ao

mesmo, que para tanto deverá considerar as circunstâncias concretas com que se deparar.

É importante salientar que a colheita de elementos para a propositura da ação

civil pública não é a única finalidade do inquérito civil, que também serve como adiante

14. Inquérito Civil . São Paulo: Revista dos Tribunais. 2001, p.34.

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veremos, para aperfeiçoar a celebração de termos de ajustamento de conduta ou a

expedição de recomendação.

Já a formalidade restrita é característica marcante do conceito do inquérito

civil porque não se coaduna com a agilidade e efetividade do instituto. Seria um risco à

efetiva defesa dos interesses sociais impor regras formalistas ao inquérito que impedissem a

rápida propositura de ação civil pública ou a rápida formalização de termo de ajustamento

de conduta caso necessário.

Por fim, importante dizer que é auto-executável porque não depende o

Ministério Público de ajuda de outros órgãos para promover o andamento das investigações

cujo poder investigativo autônomo se representa no poder de requisitar documentos

certidões e informações, realizar perícias e colher depoimentos dentre outras atribuições.

É bem verdade que nem sempre essa regra se aplica. Em alguns casos faz- se

necessária a intervenção do Poder Judiciário, como veremos quando da análise da fase

instrutória do inquérito civil, notadamente quando da obtenção de dados ou documentos

considerados sigilosos.

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2- DOS PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO INQUÉRITO CIVIL

Antes de adentrar nos princípios específicos e informativos concernentes ao

inquérito civil, mister trazer o entendimento dos autores sobre a importância dos princípios

para a ordem jurídica.

Para Luis Roberto Barroso “os princípios são normas que espelham a ideologia

contida na norma jurídica como fonte essencial”. Para J.J.Gomes Canotilho 15 os princípios

juntamente com as regras permitem a abertura do direito, constituindo a razão das normas

jurídicas, assim ressaltando:

É a existência de princípios e regras que permitem o direito Constitucional ser um sistema aberto, consagrando valores que fundamentam e justificam a ordem jurídica (...) os princípios tem caráter fundamental no sistema de fontes, pois, são normas que tem papel essencial no ordenamento.16

Miguel Reale 17afirma que “os princípios são verdades fundantes de um sistema

de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas

(...)”

Para Celso Bandeira de Mello 18os princípios “são mandamentos nucleares de

um sistema, sendo alicerce e disposição fundamental que irradia em diferentes normas,

servindo para a sua exata compreensão e inteligência.”

A esse propósito, salutar as lições de Ruy Samuel Espíndola que desta forma

afirma:

Existe unanimidade em se reconhecer aos princípios jurídicos o status conceitual e positivo de norma de direito, de norma jurídica. Os princípios têm positividade, vinculatividade, são normas que obrigam, que tem eficácia positiva sobre comportamentos públicos ou privados, bem como, sobre a aplicação e a interpretação de outras normas. 19

Assim, os princípios são capazes de obter uma estrutura dialógica,

acompanhando as vicissitudes da sociedade e as mudanças da realidade, são os princípios

que balizam toda a estrutura normativa estabelecida no ordenamento jurídico.

15 Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4 ed. ed. Coimbra: Almedina,2000.p.62 16 Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo Saraiva, 1999, pág. 147. 17 Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva 1980, p.103. 18 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p.47 19 Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999, p. 55

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Dessa forma, os princípios são de suma importância na aplicação dos institutos

jurídicos, sobre tudo, quando vem com o escopo fundante de informar e integrar a

interpretação da norma referente a um instituto processual, uma vez, que são dotados de

expressiva carga valorativa, e, por isso, têm o condão de se irradiar sobre todas as normas

jurídicas, funcionando como forma de interpretação das normas existentes.

Não se pode olvidar que os princípios Constitucionais processuais têm papel

efetivo no processo coletivo, e, se tratando de inquérito civil a aplicação dos princípios

constitucionais específicos da atividade administrativa se torna essencial para a propositura

da ação civil pública pelo órgão do Ministério Público, sobretudo na defesa dos direitos

coletivos.

Portanto, ao se buscar uma conceituação para o que sejam os princípios,

acabamos por chegar a uma definição simples, mas abrangente - princípios são proposições

que contém as diretrizes estruturais de determinada ciência, pelos quais seu

desenvolvimento deverá pautar-se.

Os princípios são adstritos a todas as formas de conhecimento filosófico e

científico, influenciando cada ramo do direito, como fonte basilar da norma, não sendo

diferente quanto às normas e procedimentos concernentes ao Inquérito Civil.

Assim, como já ressaltado o inquérito civil é informado por diversos princípios,

cuja observância deverá ser feita pelo órgão do Ministério Público, sob pena de ineficácia

do procedimento, sendo eles: o princípio do devido processo legal, da legalidade, da

impessoalidade, da publicidade, da moralidade, eficiência, motivação e razoabilidade, não

se olvidando também dos princípios informativos do direito coletivo os quais passamos a

expor.

2.1 – Princípio do Devido Processo Legal

Em razão da natureza administrativa do procedimento do Inquérito Civil, o

mesmo está sujeito à obediência aos princípios de direito público dispostos na Constituição

Federal.

Portanto, inicia-se o estudo a partir dos princípios processuais civis inseridos

na Constituição Federal, partindo do princípio do devido processo legal, que representa o

assento ou o núcleo do qual decorrem todos os demais princípios do processo civil.

A recepção positivada e formal do princípio do devido processo legal, pelo

nosso ordenamento jurídico somente ocorreu com o advento da Constituição Federal de

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1988. As constituições anteriores nada dispuseram com relação à tal princípio consagrado

na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º inciso LV20.

O devido processo legal é considerado um dos mais antigos princípios da

ciência jurídica e não se limita apenas à garantia à ampla defesa do litigante no processo

administrativo ou judicial, mas também na garantia do cidadão de que o Poder Público

agirá observando os preceitos de imparcialidade, moralidade, legalidade e publicidade de

seus atos.

Aponta Nelson Nery Junior21 que, “o princípio fundamental do processo civil,

que entendemos como a base sobre o qual os outros se sustentam, é o devido processo

legal, expressão oriunda da inglesa due process of law”.

O princípio do devido processo legal se encontra albergado sobre outros

princípios como o princípio do processo justo, ou ainda o princípio da inviolabilidade da

defesa em juízo, sendo uma garantia do cidadão, constitucionalmente prevista em beneficio

da coletividade, assegurando tanto o acesso de todos ao poder judiciário como o justo

desenvolvimento processual.

Destarte, importante salientar que o inquérito civil apenas não obedece ao

princípio do contraditório, uma vez, que não possui natureza de processo judicial e nem

administrativo, mas, sim de procedimento com caráter inquisitorial, e, assim como o

inquérito policial, não tem a marca do contraditório, pois, dele não se aplica sanções e nem

se aufere convencimento, mas apenas elementos probatórios.

Todavia, mesmo com tais características, no que tange as outras atribuições do

Ministério Público, por se tratar de órgão público deve observar o princípio do due

processo of law, que está intrinsecamente ligado ao princípio da equidade, uma vez, que o

devido processo legal alude aos imperativos de ordem pública em consonância com a

Constituição, como as garantias da isonomia processual, da bilateralidade dos atos

processuais, da ampla defesa e do contraditório.

2.2 – Do Princípio da Legalidade

O principio da Legalidade está relacionado à idéia de Estado Democrático,

representando o império da lei sobre o Estado encontrando-se expresso no artigo 5º, inciso

20 Artigo 5, LV, CF: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. 21 Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais. 6 ed. 2001, p. 31.

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II, onde garante a liberdade dos cidadãos, quando prevê que ninguém será obrigado a fazer

ou deixar de fazer algo que não seja previsto em lei.22

Igualmente, encontramos o princípio em tela, no artigo 3723, também da Carta

Magna, informador de toda a Administração Pública, assim, o princípio in tela deve ser

interpretado no sentido de que toda e qualquer atividade administrativa é limitada, para que

não atue livremente, para fazer ou deixar de fazer algo de acordo que não esteja vedado em

lei, mas só o que esta autorizar.

O princípio ora objeto de estudo é um princípio jurídico fundamental, originado

de fundamentos políticos, mas, que possui o escopo de dar certeza jurídica, garantindo a

segurança político-legal ao cidadão.

É na legalidade que todo indivíduo encontra o fundamento de todos os seus

direitos e prerrogativas, assim, como todas as suas fontes de deveres, não se confundindo

com legitimidade que diz respeito ao poder de estar em juízo.

Para Alexandre de Moraes “o princípio da legalidade está ligado a certo

comando jurídico”, assim discorrendo:

O princípio da legalidade é comando jurídico que impõe comportamentos forçados provendo uma espécie normativa devidamente elaborada conforme as regras do processo legislativo Constitucional, possuindo uma abrangência ampla, tão mais ampla que o próprio princípio da reserva legal.24

O princípio da legalidade representa integral subordinação do poder publico a

previsão legal, desse modo, na administração esse princípio está vinculado à lei, e na falta

de previsão legal, nenhum ato pode ser realizado, ou seja, só pode ser feito o que a lei

autoriza, portanto, pauta-se pela legislação.

Trata-se, pois, de um verdadeiro limitador da atividade pública administrativa e

judicial, de modo que toda e qualquer decisão emanada deverá ser sempre fundada na lei e

poderão ser sempre revistas, não existindo decisões imunes.

Contudo, cabe ressaltar que em algumas hipóteses há o reconhecimento à

administração o poder de apreciar subjetivamente certos aspectos comportamentais na

realização do ato, uma vez, que a própria lei confere uma margem de atuação

22 Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I –(...) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;" 23 Artigo 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte 24 Direito Constitucional São Paulo: Atlas, 16 ed. 2004, p.71.

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discricionária, e essa margem diz respeito a uma liberdade limitada para que o princípio da

legalidade seja respeitado.

Já no inquérito civil a plena validade do procedimento depende da submissão ao

princípio da legalidade, de modo que o Ministério Público só está autorizado a instaurar o

inquérito civil no exercício de sua competência e de suas atribuições conferidos pela

Constituição Federal, bem como, pela legislação infraconstitucional, valendo-se para tanto

dos meios igualmente legais.

Mister, salientar que embora o inquérito civil tenha sido criado como

instrumento funcional de atuação exclusivo do Ministério Público, outros legitimados

podem investigar, sem contudo instaurar ou presidir o inquérito civil , desse modo, mesmo

que a instauração seja dependente de portaria ou despacho ministerial, o promotor de

justiça pode instaurar o inquérito mediante provocação de alguém que o represente.

Outro fator importante é que embora o inquérito civil deva ser precedido de

justa causa e relevância em decorrência da submissão ao princípio da legalidade, não

poderá retroagir para abranger fatos ilícitos no período que já se operou a prescrição, regra

esta contida no art. 23 inc. I e II da Lei 8429/92, assim, passado esse decurso temporal a

competência do Ministério Publico que era extraordinária, passa a ser do ente lesado

através de via própria.

2.3 – Princípio da Impessoalidade

Previsto no art. 37, caput e § 1º, da Constituição Federal, o princípio da

impessoalidade deve ser concebido em uma dupla perspectiva. Em um primeiro sentido,

estatui que o autor dos atos estatais seja o órgão ou a entidade, e não a pessoa do agente.

Já sob outra perspectiva impõe que a administração dispense a todos que estiver

em posição similar igualdade de tratamento pressupondo que os atos praticados gerem os

mesmos efeitos e atinjam a todos os administrados que estejam em idêntica situação fática

ou jurídica, caracterizando a imparcialidade do agente público.

Com isto, busca-se preservar o princípio da isonomia entre os administrados e o

princípio da finalidade, segundo o qual a atividade estatal deve ter sempre por objetivo a

satisfação do interesse público, sendo vedada qualquer prática que busque unicamente a

implementar o interesse particular.

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Com este entendimento Hely Lopes Meirelles 25salienta que o princípio da

impessoalidade é aquele que está relacionado ao princípio da finalidade que se divide em

primário e secundário, desta forma dispondo:

O princípio da finalidade se traduz na busca da satisfação do interesse público

que se subdivide em interesse primário e secundário, o primeiro definido como bem geral, o

segundo como o modo pelo qual os órgãos públicos vêem o interesse público.

Seguindo esse entendimento o princípio, ora objeto de estudo é o clássico

princípio da finalidade que impõe ao administrador público o dever de atender o fim legal

do ato, impedindo a promoção pessoal sobre as realizações enquanto administrador.

Desta feita, o princípio da impessoalidade visa à neutralidade, tendo como

objetivo primordial o interesse público, trazendo consigo como elemento principal a

ausência de promoções pessoais e de interesses particulares do administrador que esteja no

exercício de sua atividade.

Celso Bandeira Mello ao discorrer em sua obra sobre o princípio da

impessoalidade assim dispõe:

Que o alcance dos princípios não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a isonomia. [...] O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o próprio legislador.26

Destarte, sendo o Estado uma organização política, não resta duvida de que

todos os atos praticados pela administração ou pelos seus órgãos manter-se-ão fieis ao

ordenamento jurídico, cuja ocorrência contrária fragilizará não só os princípios basilares

dos fundamentos e ideais de uma democracia igualitária, como também a confiança na

realização da justiça.

A impessoalidade ainda pode ser observada sob o prisma de um conteúdo

positivo e negativo, a primeira assegura a neutralidade e a objetividade, elementos que

devem prevalecer em todos os atos da administração, já o segundo indica os limites da

atuação administrativa.

É de suma importância assegurar que o princípio da impessoalidade seja

observado, pois, dele decorre a segurança de tratamento igualitário e não particularizado em

razão de alguma condição específica, vedando à adoção de qualquer tipo de comportamento

administrativo tendente a pessoalidade.

25 Curso de Direito Administrativo, brasileiro, 32ª Ed.Malheiros: 2006 , p.91. 26 Conteúdo Jurídico do princípio da igualdade, 3ª edição, 17ª, tiragem Malheiros: 2007 p. 09.

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Para Carmen Lucia Rocha, em seu estudo sobre os princípios administrativos,

chegou à conclusão que:

[...] a impessoalidade tem como conteúdo jurídico o despojamento da pessoa

pública de vontade que lhe seja enxertada pelo agente público, que, se agisse

segundo os seus interesses, subjetivamente definidos, jamais alcançaria aquela

finalidade, que se põe, objetiva, genérica e publicamente. 27

Portanto, pode-se dizer que a neutralidade das atividades administrativas está

representada e inserida no princípio da impessoalidade, cujo objetivo, não se faz outro,

senão, o interesse público, não podendo o administrador proceder de outra forma, criando

ou praticando atos no interesse próprio ou ainda de terceiros.

Ademais, a Constituição elencou ao órgão do Ministério Público o dever de

defender a ordem jurídica e os interesses concernentes ao regime democrático de direito o

que abrange os direitos sociais, bem como, os individuais indisponíveis, e, por força deste

preceito, e, nos princípios elencados como parte integrante da ordem jurídica, destaca-se o

princípio da impessoalidade este de suma importância para o fundamento de validade dos

atos e consecuções dos órgãos, assim como o Ministério Público, que tem o dever de

ajuizar medidas necessárias a realização de suas finalidades, observando a absoluta

neutralidade, se pautando no interesse público sobre as particularidades pessoais sobre tudo

no que tange as investigações, como é o caso do inquérito civil.

2.4 – Princípio da Publicidade

O principio da publicidade é a possibilidade e o direito que qualquer cidadão

tem de se dirigir a qualquer órgão público e requerer cópias e certidões de atos e contratos,

tomando conhecimento dos atos eivados da administração.

O poder Público, como já explanado anteriormente, não pode ter outro

comportamento senão, o de agir com transparência a fim de que todos os que por ele

administrados tenham conhecimentos de seus atos, o que torna proibido o segredo, ou o

sigilo injustificado.

Para melhor elucidar o que seja tornar público é providenciar que o ato venha a

conhecimento público, e de acesso a todos, cumprindo assim seu papel essencial.

27 Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994,p.150.

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A Carta Magna é clara ao expressar a publicidade como principio e bem

jurídico no artigo 5º, inciso LX,28 quando preconiza pela regra da publicidade, restringindo

o sigilo somente quanto a defesa da intimidade ou interesse social.

Portanto, vários são os meios assecuratórios previstos pela Constituição para

tutelar e realizar o princípio da publicidade, podendo ser citado como exemplo o Habeas

data, cuja finalidade é a promoção da publicidade dos atos administrativos que geram

armazenamentos de informações privadas do cidadão, que apesar de resguardar interesse do

próprio interessado, não pode ser dele privado.

Portanto, a transparência das atividades públicas visa resguardar a realização do

princípio da publicidade, desta forma, o inquérito Civil como ato administrativo deve

obediência ao princípio constitucional previsto no artigo 37 da CF, qual seja, da

publicidade de seus atos, sobre tudo no que tange ao modo, as audiências designadas para

oitiva de testemunhas, declarações, vistorias e outras diligências, contudo, com a

publicidade efetivada com a publicação no Diário Oficial, com a identificação do

procedimento, do objeto e do órgão investigador.

O respeito ao princípio da publicidade vem ao encontro do objeto de

investigação do inquérito civil que estará voltado para o interesse da sociedade evitando

assim, abusos ou excessos praticados pelos agentes públicos, no caso, o próprio

representante do Ministério Público que oficia no inquérito civil, além de possibilitar um

maior e efetivo controle dos atos administrativos.

Para Diógenes Gasparini “o princípio da Publicidade é um dos fundamentos da

Administração Pública, porque expõe para a fiscalização todo e qualquer ato administrativo

emanado pelo poder público” 29.

Entretanto, em alguns casos essa publicidade acaba sendo mitigada, não

restando absoluta, uma vez, que o Ministério Público no exercício de suas atribuições,

como condutor do inquérito civil, pode dispor sobre o sigilo quando imprescindível a

segurança da sociedade e do Estado, bem como, para impedir a violação da intimidade da

vida privada, da honra e da imagem das pessoas envolvidas. Aplicando -se analogicamente

a disposição prevista no artigo 20 do Código de Processo Penal30 no que se refere ao sigilo

das investigações em sede de inquérito policial.

28 a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.

29 Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva. 2001, p. 140. 30 Art. 20 - A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

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Para tanto, bastará que o presidente do inquérito civil, de modo fundamentado

exponha as razões que o levaram a impedir que aos atos praticados no inquérito não seja

dada efetiva publicidade.

É notório, aliás, que em alguns casos o sigilo nas investigações é fator que

propicia melhor êxito nos resultados das diligencias, razão pela qual se entende que é de

rigor que o membro do Ministério Público que o preside o imponha em todos os atos nele

inseridos.

Ademais, o fato das investigações caminharem em sigilo, não ofende o

princípio da ampla defesa, posto que, na fase inquisitorial não se aplique o referido

princípio e nem do contraditório, já que não se veicula acusação a quem quer que seja, nem

aplicação de qualquer penalidade.

Vale ressaltar que a submissão do inquérito civil a todos os requisitos exigíveis

aos processos o inviabilizaria como alternativa eficaz de apuração dos desatinos praticados

contra o interesse coletivo, sendo essencial ao Ministério Público a faculdade de apurar,

com desenvoltura e amplitude e quando necessário em segredo os fatos que acharem

merecedores de investigação.

Assim, no caso de possuir elementos ensejadores da propositura de uma ação

civil pública a circunstância de não ter tido acesso pleno a essa fase preparatória não afetará

o que predispõe a exercer em plenitude quando da ação civil pública, momento este

oportuno em que o contraditório e seus consectários se mostrarão imprescindível e

incontornável.

Contudo, há discordâncias entre os autores sobre o sigilo imposto pelo

Ministério Público, como Luiz Manoel Gomes Junior31 entende que às partes envolvidas e

seus advogados regularmente constituídos deve haver amplo acesso, desta forma, mitigando

a faculdade do sigilo prerrogativa do Ministério Público.

Já Hugo Nigro Mazzilli, afirma que:

O presidente do inquérito civil desde que fundamentadamente tenha imposto sigilo as investigações, poderá impedir seja estas acompanhadas por terceiros, inclusive advogados e estagiários, ou limitar acesso destes os determinados atos ou a determinadas peças dos autos.32

Entretanto, o princípio da publicidade preza pela amplitude da publicidade

somente justificando o sigilo como a exceção se o inquérito civil contiver informações

sigilosas que possam ser prejudicadas com a prévia publicidade.

31 Curso de Direito Processual Coletivo. São Paulo: SRS Editora, 2008, p.256. 32 Op. cit. p.230.

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O fato de o representante do Ministério Público depois de decretado o sigilo das

investigações impedirem que advogados e terceiros tenham acesso ao conteúdo dos autos,

não fere princípios, tampouco os direitos dos advogados, posto que o Estatuto da Ordem

dos Advogados do Brasil é claro nesse particular33.

Cabe invocar a orientação do Superior Tribunal de Justiça em hipótese de certa

analogia a questão da publicidade aqui debatida:

Se, nos processos judiciais ou administrativos sob o regime de segredo de justiça, o próprio Estatuto da Ordem estabelece restrições ao princípio da publicidade (artigo T, § 1°) com muito mais razão elas devem ocorrer na fase apuratória - momento em que se colhem os primeiros elementos a respeito da infração penal. Esse raciocínio é aplicável mormente nos tempos atuais, em que se expande a macrocriminalidade (tráfico ilícito de entorpecentes, delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, praticados por organizações criminosas, lavagem de ativos provenientes de ilícitos, etc). Para combatê-la, o sigilo nas investigações mostra-se vital (Recurso Ordinário em Habeas Corpus 13.360-PR, Rel. Min. GILSON DÍPP, j . 27.5.2003, in RSTJ 184/455).

Pode-se concluir que o principio da publicidade visa a transparência das

atividades públicas, admitindo o sigilo como exceção, contudo a garantia do acesso ao

inquérito, pelo advogado constituído pelo averiguado, estará conferindo segurança jurídica

aos direitos individuais, além da transparência na atuação do representante do Ministério

Público com o controle da legalidade de sua atuação.

2.5 – Princípio da Moralidade

O princípio da moralidade está expresso no direito pátrio com menções no

art.5º, LXXIII e no caput do art. 37, dispondo sobre o dever do administrador além de

seguir o princípio da legalidade, pautar sua conduta pela moral, na busca pela defesa do

interesse público.

Assim, fica evidente a importância do princípio da moralidade no

ordenamento jurídico, pois, uma vez observado que qualquer ação praticada pela

administração não respeitou a moralidade administrativa, fica passiva de anulação,

tratando-se de um requisito de validade dos atos da administração.

Todavia, o princípio da moralidade não deve ser confundido com a moralidade

comum, sendo apenas complementos, já que a moralidade administrativa é composta de

33 Dispõe o artigo 7 inciso XIII da Lei n. 8.906/1994, ser direito do advogado “examinar, em qualquer orgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estejam sujeitos a sigilo, assegurada a obtenção de cópias, podendo tomar apontamentos.”

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regras pautadas na boa administração, não só suscitadas pela distinção entre o bem e o mal,

o legal e o ilegal, o justo e o injusto, mas sim, pela idéia geral de caráter de finalidade do

bem comum.

Deste modo, o princípio da moralidade está intimamente ligado ao princípio da

legalidade, pois, é preciso que o administrador além de obedecer à lei aja em conformidade

com a moralidade administrativa, o que em última análise não basta, o que vale dizer que o

agente administrativo obedeça apenas o que diz a lei, não basta a conformação do ato

administrativo com a lei, é preciso que o agente, além da legalidade, proceda suas

atividades observando a moralidade administrativa, que seria, em última análise, um

controle moral e de suma relevância ao sistema jurídico.

Assim, conclui-se que o princípio da moralidade trata dos padrões éticos, mas

objetivos, que são assimilados e difundidos entre todos, e não apenas uma noção puramente

pessoal, do agente administrativo, cumprindo destacar que o agente público deve sempre

observar o fim do ato, e os valores legais- morais na prática de sua função.

Destarte, toda e qualquer atividade administrativa deve ser desenvolvida

através de uma ordem ética, com o dever de observância aos valores morais, uma vez que a

moralidade, nada mais é do que a correta observância às regras de boa administração, sob

pena de qualificar como improbidade administrativa.

Neste diapasão José Afonso da Silva leciona:

A improbidade administrativa é uma forma de imoralidade administrativa qualificada. Consiste no dever do funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício de suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira fornecer.34

Juarez Freitas em sua obra discorre sobre o princípio da moralidade

asseverando:

No tangente ao princípio da moralidade, por mais que tentem assimilá-lo a outras diretrizes e conquanto experimentando pronunciada afinidade com todos os demais princípios, certo é, que o constituinte brasileiro, com todas as imensas e profundíssimas conseqüências técnicas e hermenêuticas que daí advêm, pretendeu conferir autonomia jurídica ao princípio da moralidade, o qual veda condutas eticamente inaceitáveis e transgressoras do senso moral da sociedade, a ponto de não comportarem condescendência.35

34 Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros. 1998, p. 280. 35 O Controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4ª Ed.São Paulo: Malheiros Editores, 2009 p.412.

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Tal princípio se identifica com a idéia de justiça, ao determinar que se trate a

outrem do mesmo modo que se apreciaria ser tratado, ou seja, a sociedade merece ter

respeitado o direito a ver fundamentado os atos, contratos e procedimentos administrativos

que prescrevem o dever de a Administração Pública observar com pronunciado rigor e

maior objetividade possível cumprindo, de maneira precípua a lealdade e a boa-fé para com

a sociedade, bem como, o combate contra toda e qualquer lesão moral provocada por ações

públicas destituídas de honra probidade.

Mister também salientar a importância do princípio da moralidade como

reforço dos demais na superação da dicotomia entre o direito e a ética, assim, como não há

possibilidade de separar o direito da sociedade, esses elementos devem caminhar juntos.

A construção da teoria do princípio da moralidade está diretamente vinculada

aos freios a serem impostos aos agentes públicos na execução dos poderes discricionários,

surgida e desenvolvida junto à idéia de desvio de poder.

O Ministério Público já que também é órgão administrativo deve em obediência

ao princípio em comento, na condução da investigação pautar-se, pela lealdade,

honestidade e, sobretudo, a moralidade, sem a intenção de perseguir quem quer que seja.

Afrontará o representante do Ministério Público, o princípio da moralidade

todas as vezes que agir visando interesses pessoais, com o fito de tirar proveito para si ou

terceiros ou quando editar atos maliciosos ou desleais, ou exarados com o intuito de

perseguir inimigos ou desafetos políticos quando afrontar a probidade administrativa

agindo com má-fé ou de maneira desleal.

Na condução do inquérito civil, deverá o representante do Ministério Público

que o preside, agir segundo os preceitos da ética, da boa-fé e acima de tudo da

imparcialidade, impedindo e evitando atuações pautadas pela falta de decoro.

Agir com moralidade significa agir dentro de princípios éticos em relação aos

cidadãos e ao patrimônio público que está confiado as mãos do administrador público, em

especial ao órgão do Ministério Público.

2.6 – Princípio da Eficiência

O princípio da eficiência administrativa tem o cunho de estabelecer que toda

ação administrativa tem o dever de se orientar para a finalidade de concretizar

materialmente os cânones da lei conforme os ditames administrativos.

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Já Alexandre de Moraes, ressalta que o principio da eficiência tem o escopo de

perseguir o bem comum:

Assim, princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social.36

Todavia, o que se observa no texto constitucional é que o conceito de eficiência

pressupõe uma interpretação sistemática com outros princípios constitucionais o que enseja

na prestatibilidade e economicidade, ligada a idéia de bom administrador, aquele que age

de forma proba, voltado a uma nova gerencia administrativa.

Hely Lopes Meirelles assevera que:

O dever de eficiência é o mais moderno principio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.37

E Celso Antonio Bandeira de Mello38 ensina que o “princípio de eficiência é o

dever de atuação ótima ou excelente do administrador nas hipóteses de discricionariedade.”

Assim o princípio em comento, é certo, estar intima e diretamente ligado com a

otimização no uso dos meios e com a satisfação dos resultados da administração pública.

Se tratando do órgão do Ministério Público no que tange a observação do

princípio da eficiência, pode-se explicar pela discrionariedade conferida ao mesmo na

condução do inquérito civil obrigando-o a procurar seu convencimento através da escolha

do meio mais eficiente existente à sua disposição no caso concreto.

Portanto, deve o representante do Ministério Público que preside o inquérito

civil, zelar pelo eficaz e rápido andamento das investigações, não deixando que medidas

procrastinatórias sejam adotadas.

2.7 – Princípio da Motivação

36 Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3. Ed., São Paulo : Atlas, 1999. p.30 37 Direito Administrativo Brasileiro . 20 edição, São Paulo: Malheiros, 1995, p. 90. 38 Op. cit.p.36

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O principio da motivação é o dever que tem todo administrador de fundamentar,

motivar seus atos, sendo considerado como um dos mais importantes princípios pelo fato de

que sem motivação não há o devido processo legal, uma vez que a motivação serve como

meio de interpretação do ato.

Portanto, todos os atos advindos da administração devem ser motivados para

que o judiciário possa exercer seu controle quando necessário, no que tange a legalidade do

ato, sendo a motivação de todo e qualquer ato ou decisão administrativa inerente às funções

estatais, já que o que se visa é o interesse público de toda a coletividade.

Desta feita, a motivação decorre do princípio da legalidade, onde todo e

qualquer ato emanado dos agentes públicos e políticos deve trazer consigo a especificação

de sua base legal e de seu motivo.

Walace Paiva Martins Junior ao discorrer sobre o principio da motivação o faz

nos seguintes termos:

A obrigatoriedade da motivação suficiente (ou adequada) que deve expressar a exposição das razões de fato e de direito, a justificativa do juízo valorativo, a exposição das finalidades perseguidas para a solução tomada, mediante uma ponderação reflexiva, correlacional, imparcial, objetiva e racional das situações constatadas, dos preceitos normativos aplicáveis, dos resultados e dos interesses em jogo captados na fase do respectivo processo administrativo, conducentes a aferição da decisão à luz da legalidade em sentido amplo (eficiência, moralidade, razoabilidade e proporcionalidade, publicidade, e etc).39

O princípio da motivação alcança sua importância singular quando em

previsões constitucionais, como em constituições estaduais como a do Estado de São Paulo,

que em seu artigo 111 elenca os princípios do artigo 37 da Constituição Federal ainda o

princípio da motivação , da razoabilidade, finalidade e do interesse público.

Mister enfatizar que em relação às decisões do Poder Judiciário, tanto em

decisões judiciais como nas administrativas e ainda nas disciplinares, a garantia da ampla

defesa é prevista a necessidade de motivação conforme impera o art. 93, incisos IX e X da

Constituição Federal.

Por tudo isso, conclui-se e não poderia ser diferente quanto ao Ministério

Público que fica vinculado aos motivos apresentados no decorrer do inquérito, de modo a

serem controláveis até mesmo pela atuação do Poder Judiciário, devendo todo e qualquer

ato ser fundamentado, salvo por óbvio, os chamados de mero expediente.

39 Transparência Administrativa . São Paulo: Saraiva, 2004, p. 272.

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Devendo ainda a todo o momento, especificar quais dispositivos e quais bases

legais se ampararam para instaurar, instruir e concluir o procedimento do inquérito civil,

sob pena de todo trabalho realizado se tornar nulo.

2.8 - Princípio da Razoabilidade.

O princípio da razoabilidade, também chamado de proporcionalidade ou

princípio da adequação ou da adequação dos meios aos fins, é um método usado para

resolver os conflitos quando na ocorrência de colisão entre princípios, oriunda do princípio

do devido processo legal.

O princípio da razoabilidade tem também o escopo de regular a própria norma,

uma vez que o ordenamento jurídico está eivado de normas que organizam seu

processamento e o seu devido regulamento, sendo nas palavras de Hans Kelsen:

O Direito possui a particularidade de regular a sua própria criação. Isso pode operar-se por forma a que uma norma apenas determine o processo por que outra norma é produzida. Mas também é possível que seja determinado ainda -- em certa medida -- o conteúdo da norma a produzir. Como, dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por uma determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regularmente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior; a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior.40

Todavia, tal princípio não se encontra expressamente previsto sob esta epígrafe

na Constituição de 1988. Isto, contudo, não permite se infira estar este princípio afastado do

sistema constitucional pátrio, posto se pode auferi-lo implicitamente de alguns dispositivos,

bem como, em outras legislações infraconstitucionais

A Constituição do Estado de São Paulo, em seu artigo 111 41e a Lei n.

4.717/1965 em seu artigo 2º42, parágrafo único o explicitam.

40 Teoria pura do direito. Coimbra: Ed. Armênio Amado, 4ª ed., trad. de João Baptista Machado, 1979 41 Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência 42 Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência;) vício de forma; c) ilegalidade do objeto;d) inexistência dos motivos; e) desvio de finalidade. Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou; b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo; d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;e) o desvio de finalidade se verifica quando o

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Os direitos individuais e coletivos albergados na Constituição e cerne do Estado

Social e Democrático de Direito não podem ser postergados pelo legislador

infraconstitucional, nem pode este desnaturá-los editando leis que com eles conflitem quer

frontalmente quer por via oblíqua, sob pena de afronta ao princípio da razoabilidade e,

conseqüentemente ao princípio da legalidade.

Na organização do Estado, a proporcionalidade está presente dentre os

requisitos à decretação da intervenção, que em análise ao §3º do artigo 36, atem-se ao fato

da possibilidade da exclusão da intervenção quando observada desarrazoada conforme

explicitado no citado parágrafo.

Na esfera administrativa, o principio da proporcionalidade rege por exemplo a

contratação temporária de funcionários , a qual rege-se pela avaliação de necessidade

conforme o art. 37,IX e XXI,

Já na atuação do Ministério Público o art. 129 assegura que o mesmo tome

medidas necessárias e proporcionais com o cunho de assegurar o respeito aos direitos

constitucionais pelos poderes públicos e seus serviços, e, no inquérito civil, embora não

deva obedecer ao princípio da razoabilidade quando não existirem os fatos em que se

embasou, ou quando os fatos mesmo existentes não guardem nexo lógico com a medida

tomada pelo presidente do inquérito, deve quando da instauração do inquérito obedecer a

racionalidade, coerência, sob pena de ferir o principio da legalidade.

2.9. Princípios informativos do processo coletivo

Além dos princípios constitucionais acima comentados, é importante destacar

ainda, sem esgotar o assunto, alguns dos princípios que norteiam o processo coletivo, estes

de suma importância no que se refere à defesa dos direitos coletivos (lato sensu) nas ações

propostas pelo Ministério Público, sobretudo na atribuição de propositura do inquérito civil.

Para o direito processual, o princípio é toda margem de orientação para o

cumprimento da atividade jurisdicional, cumprindo salientar que os princípios informativos

do processo coletivo são fundamentais para todo o sistema concernente a defesa e

efetividade desses direitos.

Não se podendo olvidar que os princípios são fundamentos lógicos na busca de

meios e medidas eficientes com o escopo de evitar os erros, garantindo a igualdade no

agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

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processo de busca pela justiça, a não violação das liberdades, inspirando o aperfeiçoamento

do sistema como meio de tornar a justiça acessível á todos.

Merece destaque antes de adentrar nos princípios que tangem o processo

coletivo, salientar que estes se regem pelo princípio do devido processo legal, haja vista que

o processo coletivo tem como uma das finalidades servir como instrumento de garantia dos

direitos do cidadão.

2.9.1 – Princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do

mérito do processo coletivo

Cabe ao Poder Judiciário fazer valer todos os direitos e garantias fundamentais

previstas no Estado Democrático de Direito com as mudanças sociais, políticas e

econômicas existentes, e, dada as mudanças na sociedade e a globalização, os conflitos

ultrapassaram a barreira da individualidade para então passar a transindividualidade.

Assim, deixou de ser órgão de resolução tão só de conflitos interindividuais e

passou a assumir uma nova e legitima função: a de Poder transformador da realidade do

social43.

Com base nisso é que se criou o principio em tela, onde deverão ser esgotadas

todas as possibilidades para se enfrentar o mérito de toda e qualquer situação que enseje

violação, transgressão a interesse difuso e coletivo.

2.9.2 - Princípio da máxima prioridade jurisdicional da tutela

jurisdicional coletiva

É escopo da tutela coletiva a validação e efetivação dos interesses sociais, da

sociedade como um todo.

Assim, extrai-se que cabe ao Estado, através de instrumentos práticos deve

priorizar o trâmite, para a solução dos processos envolvendo conflitos coletivos que sempre

deverão se sobrepor ao interesse individual, evitando decisões conflitantes, e garantido

celeridade na entrega da tutela jurisdicional.

43 ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 571.

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Interligados a esse princípio estão os princípios da máxima efetividade do

processo coletivo, onde se deve utilizar de todos os mecanismos necessários e eficazes para

que se alcance a verdade real, propiciando a tutela adequada e efetiva dos direitos coletivos.

Ademais, o princípio do máximo benefício da tutela jurisdicional coletiva que

prima pelo aproveitamento máximo “da prestação jurisdicional coletiva, tem o objetivo de

resolver em um só processo um conflito social de grande proporção ou ainda vários

conflitos individuais, unidos pelo vínculo da homogeneidade”44.

Portanto, este princípio está ligado ao interesse social da tutela jurisdicional,

razão pela qual, valendo-se da regra interpretativa do sopesamento, conclui-se que os

processos coletivos devem ser analisados com a máxima prioridade, considerando que o

interesse social prevalece sobre o individual o individual.

2.9.3 – Princípio da disponibilidade motivada da ação coletiva

O abandono ou a desistência imotivada, injustificada de uma ação coletiva por

seu autor levará o órgão do Ministério Público a assumir seu comando, dando a ela

prosseguimento.

Ao contrário, sendo o abandono e a desistência levada a cabo pelo órgão do

Ministério Público poderá o Juiz da causa, em entendendo a incoerência da atitude remeter

os autos ao Procurador Geral, para que tome as providências cabíveis, aplicando-se aqui

aquelas previstas no artigo 28 do Código de Processo Penal45.

A hipótese aqui aventada se assemelha a situação de não concordância com a

promoção de inquérito policial requerida pelo Ministério Público, oportunidade em que o

Juiz encaminhará à apreciação do Procurador Geral.

Válido mencionar, por oportuno, que o Ministério Público, por força legal, tem

obrigatoriedade de assumir em caso de desistência dos demais legitimados, o processo de

execução do julgado coletivo.

44 Princípios informativos das ações coletivas. Trabalho escrito por Eneida Luzia de Souza Pinto e publicado na Revista de Processo n.º 151, São Paulo: Revista dos Tribunais. 2007. p. 321. 45 Artigo 28 - Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento de inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

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O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos andou bem nesse

sentido, ao dispor em seu artigo 15 o princípio segundo o qual em havendo desinteresse dos

demais legitimados, deverá o órgão do Ministério Público iniciar ou caso já iniciada

prosseguir na liquidação e ou na execução da sentença coletiva46.

2.9.4 - Princípio da legitimidade ativa concorrente ou pluralista

O processo coletivo por se apresentar como diferenciado, traz consigo outra

característica marcante, notadamente com relação à legitimidade para a propositura de

demandas coletivas.

Será a legitimidade “ad causam”, em se tratando de defesa de interesse difuso e

coletivo concorrente, admitindo-se a possibilidade de propositura de ação tanto pelo

Ministério Público, que pela Constituição Federal recebeu legitimidade institucional,

quanto pelos demais co-legitimados conforme permissão legal contida no art. 5º da Lei

7.347, de 24 de julho de 1985 como também pelo Código de Defesa do Consumidor Lei

8.078, de 11 de setembro de 1990.

O ordenamento jurídico brasileiro atual conferiu legitimidade para propor a

ação civil pública e para instaurar procedimentos investigatórios, ainda que com outra

nomenclatura, a entes que, em virtude de sua posição na sociedade e de suas atribuições

constitucionais, revelam-se, a princípio, capazes de superar todos os entraves à defesa dos

direitos consolidados pelo Estado Democrático de Direito.

Os princípios inseridos no texto da Constituição Federal vigente, é certo,

constituem os pilares de sustentação em que se fundam as regras reguladoras da

legitimidade coletiva, assegurando que a legitimidade seja exercitada com plenitude

garantindo o acesso efetivo a ordem jurídica justa.

Tal princípio refere-se tanto no caso do Ministério Público quanto no de outros

legitimados, bastando como requisito a presença do direito tido como social, para que o

órgão do Ministério Público tenha legitimidade, buscando o máximo da prestação

jurisdicional coletiva, assim evitando demandas que tenham o mesmo fundamento e

idêntica causa de pedir.

46 Art.15. Decorridos sessenta dias da publicação da sentença condenatória, sem que a associação autora promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.

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3- DA INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO CIVIL

A atribuição para a instauração do inquérito civil está prevista nas leis de

organização do Ministério Público, na Lei de Ação Civil Pública, e no Código de Defesa do

Consumidor, sendo regra a instauração no local onde ocorreu ou deva ocorrer o dano. Em

outra dicção, a instauração do procedimento investigatório, compete ao mesmo órgão do

Ministério Público que teria atribuição para propor a ação civil pública, nele baseada.

Como apontado por Luis Roberto Proença:

O inquérito civil nasce com o ato de sua instauração, ganha substância com os

elementos obtidos através dos atos de investigação, para atingir o seu momento

final que é o da apreciação do conjunto de elementos coligidos, ensejando o

arquivamento ou, a pactuação de acordo extrajudicial, ou, finalmente, a

propositura da ação judicial indicada ao caso concreto.47

A instauração é atribuição privativa do órgão do Ministério Público, consoante

disciplinado no artigo 129 da Constituição Federal, bem como pela própria Lei da Ação

Civil Pública nº. 7.347/85.

Tal fato decorre, em razão de ser o Ministério Público o possuidor de uma

vocação natural para fiscalizar e apurar irregularidades administrativas que chegam à esfera

de seu conhecimento, bem como, por ter como função institucional, a defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A competência é condição de validade de todo ato administrativo e sempre será

elemento vinculado, destacando que em havendo conflito de competência quanto a

instauração, tal será dirimido pelo Procurador Geral que por sua vez possui competência

para instaurar, em alguns casos, o inquérito civil.

Havendo eventuais incompatibilidades relacionadas aos membros do Ministério

Público que presidem os inquéritos civis, é valido notar que, no que couber aplicam se as

normas processuais de impedimento e suspeição48, que ofendidas deverão ser comunicadas

ao Procurador Geral, mediante requerimento escrito e devidamente instruído.

Fechado o parêntese com relação às rápidas observações de regra de

competência, passamos a fase de instauração propriamente dita, que pode se dar por

diversas formas. De ofício, mediante representação, através do recebimento de denúncia

anônima, ou através do recebimento de peças de informação.

47 Inquérito Civil . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.44. 48 Artigos 134 a 138 do Código de Processo Civil.

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A instauração de ofício ocorre quando o Ministério Público, através de seu

representante toma conhecimento pessoal da ocorrência de ameaça ou lesão a interesses

transindividuais, ou seja, interesses que ultrapassam o campo do individual.

O Ministério Público também pode de ofício instaurar inquérito civil a outras

ocorrências que estejam vinculados ao seu âmbito de atuação em atendimento a

requerimento de qualquer pessoa física ou jurídica, o que se faz, através de portaria,

contendo o objeto de investigação e uma breve sinopse da motivação para a instauração do

inquérito civil.

Vale ressaltar, que caso o fato não esteja inserido dentre as atribuições do

representante do Ministério Público que tomou conhecimento do mesmo, nos parece

razoável que deverá tomar as providências para quem real e legalmente competente faça o

que de direito.

Importante salientar que a permissão que o Ministério Público possui de

instaurar inquérito civil de ofício não deve ser usado como instrumento de perseguição de

pessoas e autoridades, utilizando o inquérito civil como instrumento de devassa.

Deverá, portanto, agir de ofício quando se tratar de fato determinado ou

determinável, claro e preciso, não obstante decisão em sentido contrário, onde muitas vezes

o fato investigado somente se reveste de precisão e objetividade no decurso do

procedimento investigatório, submetendo-se a sua atividade, como a de qualquer agente

público, ao controle da legalidade, inclusive para evitar eventuais abusos49.

Nesse particular, importante transcrever as lições de Paulo Marcio da Silva,

para quem:

Não obstante a titularidade para a instauração ter sido com exclusividade

outorgada ao Ministério Público, não quer dizer que o exercício de tal faculdade

não esteja sujeito a critérios ainda que mínimos para evitar abusos, devendo estar

presente para a instauração de ofício uma espécie de justa causa, como forma de

se evitar eventuais abusos. Essa justa causa seria caracterizada pela ocorrência de

um fato jurídico certo e determinado, capaz de ofender ou ameaçar de ofensa

bens, direitos e interesses coletivos ou difusos, e que desafie a apuração mediante

inquérito civil. É dizer que não se verificando tal pressuposto, se afiguraria

ilegítima a instauração do procedimento de investigação pretendido pelo

inquérito.50

49 Recurso Especial n. 262.186- MT, relatado pelo Ministro Castro Meira, publicado no Diário da Justiça de DJ 23.05.2005 p.188. 50 Inquérito Civil e Ação Civil Pública. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 102.

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Outro meio de instauração é por representação, que reflete o direito atribuído a

qualquer pessoa, de apontar a existência de situações irregulares ao Poder Público. Cuida-se

do verdadeiro exercício da cidadania, da atuação do cidadão para fazer que sejam

respeitados os princípios norteadores atribuídos ao Poder Público (moralidade, legalidade,

impessoalidade, dentre outros).

Assim, quando qualquer agente público, qualquer cidadão, pessoa jurídica,

enfim qualquer órgão público noticie a existência de lesão ou ameaça de lesão a interesses

transindividuais ou dentre aqueles acoplados dentro da área de atuação do órgão

ministerial, deverá o órgão do Ministério Público, instaurar inquérito civil cuja

representação poder ser feita por escrito, de modo fundamentado ou verbalmente ocasião

em que será reduzida a termo.

Dessa forma o Ministério Público realiza na verdade a manifestação expressa

do direito constitucional de petição51, garantindo a todos o exercício do direito contra os

abusos de poder.

Não impera necessidade de maiores formalismos quanto ao conteúdo da

representação, como relatado por Hugo Nigro Mazzilli52.“bastando que alguém nela se

identifique, qualificando-se, e leve ao conhecimento do Ministério Público noticia do fato

que deva ensejar sua atuação”

A representação pode ser indeferida de plano, desde que motivadamente,

bastando para tanto falta de atribuição do órgão do Ministério Público para a apuração do

fato, ou sendo esse considerado superado em razão de já estar sendo objeto de ação civil

pública, termo de ajustamento de conduta, dentre outras situações.

Como veremos adiante, em tópico específico, do indeferimento da

representação cabe recurso, tanto que da decisão que indefere, deverá o representante

cientificado.

O inquérito civil também por ser instaurado por determinação do chefe do

Ministério Público, o Procurador Geral de Justiça, conforme previsão no artigo 106 da Lei

Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo que descreve que:

O inquérito civil será instaurado por portaria, de ofício, ou por representação do

Procurador Geral de Justiça ou do Conselho Superior do Ministério Público e em

face de representação ou em decorrência de peças de informação.

51 Artigo 5º, inciso XXXIV : “São assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. 52 O inquérito Civil , Op. Cit. p. 122.

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Recebendo o órgão do Ministério Público peças de informação o inquérito civil

também poderá ser instaurado. As peças de informação, via de regra, se originam em ou e

outros processados, como sindicâncias, processos judiciais, de natureza criminal, cível,

fiscal e etc.

Sobre o tema Hugo Nigro Mazzilli, em sua obra O Inquérito Civil diz:

“Não é novidade na Lei da Ação Civil Pública; já era conhecido na área

processual penal para referir-se a representações, documentos, certidões, cópias

de peças processuais, declarações ou quaisquer outras informações que, ‘mesmo

sem o inquérito policial’ permitissem caracterizar a materialidade e a autoria do

crime, assim servindo de base à propositura da ação penal. Mutatis Mutandis, na

área civil, ‘peças de informação são os elementos de convicção em que se possa

basear o membro do Ministério Público para propor eventual ação civil pública,

nela imputando a alguém a responsabilidade pelo risco de lesão ou a própria

pratica de lesão a interesses cuja tutela a lei lhe tenha cometido, como a defesa do

patrimônio público ou o zelo de interesses transindividuais”.53

Assim, dispondo o Ministério Público de qualquer documento ou elemento

avulso considerado peça de informação, poderá instaurar inquérito civil, ou até mesmo

propor diretamente ação civil pública, tanto que conforme narrado linhas atrás, o inquérito

civil não é requisito de procedibilidade da ação civil pública ou coletiva.

O artigo 6º da Lei Federal 7.347/1995, a propósito, menciona que:

Qualquer pessoa poderá e o servidor deverá provocar a iniciativa do Ministério

Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituem objeto da ação civil

pública e indicando-lhes os elementos de convicção.

Ainda, estabelece também o artigo 7º da Lei da Ação Civil Pública, que:

Se no exercício de suas funções, os juízes ou tribunais tiverem conhecimento de

fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público

para as providências cabíveis.

A natureza do dispositivo é sem discussão, cogente, representando aos seus

destinatários, juízes ou tribunais, a obrigatoriedade em remeterem ao Ministério Público,

assim que tomem conhecimento do fato ofensivo a interesse coletivo transindividual, as

peças necessárias a tomada de providencias que o caso requer.

53 O inquérito Civil , Op. Cit. p. 169.

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Recebendo tais peças, o Ministério Público de imediato, irá formalizar o devido

processo administrativo, comunicando a autoridade responsável pela comunicação e as

providências que até então foram adotadas.

A instauração pode ainda, se dar através de denúncia anônima que equivale à

instauração de ofício54. Nesses casos, os representantes do Ministério Público devem ter

cautela maior antes de darem inicio a instauração, sendo de bom alvitre e que angariem

outros elementos complementares.

A propósito do tema, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o Ministério

Público pode atuar ex officio ao tomar conhecimento de fatos suscetíveis de apuração ainda

que o faça impelido por informação contida em denuncia anônima55.

A instauração do inquérito civil, é certo, produz alguns efeitos. O efeito

imediato consiste na legitimação dos atos administrativos praticados pelo órgão do

Ministério Público com base no regime jurídico administrativo, fundamentado na

supremacia do interesse público sobre o particular e na indisponibilidade do interesse

público.

Questão interessante lembrada por Luiz Roberto Proença56 é a questão da

instauração do inquérito civil quando no fato não haja elementos seguros para a imediata

instauração do procedimento de inquérito civil, para o autor:

Quando não há segurança para que seja imediatamente instaurado o inquérito

civil, faculta se ao órgão de execução do Ministério Público a instauração de procedimento

preparatório, destinado a realização de uma investigação preliminar, com a finalidade de

decidir ou não pelo cabimento da instauração do inquérito civil.

Verifica-se aqui que os órgãos do Ministério Público encontraram na prática um

caminho para escapar dos prazos e de todos os regramentos impostos ao inquérito civil,

quer pela própria Lei, incluindo-se aqui as leis complementares de cada Estado, bem como

as determinações do Conselho Superior.

A justificativa segundo Eurico Ferraresi é que ocorre uma questão de ordem

prática: como existem algumas investigações de menor vulto, ou que precisam de um

esclarecimento mais demorado criou-se a figura do “procedimento preparatório ou

protocolado”.57

54 Artigo 47 § único do projeto de que altera a Lei de Ação Civil Pública assim dispõe: É autorizada a instauração de inquérito civil fundamentado em denúncia anônima, somente se instruída com elementos mínimos de convicção. 55 MS n. 7.069, 3 Seção, Relator Ministro Félix Fischer, DJ de 12/02/2001. 56 Op. cit., p. 45. 57 COSTA, Susana Henriques da. Coord. Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo: Quartier Latin. 2006. p. 446

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Essa postura vem de encontro com a própria finalidade do procedimento, dando

margem a abusos e até mesmo gerando instabilidade e efetiva aplicação das normas do

Estado Democrático de Direito.

Não se podem modificar as formas de controle de instauração e arquivamento

do inquérito civil, diferentemente do disposto na legislação federal.

Os atos praticados no inquérito civil gozam de legitimidade e de veracidade,

além da imperatividade de determinados atos, que a lei autoriza ao órgão ministerial a

executar sem a necessária intervenção do Poder Judiciário.

3.1 - Instrução

A instrução do inquérito civil é um tema um tanto quanto tormentoso para os

estudiosos do assunto, bem como para o próprio Poder Judiciário que na grande maioria das

vezes é instado a se manifestar sobre.

Embora a legislação atinente ao procedimento do inquérito civil seja bem

suscinta com relação à instrução, a Constituição Federal concebe ao órgão do Ministério

Público poderes instrutórios para expedir notificações, requisitar informações e documentos

e requisitar diligências investigatórias.

A par disso, a Lei da Ação Civil Pública em breves linhas dispõe acerca do

poder de requisição conferido ao órgão do Ministério Público, dentre eles o de obter

certidões, informações, perícias ou exames, regulando que nos casos de omissão aplica-se

subsidiariamente do Código de Processo Civil.

Assim, para cumprir as funções do regime democrático dos interesses sociais e

individuais, a proteção do meio ambiente e do patrimônio público, a Constituição atribuiu

ao Ministério Público o inquérito civil dotando-os de poderes de instrução concernentes a

expedir notificações, requisitar informações, documentos e diligências investigatórias, bem

como, a instauração de inquérito policial conforme previsto no art. 129, inc.III, VI e VIII da

Constituição Federal.

Vale ressaltar que no âmbito das diligencias investigatórias que podem ser

requisitadas por autorização constitucional, são inseridas diversas medidas como inspeções,

vistorias, informações, perícias, certidões, assim como,

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Todavia, a timidez da legislação trouxe a baila inúmeras discussões,

notadamente quanto a amplitude desse poder requisitório, que abaixo trataremos, sem a

ânsia de esgotar o tema.

3.2- Poder de Requisição

No âmbito do inquérito civil e do procedimento administrativo sob sua

presidência, o Ministério Público possui poderes instrutórios que são concernentes ao poder

de requisição, possuindo assim o poder de requisitar certidões, informações, documentos,

exames periciais, de qualquer organismo público ou particular conforme o artigo 129,

inciso VI da Constituição Federal, art.8º §1º, Lei Federal 7347/85, arts. 8º e 12 Lei

Complementar Federal 75/93; artigos 26 I b, II e 27 parágrafo único I, Lei Federal

8.625/93, artigo 104, I b, III e 27 parágrafo único I, Lei Federal 8.625/93.

A Constituição do Estado de São Paulo no parágrafo único do art. 97 também

prevê a requisição aos órgãos da administração pública direta ou indireta dos meios

necessários à conclusão do inquérito civil dos procedimentos administrativos que lhe são

atribuídos.

Dessa feita, para a instrução do inquérito civil, poderá o representante do

Ministério Público que preside o inquérito civil requisitar a qualquer autoridade federal,

estadual, municipal, da administração pública direta ou indireta, bem como toda e qualquer

pessoa física e jurídica de direito privado, documentos, certidões, exames, perícias e

informações que entender necessárias.

Tal autorização decorre de previsão legal, o artigo 8º da Lei da Ação Civil

Pública é claro em chancelar a requisição direta pelo órgão do Ministério Público de

algumas informações, de alguns documentos.

Não houvesse poderes para instruir poucos elementos de convicção teria o

órgão do Ministério Público para a propositura segura da ação civil pública, sendo então o

inquérito, frágil, ineficiente e insólita seria a investigação.

A atribuição do Ministério Público, relativa à requisição de informações e

documentos de qualquer natureza surge do próprio ordenamento constitucional vigente,

posto resguardar o interesse público.

A requisição nada mais é do que ordem de apresentação, sendo mecanismo

indispensável para que o Ministério Público desempenhe suas funções atribuídas pela

Constituição Federal.

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Seu fundamento encontra guarida no regime jurídico do direito público baseado

nos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e na indisponibilidade do

interesse público pela Administração, dos quais se extrai o atributo da imperatividade.

As requisições, segundo preceito legal, deverão ser atendidas gratuitamente e

dentro de um prazo mínimo não inferior a dez dias, nada impedindo que tal prazo possa ser

ampliado, dependendo da complexidade do cumprimento da requisição58.

A falta injustificada quanto ao atendimento, pode implicar em infração penal, e

sendo o destinatário agente público, esse responderá por desobediência e prevaricação e até

mesmo por ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11 caput, e inciso II da

Lei n.º 8.429/1992, onde diz que: retardar ou deixar de praticar indevidamente ato de ofício.

Dispõe também a Lei Federal nº 7.347/1985 em seu artigo 10 que:

Constitui crime punível com pena de reclusão de um 1 (um) a 3 (três) anos, mais

multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesoura Nacional –

ORTN, a recusa o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à

propositura de ação civil, quando requisitados pelos Ministério Público.

No mesmo sentido o projeto de Lei em andamento, que altera a Lei da Ação

Civil Pública também dispõe em seu artigo 13 § 2º figura típica para aquele que retarda ou

omite dados ou documentos indispensáveis a propositura da ação civil pública.

Seu destinatário poderá ser qualquer agente público da Administração Pública

direta ou indireta, constituindo seu cumprimento dever de ofício sendo destinatários

igualmente, os agentes políticos, de qualquer esfera de governo, além das entidades

privadas.

As requisições, consoante já mencionado, não possuem amplitude absoluta, isso

porque a grande corrente doutrinária e jurisprudencial exige que, para o acesso as

determinadas bases de dados aqui se incluem, dentre outras, não menos importantes,

cadastros bancários, informações fiscais e eleitorais, não bastando à requisição direta pelo

órgão de execução do Ministério Público, mas necessário se faz a intervenção judicial, tudo

em razão do sigilo que acoberta tais dados.

58 Artigo 26 da Lei Federal n. 8.625/1993: Serão cumpridas gratuitamente as requisições feitas pelo Ministério Público às autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

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Importante aqui mencionar que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo

5º, mais de uma vez dispõe sobre proteção a intimidade da pessoa humana, a vida privada,

bem como informações de interesse particular, ou de interesse coletivo.

É inegável que em se tratando de investigação que demande quebra de sigilo

bancário, telefônico, fiscal e de correspondência diretamente pelo Ministério Público, ao

argumento de que possui amplos poderes instrutórios, discussões surgem sobre o tema, uma

vez, que tais questões estão ligadas a intimidade da pessoa humana, a sua honra e a sua

imagem.

A defesa da privacidade está ligada a proteção do homem contra a interferência

em sua vida privada, a ingerência em sua integridade física ou mental e em sua liberdade

moral e intectual, a comunicação de fatos relevantes que causem embaraços a sua vida e

intimidade, intervenção em suas correspondências e até mesmo informações de cunho

profissional, cuja ética obriga a guardar.

Para Alexandre de Moraes59 a necessidade de proteção à privacidade humana,

visa também considerar que as informações fiscais e bancárias “sejam as constantes nas

próprias instituições financeiras, sejam na Receita Federal, constituem parte da vida privada

da pessoa”.

Contudo, vale ressaltar que as requisições do Ministério Público, como já

citado, têm fulcro constitucional, e como afirma Nelson Nery e Rosa Nery60: “em nenhuma

hipótese a requisição pode ser negada, sendo que o desatendimento pode caracterizar crime

de prevaricação ou desobediência, conforme o caso”.

Atualmente a questão já está mais sedimentada, ou seja, o poder requisitório do

representante do Ministério Público não é tão amplo como já se foi, pois, nas hipóteses de

sigilo, hipóteses essas definidas por Lei, ou previstas na Constituição Federal, deverá o

promotor de justiça oficiante requerer ao Poder Judiciário que intervenha na obtenção dos

dados que pretende para a investigação.

Embora a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público61 e a Lei Orgânica do

Ministério Público da União62 autorizam o amplo acesso a informações sigilosas sem a

intervenção do Poder Judiciário, a Lei da Ação Civil Pública63 enuncia que nas hipóteses de

sigilo legal podem ser negadas certidões ou informações, autorizando assim, que a ação

possa ser proposta desacompanhas daqueles documentos, cabendo o Juiz requisitá-los.

59 Direito Constitucional, 16 ed.São Paulo: Atlas,2004 op cit, p.93. 60 Código de Processo Civil e legislação processual civil extravagante em vigor. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2000, p.1032. 61 Artigo 26, inciso I, letra “b”, e inciso II. 62 Artigo 8, inciso VIII, parágrafo 1 e 2. 63 Artigo 8 parágrafo 2.

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No que relaciona ao sigilo bancário, a Lei Complementar n. 105/2001, em seu

artigo 3º impõe que todas as informações bancária serão mantidas em sigilo, salvo se os

dados forem utilizados em processos judiciais ou outros procedimentos e desde que ocorra

intervenção judicial.

A jurisprudência também tem se firmado no sentido de que havendo interesse

do Ministério Público quanto a dados bancários considerados sigilosos porem

imprescindíveis às investigações no âmbito do inquérito civil, imperiosa se faz autorização

judicial64.

Nos casos em que nas investigações no âmbito do inquérito civil esteja

envolvido o patrimônio público, no entanto, o entendimento tem sido outro, o que

demonstra não ser absoluto o direito a intimidade. O Supremo Tribunal Federal em sede de

mandado de segurança determinou que o Banco do Brasil fornecesse ao Ministério Público

relatório de nome de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com

recursos custeados pelo governo federal65.

Restritas são as decisões no sentido de o Ministério Público acessar dados

bancários considerados sigilosos sem que haja intervenção judicial. É de frisar que não é

necessária a existência do processo judicial em si, podendo a autorização judicial ser

concedida em procedimento investigativo.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim decidiu:

QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO - Para apuração de atos de improbidade

administrativa mesmo que noticiados por delação anônima e não por

representação, que atenda os requisitos dos a r t 14, da LF 8.429/92, admissível a

instauração de inquérito civil e a realização de atividades investigatórias pelo

Ministério Público, destarte, as quais a quebra de sigilo bancário, mediante

autorização judicial, desde que presentes indícios- da prática de ato de

improbidade administrativa e a medida extrema se fizer necessária - Liminar

concedida - Deferimento por decisão judicial devidamente limitada, acolhendo

pedido do Ministério Público devidamente justificado, com base em indícios da

prática de ato de improbidade administrativa e em situação em que configurada

sua necessidade para esclarecimento, ante a recusa de fornecimento pelo

agravante dos extratos bancários solicitados - Recurso improvido. VOTO n°

2.146 Agravo de Instrumento n° 383.098.5/9-00 66

64 A norma inscrita no inciso VIII do artigo 129, da CF, não autoriza o Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário de alguém. Se se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito a privacidade, que a CF consagra, art 5, X,somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente e sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa” – RE n.215.301 – Relator Ministro Carlos Mario Velloso. 65 STF – MS n 21.799/DF, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, informativo STF n. 246. 66 HC n.96.02.984.60-9 –RJ, 1Turma, Relator Juiz Chalu Barbosa, in DJ 19/6/1997, . <www.tjsp.gov.com.br>, Acessado dia 25 de agosto de 2009.

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Já o Superior Tribunal de Justiça não decidiu diferente:

Ministério Público Estadual – Poderes – Lei 8.625/93 – Sigilo Bancário – Quebra

por requisição direta do promotor público – Impossibilidade. A criação de novas

hipóteses de quebra de sigilo bancário, não previstas na Lei 4.595/64, ou a forma

de acesso a informações bancárias sigilosas só pode ser fruto de lei

complementar, não de lei ordinária, de que é espécie a Lei 8.625, de 12.02.1993,

instituidora da Lei Orgânica do Ministério Público. Além disso, o artigo 26, II, da

referida Lei 8.625 contem autorização genérica que não afasta a exceção de

proibição de violação de sigilo. O parágrafo 2 desse mesmo artigo define uma

hipótese de responsabilidade de membro do Ministério Público, não de

autorização de quebra de sigilo. O acesso a informações bancárias, cobertas, pode

e deve ser obtido pelo Ministério Público através do Poder Judiciário. Habeas

Corpus deferido” (STJ – 5ª Turma, HC 2352-8- RJ- Relator Ministro Assis

Toledo).67

Aplicam-se igualmente ao sigilo fiscal, telefônico, de correspondência68 as

mesmas regras impostas ao sigilo bancário, pois, a Lei complementar nº105/01, que

revogou o art. 38 da Lei Federal nº 4.595/64, impõe que o sigilo bancário deve ser aberto

por decisão judicial, mas a Lei complementar Federal nº. 75/9369 permite então o acesso

direto do Ministério Público ás informações bancárias.

Ainda, com relação à instrução do inquérito civil, poderá seu presidente realizar

vistorias70 ou inspeções para a constatação de situações supostamente danosas aos

interesses que deve zelar, elaborando relatório circunstanciado.

Os membros do Ministério Público podem realizá-las pessoalmente ou

determinar que seus órgãos auxiliares realizem. Ninguém poderá proibir que o

representante do Ministério Público assim haja quando necessário as investigações,

podendo este se valer de auxílio de força policial se o caso.

Vale destacar que o presidente do inquérito, embora possa adentrar em qualquer

recinto para a realização de vistorias, deverá em sendo residência de particular atentar para

67 STJ-Agravo de Instrumento n° 383.098.5/9-00. A JURIS 1ª STJ-Agravo de Instrumento n° 383.098.5/9-00. <www.tjsp.gov.com.br>, Acesso dia 25 de agosto de 2009. 68 Artigo 5º inciso XII: Ser inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e da comunicação telefônica, salvo, no ultimo caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. 69 Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido. 70 Estatuto do Idoso – artigo 74 inciso VIII -. São atribuições do Ministério Público: inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os programas de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades, porventura verificadas.

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o que dispõe a Constituição Federal em seu artigo 5º inciso XI71, já que a casa é consagrada

como asilo inviolável do cidadão e goza de imunidade.

Poderá ainda requisitar a qualquer órgão público de todas as esferas, a

realização de exames periciais, existindo algumas circunstâncias investigativas cuja

conclusão dependa exclusivamente de prova pericial, de conhecimento técnico específico,

como por exemplo temos os danos ambientais cuja mensuração de extensão do dano

dependerá de perícia por engenheiros florestais ou técnicos que cuidem do assunto.

Algumas promotorias especializadas possuem aparato técnico próprio, todavia,

na maioria dos casos, o Ministério Público depende de auxilio de repartições públicas

outras.

Os peritos, sejam eles próprios da instituição, sejam eles servidores públicos de

outros órgãos da Administração Pública, ou particulares convidados, estão sujeitos a

normas previstas na legislação processual civil e penal, especialmente no que tange as

regras de suspeição e impedimento e naqueles de como proceder ao trabalho pericial

adequado.

O Ministério Público poderá ainda, gozando de poder probatório a si conferido,

expedir notificações, para fim de colher depoimento dos investigados e ouvir testemunhas

acerca dos fatos que investiga.

A notificação, em seu conteúdo devera conter o objeto da investigação a

finalidade do convite, local, hora e data para comparecimento, além das advertências de

praxe para o caso de não atendimento ao chamado ministerial.

Caso haja o descumprimento da notificação, poderá o representante do

Ministério Público determinar a condução coercitiva da testemunha faltante, todavia, ao ser

ouvida e, caso faça afirmação falsa ou negar a verdade será responsabilizada

criminalmente, nos termos do disposto no art. 342 do Código Penal.

Com relação a eventuais incompatibilidades, o Presidente do inquérito civil,

havendo causa suficiente, tomando-se como parâmetro no que couberem os motivos de

suspeição e impedimento prescritos pela lei processual, em qualquer momento da

tramitação das investigações, deverá comunicar o fato ao Procurador Geral, encaminhando-

lhes os autos, para que o procedimento investigatório não tenha solução de continuidade.

71 Artigo 5º inciso XI: a casa é asilo inviolável do individuo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

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Tanto o interessado, quanto qualquer outra pessoa poderá intervir no

procedimento para argüição de impedimento ou suspeição do representante do Ministério

Público que preside o inquérito civil, através de requerimento motivado e instruído com

elementos a provar a hipótese aventada.

Os artigos 25 e 30 do Ato Normativo nº 484-do Conselho de Procuradores

de Justiça, de 5 de outubro de 2006, que regula a tramitação de investigações civis, assenta

a possibilidade de declaração de impedimento ou suspeição por parte do presidente do

procedimento investigatório e disciplina outras providências quando da ocorrência de

alegação de impedimento e suspeição.

Como o representante do Ministério Público tem o dever e não a faculdade, de

se abster ante os motivos de impedimento e suspeição, poderá rejeitá-la motivadamente e

prosseguir na condução da investigação, ou acatá-la tomando as providências que acima se

elencou.

Por fim, é valido mencionar que além dos poderes investigatórios conferidos ao

Ministério Público, a legislação também confere outro valioso instrumento para a formação

responsável de sua convicção para a posterior tomada de medidas concretas. Pode o órgão

ministerial requisitar da Administração Pública e seus órgãos que se instaure procedimentos

administrativos com a finalidade de apuração de fatos de sua competência o que por certo,

garantirá agilidade à investigação que pretende o Ministério Público.

Encerrada pela Administração Pública e seus órgãos o levantamento, a

investigação desencadeada por requisição ministerial, deverá remeter o quanto alcançado

ao órgão do Ministério Público requisitante para que as analisando tome a providência que

julgar pertinentes.

Mister salientar que o representante do Ministério Público que ao ter acesso a

informações sigilosas e destas não guardar o devido segredo ou dessas fazer uso ilegal,

responderá civil e criminalmente.

3.3 - Das provas ilícitas e a atuação do Ministério Público

Importante discussão se faz em relação às provas obtidas ilicitamente e a

atuação do Ministério Público, uma vez que a prova, sem sombra de dúvidas, é o âmago do

processo ou de qualquer procedimento investigativo.

No direito, como é sabido, as ações, tanto pode versar sobre o direito, como

também sobre o fato, ou ainda sobre ambos, geralmente no litígio, o mais comum da lide é

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versar sobre o fato, daí a grande decorrência do uso das provas como meio de provar esses

fatos.

Assim, as provas constituem o meio mais importante para assinalarmos a

verdade formal nos autos, cuja origem etimológica vem do latim probatio que por

conseqüência provém do verbo probare que significa examinar, persuadir, demonstrar.

Assim, podemos concluir que provar significa demonstrar de modo que não seja suscetível

de contrariar, a verdade de fatos argüidos.

Desta forma, podemos sintetizar o conceito de prova em fazer conhecidos ao

juiz os fatos controvertidos e duvidosos, e dar-lhes a certeza de seu modo de ser.

O Código de Processo Civil refere-se, em seu artigo 332, sobre os meios legais

e moralmente legítimos de provas usadas em juízo, dispondo o presente artigo que não

somente os especificados no código, mas também todos aqueles moralmente legítimos, são

idôneos para demonstrar a verdade dos fatos em que se funda a lide.

Assim, temos que todos os meios, mesmo que não estejam elencados no Código

de Processo Civil, desde que moralmente legítimos, poderão ser usados para se provar em

juízo, deste ponto inicial podemos elencar alguns problemas para os meios de defesa no

processo, principalmente devido à falta de um dispositivo que regulem quais são os meios

de prova, o que vai gerar na maioria das vezes, dúvidas quanto a licitude das provas que são

apresentadas.

Esta questão está atada ao processo de forma que qualquer deslize das partes em

não analisar se as provas são legais ou não, pode se findar o processo sem que seu objetivo

principal, seja alcançado.

As provas usadas como meio de convencimento do juiz devem obedecer a uma

formalidade técnica e jurídica, além do seu conteúdo lícito e moral. Por isso tanto o CPC no

artigo 332 quanto a Constituição Federal em seu artigo 5.º, inciso LVI, especificam quanto

à licitude da prova.

Ademais, a Constituição Federal, como garantia de forma de defesa, traz em seu

artigo 5.°, LVI, que as provas obtidas devem seguir os preceitos da moralidade e legalidade

para serem aceitas no processo, com o objetivo de conseguir uma plenitude de defesa para

as partes.

Mister diferenciar a prova ilícita da ilegítima, de modo que a prova ilícita é a

que viola regra de direito material, constitucional ou legal, no momento de sua obtenção se

dando fora do processo (é, portanto, sempre extraprocessual).

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Já a prova ilegítima é a que viola regra de direito processual no momento de sua

obtenção em juízo (ou seja: no momento em que é produzida no processo). Exemplo: oitiva

de pessoas que não podem depor como é o caso do advogado que não pode nada informar

sobre o que soube no exercício da sua profissão (art. 207, do CPP).

Outro exemplo seria o interrogatório sem a presença de advogado ou a colheita

de um depoimento sem o mesmo, sendo, portanto, a prova ilegítima sempre intraprocessual.

Desse modo, a prova obtida fora do processo cuida-se de prova ilícita, ainda

que viole concomitantemente duas regras: uma material, (constitucional) e outra processual,

cujo meio decisivo para se descobrir se uma prova é ilícita ou ilegítima é o locus da sua

obtenção: dentro ou fora do processo.

De qualquer maneira, combinando-se o que diz a CF, art. 5.º, inc. LVI com o

que ficou assentado no novo art. 157 do CPP vê-se que umas e outras (ilícitas ou ilegítimas)

passaram a ter um mesmo e único regramento jurídico: são inadmissíveis acima de tudo é

uma afronta à garantia ao contraditório, por isso está elencado em nossa Carta

Constitucional como um preceito indispensável para a solução da lide. Assim devem ser

concedidas para ambas as partes garantias iguais e oportunidades de para mostrarem e

apresentarem provas, não podendo haver qualquer disparidade no critério para aceitação de

tais provas.

Aparece neste caso a figura do Estado como forma de assegurar as partes uma

isonomia entre os meios de defesas, inquirindo desta forma sobre a validade e aceitação de

provas, principalmente quanto a sua autenticidade e forma de obtenção, impossibilitando

desta forma qualquer aniquilamento de direito na fase probatória do processo.

Desta maneira assumem papel de grande importância na Carta Federal as

provas obtidas ilicitamente, pois, sem uma definição positivada de quais meios são os

éticos para a obtenção de provas, torna-se uma questão muito relativa do que é moral e

legal para o uso do fim probatório.

Com esse dispositivo composto na Constituição, podemos ver sua valoração e

seus riscos, se não fosse regulamentado, pois, tem para ser prova válida, como demonstra a

Carta, ser obtida por meio legal e ético.

Assim, temos já um leque de opções, somente por esses conceitos de que meios

de provas são admitidos em juízo ou não, pois legal, segundo o Código de Processo Civil

em seu artigo 332, é aquele que tem fundamento na lei, e ético pode ser enquadrado em

tudo aquilo de relevante valor moral para a sociedade, que não lesam nem ofendem o

direito alheio.

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Portanto, a Constituição repudia quaisquer meios de prova obtidos ilicitamente,

visto que estes amputam todos os direitos que nela figuram, exceto em casos excepcionais

que tenham dispositivos que permitam, em último caso, o seu uso, como por exemplo o art.

5.°, XII, que diz: “É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas,

de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas

hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução

processual penal.”

Por fim, a Constituição de 1988 traz juntamente ao processo uma disposição

dando maior segurança quanto ao uso das provas, regulamentando-as e as colocando como

forma de garantias do cidadão, não podendo desta forma ser usado qualquer meio para a

obtenção de prova.

É grande o número de formas e meios de se obter uma prova, mas nem todos

são aceitos com força probatória em um processo, pois também são grandes os meios de

formas inidôneas de se obtê-las. Abaixo temos os tipos mais comuns e praticados de provas

ilícitas que se obtêm e tentam inseri-las no processo, por conseguintes não aceitas por

constituírem em meio ilegítimo de provar.

No processo penal, segue geralmente os mesmos preceitos do processo civil em

se tratando de prova ilícita, mas o principal problema se consiste na preservação do bem

maior que é a vida.

A cláusula do art. 332 do Código de Processo Civil indica, na verdade, uma

limitação ao direito de prova. A idéia do devido processo legal, não é só definida como a

oportunidade de direito de defesa, mas a oportunidade de demonstrar ao juiz que aquilo que

foi alegado tanto em favor do autor como do réu corresponde à verdade. Mas há limites a

estes direitos que compõem a noção de devido processo legal.

Tais limites estão ligados a questões adversas ao processo, opções do legislador

por determinados valores em sacrifício de outros. Correto seria ao Estado fornecer, em

primeiro lugar, o devido processo legal antes que se restrinja a liberdade de alguém ou seu

patrimônio, dentro daquela perspectiva do juiz natural, do esquema de defesa, do

contraditório, etc. Mas, na verdade, faz-se um balanço e o fato não pode estar a exercer

ilimitadamente a sua prerrogativa de fazer a prova dentro de um processo.

O Estado, ao estabelecer limites, optou por sacrificar a busca da verdade

material em favor de direitos como os direitos da personalidade, o direito à intimidade, por

exemplo, conforme exposto na própria Constituição Federal. Tanto o processo civil como o

penal estão estruturados para busca da verdade, mas não a qualquer custo (neste caso o

processo penal tem mais interesse na verdade real do que o civil, por estar em jogo o direito

a vida ou a liberdade).

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Se o custo for a intimidade das pessoas, por exemplo, então as regras sobre

meios de prova estabelecem quais as circunstâncias possíveis, mas se a prova for uma

interceptação telefônica na forma vedada em lei, gravação clandestina, etc., será revelada

uma verdade, mas ela não poderá prevalecer como verdade.

A Lei complementar 75/93 assegura aos membros do Ministério Público a

prerrogativa de requisitar informações e documentos, ter acesso a qualquer banco de dados

de caráter público ou a serviço de relevância pública, todavia, em relação a prova colhida

diretamente pelo ministério em desconformidade com o Direito seria considerada ilícita?

Eugênio Pacelli de Oliveira ao discorrer sobre o assunto 72defende que “mesmo

que seja irregular a diligência não se poderá falar em provas ilícitas ou na conseqüência

ilicitude da prova (cujo objetivo é a tutela dos direitos fundamentais) (...).

E ainda argumenta fazendo uso do julgamento do HC nº 83.463-9/RS, onde o

Ministro Nelson Jobin em seu voto fundamenta entre outros pontos que: (...) uma coisa

seria examinar o problema durante as tentativas investigatórias do Ministério Público, outra

coisa a existência de indícios de ilicitude, porque aí estaríamos colocando a forma como

mais importante do que a prática do ilícito.

3.4 - O Contraditório

Uma das grandes características do inquérito civil é a sua inquisitividade, ou

seja, não se lhe aplica a o princípio do contraditório e por indução lógica, a ampla defesa.

De efeito, segundo a Constituição Federal, em seu artigo 5º inciso LV, “aos

litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados

o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Há muito tempo tem se discutido acerca da necessidade ou não de formação do

contraditório no âmbito do inquérito civil, entretanto, por não se enquadrar o inquérito civil

dentro do conceito de processo judicial ou administrativo, já que pela sua natureza trata-se

de procedimento, tem se que não é obrigatório o atendimento ao principio constitucional

supra mencionado.

Seria obrigatório, como é, quando no procedimento investigatório instaurado se

objetive ao final das averiguações, a imposição de punição por parte da Administração, sem

a prévia intervenção do Poder Judiciário.

72 Curso de Processo Penal - 11a. edição - Revista e Atualizada. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris Ltda, 2009. p.308

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Maria Sylvia Zanella de Di Pietro73 expõe que: “o principio da ampla defesa é

aplicável em qualquer tipo de processo que envolva poder sancionatório do Estado sobre as

pessoas físicas ou jurídicas”.

Em um comparativo, temos as sindicâncias que apuram faltas praticadas por

funcionários públicos quando do desempenho de suas funções, onde há por imperativo

legal que se aplicar o contraditório, posto no final a possibilidade de se aplicar ao

funcionário uma pena que pode ir desde uma advertência até uma demissão do serviço

público.

No inquérito policial, procedimento investigativo para apurar a autoria e a

materialidade do delito, posto não haver ao final imposição de sanção, não há que se

observar o princípio constitucional do contraditório.

Amparando-se nas razões acima, não se fala em obrigatoriedade de observância,

como já frisado é procedimento investigativo e no final não irá se impor penalidade a quem

quer que seja porquanto servirá exclusivamente para angariar elementos para eventual

propositura de ação civil pública, ou celebração de termo de ajustamento de conduta.

Nele não se decidem controvérsias, não há acusação alguma e, por isso mesmo,

não há contraditório ou defesa, daí, ser um mero procedimento e não um processo, tendo

também como característica a facultatividade, porque não se constitui um pressuposto

processual para que o Ministério Público inicie a ação civil pública.

Ademais, do mesmo modo como ocorre no inquérito policial o Ministério

Público pode dispensá-lo para oferecer a denúncia, sendo a utilização do inquérito civil

aconselhável como forma de controle do Ministério Público, evitando, com a investigação

prévia, que se dê à demanda civil um cunho individual do representante ministerial que nela

atua.

Pela natureza jurídica do inquérito civil, pode concluir-se que inexiste nulidade

quando da colheita de provas sem que tenha observado o contraditório, pois, em Juízo irão

servir como prova indiciária, elemento de convicção por ser uma investigação pública e

oficial.

Assim, o que se apura no inquérito civil público tem validade e eficácia para o

Judiciário, concorrendo para reforçar o entendimento do julgador, quando em confronto

com as provas produzidas pela parte contrária em Juízo.

73 Direito Administrativo . São Paulo: Atlas. 9º ed. 1998, p. 410.

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Rogério Lauria Tucci é favorável a tese da “nulidade do inquérito quando nele

não se propiciar ao investigado uma “participação efetiva e contraditória” e acrescenta:

[...] até por necessária coerência, tal nulidade, a ser declarada de plano, implica,

com a nulidade também de todos os atos que do inquérito civil derivem, a

inviabilidade da ação neste fundamentada; acarretando, como conseqüência

lógica e curial, a extinção do processo sem julgamento do mérito, por falta de

pressuposto inarredável de sua constituição e desenvolvimento válido. 74

Na mesma trilha se posiciona Eduardo Walmory Sanches, que assim afirma:

O operador do direito deve ter bom senso e exigir a aplicação do contraditório

durante o inquérito civil. O princípio do contraditório implica proporcionar as

partes o direito de se manifestarem sobre todos os fatos e meios de prova que

entendam indispensáveis para o convencimento do juiz. No atual modelo,

somente o promotor de justiça possui o direito de produzir provas

antecipadamente sem respeitar o principio do contraditório. Destarte é

indispensável a aplicação do contraditório durante o inquérito civil para garantir

uma reação adequada ao réu na fase judicial.75

Já Marcelo Abelha desenvolve sólido raciocínio na defesa de ampla

“participatividade” no inquérito civil, ponderando:

Se o inquérito civil redunda em sérias conseqüências sobre a esfera pessoal dos

inquiridos “[...], e paralelamente a participação é meio de se obter a verdade, ora,

não há justificativa lógica, legal e legítima para que a mesma seja impedida ou

mutilada. Nesses casos, v.g., a só notícia de um inquérito que apura contaminação

deste ou daquele alimento, deste ou daquele derramamento, desta ou daquela

lesão aos cofres públicos mexe com o que há de mais importante para esses

sujeitos: a imagem, a moral, a reputação, que, em virtude da ausência do

contraditório, ficam impossibilitados de fornecer seus elementos de convicção,

enfim, suas razões. Sob esse aspecto é que deve ser repensado o princípio do

contraditório. Se informação necessária deve existir, em razão da publicidade e

pelo fato de que as ditas informações ali contidas referem-se à pessoa, é de se

pensar que a reação possível deve ser levada em consideração. O que se quer

dizer é que deve prevalecer o bom senso e, diríamos, o princípio da participação.

Ora, se o contraditório pressupõe informação necessária somada a reação

possível, e, no caso do IC, não há contra o que reagir para justificar o

descabimento do contraditório, é certo que há um direito essencial de qualquer

pessoa, e, portanto, em contraface de um dever da administração de permitir a

participação pública no IC. Essa participação não será com contraditório de todos

os atos do procedimento, mas permitirá que a pessoa inquirida tenha acesso a

todas as informações e tenha o direito de fomentar a investigação com seus

74 Ação civil pública: falta de legitimidade e de interesse do Ministério Público, Revista dos Tribunais, v. 745, p. 84. 75 SANCHES, Eduardo Walmory. A ilegalidade da prova obtida no inquérito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 26.

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argumentos, afinal de contas, o MP é órgão público, cuja função administrativa é

regida pelos princípios insculpidos no art. 37 da CF, devendo atuar com

moralidade, impessoalidade, eficiência, legalidade e publicidade 76

Luiz Manoel Gomes Júnior77 posiciona-se assim: “[...] como regra geral, a

prova colhida no Inquérito Civil, que não for repetida em sede judicial é imprestável, salvo

se atendidos os postulados constitucionais do contraditório e da ampla defesa”.

O entendimento esposado pelo citado autor preza pelo requisito de se utilizar

em juízo os elementos colhidos no inquérito civil repousando na observância do princípio

do contraditório.

Essa posição, aliás, parece estar em consonância com o que prevê o anteprojeto

do Código Brasileiro de Processos Coletivos, conforme se constata no disposto no § 1º do

seu art. 23: “Para aproveitamento em juízo das peças informativas colhidas no inquérito

civil, este deverá observar o contraditório”.

Se a prova for repetida no plano judicial, sob a observação do contraditório,

será válida, mas a falta de apresentação de contraprova durante o processo judicial não

autoriza, por si só, a receptividade e validade de tais “provas” (elementos) em juízo.

Destaca-se que mesmo não sendo observado o contraditório no âmbito do

inquérito civil, eventuais provas indeferidas pelo promotor de justiça oficiante, tais não

estão preclusas, podendo oportunamente, sem redundando ação civil pública, serem

produzidas novamente.

Até porque, toda e qualquer prova colhida e produzida quando da tramitação do

inquérito civil, deve obrigatoriamente ser ratificadas judicialmente para atender a garantia,

consagrada no art. 5º, inc. LV da Constituição Federal de 1988.

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça78, em decisão de lavra da Ministra

Eliana Calmon decidiu que “as provas colhidas no inquérito civil, tem valor probante

relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas

quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do

contraditório”.

Não obstante a vedação ainda que por interpretação doutrinária e

jurisprudencial quanto a observância ou não do contraditório no âmbito do inquérito civil,

nada impede que o promotor de justiça que o preside a fim de garantir a lisura do

76 Ação civil pública e meio ambiente, p. 99-100. 77 Curso de direito processual civil coletivo, p. 158. 78 Recurso Especial n. 476.660 – MG, D.J de 04.08.2003.

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procedimento, conceda ao investigado o direito de ciência de todos os elementos

angariados, e via de conseqüência o direito de manifestar-se acerca de tais.

O contraditório então sob este prisma traria ao órgão do Ministério Público

alguns benefícios, dentre eles, maior credibilidade a toda prova produzida, com todas as

oportunidades ao investigado em contestá-las.

3.5 – A condenação do Ministério Público nas penas de litigância

de má-fé e sua responsabilidade

Os agentes públicos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência

dos juízes nos seus julgamentos e, para tanto, ficam a salvo de responsabilização civil por

seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou

abuso de poder.

No tocante à responsabilização civil especial dos membros do Ministério

Público, estabeleceu o legislador pátrio, no artigo 85 do Código de Processo Civil, que “O

órgão do Ministério Público será civilmente responsável quando, no exercício de suas

funções, proceder com dolo e fraude.”

Nélson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery interpretando o artigo supra

mencionado asseveram que:

Os membros do MP são agentes políticos e, assim como ocorre com os juízes,

somente respondem por responsabilidade, quando agem com dolo ou fraude no

exercício de sua função. Não estão sujeitos a responsabilidade quando agem com

culpa. As hipóteses de responsabilidade dos juizes e do MP são arroladas em

numerus clausus, taxativamente, não comportando ampliação.” Acrescentam

ainda que “o prejudicado por ato doloso ou fraudulento praticado pelo MP tem

direito de ressarcir-se por meio de ação dirigida contra o poder público” que, por

sua vez, deverá acionar regressivamente o membro do Ministério Público que

tiver agido dolosa ou fraudulentamente no processo 79

É certo que eventual responsabilidade civil do promotor será sempre subjetiva,

em outras palavras, dependerá da demonstração efetiva de conduta ilícita, dano e nexo

causal entre a conduta e o dano, portanto, não podemos falar em responsabilidade objetiva,

que decorre sempre de lei ou de contrato.

79 Código de Processo Civil Comentado, RT, ano 2006, p.277

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É certo que, as situações ensejadoras de responsabilidade civil são restritas, não

possuindo rol amplo, neste diapasão Sergio Roxo da Fonseca. ao escrever sobre Promotoria

e Imprensa assim se manifestou sobre o tema:

Quanto à responsabilidade civil dos Promotores de Justiça abrem-se duas

hipóteses: a) se o Promotor agiu com dolo ou fraude; b) o Promotor não agiu com

dolo ou fraude.

Na primeira hipótese, a parte atingida tem o dever processual de descrever em

que consistiu a conduta dolosa ou fraudulenta lastimada para invocar em seu

favor o preceptivo do art. 85 do Código de Processo Civil. A norma não autoriza

a responsabilidade civil do representante do Ministério Público que agiu apenas

com culpa “stricto sensu". Na segunda hipótese, ou seja, na ausência de dolo ou

fraude, a parte não pode acionar o Promotor de Justiça, mas, sim, o Estado,

cabendo-lhe ação regressiva, se for o caso.80

Nesse ponto, interessante trazer a baila o entendimento de Fabio Medina Osório

quando afirma que:

Até mesmo os atos tipicamente jurisdicionais, legislativos e ministeriais não

dispensam os seus autores da responsabilização por improbidade administrativa,

desde que contaminados pela má-fé que gera o enriquecimento ilícito, o prejuízo

ao erário e a violação aos princípios que regem a administração pública, como no

exemplo dado do magistrado que vende sentenças e do parlamentar que negocia

os seus votos. 81

O promotor de justiça que no desempenho de suas funções cometer abusos,

praticar atos incompatíveis com a função, praticar atos de improbidade, ainda que cercado

de inúmeras garantias constitucionais relativas a função, merecerá reprimenda, após

procedimento próprio, garantida a ampla defesa e o contraditório.

Quanto a vítima da atuação ministerial abusiva esta poderá pleitear indenização

por danos materiais e morais contra o próprio promotor, mesmo dispondo o artigo 85 do

Código de Processo Civil que o órgão é que será civilmente responsável.

Não obstante a possibilidade de responsabilização pessoal do membro do

Ministério Público que age no inquérito com abuso, dolo ou fraude, está ainda sujeito as

sanções pela litigância de má-fé quando da condução processual, em sendo culposa sua

atuação, nesse caso o Estado arcará com a responsabilidade e será o responsável por

eventuais indenizações.

80 MEDINA OSÓRIO, disponível em www.jusvox.com.br/mostraartigos, acessado em 19 de agosto de 2009. 81 OSÓRIO, Fábio Medina - Improbidade Administrativa (Observações sobre a Lei 8.429/92), 2ª Edição Ampliada e Atualizada, Porto Alegre: Editora Síntese, 1998. p.104. 36 STF-AgRg 102.251, relator Ministro Sydney Sanches.

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Qualquer tentativa de exclusão do representante do Ministério Público dos

deveres de lealdade e boa-fé quer dentro do inquérito quer dentro do processo, é afrontar o

bom senso e atacar com chicote a ética, jogando pelo ralo o principio da igualdade de

tratamento.

A Lei que rege a Ação Civil Pública é clara ao dispor que se aplicam a todas as

normas contidas no Código de Processo Civil nos procedimentos que regula, assim, é

notório que nas ações civis públicas e nos inquérito civis, agindo o parquet com má-fé

processual, a ele deverá ser imposto as penas pela litigância, ficando os promotores de

justiça afora a responsabilidade no campo civil sujeitos também as expressas disposições da

Lei de Improbidade Administrativa.

Pedro da Silva Dinamarco comentando os artigos 1º e 2º da Lei de Improbidade

Administrativa discorre:

Está bastante clara a intenção da lei de abranger toda e qualquer pessoa que

exerça função pública, a qualquer título. Portanto, não há como excluir

promotores, nem juízes, da sujeição às penas e à indenização previstas no artigo

12 da lei de Improbidade. 82

Finalmente, ainda no campo das responsabilidades, não se pode esquecer que

está o representante do Ministério Público sujeito a responsabilização penal, cujo Código

Penal vigente prevê algumas condutas do sujeito ativo que inclusive pode ser o promotor de

justiça, ressalvando-se a necessidade de presença de dolo especifico.

3.6 - Recursos no Inquérito Civil

Embora silencie à respeito a Lei da Ação Civil Pública, sobre a possibilidade de

interposição de recursos quando da instauração ou não do inquérito civil, a Lei Orgânica do

Ministério Público do Estado de São Paulo,o faz de forma inovadora, disciplinando nos

artigos 107 e 108, dois recursos oponíveis em ambas as situações.

Assim, da decisão proferida pelo representante do Ministério Público que

preside o inquérito civil consistente em rejeitar a representação para a instauração do

procedimento de inquérito, o interessado poderá no prazo de dez dias, contados da data em

que tenha tomado ciência da decisão, apresentar recurso junto ao Conselho Superior do

Ministério Público, o que entendem-se como mecanismos de controle interno, destacando

que pode ocorrer controle judicial sobre o inquérito civil.

82 Ação civil pública. SP: Saraiva 2001, Op. Cit. p. 257.

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Edis Milaré ao tratar sobre o assunto diz que:

Trata-se, cabe notar, de recurso em princípio inócuo, porque, com ou sem ele e

suas razões, o indeferimento da representação deve ser sempre revisto pelo

Conselho Superior do Ministério Público, porque equivale ao arquivamento das

peças de informação.83

Igualmente caberá recurso, também dirigido ao Conselho Superior da

instituição, da decisão que determina a instauração do inquérito civil, desta feita, pelo prazo

de cinco dias, computados a partir da data de ciência, pelo investigado, da instauração.

Esse segundo recurso, segundo disciplina a lei orgânica estadual, tem efeito

suspensivo, impedindo o início das investigações até o final julgamento do mesmo.

Entretanto, há quem argumente nesse segundo caso que a Lei Complementar é

inconstitucional, sob o argumento de que não pode o Estado legislar sobre recursos ou até

mesmo sobre o inquérito civil, por se tratar de norma processual.84

Para Hugo Mazzilli

É írrito o sistema de recursos no inquérito civil, criado pela lei estadual. Ainda

que em tese pudesse o legislador estadual dispor sobre procedimento, não está a

disciplina do inquérito civil contida no objeto da Lei Orgânica Estadual do

Ministério Público. O objeto a esta reservado consiste apenas em dispor sobre a

organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público, e não dar

disciplina normativa ao inquérito civil.85

Por ser o inquérito civil um procedimento e não um processo conforme alhures

exposto pode o Estado legislar, pois, não se trata, portanto, de norma processual, nem

mesmo de direito material, onde somente a União tem competência exclusiva, nos termos

do disposto no artigo 22, inciso I da Magna Carta86.

A Lei Complementar não pode inviabilizar direta ou indiretamente o alcance de

um instituto já regulado por norma geral. A legislação Estadual, qualquer que seja, deve

estabelecer normas relativas ao domínio da competência estadual.

83 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. A gestão ambiental em foco. São Paulo: Revista dos Tribunais. 5ª ed., 2008, p. 970. 84 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 10ª ed., 2005, p. 1332, nota 6 85 Op. cit. p. 340. 86 Artigo 22, inciso I, Constituição Federal: Compete privativamente a União legislar sobre: direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho

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Inobstante tais discussões, é certo, como bem apontado por Luiz Manoel Gomes

Junior que “de qualquer modo, perfeitamente admissível à impetração de Mandado de

Segurança ou mesmo habeas corpus, desde atendidos os requisitos legais87.

Assim, qualquer medida adotada pelo presidente do inquérito civil no sentido de

impedir o direito de locomoção do investigado, é possível a impetração de habeas corpus e,

qualquer medida que viole o direito liquido e certo do investigado, desde que não amparado

por habeas corpus, é cabível a impetração de mandado de segurança.

3.7- Arquivamento e seus efeitos

Entendendo o representante do Ministério Público que as investigações

desencadeadas e a prova coligida no transcorrer do inquérito civil não são suficientes para a

propositura da ação civil pública ou até mesmo para a celebração de termo de ajustamento

de conduta, determinará que se proceda a seu arquivamento.

Segundo Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior:

O inquérito civil poderá ser arquivado: a) porque a investigação dos fatos

demonstrou inexistirem os pressupostos fáticos ou jurídicos que sirvam de base

ou a justa causa para a propositura da ação civil pública, b) porque a investigação

demonstrou que, embora, tivessem existido tais pressupostos, ficou prejudicado o

ajuizamento da ação.88

José dos Santos Carvalho Filho, ao tratar do assunto, elenca duas espécies de

arquivamento:

O arquivamento institucional e o arquivamento administrativo e traz suas

distinções: a) enquanto o arquivamento de natureza institucional se origina pela

falta de eleentos para a propositura da ação civil pública, o arquivamento

administrativo é provocado por fato impeditivo do ajuizamento da ação (como

p.ex, o compromisso de ajustamento de conduta,; ou o desaparecimento da

violação legal; ou o desaparecimento do sujeito ou do objeto da violação, etc); b)

o arquivamento de natureza institucional, por ser relativo ao exercício de uma das

funções institucionais, vale dizer, o ajuizamento da ação civil pública, deve ser

objeto de reapreciação pelo Conselho Superior do Ministério Público; o

arquivamento administrativo, ao contrário, significa o desfecho de mero

procedimento administrativo, razão pela qual deve ser definido pelo próprio

87 Curso de Direito Processual. Op. cit. p. 261. 88 Ação Civil Pública como instrumento de defesa da ordem urbanística. Belo Horizonte: Del Rey. 2003, p. 166.

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órgão Ministerial que o preside, sem qualquer necessidade de sofrer reexame por

órgão institucional diverso .89

O arquivamento dos autos do inquérito civil não está adstrito a intervenção do

Poder Judiciário como nos casos de arquivamento de inquérito policial, quando optar o

representante do Ministério Público pela promoção de arquivamento, esse deverá de modo

fundamentado fazê-la e posteriormente, sob pena de falta funcional remeter os autos ao

Conselho Superior do Ministério Público, no prazo de três dias, prazo esse improrrogável.

O Conselho Superior do Ministério órgão de execução do Ministério Público,

composto por procuradores de justiça, presidido pelo Procurador Geral de Justiça, analisara

as razões de convencimento do membro oficiante que optou pelo arquivamento.

O Conselho Superior poderá chancelar a opinião manifestada pelo membro do

Ministério Público que requereu o arquivamento, ou discordando determinará o

prosseguimento das investigações se o caso, ou ainda, havendo elementos suficientes para a

tomada de providencias cabível a espécie determinará a propositura de ação civil pública,

designando para tanto nesses dois casos, outro promotor de justiça que se consubstanciará

por ato do Procurador Geral de Justiça.

Como bem observado por Paulo Marcio da Silva:

O promotor de justiça designado não poderá realizar qualquer avaliação de ordem

subjetiva (analise de mérito) quanto ao aforamento ou não da ação civil pública,

posto que, na condição de órgão de execução especialmente designado apenas

exterioriza um convencimento, uma manifestação que é originária do Conselho

Superior.90

Hugo Nigro Mazzilli faz interessante comentário acerca de conseqüências que

surgem com relação ao membro do Ministério Público que promoveu o arquivamento:

Aquele membro do Ministério Público que tinha promovido o arquivamento do

inquérito civil estará logicamente impedido de oficiar: a) na ação civil pública

que venha ser ajuizada por um colega seu, em decorrência da não homologação

do arquivamento pelo Conselho Superior da instituição; b) na ação civil pública

ou na ação coletiva ajuizada por qualquer co-legitimado de que cuidam o artigo 5,

inciso II da Lei da Ação Civil Pública e o artigo 82 do Código de Defesa do

Consumidor.91

89 Ação Civil Pública Comentários por Artigos. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2009, p. 298. 90 O Inquérito Civil e a ação civil pública. Op. cit. 138. 91 O inquérito civil . São Paulo. Saraiva. p. 323.

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É importante frisar nesse particular que, embora seja de competência exclusiva

do Ministério Público a instauração e presidência do inquérito civil, seu arquivamento não

impede que os demais co-legitimados à propositura da ação civil pública proponham tal,

caso entendam cabível e caso disponham de outros elementos.

Os efeitos do arquivamento como trazido pela própria legislação, mais

precisamente no artigo 9 da Lei da Ação Civil Pública não impede que outros co-

legitimados ingressem em Juízo com a ação civil pública. Luis Roberto Proença92 escreve

que “o arquivamento do inquérito civil não é obstáculo do exercício da ação por outro ente

oficial ou particular não constituindo coisa julgada formal”.

Aliás, qualquer dos entes co-legitimados que porventura discordem do

arquivamento promovido pelo órgão de execução do Ministério Público, podem levar ao

Conselho Superior, as razões, desde que fundamentadas, que entender importantes e

necessárias para justificar a intervenção ministerial.

As razões por razões legais, devem ser escritas e não oral e apresentadas dentro

do prazo legal, qual seja, antes da homologação ou da rejeição do arquivamento.

Após homologada pelo Conselho Superior a promoção do arquivamento, o

inquérito civil somente poderá desarquivado, se surgirem novas provas, aplicando-se aqui,

analogicamente o disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal, quando trata do

desarquivamento do inquérito policial.

A questão afeta ao desarquivamento não foi tratada pela Lei da Ação Civil

Pública, mas sim pela Resolução 23 do Conselho Nacional do Ministério Público, desse

modo, o desarquivamento deverá se dar mediante decisão fundamentada, com a exposição

dos novos fatos ou provas suficientes a permitir novo desencadear das investigações.

A reabertura das investigações não deve ser submetida ao crivo do Conselho

Superior do Ministério Público, salvo se desse resultar em novo pedido de arquivamento.

O prazo máximo para o desarquivamento do inquérito civil, em qualquer

hipótese, é de seis meses a partir do arquivamento. Transcorrido esse prazo, instaura-se

novo inquérito civil, muito embora possam ser utilizadas as provas já colhidas.

Destaca-se ainda, ser vedado o arquivamento implícito do inquérito civil, isso

porque, quando proposta a ação civil pública ou celebrado termo de ajustamento de que não

tenha como objeto todos os fatos referidos na portaria de instauração de inquérito civil, o

representante do Ministério Público deverá submeter à apreciação também do Conselho

Superior o que não fora versado no bojo da ação desencadeada ou do termo celebrado.

92 Inquérito Civil . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, op cit p.45.

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Acerca do tema, Mazzill diz que:

Trata-se de grave irregularidade que deve ser coibida, ainda quando praticada de

forma involuntária, seja por desatenção, seja até por negligência. Por falhas e

descuido, isso pode se dar quando: a) haja vários atos ilícitos, em tese, e o

promotor de Justiça só enfrente expressamente a falta de base para ajuizamento

de ação civil pública apenas quanto a alguns desses atos na promoção de

arquivamento; b) haja vários possíveis autores ou responsáveis pelas ilegalidades

e, na promoção de arquivamento, o promotor de Justiça não enfrente

expressamente a ausência de responsabilidade de alguns deles; c) o promotor de

Justiça proponha ação civil pública, mas esta que não cobre todos os atos ilícitos

ou todos os possíveis responsáveis pelas ilegalidades. 93

Em todos esses casos, se o promotor não fundamenta o arquivamento nem

destina suas ponderações ao órgão legalmente encarregado de rever o motivo pelo qual não

agiu em relação a alguns dos fatos ou algumas das pessoas investigadas, ai estará havendo o

chamado arquivamento implícito.

O inquérito civil, uma vez arquivado, nada impede que o mesmo seja reaberto,

bastando para tanto, o surgimento de novas provas que possam mudar o panorama anterior

que levou o membro do Ministério Público a determinar o arquivamento.

Quanto à possibilidade de desarquivamento, do inquérito civil, este poderá

ocorrer diante de novas provas ou para investigar fato novo relevante, podendo ocorrer no

prazo máximo de seis meses após o arquivamento.

Assim, após a homologação da promoção do arquivamento do Inquérito Civil

pelo Conselho Superior do Ministério Público, o órgão do Ministério Público só poderá

então proceder a novas investigações se de outras provas ou fatos conexos tiver notícia, ou

no surgimento de novos dados técnicos ou jurídicos.

O desarquivamento de inquérito civil deverá ser feito por decisão fundamentada

com a indicação de motivos de fato e de direito suficientes a permitir o restabelecimento

das investigações.

Tais exigências são decorrências do principio da segurança jurídica que nada

mais é do que um dos fundamentos basilares do Estado de Direito, informando não só os

princípios da irretroatividade da lei, da coisa julgada, bem como o respeito aos direitos

adquiridos e ao ato jurídico perfeito.

93 O inquérito Civil op. cit p. 261.

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Importante salientar que o Ministério Público não se subsume as ordens

superiores de caráter normativo ou não, em decorrência da independência funcional, mas a

decisão anterior que é eficaz devido ao pronunciamento do órgão incumbido do reexame, o

que não pode ficar sujeito a novo julgamento, tampouco ao influxo de novas orientações

sumuladas pelo Conselho Superior do Ministério Público ou a membros que assuma as

funções daquele.

A Lei Federal 7.347/85 conclui pelo arquivamento possível a partir de novas

provas ,ou seja pela superveniência de fatos novos, quando devidamente comprovados,

pertinentes e suficientes para justificá-lo.

Desse modo, caso a reabertura ocorra com base em novos elementos de

convicção condizente a decisão de propositura da ação civil pública ou de reabertura das

investigações o órgão do Ministério Público não terá que subordinar a decisão do Conselho

Superior do Ministério Público, que só deverá se manifestar no caso de um eventual novo

arquivamento, de modo, que uma nova investigação não afeta a competência do promotor

natural.

3.8- Compromisso de Ajustamento de Conduta

O Compromisso de Ajustamento de Conduta é uma das alternativas previstas

pela Lei da Ação Civil Pública para a defesa dos bens difusos e coletivos tendo sido

introduzido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90).

O termo ou compromisso de ajustamento, dotado de eficácia de título executivo

extrajudicial, foi posteriormente inserido no § 6º do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública,

por força do art. 113 do CDC, que dispõe que “os órgãos públicos legitimados podem,

mediante cominações, tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta

às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de titulo executivo

extrajudicial 94.

Desta feita é um procedimento que vem sendo tratado atualmente em diversas

legislações, como a Lei dos Portadores de Deficiência Física, Lei Ambiental, o Estatuto do

Idoso, Lei Antitruste dentre outras, tendo como finalidade precípua buscar saídas, com a

imposição de medidas negociadas para a reparação dos danos a interesses difusos e

coletivos.

94 A alteração trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, no tocante a introdução do parágrafo 6º ao artigo 5.º da Lei da Ação Civil Pública para que o termo de ajustamento de conduta, até então previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, fosse aplicado a defesa de qualquer interesse difuso e coletivo foi alvo de discussões quanto a possibilidade de sua vigência. De modo profundo, escreveu sobre o assunto Hugo Mazzilli , in o Inquérito Civil, Saraiva: São Paulo. 2º ed. 2000, p. 363.

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Hodiernamente tem sido a solução de conflitos de interesses mediante a

autocomposição, onde há renúncia por parte do compromissário da resistência oferecida a

pretensão e em razão do fato do Estado ser onipresente e não ter aparato suficiente para a

solução de todos os conflitos existentes na sociedade, o compromisso de ajustamento de

conduta abre uma nova perspectiva de composição de conflitos entre Administração e os

administrados, reduzindo em especial a demanda ao Poder Judiciário.

Cuida-se de importante instrumento para a solução dos conflitos

transindividuais, posto que nem sempre a tutela estatal garante que os direitos e interesses

coletivos sejam respeitados na sua integralidade.

Os princípios reitores do termo de ajustamento de conduta são: o de acesso à

justiça, o da prevenção, o da tutela especifica, o da aplicação negociada da norma jurídica e

o democrático. Esses princípios informam a interpretação do ajustamento de conduta e seus

desdobramentos práticos.

De efeito, essa alternativa de resolução de controvérsia de direitos

transindividuais é uma importante decorrência do Estado Democrático de Direito, pois

amplia o acesso à Justiça desse tipo de demanda, ao ensejar uma tutela mais breve,

econômica, em muitos casos, mais adequada do que a proporcionada pela via judicial.

Pode o compromisso de ajustamento de conduta ser celebrado em qualquer fase

do inquérito civil, desde que o fato esteja devidamente solucionado, bem como no decorrer

da ação civil pública, caso já proposta. Daí dizer ser o compromisso extrajudicial ou

judicial, respectivamente.

Sobrevindo o ajuste no curso do inquérito, o mesmo será arquivado, ressaltando

que somente assim se procederá em havendo abrangência total do que se investiga, posto

que, sendo parcial as investigações quanto aos demais fatos poderá prosseguir

normalmente.

Portanto, uma vez celebrado, não mais se encontrará patente o interesse de agir

necessário a propositura da ação civil pública.

Quanto a sua natureza jurídica o compromisso de ajustamento de conduta teria

natureza jurídica de transação, ou ainda teria ele situação jurídica própria que não se

confunde com o instituto civil da transação.

Por transação, ensina Carlos Roberto Gonçalves:

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No sentido técnico-jurídico do termo, contudo, constituí negócio jurídico

bilateral, pelo qual as partes previnem ou terminam relações jurídicas

controvertidas, por meio de concessões mútuas. Resulta de um acordo de

vontades, para evitar os riscos de futura demanda, ou para extinguir litígios

judiciais já instaurados, em cada uma das partes abre mão de uma parcela de seus

direitos.95

Assim, por ser o objeto do ajuste interesses difusos e coletivos indisponíveis

que por sua vez são irrenunciáveis e inegociáveis e por ser o Ministério Público substituto

processual para agir na defesa desses interesses, conforme se depreende do disposto na

legislação coletiva, não podendo deles dispor a seu bel prazer, inviabilizado está à

aplicação do instituto da transação.

Embora tenha o compromisso de ajustamento natureza consensual, não tem ele

natureza contratual, típica do direito privado, uma vez que o órgão público que firmou o

acordo não pode realizar concessões mútuas de direito indisponível, circunstância que

desfigura um dos elementos constitutivos da transação, segundo dispõe o artigo 840 do

Código Civil, tem se que trata o compromisso de ajustamento instituto específico com

características próprias.

Fernando Grella Vieira ao analisar o conteúdo da norma prevista no artigo 5º

parágrafo 6º da Lei da Ação Civil Pública leciona que:

Tal norma, sem duvida, consagra hipótese de transação, pois destina se a prevenir

litígio (propositura da ação civil pública) ou a pôr-lhe fim (ação em andamento),

e ainda dotar os legitimados ativos de titulo executivo extrajudicial ou judicial,

respectivamente, tornando liquida e certa a obrigação.96

Hugo Nigro Mazzilli aponta suas principais características:

Trata-se de título executivo extrajudicial, passando a ser judicial, se homologado

pelo Juiz; dispensar testemunhas instrumentárias; permitir a execução das

obrigações de fazer independentemente de prévia ação de conhecimento; permitir

ação de execução por quantia certa, no tocante as sanções pecuniárias, se

descumpridas as obrigações de fazer.97

95. Direito Civil Brasileiro . 5ª ed. São Paulo: Saraiva, Vol. III, 2008, p. 541. 96 A transação na esfera da tutela dos interesses difusos e coletivos: compromisso de ajustamento de conduta. In: Milaré, Edis (coord). Ação Civil Pública: Lei 7.3471985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 20012 ed.p.289. 97 A defesa dos interesses difusos em juízo. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2003 p.213

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Luis Roberto Proença98 relata que “o compromisso de ajustamento de conduta,

efetivamente, demonstra diferenças tão substanciais em relação ao instituto civil, que

apenas um grande esforço de abstração conceitual poderia fazer uma espécie daquele”

Geisa de Assis Rodrigues em estudo profundo sobre o tema relata que:

O fato de compor um litígio não determina necessariamente que tenhamos que

qualificar o ajustamento de conduta como transação. Repise-se que não há no

ajustamento de conduta, e isso que é fundamental, a existência de concessões

recíprocas. O obrigado se compromete a cumprir uma conduta, que pode ter um

conteúdo variado, consubstanciando uma obrigação de fazer, não fazer, de

entregar coisa, de reparar, ou evitar um dano. Esse é o reconhecimento

fundamental do compromisso de ajustamento de conduta, ou seja, a aceitação que

deve adotar um determinado comportamento para que seu agir atenda as

exigências legais.99

Trata-se de um instituto com características próprias, e que, como visto, não

pode ser comparada ao instituto civil da transação, notadamente porque tem como efeito

principal o de acertar a conduta do obrigado às exigências legais, não sendo possível a

disposição do interesse metaindividual tratado.

Para o projeto de Lei que altera fortemente a Lei da Ação Civil Púbica, essa

discussão se encerra, pois de forma explicita passa a ter reconhecida sua natureza jurídica

como transação100.

Curioso aspecto do compromisso de ajustamento de conduta é o fato de que o

mesmo pode ser integral ou parcial. Luiz Roberto Proença escreve que:

Pode ser ele integral, esgotando todas as conseqüências jurídicas de um conjunto

de fatos ou pode se ele parcial, referindo-se apenas a alguns dos fatos ou das

conseqüências acarretadas por estes fatos, relegando-se o restante para o

prosseguimento das investigações ou para o deslinde judicial. 101

Nada impede a celebração de compromisso de ajustamento de conduta

envolvendo parte do que se esta investigando. É plenamente possível, sendo certo que a

outra parte do dano que não se quer reparar, seja objeto de futura ação civil pública102.

98 Inquérito Civil, atuação investigativa do Ministério Público a serviço do acesso à justiça, Op. cit. p.125 99 Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta, 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 147. 100 Art. 46. O termo de ajustamento de conduta terá natureza jurídica de transação, com eficácia de título executivo extrajudicial, sem prejuízo da possibilidade da sua homologação judicial, hipótese em que sua eficácia será de título executivo judicial. 101 Op. cit. p.127.

102 Autorizando tal proceder foi editada a Súmula 20 C.C.S.M.P.S.P.:Quando o compromisso tiver a característica de ajuste preliminar, que não dispense o prosseguimento de diligências

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Entretanto para que tenha eficácia plena deverá ser revestido de liquidez,

devendo estipular obrigação certa quanto à sua existência e determinada quanto ao seu

objeto, devendo ser estabelecido multa cominatória para o caso de descumprimento.

Terá por objeto, a prevenção de dano, ou a reparação caso o dano já tenha se

efetivado, visando sempre, que o responsável pela obrigação assuma seu cumprimento em

instrumento formal e solene, salvo nos casos de improbidade administrativa onde torna-se

impossível a celebração de ajustamento de conduta.

José Marcelo Menezes Vigliar103 aduz que “os atos de improbidade

administrativa são de natureza tal que, uma vez realizados, advém o dever de ajuizamento

da ação civil pública para reconhecimento do mesmo e conseqüente imposição de pena”.

Luiz Manoel Gomes Junior tratando do assunto ensina que:

A intenção do legislador, bem como sua própria finalidade da norma proibitiva é

bem clara: vedada qualquer espécie de acordo quando a hipótese sub judice

estiver abarcada pela Lei de Improbidade Administrativa.104

Hugo de Nigro Mazzilli105, comungando quanto a impossibilidade de

celebração do termo de ajustamento de conduta nos casos de improbidade administrativa

admite ser possível “o parcelamento de obrigações, sem a dispensa dos juros legais e feita a

correção monetária pelos índices oficiais”.

No mesmo sentido Eurico Ferraresi106, para quem;

A expressa vedação de transação, acordo ou conciliação nas ações de

improbidade, nos termos do parágrafo 1 do artigo 17 da Lei 8.429/1992, merece

nova interpretação. O artigo 12 da citada lei afirma que o responsável pelo ato de

improbidade fica sujeito a inúmeras sanções, como a perda dos bens ou valores

acrescidos ilicitamente ao patrimônio, o ressarcimento integral do dano, a perda

da função pública, a suspensão dos direitos politicos, o pagamento de multa, a

proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos

fiscais ou crediticios, todavia, nada impede que o ressarcimento do dano e a perda

da vantagem indevida sejam objeto do ajuste de conduta. Se o responsável pelo

para uma solução definitiva, salientado pelo órgão do Ministério Público que o celebrou, o Conselho Superior homologará somente o compromisso, autorizando o prosseguimento das investigações. 103 VIGLIAR. José Marcelo Menezes. Ação Civil Pública. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 90. 104 Ibd. p. 269. 105 Ibd. cit. p.394. 106Ação popular, ação civil pública e mandado de Segurança Coletivo, Op. cit. p 230.

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ato ímprobo, de espontânea vontade, concorda em reparar o dano que haja

causado não se pode negar o ajustamento de conduta a respeito.

O Ministério Público do Estado de São Paulo através do Ato 168/98 que

aprovou o Manual de Atuação funcional dos Promotores de Justiça do Estado de São Paulo

permitindo expressamente o ajuste de conduta objetivando a reparação do dano decorrente

de ato de improbidade administrativa.

Assim, em virtude da indisponibilidade do bem protegido, ou seja, o patrimônio

público se torna inadmissível a pactuação de termo de ajustamento de conduta em inquérito

civil, cujo objeto de investigação, seja atos de improbidade administrativa.

Inaceitável também que no ajuste se discuta a questão da perda dos direitos

políticos do agente ímprobo, que como cediço, somente por decisão judicial é que pode ser

ou não imposta.

A idéia do legislador ao vedar a celebração de ajuste de condutas em

procedimentos que investiguem a prática de atos de improbidade levou em consideração, a

gravidade de tais atos, o desencorajamento de novas práticas, e, o fato de que não se pode

deixar nesses casos de se propor ação civil pública, para subseqüente imposição das penas

previstas na Lei de Improbidade.

Para José dos Santos Carvalho Filho, como todo ato jurídico:

A validade do compromisso de ajustamento de conduta deve sujeitar-se à

observância de certos requisitos. Sem eles, o ato será inválido e inidôneo a

produzir os efeitos que dele se espera. Os requisitos se agrupam em quatro

categorias, sendo eles, objetivo, subjetivos, formais e temporais.107

Os requisitos enumerados pelo autor tratam inicialmente dos sujeitos que

participam do ato, desse modo, para ser válido primordial que aquele que violou a norma

manifeste vontade em submeter se as condições do ajustamento e de outro lado, a presença

do órgão público compromissário, responsável legalmente pela elaboração do termo

(requisito subjetivo).

Quanto ao objeto e conteúdo, com exceção dos atos de improbidade

administrativa, conterão o termo de ajustamento, a descrição detalhada da conduta

violadora dos interesses difusos e coletivos, as providências a serem adotadas pelo violador

da conduta, atendidas as exigências legais e finalmente, deve a obrigação ser juridicamente

107 Ação Civil Pública Comentários por Artigo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2009. p.

223.

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possível (requisitos objetivos). Quanto à forma, indiscutivelmente será o ajuste firmado por

escrito, através de instrumento público ou privado (requisito formal). Por fim, quanto ao

tempo, todo e qualquer contrato, estipula-se um prazo para a execução do objeto,

notadamente nos contratos de obrigação de fazer e não fazer, com o compromisso de

ajustamento de conduta não é diferente. Devera constar o prazo para que o agente violador

repare sua conduta lesionadora, pois, se assim não fosse, o instrumento seria inócuo,

restando desnaturado (requisito temporal).

Uma vez firmado o ajuste no âmbito do inquérito civil ou em procedimento

preparatório, surge como conseqüência jurídica o arquivamento dos instrumentos

investigativos, razão pela qual deve o ajuste submeter-se à apreciação do Conselho

Superior do Ministério Público, para que seja homologada ou rejeitada a promoção de

arquivamento. Formalizado o ajuste o juiz da causa, os pressupostos legais de

admissibilidade serão por ele avaliadas.

Nesse sentido a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo é

clara em dispor em seu artigo 112 que: “A eficácia do compromisso ficará condicionada a

homologação da promoção de arquivamento do inquérito civil pelo Conselho Superior do

Ministério Público”.

Sobre a questão, assevera Mancuso:

Com efeito, se a promoção de arquivamento do inquérito civil deve ser submetida

a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público (Lei 7.347/85,

art. 9º, § 3º), parece-nos que, com maior razão – e, quanto mais não fosse, por

justificada cautela, deve o promotor de justiça oficiante colher a prévia oitiva do

Conselho quando se desenhe a virtualidade da transação nos autos da ação em

curso; até porque, uma vez homologado, o acordo receberá a imutabilidade da

coisa julgada.108

Em sentido diverso aponta a Súmula de Entendimento n. 25 do Conselho

Superior do MP paulista, que dispõe não haver intervenção do CSMP quando a transação

for promovida por promotor de justiça no curso de ação civil pública ou coletiva.

Quanto à legitimação ativa para a formalização do ajuste de conduta, este pode

ser firmado perante o Ministério Público ou os órgãos públicos legitimados. Em regra,

seriam legitimados todos aqueles que são dotados de autorização legal para proporem a

ação civil pública.

Sobre a questão, Hugo Nigro Mazzilli aponta três categorias legitimadas:

108 Inquérito Civil. p. 319.

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a) dos legitimados incontroversos: Ministério Público, União, Estados,

Municípios, Distrito Federal e órgãos públicos, ainda que sem personalidade

jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses metaindividuais; b) a

dos legitimados que não podem, de forma alguma, firmar o ajuste: associações

civis, sindicatos e fundações privadas; e c) a dos legitimados controversos, como

as fundações públicas, autarquias, empresas públicas e sociedades de economia

mista. Quanto ao último grupo, entende o autor serem legitimados: [...] os órgãos

pelos quais o Estado administra o interesse público, ainda que integrem a

chamada administração indireta” (autarquias, fundações públicas e empresas

públicas); acrescentando que o mesmo não se aplica quanto às empresas estatais

que “ajam na qualidade de exploradoras da atividade econômica [...] como é o

caso das sociedades de economia mista e empresa públicas quando ajam em

condições de empresas de mercado.109

Há que se notar que as associações, embora legitimadas a propositura da ação

civil pública, não encontram no rol de legitimados para a celebração de compromisso de

ajustamento de conduta, o que é um contra sendo em sua extensa maioria possuindo

finalidade exclusiva a defesa dos interesses coletivos e muito mais capacidade do que

alguns entes públicos.

Para Edis Milaré 110, não basta somente a presença desses requisitos se fazendo

necessário para que tenha o compromisso de ajustamento firmado, validade e eficácia a

intervenção do Ministério Público.

Já Luis Roberto Proença, indica que:

Por uma razão de ordem prática não se recomenda a participação do Ministério

Público nos compromissos firmados por outros órgãos.É simplesmente irrealista

imaginar que todos os eventuais compromissos de ajustamentos firmados pelos

outros órgãos públicos, relativos a sua parcela do poder policia, devam em

antecipação ser referendados pelo Ministério Público. 111

Ao Ministério Público devem ser submetidos os compromissos de ajustamento

de conduta celebrados por outros órgãos, tendo em vista a posição de protagonista da tutela

dos interesses transindividuais conferida, pelo ordenamento jurídico a instituição.

A celebração de compromisso de ajustamento pelo órgão do Ministério Público

sonega dos co-legitimados a interesse processual para demandar em Juízo com relação ao

objeto do mesmo, autorizando, em conseqüência, a propositura de ação visando a defesa

dos interesses não abrangidos pelo termo celebrado.

109 Id p.329. 110 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 5. ed. p. 978 111 Op. cit.129.

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Conforme visto, dentre as características do compromisso de ajustamento de

conduta está a de que, uma vez firmado, e, observadas todas as formalidades para tanto, se

transforma em titulo executivo extrajudicial, o que implica dizer que, não sendo o mesmo

cumprido em seus exatos termos, autorizado esta, a instauração de processo de execução,

cujo rito, dependerá da natureza das obrigações constantes no compromisso (obrigação de

fazer, não fazer, de entregar coisa ou de pagar quantia).

A hipótese mais comum de execução por quantia certa nesses casos se dá

quando o compromisso tiver como único objeto obrigação de indenizar.

Uma vez não cumprido o ajuste celebrado, tem o órgão do Ministério Público, o

dever de executá-lo, por aplicação analógica do disposto no artigo 15 da Lei da Ação Civil

Pública112.

O compromisso pode ser rescindido, nos termos do artigo 486 do CPC,

mediante ajuizamento de ação anulatória, bastando a ocorrência de quaisquer das hipóteses

desenhadas pela legislação processual.

Pode ainda, em sendo seu objeto lesivo ao patrimônio público, a moralidade

administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural, ser ajuizada por

qualquer cidadão ação popular, com a finalidade de anulação do objeto ilícito.

É possível ainda, havendo abusos ou a adoção de medidas que extrapolem os

limites da legalidade, a propositura de Mandado de Segurança, habeas corpus, dentre

outros remédios constitucionais, disponíveis para assegurar a ordem jurídica efetiva e

plena.

O Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos traz em seu artigo

12 e parágrafo único que:

O Ministério Público e os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos

interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, mediante as

cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial, sem prejuízo da

possibilidade de homologação judicial do compromisso, se as partes assim requererem

quando o compromisso de ajustamento for tomado por legitimado que não seja o Ministério

Público, este deverá ser cientificado para que funcione como fiscal.

Ora, em se concretizando a existência do Código, o compromisso de

ajustamento de condutas formalizado pelo Ministério Público e demais co-legitimados, será

112 Artigo 15: Decorridos sessenta dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais co-legitimados.

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resolvidos sem maiores discussões, especialmente quanto a necessidade do Ministério

Público intervir, nos termos de que não participa o que atualmente não ocorre como vimos.

Por fim, é importante destacar a inovação que pretende a nova Lei da Ação

Civil Pública ao dispor que o Conselho Nacional do Ministério Público irá manter um

cadastro nacional, uma espécie de banco de dados, onde estarão arquivados todos os

ajustamentos de conduta celebrados a permitir que todos tenham acesso, sejam membros do

Poder Judiciário, sejam co-legitimados, sejam pessoas da sociedade civil113.

Com isso, sem sombra de dúvidas haverá um controle e uma fiscalização muito

maior do cumprimento de tais ajustes, dentre outros benefícios que a medida traz.

3.9 – Projeto de Lei que altera a Lei n.º 7.347/1985 em relação ao

Inquérito Civil

Tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº.5.139/09, em virtude do

anseio do Ministério da Justiça desejar adequar a legislação pátria "às significativas e

profundas transformações econômicas, políticas, tecnológicas e culturais em âmbito global,

significativamente aceleradas nesta virada do século XX, para o fim de prever a proteção de

direitos que dizem respeito à cidadania".

Nada obstante a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e o Código de Defesa do

Consumidor (Lei 8.072/90), além de outros diplomas normativos federais, disporem sobre

as ações coletivas, o que criou o que se chama hoje de "sistema único coletivo brasileiro",

considerou-se que há uma necessidade de aperfeiçoamento e modernização deste, "com

vistas a adequá-lo às novas concepções teóricas, nacionais e internacionais, e à nova ordem

constitucional".

Diante disto, "o Ministério da Justiça instituiu, por meio da Portaria nº 2.481, de

09 de dezembro de 2008, Comissão Especial composta por renomados juristas e operadores

do Direito, com representação de todas as carreiras jurídicas", a qual formulou o

anteprojeto em questão.

Dentre os renomados especialistas que fizeram parte da referida comissão,

pode-se mencionar, sem prejuízo da notabilidade dos demais integrantes: Ada Pellegrini

Grinover, Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, Antônio Carlos de Oliveira Gidi, Elton

113 Artigo 50: O Conselho Nacional do Ministério Público organizará e manterá o Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Termos de Ajustamento de Conduta, com a finalidade de permitir que os órgãos do Poder Judiciário, os co-legitimados e os interessados tenham amplo acesso às informações relevantes relacionadas com a abertura do inquérito e a existência do Termo.

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Venturi, Gregório Assagra de Almeida, Luiz Manoel Gomes Júnior, Luiz Rodrigues

Wambier e Sérgio Cruz Arenhart.

Recentemente, em 13.04.09, os chefes dos três poderes a nível federal

firmaram o "II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais acessível", que

tem entre seus objetivos (item 3.2) a "revisão da Lei da Ação Civil Pública, de forma a

instituir um Sistema Único Coletivo que priorize e discipline a ação coletiva para tutela de

interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, objetivando a

racionalização do processo e julgamento dos conflitos de massa".

Assim sendo, pode-se reputar iminente a aprovação do projeto de lei em

questão, de modo que sua análise preliminar torna-se de suma importância, até como forma

de estimular o debate que permeará seu trâmite procedimental junto ao Congresso

Nacional.

O projeto, mais precisamente em seu Capitulo X, traz alterações inovadoras no

que pertine ao inquérito civil e ao termo de ajustamento de conduta, porém ainda não é o

suficiente para encerrar as diversas discussões que pairam sobre os institutos, o que com

certeza ainda fará com que Poder Judiciário intervenha e os órgãos de cúpula do Ministério

Público regulem a matéria administrativamente.

Fora isso, a primeira vista já se percebe que foi muito mais além do que as

previsões anteriores.

A primeira grande inovação é o fato de que será possível o representante do

Ministério Público instaurar inquérito civil embasado por denúncia anônima, não que antes

não se podia, todavia, não havia previsão legal.

É certo entretanto, que ainda assim, deve se cercar o promotor receptor da

denúncia anônima de todas as cautelas necessárias, para ao depois tomar as providências

que a espécie reclama.

Outro ponto objeto do projeto que esta a merecer aplausos é a criação pelo

Conselho Nacional do Ministério Público de um cadastro nacional quanto a existência dos

inquéritos civis instaurados e dos ajustes de conduta celebrados, para que todos da

sociedade civil, do Poder Judiciários, e demais órgãos co-legitimados tenha amplo acesso a

esse banco de dados.

Inova ainda, com muito êxito, o projeto de lei em comento quanto à estipulação

de prazos para o cumprimento por aquele que conduz o inquérito civil, o que evitará que

tais procedimentos se eternizem e se percam no tempo.

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Ainda haverá muitas interpretações acerca do projeto apresentado, o que irá

contribuir muito para seu aperfeiçoamento nos ponto que necessita, afinal trata-se apenas

de projeto.

4- O INQUÉRITO CIVIL E A DEFESA DOS DIREITOS

INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Antes de adentrar especificamente sobre os interesses individuais homogêneos,

mister discorrer sobre o direito coletivo, para que então os interesses individuais

homogêneos sejam tratados na esfera do inquérito civil

Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso o direito pode ser sempre conceituado

como coletivo se presentes os seguintes requisitos:

Um mínimo de organização a fim de que se tenha a coesão necessária à formação

e identificação do interesse da causa, a afetação desse interesse a grupos

determinados ou determináveis, um vínculo jurídico básico comum a todos os

aderentes, conferindo-lhes unidade de atuação e situação diferenciada. 114

Assim, direito coletivo, é a designação genérica para as modalidades de direitos

transindividuais, quais sejam o difuso e o coletivo strictu sensu, direitos esses pertencentes

a um grupo de pessoas, a uma classe, categoria, ou seja, a própria sociedade.

Os direitos difusos e coletivos estão na Constituição Federal de forma

garantida, sendo diferenciados de acordo com vários elementos ou ainda espécies.

Hermes Zanetti jr: ao tratar sobre direitos difusos em sua obra o faz da seguinte

maneira:

São direitos difusos os direitos transindividuais , ou seja, aqueles pertencentes a

vários indivíduos cuja natureza seja indivisível e cujos titulares sejam pessoas

114 O município enquanto Co-legitimado para a tutela dos interesses Difusos, Revista de processo, São Paulo, Revista de processo, São Paulo, Revistas dos Tribunais, 1987, nº 48, PP.47.

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indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não há individuação)

ligadas por circunstâncias de fato, não existe um vínculo comum de natureza

jurídica, v.g., a publicidade enganosa ou abusiva, veiculada através de imprensa

falada, escrita ou televisionada, a afetar uma multidão incalculável de pessoas,

sem que entre elas exista uma relação jurídica-base.115

São direitos coletivos stricto sensu , segundo definição encontrada no Código

de Defesa do Consumidor precisamente no art. 81, parágrafo único, II :

Os transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria

ou classe de pessoas (indeterminadas, mas determináveis, enquanto grupo categoria ou

classe) ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base.

Essa relação jurídica base pode se dar por exemplo entre os membros do grupo

affectio societatis ou pela sua ligação com a parte contrária, o que teremos caso como

qualquer associação de profissionais e com contribuintes de determinado imposto.

A relação-base necessita ser anterior à lesão, ou seja, ter caráter de

anterioridade, podendo acrescentar o caso da publicidade enganosa, a "ligação" com a parte

contrária também ocorre, só que em razão da lesão e não de vínculo precedente, o que a

configura como direito difuso e não coletivo stricto sensu.

Outro elemento diferenciador entre o direito difuso e o direito coletivo é a

determinabilidade e a decorrente coesão como grupo, categoria ou classe anterior à lesão,

fenômeno que se verifica nos direitos coletivos stricto sensu e não ocorre nos direitos

difusos.

Contudo, o que importa é a possibilidade de identificar um grupo, categoria ou

classe, vez que a tutela revela-se indivisível, e a ação coletiva não está disponível aos

indivíduos que serão beneficiados.

Para Kazuo Watanabe, o que diferencia os direitos coletivos dos direitos difusos

é A determinabilidade das pessoas titulares:

Seja através da relação jurídica-base que as une entre si (membros de uma

associação de classe ou ainda acionistas de uma mesma sociedade), seja por meio

do vínculo jurídico que as liga à parte contrária (contribuintes de um mesmo

tributo, contratantes de um segurador com um mesmo tipo de seguro, estudantes

de uma mesma escola etc.).116

115 ZANETTI JÚNIOR, Hermes. Direitos coletivos lato sensu: a definição conceitual dos direitos difusos, dos direitos coletivos stricto sensu e dos direitos individuais homogêneos. In: AMARAL, Guilherme & CARPENA, Márcia Louzada Carpena (Coord.). Visões críticas do Processo Civil. Porto Alegre, Livraria do Advogado. 2005 116 GRINOVER, Ada Pellegrini ; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e ; FINK, Daniel Roberto ; FILOMENO, José Geraldo Brito ; NERY JÚNIOR, Nelson ; DENARI, Zelmo . Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. 1062 p.98.

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Para Zanetti117, é preciso determinar o grupo, categoria ou classe beneficiado

em sua amplitude e dimensão não-individual, sendo indiferente a identificação da “pessoa

titular”, pois, a prestação será indivisível, “beneficia um, beneficia a todos”.

Já os direitos individuais homogêneos, são tidos como direitos subjetivos

individuais, direito esse ligado entre si por uma relação de afinidade, de semelhança, de

homogeneidade, permitindo assim a defesa coletiva de todos eles.

Segundo Teori Albino Zavaschi

Os interesses ou direitos individuais homogêneos são aqueles decorrentes de

origem comum. A origem comum pode ser de fato ou de direito, não implicando

necessariamente, que haja unidade factual e temporal. Os direitos individuais

homogêneos têm caráter predominantemente individualizado, são perfeitamente

divisíveis entre os titulares, há ordenamento de relação de titularidade com o bem

da vida violado ou disputado, e este, também por sua vez, é perfeitamente

distribuído e individualizado entre os titulares, no entanto pode postular a

proteção jurisdicional coletivamente, em face da origem comum do direito

afirmado. 118

Afirma ainda tratar-se de direitos originados da incidência de um mesmo

conjunto normativo sobre uma situação fática idêntica ou assemelhada, produzindo um

conjunto de direitos subjetivos com os seguintes aspectos fundamentais de identidade: a) o

relacionado à própria existência da obrigação; b) o que diz respeito a natureza da prestação

devida e; c) o concernente ao sujeito passivo (ou aos sujeitos passivos), comuns a todos

eles”.

Segundo Mazzilli119, os interesses individuais homogêneos “compreendem os integrantes

determinados ou determináveis de grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilham

prejuízos divisíveis, oriundos das mesmas circunstâncias de fato”.

Os direitos individuais homogêneos se destacam dos direitos difusos porque estes têm

indeterminação quanto aos titulares e são indivisíveis e dos direitos coletivos se destacam

porque estes também não têm titular individualizado, mas sim o grupo identificado, e

também tem natureza indivisível.

117 Didier Junior, et al , Curso de Direito Processual Civil – vol. 4,São Paulo: editora Quartier latim, 2005,p.103 118 Processo Coletivo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 157 119 A Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos em Juízo, 23º ed., São Paulo: Saraiva 2003, p. 10.

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Assim, vê se que a falta de indivisibilidade é a principal característica dos

interesses individuais homogêneos. Sendo possível o fracionamento, não haverá, a

princípio, tratamento unitário obrigatório, sendo factível a adoção de solução diferenciada

para os interessados.

Esses interesses individuais homogêneos, pode se dizer, são essencialmente

individuais e acidentalmente coletivos. É preciso para alcançar a qualificação de

homogêneos, o envolvimento de uma pluralidade de pessoas e decorrer de uma origem

comum.

Em suma, Inicialmente, os direitos difusos, são os direitos transindividuais, de

natureza indivisível, em que os titulares são pessoas indeterminadas e ligadas por uma

circunstância de fato.

A título ilustrativo, podemos citar a publicidade enganosa ou abusiva, veiculada

através de imprensa falada, escrita ou televisionada, a afetar uma multidão incalculável de

pessoas, sem que entre elas exista relação base; assim como a colocação no mercado, de

produto de alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança dos

consumidores. (art. 10 do Código de Defesa do Consumidor - Lei Federal n.º 8078/90).

Em ambos os casos o bem jurídico tutelado é indivisível, pois uma única ofensa foi

suficiente para a lesão de todos os consumidores, igualmente a satisfação de um deles, pela

retirada do produto do mercado, beneficia todos eles ao mesmo tempo. O ato atingiu todos

os consumidores em número incalculável, sem estarem ligados por uma relação jurídica

base ao fabricante do produto.

Os interesses ou direitos coletivos em sentido estrito são os direitos transindividuais

de natureza indivisível de que sejam titulares grupos, categorias ou classes de pessoas

ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base (preexistente à

lesão).

A tutela do Estado para estes direitos visa tratá-los de uma forma molecular ,assim

como nos direitos difusos, tendo, porém uma clara distinção conceitual entre eles.

O traço mais marcante de tal distinção é a capacidade que aqui temos de

determinar (não individualizar) as pessoas titulares destes direitos, seja através da relação

jurídica base (por exemplo, membros de uma associação de classe), seja por meio do

vínculo jurídico (contribuintes de um mesmo tributo) que as liga à parte contrária.

Uma das conseqüências de sua natureza indivisível, é que não raro, após o

ganho de causa, a proteção alcançada pela tutela jurisdicional se estenderá inclusive às

pessoas não pertencentes às associações autoras das ações coletivas, e foi por essa razão

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que o art. 103, II do Código de defesa do Consumidor, estabeleceu que as sentenças

proferidas nessas ações se limitariam aos grupos, categorias ou classes que a pleitearam.

Vale dizer, porém, que se um indivíduo propõe ação coletiva e ela é julgada procedente, seu

efeito alcançará não somente seus filiados, como também toda a categoria.

No caso, por exemplo, de uma ação coletiva de associação de pais e alunos,

pleiteando redução das mensalidades, for julgada procedente, todos os pais não associados

também receberão tal benefício, porém, se o que se pretende for a devolução das quantias

pagas a mais pelos alunos, a demanda coletiva só será para tutela de interesses ou direitos

individuais homogêneos, e não de interesses coletivos, pois a origem de causa dos danos

era comum a todos e “penetrou” na esfera jurídica de cada um de forma diferente.

Já os direitos homogêneos embora,possa existir ou nao uma relação jurídica

base anterior (ele pode derivar do difuso ou do coletivo), o que importa é que sejam todos

os interesses individuais derivados de origem comum.

O vínculo com parte contrária em determinados casos é conseqüência da

própria lesão. Essa relação jurídica que nasce na lesão pode ser, ao contrário dos direitos

difusos e coletivos, individualizada na pessoa de cada um dos prejudicados, pois foram

atingidos de modos diferentes na sua esfera jurídica, permitindo aí a determinação, ou ao

menos, a determinalidade das pessoas atingidas cuja determinação acontece quando cada

um exercita seu direito, surgindo uma demanda que visa uma tutela coletiva de interesses

individuais e homogêneos.

O modelo processual coletivo por apresentar peculiaridades que o diferenciam

do modelo processual individual traz ao cuidar do tema, alguns posicionamentos que

merecem ser analisados.

O primeiro posicionamento, que com certeza é mais restritivo, acena pela

impossibilidade de defesa dos interesses individuais homogêneos, em sede de inquérito

civil, alegando-se que a Magna Carta teria aludido à defesa do Ministério Público apenas de

interesses difusos e coletivos e, deste rol, teriam sido excluídos os interesses individuais

homogêneos.

Carlos Mario da Silva Velloso sustentando esse posicionamento relata que:

Ao que tenho sustentado a legitimidade do Ministério Público, diante da

Constituição, restringe-se a promover o inquérito civil e a ação civil pública, para

a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

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interesses difusos e coletivos (C.F., art. 129, III). Não há menção, no inciso III do

art. 129 da Constituição, a direitos individuais homogêneos. 120

A despeito dessa afirmação, continua o autor:

É certo que direitos individuais homogêneos, que se identificam com interesses

sociais e individuais indisponíveis, podem ser defendidos, na ação civil pública,

pelo Ministério Público, tendo em vista a previsão expressa inscrita na

Constituição, art. 127, caput: “O Ministério Público é instituição permanente,

essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem

jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis.121

Assim, pode se verificar que, apesar de defender que a legitimidade do

Ministério Público restringe-se para defesa dos interesses difusos e coletivos, vez que não

há menção expressa no inciso III do artigo 129 da Constituição Federal a direitos

individuais homogêneos, ressaltou ele que se estes se identificarem com interesses sociais e

individuais indisponíveis, podem ser defendidos e investigadas as lesões a eles lançadas.

E continua na mesma esteira de posicionamento vai mais além, pugnando pela

inconstitucionalidade dos artigos 117 e 81, ambos do Código de Defesa do Consumidor

asseverando que:

[...] ao ser elaborado o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de

setembro de 1990) entendeu o legislador ordinário de inovar na Constituição, ao

estender, ex vi de seu art. 117, a ação civil pública. “à defesa dos direitos e

interesses difusos, coletivos e individuais, desde que se trata de “direitos de

interesses individuais homogêneos”. “assim entendidos os decorrentes de origem

comum”, conforme específica o art. 81 do mesmo Código. A enumeração de três

espécies de interesses protegidos por ação civil publica – os difusos, os coletivos

e os individuais homogêneos, afigura-se- me manifestamente inconstitucional.

Concluindo que: A meu ver, o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, em

correlação com o seu art. 127, não pode servir de supedâneo legitimador desse

desideratum, não somente porque os direitos postulados não são indisponíveis,

mas também porque não encontram guarida no inciso III do art. 129, da

Constituição, por ser evidente que uma competência de ordem constitucional não

pode ser ampliada por lei ordinária, a pretexto de esclarecê-la.122

120 Temas de Direito Público, Belo Horizonte: editora Del Rey, 2003, p. 302-304

121 Temas de Direito Público, op cit. p. 303. 122 id. p. 111.

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O Superior Tribunal de Justiça123 entendeu em julgado que enfrentou a

discussão relativa ao tema, pela impossibilidade atuação do Ministério Público na defesa

dos interesses individuais homogêneos.

Respeitado o entendimento esposado por Miguel Reale, tenho que, nada

impede que a lei infraconstitucional venha conferir novas funções ao órgão, se compatíveis

as finalidades institucionais, especificamente para defesa do interesse social e ou de

interesses indisponíveis.

Não prospera, porém, a alegada inconstitucionalidade, uma vez que a própria

Carta Magna prevê que é função institucional do Ministério Público “promover o inquérito

civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio

ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, inc. III), com a ressalva do

exercício de “outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com a sua

finalidade” (art. 129, inc. IX), tornando implícita a legitimidade para a defesa de interesses

individuais homogêneos, desde que observado o “princípio da compatibilidade da defesa do

interesse com o perfil institucional”.

Um segundo posicionamento, por sinal ampliativo, preconiza que a resposta,

sobre a legitimidade do Ministério Público e a defesa de interesses individuais

homogêneos, seria sempre positiva, pois o legislador conferiu, em tese, legitimidade ao

Ministério Público para a defesa de quaisquer interesses transindividuais, conforme se vê

do disposto no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se de uma presunção

legal e, nestes termos, não cabe ao intérprete questionar a presença ou não do interesse

social legitimador de sua atuação.

Ada Pellegrinne Grinover ensina que:

Não bastasse a legitimação a toda e qualquer ação coletiva, conferida ao

Ministério Público pelo art. 82, ao qual o art. 91 faz remissão, o próprio art. 92

reforça a idéia da titularidade do Ministério Público para o processo tratado no

capitulo ora em exame.124

E mais, segundo a autora:

Assim, foi exatamente a relevância social da tutela coletiva dos interesses ou

direitos individuais homogêneos que levou o legislador ordinário a conferir ao

123 Ação Civil Pública. Mensalidades Escolares. Repasse do Aumento dos Professores. Ministério Público. Parte Ilegitima. Não se cuidando de interesses difusos ou coletivos, mas de interesses individuais de um grupo de alunos de um determinado colégio, afasta-se a legitimidade do Ministério Público. Recurso provido (STJ, 1ª T., Resp 65836/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, j. 14.06.1995, v. 1, publ. DJ 14.08.1995, p. 24002). 124 Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.op cit.145

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MP e a outros entes públicos a legitimação para agir nessa modalidade de

demanda, mesmo em se tratando de interesses ou direitos disponíveis, em

conformidade, aliás, com a própria Constituição, que permite a atribuição de

outras funções ao MP, desde que compatíveis com sua finalidade (art. 129, IX); e

a dimensão comunitária das demandas coletivas, qualquer que seja seu objeto,

insere-as sem dúvida na tutela dos interesses sociais referidos no art. 127 da

Constituição.125

Noutras palavras, se o Código de Defesa do Consumidor autoriza o

Ministério Público ajuizar ação coletiva para defesa de todas as espécies de interesses

transindividuais, inclusive individuais homogêneos, não só em matéria atinente às relações

de consumo, mas também em qualquer outra área que envolva interesses transindividuais,

não haveria razão para restringir a iniciativa da instituição e excluir de sua investigação

danos a interesse coletivos e individuais homogêneos.

Além disso, reforça-se essa linha de pensamento com o previsto no artigo 6º,

inciso VII, alínea “d”, da Lei Complementar n.º 75/93, Lei Orgânica do Ministério Público

da União, e o artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei n.º 8.625/93, Lei Orgânica Nacional do

Ministério Público, invocando que também permitem o Ministério Público instaurar

inquérito civil para defesa de interesses individuais homogêneos.

Todavia, esse posicionamento generaliza por demais as hipóteses de atuação do

Ministério Público e inibe, a princípio, por ser uma presunção legal de interesse de agir,

amoldar a atuação do órgão de acordo com suas finalidades constitucionais. Ou seja, não

recordam que as funções atribuídas ao órgão devem ser compatíveis com sua finalidade,

consoante previsto no artigo 129, inciso IX, da Constituição Federal.

Aliás, Ada Pellegrinne Grinover ressalta que:

Quando muito, poder-se-ia exigir, caso a caso, que se aferisse a relevância

social do objeto da demanda coletiva em defesa de interesses individuais

homogêneos, para o reconhecimento da legitimação do MP,e, isso poderia ser

feito na esteira do disposto no art. 82, § 1º, CDC, para a dispensa do requisito da

pré-constituição para as associações, não tendo sentido a afirmação da

inconstitucionalidade do dispositivo do CDC que confere ao MP a titularidade

dessas ações.126

Outra, e, predominante afirma que o Ministério Público possui sim

legitimidade para agir em defesa de interesses individuais homogêneos, todavia, não é

125 Id. p.149 126 Op cit.p.152

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sempre que estará ele legitimado, apenas poderá atuar se houver compatibilidade entre a

defesa do interesse e o seu perfil e destinação constitucionais.

Ou seja, pode sim o Ministério Público agir na defesa dos interesses

individuais homogêneos e coletivos (em sentido estrito), mas só pode atuar ou intervir

processualmente quando haja efetiva compatibilidade com as finalidades institucionais,

principalmente para a defesa do interesse social.

Com este entendimento Hugo Nigro Mazzilli afirma:

O interesse e conveniência social hão de ser apurados em concreto, a partir, por

exemplo, dos seguintes critérios: natureza do dano (saúde, segurança e educação

pública) dispersão dos lesados abrangência social do dano); interesse social no

funcionamento de um sistema econômico, social e jurídico 127

Esse é o posicionamento, aliás, adotado pelo Conselho Superior do

Ministério Público Paulista, que, na Súmula n.º 7, ao estabelecer

O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses individuais

homogêneos que tenham expressão para a coletividade, como: a) os que digam

respeito à saúde ou à segurança das pessoas, ou ao acesso das crianças e

adolescentes à educação; b) aqueles em que haja extraordinária dispersão dos

lesados; c) quando convenha à coletividade o zelo pelo funcionamento de um

sistema econômico, social ou jurídico.

Nestes termos, o Ministério Público está legitimado sempre que houver

relevância social na discussão dos interesses transindividuais em jogo, principalmente

quanto aos individuais homogêneos. Aliás, mesmo que se trate de interesses individuais

homogêneos disponíveis, é possível a intervenção do Ministério Público se envolverem

larga abrangência social, pois cabe ao órgão a defesa dos interesses sociais, e não só

indisponíveis.

Hugo Nigro Mazzilli, comentando a Sumula n.º 7 do CSMP diz que:

A legitimação que o Código do Consumidor confere ao Ministério Público para a

defesa de interesses individuais homogêneos há de ser vista dentro da destinação

institucional do Ministério Público, que sempre deve agir em defesa de interesses

indisponíveis ou de interesses que, pela sua natureza ou abrangência, atinjam a

sociedade como um todo.

127 O Inquérito Civil. Op cit, p. 98.

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O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, por unanimidade, manifestou-se

sobre o assunto:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.

LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO

CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E

HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE

POSTULARÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO. 1. A

Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição

permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa

da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis (CF, artigo 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público

capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal

pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do

meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, artigo

129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem um número

indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos

aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis,

ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A

indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a

determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou

interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (artigo 81, III, da

Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de

direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente

interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base

jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos,

categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas

isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser

vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística

destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As

chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser

impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério

Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de interesse comum, são

subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio

processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. 5.1.

Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como

dever do Estado e obrigação de todos (CF, artigo 205), está o Ministério Público

investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o

bem que se busca resguardar se insere na órbita de interesses coletivos, em

segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo,

recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para,

afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos

interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de

origem, para prosseguir no julgamento da ação. RE n. 163.231-SP, j. em

26.02.97128

128 STF RE n. 163.231-SP, em 26.02.97

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A resposta acerca da possibilidade ou não do Ministério Público instaurar o

inquérito civil com a finalidade de apurar eventuais danos a interesses individuais

homogêneos está obrigatoriamente relacionada com a própria legitimação do Ministério

Público para propor ações em defesa desses interesses.

Os direitos individuais homogêneos alem de estarem previstos no artigo 129, III

da Constituição Federal, ainda vem disposto no Código de Defesa do Consumidor que

estabelece no artigo 90 que:

Aplicam-se às ações previstas neste Titulo as normas do Código de Processo

Civil e da Lei n.º 7.347/1985, no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não

contrariar suas disposições”, titulo este que contém a definição dos interesses

individuais homogêneos no artigo 81, inc III, e que confere legitimidade ao

Ministério Público para sua defesa no artigo 82 inciso I.

Extrai-se desse sistema que não há como restringir a legitimação do Ministério

Público para a propositura da ação civil pública em defesa de quaisquer interesses

individual homogêneos, o que seria se assim fosse negar vigência a Constituição Federal.

Numa interpretação sistemática dos artigos 129 III e 127, ambos da

Constituição Federal, é possível concluir que o Ministério Público possa defender não só os

interesses sociais, mas também os interesses individuais indisponíveis que tenham

características metaindividuais.

De efeito. O artigo 129 III da Constituição Federal reafirma que uma das

instituições do Ministério Público é a defesa do patrimônio social, o que por outro lado, o

inciso IX do artigo 129 também da Constituição Federal diz que o Ministério Público

poderá exercer outras funções que lhe forem conferidas desde que compatíveis com sua

finalidade.

Além dessa legitimação de ordem geral, o artigo 6º VII do Estatuto do

Ministério Público da União estabelece que “Compete ao Ministério Público da União (...)

promover o inquérito civil e ação civil pública (...) outros interesses individuais

indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos”, lembrando que está norma aplica-

se subsidiariamente ao Ministério Público dos Estados.

Embora haja a autorização legal, é válido destacar que somente deverá o

Ministério Público atuar na defesa dos interesses individuais homogêneos, instaurando

inquérito civil ou propondo ação civil pública quando houver a presença marcante de

interesse social.

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A Constituição Federal embora não tenha contemplado entre as funções

institucionais do Ministério Público sua legitimação para a defesa dos interesses individuais

homogêneos, é possível aferir que se trata rol meramente exemplificativo posto prever a

possibilidade de “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis

com sua finalidade- artigo 129 inciso IX.

Entre outras funções que lhe forem conferidas está a defesa dos interesses

individuais homogêneos nos quais identifique relevância social, exatamente pela

compatibilidade com sua finalidade de defender a ordem jurídica, do regime democrático e

dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Letícia Rezende Castelo Branco estudando sobre o tema conclui:

Para aferir a legitimidade do parquet no caso concreto para a propositura de ações

que versem sobre direitos individuais homogêneos, deve se ter sempre em foco a

existência da relevância social, independentemente de previsão legal expressa.

Relevância social é expressão sinônima de interesse social e pode ser definida

como o interesse concernente à maioria da sociedade civil, que reflete o que esta

sociedade entende por bem comum.129

O Supremo Tribunal Federal130 em um passado não muito distante entendeu ser

possível a instauração de inquérito civil, bem como o aforamento de ação civil pública em

se tratando de interesses individuais homogêneos.

Na mesma trilha o Superior Tribunal de Justiça131 também já decidiu favorável

a atuação como autor, do Ministério Público em casos de interesse individual homogêneo.

A legitimidade do Ministério Público tanto para a instauração de inquérito civil,

quanto para propor a competente ação civil pública, só se discute nos casos em que se trate

de direitos disponíveis, devendo nesses casos, ser comprovada a relevancia social.

129Letícia Rezende Castelo Branco, Legitimidade Ativa do Ministério Público nas Ações Coletivas para a Defesa dos Interesses Individuais Homogêneos. Unaerp, 2008. 130 Recurso Extraordinário n.º 163.231 –SP – Relator Ministro Mauricio Correia: “(...) detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I eIII). (...) 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n.º 8.078/1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1 Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalistica destina-se á proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas”. RE 424048 AgR- SC, relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 25.11.2005; AI 438703 AgR, relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 05.05.2006 131 Resp. 633470 – CE, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 19.12.2005 e Resp 396081-RS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

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Kazuo Watanabe tratando do tema faz importante observação, para ele:

O órgão do Ministério Público deve permanecer atento para não promover ações

coletivas que tutelem interesses genuinamente privados sem qualquer relevância

social, sob pena de amesquinhamento da relevância institucional do parquet.132

Luiz Manoel Gomes Junior entende que:

Inexiste incompatibilidade entre as funções institucionais previstas na

Constituição Federal para o Ministério Público e a defesa dos direitos individuais

homogêneos, pois houve uma clara opção não só em ampliar as áreas de atuação

pelo Ministério Público, como ainda, para proteger os denominados direitos

coletivos.133

Ao que parece, deve prevalecer o entendimento, posto não haver nem

legislação, nem posição doutrinária e jurisprudencial concreta a respeito, o fato de que

somente haverá atuação do Ministério Público em inquérito civil e ação civil pública

atinente a interesses individuais homogêneos quando houver relevância, interesse social do

bem jurídico tutelado.

A tutela destes direitos pelo Ministério Público, não colide com as funções

institucionais do órgão, pelo contrário, vem de encontro com suas atribuições

constitucionais.

Observada a relevância social do objeto, a atuação do órgão do Ministério

Público na defesa dos interesses individuais homogêneos é primordial para uma sociedade

justa e democrática.

132 Resp. 633470 – CE, relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 19.12.2005 e Resp 396081-RS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura. 133 Op. Cit. p. 38.

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CONCLUSÃO

O progresso tecnológico e científico, assim como as transformações sociais,

políticas econômicas ocorridas ao longo do século XX proporcionaram a massificação da

atual sociedade. Concomitantemente, fez-se necessário um processo de evolução e

conscientização da coletividade no tocante aos novos interesses ou direitos que passaram a

existir, sendo inerentes a todos e devendo ser respeitados e preservados.

O presente trabalho teve por objetivo demonstrar o instituto do inquérito civil

como instrumento de cidadania para a proteção dos direitos difusos, coletivos e

especialmente os individuais homogêneos, destacando a importância de sua sistematização

como meio de alcance da efetividade deste.

Para que houvesse a efetiva proteção dos interesses transindividuais, aliada

com a economia processual, foi criado um novo sistema, o da tutela coletiva de direitos,

materializada nos processos coletivos, mecanismo que possibilitou a adequada tutela

jurídica dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Contudo, como grande parte da população ainda desconhece a existência da

tutela coletiva,os meios de defesa dos seus direitos ou até a eventual repercussão coletiva

que possa advir de uma pequena lesão individual, o ordenamento jurídico criou, em sede

processual, a legitimação extraordinária de determinados órgãos e entidades, habilitando-os

a defender em seu nome direitos alheios.

O Ministério Público é órgão legitimado a defender os interesses difusos,

coletivos e individuais homogêneos, conforme o art. 5.º, “caput”, da Lei n.º 7.347/85 e art.

82, I da Lei n.º 8.078/90, sendo que sua atuação, além de adequada, parece ser essencial,

pois corresponde às suas atribuições previstas no art. 129 da Constituição Federal.

O encampamento dos direitos coletivos na ordem jurídica brasileira traz como

conseqüência a necessidade de adaptação do inquérito civil a essa realidade substancial,

isto é, a existência de direitos de natureza coletiva requer um procedimento também desta

natureza para tutelá-los.

Assim, se por um lado o legislador constituinte deixou de inserir expressamente

os interesses individuais homogêneos dentre aqueles que são objeto da intervenção

ministerial, por outro lado permite a Constituição ser interpretada de modo a considerar o

art. 129, inciso IX, como conclusivo à legitimidade ao MP nesse sentido, ao dispor que,

dentre seu imperativo institucional, encontra-se o exercício de outras funções que lhe forem

conferidas, desde que compatíveis a sua finalidade.

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Já no âmbito das normas programáticas do Código de Defesa do Consumidor o

art. 5º, II atribuiu ao Ministério Público a defesa do Consumidor, para que assim garantisse

a efetividade desses direitos.

Desse modo, quando se trata de direito do consumidor o dispositivo deve ser

observado pelos juízes, reconhecendo o Ministério Público como instituição que possui

legitimidade para defender os interesses dos consumidores.

Ademais, a intervenção do Ministério Público é medida importante para evitar

que decisões conflitantes ou contraditórias referentes ao mesmo fato possam fragilizar a

celeridade processual ou que seja dispensado tratamento individual a situações geradas por

uma sociedade de consumo de massas.

Em relação à legitimidade do Ministério Público para as tutelas dos interesses

individuais homogêneos, embora, como narrado no trabalho alguns autores defendam que o

Ministério Público só possuiria legitimidade para defender os interesses difusos e coletivos,

como disposto no inc. III, art. 129 da Constituição, o que excluiria os individuais

homogêneos.

A conclusão exposta pelo trabalho revela que a análise do art. 81 e 82 do

Código de Defesa do Consumidor revela o contrário, deixando claro que o Ministério

Público tutela qualquer interesse , portanto, os interesses individuais homogêneos.

Outro forte argumento é a invocação do artigo 127 “caput” da Carta Magna,

bem como, os artigos 6º, VII alínea “d” da Lei complementar 75/93, Lei Orgânica do

Ministério Público da União LOMPU, 25, IV, alínea a da Lei 8625/93 Lei orgânica

Nacional do Ministério Público que trazem em seu bojo a possibilidade de legitimidade do

Ministério Público de defesa dos interesses individuais homogêneos.

Dessa forma, uma vez que a defesa de interesse coletivo ou individual

homogêneo convier à coletividade como um todo, o Ministério Público tem legitimidade

para tutelá-los.

A possibilidade do Ministério Público instaurar o inquérito civil com a

finalidade de apurar eventuais danos a interesses individuais homogêneos está

obrigatoriamente relacionada com a própria legitimação do Ministério Público para propor

ações em defesa desses interesses.

Além dessa legitimação de ordem geral, o artigo 6º VII do Estatuto do

Ministério Público da União estabelece que “Compete ao Ministério Público da União (...)

promover o inquérito civil e ação civil pública (...) outros interesses individuais

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indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos”, lembrando que está norma aplica-

se subsidiariamente ao Ministério Público dos Estados.

Assim, a tutela dos direitos individuais homogêneos pelo Ministério Público,

não colide com as funções institucionais vindo ao encontro às suas atribuições

constitucionais, observado a relevância social do objeto, sendo primordial na defesa dos

interesses individuais homogêneos através do instrumento do inquérito civil para uma

sociedade justa e democrática.

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