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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
LEONARDO VANNI
A MATERIALIDADE DO ICMS-IMPORTAÇÃO E A EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 33 DE 2001
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2014
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP
LEONARDO VANNI
A MATERIALIDADE DO ICMS-IMPORTAÇÃO E A EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 33 DE 2001
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação da Professora Doutora Elizabeth Nazar Carrazza.
SÃO PAULO
2014
BANCA EXAMINADORA
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____________________________________
____________________________________
AGRADECIMENTOS
A esta universidade, seu corpo docente, direção e administração que
oportunizaram, direta e indiretamente, a promoção do presente estudo, o qual tem
grande significado em minha vida pessoal e profissional.
À minha orientadora, Professora Elizabeth Nazar Carrazza, pelo suporte, mas
principalmente pelo exemplo de mestre e pessoa.
Aos meus pais, pelo amor, incentivo e apoio incondicional.
Aos amigos Isabela e Fernando Bonfá, pelo incentivo e pela confiança.
A todos aqueles na minha vida que, de alguma forma, contribuíram no meu
desenvolvimento como indivíduo e profissional.
EPÍGRAFE
De fato nada aprendi sem que tenha partido, nem ensinei ninguém sem
convidá-lo a deixar o ninho. Partir exige um dilaceramento que arranca uma parte do
corpo à parte que permanece aderente à margem do nascimento, à vizinhança do
parentesco, à casa e à aldeia dos usuários, à cultura da língua e à rigidez dos
hábitos. Quem não se mexe nada aprende. Sim, parte, divide-te em partes. Teus
semelhantes talvez te condenem como um irmão desgarrado. Eras único e
referenciado. Tornar-te-ás vários, às vezes incoerente como o universo que, no
início, explodiu, diz-se, com enorme estrondo. Parte, e tudo então começa.
Partir. Sair. Deixar-se um dia seduzir. Tornar-se vários, desbravar o exterior,
bifurcar em algum lugar. Eis as três primeiras estranhezas, as três variedades de
alteridade, os três primeiros modos de se expor. Porque não há aprendizado sem
exposição.
Michel Serres
RESUMO
O presente trabalho tem a intenção de investigar a respeito dos efeitos
decorrentes da inserção proposta pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, a qual
entendemos ter criado uma nova exação tributária semelhante ao Imposto de
Importação, mas de competência dos Estados e do Distrito Federal.
Neste sentido, buscamos compreender a opinião da mais moderna doutrina
sobre a matéria, a fim de estarmos munidos de instrumentos capazes de
compreender quanto à adequação da referida Emenda ao contexto constitucional
atual.
A investigação em tela inicia pelas particularidades do imposto sobre
circulação de mercadorias (ICMS), de forma a cotejá-lo com a incidência deste
mesmo imposto sobre operações de importação. Neste ponto, defenderemos que o
imposto estadual incidente sobre importação de mercadorias não constitui espécie
tributária autônoma, devendo ostentar coerência com a materialidade do imposto
incidente nas operações internas.
Seguindo no mesmo sentido, o estudo em questão atingirá seu objetivo ao
adentrar especificamente nas alterações promovidas pela referida Emenda
constitucional, de forma a demonstrar que ao “alargar” a competência tributária dos
Estados e do Distrito Federal, o legislador constituinte derivado restou por ferir
direito fundamental do contribuinte, portanto incorrendo em inconstitucionalidade nos
termos do inciso IV, §4º, artigo 60 da Constituição Federal.
Finalmente, iremos investigar casos emblemáticos da jurisprudência
envolvendo as particularidades da alteração promovida pela Emenda Constitucional
nº33 de 2001, de acordo com os conceitos apreendidos nos capítulos anteriores,
firmando opinião quanto aos casos analisados.
Palavras-chave: Imposto. Emenda Constitucional. Competência Tributária. ICMS.
Importação.
ABSTRACT
This paper intends to investigate into the effects related to the insertion
proposed by Constitutional Amendment No. 33 of 2001, which we understand to
have created a new tax exaction similar to import duty, but to be imposed by the
States and the Federal District.
In this sense, we seek to understand the views of the more modern doctrine
on the matter, in order to be equipped with instruments capable of understanding the
appropriateness of the amendment to the current constitutional context.
Research on screen starts with the details of tax on merchandise operations
(ICMS), in relation with the incidence of this same tax on import operations (ICMS-
Importação) with merchandise. At this point, we will hold that the incident on the
import of goods does not constitute an autonomous state tax tax species and should
bear consistency with the materiality of the tax levied on domestic operations (ICMS).
Following the same lines, the study in question will reach it´s goal entering
specifically into the changes performed by that Constitutional amendment in order to
demonstrate the "extension" of the taxing power of the states and the Federal
District, made by the constitutional legislator derived, hurting taxpayer individual
guarantee, thus being unconstitutional under item IV, § 4, Article 60 of the present
Federal Constitution.
Finally, we will investigate the emblematic cases involving the particularities of
change promoted by Constitutional Amendment No. 33, 2001, in accordance with the
concepts learned in previous chapters, firming opinion about the cases analyzed.
Keywords: Tax. Constitutional Amendment. Jurisdiction Tax. ICMS (VAT). Import
VAT.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10
CAPÍTULO I – SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO.................................... 14
1.1 Sistema do direito positivo ................................................................................... 14
1.2 Sistema constitucional brasileiro ......................................................................... 18
1.2.1 Conceito de constituição ............................................................................... 20
1.2.1.1 Limites ao poder constituinte derivado ....................................................... 22
1.3. Sistema constitucional tributário ......................................................................... 27
1.3.1 Competência tributária .................................................................................. 28
1.4 Diferença entre princípios e regras constitucionais ............................................. 36
1.5 Princípios que devem ser observados ................................................................ 40
1.5.1 Princípios gerais relacionados com a matéria ............................................... 40
1.5.1.1 Princípio republicano .................................................................................. 41
1.5.1.2 Princípio federativo .................................................................................... 46
1.5.2 Princípios especialmente relacionados em matéria tributária ....................... 49
1.5.2.1 Princípio da legalidade ............................................................................... 50
1.5.2.2 Princípios da igualdade (isonomia) e da capacidade contributiva .............. 53
1.5.2.3 Princípio da proibição de tributação com efeito de confisco ...................... 60
1.5.2.4 Princípio da não-cumulatividade ................................................................ 65
1.5.2.4.1 Violação do princípio da não-cumulatividade em função da Emenda
Constitucional nº 33 de 2001 no caso do ICMS-Importação .................................. 73
CAPÍTULO II – ANÁLISE DO ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL DO ICMS-
IMPORTAÇÃO .......................................................................................................... 76
2.1 Antecedente normativo........................................................................................ 80
2.1.1 Critério material da regra matriz de incidência .............................................. 80
2.1.1.1 Vocábulo circulação ................................................................................... 85
2.1.1.2 Vocábulo operação .................................................................................... 86
2.1.1.3 Vocábulo mercadorias ............................................................................... 88
2.1.2 Critério espacial da regra matriz ................................................................... 92
2.1.3 Critério temporal da regra matriz .................................................................. 95
2.2 Consequente normativo .................................................................................... 100
2.2.1 Critério quantitativo da regra matriz ............................................................ 100
2.2.1.1 Base de cálculo do ICMS-Importação ...................................................... 106
2.2.2 Critério pessoal da regra matriz .................................................................. 110
CAPÍTULO III - DA MATERIALIDADE DO ICMS-IMPORTAÇÃO NA REDAÇÃO DA
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº33 DE 2001 ......................................................... 119
3.1 Direito fundamental de apenas ser tributado nos termos da Constituição ........ 126
3.1.1 Direito fundamental de apenas ser tributado nos estritos termos da redação
original da Constituição Federal ........................................................................... 127
3.2 ICMS-Importação incidente sobre a pessoa física e sobre não-contribuintes do
imposto .................................................................................................................... 131
3.3 ICMS-Importação incidente sobre o Ingresso de bens em contratos de
arrendamento mercantil .......................................................................................... 140
CONCLUSÃO .......................................................................................................... 152
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 156
10
INTRODUÇÃO
Em função do princípio da estrita legalidade tributária, a cobrança de tributo
somente pode existir uma vez que instituída por lei, de forma pormenorizada, de
acordo com todos os critérios da regra-matriz de incidência da exação em questão.
A lei instituidora do tributo, por sua vez, deverá buscar seu fundamento de
validade na Constituição Federal, na qual restam elencadas todas as materialidades
tributárias possíveis, de acordo com o ente político que tem a capacidade de criá-la.
em sistema constitucional de repartição de competências tributárias.
O objeto do presente trabalho consiste no fato da Emenda Constitucional nº
33, de 11 de dezembro de 2001, ter promovido modificação no âmbito do sistema de
atribuição de competências, o que veremos não poderia ter ocorrido. Isso porque a
referida alteração da Lei Maior teve por efeito a criação de um novo tributo, capaz de
ser exigido no ingresso de bens e mercadorias em território nacional,
independentemente do objetivo da importação, tributo este também albergado sob
sigla ICMS.
Em relação ao ICMS incidente sobre as Importações (ICMS-Importação), o
Texto Constitucional, em sua redação original, limitava a competência tributária dos
Estados e do Distrito Federal às entradas de mercadorias. Na redação original,
assim dispunha a alínea “a”, inciso IX do artigo 155 da Constituição Federal de 1988
(CF/88):
Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. (…) §2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...) IX - incidirá também: a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço. (grifo nosso)
11
De acordo com a redação original da alínea “a”, IX, §2º, do artigo 155 da
Constituição Federal, verificamos que o ICMS incidente nas operações de
importação ostenta coerência material com o ICMS incidente sobre as operações
internas, sendo somente possível a instituição do imposto em relação aos bens que
ingressem no país com objetivo comercial.
Advertimos que incidência do ICMS não se relaciona com a importação
propriamente dita, uma vez que a competência para a tributação deste fato foi
outorgada à União, por meio do Imposto de Importação 1 . No caso do ICMS-
Importação, o que é possível tributar é a incorporação de determinada mercadoria a
ciclo econômico, que será desenvolvido em território brasileiro. Há, claramente, a
distinção necessária para que se delimite a competência tributária de cada um das
pessoas políticas. Em sendo assim, correta a classificação do ICMS-Importação em
conjunto com o “imposto sobre a circulação de mercadorias”, como destacado no
item anterior. Contrario sensu, de acordo com a distinção apontada, entende-se que
não incide o ICMS-Importação nos casos de importação de bens de consumo,
promovida por não-contribuinte do imposto, por exemplo, conforme já se manifestou
o STF nos autos do RE nº 185.789-7/SP.
Neste contexto, a partir da edição da Emenda Constitucional nº 33 de 2001
(EC nº 33/01), passou a ser a disposição constitucional da alínea “a”, inciso IX do
artigo 155 da Constituição Federal que o ICMS incidirá também:
a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (grifo nosso)
Constatamos, portanto, que a referida emenda promoveu ‘alargamento” das
materialidades passíveis de incidência pelo ICMS, de forma que qualquer entrada
pode ser escolhida pelo legislador infraconstitucional como objeto de incidência do
ICMS-Importação. Esta, no entanto, não é a posição defendida pelo presente
trabalho, como veremos a seguir.
A nosso ver, a alteração constitucional objeto do presente estudo fez surgir
um novo tributo, o que desrespeita garantia fundamental do contribuinte, de apenas
1 Conforme artigo 153, inciso III da Constituição Federal de 1988.
12
ser tributado nos estritos termos exauridos pelo legislador constituinte originário, em
afronta direta ao artigo 60, §4º, inciso IV, da Constituição Federal.
De modo a demonstrar as inconstitucionalidades que permeiam a alteração
promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 o presente trabalho propõe
análise dividida em duas partes, sendo a primeira relacionada a conceitos gerais
aplicáveis à matéria e a segunda dedicada especificamente às alterações
promovidas pela referida emenda.
Nesta parte geral, o estudo busca traçar o conceito de sistema constitucional,
demonstrando hierarquia existente entre as normas constitucionais, bem como a
hierarquia existente entre os poderes constituintes, se originário ou derivado.
Ainda no âmbito do estudo geral da matéria constitucional aplicável,
buscamos analisar o sistema constitucional tributário, principalmente no que diz
respeito à sistemática de repartição das competências tributárias. No mesmo
sentido, ainda, buscaremos analisar os mais implicados princípios constitucionais,
úteis na verificação da inconstitucionalidade promovida pela Emenda Constitucional
nº 33 de 2001.
Dando continuidade ao estudo, buscaremos investigar o ICMS-Importação em
contraposição com o estudo a respeito da regra-matriz do ICMS incidente nas
operações internas com mercadorias, de forma a demonstrar a inexistência de uma
materialidade completamente dissociada no caso das operações provenientes do
exterior.
Avançando na parte especifica do presente estudo, analisaremos
pormenorizadamente a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de
2001, de forma a demonstrar que a referida emenda deve ser compreendida por
inconstitucional, sendo que para tal nos valeremos de conceitos construídos na parte
geral deste estudo.
Finalmente, o estudo em tela tratará em específico de dois casos já debatidos
no âmbito da jurisprudência, diretamente implicados pelas alterações promovidas
pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, o caso das importações promovidas por
pessoas físicas e não-contribuintes do ICMS e o caso das importações decorrentes
de contratos de arrendamento mercantil.
De acordo com a análise acima exposta, nas razões que passamos a arguir,
veremos que a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 não
pode ser recepcionada de forma a outorgar nova competência tributária às unidades
13
da Federação. No entanto, como veremos, esta não tem sido a interpretação
majoritária no âmbito da jurisprudência.
14
CAPÍTULO I – SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO
1.1 Sistema do direito positivo
Preliminarmente, devemos aqui observar que o estudo em tela tem como
premissa a percepção do direito positivo organizado como um “sistema”, o que nos
auxiliará a compreender melhor nosso objeto de estudo, bem como nos possibilitará
a interpretação mais adequada do problema a que aqui nos dedicamos.
Para tal, devemos num primeiro momento advertir que o conceito que aqui se
busca do vocábulo “sistema” é específico, de maneira que deveremos descartar
quanto às ambiguidades que pairam sobre este conceito, conforme adverte Tércio
Sampaio Ferraz2. Como explica o referido autor, o termo “sistema” encontra sua
origem etimológica na expressão grega systema, a qual corresponderia à noção de
junção, de conglomerado, sendo que atualmente ao termo é agregada a ideia de
ordem ou organização.
Por sua vez, Norberto Bobbio 3 também adverte quanto à pluralidade de
significados que o vocábulo sistema alberga, fazendo especialmente menção a três
significados do termo em matéria jurídica. O primeiro significado compreende que o
ordenamento jurídico pode ser compreendido como um sistema quando todas as
normas derivem de uma mesma matriz, quais sejam os “princípios gerais do direito”.
A segunda concepção do termo sistema é oposta à anterior, propondo
raciocínio no sentido inverso, partindo do conteúdo de simples normas para atingir
conceitos gerais em direito. O terceiro sentido refere-se à ideia de coerência, que
deve ostentar aquilo a ser denominado de sistema, a qual se afirmaria nas hipóteses
de antinomia de normas, uma vez que ambas as normas, ou uma delas, deverá ser
expulsa, promovendo coerência que permite seja verificado um verdadeiro sistema.
2 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Conceito de sistema no direito: uma investigação histórica a partir da obra jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p.8. 3 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. São Paulo: Edipro, 2014, p. 76.
15
Por sua vez, Lourival Vilanova4 refere-se ao conceito de sistema aplicado ao
direito nos seguintes termos, os quais certamente auxiliam a construir um conceito
que buscamos:
As proposições normativas integrantes do sistema jurídico têm o mais variado conteúdo. São formas que se saturam com referências a fatos-do-mundo. A unidade do sistema jurídico é formal. Não provém da homogeneidade de uma região de objetos. Objetos de regiões diversas no sistema do Direito se encontram: um fato geográfico, como o curso de um rio; um fenômeno biológico, como a vida; outro psicológico como a intenção dolosa; (....) O que interliga proposições normativas tão variadas em conteúdo é o fundamento-de-validade que cada uma tem no todo. (...) Na norma fundamental reside o fundamento-limite de validade e dela, por inferência, não se podem sacar as proposições da Constituição positiva, ou as leis ordinárias ditadas com o apoio nos preceitos da Constituição.
Conforme se verifica em todos os conceitos trazidos, a percepção de sistema
pressupõe a concepção de classe, de forma a somente pertencer ao sistema
aquelas normas que ostentem pertinência com este, satisfazendo a condição
específica que permite a distinção de determinada classe.
A fim de verificar-se a relação entre sistema e classe, podemos trazer à tona
a fórmula empregada na teoria das classes, qual seja “x pertence a K”, significando
dizer que todo indivíduo x que satisfizer as características definitórias da classe K a
esta pertencerá.
Por meio da teoria das classes e em relação aos sistemas normativos, como
o que aqui buscamos estudar, o doutrinado argentino Ricardo Caracciolo, em
entendimento aproximado ao de Hart, destaca a existência de dois critérios
verificáveis, os quais desempenham a condição de pertinencialidade: a
dedutibilidade e a legalidade:
Herbert Hart sostiene la tesis según la cual, la existencia de un sistema jurídico depende necesariamente de la utilización compartida de criterios de validez jurídica. (...) El contenido mínimo de la formulación lingüística de semejante regla es la mención de criterios de validez, o lo que es lo mismo - al
4 VILANOVA, Lourival. Estruturas Lógicas e o Sistema de Direito Positivo. 4.ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 128.
16
menos, en principio – de criterios de identificación,; una norma pertenece al sistema jurídico S, si, y sólo si, satisface alguno de los criterios formulados en la regla de reconocimiento de S.5
A distinção aqui proposta em relação aos critérios de pertinencialidade do
sistema normativo leva em consideração a concepção de Kelsen6, para o qual se
poderia perceber o sistema como estático ou dinâmico. O sistema é percebido como
estático, quando em relação à norma fundamental é possível ser deduzida a partir
das demais normas do sistema, apresentando também clara identificação de
conteúdo. Em relação aos sistemas dinâmicos, são identificados nos casos onde a
norma fundamental somente promove o fundamento de validade das demais, não
havendo identificação de conteúdo que permita que uma norma seja deduzida em
função da outra. O sistema de norma que se apresenta como uma ordem jurídica
tem essencialmente um caráter dinâmico, já que uma norma jurídica não vale
porque tem determinado conteúdo pressuposto e fixo por outra norma, o que permite
seja o sistema mutável, dinamicamente sensível às mudanças sociais.
A distinção em tela quanto às percepções possíveis do fundamento de
validade que define um sistema normativo nos leva a outra distinção conceitual,
entre os vocábulos “sistema do direito positivo” e “ordenamento jurídico”. Por
sistema do direito positivo compreendemos o conjunto de normas estaticamente
consideradas, de forma que por ordenamento jurídico compreendemos o conjunto
de normas dinamicamente sobrepostas, sendo que o último leva em consideração a
existência de diversos sistema distintos, de acordo com o tempo e com as normas,
as quais são recepcionadas e expulsas pelo próprio sistema.
Tárek Moysés Moussallem7 bem define a distinção que aqui se busca tração,
ao referir-se a respeito dos critérios que definem o ordenamento jurídico (OJ), a
partir da conjunção de diversos sistemas de direito positivo (SDP), existentes no
tempo:
Assim o conjunto OJ é composto por vários subconjuntos denominados SDP1, SDP2, SDP3, SDPN, sucessivos nos t1, t2, t3, tN, modificados por expansão, contração ou revisão de acordo com as regras constitutivas de introdução e de eliminação. O
5 CARACCIOLO, Ricardo. Sistema jurídico y regla de reconocimiento. Espanha: Universidad de Alicante, 1991, p. 10. 6 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 1.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 215. 7 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Revogação em matéria tributária. 2.ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 131.
17
ordenamento jurídico não é um conjunto de normas, mas, sim, uma sequência temporal de conjuntos de normas.
De forma clara, também explana Geraldo Ataliba8, a respeito do conceito de
sistema, em obra inteiramente dedicada ao tema na área tributária:
5- Assim, o estudo de qualquer realidade, seja natural, seja cultural – quer em nível científico, quer didático, será mais proveitoso e seguro, se o agente é capaz de perceber e definir o sistema formado pelo objeto e aquêle maior, no qual este se insere. Se se trata de produto cultural ainda que o esforço humano que o produziu não tenha sido consciente de elaborar um sistema, previamente deliberado nesse sentido, deve procura-lo e apreendê-lo o observador ou intérprete. 6- O objeto deste estudo é o sistema constitucional tributário brasileiro composto de realidades jurídica produto da inteligência e da vontade do homem: o conjunto de normas constitucionais, chamado de constituição.
Conforme podemos observar das definições trazidas acima, o conceito de
sistema compreende a aglomeração de elementos, os quais restam agrupados uma
vez que apresentam característica comum. Esta característica vem a ser o critério de
pertinencialidade que classifica os elementos nesta classe, garantindo unidade e
coerência ao sistema.
Pelas razões acima expostas, compreendemos que o direito positivo constitui
verdadeiro sistema, o qual é formado a partir do conjunto de enunciados, em relação
aos quais são formuladas as normas jurídicas. As normas em questão estão
organizadas de forma coerente, uma vez que todas derivam umas das outras e
foram criadas de acordo com os critérios da legalidade.
Neste sentido, tornamos presente a compreensão de Hans Kelsen, para o
qual os enunciados prescritivos e os instrumentos introdutórios de outras normas
são verificados de forma hierarquizada, de forma que as normas buscam sua
validade nas normas escalonadas imediatamente acima. De acordo com a doutrina
de Kelsen, o fundamento máximo das normas presentes no sistema seria a
Constituição, a qual deverá também encontrar fundamento em norma superior, a
qual, no entanto, não estaria posta no sistema. Neste sentido, refere-se o autor9:
8 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 4. 9 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. São Paulo: Ed. Safe, 1986, p. 328.
18
A norma fundamental de uma ordem jurídica ou moral positivas – com evidente do que precedeu – não é positiva, mas meramente pensada, e isto significa uma norma fictícia, não o sentido e um real ato de vontade, mas sim de m ao meramente pensado. Como tal, ela é uma pura ou verdadeira ficção no sentido vaihingeriana Filosofia do Como-Se, que é caracterizada pelo fato de que ela não somente contradiz a realidade, como também é contraditória em si mesma. (...) O fim do pensamento da norma fundamental é: o fundamento de validade das normas instituintes de uma ordem jurídica ou moral positiva, é a interpretação do sentido subjetivo dos atos ponentes dessas normas como de seu sentido objetivo; isto significa, porém, como norma válidas, e dos respectivos atos como atos ponentes de norma. Este fim é atingível apenas pela via da ficção.
O conceito de sistema consiste na reunião ordenada de várias partes que
formam um todo, desempenhando neste contexto cada qual sua função, de acordo
com previsão constante e produzida pelo próprio sistema, de forma que umas dão
razão às demais.
1.2 Sistema constitucional brasileiro
O conceito de sistema constitucional está fundamentado na noção de que as
normas existentes encontram-se organizadas de forma hierárquica, buscando
sempre fundamentação em norma superior, até a Constituição. Inexistindo a relação
de subordinação em tela, a norma perde seu fundamento de validade, devendo ser
expelida do sistema, na forma também prescrita pelo próprio sistema, seja por
revogação ou declaração de inconstitucionalidade, conforme previsão atualmente
vigente no Brasil.
O conceito de sistema constitucional pressupõe, necessariamente, a ideia de
supremacia da Constituição. Isso significa dizer que as demais normas, emitidas em
qualquer nível do sistema, sejam gerais ou individuais, abstratas ou concretas,
deverão estar em conformidade com a Constituição.
Devemos destacar que a Constituição vigente é rígida no que diz respeito a
sua forma de alteração. Isso porque a Constituição somente pode ser alterada
naquilo que é estipulado pela própria Carta Magna e, para tal, deverá ser respeitado
rito diferenciado.
19
A rigidez constitucional serve para afirmar quanto à supremacia da
Constituição em relação aos demais textos legais, como bem observa José Afonso
da Silva:
Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção do ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas. (....) Nossa Constituição é rígida. Em conseqüência, é a lei fundamental e suprema do Estado brasileiro. Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais. Nem o governo federal, nem os governos dos Estados, nem os dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Exercem suas atribuições nos termos nela estabelecidos. Por outro lado, todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se conformarem com as normas da Constituição Federal10.
Também em relação à supremacia da Constituição, bem resume Roque
Antonio Carrazza:
O que estamos procurando ressaltar é que a Constituição não é um mero repositório de recomendações, a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional, pelo administrador público e pelo juiz. Afinal, são elas que protegem os cidadãos das eventuais arbitrariedades estatais11.
Devemos observar, ainda, que a supremacia da Constituição confere a esta
caráter de imperatividade, impondo àqueles que a elas se submetem, até mesmo o
Estado, dever de obediência. Esta supremacia, formal e material, se deve ao fato de
que na Constituição estão albergados os mais importantes valores de uma
sociedade, que constam da Constituição para que sejam protegidos.
10 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 47. 11 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 35.
20
De acordo com o conceito de sistema, dotado de unicidade e harmonizado,
observamos que as normas publicadas deverão encontrar sua validade em outras
normas, de hierarquia superior, de maneira que, em última análise, estas normas
deverão ser válidas em relação à Constituição Federal.
Em assim sendo, passemos ao estudo do conceito de Constituição, o qual se
faz necessário para compreendermos qualquer matéria tributária no âmbito do
direito brasileiro, haja vista o extenso tratamento dado à matéria em nível
constitucional.
1.2.1 Conceito de constituição
Conforme já podemos conceituar do quanto vimos acima, por Constituição
compreendemos a norma de maior hierarquia dentre as normas postas do sistema,
em relação a qual todas as demais normas extraem validade, em última análise. No
entanto, o conceito de Constituição, tão importante em matéria tributária, alberga
outras características, as quais veremos a partir dos conceitos extraídos da doutrina.
Comecemos pela posição de Paulo Gustavo Branco e Gilmar Ferreira
Mendes, os quais advertem em relação à pluralidade de conceitos albergados sob o
signo Constituição, trazendo à tona as diversas posições da doutrina, em relação as
quais destacamos a anotação que faz sobre Konrad Hesse, nos seguintes termos 12:
Mas, voltando a Konrad Hesse, diz-nos esse publicista que a Constituição deve ser entendida como a “ordem jurídica fundamental de uma comunidade ou o plano estrutural para a conformação jurídica de uma comunidade, segundo certos princípios fundamentais”, uma tarefa cuja realização só se torna possível porque a Lei Fundamental: - fixa os princípios diretores segundo os quais se deve formar a unidade política e desenvolver tarefas estatais; - define os procedimentos para a solução dos conflitos no interior da comunidade; - disciplina a organização e o processo de formação da unidade política e da atuação estatal; e,
12 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 34.
21
- cria as bases e determina os princípios de ordem jurídica global.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho13 destaca a Constituição a partir do exercício
de poder que esta representa, nos seguintes termos:
Aplicando ao Estado, o termo “Constituição” em sua acepção geral pode designar a sua organização fundamental total, quer social, quer política, quer jurídica, quer econômica. E na verdade tem ele sido empregado – às vezes – para nomear a integração de todos esses aspectos – a Constituição total ou integral. (...) Por organização jurídica fundamental, por Constituição em sentido jurídico, entende-se, segundo a lição de Kelsen, o conjunto das normas positivas que regem a produção do direito. Isto significa, mais explicitamente, o conjunto de regras concernentes à forma de Estado, à fora do governo, ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos, aos limites de sua ação.
No mesmo sentido, José Afonso da Silva, verbis:
A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organizam os elementos constitutivos do Estado14.
Nas palavras de J.J. Gomes Canotilho 15 sobre o atual papel das
Constituições, denota-se que o entendimento de que na Carta Magna
encontraremos apenas limites ao poder legiferante, nos seguintes termos:
A pirâmide jurídica deve ser superada impondo-se uma visão muito mais complexa e realista do direito da ordem jurídica. (...) E o que fica da constituição como norma? E o que fica da constituição como ordem? Ficam as duas coisas – norma e ordem –
13 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, p. 37. 14 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 39. 15 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2007, p. 1155.
22
mas com um sentido diverso do tradicional. A constituição continua a ser uma ordem-quadro moral e racional do discurso político e uma norma fundamente e superior do ordenamento jurídico, estruturada com base em regras e princípios identificadores de nossa comunidade jurídica.
Observamos como núcleo das definições acima relacionadas que a
Constituição existe como fundamento do Poder do Estado, de forma que a todos os
demais, inclusive ao Estado, é devida obediência à Constituição, a partir de conceito
de que somente o poder derivado da Carta Magna é soberano. No entanto, mais
merece ser observado a respeito do poder constituinte.
1.2.1.1 Limites ao poder constituinte derivado
Ainda em relação ao poder constitucional, importante destacarmos a
diferença entre o poder constituinte originário e o poder constituinte derivado ou
reformador, o que se faz ainda mais importante, pois o tema do presente estudo é
exatamente em torno da alteração promovida na Constituição por meio do poder
constituinte derivado.
Poder constituinte originário é aquele que cria um novo Estado ou substitui
outro já existente, de forma que nenhum outro poder lhe antecede, ou existe acima
desse. O constituinte originário tudo pode; a ele cabe descrever o Estado, dispor
como ele será. Por estes motivos, o poder constituinte originário possui três
características básicas, a saber: é inicial, ilimitado e é incondicionado.
Por sua vez, o poder constituinte reformador é aquele que deriva de
Constituição já existente, conforme construída pelo legislador originário. Vemos aí
grande diferença existente entre ambas as sortes de poder constituinte, quer dizer, o
poder derivado observa, sim, limite ao seu exercício, uma vez que existe somente
em função de previsão do próprio texto constitucional, carecendo da autonomia e
incondicionalidade que observamos no poder constituinte originário.
No que diz respeito às limitações impostas ao legislador derivado, este não
poderá adentrar nas matérias especificadas em seu artigo 60, no § 4º, da
Constituição Federal, quais sejam aquelas matérias escolhidas para restarem
23
petrificadas no ordenamento jurídico. De acordo com o dispositivo acima referido,
“não poderão ser objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I –
a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a
separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais”.
Além do limite material especificado acima, a Constituição ainda faz
referência aos limites circunstanciais, quais sejam os constantes do §1º, artigo 60,
da Constituição Federal, o qual prescreve que a Constituição não poderá ser
emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de
sítio.
Encerrando o rol das condições impostas ao poder constituinte derivado,
destacamos as limitações procedimentais, as quais são encontradas no §5º, artigo
60, da Constituição Federal, no sentido de que a matéria constante de proposta de
emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta
na mesma sessão legislativa. No mesmo sentido, o § 2º do artigo 60 da Constituição
Federal ordena que a alteração constitucional será votada em dois turnos, por cada
uma das casas do Congresso Nacional, devendo ser aprovada por três quintos dos
respectivos membros.
Para o estudo que aqui propomos, destacamos que o dispositivo em questão
impede que qualquer deliberação seja proposta em relação à forma federativa de
organização dos Estados. De acordo com o mesmo dispositivo, não são permitidas
alterações em relação às garantias individuais, ao voto direto, secreto e universal,
bem como em relação à separação dos Poderes, termos estes corolários lógicos do
que compreendemos como república.
Nesse sentido, também observava Geraldo Ataliba, nos seguintes termos:
Não pode o órgão de reforma, o Congresso Nacional, sequer discutir qualquer projeto tendente (que abrigue tendências; que leve; que conduza; que encaminhe; que facilite; que possibilite, mesmo indiretamente) à abolição dos dois princípios, reputados tão importantes, tão fundamentais, tão decisivos, que tiveram tratamento sacro, proteção absoluta, erigidos que foram em tabus jurídicos16.
O poder constituinte derivado existe no ordenamento no intuito de que
também a Constituição seja reformada, de forma a manter o Texto Constitucional
16 ATALIBA, Geraldo. Republica e Constituição. 3.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2011, p. 39.
24
atualizado em relação à evolução das condutas intersubjetivas, como o próprio
ordenamento prevê, por meio do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
que assim dispõe:
Art. 3º - A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.
Conforme se observa das limitações expressamente impostas ao constituinte
derivado, notamos que este legislador em muito se distancia da soberania e
independência conferida ao legislador originário, de forma que este deverá
desempenhar sua função sempre de forma contida.
Portanto, o poder constituinte derivado deverá se submeter ao Poder
Judiciário, o qual poderá declarar a inconstitucionalidade de emenda constitucional,
uma vez que esta não esteja em consonância com disposição estabelecida pelo
poder constituinte originário. Deve-se manter aquilo que claramente existe na
Constituição, qual seja a indicação de um poder constituinte de segundo grau17, o
qual é necessariamente limitado, tanto material quanto formalmente. Neste sentido,
também são as lições de José Afonso da Silva o qual, ainda, refere em relação às
limitações materiais de duas sortes:
Desde a Constituição de 1934, tronou-se prática corrente estatuir um tipo de limitação circunstancial ao poder de reforma, qual seja a se não se procederá à reforma da Constituição na vigência do estado de sítio. A Constituição vigente mudou um pouco nesse particular. Veda emendas na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. Introduziu a vedação referente à intervenção federal nos Estados, que não era prevista antes (art. 60, §1º.). A controvérsia sobre o tema mais se aguça, quanto a saber quais os limites materiais do poder de reforma constitucional. Trata-se de responder à seguinte questão: o poder de reforma pode atingir qualquer dispositivo da Constituição, ou há certos dispositivos que não podem ser objeto de emenda ou revisão? Para solucionar a questão, a doutrina distingue entre limitações materiais explícitas e limitações matérias explícitas18.
17 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 67 . 18 Ibid., p. 68.
25
No que diz respeito às limitações materiais explícitas, estas seriam aquelas
constantes do já referido §4º, do artigo 60, da Constituição Federal, o qual indica
expressamente as matérias que não podem se sujeitar a modificações. Resgatamos
aqui a citação da obra de Geraldo Ataliba, no que diz respeito ao fato de que as
modificações impedidas não são somente aquelas que visam diretamente revogar,
por exemplo, a organização federativa, mas também eventuais alterações que
busquem contribuir negativamente para a forma federativa do Estado brasileiro.
Destacamos, mais uma vez, a posição de José Afonso da Silva:
A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento
conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente
restringir a liberdade religiosa, ou e comunicação ou de outro direito
e garantia individual; basta que a proposta de emenda se encaminhe
ainda que remotamente, tenda (emendas tendentes, diz o texto) para
a sua abolição19.
No que diz respeito aos limites materiais implícitos, estes se restringiriam a
três, quais são: (i) impossibilidade de mudança quanto ao titular do poder que cria o
próprio poder reformador; (ii) impossibilidade de mudança quanto ao titular do poder
reformador; e, (iii) impossibilidade de mudança do processo de emenda à
Constituição. Em relação às limitações implícitas, acreditamos serem plenamente
existentes, vez que se assim não o for nada adiantaria estabelecer vedações
materiais a este poder, se fosse possível alteração de ordem ainda mais profunda,
como nos três casos acima.
Aproximando os conceitos acima à matéria tributária, destacamos que já
decidiu o Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 939
(ADI 939), de forma que no âmbito tributário a anterioridade é uma garantia
individual do contribuinte, sendo portanto uma cláusula pétrea da Constituição
Federal. Vejamos o entendimento veiculado pela ADI 939, de relatoria do Ministro
Sydney Sanches, do Tribunal Pleno:
EMENTA: - Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação
19 Ibid., p. 69.
26
ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, "b", e VI, "a", "b", "c" e "d", da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, "a", da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica "o art. 150, III, "b" e VI", da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. - o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, "b" da Constituição); 2. - o princípio da imunidade tributaria recíproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, "a", da C.F.); 3. - a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: "b"): templos de qualquer culto; "c"): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e "d"): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em conseqüência, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, "a", "b", "c" e "d" da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993.
Não vamos aqui adentrar, neste momento, em relação à validade material da
Emenda Constitucional nº 33 de 2001, mas já adiantamos nossa opinião de que a
norma em questão da mesma forma ultrapassou os limites daquilo que pode ser
alterado por meio de emenda, uma vez que também resta por atentar contra
garantia individual do contribuinte de apenas ser tributado nos estritos termos
definidos pelo legislador constituinte originário.
27
1.3. Sistema constitucional tributário
A Constituição, por sua vez, também pode ser segmentada como um sistema
em si, a partir de um primeiro corte metodológico. Este sistema, composto
estritamente pelas normas constantes da Constituição, será formado por normas
que deverão ostentar coerência entre si e principalmente com os princípios
constitucionais, estes últimos normas de hierarquia superior e função diferenciada.
Em nenhuma outra Constituição o legislador constitucional teve tamanho
cuidado com a matéria tributária, dispensando 27 artigos ao assunto, tratando por
vezes de forma detalhada a respeito da materialidade das exações. Ao capítulo
dedicado à matéria tributária, o legislador escolheu exatamente o nomear de
“Sistema Constitucional Tributário”.
A existência de um sistema constitucional tributário é o segundo corte
metodológico que deve ser feito, tendo o primeiro sido pela existência de um sistema
constitucional. Conforme visto, a percepção de um sistema constitucional nos parece
imperiosa, haja vista a supremacia da Constituição e a forma como as normas do
ordenamento jurídico relacionam-se entre si.
O corte metodológico ora proposto não é dotado do mesmo imperativo, mas
se justifica como possibilidade do intérprete analisar o conjunto de normas de
maneira sistematizada. Roque Antonio Carrazza compreende que este corte
metodológico traz à tona a existência de um subsistema, o que explica a respeito do
tratamento que propomos:
II – A Constituição, porém, não é um ajuntamento de perceptivos, cada qual girando em sua estreita órbita, sem sofrer nenhuma atração dos demais. Pelo contrário, como elucida Caros Ayres Britto, eles “(...) se articulam em feixes orgânicos, em blocos unitários de sentido, como peças de uma mesma engrenagem e instrumentos de uma só política legislativa”20. Em realidade, o jurista deve ordenar as normas constitucionais em grupos de fundamentação unitária, formando sistemas e subsistemas (como o tributário).21
20 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 50. 21 BRITTO, Carlos Ayres. Inidoneidade do decreto-lei para instituir ou majorar tributo, in RDP 66/45. Apud Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 43.
28
Por sistema constitucional tributário pretende-se identificar as normas
constitucionais que tratam de matéria tributária, bem como a relação destas normas
com o restante do sistema constitucional, tudo no sentido de regular juridicamente a
obrigação de pagar tributo.
Conforme visto, o conceito de sistema pressupõe sistematizar, estruturar em
um conjunto lógico e organizado, em relação ao qual se verifique coerência entre as
normas, as quais encontrarão fundamento de validade em norma superior, a
Constituição Federal.
Além de atribuir validade às demais normas do sistema, a Constituição indica
o modo de produção das demais normas, bem como aqueles que têm competência
para legislar a cada respeito.
Em assim sendo, o sistema constitucional tributário brasileiro deverá ser
compreendido levando-se em consideração a minuciosa repartição das
competências legislativas, dentre elas a tributária, impondo limite ao legislador
infraconstitucional e, em última análise, ao Estado como polo ativo da relação
tributária.
1.3.1 Competência tributária
No que diz respeito ao estudo sob comento, faz-se de extrema importância
trazer à tona o conceito de competência tributária, principalmente no que tange à
relevância constitucional que o tema alberga.
Primeiramente, devemos destacar que por repartição de competências
compreendemos a indicação constitucional dos fatos econômicos que podem ser
utilizados pelo legislador infraconstitucional como materialidade para a criação de
tributos.
Observamos que a indicação dos referidos fatos confere autonomia financeira
aos municípios e aos entes da Federação, corolário lógico de princípios
constitucionais previstos nos artigos 1º e 20 da Constituição Federal. Devemos já
observar que a correta verificação acerca da competência tributária deverá,
29
necessariamente, concluir pela rigidez que esta demarcação fixa, de acordo com a
necessidade de nosso sistema constitucional vigente. Neste sentido, esclarece
Geraldo Ataliba22:
27 – Em matéria tributária – ou, melhor dizendo, em matéria de fixação de competência tributária e formas de seu exercício – a nossa Constituição não foi genérica e sintética. Ao contrário, foi particularizada e abundante, não deixando margem jurídica – para grandes desenvolvimentos e integração pela legislação ordinária e, menos ainda, pelos costumes, pela construção ou outras formas.
A rigidez da atual Constituição vigente no Brasil, fazemos atenção à grande
atenção dispensada à matéria tributária, demarcando pormenorizadamente o âmbito
das competências de cada um dos entes políticos. Também é aspecto de uma
constituição rígida, o fato da Constituição brasileira atualmente vigente traçar,
pormenorizadamente, a forma de alteração do texto constitucional, estabelecendo as
matérias que podem ser objeto de emenda, bem como aquelas que não podem, as
cláusulas pétreas.
A respeito da rigidez presente em nível constitucional em relação à matéria
tributária, Humberto Ávila refere:
Como já mencionado, o Sistema Constitucional Tributário é um sistema rígido. Essas há muito conhecidas rigidez e exaustividade decorrem de dois fundamentos: de um lado, as regras de competência e a repartição das receitas são intensamente reguladas pela própria Constituição. Todos os impostos da União (art. 153), dos Estados (art. 155) e dos Municípios (art. 156) são definidos pela própria Constituição. Os requisitos normativos para sua instituição são estabelecidos pela Constituição mesma23.
Em assim sendo, a rigidez do sistema constitucional vigente manifesta-se em
diversas oportunidades, mas principalmente em relação à matéria tributária,
conforme a opinião dos autores destacados.
Desta forma, foi escolha do legislador constitucional a repartição das
competências tributárias entre União, Estados e Municípios, em decorrência do
princípio federativo e da autonomia municipal e distrital, de forma a proporcionar
22 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 15. 23 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 15.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2014, p. 31 .
30
verdadeira autonomia das pessoas políticas. Sobre o tema, verifiquemos o
entendimento de Luís Eduardo Schoueri:
Numa primeira aproximação, não haveria razão para o constituinte ter repartido as competências tributárias. A discriminação de competências tributárias não é requisito de um sistema federal. Este exige que se assegure às pessoas jurídicas de direito público autonomia financeira. Entretanto, autonomia financeira implica discriminação de rendas, o que não se confunde com discriminação de competências24.
No entanto, em que pese a competência tributária proporcionar autonomia
financeira aos entes políticos, a competência tributária encerra em si limite objetivo,
no sentido de que somente poderão ser tributadas as hipóteses previstas pela
Constituição.
Devemos observar que, de acordo com nosso ordenamento, por força de uma
série de garantias previstas em nível constitucional, não há se falar em um poder
tributário, absoluto e total, implicando dizer que o exercício da atividade tributante
está restrito àquilo determinado pelo legislador constitucional, no mero exercício de
autorização para tributar. Neste sentido, ensina Roque Antonio Carrazza:
De fato, entre nós, a força tributante estatal não atua livremente, mas dentro dos limites do direito positivo. Como veremos em seguida, cada uma das pessoas políticas não possui, em nosso País, poder tributário (manifestação do ius imperium do Estado), mas competência tributária (manifestação da autonomia da pessoa política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-constitucional). A competência tributária é determinada pelas normas constitucionais, que, como é pacífico, são de grau superior às de nível legal, que – estas, sim – preveem as concretas obrigações tributárias 25.
Ainda na doutrina do mesmo autor, em outra obra, ainda a respeito da
competência tributária, destaca o grau de positivação que encontramos na
delegação da competência tributária26, nos seguintes termos:
De fato, a Constituição brasileira, ao discriminar as competências tributárias, traçou a regra-matriz (a norma padrão de incidência) de
24 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 238. 25 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 573. 26 CARRAZZA, Roque Antonio. Reflexões sobre a obrigação tributária. São Paulo: Ed. Noeses, 2010, p. 43.
31
cada exação. Noutro falar, apontou, ainda que de maneira implícita, a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e, num certo sentido, até o mesmo a alíquota possível das várias espécies e subespécies tributárias.
Por este motivo, a Constituição não cria tributos, mas apenas traz a previsão
daqueles tributos que podem ser criados, por meio da lei, pelo correspondente ente
político. Isso porque, o legislador constitucional se vale de técnica de repartição de
competências, implicando na indicação, em muitos casos pormenorizada, do fato
que poder ser tributado, principalmente no caso dos impostos.
Noutros casos, a indicação é menos objetiva, como nas contribuições sociais
e, mesmo em relação aos tributos vinculados – como as taxas – há na Constituição
indicações precisas a respeito dos critérios para a sua criação.
A respeito dessa distinção, bem explica Sacha Calmon Navarro Coêlho,
verbis:
No concernente aos impostos, não é suficiente às pessoas políticas a previsão do art. 145. Com esforço nele, não lhes seria possível instituir os seus respectivos impostos. O art.145 não declina os fatos jurígenos genéricos que vão estar na base fática dos impostos que, precisamente, cada pessoa política recebe a Constituição. É que, no caso dos impostos, a competência para instituí-los é dada de forma privativa sobre fatos específicos determinados. Concluindo, as taxas e as contribuições de melhoria são atribuídas às pessoas políticas, titulares do poder de tributar, de forma genérica e comum, e os impostos, de forma privativa e determinadas. Como corolário lógico, temos que os impostos são enumerados pelo nome e discriminados na Constituição um a um27.
Em relação à repartição de competências das taxas, Luis Eduardo Schoueri
expõe doutrina alemã que, em função do caráter sinalagmático da relação, refere
quanto às taxas como competência anexa:
Se o tributo se justifica e é devido em virtude de uma atuação estatal que pode ser imputada a um contribuinte, ou a um grupo de contribuintes, a competência tributária não pode ser desvinculada da atribuição constitucional para a atuação que justificou a tributação. Por essa razão é que para as taxas surgiu, na doutrina alemã, o conceito de competência anexa. Naquela país, o texto constitucional sequer cogita da competência para instituir taxas. Refere-se apenas aos impostos. Entretanto, a doutrina e
27 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 67.
32
a jurisprudência entenderam que a competência para instituir taxas está vinculada (anexa) à competência material (...)28
De acordo com o mesmo autor29 , a referência pertinente ao conceito de
competência anexa consta positivada em norma nacional, qual seja o artigo 80 do
CTN:
Art. 80. Para efeito de instituição e cobrança de taxas, consideram-se compreendidas no âmbito das atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, aquelas que, segundo a Constituição Federal, as Constituições dos Estados, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e a legislação com elas compatível, competem a cada uma dessas pessoas de direito público.
Podemos abstrair corresponder ao conceito de competência anexa, que
aquele possuidor de atribuição para atividade estatal terá, igualmente, competência
tributária. Em assim sendo, não havendo atribuição do Estado naquela atividade,
não estará União, Estado, Distrito Federal ou Município legitimado a cobrar taxa.
Desta forma, anexa ou principal, em nenhum caso podemos admitir uma
norma aberta, a qual permitiria ao Fisco instituir tributo indiscriminadamente, em
coerência com o conceito de sistema constitucional rígido tratado acima. Neste
sentido, forte a doutrina de Sacha Calmon Navarro Coêlho, destacada acima, muito
menos poder-se-ia imaginar tamanha liberdade no caso dos impostos, uma vez que
especificamente pormenorizados pela Constituição Federal.
Como veremos mais a seguir, como decorrência desta extensa positivação a
respeito das materialidades tributária compreendemos que foi intenção do legislador
constituinte originário encerrar em seu turno a possibilidade de criação de novos
tributos, à exceção dos casos relacionados à competência residual. A competência
residual, por sua vez, reafirma em relação à rigidez que aqui argumentamos, como
veremos mais adiante.
Pelos argumentos trazidos até aqui a respeito da competência tributária, já
podemos concluir que a demarcação da competência tributária é escolha,
necessariamente, do legislador superior (constituinte), capaz de prescrever limite
28 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito Tributário. 2.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2012, p. 175. 29 Ibid., p. 75.
33
preliminar ao exercício da atividade de criação de tributos por meio de normas
inferiores (leis ordinárias).
A necessidade de uma correta repartição de competências, de acordo com os
fatos tributáveis, não somente garante a autonomia financeira das pessoas políticas,
mas também assegura respeito ao princípio da capacidade contributiva, presente no
artigo 150 da Constituição Federal. A divisão de competências de acordo com os
fatos econômicos tributáveis evita a tributação cumulativa de mais de um ente
político sobre o mesmo fato. Ou seja, se a competência para tributar o fato
econômico renda é da União, somente esta poderá criar tributo que incide sobre o
referido fato.
Ainda, merece estaque o fato de que a competência para criação de tributos
não deve ser confundida com a competência para legislar sobre direito tributário,
uma vez que esta última cogita a respeito do poder de legislar sobre normas gerais
em tributação30, ao passo que a primeira permite a criação de tributos em abstrato,
bem como cobrar pelos mesmos tributos.
Ao que até aqui dispusemos, é possível percebermos o que significa
competência tributária, sendo importante, finalmente, trazer à tona a plenitude do
campo semântico deste conceito. Para tal, promoveremos análise dos conceitos já
definidos pela doutrina, a fim de buscarmos firmar conceito próprio.
Na lição de Regina Helena Costa, ao tratar do tema das imunidades
tributárias em obra dedicada ao tema, esclarece a respeito da competência
tributária:
Com efeito, se a competência tributária, tal como contemplada no Texto Fundamental, já se revela privada dos campos imunes, pode-se afirmar que a competência tributária é a aptidão para legislar sobre tributos, nela já considerados as situações de intributabilidade constitucionalmente estabelecidas. A imunidade é, portanto, “área estranha e alheia à competência”31.
Também em nível constitucional, e auxiliado a delimitar a abrangência da
capacidade, do ente político, de instituir tributos, surge a figura das imunidades
tributárias. Estas, por sua vez, são normas negativas, que estabelecem limites à
norma positiva, aquela que outorga competência tributária.
30 Ibid., p. 237. 31 COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 55.
34
Assim, ao mesmo tempo, desempenhando a função de “desenhar” a
competência tributária, convivem duas figuras normativas distintas: a primeira
positiva, que possibilita a criação do tributo, e a segunda norma negativa, que
impede que ocorra a criação de tributo.
Em sendo assim, o instituto da imunidade tributária consiste no impedimento
constitucional à instituição de tributos sobre determinadas pessoas e/ou situações,
restringindo as dimensões do âmbito de competência tributária da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O que buscamos aqui tratar é que o conceito de competência pode ser
observado, indiretamente, a partir de seu conceito negativo, aquilo que a
competência não é. A norma de imunidade é norma impeditiva da competência
tributária.
Destacamos que aqui o conceito de competência tributária restringe-se à
faculdade das pessoas políticas para inovar na ordem jurídica, desenhando o perfil
jurídico de um determinado gravame. Com isso, queremos deixar claro que aqui não
estamos confundindo com o conceito de capacidade tributária ativa, sendo esta
última verificada pela capacidade de integrar o polo ativo da relação tributária. Neste
sentido, define Paulo de Barros Carvalho32:
(...) tomaremos competência tributária como a significação acima especificada, vale dizer, de legislar (pelo Poder Legislativo, já que o “legislador”, em sentido amplo, todos nós o somos), firmando que não se confunde com a capacidade. Não se confunde com a capacidade tributária ativa. Uma coisa é poder legislar, desenhando o perfil jurídico de um gravame ou regulando os expedientes necessários à sua funcionalidade; outra é reunir credenciais para integrar a relação jurídica, no tópico do sujeito ativo.
A competência tributária é, pois, matéria exclusivamente constitucional e
significa a autorização dada aos legisladores para criarem, em abstrato, tributos.
Conforme visto, a delegação de competência tributária está diretamente aliada à
autonomia financeira dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, o que já nos
indica que a correta percepção dos limites da competência tributária devem ser
observados a partir de interpretação sistêmica da Constituição.
32 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 271.
35
A doutrina atual33, amplamente aceita34, destaca características que devem
ser ostentadas pela competência tributária, quais são: privatividade,
indelegabilidade, incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e
facultatividade, esta última tendo por exceção o próprio ICMS. Não iremos aqui
adentrar em cada uma delas, mas faremos distinção em relação àquela que denota
a inconstitucionalidade promovida pele Emenda Constitucional nº 33 de 2001.
Em relação ao tema do presente trabalho, destacamos, desde já, que aqui se
concentra o cerne da discussão que considera inconstitucional as alterações
promovidas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, pois restou por criar em
abstrato novo tributo denominado também pela sigla ICMS, iniciativa esta que passa
ao largo da estrita demarcação de competências estabelecida para os impostos.
Como se observar das características acima trazidas da doutrina a respeito
da competência tributária, podemos destacar que não foi respeitada a privatividade,
pela qual a competência tributária somente pode ser usufruída por um único ente
político, exclusivamente. O que se percebe da emenda em questão, pelo contrário, é
que se adentrou na competência reservada à União por meio do imposto de
importação. Destacamos ainda que a competência é inalterável, sendo este conceito
utilizado para descrever a impossibilidade do próprio ente político competente vir a
dilatar os limites da competência que foi outorgada. Sobre o tema, destaca Roque
Antonio Carrazza:
Se, porventura, uma pessoa política pretender, por meio de norma
legal ou infralegal, dilatar as rais de sua competência tributária, de
duas, uma: ou esta norma invadirá seara imune à tributação ou
vulnerará competência tributária alheia. Em ambos os casos será
inconstitucional35.
Em assim sendo, passemos à análise da relação existente entre princípios e
regras constitucionais, o que também será de grande valia ao estudo em tela.
33 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 590. 34 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 270. 35 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 363.
36
1.4 Diferença entre princípios e regras constitucionais
Conforme visto, a noção de sistema constitucional prevê o conceito de que as
normas têm competências e hierarquias diferenciadas, de forma que algumas têm
prevalência sobre as outras em função da posição ostentada dentro do sistema. No
ponto mais alto da hierarquia em questão, encontra-se a Constituição, a qual irradia
fundamento ao sistema.
No mesmo sentido, ao nos aproximarmos das normas do sistema que se
encontram na própria Constituição, devemos observar que algumas normas são
também diferenciadas em relação às demais, devendo-se distinguir em nível
constitucional as regras constitucionais e os chamados princípios constitucionais.
Não devemos, contudo, compreender que e existência de princípios poderá
ser verificada em outros níveis do sistema, também, como princípios legais,
infralegais, etc.. No entanto, aqui cuidaremos dos princípios constitucionais, pelo fato
de que estes operam função singular no sistema que buscamos analisar no presente
estudo.
Por princípios compreendemos os valores do ordenamento jurídico, aquilo
existente no sistema dando origem a este, pelo que não devemos confundir por
normas sem caráter normativo. Os princípios, os que entendemos, são normas para
todos os fins, mais gerais que as demais, mas que demonstram este caráter em
função de serem invocados, como as demais normas, no sentido de regular
determinada situação, especialmente nos casos onde desempenham a função de
preencher lacunas do sistema.
Dessa forma, os princípios irão emanar seus efeitos por todo o ordenamento,
na função de orientar a interpretação das demais normas, as quais não poderão
transgredir o campo semântico de qualquer dos princípios constitucionais. A respeito
da relação de supremacia dos princípios em função das demais normas, também
constitucionais, bem ilustrou Celso Antonio Bandeira de Mello, verbis:
37
Usurpar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos36.
Os princípios se diferenciam das demais normas constitucionais por se
tratarem de normas de maior abstração, as quais se constituem em estruturas a
serem observadas tanto na produção quanto na aplicação das normas.
Destacamos a posição de Mariz de Oliveira sobre o que são princípios:
Os princípios dão ordem ao ordenamento, no sentido de estabelecer a necessária coerência entre as várias normas e regras que compõem, além de lhes dar suporte de validade. Daí os princípios serem verdadeiramente alicerces de toda estrutura normativa, devendo ser respeitados pelo próprio legislador e pelos destinatários, aplicadores e interpretes das normas e regras do ordenamento jurídico, a ponto de Celso Antonio afirmar que o desrespeito a um princípio é mais grave do que o desrespeito a uma norma, eis que representa violação de todo o sistema37.
Portanto, os princípios são as normas que dão razão às demais dentro do
sistema explicado até aqui, constituído de normas de diferentes hierarquias e
funções, mas que neste sentido sempre deverão ser interpretadas segundo os
princípios constitucionais.
Neste mesmo diapasão, destaca Luis Roberto Barroso:
O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que instituiu. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à da regra concreta que vai reger a espécie38.
A diferenciação entre princípios e regras é tarefa árdua da doutrina, já tendo
despertado a opinião de diversos doutrinadores, dentre eles Dworkin39, para o qual a
36 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31.ed. São Paulo: Ed Malheiros, 2014, p. 943. 37 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 400. 38 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 7.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2014, p. 91. 39 DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2.ed. São Paulo: Martins, 2005, p. 197.
38
diferença se percebe na forma como as regras são aplicadas. De acordo com a
doutrina do referido autor, diferentemente dos princípios, as regras encerram
comandos do tipo “tudo ou nada”, uma vez que automaticamente instalado o vínculo
obrigacional. Os princípios, no entanto, não oferecem comando imediato, não se
subsumem a uma hipótese de incidência presente no antecedente da norma, o
princípio oferece um fundamento que deverá ser sopesado com outros quando da
decisão.
Ainda no sentido de promover distinção entre princípios e regras, o mesmo
autor refere que os princípios, ao contrário das regras, possuem uma dimensão de
peso que se exterioriza na hipótese de colisão, quando o princípio com maior valor
sobrepõe-se ao outro, sem que o princípio mais fraco perca sua validade.
Na doutrina de Humberto Ávila, no entanto, encontramos divergência em
relação à doutrina do autor norte americano, em ambos os pontos aqui destacados.
Em relação à ideia do “tudo ou nada”, podemos criticá-la uma vez que esta percebe
a solução dos conflitos de forma bastante mecanicista, de maneira que facilmente
podemos imaginar casos onde os fatos em conflito se subsumem a determinado
comando normativo, mas, no entanto, os efeitos da norma são descartados, em
função de especificidades do caso em análise. Neste caso, o que existiria na
concepção do autor gaúcho é um sopesamento de regras, onde uma prevalece
sobre outra, sem ceifar sua validade.
São essas as palavras do autor:
Embora tentador, e amplamente difundido, esse entendimento merece ser repensado. Isso porque em alguns casos as regras entram em conflito sem que percam sua validade, e a solução para conflito depende da atribuição de peso maior a uma delas. Dois exemplos podem esclarecer: Primeiro exemplo: uma regra do Código de Ética Médica determina que o médico deve dizer para seu paciente toda a verdade sobre sua doença, e outra estabelece que o médico deve utilizar todos os meios disponíveis para curar seu paciente. Mas como deliberar o que fazer no caso em que dizer a verdade ao paciente sobre sua doença irá diminuir as chances de cura, em razão do abalo emocional daí decorrente? Casos hipotéticos como estes não só demonstram que o conflito entre regras não é necessariamente estabelecido em nível abstrato, mas pode surgir no plano concreto, como ocorre normalmente com os princípios. Esses casos também indicam que a decisão envolve uma atividade de sopesamento entre razões40.
40 ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 15.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2014, p. 53.
39
Continuando nas ponderações minuciosas de Humberto Ávila, concordamos
quando este propõe uma percepção mais profunda do que são princípios e em
relação aos motivos pelos quais estas normas se diferenciam das regras. Na
doutrina do autor, a diferença entre as normas não é verificada de forma exclusiva,
de maneira que determinado princípio pode ser extraído de suporte fático que
também pode suportar uma regra.
Neste sentido, determinadas regras, não todas, poderão ser invocadas de
acordo com a situação presente, em função das circunstâncias destas dentro do
sistema e, em função do aspecto a ser valorizado no caso, seja de norma ou de
princípio.
Como exemplo, citamos o princípio da legalidade em matéria tributária, o qual
pode ser verificado tanto como uma regra, impondo condição quanto à necessidade
de processo legislativo específico, bem como pelo caráter axiológico da norma, uma
vez que corolário da liberdade, da democracia e da república. Em assim sendo,
dependerá da construção normativa, promovida pelo exegeta, a percepção de um
princípio ou uma regra.
Muito embora observemos divergências nas posições acima adotadas,
podemos dizer que a diferenciação entre princípios e regras contém um núcleo
semântico mínimo, permitindo afirmar que os princípios diferenciam-se das regras
por seu caráter valorativo e sua alta abstração, de maneira que não se reportam,
exclusivamente, a condutas a serem reguladas, mas a diretrizes que devem nortear
a interpretação das normas em relação a casos concretos. A noção de diretriz
confere aos princípios a função de atribuir unidade ao sistema, sendo que uma vez
utilizada interpretação segundo princípios, estes irão fornecer coerência em relação
às decisões emanadas pelo Poder Judiciário.
Podemos dizer, ainda, que os princípios ostentam papel de prevalência em
relação às regras, de modo a serem verificados, preliminarmente, no processo de
interpretação a que se dispõe o operador do direito. Neste sentido, destacamos a
opinião de Roque Antonio Carrazza, tratando muito bem do tema:
VI - Não é por outras razões que, na análise de qualquer problema jurídico – por mais trivial que seja (ou que pareça ser) –, o cultor do Direito deve, antes de mais nada, alçar-se no altiplano dos princípios constitucionais, a fim de verificar em que sentido eles apontam. Nenhuma interpretação poderá ser havida por boa (e, portanto,
40
jurídica) se, direta ou indiretamente, vier a afrontar um princípio jurídico-constitucional41.
Verificamos, portanto, que a identificação dos princípios, bem como a correta
valoração destes, é fundamental para a correta compreensão dos problemas
jurídicos, vez que revelam a intenção do legislador, ou seja, a vontade do Estado
(mens legi). Este é o caso das circunstâncias instaladas em função da Emenda
Constitucional nº 33 de 2001, no que nos debruçaremos mais adiante.
Primeiro, contudo, a par da importância e do papel desempenhado pelos
princípios constitucionais, passemos à análise dos princípios que se relacionam com
o tema, dos quais lançaremos mão na análise a que se propõe o presente trabalho.
1.5 Princípios que devem ser observados
1.5.1 Princípios gerais relacionados com a matéria
Conforme visto, os princípios são normas, pois dotadas de caráter normativo,
as quais servem de estrutura ao ordenamento, indicando os norteadores de
interpretação, irradiando seus efeitos por todo o sistema. Dentre os princípios
existentes em nosso ordenamento, devemos observar aqueles que são diversas
vezes repetidos, indicando a prevalência destes em relação aos demais.
Na doutrina de Geraldo Ataliba, estes princípios são fundamentais pelos
seguintes motivos:
No Brasil os princípios mais importantes são os da federação e da república Por isso, exercem função capitular da mais transcendental importância, determinando inclusive como se deve interpretar os demais, cuja exegese e aplicação jamais poderão ensejar menoscabo ou detrimento para força, eficácia e extensão dos primeiros (v. Celso Antônio Bandeira de Mello, Elementos de Direito Administrativo, Ed. RTm 1980, p. 230).42
41 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 48. 42 ATALIBA, Geraldo. Republica e Constituição. 3.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2011, p. 37.
41
Somos da opinião de que o princípio republicano e o princípio federativo
ostentam posição especial em nossa Constituição, pela forma como são repetidos,
enfatizados e assegurados por outras normas. Estes princípios dão azo à existência
de outros princípios e normas, como é o caso do princípio da legalidade e o já citado
princípio republicano, por meio da noção que sem legalidade não pode haver
república. Da mesma forma, o pacto federativo tem especial importância em matéria
tributária, uma vez que determina a estrita repartição de competências tributárias.
Além das especificidades acima, relacionadas aos princípios mais
importantes, devemos destacar que tanto o princípio republicano como o federativo
são objeto de proteção constitucional, a qual não permite o processamento de
emendas tendentes a abolir a federação e a república. A proteção à república, no
entanto, no âmbito do §4º, art. 60 da Constituição Federal, não é referida
expressamente, mas por meio de proteção aos pilares do princípio republicano,
quais sejam, o voto direto, secreto, universal e periódico, separação de poderes,
direitos e garantias individuais.
A relação pertinente aos princípios mais importantes com o resto do
ordenamento, em especial com as alterações promovidas pela Emenda
Constitucional nº 33 de 2001, será objeto de maior análise adiante, bem como os
pormenores de ambos os princípios fundamentais.
1.5.1.1 Princípio republicano
De acordo com o artigo 1º da Constituição Federal, resta definido que o Brasil
será regido de acordo com o regime político denominado república, o qual comporta
princípio que deve ser destacado em função das inúmeras implicações e
desdobramentos que promovem no sistema. Assim dispõe o artigo 1º da
Constituição Federal:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
42
I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Em relação ao que podemos compreender por república entendemos tratar-se
de um tipo de governo, da mesma forma da ditadura ou da monarquia, onde o que
prevalece no âmbito das decisões comuns é a vontade da maioria, as quais
depositarão no Estado a condição de garantidor dos direitos fundamentais dos
cidadãos. Este conceito comporta, necessariamente, a concepção de igualdade
formal entre os cidadãos, de maneira que o Estado republicano existe em função do
povo, legitimado pela vontade comum, onde todos detêm poder de decisão igual
sobre a coisa (res) pública (pública).
De acordo com a espécie republicana de governo, os administradores do
patrimônio público exercem a função de representantes, onde todo o poder emana
do povo e para o povo, onde há supremacia do interesse público sobre o privado,
necessariamente.
Dentro deste conceito, devemos observar que, necessariamente, o Estado
deverá estar organizado de forma a evitar abuso por parte de algum dos poderes
(executivo, legislativo ou judiciário), mantendo-se fiel à vontade comum, a qual
contará com sistema democrático de decisões que leve em consideração a vontade
dos indivíduos. Muito bem destaca Roque Antonio Carrazza43 a respeito:
O que singulariza a forma republicana de governo é a eletividade, pelo povo, dos chefes do Executivo e dos membros do Poder Legislativo. Esta observação está calcada nas lições do grande Rui Barbosa, para quem: O que discrimina a forma republicana, com ou sem epíteto adicional de federativa, não é a coexistência dos três poderes, indispensáveis em todos os governos constitucionais, como a república ou a monarquia. É, sim, a condição de que sobre existirem os três poderes constitucionais, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, os dois primeiros derivem de eleição popular.
43 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 69.
43
José Afonso da Silva adverte nos mesmos termos, ampliando a significação
do termo república, de forma a abranger o caráter axiológico que o termo comporta.
São as palavras do autor:
Conceito – O termo República tem sido empregado no sentido de forma de governo contraposta à monarquia. No entanto, no dispositivo em exame, ele significa mais do que isso. Talvez fosse melhor até considerar República e Monarquia não simples formas de governo, mas formas institucionais do Estado. Aqui ele se refere, sim, a uma determinada forma de governo, mas é, especialmente, designativo de uma coletividade política com características de res publica, no seu sentido originário de coisa pública, ou seja: coisa do povo e para o povo, que se opõe a toda forma de tirania, posto que, onde está o tirano, não só é viciosa a organização, como também se pode afirmar que não existe espécie alguma de República.44
Pelas razões acima expostas, verificamos que são características do regime
republicano: previsão de mandatos políticos renováveis periodicamente, onde haja
revezamento daqueles que atuam como administradores da coisa pública, a
tripartição dos poderes, a existência de mecanismos de controle da ação do
Governo pelo povo, bem como a necessidade de que os governantes sejam
escolhidos pelo povo, de forma idônea, que verdadeiramente espelhe a vontade dos
governados.
Nestes termos também destaca Gilmar Ferreira Mendes, para o qual o
conceito de república pode ser apreendido a partir de suas características:
Embora compreendidos nesses aspectos de caráter geral, os trações
característicos da forma republicana de governo podem ser
decompostos em elementos específicos, tais como: a existência de
uma estrutura político-organizatória garantidora das liberdades civis;
a elaboração de um catálogo de liberdades; em que se articulem o
direito de participação política e os direitos de defesa individuais; o
reconhecimento de corpos territoriais autônomos, seja sob a forma
federativa, como no Brasil e nos Estados Unidos, seja pelo
estabelecimento de autonomias regionais ou locais, como na Itália ou
em Portugal, respectivamente; a legitimação do poder político,
consubstanciada no princípio democrático de que a soberania reside
44 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 105.
44
no povo, que se autogoverna mediante leis elaboradas
preferencialmente pelos seus representantes; e, afinal, a opção pela
eletividade, colegialidade, temporariedade e pluralidade, como
princípios ordenadores – e não pelos critérios da designação, da
hierarquia e da vitaliciedade, típicos dos regimes monárquicos. 45
É próprio do regime republicano que a administração da coisa pública ocorra
de acordo com mandatos transitórios, de forma a permitir que se renove a vontade
do povo, sendo assim possível evoluir na Administração do Estado, por meio do voto
universal. Esta é a característica mais marcante, no entendimento de Celso Ribeiro
Bastos, o qual percebe, nas circunstâncias atuais, um esvaziamento da
diferenciação entre república e monarquia, antes tão útil na definição destes termos:
Assim, em termos de regimes políticos, os conceitos de monarquia e república estão bastante esvaziados. Talvez por esta razão a nova Constituição reforce o seu significado falando de Estado Democrático de Direito e ainda enumerando alguns fundamentos de nossa República. Resumindo, aos termos que interpretar o princípio republicano, devemos ter em mente, fundamentalmente, a necessidade de alternância no poder, por certo sua característica mais acentuada.46
Conforme se observa, o conceito por trás daquilo que denominados por
república é muito mais que uma forma de governar, mas sim o objetivo pelo bem
comum, o qual está escorado na concepção de que este somente será obtido por
meio de respeito à coletividade, à igualdade e ao sistema representativo de governo.
No âmbito tributário o princípio republicano também irradia seus efeitos, no
sentido de proteger as instituições republicanas, mas principalmente para impedir o
favorecimento tributário, promovendo-se a igualdade entre contribuintes perante a
lei.
Acerca da relação do princípio republicano com a matéria tributária, Renato
Lopes Becho esclarece:
45 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.138. 46 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 24.ed. revista e atual. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 157.
45
Pelo princípio republicano, todos os brasileiros – assim como todos os estrangeiros que se submetam a nossa soberania – estão igualmente sujeitos a suportar a mesma carga tributária, sem benefícios nobiliárquicos, de hierarquia social ou de qualquer outra ordem. (...) O princípio republicano é reforçados pelo princípio da igualdade tributária, que será desenvolvido no Capítulo XVI, item 2. No Texto Constitucional, podemos dizer que os constituintes originários procuram aplicar o indigitado princípio à tributação, não apenas igualando os contribuintes, mas proibindo expressamente vantagens fiscais que poderiam fazer sombra à República47.
Ainda no âmbito das relações existentes entre tributação e o princípio
republicano, devemos observar que a legitimação do Estado como sujeito ativo da
obrigação tributária deriva deste princípio, a partir da percepção de que a
competência tributária é atribuída pelo povo, ao Estado. Neste sentido, são
inadmissíveis quaisquer iniciativas do Estado que extrapolem esta autorização de
interferência no patrimônio do particular.
Como exploraremos mais adiante, compreendemos que a Emenda
Constitucional nº 33 de 2001 criou nova espécie tributária, a qual, muito embora
tenha previsão, agora, na Constituição, desrespeita vontade do legislador
constituinte originário, detentor de poder absoluto, o único capaz de outorgar
competência tributária. Por este motivo, a Emenda Constitucional nº33 de 2001 viola
o princípio republicano, na forma como este princípio interfere no modo pelo qual a
tributação deve ser interpretada. Portanto, a referida emenda constitucional, ao criar
nova espécie tributária, passou por cima de direito individual, qual seja o de somente
ser tributado nos estritos termos demarcados pelo Poder Constitucional originário.
Ou seja, ataca diretamente um dos já referidos pilares do Estado republicano.
47 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 361.
46
1.5.1.2 Princípio federativo
A concepção moderna de Federação data de 1787, pertinente à Convenção
de Philadelphia, onde as treze ex-colônias inglesas resolveram se organizar,
dispondo de parte de suas soberanias, no sentido de constituírem um novo Estado.
No Brasil este conceito surge apenas um século depois, em 1889, juntamente com a
república, de forma inversa, uma vez que no caso não se tratava da comunhão de
ordens até então independentes, mas sim sujeitas do mesmo Poder.
Atualmente, o conceito de federação vem insculpido, da mesma forma que o
princípio republicano, no artigo 1º da Constituição, ao referir que a República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito.
Conforme já referido, a Constituição Federal prevê em relação às matérias
que não podem ser objeto de modificação no âmbito da própria Constituição,
referindo expressamente que a forma federativa de Estado não poderá ser objeto de
emendas constitucionais.
O vocábulo federação tem origem na expressão latina foederis, cujo sentido é
aliança, união ou pacto, de maneira que a forma federativa implica,
necessariamente, a concepção de união de partes, de acordo com uma ordem
jurídica comum, sem que haja supressão da autonomia política dos Estados-
Membros da Federação. A concepção de federação, portanto, pressupõe serem
determinadas competências legislativas conferidas aos federados, em relação às
quais a delegação deverá ser absoluta, ou seja, que não se permita a interferência,
tanto da União, quanto dos demais entes.
Da mesma forma que a república corresponde à forma de governo, o
vocábulo federativa agrega característica complementar que designa a forma de
Estado, no caso num Estado onde o poder se encontra descentralizado. A respeito
dos conceitos relacionados à matéria, que por vezes podem ser utilizados como
sinônimos equivocadamente, esclarece José Afonso da Silva:
República Federativa do Brasil condensa o nome do Estado brasileiro – República Federativa do Brasil 00, o nome do país –
47
Brasil -, a forma de Estado, mediante o qualificativo Federativa, que indica tratar-se de Estado Federal, e a forma de governo – República. Pátria é termo que exprime sentimentos cívicos (Pátria: terra do país, terra que amamos; Patria est ubicumque est bene”, Pátria é o lugar onde se sente bem). (....) Forma de Estado. O modo de exercício do poder político em função do território dá origem ao conceito de forma de Estado. Se existe unidade de poder sobre o território, pessoas e bens, tem-se o estado unitário. Se, ao contrário, o poder se reparte, se divide, no espaço territorial (divisão espacial de poderes), gerando uma multiplicidade de organizações governamentais, distribuídas regionalmente, encontramo-nos diante de uma forma de Estado composto, denominado Estado federal ou Federação de Estados.48
Em assim sendo, a concepção de descentralização política, corolário da
federação, pressupõe a existência de uma ordem jurídica geral e soberana, em
coexistência com diversas ordens parciais, as quais gozarão de autonomia.
Portanto, a fim de compreendermos quanto à relação das duas ordens em
questão, faz-se útil a definição do que é soberania, pois trata exatamente de
característica que diferencia a União em relação aos Estados. Por soberania
compreendemos o poder supremo do Estado, o qual se fundamenta em si mesmo,
nos termos da Constituição. Tem soberania aquele que detém o poder supremo e
absoluto, de forma a não se sujeitar, ou buscar validade, em “sistema superior”.
Neste aspecto do princípio federativo, destacamos a compreensão de Gilmar
Ferreira Mendes sobre a matéria, nos seguintes termos:
Assim, a soberania, no federalismo, é atributo do Estado Federal como um todo. Os Estados-membros dispõem de outra característica – a característica da autonomia, que não se confunde com o conceito de soberania. A autonomia importa, necessariamente, descentralização do poder. Essa descentralização é não apenas administrativa, como, também, política. Os Estados-membros não apenas podem, por suas próprias autoridades, executar leis, como também é-lhes reconhecido elaborá-las. Isso resulta em que se perceba no Estado Federal uma dúplice esfera de poder normativo sobre um mesmo território49
Por este motivo, o Estado soberano é aquele que representa a união dos
demais Estados federados, que por sua vez legitima o poder autônomo dos 48 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 100. 49 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 754.
48
membros da Federação. Por essa razão, o Estado soberano (União) distingue-se
das unidades da Federação em função de sua capacidade de representar os
“Estados-membros” no âmbito internacional.
A federação tem por objetivo a distribuição do poder e o respeito às
autonomias regionais, objetivo este que somente será bem sucedido uma vez que a
Constituição acerte ao dispor quanto às matérias que são de competência legislativa
dos Estados-membros. Sobre este aspecto, Celso Ribeiro Bastos esclarece:
A federação é a forma de Estado pela qual se objetiva distribuir o poder, preservando a autonomia dos entes políticos que a compõem. No entanto, nem sempre se alcança uma racional distribuição do poder; nestes casos dá-se ou um engrandecimento da União ou um excesso de poder regionalmente concentrado, o que pode ser prejudicial se este poder estiver nas mãos das oligarquias locais. O acerto na Constituição, quando dispõe sobre a Federação, estará diretamente vinculado a uma racional divisão de competência entre, no caso brasileiro, União, Estados e Municípios; tal divisão ara alcançar logro poderia ter como regra principal a seguinte: nada será exercido por um poder mais amplo quando puder ser exercido pelo poder local, afinal os cidadão moram nos Municípios e não na União.50
Nestes termos, somente a União é soberana, restando aos Estados-membros
autonomia política em relação à competência constitucionalmente estabelecida.
A respeito do Estado Brasileiro, dispõe Roque Antonio Carrazza:
O Estado Brasileiro, como dissemos, é um Estado Federal. Nele, os Estados-membros, embora conservem sua autonomia nas relações internas, não têm personalidade internacional, não podendo comparecer diretamente ante o foro do direito das gentes. Assim, não lhes é dado, diretamente, nem manter relações diplomáticas com Estados estrangeiros (ius legationis), nem declarar guerra (ius belli), ou celebrar a paz, nem, tampouco, firmar tratados internacionais (ius tractatuum). Os que nascem em qualquer dos Estados-membros têm nacionalidade brasileira. Não possuem, igualmente, soberania. Soberano é o Estado Brasileiro51.
Desta forma, de acordo com a organização do Estado Brasileiro, este é
indubitavelmente um Estado Federal, uma vez que o poder político é
descentralizado, de acordo com uma ordem geral que convive harmonicamente com 50 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 24.ed. revista e atual. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 223. 51 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 161.
49
ordens parciais. Ainda, se verifica no Estado Federal Brasileiro a participação da
vontade das ordens jurídicas parciais na ordem jurídica nacional, de acordo com
sistema democrático e representativo dos Estados-membros.
No que diz respeito à autonomia conferida aos “Estados–membros”,
destacamos que esta é verificada uma vez que inexiste hierarquia entre as normas
emitidas pelas unidades da Federação e as normas emitidas pela União, tampouco
destas em relação às normas municipais, uma vez umas não extraem validade em
função das outras, mas sim diretamente da Constituição, que outorga a competência
legislativa para cada um dos entes políticos.
Temos, portanto, que embora não sejam entidades idênticas, União e
Estados-membros, estes convivem em igualdade política e jurídica, de acordo com o
feixe de competências conferido a cada um.
Em matéria tributária verificamos que o constituinte originário conferiu
competência para os Estados-membros e para os Municípios, bem como à União,
garantindo aos entes da Federação verdadeira autonomia financeira, permitindo que
os interesses locais sejam prestigiados e suportados por receitas próprias.
No que diz respeito às unidades da Federação, a estas é outorgada
competência para instituir diversos tributos, todos obrigatoriamente descritos na
Constituição. O Estado, na figura de qualquer um dos entes políticos, esta legitimado
a cobrar tributos, sendo vedados, no entanto, que sejam criados novos tributos,
muito menos sobreposição de incidências sobre os mesmos fatos, o que pode vir a
desestabilizar o pacto federativo desenhado pelo legislador constitucional,
resguardado em nível constitucional como cláusula pétrea.
1.5.2 Princípios especialmente relacionados em matéria tributária
Veremos, a seguir, o conceito de alguns outros princípios constitucionais, os
quais se relacionam especialmente com a matéria tributária, não sendo, contudo,
exclusivos do Sistema Constitucional Tributário.
50
Isso porque, como veremos, em matéria tributária encontramos reafirmações
de princípios gerais, princípios específicos que buscam assegurá-los e, também,
princípios exclusivamente tributários.
1.5.2.1 Princípio da legalidade
Nos termos do §2º do artigo 5º da Constituição Federal, “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Dispõe o
artigo 5º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Conforme se observa, o legislador constitucional conferiu à legalidade a
condição de direito fundamental, de forma que não se pode imaginar a criação de
obrigação tributária que não esteja devidamente prevista em lei.
No entanto, a segurança em tela foi “reforçada” no âmbito tributário, pela
existência de previsão constante do artigo 150, inciso I da Constituição Federal, que
assim dispõe:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
O princípio da legalidade tributária surge em 1215 uma vez que incorporado à
Magna Charta52 e logo foi replicado nos ordenamentos de nações democráticas, sob
52 Magna Charta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae (Grande Carta das liberdades, ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei Inglês).
51
a máxima de que não é legítima “nenhuma tributação sem representação” – no
taxation without representation.53
Diante da reafirmação do princípio da legalidade em matéria tributária, somos
da opinião que a ideia de “palavras inúteis” no âmbito da Constituição não pode ser
levada adiante, de maneira que referido “reforço” agrega característica especial à
legalidade quando em matéria tributária.
Tal especificação no âmbito tributário impõe que o exercício da competência
tributária ocorra por meio de lei, mas não repetida aqui por mero reforço, a
legalidade tributária agrega a concepção de rigor quanto à positivação das
materialidades. Sobre o rigor adicionado à legalidade em matéria tributária em
função da disposição específica já destacada, merece consideração a opinião de
Hugo de Brito Machado, para o qual esta não importa somente na pormenorização
dos aspectos da hipótese de incidência, nos seguintes termos:
A rigor, o que a lei deve prever não é apenas a hipótese de incidência, em todos os seus aspectos. Deve estabelecer tudo quanto seja necessário à existência da relação obrigacional tributária. Deve prever, portanto, a hipótese de incidência e o consequente mandamento. A descrição do fato temporal e da correspondente prestação, com todos os seus elementos essenciais, e ainda a sanção, para o caso de não prestação.54
Isso porque, a legalidade é princípio constitucional escorado nos valores da
igualdade, da democracia e da segurança jurídica, visando proteger o particular de
excessos por parte do Estado, contra o patrimônio. Neste sentido, José Artur Lima
Gonçalves55 compreende a existência de um princípio do consentimento, pelo qual
seria “aquele que exige que o particular consinta (i) em concorrer para os gastos
públicos e (ii) em que medida o fará”.
Gilmar Mendes, por sua vez, aborda o ponto sob o mesmo aspecto,
enfatizando a relação existente entre legalidade e segurança jurídica, nos seguintes
termos:
53 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1281. 54 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25.ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Ed. Malheiros p. 79. 55 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a Renda. São Paulo: Ed. Malheiros, 1997, p. 86.
52
(....) o princípio da legalidade tributária tem suas raízes fincadas no terreno da antiquíssima luta pelo consentimento na instituição de tributos. (...) Nos dias atuais, essse princípio consubstancia a garantia de que nenhum tributo será exigido ou aumentado sem lei que o estabeleça – CFB, art. 150, I o qua aponta, desde logo, para outro princípio – o da segurança jurídica -, na medida em que, sendo público o processo legislativo, qualquer do povo poderá acompanhá-lo, diretamente ou pelos representantes, e prevenir-se contra as investidas “surpreendentes” do poder de tributar. Mais ainda, como legalidade estrita, leciona Paulo de Barros Carvalho, esse princípio estabelece, também, a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico assim como os dados prescritores da relação obrigacional.56
Desta forma, o consentimento, ocorrido por meio do Poder Legislativo,
condiciona a atividade tributante, bem como legitima a exigência do tributo, que
passa a ser exigível pelo Poder Executivo.
Tal princípio pressupõe que a exigência e o aumento de tributos se sujeitem à
lei formal, a qual deverá especificar pormenorizadamente o fato a ser tributado, de
acordo com todos os aspectos da hipótese de incidência tributária, conceito que
exploraremos melhor a seguir. Não o sendo, a lei deverá ser declarada
inconstitucional. A ideia de legalidade estrita, ou de reserva absoluta da lei, faz-se
presente ao imaginarmos o oposto, a possibilidade de uma norma que permitiria ao
Estado exigir tributo ao seu talante.
Por este motivo, o trabalho necessário no exercício da tributação deve ser de
mera subsunção, de verificação das exigências da lei, sem qualquer valoração sobre
eventual justiça ou injustiça da exigência, esta deverá ser a preocupação de outras
normas. Neste sentido, Roque Antonio Carrazza57:
A lei tributária deve conter critérios idôneos e suficientes para cortar quaisquer arbitrariedades do Fisco. Tais critérios devem necessariamente apontar: a) os destinatários do tributo (os contribuintes), porquanto não se admite fique relegada ao arbítrio da Fazenda Pública a inclusão ou exclusão de determinadas categorias de contribuintes; e b) os pressupostos do tributo, isto é, a coisa, o ato, o fato, a situação ou a qualidade da pessoa que constitui o
56 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 1281. 57 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 290.
53
pressuposto objetivo da tributação, e também, a relação em que se deve achar o sujeito passivo da prestação.
Luciano Amaro, a respeito da legalidade tributária, busca verificá-la a partir
daqueles para os quais a norma é dirigida, o que auxilia na compreensão da
questão:
O conteúdo do princípio da legalidade tributária vai além da simples autorização do Legislativo para que o Exxstado cobre tal ou qual tributo. É mister que a lei defina in abstracto todos os aspectos relevantes para que, in concreto, se possa determinar quem terá de pagar, quanto, a quem, à vista de que fatos ou circunstâncias. A lei deve esgotar, como preceito geral e abstrato, os dados necessários À identificação do fato gerador da obrigação tributária e À quantificação do tributo, sem que restem à autoridade poderes para, discricionariamente determinar se “A” irá ou não pagar tributo, em face de determinada situação.58.
Devemos observar, ainda, que a lei aqui tratada é a lei ordinária, salvo nos
casos onde o constituinte ressalvou, quais sejam os empréstimos compulsórios, os
impostos residuais e as contribuições sociais previstas no §4º, do artigo 195, da
Constituição Federal.
1.5.2.2 Princípios da igualdade (isonomia) e da capacidade
contributiva
O presente item insere-se em parte deste trabalho que busca averiguar os
princípios relacionados especificamente com a matéria tributária, mas, por óbvio,
não compreendemos que a isonomia seja considerada um princípio exclusivamente
tributário.
No entanto, o que buscamos aqui expor é quanto à relação simbiótica
verificada entre o princípio da isonomia, da capacidade contributiva e da não
utilização de tributo com efeito de confisco, os últimos dois especialmente afetados à
matéria tributária.
58 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 18.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2014, p. 134.
54
Em relação ao princípio da isonomia, este surge no ordenamento por meio da
previsão constante do inciso I do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, nos
seguintes termos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Devemos observar que a norma em questão não merece ser interpretada de
forma literal, haja vista que se assim o fosse restaríamos por esvaziar o alcance
deste princípio, devendo ser promovida distinção necessária no sentido de
construirmos o conceito de isonomia, a partir do de igualdade. Neste sentido, esta
igualdade não há de ser entendida como imperativo de aplicação da mesma pena
para o mesmo delito. Na realidade, esta norma quer dizer que a mesma lei será
aplicada a todos que pratiquem o fato típico nela definido como crime, por exemplo.
A distinção que aqui se busca é bem trabalhados por Renato Lopes Becho:
A sua interpretação literal, ou gramatical, quase nada diz, ou melhor, diz muito menos do que o princípio efetivamente quer enunciar. Vamos a uma interpretação simplificadora, para comprovar o que dissemos: sem entrar em qualquer em discussões de qualquer outra órbita, mas colocando exclusivamente em análise tal princípio – é o que a interpretação gramatical faz – poder-se-ia dizer que a licença-maternidade de cento e vinte ou cento e oitenta dias e a licença-paternidade de cinco dia são inconstitucionais, ou, pelo menos, que uma delas o é, porque trata de uma forma as mães e de outra os pais. Não é vedado distinguir entre sexos? O exemplo é grotesco de propósito, apenas para demonstrar quão difícil é o entendimento do assunto59.
Em assim sendo, a isonomia se diferencia da igualdade, uma vez que permite
tratamentos desiguais e, consequentemente, proporciona equalização de diferenças
existentes. Pelo exemplo trazido por meio da citação acima, verificamos nítida
distinção entre igualdade e isonomia, sendo o último a interpretação mais coerente
59 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 396.
55
do inciso I, do artigo 5º, uma vez que ao não tratar todos como iguais, promove a
igualdade dentre aqueles em condições distintas.
Por isso, compreendemos corretas as lições no sentido que a igualdade
expressamente reconhecida nas constituições é da sorte jurídico-formal, a igualdade
perante a lei. A distinção entre igualdade formal e material se faz mais apreensível
ao nos valermos de exemplo, ao cotejarmos a disposição do inciso I, artigo 5º com o
inciso XXX, artigo 7º, ambos da Constituição. No primeiro dispositivo é declarado
que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Já no segundo
dispositivo, respectivamente, encontramos regras materiais de igualdade, as quais
proíbem distinções de ordens específicas como, por exemplo, a distinção de
salários.
Ainda no âmbito da igualdade (isonomia) em matéria constitucional que não a
tributária, destacamos a relação que se deve estabelecer entre isonomia e regime
democrático, uma vez que sem a previsão de igualdade seria completamente
aniquilado o ideal democrático ou o princípio republicano. Esta também é a opinião
de Gilmar Ferreira Mendes:
De qualquer forma, para que se tenha presente o seu relevo nos regimes democráticos, vale lembrar, com Forsthoff, que o Tribunal Constitucional da Alemanha, repetidas vezes afirmou que o princípio da igualdade, como regra jurídica, tem um caráter suprapositivo, anterior ao Estado, e que mesmo se não constasse do texto constitucional, ainda assim teria de ser respeitado.60
No âmbito tributário, a igualdade vem reforçada, encontrando previsão
especifica, da mesma forma como ocorre com a legalidade e a irretroatividades das
normas tributárias. Neste sentido, dispõe o inciso II, do artigo 150, da Constituição
Federal:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
60 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 148.
56
Muito embora o ordenamento traga previsão quanto à igualdade no artigo 5º,
o qual emana seus efeitos por todo o sistema jurídico, a igualdade tributária também
é prevista no artigo 150 da Constituição Federal, impondo claro limite à competência
tributária dos entes políticos, os quais não poderão instituir tributo que trate de forma
desigual contribuintes que se encontram em situações idênticas. Ainda, devemos
observar que pela utilização do vocábulo “situações”, o legislador quis, obviamente,
referir-se a situações econômicas, vez que somente sobre fatos econômicos podem
incidir tributos.
O princípio da igualdade, tanto em disposição geral quanto em disposição
especialmente afetada à matéria tributária, é notadamente escorado em outros
princípios constitucionais, já abordados, tais como o princípio republicano e o
princípio democrático. Neste sentido, elucida a Elizabeth Nazar Carrazza61:
Sem igualdade não se pode falar em democracia. Sem igualdade não há República. É princípio constitucional que não admite derrogação através de lei.
Desta forma, a compreensão da igualdade como isonomia prescreve que a
tributação deverá respeitar a capacidade econômica do contribuinte, modalizando a
carga tributária, de acordo com a situação deste. No mesmo diapasão, a atual Carta
Magna comporta outros dispositivos que prescrevem o respeito à diferenciação
tributária, conforme o artigo 145, §1º, da Constituição Federal. Assim dispõe o
referido artigo:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Conforme se observa, o comando em tela dirige-se especialmente aos
impostos, isso em função da natureza jurídica desta espécie tributária, a qual 61 CARRAZZA, Elizabeth Nazar. IPTU. São Paulo: Ed. Juruá, 1992, p. 25.
57
permitiria a instituição de exação abusiva, que desrespeitasse a situação econômica
de cada contribuinte, o que entendemos não ser aplicável às taxas, nem às
contribuições de melhoria.
O que aqui tentamos demonstrar é a relação observada entre o conceito de
isonomia, verificado acima, e o conceito de capacidade contributiva, uma vez que
ambos inserem-se no sistema de forma a assegurar a modulação da carga tributária,
de acordo com a capacidade de contribuição de cada um. A respeito da estreita
relação existente entre isonomia (igualdade) e capacidade contributiva, bem explana
Roque Antonio Carrazza:
II – Acrescentamos que o princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza.62
Portanto, o princípio da capacidade contributiva deve ser observado como
norma que insere limite ao exercício da competência tributária, pois impede sejam
criados impostos que não sejam graduados, de alguma forma, pela capacidade de
contribuição. Verificamos ser este mandamento mais uma vez ratificado, para o
imposto sobre a renda, nos termos do inciso I, §2º, do artigo 153, da Constituição
Federal, pelo qual este imposto será informado pelos critérios da generalidade, da
universalidade e da progressividade, na forma da lei. Da mesma sorte, verificamos
outras manifestações de respeito à capacidade contributiva, tais como a seletividade
do imposto sobre produtos industrializados (artigo 153, inciso I, do §3º, da CF/88), a
progressividade do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (artigo
156, inciso I, do §1º, da CF/88) e do imposto sobre a propriedade territorial rural
(artigo 153, inciso I, do §4º, da CF/88), dentre outros comandos. 62 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 97.
58
A partir das lições acima, verificamos haver uma flagrante relação entre o
princípio da igualdade (isonomia) e o princípio da capacidade contributiva, sendo
coerente destacarmos a posição de Alberto Xavier, para o qual a capacidade
contributiva “é um simples aspecto em que se desdobra o princípio igualdade e não
regra autônoma”63.
José Afonso da Silva também faz ponderações interessantes a respeito da
vinculação existente entre a isonomia e o respeito à capacidade contributiva, nos
seguintes termos:
Não basta, pois, a regra de isonomia estabelecida no caput do art. 5º para concluir que a igualdade perante a tributação está garantida. O constituinte teve a consciência de sua insuficiência, tanto que estabeleceu que é vedado instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, II). Mas também consagrou regra pela qual, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (art. 145, §1º). É o princípio que busca justiça fiscal na distribuição do ônus fiscal na capacidade contributiva do contribuinte, já discutido antes. Aparentemente, as duas regras se chocam. Uma veda o tratamento desigual; outra autoriza. Mas em verdade ambas se conjugam na tentativa de concretizar a justiça tributária.64
Constatamos por tudo o quanto exposto, que a capacidade contributiva
ostenta a posição de princípio no ordenamento, independentemente da igualdade,
restando ambos intimamente ligados. A autonomia desta norma como princípio dá-
se pelo comando que alberga, haja vista inovar e relação à igualdade tributária, não
somente impondo justiça em relação àquele que se encontre em situação
equivalente, mas impondo que seja respeitado um mínimo existencial, de forma a
imunizar que se institua imposto de forma a atentar contra a subsistência do
contribuinte.
63 XAVIER, Alberto. Os princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 74. 64 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009, p. 224.
59
Especificamente quanto à relação existente entre a igualdade tributária e a
capacidade contributiva, citamos a opinião de Renato Lopes Becho65, no mesmo
sentido:
Entretanto, o princípio maior (a justiça tributária) não pode ser atingido por nenhum desses princípios isoladamente. Há que se fazer uma superposição sistêmica de ambos, para atingir o tão buscado equilíbrio na tributação, pelo aspecto da sujeição passiva. A capacidade contributiva, então, é um limite mínimo da igualdade tributária, demonstrando qual o espaço que o legislador não pode violar, ao tributar os contribuintes, sob pena de inviabilizar, em análise sociológica, sua manutenção. A partir daí, o princípio da igualdade tributária reina, em busca do equilíbrio entre os contribuintes, sempre quanto ao grau de sacrifício econômico suportado pelo recolhimento de tributos.
Outro ponto que verificamos importante refere-se à natureza objetiva do que
se deve considerar por capacidade contributiva. Neste sentido, a verificação que
deve ser feita quanto à existência da capacidade contributiva não leva em
consideração aspectos subjetivos de riqueza, o que faria necessária análise quanto
à riqueza do contribuinte como um todo. O que a capacidade contributiva leva em
consideração são os aspectos objetivos da riqueza, externados por meio de fato
econômico que indica sua existência.
Entendemos deste modo em função da própria escolha do legislador
constitucional, ao dispor a respeito dos fatos que podem ser critério para a criação
de tributo, quais sejam aqueles que presumem a existência de riqueza, o que a
doutrina escolheu denominar fatos-signo presuntivos de riqueza66 . Por exemplo,
temos como fatos desta natureza, devidamente escolhidos pelo constituinte,
importar, auferir renda, circular mercadoria, industrializar, prestar serviço, dente
outros. Caso assim não o fosse, a tributação deveria recair tão somente sobre o
patrimônio do contribuinte, o que claramente não foi escolha do legislador
constitucional.
Mais adiante, especialmente relacionado à matéria do ICMS, destacaremos
em relação ao princípio da não-cumulatividade, o qual desempenha função
65 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 405. 66 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6.ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 537.
60
pragmática de maneira a impedir a tributação sobre a mesma porção da riqueza,
que já fora fato tributado na etapa anterior.
Em momento posterior, nos debruçaremos sobre caso de flagrante
desrespeito à capacidade contributiva, especificamente o caso onde é tributado pelo
ICMS-Importação a mera entrada de bens em território nacional, mesmo quando
promovida por pessoa física, ou pessoa jurídica não contribuinte do imposto. Este
desrespeito fica mais fortemente marcado ao compreendermos o papel da não-
cumulatividade, a qual é cabalmente suprimida nestas oportunidades, agravando
imensamente a carga tributária incidente nos casos.
Mais adiante também, especialmente relacionado à matéria do ICMS,
destacaremos em relação ao princípio da não-cumulatividade, o qual desempenha
função pragmática de maneira a impedir a tributação sobre a mesma porção da
riqueza, que já fora fato tributado na etapa anterior.
1.5.2.3 Princípio da proibição de tributação com efeito de confisco
Ainda no sentido de impor limite quanto à instituição de tributo, verificamos a
norma constante do inciso IV, artigo 150, da Constituição Federal, o qual prescreve
da seguinte forma:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV - utilizar tributo com efeito de confisco;
O que chama atenção do dispositivo em tela é que por meio dele se impõe
limite ao poder de tributar, de maneira que este não poderá ostentar característica
confiscatória. Inexistindo conceito predeterminado do que seria confisco, a doutrina
muito debate a respeito do alcance desse vocábulo, o qual se faz decisivo para
verificarmos o alcance deste instituto.
61
A conceituação do que se pode compreender por confisco deverá, então, ser
construída pelo intérprete da norma, bem como pelo legislador, a partir de conceitos
que se encontrem, necessariamente, no âmbito da própria Constituição.
Neste sentido, devemos ter presente que a atividade tributária consiste em
autorização constitucional de interferência sobre o patrimônio do contribuinte, por
parte do Estado, uma vez que a Constituição garante, nos termos do artigo 5º, inciso
XXII, proteção à propriedade privada. Em assim sendo, compreendemos que o limite
concebido como confisco consiste exatamente na necessidade de respeito à
manutenção da propriedade, de forma que a imposição de tributo não acarrete
perecimento de sua fonte produtora, ou seja, a extinção do patrimônio.
A respeito do que pode ser compreendido por confisco, Renato Lopes Becho
refere designação específica para estes termos em matéria tributária, conforme
vemos adiante:
Confisco, em termos tributários, pode ser visto como a transferência total ou de parcela exagerada e insuportável do bem objeto da tributação, da propriedade do contribuinte para a do Estado. Expliquemos esta asserção. Toda tributação significa a transferência de riqueza, objeto da exação, da propriedade do particular, seu contribuinte, para o Estado. A tributação deve ser realizada de modo a não retirar o bem ou inviabilizar o direito de propriedade, pois não se espera que o Estado atue contra seus sócios, os partícipes da organização social67.
No entanto, muito embora seja possível percebermos que o legislador
constitucional teve por intenção a proteção do patrimônio do contribuinte, não é tão
fácil a delimitação do que se pode compreender por interferência exagerada sobre a
propriedade, admissível por meio da tributação. O tema do limite quanto ao alcance
do que se pode considerar por confisco, na posição de Paulo de Barros Carvalho68,
ainda carece de definição, nos seguintes termos:
A temática sobre as linhas demarcatórias do confisco, em matéria de tributo, decididamente não foi desenvolvida de modo satisfatório, podendo-se dizer que sua doutrina está ainda por ser elaborada.
67 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 418. 68 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 213.
62
A intuição, que sabemos ser poderoso instrumento cognoscitivo, indica-nos alguns casos flagrantes. Todavia, não oferece diretriz segura.
Mais adiante, no sentido do que pode ser considerado por confisco, é possível
traçarmos relação com o direito penal, pois também nesta seara é observada
hipótese de perda patrimonial, conforme caso presente na própria Constituição.
Dispõe o inciso XLVI, art. 5º, da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: (...) b) perda de bens; (....)
Temos, portanto, embora indiretamente, indicação constitucional do que pode
ser considerado confisco. No direito tributário também encontramos situações onde
se é penalizado com o perdimento de bens, como é o caso de algumas sanções
aduaneiras, como em casos de fraude.
No entanto, devemos fazer atenção ao fato que em ambos os casos onde o
perdimento das mercadorias é autorizado, inclusive na própria Constituição, estamos
tratando de situações de penalização por ato ilícito, o que por definição o tributo não
é69. Ou seja, outra interpretação que se pode abstrair do princípio do não-confisco é
que a partir deste não é permitido ao Estado promover subtração do patrimônio, a
título de tributo, que tenha o mesmo efeito do quanto decorre de fato ilícito70.
De todo modo, muito embora não constando expresso em nosso
ordenamento, podemos seguramente afirmar que a utilização de tributo com efeito
de confisco ocorre nos casos onde há transferência total da propriedade, ou de
montante exagerado, para o Estado. O exagero deverá ser observado de acordo
69 CTN, art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. 70 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 435.
63
com a capacidade contributiva do contribuinte, caso a caso. Neste sentido, esclarece
Roque Antonio Carrazza:
IX - É certo que, a priori, é extremamente difícil, se não, mesmo impossível, precisar a partir de que ponto um imposto passa a ser confiscatório. É igualmente certo, porém, que isso se saberá analisando cada caso concreto, ou seja, averiguando – como lucidamente observa Estevão Horvath – se ele foi criado com finalidades extrafiscais”, qual sua natureza intrínseca”, qual o “tipo de riqueza gravada”, e assim avante.71
A tributação confiscatória também é aquela que desrespeita a capacidade de
contribuir. No entanto, o inverso não é verdadeiro, no que concordamos com a
opinião de Renato Lopes Becho, mais uma vez. Vejamos:
A pergunta que fazemos, neste momento, é a seguinte: é possível uma lei tributária ferir o princípio da capacidade contributiva, sem ferir o princípio do não confisco? Damo-nos pressa em responder: parece-nos que sim. Em nossa opinião, é possível uma exação fiscal ser inconstitucional por desrespeitar o princípio da capacidade contributiva e não significar, necessariamente, um confisco. Ao menos hipoteticamente. (...) Suponhamos, também, que o legislador competente altere a legislação específica, majorando a alíquota do sobredito imposto de 1% para 5%. Conforme pensamos, 5% sobre o valor venal do imóvel, a título de IPTU, pode deixar diversos contribuintes em sérias dificuldades financeiras. A lei estipulou que a majoração poderá ser declarada inconstitucional por ferir o princípio da capacidade contributiva, expresso no Texto Constitucional, art. 145, §1º.72
Desta forma, consideramos que capacidade contributiva constitui um primeiro
limite ao legislador inferior, de forma que este não pode tributar de forma excessiva.
Outra coisa, no entanto, é a tributação confiscatória, que passa a ostentar feição de
atentado à manutenção do patrimônio particular, portanto um segundo limite, ainda
mais agressivo.
Ainda no sentido de aclarar em relação aos limites do que pode ser
considerado confisco, convém trazermos as lições de Regina Helena Costa, a qual
compreende pela existência de princípio maior, qual seja o princípio de não-
71 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 118. 72 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 436.
64
obstância do exercício de direitos fundamentais por via de tributação. De acordo
com este entendimento, albergados no referido princípio, estão todos os direitos
fundamentais relacionados à matéria tributária, tais como imunidades e garantias de
não intervenção no patrimônio.
Neste entendimento, o princípio do não confisco existe como manifestação
daquele, nos seguintes termos:
Portanto, o princípio em foco tem sua eficácia manifestada não somente mediante a instituição de situações de intributabilidade, mas igualmente mediante a observância de outros princípios constitucionais, tais como o da vedação da utilização de tributo com efeito de confisco (art. 150, IV), o da função social da propriedade (arts. 5º, XXIII, e 170, III) e o da liberdade de profissão (arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único)73.
No que se relaciona com o ICMS-Importação, na medida das alterações
promovidas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, passa a ser permitida
incidência do ICMS no caso de quaisquer importações, até mesmo sobre aquelas
que não impliquem inserção de bem no ciclo econômico nacional. Nestes casos, não
é respeitada a matriz constitucional do ICMS, a qual necessariamente implica
tributação não-cumulativa. Ou seja, nos casos em apreço, a tributação passa a
subtrair importâncias significativamente superiores, de acordo com previsão
constitucional que compreendemos por inadequada.
Nesses casos, diante das elevadas alíquotas de ICMS-Importação, bem como
pela técnica de apuração da base de cálculo que faz incluir tanto importâncias
estranhas ao conceito de operação mercantil, quanto o próprio tributo,
compreendemos tratar-se de prática confiscatória.
No que diz respeito ao princípio da não-cumulatividade, passamos a analisar
quanto ao seu conteúdo, bem como conexão com a materialidade do ICMS e com a
modulação da carga tributária.
73 COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e Justiça Tributária – Exeqüibilidade de Lei Tributária e Direitos do Contribuinte. São Paulo: Ed. Malheiros, 2007, p. 156.
65
1.5.2.4 Princípio da não-cumulatividade
Inspirada no direito estrangeiro do período posterior à Primeira Guerra
Mundial, no Brasil, a tributação sobre o “consumo” surgiu pelo Imposto sobre
Vendas Mercantis, nos termos da Lei Federal nº 4.625 de 1922, de competência da
União Federal.
Posteriormente, este tributo foi deslocado para competência das unidades da
Federação, passando a ser denominado Imposto sobre Vendas e Consignações
(IVC), tendo a Constituição de 1934 alargado sua materialidade.
Ainda neste momento, o tributo sobre o consumo incidia de forma cumulativa,
fato que restava por favorecer as empresas que pudessem concentrar diversas
etapas da cadeia em um mesmo estabelecimento e, consequentemente, concentrar
a incidência em um único momento.
Além disso, a cumulatividade apresentava outros efeitos, tais como distorção
no preço dos bens, segundo a necessidade de circulação de determinado setor,
estímulo à importação de bens, desestímulo às exportações, alto custo de
fiscalização, dentre outros.
Em relação à técnica de não-cumulatividade, esta tem sua origem no direito
francês, o qual trouxe o instituto em referência no que diz respeito ao tributo sobre
valor agregado existente naquele sistema jurídico, no chamado TVA – Taxe sur la
Valeur Ajoutée.
No que se refere ao sistema brasileiro, a não-cumulatividade surge em nível
constitucional em 1965, por meio da Reforma Constitucional nº 18, de forma que a
substituição do IVC pelo ICMS não apenas promoveu uma alteração de
nomenclatura mas, ao instituir a não-cumulatividade, operou alterando a estrutura do
imposto, por meio de um novo princípio informador.
Posteriormente, no âmbito da Constituição Federal de 1988, a não-
cumulatividade veio inserta no art. 155, parágrafo 2º, inciso I, como um mandamento
direcionado ao legislador infraconstitucional do ICMS, bem como de outros tributos
como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) 74 , algumas contribuições
74 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: (...) IV - produtos industrializados;
66
sociais75 e em relação à competência residual76. Em relação ao ICMS, a disposição
constitucional pertinente é a não-cumulatividade:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; (...).
Melhor explicando, a imposição constitucional da não-cumulatividade requer
seja instituída tributação que permita a compensação do tributo devido na etapa
anterior, fazendo com que a tributação apenas inove em relação àquilo que foi
“agregado” pelo contribuinte que promove, por exemplo, a circulação da mercadoria.
(...) § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. (...) § 3º - O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da essencialidade do produto; II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores; (...). 75 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998). a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (...) IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (...) § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas 76 Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;
67
Para tal, a Constituição prevê a existência de sistemática de abatimento de débitos e
créditos, a qual é bem explicada por Sacha Calmon Navarro Coêlho:
Ao cabo, a regra da não-cumulatividade, tanto no ICMS quanto no IPI (por isso que adotamos a técnica do imposto contra imposto em períodos fechados de tempo), é a seguinte: A) entradas tributadas geram crédito; a.1) entradas isentas ou imunes não geram crédito; B) saídas tributadas geram débitos; b.1) saídas não-tributadas (isentas ou imunes) não geram débitos; C) período de apuração: 30 dias; D) matéria apurável: todas as entradas e saídas tributáveis (somatórios). + débito – crédito = imposto a pagar - débito + crédito = crédito a transferir77
Estamos diante, portanto, de duas categorias jurídicas distintas (crédito e
débito), as quais geram diferentes relações jurídicas, nas quais credor e devedor se
alternam, nas pessoas do Estado e do contribuinte. O que compreendemos opera
distinção cabível entre as referidas naturezas é o fato da primeira (crédito) não ter
como sujeito ativo o Estado, ou seja, não se trata de natureza tributária78.
Ainda em relação à disposição constitucional pertinente a não-cumulatividade
do ICMS, devemos ter em conta o sentido que deve ser atribuído à expressão
“montante cobrado”, que não pode ser interpretado literalmente, uma vez que, se
assim o for, será possível restrição ao crédito tributário decorrente da não-
cumulatividade, em decorrência da insolvência do contribuinte situado na etapa
imediatamente anterior. Esta interpretação, no entanto, resta por vincular as duas
relações jurídicas inerentes ao débito e ao crédito inerente a não-cumulatividade, o
que não podemos admitir, haja vista as circunstâncias da cobrança serem alheias ao
conhecimento do adquirente da mercadoria, com o correspondente crédito.
Por essa razão, a fim que se verifique o princípio da não-cumulatividade em
toda sua extensão de princípio constitucional, e com o desejado efeito econômico, a
expressão “cobrado” deverá ser compreendida por incidente, sendo permitido o
desconto de crédito em função da mera previsão de incidência na etapa anterior.
77 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 395. 78 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 213.
68
O efeito econômico que se busca pela não-cumulatividade é o de não permitir
tributação em sobreposição, ou seja, sobre mesma porção do fato econômico já
submetido à tributação na etapa anterior. Por este motivo, caso fosse suprimida a
não-cumulatividade, seria percebido forte abalo na estrutura do Estado, pois tornaria
os preços de mercado artificialmente mais onerosos, acarretando em arrecadação
exorbitante por parte do Estado, o que colocaria em risco a manutenção da atividade
empresarial. Sobre o tema, são as palavras de José Eduardo Soares de Melo,
verbis:
Caso fosse suprimida, a não-cumulatividade tributária geraria um custo artificial indesejável aos preços dos produtos e serviços comercializados. Esses preços estariam totalmente desvinculados da realidade, da produção e da comercialização. Isto oneraria o custo de vida da população, e encareceria o processo produtivo e comercial, reduzindo os investimentos empresariais, em face do aumento de custos ocasionado por esse artificialismo tributário, oriundo da cumulatividade.79
Muito embora flagrantes os efeitos econômicos da não-cumulatividade, o que
deve interessar ao intérprete da norma constitucional que prevê a não-
cumulatividade é, necessariamente, o conceito jurídico, ou seja, os critérios que
norteiam a sistemática de abatimento de débitos e créditos, que dão azo ao princípio
que aqui buscamos estudar. Desta forma, fazemos atenção à necessidade de
construção de um conceito jurídico deste instituto, o que somente será possível a
partir de interpretação sistemática deste instituto no âmbito da Constituição.
Por este motivo, muito se discute sobre a natureza da não-cumulatividade, se
esta consiste em uma regra de apuração ou se ostenta a posição de princípio
constitucional, distinção esta que tem implicações significativas na compreensão do
tema, pelas características decorrentes daquilo que já conceituamos como princípio
constitucional. Já adiantamos aqui entendermos que a não-cumulatividade deve ser
percebida como verdadeiro princípio, o que se verifica, principalmente, pela relação
observada entre a não-cumulatividade e outros princípios constitucionais tributários,
como o da capacidade contributiva, da igualdade e da vedação à utilização de tributo
com efeito de confisco, já estudados isoladamente.
Conforme tratado anteriormente, os princípios da igualdade e da capacidade
contributiva correspondem a comandos constitucionais de obediência obrigatória
79 Ibid., p. 210.
69
pelo legislador ordinário, de maneira que a ele incumbe a tarefa de criar tributos
uniformes e que respeitem a capacidade econômica do contribuinte. A não-
cumulatividade, portanto, programa condição que permite distribuir a tributação de
acordo com a cadeia de produção ou comercialização, de forma que nenhum dos
contribuintes do referido ciclo serão tributados em bases isonômicas.
Pelo mesmo motivo, a lei não poderá instituir que a não-cumulatividade seja
suprimida em determinada etapa do ciclo, haja vista que alguns não poderão ser
prejudicados em relação aos demais, pelo primado da igualdade, bem como pelo
respeito à capacidade contributiva, decorrente da capacidade econômica, verificada
em termos objetivos em função da existência de operação mercantil, por exemplo.
Da mesma forma, podemos observar relação de complementaridade entre o
princípio da não-cumulatividade e o princípio que veda a instituição de tributo com
efeito de confisco, uma vez que o primeiro impõe regra propiciadora da existência de
ambiente tributário não confiscatório, já que diminui o impacto econômico da
tributação sobre o consumo.
Portanto, o princípio da não-cumulatividade está diretamente ligado à noção
de direito fundamental, ou seja, na garantia de que o particular somente será exigido
nos estritos termos autorizados na Constituição, de maneira que qualquer violação
ao referido princípio constitui desnaturação da competência tributária possível,
outorgada pelo constituinte originário.
Este é o entendimento de Roque Antonio Carrazza exatamente no que diz
respeito à alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, nos
seguintes termos:
Ora, a Emenda Constitucional 33/2001, ao dar nova redação ao art. 155, §2º, IX, “a”, da CF, permitiu que os Estados-membros criassem, por meio de lei ordinária, um novo imposto, com a mesma hipótese de incidência e base de cálculo do imposto sobre a importação (previsto no art. 153, I, da Carta Magna) e passando ao largo do princípio da não-cumulatividade. Mas, ainda que se aceite, apenas ara argumentar, que o novo imposto também é ICMS, ele permanece inconstitucional, já que não tem como cumprir os ditames do princípio da não-cumulatividade80.
Ainda, em relação ao ICMS, destacamos mais uma vez que esta sigla alberga
a existência de diversos tributos, incidentes sobre a circulação de mercadorias,
80 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 91.
70
sobre determinadas prestações de serviço, bem como sobre importações,
materialidades estas que em comum devem respeitar a não-cumulatividade. Nestes
termos, é inegável que a não-cumulatividade é princípio informador dos tributos
brasileiros incidentes sobre o consumo, visto que sua instituição tem por objetivo a
diminuição da carga tributária, decorrente da tributação em cascata, bem como
corrigir possíveis distorções no âmbito econômico, também geradas pela outra forma
de apuração.
Portanto, a cláusula de não-cumulatividade não pode ser invocada como
norma programática que traduziria uma mera recomendação, mas sim uma diretriz
constitucional imperativa, de observância obrigatória tanto pelo legislador como pelo
contribuinte do imposto.
Em assim sendo, pelos motivos acima, defendemos ser a não-cumulatividade
um princípio constitucional, o qual encontra sua definição jurídica escorada não em
argumentos econômicos, financeiros ou políticos, mas em outros princípios
constitucionais tributários.
José Eduardo Soares de Melo 81 também compreende que a não-
cumulatividade é, de fato, um princípio. Vejamos:
A cláusula da “não-cumulatividade” não consubstancia mera norma programática, nem traduz recomendação, sequer apresenta cunho didático ou ilustrativo, caracterizando, na realidade “diretriz constitucional imperativa”.
Um pouco diferente, mas reconhecendo o caráter principiológico da não-
cumulatividade, é a compreensão de Paulo de Barros Carvalho:
O princípio da não cumulatividade é do tipo limite objetivo: impõe técnica segundo a qual o valor de tributo devido em cada operação será compensado com a quantia incidente sobre as anteriores, mas preordena-se à concretização de valores como o da justiça da tributação, respeito à capacidade contributiva e da justiça da tributação, respeito à capacidade contributiva e uniformidade na distribuição da carga tributária sobre etapas de circulação e de industrialização de produtos.82
81 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 211. 82 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 220.
71
Nestes termos, a doutrina bem aceita a ideia da não-cumulatividade como
princípio constitucional, arraigado na concepção de que esta existe de forma a
controlar a carga tributária suportada pelos adquirentes de itens de consumo,
corolário de outros princípios constitucionais, como já verificado acima.
Outro tema bastante polêmico relacionado a não-cumulatividade consiste na
discussão quanto a esta ser elemento que configura a regra-matriz dos tributos
incidentes sobre o consumo, ou se esta se refere a elemento exógeno ao arquétipo
constitucional destes tributos. Este entendimento subsidia-se na concepção de que
uma vez tendo a não-cumulatividade implicação direta no montante do tributo
exigível, estar-se-ia diante de elemento da base de cálculo do tributo, bem como a
respeito da natureza do fato gerador, se instantâneo ou complexivo. Destacamos,
mais uma vez, a opinião de Sacha Calmon Navarro Coêlho para o qual a não-
cumulatividade é parte integrante da norma tributária do ICMS:
Discordamos, com respeito, de todos os que acham não integrar a norma jurídico-tributária do ICM, o princípio da não-cumulatividade. Integra sim, e integra a consequência. A base de cálculo não é o único modo de se apurar o quantum do dever decorrente da realização do suposto. Seria reduzir a estrutura normativa à sua feição mis primária. Existem impostos sofisticados, do ponto de vista jurídico, tais como o ICMS e o imposto de renda, que exigem operações algo complexas para a conclusão do quantum debeatur e que solicitam o concurso de leis e princípios diversos, todos convergentes a um só fim: a “quantificação” do dever do sujeito passivo da obrigação. No caso específico do ICMS, o imposto devido não decorre apenas da incidência da alíquota, singela e primária, sobre a base de cálculo, esta o valor de saída da mercadoria decorrente da operação que a faz circular. Depende de outros cálculos e de outros elementos complicadores. Depende, v.g., por expressa determinação constitucional, da dedução do crédito devido pelas entradas do valor das “saídas”83.
Este entendimento leva em consideração que o fato gerador do ICMS é
complexivo, ou seja, que apenas estaria presente após decorrido período de tempo
necessário para que se opere o “encontro” de débitos e créditos tributários
compensáveis.
A compreensão que não considera a não-cumulatividade como elemento do
mandamento tributário considera que a base de cálculo do ICMS é meramente o
83COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 401.
72
valor de que decorre da “saída da mercadoria”. O abatimento dos créditos seria
permitido como elemento que somente interessa ao débito tributário, em momento
posterior à incidência. De acordo com esta doutrina, portanto, o fato gerador do
ICMS é instantâneo, incidente quando da operação mercantil. Neste sentido, dispõe
Roque Antonio Carrazza,84 nos seguintes termos:
II – Realmente, se a base de cálculo (que mede o fato jurídico tributário) do ICMS é o valor da operação (ou da prestação) realizada, resulta claro que este imposto não pode incidir sobre o valor acrescentado em relação à anterior (sob pena de ser descumprida a primordial função dimensionada deste mesma base de cálculo). (....) Não passa, pois, de uma técnica de tributação, peculiar ao ICMS (que, em absoluto, não interfere em sua base de cálculo), a apuração do saldo devedor (ou credor) – por meio da diferença entre o imposto relativo às saídas e o correspondente às entradas de mercadorias, bens ou serviços -, que apenas assegura ao contribuinte a fruição do direito constitucional de abater, o quantum do imposto a seu cargo, o “montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal” (art. 155, §2º, I, da CF).
De acordo com este entendimento, portanto, o ICMS incidiria sobre base
imponível que correspondesse ao valor total das saídas, ou seja, os créditos
decorrentes da não cumulatividade não teriam condão de diminuir este montante,
mas somente de reduzir o montante a recolher, de forma que os créditos são
equiparados à moeda, que servem para o pagamento do tributo.
Destacamos, muito embora coerente o entendimento aqui exemplificado pela
lavra de Sacha Calmon Navarro Coêlho, nosso entendimento de que esta
proporciona uma inadequação entre o binômio critério material e base de cálculo, os
quais passam a não guardar a relação que compreendemos que deverão manter,
como veremos adiante. Isso porque uma vez imposto pela Constituição que o ICMS
deverá incidir sobre operações mercantis, por exemplo, a base de cálculo deste
tributo, será, necessariamente, o valor da operação, ocorrendo a incidência no
instante que se der a saída do estabelecimento.
Até aqui nos debruçamos a respeito da não-cumulatividade como um princípio
constitucional, no intuito de delimitar os contornos deste instituto, os quais
percebemos serem eminentemente jurídicos, ostentando a condição de verdadeiro
84 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 427.
73
princípio constitucional, o que se verifica pela relação de inerência que mantém com
os princípios da isonomia, da capacidade contributiva e da vedação de utilização de
tributo com efeito de confisco.
A não-cumulatividade, portanto, impõe seja modulado o efeito econômico
percebido pela tributação nos casos onde existe disposição constitucional neste
sentido. A adoção da não-cumulatividade, portanto, é imposição ao legislador
infraconstitucional, que não pode, em nenhum caso, ser amesquinhada. No entanto,
este não foi o efeito percebido pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 no que diz
respeito ao ICMS incidente sobe operações de importação, como veremos a seguir.
1.5.2.4.1 Violação do princípio da não-cumulatividade em função da
Emenda Constitucional nº 33 de 2001 no caso do ICMS-Importação
Como já tratamos, o elemento comum existente entre todas as hipóteses de
incidência albergadas sob a sigla ICMS corresponde à não-cumulatividade, de forma
que também em relação ao ICMS-Importação a observância quanto à não-
cumulatividade é um mandamento constitucional direcionado ao legislador
infraconstitucional.
Neste sentido, também em relação às mercadorias provenientes do exterior,
deverá ser mantido o direito ao registro de crédito, a ser “abatido” do montante
devido na etapa posterior. Ou seja, o conceito de não-cumulatividade insere-se
perfeitamente no conceito daquilo que pode se submeter ao ICMS, o que
exploraremos melhor adiante. No entanto, pode-se abstrair do mandamento da não-
cumulatividade o fato de que para este instituto ser prestigiado é necessário que
haja a possibilidade de registro de crédito pelas aquisições sujeitas ao ICMS, o que
somente será observado nos casos onde estejamos diante de uma importação de
mercadoria, por pessoa que seja contribuinte do ICMS.
No entanto, como também veremos detalhadamente adiante, a Emenda
Constitucional nº 33 de 2001 legislou em sentido contrário, passando a permitir
hipótese onde embora haja a incidência do ICMS, o crédito não é permitido, uma vez
74
que as operações de importação em questão não se referem a ingressos de bens
que incorporam bens ao ciclo comercial nacional.
A referida Emenda, ao alterar dispositivo constitucional para fazer incidir o
ICMS-Importação sobre qualquer ingresso de bens em território nacional, resta por
macular o princípio da não-cumulatividade, pois não leva em consideração a
destinação do bem, a pessoa do importador, se pessoa física ou jurídica, se
efetuada por contribuinte do imposto ou não. Numa operação de importação normal,
feita por contribuinte do imposto, o ICMS recolhido por ocasião do despacho
aduaneiro de uma mercadoria é registrado a crédito na escrita fiscal, uma vez que
haverá incidência do ICMS na etapa posterior, relacionada ao bem anteriormente
importado.
No entanto, não sendo o importador contribuinte do ICMS, não haverá como
registrar o crédito decorrente da importação e, mesmo que tivesse, não seria
aproveitável, sem a posterior incidência, dentro do ciclo comercial. Foi exatamente
isso que passou a ocorrer após a edição da Emenda Constitucional nº 33 de 2001,
uma vez que o ICMS passou a incidir sobre quaisquer operações de importação, ou
seja, também nos casos onde a importação não é relacionada com atividade de
mercancia.
Observa-se, então, que é flagrante a distorção que a Emenda Constitucional
nº 33 de 2001 promove, uma vez que onera com carga tributária integral, sem direito
a compensação do crédito, por aquele que é contribuinte de direito do ICMS. Por
este motivo também, já adiantamos aqui compreendermos ser a Emenda em
questão inconstitucional. Nestes termos, destacamos a compreensão de Clélio
Chiesa, que elenca estas inconstitucionalidades:
Portanto, como o ato de importar bens já é tributado por meio do imposto de importação (art. 153, I, da CF), tal evento não poderia ter sido eleito como hipótese de incidência do ICMS, pois e EC nº 33/2001 autorizou o legislador estadual a tributar um evento já contemplado como hipótese de incidência de outro imposto. A bitributação, salvo as exceções previstas pelo poder constituinte de 1988, é constitucionalmente vedada. Não obstante tal autorização tenha sido inserida por meio de emenda, certo é que o constituinte de 1988 assegurou ao contribuinte o direito de não se sujeitar à tributação por meio de impostos cumulativos e que tenham “fato gerador” e base de cálculo de outros impostos discriminados na Constituição. Tal diretriz, como dito alhures, a nosso ver, integra o conjunto de direitos e garantias que não podem ser suprimidos ou restringidos nem mesmo por meio
75
de emenda à Constituição. Logo, nesse particular, a EC nº 33/2001 é inconstitucional.85
Desta forma, em relação às inovações promovidas pela Emenda
Constitucional nº 33 de 2001, deverá ser adotada interpretação em consonância com
os princípios e direitos fundamentais inerentes ao ICMS, quer dizer, onde não for
permitido amesquinhamento ao direito fundamental que obriga seja respeitado o
direito ao registro de créditos e a tributação nos termos estabelecidos pelo legislador
constituinte originário. Ambos os pontos, serão mais bem estudados adiante.
85 CHIESA, Clélio. EC 33 – Dois novos impostos rotulados de ICMS. In: Revista Dialética de Direito Tributário n. 90. São Paulo: Ed. Dialética, mar. 2003, p. 38.
76
CAPÍTULO II – ANÁLISE DO ARQUÉTIPO CONSTITUCIONAL DO
ICMS-IMPORTAÇÃO
Conforme já visto, a Constituição outorga competências legislativas, dentre
elas a tributária, autorizando que os entes tributantes criem os respectivos tributos,
em abstrato. Isso implica dizer que os tributos que podem ser criados encontram-se
predefinidos na Constituição. Conforme também já analisamos, somente o poder
constituinte originário pode criar tributos.
Uma vez que aqui tratamos de um tributo específico, qual seja o ICMS,
devemos, portanto, tecer considerações sobre a natureza deste tributo em
específico. Previamente, no entanto, buscaremos tecer breves considerações a
respeito de conceitos teóricos fundamentais, relacionados à norma constitucional
pertinente ao arquétipo constitucional do tributo. Considerando que a Constituição já
contempla os conceitos essenciais aos tributos que prevê, o exercício das
competências tributárias deverá, necessariamente, restringir-se aos pormenorizados
termos da Constituição.
À descrição hipotética, apta a dar nascimento à obrigação tributária, uma vez
ocorrido o fato descrito em lei, iremos denominar por hipótese de incidência, na lição
de Geraldo Ataliba, que teceu relevantes considerações sobre este conceito.
De maneira a promover o estudo a respeito do arquétipo constitucional dos
tributos, devemos aqui traçar distinção entre o fato hipotético conforme descrito em
lei (fato jurisdicizado) e o fato efetivamente ocorrido no mundo fenomênico, o qual
corresponde fielmente àquilo que prevê a legislação.
A fim de que ocorra a incidência tributária e, portanto, nasça a obrigação,
deverão coexistir todos os aspectos da hipótese de incidência tributária, ou seja,
para que o tributo seja criado de forma concreta, deve-se observar identificação
entre o fato conforme abstratamente previsto em lei, fato ocorrido no mundo
fenomênico, ao que denominamos de subsunção. A respeito da subsunção, explana
a doutrina de Geraldo Ataliba86:
24. Nascimento da obrigação tributária 86 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 68-69.
77
24.1 O vínculo obrigacional que corresponde ao conceito de tributo nasce, por força da lei, da ocorrência do fato imponível. 24.2 A configuração do fato (aspecto material), sua conexão com alguém (aspecto pessoal), sua localização (aspecto espacial) e sua consumação num momento fático determinado (aspecto temporal), reunidos unitariamente determinam inexoravelmente o efeito jurídico desejado pela lei; criação de uma obrigação jurídica concreta, a cargo de pessoa determinada, num momento preciso. (...) 25. Subsunção 25.1 Subsunção é o fenômeno de um fato configurar rigorosamente a previsão hipotética da lei. Diz-se que um fato se subsume à hipótese legal quando corresponde completa e rigorosamente à descrição que dele faz a lei.
Ao fato, efetivamente ocorrido no mundo fenomênico, capaz de subsumir-se
aos termos da lei, vamos aqui denominar de fato imponível, também nos termos da
doutrina de Geraldo Ataliba87.
Portanto, no âmbito da Constituição irão constar os principais elementos que
configuram determinado tributo. Em relação ao tema, também esclarece Aires
Barreto o qual defende que a previsão constitucional do tributo já indica sua efetiva
existência, se opondo à corrente que defende não serem os tributos criados na
Constituição. São as considerações do autor 88:
Sem dissensões, se tem aceito, ao longo do tempo, que a Constituição não cria tributo. Há poucos sóis, porém, levantou-se a voz acatadíssima de José Souto Maior Borges para consignar com firme convicção: “...mesmo antes de sua instituição por lei, o tributo apenas previsto na Constituição já existe”. Colhida em seus devidos termos, parece-nos que lhe assiste razão. (....) Tomemos por exemplo o imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias. Sem embargo da faculdade constante no §4º, do art. 23 da Magna carta, é inequívoca a eleição dos possíveis destinatários legais tributários: “produtores, industriais e comerciantes” (cfme. Art. 23, inciso II). (...) Assim, embora não se tenha a escultura com todos os seus entalhes, o que só se dará com a edição da lei ordinária, não é menos verdade que o porte, o tipo do lenho e mesmo os traos mais vigorosos são juridicamente tangíveis.
87 Ibid., p. 68. 88 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. Max Limonad, 1998, p. 26.
78
Seguindo na investigação da hipótese de incidência tributária, entendemos
que a norma em questão deverá ser identificada, necessariamente, de acordo com
aspectos de sua natureza, quais são: aspecto material, aspecto espacial, aspecto
temporal, aspecto pessoal e aspecto quantitativo.
A hipótese de incidência, portanto, corresponde a um recorte da realidade, de
acordo com os aspectos eleitos, nos termos da lei, a qual se ocorrida (a hipótese)
cria um enlace obrigacional entre sujeito ativo e sujeito passivo, correspondente à
obrigação de pagar determinada quantia ao Estado.
Seguindo na investigação da norma tributária constitucionalmente prevista,
ainda na doutrina de Geraldo Ataliba, esta norma assume a configuração tríade:
hipótese, mandamento e sanção. Vejamos:89
17.10 Em suma: se a norma jurídica tem a seguinte estrutura: 1)hipótese, 2) mandamento, 3) sanção, só é obrigação tributária a que nasce por força do (2) mandamento. Aquelas obrigações que decorrem da (3) sanção, não são tributárias. Pois este comando só é obrigatório para a pessoa contemplada na hipótese legal; e só quando se configure, concreta e atualmente, o fato ou estado de fato previsto na respectiva hipótese.
Continuando na investigação acerca do arquétipo constitucional dos tributos,
destacamos também a posição de Paulo de Barros Carvalho, o qual também dedica
extensa análise ao tema.
Traçando-se análise a respeito dos dois referenciais teóricos que aqui
buscamos cotejar, o que compreende Geraldo Ataliba denominar por hipótese de
incidência, configurada por seus diversos aspectos, Paulo de Barros entende por
bem chamar de regra-matriz de incidência, a qual será informada por seus critérios
(pessoal, material, espacial, temporal e quantitativo).
De acordo com Paulo de Barros Carvalho, a regra-matriz de incidência é
composta de forma bipartida, por (1) antecedente e (2) consequente90.
Na teoria de Paulo de Barros, a hipótese (antecedente) alberga os elementos
de suposição, ou seja, aqueles elementos imprescindíveis ao nascimento da
obrigação tributária, ou seja, os critérios material, espacial e temporal. Em relação a
89 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 53. 90 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 318.
79
estes elementos, uma vez presentes, poderão fazer incidir a norma, desde que
vertida em norma individual e concreta.
Por sua vez, no consequente restariam os critérios pessoal e quantitativo
permitindo-se identificar o vínculo jurídico já instalado, de acordo com os sujeitos
portadores do dever e do direito, inerentes à obrigação tributária. Nas palavras de
Paulo de Barros Carvalho91:
Assim, recolhendo o vocábulo obrigação como sinônimo de relação jurídica de índole economicamente apreciável, podemos defini-lo como o vínculo abstrato, que surge pela imputação normativa, e consoante o qual uma pessoa, chamada de sujeito ativo credor ou pretensor, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo ou devedor, o cumprimento de prestação de cunho patrimonial.
Muito embora tenhamos trazido as distinções existentes entre os conceitos de
regra-matriz de incidência tributária e hipótese de incidência tributária, marcamos
aqui que ambos se prestam igualmente para explicar a respeito do arquétipo
constitucional dos tributos, de acordo com seus critérios ou aspectos, a depender do
referencial teórico ao qual nos aproximemos.
No entanto, na sequência do presente trabalho, iremos nos valer do
referencial teórico adotado por Paulo de Barros Carvalho, pelas denominações
decorrentes do conceito de regra matriz de incidência tributária, o que destacamos
para conferir coerência terminológica ao estudo.
Feitas as devidas distinções teóricas a respeito do arquétipo constitucional
dos tributos em geral, passemos à investigação acerca destes conceitos aplicados à
matéria do ICMS-Importação.
91 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 358.
80
2.1 Antecedente normativo
Conforme já observado, o antecedente normativo corresponde à hipótese
passível de ocorrência no mundo fenomênico, de acordo com as indicações
legislativamente qualificadas, de tempo, lugar e fato econômico. Uma vez presentes
as três qualidades em questão, o fato estará apto a produzir efeitos tributários, ou
seja, criar enlace obrigacional entre sujeito ativo e passivo.
Assim sendo, passemos à análise dos critérios pertinentes ao antecedente
normativo, os critérios: a) material; b) espacial; e, c)temporal.
2.1.1 Critério material da regra matriz de incidência
O critério material da norma tributária propriamente dita92 consiste na locução
formada por um verbo e um complemento, conjuntamente formando o núcleo da
hipótese normativa. Por decorrência lógica, o verbo em questão não pode ser de
predicação completa, bem como não pode se tratar de verbo impessoal, sendo,
portanto, forçoso que se trate de um verbo pessoal e de predicação incompleta.
Sobre o tema, esclarece Paulo de Barros Carvalho93:
Regressando ao tópico da transcendente importância do verbo, para a definição do antecedente da norma-padrão do tributo, quadra advertir que não se pode utilizar os da classe dos impessoais (como haver), ou aqueles sem sujeito (como chover) porque comprometeriam a operatividade dos desígnios normativos, impossibilitando ou dificultando seu alcance. Isso concerne ao sujeito que pratica a ação, e bem assim ao complemento do predicado verbal, que, impreterivelmente, há e existir. Descabe falar-se, portanto, de verbos de sentido completo, que se expliquem por si mesmos.
92 Ibid., p. 298. 93 Ibid., p. 326.
81
Como exemplos de critérios materiais, presentes na Constituição Federal,
destacamos auferir renda, realizar operações financeiras e ser proprietário de imóvel
rural¸ para as hipóteses previstas nos incisos V, VI e III do artigo 153,
correspondendo ao imposto sobre a renda, ao imposto sobre operações financeiras
e ao imposto sobre a propriedade territorial rural, respectivamente.
Devemos aqui fazer atenção à distinção existente entre o que é materialidade
do tributo (critério material) e o que é a regra matriz como um todo, destacando-se
que a segunda somente estará conformada a partir da coexistência de todos os
critérios já destacados, não somente o material, devendo ainda ser respeitados
pressupostos de espaço, tempo e o elemento subjetivo.
A respeito da importância do critério material, explana Fernando Bonfá de
Jesus:
O critério material é o mais complexo, tendo em vista que contém a designação de todos os dados de ordem objetiva pois fornece o critério básico para de quantificar o montante devido, permitindo-nos identificar o núcleo da hipótese de incidência tributária.94
De acordo com terminologia já destacada de Geraldo Ataliba, este refere em
relação ao aspecto material da hipótese de incidência da seguinte forma:
Neste entendimento, o aspecto material consiste no núcleo da hipótese de incidência, suportando a designação objetiva de seu arquétipo, o qual fornece o único critério possível para a identificação da base de cálculo possível. O aspecto mais complexo da hipótese de incidência é o material. Ele contém a designação de todos os dados de ordem objetiva, configuradores do arquétipo em que ela (h.i) consiste; é a própria consistência material do fato ou estado de fato descrito pela h.i, é a descrição dos dados substanciais que servem de suporte à h.i. (...) Fornece o critério básico, para se responder “quanto é devido” além de servir de fulcro para o discrimen que permite formular a única classificação jurídica dos tributos, desdobrando-os em espécies e subespécies95.
Ainda nos termos da doutrina que destacamos acima, será por meio da
identificação do aspecto material que reconheceremos os elementos essenciais da
94 JESUS, Fernando Bonfá de. ICMS - Aspectos Pontuais. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 25. 95 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 108.
82
hipótese, podendo-se, muitas vezes, confundir o aspecto material com a hipótese
como um todo.
Temos, portanto, que o critério material deve ser observado com maior
atenção pelo intérprete, uma vez que não mais importante que os demais para a
formação da obrigação tributária, mas certamente instrumento importante para a
verificação do adequado uso da competência tributária, bem como para a
identificação da ocorrência do fato imponível.
O critério material deverá estar expressamente designado em nível
constitucional, de maneira que cada nova materialidade informada na Constituição
corresponderá a novo tipo tributário. Conforme expressa Roque Antonio Carrazza96:
A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu – ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador – a norma-padrão de incidência (o arquétipo, a regra-matriz) de cada exação.
Especificamente em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias
(ICMS) este é tributo cuja competência é conferida aos Estados e ao Distrito Federal
e, excepcionalmente, à União, nos casos dos artigos 14797 e 154, II98 da Carta
Magna.
A partir da leitura do inciso II, do artigo 155, da Constituição Federal de 1988,
verificamos a existência de 6 (seis) impostos distintos, todos sob o que
denominamos “ICMS”. No que diz respeito ao ICMS, nos termos do que dispõe a
atual redação da alínea “a”, do inciso IX, parágrafo 2º, do artigo 155 da Constituição
Federal, temos:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...)
96 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2013, p. 587. 97 Art. 147. Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais. 98 Art. 154. A União poderá instituir: (...) II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.
83
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (....) IX - incidirá também: a)sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
Portanto, são os 6 (seis) impostos: (I) imposto sobre a circulação de
mercadorias; (II) imposto sobre a prestação de serviço de transporte interestadual e
intermunicipal; (III) imposto sobre a prestação de serviço de comunicação; (IV)
imposto sobre a produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de
lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; (V) o imposto
sobre extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais; e, (VI) imposto
sobre entrada de bens do exterior.
O destaque acima para as 6 (seis) materialidades do ICMS levam em
consideração a atual configuração das hipóteses constitucionalmente previstas,
principalmente após a edição da Emenda Constitucional nº 33 de 2001. No entanto,
a divisão aqui destacada não é uníssona na doutrina. Roque Antonio Carrazza
destaca a existência de 5 (cinco) hipóteses para o ICMS, nos seguintes termos:
A sigla “ICMS” alberga pelo menos cinco impostos diferentes, a saber: a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que, de algum modo compreende o que nasce na entrada de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviço de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.
Levando em consideração a previsão constitucional já destacada, bem como
a correspondente lei complementar, no caso a Lei Complementar nº 87 de 1996,
84
Fernando Bonfá de Jesus destaca a existência de 3 (três) materialidades distintas,
nos seguintes termos:
Nos termos do inc. II do art. 155 da CF de 1988 e da Lei Complementar (LC) nº 87 de 1996 (denominada Lei Kandir), que regula o imposto no âmbito nacional, as operações relativas à circulação de mercadorias e serviços de transporte intermunicipal e interestaduais e comunicação são entendidas como a efetiva transferência de titularidade das mercadorias ou efetiva prestação de serviço de transporte e comunicação. (...) Portanto, são os três termos que caracterizam o critério material do ICMS: (i) circulação de mercadorias, (ii) serviço de transporte (intermunicipal e interestadual), e (iii) serviço de comunicação99.
Contudo, já cabe adiantarmos neste ponto que uma leitura mais apurada do
dispositivo constitucional levar-nos-á à supressão da última hipótese destacada,
relacionada ao ingresso de bens em território nacional. Esta, por sua vez, não deve
ser compreendida como hipótese diversa daquela pertinente à circulação de
mercadorias, pelas razões que passaremos a apresentar.
Isso porque a análise da regra-matriz de incidência do ICMS incidente sobre
operações mercantis servirá de base para compreendermos a mesma regra em
relação ao ICMS incidente sobre importação de mercadorias, que já adiantamos
anteriormente como materialidade sui generes.
Em relação à pluralidade de sentidos que comporta a sigla ICMS, Sacha
Calmon Navarro Coêlho destaca pela possibilidade de redução à existência de
apenas duas materialidades, uma vez que o princípio da não-cumulatividade tem a
função de interligar as materialidades, devendo-se apenas diferenciar o ICMS
incidente sobre serviços de transporte de passageiros. É a posição do autor:
O imposto incide sobre operações relativas a: a) Circulação de mercadorias; b) Prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal (excluídos os municipais sujeitos ao ISS e os internacionais, imunes e isentos); c) Prestação de serviço de comunicação; Não são três impostos, mas um só, sobre circulação de mercadorias e serviços específicos, pois a não-cumulatividade os interliga. Somente o transporte de pessoas pode se constituir em imposto
99 JESUS, Fernando Bonfá de. ICMS - Aspectos Pontuais. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 26.
85
diverso. O IVA na Europa abrange os serviços de profissionais liberais e construção civil. A doutrina jamais chegou a predicar que o IVA é miríade de impostos100.
A análise da regra-matriz de incidência do ICMS incidente sobre operações
mercantis servirá de base para compreendermos a mesma regra em relação ao
ICMS incidente sobre importação de mercadorias, que já adiantamos anteriormente
como materialidade sui generes. Isso porque se observa da Constituição núcleo
comum principalmente em função da disposição adotada pelo legislador
constitucional.
Foi escolha de este trazer referência quanto à incidência na importação,
exatamente mencionando o inciso pertinente ao ICMS incidente sobre operações
mercantis, na redação constitucional acima destacada.
Portanto, para uma adequada compreensão quanto à materialidade desta
exação (ICMS), importante que o intérprete tenha consciência do real sentido do
verbo e do complemento utilizados pelo legislador constitucional, no caso circular
mercadoria.
Em assim sendo, a compreensão quanto à materialidade deste imposto deve,
necessariamente, firmar conceito do que são mercadorias, do que é circulação e o
que são operações mercantis, estas sim, objetos do imposto.
2.1.1.1 Vocábulo circulação
Em primeiro lugar, cumpre destacarmos que o termo circulação deve ser
compreendido como a circulação jurídica da mercadoria, a qual pressupõe a
transferência da propriedade ou posse das mercadorias. Na definição de José
Eduardo Soares de Melo, o termo circulação empregado para definir a materialidade
do ICMS corresponde:
100 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 478.
86
“Circulação” é a passagem das mercadorias de uma pessoa para outra, sob o manto de um título jurídico, equivale a declarar, à sombra de um ato ou de um contrato, nominado ou inominado. Movimentação, com mudança de patrimônio101.
A circulação relevante para o ICMS corresponde àquela tutelada pelo direito,
que apresente cunho patrimonial. Circular significa mudar de titularidade, não
necessariamente em relação à propriedade, uma vez que podemos aplicar o mesmo
conceito à circulação da posse, a qual da mesma forma importa na transferência de
poderes jurídicos sobre determinado bem, de maneira economicamente relevante.
Devemos destacar, portanto, que a circulação importante para o ICMS não se
confunde com a mera circulação física, como bem destaca Roque Antonio Carrazza:
É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem a mudança de titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio do ICMS. Esta idéia, abonada pela melhor doutrina (Souto Maior Borges, Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Cléber Giardino, etc.), encontrou ressonância no próprio STF102.
A noção a respeito da circulação passível de incidência para o ICMS fica mais
clara ao analisarmos o vocábulo seguinte da locução, que qualifica o verbo circular.
Isso porque, a circulação importante para o ICMS é aquela que tem por objeto uma
mercadoria, ou seja, o ICMS incidirá sobre operações mercantis.
2.1.1.2 Vocábulo operação
Portanto, dando sequência na investigação quanto à materialidade do imposto
sobre a circulação de mercadorias, devemos definir o conceito de operação
mercantil. Destacamos aqui que o cerne da materialidade do ICMS encontra-se no
vocábulo operações, desde que devidamente qualificada pelos termos circulação e
101 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 16. 102 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 43.
87
mercadoria, de maneira que aquilo que é efetivamente tributado pelo ICMS é a
operação. No mesmo diapasão a obra de Geraldo Ataliba e Cleber Giardino, nos
seguintes termos:
Operações são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes; circulação e mercadorias são, nesse sentido, adjetivos que restringem o conceito substantivo de operações103.
Por operação mercantil, compreende Roque Antonio Carrazza104:
IV - Enfim, como adiante melhor procuraremos demonstrar, para que um ato jurídico configure uma operação mercantil é mister que: a) seja regido pelo Direito Comercial; b) tenha sido praticado num contexto de atividades empresariais; c) tenha por finalidade, pelo menos em linha de princípio, o lucro (resultados econômicos positivos); e, d) tenha por objeto uma mercadoria.
No que diz respeito à locução “operações”, esta é de grande valia na
investigação quanto à materialidade do ICMS, a qual foi objeto de estudo por
Geraldo Ataliba e Cleber Giardino, no qual é destacada a construção deste conceito.
Referem os autores:
Operações são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes; circulação e mercadorias são, nesse sentido, adjetivos que restringem o conceito substantivo de operações105.
Nestes termos, o fato econômico tributado pelo ICMS é a operação, de forma
que os vocábulos circulação e mercadorias são meros aspectos que qualificam a
operação que deve ser tributada.
José Souto Maior Borges também destaca a importância quanto à
compreensão do termo operações empregado na concepção da materialidade do
ICMS, nos seguintes termos: 103 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Núcleo da definição constitucional do ICM (operações, circulação e saída). In: Revista de Direito Tributário, n. 25-26. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1983, p. 103. 104 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 44. 105 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Núcleo da definição constitucional do ICM (operações, circulação e saída). In: Revista de Direito Tributário, n. 25-26. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1983, p. 104.
88
A operação – fato gerador do imposto – pode ser jurídica, embora não deva ser necessariamente uma compra e venda, como acontecia com o velho IVC, que, aliás, fora estendida à troca e à empreitada106.
Portanto, a locução “operações relativas à circulação de mercadorias”, insere
limite objetivo que qualifica e delimita o âmbito das circulações passíveis
relacionadas à imposição do imposto, as quais poderão ser melhor verificadas a
partir da interpretação quanto à locução como um todo, que somente estará
completa a partir do termo seguinte, mercadoria.
2.1.1.3 Vocábulo mercadorias
Mercadoria, por sua vez, consiste no bem móvel sujeito à operação de
mercancia, ou seja, operação que se sujeita às regras do direito comercial.
Nenhum bem é mercadoria por sua natureza, serão mercadorias aqueles
bens que sejam objeto de operações regidas pelo regime jurídico do direito
comercial, que sejam bens móveis, de forma que a qualificação como mercadoria
dependerá do destino a ser dado pela operação mercantil.
Em assim sendo, o vocábulo mercadorias restringe com mais especificidade
as operações que se sujeitam ao ICMS, de maneira que são mercadorias os bens
corpóreos objeto da atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante107.
Cleber Giardino e Geraldo Ataliba também destacam a importância do vocábulo em
questão na definição da materialidade do ICMS, nos seguintes termos:
(....) só há mercadoria para o Direito, onde existam regras jurídicas que a definam e dêem critérios para o seu reconhecimento (mercadorias são coisas qualificadas pelo Direito, em função de sua
106 BORGES, José Souto Maior. O Fato Gerador do ICMS e os Estabelecimentos Autônomos. In: Revista de Direito Administrativo, v. 103. São Paulo, p. 33-48. 107 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 19.
89
destinação); destarte inexiste mercadoria onde inexista ato juridicamente regrado108.
Em assim sendo, consideramos correta a lição de Roque Antonio Carrazza,
para o qual o conceito de mercadoria que deve ser trazido para fins de definição da
hipótese de incidência do ICMS é aquele vigente no momento da promulgação da
Constituição Federal de 1988109, o qual se encontrava indicado na disposição do
artigo 191 do Código Comercial, atualmente revogado.
Art. 191 - O contrato de compra e venda mercantil é perfeito e acabado logo que o comprador e o vendedor se acordam na coisa, no preço e nas condições; e desde esse momento nenhuma das partes pode arrepender-se sem consentimento da outra, ainda que a coisa se não ache entregue nem o preço pago. Fica entendido que nas vendas condicionais não se reputa o contrato perfeito senão depois de verificada a condição (artigo nº. 127). É unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes, para os revender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso; compreendendo-se na classe dos primeiros a moeda metálica e o papel moeda, títulos de fundos públicos, ações de companhias e papéis de crédito comerciais, contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor seja comerciante.
Nestes termos, o conceito legal de mercadoria que constava do ordenamento
quando da publicação da Constituição Federal de 1988 é de caráter legal vinculado
à finalidade de compra e venda, quando estatui que “é unicamente considerada
mercantil a compra e venda de efeitos móveis e semoventes para revender por
grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar seu uso”,
etc..
Paulo de Barros Carvalho destaca, em relação ao termo mercadoria,
assinalando quanto à origem deste vocábulo, o qual deriva do latim “mercatura”,
tendo por significado coisa corpórea e móvel que pode ser objeto de compra e
venda. Ainda de acordo com o mesmo autor, a predicação mercadoria não se refere
à característica do objeto, mas do destino que se dê ao bem110. Ou seja, será
108 ATALIBA, Geraldo; GIARDINO, Cleber. Núcleo da definição constitucional do ICM (operações, circulação e saída). In: Revista de Direito Tributário, n. 25-26. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1983, p. 105. 109 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 49. 110 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Linguagem e Método. 4.ed. São Paulo: Noeses, 2011, p. 648.
90
considerado mercadoria o bem que tiver destinação comercial, que se sujeite à
atividade de mercancia.
Em assim sendo, pela utilização em nível constitucional de termo naquele
significado dado pela legislação comercial, entendemos que resta cristalizada a
definição empregada na Constituição, uma vez que, se assim não fosse, seria
possível a alteração de materialidade tributária por meio da legislação
infraconstitucional, o que não podemos admitir.
Também não podemos admitir a ideia de um conceito em aberto em nível
constitucional, uma vez que este entendimento menospreza a intenção do legislador
constitucional que houve por bem escolher o vocábulo “mercadoria” ”, bem como
repartir as competências tributárias. Além disso, este entendimento atenta contra
garantia patrimonial, o que veremos adiante se tratar de direito fundamental. O
direito fundamental a somente ser tributado nos estritos termos do que definiu o
legislador constituinte originário.
Nos termos acima expostos, por exemplo, não serão considerados
mercadoria os bens que sejam objeto de operações de transferência de produtos111
ou bens do ativo fixo, bem como não serão consideradas mercadorias os bens
móveis destinados à exposições, feiras, etc..
Uma vez presente que o conceito de mercadoria implica, necessariamente, a
presença de uma operação negocial, devemos atentar que não são todas as
operações mercantis que importam à tributação pelo ICMS, mas somente aquelas
que impliquem “circulação” destes bens, ou seja, que se relacionem com a
transferência jurídica do bem, de uma pessoa para outra.
Por este motivo, é o termo mercadorias que indica que as circulações
escolhidas para serem tributadas pelo ICMS serão aquelas que implicarem na
tradição do bem.
O ICMS-Importação, na atual redação constitucional, refere que serão objeto
de tributação por este imposto qualquer ingresso de bens do exterior, sendo
descartados os conceitos de operações e mercadorias, sendo para o ICMS-
Importação irrelevante a destinação do bem ou qualificação quanto à operação que
111 STJ, Súmula 166: Fato Gerador - ICMS - Deslocamento de Mercadoria - Estabelecimento do Mesmo Contribuinte. Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.
91
promove a entrada do bem em território nacional. Sobre este ponto, destaca José
Eduardo Soares de Melo:
Também poderá incorrer o ônus tributário nos casos de admissão temporária concernentes a bens que devam permanecer no país durante prazos determinados, em razão de diversificadas situações, tais como feiras, exposições, congressos, pesquisas científicas, espetáculos artísticos, competições esportivas, promoções, reposição e conserto em virtude de garantia.112
Sobre o tema, no mesmo sentido esclarece Clélio Chiesa, nos seguintes
termos:
O art. 155, §2º, IX, a, da Constituição Federal, contempla três situações distintas: a) a primeira consiste na tributação do evento importar bem ou mercadoria para revenda, comercialização, ou industrialização; b) a segunda, prevê a tributação de serviço prestado no exterior, cabendo imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou serviço; c) a terceira tem como evento tributado a aquisição de bens por pessoa física ou jurídica que não pratica atos de comércio com habitualidade.113
Em relação à alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001,
passou a constar que o ICMS poderá incidir sobre a mera entrada de bens,
independentemente do intuito comercial. É exatamente nesta ponto que acreditamos
ter o legislador constitucional extrapolado, o que resta nítido ao trazer o conceito de
bem, como busca explicar Christine Mendonça, nos seguintes termos:
(IV) BEM – objeto móvel Diverso do que foi tratado no item anterior, a expressão “bem”, constante da alínea “a” do inciso IX do art. 155, é bem mais abrangente do que “mercadoria”, pois, enquanto esta deve ser objeto de transações habituais e em volume que caracterize atividade de mercancia, aqueles se refere a toda e qualquer coisa móvel, independente se a operação de deu entre pessoas físicas ou jurídicas, independentes se é para o uso próprio ou para revenda. Em síntese, caso seja realizado um negócio jurídico (operação) que tenha como objeto a transferência de titularidade (circulação) de um
112 MELO, José Eduardo Soares de. Importação e Exportação no Direito Tributário: impostos, taxas e contribuições. 3.ed. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 33. 113 CHIESA, Clélio. ICMS: Sistema Constitucional Tributário – algumas inconstitucionalidades da LC 87/96. São Paulo: Editora LRT, 2007.
92
bem móvel proveniente do exterior, sujeito a mercancia ou não, gerará incidência do ICMS-Importação.114
Verificamos, portanto, que o critério material do ICMS-Importação se
confunda com o mesmo critério relacionado ao imposto de importação,
compreendemos que esta coincidência não deveria ser recepcionada pelo sistema
tributário constitucional vigente no Brasil, por se tratar de alargamento
inconstitucional da competência dos Estados e do Distrito Federal, promovida pelo
legislador constituinte derivado, bem como por se tratar de sobreposição à
competência reservada à União, nos termos do artigo 154, inciso I, da Constituição
Federal.
Em relação à referida incoerência, trataremos mais propriamente a seguir, ao
tratarmos especificamente das inovações promovidas pela Emenda Constitucional nº
33 de 2001. No entanto, já adiantamos que somos do entendimento que a
materialidade possível do ICMS-Importação, nos termos da redação original da
Constituição, é o ingresso de bens no ciclo econômico nacional, seja por meio do
ingresso de mercadoria, seja por meio do ingresso de bens que serão consumidos
ou agregados ao ativo imobilizado de empresa, contribuinte do ICMS.
2.1.2 Critério espacial da regra matriz
Em relação ao critério espacial da regra matriz de incidência, já devemos
ressaltar que este indicará as circunstâncias de espaço pertinentes ao nascimento
da obrigação tributária. Noutras palavras, ele refere-se ao local onde a conduta do
critério material deverá ocorrer para que se instale a obrigação tributária.
A indicação do critério espacial também deverá ser localizada no âmbito da
Constituição Federal, de forma que encontramos relação direta entre o aspecto
espacial e o juízo de competência tributária, no que diz respeito ao âmbito territorial
de validade da lei que instituiu o tributo.
114 MENDONÇA, Christine. O leasing na Importação e o ICMS. In: ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. CAMPILONGO, Paulo A. Fernandes (Org.). São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2008, p. 46.
93
Sobre o aspecto espacial da hipótese de incidência, bem esclarece Geraldo
Ataliba, nos seguintes termos:
40.2 Pois, as conotações espaciais da hipótese de incidência são decisivas para a conformação do fato imponível. Essa perspectiva genérica do aspecto espacial da h.i. está presa ao (dependendo) âmbito de competência do legislador ordinário; a lei municipal só tem eficácia no território do Município; a lei estadual só no próprio estado. Só a lei federal tem abrangência nacional115.
Paulo de Barros Carvalho descreve que o critério espacial da hipótese de
incidência deverá apresentar uma das três formas abaixo:
a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro dela estiver geograficamente contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares116.
No que diz respeito do ICMS incidente sobre a circulação de mercadorias, a
indicação de critério espacial deverá ser compreendida a partir do conceito de
estabelecimento, ou seja, o local onde são efetuados os atos comerciais que levam
à saída em operação mercantil.
José Eduardo Soares de Melo destaca a importância de compreender-se
quanto ao que pode ser compreendido por estabelecimento, trazendo à tona
diversas definições doutrinárias, que aqui transcrevemos da obra deste autor:
Aplicando-se os conceitos doutrinários à regra-matriz constitucional, depreende-se a figura do “estabelecimento”, que significa o próprio local ou edifício em que a profissão vai ser exercida ou o negócio vai ser instalado, de modo que passa a compreender todo um conjunto de instalações e aparelhamento necessários ao desempenho da profissão ou negócio, inclusive o próprio edifício em que se instala. (De Placido e Silva)117.
115 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 104. 116 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 329. 117 MELO, José Eduardo Soares de. Vocabulário Jurídico. v. II. Rio de Janeiro: Forense, 1966. Apud MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 24.
94
Estabelecimento é o complexo de bens, materiais ou imateriais, que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante para a exploração de determinada atividade mercantil (Oscar Barreto Filho)118. Por isso que também se entende que estabelecimento, ou fundo de comércio, é o instrumento de atividade do empresário (Rubens Requião)119.
A indicação do estabelecimento como critério espacial da regra-matriz de
incidência do ICMS consta do artigo 11 da Lei Complementar nº 87 de 1996, o qual
traz conceituação legal do que se pode compreender por estabelecimento:
Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I - tratando-se de mercadoria ou bem: a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador; (...) d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física; (...) § 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte: I - na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação, encontrada a mercadoria ou constatada a prestação; II - é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular; III - considera-se também estabelecimento autônomo o veículo usado no comércio ambulante e na captura de pescado; IV - respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do mesmo titular.
Nestes termos, o critério espacial da regra-matriz de incidência do ICMS
devido nas operações de circulação de mercadorias é o território de cada unidade
da Federação, mais precisamente o estabelecimento de onde for dada a saída em
operação mercantil, uma vez que o ICMS nesta modalidade é tributo devido na
origem.
No entanto, ao analisarmos a hipótese do ICMS incidente nas operações de
importação (art. 11, I, d, da Lei Complementar nº 87 de 1996), constatamos que 118 BARRETO FILHO, Oscar. Teoria do Estabelecimento Comercial. 1966, p. 75. Apud MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 24. 119 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 203-204. Apud MELO, José Eduardo Soares de. ICMS - Teoria e Prática. 12.ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 24.
95
nesta modalidade o ICMS somente poderá ser devido de acordo com a localização
do estabelecimento que promover a importação das mercadorias.
Especificamente em relação ao critério espacial do ICMS-Importação,
compreendemos que este se limita aos Estados onde estiver localizado o
estabelecimento destinatário do bem, por ser este o único critério possível, uma vez
que somente após o ingresso das mercadorias no estabelecimento é que estas terão
ingressado no ciclo econômico interno, quando podemos imaginar que será cobrado
o ICMS120. Esta verificação implica, necessariamente, a indicação do sujeito ativo da
relação tributária, ou seja, a unidade da Federação onde estiver localizado o
estabelecimento que promover a importação de mercadoria.
Da mesma forma, a percepção quanto ao critério espacial da regra-matriz
indicará o critério temporal, qual seja o momento da entrada no estabelecimento
daquele que promover a entrada de mercadoria do estrangeiro. Isso porque a
disposição constante do art. 11, I, d, da Lei Complementar nº 87 de 1996 menciona
expressamente a entrada física dos bens objeto da importação, o que poderá ser
compreendido de forma que o ICMS seja devido no momento em que se der o
desembaraço aduaneiro das mercadorias.
2.1.3 Critério temporal da regra matriz
Ao mesmo tempo em que o critério espacial nos fornece subsídio de local
pertinente ao acontecimento da hipótese tributária, o critério temporal nos fornece
subsídio de momento, ou seja, de quando estará instalado o fato imponível, uma vez
coexistentes todos os critérios da regra matriz.
O critério temporal define o momento exato em que devemos considerar
consumado o fato imponível, o que indica a importância deste critério, sempre que
inaugurada a obrigação tributária.
Definindo o critério temporal da regra matriz, Paulo de Barros Carvalho
esclarece:
120 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 76.
96
Compreendemos o critério temporal da hipótese tributária como o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária121.
Geraldo Ataliba, a respeito do aspecto temporal da hipótese de incidência,
refere quanto ao grau de positivação em nível legal, a respeito do tema, o qual por
vezes deverá ser reconhecido implicitamente:
35.8 Enfim, é o legislador que discricionariamente estabelece o momento que deve ser levado em consideração para se reputar consumado um fato imponível. E esta indicação legislativa (que pode ser, repita-se, explícita ou implícita) recebe a designação de aspecto temporal da h.i. 35.9 Se o legislador se omitir, estará implicitamente dispondo que o momento a ser considerado é aquele em que o fato material descrito ocorre (acontece). Deve-se entender, pois, que sempre há aspecto temporal da h.i. Este é, em todos os casos, disposto pelo legislador, ainda que nem sempre explicitamente122.
Obviamente, o critério temporal indicado pelo legislador infraconstitucional
deverá guardar coerência com a materialidade do tributo, de acordo com a previsão
constitucional.
Por este motivo que a legislação infraconstitucional refere-se ao critério
temporal pelo termo fato gerador, o mesmo utilizado para determinar o critério
material, dentre suas diversas acepções. É exemplo disso o artigo 19 do Código
Tributário Nacional, que trata do imposto de importação. Vejamos:
Art. 19. O imposto, de competência da União, sobre a importação de produtos estrangeiros tem como fato gerador a entrada destes no território nacional.
No que diz respeito ao ICMS incidente sobre operações mercantis, o critério
temporal escolhido pelo legislador infraconstitucional corresponde ao momento de
saída da mercadoria do estabelecimento do vendedor dessas mercadorias,
conforme se observa do artigo 12, inciso I, da Lei Complementar nº 87 de 1996:
121 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 331. 122 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 95.
97
Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular123;
No entanto, embora a saída seja critério coerente com a materialidade do
tributo, como momento escolhido para o nascimento da obrigação tributária,
devemos observar que a saída importante para o ICMS somente poderá ser aquela
que corresponda a uma saída em operação mercantil.
No caso do ICMS, a menção do vocábulo circulação, importante na
construção da materialidade do tributo, bem como em função da confusão que por
vezes existe entre o critério temporal e o fato gerador como um todo, poderá levar à
equivocada compreensão que qualquer saída deverá ser considerada para fins de
incidência do ICMS. Sobre esta distinção, coerentes as conclusões de Roque
Antonio Carrazza:
Se a saída de mercadorias fosse realmente a hipótese de incidência do imposto em pauta, o comerciante furtado em mercadorias – como frisa Aliomar Baleeiro – teria não só que suportar os prejuízo, como pagar o ICMS devido por elas. E, mais: se não levasse a ‘notícia criminis’ ao conhecimento da autoridade fazendária estaria praticando uma evasão tributária já que estaria escondendo ao fisco a ocorrência do fato imponível do ICMS. Vejamos outro exemplo: um incêndio ameaça destruir o estabelecimento comercial. Para evitar que o fogo consuma as mercadorias, o comerciante, ajudado por seus empregados e por transeuntes, providencia para que elas sejam postas na rua. Houve a saída das mercadorias. É devido o ICMS por isso? Parece-nos claro que não124.
Desta forma, em elação ao ICMS incidente sobre operações com
mercadorias, diversas são as saídas irrelevantes para fins de incidência do ICMS,
uma vez que embora importem em saídas físicas, não apresentam conteúdo jurídico
de negócio com natureza mercantil.
Ao que interessa no presente estudo, o ICMS na modalidade importação, a
redação constitucional já traz indicação bastante clara, referindo explicitamente em
123 Muito embora seja manifestação do legislador complementar pela possibilidade de incidência do ICMS nos casos e transferência de mercadorias, esta possibilidade não foi recepcionada pelo STJ, como bem entendido por meio da súmula 166 do STJ, verbis: “Fato Gerador - ICMS - Deslocamento de Mercadoria - Estabelecimento do Mesmo Contribuinte. Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. 124 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 52, rodapé n. 22.
98
relação ao momento da incidência, escolhendo por bem o momento de entrada do
bem ou mercadoria. Repetimos a redação do dispositivo ora mencionado:
IX - incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001). (grifo nosso)
Como se observa, o legislador constitucional fez referência expressa ao
estabelecimento do destinatário da mercadoria, o que deve ser considerada
indicação mais do que necessária quanto ao momento em que se pode reputar
ocorrido o fato imponível pertinente ao ICMS-Importação. Conforme já dito,
compreendemos que somente poderá ser devido o ICMS após o ingresso das
mercadorias no ciclo econômico nacional, portanto após a entrada das mercadorias
no estabelecimento do importador. Por isso, compreendemos que o legislador
nacional desempenhou mal sua função ao prever que o ICMS-Importação pode ser
considerado como incidente no mero desembaraço aduaneiro, nos termos do inciso
IX, artigo 12, da Lei Complementar nº 87 de 1996125.
Devemos destacar que o Decreto-lei nº 406 de 1968 definia que a entrada da
mercadoria no estabelecimento do importador correspondia ao critério temporal da
regra-matriz de incidência do ICMS-Importação, sendo que diante de inúmeras
iniciativas pela possibilidade de tributação quando do desembaraço aduaneiro
levaram à edição da Súmula 577 do STF, posteriormente substituída pela Súmula
661. Referiam as súmulas:
SÚMULA Nº 577 NA IMPORTAÇÃO DE MERCADORIAS DO EXTERIOR, O FATO GERADOR DO IMPOSTO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS OCORRE NO MOMENTO DE SUA ENTRADA NO ESTABELECIMENTO DO IMPORTADOR. SÚMULA Nº 661
125 Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: (...) IX – do desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002).
99
NA ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR, É LEGÍTIMA A COBRANÇA DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. (grifo nosso)
Muito embora seja opinião emitida pelo Supremo Tribunal Federal por meio
de súmula mais recente, não acreditamos que esta interpretação seja do melhor
apreço à Constituição, uma vez que adianta a obrigação tributária a momento
anterior à efetiva ocorrência do fato imponível. Esta também é a opinião de Roque
Antonio Carrazza:
Vai daí que exigir o ICMS no átimo do desembaraço aduaneiro é cobrá-lo antes da efetiva ocorrência de seu fato imponível – fenômeno que nosso ordenamento constitucional tributário não aceita. Qualquer norma neste sentido será inválida, já que nem mesmo em nome dos interesses arrecadatórios se pode antecipar a incidência de qualquer tributo. Fazê-lo implica malferir o princípio da segurança jurídica126.
Da mesma forma compreende Aliomar Baleeiro, para o qual o aspecto
temporal da incidência do ICMS-Importação corresponde à entrada dos bens no
estabelecimento do importador, nos seguintes termos:
Qual o aspecto temporal da incidência? O Decreto-lei nº 406/1968 definiu-o como o da entrada no estabelecimento do importador. Vários Estados passaram a exigir o imposto, por razões de praticidade, no momento do desembaraço aduaneiro. Essa antecipação ilegítima, contrária às normas gerais estabelecidas no Decreto-lei nº 406/1968, vinha sendo afastada pelos tribunais brasileiros, inclusive pelo STF, (...)127
Nestes termos, advertimos que o desembaraço aduaneiro não passa de ato
administrativo que internaliza bens estrangeiros quando do ingresso em território
brasileiro, nos termos do art. 571 do Regulamento Aduaneiro128, não havendo como
servir de critério informador do ICMS.
Pelas razões acima expostas, a entrada de bem no território nacional e
instrumentalizada pelo despacho aduaneiro indica a existência de operação sujeita
126 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 78. 127 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 12.ed. São Paulo: Forense, 2013, p. 546. 128 Do Desembaraço Aduaneiro Art. 571. Desembaraço aduaneiro na importação é o ato pelo qual é registrada a conclusão da conferência aduaneira (Decreto-Lei n o 37, de 1966, art. 51, caput, com a redação dada pelo Decreto-Lei n o 2.472, de 1988, art. 2o).
100
ao ICMS, conforme sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, não sendo necessária
a efetiva recepção (tradição) do bem pelo importador. No entanto, como já nos
posicionamos, não compreendemos que esta seja a melhor compreensão do tributo,
devendo ser considerado como critério temporal o momento de entrada da
mercadoria no estabelecimento do adquirente.
2.2 Consequente normativo
Ao passo que no antecedente normativo verificamos os elementos descritivos,
que, portanto, circunstanciam o fato econômico a ser tributado, no consequente
normativo verificaremos elemento prescritor, que declara a existência o vínculo
obrigacional.
Em relação ao consequente normativo da regra matriz de incidência,
encontraremos os critérios relacionados à instalação do vínculo entre sujeito ativo e
passivo, já capaz de surtir efeitos no sistema normativo. Também no consequente
normativo iremos verificar a dimensão da obrigação, já economicamente mensurada.
Nestes termos, no consequente normativo iremos verificar os critérios: a)
pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo); e, b) quantitativo.
2.2.1 Critério quantitativo da regra matriz
O critério quantitativo será observado a partir da identificação quanto ao
aspecto econômico da obrigação tributária, a qual será verificada a partir de dois
fatores, a base e cálculo e a alíquota.
Em relação à definição da alíquota, no âmbito da Carta Política,
encontraremos apenas limites ao poder legiferante. A alíquota, ou proporção da
base de cálculo a ser convertida em objeto da obrigação tributária, não encontra
previsão expressa em nível constitucional, mas obviamente deverá respeitar os
101
princípios constitucionais que se fazem presentes nas limitações constitucionais ao
poder de tributar. São estes os princípios: a) da legalidade; b) da capacidade
contributiva; e, c) da não utilização de tributo com efeito de confisco, já analisados.
No que diz respeito à base de cálculo, compreendemos a legislação encerra
limite bastante objetivo no que concerne às bases de cálculo que são possíveis, uma
vez que a base de cálculo deverá ser, sempre, coerente com a materialidade do
tributo.
Neste sentido, destacamos a compreensão de Alfredo Augusto Becker129, o
qual compreendeu pela proeminência deste aspecto em relação aos demais, uma
vez que a base de cálculo é elemento que deflagra a natureza do tributo,
confirmando, afirmando ou infirmando a natureza da exação e a materialidade do
tributo130.
Ainda, podemos reconhecer três funções distintas para a base de cálculo: (1)
função mensuradora, pois mede as proporções reais do fato; (2) função objetiva,
pois compõe a específica determinação da dívida; e (3) função comparativa,
porquanto posta em comparação com o critério material da hipótese131.
Em relação à terceira função, destacamos suas características de (3.1)
confirmação, (3.2) infirmação ou (3.3) afirmação, de acordo com a relação mantida
entre a base de cálculo e o critério material do tributo.
É possível dizer que a base de cálculo confirma a materialidade de
determinada exação quando conseguimos observar perfeita consonância da base de
cálculo com o critério material. Ou seja, o núcleo do fato dimensionado está de
acordo com a materialidade autorizada em nível constitucional.
Diremos que a base de cálculo infirma a materialidade da exação quando
operar em sentido oposto, quando observamos discordância entre o objeto tributado
(base de cálculo) e o permissivo constitucional (critério material). Como exemplo
hipotético, podemos imaginar situação esdrúxula de termos como base de cálculo do
Imposto sobre Circulação de Mercadorias o lucro auferido em determinado período.
129 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6.ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 396. 130 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 398. 131 Ibid., p. 401.
102
Finalmente, diremos que a base de cálculo afirma a natureza de determinada
exação naqueles casos onde por meio dela conseguimos aclarar em relação à real
natureza de uma exação. Nestes casos, é possível identificar a espécie tributária
(imposto, taxa ou contribuição de melhoria), por meio da base de cálculo escolhida
indicada na legislação.
Neste sentido também esclarece Roque Antonio Carrazza132:
4. O que distingue um tributo de outro é seu binômio hipótese de incidência / base de cálculo. A base de cálculo, além de colaborar na determinação da dívida tributária, dimensionando o fato imponível, afirma o critério material da hipótese de incidência do tributo. Em suma, a base de cálculo deve apontar para a hipótese de incidência do tributo, confirmando-a. Do contrário, o tributo terá sido mal instituído e, por isso mesmo, será inexigível. Donde podemos concluir que a base de cálculo é absolutamente indispensável, para qualquer tributo.
Destacamos, ainda, a sempre pertinente análise de Geraldo Ataliba a respeito
da base de cálculo como elemento central da hipótese de incidência, a qual
denomina de base imponível:
43.1 Base imponível é uma perspectiva dimensível do aspecto material da h.i. que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quantum debetur. (....) A base imponível é a dimensão do aspecto material da hipótese de incidência. É, portanto, uma grandeza ínsita da h.i. (Alfredo Augusto Becker a coloca, acertadamente, como cerne da h.i.). É, por assim dizer, seu aspecto dimensional, uma ordem de grandeza própria do aspecto material da h.i.; é propriamente uma medida sua133.
Nestes termos, quanto à investigação acerca do critério material da hipótese
de incidência, bem como de sua decorrente base de cálculo, temos que os
elementos necessários para seu conhecimento encontram-se, necessariamente,
esgotados em nível constitucional, visto estarem as materialidades tributárias todas
previstas na Constituição.
Em assim sendo, a base de cálculo deverá espelhar parcela do fato imponível
(fato jurídico tributário), nos termos definidos em lei e de acordo com a Constituição.
132 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 41. 133 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 108.
103
Bem se coloca a teoria semiótica para explicar a relação que encontramos
entre a base de cálculo e o critério material, para a qual podemos traçar paralelo
direto com a relação existente entre signo e objeto, explicada também por Charles
Sanders Peirce. Como visto, para que a base de cálculo seja constitucional é
necessário que seja uma parcela diretamente relacionada ao critério material,
mantendo, portanto, relação de correspondência com este.
Na teoria de Peirce, o signo seria o veículo que permite uma criação mental,
denominada interpretante, acerca de determinado objeto real ou mental. A respeito
da teoria dos signos de Peirce, Lúcia Santaella esclarece:
Ora, o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do objeto. Portanto, ele só pode representar esse objeto de um certo modo e numa certa capacidade. (...) Ora, o signo só pode representar seu objeto para u intérprete, e porque representa seu objeto, produz na mente desse intérprete alguma outra coisa (um signo ou quase signo) que também está relacionado ao objeto não diretamente, mas pela mediação do signo134.
Portanto, o signo é uma coisa que representa uma outra coisa, que ostenta a
condição de objeto. Seguindo na investigação a respeito da relação existente entre
signo e objeto, destacamos que os signos podem ser de três tipos: ícones, símbolos
ou índices.
Os signos são simbólicos quando a relação entre as coisas em eles aparecem
e as coisas que eles representam é de caráter convencional e baseada apenas num
acordo entre os sujeitos comunicantes.
Serão icônicos quando a relação entre as coisas em que eles aparecem e as
coisas que eles representam é de caráter imitativo e, portanto, baseada não mais
numa simples convenção, mas em dada semelhança entre os dois tipos de coisas,
no sentido de que, se isto parece com aquilo.
Finalmente, os signos são indiciais quando a relação entre as coisas em eles
aparecem e as coisas que eles representam é de caráter não mais convencional,
nem tampouco imitativo, mas associativo, no sentido de que, se isto costuma vir
sempre associado (quer dizer, junto conectado ou vinculado) àquilo, de maneira que,
percebendo-se isto, lembra-se imediatamente daquilo.
134 SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. 2.ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003, p. 90-91.
104
Por correlação lógica compreendemos que adotada a teoria de classificação
das representações de Charles Seders Peirce, temos que a semiótica nos diria que
a base de cálculo é signo, da espécie índice, que remete a um objeto que tem
natureza necessariamente econômica, o fato imponível.
A fim de verificarmos em relação aos conceitos acima, destacamos a previsão
infraconstitucional relacionada ao ICMS incidente sobre as operações com
mercadorias, nos termos do inciso I, artigo 13 da Lei Complementar nº 87 de 1996,
que trata do imposto no âmbito nacional:
Art. 13. A base de cálculo do imposto é: I - na saída de mercadoria prevista nos incisos I, III e IV do art. 12, o valor da operação;
Observa, com razão, Roque Antônio Carrazza135 que a “base de cálculo do
ICMS não é o valor agregado”, devendo-se cobrar o montante referente ao “valor da
operação mercantil”, sendo este última a base de cálculo do imposto em questão.
Em atenção ao dispositivo citado acima, temos que a Lei Complementar
cumpriu o seu papel, apenas descrevendo por base de cálculo valores que
confirmam os contornos estabelecidos pela Constituição, restando por base de
cálculo o valor da operação, ou seja, aquilo que é economicamente relevante,
estritamente vinculado ao fato tributado.
Contudo, não parou aí o legislador complementar, inaugurando conceito
próprio do que se pode compreender por valor da operação, uma vez que a partir do
§ 1º do referido artigo 13 trouxe para “dentro” da base de cálculo do ICMS valores
estranhos ao fato tributado, de modo a incorrer em deformação da exação, que
entendemos implicar a criação de tributo que não reflete respectiva competência
legislativa. Neste sentido dispõe o §1º, artigo 13, da Lei Complementar nº 87 de
1996:
§ 1º Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo: (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) I - o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle; II - o valor correspondente a:
135 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 98.
105
a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição; b) frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem e seja cobrado em separado.
Como se observa acima, bem como amplamente repetido em legislação
ordinária das unidades da Federação, são incluídas na base de cálculo do ICMS
importâncias como despesas de frete, seguros e, até mesmo, o próprio ICMS,
incluído por meio de cálculo que internaliza o valor imposto na sua própria base136.
Contudo, não somente em nível infraconstitucional encontramos definição em
relação à base de cálculo do ICMS-Importação, sendo importante atentarmos em
relação à alínea “i”, inciso XII, §2º, artigo 155 da Constituição Federal, destacado
anteriormente, dispositivo este inserto também pela Emenda Constitucional nº 33 de
2001137.
De acordo com a norma em tela, é expressamente permitido que a legislação
complementar disponha pela inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo, o
que entendemos se tratar de mais um caso onde existe descompasso entre o
montante da exigência e a materialidade constitucionalmente prevista. Nesta
medida, face à norma constitucional em questão, compreendemos que é
inconstitucional a cobrança do ICMS. Nesta medida, compreendemos que é
inconstitucional a cobrança do ICMS.
No que diz respeito a não pertinencialidade entre a base de cálculo e a
materialidade do ICMS, também a verificamos no caso do ICMS-Importação, em
relação ao qual são incluídas as mesmas importâncias destacadas acima, bem
como outras especificidades que também entendemos divergirem do permissivo
constitucional deste imposto.
136 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 98. 137 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) XII - cabe à lei complementar: (....) i) fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
106
2.2.1.1 Base de cálculo do ICMS-Importação
Seguindo-se na investigação da materialidade do ICMS-Importação temos por
bem analisar a conformidade da base de cálculo escolhida pelo legislador
infraconstitucional, em relação ao critério material da regra-matriz de incidência,
disposto na Constituição Federal. A Lei Complementar nº 87, de 1996, estabelece a
seguinte composição da base de cálculo:
Art. 13. A base de cálculo do imposto é: (...) V - na hipótese do inciso IX do art. 12, a soma das seguintes parcelas: a) o valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação, observado o disposto no art. 14; b) imposto de importação; c) imposto sobre produtos industrializados; d) imposto sobre operações de câmbio; e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) Art. 14. O preço de importação expresso em moeda estrangeira será convertido em moeda nacional pela mesma taxa de câmbio utilizada no cálculo do imposto de importação, sem qualquer acréscimo ou devolução posterior se houver variação da taxa de câmbio até o pagamento efetivo do preço. Parágrafo único. O valor fixado pela autoridade aduaneira para base de cálculo do imposto de importação, nos termos da lei aplicável, substituirá o preço declarado.
Em análise do dispositivo acima destacado, observamos que no caso do
ICMS-Importação, da mesma forma que ocorre com o ICMS incidente sobre
circulação de mercadorias, a exação não recai somente sobre o valor da operação
(mercantil), mas também sobre quantias que não correspondem à materialidade do
imposto.
Nos termos da alínea “e” destacada acima, é permitido que componha a base
de cálculo quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras,
de fato, uma “carta branca” conferida ao legislador estadual e distrital, permitindo a
inclusão de despesas de frete, capatazia, armazenagem, etc. Estas despesas não
se relacionam com o valor da operação mercantil de forma direta, sendo estas
107
importâncias acessórias, que simplesmente viabilizam a operação mercantil,
portanto também estranhas à materialidade do tributo, pormenorizada em nível
constitucional.
O texto original da Constituição Federal fixou a materialidade do ICMS-
Importação, de forma genérica, como a sendo a realização de negócio jurídico de
importação relativo à aquisição de produtos regularmente nacionalizados, sendo
esta a indicação mais do que suficiente quanto a base de cálculo possível para fins
de ICMS-Importação. Quaisquer outros acréscimos (valor de impostos, taxas e
demais despesas) não podem ser compreendidos como base de cálculo da exação,
por extrapolarem o limite do que é possível escolher-se como base de cálculo, uma
vez que estranhos ao montante pactuado pelo negócio jurídico no exterior.
Da mesma forma que ocorre com o ICMS incidente na circulação de
mercadorias, a base de cálculo do ICMS-Importação será composta, também, pelo
próprio ICMS, a chamada inclusão por dentro do imposto, conceito este que também
em relação ao ICMS-Importação não pode ser recepcionado.
Entendemos, com isso, que o constituinte originário vinculou a base de
cálculo possível para fins de ICMS-Importação, qual seja o valor da operação de
importação de acordo com o negócio mercantil de importação. Em assim sendo,
podemos concluir que a única base de cálculo possível, para o ICMS-Importação,
seria o valor aduaneiro.
O conceito de “valor aduaneiro” tem origem no Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio (GATT 1994), do qual o Brasil é signatário. O mencionado acordo
internacional foi inserido no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Legislativo nº
30 de 1994 e pelo Decreto nº 1355 de 1994, com a denominação de “Acordo de
Valoração Aduaneira”, atualmente regulado pelo Decreto nº 6759 de 2009.
Segundo o art. VII daquele acordo internacional, o valor aduaneiro deverá
corresponder ao valor real da mercadoria importada, ou ao de uma outra mercadoria
similar, não podendo se pautar no valor de produtos de origem nacional ou sobre
valores arbitrários ou fictícios. O valor real deverá ser o preço pelo qual, em tempo e
lugar determinados pela legislação do país da importação, as mercadorias
importadas serão vendidas ou ofertadas à venda em operações comerciais normais,
efetuadas em condições de plena concorrência. O valor aduaneiro, portanto, deverá
corresponder, em síntese, ao valor de mercado do bem importado.
108
O conceito de valor aduaneiro, decorrente do destacado acordo internacional,
é escolhido expressamente pela legislação do Imposto de Importação como base de
cálculo do imposto (artigo 75 do Decreto nº 6759 de 2009). Em contexto um pouco
diferente compreendeu o STF que para fins de incidência do PIS e da Cofins–
Importação o valor aduaneiro deveria ser considerado como base de cálculo, de
forma que não poderia o ICMS compor a base de cálculo das contribuições. Decidiu
o Pretório Excelso, sob o rito da Repercussão Geral, nos autos do RE nº
559.937/RS:
EMENTA Tributário. Recurso extraordinário. Repercussão geral. PIS/COFINS – importação. Lei nº 10.865/04. Vedação de bis in idem. Não ocorrência. Suporte direto da contribuição do importador (arts. 149, II, e 195, IV, da CF e art. 149, § 2º, III, da CF, acrescido pela EC 33/01). Alíquota específica ou ad valorem. Valor aduaneiro acrescido do valor do ICMS e das próprias contribuições. Inconstitucionalidade. (...) 5. A referência ao valor aduaneiro no art. 149, § 2º, III, a , da CF implicou utilização de expressão com sentido técnico inequívoco, porquanto já era utilizada pela legislação tributária para indicar a base de cálculo do Imposto sobre a Importação. 6. A Lei 10.865/04, ao instituir o PIS/PASEP -Importação e a COFINS -Importação, não alargou propriamente o conceito de valor aduaneiro, de modo que passasse a abranger, para fins de apuração de tais contribuições, outras grandezas nele não contidas. O que fez foi desconsiderar a imposição constitucional de que as contribuições sociais sobre a importação que tenham alíquota ad valorem sejam calculadas com base no valor aduaneiro, extrapolando a norma do art. 149, § 2º, III, a, da Constituição Federal. 7. Não há como equiparar, de modo absoluto, a tributação da importação com a tributação das operações internas. O PIS/PASEP -Importação e a COFINS -Importação incidem sobre operação na qual o contribuinte efetuou despesas com a aquisição do produto importado, enquanto a PIS e a COFINS internas incidem sobre o faturamento ou a receita, conforme o regime. São tributos distintos. 8. O gravame das operações de importação se dá não como concretização do princípio da isonomia, mas como medida de política tributária tendente a evitar que a entrada de produtos desonerados tenha efeitos predatórios relativamente às empresas sediadas no País, visando, assim, ao equilíbrio da balança comercial. 9. Inconstitucionalidade da seguinte parte do art. 7º, inciso I, da Lei 10.865/04: “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições , por violação do art. 149, § 2º, III, a, da CF, acrescido pela EC 33/01. 10. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
109
Devemos destacar, por óbvio, que os casos não são idênticos, uma vez que a
alínea “a”, inciso III, §2º do artigo 149, da Constituição Federal, faz menção expressa
à base de cálculo das contribuições como o valor aduaneiro, o que no caso do ICMS
não é verificado. No entanto, entendemos que permanece a concepção de respeito
aos limites da materialidade constitucionalmente imposta, de forma a não permitir a
inclusão de valores estranhos à materialidade na base de cálculo de tributo. Muito
embora, em relação ao ICMS, a Constituição não tenha deixado expressa a base de
cálculo do imposto, no caso do ICMS este critério também está circunstanciado na
Constituição, não podendo admitir afronta que incorra em aumento da carga
tributária, principalmente.
Em assim sendo, temos que ao procedermos a verificação do binômio base
de cálculo e critério material do ICMS-Importação encontramos elementos que não
guardam a coerência que deve existir entre a base de cálculo e a hipótese constante
da Constituição, permanecendo duas flagrantes inconstitucionalidades. A primeira
em nível infraconstitucional, permitindo a inclusão de tributos federais e outras
despesas na base de cálculo do imposto sob comento, a segunda em nível
constitucional, permitindo a inclusão do ICMS-Importação em sua própria base de
cálculo, de acordo com a redação promovida também pela Emenda Constitucional nº
33 de 2001.
110
2.2.2 Critério pessoal da regra matriz
Por meio do critério material da regra matriz de incidência é possível verificar
ambas as pessoas envolvidas na relação obrigacional, ou seja, o sujeito ativo
(credor) e o passivo (devedor) da obrigação tributária.
No que diz respeito ao aspecto pessoal da hipótese de incidência, Geraldo
Ataliba refere que está presente na Constituição a indicação necessária daqueles
que poderão figurar como sujeito passivo da obrigação tributária:
29.2 O sujeito passivo é, no direito constitucional brasileiro, aquele que a Constituição designou, não havendo discrição do legislador na sua designação. Só pode ser posto nessa posição o “destinatário constitucional tributário” (para usarmos a excelente categorização de Hector Villegas). Nos impostos, é a pessoa que revela capacidade contributiva, ao participar do fato imponível, promovendo-o, realizando-o ou dele tirando proveito econômico (CF, art. 145, §1º). Nas taxas, o administrado cuja atividade requeira o ato de polícia, ou que provoque, requeira ou, de qualquer modo, utiliza o serviço público (CF, art. 145, II). Nas contribuições, o sujeito que receba especial benefício ou cause especial detrimento ao estado (CF, arts. 145, III e 149). Todo desvio desse critério material implica inconstitucionalidade da lei tributária, no Brasil138.
A respeito do critério pessoal da regra-matriz de incidência, conceitua Paulo
de Barros Carvalho:
Sujeito passivo da relação jurídica tributária é a pessoa – sujeito de direitos – física ou jurídica, privada ou pública, de quem se exige o cumprimento da prestação: pecuniária, nos nexos obrigacionais; e insuscetível de avaliação patrimonial, nas relações que veiculam meros deveres instrumentais ou formais. É no critério pessoal do consequente da regra-matriz de incidência que colhemos elementos informadores para determinação do sujeito passivo.139
Em relação aos sujeitos da relação tributária, dispõe o Código Tributário
Nacional: 138 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 80. 139 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 372.
111
CAPÍTULO III Sujeito Ativo Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento. (...) CAPÍTULO IV Sujeito Passivo SEÇÃO I Disposições Gerais Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto.
O CTN dispôs no artigo 119 que somente poderia figurar como sujeito ativo
aquele que detém a competência tributária. No entanto, a disposição em tela não
leva em conta os casos de parafiscalidade, onde o sujeito ativo é aquele ao qual foi
atribuída capacidade tributária ativa, perfeitamente possíveis de acordo com a
Constituição.
Assim, muito embora divergindo do que dispõe o artigo 119, do Código
Tributário Nacional, a identificação do sujeito ativo não se confunde com a
competência, haja vista não somente União, Estados, Distrito Federal e Municípios
poderem figurar nesta condição, mas também eventuais entidades paraestatais,
pessoas jurídicas de direito privado como o Instituto Nacional de Seguridade
Social140 e, até mesmo, pessoas físicas. Embora esta segunda alternativa possa
parecer esdrúxula, inexiste impedimento desta ordem, desde que a pessoa física
desempenhe atividade de interesse público, exclusivamente141.
No que interessa ao ICMS incidente nas operações de circulação de
mercadorias, destacamos que o sujeito ativo corresponde ao ente político
competente para inaugurar esta exação, quais sejam os Estados e o Distrito
Federal. Levando-se em conta as considerações feitas a respeito do critério espacial
e do critério temporal, o sujeito ativo desta modalidade de ICMS será o ente político
140 JESUS, Fernando Bonfá de. ICMS - Aspectos Pontuais. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 28 141 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 369.
112
correspondente à localização do estabelecimento que promover operação mercantil,
de onde for dada saída às mercadorias142, por força do critério da territorialidade,
dispostos no já citado art. 155, §2º, IX, “a”, in fine, da Constituição Federal143.
Em relação ao ICMS-Importação, o sujeito ativo é deslocado para aquele
onde estiver localizado o estabelecimento onde ocorrer a entrada física, em
consonância com o que dispõe a Constituição Federal no inciso IX, §2º, inciso II,
artigo 155 da Constituição Federal144.
É a redação da Lei Complementar nº 87 de 1996:
Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I - tratando-se de mercadoria ou bem: (...) d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física; e) importado do exterior, o domicílio do adquirente, quando não estabelecido;
A primeira observação que fazemos é que na alínea “d” diz respeito às
operações relativas à circulação de bens importados realizadas por pessoas
jurídicas ou por pessoas físicas que desenvolvam atividades empresariais, por meio
142 Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I - tratando-se de mercadoria ou bem: a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador; (...). 143 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) 144 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) (...) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) IX - incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001).
113
de estabelecimento. No caso de importador que não exerça atividade empresarial
com habitualidade, sem cunho empresarial, a definição do sujeito ativo dar-se-á nos
termos da alínea e, ou seja, determinado pelo domicílio daquele que promover o
ingresso do bem em território nacional.
Neste ponto advertimos que a segunda disposição quanto ao sujeito ativo
regula os casos onde não contribuintes do ICMS são cobrados pelo tributo, o que
acreditamos se tratar de hipótese inconstitucional, que será melhor analisada
posteriormente.
A redação do dispositivo acima, na hipótese que aqui nos interessa, pode
levar à confusão de ser considerada a mera entrada o critério que aproxima a
incidência do ICMS. Em relação a este argumento, compreendemos carecer de
conteúdo jurídico, vez que prestigia somente interpretação literal do dispositivo, no
entanto incoerente com análise sistêmica.
Destacamos a opinião de Valeria Zotelli, para a qual a referida interpretação
leva ao entendimento de que a regra do referido dispositivo somente pode ser
invocada em casos excepcionais, onde haja dificuldade em se verificar qual o
estabelecimento do contribuinte que promoveu operação de importação. Isso
porque, de acordo com a matriz constitucional do tributo, o contribuinte natural que
indica o sujeito ativo é, necessariamente, aquele que promove a operação mercantil.
São as palavras da autora:
Portanto, para fins de incidência do ICMS Importação, que tem por objeto a operação relativa à circulação de mercadoria bens, duas são as variantes a serem consideradas: (a) a existência de uma pessoa jurídica que celebra contrato, estabelecendo uma relação jurídica com terceiro visando à circulação de um bem; e, (b) a própria circulação do bem, que pode ocorrer por intermédio de qualquer estabelecimento da pessoa jurídica. Tratando-se de um imposto de natureza Estadual, a definição do local por intermédio do qual se realiza a circulação é essencial para definição, também, do sujeito ativo do Imposto. Neste momento é que se tem a manifestação pura do papel da lei complementar, qual seja, o de dirimir conflitos de competência e, nos casos em que a pessoa jurídica, detentora de personalidade jurídica e, portanto, de capacidade para celebração de negócios jurídicos, possuir vários estabelecimentos, definir para qual Estado deverá ser recolhido o imposto. E a eleição do legislador complementar, sob o amparo constitucional, foi o de definir que imposto será devido, nestes casos, ao Estado no qual se der a entrada física do bem tratando-se pois de regra de exceção ante a regra geral segundo a qual o IMCS Importação é
114
devido ao Estado no qual estiver estabelecida a pessoa jurídica que realizar a operação relativa à circulação de bem importado do exterior. Eis a interpretação sistêmica a ser dada ao art. 11, I, “d” da Lei Complementar 86/97.145
Isso porque o critério material do ICMS-Importação, como vimos, deverá ser o
ingresso de mercadoria ou bens no ciclo econômico brasileiro, de forma que
somente poderá figurar como sujeito ativo da obrigação tributária a unidade da
Federação onde estiver localizado o estabelecimento responsável por este fato. O
critério da entrada física, portanto, somente seria aplicado quando houver mais de
um estabelecimento, mantidos pela mesma pessoa jurídica, os quais poderão figurar
como os importadores da mercadoria.
Paulo de Barros Carvalho destaca outro critério que indica a correspondência
dos sujeitos da obrigação pertinente ao ICMS-Importação, qual seja aquele que
figura na declaração de importação:
(...) contribuinte desta espécie de imposto é a pessoa cujo nome está consignado na declaração de importação, por ser este, unicamente, quem promove a introdução de mercadorias estrangeiras no país, como resultado do negócio jurídico por ele praticado.146
Compreendemos coerente o entendimento da doutrina ao adotar como sujeito
ativo do ICMS-Importação a unidade da Federação onde estiver localizado o
“destinatário jurídico” das mercadorias, ou seja, aquele que promove a operação de
importação, que, portanto, figura como importador na documentação aduaneira.
Destacamos o entendimento translúcido de José Eduardo Soares de Melo sobre o
tema, de forma semelhante:
A titularidade do imposto não compete singelamente ao Estado (ou DF) onde ocorrer o mero ato físico do desembaraço aduaneiro, porque o ICMS não incide sobre a mera entrada no País de bem ou mercadoria importada, e não se torna devido pela simples liberação aduaneira. Destina-se o imposto à unidade federativa onde se localiza o sujeito passivo do tributo, ou seja, aquela pessoa que juridicamente promove o ingresso dos bens ou mercadorias estrangeiras no País.
145 ZOTELLI, Valéria. O sujeito ativo do ICMS importação: interpretação do art. 11, I, "d", da Lei Complementar 87/96 de acordo com a Constituição Federal. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2008, p. 97. 146 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23.ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 373.
115
(...) É inconsistente a regra que fixa como local da operação “o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física (art. 11, I, d, da LC 87/96). (...) No caso examinado, é competente o Estado A onde se situa o estabelecimento de “destino jurídico” das mercadorias, na forma prevista normalmente em documento de importação. 147
Sobre a questão da entrada física, já se manifestou o STF nos autos do RE
299.079/RJ, pelo desprestígio deste critério na definição do sujeito ativo, nos
seguintes termos:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. IMPORTAÇÃO. SUJEITO ATIVO. ALÍNEA "A" DO INCISO IX DO § 2O DO ART. 155 DA MAGNA CARTA. ESTABELECIMENTO JURÍDICO DO IMPORTADOR. O sujeito ativo da relação jurídico-tributária do ICMS é o Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da mercadoria (alínea "a" do inciso IX do § 2o do art. 155 da Carta de Outubro); pouco importando se o desembaraço aduaneiro ocorreu por meio de ente federativo diverso. Recurso extraordinário desprovido.
Um pouco diferentes são os casos de importação indireta, onde muito embora
figure no documento de importação determinado estabelecimento ou pessoa
jurídica, bem como ocorra a entrada física no mesmo local, as mercadorias são, ato
contínuo, remetidas a outro estabelecimento, da mesma ou de outra entidade
empresarial.
O que ocorre nos casos de importação indireta não é a simples
desconsideração da entrada física como critério de identificação do sujeito ativo,
uma vez que em alguns casos o importador não é aquele que promove o efetivo
ingresso das mercadorias que irão ser incorporadas ao ciclo econômico nacional.
Nestes casos, a jurisprudência privilegia como sujeito ativo aquele
correspondente ao destinatário final das mercadorias, o qual considera o efetivo
importador. Assim, por vezes, são desconsideradas meras entradas em
estabelecimento declarado importador que correspondam à mera “troca de notas”,
ou seja, que não tenham o animus de inserir mercadoria no ciclo econômico do
147 MELO, José Eduardo Soares de. Importação e Exportação no Direito Tributário: impostos, taxas e contribuições. 3.ed. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 189.
116
estabelecimento Por conseguinte, é considerado o importador, sujeito passivo do
ICMS-Importação, aquele que der a entrada mercantil ao bem.
Situações como estas são comumente enfrentadas devido a benefícios fiscais
concedidos por Estados que têm a intenção de atrair investimentos de pessoas
jurídicas dedicadas à importação de mercadorias. Neste sentido é o posicionamento
do Superior Tribunal de Justiça, o qual já tem por pacificado o entendimento em tela:
AgRg nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.036.396 – MG - TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ICMS. IMPORTAÇÃO INDIRETA. TRIBUTO DEVIDO AO ESTADO ONDE SE LOCALIZA O DESTINATÁRIO FINAL DA MERCADORIA. ACÓRDÃO EMBARGADO EM SINTONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 168/STJ. 1. Agravo regimental contra decisão que indeferiu liminarmente os embargos de divergência, nos termos da Súmula 168/STJ. 2. A Primeira Seção firmou o entendimento de que, nos casos de importação indireta, o ICMS deve ser recolhido no Estado onde se localiza o destinatário final da mercadoria, ou seja, o real destinatário do bem importado, sendo irrelevante o fato de a internalização ter ocorrido por estabelecimento intermediário situado em outra Unidade da Federação. Precedentes: EREsp 835.537/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 30/11/2009; EDcl no AgRg no Ag 825.553/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 20/8/2009; AgRg nos EDcl no REsp 1046148/MG, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 25/8/2008. 3. O acórdão que julgou o recurso especial, ora recorrido, foi claro ao consignar que "o Tribunal de origem entendeu, mediante análise das provas dos autos, que houve importação indireta e que o destinatário final da mercadoria se localizava no Estado de Minas Gerais". 4. Agravo regimental não provido.
Muito embora sejamos aqui da compreensão que decidiu bem o STJ no caso
em apreço, devemos destacar que o STF reconheceu a existência de repercussão
geral sobre a matéria, nos autos do ARE 665134 RG / MG148, sem decisão até a
presente data.
148 Ementa: TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO. SUJEITO ATIVO. DESTINATÁRIO JURÍDICO. PROPRIEDADES. IMPORTAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA. ESTABELECIMENTO COMERCIAL VAREJISTA LOCALIZADO EM SP. DESEMBARAÇO ADUANEIRO EM SÃO PAULO. POSTERIOR REMESSA PARA ESTABELECIMENTO INDUSTRIAL LOCALIZADO EM MG PARA INDUSTRIALIZAÇÃO. RETORNO AO ESTABELECIMENTO PAULISTA. ART. 155, §2º, IX, A DA CONSTITUIÇÃO. PROPOSTA PELO RECONHECIMENTO DA REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA. Tem repercussão geral a discussão sobre qual é o sujeito ativo constitucional do Imposto sobre Circulação de Mercadorias, incidente sobre operação de importação de matéria-prima que será industrializada por estabelecimento localizado no Estado de Minas Gerais, mas, porém, é
117
No que diz respeito ao sujeito passivo, nos termos do citado artigo 121 do
CTN, este poderá ser a pessoa jurídica de direito privado ou a pessoa física, desde
que seja aquele que promover a operação de importação, em consonância com a
disposição do art. 4º, caput, da Lei Complementar n 87 de 1996:
Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior; (...)
A concepção insculpida pelo artigo acima prevê que quaisquer entradas em
território nacional poderão se sujeitar ao ICMS, de forma que todos que se
colocarem na posição de importadores deverão pagar o imposto estadual. No
entanto, este entendimento foi somente proposto pela Emenda Constitucional nº 33
de 2001, uma vez que até então somente seriam contribuintes do ICMS-Importação
aqueles que fossem contribuintes do imposto no âmbito das operações internas.
Portanto, a alteração quanto à materialidade do ICMS-Importação também
pode ser verificada por meio da alteração do sujeito passivo, que passa a ser o
mesmo do Imposto de Importação de competência da União. Esta interpretação, no
entanto, desrespeita a obrigatória observância do princípio da não-cumulatividade,
em relação ao qual não se pode dar efeito no caso daqueles que não são
contribuintes do ICMS. Ou seja, por força do princípio da não-cumulatividade,
somente poderão ser contribuintes do ICMS aqueles que puderem registrar crédito
tributário sobre uma aquisição, seja a aquisição no mercado externo ou interno.
desembaraçada por estabelecimento sediado no Estado de São Paulo e que é o destinatário do produto acabado, para posterior comercialização. Decisão: O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Cezar Peluso e Cármen Lúcia. Rel. Min. Joaquim Barbosa.
118
Sobre o tema, destacamos a posição de Marcelo Viana Salomão, para o qual
a Emenda Constitucional nº 33 de 2001 promoveu alteração do sujeito passivo do
ICMS-Importação:
Frisamos, então, que são duas incidências distintas, e que efetivamente, em função do Princípio da Não-cumulatividade, que só serão contribuintes do ICMS-Importação os contribuintes do ICMS-Mercadorias e ICMS-Serviços, quando realizarem importações. Aproveitamos para destacar que uma ampliação do aspecto material não implica em obrigatória e automática alteração da sujeição passiva, pois foi exatamente isso que ocorreu com o advento da Emenda 23/83 com relação ao ICM, e também na CF/88, onde ser inclui a importação mas não se alterou o contribuinte do ICMS. Esta interpretação nos parece a única que permite compatibilizar esta nova incidência do ICMS com o “núcleo central comum” do subsistema do ICMS Constitucional. Noutro dizer, esta é a única forma de harmonizar a plena vigência do Princípio da Não-cumulatividade dom esta incidência149.
O que notamos aqui é que a disposição da Emenda Constitucional nº 33 de
2001 restou por não somente criar uma nova materialidade tributária, mas que esta
materialidade desrespeita outros fatores que identificam o ICMS, quais sejam o
critério da sujeição passiva e o princípio informador da não-cumulatividade. Em
outras palavras, inexiste qualquer relação entre o ICMS-Mercadorias e o novo ICMS-
Importação, o que impede qualquer magistério no sentido de considerar
constitucional sua incidência.
Por tudo que até aqui foi exposto, uma vez presentes todos os critérios
(pressupostos) acima verificados, em coexistência, teremos instalada a obrigação
tributária entre contribuinte e Fisco. Fazemos aqui atenção à necessidade de que
sejam todos os elementos verificáveis, para que ocorra a incidência, ou seja, que
todos os critérios da regra matriz estejam presentes.
Passemos, portanto, à análise do ICMS incidente sobre as operações de
importação de mercadorias (ICMS-Importação), especificamente no que diz respeito
às alterações promovidas pela EC nº 33 de 2001.
149 SALOMÃO, Marcelo. O ICMS na importação após a Emenda 33 de 2001. In: IV Congresso Nacional de Estudos Tributários: Tributação e Processo. SANTI, Eurico Marco Diniz de (Org.). São Paulo: Noeses, 2007, p. 442.
119
CAPÍTULO III - DA MATERIALIDADE DO ICMS-IMPORTAÇÃO NA
REDAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº33 DE 2001
Preliminarmente, cumpre destacar que somente na década de 60 passou a
existir previsão quanto à incidência do então ICM sobre operações de importação,
nos termos do Ato Complementar nº 34 de 30 de janeiro de 1967, o qual alterou o
artigo 52 do Código Tributário Nacional, passando a ostentar em seu inciso II a
seguinte redação:
Art. 52 O impôsto, de competência dos Estados, sôbre operações relativas a circulação de mercadorias tem como fato gerador. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 34, de 30.1.1967). (Revogado pelo Decreto-lei nº 406, de 1968). I - a saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor; (Incluída pelo Ato Complementar nº 34, de 30.1.1967) (Revogado pelo Decreto-lei nº 406, de 1968). II - a entrada de mercadoria estrangeira em estabelecimento da emprêsa que houver realizado a importação, observado o disposto nos §§ 6º e 7º, do art. 58; (Incluída pelo Ato Complementar nº 34, de 30.1.1967) (Revogado pelo Ato Complementar nº 36, de 1967) (Revogado pelo Decreto-lei nº 406, de 1968). (grifo nosso)
Como se observa, a previsão legal acima apenas alcança a entrada de
mercadorias estrangeiras em estabelecimento da empresa que houver realizado
importação. Ou seja, não é permitida a importação daquilo que não corresponde a
uma mercadoria, bem como somente poderá ser devido o ICM no momento da
entrada no estabelecimento o importador, de forma bem diferente do que já vimos
ocorre atualmente.
No ano seguinte, foi editado o Decreto-lei nº 406, de 31 de dezembro de
1968, o qual revogou a norma trazida pelo Código Tributário Nacional, passando a
regular no mesmo sentido:
Art 1º O impôsto sôbre operações relativas à circulação de mercadorias tem como fato gerador: I - a saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor;
120
II - a entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de mercadoria importada do exterior pelo titular do estabelecimento; (grifo nosso)
No âmbito da Constituição, somente a partir da Emenda Constitucional nº 23
de 1983 (Emenda Passos Porto), surge norma que permitia que o ICM incidisse
sobre as operações relativas a bens e mercadorias oriundos do exterior efetuadas
por produtores, comerciantes e industriais. Assim dispunha o dispositivo da
Constituição então em vigor, a partir da redação promovida pela referida Emenda:
Art. 18 (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. A isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes. (...) § 11 - O imposto a que se refere o item II incidirá, também, sobre a entrada, em estabelecimento comercial, industrial ou produtor, de mercadoria importada do exterior por seu titular, inclusive quando se tratar de bens destinados a consumo ou ativo fixo do estabelecimento.
Desde a introdução de competência constitucional para tributar pelo ICMS as
operações oriundas do exterior, o fato imponível a ser tributado correspondia à
realização de operações de comércio, as quais tivessem a finalidade de inserir no
ciclo comercial brasileiro mercadoria estrangeiras. O que se tinha quando ainda em
vigor a Constituição Federal de 1967 (Emenda Constitucional de 1969), era
basicamente a mesma disposição que foi inserta quando da promulgação da
Constituição Federal de 1988, atualmente alterada pela Emenda Constitucional nº
33 de 2001.
Em relação ao ICMS-Importação dispunha a redação original da alínea “a”,
inciso IX, §2º do artigo 150 da Constituição Federal, que seriam tributadas as
entradas de mercadorias, nos seguintes termos:
Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir: I – imposto sobre: (...)
121
b) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (...) §2º - O imposto previsto no inciso II atenderá o seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de seriços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo Estado, ou pelo Distrito Federal; (...) IX – incidirá também: sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fio do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário d mercadoria ou do serviço;
Nota-se que, na redação original do dispositivo constitucional que dá subsídio
ao ICMS-Importação, não era permitido tributar pelo ICMS quaisquer entradas do
exterior, ou seja, a mera importação, mas somente aquelas importações que diziam
respeito ao ingresso de bens em operações com a finalidade de comércio ou para
fins de industrialização do bem adquiridos e posterior comercialização do respectivo
produto.
Se houvessem permanecido estes parâmetros, devemos destacar que não
haveria diferença entre a materialidade do ICMS incidente nas operações internas e
o ICMS que incide quando estas operações se iniciam no exterior, do ponto de vista
que permanece sendo respeitado o núcleo semântico da materialidade comum às
espécies.
Isso porque entendemos que o ICMS-Importação é melhor compreendido a
partir da matriz constitucional que se refere ao ICMS incidente sobre operações
mercantis internas, não se conformando hipótese distinta do imposto denominado
ICMS.
Embora já afirmado que o vocábulo ICMS apresenta 6 (seis) materialidades
distintas, sendo uma delas o imposto que incide sobre a entrada de bens no país,
temos que esta materialidade não deve ser acolhida pelo Poder Judiciário como
norma tributária, haja vista ferir direito fundamental do contribuinte, principalmente
por se tratar de competência tributária outorgada pelo legislador constituinte
derivado.
122
O legislador derivado não somente extrapola o limite conferido ao constituinte
reformador, pois cria uma nova exação, mas também sob a perspectiva que o novo
tributo fere garantia individual atrelada ao ICMS pela Constituição, qual seja a não-
cumulatividade. Conforme visto, a não cumulatividade, indiscutivelmente em relação
ao ICMS, é princípio tributário, o qual insere limite à pretensão do legislador
infraconstitucional que criará os tributos em abstrato, de forma a impedir efeito da
tributação em cascata.
Até aqui, vimos em relação à formulação constitucional do ICMS-Importação
em momento anterior à edição da Emenda Constitucional nº 33/01, a qual operou
alteração substancial na materialidade deste imposto. A partir da referida Emenda,
restou-se por alargar a hipótese de incidência do ICMS-Importação, deformando a
materialidade do que se compreende por ICMS, no que se refere ao limite de
apenas poderem ser tributadas as operações mercantis.
Assim dispõe a redação atual da alínea “a”, inciso IX, §2º, do artigo 150 da
Constituição Federal, de acordo com a alteração promovida pela Emenda
Constitucional nº 33 de 2001:
a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
A partir da nova redação da alínea “a”, inciso IX, § 2º, do artigo 155 da
Constituição Federal, o ICMS passa a incidir sobre a entrada de bens ou
mercadorias, promovidas por pessoa física ou jurídica, ainda que o importador não
seja contribuinte do imposto, independentemente da destinação do bem
importado150. Em suma, é possível argumentar que o ICMS incide sobre qualquer
entrada de bem em território nacional, não importando se este bem é, ou não, objeto
de uma operação mercantil, alargando também o rol daqueles que podem ser
considerados contribuintes do imposto, uma vez que este passaria a ser devido por
qualquer um que promove importação. Como já demonstramos, compreendemos
que somente podem ser contribuintes do ICMS-Importação aqueles que importam
150 MELO, José Eduardo Soares de. Importação e Exportação no Direito Tributário: impostos, taxas e contribuições. 3.ed. São Paulo: Ed. RT, 2014, p. 144.
123
em operações que busquem inserir mercadoria em atividade econômica, de forma a
preservar-se também o imperativo da não-cumulatividade.
O que decorre da atual redação constitucional é a outorga de nova
competência tributária aos Estados e ao Distrito Federal, uma vez que permite
serem tributadas pelo ICMS quaisquer entradas de bens em território nacional.
Desta verificação, decorre outro impropério jurídico que pode ser relacionado à
Emenda Constitucional nº 33 de 2001: a criação de adicional estadual do imposto de
importação, uma clara interferência na materialidade outorgada à União, nos termos
do artigo 153, I, da Constituição Federal151.
Sobre a relação de identidade entre o imposto sobre importações e o ICMS-
Importação decorrente da Emenda Constitucional nº 33 de 2001, Marcelo Viana
Salomão também adverte:
O segundo motivo que nos faz descrer em qualquer alteração do quadro anterior em termos de interpretação do ICMS-Importação decorre do fato que se for prevalecer a leitura pretendida pela Fazendas Estaduais teremos dois impostos absolutamente idênticos, quais sejam, o Imposto de Importação Estadual (ICMS Importação) e o Imposto de Importação Federal (II), este existente em nosso texto originário da Carta Magna.152
O fato de importar bens do exterior apresenta materialidade viável para
criação de exação tributária, sendo que, nos termos da Constituição Federal, caberá
à União a competência tributária para criar tributo sobre a importação, conforme
disposição do inciso I, artigo 153, da Constituição Federal.
Essa também é a opinião de Roque Antonio Carrazza, no que diz respeito à
relação do imposto de importação e o ICMS-Importação:
IVd – Na verdade, a Emenda Constitucional 33/2001 abriu espaço, neste particular, a um adicional estadual do imposto sobre importação (que incide quando da entrada no País de qualquer produto estrangeiro, independentemente de ser ou não mercadoria e de importador ser ou não comerciante) – o que leva a uma bitributação, desautorizada pelo Poder Constituinte Originário.153.
151 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos estrangeiros; 152 SALOMÃO, Marcelo. O ICMS na importação após a Emenda 33 de 2001. In: IV Congresso Nacional de Estudos Tributários: Tributação e Processo. SANTI, Eurico Marco Diniz de (Org.). São Paulo: Noeses, 2007, p. 441. 153 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 91.
124
A título de exemplo, podemos citar que a partir da referida Emenda, poderão
ser tributadas as importações realizadas por pessoas físicas, bem como as
importações que digam respeito à entrada de bens promovidas por não contribuintes
do imposto como, por exemplo, os hospitais. Ainda em relação ao leque de
hipóteses aberto pela Emenda sob comento, poderão ser tributados pelo ICMS os
contratos internacionais de arrendamento mercantil, muito comuns no mercado da
aviação civil.
Dizemos, mais uma vez, que somente são tributáveis pelo ICMS as
operações, ou seja, atos ou negócios que se relacionem com a circulação jurídica de
bens. Muito embora promovidas alterações pela Emenda Constitucional nº 33 de
2001 que permitam a tributação de bens, nenhuma alteração foi efetuada em
relação à qualidade da operação que promove o ingresso dos bens no Brasil,
permanecendo como requisito que se trate de operação que importe a transmissão
de titularidade. Dessa forma, não há motivo para, em relação ao ICMS-Importação,
ser permitida incidência sobre fatos que não importem transferência de titularidade,
ou seja, sobre a mera circulação física.
Conforme já defendido, o legislador constituinte originário encerrou em seu
turno as possibilidades de criação de hipóteses tributárias, deixando em aberto
somente os casos que expressamente designou, todos em favor da competência
tributária atribuída à União, no que a doutrina escolheu denominar competência
residual154.
Mais uma vez, parece menosprezo compreender que o legislador constituinte
originário teria previsto uma “competência residual”, nos termos do artigo 154, inciso
I, da Constituição Federal, pormenorizando em relação aos seus requisitos, se não
tivesse por intenção impor limite ao constituinte derivado.
Conforme se observa, o dispositivo em tela estabelece a possibilidade de
criação de novos impostos, em seguida prescrevendo limites para o exercício desta
154 Carta Magna, art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; (...). Constituição Federal, art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (....) § 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.
125
competência. Entendemos, portanto, que: (1) pela ausência de dispositivo homologo
relacionando os critérios para que Estados, Distrito Federal e Municípios instituam
novos impostos, a norma em questão encerra em si uma limitação à criação de
outras competências por parte dos demais entes políticos, ou seja, somente a União
poderá instituir impostos, que não aqueles cujas competências foram outorgadas
pelo constituinte originário; (2) deverá incidir sobre fato econômico não escolhido por
nenhuma outra materialidade presente na Constituição, com a consequente base de
cálculo; e, (3) deverá ser não cumulativo.
Entendemos aqui que a violação proposta pelo constituinte derivado no caso
da alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 desrespeita
verdadeira garantia individual do contribuinte, qual seja de apenas ser tributado por
novas exações, quando estas estejam de acordo com as condições impostas nos
artigos 154, I, e 195, §4º, da Constituição Federal.
Além de infringir a garantia individual do contribuinte de apenas ser tributado
nos termos expressos pelo constituinte originário, destacamos ainda que, muito
embora se pudesse admitir que são constitucionais as criações de novos tributos por
meio de Emenda, a alteração promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001
desrespeita também a garantia individual de ser tributado em consonância com o
princípio da não-cumulatividade, condição inerente ao ICMS.
Por estes dois motivos, a criação de novo tributo, qual seja o Imposto sobre
as Importações de competência dos Estados e do Distrito Federal, infringe cláusula
pétrea da Constituição de 1988, nos termos do § 4º, inciso IV, de seu artigo 60.
Pelos motivos acima expostos, entendemos que em relação às inovações
propostas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001, deve ser dada interpretação
restritiva, diferente daquela que busca aproximar o ICMS do Imposto de Importação.
De acordo com a interpretação sistemática que busca resguardar os critérios
informadores do ICMS, permanecem sendo contribuintes deste imposto somente
aqueles que são contribuintes do ICMS no âmbito das operações internas, como já
demonstrado quando tratamos de sujeição passiva.
Neste sentido, destacamos a opinião de Marco Aurelio Greco e Anna Paola
Zonari, para os quais a disposição constitucional fez referência expressa ao termo
“estabelecimento” na redação da citada alínea “a”, o que indica a necessidade do
bem ingressar em atividade econômica:
126
Observe-se que a materialidade do ICMS desborda as mercadorias em si (....) para alcançar, na importação, também os bens (art. 155, §2º, IX, “a”). Este fato, porém, não retira o caráter eminentemente mercantil do ICMS, pois mesmo nesta incidência exige-se que o bem se integre em uma atividade econômica sujeita ao imposto (daí mencionar-se a noção de “estabelecimento”). Este dispositivo corresponde à ampliação da materialidade do imposto para alcançar bens com os quais o contribuinte se relaciona, mas não implica ampliação da hipótese de incidência. Ou seja, esta hipótese só alcança as importações realizadas por contribuintes do ICMS (....)155
Pelas razões acima expostas, compreendemos que a única forma de
interpretação das alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001
é no sentido de que a nova redação não altera o critério material inerente ao ICMS,
aqui já referido.
De acordo com esta concepção, a locução “operações relativas à circulação
de mercadorias” encerra o limite dos fatos econômicos que podem ser objeto do
ICMS, também na modalidade incidente nas importações, aos casos que se
referiram à efetiva transferência de titularidade de bem, em operação
necessariamente mercantil.
3.1 Direito fundamental de apenas ser tributado nos termos da
Constituição
Da mesma forma que os contribuintes têm o dever de pagar tributos para
colaborar com a manutenção do Estado, devemos observar que são conferidos aos
contribuintes uma série de direitos e garantias, uma vez que a atividade de tributar
deve também respeitar o direito fundamental de manutenção da propriedade.
Neste sentido, é garantido ao contribuinte direitos fundamentais pertinentes à
estrita legalidade e à “não surpresa”, de forma que o Estado somente poderá atentar
155 GRECO, Marco Aurélio. LORENZO, Ana Paola Zonari de. ICMS: materialidade e princípios constitucionais. In: Curso de Direito Tributário. v.2. MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). Belém: CEJUC, 1993, p. 147-148. Apud CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 71.
127
contra o patrimônio privado quando devidamente autorizado e nos estritos termos da
lei.
Conforme já tratado, verificamos a existência de outra garantia individual, qual
seja a de apenas ser tributado nos estritos termos da competência conferida ao ente
político, devendo-se respeitar, em nível infraconstitucional, o permissivo superior,
pertinente à materialidade de cada tributo.
Seguindo no que se propõe o presente trabalho, buscamos agora observar
quanto à existência de direito individual, decorrente daquele inerente ao conceito de
competência tributária, qual seja a garantia de apenas ser tributado nos estritos
termos demarcados pelo legislador constitucional originário.
Preliminarmente, devemos destacar que estamos tratando de direito
fundamental que não encontra previsão expressa na Constituição, mas que pode ser
facilmente verificado, como a seguir o faremos.
3.1.1 Direito fundamental de apenas ser tributado nos estritos
termos da redação original da Constituição Federal
Como já visto, a competência tributária consiste na faculdade que tem o
Estado de criar unilateralmente tributos, de forma abstrata. Por sua vez, a tributação
consiste na faculdade do Fisco de interferir no patrimônio do particular, retirando
compulsoriamente parcela deste. Este é o entendimento que se compreende de
Geraldo Ataliba, a partir do que segue de sua obra:
A tributação é a transferência compulsória de parcela da riqueza individual para os cofres públicos; daí sua conexão com a propriedade. É, também, forma de controle ou indução da liberdade individual, enquanto instrumento – deliberando ou não – de estímulo ou desestímulo de comportamentos, quando não de compulsão.156
156 ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 10.
128
Em assim sendo, a competência encerra uma permissão de interferência do
Estado no patrimônio do particular, a qual deverá ser exercida em respeito ao direito
fundamental de proteção ao patrimônio, presente no artigo 5º inciso XXII da
Constituição Federal e protegido pelo sistema constitucional por meio do artigo 60,
§4º, inciso IV, do mesmo Diploma, como uma “cláusula pétrea”, uma vez que
garantia individual inserida no sistema constitucional.
Por conseguinte, uma vez imutável a garantia de preservação da propriedade,
entendemos que não poderá ser admitida tributação que extrapole as hipóteses
descritas pelo poder constituinte irrestrito, o qual prestigiou o conceito de patrimônio
e, neste sentir, pormenorizou em relação aos casos em que seria permitida
interferência do Estado.
Nesse diapasão, devemos distinguir o que seria um “Poder Tributário”, que
entendemos no Brasil não existe, e o que é competência tributária, como vemos
presente em nosso ordenamento. O “Poder Tributário” foi apenas detido pela
Assembleia Nacional Constituinte, esta sim detentora de um poder ilimitado. Por sua
vez, a Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Carta de 1988, usou de
forma ampla seu poder tributário e entregou a competência tributária para os
legisladores em termos muito limitados.
Ainda no sentido de esgotar, noutro enfoque, a criação de tributos em
abstrato, a competência tributária, o legislador constitucional cuidou das
possibilidades de criação de novos tributos, para tal positivando pelos seus critérios.
Assim consta do artigo 154, da Carta Magna:
Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.
Podemos abstrair do extrato de legislação acima, algumas informações que
também definem limites à competência residual, quais sejam: a) somente a União
pode instituir novos tributos; b) os tributos em questão deverão ter natureza de
129
impostos; c) deverão ser instituídos por meio de lei complementar; d) deverão ser
não-cumulativos; e) não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos
discriminados na Constituição; ou, f) na iminência ou no caso de guerra externa.
Encerra, negativamente, também neste contexto, norma no sentido de que os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem criar outros tributos senão
aqueles descritos na Constituição.
Em assim sendo, temos que não tão eventuais alterações no rol das
competências estabelecidas pelo constituinte originário, que não se configuram aos
critérios estabelecidos pelo artigo 154, I da Constituição Federal, restam por
desrespeitar garantia individual do contribuinte, visto que este tem o direito subjetivo
de somente sofrer o ônus da tributação nova, quando presentes os tais critérios.
Pelos motivos acima expostos, a criação de novas exações, a partir de
alterações da Constituição Federal, acaba ceifando um direito fundamental
conferido, o de apenas ser tributado nos termos do que previu o legislador
constituinte originário.
Acreditamos ser esta a melhor interpretação da Constituição, vez que assim
prestigia-se a proteção ao patrimônio, a repartição de competências, bem como a
criação e competência residual.
Por estes motivos, acreditamos que a criação de novas materialidades
tributárias constitui afronta à norma do artigo 60, §4º da Carta Magna, pois prevê a
imutabilidade dos direitos fundamentais, sendo matéria em relação a qual não se
permite emendar a constituição.
Este é também o entendimento de Roque Antonio Carrazza, nos termos que
se observa a seguir ao tratar da inovação promovida pela Emenda Constitucional nº
33 de 2001 no âmbito do ICMS incidente sobre operações de importação:
IIa- Estamos convencidos, no entanto, que por ter alterado a regra-matriz constitucional do ICMS-Importação, a Emenda Constitucional 33/2001 feriu direito fundamental do contribuinte (cláusula pétrea), sendo, neste ponto, inconstitucional157.
No mesmo diapasão compreende Renato Lopes Becho, pela existência de
limitação na competência residual, destacando a posição superior do constituinte
originário neste aspecto:
157 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p. 90.
130
Todavia consideramos plenamente discutível a possibilidade de alteração na competência mesmo por Emenda Constitucional. Pode ser que qualquer mudança na composição da competência tributária esteja vedada pelo artigo 60, §4º, IV da CF/88158.
Pelos motivos acima expostos, temos que existe presente no ordenamento
constitucional vedação à criação de novos tributos por meio de emenda, visto que
esta possibilidade estaria encerrada no âmbito do artigo 154, inciso I, da
Constituição Federal.
Também no mesmo sentido, destacamos a opinião de Tácio Lacerda Gama,
para o qual o limite presente no § 4º, artigo 60, da Constituição Federal impede
qualquer iniciativa que busca alterar os contornos estabelecidos pelo legislador
originário, uma vez que garantia do contribuinte. Vejamos:
A possibilidade de modificar a Constituição por emenda consta autorizada pelo próprio texto constitucional. Cumpridas as formalidades necessárias, é possível inserir modificação no sistema constitucional tributário. Conquanto não estejam sujeitas às mesmas vedações prescritas para toda modificação legislativa do capítulo relativo ao Sistema Tributário, estão sujeitas aos condicionantes materiais das chamadas clausulas pétreas. Neste sentido, é vedado alterar a Constituição para restringir princípios, imunidades e enunciados de autorização que possuam natureza de direitos e garantias do contribuinte. Da mesma forma, importam violações, ao que dispõe o art. 60, § 4º, as propostas de emenda tendentes a modificar a forma federativa de Estado159.
No que diz respeito às razões acima expostas, relacionadas ao tema do
presente trabalho, compreendemos que a Emenda Constitucional nº 33 e 2001
extrapolou os limites permitidos ao legislador constituinte derivado, haja vista passar
a permitir a tributação sobre novos fatos, antes não incidentes em relação ao ICMS.
Resta clara a intenção do legislador constituinte originário, de somente
permitir atentado contra o patrimônio do particular nos estritos casos positivados no
âmbito da Constituição. Se assim não o fosse, desnecessária seria a indicação das
materialidades tributárias no âmbito da Constituição, podendo-se também dizer que
seria apenas necessária a indicação dos entes políticos competentes para a criação
de tributos.
158 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011, p. 236. 159 GAMA, Tácio Lacerda. Competência Tributária - Fundamentos para uma teoria da nulidade. 2.ed. São Paulo: Editora Noeses, 2011, p. 281.
131
Por este motivo, compreendemos que a esta limitação ao Poder do Estado se
reveste da qualidade de garantia fundamental do contribuinte, a qual não é permitido
ato que vise sua abolição, uma vez que clausula pétrea.
Em relação ao alargamento da competência dos Estados e do Distrito
Federal, estudaremos os fatos emblemáticos que passaram a ser tributados pelo
ICMS, de acordo com a competência estabelecida por meio da Emenda
Constitucional nº 33 de 2001.
3.2 ICMS-Importação incidente sobre a pessoa física e sobre não-
contribuintes do imposto
Em relação ao sujeito passivo do ICMS, dispunha o artigo 58 do Código
Tributário Nacional, antes de ser revogado pelo Decreto-lei nº 406/68:
Art. 58. Contribuinte do imposto é o comerciante, industrial ou produtor que promova a saída da mercadoria. § 1º Equipara-se a comerciante, industrial ou produtor qualquer pessoa, natural ou jurídica, que pratique com habitualidade, operações relativas à circulação de mercadorias.
Como se observa da redação do §1º, muito embora esta equipare a pessoa
natural ao comerciante, industrial ou produtor, este dispositivo exigia que as
operações tributáveis pelo ICMS se dessem com habitualidade, o que
compreendemos restringia a incidência deste imposto, ainda, aos atos com a
intenção de comércio.
Por sua vez, o dispositivo que passou a regular no mesmo sentido, de acordo
com o Decreto-lei n 406 de 1968, dispunha:
Art 6º Contribuinte do impôsto é o comerciante, industrial ou produtor que promove a saída da mercadoria, o que a importa do exterior ou o que arremata em leilão ou adquire, em concorrência promovida pelo Poder Público, mercadoria importada e aprendida. § 1º Consideram-se também contribuintes:
132
I - As sociedades civis de fins econômicos, inclusive cooperativas que pratiquem com habitualidade operações relativas à circulação de mercadorias; II - As sociedades civis de fins não econômicos que explorem estabelecimentos industriais ou que pratiquem, com habitualidade, venda de mercadorias que para êsse fim adquirirem; III - Os órgãos da administração pública direta, as autarquias e emprêsas públicas, federais, estaduais ou municipais, que vendam, ainda que apenas a compradores de determinada categoria profissional ou funcional, mercadorias que, para êsse fim, adquirirem ou produzirem.
O Decreto-lei não mais previa que qualquer pessoa natural ou jurídica poderia
ser contribuinte do ICMS, mas mantinha o critério da habitualidade, de forma a
somente alcançar as pessoas jurídicas contribuintes do imposto. Compreendemos
que esta redação, ainda vigente, está em perfeita consonância com a matriz
constitucional do ICMS, uma vez que promove identificação entre aquele que pode
suportar o imposto e o critério material constitucionalmente expresso.
Por sua vez, a Lei Complementar nº 87 de 1996 passou a dispor, de forma
expressa, que as pessoas físicas e aqueles que não são contribuintes do ICMS
serão obrigados ao recolhimento do tributo nas importações. Dispõe a Lei
Complementar nº 87 de 1996:
Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade (REVOGADO) Parágrafo único. É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial: (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) I - importe mercadorias do exterior, ainda que as destine a consumo ou ao ativo permanente do estabelecimento; (REVOGADO) I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) (grifo nosso)
Como se observa, a partir da Lei Complementar nº 87 de 1996 reaparece a
hipótese da pessoa física figurar como contribuinte do ICMS, sendo que na redação
verificada anteriormente à Lei Complementar nº 114 de 2002, permanecia sendo
necessário que estivesse presente uma mercadoria que ingressasse em
133
estabelecimento que já adequava os efeitos da norma de incidência do ICMS-
Importação.
A referida alteração legislativa foi decorrente da alteração promovida pela
Emenda Constitucional nº 33 de 2001, especificamente na alínea “a” do inciso IX,
§9º do artigo 155 da Constituição Federal, em relação às operações passíveis da
incidência do ICMS:
a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço; (Revogado) a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) (grifo nosso)
Observa-se que a redação original mencionava expressamente quanto à
efetiva entrada da mercadoria importada no estabelecimento, o que já defendemos
ser conceito somente aplicável às pessoas jurídicas dedicadas a atos de comércio.
A pessoa física não tem estabelecimento, mas residência ou domicílio.
Ao arrepio de garantia constitucional assegurada ao contribuinte, qual seja a
de apenas ser tributado nos termos da redação original da Constituição Federal de
1988, a alteração promovida pela EC nº 33 de 2001 permitiu expressamente que
fossem objeto da exação sob comento também as entradas provenientes do exterior
promovidas por pessoas físicas e por não-contribuintes do imposto.
Esta parece ser a nova materialidade mais absurda do ICMS incidente nas
importações, quando observada a competência tributária originalmente prevista para
o ICMS. Por tudo que até aqui se tratou a respeito da necessidade de existir uma
operação mercantil para que então, possa vir a incidir o ICMS é que este imposto
resta situado somente dentro do âmbito das relações negociais, das operações
mercantis.
Conforme se observou anteriormente, o conceito de operação mercantil
abriga a necessidade de haver o propósito de ingresso de um bem no ciclo
comercial nacional, direta ou indiretamente. Ora, a pessoa física, não contribuinte do
134
imposto por excelência, não pode ser equiparada a tal condição, uma vez que
claramente sua intenção não é que o bem importado ingresse no ciclo econômico,
mas sim o consumo. Da mesma forma, a pessoa física, necessariamente, não
poderá dar efeito à não-cumulatividade, uma vez que impedida de registrar ou dar
vazão aos créditos tributários decorrentes da incidência na importação. Não
podemos esquecer que a não-cumulatividade, o direito ao crédito pelo imposto pago
na etapa anterior, é garantia constitucional assegurada ao contribuinte com cláusula
pétrea.
Como ocorria antes da Emenda Constitucional nº 23 de 1983, a qual trouxe a
primeira previsão constitucional do ICMS-Importação, na esteira das tentativas
frustradas dos Estados de tributar pelo ICMS as mercadorias importadas, a exação
transferida à pessoa física também foi amplamente debatida no âmbito da
jurisprudência, antes da existência de seu permissivo constitucional.
Já na vigência da redação original da Constituição Federal vigente, parte da
jurisprudência infraconstitucional chegou a considerar legal a incidência do ICMS
nas operações de importação que não se relacionassem com operações mercantis.
Esse foi o entendimento do STJ por diversas oportunidades (Resp nº 37.648-3/SP,
30.576-0-SP e 31.385-5/SP), isso em meados dos anos noventa.
Contudo, quando apreciada pelo STF a questão foi mais bem colocada,
tendo-se respeitado a clara delimitação constitucional imposta ao ICMS na
conformação da materialidade deste imposto.
Nos autos do RE nº 203.075-DF, de relatoria do Min. Maurício Corrêa,
entendeu por bem a Primeira Turma do STF, pela impossibilidade de tributação pelo
ICMS, no caso de importações promovidas por pessoas físicas:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PESSOA FÍSICA. IMPORTAÇÃO DE BEM. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física. 2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Pessoa física. Importação de bem. Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Não sendo comerciante e como tal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que envolvam circulação de mercadoria. Recurso extraordinário não conhecido.
135
Da mesma forma, observamos disposição da 2ª Turma do Supremo Tribunal
Federal:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA POR PESSOA FÍSICA. NÃO-INCIDÊNCIA DO ICMS. PRECEDENTE. O Pleno do Supremo Tribunal Federal firmou exegese segundo a qual a Carta da República, ao dispor que o ICMS incidirá também na importação de mercadoria do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, referiu-se à casa comercial e não à pessoa física que a realiza para seu gozo e fruição. Agravo regimental não provido.
De igual modo, compreendeu o Plenário do STF em relação às mercadorias
importadas por pessoa jurídica não-contribuinte do ICMS, nos autos do RE 185.789-
7SP:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE BEM POR SOCIEDADE CIVIL PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física. 2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Importação de aparelho de mamografia por sociedade civil, não contribuinte do tributo. Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Inexistência de circulação de mercadoria. Não ocorrência da hipótese de incidência do ICMS. Recurso extraordinário não conhecido.
Bem colocou o STF cristalizando o entendimento acima, por meio da Súmula
660 de 2003160, restando assentados os ânimos desta discussão, no âmbito da
jurisprudência, mas não no âmbito político. A respeito da assertividade do STF em
editar a referida súmula, pertinentes as ponderações de Marcelo Viana Salomão:
O STF foi preciso, pois aceitar que não contribuintes do ICMS paguem este tributo equivale a aceitarmos como constitucionais emendas que obriguem cidadãos que não possuem imóveis urbanos
160 Súmula 660: Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto.
136
a pagarem IPTU ou cidadãos que não possuam veículos a pagar IPVA. O absurdo é o mesmo!161
Como se observa da decisão acima, o Supremo Tribunal Federal, nesta
ocasião, em momento anterior à edição da Emenda Constitucional nº 33 de 2001,
prestigiou os critérios informadores do ICMS, quais são o respeito à não-
cumulatividade e a necessidade que incida sobre operação de natureza mercantil.
Entendemos que esta compreensão é correta e, ainda, necessariamente
aplicável ao ICMS-Importação, mesmo após a edição da Emenda Constitucional nº
33 de 2001, uma vez que preserva a coerência do sistema constitucional tributário.
Dada a flagrante inconsistência da Emenda Constitucional nº 33 de 2001 com
a redação original da Constituição de 1988, temos que ela não merece recepção,
devendo, por tudo que foi até aqui exposto, ser declarada inconstitucional.
Este também foi o entendimento de Fernando Bonfá de Jesus, ao tratar da
Emenda em tela, conforme se observa do trecho abaixo:
Diante desse cenário, é consenso que os Estados e o Distrito Federal têm competência para instituir imposto sobre operação de importação, haja vista a edição da Emenda Constitucional. No entanto, cuidado deve ser tomado ao definir qual o imposto será devido na importação, pois a destinação da mercadoria é determinante para caracterizar o núcleo do critério material da regra-matriz de incidência do imposto estadual devido na operação de importação do produto, seja ele uma mercadoria ou um bem162.
Sobre o fato da previsão legal ser anterior à previsão constitucional,
destacamos a opinião de Julio M. de Oliveira, o qual compreende que mesmo após
a edição da Emenda Constitucional nº 33 de 2001 as leis anteriores carecem de
constitucionalidade:
Entendemos que a inclusão da importação por pessoa física no campo de incidência do ICMS, por meio da edição de emenda constitucional, agride o arcabouço definido pelo constituinte originário e deve ser objeto de declaração de inconstitucionalidade. Em caso e aceitação da emenda pelo STF, consideramos que devam ser alteradas, após a edição da emenda, sob pena de eficácia, a lei
161 SALOMÃO, Marcelo. O ICMS na importação após a Emenda 33 de 2001. In: IV Congresso Nacional de Estudos Tributários: Tributação e Processo. SANTI, Eurico Marco Diniz de (Org.). São Paulo: Noeses, 2007, p. 441. 162 JESUS, Fernando Bonfá de. ICMS - Aspectos Pontuais. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
137
87/96 e as ei ordinárias de cada ente tributante, além de ser atendido o princípio da anterioridade a partir da edição.163
Conforme visto anteriormente, para que seja respeita a hipótese de incidência
traçada pelo legislador constitucional para o ICMS é necessário que esteja presente
uma operação mercantil, o que não é possível quando tratamos de importações
promovidas por pessoas físicas ou por não-contribuintes do ICMS. A mera entrada
de bem em território nacional não integra, por si só, este no ciclo comercial interno, o
que entendemos deve ocorrer para fazer incidir o imposto.
Neste ponto, mais uma vez destacamos a opinião de Marcelo Viana Salomão,
o qual destaca não ser importante a personalidade do importador, se pessoa física
ou jurídica, nem mesmo a habitualidade, o que deve ser levado em consideração, no
caso do ICMS-Importação é que o importador seja contribuinte de algum dos
impostos albergados sob a sigla ICMS. Destacamos:
O termo “habitual” qualifica (adjetiva) o substantivo “contribuinte”. O contribuinte pode ser habitual ou não, mas é, obrigatoriamente, contribuinte. Assim, as pessoas físicas e jurídicas que deverão pagar o ICMS Importação são os contribuintes, mesmo que não habituais, dos ICMS´s internos.164
No entanto, embora acreditemos na inconstitucionalidade da Emenda neste
ponto, devemos destacar que parte da doutrina recepciona esta hipótese de
tributação pelo ICMS, bem como foi neste sentido que já decidiu o STF. Neste
diapasão, destacamos a opinião de Sacha Calmon Navarro Coêlho, para o qual a
Constituição poderia ser alterada da forma que foi em relação ao ponto que agora
analisamos:
Certo, o Supremo Tribunal interpreta a Constituição e as leis. Todavia, as suas interpretações podem ser superadas por leis novas que superam ou alijam seus julgados. E a própria Constituição pode ser alterada com o fito de suplantar os arestos da Corte Suprema através de emendas do Poder Legislativo. (...)
163 OLIVEIRA, Julio Maria de. O princípio da legalidade e sua aplicabilidade ao IPI e ao ICMS. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 287. 164 SALOMÃO, Marcelo. O ICMS na importação após a Emenda 33 de 2001. In: IV Congresso Nacional de Estudos Tributários: Tributação e Processo. SANTI, Eurico Marco Diniz de (Org.). São Paulo: Noeses, 2007, p. 443.
138
O caso in examen é exemplo do que afirmamos supra. O art. 155, §2º, IX, “a”, ostenta redação que manda incidir o ICMS “sobre entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”165.
José Eduardo Soares de Melo também compreende pela possibilidade do
ICMS incidir
Com todo o respeito à doutrina acima destacada como exemplo, somos aqui
da opinião de que inexiste a possibilidade de tributar-se pelo ICMS a pessoa física,
muito menos sem qualquer critério de habitualidade e intuito. A pessoa física não é
praticante de ato de comércio, da mesma forma não pode ser verificada como uma
nova hipótese de incidência albergada pela sigla ICMS. A consideração do ICMS
incidente sobre a importação de bens por pessoas físicas ou por pessoa jurídica não
contribuinte do imposto cria uma nova exação de competência dos Estados e do
Distrito Federal, o que não podemos admitir ser feito pelo poder constituinte
derivado.
No entanto, muito embora assentada a jurisprudência no âmbito da previsão
anterior à Emenda Constitucional nº 33 de 2001, foi recepcionado pelo Supremo
Tribunal Federal a inovação promovida pela referida emenda, autorizando a criação
do “novo tributo”:
IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS – IMPORTAÇÃO – PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA NÃO CONTRIBUINTE DO IMPOSTO – PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 33/2001 – NÃO INCIDÊNCIA – MATÉRIA SUMULADA. Nos termos do Verbete nº 660 da Súmula desta Corte, não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto, em período anterior à Emenda Constitucional nº 33/01. (STF, Primeira Turma, RE 594718 AgR / RS. Rel. Min. Marco Aurélio. Julgado em 13.04.2011). PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. IMPORTAÇÃO. SÚMULA STF 660. FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA INATACADO. SÚMULA STF 287. 1. O Supremo Tribunal Federal possui o entendimento consolidado no sentido de que não incide ICMS sobre importações realizadas por bens destinados ao consumo
165 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 413.
139
e ao ativo fixo, realizadas por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte habitual do referido imposto, antes da promulgação da Emenda Constitucional 33/2001. Incidência da Súmula STF 660. 2. A parte agravante, nas razões do agravo regimental, não se insurgiu contra os fundamentos da decisão agravada. Incidência da Súmula STF 287. 3. Possibilidade, no caso, de se aferir a tempestividade do recurso extraordinário. Inocorrência do óbice contido na Súmula STF 288. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, Segunda Turma, RE 674396 AgR / SP. Rel. Min. Ellen Gracie. Julgado em 29 mar. 2011).
Recentemente, o entendimento foi pacificado no âmbito do STF, em sede de
repercussão geral, tendo sido decidido pela possibilidade de extensão da tributação
pelo ICMS também àqueles que não são contribuintes do imposto. São os termos da
decisão do STF:
Ementa: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS. ICMS. IMPORTAÇÃO. PESSOA QUE NÃO SE DEDICA AO COMÉRCIO OU À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO OU DE TRANSPORTE INTERESTADUAL OU INTERMUNICIPAL. “NÃO CONTRIBUINTE”. VIGÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL 33/2002. POSSIBILIDADE. REQUISITO DE VALIDADE. FLUXO DE POSITIVAÇÃO. EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA. CRITÉRIOS PARA AFERIÇÃO. 1. Há competência constitucional para estender a incidência do ICMS à operação de importação de bem destinado a pessoa que não se dedica habitualmente ao comércio ou à prestação de serviços, após a vigência da EC 33/2001. 2. A incidência do ICMS sobre operação de importação de bem não viola, em princípio, a regra da vedação à cumulatividade (art. 155, § 2º, I da Constituição), pois se não houver acumulação da carga tributária, nada haveria a ser compensado. 3. Divergência entre as expressões “bem” e “mercadoria” (arts. 155, II e 155, §2, IX, a da Constituição). É constitucional a tributação das operações de circulação jurídica de bens amparadas pela importação. A operação de importação não descaracteriza, tão-somente por si, a classificação do bem importado como mercadoria. Em sentido semelhante, a circunstância de o destinatário do bem não ser contribuinte habitual do tributo também não afeta a caracterização da operação de circulação de mercadoria. Ademais, a exoneração das operações de importação pode desequilibrar as relações pertinentes às operações internas com o mesmo tipo de bem, de modo a afetar os princípios da isonomia e da livre concorrência. CONDIÇÕES CONSTITUCIONAIS PARA TRIBUTAÇÃO 4. Existência e suficiência de legislação infraconstitucional para instituição do tributo (violação dos arts. 146, II e 155, XII, § 2º, i da Constituição). A validade da constituição do crédito tributário depende da existência de lei complementar de normas gerais (LC 114/2002) e de legislação local resultantes do exercício da competência tributária, contemporâneas à ocorrência do fato jurídico que se pretenda tributar. 5. Modificações da legislação federal ou local anteriores à EC 33/2001 não foram convalidadas, na medida em que inexistente o fenômeno da
140
“constitucionalização superveniente” no sistema jurídico brasileiro. A ampliação da hipótese de incidência, da base de cálculo e da sujeição passiva da regra-matriz de incidência tributária realizada por lei anterior à EC 33/2001 e à LC 114/2002 não serve de fundamento de validade à tributação das operações de importação realizadas por empresas que não sejam comerciais ou prestadoras de serviços de comunicação ou de transporte intermunicipal ou interestadual. 6. A tributação somente será admissível se também respeitadas as regras da anterioridade e da anterioridade, cuja observância se afere com base em cada legislação local que tenha modificado adequadamente a regra-matriz e que seja posterior à LC 114/2002. Recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul conhecido e ao qual se nega provimento. Recurso extraordinário interposto por FF. Claudino ao qual se dá provimento.
Observa-se que também foi considerado pelo julgador o aspecto econômico
decorrente da não incidência do ICMS sobre as importações promovidas por não
contribuintes do imposto, uma vez que esta poderia desequilibrar as relações
pertinentes às operações internas com o mesmo tipo de bem, de modo a afetar os
princípios da isonomia e da livre concorrência. No entanto, somos aqui da opinião
que o tributo existente no ordenamento com a competência para preservar o
princípio da isonomia e da livre concorrência, neste caso, é o Imposto de
Importação, de competência exclusiva da União.
No entanto, devemos observar que compreendeu bem que somente poderiam
ser tributadas as operações ocorridas sob a égide de lei publicada em data posterior
à Lei Complementar nº 114 de 2002.
3.3 ICMS-Importação incidente sobre o Ingresso de bens em
contratos de arrendamento mercantil
Muito se discute ainda no âmbito da jurisprudência e da doutrina a respeito da
incidência tributária sobre fatos econômicos que correspondam a contratos de
arrendamento mercantil, muito em particular a respeito da incidência do ICMS-
Importação no caso de contratos firmados no exterior, que impliquem no ingresso de
bens em território nacional.
141
O contrato de arrendamento mercantil, também conhecido por leasing, é
disciplinado pela Lei federal nº 6099, de 1974, com alterações promovidas pela Lei
federal nº 7132 de 1983, bem como pela Resolução nº 2309 de 1996, do Banco
Central do Brasil166 podendo ser pactuado de duas formas, o leasing financeiro e o
leasing operacional.
O arrendamento mercantil é contrato segundo o qual uma pessoa jurídica
(geralmente instituição financeira) arrenda a uma pessoa física ou jurídica, por
tempo determinado, um bem comprado pela primeira de acordo com as indicações
da segunda, cabendo ao arrendatário a opção de adquirir o bem arrendado findo o
contrato. O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 6099 de 1974, com redação da Lei nº
7132 de 1983, prescreve a seguinte definição de arrendamento mercantil:
Art. 1º. (....) Parágrafo único. Considera-se arrendamento mercantil, para efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.
O leasing financeiro consiste na modalidade pela qual o arrendador adquire
de terceiro certos bens de produção (máquinas, equipamentos) com o intuito de
entregá-los a uma empresa, para que, por prazo determinado, os utilize, mediante o
pagamento de prestações pecuniárias periódicas, com o direito de optar entre a
aquisição de sua propriedade, a devolução dos bens arrendados ao arrendador e a
renovação do contrato, onde o preço para o exercício da opção de compra seja
livremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.
Considera-se arrendamento mercantil financeiro a modalidade em que: a) as
contraprestações devidas pela arrendatária sejam normalmente suficientes para que
a arrendadora recupere o custo do bem arrendado durante o prazo contratual da
operação e, adicionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investidos; b) as
despesas de manutenção, assistência técnica e serviços correlatos a
operacionalidade do bem arrendado sejam de responsabilidade da arrendatária; e,
c) o preço para o exercício da opção de compra seja livremente pactuado (valor
residual garantido), podendo ser, inclusive, o valor de mercado do bem arrendado.
166 Resolução nº 2.309/96 do Conselho Monetário Nacional – Define as modalidades de arrendamento mercantil financeiro e operacional, os prazos mínimos e demais condições.
142
Considera-se arrendamento mercantil operacional a modalidade em que: a)
as contraprestações a serem pagas pela arrendatária contemplam o custo de
arrendamento do bem e os serviços inerentes à sua colocação a disposição da
arrendatária, não podendo o valor presente dos pagamentos ultrapassar 90%
(noventa por cento) do custo do bem; b) o prazo contratual seja inferior a 75%
(setenta e cinco por cento) do prazo de vida útil econômica do bem; c) o preço para
o exercício da opção de compra seja o valor de mercado do bem arrendado; e, c)
não haja previsão de pagamento de valor residual garantido.
Como se observa, o arrendamento na modalidade financeira constitui
alternativa de investimento de longo prazo, com preço livremente pactuado entre as
partes, ao passo que no arrendamento operacional a intenção das partes resta
concentrada na obtenção da posse pelo arrendatário do bem, de forma semelhante
ao contrato de locação Em ambos os casos, é imprescindível a existência de opção
de compra ao final do contrato.
Portanto, a celeuma pertinente à incidência do ICMS-Importação gira em
torno de ambas as modalidades de arrendamento mercantil, operacional ou
financeiro, principalmente em torno da última, visto que neste caso há a flagrante
intenção de alienação do bem, conforme visto acima. Vejamos a lição de Arnaldo
Rizzardo sobre o arrendamento mercantil financeiro:
É o leasing financeiro, ou financial lease, ou, ainda, o full payout lease, que é o leasing propriamente dito, o leasing puro que, por estar mais ligado a departamento de bancos, é também conhecido como leasing bancário. Tem como característica identificadora e mais saliente o financiamento que faz o locador. Ou seja, o fabricante ou importador não figuram como locadores. Há uma empresa que desempenha este papel, a cuja finalidade ela se deixa. Ocorre a aquisição do equipamento pela empresa de leasing, que contrata o arrendamento com o interessado.167
A já citada Lei nº 6099 de 1974 também trata de leasing na importação,
estabelecendo requisitos específicos para o arrendamento mercantil nestas
hipóteses, nos termos do artigo 17 da referida lei:
167 RIZZARDO, Arnaldo. Leasing: arrendamento mercantil no Direito brasileiro. 6.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 38.
143
Art. 17 – A entrada no território nacional dos bens objeto de arrendamento mercantil, contratado com entidades arrendadoras domiciliadas no exterior, não se confunde com o regime de admissão temporária de que trata o Decreto-lei 37, de 18 de novembro de 1966, e se sujeitará a todas as normas legais que regem a importação.
Observamos, então, que existe previsão legal que corresponda à modalidade
de contratação de arrendamento mercantil em operações em que prescindam da
importação de bens, em casos de arrendatário residente no Brasil. Como veremos a
seguir, em relação ao ICMS-Importação incidente sobre as operações de
arrendamento mercantil, a jurisprudência já se debruçou sobre o assunto, com
conclusões ainda precárias, mas distintas em relação a cada hipótese.
Importante destacarmos, contudo, que mesmo na modalidade financeira, o
bem em questão é de propriedade da instituição financeira por todo o contrato,
passando para a propriedade do arrendatário apenas após manifestada a opção de
compra, ao fim do contrato, se isto vier a ocorrer. Isso porque, ao término do
contrato, a arrendatária poderá adquirir o bem, renovar o contrato ou efetuar a sua
devolução.
Observamos, portanto, que o contrato de arrendamento mercantil não pode
ser considerado como simples “contrato de locação com opção de compra ao final”,
mas sim como contrato que tem por objetivo, mesmo que por “opção”, o
financiamento para aquisição de um bem. Isso se verifica, principalmente, pela
necessidade de um intermediário na operação, que seja pessoa jurídica dedicada à
atividade financeira. Neste ponto, destacamos a opinião de José Eduardo Soares de
Melo, nos seguintes termos:
É manifesta a atipicidade do leasing que o afasta da concepção de uma simples locação com opção de compra, não só pela triangularidade, ou seja, a intermediação de um agente que financia a operação (o que tem levado a doutrina em grande parte a considerá-lo essencialmente como operação financeira), mas também pelas peculiaridade que apresenta, tanto em relação à tríplice opção assegurada ao arrendatário como também pela técnica de acerto em caso de opção de compra.168
168 MELO, José Eduardo Soares de. O ICMS e o Leasing na Importação. In: ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. CAMPILONGO, Paulo A. Fernandes (Org.). São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 15.
144
Pelo até aqui exposto, compreendemos que o ICMS, de acordo com a
materialidade constitucionalmente prevista, apenas pode incidir quando da
circulação jurídica de uma mercadoria, de forma que, restando o bem, objeto do
contrato de arrendamento, como propriedade de instituição financeira, ainda por
todo o período do contrato não há se falar na incidência do ICMS, pois inexistente
elemento crucial de sua materialidade.
Com base na distinção do que podemos considerar por contrato de
arrendamento mercantil, observamos que esta operação pressupõe a existência de
outra em momento anterior, esta sim sujeita ao ICMS, a operação de compra e
venda pactuada entre o fornecedor das mercadorias e a instituição financeira que
figura como arrendadora.
Pelo até aqui exposto, compreendemos que a modalidade de contratação por
arrendamento mercantil é operação eminentemente financeira, sendo que em
relação ao arrendamento mercantil financeiro esta característica é ainda mais
marcante. No entanto, não podemos com isso descaracterizar a tipicidade própria do
arrendamento mercantil, o qual perfaz instituto contratual independente, muito
embora com características comuns à compra e venda.
Por este motivo, já compreendeu o STJ que no caso dos contratos de
arrendamento mercantil, onde seja adiantado o pagamento do valor residual
garantido, estaria descaracterizado o arrendamento mercantil e configurada a
compra e venda (Súmula nº 236). No entanto, a súmula pertinente a esse
entendimento já foi cancelada pelo próprio STJ, passando a entender que o valor
residual garantido pode ser pago a qualquer momento dentro desta modalidade
contratual, como se observa da Resolução BACEN nº 2.309 de 1996. Ou seja, em
qualquer hipótese, o arrendamento mercantil permanece ostentando natureza
jurídica distinta do contrato de compra e venda, este último sim atingível pelo ICMS.
Como já dissemos aqui, acreditamos que o ICMS-Importação não deve ser
compreendido como hipótese tributária diferenciada em relação ao ICMS incidente
sobre operações com mercadorias. No âmbito interno, as operações de
arrendamento mercantil são excluídas da incidência do ICMS, uma vez que
expressamente disposto no inciso VIII, artigo 3ª da Lei Complementar nº 87 de 1996,
sendo esta hipóteses de incidência do ISSQN, nos termos da Lei Complementar nº
116 de 2003:
145
Lei Complementar nº 87 de 1996: Art. 3º O imposto não incide sobre: (...) VIII - operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário; Lei Complementar nº 116 de 2003: Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. 10.04 – Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de franquia (franchising) e de faturização (factoring).
Mesmo diante de previsão legal, no âmbito das relações internas já foi
intenção das unidades da Federação buscar a incidência do ICMS sobre contratos
esta natureza. já tendo sido decidido pelo Plenário do STF, nos autos do RE nº
547.245/SC, de 02 de dezembro de 2009, no sentido de que tais operações somente
poderão ser tributas pelo ISS:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. ARRENDAMENTO MERCANTIL. OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO. ARTIGO 156, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing operacional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado lease-back. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do artigo 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do artigo 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contrato autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do lease-back. Recurso extraordinário a que se dá provimento.
Em relação ao ICMS-Importação, contudo, observamos que a redação
promovida pela Emenda Constitucional nº 33 de 2001 pode permitir outro
entendimento, visto que a já destacada atual redação da alínea “a”, inciso IX do
artigo 155 da Constituição Federal de 1988, dispõe que o imposto incidirá sobre a
entrada de bens e mercadorias.
Ora, como já visto, o evento entrada de bens não se coaduna com a
materialidade pertinente ao ICMS, de forma a fazer incidir o tributo pelo mero
ingresso de bens em território nacional, acreditamos que nem mesmo no caso do
atual ICMS-Importação. No caso dos contratos de arrendamento mercantil, embora
146
existente a possibilidade de tradição dos bens ao final do período de arrendamento,
até lá inexistirá operação passível de tributação pelo ICMS, nos termos do conceito
já exposto.
Neste caso, temos presente outro aspecto negativo da alteração promovida
pela EC nº 33 de 2001, visto que além de permitir a incidência do ICMS sobre
entradas promovidas por pessoas físicas e outros não-contribuintes, permitiu ainda
que entradas que não importassem na tradição do bem fossem oneradas.
Nos casos de importação decorrente de contrato de arrendamento mercantil,
muito embora o importador e arrendatário possam se tratar de pessoa jurídica
contribuinte do imposto (ICMS) e que tenha por intenção o ingresso de bens no ciclo
econômico nacional, temos que não se encontra presente o pressuposto da tradição
das mercadorias, já que na operação de leasing a propriedade permanece sendo do
arrendador. Acreditamos que estas premissas são válidas tanto para o caso do
arrendamento mercantil na modalidade financeira quanto na modalidade
operacional, sendo incoerente a tributação pelo ICMS em ambos os casos.
No mesmo sentido, compreende Roque Antonio Carrazza, com toda clareza:
Reiteramos que, apesar de a Emenda Constitucional 33/2001 “permitir” que o ICMS incida “sobre a entrada de bem” ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, o arrendamento mercantil efetuado no exterior passa ao largo deste tributo, por não se encaixar em sua regra-matriz constitucional, originariamente traçada. Como se isto não bastasse, o próprio princípio da igualdade milita no sentido da não incidência. De fato, seria anti-isonômico tributar apenas o arrendamento mercantil efetuado no exterior. 169
Roque Carrazza traz a baila outro argumento importante pela não incidência
do ICMS sobre os contratos de arrendamento mercantil pactuados no exterior, em
torno da necessidade de ser conferido tratamento isonômico em relação aos
contratos pactuados no exterior e internamente. Devemos lembrar que em relação à
incidência do ICMS nos contratos internos, a jurisprudência já pacificou pela não-
incidência, nos termos da já destacada legislação complementar.
Embora compreendamos aqui pela impossibilidade de cobrança de ICMS
sobre quaisquer contratos de arrendamento mercantil, destacamos que parte da
169 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 16.ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2012, p.169.
147
doutrina compreende como possível a incidência do ICMS nestas hipóteses,
considerando constitucionais as alterações promovidas pela Emenda Constitucional
nº 33 de 2001. José Eduardo Soares de Melo compreende neste sentido:
Evidente que as importações realizadas sob a égide das regras contidas na redação originária da CF-88 não possibilitavam a exigência do ICMS nas entradas no país de bens a título de leasing, pelo fato de não se tratar de mercadorias (não poderiam implicar naturalmente em transmissão de propriedades) e como bens, não poderiam ser consumidos (obrigação de sua devolução ao exterior), e nme contabilizados no ativo fixo do estabelecimento (não pertenciam aos importadores, permanecendo na titularidade dos proprietários domiciliados no exterior. (...) A modificação normativa objetivou abranger todas as espécies de importação, na medida em que o teto original era circunscrito à importação de “mercadoria e bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento”, tendo o novo preceito suprimido a referida destinação, ao dispor sobre a incidência tributária independente da finalidade da mercadoria ou bem. Portanto, o imposto é exigido sem considerar a destinação da coisa (bem ou mercadoria) importada (mercancia, industrialização, prestação de serviço, integração no ativo fixo, consumo, uso particular, etc).170
Com todo respeito à doutrina que compreende pela constitucionalidade da
Emenda Constitucional nº 33 de 2001, no que cria uma nova exação tributária, não
entendemos que isto possa ocorrer, como já tratado acima. Infelizmente, já decidiu o
Tribunal Pleno do STF exatamente neste sentido, nos autos do RE nº 206.069-1/SP
(01/09/2005), com a seguinte ementa:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. ARRENDAMENTO MERCANTIL - "LEASING". 1. De acordo com a Constituição de 1988, incide ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior. Desnecessária, portanto, a verificação da natureza jurídica do negócio internacional do qual decorre a importação, o qual não se encontra ao alcance do Fisco nacional. 2. O disposto no art. 3º, inciso VIII, da Lei Complementar nº 87/96 aplica-se exclusivamente às operações internas de leasing. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.
Examinando-se o voto da Ministra Ellen Gracie, relatora do Recurso, temos
que foi afastada a necessidade de análise do negócio jurídico que motivou a
170 MELO, José Eduardo Soares de. O ICMS e o Leasing na Importação. In: ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. CAMPILONGO, Paulo A. Fernandes (Org.). São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 23.
148
importação, de forma que a mero ingresso físico de bens em território nacional seria
passível da incidência do ICMS, por presunção:
Assim, uma vez concretizada a importação mediante a entrada de mercadoria ou bem destinado ao ativo fixo, tem-se por ocorrida a circulação econômica, por presunção constitucional. (...) O fato é que a necessidade da análise dos negócios que motivaram a entrada da mercadoria importada para fins de verificação da possibilidade de tributação em ICMS, traria como conseqüência uma imensa dificuldade na imposição do tributo sobre a importação de um bem adquirido por força de contrato internacional que eventualmente não encontre correspondente no direito brasileiro.
Em assim sendo, prevaleceu o entendimento pelo qual o ICMS deverá incidir,
no caso das importações, em função da mero ingresso em território nacional,
configurando perfeita hipótese de adicional estadual do Imposto de Importação, o
que não se pode admitir, muito menos por ser esta exação criada por Emenda
Constitucional.
Da leitura do acórdão em tela verificamos que houve confusão entre o critério
material e o temporal, o que já destacamos anteriormente como algo bastante
comum até mesmo no âmbito da legislação, quando refere em relação ao termo fato
gerador. O legislador constituinte, no artigo 155, §2º, IX, “a”, fixou a entrada como o
momento da incidência do ICMS-Importação e não a sua materialidade, como quis
argumentar a Ministra Ellen Gracie. Sobre a destacada jurisprudência e mantendo o
mesmo entendimento aqui exposto, destacamos a opinião de Christine Mendonça:
O ICMS-Importação não incide sobre a entrada de mercadoria ou bem – esse é o critério temporal, ou seja, o momento em que se fixam os efeitos do nascimento da elação jurídica tributária. O comportamento possível de incidência é REALIZAR OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS OU BENS PROVENIENTES DO EXTERIOR. A alegação da Min. Relatora Ellen Gracie de que “a Constituição Federal elegeu o elemento fático “entrada de mercadoria importada” como caracterizador da circulação jurídica da mercadoria ou do bem e dispensou indagações acerca dos contornos do negocio jurídico realizado no exterior” vai de encontro ao direito posto. Como assim independe do negócio realizado? Caso o bem decorrente de entrada fosse de titularidade do próprio transportador, haveria incidência do
149
ICMS-Importação? E se o negócio fosse gratuito? Por certo que não!171
Pode-se argumentar que a incidência do ICMS em quaisquer operações que
impliquem ingresso de bens em território nacional por bem equipara a carga
tributária de bens estrangeiros à carga tributária de bens nacionais; no entanto não
compreendemos que este seja o melhor entendimento. Este sentimento está
presente na compreensão do Supremo Tribunal Federal, como se observa na
proposta do Ministro Nelson Jobim, ao replicar o Ministro Marco Aurélio, nos autos
do RE nº 206.069/SP. No caso em tela, o Ministro Marco Aurélio argumentava que já
era posição da Corte pela não incidência do ICMS nas operações internas de
leasing, nos seguintes termos:
Nelson Jobim – Todas as compras de artigos simples seriam feitas pelo exterior. Marco Aurélio – Não sei, Excelência, mas vamos apagar do cenário nacional o leasing! Nelson Jobim – Não vamos apagar, vamos tratá-lo como tal. Marco Aurélio – Estou tratando-o como tal, com a devida vênia. Estou perquerindo a natureza do próprio instituto do leasing, deixando de fazer a distinção entre o leasing interno e o externo, que, para mim, nâo está contemplada em norma alguma. (grifo nosso)
Em assim sendo, resta claro que o argumento aqui é pelo tratamento
isonômico entre os bens nacionais e os importados, o que deverá ser levado em
consideração em matéria tributária, pela extrafiscalidade. No entanto, não seria
necessária a criação de uma nova exação, para tal temos o Imposto de Importação,
dotado de tal capacidade.
Nos autos do RE nº 461.968/SP (30/05/2007), também do Tribunal Pleno do
STF, outro entendimento foi adotado, afastando a incidência do ICMS-Importação,
conforme se observa:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. NÃO-INCIDÊNCIA. ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. ART. 155, II DA CB. LEASING DE AERONAVES E/OU PEÇAS OU EQUIPAMENTOS DE AERONAVES. OPERAÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. 1. A importação de aeronaves e/ou peças ou equipamentos que as componham em regime de leasing
171 MENDONÇA. Christine. O leasing na Importação e o ICMS. In: ICMS: Aspectos Jurídicos Relevantes. CAMPILONGO, Paulo A. Fernandes (Org.). São Paulo: Ed. Quartier Latin, 2008, p. 46.
150
não admite posterior transferência ao domínio do arrendatário. 2. A circulação de mercadoria é pressuposto de incidência do ICMS. O imposto --- diz o artigo 155, II da Constituição do Brasil --- é sobre "operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior". 3. Não há operação relativa à circulação de mercadoria sujeita à incidência do ICMS em operação de arrendamento mercantil contratado pela indústria aeronáutica de grande porte para viabilizar o uso, pelas companhias de navegação aérea, de aeronaves por ela construídas. 4. Recurso Extraordinário do Estado de São Paulo a que se nega provimento e Recurso Extraordinário de TAM - Linhas Aéreas S/A que se julga prejudicado.
Importante destacarmos que no caso em tela, o Ministro Eros Grau, que havia
votado pela incidência do ICMS nos autos do RE nº 206.069-1/SP (01/09/2005),
entendeu pela não incidência, em função de vislumbrar impossibilidade de aquisição
do bem arrendado ao final do contrato, tratando-se o caso de arrendamento
mercantil diferenciada, o que posiciona esta jurisprudência em local que não encerra
a discussão. Dispôs o Ministro Eros Grau:
Por mais estranho que possa parecer, aqui é a normalidade que aparenta ser peculiar. Pois de arrendamento mesmo se trata nesses casos. Vale dizer: ainda que se fale em leasing, as arrendadoras permanecem, ao final do termo do contrato, proprietárias dos bens transferidos temporariamente ao uso das companhias de navegação aérea. Esse é um fato notório. Quando aeronaves e/ou peças ou equipamentos que componham são importadas em regime de leasing não se prevê a sua posterior transferência ao domínio do arrendatário. (...) E nem se alegue que se aplica ao caso o precedente do RE m. 206.069, Relatora a Ministra ELLEN GRACIE, no bojo do qual se verificava a circulação mercantil, pressuposto da incidência do ICMS. Nesse caso, aliás, acompanhei a relatora. Mas o precedente disse com a importação de equipamento destinado ao ativo fixo de empresa, situação na qual a opção do arrendatário pela compra do bem ao arrendador era mesmo necessária, como salientou a eminente relatora.
Temos, então, que o critério da presunção pela mera entrada e ausência
desnecessidade de verificação do negócio jurídico pactuado foi afastada, tendo a
análise em tela compreendido pela não incidência do ICMS, visto que não haveria
previsão de transmissão jurídica das aeronaves no objeto do contrato sob análise
naquela oportunidade.
151
Atualmente, a matéria tem Repercussão Geral reconhecida (STF), nos autos
do RE nº 540.829/SP, o qual pende de julgamento desde 26/08/2010, tendo já sido
proferidos dois votos em favor da impossibilidade de tributação e um voto pela
possibilidade de incidência.
152
CONCLUSÃO
A conclusão proposta em função do presente estudo leva em consideração
análise sistemática do direito positivo, no qual as normas constantes da Constituição
Federal ocupam posição principal, servindo, em última análise, de fundamento para
as demais normas do sistema. É pertinente à concepção de sistema que o próprio
seja responsável por regular suas alterações, impondo neste sentido limites àquilo
que pode vir a ser alterado.
A atual Constituição Federal é do tipo rígida, uma vez que são verificados
limites formais, circunstanciais e materiais quanto à possibilidade de alteração dela
mesma. Ao que aqui é relevante, destacamos que o artigo 60, §4º, IV, da Carta
Magna, impõe limite de ordem material, que impede seja objeto de deliberação
proposta de emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais.
A existência de garantias individuais, ou fundamentais, não somente é
percebida naquelas hipóteses onde o legislador constitucional expressamente
previu, mas também pode ser verificada por meio de interpretação sistemática,
partindo-se das normas mais abrangentes, os princípios constitucionais, até as mais
específicas ao caso.
A ordem tributária vigente encontra-se pormenorizadamente descrita na
Constituição, sendo possível argumentar pela existência de um sistema
constitucional tributário, obviamente inerente ao sistema constitucional. Este sistema
tributário no âmbito da Constituição conta com a existência de princípios próprios,
bem como reafirmações de princípios genericamente previstos no Texto Maior,
sendo que em ambos os casos é possível verificar feição própria que deve ser
adotada na interpretação de normas tributárias.
Como foi possível demonstrar no presente trabalho, o legislador constitucional
foi cuidadoso no sentido de proteger o patrimônio do particular, vedando a
possibilidade de excessos na interferência por meio de tributos. Este entendimento
pode ser abstraído simplesmente pela ponderação genérica do princípio
republicano, em relação ao qual destacamos não somente a ideia de um tipo de
governo oposto à monarquia, mas a concepção de sistema que visa garantia dos
direitos individuais, daquele que consentiu na tributação por meio da legalidade.
153
Verificamos também a existência de princípios especificamente afetados à
matéria tributária, também estes no sentido de coatar a possibilidade de investidas
abusivas do Estado em nome da tributação, sendo expressamente informado que os
impostos deverão respeitar a capacidade contributiva, bem como prevista a vedação
de utilização de tributo com efeito de confisco.
O que buscamos demonstrar a respeito dos princípios constitucionais é que a
interpretação do sistema constitucional nos leva a compreender que em matéria
tributária é vedado abuso contra o patrimônio, conceito este de grande valia na
construção do direito fundamental que buscamos aqui identificar.
Destacamos ainda que o Estado atualmente vigente é federativo, implicando
dizer que será respeitada a autonomia dos entes da Federação que, no entanto, em
última análise, se submetem à mesma Constituição.
De forma a outorgar a referida autonomia, o sistema constitucional regula
estrito esquema de demarcação de competências legislativas, incluindo
competências tributárias próprias dos Estados, Distrito Federal e Municípios,
promovendo autonomia em sentido material. As competências tributárias foram
especialmente pormenorizadas no âmbito da Constituição, tendo sido escolha do
legislador constitucional pela minuciosa descrição das materialidades tributárias,
principalmente em relação aos impostos. O sistema de demarcação de
competências denota serem estas privativas, sendo reservados fatos econômicos
distintos, de acordo com a pessoa política, impossibilitando sobreposição de feixes
de competências.
Ainda de forma a impedir excesso no âmbito da tributação, o sistema
constitucional tributário apresenta norma que claramente encerra o rol de tributos
que podem ser instituídos, ao fazer previsão expressa quanto à hipótese de criação
de novos tributos, sendo esta possibilidade somente reservada à União, desde que
respeite limites formais, materiais e circunstanciais, de acordo com o artigo 154, da
Constituição Federal.
Portanto, compreendemos ser indiscutível que a Emenda Constitucional nº 33
de 2001 ultrapasse os limites impostos pela própria Constituição, tendo atentado
frontalmente contra garantia individual dos contribuintes, de apenas serem tributados
nas hipóteses previstas pelo legislados constitucional originário.
De forma a verificarmos este excesso, é imprescindível a correta demarcação
da competência outorgada aos Estados pertinente ao ICMS-Importação, para o que
154
se propôs estudo quanto à materialidade deste tributo na redação original da
Constituição Federal, cotejando-a com o objeto da referida emenda.
A exação prevista pela redação original da Constituição Federal de 1988
contemplava como materialidade do ICMS-Importação o campo das operações
relativas à circulação de mercadorias, o que deve ser traduzido como o âmbito dos
atos de comércio relacionados à circulação jurídica de bens (mercadorias), núcleo
material este, que vimos, é comum ao ICMS incidente sobre as operações internas.
Ainda decorrente da mesma análise sobre os aspectos pertinentes ao ICMS-
Importação, destacamos o ponto comum das materialidades tributárias albergadas
pela sigla ICMS, consistindo no respeito à não-cumulatividade. A não-cumulatividade
é relacionada ao ICMS no âmbito da Constituição Federal, promovendo garantia
individual que corresponde ao crédito tributário do imposto incidente na etapa
anterior.
Por este motivo, somos da opinião de que, muito embora a não-
cumulatividade não se insira como elemento da regra-matriz deste imposto, esta
deverá ser respeitada como princípio e garantia individual. No entanto, conforme
visto em alguns casos, como o de importação promovida por pessoa física, qualquer
registro de crédito é inviável, uma vez que inexistirão operações comerciais
posteriores que permitam o escoamento do crédito.
O que resulta desta análise é a verificação de adicional estadual do imposto
de importação, este de competência da União Federal, nos termos do artigo 153, I,
do Texto Supremo. Como observado, a autorização que deriva da Emenda
Constitucional nº 33 de 2001 permite serem tributadas quaisquer ingressos de bens
estrangeiros no Brasil, mesmo que dissociados de operações mercantis.
Este entendimento, a nosso ver, não deveria ser recepcionado pelo Poder
Judiciário, pois permite a criação de tributo completamente novo, idêntico ao já
existente Imposto de Importação, o qual não respeita quaisquer das condições
previstas no artigo 154, da Constituição Federal.
Infelizmente, a criação da nova exação foi recepcionada pelo STF em alguns
casos, chegando o Supremo a entendimentos quase opostos sobre a matéria, sem
ter, contudo, sepultado todos os seus pontos, restando ainda em aberto a questão
da incidência do ICMS-Importação sobre os contratos de arrendamento mercantil.
Por óbvio, alguns compreenderão que o ICMS-Importação deverá de fato,
como pretendeu a EC nº 33 de 2001, incidir sobre quaisquer ingressos de
155
mercadorias ou bens em território nacional, estes escorados talvez no princípio da
isonomia, buscando preservar a indústria nacional ao equiparar a tributação dos
itens importados aos itens nacionais. No entanto, somos da opinião que, se levada
em consideração análise eminentemente constitucional, as “inovações” trazidas pela
Emenda Constitucional nº 33 de 2001 não devem ser recepcionadas pelo Poder
Judiciário, devendo ser adotada interpretação que preserve a natureza mercantil
desse tributo, conforme efetiva vontade do Poder Constituinte Originário.
156
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