leituras de sociologia 3 - weber

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICA DISCIPLINA: INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA LEITURAS DE SOCIOLOGIA Mossoró – 1999 A SOCIOLOGIA DE MAX WEBER Maria Cristina Rocha Barreto

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Page 1: Leituras de Sociologia 3 - Weber

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICA

DISCIPLINA: INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA LEITURAS DE SOCIOLOGIA

Mossoró – 1999

A SOCIOLOGIA DE MAX WEBER

Maria Cristina Rocha Barreto

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO RIO GRANDE DO NORTE FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICA CAMPUS UNIVERSITÁRIO CENTRAL BR 110 • Km 48 • CEP:59.600-900 • MOSSORÓ • RN FONE: (084) 3315..2195 • E-mail: [email protected]

LEITURAS DE SOCIOLOGIA

COMISSÃO EDITORIAL: Edmilson Lopes Júnior Maria Cristina Rocha Barreto

BARRETO, Maria Cristina R.

A Sociologia em Max Weber. Mossoró, DCS/URRN, Leituras de Sociologia 3, 1999, 18 pp.

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Sumário

1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................................................. 3

2. QUEM É MAX WEBER? ................................................................................................................................. 3

3. AÇÃO SOCIAL.................................................................................................................................................. 4

3.1 TIPOS DE AÇÃO SOCIAL .................................................................................................................................... 4 3.2 RELAÇÕES SOCIAIS........................................................................................................................................... 5

3.2.1 Regularidade da ação social ................................................................................................................. 5 3.3 RELAÇÃO INDIVÍDUO/SOCIEDADE .................................................................................................................... 5 3.4 TIPOS DE DOMINAÇÃO ..................................................................................................................................... 7

4. TEORIA DA CIÊNCIA..................................................................................................................................... 7

5. AS CONTRADIÇÕES DA CONDIÇÃO HUMANA.................................................................................... 10

6. HISTÓRIA E SOCIOLOGIA......................................................................................................................... 11

7. TEORIA DA CAUSALIDADE....................................................................................................................... 13

8. TIPO IDEAL COMO CONCEITO OPERACIONAL ................................................................................. 14

9. BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................................................. 16

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MARIA CRISTINA ROCHA BARRETO

A SOCIOLOGIA EM MAX WEBER

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A Sociologia em Weber

Introdução

Por muitos anos tivemos, na academia brasileira, o predomínio do pensamento marxista e marxiano. Isso coincidiu com uma época histórica bem determinada do nosso país. O pensamento marxista representava uma matriz de pensamento que fornecia uma certa independência de posturas frente a situação política de 30 anos atrás.

Autores como Émile Durkheim, Max Weber, Tönies, Talcott Parsons e Georg Simmel, e aqui poderíamos citar inúmeros outros, foram quase esquecidos e seus livros constavam sempre nas prateleiras mais escondidas das bibliotecas, nas universidades. Lê-los significava comungar com pensamentos reacionários e conservadores.

Felizmente, nas duas últimas décadas, devido à crise de paradigmas, já exaustivamente discutida, das Ciências Sociais e humanas, esses autores foram sendo aos poucos retomados e lidos com olhos menos obscurecidos pelas ideologias. Podemos dizer que, esses últimos 20 anos foram de redescoberta de alguns dos clássicos da sociologia na busca de outras abordagens para fenômenos novos e antigos, cujas explicações tinham se tornado esgotadas e repetitivas, o que contribuiu para trazer um novo fôlego à compreensão dos fenômenos sociais.

É nesse intuito que trazemos agora este exemplar sobre Max Weber, lembrando sempre que cada autor pode fornecer o fundamento para a compreensão de uma gama de fenômenos diferentes. Cada autor tem sua ótica, torná-lo matriz de explicações da realidade cabe ao sociólogo que o lê e ao tipo de problema para o qual ele busca resposta.

Quem é Max Weber?

Weber foi o primeiro dos oito filhos Max e Helene Weber e nasceu em 21 de abril de 1864. Na casa paterna teve a chance de conviver com políticos e intelectuais de renome.

Sua vida sempre foi dividida entre as atividades intelectuais e a participação política, embora não tenha exercido nenhum cargo nesta última. Teve uma formação acadêmica muito rica, tendo se dedicado à História, à Economia, à Filosofia e também à Teologia.

Se dedicou explicitamente à Sociologia nos últimos anos de sua vida. Porém, desde cedo sofreu interrupções nas suas atividades. De 1891 a 1897 foi acometido de uma grave crise psíquica que praticamente o afastou, de forma definitiva, da atividade docente.

A parte mais considerável de sua produção se deu em três períodos:

� 1903 a 1906 – publicou A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo e os principais estudos metodológicos.

� 1911 a 1913 – redigiu grande parte de Economia e Sociedade e publicou Sobre Algumas Categorias da Sociologia Compreensiva.

� 1916 a 1919 – escreveu estudos sobre a ética econômica das religiões mundiais e dedicou-se ao exame da política alemã da época.

Morreu em junho de 1920 e sua primeira biografia foi publicada 6 anos depois por sua esposa, Marianne Weber.

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Ação Social

Para Weber a sociologia é uma ciência que visa compreender a ação social, para explicá-la no seu desenvolvimento e nos seus efeitos (Weber, 1983:48).

A AÇÃO SOCIAL é o comportamento humano, atitude interior ou exterior voltada para a ação, ou para a abstenção. Esse comportamento é a ação quando o ator atribui à sua conduta um certo sentido. “Ação social é quando, de acordo com o sentido que lhe atribui o ator, ela se relaciona com o comportamento de outras pessoas” (Aron, 1990:509-10). A ação é orientada em função de outra pessoa ou de um grupo. Por exemplo, o professor que fala lentamente para que seus alunos tomem nota. Em seu livro Fundamentos da Sociologia, Weber (1983:48) assim define ação social:

toda “conduta humana (consistindo num fazer externo ou interno, num omitir ou permitir) sempre que o sujeito ou os sujeitos da acção lhe atribuam um sentido subjectivo. A ‘acção social’, portanto, é uma acção onde o sentido pensado pelo seu sujeito ou sujeitos está referido à conduta de outros, orientando-se por estas no seu desenvolvimento.”

A compreensão da ação social, portanto, implica a percepção do sentido que o ator atribui à sua conduta. A compreensão da ação significa que ela deve ser intelectualmente captável no seu sentido. A classificação dos tipos de ação é um esforço para a compreensão de seus sentidos subjetivos.

Tipos de ação social

Ele distingue quatro tipos de ação:

� Ação racional com relação a um objetivo ou fim é “determinada por expectativas de comportamento tanto de objectos do mundo exterior como de outros homens, e utilizando essas expectativas como ‘condições’ ou ‘meios’ para a realização de fins próprios racionalmente medidos e perseguidos”. Por exemplo o esforço do engenheiro que constrói uma ponte; especulador que se esforça por ganhar dinheiro; general que quer ganhar uma batalha. O ator social concebe claramente seu objetivo e envida esforços e meios para atingi-lo.

� Ação racional com relação a um valor é “determinada pela crença consciente no valor – ético, estético, religioso ou de qualquer outra forma como seja interpretado – próprio e absoluto de uma determinada conduta, sem relação alguma com o resultado, ou seja, pelo simples mérito desse valor”, como o capitão que afunda com seu navio. A ação é racional, não porque visa alcançar um objetivo definido e exterior, mas porque seria desonroso abandonar o navio que afunda. O ator age racionalmente para permanecer fiel à sua idéia de honra.

� Ação tradicional é ditada pelos costumes, hábitos e crenças arraigados a tal ponto que se transformaram numa segunda natureza. O ator obedece a reflexos enraizados por longa prática.

� Ação afetiva é a ditada pelo estado de consciência, humor ou sentimentos atuais do sujeito. É a palmada dada pela mãe na criança que se comporta mal; ou a briga por causa de uma partida de futebol. A ação é definida por uma reação emocional do ator, em determinadas circunstâncias e não visando a um objetivo ou a um sistema de valores (Weber, 1982:76).

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Relações sociais

A ação social se organiza em RELAÇÕES SOCIAIS, que são as ações de um ator ou um grupo de atores e são relacionadas com a atitude uns dos outros, ou seja, são ações mutuamente orientadas. Ex. conflito, inimizade, amor sexual, relações econômicas, rivalidade, (não) cumprimento de um pacto, relação professor/aluno, pais/filhos, , rei/súditos, Estado/cidadãos etc. O conceito de relação social não diz se há ou não solidariedade entre os atores. Ela consiste apenas “na probabilidade de que uma forma determinada de conduta social, de caráter recíproco por sua natureza, haja existido, exista ou possa existir” (:77).

Regularidade da ação social

A regularidade da relação social é determinada por:

� COSTUMES – são relações sociais regulares e penetram na vida cotidiana das pessoas. É aí que para Weber surge a noção de probabilidade. O costume é provável, mas não é certo. Ex. é costume que o aluno ouça a aula calado, mas não é 100% certo.

� HÁBITOS – são costumes que devido a uma longa tradição se transformam em uma segunda natureza, se torna uma forma espontânea de agir.

A relação social regular leva ao conceito de ordem legítima. A relação social regular pode ser o resultado de um longo hábito, mas é freqüente que haja fatores suplementares como a convenção e o direito.

A ordem legítima é convencional, quando a sanção para sua violação é a desaprovação coletiva. É jurídica quando há uma forma de coerção física. As ordens legítimas podem ser classificadas de acordo com as motivações dos que obedecem.

E da ordem legítima Weber passa para o conceito de combate. Para ele, a sociedade é feita tanto de lutas quanto de acordos. O combate é uma relação social fundamental e se define pela vontade da cada um dos atores se impor sobre o outro. Quando o combate não comporta força física chama-se concorrência, quando o objetivo é a própria sobrevivência chama-se seleção.

Os conceitos de relação social e combate permitem passar para a própria constituição de grupos sociais. O processo de integração dos atores pode levar à constituição de uma sociedade ou de uma comunidade.

Relação indivíduo/sociedade

Os atores se integram em sociedade ou em comunidade.

� Na COMUNIDADE o fundamento do grupo é um sentimento de pertencimento experimentado pelos participantes, cuja motivação pode ser afetiva ou tradicional.

� Na SOCIEDADE a motivação das ações sociais se constitui de ligações de interesses, ou leva a um acerto de interesses.

Resulta num agrupamento. O grupo pode ser aberto ou fechado se a entrada nele for aberta a todos ou estritamente reservada.

Depois de agrupamento, na conceituação de Weber, vem a EMPRESA, que se caracteriza pela ação contínua de vários atores e pela racionalidade com vistas a um fim.

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A união dos conceitos de agrupamento mais o de empresa, leva ao conceito de agrupamento de empresa, que é uma sociedade com um órgão de administração com vistas a uma ação contínua e racional e um determinado fim.

Weber define ainda alguns conceitos-chave para sua reconstrução da ação social.

� ASSOCIAÇÃO é quando a sua regulamentação é aceita livremente pelos participantes (consciente e voluntariamente).

� INSTITUIÇÃO é quando a regulamentação é imposta por decretos aos quais os participantes se submetem.

� PODER é a probabilidade de um ator impor sua vontade a outro, mesmo com a resistência deste. Situa-se dentro de uma relação social e indica situação de desigualdade. Os atores podem ser grupos sociais. Ex. Estado ou indivíduos.

� DOMINAÇÃO é quando há um senhor e a probabilidade do senhor contar com a obediência dos que, teoricamente, devem obedecê-lo. A obediência se fundamenta no reconhecimento das pessoas das ordens que lhes são dadas.

Para passar da idéia de poder e dominação para a realidade política, Weber introduz o conceito de agrupamento político. Este contém as noções de territorialidade, de continuidade e de ameaça da aplicação da força física para impor respeito às ordens ou às regras. Entre os agrupamentos políticos, o Estado detém a ameaça de força física.

O último conceito de Weber é o de hierocracia ou sagrado. É o agrupamento no qual a dominação pertence aos que detém os bens sagrados. A obediência é imposta menos pela força e mais pela posse de receitas para a salvação.

A Sociologia política se refere a formas de dominação e a diferenciação dos regimes políticos. Se inspira na análise e interpretação da situação contemporânea da Europa ocidental e da Alemanha imperial e permite perceber o projeto de Weber, que era o de compreender o seu tempo à luz da história universal.

Weber pertence à classe dos sociólogos que se interessa pela sociedade a partir do interesse pela coisa pública. Queria ser estadista. Na verdade, foi um conselheiro do rei (metaforicamente falando), embora não ouvido, como ele mesmo disse.

A Sociologia política de Weber se baseia na diferenciação entre a essência da economia e a essência da política, estabelecida a partir do sentido das ações humanas.

Se a Sociologia é a compreensão interpretativa das ações humanas, isto é, do sentido subjetivo que os atores dão a suas ações, é então no plano subjetivo que devem ser definidas as ações econômica e política.

Ação econômica é aquela que, de acordo com o sentido que lhe é atribuído, se relaciona com a satisfação dos desejos de utilidade. Essa definição se relaciona com a ação economicamente orientada e não ao comportamento econômico. O conceito de utilidade se refere tanto à bens materiais como aos imateriais – serviços. O agir econômico é então a ação pacífica, excluindo a guerra e o banditismo. Ex. o trabalho é agir econômico.

As sociedades atuais estão dentro de uma ação econômica racional, nas quais existe uma arregimentação de recursos disponíveis de acordo com um plano, e a continuidade do esforço dirigido para a satisfação das necessidades.

A economia é diferente da política. À primeira visa a satisfação das necessidades tem o objetivo determinado para organização racional de conduta, enquanto que a política refere-se à dominação exercida por um homem ou grupo sobre outros homens. Na realidade, o agir econômico não pode ser separado do agir político. A oposição desses dois termos só ocorre no âmbito

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conceitual. A política seria então, o conjunto das ações humanas que comportam a dominação do homem pelo homem.

Tipos de Dominação

São três os tipos de dominação:

� Dominação racional – baseada na crença da legalidade da ordem e dos títulos dos que exercem a dominação. Ex. polícia, diretor de colégio, reitor da universidade etc.

� Dominação tradicional – baseada na crença do caráter sagrado das tradições antigas e na legitimidade de quem é chamado pela tradição para exercer a autoridade. Ex. rainha da Inglaterra.

� Dominação carismática – baseada no devotamento fora do cotidiano, justificado pelo caráter sagrado ou pela força heróica de uma pessoa e da ordem revelada ou criada por ela. Ex. Lenin, Hitler, de Gaulle, Collor, Lula, Mandela, o papa, o Dalai Lama, etc.

Weber afirma também que a realidade é sempre uma mistura desses tipos puros. Os quatro tipos de ação correspondem a apenas três tipos de dominação.

Ação racional � dominação legal Ação tradicional � dominação tradicional Ação afetiva � dominação carismática

A classificação dos tipos de dominação se refere às motivações dos que obedecem, e são de natureza essencial e não psicológica. A motivação psicológica efetiva não coincide necessariamente com o tipo abstrato de motivação. O hábito pode comandar a obediência, no caso de uma dominação racional, no lugar da razão.

A ação racional com relação a um fim para Weber é o tipo ideal da ação econômica e política e também a ação determinada por uma ordem legal e pela consideração das conseqüências possíveis da conduta. E a ação tradicional às vezes aparece e desaparece nas análises de Weber, substituída pela ação religiosa.

Teoria da Ciência

Para Weber, o traço característico do mundo moderno é a racionalização. Numa primeira aproximação, a ação com relação a um objetivo (a um fim) corresponde à racionalização. O empreendimento econômico é racional, a burocratização do Estado também.

A ação do cientista é racional com relação a um objetivo, pois ele se propõe a enunciar proposições fatuais, relações de causalidade e interpretações compreensivas universalmente válidas.

Porém, o objetivo do cientista é determinado por juízos de valor, isto é, por julgamento sobre o valor da verdade demonstrada por fatos ou por argumentos universalmente válidos.

Ação científica = ação racional em relação a um objetivo + ação racional em relação a um valor

(verdade) Racionalidade ↓ respeito por regras da lógica e da pesquisa

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A ciência é um aspecto da racionalização característica da sociedade moderna ocidental, isto

é, ela pertence ao processo histórico de racionalização e possui duas características que comandam o significado e o alcance da verdade científica:

� O não-acabamento essencial e a � Objetividade – definida como a validade da ciência para todos os que procuram esse tipo de

verdade, e pela rejeição dos juízos de valor.

Para ele, o não-acabamento é fundamental. Ela é, por essência, um devenir, tende a um objetivo situado no infinito e renova sem para os questionamentos dirigidos à natureza. Tanto para as Ciências da Natureza quanto para as da Cultura, o conhecimento é uma conquista que nunca chega a seu termo. É impossível conceber uma história e uma sociologia acabadas, pois esta só poderiam ser completadas se o devenir humano chegasse ao fim. “Seria necessário que a humanidade perdesse a capacidade de criar para que a ciência do homem fosse definitiva” (Aron, 1990:467).

Weber afirma que a validade universal da ciência consiste em que o cientista não projete seus próprios juízos de valor na investigação em que está empenhado, isto é, não a contamine com suas preferências estéticas ou políticas. O fato de que tais preferências se manifestam na curiosidade do cientista não exclui a validade universal das ciências históricas e sociológicas, que devem ser respostas universalmente válidas a questões orientadas legitimamente pelos nossos interesses e valores, pelo menos na teoria.

As ciências da história e da sociedade possuem três características originais e que as distinguem das Ciências da Natureza: são compreensivas (verstehen), históricas e se orientam para a cultura.

Nos fenômenos naturais a compreensão é mediata, isto é, passa por intermediários, que são as proposições confirmadas por experimentos.

No caso da conduta (ação) humana a compreensão é aparentemente imediata. O viajante sabe porque o motorista de taxi para no sinal vermelho, não é preciso constatar quantos o fazem para entender porque eles fazem. Essa inteligibilidade intrínseca vem do fato de que o homem tem consciência. Porém, isso não significa que o sociólogo ou historiador compreendam intuitivamente as ações humanas. Eles as reconstróem gradualmente, com base em textos e em documentos. Para o sociólogo, o sentido subjetivo é, ao mesmo tempo, imediatamente perceptível e equívoco.

A compreensão não é imediata porque podemos apreender de súbito, sem qualquer investigação prévia, o significado da ação dos outros, pois o ator nem sempre conhece o sentido de sua ação; e o observador portanto não é capaz de descobri-los intuitivamente. É preciso investigá-los para poder distinguir o verdadeiro do verossímil.

Existem duas orientações na ciência da realidade humana:

� Histórica – daquilo que não acontece uma segunda vez; � Sociológica – reconstrução conceitual das instituições sociais e do seu funcionamento.

Ciências da Cultura – se orientam para a realidade humana, buscando compreender ou explicar as obras criadas pelos homens no curso do seu devenir, isto é, as leis, instituições, regimes políticos, experiências religiosas, as teorias científicas. Busca compreender e explicar os valores aos quais os homens aderiram, e as obras que construíram.

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O objetivo da ciência é a validade universal, porém, as obras humanas são criadoras de valores ou se definem por referência a valores. Como criar uma ciência objetiva?

Weber diferencia julgamentos de valor e a relação com os valores.

Julgamentos de valor são pessoais e subjetivos; todos têm o direito de considerar a liberdade como um valor positivo ou negativo, primordial ou secundário.

A Relação aos valores significa que o sociólogo da política, por exemplo, considerará a liberdade como um objeto ao qual os sujeitos históricos se debaterão, como aquilo que estava em jogo nas controvérsias ou nos conflitos entre os homens e os partidos e que ele irá explorar a realidade política do passado fazendo uma relação entre ela e o valor liberdade. A liberdade é um ponto de referência para o sociólogo, que nem por isso é obrigado a manifestar apreço por ela. Ela será apenas um dos conceitos que o ajudarão a delimitar e organizar a realidade a estudar.

O cientista, para determinar o seu objeto de estudo, está obrigado a fazer uma opção com respeito à realidade: uma seleção de fatos e a elaboração de conceitos que exigem um procedimento do tipo relação a valores.

Por que é preciso selecionar?

A resposta de Weber é dupla:

1. ao nível de uma crítica transcendental de inspiração kantiana1 (através do neokantianismo de

Rickert);

2. e ao nível de um estudo epistemológico e metodológico, sem pressupostos filosóficos.

Crítica transcendental – o que é dado ao espírito humano é uma matéria informe, que a

ciência elabora e constrói. Rickert divide as ciências em duas:

1. Ciências Naturais que buscam as características gerais dos fenômenos e estabelecem relações

regulares entre eles, e constróem um sistema de leis, dedutivo, organizando-se a partir de

fenômenos simples.

2. Ciências da Cultura aplicam uma seleção à matéria relacionando-a a valores. Todo relato

histórico é uma reconstrução seletiva do que aconteceu no passado.

A seleção é predeterminada, em parte, pela seleção operada por documentos. E mesmo quando os documentos são abundantes, o historiador seleciona em função do que Rickert e Weber chamam de valores, estéticos, morais ou políticos, tanto no que se refere aos valores vividos pelos homens, quanto aos valores do historiador.

Nas ciências da cultura chega-se a um conjunto de interpretações, seletivas e inseparáveis do sistema de valores escolhido. Haverá tantas perspectivas sociológicas ou históricas quantos fores os sistemas de valores escolhidos, orientando a seleção.

1 Kant, filósofo alemão.

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No nível metodológico de situação do historiador e do sociólogo, as ciências humanas são orientadas por questões propostas pelos cientistas à realidade. O interesse das respostas depende amplamente do interesse das questões. Weber responde uma questão metodológica que é: o cientista que se apaixona pelo objeto de investigação não é imparcial nem objetivo.

Ele responde: “é preciso ter o senso de interesse daquilo que os homens viveram para compreendê-los autenticamente; mas é preciso distanciar-se do próprio interesse para encontrar uma resposta universalmente válida a uma questão inspirada por paixões do homem histórico” (Aron, 1990:473).

A primeira negação o opõe a Durkheim e a segunda à Marx. Segundo essa afirmação uma ciência marxista seria impossível (é falsa), pois é incompatível com a natureza da ciência e da existência humana. As ciências históricas e sociais são parciais e são incapazes de prever o futuro, pois este é indeterminado. O homem poderá sempre recusar o determinismo ou se adaptar a ele de diferentes maneiras.

Na distinção entre julgamentos de valor e relação aos valores existe duas outras questões fundamentais:

1. se a construção e a seleção do objeto da ciência depende das questões propostas pelo observador então os resultados científicos estão aparentemente relacionados com a curiosidade do cientista e também com o contexto histórico em que ele está inserido. De que forma uma ciência que é orientada por questões variáveis pode alcançar validade universal?

2. Por que os julgamentos de valor não são universalmente válidos? Por que são subjetivos ou existenciais, necessariamente contraditórios

Se o ato científico, enquanto conduta racional, se orienta para valor da verdade universalmente válida, como começa para escolhas subjetivas? Quais os procedimentos que permitem extrapolar essa escolha subjetiva para garantir validade universal?

Weber responde que os resultados científicos devem ser obtidos, a partir de uma escolha subjetiva, por procedimento de verificação que se imponham a todos os espíritos (universais).

As proposições históricas e sociológicas visam a atingir uma realidade definida, a conduta dos homens, na significação que lhe dão os próprios atores, isto é, seu sentido subjetivo.

As contradições da condição humana

Um dos temas fundamentais para Weber é a oposição entre o julgamento de valor e a relação com os valores, como já foi explicado anteriormente.

A existência histórica, para ele, é a criação e a afirmação de valores. As ciências da cultura são a compreensão dessa existência, e sua abordagem é a relação com os valores. A vida humana é feita de uma sucessão de escolhas pelas quais os homens edificam um sistema de valores. A ciência da cultura é a reconstrução e a compreensão das escolhas humanas pelas quais um universo de valores foi edificado.

A filosofia de valores, em Weber, tem uma relação estreita com a teoria da ação social. Os valores não são dados aos sentidos nem no plano transcendental. São criados pelas decisões humanas, que são diferentes dos atos pelos quais o espírito percebe o real e elabora a verdade. A verdade pode ser um valor, segundo alguns neokantianos.

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Para Weber a ordem da ciência é diferente da ordem dos valores. Na ciência a consciência depende de fatos e provas, nos valores, o livre arbítrio e a livre afirmação. A sociedade é o ambiente onde os valores são criados, mas a sociedade real é composta de homens e, por isso, não é a sociedade concreta que devemos adorar.

A criação de valores é social e histórica. O universo de valores que cada um de nós acaba aderindo é, ao mesmo tempo, criação individual e coletiva. É a resposta da nossa consciência a uma situação ou a um meio ambiente.

Os sistemas de valores são históricos: múltiplos e variados e também interessantes por causa da sua singularidade. De acordo com Weber há uma oposição na ação no que se refere à moral da responsabilidade e a moral da convicção.

A ética da responsabilidade interpreta a ação em termos de meios e fins. Ela situa o homem na ação, que procura prever as conseqüências de suas possíveis decisões e procurar agir de forma a produzir certos resultados ou conseqüências desejadas. Por exemplo a obediência de oficiais do exército a uma determinada política – torcer a linguagem de modo a levar o ator a executa-la, mesmo se for contra a sua intenção (tudo pelo dever). A ética da responsabilidade não basta a si mesma. Em um momento qualquer sempre somos obrigados a escolher entre valores que, em última análise, são incompatíveis entre si, pois estão encarnados na coletividade, podendo então haver um conflito espontâneo entre eles. “Em matéria de ação há escolhas que implicam sacrifícios” (Aron, 1990:488).

Dentro de uma coletividade não há medida política que não traga vantagem para uma classe e sacrifício para outra. Por isso, as decisões políticas, que devem ser iluminadas pela reflexão científica, serão sempre ditadas por julgamentos de valor não demonstráveis (não se pode falar de uma relação de custo benefício). O bem da coletividade global só pode ser definido por um grupo particular.

Para Weber a teoria da justiça implica uma contradição fundamental. Os homens são diferentes, tanto física, intelectual e moralmente. Este fenômeno de diferença é natural e anterior, nossa tendência é ou apagar a diferença natural por esforço social ou, ao contrário, retribuir a cada um segundo suas qualidades. A ciência não pode orientar a escolha entre as duas posições.

O problema da escolha de valores remete à ética da convicção. Esta nos incentiva a agir de acordo com os nossos sentimentos, sem referência às conseqüências. Ex. o pacifista absoluto e o sindicalista revolucionário. O primeiro se recusa incondicionalmente a portar armas e matar seu semelhante. Essa atitude não o leva a impedir guerras e no plano moral da responsabilidade é ineficiente. No entanto, age de acordo com suas convicções e esse é o seu objetivo. O segundo – sindicalista – diz não à sociedade, indiferente às conseqüências imediatas ou a longo prazo da sua recusa.

História e Sociologia

As ciências histórias e sociológicas não são apenas interpretações compreensivas sobre os sentidos subjetivos das condutas, mas também ciências causais. O sociólogo não se limita a tornar inteligível o sistema de crenças e de conduta das coletividades; ele quer determinar como as coisas ocorrem, como uma certa crença determina uma maneira de agir, como uma certa organização política influencia a organização da economia.

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As ciências históricas e sociológicas procuram explicar causalmente, além de interpretar de maneira compreensiva. Essa explicação causal é o procedimento que garante a validade universal dos resultados científicos.

Explicação causal orienta-se em dois sentidos:

� Causalidade histórica – determina circunstâncias únicas que causaram um certo acontecimento.

� Causalidade sociológica – determina a relação regular entre dois fenômenos ou mais. O fenômeno A favorece mais ou menos fortemente o fenômeno B. A causalidade histórica procura determinar os antecedentes na origem de um acontecimento. Pressupõe os seguintes passos: a) definir com precisão as características do indivíduo histórico (acontecimento) que se quer

explicar. Ex. explicar porque houve uma guerra, na Europa, em agosto de 1914. Este é um acontecimento singular que não se confunde com a freqüência das guerras na Europa, nem com o fenômeno da guerra encontrado em todas as civilizações;

b) analisar o fenômeno histórico, naturalmente complexo, em seus elementos. A relação causal não é uma relação estabelecida entre a totalidade de um instante e a totalidade do instante precedente. Ela é sempre parcial.

c) Considerando uma seqüência singular, que só ocorre uma vez, para chegar a uma determinação causal, precisa-se pressupor por experiência mental que um desses antecedentes históricos não se produziu ou se produziu de modo diferente. Isto é, a análise causal deve passar por modificação irreal de um dos seus elementos e procurar responder à pergunta: que teria acontecido se este elemento não tivesse existido ou tivesse sido diferente?

d) Finalmente, convém comparar o devenir irreal com a evolução real, para poder concluir que o elemento modificado foi de fato uma das causas do acontecimento considerado no ponto de partida da pesquisa.

Esse esquema lógico foi muitas vezes criticado, pois parece exigir o conhecimento daquilo que nunca conheceremos com certeza – o conhecimento do irreal.

Weber respondia que não se podia deixar de fazer esse movimento de imputação causal (projeção), pois assim teríamos apenas narrativas puras do tipo em tal data, esta pessoa fez ou disse tal coisa. Para a análise causal é preciso que se sugira implicitamente que, sem determinada ação, o curso dos acontecimentos teria sido outro.

A análise causal retrospectiva tende a distinguir o que foi, num dado momento, a influência das circunstâncias gerais e a eficácia de um certo acidente, ou pessoa, permitindo respeitar o sentido da grandeza do homem de ação. Está associada a uma concepção de devenir histórico, ligada à filosofia da história positiva. Nenhum homem de ação age refletindo que “o que quer que eu faça, o resultado será o mesmo”, ou que qualquer homem no seu lugar faria o mesmo, ou se fizesse diferente, o resultado seria o mesmo.

Weber enuncia de forma lógica a experiência espontânea e autêntica do homem histórico, isto é, daquele que vive a história antes de reconstruí-la.

Mas como se pode reconstruir o que não existiu?

Não é preciso reconstruir detalhadamente o que poderia ter acontecido. Basta partir da realidade histórica tal como ela se apresentou para demonstrar que se este ou aquele antecedente

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singular não tivesse ocorrido, o acontecimento que queremos explicar também teria sido diferente. Pode-se encontrar por comparação a probabilidade de que outra evolução dos acontecimentos teria sido possível.

Para Weber é claro que basta um acontecimento – uma vitória ou derrota militar – para decidir a evolução de toda uma situação histórica dada. Essa interpretação tem o mérito de devolver às pessoas e aos acontecimentos sua eficácia, de mostrar que o curso da história não está determinado antecipadamente, e que os homens de ação podem alterá-lo.

Mostrar como fatos parciais podem determinar um movimento de alcance considerável, não é negar o determinismo global dos fatos econômicos e demográficos. Significa dar aos acontecimentos do passado a dimensão de incerteza e probabilidade que caracteriza os acontecimentos, tais como os vivemos, ou como qualquer homem de ação os concebe (479-80).

Em seu pensamento há uma solidariedade estreita entre causalidade histórica e causalidade sociológica, expressas em termos de probabilidade.

Uma causalidade é adequada, quando concebemos que essa situação tornava-se tão inevitável, pelo menos muito provável o acontecimento que procuramos explicar. Ex. dado o sistema político europeu, muitos acidentes poderiam fazer explodir a guerra de 1914.

O pensamento de Weber se exprime em termos de probabilidades ou de oportunidades. Fazer relação entre o sistema econômico e o regime político é típico. Porém, não há uma determinação unilateral do conjunto da sociedade por um elemento, seja ele político, econômico ou religioso.

As relações causais da sociologia são parciais e prováveis. São parciais, no sentido que um fragmento dado da realidade torna provável ou improvável um outro fragmento. As relações causais são parciais e não globais; comportam um caráter de probabilidade e não de determinação necessária.

Essa teoria da causalidade, parcial e analítica, é e pretende ser, uma refutação da interpretação vulgar do materialismo histórico. Exclui a possibilidade de que um elemento da realidade seja considerado determinante dos outros aspectos da realidade sem ser também influenciado por ele (:481).

Exclui também a possibilidade de que o conjunto da sociedade futura seja determinado a partir de certas características da sociedade presente. Analítica e parcial, a filosofia de Weber proíbe prever em detalhes o que será a sociedade capitalista do futuro ou o que será a sociedade pós-capitalista.

Não é que ele ache impossível prever algumas características da sociedade do futuro. Estava convencido da implantação inexorável da burocracia e da racionalização, mas esta evolução não parecia suficiente para prever a natureza exata dos regimes políticos, nem a maneira de viver, de pensar e de crer dos homens de amanhã.

Teoria da causalidade

É a síntese de duas versões da originalidade das ciências humanas, professadas pelos filósofos alemães de seu tempo:

� Interesse pela história e pelo devenir singular, pelo que jamais se repetirá (ciências ideográficas);

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� Destaque para as características originais do homem como objeto de estudo, explicando que as ciências humanas apreendiam a inteligibilidade imanente da conduta humana.

Weber aceita esses dois elementos, mas se recusa a considerar que as ciências humanas sejam exclusivamente históricas. Elas se interessam mais pelo singular, pelo devenir único do que as ciências da natureza, mas também se interessam por proposições de caráter geral.

As ciências humanas são ciências somente na medida em que são capazes de formular proposições gerais, mesmo quando buscam compreender o singular. Há uma relação íntima entre analisar os fatos e a formulação de proposições gerais.

Essa solidariedade entre a história e a sociologia aparece muito claramente na concepção de tipo ideal que é, de um certo modo, o centro da epistemologia de Weber.

Tipo ideal como conceito operacional

Para Weber a ciência social se baseia sobre premissas de valor, escolhas e decisões subjetivas, mas mantém a validade universal dos processos de demonstração que emprega e ao mesmo tempo obedece – e é nelas que fundamenta a objetividade dos resultados que produz (Silva, 1988:61).

Ele distingue 3 procedimentos intelectuais que podem dar conta de uma análise da conduta humana, conforme apresentado a seguir.

Gráfico 1

Ele aposta na construção de sistemas intelectuais que proporcionem a construção racional do mundo, através de elaborações teóricas sujeitas a comprovação empírica. Para isso ele se utiliza de conceitos rigorosamente construídos e operatoriamente eficazes. Por exemplo, um historiador deve ter uma noção clara do que entende por capitalismo ao estudar o capitalismo comercial da época moderna.

É aí onde entra o tipo ideal, como instrumento metodológico capaz de ordenar o caos e a confusão de como a realidade se nos apresenta. Tipo ideal seria obtido então pela

“acentuação unilateral de um ou mais pontos de vista e pela síntese de um grande número de fenômenos concretos individuais, que são difusos, descontínuos, mais ou menos presentes ou então ocasionalmente ausentes, e que são ordenados de acordo com esses pontos de vista unilateralmente acentuados, de modo a formar-se uma construção analítica unificada. Na sua pureza conceitual, não se pode encontrar empiricamente na realidade esta construção mental. É uma utopia. À pesquisa histórica cabe a tarefa de

COMPREENDER (verstehen)

INTERPRETAR (deuten)

EXPLICAR (erklären)

Apreender a significação dos sujeitos

Organizar o sentido subjetivo em conceitos

Evidenciar as regularidades das condutas

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determinar, para cada caso singular, em que medida essa construção ideal se aproxima ou diverge da realidade, por exemplo, em que medida a estrutura econômica de uma certa cidade deve ser classificada como ‘economia urbana’.” (Cohn, 1997:106)

O conceito de tipo ideal é o ponto de convergência de várias tendências do pensamento weberiano.

a) liga-se à noção de compreensão, pois é uma organização de relações inteligíveis próprias a um conjunto histórico ou a uma seqüência de acontecimentos;

b) liga-se à racionalização, característica da sociedade e ciência modernas; c) liga-se também à concepção analítica e parcial da causalidade.

Weber chama de tipos ideais três tipos de conceitos:

a) tipos ideais de indivíduos históricos (o capitalismo ou a sociedade ocidental) – reconstrução inteligível de uma realidade histórica, singular e global; singular porque para ele o capitalismo só se realizou plenamente nas sociedades ocidentais modernas; global porque o conjunto de um regime econômico é chamado de capitalismo. Essa reconstrução é parcial, para construir um todo inteligível. A reconstrução é uma entre várias outras possíveis, e a realidade toda não entra na imagem mental do sociólogo.

b) Tipos ideais que designam elementos abstratos da realidade histórica que encontramos em grande número de circunstâncias.

c) Tipos ideais constituídos por construções racionais de condutas de um tipo particular. O conjunto das proposições da teoria econômica não passa de reconstrução ideal-típica, do modo como os sujeitos se comportariam se fossem sujeitos econômicos puros.

A combinação dos dois conceitos permite caracterizar e compreender os conjuntos históricos

reais. O capitalismo é o tipo ideal da primeira espécie e a burocracia é um da segunda, não cobre todo um regime e pode ser encontrado em diferentes momentos históricos.

Esses tipos ideais como elementos característicos da sociedade se situam em diferentes níveis de abstração. No nível inferior, aparecem conceitos como burocracia ou feudalismo. No nível superior, isto é, abstraindo-se mais, figuram os três tipos de dominação: o racional, o tradicional e o carismático (Aron, 1990:484).

� Dominação racional – justificada por leis e regras; � Dominação tradicional – justificado pelo passado e pelo costume; � Dominação carismática – justificada pelas qualidades excepcionais, quase mágicas, que os

devotos ou os seguidores atribuem ao chefe.

Cada um desses três tipos de dominação é definido levando-se em conta a motivação da obediência ou a natureza da legitimidade pretendida pelo chefe. Estes três tipos de dominação são conceitos através dos quais se pode compreender os regimes políticos concretos, sendo que na realidade concreta eles se encontram de forma combinada.

É porque os tipos de dominação se confundem na realidade que é preciso separá-los e defini-los rigorosamente em nosso espírito. Não existe, na realidade, um tipo puro de dominação carismática ou tradicional, a separação destes se justifica para fins metodológicos e de estudo. A reconstrução dos tipos ideais não é o fim da investigação, mas o meio. Utilizando esses conceitos precisamente definidos, medimos o seu afastamento da realidade e combinamos conceitos múltiplos apreendemos uma realidade complexa.

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Bibliografia

ARON, Raymond (1990). As Etapas do Pensamento Sociológico. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes; Brasília: UnB.

COHN, Gabriel (1997). Sociologia: Weber. 6 ed. São Paulo: Ática (Col. Grandes Cientistas Sociais).

DIAS, Edmundo Fernandes Dias (1993). Para uma Introdução à Reflexão Weberiana. Campinas: DCS/UNICAMP. Textos Didáticos (1), abr.

SILVA, Augusto Santos (1988). Entre a Razão e o Sentido. Durkheim, Weber e a Teoria das Ciências Sociais. 2 ed. Porto: Edições Afrontamento.

WEBER, Max (1983). Fundamentos da Sociologia. 2 ed. Porto, Portugal: Rés.