leonardo vanni.pdf

161
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP LEONARDO VANNI A MATERIALIDADE DO ICMS-IMPORTAÇÃO E A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 33 DE 2001 MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2014

Upload: fvg50

Post on 06-Dec-2015

18 views

Category:

Documents


5 download

TRANSCRIPT

Page 1: Leonardo Vanni.pdf

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

LEONARDO VANNI

A MATERIALIDADE DO ICMS-IMPORTAÇÃO E A EMENDA

CONSTITUCIONAL Nº 33 DE 2001

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2014

Page 2: Leonardo Vanni.pdf

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

LEONARDO VANNI

A MATERIALIDADE DO ICMS-IMPORTAÇÃO E A EMENDA

CONSTITUCIONAL Nº 33 DE 2001

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação da Professora Doutora Elizabeth Nazar Carrazza.

SÃO PAULO

2014

Page 3: Leonardo Vanni.pdf

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

____________________________________

____________________________________

Page 4: Leonardo Vanni.pdf

AGRADECIMENTOS

A esta universidade, seu corpo docente, direção e administração que

oportunizaram, direta e indiretamente, a promoção do presente estudo, o qual tem

grande significado em minha vida pessoal e profissional.

À minha orientadora, Professora Elizabeth Nazar Carrazza, pelo suporte, mas

principalmente pelo exemplo de mestre e pessoa.

Aos meus pais, pelo amor, incentivo e apoio incondicional.

Aos amigos Isabela e Fernando Bonfá, pelo incentivo e pela confiança.

A todos aqueles na minha vida que, de alguma forma, contribuíram no meu

desenvolvimento como indivíduo e profissional.

Page 5: Leonardo Vanni.pdf

EPÍGRAFE

De fato nada aprendi sem que tenha partido, nem ensinei ninguém sem

convidá-lo a deixar o ninho. Partir exige um dilaceramento que arranca uma parte do

corpo à parte que permanece aderente à margem do nascimento, à vizinhança do

parentesco, à casa e à aldeia dos usuários, à cultura da língua e à rigidez dos

hábitos. Quem não se mexe nada aprende. Sim, parte, divide-te em partes. Teus

semelhantes talvez te condenem como um irmão desgarrado. Eras único e

referenciado. Tornar-te-ás vários, às vezes incoerente como o universo que, no

início, explodiu, diz-se, com enorme estrondo. Parte, e tudo então começa.

Partir. Sair. Deixar-se um dia seduzir. Tornar-se vários, desbravar o exterior,

bifurcar em algum lugar. Eis as três primeiras estranhezas, as três variedades de

alteridade, os três primeiros modos de se expor. Porque não há aprendizado sem

exposição.

Michel Serres

Page 6: Leonardo Vanni.pdf

RESUMO

O presente trabalho tem a intenção de investigar a respeito dos efeitos

decorrentes da inserção proposta pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, a qual

entendemos ter criado uma nova exação tributária semelhante ao Imposto de

Importação, mas de competência dos Estados e do Distrito Federal.

Neste sentido, buscamos compreender a opinião da mais moderna doutrina

sobre a matéria, a fim de estarmos munidos de instrumentos capazes de

compreender quanto à adequação da referida Emenda ao contexto constitucional

atual.

A investigação em tela inicia pelas particularidades do imposto sobre

circulação de mercadorias (ICMS), de forma a cotejá-lo com a incidência deste

mesmo imposto sobre operações de importação. Neste ponto, defenderemos que o

imposto estadual incidente sobre importação de mercadorias não constitui espécie

tributária autônoma, devendo ostentar coerência com a materialidade do imposto

incidente nas operações internas.

Seguindo no mesmo sentido, o estudo em questão atingirá seu objetivo ao

adentrar especificamente nas alterações promovidas pela referida Emenda

constitucional, de forma a demonstrar que ao “alargar” a competência tributária dos

Estados e do Distrito Federal, o legislador constituinte derivado restou por ferir

direito fundamental do contribuinte, portanto incorrendo em inconstitucionalidade nos

termos do inciso IV, §4º, artigo 60 da Constituição Federal.

Finalmente, iremos investigar casos emblemáticos da jurisprudência

envolvendo as particularidades da alteração promovida pela Emenda Constitucional

nº33 de 2001, de acordo com os conceitos apreendidos nos capítulos anteriores,

firmando opinião quanto aos casos analisados.

Palavras-chave: Imposto. Emenda Constitucional. Competência Tributária. ICMS.

Importação.

Page 7: Leonardo Vanni.pdf

ABSTRACT

This paper intends to investigate into the effects related to the insertion

proposed by Constitutional Amendment No. 33 of 2001, which we understand to

have created a new tax exaction similar to import duty, but to be imposed by the

States and the Federal District.

In this sense, we seek to understand the views of the more modern doctrine

on the matter, in order to be equipped with instruments capable of understanding the

appropriateness of the amendment to the current constitutional context.

Research on screen starts with the details of tax on merchandise operations

(ICMS), in relation with the incidence of this same tax on import operations (ICMS-

Importação) with merchandise. At this point, we will hold that the incident on the

import of goods does not constitute an autonomous state tax tax species and should

bear consistency with the materiality of the tax levied on domestic operations (ICMS).

Following the same lines, the study in question will reach it´s goal entering

specifically into the changes performed by that Constitutional amendment in order to

demonstrate the "extension" of the taxing power of the states and the Federal

District, made by the constitutional legislator derived, hurting taxpayer individual

guarantee, thus being unconstitutional under item IV, § 4, Article 60 of the present

Federal Constitution.

Finally, we will investigate the emblematic cases involving the particularities of

change promoted by Constitutional Amendment No. 33, 2001, in accordance with the

concepts learned in previous chapters, firming opinion about the cases analyzed.

Keywords: Tax. Constitutional Amendment. Jurisdiction Tax. ICMS (VAT). Import

VAT.

Page 8: Leonardo Vanni.pdf

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

CAPÍTULO I – SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO.................................... 14

1.1 Sistema do direito positivo ................................................................................... 14

1.2 Sistema constitucional brasileiro ......................................................................... 18

1.2.1 Conceito de constituição ............................................................................... 20

1.2.1.1 Limites ao poder constituinte derivado ....................................................... 22

1.3. Sistema constitucional tributário ......................................................................... 27

1.3.1 Competência tributária .................................................................................. 28

1.4 Diferença entre princípios e regras constitucionais ............................................. 36

1.5 Princípios que devem ser observados ................................................................ 40

1.5.1 Princípios gerais relacionados com a matéria ............................................... 40

1.5.1.1 Princípio republicano .................................................................................. 41

1.5.1.2 Princípio federativo .................................................................................... 46

1.5.2 Princípios especialmente relacionados em matéria tributária ....................... 49

1.5.2.1 Princípio da legalidade ............................................................................... 50

1.5.2.2 Princípios da igualdade (isonomia) e da capacidade contributiva .............. 53

1.5.2.3 Princípio da proibição de tributação com efeito de confisco ...................... 60

1.5.2.4 Princípio da não-cumulatividade ................................................................ 65

1.5.2.4.1 Violação do princípio da não-cumulatividade em função da Emenda

Constitucional nº 33 de 2001 no caso do ICMS-Importação .................................. 73

CAPÍTULO II – ANÁLISE DO ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL DO ICMS-

IMPORTAÇÃO .......................................................................................................... 76

2.1 Antecedente normativo........................................................................................ 80

Page 9: Leonardo Vanni.pdf

2.1.1 Critério material da regra matriz de incidência .............................................. 80

2.1.1.1 Vocábulo circulação ................................................................................... 85

2.1.1.2 Vocábulo operação .................................................................................... 86

2.1.1.3 Vocábulo mercadorias ............................................................................... 88

2.1.2 Critério espacial da regra matriz ................................................................... 92

2.1.3 Critério temporal da regra matriz .................................................................. 95

2.2 Consequente normativo .................................................................................... 100

2.2.1 Critério quantitativo da regra matriz ............................................................ 100

2.2.1.1 Base de cálculo do ICMS-Importação ...................................................... 106

2.2.2 Critério pessoal da regra matriz .................................................................. 110

CAPÍTULO III - DA MATERIALIDADE DO ICMS-IMPORTAÇÃO NA REDAÇÃO DA

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº33 DE 2001 ......................................................... 119

3.1 Direito fundamental de apenas ser tributado nos termos da Constituição ........ 126

3.1.1 Direito fundamental de apenas ser tributado nos estritos termos da redação

original da Constituição Federal ........................................................................... 127

3.2 ICMS-Importação incidente sobre a pessoa física e sobre não-contribuintes do

imposto .................................................................................................................... 131

3.3 ICMS-Importação incidente sobre o Ingresso de bens em contratos de

arrendamento mercantil .......................................................................................... 140

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 152

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 156

Page 10: Leonardo Vanni.pdf

10

INTRODUÇÃO

Em função do princípio da estrita legalidade tributária, a cobrança de tributo

somente pode existir uma vez que instituída por lei, de forma pormenorizada, de

acordo com todos os critérios da regra-matriz de incidência da exação em questão.

A lei instituidora do tributo, por sua vez, deverá buscar seu fundamento de

validade na Constituição Federal, na qual restam elencadas todas as materialidades

tributárias possíveis, de acordo com o ente político que tem a capacidade de criá-la.

em sistema constitucional de repartição de competências tributárias.

O objeto do presente trabalho consiste no fato da Emenda Constitucional nº

33, de 11 de dezembro de 2001, ter promovido modificação no âmbito do sistema de

atribuição de competências, o que veremos não poderia ter ocorrido. Isso porque a

referida alteração da Lei Maior teve por efeito a criação de um novo tributo, capaz de

ser exigido no ingresso de bens e mercadorias em território nacional,

independentemente do objetivo da importação, tributo este também albergado sob

sigla ICMS.

Em relação ao ICMS incidente sobre as Importações (ICMS-Importação), o

Texto Constitucional, em sua redação original, limitava a competência tributária dos

Estados e do Distrito Federal às entradas de mercadorias. Na redação original,

assim dispunha a alínea “a”, inciso IX do artigo 155 da Constituição Federal de 1988

(CF/88):

Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. (…) §2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) IX - incidirá também: a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço. (grifo nosso)

Page 11: Leonardo Vanni.pdf

11

De acordo com a redação original da alínea “a”, IX, §2º, do artigo 155 da

Constituição Federal, verificamos que o ICMS incidente nas operações de

importação ostenta coerência material com o ICMS incidente sobre as operações

internas, sendo somente possível a instituição do imposto em relação aos bens que

ingressem no país com objetivo comercial.

Advertimos que incidência do ICMS não se relaciona com a importação

propriamente dita, uma vez que a competência para a tributação deste fato foi

outorgada à União, por meio do Imposto de Importação 1 . No caso do ICMS-

Importação, o que é possível tributar é a incorporação de determinada mercadoria a

ciclo econômico, que será desenvolvido em território brasileiro. Há, claramente, a

distinção necessária para que se delimite a competência tributária de cada um das

pessoas políticas. Em sendo assim, correta a classificação do ICMS-Importação em

conjunto com o “imposto sobre a circulação de mercadorias”, como destacado no

item anterior. Contrario sensu, de acordo com a distinção apontada, entende-se que

não incide o ICMS-Importação nos casos de importação de bens de consumo,

promovida por não-contribuinte do imposto, por exemplo, conforme já se manifestou

o STF nos autos do RE nº 185.789-7/SP.

Neste contexto, a partir da edição da Emenda Constitucional nº 33 de 2001

(EC nº 33/01), passou a ser a disposição constitucional da alínea “a”, inciso IX do

artigo 155 da Constituição Federal que o ICMS incidirá também:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (grifo nosso)

Constatamos, portanto, que a referida emenda promoveu ‘alargamento” das

materialidades passíveis de incidência pelo ICMS, de forma que qualquer entrada

pode ser escolhida pelo legislador infraconstitucional como objeto de incidência do

ICMS-Importação. Esta, no entanto, não é a posição defendida pelo presente

trabalho, como veremos a seguir.

A nosso ver, a alteração constitucional objeto do presente estudo fez surgir

um novo tributo, o que desrespeita garantia fundamental do contribuinte, de apenas

1 Conforme artigo 153, inciso III da Constituição Federal de 1988.

Page 12: Leonardo Vanni.pdf

12

ser tributado nos estritos termos exauridos pelo legislador constituinte originário, em

afronta direta ao artigo 60, §4º, inciso IV, da Constituição Federal.

De modo a demonstrar as inconstitucionalidades que permeiam a alteração

promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 o presente trabalho propõe

análise dividida em duas partes, sendo a primeira relacionada a conceitos gerais

aplicáveis à matéria e a segunda dedicada especificamente às alterações

promovidas pela referida emenda.

Nesta parte geral, o estudo busca traçar o conceito de sistema constitucional,

demonstrando hierarquia existente entre as normas constitucionais, bem como a

hierarquia existente entre os poderes constituintes, se originário ou derivado.

Ainda no âmbito do estudo geral da matéria constitucional aplicável,

buscamos analisar o sistema constitucional tributário, principalmente no que diz

respeito à sistemática de repartição das competências tributárias. No mesmo

sentido, ainda, buscaremos analisar os mais implicados princípios constitucionais,

úteis na verificação da inconstitucionalidade promovida pela Emenda Constitucional

nº 33 de 2001.

Dando continuidade ao estudo, buscaremos investigar o ICMS-Importação em

contraposição com o estudo a respeito da regra-matriz do ICMS incidente nas

operações internas com mercadorias, de forma a demonstrar a inexistência de uma

materialidade completamente dissociada no caso das operações provenientes do

exterior.

Avançando na parte especifica do presente estudo, analisaremos

pormenorizadamente a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de

2001, de forma a demonstrar que a referida emenda deve ser compreendida por

inconstitucional, sendo que para tal nos valeremos de conceitos construídos na parte

geral deste estudo.

Finalmente, o estudo em tela tratará em específico de dois casos já debatidos

no âmbito da jurisprudência, diretamente implicados pelas alterações promovidas

pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, o caso das importações promovidas por

pessoas físicas e não-contribuintes do ICMS e o caso das importações decorrentes

de contratos de arrendamento mercantil.

De acordo com a análise acima exposta, nas razões que passamos a arguir,

veremos que a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 não

pode ser recepcionada de forma a outorgar nova competência tributária às unidades

Page 13: Leonardo Vanni.pdf

13

da Federação. No entanto, como veremos, esta não tem sido a interpretação

majoritária no âmbito da jurisprudência.

Page 14: Leonardo Vanni.pdf

14

CAPÍTULO I – SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO

1.1 Sistema do direito positivo

Preliminarmente, devemos aqui observar que o estudo em tela tem como

premissa a percepção do direito positivo organizado como um “sistema”, o que nos

auxiliará a compreender melhor nosso objeto de estudo, bem como nos possibilitará

a interpretação mais adequada do problema a que aqui nos dedicamos.

Para tal, devemos num primeiro momento advertir que o conceito que aqui se

busca do vocábulo “sistema” é específico, de maneira que deveremos descartar

quanto às ambiguidades que pairam sobre este conceito, conforme adverte Tércio

Sampaio Ferraz2. Como explica o referido autor, o termo “sistema” encontra sua

origem etimológica na expressão grega systema, a qual corresponderia à noção de

junção, de conglomerado, sendo que atualmente ao termo é agregada a ideia de

ordem ou organização.

Por sua vez, Norberto Bobbio 3 também adverte quanto à pluralidade de

significados que o vocábulo sistema alberga, fazendo especialmente menção a três

significados do termo em matéria jurídica. O primeiro significado compreende que o

ordenamento jurídico pode ser compreendido como um sistema quando todas as

normas derivem de uma mesma matriz, quais sejam os “princípios gerais do direito”.

A segunda concepção do termo sistema é oposta à anterior, propondo

raciocínio no sentido inverso, partindo do conteúdo de simples normas para atingir

conceitos gerais em direito. O terceiro sentido refere-se à ideia de coerência, que

deve ostentar aquilo a ser denominado de sistema, a qual se afirmaria nas hipóteses

de antinomia de normas, uma vez que ambas as normas, ou uma delas, deverá ser

expulsa, promovendo coerência que permite seja verificado um verdadeiro sistema.

2 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Conceito de sistema no direito: uma investigação histórica a partir da obra jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p.8. 3 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. São Paulo: Edipro, 2014, p. 76.

Page 15: Leonardo Vanni.pdf

15

Por sua vez, Lourival Vilanova4 refere-se ao conceito de sistema aplicado ao

direito nos seguintes termos, os quais certamente auxiliam a construir um conceito

que buscamos:

As proposições normativas integrantes do sistema jurídico têm o mais variado conteúdo. São formas que se saturam com referências a fatos-do-mundo. A unidade do sistema jurídico é formal. Não provém da homogeneidade de uma região de objetos. Objetos de regiões diversas no sistema do Direito se encontram: um fato geográfico, como o curso de um rio; um fenômeno biológico, como a vida; outro psicológico como a intenção dolosa; (....) O que interliga proposições normativas tão variadas em conteúdo é o fundamento-de-validade que cada uma tem no todo. (...) Na norma fundamental reside o fundamento-limite de validade e dela, por inferência, não se podem sacar as proposições da Constituição positiva, ou as leis ordinárias ditadas com o apoio nos preceitos da Constituição.

Conforme se verifica em todos os conceitos trazidos, a percepção de sistema

pressupõe a concepção de classe, de forma a somente pertencer ao sistema

aquelas normas que ostentem pertinência com este, satisfazendo a condição

específica que permite a distinção de determinada classe.

A fim de verificar-se a relação entre sistema e classe, podemos trazer à tona

a fórmula empregada na teoria das classes, qual seja “x pertence a K”, significando

dizer que todo indivíduo x que satisfizer as características definitórias da classe K a

esta pertencerá.

Por meio da teoria das classes e em relação aos sistemas normativos, como

o que aqui buscamos estudar, o doutrinado argentino Ricardo Caracciolo, em

entendimento aproximado ao de Hart, destaca a existência de dois critérios

verificáveis, os quais desempenham a condição de pertinencialidade: a

dedutibilidade e a legalidade:

Herbert Hart sostiene la tesis según la cual, la existencia de un sistema jurídico depende necesariamente de la utilización compartida de criterios de validez jurídica. (...) El contenido mínimo de la formulación lingüística de semejante regla es la mención de criterios de validez, o lo que es lo mismo - al

4 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4.ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 128.

Page 16: Leonardo Vanni.pdf

16

menos, en principio – de criterios de identificación,; una norma pertenece al sistema jurídico S, si, y sólo si, satisface alguno de los criterios formulados en la regla de reconocimiento de S.5

A distinção aqui proposta em relação aos critérios de pertinencialidade do

sistema normativo leva em consideração a concepção de Kelsen6, para o qual se

poderia perceber o sistema como estático ou dinâmico. O sistema é percebido como

estático, quando em relação à norma fundamental é possível ser deduzida a partir

das demais normas do sistema, apresentando também clara identificação de

conteúdo. Em relação aos sistemas dinâmicos, são identificados nos casos onde a

norma fundamental somente promove o fundamento de validade das demais, não

havendo identificação de conteúdo que permita que uma norma seja deduzida em

função da outra. O sistema de norma que se apresenta como uma ordem jurídica

tem essencialmente um caráter dinâmico, já que uma norma jurídica não vale

porque tem determinado conteúdo pressuposto e fixo por outra norma, o que permite

seja o sistema mutável, dinamicamente sensível às mudanças sociais.

A distinção em tela quanto às percepções possíveis do fundamento de

validade que define um sistema normativo nos leva a outra distinção conceitual,

entre os vocábulos “sistema do direito positivo” e “ordenamento jurídico”. Por

sistema do direito positivo compreendemos o conjunto de normas estaticamente

consideradas, de forma que por ordenamento jurídico compreendemos o conjunto

de normas dinamicamente sobrepostas, sendo que o último leva em consideração a

existência de diversos sistema distintos, de acordo com o tempo e com as normas,

as quais são recepcionadas e expulsas pelo próprio sistema.

Tárek Moysés Moussallem7 bem define a distinção que aqui se busca tração,

ao referir-se a respeito dos critérios que definem o ordenamento jurídico (OJ), a

partir da conjunção de diversos sistemas de direito positivo (SDP), existentes no

tempo:

Assim o conjunto OJ é composto por vários subconjuntos denominados SDP1, SDP2, SDP3, SDPN, sucessivos nos t1, t2, t3, tN, modificados por expansão, contração ou revisão de acordo com as regras constitutivas de introdução e de eliminação. O

5 CARACCIOLO, Ricardo. Sistema jurídico y regla de reconocimiento. Espanha: Universidad de Alicante, 1991, p. 10. 6 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 1.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 215. 7 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. 2.ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 131.

Page 17: Leonardo Vanni.pdf

17

ordenamento jurídico não é um conjunto de normas, mas, sim, uma sequência temporal de conjuntos de normas.

De forma clara, também explana Geraldo Ataliba8, a respeito do conceito de

sistema, em obra inteiramente dedicada ao tema na área tributária:

5- Assim, o estudo de qualquer realidade, seja natural, seja cultural – quer em nível científico, quer didático, será mais proveitoso e seguro, se o agente é capaz de perceber e definir o sistema formado pelo objeto e aquêle maior, no qual este se insere. Se se trata de produto cultural ainda que o esforço humano que o produziu não tenha sido consciente de elaborar um sistema, previamente deliberado nesse sentido, deve procura-lo e apreendê-lo o observador ou intérprete. 6- O objeto deste estudo é o sistema constitucional tributário brasileiro composto de realidades jurídica produto da inteligência e da vontade do homem: o conjunto de normas constitucionais, chamado de constituição.

Conforme podemos observar das definições trazidas acima, o conceito de

sistema compreende a aglomeração de elementos, os quais restam agrupados uma

vez que apresentam característica comum. Esta característica vem a ser o critério de

pertinencialidade que classifica os elementos nesta classe, garantindo unidade e

coerência ao sistema.

Pelas razões acima expostas, compreendemos que o direito positivo constitui

verdadeiro sistema, o qual é formado a partir do conjunto de enunciados, em relação

aos quais são formuladas as normas jurídicas. As normas em questão estão

organizadas de forma coerente, uma vez que todas derivam umas das outras e

foram criadas de acordo com os critérios da legalidade.

Neste sentido, tornamos presente a compreensão de Hans Kelsen, para o

qual os enunciados prescritivos e os instrumentos introdutórios de outras normas

são verificados de forma hierarquizada, de forma que as normas buscam sua

validade nas normas escalonadas imediatamente acima. De acordo com a doutrina

de Kelsen, o fundamento máximo das normas presentes no sistema seria a

Constituição, a qual deverá também encontrar fundamento em norma superior, a

qual, no entanto, não estaria posta no sistema. Neste sentido, refere-se o autor9:

8 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 4. 9 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. São Paulo: Ed. Safe, 1986, p. 328.

Page 18: Leonardo Vanni.pdf

18

A norma fundamental de uma ordem jurídica ou moral positivas – com evidente do que precedeu – não é positiva, mas meramente pensada, e isto significa uma norma fictícia, não o sentido e um real ato de vontade, mas sim de m ao meramente pensado. Como tal, ela é uma pura ou verdadeira ficção no sentido vaihingeriana Filosofia do Como-Se, que é caracterizada pelo fato de que ela não somente contradiz a realidade, como também é contraditória em si mesma. (...) O fim do pensamento da norma fundamental é: o fundamento de validade das normas instituintes de uma ordem jurídica ou moral positiva, é a interpretação do sentido subjetivo dos atos ponentes dessas normas como de seu sentido objetivo; isto significa, porém, como norma válidas, e dos respectivos atos como atos ponentes de norma. Este fim é atingível apenas pela via da ficção.

O conceito de sistema consiste na reunião ordenada de várias partes que

formam um todo, desempenhando neste contexto cada qual sua função, de acordo

com previsão constante e produzida pelo próprio sistema, de forma que umas dão

razão às demais.

1.2 Sistema constitucional brasileiro

O conceito de sistema constitucional está fundamentado na noção de que as

normas existentes encontram-se organizadas de forma hierárquica, buscando

sempre fundamentação em norma superior, até a Constituição. Inexistindo a relação

de subordinação em tela, a norma perde seu fundamento de validade, devendo ser

expelida do sistema, na forma também prescrita pelo próprio sistema, seja por

revogação ou declaração de inconstitucionalidade, conforme previsão atualmente

vigente no Brasil.

O conceito de sistema constitucional pressupõe, necessariamente, a ideia de

supremacia da Constituição. Isso significa dizer que as demais normas, emitidas em

qualquer nível do sistema, sejam gerais ou individuais, abstratas ou concretas,

deverão estar em conformidade com a Constituição.

Devemos destacar que a Constituição vigente é rígida no que diz respeito a

sua forma de alteração. Isso porque a Constituição somente pode ser alterada

naquilo que é estipulado pela própria Carta Magna e, para tal, deverá ser respeitado

rito diferenciado.

Page 19: Leonardo Vanni.pdf

19

A rigidez constitucional serve para afirmar quanto à supremacia da

Constituição em relação aos demais textos legais, como bem observa José Afonso

da Silva:

Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção do ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas. (....) Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos. Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se conformarem com as normas da Constituição Federal10.

Também em relação à supremacia da Constituição, bem resume Roque

Antonio Carrazza:

O que estamos procurando ressaltar é que a Constituição não é um mero repositório de recomendações, a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional, pelo administrador público e pelo juiz. Afinal, são elas que protegem os cidadãos das eventuais arbitrariedades estatais11.

Devemos observar, ainda, que a supremacia da Constituição confere a esta

caráter de imperatividade, impondo àqueles que a elas se submetem, até mesmo o

Estado, dever de obediência. Esta supremacia, formal e material, se deve ao fato de

que na Constituição estão albergados os mais importantes valores de uma

sociedade, que constam da Constituição para que sejam protegidos.

10 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 47. 11 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 35.

Page 20: Leonardo Vanni.pdf

20

De acordo com o conceito de sistema, dotado de unicidade e harmonizado,

observamos que as normas publicadas deverão encontrar sua validade em outras

normas, de hierarquia superior, de maneira que, em última análise, estas normas

deverão ser válidas em relação à Constituição Federal.

Em assim sendo, passemos ao estudo do conceito de Constituição, o qual se

faz necessário para compreendermos qualquer matéria tributária no âmbito do

direito brasileiro, haja vista o extenso tratamento dado à matéria em nível

constitucional.

1.2.1 Conceito de constituição

Conforme já podemos conceituar do quanto vimos acima, por Constituição

compreendemos a norma de maior hierarquia dentre as normas postas do sistema,

em relação a qual todas as demais normas extraem validade, em última análise. No

entanto, o conceito de Constituição, tão importante em matéria tributária, alberga

outras características, as quais veremos a partir dos conceitos extraídos da doutrina.

Comecemos pela posição de Paulo Gustavo Branco e Gilmar Ferreira

Mendes, os quais advertem em relação à pluralidade de conceitos albergados sob o

signo Constituição, trazendo à tona as diversas posições da doutrina, em relação as

quais destacamos a anotação que faz sobre Konrad Hesse, nos seguintes termos 12:

Mas, voltando a Konrad Hesse, diz-nos esse publicista que a Constituição deve ser entendida como a “ordem jurídica fundamental de uma comunidade ou o plano estrutural para a conformação jurídica de uma comunidade, segundo certos princípios fundamentais”, uma tarefa cuja realização só se torna possível porque a Lei Fundamental: - fixa os princípios diretores segundo os quais se deve formar a unidade política e desenvolver tarefas estatais; - define os procedimentos para a solução dos conflitos no interior da comunidade; - disciplina a organização e o processo de formação da unidade política e da atuação estatal; e,

12 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 34.

Page 21: Leonardo Vanni.pdf

21

- cria as bases e determina os princípios de ordem jurídica global.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho13 destaca a Constituição a partir do exercício

de poder que esta representa, nos seguintes termos:

Aplicando ao Estado, o termo “Constituição” em sua acepção geral pode designar a sua organização fundamental total, quer social, quer política, quer jurídica, quer econômica. E na verdade tem ele sido empregado – às vezes – para nomear a integração de todos esses aspectos – a Constituição total ou integral. (...) Por organização jurídica fundamental, por Constituição em sentido jurídico, entende-se, segundo a lição de Kelsen, o conjunto das normas positivas que regem a produção do direito. Isto significa, mais explicitamente, o conjunto de regras concernentes à forma de Estado, à fora do governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos, aos limites de sua ação.

No mesmo sentido, José Afonso da Silva, verbis:

A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organizam os elementos constitutivos do Estado14.

Nas palavras de J.J. Gomes Canotilho 15 sobre o atual papel das

Constituições, denota-se que o entendimento de que na Carta Magna

encontraremos apenas limites ao poder legiferante, nos seguintes termos:

A pirâmide jurídica deve ser superada impondo-se uma visão muito mais complexa e realista do direito da ordem jurídica. (...) E o que fica da constituição como norma? E o que fica da constituição como ordem? Ficam as duas coisas – norma e ordem –

13 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, p. 37. 14 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 39. 15 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2007, p. 1155.

Page 22: Leonardo Vanni.pdf

22

mas com um sentido diverso do tradicional. A constituição continua a ser uma ordem-quadro moral e racional do discurso político e uma norma fundamente e superior do ordenamento jurídico, estruturada com base em regras e princípios identificadores de nossa comunidade jurídica.

Observamos como núcleo das definições acima relacionadas que a

Constituição existe como fundamento do Poder do Estado, de forma que a todos os

demais, inclusive ao Estado, é devida obediência à Constituição, a partir de conceito

de que somente o poder derivado da Carta Magna é soberano. No entanto, mais

merece ser observado a respeito do poder constituinte.

1.2.1.1 Limites ao poder constituinte derivado

Ainda em relação ao poder constitucional, importante destacarmos a

diferença entre o poder constituinte originário e o poder constituinte derivado ou

reformador, o que se faz ainda mais importante, pois o tema do presente estudo é

exatamente em torno da alteração promovida na Constituição por meio do poder

constituinte derivado.

Poder constituinte originário é aquele que cria um novo Estado ou substitui

outro já existente, de forma que nenhum outro poder lhe antecede, ou existe acima

desse. O constituinte originário tudo pode; a ele cabe descrever o Estado, dispor

como ele será. Por estes motivos, o poder constituinte originário possui três

características básicas, a saber: é inicial, ilimitado e é incondicionado.

Por sua vez, o poder constituinte reformador é aquele que deriva de

Constituição já existente, conforme construída pelo legislador originário. Vemos aí

grande diferença existente entre ambas as sortes de poder constituinte, quer dizer, o

poder derivado observa, sim, limite ao seu exercício, uma vez que existe somente

em função de previsão do próprio texto constitucional, carecendo da autonomia e

incondicionalidade que observamos no poder constituinte originário.

No que diz respeito às limitações impostas ao legislador derivado, este não

poderá adentrar nas matérias especificadas em seu artigo 60, no § 4º, da

Constituição Federal, quais sejam aquelas matérias escolhidas para restarem

Page 23: Leonardo Vanni.pdf

23

petrificadas no ordenamento jurídico. De acordo com o dispositivo acima referido,

“não poderão ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I –

a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a

separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais”.

Além do limite material especificado acima, a Constituição ainda faz

referência aos limites circunstanciais, quais sejam os constantes do §1º, artigo 60,

da Constituição Federal, o qual prescreve que a Constituição não poderá ser

emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de

sítio.

Encerrando o rol das condições impostas ao poder constituinte derivado,

destacamos as limitações procedimentais, as quais são encontradas no §5º, artigo

60, da Constituição Federal, no sentido de que a matéria constante de proposta de

emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta

na mesma sessão legislativa. No mesmo sentido, o § 2º do artigo 60 da Constituição

Federal ordena que a alteração constitucional será votada em dois turnos, por cada

uma das casas do Congresso Nacional, devendo ser aprovada por três quintos dos

respectivos membros.

Para o estudo que aqui propomos, destacamos que o dispositivo em questão

impede que qualquer deliberação seja proposta em relação à forma federativa de

organização dos Estados. De acordo com o mesmo dispositivo, não são permitidas

alterações em relação às garantias individuais, ao voto direto, secreto e universal,

bem como em relação à separação dos Poderes, termos estes corolários lógicos do

que compreendemos como república.

Nesse sentido, também observava Geraldo Ataliba, nos seguintes termos:

Não pode o órgão de reforma, o Congresso Nacional, sequer discutir qualquer projeto tendente (que abrigue tendências; que leve; que conduza; que encaminhe; que facilite; que possibilite, mesmo indiretamente) à abolição dos dois princípios, reputados tão importantes, tão fundamentais, tão decisivos, que tiveram tratamento sacro, proteção absoluta, erigidos que foram em tabus jurídicos16.

O poder constituinte derivado existe no ordenamento no intuito de que

também a Constituição seja reformada, de forma a manter o Texto Constitucional

16 ATALIBA, Geraldo. Republica e Constituição. 3.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2011, p. 39.

Page 24: Leonardo Vanni.pdf

24

atualizado em relação à evolução das condutas intersubjetivas, como o próprio

ordenamento prevê, por meio do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,

que assim dispõe:

Art. 3º - A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.

Conforme se observa das limitações expressamente impostas ao constituinte

derivado, notamos que este legislador em muito se distancia da soberania e

independência conferida ao legislador originário, de forma que este deverá

desempenhar sua função sempre de forma contida.

Portanto, o poder constituinte derivado deverá se submeter ao Poder

Judiciário, o qual poderá declarar a inconstitucionalidade de emenda constitucional,

uma vez que esta não esteja em consonância com disposição estabelecida pelo

poder constituinte originário. Deve-se manter aquilo que claramente existe na

Constituição, qual seja a indicação de um poder constituinte de segundo grau17, o

qual é necessariamente limitado, tanto material quanto formalmente. Neste sentido,

também são as lições de José Afonso da Silva o qual, ainda, refere em relação às

limitações materiais de duas sortes:

Desde a Constituição de 1934, tronou-se prática corrente estatuir um tipo de limitação circunstancial ao poder de reforma, qual seja a se não se procederá à reforma da Constituição na vigência do estado de sítio. A Constituição vigente mudou um pouco nesse particular. Veda emendas na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. Introduziu a vedação referente à intervenção federal nos Estados, que não era prevista antes (art. 60, §1º.). A controvérsia sobre o tema mais se aguça, quanto a saber quais os limites materiais do poder de reforma constitucional. Trata-se de responder à seguinte questão: o poder de reforma pode atingir qualquer dispositivo da Constituição, ou há certos dispositivos que não podem ser objeto de emenda ou revisão? Para solucionar a questão, a doutrina distingue entre limitações materiais explícitas e limitações matérias explícitas18.

17 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 67 . 18 Ibid., p. 68.

Page 25: Leonardo Vanni.pdf

25

No que diz respeito às limitações materiais explícitas, estas seriam aquelas

constantes do já referido §4º, do artigo 60, da Constituição Federal, o qual indica

expressamente as matérias que não podem se sujeitar a modificações. Resgatamos

aqui a citação da obra de Geraldo Ataliba, no que diz respeito ao fato de que as

modificações impedidas não são somente aquelas que visam diretamente revogar,

por exemplo, a organização federativa, mas também eventuais alterações que

busquem contribuir negativamente para a forma federativa do Estado brasileiro.

Destacamos, mais uma vez, a posição de José Afonso da Silva:

A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento

conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente

restringir a liberdade religiosa, ou e comunicação ou de outro direito

e garantia individual; basta que a proposta de emenda se encaminhe

ainda que remotamente, tenda (emendas tendentes, diz o texto) para

a sua abolição19.

No que diz respeito aos limites materiais implícitos, estes se restringiriam a

três, quais são: (i) impossibilidade de mudança quanto ao titular do poder que cria o

próprio poder reformador; (ii) impossibilidade de mudança quanto ao titular do poder

reformador; e, (iii) impossibilidade de mudança do processo de emenda à

Constituição. Em relação às limitações implícitas, acreditamos serem plenamente

existentes, vez que se assim não o for nada adiantaria estabelecer vedações

materiais a este poder, se fosse possível alteração de ordem ainda mais profunda,

como nos três casos acima.

Aproximando os conceitos acima à matéria tributária, destacamos que já

decidiu o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939

(ADI 939), de forma que no âmbito tributário a anterioridade é uma garantia

individual do contribuinte, sendo portanto uma cláusula pétrea da Constituição

Federal. Vejamos o entendimento veiculado pela ADI 939, de relatoria do Ministro

Sydney Sanches, do Tribunal Pleno:

EMENTA: - Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação

19 Ibid., p. 69.

Page 26: Leonardo Vanni.pdf

26

ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em conseqüência, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.

Não vamos aqui adentrar, neste momento, em relação à validade material da

Emenda Constitucional nº 33 de 2001, mas já adiantamos nossa opinião de que a

norma em questão da mesma forma ultrapassou os limites daquilo que pode ser

alterado por meio de emenda, uma vez que também resta por atentar contra

garantia individual do contribuinte de apenas ser tributado nos estritos termos

definidos pelo legislador constituinte originário.

Page 27: Leonardo Vanni.pdf

27

1.3. Sistema constitucional tributário

A Constituição, por sua vez, também pode ser segmentada como um sistema

em si, a partir de um primeiro corte metodológico. Este sistema, composto

estritamente pelas normas constantes da Constituição, será formado por normas

que deverão ostentar coerência entre si e principalmente com os princípios

constitucionais, estes últimos normas de hierarquia superior e função diferenciada.

Em nenhuma outra Constituição o legislador constitucional teve tamanho

cuidado com a matéria tributária, dispensando 27 artigos ao assunto, tratando por

vezes de forma detalhada a respeito da materialidade das exações. Ao capítulo

dedicado à matéria tributária, o legislador escolheu exatamente o nomear de

“Sistema Constitucional Tributário”.

A existência de um sistema constitucional tributário é o segundo corte

metodológico que deve ser feito, tendo o primeiro sido pela existência de um sistema

constitucional. Conforme visto, a percepção de um sistema constitucional nos parece

imperiosa, haja vista a supremacia da Constituição e a forma como as normas do

ordenamento jurídico relacionam-se entre si.

O corte metodológico ora proposto não é dotado do mesmo imperativo, mas

se justifica como possibilidade do intérprete analisar o conjunto de normas de

maneira sistematizada. Roque Antonio Carrazza compreende que este corte

metodológico traz à tona a existência de um subsistema, o que explica a respeito do

tratamento que propomos:

II – A Constituição, porém, não é um ajuntamento de perceptivos, cada qual girando em sua estreita órbita, sem sofrer nenhuma atração dos demais. Pelo contrário, como elucida Caros Ayres Britto, eles “(...) se articulam em feixes orgânicos, em blocos unitários de sentido, como peças de uma mesma engrenagem e instrumentos de uma só política legislativa”20. Em realidade, o jurista deve ordenar as normas constitucionais em grupos de fundamentação unitária, formando sistemas e subsistemas (como o tributário).21

20 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 50. 21 BRITTO, Carlos Ayres. Inidoneidade do decreto-lei para instituir ou majorar tributo, in RDP 66/45. Apud Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 43.

Page 28: Leonardo Vanni.pdf

28

Por sistema constitucional tributário pretende-se identificar as normas

constitucionais que tratam de matéria tributária, bem como a relação destas normas

com o restante do sistema constitucional, tudo no sentido de regular juridicamente a

obrigação de pagar tributo.

Conforme visto, o conceito de sistema pressupõe sistematizar, estruturar em

um conjunto lógico e organizado, em relação ao qual se verifique coerência entre as

normas, as quais encontrarão fundamento de validade em norma superior, a

Constituição Federal.

Além de atribuir validade às demais normas do sistema, a Constituição indica

o modo de produção das demais normas, bem como aqueles que têm competência

para legislar a cada respeito.

Em assim sendo, o sistema constitucional tributário brasileiro deverá ser

compreendido levando-se em consideração a minuciosa repartição das

competências legislativas, dentre elas a tributária, impondo limite ao legislador

infraconstitucional e, em última análise, ao Estado como polo ativo da relação

tributária.

1.3.1 Competência tributária

No que diz respeito ao estudo sob comento, faz-se de extrema importância

trazer à tona o conceito de competência tributária, principalmente no que tange à

relevância constitucional que o tema alberga.

Primeiramente, devemos destacar que por repartição de competências

compreendemos a indicação constitucional dos fatos econômicos que podem ser

utilizados pelo legislador infraconstitucional como materialidade para a criação de

tributos.

Observamos que a indicação dos referidos fatos confere autonomia financeira

aos municípios e aos entes da Federação, corolário lógico de princípios

constitucionais previstos nos artigos 1º e 20 da Constituição Federal. Devemos já

observar que a correta verificação acerca da competência tributária deverá,

Page 29: Leonardo Vanni.pdf

29

necessariamente, concluir pela rigidez que esta demarcação fixa, de acordo com a

necessidade de nosso sistema constitucional vigente. Neste sentido, esclarece

Geraldo Ataliba22:

27 – Em matéria tributária – ou, melhor dizendo, em matéria de fixação de competência tributária e formas de seu exercício – a nossa Constituição não foi genérica e sintética. Ao contrário, foi particularizada e abundante, não deixando margem jurídica – para grandes desenvolvimentos e integração pela legislação ordinária e, menos ainda, pelos costumes, pela construção ou outras formas.

A rigidez da atual Constituição vigente no Brasil, fazemos atenção à grande

atenção dispensada à matéria tributária, demarcando pormenorizadamente o âmbito

das competências de cada um dos entes políticos. Também é aspecto de uma

constituição rígida, o fato da Constituição brasileira atualmente vigente traçar,

pormenorizadamente, a forma de alteração do texto constitucional, estabelecendo as

matérias que podem ser objeto de emenda, bem como aquelas que não podem, as

cláusulas pétreas.

A respeito da rigidez presente em nível constitucional em relação à matéria

tributária, Humberto Ávila refere:

Como já mencionado, o Sistema Constitucional Tributário é um sistema rígido. Essas há muito conhecidas rigidez e exaustividade decorrem de dois fundamentos: de um lado, as regras de competência e a repartição das receitas são intensamente reguladas pela própria Constituição. Todos os impostos da União (art. 153), dos Estados (art. 155) e dos Municípios (art. 156) são definidos pela própria Constituição. Os requisitos normativos para sua instituição são estabelecidos pela Constituição mesma23.

Em assim sendo, a rigidez do sistema constitucional vigente manifesta-se em

diversas oportunidades, mas principalmente em relação à matéria tributária,

conforme a opinião dos autores destacados.

Desta forma, foi escolha do legislador constitucional a repartição das

competências tributárias entre União, Estados e Municípios, em decorrência do

princípio federativo e da autonomia municipal e distrital, de forma a proporcionar

22 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 15. 23 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 15.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2014, p. 31 .

Page 30: Leonardo Vanni.pdf

30

verdadeira autonomia das pessoas políticas. Sobre o tema, verifiquemos o

entendimento de Luís Eduardo Schoueri:

Numa primeira aproximação, não haveria razão para o constituinte ter repartido as competências tributárias. A discriminação de competências tributárias não é requisito de um sistema federal. Este exige que se assegure às pessoas jurídicas de direito público autonomia financeira. Entretanto, autonomia financeira implica discriminação de rendas, o que não se confunde com discriminação de competências24.

No entanto, em que pese a competência tributária proporcionar autonomia

financeira aos entes políticos, a competência tributária encerra em si limite objetivo,

no sentido de que somente poderão ser tributadas as hipóteses previstas pela

Constituição.

Devemos observar que, de acordo com nosso ordenamento, por força de uma

série de garantias previstas em nível constitucional, não há se falar em um poder

tributário, absoluto e total, implicando dizer que o exercício da atividade tributante

está restrito àquilo determinado pelo legislador constitucional, no mero exercício de

autorização para tributar. Neste sentido, ensina Roque Antonio Carrazza:

De fato, entre nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida, cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País, poder tributário (manifestação do ius imperium do Estado), mas competência tributária (manifestação da autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-constitucional). A competência tributária é determinada pelas normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau superior às de nível legal, que – estas, sim – preveem as concretas obrigações tributárias 25.

Ainda na doutrina do mesmo autor, em outra obra, ainda a respeito da

competência tributária, destaca o grau de positivação que encontramos na

delegação da competência tributária26, nos seguintes termos:

De fato, a Constituição brasileira, ao discriminar as competências tributárias, traçou a regra-matriz (a norma padrão de incidência) de

24 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 238. 25 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 573. 26 CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Ed. Noeses, 2010, p. 43.

Page 31: Leonardo Vanni.pdf

31

cada exação. Noutro falar, apontou, ainda que de maneira implícita, a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e, num certo sentido, até o mesmo a alíquota possível das várias espécies e subespécies tributárias.

Por este motivo, a Constituição não cria tributos, mas apenas traz a previsão

daqueles tributos que podem ser criados, por meio da lei, pelo correspondente ente

político. Isso porque, o legislador constitucional se vale de técnica de repartição de

competências, implicando na indicação, em muitos casos pormenorizada, do fato

que poder ser tributado, principalmente no caso dos impostos.

Noutros casos, a indicação é menos objetiva, como nas contribuições sociais

e, mesmo em relação aos tributos vinculados – como as taxas – há na Constituição

indicações precisas a respeito dos critérios para a sua criação.

A respeito dessa distinção, bem explica Sacha Calmon Navarro Coêlho,

verbis:

No concernente aos impostos, não é suficiente às pessoas políticas a previsão do art. 145. Com esforço nele, não lhes seria possível instituir os seus respectivos impostos. O art.145 não declina os fatos jurígenos genéricos que vão estar na base fática dos impostos que, precisamente, cada pessoa política recebe a Constituição. É que, no caso dos impostos, a competência para instituí-los é dada de forma privativa sobre fatos específicos determinados. Concluindo, as taxas e as contribuições de melhoria são atribuídas às pessoas políticas, titulares do poder de tributar, de forma genérica e comum, e os impostos, de forma privativa e determinadas. Como corolário lógico, temos que os impostos são enumerados pelo nome e discriminados na Constituição um a um27.

Em relação à repartição de competências das taxas, Luis Eduardo Schoueri

expõe doutrina alemã que, em função do caráter sinalagmático da relação, refere

quanto às taxas como competência anexa:

Se o tributo se justifica e é devido em virtude de uma atuação estatal que pode ser imputada a um contribuinte, ou a um grupo de contribuintes, a competência tributária não pode ser desvinculada da atribuição constitucional para a atuação que justificou a tributação. Por essa razão é que para as taxas surgiu, na doutrina alemã, o conceito de competência anexa. Naquela país, o texto constitucional sequer cogita da competência para instituir taxas. Refere-se apenas aos impostos. Entretanto, a doutrina e

27 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 67.

Page 32: Leonardo Vanni.pdf

32

a jurisprudência entenderam que a competência para instituir taxas está vinculada (anexa) à competência material (...)28

De acordo com o mesmo autor29 , a referência pertinente ao conceito de

competência anexa consta positivada em norma nacional, qual seja o artigo 80 do

CTN:

Art. 80. Para efeito de instituição e cobrança de taxas, consideram-se compreendidas no âmbito das atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, aquelas que, segundo a Constituição Federal, as Constituições dos Estados, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e a legislação com elas compatível, competem a cada uma dessas pessoas de direito público.

Podemos abstrair corresponder ao conceito de competência anexa, que

aquele possuidor de atribuição para atividade estatal terá, igualmente, competência

tributária. Em assim sendo, não havendo atribuição do Estado naquela atividade,

não estará União, Estado, Distrito Federal ou Município legitimado a cobrar taxa.

Desta forma, anexa ou principal, em nenhum caso podemos admitir uma

norma aberta, a qual permitiria ao Fisco instituir tributo indiscriminadamente, em

coerência com o conceito de sistema constitucional rígido tratado acima. Neste

sentido, forte a doutrina de Sacha Calmon Navarro Coêlho, destacada acima, muito

menos poder-se-ia imaginar tamanha liberdade no caso dos impostos, uma vez que

especificamente pormenorizados pela Constituição Federal.

Como veremos mais a seguir, como decorrência desta extensa positivação a

respeito das materialidades tributária compreendemos que foi intenção do legislador

constituinte originário encerrar em seu turno a possibilidade de criação de novos

tributos, à exceção dos casos relacionados à competência residual. A competência

residual, por sua vez, reafirma em relação à rigidez que aqui argumentamos, como

veremos mais adiante.

Pelos argumentos trazidos até aqui a respeito da competência tributária, já

podemos concluir que a demarcação da competência tributária é escolha,

necessariamente, do legislador superior (constituinte), capaz de prescrever limite

28 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 2.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, p. 175. 29 Ibid., p. 75.

Page 33: Leonardo Vanni.pdf

33

preliminar ao exercício da atividade de criação de tributos por meio de normas

inferiores (leis ordinárias).

A necessidade de uma correta repartição de competências, de acordo com os

fatos tributáveis, não somente garante a autonomia financeira das pessoas políticas,

mas também assegura respeito ao princípio da capacidade contributiva, presente no

artigo 150 da Constituição Federal. A divisão de competências de acordo com os

fatos econômicos tributáveis evita a tributação cumulativa de mais de um ente

político sobre o mesmo fato. Ou seja, se a competência para tributar o fato

econômico renda é da União, somente esta poderá criar tributo que incide sobre o

referido fato.

Ainda, merece estaque o fato de que a competência para criação de tributos

não deve ser confundida com a competência para legislar sobre direito tributário,

uma vez que esta última cogita a respeito do poder de legislar sobre normas gerais

em tributação30, ao passo que a primeira permite a criação de tributos em abstrato,

bem como cobrar pelos mesmos tributos.

Ao que até aqui dispusemos, é possível percebermos o que significa

competência tributária, sendo importante, finalmente, trazer à tona a plenitude do

campo semântico deste conceito. Para tal, promoveremos análise dos conceitos já

definidos pela doutrina, a fim de buscarmos firmar conceito próprio.

Na lição de Regina Helena Costa, ao tratar do tema das imunidades

tributárias em obra dedicada ao tema, esclarece a respeito da competência

tributária:

Com efeito, se a competência tributária, tal como contemplada no Texto Fundamental, já se revela privada dos campos imunes, pode-se afirmar que a competência tributária é a aptidão para legislar sobre tributos, nela já considerados as situações de intributabilidade constitucionalmente estabelecidas. A imunidade é, portanto, “área estranha e alheia à competência”31.

Também em nível constitucional, e auxiliado a delimitar a abrangência da

capacidade, do ente político, de instituir tributos, surge a figura das imunidades

tributárias. Estas, por sua vez, são normas negativas, que estabelecem limites à

norma positiva, aquela que outorga competência tributária.

30 Ibid., p. 237. 31 COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 55.

Page 34: Leonardo Vanni.pdf

34

Assim, ao mesmo tempo, desempenhando a função de “desenhar” a

competência tributária, convivem duas figuras normativas distintas: a primeira

positiva, que possibilita a criação do tributo, e a segunda norma negativa, que

impede que ocorra a criação de tributo.

Em sendo assim, o instituto da imunidade tributária consiste no impedimento

constitucional à instituição de tributos sobre determinadas pessoas e/ou situações,

restringindo as dimensões do âmbito de competência tributária da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

O que buscamos aqui tratar é que o conceito de competência pode ser

observado, indiretamente, a partir de seu conceito negativo, aquilo que a

competência não é. A norma de imunidade é norma impeditiva da competência

tributária.

Destacamos que aqui o conceito de competência tributária restringe-se à

faculdade das pessoas políticas para inovar na ordem jurídica, desenhando o perfil

jurídico de um determinado gravame. Com isso, queremos deixar claro que aqui não

estamos confundindo com o conceito de capacidade tributária ativa, sendo esta

última verificada pela capacidade de integrar o polo ativo da relação tributária. Neste

sentido, define Paulo de Barros Carvalho32:

(...) tomaremos competência tributária como a significação acima especificada, vale dizer, de legislar (pelo Poder Legislativo, já que o “legislador”, em sentido amplo, todos nós o somos), firmando que não se confunde com a capacidade. Não se confunde com a capacidade tributária ativa. Uma coisa é poder legislar, desenhando o perfil jurídico de um gravame ou regulando os expedientes necessários à sua funcionalidade; outra é reunir credenciais para integrar a relação jurídica, no tópico do sujeito ativo.

A competência tributária é, pois, matéria exclusivamente constitucional e

significa a autorização dada aos legisladores para criarem, em abstrato, tributos.

Conforme visto, a delegação de competência tributária está diretamente aliada à

autonomia financeira dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, o que já nos

indica que a correta percepção dos limites da competência tributária devem ser

observados a partir de interpretação sistêmica da Constituição.

32 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 271.

Page 35: Leonardo Vanni.pdf

35

A doutrina atual33, amplamente aceita34, destaca características que devem

ser ostentadas pela competência tributária, quais são: privatividade,

indelegabilidade, incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e

facultatividade, esta última tendo por exceção o próprio ICMS. Não iremos aqui

adentrar em cada uma delas, mas faremos distinção em relação àquela que denota

a inconstitucionalidade promovida pele Emenda Constitucional nº 33 de 2001.

Em relação ao tema do presente trabalho, destacamos, desde já, que aqui se

concentra o cerne da discussão que considera inconstitucional as alterações

promovidas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, pois restou por criar em

abstrato novo tributo denominado também pela sigla ICMS, iniciativa esta que passa

ao largo da estrita demarcação de competências estabelecida para os impostos.

Como se observar das características acima trazidas da doutrina a respeito

da competência tributária, podemos destacar que não foi respeitada a privatividade,

pela qual a competência tributária somente pode ser usufruída por um único ente

político, exclusivamente. O que se percebe da emenda em questão, pelo contrário, é

que se adentrou na competência reservada à União por meio do imposto de

importação. Destacamos ainda que a competência é inalterável, sendo este conceito

utilizado para descrever a impossibilidade do próprio ente político competente vir a

dilatar os limites da competência que foi outorgada. Sobre o tema, destaca Roque

Antonio Carrazza:

Se, porventura, uma pessoa política pretender, por meio de norma

legal ou infralegal, dilatar as rais de sua competência tributária, de

duas, uma: ou esta norma invadirá seara imune à tributação ou

vulnerará competência tributária alheia. Em ambos os casos será

inconstitucional35.

Em assim sendo, passemos à análise da relação existente entre princípios e

regras constitucionais, o que também será de grande valia ao estudo em tela.

33 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 590. 34 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 270. 35 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 363.

Page 36: Leonardo Vanni.pdf

36

1.4 Diferença entre princípios e regras constitucionais

Conforme visto, a noção de sistema constitucional prevê o conceito de que as

normas têm competências e hierarquias diferenciadas, de forma que algumas têm

prevalência sobre as outras em função da posição ostentada dentro do sistema. No

ponto mais alto da hierarquia em questão, encontra-se a Constituição, a qual irradia

fundamento ao sistema.

No mesmo sentido, ao nos aproximarmos das normas do sistema que se

encontram na própria Constituição, devemos observar que algumas normas são

também diferenciadas em relação às demais, devendo-se distinguir em nível

constitucional as regras constitucionais e os chamados princípios constitucionais.

Não devemos, contudo, compreender que e existência de princípios poderá

ser verificada em outros níveis do sistema, também, como princípios legais,

infralegais, etc.. No entanto, aqui cuidaremos dos princípios constitucionais, pelo fato

de que estes operam função singular no sistema que buscamos analisar no presente

estudo.

Por princípios compreendemos os valores do ordenamento jurídico, aquilo

existente no sistema dando origem a este, pelo que não devemos confundir por

normas sem caráter normativo. Os princípios, os que entendemos, são normas para

todos os fins, mais gerais que as demais, mas que demonstram este caráter em

função de serem invocados, como as demais normas, no sentido de regular

determinada situação, especialmente nos casos onde desempenham a função de

preencher lacunas do sistema.

Dessa forma, os princípios irão emanar seus efeitos por todo o ordenamento,

na função de orientar a interpretação das demais normas, as quais não poderão

transgredir o campo semântico de qualquer dos princípios constitucionais. A respeito

da relação de supremacia dos princípios em função das demais normas, também

constitucionais, bem ilustrou Celso Antonio Bandeira de Mello, verbis:

Page 37: Leonardo Vanni.pdf

37

Usurpar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos36.

Os princípios se diferenciam das demais normas constitucionais por se

tratarem de normas de maior abstração, as quais se constituem em estruturas a

serem observadas tanto na produção quanto na aplicação das normas.

Destacamos a posição de Mariz de Oliveira sobre o que são princípios:

Os princípios dão ordem ao ordenamento, no sentido de estabelecer a necessária coerência entre as várias normas e regras que compõem, além de lhes dar suporte de validade. Daí os princípios serem verdadeiramente alicerces de toda estrutura normativa, devendo ser respeitados pelo próprio legislador e pelos destinatários, aplicadores e interpretes das normas e regras do ordenamento jurídico, a ponto de Celso Antonio afirmar que o desrespeito a um princípio é mais grave do que o desrespeito a uma norma, eis que representa violação de todo o sistema37.

Portanto, os princípios são as normas que dão razão às demais dentro do

sistema explicado até aqui, constituído de normas de diferentes hierarquias e

funções, mas que neste sentido sempre deverão ser interpretadas segundo os

princípios constitucionais.

Neste mesmo diapasão, destaca Luis Roberto Barroso:

O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que instituiu. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à da regra concreta que vai reger a espécie38.

A diferenciação entre princípios e regras é tarefa árdua da doutrina, já tendo

despertado a opinião de diversos doutrinadores, dentre eles Dworkin39, para o qual a

36 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31.ed. São Paulo: Ed Malheiros, 2014, p. 943. 37 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 400. 38 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2014, p. 91. 39 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2.ed. São Paulo: Martins, 2005, p. 197.

Page 38: Leonardo Vanni.pdf

38

diferença se percebe na forma como as regras são aplicadas. De acordo com a

doutrina do referido autor, diferentemente dos princípios, as regras encerram

comandos do tipo “tudo ou nada”, uma vez que automaticamente instalado o vínculo

obrigacional. Os princípios, no entanto, não oferecem comando imediato, não se

subsumem a uma hipótese de incidência presente no antecedente da norma, o

princípio oferece um fundamento que deverá ser sopesado com outros quando da

decisão.

Ainda no sentido de promover distinção entre princípios e regras, o mesmo

autor refere que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de

peso que se exterioriza na hipótese de colisão, quando o princípio com maior valor

sobrepõe-se ao outro, sem que o princípio mais fraco perca sua validade.

Na doutrina de Humberto Ávila, no entanto, encontramos divergência em

relação à doutrina do autor norte americano, em ambos os pontos aqui destacados.

Em relação à ideia do “tudo ou nada”, podemos criticá-la uma vez que esta percebe

a solução dos conflitos de forma bastante mecanicista, de maneira que facilmente

podemos imaginar casos onde os fatos em conflito se subsumem a determinado

comando normativo, mas, no entanto, os efeitos da norma são descartados, em

função de especificidades do caso em análise. Neste caso, o que existiria na

concepção do autor gaúcho é um sopesamento de regras, onde uma prevalece

sobre outra, sem ceifar sua validade.

São essas as palavras do autor:

Embora tentador, e amplamente difundido, esse entendimento merece ser repensado. Isso porque em alguns casos as regras entram em conflito sem que percam sua validade, e a solução para conflito depende da atribuição de peso maior a uma delas. Dois exemplos podem esclarecer: Primeiro exemplo: uma regra do Código de Ética Médica determina que o médico deve dizer para seu paciente toda a verdade sobre sua doença, e outra estabelece que o médico deve utilizar todos os meios disponíveis para curar seu paciente. Mas como deliberar o que fazer no caso em que dizer a verdade ao paciente sobre sua doença irá diminuir as chances de cura, em razão do abalo emocional daí decorrente? Casos hipotéticos como estes não só demonstram que o conflito entre regras não é necessariamente estabelecido em nível abstrato, mas pode surgir no plano concreto, como ocorre normalmente com os princípios. Esses casos também indicam que a decisão envolve uma atividade de sopesamento entre razões40.

40 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 15.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2014, p. 53.

Page 39: Leonardo Vanni.pdf

39

Continuando nas ponderações minuciosas de Humberto Ávila, concordamos

quando este propõe uma percepção mais profunda do que são princípios e em

relação aos motivos pelos quais estas normas se diferenciam das regras. Na

doutrina do autor, a diferença entre as normas não é verificada de forma exclusiva,

de maneira que determinado princípio pode ser extraído de suporte fático que

também pode suportar uma regra.

Neste sentido, determinadas regras, não todas, poderão ser invocadas de

acordo com a situação presente, em função das circunstâncias destas dentro do

sistema e, em função do aspecto a ser valorizado no caso, seja de norma ou de

princípio.

Como exemplo, citamos o princípio da legalidade em matéria tributária, o qual

pode ser verificado tanto como uma regra, impondo condição quanto à necessidade

de processo legislativo específico, bem como pelo caráter axiológico da norma, uma

vez que corolário da liberdade, da democracia e da república. Em assim sendo,

dependerá da construção normativa, promovida pelo exegeta, a percepção de um

princípio ou uma regra.

Muito embora observemos divergências nas posições acima adotadas,

podemos dizer que a diferenciação entre princípios e regras contém um núcleo

semântico mínimo, permitindo afirmar que os princípios diferenciam-se das regras

por seu caráter valorativo e sua alta abstração, de maneira que não se reportam,

exclusivamente, a condutas a serem reguladas, mas a diretrizes que devem nortear

a interpretação das normas em relação a casos concretos. A noção de diretriz

confere aos princípios a função de atribuir unidade ao sistema, sendo que uma vez

utilizada interpretação segundo princípios, estes irão fornecer coerência em relação

às decisões emanadas pelo Poder Judiciário.

Podemos dizer, ainda, que os princípios ostentam papel de prevalência em

relação às regras, de modo a serem verificados, preliminarmente, no processo de

interpretação a que se dispõe o operador do direito. Neste sentido, destacamos a

opinião de Roque Antonio Carrazza, tratando muito bem do tema:

VI - Não é por outras razões que, na análise de qualquer problema jurídico – por mais trivial que seja (ou que pareça ser) –, o cultor do Direito deve, antes de mais nada, alçar-se no altiplano dos princípios constitucionais, a fim de verificar em que sentido eles apontam. Nenhuma interpretação poderá ser havida por boa (e, portanto,

Page 40: Leonardo Vanni.pdf

40

jurídica) se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio jurídico-constitucional41.

Verificamos, portanto, que a identificação dos princípios, bem como a correta

valoração destes, é fundamental para a correta compreensão dos problemas

jurídicos, vez que revelam a intenção do legislador, ou seja, a vontade do Estado

(mens legi). Este é o caso das circunstâncias instaladas em função da Emenda

Constitucional nº 33 de 2001, no que nos debruçaremos mais adiante.

Primeiro, contudo, a par da importância e do papel desempenhado pelos

princípios constitucionais, passemos à análise dos princípios que se relacionam com

o tema, dos quais lançaremos mão na análise a que se propõe o presente trabalho.

1.5 Princípios que devem ser observados

1.5.1 Princípios gerais relacionados com a matéria

Conforme visto, os princípios são normas, pois dotadas de caráter normativo,

as quais servem de estrutura ao ordenamento, indicando os norteadores de

interpretação, irradiando seus efeitos por todo o sistema. Dentre os princípios

existentes em nosso ordenamento, devemos observar aqueles que são diversas

vezes repetidos, indicando a prevalência destes em relação aos demais.

Na doutrina de Geraldo Ataliba, estes princípios são fundamentais pelos

seguintes motivos:

No Brasil os princípios mais importantes são os da federação e da república Por isso, exercem função capitular da mais transcendental importância, determinando inclusive como se deve interpretar os demais, cuja exegese e aplicação jamais poderão ensejar menoscabo ou detrimento para força, eficácia e extensão dos primeiros (v. Celso Antônio Bandeira de Mello, Elementos de Direito Administrativo, Ed. RTm 1980, p. 230).42

41 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 48. 42 ATALIBA, Geraldo. Republica e Constituição. 3.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2011, p. 37.

Page 41: Leonardo Vanni.pdf

41

Somos da opinião de que o princípio republicano e o princípio federativo

ostentam posição especial em nossa Constituição, pela forma como são repetidos,

enfatizados e assegurados por outras normas. Estes princípios dão azo à existência

de outros princípios e normas, como é o caso do princípio da legalidade e o já citado

princípio republicano, por meio da noção que sem legalidade não pode haver

república. Da mesma forma, o pacto federativo tem especial importância em matéria

tributária, uma vez que determina a estrita repartição de competências tributárias.

Além das especificidades acima, relacionadas aos princípios mais

importantes, devemos destacar que tanto o princípio republicano como o federativo

são objeto de proteção constitucional, a qual não permite o processamento de

emendas tendentes a abolir a federação e a república. A proteção à república, no

entanto, no âmbito do §4º, art. 60 da Constituição Federal, não é referida

expressamente, mas por meio de proteção aos pilares do princípio republicano,

quais sejam, o voto direto, secreto, universal e periódico, separação de poderes,

direitos e garantias individuais.

A relação pertinente aos princípios mais importantes com o resto do

ordenamento, em especial com as alterações promovidas pela Emenda

Constitucional nº 33 de 2001, será objeto de maior análise adiante, bem como os

pormenores de ambos os princípios fundamentais.

1.5.1.1 Princípio republicano

De acordo com o artigo 1º da Constituição Federal, resta definido que o Brasil

será regido de acordo com o regime político denominado república, o qual comporta

princípio que deve ser destacado em função das inúmeras implicações e

desdobramentos que promovem no sistema. Assim dispõe o artigo 1º da

Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

Page 42: Leonardo Vanni.pdf

42

I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Em relação ao que podemos compreender por república entendemos tratar-se

de um tipo de governo, da mesma forma da ditadura ou da monarquia, onde o que

prevalece no âmbito das decisões comuns é a vontade da maioria, as quais

depositarão no Estado a condição de garantidor dos direitos fundamentais dos

cidadãos. Este conceito comporta, necessariamente, a concepção de igualdade

formal entre os cidadãos, de maneira que o Estado republicano existe em função do

povo, legitimado pela vontade comum, onde todos detêm poder de decisão igual

sobre a coisa (res) pública (pública).

De acordo com a espécie republicana de governo, os administradores do

patrimônio público exercem a função de representantes, onde todo o poder emana

do povo e para o povo, onde há supremacia do interesse público sobre o privado,

necessariamente.

Dentro deste conceito, devemos observar que, necessariamente, o Estado

deverá estar organizado de forma a evitar abuso por parte de algum dos poderes

(executivo, legislativo ou judiciário), mantendo-se fiel à vontade comum, a qual

contará com sistema democrático de decisões que leve em consideração a vontade

dos indivíduos. Muito bem destaca Roque Antonio Carrazza43 a respeito:

O que singulariza a forma republicana de governo é a eletividade, pelo povo, dos chefes do Executivo e dos membros do Poder Legislativo. Esta observação está calcada nas lições do grande Rui Barbosa, para quem: O que discrimina a forma republicana, com ou sem epíteto adicional de federativa, não é a coexistência dos três poderes, indispensáveis em todos os governos constitucionais, como a república ou a monarquia. É, sim, a condição de que sobre existirem os três poderes constitucionais, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, os dois primeiros derivem de eleição popular.

43 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 69.

Page 43: Leonardo Vanni.pdf

43

José Afonso da Silva adverte nos mesmos termos, ampliando a significação

do termo república, de forma a abranger o caráter axiológico que o termo comporta.

São as palavras do autor:

Conceito – O termo República tem sido empregado no sentido de forma de governo contraposta à monarquia. No entanto, no dispositivo em exame, ele significa mais do que isso. Talvez fosse melhor até considerar República e Monarquia não simples formas de governo, mas formas institucionais do Estado. Aqui ele se refere, sim, a uma determinada forma de governo, mas é, especialmente, designativo de uma coletividade política com características de res publica, no seu sentido originário de coisa pública, ou seja: coisa do povo e para o povo, que se opõe a toda forma de tirania, posto que, onde está o tirano, não só é viciosa a organização, como também se pode afirmar que não existe espécie alguma de República.44

Pelas razões acima expostas, verificamos que são características do regime

republicano: previsão de mandatos políticos renováveis periodicamente, onde haja

revezamento daqueles que atuam como administradores da coisa pública, a

tripartição dos poderes, a existência de mecanismos de controle da ação do

Governo pelo povo, bem como a necessidade de que os governantes sejam

escolhidos pelo povo, de forma idônea, que verdadeiramente espelhe a vontade dos

governados.

Nestes termos também destaca Gilmar Ferreira Mendes, para o qual o

conceito de república pode ser apreendido a partir de suas características:

Embora compreendidos nesses aspectos de caráter geral, os trações

característicos da forma republicana de governo podem ser

decompostos em elementos específicos, tais como: a existência de

uma estrutura político-organizatória garantidora das liberdades civis;

a elaboração de um catálogo de liberdades; em que se articulem o

direito de participação política e os direitos de defesa individuais; o

reconhecimento de corpos territoriais autônomos, seja sob a forma

federativa, como no Brasil e nos Estados Unidos, seja pelo

estabelecimento de autonomias regionais ou locais, como na Itália ou

em Portugal, respectivamente; a legitimação do poder político,

consubstanciada no princípio democrático de que a soberania reside

44 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 105.

Page 44: Leonardo Vanni.pdf

44

no povo, que se autogoverna mediante leis elaboradas

preferencialmente pelos seus representantes; e, afinal, a opção pela

eletividade, colegialidade, temporariedade e pluralidade, como

princípios ordenadores – e não pelos critérios da designação, da

hierarquia e da vitaliciedade, típicos dos regimes monárquicos. 45

É próprio do regime republicano que a administração da coisa pública ocorra

de acordo com mandatos transitórios, de forma a permitir que se renove a vontade

do povo, sendo assim possível evoluir na Administração do Estado, por meio do voto

universal. Esta é a característica mais marcante, no entendimento de Celso Ribeiro

Bastos, o qual percebe, nas circunstâncias atuais, um esvaziamento da

diferenciação entre república e monarquia, antes tão útil na definição destes termos:

Assim, em termos de regimes políticos, os conceitos de monarquia e república estão bastante esvaziados. Talvez por esta razão a nova Constituição reforce o seu significado falando de Estado Democrático de Direito e ainda enumerando alguns fundamentos de nossa República. Resumindo, aos termos que interpretar o princípio republicano, devemos ter em mente, fundamentalmente, a necessidade de alternância no poder, por certo sua característica mais acentuada.46

Conforme se observa, o conceito por trás daquilo que denominados por

república é muito mais que uma forma de governar, mas sim o objetivo pelo bem

comum, o qual está escorado na concepção de que este somente será obtido por

meio de respeito à coletividade, à igualdade e ao sistema representativo de governo.

No âmbito tributário o princípio republicano também irradia seus efeitos, no

sentido de proteger as instituições republicanas, mas principalmente para impedir o

favorecimento tributário, promovendo-se a igualdade entre contribuintes perante a

lei.

Acerca da relação do princípio republicano com a matéria tributária, Renato

Lopes Becho esclarece:

45 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.138. 46 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 24.ed. revista e atual. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 157.

Page 45: Leonardo Vanni.pdf

45

Pelo princípio republicano, todos os brasileiros – assim como todos os estrangeiros que se submetam a nossa soberania – estão igualmente sujeitos a suportar a mesma carga tributária, sem benefícios nobiliárquicos, de hierarquia social ou de qualquer outra ordem. (...) O princípio republicano é reforçados pelo princípio da igualdade tributária, que será desenvolvido no Capítulo XVI, item 2. No Texto Constitucional, podemos dizer que os constituintes originários procuram aplicar o indigitado princípio à tributação, não apenas igualando os contribuintes, mas proibindo expressamente vantagens fiscais que poderiam fazer sombra à República47.

Ainda no âmbito das relações existentes entre tributação e o princípio

republicano, devemos observar que a legitimação do Estado como sujeito ativo da

obrigação tributária deriva deste princípio, a partir da percepção de que a

competência tributária é atribuída pelo povo, ao Estado. Neste sentido, são

inadmissíveis quaisquer iniciativas do Estado que extrapolem esta autorização de

interferência no patrimônio do particular.

Como exploraremos mais adiante, compreendemos que a Emenda

Constitucional nº 33 de 2001 criou nova espécie tributária, a qual, muito embora

tenha previsão, agora, na Constituição, desrespeita vontade do legislador

constituinte originário, detentor de poder absoluto, o único capaz de outorgar

competência tributária. Por este motivo, a Emenda Constitucional nº33 de 2001 viola

o princípio republicano, na forma como este princípio interfere no modo pelo qual a

tributação deve ser interpretada. Portanto, a referida emenda constitucional, ao criar

nova espécie tributária, passou por cima de direito individual, qual seja o de somente

ser tributado nos estritos termos demarcados pelo Poder Constitucional originário.

Ou seja, ataca diretamente um dos já referidos pilares do Estado republicano.

47 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 361.

Page 46: Leonardo Vanni.pdf

46

1.5.1.2 Princípio federativo

A concepção moderna de Federação data de 1787, pertinente à Convenção

de Philadelphia, onde as treze ex-colônias inglesas resolveram se organizar,

dispondo de parte de suas soberanias, no sentido de constituírem um novo Estado.

No Brasil este conceito surge apenas um século depois, em 1889, juntamente com a

república, de forma inversa, uma vez que no caso não se tratava da comunhão de

ordens até então independentes, mas sim sujeitas do mesmo Poder.

Atualmente, o conceito de federação vem insculpido, da mesma forma que o

princípio republicano, no artigo 1º da Constituição, ao referir que a República

Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito.

Conforme já referido, a Constituição Federal prevê em relação às matérias

que não podem ser objeto de modificação no âmbito da própria Constituição,

referindo expressamente que a forma federativa de Estado não poderá ser objeto de

emendas constitucionais.

O vocábulo federação tem origem na expressão latina foederis, cujo sentido é

aliança, união ou pacto, de maneira que a forma federativa implica,

necessariamente, a concepção de união de partes, de acordo com uma ordem

jurídica comum, sem que haja supressão da autonomia política dos Estados-

Membros da Federação. A concepção de federação, portanto, pressupõe serem

determinadas competências legislativas conferidas aos federados, em relação às

quais a delegação deverá ser absoluta, ou seja, que não se permita a interferência,

tanto da União, quanto dos demais entes.

Da mesma forma que a república corresponde à forma de governo, o

vocábulo federativa agrega característica complementar que designa a forma de

Estado, no caso num Estado onde o poder se encontra descentralizado. A respeito

dos conceitos relacionados à matéria, que por vezes podem ser utilizados como

sinônimos equivocadamente, esclarece José Afonso da Silva:

República Federativa do Brasil condensa o nome do Estado brasileiro – República Federativa do Brasil 00, o nome do país –

Page 47: Leonardo Vanni.pdf

47

Brasil -, a forma de Estado, mediante o qualificativo Federativa, que indica tratar-se de Estado Federal, e a forma de governo – República. Pátria é termo que exprime sentimentos cívicos (Pátria: terra do país, terra que amamos; Patria est ubicumque est bene”, Pátria é o lugar onde se sente bem). (....) Forma de Estado. O modo de exercício do poder político em função do território dá origem ao conceito de forma de Estado. Se existe unidade de poder sobre o território, pessoas e bens, tem-se o estado unitário. Se, ao contrário, o poder se reparte, se divide, no espaço territorial (divisão espacial de poderes), gerando uma multiplicidade de organizações governamentais, distribuídas regionalmente, encontramo-nos diante de uma forma de Estado composto, denominado Estado federal ou Federação de Estados.48

Em assim sendo, a concepção de descentralização política, corolário da

federação, pressupõe a existência de uma ordem jurídica geral e soberana, em

coexistência com diversas ordens parciais, as quais gozarão de autonomia.

Portanto, a fim de compreendermos quanto à relação das duas ordens em

questão, faz-se útil a definição do que é soberania, pois trata exatamente de

característica que diferencia a União em relação aos Estados. Por soberania

compreendemos o poder supremo do Estado, o qual se fundamenta em si mesmo,

nos termos da Constituição. Tem soberania aquele que detém o poder supremo e

absoluto, de forma a não se sujeitar, ou buscar validade, em “sistema superior”.

Neste aspecto do princípio federativo, destacamos a compreensão de Gilmar

Ferreira Mendes sobre a matéria, nos seguintes termos:

Assim, a soberania, no federalismo, é atributo do Estado Federal como um todo. Os Estados-membros dispõem de outra característica – a característica da autonomia, que não se confunde com o conceito de soberania. A autonomia importa, necessariamente, descentralização do poder. Essa descentralização é não apenas administrativa, como, também, política. Os Estados-membros não apenas podem, por suas próprias autoridades, executar leis, como também é-lhes reconhecido elaborá-las. Isso resulta em que se perceba no Estado Federal uma dúplice esfera de poder normativo sobre um mesmo território49

Por este motivo, o Estado soberano é aquele que representa a união dos

demais Estados federados, que por sua vez legitima o poder autônomo dos 48 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 100. 49 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 754.

Page 48: Leonardo Vanni.pdf

48

membros da Federação. Por essa razão, o Estado soberano (União) distingue-se

das unidades da Federação em função de sua capacidade de representar os

“Estados-membros” no âmbito internacional.

A federação tem por objetivo a distribuição do poder e o respeito às

autonomias regionais, objetivo este que somente será bem sucedido uma vez que a

Constituição acerte ao dispor quanto às matérias que são de competência legislativa

dos Estados-membros. Sobre este aspecto, Celso Ribeiro Bastos esclarece:

A federação é a forma de Estado pela qual se objetiva distribuir o poder, preservando a autonomia dos entes políticos que a compõem. No entanto, nem sempre se alcança uma racional distribuição do poder; nestes casos dá-se ou um engrandecimento da União ou um excesso de poder regionalmente concentrado, o que pode ser prejudicial se este poder estiver nas mãos das oligarquias locais. O acerto na Constituição, quando dispõe sobre a Federação, estará diretamente vinculado a uma racional divisão de competência entre, no caso brasileiro, União, Estados e Municípios; tal divisão ara alcançar logro poderia ter como regra principal a seguinte: nada será exercido por um poder mais amplo quando puder ser exercido pelo poder local, afinal os cidadão moram nos Municípios e não na União.50

Nestes termos, somente a União é soberana, restando aos Estados-membros

autonomia política em relação à competência constitucionalmente estabelecida.

A respeito do Estado Brasileiro, dispõe Roque Antonio Carrazza:

O Estado Brasileiro, como dissemos, é um Estado Federal. Nele, os Estados-membros, embora conservem sua autonomia nas relações internas, não têm personalidade internacional, não podendo comparecer diretamente ante o foro do direito das gentes. Assim, não lhes é dado, diretamente, nem manter relações diplomáticas com Estados estrangeiros (ius legationis), nem declarar guerra (ius belli), ou celebrar a paz, nem, tampouco, firmar tratados internacionais (ius tractatuum). Os que nascem em qualquer dos Estados-membros têm nacionalidade brasileira. Não possuem, igualmente, soberania. Soberano é o Estado Brasileiro51.

Desta forma, de acordo com a organização do Estado Brasileiro, este é

indubitavelmente um Estado Federal, uma vez que o poder político é

descentralizado, de acordo com uma ordem geral que convive harmonicamente com 50 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 24.ed. revista e atual. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 223. 51 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 161.

Page 49: Leonardo Vanni.pdf

49

ordens parciais. Ainda, se verifica no Estado Federal Brasileiro a participação da

vontade das ordens jurídicas parciais na ordem jurídica nacional, de acordo com

sistema democrático e representativo dos Estados-membros.

No que diz respeito à autonomia conferida aos “Estados–membros”,

destacamos que esta é verificada uma vez que inexiste hierarquia entre as normas

emitidas pelas unidades da Federação e as normas emitidas pela União, tampouco

destas em relação às normas municipais, uma vez umas não extraem validade em

função das outras, mas sim diretamente da Constituição, que outorga a competência

legislativa para cada um dos entes políticos.

Temos, portanto, que embora não sejam entidades idênticas, União e

Estados-membros, estes convivem em igualdade política e jurídica, de acordo com o

feixe de competências conferido a cada um.

Em matéria tributária verificamos que o constituinte originário conferiu

competência para os Estados-membros e para os Municípios, bem como à União,

garantindo aos entes da Federação verdadeira autonomia financeira, permitindo que

os interesses locais sejam prestigiados e suportados por receitas próprias.

No que diz respeito às unidades da Federação, a estas é outorgada

competência para instituir diversos tributos, todos obrigatoriamente descritos na

Constituição. O Estado, na figura de qualquer um dos entes políticos, esta legitimado

a cobrar tributos, sendo vedados, no entanto, que sejam criados novos tributos,

muito menos sobreposição de incidências sobre os mesmos fatos, o que pode vir a

desestabilizar o pacto federativo desenhado pelo legislador constitucional,

resguardado em nível constitucional como cláusula pétrea.

1.5.2 Princípios especialmente relacionados em matéria tributária

Veremos, a seguir, o conceito de alguns outros princípios constitucionais, os

quais se relacionam especialmente com a matéria tributária, não sendo, contudo,

exclusivos do Sistema Constitucional Tributário.

Page 50: Leonardo Vanni.pdf

50

Isso porque, como veremos, em matéria tributária encontramos reafirmações

de princípios gerais, princípios específicos que buscam assegurá-los e, também,

princípios exclusivamente tributários.

1.5.2.1 Princípio da legalidade

Nos termos do §2º do artigo 5º da Constituição Federal, “ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Dispõe o

artigo 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

Conforme se observa, o legislador constitucional conferiu à legalidade a

condição de direito fundamental, de forma que não se pode imaginar a criação de

obrigação tributária que não esteja devidamente prevista em lei.

No entanto, a segurança em tela foi “reforçada” no âmbito tributário, pela

existência de previsão constante do artigo 150, inciso I da Constituição Federal, que

assim dispõe:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

O princípio da legalidade tributária surge em 1215 uma vez que incorporado à

Magna Charta52 e logo foi replicado nos ordenamentos de nações democráticas, sob

52 Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Grande Carta das liberdades, ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês).

Page 51: Leonardo Vanni.pdf

51

a máxima de que não é legítima “nenhuma tributação sem representação” – no

taxation without representation.53

Diante da reafirmação do princípio da legalidade em matéria tributária, somos

da opinião que a ideia de “palavras inúteis” no âmbito da Constituição não pode ser

levada adiante, de maneira que referido “reforço” agrega característica especial à

legalidade quando em matéria tributária.

Tal especificação no âmbito tributário impõe que o exercício da competência

tributária ocorra por meio de lei, mas não repetida aqui por mero reforço, a

legalidade tributária agrega a concepção de rigor quanto à positivação das

materialidades. Sobre o rigor adicionado à legalidade em matéria tributária em

função da disposição específica já destacada, merece consideração a opinião de

Hugo de Brito Machado, para o qual esta não importa somente na pormenorização

dos aspectos da hipótese de incidência, nos seguintes termos:

A rigor, o que a lei deve prever não é apenas a hipótese de incidência, em todos os seus aspectos. Deve estabelecer tudo quanto seja necessário à existência da relação obrigacional tributária. Deve prever, portanto, a hipótese de incidência e o consequente mandamento. A descrição do fato temporal e da correspondente prestação, com todos os seus elementos essenciais, e ainda a sanção, para o caso de não prestação.54

Isso porque, a legalidade é princípio constitucional escorado nos valores da

igualdade, da democracia e da segurança jurídica, visando proteger o particular de

excessos por parte do Estado, contra o patrimônio. Neste sentido, José Artur Lima

Gonçalves55 compreende a existência de um princípio do consentimento, pelo qual

seria “aquele que exige que o particular consinta (i) em concorrer para os gastos

públicos e (ii) em que medida o fará”.

Gilmar Mendes, por sua vez, aborda o ponto sob o mesmo aspecto,

enfatizando a relação existente entre legalidade e segurança jurídica, nos seguintes

termos:

53 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1281. 54 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25.ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Ed. Malheiros p. 79. 55 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda. São Paulo: Ed. Malheiros, 1997, p. 86.

Page 52: Leonardo Vanni.pdf

52

(....) o princípio da legalidade tributária tem suas raízes fincadas no terreno da antiquíssima luta pelo consentimento na instituição de tributos. (...) Nos dias atuais, essse princípio consubstancia a garantia de que nenhum tributo será exigido ou aumentado sem lei que o estabeleça – CFB, art. 150, I o qua aponta, desde logo, para outro princípio – o da segurança jurídica -, na medida em que, sendo público o processo legislativo, qualquer do povo poderá acompanhá-lo, diretamente ou pelos representantes, e prevenir-se contra as investidas “surpreendentes” do poder de tributar. Mais ainda, como legalidade estrita, leciona Paulo de Barros Carvalho, esse princípio estabelece, também, a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico assim como os dados prescritores da relação obrigacional.56

Desta forma, o consentimento, ocorrido por meio do Poder Legislativo,

condiciona a atividade tributante, bem como legitima a exigência do tributo, que

passa a ser exigível pelo Poder Executivo.

Tal princípio pressupõe que a exigência e o aumento de tributos se sujeitem à

lei formal, a qual deverá especificar pormenorizadamente o fato a ser tributado, de

acordo com todos os aspectos da hipótese de incidência tributária, conceito que

exploraremos melhor a seguir. Não o sendo, a lei deverá ser declarada

inconstitucional. A ideia de legalidade estrita, ou de reserva absoluta da lei, faz-se

presente ao imaginarmos o oposto, a possibilidade de uma norma que permitiria ao

Estado exigir tributo ao seu talante.

Por este motivo, o trabalho necessário no exercício da tributação deve ser de

mera subsunção, de verificação das exigências da lei, sem qualquer valoração sobre

eventual justiça ou injustiça da exigência, esta deverá ser a preocupação de outras

normas. Neste sentido, Roque Antonio Carrazza57:

A lei tributária deve conter critérios idôneos e suficientes para cortar quaisquer arbitrariedades do Fisco. Tais critérios devem necessariamente apontar: a) os destinatários do tributo (os contribuintes), porquanto não se admite fique relegada ao arbítrio da Fazenda Pública a inclusão ou exclusão de determinadas categorias de contribuintes; e b) os pressupostos do tributo, isto é, a coisa, o ato, o fato, a situação ou a qualidade da pessoa que constitui o

56 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1281. 57 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 290.

Page 53: Leonardo Vanni.pdf

53

pressuposto objetivo da tributação, e também, a relação em que se deve achar o sujeito passivo da prestação.

Luciano Amaro, a respeito da legalidade tributária, busca verificá-la a partir

daqueles para os quais a norma é dirigida, o que auxilia na compreensão da

questão:

O conteúdo do princípio da legalidade tributária vai além da simples autorização do Legislativo para que o Exxstado cobre tal ou qual tributo. É mister que a lei defina in abstracto todos os aspectos relevantes para que, in concreto, se possa determinar quem terá de pagar, quanto, a quem, à vista de que fatos ou circunstâncias. A lei deve esgotar, como preceito geral e abstrato, os dados necessários À identificação do fato gerador da obrigação tributária e À quantificação do tributo, sem que restem à autoridade poderes para, discricionariamente determinar se “A” irá ou não pagar tributo, em face de determinada situação.58.

Devemos observar, ainda, que a lei aqui tratada é a lei ordinária, salvo nos

casos onde o constituinte ressalvou, quais sejam os empréstimos compulsórios, os

impostos residuais e as contribuições sociais previstas no §4º, do artigo 195, da

Constituição Federal.

1.5.2.2 Princípios da igualdade (isonomia) e da capacidade

contributiva

O presente item insere-se em parte deste trabalho que busca averiguar os

princípios relacionados especificamente com a matéria tributária, mas, por óbvio,

não compreendemos que a isonomia seja considerada um princípio exclusivamente

tributário.

No entanto, o que buscamos aqui expor é quanto à relação simbiótica

verificada entre o princípio da isonomia, da capacidade contributiva e da não

utilização de tributo com efeito de confisco, os últimos dois especialmente afetados à

matéria tributária.

58 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 18.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2014, p. 134.

Page 54: Leonardo Vanni.pdf

54

Em relação ao princípio da isonomia, este surge no ordenamento por meio da

previsão constante do inciso I do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, nos

seguintes termos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Devemos observar que a norma em questão não merece ser interpretada de

forma literal, haja vista que se assim o fosse restaríamos por esvaziar o alcance

deste princípio, devendo ser promovida distinção necessária no sentido de

construirmos o conceito de isonomia, a partir do de igualdade. Neste sentido, esta

igualdade não há de ser entendida como imperativo de aplicação da mesma pena

para o mesmo delito. Na realidade, esta norma quer dizer que a mesma lei será

aplicada a todos que pratiquem o fato típico nela definido como crime, por exemplo.

A distinção que aqui se busca é bem trabalhados por Renato Lopes Becho:

A sua interpretação literal, ou gramatical, quase nada diz, ou melhor, diz muito menos do que o princípio efetivamente quer enunciar. Vamos a uma interpretação simplificadora, para comprovar o que dissemos: sem entrar em qualquer em discussões de qualquer outra órbita, mas colocando exclusivamente em análise tal princípio – é o que a interpretação gramatical faz – poder-se-ia dizer que a licença-maternidade de cento e vinte ou cento e oitenta dias e a licença-paternidade de cinco dia são inconstitucionais, ou, pelo menos, que uma delas o é, porque trata de uma forma as mães e de outra os pais. Não é vedado distinguir entre sexos? O exemplo é grotesco de propósito, apenas para demonstrar quão difícil é o entendimento do assunto59.

Em assim sendo, a isonomia se diferencia da igualdade, uma vez que permite

tratamentos desiguais e, consequentemente, proporciona equalização de diferenças

existentes. Pelo exemplo trazido por meio da citação acima, verificamos nítida

distinção entre igualdade e isonomia, sendo o último a interpretação mais coerente

59 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 396.

Page 55: Leonardo Vanni.pdf

55

do inciso I, do artigo 5º, uma vez que ao não tratar todos como iguais, promove a

igualdade dentre aqueles em condições distintas.

Por isso, compreendemos corretas as lições no sentido que a igualdade

expressamente reconhecida nas constituições é da sorte jurídico-formal, a igualdade

perante a lei. A distinção entre igualdade formal e material se faz mais apreensível

ao nos valermos de exemplo, ao cotejarmos a disposição do inciso I, artigo 5º com o

inciso XXX, artigo 7º, ambos da Constituição. No primeiro dispositivo é declarado

que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Já no segundo

dispositivo, respectivamente, encontramos regras materiais de igualdade, as quais

proíbem distinções de ordens específicas como, por exemplo, a distinção de

salários.

Ainda no âmbito da igualdade (isonomia) em matéria constitucional que não a

tributária, destacamos a relação que se deve estabelecer entre isonomia e regime

democrático, uma vez que sem a previsão de igualdade seria completamente

aniquilado o ideal democrático ou o princípio republicano. Esta também é a opinião

de Gilmar Ferreira Mendes:

De qualquer forma, para que se tenha presente o seu relevo nos regimes democráticos, vale lembrar, com Forsthoff, que o Tribunal Constitucional da Alemanha, repetidas vezes afirmou que o princípio da igualdade, como regra jurídica, tem um caráter suprapositivo, anterior ao Estado, e que mesmo se não constasse do texto constitucional, ainda assim teria de ser respeitado.60

No âmbito tributário, a igualdade vem reforçada, encontrando previsão

especifica, da mesma forma como ocorre com a legalidade e a irretroatividades das

normas tributárias. Neste sentido, dispõe o inciso II, do artigo 150, da Constituição

Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

60 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 148.

Page 56: Leonardo Vanni.pdf

56

Muito embora o ordenamento traga previsão quanto à igualdade no artigo 5º,

o qual emana seus efeitos por todo o sistema jurídico, a igualdade tributária também

é prevista no artigo 150 da Constituição Federal, impondo claro limite à competência

tributária dos entes políticos, os quais não poderão instituir tributo que trate de forma

desigual contribuintes que se encontram em situações idênticas. Ainda, devemos

observar que pela utilização do vocábulo “situações”, o legislador quis, obviamente,

referir-se a situações econômicas, vez que somente sobre fatos econômicos podem

incidir tributos.

O princípio da igualdade, tanto em disposição geral quanto em disposição

especialmente afetada à matéria tributária, é notadamente escorado em outros

princípios constitucionais, já abordados, tais como o princípio republicano e o

princípio democrático. Neste sentido, elucida a Elizabeth Nazar Carrazza61:

Sem igualdade não se pode falar em democracia. Sem igualdade não há República. É princípio constitucional que não admite derrogação através de lei.

Desta forma, a compreensão da igualdade como isonomia prescreve que a

tributação deverá respeitar a capacidade econômica do contribuinte, modalizando a

carga tributária, de acordo com a situação deste. No mesmo diapasão, a atual Carta

Magna comporta outros dispositivos que prescrevem o respeito à diferenciação

tributária, conforme o artigo 145, §1º, da Constituição Federal. Assim dispõe o

referido artigo:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Conforme se observa, o comando em tela dirige-se especialmente aos

impostos, isso em função da natureza jurídica desta espécie tributária, a qual 61 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU. São Paulo: Ed. Juruá, 1992, p. 25.

Page 57: Leonardo Vanni.pdf

57

permitiria a instituição de exação abusiva, que desrespeitasse a situação econômica

de cada contribuinte, o que entendemos não ser aplicável às taxas, nem às

contribuições de melhoria.

O que aqui tentamos demonstrar é a relação observada entre o conceito de

isonomia, verificado acima, e o conceito de capacidade contributiva, uma vez que

ambos inserem-se no sistema de forma a assegurar a modulação da carga tributária,

de acordo com a capacidade de contribuição de cada um. A respeito da estreita

relação existente entre isonomia (igualdade) e capacidade contributiva, bem explana

Roque Antonio Carrazza:

II – Acrescentamos que o princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza.62

Portanto, o princípio da capacidade contributiva deve ser observado como

norma que insere limite ao exercício da competência tributária, pois impede sejam

criados impostos que não sejam graduados, de alguma forma, pela capacidade de

contribuição. Verificamos ser este mandamento mais uma vez ratificado, para o

imposto sobre a renda, nos termos do inciso I, §2º, do artigo 153, da Constituição

Federal, pelo qual este imposto será informado pelos critérios da generalidade, da

universalidade e da progressividade, na forma da lei. Da mesma sorte, verificamos

outras manifestações de respeito à capacidade contributiva, tais como a seletividade

do imposto sobre produtos industrializados (artigo 153, inciso I, do §3º, da CF/88), a

progressividade do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (artigo

156, inciso I, do §1º, da CF/88) e do imposto sobre a propriedade territorial rural

(artigo 153, inciso I, do §4º, da CF/88), dentre outros comandos. 62 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 97.

Page 58: Leonardo Vanni.pdf

58

A partir das lições acima, verificamos haver uma flagrante relação entre o

princípio da igualdade (isonomia) e o princípio da capacidade contributiva, sendo

coerente destacarmos a posição de Alberto Xavier, para o qual a capacidade

contributiva “é um simples aspecto em que se desdobra o princípio igualdade e não

regra autônoma”63.

José Afonso da Silva também faz ponderações interessantes a respeito da

vinculação existente entre a isonomia e o respeito à capacidade contributiva, nos

seguintes termos:

Não basta, pois, a regra de isonomia estabelecida no caput do art. 5º para concluir que a igualdade perante a tributação está garantida. O constituinte teve a consciência de sua insuficiência, tanto que estabeleceu que é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, II). Mas também consagrou regra pela qual, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, §1º). É o princípio que busca justiça fiscal na distribuição do ônus fiscal na capacidade contributiva do contribuinte, já discutido antes. Aparentemente, as duas regras se chocam. Uma veda o tratamento desigual; outra autoriza. Mas em verdade ambas se conjugam na tentativa de concretizar a justiça tributária.64

Constatamos por tudo o quanto exposto, que a capacidade contributiva

ostenta a posição de princípio no ordenamento, independentemente da igualdade,

restando ambos intimamente ligados. A autonomia desta norma como princípio dá-

se pelo comando que alberga, haja vista inovar e relação à igualdade tributária, não

somente impondo justiça em relação àquele que se encontre em situação

equivalente, mas impondo que seja respeitado um mínimo existencial, de forma a

imunizar que se institua imposto de forma a atentar contra a subsistência do

contribuinte.

63 XAVIER, Alberto. Os princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 74. 64 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 224.

Page 59: Leonardo Vanni.pdf

59

Especificamente quanto à relação existente entre a igualdade tributária e a

capacidade contributiva, citamos a opinião de Renato Lopes Becho65, no mesmo

sentido:

Entretanto, o princípio maior (a justiça tributária) não pode ser atingido por nenhum desses princípios isoladamente. Há que se fazer uma superposição sistêmica de ambos, para atingir o tão buscado equilíbrio na tributação, pelo aspecto da sujeição passiva. A capacidade contributiva, então, é um limite mínimo da igualdade tributária, demonstrando qual o espaço que o legislador não pode violar, ao tributar os contribuintes, sob pena de inviabilizar, em análise sociológica, sua manutenção. A partir daí, o princípio da igualdade tributária reina, em busca do equilíbrio entre os contribuintes, sempre quanto ao grau de sacrifício econômico suportado pelo recolhimento de tributos.

Outro ponto que verificamos importante refere-se à natureza objetiva do que

se deve considerar por capacidade contributiva. Neste sentido, a verificação que

deve ser feita quanto à existência da capacidade contributiva não leva em

consideração aspectos subjetivos de riqueza, o que faria necessária análise quanto

à riqueza do contribuinte como um todo. O que a capacidade contributiva leva em

consideração são os aspectos objetivos da riqueza, externados por meio de fato

econômico que indica sua existência.

Entendemos deste modo em função da própria escolha do legislador

constitucional, ao dispor a respeito dos fatos que podem ser critério para a criação

de tributo, quais sejam aqueles que presumem a existência de riqueza, o que a

doutrina escolheu denominar fatos-signo presuntivos de riqueza66 . Por exemplo,

temos como fatos desta natureza, devidamente escolhidos pelo constituinte,

importar, auferir renda, circular mercadoria, industrializar, prestar serviço, dente

outros. Caso assim não o fosse, a tributação deveria recair tão somente sobre o

patrimônio do contribuinte, o que claramente não foi escolha do legislador

constitucional.

Mais adiante, especialmente relacionado à matéria do ICMS, destacaremos

em relação ao princípio da não-cumulatividade, o qual desempenha função

65 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 405. 66 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6.ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 537.

Page 60: Leonardo Vanni.pdf

60

pragmática de maneira a impedir a tributação sobre a mesma porção da riqueza,

que já fora fato tributado na etapa anterior.

Em momento posterior, nos debruçaremos sobre caso de flagrante

desrespeito à capacidade contributiva, especificamente o caso onde é tributado pelo

ICMS-Importação a mera entrada de bens em território nacional, mesmo quando

promovida por pessoa física, ou pessoa jurídica não contribuinte do imposto. Este

desrespeito fica mais fortemente marcado ao compreendermos o papel da não-

cumulatividade, a qual é cabalmente suprimida nestas oportunidades, agravando

imensamente a carga tributária incidente nos casos.

Mais adiante também, especialmente relacionado à matéria do ICMS,

destacaremos em relação ao princípio da não-cumulatividade, o qual desempenha

função pragmática de maneira a impedir a tributação sobre a mesma porção da

riqueza, que já fora fato tributado na etapa anterior.

1.5.2.3 Princípio da proibição de tributação com efeito de confisco

Ainda no sentido de impor limite quanto à instituição de tributo, verificamos a

norma constante do inciso IV, artigo 150, da Constituição Federal, o qual prescreve

da seguinte forma:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

O que chama atenção do dispositivo em tela é que por meio dele se impõe

limite ao poder de tributar, de maneira que este não poderá ostentar característica

confiscatória. Inexistindo conceito predeterminado do que seria confisco, a doutrina

muito debate a respeito do alcance desse vocábulo, o qual se faz decisivo para

verificarmos o alcance deste instituto.

Page 61: Leonardo Vanni.pdf

61

A conceituação do que se pode compreender por confisco deverá, então, ser

construída pelo intérprete da norma, bem como pelo legislador, a partir de conceitos

que se encontrem, necessariamente, no âmbito da própria Constituição.

Neste sentido, devemos ter presente que a atividade tributária consiste em

autorização constitucional de interferência sobre o patrimônio do contribuinte, por

parte do Estado, uma vez que a Constituição garante, nos termos do artigo 5º, inciso

XXII, proteção à propriedade privada. Em assim sendo, compreendemos que o limite

concebido como confisco consiste exatamente na necessidade de respeito à

manutenção da propriedade, de forma que a imposição de tributo não acarrete

perecimento de sua fonte produtora, ou seja, a extinção do patrimônio.

A respeito do que pode ser compreendido por confisco, Renato Lopes Becho

refere designação específica para estes termos em matéria tributária, conforme

vemos adiante:

Confisco, em termos tributários, pode ser visto como a transferência total ou de parcela exagerada e insuportável do bem objeto da tributação, da propriedade do contribuinte para a do Estado. Expliquemos esta asserção. Toda tributação significa a transferência de riqueza, objeto da exação, da propriedade do particular, seu contribuinte, para o Estado. A tributação deve ser realizada de modo a não retirar o bem ou inviabilizar o direito de propriedade, pois não se espera que o Estado atue contra seus sócios, os partícipes da organização social67.

No entanto, muito embora seja possível percebermos que o legislador

constitucional teve por intenção a proteção do patrimônio do contribuinte, não é tão

fácil a delimitação do que se pode compreender por interferência exagerada sobre a

propriedade, admissível por meio da tributação. O tema do limite quanto ao alcance

do que se pode considerar por confisco, na posição de Paulo de Barros Carvalho68,

ainda carece de definição, nos seguintes termos:

A temática sobre as linhas demarcatórias do confisco, em matéria de tributo, decididamente não foi desenvolvida de modo satisfatório, podendo-se dizer que sua doutrina está ainda por ser elaborada.

67 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 418. 68 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 213.

Page 62: Leonardo Vanni.pdf

62

A intuição, que sabemos ser poderoso instrumento cognoscitivo, indica-nos alguns casos flagrantes. Todavia, não oferece diretriz segura.

Mais adiante, no sentido do que pode ser considerado por confisco, é possível

traçarmos relação com o direito penal, pois também nesta seara é observada

hipótese de perda patrimonial, conforme caso presente na própria Constituição.

Dispõe o inciso XLVI, art. 5º, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: (...) b) perda de bens; (....)

Temos, portanto, embora indiretamente, indicação constitucional do que pode

ser considerado confisco. No direito tributário também encontramos situações onde

se é penalizado com o perdimento de bens, como é o caso de algumas sanções

aduaneiras, como em casos de fraude.

No entanto, devemos fazer atenção ao fato que em ambos os casos onde o

perdimento das mercadorias é autorizado, inclusive na própria Constituição, estamos

tratando de situações de penalização por ato ilícito, o que por definição o tributo não

é69. Ou seja, outra interpretação que se pode abstrair do princípio do não-confisco é

que a partir deste não é permitido ao Estado promover subtração do patrimônio, a

título de tributo, que tenha o mesmo efeito do quanto decorre de fato ilícito70.

De todo modo, muito embora não constando expresso em nosso

ordenamento, podemos seguramente afirmar que a utilização de tributo com efeito

de confisco ocorre nos casos onde há transferência total da propriedade, ou de

montante exagerado, para o Estado. O exagero deverá ser observado de acordo

69 CTN, art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. 70 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 435.

Page 63: Leonardo Vanni.pdf

63

com a capacidade contributiva do contribuinte, caso a caso. Neste sentido, esclarece

Roque Antonio Carrazza:

IX - É certo que, a priori, é extremamente difícil, se não, mesmo impossível, precisar a partir de que ponto um imposto passa a ser confiscatório. É igualmente certo, porém, que isso se saberá analisando cada caso concreto, ou seja, averiguando – como lucidamente observa Estevão Horvath – se ele foi criado com finalidades extrafiscais”, qual sua natureza intrínseca”, qual o “tipo de riqueza gravada”, e assim avante.71

A tributação confiscatória também é aquela que desrespeita a capacidade de

contribuir. No entanto, o inverso não é verdadeiro, no que concordamos com a

opinião de Renato Lopes Becho, mais uma vez. Vejamos:

A pergunta que fazemos, neste momento, é a seguinte: é possível uma lei tributária ferir o princípio da capacidade contributiva, sem ferir o princípio do não confisco? Damo-nos pressa em responder: parece-nos que sim. Em nossa opinião, é possível uma exação fiscal ser inconstitucional por desrespeitar o princípio da capacidade contributiva e não significar, necessariamente, um confisco. Ao menos hipoteticamente. (...) Suponhamos, também, que o legislador competente altere a legislação específica, majorando a alíquota do sobredito imposto de 1% para 5%. Conforme pensamos, 5% sobre o valor venal do imóvel, a título de IPTU, pode deixar diversos contribuintes em sérias dificuldades financeiras. A lei estipulou que a majoração poderá ser declarada inconstitucional por ferir o princípio da capacidade contributiva, expresso no Texto Constitucional, art. 145, §1º.72

Desta forma, consideramos que capacidade contributiva constitui um primeiro

limite ao legislador inferior, de forma que este não pode tributar de forma excessiva.

Outra coisa, no entanto, é a tributação confiscatória, que passa a ostentar feição de

atentado à manutenção do patrimônio particular, portanto um segundo limite, ainda

mais agressivo.

Ainda no sentido de aclarar em relação aos limites do que pode ser

considerado confisco, convém trazermos as lições de Regina Helena Costa, a qual

compreende pela existência de princípio maior, qual seja o princípio de não-

71 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 118. 72 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 436.

Page 64: Leonardo Vanni.pdf

64

obstância do exercício de direitos fundamentais por via de tributação. De acordo

com este entendimento, albergados no referido princípio, estão todos os direitos

fundamentais relacionados à matéria tributária, tais como imunidades e garantias de

não intervenção no patrimônio.

Neste entendimento, o princípio do não confisco existe como manifestação

daquele, nos seguintes termos:

Portanto, o princípio em foco tem sua eficácia manifestada não somente mediante a instituição de situações de intributabilidade, mas igualmente mediante a observância de outros princípios constitucionais, tais como o da vedação da utilização de tributo com efeito de confisco (art. 150, IV), o da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, e 170, III) e o da liberdade de profissão (arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único)73.

No que se relaciona com o ICMS-Importação, na medida das alterações

promovidas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, passa a ser permitida

incidência do ICMS no caso de quaisquer importações, até mesmo sobre aquelas

que não impliquem inserção de bem no ciclo econômico nacional. Nestes casos, não

é respeitada a matriz constitucional do ICMS, a qual necessariamente implica

tributação não-cumulativa. Ou seja, nos casos em apreço, a tributação passa a

subtrair importâncias significativamente superiores, de acordo com previsão

constitucional que compreendemos por inadequada.

Nesses casos, diante das elevadas alíquotas de ICMS-Importação, bem como

pela técnica de apuração da base de cálculo que faz incluir tanto importâncias

estranhas ao conceito de operação mercantil, quanto o próprio tributo,

compreendemos tratar-se de prática confiscatória.

No que diz respeito ao princípio da não-cumulatividade, passamos a analisar

quanto ao seu conteúdo, bem como conexão com a materialidade do ICMS e com a

modulação da carga tributária.

73 COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e Justiça Tributária – Exeqüibilidade de Lei Tributária e Direitos do Contribuinte. São Paulo: Ed. Malheiros, 2007, p. 156.

Page 65: Leonardo Vanni.pdf

65

1.5.2.4 Princípio da não-cumulatividade

Inspirada no direito estrangeiro do período posterior à Primeira Guerra

Mundial, no Brasil, a tributação sobre o “consumo” surgiu pelo Imposto sobre

Vendas Mercantis, nos termos da Lei Federal nº 4.625 de 1922, de competência da

União Federal.

Posteriormente, este tributo foi deslocado para competência das unidades da

Federação, passando a ser denominado Imposto sobre Vendas e Consignações

(IVC), tendo a Constituição de 1934 alargado sua materialidade.

Ainda neste momento, o tributo sobre o consumo incidia de forma cumulativa,

fato que restava por favorecer as empresas que pudessem concentrar diversas

etapas da cadeia em um mesmo estabelecimento e, consequentemente, concentrar

a incidência em um único momento.

Além disso, a cumulatividade apresentava outros efeitos, tais como distorção

no preço dos bens, segundo a necessidade de circulação de determinado setor,

estímulo à importação de bens, desestímulo às exportações, alto custo de

fiscalização, dentre outros.

Em relação à técnica de não-cumulatividade, esta tem sua origem no direito

francês, o qual trouxe o instituto em referência no que diz respeito ao tributo sobre

valor agregado existente naquele sistema jurídico, no chamado TVA – Taxe sur la

Valeur Ajoutée.

No que se refere ao sistema brasileiro, a não-cumulatividade surge em nível

constitucional em 1965, por meio da Reforma Constitucional nº 18, de forma que a

substituição do IVC pelo ICMS não apenas promoveu uma alteração de

nomenclatura mas, ao instituir a não-cumulatividade, operou alterando a estrutura do

imposto, por meio de um novo princípio informador.

Posteriormente, no âmbito da Constituição Federal de 1988, a não-

cumulatividade veio inserta no art. 155, parágrafo 2º, inciso I, como um mandamento

direcionado ao legislador infraconstitucional do ICMS, bem como de outros tributos

como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) 74 , algumas contribuições

74 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) IV - produtos industrializados;

Page 66: Leonardo Vanni.pdf

66

sociais75 e em relação à competência residual76. Em relação ao ICMS, a disposição

constitucional pertinente é a não-cumulatividade:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; (...).

Melhor explicando, a imposição constitucional da não-cumulatividade requer

seja instituída tributação que permita a compensação do tributo devido na etapa

anterior, fazendo com que a tributação apenas inove em relação àquilo que foi

“agregado” pelo contribuinte que promove, por exemplo, a circulação da mercadoria.

(...) § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. (...) § 3º - O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da essencialidade do produto; II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; (...). 75 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998). a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (...) IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (...) § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas 76 Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;

Page 67: Leonardo Vanni.pdf

67

Para tal, a Constituição prevê a existência de sistemática de abatimento de débitos e

créditos, a qual é bem explicada por Sacha Calmon Navarro Coêlho:

Ao cabo, a regra da não-cumulatividade, tanto no ICMS quanto no IPI (por isso que adotamos a técnica do imposto contra imposto em períodos fechados de tempo), é a seguinte: A) entradas tributadas geram crédito; a.1) entradas isentas ou imunes não geram crédito; B) saídas tributadas geram débitos; b.1) saídas não-tributadas (isentas ou imunes) não geram débitos; C) período de apuração: 30 dias; D) matéria apurável: todas as entradas e saídas tributáveis (somatórios). + débito – crédito = imposto a pagar - débito + crédito = crédito a transferir77

Estamos diante, portanto, de duas categorias jurídicas distintas (crédito e

débito), as quais geram diferentes relações jurídicas, nas quais credor e devedor se

alternam, nas pessoas do Estado e do contribuinte. O que compreendemos opera

distinção cabível entre as referidas naturezas é o fato da primeira (crédito) não ter

como sujeito ativo o Estado, ou seja, não se trata de natureza tributária78.

Ainda em relação à disposição constitucional pertinente a não-cumulatividade

do ICMS, devemos ter em conta o sentido que deve ser atribuído à expressão

“montante cobrado”, que não pode ser interpretado literalmente, uma vez que, se

assim o for, será possível restrição ao crédito tributário decorrente da não-

cumulatividade, em decorrência da insolvência do contribuinte situado na etapa

imediatamente anterior. Esta interpretação, no entanto, resta por vincular as duas

relações jurídicas inerentes ao débito e ao crédito inerente a não-cumulatividade, o

que não podemos admitir, haja vista as circunstâncias da cobrança serem alheias ao

conhecimento do adquirente da mercadoria, com o correspondente crédito.

Por essa razão, a fim que se verifique o princípio da não-cumulatividade em

toda sua extensão de princípio constitucional, e com o desejado efeito econômico, a

expressão “cobrado” deverá ser compreendida por incidente, sendo permitido o

desconto de crédito em função da mera previsão de incidência na etapa anterior.

77 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 395. 78 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 213.

Page 68: Leonardo Vanni.pdf

68

O efeito econômico que se busca pela não-cumulatividade é o de não permitir

tributação em sobreposição, ou seja, sobre mesma porção do fato econômico já

submetido à tributação na etapa anterior. Por este motivo, caso fosse suprimida a

não-cumulatividade, seria percebido forte abalo na estrutura do Estado, pois tornaria

os preços de mercado artificialmente mais onerosos, acarretando em arrecadação

exorbitante por parte do Estado, o que colocaria em risco a manutenção da atividade

empresarial. Sobre o tema, são as palavras de José Eduardo Soares de Melo,

verbis:

Caso fosse suprimida, a não-cumulatividade tributária geraria um custo artificial indesejável aos preços dos produtos e serviços comercializados. Esses preços estariam totalmente desvinculados da realidade, da produção e da comercialização. Isto oneraria o custo de vida da população, e encareceria o processo produtivo e comercial, reduzindo os investimentos empresariais, em face do aumento de custos ocasionado por esse artificialismo tributário, oriundo da cumulatividade.79

Muito embora flagrantes os efeitos econômicos da não-cumulatividade, o que

deve interessar ao intérprete da norma constitucional que prevê a não-

cumulatividade é, necessariamente, o conceito jurídico, ou seja, os critérios que

norteiam a sistemática de abatimento de débitos e créditos, que dão azo ao princípio

que aqui buscamos estudar. Desta forma, fazemos atenção à necessidade de

construção de um conceito jurídico deste instituto, o que somente será possível a

partir de interpretação sistemática deste instituto no âmbito da Constituição.

Por este motivo, muito se discute sobre a natureza da não-cumulatividade, se

esta consiste em uma regra de apuração ou se ostenta a posição de princípio

constitucional, distinção esta que tem implicações significativas na compreensão do

tema, pelas características decorrentes daquilo que já conceituamos como princípio

constitucional. Já adiantamos aqui entendermos que a não-cumulatividade deve ser

percebida como verdadeiro princípio, o que se verifica, principalmente, pela relação

observada entre a não-cumulatividade e outros princípios constitucionais tributários,

como o da capacidade contributiva, da igualdade e da vedação à utilização de tributo

com efeito de confisco, já estudados isoladamente.

Conforme tratado anteriormente, os princípios da igualdade e da capacidade

contributiva correspondem a comandos constitucionais de obediência obrigatória

79 Ibid., p. 210.

Page 69: Leonardo Vanni.pdf

69

pelo legislador ordinário, de maneira que a ele incumbe a tarefa de criar tributos

uniformes e que respeitem a capacidade econômica do contribuinte. A não-

cumulatividade, portanto, programa condição que permite distribuir a tributação de

acordo com a cadeia de produção ou comercialização, de forma que nenhum dos

contribuintes do referido ciclo serão tributados em bases isonômicas.

Pelo mesmo motivo, a lei não poderá instituir que a não-cumulatividade seja

suprimida em determinada etapa do ciclo, haja vista que alguns não poderão ser

prejudicados em relação aos demais, pelo primado da igualdade, bem como pelo

respeito à capacidade contributiva, decorrente da capacidade econômica, verificada

em termos objetivos em função da existência de operação mercantil, por exemplo.

Da mesma forma, podemos observar relação de complementaridade entre o

princípio da não-cumulatividade e o princípio que veda a instituição de tributo com

efeito de confisco, uma vez que o primeiro impõe regra propiciadora da existência de

ambiente tributário não confiscatório, já que diminui o impacto econômico da

tributação sobre o consumo.

Portanto, o princípio da não-cumulatividade está diretamente ligado à noção

de direito fundamental, ou seja, na garantia de que o particular somente será exigido

nos estritos termos autorizados na Constituição, de maneira que qualquer violação

ao referido princípio constitui desnaturação da competência tributária possível,

outorgada pelo constituinte originário.

Este é o entendimento de Roque Antonio Carrazza exatamente no que diz

respeito à alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, nos

seguintes termos:

Ora, a Emenda Constitucional 33/2001, ao dar nova redação ao art. 155, §2º, IX, “a”, da CF, permitiu que os Estados-membros criassem, por meio de lei ordinária, um novo imposto, com a mesma hipótese de incidência e base de cálculo do imposto sobre a importação (previsto no art. 153, I, da Carta Magna) e passando ao largo do princípio da não-cumulatividade. Mas, ainda que se aceite, apenas ara argumentar, que o novo imposto também é ICMS, ele permanece inconstitucional, já que não tem como cumprir os ditames do princípio da não-cumulatividade80.

Ainda, em relação ao ICMS, destacamos mais uma vez que esta sigla alberga

a existência de diversos tributos, incidentes sobre a circulação de mercadorias,

80 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 91.

Page 70: Leonardo Vanni.pdf

70

sobre determinadas prestações de serviço, bem como sobre importações,

materialidades estas que em comum devem respeitar a não-cumulatividade. Nestes

termos, é inegável que a não-cumulatividade é princípio informador dos tributos

brasileiros incidentes sobre o consumo, visto que sua instituição tem por objetivo a

diminuição da carga tributária, decorrente da tributação em cascata, bem como

corrigir possíveis distorções no âmbito econômico, também geradas pela outra forma

de apuração.

Portanto, a cláusula de não-cumulatividade não pode ser invocada como

norma programática que traduziria uma mera recomendação, mas sim uma diretriz

constitucional imperativa, de observância obrigatória tanto pelo legislador como pelo

contribuinte do imposto.

Em assim sendo, pelos motivos acima, defendemos ser a não-cumulatividade

um princípio constitucional, o qual encontra sua definição jurídica escorada não em

argumentos econômicos, financeiros ou políticos, mas em outros princípios

constitucionais tributários.

José Eduardo Soares de Melo 81 também compreende que a não-

cumulatividade é, de fato, um princípio. Vejamos:

A cláusula da “não-cumulatividade” não consubstancia mera norma programática, nem traduz recomendação, sequer apresenta cunho didático ou ilustrativo, caracterizando, na realidade “diretriz constitucional imperativa”.

Um pouco diferente, mas reconhecendo o caráter principiológico da não-

cumulatividade, é a compreensão de Paulo de Barros Carvalho:

O princípio da não cumulatividade é do tipo limite objetivo: impõe técnica segundo a qual o valor de tributo devido em cada operação será compensado com a quantia incidente sobre as anteriores, mas preordena-se à concretização de valores como o da justiça da tributação, respeito à capacidade contributiva e da justiça da tributação, respeito à capacidade contributiva e uniformidade na distribuição da carga tributária sobre etapas de circulação e de industrialização de produtos.82

81 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 211. 82 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 220.

Page 71: Leonardo Vanni.pdf

71

Nestes termos, a doutrina bem aceita a ideia da não-cumulatividade como

princípio constitucional, arraigado na concepção de que esta existe de forma a

controlar a carga tributária suportada pelos adquirentes de itens de consumo,

corolário de outros princípios constitucionais, como já verificado acima.

Outro tema bastante polêmico relacionado a não-cumulatividade consiste na

discussão quanto a esta ser elemento que configura a regra-matriz dos tributos

incidentes sobre o consumo, ou se esta se refere a elemento exógeno ao arquétipo

constitucional destes tributos. Este entendimento subsidia-se na concepção de que

uma vez tendo a não-cumulatividade implicação direta no montante do tributo

exigível, estar-se-ia diante de elemento da base de cálculo do tributo, bem como a

respeito da natureza do fato gerador, se instantâneo ou complexivo. Destacamos,

mais uma vez, a opinião de Sacha Calmon Navarro Coêlho para o qual a não-

cumulatividade é parte integrante da norma tributária do ICMS:

Discordamos, com respeito, de todos os que acham não integrar a norma jurídico-tributária do ICM, o princípio da não-cumulatividade. Integra sim, e integra a consequência. A base de cálculo não é o único modo de se apurar o quantum do dever decorrente da realização do suposto. Seria reduzir a estrutura normativa à sua feição mis primária. Existem impostos sofisticados, do ponto de vista jurídico, tais como o ICMS e o imposto de renda, que exigem operações algo complexas para a conclusão do quantum debeatur e que solicitam o concurso de leis e princípios diversos, todos convergentes a um só fim: a “quantificação” do dever do sujeito passivo da obrigação. No caso específico do ICMS, o imposto devido não decorre apenas da incidência da alíquota, singela e primária, sobre a base de cálculo, esta o valor de saída da mercadoria decorrente da operação que a faz circular. Depende de outros cálculos e de outros elementos complicadores. Depende, v.g., por expressa determinação constitucional, da dedução do crédito devido pelas entradas do valor das “saídas”83.

Este entendimento leva em consideração que o fato gerador do ICMS é

complexivo, ou seja, que apenas estaria presente após decorrido período de tempo

necessário para que se opere o “encontro” de débitos e créditos tributários

compensáveis.

A compreensão que não considera a não-cumulatividade como elemento do

mandamento tributário considera que a base de cálculo do ICMS é meramente o

83COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 401.

Page 72: Leonardo Vanni.pdf

72

valor de que decorre da “saída da mercadoria”. O abatimento dos créditos seria

permitido como elemento que somente interessa ao débito tributário, em momento

posterior à incidência. De acordo com esta doutrina, portanto, o fato gerador do

ICMS é instantâneo, incidente quando da operação mercantil. Neste sentido, dispõe

Roque Antonio Carrazza,84 nos seguintes termos:

II – Realmente, se a base de cálculo (que mede o fato jurídico tributário) do ICMS é o valor da operação (ou da prestação) realizada, resulta claro que este imposto não pode incidir sobre o valor acrescentado em relação à anterior (sob pena de ser descumprida a primordial função dimensionada deste mesma base de cálculo). (....) Não passa, pois, de uma técnica de tributação, peculiar ao ICMS (que, em absoluto, não interfere em sua base de cálculo), a apuração do saldo devedor (ou credor) – por meio da diferença entre o imposto relativo às saídas e o correspondente às entradas de mercadorias, bens ou serviços -, que apenas assegura ao contribuinte a fruição do direito constitucional de abater, o quantum do imposto a seu cargo, o “montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal” (art. 155, §2º, I, da CF).

De acordo com este entendimento, portanto, o ICMS incidiria sobre base

imponível que correspondesse ao valor total das saídas, ou seja, os créditos

decorrentes da não cumulatividade não teriam condão de diminuir este montante,

mas somente de reduzir o montante a recolher, de forma que os créditos são

equiparados à moeda, que servem para o pagamento do tributo.

Destacamos, muito embora coerente o entendimento aqui exemplificado pela

lavra de Sacha Calmon Navarro Coêlho, nosso entendimento de que esta

proporciona uma inadequação entre o binômio critério material e base de cálculo, os

quais passam a não guardar a relação que compreendemos que deverão manter,

como veremos adiante. Isso porque uma vez imposto pela Constituição que o ICMS

deverá incidir sobre operações mercantis, por exemplo, a base de cálculo deste

tributo, será, necessariamente, o valor da operação, ocorrendo a incidência no

instante que se der a saída do estabelecimento.

Até aqui nos debruçamos a respeito da não-cumulatividade como um princípio

constitucional, no intuito de delimitar os contornos deste instituto, os quais

percebemos serem eminentemente jurídicos, ostentando a condição de verdadeiro

84 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 427.

Page 73: Leonardo Vanni.pdf

73

princípio constitucional, o que se verifica pela relação de inerência que mantém com

os princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da vedação de utilização de

tributo com efeito de confisco.

A não-cumulatividade, portanto, impõe seja modulado o efeito econômico

percebido pela tributação nos casos onde existe disposição constitucional neste

sentido. A adoção da não-cumulatividade, portanto, é imposição ao legislador

infraconstitucional, que não pode, em nenhum caso, ser amesquinhada. No entanto,

este não foi o efeito percebido pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 no que diz

respeito ao ICMS incidente sobe operações de importação, como veremos a seguir.

1.5.2.4.1 Violação do princípio da não-cumulatividade em função da

Emenda Constitucional nº 33 de 2001 no caso do ICMS-Importação

Como já tratamos, o elemento comum existente entre todas as hipóteses de

incidência albergadas sob a sigla ICMS corresponde à não-cumulatividade, de forma

que também em relação ao ICMS-Importação a observância quanto à não-

cumulatividade é um mandamento constitucional direcionado ao legislador

infraconstitucional.

Neste sentido, também em relação às mercadorias provenientes do exterior,

deverá ser mantido o direito ao registro de crédito, a ser “abatido” do montante

devido na etapa posterior. Ou seja, o conceito de não-cumulatividade insere-se

perfeitamente no conceito daquilo que pode se submeter ao ICMS, o que

exploraremos melhor adiante. No entanto, pode-se abstrair do mandamento da não-

cumulatividade o fato de que para este instituto ser prestigiado é necessário que

haja a possibilidade de registro de crédito pelas aquisições sujeitas ao ICMS, o que

somente será observado nos casos onde estejamos diante de uma importação de

mercadoria, por pessoa que seja contribuinte do ICMS.

No entanto, como também veremos detalhadamente adiante, a Emenda

Constitucional nº 33 de 2001 legislou em sentido contrário, passando a permitir

hipótese onde embora haja a incidência do ICMS, o crédito não é permitido, uma vez

Page 74: Leonardo Vanni.pdf

74

que as operações de importação em questão não se referem a ingressos de bens

que incorporam bens ao ciclo comercial nacional.

A referida Emenda, ao alterar dispositivo constitucional para fazer incidir o

ICMS-Importação sobre qualquer ingresso de bens em território nacional, resta por

macular o princípio da não-cumulatividade, pois não leva em consideração a

destinação do bem, a pessoa do importador, se pessoa física ou jurídica, se

efetuada por contribuinte do imposto ou não. Numa operação de importação normal,

feita por contribuinte do imposto, o ICMS recolhido por ocasião do despacho

aduaneiro de uma mercadoria é registrado a crédito na escrita fiscal, uma vez que

haverá incidência do ICMS na etapa posterior, relacionada ao bem anteriormente

importado.

No entanto, não sendo o importador contribuinte do ICMS, não haverá como

registrar o crédito decorrente da importação e, mesmo que tivesse, não seria

aproveitável, sem a posterior incidência, dentro do ciclo comercial. Foi exatamente

isso que passou a ocorrer após a edição da Emenda Constitucional nº 33 de 2001,

uma vez que o ICMS passou a incidir sobre quaisquer operações de importação, ou

seja, também nos casos onde a importação não é relacionada com atividade de

mercancia.

Observa-se, então, que é flagrante a distorção que a Emenda Constitucional

nº 33 de 2001 promove, uma vez que onera com carga tributária integral, sem direito

a compensação do crédito, por aquele que é contribuinte de direito do ICMS. Por

este motivo também, já adiantamos aqui compreendermos ser a Emenda em

questão inconstitucional. Nestes termos, destacamos a compreensão de Clélio

Chiesa, que elenca estas inconstitucionalidades:

Portanto, como o ato de importar bens já é tributado por meio do imposto de importação (art. 153, I, da CF), tal evento não poderia ter sido eleito como hipótese de incidência do ICMS, pois e EC nº 33/2001 autorizou o legislador estadual a tributar um evento já contemplado como hipótese de incidência de outro imposto. A bitributação, salvo as exceções previstas pelo poder constituinte de 1988, é constitucionalmente vedada. Não obstante tal autorização tenha sido inserida por meio de emenda, certo é que o constituinte de 1988 assegurou ao contribuinte o direito de não se sujeitar à tributação por meio de impostos cumulativos e que tenham “fato gerador” e base de cálculo de outros impostos discriminados na Constituição. Tal diretriz, como dito alhures, a nosso ver, integra o conjunto de direitos e garantias que não podem ser suprimidos ou restringidos nem mesmo por meio

Page 75: Leonardo Vanni.pdf

75

de emenda à Constituição. Logo, nesse particular, a EC nº 33/2001 é inconstitucional.85

Desta forma, em relação às inovações promovidas pela Emenda

Constitucional nº 33 de 2001, deverá ser adotada interpretação em consonância com

os princípios e direitos fundamentais inerentes ao ICMS, quer dizer, onde não for

permitido amesquinhamento ao direito fundamental que obriga seja respeitado o

direito ao registro de créditos e a tributação nos termos estabelecidos pelo legislador

constituinte originário. Ambos os pontos, serão mais bem estudados adiante.

85 CHIESA, Clélio. EC 33 – Dois novos impostos rotulados de ICMS. In: Revista Dialética de Direito Tributário n. 90. São Paulo: Ed. Dialética, mar. 2003, p. 38.

Page 76: Leonardo Vanni.pdf

76

CAPÍTULO II – ANÁLISE DO ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL DO

ICMS-IMPORTAÇÃO

Conforme já visto, a Constituição outorga competências legislativas, dentre

elas a tributária, autorizando que os entes tributantes criem os respectivos tributos,

em abstrato. Isso implica dizer que os tributos que podem ser criados encontram-se

predefinidos na Constituição. Conforme também já analisamos, somente o poder

constituinte originário pode criar tributos.

Uma vez que aqui tratamos de um tributo específico, qual seja o ICMS,

devemos, portanto, tecer considerações sobre a natureza deste tributo em

específico. Previamente, no entanto, buscaremos tecer breves considerações a

respeito de conceitos teóricos fundamentais, relacionados à norma constitucional

pertinente ao arquétipo constitucional do tributo. Considerando que a Constituição já

contempla os conceitos essenciais aos tributos que prevê, o exercício das

competências tributárias deverá, necessariamente, restringir-se aos pormenorizados

termos da Constituição.

À descrição hipotética, apta a dar nascimento à obrigação tributária, uma vez

ocorrido o fato descrito em lei, iremos denominar por hipótese de incidência, na lição

de Geraldo Ataliba, que teceu relevantes considerações sobre este conceito.

De maneira a promover o estudo a respeito do arquétipo constitucional dos

tributos, devemos aqui traçar distinção entre o fato hipotético conforme descrito em

lei (fato jurisdicizado) e o fato efetivamente ocorrido no mundo fenomênico, o qual

corresponde fielmente àquilo que prevê a legislação.

A fim de que ocorra a incidência tributária e, portanto, nasça a obrigação,

deverão coexistir todos os aspectos da hipótese de incidência tributária, ou seja,

para que o tributo seja criado de forma concreta, deve-se observar identificação

entre o fato conforme abstratamente previsto em lei, fato ocorrido no mundo

fenomênico, ao que denominamos de subsunção. A respeito da subsunção, explana

a doutrina de Geraldo Ataliba86:

24. Nascimento da obrigação tributária 86 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 68-69.

Page 77: Leonardo Vanni.pdf

77

24.1 O vínculo obrigacional que corresponde ao conceito de tributo nasce, por força da lei, da ocorrência do fato imponível. 24.2 A configuração do fato (aspecto material), sua conexão com alguém (aspecto pessoal), sua localização (aspecto espacial) e sua consumação num momento fático determinado (aspecto temporal), reunidos unitariamente determinam inexoravelmente o efeito jurídico desejado pela lei; criação de uma obrigação jurídica concreta, a cargo de pessoa determinada, num momento preciso. (...) 25. Subsunção 25.1 Subsunção é o fenômeno de um fato configurar rigorosamente a previsão hipotética da lei. Diz-se que um fato se subsume à hipótese legal quando corresponde completa e rigorosamente à descrição que dele faz a lei.

Ao fato, efetivamente ocorrido no mundo fenomênico, capaz de subsumir-se

aos termos da lei, vamos aqui denominar de fato imponível, também nos termos da

doutrina de Geraldo Ataliba87.

Portanto, no âmbito da Constituição irão constar os principais elementos que

configuram determinado tributo. Em relação ao tema, também esclarece Aires

Barreto o qual defende que a previsão constitucional do tributo já indica sua efetiva

existência, se opondo à corrente que defende não serem os tributos criados na

Constituição. São as considerações do autor 88:

Sem dissensões, se tem aceito, ao longo do tempo, que a Constituição não cria tributo. Há poucos sóis, porém, levantou-se a voz acatadíssima de José Souto Maior Borges para consignar com firme convicção: “...mesmo antes de sua instituição por lei, o tributo apenas previsto na Constituição já existe”. Colhida em seus devidos termos, parece-nos que lhe assiste razão. (....) Tomemos por exemplo o imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Sem embargo da faculdade constante no §4º, do art. 23 da Magna carta, é inequívoca a eleição dos possíveis destinatários legais tributários: “produtores, industriais e comerciantes” (cfme. Art. 23, inciso II). (...) Assim, embora não se tenha a escultura com todos os seus entalhes, o que só se dará com a edição da lei ordinária, não é menos verdade que o porte, o tipo do lenho e mesmo os traos mais vigorosos são juridicamente tangíveis.

87 Ibid., p. 68. 88 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Max Limonad, 1998, p. 26.

Page 78: Leonardo Vanni.pdf

78

Seguindo na investigação da hipótese de incidência tributária, entendemos

que a norma em questão deverá ser identificada, necessariamente, de acordo com

aspectos de sua natureza, quais são: aspecto material, aspecto espacial, aspecto

temporal, aspecto pessoal e aspecto quantitativo.

A hipótese de incidência, portanto, corresponde a um recorte da realidade, de

acordo com os aspectos eleitos, nos termos da lei, a qual se ocorrida (a hipótese)

cria um enlace obrigacional entre sujeito ativo e sujeito passivo, correspondente à

obrigação de pagar determinada quantia ao Estado.

Seguindo na investigação da norma tributária constitucionalmente prevista,

ainda na doutrina de Geraldo Ataliba, esta norma assume a configuração tríade:

hipótese, mandamento e sanção. Vejamos:89

17.10 Em suma: se a norma jurídica tem a seguinte estrutura: 1)hipótese, 2) mandamento, 3) sanção, só é obrigação tributária a que nasce por força do (2) mandamento. Aquelas obrigações que decorrem da (3) sanção, não são tributárias. Pois este comando só é obrigatório para a pessoa contemplada na hipótese legal; e só quando se configure, concreta e atualmente, o fato ou estado de fato previsto na respectiva hipótese.

Continuando na investigação acerca do arquétipo constitucional dos tributos,

destacamos também a posição de Paulo de Barros Carvalho, o qual também dedica

extensa análise ao tema.

Traçando-se análise a respeito dos dois referenciais teóricos que aqui

buscamos cotejar, o que compreende Geraldo Ataliba denominar por hipótese de

incidência, configurada por seus diversos aspectos, Paulo de Barros entende por

bem chamar de regra-matriz de incidência, a qual será informada por seus critérios

(pessoal, material, espacial, temporal e quantitativo).

De acordo com Paulo de Barros Carvalho, a regra-matriz de incidência é

composta de forma bipartida, por (1) antecedente e (2) consequente90.

Na teoria de Paulo de Barros, a hipótese (antecedente) alberga os elementos

de suposição, ou seja, aqueles elementos imprescindíveis ao nascimento da

obrigação tributária, ou seja, os critérios material, espacial e temporal. Em relação a

89 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 53. 90 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 318.

Page 79: Leonardo Vanni.pdf

79

estes elementos, uma vez presentes, poderão fazer incidir a norma, desde que

vertida em norma individual e concreta.

Por sua vez, no consequente restariam os critérios pessoal e quantitativo

permitindo-se identificar o vínculo jurídico já instalado, de acordo com os sujeitos

portadores do dever e do direito, inerentes à obrigação tributária. Nas palavras de

Paulo de Barros Carvalho91:

Assim, recolhendo o vocábulo obrigação como sinônimo de relação jurídica de índole economicamente apreciável, podemos defini-lo como o vínculo abstrato, que surge pela imputação normativa, e consoante o qual uma pessoa, chamada de sujeito ativo credor ou pretensor, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo ou devedor, o cumprimento de prestação de cunho patrimonial.

Muito embora tenhamos trazido as distinções existentes entre os conceitos de

regra-matriz de incidência tributária e hipótese de incidência tributária, marcamos

aqui que ambos se prestam igualmente para explicar a respeito do arquétipo

constitucional dos tributos, de acordo com seus critérios ou aspectos, a depender do

referencial teórico ao qual nos aproximemos.

No entanto, na sequência do presente trabalho, iremos nos valer do

referencial teórico adotado por Paulo de Barros Carvalho, pelas denominações

decorrentes do conceito de regra matriz de incidência tributária, o que destacamos

para conferir coerência terminológica ao estudo.

Feitas as devidas distinções teóricas a respeito do arquétipo constitucional

dos tributos em geral, passemos à investigação acerca destes conceitos aplicados à

matéria do ICMS-Importação.

91 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 358.

Page 80: Leonardo Vanni.pdf

80

2.1 Antecedente normativo

Conforme já observado, o antecedente normativo corresponde à hipótese

passível de ocorrência no mundo fenomênico, de acordo com as indicações

legislativamente qualificadas, de tempo, lugar e fato econômico. Uma vez presentes

as três qualidades em questão, o fato estará apto a produzir efeitos tributários, ou

seja, criar enlace obrigacional entre sujeito ativo e passivo.

Assim sendo, passemos à análise dos critérios pertinentes ao antecedente

normativo, os critérios: a) material; b) espacial; e, c)temporal.

2.1.1 Critério material da regra matriz de incidência

O critério material da norma tributária propriamente dita92 consiste na locução

formada por um verbo e um complemento, conjuntamente formando o núcleo da

hipótese normativa. Por decorrência lógica, o verbo em questão não pode ser de

predicação completa, bem como não pode se tratar de verbo impessoal, sendo,

portanto, forçoso que se trate de um verbo pessoal e de predicação incompleta.

Sobre o tema, esclarece Paulo de Barros Carvalho93:

Regressando ao tópico da transcendente importância do verbo, para a definição do antecedente da norma-padrão do tributo, quadra advertir que não se pode utilizar os da classe dos impessoais (como haver), ou aqueles sem sujeito (como chover) porque comprometeriam a operatividade dos desígnios normativos, impossibilitando ou dificultando seu alcance. Isso concerne ao sujeito que pratica a ação, e bem assim ao complemento do predicado verbal, que, impreterivelmente, há e existir. Descabe falar-se, portanto, de verbos de sentido completo, que se expliquem por si mesmos.

92 Ibid., p. 298. 93 Ibid., p. 326.

Page 81: Leonardo Vanni.pdf

81

Como exemplos de critérios materiais, presentes na Constituição Federal,

destacamos auferir renda, realizar operações financeiras e ser proprietário de imóvel

rural¸ para as hipóteses previstas nos incisos V, VI e III do artigo 153,

correspondendo ao imposto sobre a renda, ao imposto sobre operações financeiras

e ao imposto sobre a propriedade territorial rural, respectivamente.

Devemos aqui fazer atenção à distinção existente entre o que é materialidade

do tributo (critério material) e o que é a regra matriz como um todo, destacando-se

que a segunda somente estará conformada a partir da coexistência de todos os

critérios já destacados, não somente o material, devendo ainda ser respeitados

pressupostos de espaço, tempo e o elemento subjetivo.

A respeito da importância do critério material, explana Fernando Bonfá de

Jesus:

O critério material é o mais complexo, tendo em vista que contém a designação de todos os dados de ordem objetiva pois fornece o critério básico para de quantificar o montante devido, permitindo-nos identificar o núcleo da hipótese de incidência tributária.94

De acordo com terminologia já destacada de Geraldo Ataliba, este refere em

relação ao aspecto material da hipótese de incidência da seguinte forma:

Neste entendimento, o aspecto material consiste no núcleo da hipótese de incidência, suportando a designação objetiva de seu arquétipo, o qual fornece o único critério possível para a identificação da base de cálculo possível. O aspecto mais complexo da hipótese de incidência é o material. Ele contém a designação de todos os dados de ordem objetiva, configuradores do arquétipo em que ela (h.i) consiste; é a própria consistência material do fato ou estado de fato descrito pela h.i, é a descrição dos dados substanciais que servem de suporte à h.i. (...) Fornece o critério básico, para se responder “quanto é devido” além de servir de fulcro para o discrimen que permite formular a única classificação jurídica dos tributos, desdobrando-os em espécies e subespécies95.

Ainda nos termos da doutrina que destacamos acima, será por meio da

identificação do aspecto material que reconheceremos os elementos essenciais da

94 JESUS, Fernando Bonfá de. ICMS - Aspectos Pontuais. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 25. 95 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 108.

Page 82: Leonardo Vanni.pdf

82

hipótese, podendo-se, muitas vezes, confundir o aspecto material com a hipótese

como um todo.

Temos, portanto, que o critério material deve ser observado com maior

atenção pelo intérprete, uma vez que não mais importante que os demais para a

formação da obrigação tributária, mas certamente instrumento importante para a

verificação do adequado uso da competência tributária, bem como para a

identificação da ocorrência do fato imponível.

O critério material deverá estar expressamente designado em nível

constitucional, de maneira que cada nova materialidade informada na Constituição

corresponderá a novo tipo tributário. Conforme expressa Roque Antonio Carrazza96:

A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu – ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador – a norma-padrão de incidência (o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação.

Especificamente em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias

(ICMS) este é tributo cuja competência é conferida aos Estados e ao Distrito Federal

e, excepcionalmente, à União, nos casos dos artigos 14797 e 154, II98 da Carta

Magna.

A partir da leitura do inciso II, do artigo 155, da Constituição Federal de 1988,

verificamos a existência de 6 (seis) impostos distintos, todos sob o que

denominamos “ICMS”. No que diz respeito ao ICMS, nos termos do que dispõe a

atual redação da alínea “a”, do inciso IX, parágrafo 2º, do artigo 155 da Constituição

Federal, temos:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...)

96 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 587. 97 Art. 147. Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais. 98 Art. 154. A União poderá instituir: (...) II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

Page 83: Leonardo Vanni.pdf

83

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (....) IX - incidirá também: a)sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

Portanto, são os 6 (seis) impostos: (I) imposto sobre a circulação de

mercadorias; (II) imposto sobre a prestação de serviço de transporte interestadual e

intermunicipal; (III) imposto sobre a prestação de serviço de comunicação; (IV)

imposto sobre a produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de

lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; (V) o imposto

sobre extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais; e, (VI) imposto

sobre entrada de bens do exterior.

O destaque acima para as 6 (seis) materialidades do ICMS levam em

consideração a atual configuração das hipóteses constitucionalmente previstas,

principalmente após a edição da Emenda Constitucional nº 33 de 2001. No entanto,

a divisão aqui destacada não é uníssona na doutrina. Roque Antonio Carrazza

destaca a existência de 5 (cinco) hipóteses para o ICMS, nos seguintes termos:

A sigla “ICMS” alberga pelo menos cinco impostos diferentes, a saber: a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que, de algum modo compreende o que nasce na entrada de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviço de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.

Levando em consideração a previsão constitucional já destacada, bem como

a correspondente lei complementar, no caso a Lei Complementar nº 87 de 1996,

Page 84: Leonardo Vanni.pdf

84

Fernando Bonfá de Jesus destaca a existência de 3 (três) materialidades distintas,

nos seguintes termos:

Nos termos do inc. II do art. 155 da CF de 1988 e da Lei Complementar (LC) nº 87 de 1996 (denominada Lei Kandir), que regula o imposto no âmbito nacional, as operações relativas à circulação de mercadorias e serviços de transporte intermunicipal e interestaduais e comunicação são entendidas como a efetiva transferência de titularidade das mercadorias ou efetiva prestação de serviço de transporte e comunicação. (...) Portanto, são os três termos que caracterizam o critério material do ICMS: (i) circulação de mercadorias, (ii) serviço de transporte (intermunicipal e interestadual), e (iii) serviço de comunicação99.

Contudo, já cabe adiantarmos neste ponto que uma leitura mais apurada do

dispositivo constitucional levar-nos-á à supressão da última hipótese destacada,

relacionada ao ingresso de bens em território nacional. Esta, por sua vez, não deve

ser compreendida como hipótese diversa daquela pertinente à circulação de

mercadorias, pelas razões que passaremos a apresentar.

Isso porque a análise da regra-matriz de incidência do ICMS incidente sobre

operações mercantis servirá de base para compreendermos a mesma regra em

relação ao ICMS incidente sobre importação de mercadorias, que já adiantamos

anteriormente como materialidade sui generes.

Em relação à pluralidade de sentidos que comporta a sigla ICMS, Sacha

Calmon Navarro Coêlho destaca pela possibilidade de redução à existência de

apenas duas materialidades, uma vez que o princípio da não-cumulatividade tem a

função de interligar as materialidades, devendo-se apenas diferenciar o ICMS

incidente sobre serviços de transporte de passageiros. É a posição do autor:

O imposto incide sobre operações relativas a: a) Circulação de mercadorias; b) Prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal (excluídos os municipais sujeitos ao ISS e os internacionais, imunes e isentos); c) Prestação de serviço de comunicação; Não são três impostos, mas um só, sobre circulação de mercadorias e serviços específicos, pois a não-cumulatividade os interliga. Somente o transporte de pessoas pode se constituir em imposto

99 JESUS, Fernando Bonfá de. ICMS - Aspectos Pontuais. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 26.

Page 85: Leonardo Vanni.pdf

85

diverso. O IVA na Europa abrange os serviços de profissionais liberais e construção civil. A doutrina jamais chegou a predicar que o IVA é miríade de impostos100.

A análise da regra-matriz de incidência do ICMS incidente sobre operações

mercantis servirá de base para compreendermos a mesma regra em relação ao

ICMS incidente sobre importação de mercadorias, que já adiantamos anteriormente

como materialidade sui generes. Isso porque se observa da Constituição núcleo

comum principalmente em função da disposição adotada pelo legislador

constitucional.

Foi escolha de este trazer referência quanto à incidência na importação,

exatamente mencionando o inciso pertinente ao ICMS incidente sobre operações

mercantis, na redação constitucional acima destacada.

Portanto, para uma adequada compreensão quanto à materialidade desta

exação (ICMS), importante que o intérprete tenha consciência do real sentido do

verbo e do complemento utilizados pelo legislador constitucional, no caso circular

mercadoria.

Em assim sendo, a compreensão quanto à materialidade deste imposto deve,

necessariamente, firmar conceito do que são mercadorias, do que é circulação e o

que são operações mercantis, estas sim, objetos do imposto.

2.1.1.1 Vocábulo circulação

Em primeiro lugar, cumpre destacarmos que o termo circulação deve ser

compreendido como a circulação jurídica da mercadoria, a qual pressupõe a

transferência da propriedade ou posse das mercadorias. Na definição de José

Eduardo Soares de Melo, o termo circulação empregado para definir a materialidade

do ICMS corresponde:

100 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 478.

Page 86: Leonardo Vanni.pdf

86

“Circulação” é a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob o manto de um título jurídico, equivale a declarar, à sombra de um ato ou de um contrato, nominado ou inominado. Movimentação, com mudança de patrimônio101.

A circulação relevante para o ICMS corresponde àquela tutelada pelo direito,

que apresente cunho patrimonial. Circular significa mudar de titularidade, não

necessariamente em relação à propriedade, uma vez que podemos aplicar o mesmo

conceito à circulação da posse, a qual da mesma forma importa na transferência de

poderes jurídicos sobre determinado bem, de maneira economicamente relevante.

Devemos destacar, portanto, que a circulação importante para o ICMS não se

confunde com a mera circulação física, como bem destaca Roque Antonio Carrazza:

É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem a mudança de titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio do ICMS. Esta idéia, abonada pela melhor doutrina (Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Cléber Giardino, etc.), encontrou ressonância no próprio STF102.

A noção a respeito da circulação passível de incidência para o ICMS fica mais

clara ao analisarmos o vocábulo seguinte da locução, que qualifica o verbo circular.

Isso porque, a circulação importante para o ICMS é aquela que tem por objeto uma

mercadoria, ou seja, o ICMS incidirá sobre operações mercantis.

2.1.1.2 Vocábulo operação

Portanto, dando sequência na investigação quanto à materialidade do imposto

sobre a circulação de mercadorias, devemos definir o conceito de operação

mercantil. Destacamos aqui que o cerne da materialidade do ICMS encontra-se no

vocábulo operações, desde que devidamente qualificada pelos termos circulação e

101 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 16. 102 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 43.

Page 87: Leonardo Vanni.pdf

87

mercadoria, de maneira que aquilo que é efetivamente tributado pelo ICMS é a

operação. No mesmo diapasão a obra de Geraldo Ataliba e Cleber Giardino, nos

seguintes termos:

Operações são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes; circulação e mercadorias são, nesse sentido, adjetivos que restringem o conceito substantivo de operações103.

Por operação mercantil, compreende Roque Antonio Carrazza104:

IV - Enfim, como adiante melhor procuraremos demonstrar, para que um ato jurídico configure uma operação mercantil é mister que: a) seja regido pelo Direito Comercial; b) tenha sido praticado num contexto de atividades empresariais; c) tenha por finalidade, pelo menos em linha de princípio, o lucro (resultados econômicos positivos); e, d) tenha por objeto uma mercadoria.

No que diz respeito à locução “operações”, esta é de grande valia na

investigação quanto à materialidade do ICMS, a qual foi objeto de estudo por

Geraldo Ataliba e Cleber Giardino, no qual é destacada a construção deste conceito.

Referem os autores:

Operações são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes; circulação e mercadorias são, nesse sentido, adjetivos que restringem o conceito substantivo de operações105.

Nestes termos, o fato econômico tributado pelo ICMS é a operação, de forma

que os vocábulos circulação e mercadorias são meros aspectos que qualificam a

operação que deve ser tributada.

José Souto Maior Borges também destaca a importância quanto à

compreensão do termo operações empregado na concepção da materialidade do

ICMS, nos seguintes termos: 103 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Núcleo da definição constitucional do ICM (operações, circulação e saída). In: Revista de Direito Tributário, n. 25-26. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1983, p. 103. 104 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 44. 105 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Núcleo da definição constitucional do ICM (operações, circulação e saída). In: Revista de Direito Tributário, n. 25-26. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1983, p. 104.

Page 88: Leonardo Vanni.pdf

88

A operação – fato gerador do imposto – pode ser jurídica, embora não deva ser necessariamente uma compra e venda, como acontecia com o velho IVC, que, aliás, fora estendida à troca e à empreitada106.

Portanto, a locução “operações relativas à circulação de mercadorias”, insere

limite objetivo que qualifica e delimita o âmbito das circulações passíveis

relacionadas à imposição do imposto, as quais poderão ser melhor verificadas a

partir da interpretação quanto à locução como um todo, que somente estará

completa a partir do termo seguinte, mercadoria.

2.1.1.3 Vocábulo mercadorias

Mercadoria, por sua vez, consiste no bem móvel sujeito à operação de

mercancia, ou seja, operação que se sujeita às regras do direito comercial.

Nenhum bem é mercadoria por sua natureza, serão mercadorias aqueles

bens que sejam objeto de operações regidas pelo regime jurídico do direito

comercial, que sejam bens móveis, de forma que a qualificação como mercadoria

dependerá do destino a ser dado pela operação mercantil.

Em assim sendo, o vocábulo mercadorias restringe com mais especificidade

as operações que se sujeitam ao ICMS, de maneira que são mercadorias os bens

corpóreos objeto da atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante107.

Cleber Giardino e Geraldo Ataliba também destacam a importância do vocábulo em

questão na definição da materialidade do ICMS, nos seguintes termos:

(....) só há mercadoria para o Direito, onde existam regras jurídicas que a definam e dêem critérios para o seu reconhecimento (mercadorias são coisas qualificadas pelo Direito, em função de sua

106 BORGES, José Souto Maior. O Fato Gerador do ICMS e os Estabelecimentos Autônomos. In: Revista de Direito Administrativo, v. 103. São Paulo, p. 33-48. 107 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 19.

Page 89: Leonardo Vanni.pdf

89

destinação); destarte inexiste mercadoria onde inexista ato juridicamente regrado108.

Em assim sendo, consideramos correta a lição de Roque Antonio Carrazza,

para o qual o conceito de mercadoria que deve ser trazido para fins de definição da

hipótese de incidência do ICMS é aquele vigente no momento da promulgação da

Constituição Federal de 1988109, o qual se encontrava indicado na disposição do

artigo 191 do Código Comercial, atualmente revogado.

Art. 191 - O contrato de compra e venda mercantil é perfeito e acabado logo que o comprador e o vendedor se acordam na coisa, no preço e nas condições; e desde esse momento nenhuma das partes pode arrepender-se sem consentimento da outra, ainda que a coisa se não ache entregue nem o preço pago. Fica entendido que nas vendas condicionais não se reputa o contrato perfeito senão depois de verificada a condição (artigo nº. 127). É unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes, para os revender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso; compreendendo-se na classe dos primeiros a moeda metálica e o papel moeda, títulos de fundos públicos, ações de companhias e papéis de crédito comerciais, contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor seja comerciante.

Nestes termos, o conceito legal de mercadoria que constava do ordenamento

quando da publicação da Constituição Federal de 1988 é de caráter legal vinculado

à finalidade de compra e venda, quando estatui que “é unicamente considerada

mercantil a compra e venda de efeitos móveis e semoventes para revender por

grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar seu uso”,

etc..

Paulo de Barros Carvalho destaca, em relação ao termo mercadoria,

assinalando quanto à origem deste vocábulo, o qual deriva do latim “mercatura”,

tendo por significado coisa corpórea e móvel que pode ser objeto de compra e

venda. Ainda de acordo com o mesmo autor, a predicação mercadoria não se refere

à característica do objeto, mas do destino que se dê ao bem110. Ou seja, será

108 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Núcleo da definição constitucional do ICM (operações, circulação e saída). In: Revista de Direito Tributário, n. 25-26. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1983, p. 105. 109 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 49. 110 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Linguagem e Método. 4.ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 648.

Page 90: Leonardo Vanni.pdf

90

considerado mercadoria o bem que tiver destinação comercial, que se sujeite à

atividade de mercancia.

Em assim sendo, pela utilização em nível constitucional de termo naquele

significado dado pela legislação comercial, entendemos que resta cristalizada a

definição empregada na Constituição, uma vez que, se assim não fosse, seria

possível a alteração de materialidade tributária por meio da legislação

infraconstitucional, o que não podemos admitir.

Também não podemos admitir a ideia de um conceito em aberto em nível

constitucional, uma vez que este entendimento menospreza a intenção do legislador

constitucional que houve por bem escolher o vocábulo “mercadoria” ”, bem como

repartir as competências tributárias. Além disso, este entendimento atenta contra

garantia patrimonial, o que veremos adiante se tratar de direito fundamental. O

direito fundamental a somente ser tributado nos estritos termos do que definiu o

legislador constituinte originário.

Nos termos acima expostos, por exemplo, não serão considerados

mercadoria os bens que sejam objeto de operações de transferência de produtos111

ou bens do ativo fixo, bem como não serão consideradas mercadorias os bens

móveis destinados à exposições, feiras, etc..

Uma vez presente que o conceito de mercadoria implica, necessariamente, a

presença de uma operação negocial, devemos atentar que não são todas as

operações mercantis que importam à tributação pelo ICMS, mas somente aquelas

que impliquem “circulação” destes bens, ou seja, que se relacionem com a

transferência jurídica do bem, de uma pessoa para outra.

Por este motivo, é o termo mercadorias que indica que as circulações

escolhidas para serem tributadas pelo ICMS serão aquelas que implicarem na

tradição do bem.

O ICMS-Importação, na atual redação constitucional, refere que serão objeto

de tributação por este imposto qualquer ingresso de bens do exterior, sendo

descartados os conceitos de operações e mercadorias, sendo para o ICMS-

Importação irrelevante a destinação do bem ou qualificação quanto à operação que

111 STJ, Súmula 166: Fato Gerador - ICMS - Deslocamento de Mercadoria - Estabelecimento do Mesmo Contribuinte. Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

Page 91: Leonardo Vanni.pdf

91

promove a entrada do bem em território nacional. Sobre este ponto, destaca José

Eduardo Soares de Melo:

Também poderá incorrer o ônus tributário nos casos de admissão temporária concernentes a bens que devam permanecer no país durante prazos determinados, em razão de diversificadas situações, tais como feiras, exposições, congressos, pesquisas científicas, espetáculos artísticos, competições esportivas, promoções, reposição e conserto em virtude de garantia.112

Sobre o tema, no mesmo sentido esclarece Clélio Chiesa, nos seguintes

termos:

O art. 155, §2º, IX, a, da Constituição Federal, contempla três situações distintas: a) a primeira consiste na tributação do evento importar bem ou mercadoria para revenda, comercialização, ou industrialização; b) a segunda, prevê a tributação de serviço prestado no exterior, cabendo imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou serviço; c) a terceira tem como evento tributado a aquisição de bens por pessoa física ou jurídica que não pratica atos de comércio com habitualidade.113

Em relação à alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001,

passou a constar que o ICMS poderá incidir sobre a mera entrada de bens,

independentemente do intuito comercial. É exatamente nesta ponto que acreditamos

ter o legislador constitucional extrapolado, o que resta nítido ao trazer o conceito de

bem, como busca explicar Christine Mendonça, nos seguintes termos:

(IV) BEM – objeto móvel Diverso do que foi tratado no item anterior, a expressão “bem”, constante da alínea “a” do inciso IX do art. 155, é bem mais abrangente do que “mercadoria”, pois, enquanto esta deve ser objeto de transações habituais e em volume que caracterize atividade de mercancia, aqueles se refere a toda e qualquer coisa móvel, independente se a operação de deu entre pessoas físicas ou jurídicas, independentes se é para o uso próprio ou para revenda. Em síntese, caso seja realizado um negócio jurídico (operação) que tenha como objeto a transferência de titularidade (circulação) de um

112 MELO, José Eduardo Soares de. Importação e Exportação no Direito Tributário: impostos, taxas e contribuições. 3.ed. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 33. 113 CHIESA, Clélio. ICMS: Sistema Constitucional Tributário – algumas inconstitucionalidades da LC 87/96. São Paulo: Editora LRT, 2007.

Page 92: Leonardo Vanni.pdf

92

bem móvel proveniente do exterior, sujeito a mercancia ou não, gerará incidência do ICMS-Importação.114

Verificamos, portanto, que o critério material do ICMS-Importação se

confunda com o mesmo critério relacionado ao imposto de importação,

compreendemos que esta coincidência não deveria ser recepcionada pelo sistema

tributário constitucional vigente no Brasil, por se tratar de alargamento

inconstitucional da competência dos Estados e do Distrito Federal, promovida pelo

legislador constituinte derivado, bem como por se tratar de sobreposição à

competência reservada à União, nos termos do artigo 154, inciso I, da Constituição

Federal.

Em relação à referida incoerência, trataremos mais propriamente a seguir, ao

tratarmos especificamente das inovações promovidas pela Emenda Constitucional nº

33 de 2001. No entanto, já adiantamos que somos do entendimento que a

materialidade possível do ICMS-Importação, nos termos da redação original da

Constituição, é o ingresso de bens no ciclo econômico nacional, seja por meio do

ingresso de mercadoria, seja por meio do ingresso de bens que serão consumidos

ou agregados ao ativo imobilizado de empresa, contribuinte do ICMS.

2.1.2 Critério espacial da regra matriz

Em relação ao critério espacial da regra matriz de incidência, já devemos

ressaltar que este indicará as circunstâncias de espaço pertinentes ao nascimento

da obrigação tributária. Noutras palavras, ele refere-se ao local onde a conduta do

critério material deverá ocorrer para que se instale a obrigação tributária.

A indicação do critério espacial também deverá ser localizada no âmbito da

Constituição Federal, de forma que encontramos relação direta entre o aspecto

espacial e o juízo de competência tributária, no que diz respeito ao âmbito territorial

de validade da lei que instituiu o tributo.

114 MENDONÇA, Christine. O leasing na Importação e o ICMS. In: ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. CAMPILONGO, Paulo A. Fernandes (Org.). São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2008, p. 46.

Page 93: Leonardo Vanni.pdf

93

Sobre o aspecto espacial da hipótese de incidência, bem esclarece Geraldo

Ataliba, nos seguintes termos:

40.2 Pois, as conotações espaciais da hipótese de incidência são decisivas para a conformação do fato imponível. Essa perspectiva genérica do aspecto espacial da h.i. está presa ao (dependendo) âmbito de competência do legislador ordinário; a lei municipal só tem eficácia no território do Município; a lei estadual só no próprio estado. Só a lei federal tem abrangência nacional115.

Paulo de Barros Carvalho descreve que o critério espacial da hipótese de

incidência deverá apresentar uma das três formas abaixo:

a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro dela estiver geograficamente contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares116.

No que diz respeito do ICMS incidente sobre a circulação de mercadorias, a

indicação de critério espacial deverá ser compreendida a partir do conceito de

estabelecimento, ou seja, o local onde são efetuados os atos comerciais que levam

à saída em operação mercantil.

José Eduardo Soares de Melo destaca a importância de compreender-se

quanto ao que pode ser compreendido por estabelecimento, trazendo à tona

diversas definições doutrinárias, que aqui transcrevemos da obra deste autor:

Aplicando-se os conceitos doutrinários à regra-matriz constitucional, depreende-se a figura do “estabelecimento”, que significa o próprio local ou edifício em que a profissão vai ser exercida ou o negócio vai ser instalado, de modo que passa a compreender todo um conjunto de instalações e aparelhamento necessários ao desempenho da profissão ou negócio, inclusive o próprio edifício em que se instala. (De Placido e Silva)117.

115 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 104. 116 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 329. 117 MELO, José Eduardo Soares de. Vocabulário Jurídico. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1966. Apud MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 24.

Page 94: Leonardo Vanni.pdf

94

Estabelecimento é o complexo de bens, materiais ou imateriais, que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante para a exploração de determinada atividade mercantil (Oscar Barreto Filho)118. Por isso que também se entende que estabelecimento, ou fundo de comércio, é o instrumento de atividade do empresário (Rubens Requião)119.

A indicação do estabelecimento como critério espacial da regra-matriz de

incidência do ICMS consta do artigo 11 da Lei Complementar nº 87 de 1996, o qual

traz conceituação legal do que se pode compreender por estabelecimento:

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I - tratando-se de mercadoria ou bem: a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador; (...) d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física; (...) § 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte: I - na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação, encontrada a mercadoria ou constatada a prestação; II - é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular; III - considera-se também estabelecimento autônomo o veículo usado no comércio ambulante e na captura de pescado; IV - respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do mesmo titular.

Nestes termos, o critério espacial da regra-matriz de incidência do ICMS

devido nas operações de circulação de mercadorias é o território de cada unidade

da Federação, mais precisamente o estabelecimento de onde for dada a saída em

operação mercantil, uma vez que o ICMS nesta modalidade é tributo devido na

origem.

No entanto, ao analisarmos a hipótese do ICMS incidente nas operações de

importação (art. 11, I, d, da Lei Complementar nº 87 de 1996), constatamos que 118 BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial. 1966, p. 75. Apud MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 24. 119 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 203-204. Apud MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 24.

Page 95: Leonardo Vanni.pdf

95

nesta modalidade o ICMS somente poderá ser devido de acordo com a localização

do estabelecimento que promover a importação das mercadorias.

Especificamente em relação ao critério espacial do ICMS-Importação,

compreendemos que este se limita aos Estados onde estiver localizado o

estabelecimento destinatário do bem, por ser este o único critério possível, uma vez

que somente após o ingresso das mercadorias no estabelecimento é que estas terão

ingressado no ciclo econômico interno, quando podemos imaginar que será cobrado

o ICMS120. Esta verificação implica, necessariamente, a indicação do sujeito ativo da

relação tributária, ou seja, a unidade da Federação onde estiver localizado o

estabelecimento que promover a importação de mercadoria.

Da mesma forma, a percepção quanto ao critério espacial da regra-matriz

indicará o critério temporal, qual seja o momento da entrada no estabelecimento

daquele que promover a entrada de mercadoria do estrangeiro. Isso porque a

disposição constante do art. 11, I, d, da Lei Complementar nº 87 de 1996 menciona

expressamente a entrada física dos bens objeto da importação, o que poderá ser

compreendido de forma que o ICMS seja devido no momento em que se der o

desembaraço aduaneiro das mercadorias.

2.1.3 Critério temporal da regra matriz

Ao mesmo tempo em que o critério espacial nos fornece subsídio de local

pertinente ao acontecimento da hipótese tributária, o critério temporal nos fornece

subsídio de momento, ou seja, de quando estará instalado o fato imponível, uma vez

coexistentes todos os critérios da regra matriz.

O critério temporal define o momento exato em que devemos considerar

consumado o fato imponível, o que indica a importância deste critério, sempre que

inaugurada a obrigação tributária.

Definindo o critério temporal da regra matriz, Paulo de Barros Carvalho

esclarece:

120 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 76.

Page 96: Leonardo Vanni.pdf

96

Compreendemos o critério temporal da hipótese tributária como o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária121.

Geraldo Ataliba, a respeito do aspecto temporal da hipótese de incidência,

refere quanto ao grau de positivação em nível legal, a respeito do tema, o qual por

vezes deverá ser reconhecido implicitamente:

35.8 Enfim, é o legislador que discricionariamente estabelece o momento que deve ser levado em consideração para se reputar consumado um fato imponível. E esta indicação legislativa (que pode ser, repita-se, explícita ou implícita) recebe a designação de aspecto temporal da h.i. 35.9 Se o legislador se omitir, estará implicitamente dispondo que o momento a ser considerado é aquele em que o fato material descrito ocorre (acontece). Deve-se entender, pois, que sempre há aspecto temporal da h.i. Este é, em todos os casos, disposto pelo legislador, ainda que nem sempre explicitamente122.

Obviamente, o critério temporal indicado pelo legislador infraconstitucional

deverá guardar coerência com a materialidade do tributo, de acordo com a previsão

constitucional.

Por este motivo que a legislação infraconstitucional refere-se ao critério

temporal pelo termo fato gerador, o mesmo utilizado para determinar o critério

material, dentre suas diversas acepções. É exemplo disso o artigo 19 do Código

Tributário Nacional, que trata do imposto de importação. Vejamos:

Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional.

No que diz respeito ao ICMS incidente sobre operações mercantis, o critério

temporal escolhido pelo legislador infraconstitucional corresponde ao momento de

saída da mercadoria do estabelecimento do vendedor dessas mercadorias,

conforme se observa do artigo 12, inciso I, da Lei Complementar nº 87 de 1996:

121 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 331. 122 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 95.

Page 97: Leonardo Vanni.pdf

97

Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular123;

No entanto, embora a saída seja critério coerente com a materialidade do

tributo, como momento escolhido para o nascimento da obrigação tributária,

devemos observar que a saída importante para o ICMS somente poderá ser aquela

que corresponda a uma saída em operação mercantil.

No caso do ICMS, a menção do vocábulo circulação, importante na

construção da materialidade do tributo, bem como em função da confusão que por

vezes existe entre o critério temporal e o fato gerador como um todo, poderá levar à

equivocada compreensão que qualquer saída deverá ser considerada para fins de

incidência do ICMS. Sobre esta distinção, coerentes as conclusões de Roque

Antonio Carrazza:

Se a saída de mercadorias fosse realmente a hipótese de incidência do imposto em pauta, o comerciante furtado em mercadorias – como frisa Aliomar Baleeiro – teria não só que suportar os prejuízo, como pagar o ICMS devido por elas. E, mais: se não levasse a ‘notícia criminis’ ao conhecimento da autoridade fazendária estaria praticando uma evasão tributária já que estaria escondendo ao fisco a ocorrência do fato imponível do ICMS. Vejamos outro exemplo: um incêndio ameaça destruir o estabelecimento comercial. Para evitar que o fogo consuma as mercadorias, o comerciante, ajudado por seus empregados e por transeuntes, providencia para que elas sejam postas na rua. Houve a saída das mercadorias. É devido o ICMS por isso? Parece-nos claro que não124.

Desta forma, em elação ao ICMS incidente sobre operações com

mercadorias, diversas são as saídas irrelevantes para fins de incidência do ICMS,

uma vez que embora importem em saídas físicas, não apresentam conteúdo jurídico

de negócio com natureza mercantil.

Ao que interessa no presente estudo, o ICMS na modalidade importação, a

redação constitucional já traz indicação bastante clara, referindo explicitamente em

123 Muito embora seja manifestação do legislador complementar pela possibilidade de incidência do ICMS nos casos e transferência de mercadorias, esta possibilidade não foi recepcionada pelo STJ, como bem entendido por meio da súmula 166 do STJ, verbis: “Fato Gerador - ICMS - Deslocamento de Mercadoria - Estabelecimento do Mesmo Contribuinte. Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. 124 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 52, rodapé n. 22.

Page 98: Leonardo Vanni.pdf

98

relação ao momento da incidência, escolhendo por bem o momento de entrada do

bem ou mercadoria. Repetimos a redação do dispositivo ora mencionado:

IX - incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001). (grifo nosso)

Como se observa, o legislador constitucional fez referência expressa ao

estabelecimento do destinatário da mercadoria, o que deve ser considerada

indicação mais do que necessária quanto ao momento em que se pode reputar

ocorrido o fato imponível pertinente ao ICMS-Importação. Conforme já dito,

compreendemos que somente poderá ser devido o ICMS após o ingresso das

mercadorias no ciclo econômico nacional, portanto após a entrada das mercadorias

no estabelecimento do importador. Por isso, compreendemos que o legislador

nacional desempenhou mal sua função ao prever que o ICMS-Importação pode ser

considerado como incidente no mero desembaraço aduaneiro, nos termos do inciso

IX, artigo 12, da Lei Complementar nº 87 de 1996125.

Devemos destacar que o Decreto-lei nº 406 de 1968 definia que a entrada da

mercadoria no estabelecimento do importador correspondia ao critério temporal da

regra-matriz de incidência do ICMS-Importação, sendo que diante de inúmeras

iniciativas pela possibilidade de tributação quando do desembaraço aduaneiro

levaram à edição da Súmula 577 do STF, posteriormente substituída pela Súmula

661. Referiam as súmulas:

SÚMULA Nº 577 NA IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS DO EXTERIOR, O FATO GERADOR DO IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS OCORRE NO MOMENTO DE SUA ENTRADA NO ESTABELECIMENTO DO IMPORTADOR. SÚMULA Nº 661

125 Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: (...) IX – do desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002).

Page 99: Leonardo Vanni.pdf

99

NA ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR, É LEGÍTIMA A COBRANÇA DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. (grifo nosso)

Muito embora seja opinião emitida pelo Supremo Tribunal Federal por meio

de súmula mais recente, não acreditamos que esta interpretação seja do melhor

apreço à Constituição, uma vez que adianta a obrigação tributária a momento

anterior à efetiva ocorrência do fato imponível. Esta também é a opinião de Roque

Antonio Carrazza:

Vai daí que exigir o ICMS no átimo do desembaraço aduaneiro é cobrá-lo antes da efetiva ocorrência de seu fato imponível – fenômeno que nosso ordenamento constitucional tributário não aceita. Qualquer norma neste sentido será inválida, já que nem mesmo em nome dos interesses arrecadatórios se pode antecipar a incidência de qualquer tributo. Fazê-lo implica malferir o princípio da segurança jurídica126.

Da mesma forma compreende Aliomar Baleeiro, para o qual o aspecto

temporal da incidência do ICMS-Importação corresponde à entrada dos bens no

estabelecimento do importador, nos seguintes termos:

Qual o aspecto temporal da incidência? O Decreto-lei nº 406/1968 definiu-o como o da entrada no estabelecimento do importador. Vários Estados passaram a exigir o imposto, por razões de praticidade, no momento do desembaraço aduaneiro. Essa antecipação ilegítima, contrária às normas gerais estabelecidas no Decreto-lei nº 406/1968, vinha sendo afastada pelos tribunais brasileiros, inclusive pelo STF, (...)127

Nestes termos, advertimos que o desembaraço aduaneiro não passa de ato

administrativo que internaliza bens estrangeiros quando do ingresso em território

brasileiro, nos termos do art. 571 do Regulamento Aduaneiro128, não havendo como

servir de critério informador do ICMS.

Pelas razões acima expostas, a entrada de bem no território nacional e

instrumentalizada pelo despacho aduaneiro indica a existência de operação sujeita

126 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 78. 127 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12.ed. São Paulo: Forense, 2013, p. 546. 128 Do Desembaraço Aduaneiro Art. 571. Desembaraço aduaneiro na importação é o ato pelo qual é registrada a conclusão da conferência aduaneira (Decreto-Lei n o 37, de 1966, art. 51, caput, com a redação dada pelo Decreto-Lei n o 2.472, de 1988, art. 2o).

Page 100: Leonardo Vanni.pdf

100

ao ICMS, conforme sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, não sendo necessária

a efetiva recepção (tradição) do bem pelo importador. No entanto, como já nos

posicionamos, não compreendemos que esta seja a melhor compreensão do tributo,

devendo ser considerado como critério temporal o momento de entrada da

mercadoria no estabelecimento do adquirente.

2.2 Consequente normativo

Ao passo que no antecedente normativo verificamos os elementos descritivos,

que, portanto, circunstanciam o fato econômico a ser tributado, no consequente

normativo verificaremos elemento prescritor, que declara a existência o vínculo

obrigacional.

Em relação ao consequente normativo da regra matriz de incidência,

encontraremos os critérios relacionados à instalação do vínculo entre sujeito ativo e

passivo, já capaz de surtir efeitos no sistema normativo. Também no consequente

normativo iremos verificar a dimensão da obrigação, já economicamente mensurada.

Nestes termos, no consequente normativo iremos verificar os critérios: a)

pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo); e, b) quantitativo.

2.2.1 Critério quantitativo da regra matriz

O critério quantitativo será observado a partir da identificação quanto ao

aspecto econômico da obrigação tributária, a qual será verificada a partir de dois

fatores, a base e cálculo e a alíquota.

Em relação à definição da alíquota, no âmbito da Carta Política,

encontraremos apenas limites ao poder legiferante. A alíquota, ou proporção da

base de cálculo a ser convertida em objeto da obrigação tributária, não encontra

previsão expressa em nível constitucional, mas obviamente deverá respeitar os

Page 101: Leonardo Vanni.pdf

101

princípios constitucionais que se fazem presentes nas limitações constitucionais ao

poder de tributar. São estes os princípios: a) da legalidade; b) da capacidade

contributiva; e, c) da não utilização de tributo com efeito de confisco, já analisados.

No que diz respeito à base de cálculo, compreendemos a legislação encerra

limite bastante objetivo no que concerne às bases de cálculo que são possíveis, uma

vez que a base de cálculo deverá ser, sempre, coerente com a materialidade do

tributo.

Neste sentido, destacamos a compreensão de Alfredo Augusto Becker129, o

qual compreendeu pela proeminência deste aspecto em relação aos demais, uma

vez que a base de cálculo é elemento que deflagra a natureza do tributo,

confirmando, afirmando ou infirmando a natureza da exação e a materialidade do

tributo130.

Ainda, podemos reconhecer três funções distintas para a base de cálculo: (1)

função mensuradora, pois mede as proporções reais do fato; (2) função objetiva,

pois compõe a específica determinação da dívida; e (3) função comparativa,

porquanto posta em comparação com o critério material da hipótese131.

Em relação à terceira função, destacamos suas características de (3.1)

confirmação, (3.2) infirmação ou (3.3) afirmação, de acordo com a relação mantida

entre a base de cálculo e o critério material do tributo.

É possível dizer que a base de cálculo confirma a materialidade de

determinada exação quando conseguimos observar perfeita consonância da base de

cálculo com o critério material. Ou seja, o núcleo do fato dimensionado está de

acordo com a materialidade autorizada em nível constitucional.

Diremos que a base de cálculo infirma a materialidade da exação quando

operar em sentido oposto, quando observamos discordância entre o objeto tributado

(base de cálculo) e o permissivo constitucional (critério material). Como exemplo

hipotético, podemos imaginar situação esdrúxula de termos como base de cálculo do

Imposto sobre Circulação de Mercadorias o lucro auferido em determinado período.

129 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6.ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 396. 130 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 398. 131 Ibid., p. 401.

Page 102: Leonardo Vanni.pdf

102

Finalmente, diremos que a base de cálculo afirma a natureza de determinada

exação naqueles casos onde por meio dela conseguimos aclarar em relação à real

natureza de uma exação. Nestes casos, é possível identificar a espécie tributária

(imposto, taxa ou contribuição de melhoria), por meio da base de cálculo escolhida

indicada na legislação.

Neste sentido também esclarece Roque Antonio Carrazza132:

4. O que distingue um tributo de outro é seu binômio hipótese de incidência / base de cálculo. A base de cálculo, além de colaborar na determinação da dívida tributária, dimensionando o fato imponível, afirma o critério material da hipótese de incidência do tributo. Em suma, a base de cálculo deve apontar para a hipótese de incidência do tributo, confirmando-a. Do contrário, o tributo terá sido mal instituído e, por isso mesmo, será inexigível. Donde podemos concluir que a base de cálculo é absolutamente indispensável, para qualquer tributo.

Destacamos, ainda, a sempre pertinente análise de Geraldo Ataliba a respeito

da base de cálculo como elemento central da hipótese de incidência, a qual

denomina de base imponível:

43.1 Base imponível é uma perspectiva dimensível do aspecto material da h.i. que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quantum debetur. (....) A base imponível é a dimensão do aspecto material da hipótese de incidência. É, portanto, uma grandeza ínsita da h.i. (Alfredo Augusto Becker a coloca, acertadamente, como cerne da h.i.). É, por assim dizer, seu aspecto dimensional, uma ordem de grandeza própria do aspecto material da h.i.; é propriamente uma medida sua133.

Nestes termos, quanto à investigação acerca do critério material da hipótese

de incidência, bem como de sua decorrente base de cálculo, temos que os

elementos necessários para seu conhecimento encontram-se, necessariamente,

esgotados em nível constitucional, visto estarem as materialidades tributárias todas

previstas na Constituição.

Em assim sendo, a base de cálculo deverá espelhar parcela do fato imponível

(fato jurídico tributário), nos termos definidos em lei e de acordo com a Constituição.

132 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 41. 133 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 108.

Page 103: Leonardo Vanni.pdf

103

Bem se coloca a teoria semiótica para explicar a relação que encontramos

entre a base de cálculo e o critério material, para a qual podemos traçar paralelo

direto com a relação existente entre signo e objeto, explicada também por Charles

Sanders Peirce. Como visto, para que a base de cálculo seja constitucional é

necessário que seja uma parcela diretamente relacionada ao critério material,

mantendo, portanto, relação de correspondência com este.

Na teoria de Peirce, o signo seria o veículo que permite uma criação mental,

denominada interpretante, acerca de determinado objeto real ou mental. A respeito

da teoria dos signos de Peirce, Lúcia Santaella esclarece:

Ora, o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do objeto. Portanto, ele só pode representar esse objeto de um certo modo e numa certa capacidade. (...) Ora, o signo só pode representar seu objeto para u intérprete, e porque representa seu objeto, produz na mente desse intérprete alguma outra coisa (um signo ou quase signo) que também está relacionado ao objeto não diretamente, mas pela mediação do signo134.

Portanto, o signo é uma coisa que representa uma outra coisa, que ostenta a

condição de objeto. Seguindo na investigação a respeito da relação existente entre

signo e objeto, destacamos que os signos podem ser de três tipos: ícones, símbolos

ou índices.

Os signos são simbólicos quando a relação entre as coisas em eles aparecem

e as coisas que eles representam é de caráter convencional e baseada apenas num

acordo entre os sujeitos comunicantes.

Serão icônicos quando a relação entre as coisas em que eles aparecem e as

coisas que eles representam é de caráter imitativo e, portanto, baseada não mais

numa simples convenção, mas em dada semelhança entre os dois tipos de coisas,

no sentido de que, se isto parece com aquilo.

Finalmente, os signos são indiciais quando a relação entre as coisas em eles

aparecem e as coisas que eles representam é de caráter não mais convencional,

nem tampouco imitativo, mas associativo, no sentido de que, se isto costuma vir

sempre associado (quer dizer, junto conectado ou vinculado) àquilo, de maneira que,

percebendo-se isto, lembra-se imediatamente daquilo.

134 SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. 2.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003, p. 90-91.

Page 104: Leonardo Vanni.pdf

104

Por correlação lógica compreendemos que adotada a teoria de classificação

das representações de Charles Seders Peirce, temos que a semiótica nos diria que

a base de cálculo é signo, da espécie índice, que remete a um objeto que tem

natureza necessariamente econômica, o fato imponível.

A fim de verificarmos em relação aos conceitos acima, destacamos a previsão

infraconstitucional relacionada ao ICMS incidente sobre as operações com

mercadorias, nos termos do inciso I, artigo 13 da Lei Complementar nº 87 de 1996,

que trata do imposto no âmbito nacional:

Art. 13. A base de cálculo do imposto é: I - na saída de mercadoria prevista nos incisos I, III e IV do art. 12, o valor da operação;

Observa, com razão, Roque Antônio Carrazza135 que a “base de cálculo do

ICMS não é o valor agregado”, devendo-se cobrar o montante referente ao “valor da

operação mercantil”, sendo este última a base de cálculo do imposto em questão.

Em atenção ao dispositivo citado acima, temos que a Lei Complementar

cumpriu o seu papel, apenas descrevendo por base de cálculo valores que

confirmam os contornos estabelecidos pela Constituição, restando por base de

cálculo o valor da operação, ou seja, aquilo que é economicamente relevante,

estritamente vinculado ao fato tributado.

Contudo, não parou aí o legislador complementar, inaugurando conceito

próprio do que se pode compreender por valor da operação, uma vez que a partir do

§ 1º do referido artigo 13 trouxe para “dentro” da base de cálculo do ICMS valores

estranhos ao fato tributado, de modo a incorrer em deformação da exação, que

entendemos implicar a criação de tributo que não reflete respectiva competência

legislativa. Neste sentido dispõe o §1º, artigo 13, da Lei Complementar nº 87 de

1996:

§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo: (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) I - o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle; II - o valor correspondente a:

135 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 98.

Page 105: Leonardo Vanni.pdf

105

a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição; b) frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado.

Como se observa acima, bem como amplamente repetido em legislação

ordinária das unidades da Federação, são incluídas na base de cálculo do ICMS

importâncias como despesas de frete, seguros e, até mesmo, o próprio ICMS,

incluído por meio de cálculo que internaliza o valor imposto na sua própria base136.

Contudo, não somente em nível infraconstitucional encontramos definição em

relação à base de cálculo do ICMS-Importação, sendo importante atentarmos em

relação à alínea “i”, inciso XII, §2º, artigo 155 da Constituição Federal, destacado

anteriormente, dispositivo este inserto também pela Emenda Constitucional nº 33 de

2001137.

De acordo com a norma em tela, é expressamente permitido que a legislação

complementar disponha pela inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo, o

que entendemos se tratar de mais um caso onde existe descompasso entre o

montante da exigência e a materialidade constitucionalmente prevista. Nesta

medida, face à norma constitucional em questão, compreendemos que é

inconstitucional a cobrança do ICMS. Nesta medida, compreendemos que é

inconstitucional a cobrança do ICMS.

No que diz respeito a não pertinencialidade entre a base de cálculo e a

materialidade do ICMS, também a verificamos no caso do ICMS-Importação, em

relação ao qual são incluídas as mesmas importâncias destacadas acima, bem

como outras especificidades que também entendemos divergirem do permissivo

constitucional deste imposto.

136 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 98. 137 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) XII - cabe à lei complementar: (....) i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

Page 106: Leonardo Vanni.pdf

106

2.2.1.1 Base de cálculo do ICMS-Importação

Seguindo-se na investigação da materialidade do ICMS-Importação temos por

bem analisar a conformidade da base de cálculo escolhida pelo legislador

infraconstitucional, em relação ao critério material da regra-matriz de incidência,

disposto na Constituição Federal. A Lei Complementar nº 87, de 1996, estabelece a

seguinte composição da base de cálculo:

Art. 13. A base de cálculo do imposto é: (...) V - na hipótese do inciso IX do art. 12, a soma das seguintes parcelas: a) o valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação, observado o disposto no art. 14; b) imposto de importação; c) imposto sobre produtos industrializados; d) imposto sobre operações de câmbio; e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) Art. 14. O preço de importação expresso em moeda estrangeira será convertido em moeda nacional pela mesma taxa de câmbio utilizada no cálculo do imposto de importação, sem qualquer acréscimo ou devolução posterior se houver variação da taxa de câmbio até o pagamento efetivo do preço. Parágrafo único. O valor fixado pela autoridade aduaneira para base de cálculo do imposto de importação, nos termos da lei aplicável, substituirá o preço declarado.

Em análise do dispositivo acima destacado, observamos que no caso do

ICMS-Importação, da mesma forma que ocorre com o ICMS incidente sobre

circulação de mercadorias, a exação não recai somente sobre o valor da operação

(mercantil), mas também sobre quantias que não correspondem à materialidade do

imposto.

Nos termos da alínea “e” destacada acima, é permitido que componha a base

de cálculo quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras,

de fato, uma “carta branca” conferida ao legislador estadual e distrital, permitindo a

inclusão de despesas de frete, capatazia, armazenagem, etc. Estas despesas não

se relacionam com o valor da operação mercantil de forma direta, sendo estas

Page 107: Leonardo Vanni.pdf

107

importâncias acessórias, que simplesmente viabilizam a operação mercantil,

portanto também estranhas à materialidade do tributo, pormenorizada em nível

constitucional.

O texto original da Constituição Federal fixou a materialidade do ICMS-

Importação, de forma genérica, como a sendo a realização de negócio jurídico de

importação relativo à aquisição de produtos regularmente nacionalizados, sendo

esta a indicação mais do que suficiente quanto a base de cálculo possível para fins

de ICMS-Importação. Quaisquer outros acréscimos (valor de impostos, taxas e

demais despesas) não podem ser compreendidos como base de cálculo da exação,

por extrapolarem o limite do que é possível escolher-se como base de cálculo, uma

vez que estranhos ao montante pactuado pelo negócio jurídico no exterior.

Da mesma forma que ocorre com o ICMS incidente na circulação de

mercadorias, a base de cálculo do ICMS-Importação será composta, também, pelo

próprio ICMS, a chamada inclusão por dentro do imposto, conceito este que também

em relação ao ICMS-Importação não pode ser recepcionado.

Entendemos, com isso, que o constituinte originário vinculou a base de

cálculo possível para fins de ICMS-Importação, qual seja o valor da operação de

importação de acordo com o negócio mercantil de importação. Em assim sendo,

podemos concluir que a única base de cálculo possível, para o ICMS-Importação,

seria o valor aduaneiro.

O conceito de “valor aduaneiro” tem origem no Acordo Geral sobre Tarifas e

Comércio (GATT 1994), do qual o Brasil é signatário. O mencionado acordo

internacional foi inserido no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Legislativo nº

30 de 1994 e pelo Decreto nº 1355 de 1994, com a denominação de “Acordo de

Valoração Aduaneira”, atualmente regulado pelo Decreto nº 6759 de 2009.

Segundo o art. VII daquele acordo internacional, o valor aduaneiro deverá

corresponder ao valor real da mercadoria importada, ou ao de uma outra mercadoria

similar, não podendo se pautar no valor de produtos de origem nacional ou sobre

valores arbitrários ou fictícios. O valor real deverá ser o preço pelo qual, em tempo e

lugar determinados pela legislação do país da importação, as mercadorias

importadas serão vendidas ou ofertadas à venda em operações comerciais normais,

efetuadas em condições de plena concorrência. O valor aduaneiro, portanto, deverá

corresponder, em síntese, ao valor de mercado do bem importado.

Page 108: Leonardo Vanni.pdf

108

O conceito de valor aduaneiro, decorrente do destacado acordo internacional,

é escolhido expressamente pela legislação do Imposto de Importação como base de

cálculo do imposto (artigo 75 do Decreto nº 6759 de 2009). Em contexto um pouco

diferente compreendeu o STF que para fins de incidência do PIS e da Cofins–

Importação o valor aduaneiro deveria ser considerado como base de cálculo, de

forma que não poderia o ICMS compor a base de cálculo das contribuições. Decidiu

o Pretório Excelso, sob o rito da Repercussão Geral, nos autos do RE nº

559.937/RS:

EMENTA Tributário. Recurso extraordinário. Repercussão geral. PIS/COFINS – importação. Lei nº 10.865/04. Vedação de bis in idem. Não ocorrência. Suporte direto da contribuição do importador (arts. 149, II, e 195, IV, da CF e art. 149, § 2º, III, da CF, acrescido pela EC 33/01). Alíquota específica ou ad valorem. Valor aduaneiro acrescido do valor do ICMS e das próprias contribuições. Inconstitucionalidade. (...) 5. A referência ao valor aduaneiro no art. 149, § 2º, III, a , da CF implicou utilização de expressão com sentido técnico inequívoco, porquanto já era utilizada pela legislação tributária para indicar a base de cálculo do Imposto sobre a Importação. 6. A Lei 10.865/04, ao instituir o PIS/PASEP -Importação e a COFINS -Importação, não alargou propriamente o conceito de valor aduaneiro, de modo que passasse a abranger, para fins de apuração de tais contribuições, outras grandezas nele não contidas. O que fez foi desconsiderar a imposição constitucional de que as contribuições sociais sobre a importação que tenham alíquota ad valorem sejam calculadas com base no valor aduaneiro, extrapolando a norma do art. 149, § 2º, III, a, da Constituição Federal. 7. Não há como equiparar, de modo absoluto, a tributação da importação com a tributação das operações internas. O PIS/PASEP -Importação e a COFINS -Importação incidem sobre operação na qual o contribuinte efetuou despesas com a aquisição do produto importado, enquanto a PIS e a COFINS internas incidem sobre o faturamento ou a receita, conforme o regime. São tributos distintos. 8. O gravame das operações de importação se dá não como concretização do princípio da isonomia, mas como medida de política tributária tendente a evitar que a entrada de produtos desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas sediadas no País, visando, assim, ao equilíbrio da balança comercial. 9. Inconstitucionalidade da seguinte parte do art. 7º, inciso I, da Lei 10.865/04: “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições , por violação do art. 149, § 2º, III, a, da CF, acrescido pela EC 33/01. 10. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

Page 109: Leonardo Vanni.pdf

109

Devemos destacar, por óbvio, que os casos não são idênticos, uma vez que a

alínea “a”, inciso III, §2º do artigo 149, da Constituição Federal, faz menção expressa

à base de cálculo das contribuições como o valor aduaneiro, o que no caso do ICMS

não é verificado. No entanto, entendemos que permanece a concepção de respeito

aos limites da materialidade constitucionalmente imposta, de forma a não permitir a

inclusão de valores estranhos à materialidade na base de cálculo de tributo. Muito

embora, em relação ao ICMS, a Constituição não tenha deixado expressa a base de

cálculo do imposto, no caso do ICMS este critério também está circunstanciado na

Constituição, não podendo admitir afronta que incorra em aumento da carga

tributária, principalmente.

Em assim sendo, temos que ao procedermos a verificação do binômio base

de cálculo e critério material do ICMS-Importação encontramos elementos que não

guardam a coerência que deve existir entre a base de cálculo e a hipótese constante

da Constituição, permanecendo duas flagrantes inconstitucionalidades. A primeira

em nível infraconstitucional, permitindo a inclusão de tributos federais e outras

despesas na base de cálculo do imposto sob comento, a segunda em nível

constitucional, permitindo a inclusão do ICMS-Importação em sua própria base de

cálculo, de acordo com a redação promovida também pela Emenda Constitucional nº

33 de 2001.

Page 110: Leonardo Vanni.pdf

110

2.2.2 Critério pessoal da regra matriz

Por meio do critério material da regra matriz de incidência é possível verificar

ambas as pessoas envolvidas na relação obrigacional, ou seja, o sujeito ativo

(credor) e o passivo (devedor) da obrigação tributária.

No que diz respeito ao aspecto pessoal da hipótese de incidência, Geraldo

Ataliba refere que está presente na Constituição a indicação necessária daqueles

que poderão figurar como sujeito passivo da obrigação tributária:

29.2 O sujeito passivo é, no direito constitucional brasileiro, aquele que a Constituição designou, não havendo discrição do legislador na sua designação. Só pode ser posto nessa posição o “destinatário constitucional tributário” (para usarmos a excelente categorização de Hector Villegas). Nos impostos, é a pessoa que revela capacidade contributiva, ao participar do fato imponível, promovendo-o, realizando-o ou dele tirando proveito econômico (CF, art. 145, §1º). Nas taxas, o administrado cuja atividade requeira o ato de polícia, ou que provoque, requeira ou, de qualquer modo, utiliza o serviço público (CF, art. 145, II). Nas contribuições, o sujeito que receba especial benefício ou cause especial detrimento ao estado (CF, arts. 145, III e 149). Todo desvio desse critério material implica inconstitucionalidade da lei tributária, no Brasil138.

A respeito do critério pessoal da regra-matriz de incidência, conceitua Paulo

de Barros Carvalho:

Sujeito passivo da relação jurídica tributária é a pessoa – sujeito de direitos – física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação: pecuniária, nos nexos obrigacionais; e insuscetível de avaliação patrimonial, nas relações que veiculam meros deveres instrumentais ou formais. É no critério pessoal do consequente da regra-matriz de incidência que colhemos elementos informadores para determinação do sujeito passivo.139

Em relação aos sujeitos da relação tributária, dispõe o Código Tributário

Nacional: 138 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 80. 139 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 372.

Page 111: Leonardo Vanni.pdf

111

CAPÍTULO III Sujeito Ativo Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento. (...) CAPÍTULO IV Sujeito Passivo SEÇÃO I Disposições Gerais Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto.

O CTN dispôs no artigo 119 que somente poderia figurar como sujeito ativo

aquele que detém a competência tributária. No entanto, a disposição em tela não

leva em conta os casos de parafiscalidade, onde o sujeito ativo é aquele ao qual foi

atribuída capacidade tributária ativa, perfeitamente possíveis de acordo com a

Constituição.

Assim, muito embora divergindo do que dispõe o artigo 119, do Código

Tributário Nacional, a identificação do sujeito ativo não se confunde com a

competência, haja vista não somente União, Estados, Distrito Federal e Municípios

poderem figurar nesta condição, mas também eventuais entidades paraestatais,

pessoas jurídicas de direito privado como o Instituto Nacional de Seguridade

Social140 e, até mesmo, pessoas físicas. Embora esta segunda alternativa possa

parecer esdrúxula, inexiste impedimento desta ordem, desde que a pessoa física

desempenhe atividade de interesse público, exclusivamente141.

No que interessa ao ICMS incidente nas operações de circulação de

mercadorias, destacamos que o sujeito ativo corresponde ao ente político

competente para inaugurar esta exação, quais sejam os Estados e o Distrito

Federal. Levando-se em conta as considerações feitas a respeito do critério espacial

e do critério temporal, o sujeito ativo desta modalidade de ICMS será o ente político

140 JESUS, Fernando Bonfá de. ICMS - Aspectos Pontuais. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 28 141 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 369.

Page 112: Leonardo Vanni.pdf

112

correspondente à localização do estabelecimento que promover operação mercantil,

de onde for dada saída às mercadorias142, por força do critério da territorialidade,

dispostos no já citado art. 155, §2º, IX, “a”, in fine, da Constituição Federal143.

Em relação ao ICMS-Importação, o sujeito ativo é deslocado para aquele

onde estiver localizado o estabelecimento onde ocorrer a entrada física, em

consonância com o que dispõe a Constituição Federal no inciso IX, §2º, inciso II,

artigo 155 da Constituição Federal144.

É a redação da Lei Complementar nº 87 de 1996:

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I - tratando-se de mercadoria ou bem: (...) d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física; e) importado do exterior, o domicílio do adquirente, quando não estabelecido;

A primeira observação que fazemos é que na alínea “d” diz respeito às

operações relativas à circulação de bens importados realizadas por pessoas

jurídicas ou por pessoas físicas que desenvolvam atividades empresariais, por meio

142 Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I - tratando-se de mercadoria ou bem: a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador; (...). 143 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) 144 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) IX - incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001).

Page 113: Leonardo Vanni.pdf

113

de estabelecimento. No caso de importador que não exerça atividade empresarial

com habitualidade, sem cunho empresarial, a definição do sujeito ativo dar-se-á nos

termos da alínea e, ou seja, determinado pelo domicílio daquele que promover o

ingresso do bem em território nacional.

Neste ponto advertimos que a segunda disposição quanto ao sujeito ativo

regula os casos onde não contribuintes do ICMS são cobrados pelo tributo, o que

acreditamos se tratar de hipótese inconstitucional, que será melhor analisada

posteriormente.

A redação do dispositivo acima, na hipótese que aqui nos interessa, pode

levar à confusão de ser considerada a mera entrada o critério que aproxima a

incidência do ICMS. Em relação a este argumento, compreendemos carecer de

conteúdo jurídico, vez que prestigia somente interpretação literal do dispositivo, no

entanto incoerente com análise sistêmica.

Destacamos a opinião de Valeria Zotelli, para a qual a referida interpretação

leva ao entendimento de que a regra do referido dispositivo somente pode ser

invocada em casos excepcionais, onde haja dificuldade em se verificar qual o

estabelecimento do contribuinte que promoveu operação de importação. Isso

porque, de acordo com a matriz constitucional do tributo, o contribuinte natural que

indica o sujeito ativo é, necessariamente, aquele que promove a operação mercantil.

São as palavras da autora:

Portanto, para fins de incidência do ICMS Importação, que tem por objeto a operação relativa à circulação de mercadoria bens, duas são as variantes a serem consideradas: (a) a existência de uma pessoa jurídica que celebra contrato, estabelecendo uma relação jurídica com terceiro visando à circulação de um bem; e, (b) a própria circulação do bem, que pode ocorrer por intermédio de qualquer estabelecimento da pessoa jurídica. Tratando-se de um imposto de natureza Estadual, a definição do local por intermédio do qual se realiza a circulação é essencial para definição, também, do sujeito ativo do Imposto. Neste momento é que se tem a manifestação pura do papel da lei complementar, qual seja, o de dirimir conflitos de competência e, nos casos em que a pessoa jurídica, detentora de personalidade jurídica e, portanto, de capacidade para celebração de negócios jurídicos, possuir vários estabelecimentos, definir para qual Estado deverá ser recolhido o imposto. E a eleição do legislador complementar, sob o amparo constitucional, foi o de definir que imposto será devido, nestes casos, ao Estado no qual se der a entrada física do bem tratando-se pois de regra de exceção ante a regra geral segundo a qual o IMCS Importação é

Page 114: Leonardo Vanni.pdf

114

devido ao Estado no qual estiver estabelecida a pessoa jurídica que realizar a operação relativa à circulação de bem importado do exterior. Eis a interpretação sistêmica a ser dada ao art. 11, I, “d” da Lei Complementar 86/97.145

Isso porque o critério material do ICMS-Importação, como vimos, deverá ser o

ingresso de mercadoria ou bens no ciclo econômico brasileiro, de forma que

somente poderá figurar como sujeito ativo da obrigação tributária a unidade da

Federação onde estiver localizado o estabelecimento responsável por este fato. O

critério da entrada física, portanto, somente seria aplicado quando houver mais de

um estabelecimento, mantidos pela mesma pessoa jurídica, os quais poderão figurar

como os importadores da mercadoria.

Paulo de Barros Carvalho destaca outro critério que indica a correspondência

dos sujeitos da obrigação pertinente ao ICMS-Importação, qual seja aquele que

figura na declaração de importação:

(...) contribuinte desta espécie de imposto é a pessoa cujo nome está consignado na declaração de importação, por ser este, unicamente, quem promove a introdução de mercadorias estrangeiras no país, como resultado do negócio jurídico por ele praticado.146

Compreendemos coerente o entendimento da doutrina ao adotar como sujeito

ativo do ICMS-Importação a unidade da Federação onde estiver localizado o

“destinatário jurídico” das mercadorias, ou seja, aquele que promove a operação de

importação, que, portanto, figura como importador na documentação aduaneira.

Destacamos o entendimento translúcido de José Eduardo Soares de Melo sobre o

tema, de forma semelhante:

A titularidade do imposto não compete singelamente ao Estado (ou DF) onde ocorrer o mero ato físico do desembaraço aduaneiro, porque o ICMS não incide sobre a mera entrada no País de bem ou mercadoria importada, e não se torna devido pela simples liberação aduaneira. Destina-se o imposto à unidade federativa onde se localiza o sujeito passivo do tributo, ou seja, aquela pessoa que juridicamente promove o ingresso dos bens ou mercadorias estrangeiras no País.

145 ZOTELLI, Valéria. O sujeito ativo do ICMS importação: interpretação do art. 11, I, "d", da Lei Complementar 87/96 de acordo com a Constituição Federal. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2008, p. 97. 146 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 373.

Page 115: Leonardo Vanni.pdf

115

(...) É inconsistente a regra que fixa como local da operação “o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física (art. 11, I, d, da LC 87/96). (...) No caso examinado, é competente o Estado A onde se situa o estabelecimento de “destino jurídico” das mercadorias, na forma prevista normalmente em documento de importação. 147

Sobre a questão da entrada física, já se manifestou o STF nos autos do RE

299.079/RJ, pelo desprestígio deste critério na definição do sujeito ativo, nos

seguintes termos:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. IMPORTAÇÃO. SUJEITO ATIVO. ALÍNEA "A" DO INCISO IX DO § 2O DO ART. 155 DA MAGNA CARTA. ESTABELECIMENTO JURÍDICO DO IMPORTADOR. O sujeito ativo da relação jurídico-tributária do ICMS é o Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da mercadoria (alínea "a" do inciso IX do § 2o do art. 155 da Carta de Outubro); pouco importando se o desembaraço aduaneiro ocorreu por meio de ente federativo diverso. Recurso extraordinário desprovido.

Um pouco diferentes são os casos de importação indireta, onde muito embora

figure no documento de importação determinado estabelecimento ou pessoa

jurídica, bem como ocorra a entrada física no mesmo local, as mercadorias são, ato

contínuo, remetidas a outro estabelecimento, da mesma ou de outra entidade

empresarial.

O que ocorre nos casos de importação indireta não é a simples

desconsideração da entrada física como critério de identificação do sujeito ativo,

uma vez que em alguns casos o importador não é aquele que promove o efetivo

ingresso das mercadorias que irão ser incorporadas ao ciclo econômico nacional.

Nestes casos, a jurisprudência privilegia como sujeito ativo aquele

correspondente ao destinatário final das mercadorias, o qual considera o efetivo

importador. Assim, por vezes, são desconsideradas meras entradas em

estabelecimento declarado importador que correspondam à mera “troca de notas”,

ou seja, que não tenham o animus de inserir mercadoria no ciclo econômico do

147 MELO, José Eduardo Soares de. Importação e Exportação no Direito Tributário: impostos, taxas e contribuições. 3.ed. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 189.

Page 116: Leonardo Vanni.pdf

116

estabelecimento Por conseguinte, é considerado o importador, sujeito passivo do

ICMS-Importação, aquele que der a entrada mercantil ao bem.

Situações como estas são comumente enfrentadas devido a benefícios fiscais

concedidos por Estados que têm a intenção de atrair investimentos de pessoas

jurídicas dedicadas à importação de mercadorias. Neste sentido é o posicionamento

do Superior Tribunal de Justiça, o qual já tem por pacificado o entendimento em tela:

AgRg nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.036.396 – MG - TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ICMS. IMPORTAÇÃO INDIRETA. TRIBUTO DEVIDO AO ESTADO ONDE SE LOCALIZA O DESTINATÁRIO FINAL DA MERCADORIA. ACÓRDÃO EMBARGADO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 168/STJ. 1. Agravo regimental contra decisão que indeferiu liminarmente os embargos de divergência, nos termos da Súmula 168/STJ. 2. A Primeira Seção firmou o entendimento de que, nos casos de importação indireta, o ICMS deve ser recolhido no Estado onde se localiza o destinatário final da mercadoria, ou seja, o real destinatário do bem importado, sendo irrelevante o fato de a internalização ter ocorrido por estabelecimento intermediário situado em outra Unidade da Federação. Precedentes: EREsp 835.537/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 30/11/2009; EDcl no AgRg no Ag 825.553/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 20/8/2009; AgRg nos EDcl no REsp 1046148/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 25/8/2008. 3. O acórdão que julgou o recurso especial, ora recorrido, foi claro ao consignar que "o Tribunal de origem entendeu, mediante análise das provas dos autos, que houve importação indireta e que o destinatário final da mercadoria se localizava no Estado de Minas Gerais". 4. Agravo regimental não provido.

Muito embora sejamos aqui da compreensão que decidiu bem o STJ no caso

em apreço, devemos destacar que o STF reconheceu a existência de repercussão

geral sobre a matéria, nos autos do ARE 665134 RG / MG148, sem decisão até a

presente data.

148 Ementa: TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO. SUJEITO ATIVO. DESTINATÁRIO JURÍDICO. PROPRIEDADES. IMPORTAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA. ESTABELECIMENTO COMERCIAL VAREJISTA LOCALIZADO EM SP. DESEMBARAÇO ADUANEIRO EM SÃO PAULO. POSTERIOR REMESSA PARA ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL LOCALIZADO EM MG PARA INDUSTRIALIZAÇÃO. RETORNO AO ESTABELECIMENTO PAULISTA. ART. 155, §2º, IX, A DA CONSTITUIÇÃO. PROPOSTA PELO RECONHECIMENTO DA REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA. Tem repercussão geral a discussão sobre qual é o sujeito ativo constitucional do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, incidente sobre operação de importação de matéria-prima que será industrializada por estabelecimento localizado no Estado de Minas Gerais, mas, porém, é

Page 117: Leonardo Vanni.pdf

117

No que diz respeito ao sujeito passivo, nos termos do citado artigo 121 do

CTN, este poderá ser a pessoa jurídica de direito privado ou a pessoa física, desde

que seja aquele que promover a operação de importação, em consonância com a

disposição do art. 4º, caput, da Lei Complementar n 87 de 1996:

Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; (...)

A concepção insculpida pelo artigo acima prevê que quaisquer entradas em

território nacional poderão se sujeitar ao ICMS, de forma que todos que se

colocarem na posição de importadores deverão pagar o imposto estadual. No

entanto, este entendimento foi somente proposto pela Emenda Constitucional nº 33

de 2001, uma vez que até então somente seriam contribuintes do ICMS-Importação

aqueles que fossem contribuintes do imposto no âmbito das operações internas.

Portanto, a alteração quanto à materialidade do ICMS-Importação também

pode ser verificada por meio da alteração do sujeito passivo, que passa a ser o

mesmo do Imposto de Importação de competência da União. Esta interpretação, no

entanto, desrespeita a obrigatória observância do princípio da não-cumulatividade,

em relação ao qual não se pode dar efeito no caso daqueles que não são

contribuintes do ICMS. Ou seja, por força do princípio da não-cumulatividade,

somente poderão ser contribuintes do ICMS aqueles que puderem registrar crédito

tributário sobre uma aquisição, seja a aquisição no mercado externo ou interno.

desembaraçada por estabelecimento sediado no Estado de São Paulo e que é o destinatário do produto acabado, para posterior comercialização. Decisão: O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Cezar Peluso e Cármen Lúcia. Rel. Min. Joaquim Barbosa.

Page 118: Leonardo Vanni.pdf

118

Sobre o tema, destacamos a posição de Marcelo Viana Salomão, para o qual

a Emenda Constitucional nº 33 de 2001 promoveu alteração do sujeito passivo do

ICMS-Importação:

Frisamos, então, que são duas incidências distintas, e que efetivamente, em função do Princípio da Não-cumulatividade, que só serão contribuintes do ICMS-Importação os contribuintes do ICMS-Mercadorias e ICMS-Serviços, quando realizarem importações. Aproveitamos para destacar que uma ampliação do aspecto material não implica em obrigatória e automática alteração da sujeição passiva, pois foi exatamente isso que ocorreu com o advento da Emenda 23/83 com relação ao ICM, e também na CF/88, onde ser inclui a importação mas não se alterou o contribuinte do ICMS. Esta interpretação nos parece a única que permite compatibilizar esta nova incidência do ICMS com o “núcleo central comum” do subsistema do ICMS Constitucional. Noutro dizer, esta é a única forma de harmonizar a plena vigência do Princípio da Não-cumulatividade dom esta incidência149.

O que notamos aqui é que a disposição da Emenda Constitucional nº 33 de

2001 restou por não somente criar uma nova materialidade tributária, mas que esta

materialidade desrespeita outros fatores que identificam o ICMS, quais sejam o

critério da sujeição passiva e o princípio informador da não-cumulatividade. Em

outras palavras, inexiste qualquer relação entre o ICMS-Mercadorias e o novo ICMS-

Importação, o que impede qualquer magistério no sentido de considerar

constitucional sua incidência.

Por tudo que até aqui foi exposto, uma vez presentes todos os critérios

(pressupostos) acima verificados, em coexistência, teremos instalada a obrigação

tributária entre contribuinte e Fisco. Fazemos aqui atenção à necessidade de que

sejam todos os elementos verificáveis, para que ocorra a incidência, ou seja, que

todos os critérios da regra matriz estejam presentes.

Passemos, portanto, à análise do ICMS incidente sobre as operações de

importação de mercadorias (ICMS-Importação), especificamente no que diz respeito

às alterações promovidas pela EC nº 33 de 2001.

149 SALOMÃO, Marcelo. O ICMS na importação após a Emenda 33 de 2001. In: IV Congresso Nacional de Estudos Tributários: Tributação e Processo. SANTI, Eurico Marco Diniz de (Org.). São Paulo: Noeses, 2007, p. 442.

Page 119: Leonardo Vanni.pdf

119

CAPÍTULO III - DA MATERIALIDADE DO ICMS-IMPORTAÇÃO NA

REDAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº33 DE 2001

Preliminarmente, cumpre destacar que somente na década de 60 passou a

existir previsão quanto à incidência do então ICM sobre operações de importação,

nos termos do Ato Complementar nº 34 de 30 de janeiro de 1967, o qual alterou o

artigo 52 do Código Tributário Nacional, passando a ostentar em seu inciso II a

seguinte redação:

Art. 52 O impôsto, de competência dos Estados, sôbre operações relativas a circulação de mercadorias tem como fato gerador. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 34, de 30.1.1967). (Revogado pelo Decreto-lei nº 406, de 1968). I - a saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor; (Incluída pelo Ato Complementar nº 34, de 30.1.1967) (Revogado pelo Decreto-lei nº 406, de 1968). II - a entrada de mercadoria estrangeira em estabelecimento da emprêsa que houver realizado a importação, observado o disposto nos §§ 6º e 7º, do art. 58; (Incluída pelo Ato Complementar nº 34, de 30.1.1967) (Revogado pelo Ato Complementar nº 36, de 1967) (Revogado pelo Decreto-lei nº 406, de 1968). (grifo nosso)

Como se observa, a previsão legal acima apenas alcança a entrada de

mercadorias estrangeiras em estabelecimento da empresa que houver realizado

importação. Ou seja, não é permitida a importação daquilo que não corresponde a

uma mercadoria, bem como somente poderá ser devido o ICM no momento da

entrada no estabelecimento o importador, de forma bem diferente do que já vimos

ocorre atualmente.

No ano seguinte, foi editado o Decreto-lei nº 406, de 31 de dezembro de

1968, o qual revogou a norma trazida pelo Código Tributário Nacional, passando a

regular no mesmo sentido:

Art 1º O impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias tem como fato gerador: I - a saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor;

Page 120: Leonardo Vanni.pdf

120

II - a entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de mercadoria importada do exterior pelo titular do estabelecimento; (grifo nosso)

No âmbito da Constituição, somente a partir da Emenda Constitucional nº 23

de 1983 (Emenda Passos Porto), surge norma que permitia que o ICM incidisse

sobre as operações relativas a bens e mercadorias oriundos do exterior efetuadas

por produtores, comerciantes e industriais. Assim dispunha o dispositivo da

Constituição então em vigor, a partir da redação promovida pela referida Emenda:

Art. 18 (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. A isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes. (...) § 11 - O imposto a que se refere o item II incidirá, também, sobre a entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de mercadoria importada do exterior por seu titular, inclusive quando se tratar de bens destinados a consumo ou ativo fixo do estabelecimento.

Desde a introdução de competência constitucional para tributar pelo ICMS as

operações oriundas do exterior, o fato imponível a ser tributado correspondia à

realização de operações de comércio, as quais tivessem a finalidade de inserir no

ciclo comercial brasileiro mercadoria estrangeiras. O que se tinha quando ainda em

vigor a Constituição Federal de 1967 (Emenda Constitucional de 1969), era

basicamente a mesma disposição que foi inserta quando da promulgação da

Constituição Federal de 1988, atualmente alterada pela Emenda Constitucional nº

33 de 2001.

Em relação ao ICMS-Importação dispunha a redação original da alínea “a”,

inciso IX, §2º do artigo 150 da Constituição Federal, que seriam tributadas as

entradas de mercadorias, nos seguintes termos:

Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir: I – imposto sobre: (...)

Page 121: Leonardo Vanni.pdf

121

b) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (...) §2º - O imposto previsto no inciso II atenderá o seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de seriços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo Estado, ou pelo Distrito Federal; (...) IX – incidirá também: sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fio do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário d mercadoria ou do serviço;

Nota-se que, na redação original do dispositivo constitucional que dá subsídio

ao ICMS-Importação, não era permitido tributar pelo ICMS quaisquer entradas do

exterior, ou seja, a mera importação, mas somente aquelas importações que diziam

respeito ao ingresso de bens em operações com a finalidade de comércio ou para

fins de industrialização do bem adquiridos e posterior comercialização do respectivo

produto.

Se houvessem permanecido estes parâmetros, devemos destacar que não

haveria diferença entre a materialidade do ICMS incidente nas operações internas e

o ICMS que incide quando estas operações se iniciam no exterior, do ponto de vista

que permanece sendo respeitado o núcleo semântico da materialidade comum às

espécies.

Isso porque entendemos que o ICMS-Importação é melhor compreendido a

partir da matriz constitucional que se refere ao ICMS incidente sobre operações

mercantis internas, não se conformando hipótese distinta do imposto denominado

ICMS.

Embora já afirmado que o vocábulo ICMS apresenta 6 (seis) materialidades

distintas, sendo uma delas o imposto que incide sobre a entrada de bens no país,

temos que esta materialidade não deve ser acolhida pelo Poder Judiciário como

norma tributária, haja vista ferir direito fundamental do contribuinte, principalmente

por se tratar de competência tributária outorgada pelo legislador constituinte

derivado.

Page 122: Leonardo Vanni.pdf

122

O legislador derivado não somente extrapola o limite conferido ao constituinte

reformador, pois cria uma nova exação, mas também sob a perspectiva que o novo

tributo fere garantia individual atrelada ao ICMS pela Constituição, qual seja a não-

cumulatividade. Conforme visto, a não cumulatividade, indiscutivelmente em relação

ao ICMS, é princípio tributário, o qual insere limite à pretensão do legislador

infraconstitucional que criará os tributos em abstrato, de forma a impedir efeito da

tributação em cascata.

Até aqui, vimos em relação à formulação constitucional do ICMS-Importação

em momento anterior à edição da Emenda Constitucional nº 33/01, a qual operou

alteração substancial na materialidade deste imposto. A partir da referida Emenda,

restou-se por alargar a hipótese de incidência do ICMS-Importação, deformando a

materialidade do que se compreende por ICMS, no que se refere ao limite de

apenas poderem ser tributadas as operações mercantis.

Assim dispõe a redação atual da alínea “a”, inciso IX, §2º, do artigo 150 da

Constituição Federal, de acordo com a alteração promovida pela Emenda

Constitucional nº 33 de 2001:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

A partir da nova redação da alínea “a”, inciso IX, § 2º, do artigo 155 da

Constituição Federal, o ICMS passa a incidir sobre a entrada de bens ou

mercadorias, promovidas por pessoa física ou jurídica, ainda que o importador não

seja contribuinte do imposto, independentemente da destinação do bem

importado150. Em suma, é possível argumentar que o ICMS incide sobre qualquer

entrada de bem em território nacional, não importando se este bem é, ou não, objeto

de uma operação mercantil, alargando também o rol daqueles que podem ser

considerados contribuintes do imposto, uma vez que este passaria a ser devido por

qualquer um que promove importação. Como já demonstramos, compreendemos

que somente podem ser contribuintes do ICMS-Importação aqueles que importam

150 MELO, José Eduardo Soares de. Importação e Exportação no Direito Tributário: impostos, taxas e contribuições. 3.ed. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 144.

Page 123: Leonardo Vanni.pdf

123

em operações que busquem inserir mercadoria em atividade econômica, de forma a

preservar-se também o imperativo da não-cumulatividade.

O que decorre da atual redação constitucional é a outorga de nova

competência tributária aos Estados e ao Distrito Federal, uma vez que permite

serem tributadas pelo ICMS quaisquer entradas de bens em território nacional.

Desta verificação, decorre outro impropério jurídico que pode ser relacionado à

Emenda Constitucional nº 33 de 2001: a criação de adicional estadual do imposto de

importação, uma clara interferência na materialidade outorgada à União, nos termos

do artigo 153, I, da Constituição Federal151.

Sobre a relação de identidade entre o imposto sobre importações e o ICMS-

Importação decorrente da Emenda Constitucional nº 33 de 2001, Marcelo Viana

Salomão também adverte:

O segundo motivo que nos faz descrer em qualquer alteração do quadro anterior em termos de interpretação do ICMS-Importação decorre do fato que se for prevalecer a leitura pretendida pela Fazendas Estaduais teremos dois impostos absolutamente idênticos, quais sejam, o Imposto de Importação Estadual (ICMS Importação) e o Imposto de Importação Federal (II), este existente em nosso texto originário da Carta Magna.152

O fato de importar bens do exterior apresenta materialidade viável para

criação de exação tributária, sendo que, nos termos da Constituição Federal, caberá

à União a competência tributária para criar tributo sobre a importação, conforme

disposição do inciso I, artigo 153, da Constituição Federal.

Essa também é a opinião de Roque Antonio Carrazza, no que diz respeito à

relação do imposto de importação e o ICMS-Importação:

IVd – Na verdade, a Emenda Constitucional 33/2001 abriu espaço, neste particular, a um adicional estadual do imposto sobre importação (que incide quando da entrada no País de qualquer produto estrangeiro, independentemente de ser ou não mercadoria e de importador ser ou não comerciante) – o que leva a uma bitributação, desautorizada pelo Poder Constituinte Originário.153.

151 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; 152 SALOMÃO, Marcelo. O ICMS na importação após a Emenda 33 de 2001. In: IV Congresso Nacional de Estudos Tributários: Tributação e Processo. SANTI, Eurico Marco Diniz de (Org.). São Paulo: Noeses, 2007, p. 441. 153 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 91.

Page 124: Leonardo Vanni.pdf

124

A título de exemplo, podemos citar que a partir da referida Emenda, poderão

ser tributadas as importações realizadas por pessoas físicas, bem como as

importações que digam respeito à entrada de bens promovidas por não contribuintes

do imposto como, por exemplo, os hospitais. Ainda em relação ao leque de

hipóteses aberto pela Emenda sob comento, poderão ser tributados pelo ICMS os

contratos internacionais de arrendamento mercantil, muito comuns no mercado da

aviação civil.

Dizemos, mais uma vez, que somente são tributáveis pelo ICMS as

operações, ou seja, atos ou negócios que se relacionem com a circulação jurídica de

bens. Muito embora promovidas alterações pela Emenda Constitucional nº 33 de

2001 que permitam a tributação de bens, nenhuma alteração foi efetuada em

relação à qualidade da operação que promove o ingresso dos bens no Brasil,

permanecendo como requisito que se trate de operação que importe a transmissão

de titularidade. Dessa forma, não há motivo para, em relação ao ICMS-Importação,

ser permitida incidência sobre fatos que não importem transferência de titularidade,

ou seja, sobre a mera circulação física.

Conforme já defendido, o legislador constituinte originário encerrou em seu

turno as possibilidades de criação de hipóteses tributárias, deixando em aberto

somente os casos que expressamente designou, todos em favor da competência

tributária atribuída à União, no que a doutrina escolheu denominar competência

residual154.

Mais uma vez, parece menosprezo compreender que o legislador constituinte

originário teria previsto uma “competência residual”, nos termos do artigo 154, inciso

I, da Constituição Federal, pormenorizando em relação aos seus requisitos, se não

tivesse por intenção impor limite ao constituinte derivado.

Conforme se observa, o dispositivo em tela estabelece a possibilidade de

criação de novos impostos, em seguida prescrevendo limites para o exercício desta

154 Carta Magna, art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; (...). Constituição Federal, art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (....) § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

Page 125: Leonardo Vanni.pdf

125

competência. Entendemos, portanto, que: (1) pela ausência de dispositivo homologo

relacionando os critérios para que Estados, Distrito Federal e Municípios instituam

novos impostos, a norma em questão encerra em si uma limitação à criação de

outras competências por parte dos demais entes políticos, ou seja, somente a União

poderá instituir impostos, que não aqueles cujas competências foram outorgadas

pelo constituinte originário; (2) deverá incidir sobre fato econômico não escolhido por

nenhuma outra materialidade presente na Constituição, com a consequente base de

cálculo; e, (3) deverá ser não cumulativo.

Entendemos aqui que a violação proposta pelo constituinte derivado no caso

da alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 desrespeita

verdadeira garantia individual do contribuinte, qual seja de apenas ser tributado por

novas exações, quando estas estejam de acordo com as condições impostas nos

artigos 154, I, e 195, §4º, da Constituição Federal.

Além de infringir a garantia individual do contribuinte de apenas ser tributado

nos termos expressos pelo constituinte originário, destacamos ainda que, muito

embora se pudesse admitir que são constitucionais as criações de novos tributos por

meio de Emenda, a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001

desrespeita também a garantia individual de ser tributado em consonância com o

princípio da não-cumulatividade, condição inerente ao ICMS.

Por estes dois motivos, a criação de novo tributo, qual seja o Imposto sobre

as Importações de competência dos Estados e do Distrito Federal, infringe cláusula

pétrea da Constituição de 1988, nos termos do § 4º, inciso IV, de seu artigo 60.

Pelos motivos acima expostos, entendemos que em relação às inovações

propostas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, deve ser dada interpretação

restritiva, diferente daquela que busca aproximar o ICMS do Imposto de Importação.

De acordo com a interpretação sistemática que busca resguardar os critérios

informadores do ICMS, permanecem sendo contribuintes deste imposto somente

aqueles que são contribuintes do ICMS no âmbito das operações internas, como já

demonstrado quando tratamos de sujeição passiva.

Neste sentido, destacamos a opinião de Marco Aurelio Greco e Anna Paola

Zonari, para os quais a disposição constitucional fez referência expressa ao termo

“estabelecimento” na redação da citada alínea “a”, o que indica a necessidade do

bem ingressar em atividade econômica:

Page 126: Leonardo Vanni.pdf

126

Observe-se que a materialidade do ICMS desborda as mercadorias em si (....) para alcançar, na importação, também os bens (art. 155, §2º, IX, “a”). Este fato, porém, não retira o caráter eminentemente mercantil do ICMS, pois mesmo nesta incidência exige-se que o bem se integre em uma atividade econômica sujeita ao imposto (daí mencionar-se a noção de “estabelecimento”). Este dispositivo corresponde à ampliação da materialidade do imposto para alcançar bens com os quais o contribuinte se relaciona, mas não implica ampliação da hipótese de incidência. Ou seja, esta hipótese só alcança as importações realizadas por contribuintes do ICMS (....)155

Pelas razões acima expostas, compreendemos que a única forma de

interpretação das alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001

é no sentido de que a nova redação não altera o critério material inerente ao ICMS,

aqui já referido.

De acordo com esta concepção, a locução “operações relativas à circulação

de mercadorias” encerra o limite dos fatos econômicos que podem ser objeto do

ICMS, também na modalidade incidente nas importações, aos casos que se

referiram à efetiva transferência de titularidade de bem, em operação

necessariamente mercantil.

3.1 Direito fundamental de apenas ser tributado nos termos da

Constituição

Da mesma forma que os contribuintes têm o dever de pagar tributos para

colaborar com a manutenção do Estado, devemos observar que são conferidos aos

contribuintes uma série de direitos e garantias, uma vez que a atividade de tributar

deve também respeitar o direito fundamental de manutenção da propriedade.

Neste sentido, é garantido ao contribuinte direitos fundamentais pertinentes à

estrita legalidade e à “não surpresa”, de forma que o Estado somente poderá atentar

155 GRECO, Marco Aurélio. LORENZO, Ana Paola Zonari de. ICMS: materialidade e princípios constitucionais. In: Curso de Direito Tributário. v.2. MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). Belém: CEJUC, 1993, p. 147-148. Apud CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 71.

Page 127: Leonardo Vanni.pdf

127

contra o patrimônio privado quando devidamente autorizado e nos estritos termos da

lei.

Conforme já tratado, verificamos a existência de outra garantia individual, qual

seja a de apenas ser tributado nos estritos termos da competência conferida ao ente

político, devendo-se respeitar, em nível infraconstitucional, o permissivo superior,

pertinente à materialidade de cada tributo.

Seguindo no que se propõe o presente trabalho, buscamos agora observar

quanto à existência de direito individual, decorrente daquele inerente ao conceito de

competência tributária, qual seja a garantia de apenas ser tributado nos estritos

termos demarcados pelo legislador constitucional originário.

Preliminarmente, devemos destacar que estamos tratando de direito

fundamental que não encontra previsão expressa na Constituição, mas que pode ser

facilmente verificado, como a seguir o faremos.

3.1.1 Direito fundamental de apenas ser tributado nos estritos

termos da redação original da Constituição Federal

Como já visto, a competência tributária consiste na faculdade que tem o

Estado de criar unilateralmente tributos, de forma abstrata. Por sua vez, a tributação

consiste na faculdade do Fisco de interferir no patrimônio do particular, retirando

compulsoriamente parcela deste. Este é o entendimento que se compreende de

Geraldo Ataliba, a partir do que segue de sua obra:

A tributação é a transferência compulsória de parcela da riqueza individual para os cofres públicos; daí sua conexão com a propriedade. É, também, forma de controle ou indução da liberdade individual, enquanto instrumento – deliberando ou não – de estímulo ou desestímulo de comportamentos, quando não de compulsão.156

156 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 10.

Page 128: Leonardo Vanni.pdf

128

Em assim sendo, a competência encerra uma permissão de interferência do

Estado no patrimônio do particular, a qual deverá ser exercida em respeito ao direito

fundamental de proteção ao patrimônio, presente no artigo 5º inciso XXII da

Constituição Federal e protegido pelo sistema constitucional por meio do artigo 60,

§4º, inciso IV, do mesmo Diploma, como uma “cláusula pétrea”, uma vez que

garantia individual inserida no sistema constitucional.

Por conseguinte, uma vez imutável a garantia de preservação da propriedade,

entendemos que não poderá ser admitida tributação que extrapole as hipóteses

descritas pelo poder constituinte irrestrito, o qual prestigiou o conceito de patrimônio

e, neste sentir, pormenorizou em relação aos casos em que seria permitida

interferência do Estado.

Nesse diapasão, devemos distinguir o que seria um “Poder Tributário”, que

entendemos no Brasil não existe, e o que é competência tributária, como vemos

presente em nosso ordenamento. O “Poder Tributário” foi apenas detido pela

Assembleia Nacional Constituinte, esta sim detentora de um poder ilimitado. Por sua

vez, a Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Carta de 1988, usou de

forma ampla seu poder tributário e entregou a competência tributária para os

legisladores em termos muito limitados.

Ainda no sentido de esgotar, noutro enfoque, a criação de tributos em

abstrato, a competência tributária, o legislador constitucional cuidou das

possibilidades de criação de novos tributos, para tal positivando pelos seus critérios.

Assim consta do artigo 154, da Carta Magna:

Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

Podemos abstrair do extrato de legislação acima, algumas informações que

também definem limites à competência residual, quais sejam: a) somente a União

pode instituir novos tributos; b) os tributos em questão deverão ter natureza de

Page 129: Leonardo Vanni.pdf

129

impostos; c) deverão ser instituídos por meio de lei complementar; d) deverão ser

não-cumulativos; e) não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos

discriminados na Constituição; ou, f) na iminência ou no caso de guerra externa.

Encerra, negativamente, também neste contexto, norma no sentido de que os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem criar outros tributos senão

aqueles descritos na Constituição.

Em assim sendo, temos que não tão eventuais alterações no rol das

competências estabelecidas pelo constituinte originário, que não se configuram aos

critérios estabelecidos pelo artigo 154, I da Constituição Federal, restam por

desrespeitar garantia individual do contribuinte, visto que este tem o direito subjetivo

de somente sofrer o ônus da tributação nova, quando presentes os tais critérios.

Pelos motivos acima expostos, a criação de novas exações, a partir de

alterações da Constituição Federal, acaba ceifando um direito fundamental

conferido, o de apenas ser tributado nos termos do que previu o legislador

constituinte originário.

Acreditamos ser esta a melhor interpretação da Constituição, vez que assim

prestigia-se a proteção ao patrimônio, a repartição de competências, bem como a

criação e competência residual.

Por estes motivos, acreditamos que a criação de novas materialidades

tributárias constitui afronta à norma do artigo 60, §4º da Carta Magna, pois prevê a

imutabilidade dos direitos fundamentais, sendo matéria em relação a qual não se

permite emendar a constituição.

Este é também o entendimento de Roque Antonio Carrazza, nos termos que

se observa a seguir ao tratar da inovação promovida pela Emenda Constitucional nº

33 de 2001 no âmbito do ICMS incidente sobre operações de importação:

IIa- Estamos convencidos, no entanto, que por ter alterado a regra-matriz constitucional do ICMS-Importação, a Emenda Constitucional 33/2001 feriu direito fundamental do contribuinte (cláusula pétrea), sendo, neste ponto, inconstitucional157.

No mesmo diapasão compreende Renato Lopes Becho, pela existência de

limitação na competência residual, destacando a posição superior do constituinte

originário neste aspecto:

157 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 90.

Page 130: Leonardo Vanni.pdf

130

Todavia consideramos plenamente discutível a possibilidade de alteração na competência mesmo por Emenda Constitucional. Pode ser que qualquer mudança na composição da competência tributária esteja vedada pelo artigo 60, §4º, IV da CF/88158.

Pelos motivos acima expostos, temos que existe presente no ordenamento

constitucional vedação à criação de novos tributos por meio de emenda, visto que

esta possibilidade estaria encerrada no âmbito do artigo 154, inciso I, da

Constituição Federal.

Também no mesmo sentido, destacamos a opinião de Tácio Lacerda Gama,

para o qual o limite presente no § 4º, artigo 60, da Constituição Federal impede

qualquer iniciativa que busca alterar os contornos estabelecidos pelo legislador

originário, uma vez que garantia do contribuinte. Vejamos:

A possibilidade de modificar a Constituição por emenda consta autorizada pelo próprio texto constitucional. Cumpridas as formalidades necessárias, é possível inserir modificação no sistema constitucional tributário. Conquanto não estejam sujeitas às mesmas vedações prescritas para toda modificação legislativa do capítulo relativo ao Sistema Tributário, estão sujeitas aos condicionantes materiais das chamadas clausulas pétreas. Neste sentido, é vedado alterar a Constituição para restringir princípios, imunidades e enunciados de autorização que possuam natureza de direitos e garantias do contribuinte. Da mesma forma, importam violações, ao que dispõe o art. 60, § 4º, as propostas de emenda tendentes a modificar a forma federativa de Estado159.

No que diz respeito às razões acima expostas, relacionadas ao tema do

presente trabalho, compreendemos que a Emenda Constitucional nº 33 e 2001

extrapolou os limites permitidos ao legislador constituinte derivado, haja vista passar

a permitir a tributação sobre novos fatos, antes não incidentes em relação ao ICMS.

Resta clara a intenção do legislador constituinte originário, de somente

permitir atentado contra o patrimônio do particular nos estritos casos positivados no

âmbito da Constituição. Se assim não o fosse, desnecessária seria a indicação das

materialidades tributárias no âmbito da Constituição, podendo-se também dizer que

seria apenas necessária a indicação dos entes políticos competentes para a criação

de tributos.

158 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 236. 159 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária - Fundamentos para uma teoria da nulidade. 2.ed. São Paulo: Editora Noeses, 2011, p. 281.

Page 131: Leonardo Vanni.pdf

131

Por este motivo, compreendemos que a esta limitação ao Poder do Estado se

reveste da qualidade de garantia fundamental do contribuinte, a qual não é permitido

ato que vise sua abolição, uma vez que clausula pétrea.

Em relação ao alargamento da competência dos Estados e do Distrito

Federal, estudaremos os fatos emblemáticos que passaram a ser tributados pelo

ICMS, de acordo com a competência estabelecida por meio da Emenda

Constitucional nº 33 de 2001.

3.2 ICMS-Importação incidente sobre a pessoa física e sobre não-

contribuintes do imposto

Em relação ao sujeito passivo do ICMS, dispunha o artigo 58 do Código

Tributário Nacional, antes de ser revogado pelo Decreto-lei nº 406/68:

Art. 58. Contribuinte do imposto é o comerciante, industrial ou produtor que promova a saída da mercadoria. § 1º Equipara-se a comerciante, industrial ou produtor qualquer pessoa, natural ou jurídica, que pratique com habitualidade, operações relativas à circulação de mercadorias.

Como se observa da redação do §1º, muito embora esta equipare a pessoa

natural ao comerciante, industrial ou produtor, este dispositivo exigia que as

operações tributáveis pelo ICMS se dessem com habitualidade, o que

compreendemos restringia a incidência deste imposto, ainda, aos atos com a

intenção de comércio.

Por sua vez, o dispositivo que passou a regular no mesmo sentido, de acordo

com o Decreto-lei n 406 de 1968, dispunha:

Art 6º Contribuinte do impôsto é o comerciante, industrial ou produtor que promove a saída da mercadoria, o que a importa do exterior ou o que arremata em leilão ou adquire, em concorrência promovida pelo Poder Público, mercadoria importada e aprendida. § 1º Consideram-se também contribuintes:

Page 132: Leonardo Vanni.pdf

132

I - As sociedades civis de fins econômicos, inclusive cooperativas que pratiquem com habitualidade operações relativas à circulação de mercadorias; II - As sociedades civis de fins não econômicos que explorem estabelecimentos industriais ou que pratiquem, com habitualidade, venda de mercadorias que para êsse fim adquirirem; III - Os órgãos da administração pública direta, as autarquias e emprêsas públicas, federais, estaduais ou municipais, que vendam, ainda que apenas a compradores de determinada categoria profissional ou funcional, mercadorias que, para êsse fim, adquirirem ou produzirem.

O Decreto-lei não mais previa que qualquer pessoa natural ou jurídica poderia

ser contribuinte do ICMS, mas mantinha o critério da habitualidade, de forma a

somente alcançar as pessoas jurídicas contribuintes do imposto. Compreendemos

que esta redação, ainda vigente, está em perfeita consonância com a matriz

constitucional do ICMS, uma vez que promove identificação entre aquele que pode

suportar o imposto e o critério material constitucionalmente expresso.

Por sua vez, a Lei Complementar nº 87 de 1996 passou a dispor, de forma

expressa, que as pessoas físicas e aqueles que não são contribuintes do ICMS

serão obrigados ao recolhimento do tributo nas importações. Dispõe a Lei

Complementar nº 87 de 1996:

Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade (REVOGADO) Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) I - importe mercadorias do exterior, ainda que as destine a consumo ou ao ativo permanente do estabelecimento; (REVOGADO) I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) (grifo nosso)

Como se observa, a partir da Lei Complementar nº 87 de 1996 reaparece a

hipótese da pessoa física figurar como contribuinte do ICMS, sendo que na redação

verificada anteriormente à Lei Complementar nº 114 de 2002, permanecia sendo

necessário que estivesse presente uma mercadoria que ingressasse em

Page 133: Leonardo Vanni.pdf

133

estabelecimento que já adequava os efeitos da norma de incidência do ICMS-

Importação.

A referida alteração legislativa foi decorrente da alteração promovida pela

Emenda Constitucional nº 33 de 2001, especificamente na alínea “a” do inciso IX,

§9º do artigo 155 da Constituição Federal, em relação às operações passíveis da

incidência do ICMS:

a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço; (Revogado) a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) (grifo nosso)

Observa-se que a redação original mencionava expressamente quanto à

efetiva entrada da mercadoria importada no estabelecimento, o que já defendemos

ser conceito somente aplicável às pessoas jurídicas dedicadas a atos de comércio.

A pessoa física não tem estabelecimento, mas residência ou domicílio.

Ao arrepio de garantia constitucional assegurada ao contribuinte, qual seja a

de apenas ser tributado nos termos da redação original da Constituição Federal de

1988, a alteração promovida pela EC nº 33 de 2001 permitiu expressamente que

fossem objeto da exação sob comento também as entradas provenientes do exterior

promovidas por pessoas físicas e por não-contribuintes do imposto.

Esta parece ser a nova materialidade mais absurda do ICMS incidente nas

importações, quando observada a competência tributária originalmente prevista para

o ICMS. Por tudo que até aqui se tratou a respeito da necessidade de existir uma

operação mercantil para que então, possa vir a incidir o ICMS é que este imposto

resta situado somente dentro do âmbito das relações negociais, das operações

mercantis.

Conforme se observou anteriormente, o conceito de operação mercantil

abriga a necessidade de haver o propósito de ingresso de um bem no ciclo

comercial nacional, direta ou indiretamente. Ora, a pessoa física, não contribuinte do

Page 134: Leonardo Vanni.pdf

134

imposto por excelência, não pode ser equiparada a tal condição, uma vez que

claramente sua intenção não é que o bem importado ingresse no ciclo econômico,

mas sim o consumo. Da mesma forma, a pessoa física, necessariamente, não

poderá dar efeito à não-cumulatividade, uma vez que impedida de registrar ou dar

vazão aos créditos tributários decorrentes da incidência na importação. Não

podemos esquecer que a não-cumulatividade, o direito ao crédito pelo imposto pago

na etapa anterior, é garantia constitucional assegurada ao contribuinte com cláusula

pétrea.

Como ocorria antes da Emenda Constitucional nº 23 de 1983, a qual trouxe a

primeira previsão constitucional do ICMS-Importação, na esteira das tentativas

frustradas dos Estados de tributar pelo ICMS as mercadorias importadas, a exação

transferida à pessoa física também foi amplamente debatida no âmbito da

jurisprudência, antes da existência de seu permissivo constitucional.

Já na vigência da redação original da Constituição Federal vigente, parte da

jurisprudência infraconstitucional chegou a considerar legal a incidência do ICMS

nas operações de importação que não se relacionassem com operações mercantis.

Esse foi o entendimento do STJ por diversas oportunidades (Resp nº 37.648-3/SP,

30.576-0-SP e 31.385-5/SP), isso em meados dos anos noventa.

Contudo, quando apreciada pelo STF a questão foi mais bem colocada,

tendo-se respeitado a clara delimitação constitucional imposta ao ICMS na

conformação da materialidade deste imposto.

Nos autos do RE nº 203.075-DF, de relatoria do Min. Maurício Corrêa,

entendeu por bem a Primeira Turma do STF, pela impossibilidade de tributação pelo

ICMS, no caso de importações promovidas por pessoas físicas:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PESSOA FÍSICA. IMPORTAÇÃO DE BEM. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física. 2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Pessoa física. Importação de bem. Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Não sendo comerciante e como tal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que envolvam circulação de mercadoria. Recurso extraordinário não conhecido.

Page 135: Leonardo Vanni.pdf

135

Da mesma forma, observamos disposição da 2ª Turma do Supremo Tribunal

Federal:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA POR PESSOA FÍSICA. NÃO-INCIDÊNCIA DO ICMS. PRECEDENTE. O Pleno do Supremo Tribunal Federal firmou exegese segundo a qual a Carta da República, ao dispor que o ICMS incidirá também na importação de mercadoria do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, referiu-se à casa comercial e não à pessoa física que a realiza para seu gozo e fruição. Agravo regimental não provido.

De igual modo, compreendeu o Plenário do STF em relação às mercadorias

importadas por pessoa jurídica não-contribuinte do ICMS, nos autos do RE 185.789-

7SP:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE BEM POR SOCIEDADE CIVIL PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física. 2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Importação de aparelho de mamografia por sociedade civil, não contribuinte do tributo. Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Inexistência de circulação de mercadoria. Não ocorrência da hipótese de incidência do ICMS. Recurso extraordinário não conhecido.

Bem colocou o STF cristalizando o entendimento acima, por meio da Súmula

660 de 2003160, restando assentados os ânimos desta discussão, no âmbito da

jurisprudência, mas não no âmbito político. A respeito da assertividade do STF em

editar a referida súmula, pertinentes as ponderações de Marcelo Viana Salomão:

O STF foi preciso, pois aceitar que não contribuintes do ICMS paguem este tributo equivale a aceitarmos como constitucionais emendas que obriguem cidadãos que não possuem imóveis urbanos

160 Súmula 660: Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto.

Page 136: Leonardo Vanni.pdf

136

a pagarem IPTU ou cidadãos que não possuam veículos a pagar IPVA. O absurdo é o mesmo!161

Como se observa da decisão acima, o Supremo Tribunal Federal, nesta

ocasião, em momento anterior à edição da Emenda Constitucional nº 33 de 2001,

prestigiou os critérios informadores do ICMS, quais são o respeito à não-

cumulatividade e a necessidade que incida sobre operação de natureza mercantil.

Entendemos que esta compreensão é correta e, ainda, necessariamente

aplicável ao ICMS-Importação, mesmo após a edição da Emenda Constitucional nº

33 de 2001, uma vez que preserva a coerência do sistema constitucional tributário.

Dada a flagrante inconsistência da Emenda Constitucional nº 33 de 2001 com

a redação original da Constituição de 1988, temos que ela não merece recepção,

devendo, por tudo que foi até aqui exposto, ser declarada inconstitucional.

Este também foi o entendimento de Fernando Bonfá de Jesus, ao tratar da

Emenda em tela, conforme se observa do trecho abaixo:

Diante desse cenário, é consenso que os Estados e o Distrito Federal têm competência para instituir imposto sobre operação de importação, haja vista a edição da Emenda Constitucional. No entanto, cuidado deve ser tomado ao definir qual o imposto será devido na importação, pois a destinação da mercadoria é determinante para caracterizar o núcleo do critério material da regra-matriz de incidência do imposto estadual devido na operação de importação do produto, seja ele uma mercadoria ou um bem162.

Sobre o fato da previsão legal ser anterior à previsão constitucional,

destacamos a opinião de Julio M. de Oliveira, o qual compreende que mesmo após

a edição da Emenda Constitucional nº 33 de 2001 as leis anteriores carecem de

constitucionalidade:

Entendemos que a inclusão da importação por pessoa física no campo de incidência do ICMS, por meio da edição de emenda constitucional, agride o arcabouço definido pelo constituinte originário e deve ser objeto de declaração de inconstitucionalidade. Em caso e aceitação da emenda pelo STF, consideramos que devam ser alteradas, após a edição da emenda, sob pena de eficácia, a lei

161 SALOMÃO, Marcelo. O ICMS na importação após a Emenda 33 de 2001. In: IV Congresso Nacional de Estudos Tributários: Tributação e Processo. SANTI, Eurico Marco Diniz de (Org.). São Paulo: Noeses, 2007, p. 441. 162 JESUS, Fernando Bonfá de. ICMS - Aspectos Pontuais. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

Page 137: Leonardo Vanni.pdf

137

87/96 e as ei ordinárias de cada ente tributante, além de ser atendido o princípio da anterioridade a partir da edição.163

Conforme visto anteriormente, para que seja respeita a hipótese de incidência

traçada pelo legislador constitucional para o ICMS é necessário que esteja presente

uma operação mercantil, o que não é possível quando tratamos de importações

promovidas por pessoas físicas ou por não-contribuintes do ICMS. A mera entrada

de bem em território nacional não integra, por si só, este no ciclo comercial interno, o

que entendemos deve ocorrer para fazer incidir o imposto.

Neste ponto, mais uma vez destacamos a opinião de Marcelo Viana Salomão,

o qual destaca não ser importante a personalidade do importador, se pessoa física

ou jurídica, nem mesmo a habitualidade, o que deve ser levado em consideração, no

caso do ICMS-Importação é que o importador seja contribuinte de algum dos

impostos albergados sob a sigla ICMS. Destacamos:

O termo “habitual” qualifica (adjetiva) o substantivo “contribuinte”. O contribuinte pode ser habitual ou não, mas é, obrigatoriamente, contribuinte. Assim, as pessoas físicas e jurídicas que deverão pagar o ICMS Importação são os contribuintes, mesmo que não habituais, dos ICMS´s internos.164

No entanto, embora acreditemos na inconstitucionalidade da Emenda neste

ponto, devemos destacar que parte da doutrina recepciona esta hipótese de

tributação pelo ICMS, bem como foi neste sentido que já decidiu o STF. Neste

diapasão, destacamos a opinião de Sacha Calmon Navarro Coêlho, para o qual a

Constituição poderia ser alterada da forma que foi em relação ao ponto que agora

analisamos:

Certo, o Supremo Tribunal interpreta a Constituição e as leis. Todavia, as suas interpretações podem ser superadas por leis novas que superam ou alijam seus julgados. E a própria Constituição pode ser alterada com o fito de suplantar os arestos da Corte Suprema através de emendas do Poder Legislativo. (...)

163 OLIVEIRA, Julio Maria de. O princípio da legalidade e sua aplicabilidade ao IPI e ao ICMS. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 287. 164 SALOMÃO, Marcelo. O ICMS na importação após a Emenda 33 de 2001. In: IV Congresso Nacional de Estudos Tributários: Tributação e Processo. SANTI, Eurico Marco Diniz de (Org.). São Paulo: Noeses, 2007, p. 443.

Page 138: Leonardo Vanni.pdf

138

O caso in examen é exemplo do que afirmamos supra. O art. 155, §2º, IX, “a”, ostenta redação que manda incidir o ICMS “sobre entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”165.

José Eduardo Soares de Melo também compreende pela possibilidade do

ICMS incidir

Com todo o respeito à doutrina acima destacada como exemplo, somos aqui

da opinião de que inexiste a possibilidade de tributar-se pelo ICMS a pessoa física,

muito menos sem qualquer critério de habitualidade e intuito. A pessoa física não é

praticante de ato de comércio, da mesma forma não pode ser verificada como uma

nova hipótese de incidência albergada pela sigla ICMS. A consideração do ICMS

incidente sobre a importação de bens por pessoas físicas ou por pessoa jurídica não

contribuinte do imposto cria uma nova exação de competência dos Estados e do

Distrito Federal, o que não podemos admitir ser feito pelo poder constituinte

derivado.

No entanto, muito embora assentada a jurisprudência no âmbito da previsão

anterior à Emenda Constitucional nº 33 de 2001, foi recepcionado pelo Supremo

Tribunal Federal a inovação promovida pela referida emenda, autorizando a criação

do “novo tributo”:

IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS – IMPORTAÇÃO – PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA NÃO CONTRIBUINTE DO IMPOSTO – PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 33/2001 – NÃO INCIDÊNCIA – MATÉRIA SUMULADA. Nos termos do Verbete nº 660 da Súmula desta Corte, não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto, em período anterior à Emenda Constitucional nº 33/01. (STF, Primeira Turma, RE 594718 AgR / RS. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em 13.04.2011). PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO. SÚMULA STF 660. FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA INATACADO. SÚMULA STF 287. 1. O Supremo Tribunal Federal possui o entendimento consolidado no sentido de que não incide ICMS sobre importações realizadas por bens destinados ao consumo

165 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 413.

Page 139: Leonardo Vanni.pdf

139

e ao ativo fixo, realizadas por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte habitual do referido imposto, antes da promulgação da Emenda Constitucional 33/2001. Incidência da Súmula STF 660. 2. A parte agravante, nas razões do agravo regimental, não se insurgiu contra os fundamentos da decisão agravada. Incidência da Súmula STF 287. 3. Possibilidade, no caso, de se aferir a tempestividade do recurso extraordinário. Inocorrência do óbice contido na Súmula STF 288. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, Segunda Turma, RE 674396 AgR / SP. Rel. Min. Ellen Gracie. Julgado em 29 mar. 2011).

Recentemente, o entendimento foi pacificado no âmbito do STF, em sede de

repercussão geral, tendo sido decidido pela possibilidade de extensão da tributação

pelo ICMS também àqueles que não são contribuintes do imposto. São os termos da

decisão do STF:

Ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. IMPORTAÇÃO. PESSOA QUE NÃO SE DEDICA AO COMÉRCIO OU À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO OU DE TRANSPORTE INTERESTADUAL OU INTERMUNICIPAL. “NÃO CONTRIBUINTE”. VIGÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL 33/2002. POSSIBILIDADE. REQUISITO DE VALIDADE. FLUXO DE POSITIVAÇÃO. EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA. CRITÉRIOS PARA AFERIÇÃO. 1. Há competência constitucional para estender a incidência do ICMS à operação de importação de bem destinado a pessoa que não se dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços, após a vigência da EC 33/2001. 2. A incidência do ICMS sobre operação de importação de bem não viola, em princípio, a regra da vedação à cumulatividade (art. 155, § 2º, I da Constituição), pois se não houver acumulação da carga tributária, nada haveria a ser compensado. 3. Divergência entre as expressões “bem” e “mercadoria” (arts. 155, II e 155, §2, IX, a da Constituição). É constitucional a tributação das operações de circulação jurídica de bens amparadas pela importação. A operação de importação não descaracteriza, tão-somente por si, a classificação do bem importado como mercadoria. Em sentido semelhante, a circunstância de o destinatário do bem não ser contribuinte habitual do tributo também não afeta a caracterização da operação de circulação de mercadoria. Ademais, a exoneração das operações de importação pode desequilibrar as relações pertinentes às operações internas com o mesmo tipo de bem, de modo a afetar os princípios da isonomia e da livre concorrência. CONDIÇÕES CONSTITUCIONAIS PARA TRIBUTAÇÃO 4. Existência e suficiência de legislação infraconstitucional para instituição do tributo (violação dos arts. 146, II e 155, XII, § 2º, i da Constituição). A validade da constituição do crédito tributário depende da existência de lei complementar de normas gerais (LC 114/2002) e de legislação local resultantes do exercício da competência tributária, contemporâneas à ocorrência do fato jurídico que se pretenda tributar. 5. Modificações da legislação federal ou local anteriores à EC 33/2001 não foram convalidadas, na medida em que inexistente o fenômeno da

Page 140: Leonardo Vanni.pdf

140

“constitucionalização superveniente” no sistema jurídico brasileiro. A ampliação da hipótese de incidência, da base de cálculo e da sujeição passiva da regra-matriz de incidência tributária realizada por lei anterior à EC 33/2001 e à LC 114/2002 não serve de fundamento de validade à tributação das operações de importação realizadas por empresas que não sejam comerciais ou prestadoras de serviços de comunicação ou de transporte intermunicipal ou interestadual. 6. A tributação somente será admissível se também respeitadas as regras da anterioridade e da anterioridade, cuja observância se afere com base em cada legislação local que tenha modificado adequadamente a regra-matriz e que seja posterior à LC 114/2002. Recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul conhecido e ao qual se nega provimento. Recurso extraordinário interposto por FF. Claudino ao qual se dá provimento.

Observa-se que também foi considerado pelo julgador o aspecto econômico

decorrente da não incidência do ICMS sobre as importações promovidas por não

contribuintes do imposto, uma vez que esta poderia desequilibrar as relações

pertinentes às operações internas com o mesmo tipo de bem, de modo a afetar os

princípios da isonomia e da livre concorrência. No entanto, somos aqui da opinião

que o tributo existente no ordenamento com a competência para preservar o

princípio da isonomia e da livre concorrência, neste caso, é o Imposto de

Importação, de competência exclusiva da União.

No entanto, devemos observar que compreendeu bem que somente poderiam

ser tributadas as operações ocorridas sob a égide de lei publicada em data posterior

à Lei Complementar nº 114 de 2002.

3.3 ICMS-Importação incidente sobre o Ingresso de bens em

contratos de arrendamento mercantil

Muito se discute ainda no âmbito da jurisprudência e da doutrina a respeito da

incidência tributária sobre fatos econômicos que correspondam a contratos de

arrendamento mercantil, muito em particular a respeito da incidência do ICMS-

Importação no caso de contratos firmados no exterior, que impliquem no ingresso de

bens em território nacional.

Page 141: Leonardo Vanni.pdf

141

O contrato de arrendamento mercantil, também conhecido por leasing, é

disciplinado pela Lei federal nº 6099, de 1974, com alterações promovidas pela Lei

federal nº 7132 de 1983, bem como pela Resolução nº 2309 de 1996, do Banco

Central do Brasil166 podendo ser pactuado de duas formas, o leasing financeiro e o

leasing operacional.

O arrendamento mercantil é contrato segundo o qual uma pessoa jurídica

(geralmente instituição financeira) arrenda a uma pessoa física ou jurídica, por

tempo determinado, um bem comprado pela primeira de acordo com as indicações

da segunda, cabendo ao arrendatário a opção de adquirir o bem arrendado findo o

contrato. O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 6099 de 1974, com redação da Lei nº

7132 de 1983, prescreve a seguinte definição de arrendamento mercantil:

Art. 1º. (....) Parágrafo único. Considera-se arrendamento mercantil, para efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.

O leasing financeiro consiste na modalidade pela qual o arrendador adquire

de terceiro certos bens de produção (máquinas, equipamentos) com o intuito de

entregá-los a uma empresa, para que, por prazo determinado, os utilize, mediante o

pagamento de prestações pecuniárias periódicas, com o direito de optar entre a

aquisição de sua propriedade, a devolução dos bens arrendados ao arrendador e a

renovação do contrato, onde o preço para o exercício da opção de compra seja

livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.

Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que: a) as

contraprestações devidas pela arrendatária sejam normalmente suficientes para que

a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da

operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos; b) as

despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos a

operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária; e,

c) o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado (valor

residual garantido), podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.

166 Resolução nº 2.309/96 do Conselho Monetário Nacional – Define as modalidades de arrendamento mercantil financeiro e operacional, os prazos mínimos e demais condições.

Page 142: Leonardo Vanni.pdf

142

Considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade em que: a)

as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplam o custo de

arrendamento do bem e os serviços inerentes à sua colocação a disposição da

arrendatária, não podendo o valor presente dos pagamentos ultrapassar 90%

(noventa por cento) do custo do bem; b) o prazo contratual seja inferior a 75%

(setenta e cinco por cento) do prazo de vida útil econômica do bem; c) o preço para

o exercício da opção de compra seja o valor de mercado do bem arrendado; e, c)

não haja previsão de pagamento de valor residual garantido.

Como se observa, o arrendamento na modalidade financeira constitui

alternativa de investimento de longo prazo, com preço livremente pactuado entre as

partes, ao passo que no arrendamento operacional a intenção das partes resta

concentrada na obtenção da posse pelo arrendatário do bem, de forma semelhante

ao contrato de locação Em ambos os casos, é imprescindível a existência de opção

de compra ao final do contrato.

Portanto, a celeuma pertinente à incidência do ICMS-Importação gira em

torno de ambas as modalidades de arrendamento mercantil, operacional ou

financeiro, principalmente em torno da última, visto que neste caso há a flagrante

intenção de alienação do bem, conforme visto acima. Vejamos a lição de Arnaldo

Rizzardo sobre o arrendamento mercantil financeiro:

É o leasing financeiro, ou financial lease, ou, ainda, o full payout lease, que é o leasing propriamente dito, o leasing puro que, por estar mais ligado a departamento de bancos, é também conhecido como leasing bancário. Tem como característica identificadora e mais saliente o financiamento que faz o locador. Ou seja, o fabricante ou importador não figuram como locadores. Há uma empresa que desempenha este papel, a cuja finalidade ela se deixa. Ocorre a aquisição do equipamento pela empresa de leasing, que contrata o arrendamento com o interessado.167

A já citada Lei nº 6099 de 1974 também trata de leasing na importação,

estabelecendo requisitos específicos para o arrendamento mercantil nestas

hipóteses, nos termos do artigo 17 da referida lei:

167 RIZZARDO, Arnaldo. Leasing: arrendamento mercantil no Direito brasileiro. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 38.

Page 143: Leonardo Vanni.pdf

143

Art. 17 – A entrada no território nacional dos bens objeto de arrendamento mercantil, contratado com entidades arrendadoras domiciliadas no exterior, não se confunde com o regime de admissão temporária de que trata o Decreto-lei 37, de 18 de novembro de 1966, e se sujeitará a todas as normas legais que regem a importação.

Observamos, então, que existe previsão legal que corresponda à modalidade

de contratação de arrendamento mercantil em operações em que prescindam da

importação de bens, em casos de arrendatário residente no Brasil. Como veremos a

seguir, em relação ao ICMS-Importação incidente sobre as operações de

arrendamento mercantil, a jurisprudência já se debruçou sobre o assunto, com

conclusões ainda precárias, mas distintas em relação a cada hipótese.

Importante destacarmos, contudo, que mesmo na modalidade financeira, o

bem em questão é de propriedade da instituição financeira por todo o contrato,

passando para a propriedade do arrendatário apenas após manifestada a opção de

compra, ao fim do contrato, se isto vier a ocorrer. Isso porque, ao término do

contrato, a arrendatária poderá adquirir o bem, renovar o contrato ou efetuar a sua

devolução.

Observamos, portanto, que o contrato de arrendamento mercantil não pode

ser considerado como simples “contrato de locação com opção de compra ao final”,

mas sim como contrato que tem por objetivo, mesmo que por “opção”, o

financiamento para aquisição de um bem. Isso se verifica, principalmente, pela

necessidade de um intermediário na operação, que seja pessoa jurídica dedicada à

atividade financeira. Neste ponto, destacamos a opinião de José Eduardo Soares de

Melo, nos seguintes termos:

É manifesta a atipicidade do leasing que o afasta da concepção de uma simples locação com opção de compra, não só pela triangularidade, ou seja, a intermediação de um agente que financia a operação (o que tem levado a doutrina em grande parte a considerá-lo essencialmente como operação financeira), mas também pelas peculiaridade que apresenta, tanto em relação à tríplice opção assegurada ao arrendatário como também pela técnica de acerto em caso de opção de compra.168

168 MELO, José Eduardo Soares de. O ICMS e o Leasing na Importação. In: ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. CAMPILONGO, Paulo A. Fernandes (Org.). São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 15.

Page 144: Leonardo Vanni.pdf

144

Pelo até aqui exposto, compreendemos que o ICMS, de acordo com a

materialidade constitucionalmente prevista, apenas pode incidir quando da

circulação jurídica de uma mercadoria, de forma que, restando o bem, objeto do

contrato de arrendamento, como propriedade de instituição financeira, ainda por

todo o período do contrato não há se falar na incidência do ICMS, pois inexistente

elemento crucial de sua materialidade.

Com base na distinção do que podemos considerar por contrato de

arrendamento mercantil, observamos que esta operação pressupõe a existência de

outra em momento anterior, esta sim sujeita ao ICMS, a operação de compra e

venda pactuada entre o fornecedor das mercadorias e a instituição financeira que

figura como arrendadora.

Pelo até aqui exposto, compreendemos que a modalidade de contratação por

arrendamento mercantil é operação eminentemente financeira, sendo que em

relação ao arrendamento mercantil financeiro esta característica é ainda mais

marcante. No entanto, não podemos com isso descaracterizar a tipicidade própria do

arrendamento mercantil, o qual perfaz instituto contratual independente, muito

embora com características comuns à compra e venda.

Por este motivo, já compreendeu o STJ que no caso dos contratos de

arrendamento mercantil, onde seja adiantado o pagamento do valor residual

garantido, estaria descaracterizado o arrendamento mercantil e configurada a

compra e venda (Súmula nº 236). No entanto, a súmula pertinente a esse

entendimento já foi cancelada pelo próprio STJ, passando a entender que o valor

residual garantido pode ser pago a qualquer momento dentro desta modalidade

contratual, como se observa da Resolução BACEN nº 2.309 de 1996. Ou seja, em

qualquer hipótese, o arrendamento mercantil permanece ostentando natureza

jurídica distinta do contrato de compra e venda, este último sim atingível pelo ICMS.

Como já dissemos aqui, acreditamos que o ICMS-Importação não deve ser

compreendido como hipótese tributária diferenciada em relação ao ICMS incidente

sobre operações com mercadorias. No âmbito interno, as operações de

arrendamento mercantil são excluídas da incidência do ICMS, uma vez que

expressamente disposto no inciso VIII, artigo 3ª da Lei Complementar nº 87 de 1996,

sendo esta hipóteses de incidência do ISSQN, nos termos da Lei Complementar nº

116 de 2003:

Page 145: Leonardo Vanni.pdf

145

Lei Complementar nº 87 de 1996: Art. 3º O imposto não incide sobre: (...) VIII - operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário; Lei Complementar nº 116 de 2003: Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. 10.04 – Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de franquia (franchising) e de faturização (factoring).

Mesmo diante de previsão legal, no âmbito das relações internas já foi

intenção das unidades da Federação buscar a incidência do ICMS sobre contratos

esta natureza. já tendo sido decidido pelo Plenário do STF, nos autos do RE nº

547.245/SC, de 02 de dezembro de 2009, no sentido de que tais operações somente

poderão ser tributas pelo ISS:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se dá provimento.

Em relação ao ICMS-Importação, contudo, observamos que a redação

promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 pode permitir outro

entendimento, visto que a já destacada atual redação da alínea “a”, inciso IX do

artigo 155 da Constituição Federal de 1988, dispõe que o imposto incidirá sobre a

entrada de bens e mercadorias.

Ora, como já visto, o evento entrada de bens não se coaduna com a

materialidade pertinente ao ICMS, de forma a fazer incidir o tributo pelo mero

ingresso de bens em território nacional, acreditamos que nem mesmo no caso do

atual ICMS-Importação. No caso dos contratos de arrendamento mercantil, embora

Page 146: Leonardo Vanni.pdf

146

existente a possibilidade de tradição dos bens ao final do período de arrendamento,

até lá inexistirá operação passível de tributação pelo ICMS, nos termos do conceito

já exposto.

Neste caso, temos presente outro aspecto negativo da alteração promovida

pela EC nº 33 de 2001, visto que além de permitir a incidência do ICMS sobre

entradas promovidas por pessoas físicas e outros não-contribuintes, permitiu ainda

que entradas que não importassem na tradição do bem fossem oneradas.

Nos casos de importação decorrente de contrato de arrendamento mercantil,

muito embora o importador e arrendatário possam se tratar de pessoa jurídica

contribuinte do imposto (ICMS) e que tenha por intenção o ingresso de bens no ciclo

econômico nacional, temos que não se encontra presente o pressuposto da tradição

das mercadorias, já que na operação de leasing a propriedade permanece sendo do

arrendador. Acreditamos que estas premissas são válidas tanto para o caso do

arrendamento mercantil na modalidade financeira quanto na modalidade

operacional, sendo incoerente a tributação pelo ICMS em ambos os casos.

No mesmo sentido, compreende Roque Antonio Carrazza, com toda clareza:

Reiteramos que, apesar de a Emenda Constitucional 33/2001 “permitir” que o ICMS incida “sobre a entrada de bem” ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, o arrendamento mercantil efetuado no exterior passa ao largo deste tributo, por não se encaixar em sua regra-matriz constitucional, originariamente traçada. Como se isto não bastasse, o próprio princípio da igualdade milita no sentido da não incidência. De fato, seria anti-isonômico tributar apenas o arrendamento mercantil efetuado no exterior. 169

Roque Carrazza traz a baila outro argumento importante pela não incidência

do ICMS sobre os contratos de arrendamento mercantil pactuados no exterior, em

torno da necessidade de ser conferido tratamento isonômico em relação aos

contratos pactuados no exterior e internamente. Devemos lembrar que em relação à

incidência do ICMS nos contratos internos, a jurisprudência já pacificou pela não-

incidência, nos termos da já destacada legislação complementar.

Embora compreendamos aqui pela impossibilidade de cobrança de ICMS

sobre quaisquer contratos de arrendamento mercantil, destacamos que parte da

169 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p.169.

Page 147: Leonardo Vanni.pdf

147

doutrina compreende como possível a incidência do ICMS nestas hipóteses,

considerando constitucionais as alterações promovidas pela Emenda Constitucional

nº 33 de 2001. José Eduardo Soares de Melo compreende neste sentido:

Evidente que as importações realizadas sob a égide das regras contidas na redação originária da CF-88 não possibilitavam a exigência do ICMS nas entradas no país de bens a título de leasing, pelo fato de não se tratar de mercadorias (não poderiam implicar naturalmente em transmissão de propriedades) e como bens, não poderiam ser consumidos (obrigação de sua devolução ao exterior), e nme contabilizados no ativo fixo do estabelecimento (não pertenciam aos importadores, permanecendo na titularidade dos proprietários domiciliados no exterior. (...) A modificação normativa objetivou abranger todas as espécies de importação, na medida em que o teto original era circunscrito à importação de “mercadoria e bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento”, tendo o novo preceito suprimido a referida destinação, ao dispor sobre a incidência tributária independente da finalidade da mercadoria ou bem. Portanto, o imposto é exigido sem considerar a destinação da coisa (bem ou mercadoria) importada (mercancia, industrialização, prestação de serviço, integração no ativo fixo, consumo, uso particular, etc).170

Com todo respeito à doutrina que compreende pela constitucionalidade da

Emenda Constitucional nº 33 de 2001, no que cria uma nova exação tributária, não

entendemos que isto possa ocorrer, como já tratado acima. Infelizmente, já decidiu o

Tribunal Pleno do STF exatamente neste sentido, nos autos do RE nº 206.069-1/SP

(01/09/2005), com a seguinte ementa:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. ARRENDAMENTO MERCANTIL - "LEASING". 1. De acordo com a Constituição de 1988, incide ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior. Desnecessária, portanto, a verificação da natureza jurídica do negócio internacional do qual decorre a importação, o qual não se encontra ao alcance do Fisco nacional. 2. O disposto no art. 3º, inciso VIII, da Lei Complementar nº 87/96 aplica-se exclusivamente às operações internas de leasing. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.

Examinando-se o voto da Ministra Ellen Gracie, relatora do Recurso, temos

que foi afastada a necessidade de análise do negócio jurídico que motivou a

170 MELO, José Eduardo Soares de. O ICMS e o Leasing na Importação. In: ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. CAMPILONGO, Paulo A. Fernandes (Org.). São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 23.

Page 148: Leonardo Vanni.pdf

148

importação, de forma que a mero ingresso físico de bens em território nacional seria

passível da incidência do ICMS, por presunção:

Assim, uma vez concretizada a importação mediante a entrada de mercadoria ou bem destinado ao ativo fixo, tem-se por ocorrida a circulação econômica, por presunção constitucional. (...) O fato é que a necessidade da análise dos negócios que motivaram a entrada da mercadoria importada para fins de verificação da possibilidade de tributação em ICMS, traria como conseqüência uma imensa dificuldade na imposição do tributo sobre a importação de um bem adquirido por força de contrato internacional que eventualmente não encontre correspondente no direito brasileiro.

Em assim sendo, prevaleceu o entendimento pelo qual o ICMS deverá incidir,

no caso das importações, em função da mero ingresso em território nacional,

configurando perfeita hipótese de adicional estadual do Imposto de Importação, o

que não se pode admitir, muito menos por ser esta exação criada por Emenda

Constitucional.

Da leitura do acórdão em tela verificamos que houve confusão entre o critério

material e o temporal, o que já destacamos anteriormente como algo bastante

comum até mesmo no âmbito da legislação, quando refere em relação ao termo fato

gerador. O legislador constituinte, no artigo 155, §2º, IX, “a”, fixou a entrada como o

momento da incidência do ICMS-Importação e não a sua materialidade, como quis

argumentar a Ministra Ellen Gracie. Sobre a destacada jurisprudência e mantendo o

mesmo entendimento aqui exposto, destacamos a opinião de Christine Mendonça:

O ICMS-Importação não incide sobre a entrada de mercadoria ou bem – esse é o critério temporal, ou seja, o momento em que se fixam os efeitos do nascimento da elação jurídica tributária. O comportamento possível de incidência é REALIZAR OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS OU BENS PROVENIENTES DO EXTERIOR. A alegação da Min. Relatora Ellen Gracie de que “a Constituição Federal elegeu o elemento fático “entrada de mercadoria importada” como caracterizador da circulação jurídica da mercadoria ou do bem e dispensou indagações acerca dos contornos do negocio jurídico realizado no exterior” vai de encontro ao direito posto. Como assim independe do negócio realizado? Caso o bem decorrente de entrada fosse de titularidade do próprio transportador, haveria incidência do

Page 149: Leonardo Vanni.pdf

149

ICMS-Importação? E se o negócio fosse gratuito? Por certo que não!171

Pode-se argumentar que a incidência do ICMS em quaisquer operações que

impliquem ingresso de bens em território nacional por bem equipara a carga

tributária de bens estrangeiros à carga tributária de bens nacionais; no entanto não

compreendemos que este seja o melhor entendimento. Este sentimento está

presente na compreensão do Supremo Tribunal Federal, como se observa na

proposta do Ministro Nelson Jobim, ao replicar o Ministro Marco Aurélio, nos autos

do RE nº 206.069/SP. No caso em tela, o Ministro Marco Aurélio argumentava que já

era posição da Corte pela não incidência do ICMS nas operações internas de

leasing, nos seguintes termos:

Nelson Jobim – Todas as compras de artigos simples seriam feitas pelo exterior. Marco Aurélio – Não sei, Excelência, mas vamos apagar do cenário nacional o leasing! Nelson Jobim – Não vamos apagar, vamos tratá-lo como tal. Marco Aurélio – Estou tratando-o como tal, com a devida vênia. Estou perquerindo a natureza do próprio instituto do leasing, deixando de fazer a distinção entre o leasing interno e o externo, que, para mim, nâo está contemplada em norma alguma. (grifo nosso)

Em assim sendo, resta claro que o argumento aqui é pelo tratamento

isonômico entre os bens nacionais e os importados, o que deverá ser levado em

consideração em matéria tributária, pela extrafiscalidade. No entanto, não seria

necessária a criação de uma nova exação, para tal temos o Imposto de Importação,

dotado de tal capacidade.

Nos autos do RE nº 461.968/SP (30/05/2007), também do Tribunal Pleno do

STF, outro entendimento foi adotado, afastando a incidência do ICMS-Importação,

conforme se observa:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. NÃO-INCIDÊNCIA. ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. ART. 155, II DA CB. LEASING DE AERONAVES E/OU PEÇAS OU EQUIPAMENTOS DE AERONAVES. OPERAÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. 1. A importação de aeronaves e/ou peças ou equipamentos que as componham em regime de leasing

171 MENDONÇA. Christine. O leasing na Importação e o ICMS. In: ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. CAMPILONGO, Paulo A. Fernandes (Org.). São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2008, p. 46.

Page 150: Leonardo Vanni.pdf

150

não admite posterior transferência ao domínio do arrendatário. 2. A circulação de mercadoria é pressuposto de incidência do ICMS. O imposto --- diz o artigo 155, II da Constituição do Brasil --- é sobre "operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior". 3. Não há operação relativa à circulação de mercadoria sujeita à incidência do ICMS em operação de arrendamento mercantil contratado pela indústria aeronáutica de grande porte para viabilizar o uso, pelas companhias de navegação aérea, de aeronaves por ela construídas. 4. Recurso Extraordinário do Estado de São Paulo a que se nega provimento e Recurso Extraordinário de TAM - Linhas Aéreas S/A que se julga prejudicado.

Importante destacarmos que no caso em tela, o Ministro Eros Grau, que havia

votado pela incidência do ICMS nos autos do RE nº 206.069-1/SP (01/09/2005),

entendeu pela não incidência, em função de vislumbrar impossibilidade de aquisição

do bem arrendado ao final do contrato, tratando-se o caso de arrendamento

mercantil diferenciada, o que posiciona esta jurisprudência em local que não encerra

a discussão. Dispôs o Ministro Eros Grau:

Por mais estranho que possa parecer, aqui é a normalidade que aparenta ser peculiar. Pois de arrendamento mesmo se trata nesses casos. Vale dizer: ainda que se fale em leasing, as arrendadoras permanecem, ao final do termo do contrato, proprietárias dos bens transferidos temporariamente ao uso das companhias de navegação aérea. Esse é um fato notório. Quando aeronaves e/ou peças ou equipamentos que componham são importadas em regime de leasing não se prevê a sua posterior transferência ao domínio do arrendatário. (...) E nem se alegue que se aplica ao caso o precedente do RE m. 206.069, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, no bojo do qual se verificava a circulação mercantil, pressuposto da incidência do ICMS. Nesse caso, aliás, acompanhei a relatora. Mas o precedente disse com a importação de equipamento destinado ao ativo fixo de empresa, situação na qual a opção do arrendatário pela compra do bem ao arrendador era mesmo necessária, como salientou a eminente relatora.

Temos, então, que o critério da presunção pela mera entrada e ausência

desnecessidade de verificação do negócio jurídico pactuado foi afastada, tendo a

análise em tela compreendido pela não incidência do ICMS, visto que não haveria

previsão de transmissão jurídica das aeronaves no objeto do contrato sob análise

naquela oportunidade.

Page 151: Leonardo Vanni.pdf

151

Atualmente, a matéria tem Repercussão Geral reconhecida (STF), nos autos

do RE nº 540.829/SP, o qual pende de julgamento desde 26/08/2010, tendo já sido

proferidos dois votos em favor da impossibilidade de tributação e um voto pela

possibilidade de incidência.

Page 152: Leonardo Vanni.pdf

152

CONCLUSÃO

A conclusão proposta em função do presente estudo leva em consideração

análise sistemática do direito positivo, no qual as normas constantes da Constituição

Federal ocupam posição principal, servindo, em última análise, de fundamento para

as demais normas do sistema. É pertinente à concepção de sistema que o próprio

seja responsável por regular suas alterações, impondo neste sentido limites àquilo

que pode vir a ser alterado.

A atual Constituição Federal é do tipo rígida, uma vez que são verificados

limites formais, circunstanciais e materiais quanto à possibilidade de alteração dela

mesma. Ao que aqui é relevante, destacamos que o artigo 60, §4º, IV, da Carta

Magna, impõe limite de ordem material, que impede seja objeto de deliberação

proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais.

A existência de garantias individuais, ou fundamentais, não somente é

percebida naquelas hipóteses onde o legislador constitucional expressamente

previu, mas também pode ser verificada por meio de interpretação sistemática,

partindo-se das normas mais abrangentes, os princípios constitucionais, até as mais

específicas ao caso.

A ordem tributária vigente encontra-se pormenorizadamente descrita na

Constituição, sendo possível argumentar pela existência de um sistema

constitucional tributário, obviamente inerente ao sistema constitucional. Este sistema

tributário no âmbito da Constituição conta com a existência de princípios próprios,

bem como reafirmações de princípios genericamente previstos no Texto Maior,

sendo que em ambos os casos é possível verificar feição própria que deve ser

adotada na interpretação de normas tributárias.

Como foi possível demonstrar no presente trabalho, o legislador constitucional

foi cuidadoso no sentido de proteger o patrimônio do particular, vedando a

possibilidade de excessos na interferência por meio de tributos. Este entendimento

pode ser abstraído simplesmente pela ponderação genérica do princípio

republicano, em relação ao qual destacamos não somente a ideia de um tipo de

governo oposto à monarquia, mas a concepção de sistema que visa garantia dos

direitos individuais, daquele que consentiu na tributação por meio da legalidade.

Page 153: Leonardo Vanni.pdf

153

Verificamos também a existência de princípios especificamente afetados à

matéria tributária, também estes no sentido de coatar a possibilidade de investidas

abusivas do Estado em nome da tributação, sendo expressamente informado que os

impostos deverão respeitar a capacidade contributiva, bem como prevista a vedação

de utilização de tributo com efeito de confisco.

O que buscamos demonstrar a respeito dos princípios constitucionais é que a

interpretação do sistema constitucional nos leva a compreender que em matéria

tributária é vedado abuso contra o patrimônio, conceito este de grande valia na

construção do direito fundamental que buscamos aqui identificar.

Destacamos ainda que o Estado atualmente vigente é federativo, implicando

dizer que será respeitada a autonomia dos entes da Federação que, no entanto, em

última análise, se submetem à mesma Constituição.

De forma a outorgar a referida autonomia, o sistema constitucional regula

estrito esquema de demarcação de competências legislativas, incluindo

competências tributárias próprias dos Estados, Distrito Federal e Municípios,

promovendo autonomia em sentido material. As competências tributárias foram

especialmente pormenorizadas no âmbito da Constituição, tendo sido escolha do

legislador constitucional pela minuciosa descrição das materialidades tributárias,

principalmente em relação aos impostos. O sistema de demarcação de

competências denota serem estas privativas, sendo reservados fatos econômicos

distintos, de acordo com a pessoa política, impossibilitando sobreposição de feixes

de competências.

Ainda de forma a impedir excesso no âmbito da tributação, o sistema

constitucional tributário apresenta norma que claramente encerra o rol de tributos

que podem ser instituídos, ao fazer previsão expressa quanto à hipótese de criação

de novos tributos, sendo esta possibilidade somente reservada à União, desde que

respeite limites formais, materiais e circunstanciais, de acordo com o artigo 154, da

Constituição Federal.

Portanto, compreendemos ser indiscutível que a Emenda Constitucional nº 33

de 2001 ultrapasse os limites impostos pela própria Constituição, tendo atentado

frontalmente contra garantia individual dos contribuintes, de apenas serem tributados

nas hipóteses previstas pelo legislados constitucional originário.

De forma a verificarmos este excesso, é imprescindível a correta demarcação

da competência outorgada aos Estados pertinente ao ICMS-Importação, para o que

Page 154: Leonardo Vanni.pdf

154

se propôs estudo quanto à materialidade deste tributo na redação original da

Constituição Federal, cotejando-a com o objeto da referida emenda.

A exação prevista pela redação original da Constituição Federal de 1988

contemplava como materialidade do ICMS-Importação o campo das operações

relativas à circulação de mercadorias, o que deve ser traduzido como o âmbito dos

atos de comércio relacionados à circulação jurídica de bens (mercadorias), núcleo

material este, que vimos, é comum ao ICMS incidente sobre as operações internas.

Ainda decorrente da mesma análise sobre os aspectos pertinentes ao ICMS-

Importação, destacamos o ponto comum das materialidades tributárias albergadas

pela sigla ICMS, consistindo no respeito à não-cumulatividade. A não-cumulatividade

é relacionada ao ICMS no âmbito da Constituição Federal, promovendo garantia

individual que corresponde ao crédito tributário do imposto incidente na etapa

anterior.

Por este motivo, somos da opinião de que, muito embora a não-

cumulatividade não se insira como elemento da regra-matriz deste imposto, esta

deverá ser respeitada como princípio e garantia individual. No entanto, conforme

visto em alguns casos, como o de importação promovida por pessoa física, qualquer

registro de crédito é inviável, uma vez que inexistirão operações comerciais

posteriores que permitam o escoamento do crédito.

O que resulta desta análise é a verificação de adicional estadual do imposto

de importação, este de competência da União Federal, nos termos do artigo 153, I,

do Texto Supremo. Como observado, a autorização que deriva da Emenda

Constitucional nº 33 de 2001 permite serem tributadas quaisquer ingressos de bens

estrangeiros no Brasil, mesmo que dissociados de operações mercantis.

Este entendimento, a nosso ver, não deveria ser recepcionado pelo Poder

Judiciário, pois permite a criação de tributo completamente novo, idêntico ao já

existente Imposto de Importação, o qual não respeita quaisquer das condições

previstas no artigo 154, da Constituição Federal.

Infelizmente, a criação da nova exação foi recepcionada pelo STF em alguns

casos, chegando o Supremo a entendimentos quase opostos sobre a matéria, sem

ter, contudo, sepultado todos os seus pontos, restando ainda em aberto a questão

da incidência do ICMS-Importação sobre os contratos de arrendamento mercantil.

Por óbvio, alguns compreenderão que o ICMS-Importação deverá de fato,

como pretendeu a EC nº 33 de 2001, incidir sobre quaisquer ingressos de

Page 155: Leonardo Vanni.pdf

155

mercadorias ou bens em território nacional, estes escorados talvez no princípio da

isonomia, buscando preservar a indústria nacional ao equiparar a tributação dos

itens importados aos itens nacionais. No entanto, somos da opinião que, se levada

em consideração análise eminentemente constitucional, as “inovações” trazidas pela

Emenda Constitucional nº 33 de 2001 não devem ser recepcionadas pelo Poder

Judiciário, devendo ser adotada interpretação que preserve a natureza mercantil

desse tributo, conforme efetiva vontade do Poder Constituinte Originário.

Page 156: Leonardo Vanni.pdf

156

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADEODATO, João Maurício. Teoria Retórica da Norma Jurídica e do Direito Subjetivo. São Paulo: Noeses, 2011.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 18.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2014.

ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. 9.ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2005.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

_______. Republica e Constituição. 3.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2011.

_______. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968.

_______. GIARDINO, Cleber. Núcleo da definição constitucional do ICM (operações, circulação e saída). In: Revista de Direito Tributário, n. 25-26. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1983.

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 15.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2014.

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12.ed. São Paulo: Forense, 2013.

_______. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1997.

BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Max Limonad, 1998.

BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2014.

BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011.

Page 157: Leonardo Vanni.pdf

157

_______. Sujeição passiva e responsabilidade tributária. São Paulo: Dialética, 2000.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6.ed. São Paulo: Noeses, 2013.

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. São Paulo: Edipro, 2014.

BORGES, José Souto Maior. Obrigação Tributaria: Uma Introdução Metodológica. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2007.

CARACCIOLO, Ricardo. Sistema jurídico y regla de reconocimiento. Espanha: Universidad de Alicante, 1991.

CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU. São Paulo: Ed. Juruá, 1992.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013.

_______. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012.

_______. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Ed. Noeses, 2010.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011.

_______. Direito Tributário – Linguagem e Método. 4.ed. São Paulo: Noeses, 2011.

CHIESA, Clélio. EC 33 – Dois novos impostos rotulados de ICMS. In: Revista Dialética de Direito Tributário n. 90. São Paulo: Ed. Dialética, mar. 2003.

_______. ICMS: Sistema Constitucional Tributário – algumas inconstitucionalidades da LC 87/96. São Paulo: Editora LRT, 2007

Page 158: Leonardo Vanni.pdf

158

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário. 10.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006.

_______. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

CORDEIRO, Ricardo de Assis Souza. A pessoa física como sujeito passivo do ICMS-Importação: a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 33/2001. Dissertação de Mestrado. São Paulo, 2013.

COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. São Paulo: Malheiros, 2006.

_______. Praticabilidade e Justiça Tributária – Exeqüibilidade de Lei Tributária e Direitos do Contribuinte. São Paulo: Ed. Malheiros, 2007.

DERZI, Misabel Abreu Machado. Irretroatividade do Direito Tributário. Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. MELLO, Celso Antonio Bandeira de (Org.). São Paulo: Malheiros, 2007.

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2.ed. São Paulo: Martins, 2005.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Conceito de sistema no direito: uma investigação histórica a partir da obra jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012.

GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária - Fundamentos para uma teoria da nulidade. 2.ed. São Paulo: Editora Noeses, 2011.

GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda. São Paulo: Ed. Malheiros, 1997.

_______. Isonomia na norma tributária. 1.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1993.

GRECO, Marco Aurélio. Curso de Direito Tributário. v.2. 2.ed. Belém: Ed. Cejup, 1993.

Page 159: Leonardo Vanni.pdf

159

GRUPENMACHER, Betina Treiger. O ICMS na Importação em Nome Próprio, por Encomenda e por Conta e Ordem de Terceiros. In: Grandes questões atuais do direito tributário. v.12. ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). São Paulo: Dialética, 2008.

HORVATH, Estevão. O princípio do não-confisco no direito tributário. 1.ed. São Paulo: Editora Dialética, 2002.

JESUS, Fernando Bonfá de. ICMS - Aspectos Pontuais. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

JESUS, Isabela Bonfa de. Manual de Direito Tributário. São Paulo: RT, 2014.

KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. São Paulo: Ed. Safe, 1986.

_______. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

LEÃO, Cristiano Maciel Carneiro. A Emenda Constitucional 33/01 e o "novo" ICMS – importação: manutenção da "transferência de titularidade" como núcleo constitucional da materialidade do ICMS – importação. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2007.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2012. _______. O ICMS e a Emenda 33. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 80. São Paulo: Dialética, 2002.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 37.ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31.ed. São Paulo: Ed Malheiros, 2014.

MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012.

_______. Importação e Exportação no Direito Tributário: impostos, taxas e contribuições. 3.ed. São Paulo: Ed. RT, 2014.

Page 160: Leonardo Vanni.pdf

160

_______. O ICMS e o Leasing na Importação. In: ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. CAMPILONGO, Paulo A. Fernandes (Org.). São Paulo: Quartier Latin, 2008.

MENDONÇA, Cristiane. Competência tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004.

_______. O leasing na Importação e o ICMS. In: ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. CAMPILONGO, Paulo A. Fernandes (Org.). São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2008.

MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. 2.ed. São Paulo: Noeses, 2011.

NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Editora Saraiva, 1998. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 9.ed. rev. atual. São Paulo: Editora Saraiva, 1989.

OLIVEIRA, Julio Maria de. O princípio da legalidade e sua aplicabilidade ao IPI e ao ICMS. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008.

RIZZARDO, Arnaldo. Leasing: arrendamento mercantil no Direito brasileiro. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

SALOMÃO, Marcelo. O ICMS na importação após a Emenda 33 de 2001. In: IV Congresso Nacional de Estudos Tributários: Tributação e Processo. SANTI, Eurico Marco Diniz de (Org.). São Paulo: Noeses, 2007.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. 2.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Curso de Especialização em Direito Tributário. São Paulo: Forense, 2005. SILVA, Jean Paolo Simei e. ICMS na importação de mercadorias e bens e a emenda constitucional 33/01. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2011.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009.

Page 161: Leonardo Vanni.pdf

161

SILVERIO, Adriano Gonzales. ICMS - importação de mercadorias/bens sob a ótica constitucional: a determinação do sujeito ativo. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2011. SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Edição póstuma. São Paulo: Editora Resenha Tributária, 1975.

SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 2.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 8.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4.ed. São Paulo: Noeses, 2014.

XAVIER, Alberto. Os princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.

ZOTELLI, Valéria. O sujeito ativo do ICMS importação: interpretação do art. 11, I, "d", da Lei Complementar 87/96 de acordo com a Constituição Federal. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2008.