legado s smith deborah deutsch introducao a educacao especial 5ed liberado cap 01

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Vincent van Gogh, Auto-retrato com a orelha enfaixada. Galeria Instituto Courtauld, Londres. Giraudon/Recurso de Arte, NY. VINCENT VAN GOGH, filho de um pastor holandês, desde muito cedo foi atraído para o púlpito. Ao mesmo tempo, seus três tios, os quais eram muito ativos no mundo das artes, também o influenciaram. Os manuscritos deixados pelo pintor indicavam a indecisão e sua constante solidão, a melancolia e o transtorno emocional. Ainda hoje, o impacto e a beleza de sua produtiva vida artística são quase incomparáveis (Murdoch, 1998; Walther e Metzger, 1993). Van Gogh deixou muitos auto-retratos. Este quadro – Auto-retrato com a orelha enfaixada 1889 – está entre as obras produzidas durante os últimos anos de sua vida e deixa uma mensagem sobre o seu frágil estado emocional.

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Page 1: Legado S SMITH Deborah Deutsch Introducao a Educacao Especial 5Ed Liberado Cap 01

Vincent van Gogh, Auto-retrato com a orelha enfaixada.Galeria Instituto Courtauld, Londres. Giraudon/Recurso de Arte, NY.

VINCENT VAN GOGH, filho de um pastor holandês, desde muito cedo foi atraído para o púlpito. Ao mesmo tempo, seus três tios, os quais eram muito ativos no mundo das artes, também o influenciaram. Os manuscritos deixados pelo pintor indicavam a indecisão e sua constante solidão, a melancolia e o transtorno emocional. Ainda hoje, o impacto e a beleza de sua produtiva vida artística são quase incomparáveis (Murdoch, 1998; Walther e Metzger, 1993).

Van Gogh deixou muitos auto-retratos. Este quadro – Auto-retrato com a orelha enfaixada 1889 – está entre as obras produzidas durante os últimos anos de sua vida e deixa uma mensagem sobre o seu frágil estado emocional.

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Page 2: Legado S SMITH Deborah Deutsch Introducao a Educacao Especial 5Ed Liberado Cap 01

O Contexto da Educação Especial:Um Tempo de Oportunidade

1

VISÃO PESSOAL

Minha experiênciaNo início de todos os capítulos deste livro, você encontrará

uma seção chamada “Uma Visão Pessoal”. Uma pessoa com

necessidade especial, um membro da família de um indivíduo

com defi ciências ou um profi ssional com sua carreira dedicada à

educação especial foram os responsáveis pelas histórias. Eu tive a

oportunidade de contar minha própria experiência neste capítulo

de abertura.

Comecei a trabalhar na adolescência como voluntária,

atendendo a crianças com defi ciências. A Individuals with Disabi-

lities Education Act (IDEA) – lei que garante às crianças com de-

fi ciência o direito a uma educação apropriada e gratuita – ainda

não havia sido aprovada, e muitas pessoas foram prejudicadas no

que tange ao acesso às escolas. Hoje é difícil de acreditar que, há

pouco tempo, pais eram colocados para fora das escolas e ainda

ouviam: “Nenhuma criança como a sua vai para a escola neste

bairro”. Isso é verdade! Era comum que crianças sem orientação

de como usar o banheiro, ou aquelas que não podiam andar

ou falar ou que agiam de modo diferente fossem excluídas.

Muitos estados americanos, no fi nal dos anos de 1960 e início

dos de 1970, tinham leis educacionais “permissivas” (“educação

permissiva” signifi ca que escolas de bairros não eram obrigadas

a oferecer ensino a todos os alunos com defi ciência). Isso acon-

tecia quando iniciei na educação especial, uma época de grande

atividade, já que havia muitos “erros” para serem “reparados” e

muitas oportunidades para fazer a diferença. A educação especial

foi um movimento, e a agitação ao redor era irresistível.

Ainda adolescente, trabalhei como voluntária na Marianne

Frostig School, uma instituição particular em Los Angeles des-

tinada às crianças com distúrbios de aprendizagem. Depois de

me graduar como bacharel em psicologia no Pitzer College,

fi z o curso de licenciatura em educação regular e especial na

California State University-Northridge. Em vez de começar

a trabalhar logo em seguida, aceitei uma bolsa de estudos na

University of Missouri-Columbia, onde me tornei mestre em

educação especial. Após concluir o mestrado, matriculei-me em

um programa de doutorado na Universidade de Washington,

em Seattle.

Todos nós, graduados naquela época, aprendemos vários

modelos de educação especial. Minha experiência como pro-

fessora deu-se no ensino a alunos regulares, internos, e àqueles

encaminhados às salas de aula reservadas para a educação

especial, muitas das quais fi cavam separadas das outras nas es-

colas de educação especial. Tais programas eram considerados

experimentais porque atendiam a alunos que, na época, não

eram incluídos na educação normal do sistema de ensino. Um

desses programas funcionava em uma velha fazenda onde, pró-

ximo a ela, alunos da mesma cidade viajavam longas distâncias

para freqüentar a escola em outro estado. Todas as crianças

que participaram daquele programa foram orientadas para uso

do banheiro e eram capazes de andar; aqueles que não preen-

chiam tais requisitos ou fi cavam em casa ou eram encaminhados

para outras instituições.

No fi m da década de 1970, venceram aqueles que lutaram

pelos direitos de inclusão das crianças com defi ciências no en-

sino público. Elas, a partir de então, tinham direito à educação

no sistema público de ensino dos Estados Unidos. Por muito

tempo, ir para a escola era sinônimo de freqüentar instituições

isoladas, distantes, ou de salas de aula separadas das outras, es-

tabelecidas em prédios pré-fabricados, montados atrás da área

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Page 3: Legado S SMITH Deborah Deutsch Introducao a Educacao Especial 5Ed Liberado Cap 01

28 DEBORAH DEUTSCH SMITH

de lazer. Desde então, pais e profi ssionais têm lutado por ambientes

mais integrados e por uma educação mais ajustada a cada criança com

defi ciência. Enquanto alguns se focaram nas instalações, eu me concen-

trei no ensino. Decidi que minha contribuição seria preparar novos uni-

versitários no que se refere ao conhecimento sobre métodos de ensino

e treinar professores da educação especial que incluiriam qualidade nos

programas de educação para crianças com defi ciências. Sou também

uma lutadora comprometida com as questões culturais e lingüísticas das

crianças com defi ciências e com suas necessidades educacionais muito

especiais.

Com a mesma paixão da adolescência, continuo hoje compro-

metida com o conceito de educação especial. A educação “individual-

individualizada” e técnicas específi cas (testadas ao longo de anos de

pesquisa sistemática e de aplicação prática) fazem uma grande diferença

nas aquisições de alunos com defi ciências. Muitos adultos com defi ciên-

cias são capazes de participar ativamente da sociedade americana em

razão das experiências educacionais que receberam. Eu estou ansiosa

sobre o futuro e sobre as possibilidades que ele traz. Espero que as his-

tórias deste material acadêmico – escrito por pessoas com defi ciências,

por membros de suas famílias e por seus amigos – seduzam o leitor.

Possivelmente, os desafi os enfrentados pelos alunos com defi ciências e

por aqueles que trabalhavam com eles atraiam você para essa emocio-

nante área da educação. Talvez o conhecimento que você tem possa

fazer uma diferença signifi cativa na vida das pessoas que o convencerão,

como aconteceu comigo anos atrás, de que a educação especial é uma

maravilhosa oportunidade de carreira. Compartilhe de meu entusiasmo

pelo campo da educação especial – educação de alunos com defi ciên-

cias e de pessoas que constituem essa comunidade.

1. Por que os alunos com defi ciência eram excluídos das escolas?

2. O que o futuro reserva para crianças e adultos com defi ciências?

SumárioA educação especial e os serviços relacionados aos alunos com

defi ciência e a suas famílias tornaram-se polêmicos e controversos.

A educação especial foi desenvolvida para ajudar os alunos com

defi ciências a fi m de que conquistassem habilidades e conheci-

mentos que serão necessários na idade adulta, fase da vida em que

participarão efetivamente da sociedade ao lado de pessoas sem

defi ciência. A educação especial tem feito grande diferença na vida

de crianças e jovens com defi ciências e na vida de suas famílias.

Contudo, ela recebe críticas por não atingir todos os seus objetivos,

por ter um custo elevado, por ser a principal fonte de problemas

disciplinares nas escolas, por promover discriminação em relação a

muitos alunos que ela pretendia ajudar. Este é o momento de resol-

ver tais problemas e de tornar a educação especial verdadeiramente

especial.

Auto-AvaliaçãoQuestões Centrais

• O que signifi ca ter uma defi ciência?

• Qual a origem da educação especial e por que ela se de-

senvolveu?

• Por que tanto o governo americano quanto as pessoas cla-

mam por uma intervenção nacional?

• Que características defi nem a educação especial?

• Por que a educação especial é polêmica?

Desafi o• Que soluções propostas para problemas enfrentados pelos

alunos com defi ciências e pelos seus educadores foram ao

encontro de suas necessidades?

• Use a estratégia de aprendizagem (Roteiro Avançado) como

auxílio no estudo do conteúdo deste capítulo e como apri-

moramento de seu conhecimento, revisando as respostas

das Questões Centrais e do Desafio ao final dele.

• No início do Capítulo 2, a seção “Oportunidades para um

Futuro Melhor” irá ajudar você a pensar sobre os meios de

solucionar os problemas da educação especial.

R O T E I R O A V A N Ç A D O

A pesar de resultados signifi cativos alcançados por crianças

com defi ciências e por suas famílias, a educação especial

tem sido criticada há algum tempo como sendo imoral, inefi caz, racis-

ta, onerosa e injusta (Berman et al., 2001; Finn, Rotherham e Hokan-

son, 2001; Gartner e Lipsky, 1987; Lyon, et al., 2001; Stainback et al.,

1994; Towsend e Patton, 2001). As críticas advêm de várias frentes

– políticos, familiares de alunos com defi ciências, pessoas com defi -

ciências, membros da imprensa e toda a comunidade da educação.

Debates sobre a efi ciência da educação especial – quem deveria re-

cebê-la, como e onde ela deveria ser implementada e quem deveria

implementá-la – ganham força. Preocupações relativas ao número de

crianças americanas com defi ciências e com problemas escolares tam-

bém têm aumentado. Legisladores e defensores têm sido alertados

para o número desproporcional de alunos que não são considerados

ofi cialmente “brancos” ser rotulado como defi cientes e, conseqüente-

mente, atendidos por profi ssionais da educação especial. Embora não

haja consenso em relação às atitudes a serem tomadas para enfrentar

os problemas da educação especial, muitos profi ssionais, membros da

imprensa e da comunidade de pessoas com defi ciência acreditam que

os entraves possam ser superados (Clayton, 2001). Responder inte-

ligentemente a tais questões exigirá refl exão, assim como um debate

dirigido.

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Page 4: Legado S SMITH Deborah Deutsch Introducao a Educacao Especial 5Ed Liberado Cap 01

INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL 29

A ESSÊNCIA DA DEFICIÊNCIAPara ser um participante ativo na busca de resultados para os alunos com defi ciências, é necessário

entender os serviços de que eles e suas famílias precisam. Um ponto de partida é pensar sobre o conceito de defi ciência e sobre os desafi os que ela pode apresentar.

O que é defi ciência?É possível pensar que para a pergunta “O que é uma defi ciência?” haja uma resposta simples e direta.

Mas não há. Nada é absoluto na condição humana, nem mesmo todos os conceitos são compatíveis atra-vés das culturas. Muitas respostas foram sugeridas para resolver esse impasse. As defi nições de defi ciên-cia divergem em razão das diferenças entre atitudes, crenças, orientação, áreas de estudo e cultura. Por exemplo, variadas áreas de estudo oferecem defi nições diversas de defi ciência, e algumas delas incluem análise das características comuns de um grupo de indivíduos (por exemplo, habilidades cognitivas e comportamentos estereotipados). Outras defi nições têm uma visão mais sociológica e divergem em sua construção social – mais como uma função do sistema social do que individual (Danforth e Rhodes, 1997; Longmore, 2002).

Não só as interpretações sobre o conceito de defi ciência variam, mas também as opiniões em relação à freqüência com que a defi ciência prejudica a habilidade da pessoa na vida em sociedade. Alguns conceitos de defi ciência sustentam que ela desapareceria se a sociedade fosse organizada de outra forma. Evidências de outras culturas, como muitas culturas indígenas americanas, confi rmam essa posição (Jim Green, co-municação pessoal, fevereiro de 2002). Por que a reação à defi ciência não é a mesma entre as culturas? Al-guns estudiosos dizem que o conceito de defi ciência é uma necessidade política e econômica de sociedades que requerem uma estrutura de classes (Erevelles, 1996; Grossman, 1998). Outros não aceitam a posição de que a defi ciência é o resultado de uma sociedade estratifi cada e rejeitam a idéia de que todos devem ser tratados do mesmo modo (Kauffman, 1997). De acordo com Jim Kauffman, uma necessidade extrema por “semelhança” nos leva a minimizar a defi ciência, talvez até a negar sua existência. Outra explicação refere-se à necessidade de as pessoas focarem o conceito de “diferença” e de fazerem julgamentos de valor (Artiles, 1998). Ainda uma outra explicação sobre o modo como as pessoas com defi ciências são tratadas na sociedade americana refere-se à discriminação institucional e ao preconceito (Longmore, 2002).

Nem sempre questões simples têm respostas simples. Pense sobre estes pontos, comparando os termos freqüentemente usados para descrever a defi ciência ou referir-se a ela: capaz – não-capaz, normal – anor-mal, típico – atípico, perfeito – defeituoso, funcional – disfuncional, comum – incomum, usual – excep-cional. Os termos que usamos refl etem o que pensamos sobre as defi ciências, posicionando-nos frente aos indivíduos envolvidos.

Ter uma defi ciência é necessariamente ter uma incapacidade?Nós aprendemos nos movimentos de direitos civis, na década de 1960, que a discriminação e o pre-

conceito podem “segregar” grupos de indivíduos ou mantê-los participando ativamente na sociedade. Um debate sobre a relação entre defi ciências e incapacidade não é apenas primordial, como também é interessante e conveniente. A maneira como as pessoas são tratadas pode limitar sua independência e suas oportunidades. No entanto, estamos ainda preocupados com o fato de os termos defi ciência e incapacidade serem ou não sinônimos. Se eles são sinônimos, defi ciência pode então ser vista como uma diferença, uma característica que coloca um indivíduo à parte de todos os outros, algo que o torna ou menos capaz ou inferior. Muitas profi ssões (medicina, psicologia) defi nem a defi ciência como um desvio de um modelo, ou seja, há um contraste entre a maioria da população, que é considerada normal, e o defi ciente, que é colo-cado à parte. Nessa visão, é a defi ciência que restringe a habilidade do indivíduo de alcançar seu potencial,

Por meio deste material acadêmico, considero e, então, pon-

dero novamente as questões formuladas a respeito da educação de

alunos com defi ciências, tentando levar o leitor a tirar suas próprias

conclusões acerca dos méritos do que nós, como parte da sociedade,

chamamos de educação especial. Em um primeiro olhar, muitas ques-

tões parecem simples e diretas, mas resista à tentação de ser enganado

por essa ilusão. Elas são complicadas e complexas. Resista à tendência

de pensar em “preto no branco”, de supor que todas essas questões

podem ser respondidas com “sim ou não” e de esperar por debates

que convencionem claramente “este ou aquele lado”. Lembre que

pessoas e culturas têm diferentes visões sobre questões complexas.

Nenhum de nós vive, de fato, em um mundo em preto-e-branco;

em muitos aspectos, vivemos em “cinza e em espaços em branco”.

Como Hungerford sabiamente salientou, há mais de 50 anos, “apenas

o destemido considera o cinza em relação ao que não podemos expli-

car com facilidade” (1950, p. 417). Pare um momento para ponderar

todas as possibilidades de quanto tempo você dispende de sua vida

acadêmica no desenvolvimento de um entendimento próprio sobre

educação especial, sobre os alunos e as famílias aos quais ela atende.

Ao examinarmos tais aspectos importantes, não vamos perder de vista

o fato de que estamos refl etindo sobre pessoas, que são importantes

membros da sociedade.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Em cada capítulo

sobre uma deficiência,

você encontrará uma

seção dedicada às defi-

nições.

Techbooks Editoracao Eletronica - May 2, 2008 16:52:22

Page 5: Legado S SMITH Deborah Deutsch Introducao a Educacao Especial 5Ed Liberado Cap 01

30 DEBORAH DEUTSCH SMITH

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Para outras discus-

sões sobre a cultura

do surdo e suas his-

tórias, veja as seções

“História de Campo”

e sobre a “Cultura do

Surdo” no Capítulo 10.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Para saber mais

sobre como as pessoas

com deficiências têm

sido tratadas através do

tempo, veja as seções

“História de Campo”

nos Capítulos 3 a 13.

em vez de o indivíduo estar em desvantagem pelas atitudes da sociedade. E o que dizer dos indivíduos superdotados com talentos excepcionais e com intelecto notável? A atitude das pessoas frente às suas di-ferenças coloca-os em desvantagem e os impede de desenvolver seu potencial?

Há algumas evidências que podem ajudar na solução deste dilema, ou podem complexifi cá-lo ainda mais. Leia a história, no quadro a respeito dos primeiros habitantes de Martha´s Vineyard, de americanos surdos que não eram estigmatizados por seu grupo social (Groce, 1985). Sem o fardo dos preconceitos, eles tinham experiências de sucessos e insucessos, similares a qualquer outra pessoa, mostrando que a maneira como as pessoas são tratadas infl uencia sua vida.

Hoje em dia, contudo, devemos avaliar se a experiência dos primeiros habitantes da ilha Martha`s Vineyard foi uma aberração. Ela é tão peculiar, que não devemos tomá-la como base para outras situa-ções? Talvez a história fosse diferente se os primeiros habitantes tivessem uma defi ciência cognitiva de causa genética em vez de surdez. Logicamente, o que aconteceu em Martha´s Vineyard não foi comum. De qualquer forma, o que você deve considerar é o modo como você desenvolveu sua visão sobre defi ciência, o signifi cado, os impactos e as implicações na responsabilidade social. Pensando sobre tal experiência, é possível que a defi ciência e a resposta para ela – educação especial – sejam fenômenos do século XX?

O conceito de defi ciência é uma invenção dos tempos modernos?A resposta para a pergunta é bastante direta: não. Há muitas evidências de que as defi ciências fazem

parte da condição humana. Os primeiros registros escritos apresentam apontamentos sobre a existência de pessoas com defi ciência. Algumas, particularmente as que eram cegas, surdas, “um pouco excêntricas”, ou as que se tornaram defi cientes depois de adultas foram consideradas em tais registros (Bragg, 1997). Na verdade, alguns (como o antigo poeta grego – Esopo – que era cego) foram respeitados como sábios. “Lições Moral de Esopo” ou “Fábulas de Esopo” são lidas ainda hoje nas escolas. É possível que as defi ciên-cias não sinalizem um problema social que mereça atenção? Talvez o fator relevante não seja a existência das defi ciências, mas, ao contrário disso, como as pessoas reagem a elas? Se todos são tratados da mesma maneira e podem desenvolver seu potencial com pouco auxílio, talvez a sociedade, assim como nós, esteja gastando energia onde não é necessário. Então, examinemos como as pessoas com defi ciência têm sido historicamente tratadas. Essa análise pode nos ajudar a entender melhor a natureza das defi ciências e a situação em que essas pessoas se encontram.

Como tratar pessoas com defi ciência independentemente do rumo da história?

A resposta é inconsistente e desfavorável. Como você já observou, exemplos da forma de tratamento humano podem ser documentados. Temos, a partir de então, uma outra perspectiva a ser considerada: pessoas com defi ciência apresentadas como “bobos da corte” em palácios e cortes reais na Idade Média e na Renascença. Embora pensemos que eles eram tratados injustamente, pois tinham a função de proporcionar diversão para a realeza, eram, na verdade, protegidos e viviam em melhores condições que pessoas comuns daquela época. Era costumeiro deixar crianças com defi ciência nas fl orestas ou atirá-las no rio. Para muitos que chegaram à idade adulta, o tratamento era cruel. Balbus Balaesus, o Gago, que viveu na Roma antiga,

foi preso e colocado em exibição na estrada Appian a fi m de divertir os via-jantes que achavam engraçado o seu modo de falar. Algumas pessoas eram internadas em hospícios ou monastérios; outras eram julgadas bruxas, pois acreditava-se que estavam possuídas por demônios (Bragg, 1997).

Você talvez cogite a idéia de que tais acontecimentos fazem parte da antigüidade. Atualmente, muitas pessoas com defi ciência são incluídas no convívio social. Elas têm acesso a prédios públicos, encontram acomodações adaptadas quando viajam e assumem papéis ativos na sociedade. Infelizmen-te, a história moderna não oferece só bons exemplos. Em meados do século passado, a Alemanha nazista enviou milhões de judeus, de pessoas com defi -ciência e de membros de outros grupos perseguidos para a morte nos campos de concentração. Isso foi há mais de 50 anos; você pode achar que nada pare-cido ocorra ainda. Todavia, muitos casos documentados de abuso e abandono de crianças com defi ciência ocorrem ainda hoje. Muitos relatos, sobretudo no Terceiro Mundo e em países em desenvolvimento (incluindo membros da ex-União Soviética), revelam as péssimas condições dos orfanatos e das insti-tuições onde crianças com defi ciência são mantidas até a sua morte (Bennett, 1997; Powell e Dlugy, 1998). Contudo, o tratamento desumano em relação às pessoas com defi ciência não é um problema crescente apenas fora dos Estados Unidos. Pense sobre adultos americanos com doenças mentais que recebem pouca assistência, perambulam pelas ruas e são presos por pequenos delitos.

Sem garantias dos direitos humanos e civis em todo o

mundo, muitas crianças com defi ciência são forçadas a viver em

condições deploráveis, e isso não é “coisa do passado”.

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Page 6: Legado S SMITH Deborah Deutsch Introducao a Educacao Especial 5Ed Liberado Cap 01

INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL 31

Ao construir um conceito de defi ciência, pense a respeito das informações que você pode usar visando à defesa de soluções efi cazes e considere quais programas educacionais incluir, lembrando-se do seguinte:

1. A defi nição de defi ciência é variável porque as pessoas não compartilham de atitudes, cren-ças, orientações, valores e culturas iguais. Logo, não há uma natureza absoluta para a defi -ciência.

2. Preconceitos e discriminações infl uenciam os resultados das pessoas, de modo que o que é con-siderado uma defi ciência grave em uma sociedade talvez não impeça os esforços de uma pessoa no desenvolvimento de seu potencial em outra.

3. As defi ciências sempre existiram. Elas não são criação ou fenômeno da sociedade americana atual. 4. A situação é terrível para muitas crianças com defi ciência, e o tratamento cruel continua ainda

hoje.

ORIGENS DA EDUCAÇÃO ESPECIALEmbora muitos americanos acreditem que a educação especial tenha começado nos Estados Unidos

em 1975, com a aprovação da lei nacional que agora é chamada de IDEA, na verdade, a educação especial começou há mais de 200 anos.

Os moradores de Martha‘s Vineyard vieram de Kent, Inglaterra,

no século XVII. Aparentemente, eles carregavam consigo genes reces-

sivos da surdez e a habilidade de usar a linguagem de sinais. Pessoas

com audição normal viviam na ilha, eram bilíngües e desde muito cedo

desenvolviam, ao mesmo tempo, habilidades na linguagem oral e na de

sinais. Geração após geração, a prevalência de surdos na ilha aumen-

tou de modo excepcional, na proporção de 1:4 em uma pequena co-

munidade e de 1:25 em outras. Provavelmente, em razão da alta taxa

e incidência de surdez em quase todos os membros de uma família, as

pessoas surdas não eram tratadas como defi cientes pela comunidade

do continente. Elas eram integradas à sociedade em todas as atividades

e nas situações de lazer. Logo, quais eram os resultados dessa inte-

gração e da adaptação da sociedade às necessidades das pessoas com

essa defi ciência, em vez da adaptação das pessoas com defi ciências

ao modo de vida daqueles sem defi ciências? Os indivíduos eram livres

para se casar com quem desejassem. Das pessoas Surdas* de Martha‘s

Vineyard nascidas antes de 1817, 73% casaram-se, em contraste com

os 45% de pessoas surdas americanas. Apenas 35% dos Surdos de Vi-

neyard casaram-se com outras pessoas surdas, comparados com 79%

de surdos do continente. De acordo com registros de pensões, eles,

em geral, tinham rendimentos médios ou acima da média, e alguns se

tornavam profi ssionais bastante prósperos. Esses indivíduos também

eram ativos em todos os aspectos nas tarefas da igreja. As pessoas sur-

das tinham algumas vantagens em relação a vizinhos e membros não-

surdos da família. Eles tinham melhor educação do que a população

em geral, porque recebiam assistência educacional para freqüentar a

escola para surdos em Connecticut. De acordo com registros de seus

descendentes, eram capazes de ler e escrever e há numerosos regis-

tros sobre pessoas não-surdas que pediam a seus vizinhos surdos que

lessem ou escrevessem algo para elas.

A vida dos habitantes ingleses de Martha’s Vineyard mostra como

a surdez, defi ciência historicamente considerada muito séria, não afe-

tou a rotina ou as realizações daqueles que moravam na ilha. Por mais

de uma centena de anos, a vida nesse ambiente relativamente restrito

e confi nado foi muito normal tanto para os que tinham como para os

que não tinham tal defi ciência. Groce (1985) explica:

O fato mais surpreendente sobre homens e mulheres

Surdos de Martha’s Vineyard é que eles não eram considera-

dos incapazes, porque ninguém viu a surdez deles como uma

defi ciência. Uma mulher me disse: “Nós nunca vimos nada di-

ferente neles. Eles eram como uma pessoa qualquer. Quando

você refl ete sobre isso, percebe que a ilha era um lugar consi-

deravelmente bom para viver”. Na verdade, era. (p.110)

DEFICIÊNCIA NÃO É INCAPACIDADE: O CASO DE MARTHA’S VINEYARD

*O “S” maiúsculo é usado porque as pessoas Surdas de Martha’s Vineyard repre-

sentam um grupo histórico importante na cultura de Surdos. Veja o Capítulo 10.

Thomas Hart Benton costumava passar o verão na ilha Martha´s Vineyard, onde

alguns de seus vizinhos eram Surdos. Dois deles aparecem nesta pintura.

Thomas Hart Benton, The Lord is my Sheperd (1926 – O Senhor é meu Pastor).

Óleo em tela. (84,46 × 69,53 cm) Whitney Museum of Art, Nova York; Aquisição

31.100. Direitos Fotográfi cos© 1996: Whitney Museum of American Art, Nova

York©T.H. Benton e R.P. Benton. Custódia testamentária licenciada por VAGA,

Nova York, NY. Fotografi a de Robert E. Mates.

Techbooks Editoracao Eletronica - May 2, 2008 16:52:23

Page 7: Legado S SMITH Deborah Deutsch Introducao a Educacao Especial 5Ed Liberado Cap 01

32 DEBORAH DEUTSCH SMITH

Quais as origens da educação especial?A lenda sobre o começo da educação especial não é apenas famosa, mas também verdadeira! Um

resumo do relato de Itard e Victor é apresentado no quadro a seguir. Ainda que Itard não tenha avaliado positivamente seus grandes esforços com Victor, seu trabalho semeou uma nova era para crianças com de-fi ciência: anunciou o princípio de um período positivo quando se pensou que a educação era uma resposta aos problemas associados à defi ciência.

Edouard Seguin, um aluno de Itard, trouxe tais ideais para os Estados Unidos. Seguin publicou, em 1846, The Moral Treatment, Hygiene, and Education of Idiots and Other Backward Children, o primeiro trata-do de educação especial voltado às necessidades das crianças com defi ciência. Ele acreditou que os exercí-cios sensório-motores podiam ajudar no estímulo da aprendizagem de crianças com defi ciência (uma cren-ça que alternadamente ganha e perde popularidade desde então). No ano de 1876, Seguin participou da fundação da maior e mais antiga associação profi ssional interdisciplinar no campo da defi ciência mental, que agora é chamada de American Association on Mental Retardation (AAMR). As atitudes pouco a pouco mudaram. Os profi ssionais da área e o público abandonaram a crença de que as pessoas com defi ciência

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Para mais detalhes

sobre a importância de

Itard e Victor, veja a

seção “História de Cam-

po”, do Capítulo 6.

Em 1799, uma criança – que provavelmente por ter defi ciência

fora abandonada à morte nas fl orestas do sul da França – foi en-

contrada por alguns fazendeiros. Preocupados com o bem-estar da

criança, descobriram um médico em Paris especialista no tratamento

de crianças surdas. Levaram-na até ele: era Jean-Marc-Gaspard Itard,

considerado o pai da educação especial. O nome dado ao garoto por

Itard foi Victor. Por achar que o garoto era uma “criança selvagem”,

intocada pela civilização, o médico costumava referir-se a Victor como

“o menino selvagem de Aveyron”.

Era possível que o garoto tivesse um retardo mental, bem

como carências ambientais. Muitas pessoas achavam que não havia

esperança para o caso, mas Itard, acreditando na força da educação,

responsabilizou-se pela tarefa de ensinar a Victor tudo o que as crian-

ças aprendiam, seja em casa seja na escola. Ele, com cautela, usou

técnicas de desenho para ensiná-lo a falar algumas poucas palavras,

andar na posição vertical, comer fazendo uso de pratos e talheres e

interagir com outras pessoas.

Felizmente, Itard escreveu um relatório detalhado sobre suas

técnicas e fi losofi as, bem como sobre o progresso de Victor. Muitas

dessas técnicas são aplicadas ainda hoje na educação especial. A se-

guir, estão elencados cinco objetivos da “educação moral e mental

de Victor”.

1o objetivo: estimulá-lo para a vida social...

2o objetivo: ampliar sua bagagem intelectual...

3o objetivo: orientá-lo ao uso da fala...

4o objetivo: fazê-lo exercitar as operações mentais básicas...

(Itard, 1806/1962, p. 10-11)

As medidas de sucesso são subjetivas. Atualmente, nós daríamos

créditos a Itard pelos ganhos notórios com Victor. O garoto aprendeu

muitas habilidades básicas na vida, mas nunca se tornou “normal”.

Victor foi incapaz de desenvolver a linguagem oral além de poucas

palavras e não aprendeu todas as formas de comportamentos social-

mente aceitáveis. Itard pensou que havia falhado, talvez porque seus

objetivos eram irreais e também porque Victor viveu longe dele, em

outro estado, com uma empregada doméstica que o assistia.

AS ORIGENS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL: A HISTÓRIA DE ITARD E VICTOR

Jean-Marc-Gaspard Itard, considerado o pai da educação especial, escreveu um

diário detalhado de seus trabalhos com Victor.Victor, “o menino selvagem de Aveyron”, contribuiu para o desenvolvimento da

teoria e das técnicas da educação especial como aluno de Itard.

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INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL 33

deviam ser evitadas e aderiram à idéia de que elas deviam ser protegidas, cuidadas, educadas, mesmo que esse ato signifi casse um extraordinário esforço. Entende-se, desse modo, que elas devem ser libertadas, fortalecidas e habilitadas a assumir seu lugar ao lado das pessoas sem defi ciência, mesmo que isso im-plique muito trabalho e inúmeros desafi os. Paul Marchant, da ARC (uma organização fundada pelos pais que buscam apoio para seus fi lhos com retardo mental), afi rma que todos os locais de trabalho segregado deveriam ser fechados, mesmo que os indivíduos com defi ciência prefi ram trabalhar em lugares isolados (comunicação pessoal, 22 de outubro de 2001). Ele acredita nisso, ainda que alguns adultos sintam-se mais confortáveis trabalhando com outras pessoas com defi ciência, em lugares onde o ambiente oferece mais apoio e proteção, do que em ambientes competitivos de trabalho. O que você acha disso?

À medida que os esforços na educação especial ganharam destaque nos Estados Unidos, ela se tornou popular na Europa. Na Itália, Montessori trabalhou, inicialmente, com crianças que apresentavam defi ciên-cias cognitivas. Ela mostrou que crianças pequenas eram aptas a aprender por meio de experiências concre-tas, oferecidas por ambientes ricos em materiais manipuláveis. Em 1817, Thomas Hopkins Gallaudet foi à Europa para trazer novamente aos Estados Unidos especialistas em educação de surdos, com o objetivo de implementar o modelo de programas de educação. Samuel Gridley Howe, o famoso abolicionista e refor-mador americano, fundou o New England Asylum for the Blind (mais tarde, Instituto Perkins), em 1832. Além disso, criou a Massachusetts School for Idiotic and Feeble-Minded Children em 1848. Continuamente, um estado após o outro iniciou programas educacionais para alunos com defi ciência. Muitos deles seguiram o modelo de Howe e Gallaudet e fundaram escolas residenciais; outros seguiram o modelo de Elizabeth Farrell (1898), promovendo programas em escolas públicas. Os anos de 1800 foram movimentados e repre-sentaram uma mudança efetiva nas atitudes relativas a muitos alunos com defi ciência e seus familiares.

Há boas oportunidades de educação especial disponíveis?Como muitos de nós hoje, os profi ssionais do fi nal do século XIX acreditavam no valor individual

dos alunos, independentemente de suas necessidades especiais de aprendizagem. Eles foram preparados para trabalhar com seriedade na conquista de uma realidade que envolvesse todos os alunos. Percebeu-se, dessa forma, que os professores da educação especial precisavam também de treinamento específi co para desempenhar esta importante atividade. A primeira oportunidade de treinamento para profi ssionais da área aconteceu em 1905 em New Jersey, na Training School for Feebleminded Boys and Girls (Kanner, 1964). Em 1907, um curso de verão sobre educação especial, com duração de seis semanas, custava US$ 25 (veja a Figura 1.1).

Todavia, a era do otimismo não durou. As aulas nas instituições públicas não eram comuns, e as escolas-residências foram vistas como repressivas. Para uma última avaliação sobre a educação de pessoas com defi ciência, é aconselhável entender as razões para essas mudanças de atitudes. Em primeiro lugar, não havia salas de aula sufi cientes. Depois, muitas crianças foram excluídas das escolas públicas porque não preenchiam os requisitos exigidos – não sabiam usar o banheiro, não andavam ou não falavam. O que aconteceu com elas? Muitas ganharam espaço, de alguma forma, em suas comunidades, raras vezes encontravam trabalho e viviam com seus pais. Outras entraram forçosamente no isolamento, segregadas em instituições. Com certeza, algumas morreram por falta de cuidados, enquanto outras foram escondidas por suas famílias, as quais temiam a discriminação e o preconceito.

Embora as escolas-residências criadas no fi nal do século XIX tenham sido consideradas “educacio-nais”, elas se tornaram depósitos onde pessoas eram isoladas da sociedade. Possivelmente, como ocorreu com Itard, profi ssionais e público em geral desiludiram-se com a educação especial, pois ela era incapaz de “remover” defi ciências, “curar” crianças ou torná-las “normais”. Crianças com defi ciência, pelo que se percebe, não eram dignas de investimento. Ao contrário disso, eram vistas como uma fonte de problemas: causa de crimes, eram um grupo que levaria a sociedade à falência (Winzer, 1993). As crenças negativas sobre pessoas com defi ciência continuavam nas primeiras décadas do século XX. A educação básica era obrigatória para crianças sem defi ciência, mas aquelas que a possuíam eram impedidas de ter acesso à ins-trução. As justifi cativas apresentadas para tal exclusão são chocantes para os padrões atuais. O Supremo Tribunal de um Estado americano justifi cou a exclusão de um garoto com paralisia cerebral, sob a alegação de que ele “produzia efeitos depressivos e nauseantes nos professores e nas crianças” (State ex. rel. Beattie versus Board of Education, 1919).

O preconceito contra pessoas com defi ciência resistiu até meados do século XX. O programas de educa-ção especial em residências mudou, deixando-se de oferecer educação intensiva. Do início do século XX até o fi nal da Segunda Guerra Mundial, a proposta era proteger a sociedade daqueles que eram diferentes.

Reconhecidamente, as atitudes modifi caram-se durante os últimos 50 anos. O fi m da Segunda Guerra coincidiu com um tempo de mais oportunidades para todos os americanos, conduzindo-os, então, ao movi-mento dos direitos civis nos anos de 1960 e aos movimentos a favor das pessoas com defi ciência na década seguinte. Surgiram, com isso, preocupações sobre como garantir um tratamento adequado tanto para defi cien-tes quanto para superdotados.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Para mais rela-

tos deste e de outros

pioneiros da educação

especial, veja as seções

“História de Campo” em

cada capítulo, com início

no Capítulo 3.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Para mais infor-

mações a respeito das

reações às pessoas com

deficiência no Século

XX e do modo como

eram segregadas, veja a

seção “História de Cam-

po”, no Capítulo 6.

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34 DEBORAH DEUTSCH SMITH

Escola de Treinamento Vineland, N.J., 14 de março de 1904, matéria secundária, em conformidade com o Ato do Congresso de 16 de julho de 1894.

Nº 36 FEVEREIRO, 1907 25 exemplares anuais

Eu dei a um mendigo que passou em minha pequena lojaUma moeda com sacrifício ganhaEle gastou o metal brilhanteE voltou e voltou novamente Ainda gelado e faminto como antes

Eu dei um pensamento e, por meio deste meu pensamento,Ele se encontrou como homem, supremo, divino, corajosoVestido e coroado de muitas bênçãos, Agora ele não mendiga mais.

CURSO DE VERÃO PARA PROFESSORES

Os anúncios do nosso curso de verão para 1907 já estão prontos para distribuição. A proposta é treinar profissionais que desejam lecionar em educação especial nas escolas públicas e orientar professores e outras pessoas para um melhor atendimento às crianças com peculiaridades ou com retardo. Nós temos ambientes diferenciados para tal trabalho, excelentes equipamentos e um laboratório bastante completo. O plano de curso inclui observação e prática, atividades de laboratório, palestras e leituras. A taxa de honorários é de US$ 25, e os primeiros alunos que se matricularem podem hospedar-se na escola por um valor adicional de US$ 25. O período do curso é de 15 de julho a 24 de agosto.

Para obter informações a respeito da Summer School, entre em contato com E. R. Johnstone, Vineland, N. J.

QUAL O SIGNIFICADO PARA

OS PSICÓLOGOS?

Você lembra a fábula do leão? O animal observando o quadro de um homem dominando um leão, disse: “Se um leão tivesse pintado o quadro, o homem seria o dominado”. O que faz a diferença é quem pinta o quadro.

Homens intelectualmente fortes detêm há muito tempo o monopólio da pintura de quadros dos mais fracos. Algumas vezes, crianças com deficiência têm sido vistas como um ser sobrenatural, possuídas por um espírito bom ou mau e, mesmo nas esferas mais intelectualizadas, freqüentemente são tratadas de maneira igual à que os espartanos faziam, ou seja, excluídas da sociedade e expostas à morte ou a uma vida que, mesmo reverenciando a condição humana com o crescimento e com a preservação da vida, possivelmente é pior do que a morte. Ela não é apenas inútil, como também é uma barreira na sociedade, uma doença incurável, um terrível pesadelo, um erro de Deus.

Mas como seria o quadro se o leão o tivesse pintado em lugar do homem?

A criança com deficiência é um ser humano. Ela difere daqueles que se autodenominam normais. Nenhum de nós faz parte de uma estatística sobre deficiência. Nenhum de nós amanhã irá tornar-se uma pessoa com deficiência como alguns deles por causa de uma pequena mudança em nosso organismo. (Talvez devêssemos chamar isso de insanidade, mas seria tão-somente uma questão de terminologia.)

Então, o que somos nós e quem é esta criança? É algo conhecido...

.

NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO EM ÂMBITO NACIONAL

Por volta de 1975, a base para uma lei nacional de educação especial nos Estados Unidos foi aberta-mente preparada. Antes disso, os tribunais trabalharam com questões de discriminação e direitos civis das pessoas; cada estado trouxe aos tribunais e legislações suas preocupações relativas ao tratamento injusto imposto às crianças com defi ciência e ao acesso delas à educação. A Tabela 1.1 resume os primeiros casos de referência do tribunal que preparam o caminho para uma educação especial em termos nacionais, con-sistentemente oferecida a todas as crianças com defi ciências.

Por que o congresso americano aprovou a Lei Nacional de Educação Especial?

Anos de exclusão, segregação e negligência em relação aos alunos com defi ciências e a suas famílias tornaram imperativa a Lei Nacional dos Direitos Civis, garantindo-lhes o acesso ao sistema educacional. Por que era assim? Em 1948, apenas 12% de todas as crianças com defi ciências receberam educação espe-cial (Ballard, Ramirez e Weintraub, 1982). Mais tarde, em 1962, apenas 16 estados tinham leis de inclusão

Figura 1.1 Jornal da Escola de Treinamento em Vineland, New Jersey.

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para alunos que, apesar de apresentarem retardo mental leve, estavam sob a obrigatoriedade de freqüên-cia no ensino básico (Roos, 1970). Em muitos estados, mesmo aquelas crianças com níveis menos graves de defi ciências, não tinham permissão para freqüentar a escola. Além disso, aquelas com defi ciências mais graves eram comumente excluídas.

Logicamente, ao considerar a aprovação de uma Lei Nacional de Educação Especial para crianças com defi ciências, o Congresso americano reconheceu sua importância. Também se preocupou com a difusão da discriminação, apontando dados referentes a muitas crianças com defi ciências que eram excluídas da educação e a outras que freqüentavam a escola, mas apresentavam baixo aproveitamento, pois suas de-fi ciências foram ignoradas ou não-detectadas. O Congresso compreendeu que a educação especial, com apoio educacional e assistência fi nanceira, faria uma diferença indiscutível na vida das crianças e de suas famílias. Eis algumas das descobertas que levaram o Congresso a aprovar a lei:

• Um milhão de crianças com defi ciências, nos Estados Unidos, foram excluídas inteiramente do sistema público de ensino.

• De oito milhões de crianças com defi ciências nos Estados Unidos, mais da metade não tiveram orientações educacionais apropriadas.

• As necessidades de educação especial não estavam sendo completamente sanadas, pois as crian-ças não estavam recebendo apoio satisfatório.

• A inexistência de serviços adequados no sistema público de ensino forçava as famílias a buscá-los em outros lugares, normalmente distantes de suas residências, e a bancá-los com recursos fi nan-ceiros próprios.

• Fundos sufi cientes, concedidos por departamentos estaduais e municipais, poderiam fi nanciar educa-ção especial e serviços correlatos efi cientes, atendendo às necessidades das crianças com defi ciências.

Que leis federais protegem os direitos civis de crianças e adultos com defi ciências?

Os políticos americanos reagiram às injustiças na aprovação de leis para prote-ger os direitos civis dos indivíduos com defi ciências. A primeira delas era parte de uma lei maior. Em 1973, o congresso aprovou a Seção 504 da lei Rehabilitation Act, a qual exigiu adaptações, como o acesso aos locais públicos, para pessoas com defi ciências. A Seção 504 também preparou a base para a IDEA, porque ela incluiu algumas proteções aos direitos de alunos com defi ciências ao ensino público. Muitas outras leis abarcaram os itens de direito das crianças à educação à parte das leis relativas aos direitos civis de adultos ao acesso à sociedade americana. A Tabela 1.2 relaciona algumas leis importantes aprovadas pelo Congresso.

O Congresso decidiu que uma educação apropriada deveria ser garantida a to-das as crianças com defi ciências e que a lei nacional asseguraria tal garantia univer-salmente disponível. A primeira lei de educação especial aprovada em 1975 foi de-nominada Lei Pública (PL – Public Law) 94-142, Education for all Handicapped Children Act (EHA – Educação para todas as Crianças Defi cientes) (O primeiro gru-po de números refere-se à sessão do Congresso em que a lei foi aprovada; o segundo grupo indica o número da lei.). O Congresso concedeu dois anos aos estados para se prepararem para a implementação da nova educação especial; sendo assim, ela foi iniciada em 1977. A lei deveria ser válida por 10 anos; então, seria necessário um processo de ratifi cação para sua continuidade. Depois do período de 10 anos, a lei teria que ser ratifi cada a cada três anos.

A lei EHA foi ratifi cada pela primeira vez em 1986. (O Congresso concedeu dois anos a mais para a ratifi cação de leis; logo, elas não expiraram antes que o

Tabela 1.1 Casos de referência do tribunal que prepara a base para a Lei Nacional de Educação Especial nos Estados Unidos

Caso Data Decisões Importância

Brown versus Board of Education 1954 Concluído de maneira conservadora (es-

colas iguais, mas separadas).

Bases para futuras decisões sobre a não-exclusão

das crianças com defi ciências das escolas.

Pennsylvania Association for Retarded Children

(PARC) versus Commonwealth of Pennsylvania

1972 Garantida a educação especial para crian-

ças com defi ciência mental.

Caso que simbolizou uma nova era para a educa-

ção especial.

Mills versus Board of Education of the District of

Columbia.

1972 Ampliação do direito de educação especial

para todas as crianças com defi ciências.

Reforçou o direito de todas as crianças com defi -

ciências a uma educação pública gratuita.

Muitos prédios não são ainda acessíveis àspessoas com deficiência. É hora de fazermosadaptações para todos. Estamos conscientesdo primeiro passo em direção à mudança.

Para algumas pessoas, procurar um apartamento é

muito penoso.

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comitê do Congresso pudesse completar o trabalho de reescrevê-la). Na revisão seguinte, o Congresso (retroativamente) mudou o nome da lei para PL 101-476, Individuals with Disabilities Education Act (IDEA – Educação dos Indivíduos Portadores de Defi ciências). Além da troca do nome, o Congresso ape-lou por duas condições (autismo e lesões cerebrais traumáticas) como categorias da educação especial e fortaleceu serviços de transição para adolescentes com defi ciências. A IDEA foi outra vez ratifi cada em 1997, e assuntos como acesso ao currículo da educação geral, participação nos testes estaduais e muni-cipais, e disciplina assumiram notoriedade nesta versão da lei.

Desviaremos a atenção dada aos alunos para focalizá-la nos direitos civis de todos as pessoas com defi ciências. O Congresso primeiramente considerou algumas questões quando aprovou a Seção 504 da lei Rehabilitation Act em 1973. Contudo, depois de quase 20 anos de implementação, o Congresso entendeu que a seção 504 não foi sufi ciente e não eliminou a discriminação de adultos com defi ciências.

Ele, então, tomou medidas mais sérias, aprovando outra lei.Em 26 de julho de 1990, o presidente americano George Bush assinou

a lei Americans with Disabilites Act (ADA – Lei dos Americanos com Defi ciências), a qual impede a discriminação em ambientes profi ssionais, nos transportes, em ambientes públicos e nos meios de comunicação. Dis-se o presidente: “Deixem as paredes vergonhosas da exclusão fi nalmente tombarem”. O senador Tom Harkin (Estado de Iowa), responsável pela lei, falou sobre ela como a “proclamação da emancipação” para pessoas com defi ciências (West, 1994). A ADA garante o acesso das pessoas com defi -ciências a todos os aspectos da vida – não apenas àqueles legislados pelo governo – e implementa o conceito de normalização em todos os aspectos da vida americana. Tanto a Seção 504 da lei Rehabilitation Act de 1973 quanto a ADA são consideradas direitos civis e leis antidiscriminatórias (de Bettencourt, 2002). A ADA dá suporte e estende a seção 504, fornecendo às pessoas com defi ciências mais oportunidades de empregos e de partici-pação nas atividades diárias apreciadas por adultos sem defi ciências. Ela exige que os empregadores não discriminem os candidatos qualifi cados e os funcionários com defi ciências; que novos transportes públicos (ônibus, trens e metrôs) e novos ou remodelados ambientes públicos (hotéis, lo-jas, restaurantes, bancos e teatros) sejam acessíveis às pessoas com defi -ciências. Também há exigências para as companhias telefônicas, as quais devem fornecer informações em relevo, de forma que indivíduos surdos e pessoas com defi ciências de fala possam usar o telefone comum. Para alu-

Tabela 1.2 Legislação de Referência

DataNº das leis ou Seções Nome (sigla) Cláusulas-chave

1973 Seção 504 Seção 504 da Rehabilitation Act • Lista de passos para IDEA e ADA.

• Garantias básicas dos direitos civis para pessoas com defi ciências.

• Exigências de adaptações na sociedade e nas escolas.

1975 PL 94-142 Education for All Handicapped

Children Act (EHA)

• Garantia à educação apropriada e gratuita em ambientes menos restritivos.

1986 PL 99-457 EHA (ratifi cada) • Inclusão das crianças e dos bebês.

• Fornecimento dos IFSPs.

1990 PL 101-476 Individuals with Disabilities Education

Act (IDEA)

• Troca do nome para IDEA.

• Inclusão de planos de transição (ITPs).

• Inclusão de autismo como uma categoria da educação especial.

• Inclusão do traumatismo cranioencefálico como uma categoria da educação especial.

1990 PL 101-336 Americans with Disabilities Act (ADA) • Proibição da discriminação em ambientes profi ssionais, nos transportes, em ambientes

públicos e nas telecomunicações.

• Implementação do conceito de normalização na vida americana.

1997 PL 105-17 IDEA (ratifi cada) • Inclusão do TDAH na categoria “outros danos da saúde”.

• Inclusão de Avaliações do Comportamento Funcional e Planos de Intervenção no

Comportamento.

2001 PL 107-110 Elementary and Secondary Education

(No Child Left Behind) Act of 2001:

(ESEA)

• Exigência de que todas as crianças em idade escolar participassem do teste estadual e

municipal.

• Exigência de profi ciência de todos os alunos em leitura e matemática, até 2012.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Para conhecer

melhor as exigências

específicas da IDEA, veja

os quadros “O que diz

a IDEA”, distribuídos ao

longo do livro.

A normalização e a ADA oferecem riscos e vantagens

a todos. Em função de tal princípio e lei, Michael Hingson

(à direita) estava trabalhando no 78º andar do World Trade

Center em 11 de setembro de 2001. Ele e sua guia, Rosel-

le, uma cadela da raça labrador, ajudaram muitas pessoas

a deixar uma das torres com segurança. Hal Wilson (à

esquerda) e Tsuanami estavam entre os 300 membros

das equipes de resgate que também salvaram pessoas na

tragédia.

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INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL 37

nos que estão na transição da escola para a vida adulta, tais melhorias podem ajudar na conquista de uma participação genuína em suas comunidades.

Voltemos nosso olhar novamente para as escolas. Na última ratifi cação da lei Elementary and Secondary Education Act, mais conhecida como No Child Left Behind (Nenhuma Criança Deixada para trás) Act de 2001, os alunos com defi ciências foram incluídos de muitas formas. Tal documento legal exige que 95% de todos os escolares participem plenamente dos testes municipais e estaduais. Também inclui como um objetivo o fato de que todos os alunos demonstrem profi ciência em leitura e matemática até 2012 (Ziegler, 2002).

A proteção das leis nacionais fez alguma diferença na vida dos portadores de defi ciências?

A resposta é um ressonante sim! A ADA e as atitudes norte-americanas que permitiram que tal lei fosse aprovada trouxeram muitos benefícios para os portadores de defi ciências. Os locais de trabalho pro-videnciaram adaptações que permitem que todos os funcionários, incluindo os portadores de defi ciên-cias, atinjam níveis de atuação que, do contrário, não seriam possíveis. Para dar suporte aos portadores de defi ciências, os locais de trabalho agora contam com alguns equipamentos: computadores ativados com sinal de voz, circuito interno de TV que amplifi ca material impresso e adaptações físicas, tais como rampas. É claro que não se pode dar crédito somente à lei ADA por todas essas mudanças e benefícios, mas é certo que foi uma parte do movimento pelos direitos civis dos portadores de defi ciências que fez uma diferença real.

Para muitos dos portadores de defi ciências, o acesso e a participação na sociedade já é uma realidade possível, uma vez que os adultos participam ativamente de todos os aspectos da vida dária – da vida pro-fi ssional ao entretenimento. Várias pessoas com defi ciências – tais como Omar Rivera e seu cão Salty, e Michael Hingson e sua cadela Roselle (Hu, 2001, 7 de Outubro) – estavam trabalhando no World Trade Center em 11 de setembro de 2001, e, juntamente com colegas sem defi ciências, desceram vários lances de escada para escapar do desmoramento do prédio.

Vários exemplos ilustram a melhoria no acesso e na participação de pessoas com defi ciências: ma-ratonas de corrida de cadeira de rodas, exibições táteis em museus para cegos, esteiras de acesso em parques nacionais e estaduais, fi lmes e progamas de TV legendados e descrições auditivas para pessoas com habilidades visuais limitadas (DVS, 2002). Também a Barbie® tem uma amiga: Becky®, que é uma esportista paraolímpica que usa uma cadeira de rodas, criada em homenagem aos jogos paraolímpicos de 2000, promovendo, assim, a inclusão de pessoas com defi ciências, as quais aparecem na TV, nos anúncios publicitários nas revistas, assumem empregos na indústria de entretenimento como apresentadores, atores e comediantes. Todos esses exemplos demonstram como as atitudes mudaram para melhor, trazendo qua-lidade de vida a muitas pessoas com defi ciências.

As adaptações, hoje em dia, possibilitam que as pessoas com defi ciências viajem, visitem parques na-cionais e estaduais, façam cruzeiros para lugares exóticos e aproveitem suas férias com seus amigos sem de-fi ciências. É claro que nem tudo funciona perfeitamente. Certa vez, enquanto eu me registrava em um hotel com um amigo que havia fi cado cego recentemente, o termo acessibilidade ganhou um novo signifi cado para mim. Meu colega pediu um quarto com acesso universal, mas, ao nele chegar, encontrou os interruptores e outras instalações na altura conveniente para uma pessoa que usa cadeiras de roda. Assim, o quarto era bastante inadequado para um cego, que não encontraria ali as instalações onde deveriam estar! Evidentemente, apenas usar o termo acesso universal é simplifi car em demasia o conceito.

Entretanto, adaptar os ambientes às pessoas com defi ciências estimulou a capaci-dade de benefi ciar a todos, usando-se diferentes sistemas de acesso e acessibilidade. Por exemplo, um conceito denominado projeto universal está sendo elaborado pelos arquitetos, cujo objetivo é remodelar e construir casas a fi m de que sejam acessíveis a todos (Leibrock e Terry, 1999). As maçanetas das portas são mais fáceis de serem manejadas por pessoas cujos braços estão carregados com sacolas, pessoas que sofrem de artrite ou que tenham mobilidade restrita. As pias são desenhadas de forma que as pessoas em cadeira de rodas possam usá-las de forma adequada. As garagens têm pisos gradualmente inclinados para o nível da porta de entrada, eliminando a ne-cessidade de degraus, o que, em termos estéticos, é bonito. Os princípios do projeto universal podem benefi ciar amplamente quase todas as pessoas, e não apenas aquelas com defi ciências.

A seção 504 e a lei ADA atingem também o sistema de educação, mas há algumas variações consideráveis entre elas e a lei IDEA. As primeiras têm uma defi nição mais ampla de defi ciência do que a IDEA em termos de garantia ao direito de adaptação, mesmo daqueles que não necessitam dos serviços de educação especial ou daqueles com idade superior à escolar. Por exemplo, estão sob a responsabilidade da ADA –

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

• Saiba mais so-

bre os testes

denominados

high stakes, no

Capítulo 2.

• Para mais infor-

mações sobre

vida profissional

e realizações

dos adultos com

deficiências vi-

suais, veja as se-

ções “Definição”

e “Transição”,

do Capítulo 11.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Por favor, atente às

várias fotos de bonecas

com deficiências ao lon-

go do texto.

A Barbie® agora tem uma amiga, a

Becky®, a qual serve como modelo para

garotas com defi ciências, de modo similar à

Barbie® para crianças sem defi ciências.

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38 DEBORAH DEUTSCH SMITH

para que possam usufruir de condições adequadas – alunos universitários com necessidades especiais de avaliação (testes sem duração determinada, um responsável para ler as questões pelo aluno, uma versão em Braille do material utilizado) e crianças com défi cits de atenção/hiperatividade que não se qualifi cam para a educação especial.

Assim como a IDEA, a ADA causou polêmica. Por outro lado, muitos indivíduos com defi ciências não acreditam que a lei está sendo implementada ou cumprida (West, 1994). Alguns membros com defi ciências da comunidade estão desapontados, já que ainda não conseguiram encontrar atividades profi ssionais ade-quadas aos seus interesses, ao seu treinamento e às suas habilidades. Além disso, muitos proprietários de pequenas empresas reclamam que a ADA exige adaptações de custo elevado que raras vezes são usadas.

Há divergências sobre o que é, de fato, justo e o que a lei ADA planejou introduzir em quase todas as facetas da vida americana. Por exemplo, uma grande controvérsia cercou Casey Martin, o qual usava um carrinho de golfe durante os eventos profi ssionais deste esporte (Freedman, 15 de junho de 2001). Casey Martin tem um distúrbio circulatório degenerativo, o que constitui uma defi ciência protegida pela ADA, e o uso do carrinho de golfe (que não é permitido em torneios) é considerado uma adaptação que permite a participação de Martin. Contudo, outros competidores profi ssionais e a própria associação profi ssional de golfe diz que o uso desse meio de lomoção dá a Martin uma vantagem desleal. O Supremo Tribunal americano defi niu que o uso do carrinho de golfe por Martin era uma adaptação razoável, necessária à sua participação.

Por que o tribunal tinha uma interpretação e uma defi nição suplementares para a IDEA?

Embora o Congresso acreditasse deixar claras as suas intenções em relação às garantias educacionais que acreditava serem necessárias às crianças com defi ciências, a linguagem legal não é perfeita. É papel do tribunal elucidar as leis aprovadas pelo congresso e implementadas pela administração (a implementação da lei IDEA é de responsabilidade do U.S. Department of Education). Desde 1975, quando a PL 94-142 (IDEA) tornou-se lei, uma pequena porcentagem dos benefi ciados estava envolvida em processos relativos ao reconhecimento de crianças com defi ciências, às avaliações, às instituições educacionais e à oferta de uma educação gratuita apropriada. Muitos deles são resolvidos em procedimentos de juiz singular (com

inquirição direta de testemunhas).Porém, alguns processos devem ser resolvidos nos tribunais – um pequeno

número deles no Supremo Tribunal dos Estados Unidos. Por meio de litígio, muitas questões divergentes sobre a educação especial estão sendo encaminha-das e esclarecidas. As ramifi cações das decisões dos tribunais de última instância podem ser signifi cativas. Vamos analisar um exemplo recente de uma decisão do Supremo Tribunal referente a um aluno com defi ciências e à obrigação de a escola manter uma creche com atendimento individualizado para cada criança enquanto lá matriculada. Garret F. tinha uma paralisia resultante de um acidente de motocicleta sofrido aos 4 anos. Ele necessitava de um ventilador elétrico (ou de alguém que, manualmente, pudesse encher uma bolsa de ar) para continuar respirando e permanecer vivo. Quando Garret estava no ensino médio, sua mãe pediu que a escola assumisse as despesas dos seus cuidados no período em que nela estivesse. O município recusou a solicitação. Muitos diretores de escolas municipais acreditavam que o fornecimento de “serviços complexos de saúde” para os alunos não era um serviço correlato (conseqüentemente, não era respon-sabilidade do município), mas, em vez disso, um serviço médico (excluído dos regulamentos da IDEA). Em outras palavras, por toda a América, os municípios tinham interpretado a lei IDEA e seus regulamentos de tal maneira que as es-colas não eram responsáveis pelas despesas dos serviços de saúde. O Supremo Tribunal, contudo, discordou da decisão e interpretou a lei IDEA de outra forma. A justiça decidiu que, se não é necessário um médico para fornecer os serviços de saúde, mas o serviço é necessário para manter os alunos em um programa educacional, então, é obrigação da escola oferecer o “serviço correlato”. As im-plicações da decisão são enormes (Katsiyannis e Yell, 2000), não só porque os custos com funcionários especializados são altos – normalmente de US$ 20.000 a US$ 40.000 por escola por ano – como também porque aumenta a responsa-bilidade das instituições de ensino. Com a sobrecarga da folha de pagamento devido às remunerações do Plano de educação individualizada (PEI), os custos administrativos para o aumento da equipe e as complicações advindas da pre-sença de um outro adulto na sala de aula tornaram a IDEA ainda mais impopular entre muitos educadores.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Para saber mais so-

bre o projeto universal e

outros tipos de adapta-

ções, veja o Capítulo 9.

Sob controvérsias, Casey Martin anda em um car-

rinho de golfe seguido por seu auxiliar durante o torneio

Bob Hope Chrysler Classic no Indian Wells Country Club,

na Califórnia. Martin pode locomover-se com o carrinho

em vez de caminhar pelo trajeto, pois, conforme a lei

ADA, o veículo é uma adaptação para a sua defi ciência.

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INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL 39

Quem intercede pelas crianças e pelos adultos com defi ciências?Pais e membros das famílias de pessoas com defi ciência, profi ssionais da educação especial e indiví-

duos com defi ciências – de modo geral, aqueles que lutam para que os seus direitos sejam protegidos e para que os serviços necessários sejam oferecidos. Leis e processos dos quais você teve notícias eram, em parte, estimulados pelos esforços da defesa organizada. No começo do século XX, a tarefa de elevar a cons-cientização dos americanos sobre os problemas enfrentados por pessoas com defi ciências era inicialmente das organizações profi ssionais, mas, ao fi nal do século, portadores de defi ciências começaram a falar em seu próprio favor. Vamos saber um pouco dessa história para entender um aspecto importante do movi-mento americano em defesa das pessoas com defi ciência.

Em 1922, foi fundado o Council for the Education of Exceptional Children (CEC – Conselho para Edu-cação das Crianças Excepcionais) (Aiello, 1976), na época em que membros de uma turma de educação especial do curso de verão, ministrado na Faculdade de Educação da Universidade de Columbia, decidiram promover encontros anuais com o objetivo de discutir idéias sobre educação especial. A professora Elizabe-th Farrel tornou-se a primeira presidente do grupo. O número de envolvidos cresceu, e hoje, com cerca de 61 mil membros, o CEC é a maior organização de profi ssionais da educação especial nos Estados Unidos Por outro lado, o CEC não foi a única organização preocupada com pessoas com defi ciências: The American Speech-Language-Hearing Association (ASHA) foi estabelecida em 1935 e tem cerca de 85 mil profi ssio-nais associados; a American Occupational Therapy Association (AOTA), a National Association of Social Workers (NASW) e a American Physical Therapy Association (APTA) são instrumentos de proteção ao direi-to de disponibilidade de serviços correlatos para todos os estudantes com defi ciências que deles precisam.

Voluntários e organizações de pais uniram-se depois da Segunda Guerra Mundial na luta pela provi-são de serviços educacionais para alunos com defi ciências nas escolas públicas. A ARC (anteriormente The Association for Retarded Citizens of the United States), fundada em 1950 com o nome de The National Association of Parents and Friends of Mentally Retarded Children, engajou-se na busca dos direitos para ter serviços educacionais especiais fornecidos no sistema público de educação para todos os alunos com defi ciências. Outros grupos infl uentes eram The United Cerebral Palsy Associations Inc. (UCP), de 1949; The National Society for Autistic Children, fundada em 1961; The Learning Disability Association of Ame-rica (LDA), fundada em 1963 como The Association for Children with Learning Disabilities, e The Epilepsy Foundation of America, a qual fl oresceu fora dos primeiros grupos fechados de epilepsia em 1968. A força e a importância dessas entidades de pais engajados devem ser reconhecidas e aplaudidas. Continua sendo a força do movimento dos pais que conquistam avanços em termos de leis federais. Os pais solicitam, com sucesso, fundos estaduais e federais e são como “cães de guarda” nos locais onde há programas implemen-tados, assegurando, assim, que o aluno com defi ciência tenha acesso a uma educação pública adequada e gratuita.

Pessoas com defi ciências também formaram seus próprios grupos de defesa, os quais, de fato, orga-nizaram-se no fi m dos anos de 1980 e no início da década seguinte. A primeira fase foi uma averiguação dos direitos civis; a segunda, focalizou o desenvolvimento de uma cultura da defi ciência (Longmore, 1995; Treanor, 1993). Ed Roberts, fundador do World Institute on Disability, tinha uma defi ciência e foi catalisador na organização de pessoas com defi ciências para exigir leis e cumprimento dos direitos civis básicos na sociedade americana. Justin Dart organizou pessoas com defi ciências por todo o país e usou suas infl uências na comunidade empresarial para assegurar a última aprovação da lei ADA. Em razão de todos esses esforços, formou-se o National Council on Disability, o qual se reporta diretamente ao presi-dente dos Estados Unidos e ao congresso, assegurando que os direitos das pessoas com defi ciências sejam protegidos. Na atualidade, pais, profi ssionais e pessoas com defi ciências formam grupos de forte infl uência e organizações de ações políticas que lutam para melhorar as oportunidades disponíveis a todos os indi-víduos com defi ciências.

Que princípios básicos orientam a educação especial e os esforços de defesa das defi ciências?

A normalização é um dos princípios formadores que guiam os esforços de defesa. É um dimensiona-mento necessário da educação especial e um conceito orientador para adultos com defi ciências. Ainda que o conceito tenha sido sugerido em 1959 pelo Bank-Mikkelsen of Denmark (Biklen, 1985), a palavra foi consagrada pelo sueco Bengt Nirje (1969, 1976), o qual, em companhia de Wolf Wolfensberger, enco-rajou os Estados Unidos a incorporá-lo em serviços para pessoas com defi ciências (Wolfensberger, 1972, 1995). De acordo com Nirje (1985, p. 67, grifado no original), normalização signifi ca “tornar disponíveis a todas as pessoas com defi ciências ou com outras incapacidades, padrões de vida e condições do dia-a-dia que sejam o mais próximos possível, ou até iguais, às circunstâncias normais e formas de vida na so-ciedade”. O princípio da normalização aplica-se a todos os aspectos da rotina de um aluno. Nirje referiu-se a um conjunto de exemplos da vida normal: o ritmo diário normal, o ritmo semanal normal, o ritmo anual

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

As histórias de Ed

Roberts e Justin Dart

estão no Capítulo 9.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Normalização e sua

evolução são discutidas

no Capítulo 6.

Techbooks Editoracao Eletronica - May 14, 2008 10:46:55

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40 DEBORAH DEUTSCH SMITH

normal e o desenvolvimento normal de um ciclo vital. Até os anos de 1970, muitas tarefas rotineiras nas instituições – por exemplo, conduzir os indivíduos com defi ciências graves, trabalhar na terra ou na lavan-deria – eram realizadas pelos internos com defi ciências leves e moderadas. Como havia uma forte crença de que as pessoas com defi ciências poderiam contaminar a população “normal”, muitos passaram toda a sua vida em instituições isoladas da sociedade. Com os princípios de normalização e com os esforços de defesa, os confl itos de convivência nas instituições resultaram na transferência de muitos deles, inclusive aqueles com defi ciências graves, para grupos comunitários, respondendo às questões sobre onde e como eles vivem (Johnson, 1998). Em sua opinião, que responsabilidades os americanos deveriam ter com crianças e adul-tos com defi ciências? Para tanto, não se esqueça do princípio de normalização.

A EDUCAÇÃO ESPECIAL ATUALA educação especial é um conceito envolvente, o qual tem sido descrito, defi nido e explicado de

muitas formas. Essas diferentes percepções sobre o que é a educação especial nasceram das experiências e das orientações de diversas pessoas. Ela deve ser entendida como uma lista de passos para serviços e resultados cada vez mais adequados aos estudantes com defi ciências.

O que é a educação especial?Um dos modos pelos quais a educação especial é defi nida diz respeito a professores que se dedicam

a esta área. Contudo, como você pode perceber por meio das histórias sobre quem seria um “professor ideal”, as percepções do papel do educador mudaram com o tempo. A educação especial podia também ser defi nida como um serviço ou como parte do apoio ao sistema educacional, na qual haveria consultas a outros profi ssionais, orientações e colaboração àqueles que também lecionam e trabalham para alunos com defi ciência. Assim como nós encontramos respostas para muitas das questões que estamos investigan-do há muito tempo, a educação especial tem diferentes signifi cados, dependendo do profi ssional a que se referir. Vamos analisar outras de suas defi nições.

Os membros do Congresso explicaram o que entenderam por educação especial quando aprovaram a lei Individuals with Disabilities Education Act, de 1975, pela primeira vez:

Esta é a proposta deste capítulo: assegurar que todas as crianças com defi ciências tenham dis-poníveis (...) uma educação pública adequada e gratuita que valorize a educação especial e os servi-ços correlatos, designada a atender às suas necessidades únicas, assegurando, assim, que os direitos das crianças com defi ciências e de seus pais ou responsáveis sejam protegidos; apoiar os Estados e as localidades para que ofereçam a educação para crianças com defi ciências, avaliem e assegurem a efi ciência dos esforços para educá-las (Congresso dos Estados Unidos, 20, Seção 1400 [c]).

Nos regulamentos de implementação da IDEA, o departamento de educação dos Estados Unidos de-fi ne que a educação especial é

especifi camente designada à instrução, sem custo para os pais, em atenção às necessidades particu-lares de uma criança com defi ciência, incluindo instrução monitorada na sala de aula, em casa, nos hospitais, em instituições e em outros lugares, além da instrução na educação física. (1999, p.12425)

Tais orientações possuem três características defi nidas da educação especial. Dois componentes im-portantes para todos os alunos com defi ciências são a educação pública adequada e gratuita (EPAG)

No ano de 1891, o superintendente de uma escola-residência

descreveu o professor perfeito para a educação especial. Ele insistiu

que os professores fossem de “temperamento doce”:

A professora ideal é bem-educada, refi nada, completa-

mente interessada em seus alunos e tem uma paixão cres-

cente pelo seu trabalho.

Ela é original, esforça-se para introduzir novos e brilhan-

tes métodos, mas não passa rapidamente de um assunto a

outro antes de a criança ter compreendido o primeiro. Ela é

paciente, mas enérgica, de temperamento doce, mas persis-

tente, e, para prestigiar a sua educação e o seu caráter, adi-

ciona o charme da elegância pessoal e das maneiras atrativas.

Possui naturalmente um senso religioso bem desenvolvido que

melhor se expressa no auto-sacrifício, na consciência e no

instinto de bondade. (Isaac N. Kerlin, Manual of Elwyn, 1891,

citado em Nazzaro, 1977, p.11)

A EDUCAÇÃO ESPECIAL EM 1891: DEFINIÇÃO DOS PROFESSORES DA ÁREA

Techbooks Editoracao Eletronica - May 2, 2008 16:52:29

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INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL 41

e ambiente menos restritivo (AMR). Isso quer dizer que os alunos com defi ciências devem ser educados sem custo adicional para suas famílias e que sua educação deve ser feita em ambientes o menos restritivos possível, onde eles tenham acesso ao currículo da educação regular e contato com modelos de colegas de classe que se desenvolvem normalmente. Para determinar qual tipo de educação é apropriada para cada aluno e onde tais serviços devem ser oferecidos, é preciso aplicar o terceiro princípio: um programa edu-cacional com plano de ação individual.

EPAG, AMR e programas com plano de ação individual afetam o currículo e a intervenção educacio-nal. Essas características somam-se à polêmica e à confusão a respeito da educação especial. Ponderando os princípios da EPAG e do AMR, que atribuem um signifi cado singular aos alunos com defi ciências graves, as questões aumentam quando se trata de avaliar se é mais importante a inclusão deles em salas de aula da educação regular ou a sua participação na comunidade (Dymond e Orelove, 2001). A tensão, nesse caso, dá-se entre aqueles que acreditam que para a criança são mais importantes os benefícios das habilidades sociais e o contato com modelos fornecidos pelos colegas sem defi ciências do que o aprendi-zado de habilidades funcionais (por exemplo, as habilidades para o trabalho em situações reais da vida profi ssional). Como os preceitos da IDEA apontam para o currículo da educação regular, deve o currículo da educação especial omitir o primeiro se os alunos podem se benefi ciar desses contextos tendo ou não idades adequadas?

Outro caminho para formular um conceito sobre educação especial é observar a grande variedade de serviços que ela oferece às crianças com defi ciências e às famílias. Espera-se que a educação especial seja individualizada e propicie um ensino ajustado a cada criança com necessidades especiais. Os programas devem ter também altas expectativas que conduzam a resultados consideráveis, alcançados pelos alunos com defi ciências. A educação especial inclui instrução direta na sala de aula, consultoria e colaboração com o professor da educação regular, coordenação do programa educacional dos alunos e normalização das oportunidades de aprendizagem necessárias para que cada jovem possa se benefi ciar da instrução. Também inclui uma ampla variedade de serviços correlatos, os quais se combinam a fi m de formar equi-pes multidisciplinares designadas a dar conta das necessidades específi cas de cada aluno com defi ciência.

Quem fornece os serviços de educação especial?Os serviços de educação especial são oferecidos aos alunos com defi ciências e às famílias por um

grupo de bons profi ssionais que trabalham com diferentes disciplinas. O maior grupo desses profi ssio-nais é o de professores da educação especial, os quais têm as primeiras responsabilidades de assegurar que os alunos com defi ciências estejam recebendo uma educação apropriada. O segundo maior grupo é o de fonoaudiólogos, que fornecem serviços para corrigir as difi culdades de fala ou de linguagem dos alunos. Outros serviços correlatos são fornecidos por professores de adaptação, especialista de tecnologias de apoio, audiologistas, pessoal de apoio para diagnóstico e avaliação, intérpretes para surdos, terapeutas de família, terapeutas ocupacionais (TOs), especialistas em orientação e mobilida-de, paraprofi ssionais (paraeducadores e professores de apoio), fi sioterapeutas (Fs), psicólogos, tera-peutas de recreação e recreacionistas, conselheiros de reabilitação, conselheiros escolares, enfermeiras escolares, escola de assistentes sociais, supervisores e administradores, especialistas em transporte, professores da educação vocacional e coordenadores de estudo do trabalho.

Como as defi ciências são classifi cadas para a educação especial?Com a necessidade de trabalhar com defi ciências no ambiente escolar, o governo americano elegeu

um padrão categórico para defi ni-las e para averiguar a necessidade de uma criança de recorrer aos serviços especiais. (U.S. Department of Education, 1999). Embora muitos estados usem termos um pouco diferentes daqueles usados pelo governo federal, as semelhanças são claras (Müller e Linehan, julho de 2001). Entre as 13 categorias de defi ciências defi nidas na lei IDEA, há muitas condições adicionais. Por exemplo, o transtorno do défi cit de atenção o hiperatividade (TDAH) faz parte da categoria “outros danos de saúde”. Aqui – usando a terminologia do governo federal – estão as 13 principais categorias da educa-ção especial apontadas pela IDEA:

Autismo Impedimentos ortopédicosSurdocegueira Outros danos de saúdeSurdez Distúrbios de aprendizagem específi cosTranstornos emocionais Distúrbios da comunicaçãoDefi ciência auditiva Traumatismo cranioencefálicoRetardo mental Defi ciência visualDefi ciências múltiplas

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Mais informações

sobre EPAG e AMR são

encontradas no Capí-

tulo 2.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Mais informações

sobre educação especial

e a educação individuali-

zada são encontradas no

Capítulo 2.

Techbooks Editoracao Eletronica - May 2, 2008 16:52:30

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42 DEBORAH DEUTSCH SMITH

Quais são as cláusulas fundamentais da educação especial?A educação especial pode também ser defi nida a partir de oito cláusulas fundamentais destacadas na

lei IDEA, as quais são listadas aqui. As duas mais polêmicas são explicadas nos quadros 1.1 e 1.2.

• Educação pública adequada e gratuita (EPAG).• Direitos dos pais de terem informações sobre decisões de avaliação e encaminhamento, incluindo

os direito de testemunhas no processo, em caso de divergências.• Serviços de educação individualizada para todas as crianças com defi ciências.• Fornecimento de serviços correlatos necessários.• Avaliações individualizadas.• Planos do Programa de educação individualizada (PEI).• Amplo acesso à educação em ambiente o menos restritivo possível.• Assistência federal às escolas estaduais e municipais que naturalmente reduzem custos da educa-

ção especial.

OPORTUNIDADES PARA UM SÉCULO XXI MELHOR

Ainda que haja muito trabalho a ser feito em favor das pessoas com defi ciências para sua com-pleta participação nas escolas e na sociedade ame-ricana, já houve um progresso considerável. Muitos sinais de uma nova era já estão visíveis. Um deles, por exemplo, é a determinação de que estudos das defi ciências sejam um objeto imprescindível de muitas faculdades e universidades. Igual aos estu-dos relativos às mulheres, aos povos latinos e à raça negra, este proeminente tema representa uma pes-quisa interdisciplinar da história e da cultura de um grupo de pessoas. Paul Longmore, um pioneiro no movimento de defesa da defi ciência, fundou o Ins-titute on Disabilities at San Francisco State Univer-sity (Longmore, 2002). Na sua visão, os portadores de defi ciências sofrem preconceitos institucionais e discriminação. Os cursos que focalizam a história

das pessoas com defi ciências, as questões contidas na lei ADA e as intenções do Congresso sobre seus direi-tos informarão melhor a sociedade acerca das questões e das políticas sociais que precisam ser adotadas. Outras universidades, como a Syracuse University e a University of Illinois – Chicago, oferecem cursos de graduação em estudos sobre defi ciências (Mitchell, 2002). Além disso, outros programas estão disponí-veis. Uma atitude interessante e pertinente é que alguém deve estar na posição de defi ciente para ser visto como um especialista no campo dos estudos sobre defi ciências (Cassuto, 1999).

A sociedade está mais sensível às pessoas com defi ciências e às suas necessidades?

Talvez a sociedade, estimu-lada pelas políticas nacionais, reflita atualmente um modo de entendimento mais sensí-vel com respeito às referências sobre o grupo minoritário que inclui crianças e adultos com defi ciências. Essas pessoas são membros visíveis das comuni-dades, uma realidade muito di-ferente daquela que prevaleceu em torno da década de 1950,

Quadro 1.2 O que diz a IDEA

Educação Pública Adequada e Gratuita (EPAG)■ Ser baseada na identifi cação da educação especial e na necessida-

de de serviços correlatos.

■ Garantir aos pais que os serviços de educação especial não trarão

nenhum custo para eles.

■ Determinar as necessidades específi cas conforme as características

individuais de cada criança em vez de fazê-lo segundo o que diz a

categoria de educação especial em que ela for enquadrada.

■ Assegurar que não haverá atrasos na implementação do plano edu-

cacional individualizado, uma vez que ele já tenha sido desenvolvido.

Quadro 1.1 O que diz a IDEA

Ambiente Menos Restritivo (AMR)

■ Oferta do máximo de liberdade possível para que as crianças com defi -

ciências possam ser educadas com seus colegas sem defi ciências.

■ Garantia de continuidade de arranjos alternativos.

■ Oferta de serviços suplementares (sala de recursos ou instruções itineran-

tes) em conjunto com a educação regular.

■ Programa individualmente planejado, assim como suas bases para avaliação.

■ Avaliação, no mínimo, anual.

■ Programa baseado no plano de educação individualizada da criança.

■ Ambiente tão seguro como se fosse o lar da criança e, sempre que possí-

vel, na escola do bairro onde a criança reside.

Techbooks Editoracao Eletronica - May 2, 2008 16:52:30

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INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL 43

quando foram feitos grandes esforços para esconder do público o uso de mu-letas e de cadeira de rodas pelo presi-dente Franklin D. Roosevelt (Gallagher, 1994). A nova estátua deste presidente demonstra mudanças nas atitudes em relação às defi ciências e às pessoas com defi ciências.

As pessoas com defi ciências ex-pressam fortes sentimentos sobre pa-lavras e expressões utilizadas para descrevê-las. A linguagem refl ete mu-danças nos conceitos e nas crenças. O que é socialmente aceitável em um certo ponto da história pode ser visto como engraçado ou ofensivo em outra época. Por exemplo, no início do século XX, termos como imbecil, abobado, retardado mental eram usados com freqüência, e não eram ofensivos. Outras referências que hoje achamos cruéis vêm e vão. Em muitos casos, elas não eram originalmente tidas como uma ofensa, mas acabaram ganhando co-notações negativas. Como um resultado da luta da sociedade, pessoas com defi ciências e suas famílias têm infl uenciado a linguagem que usamos para nos referir a elas. Esse aspecto é muito relevante para as pessoas com defi ciências, pois as palavras carregam uma mensagem a nosso respeito. Embora mui-tos de nós tentamos ser politicamente corretos o tempo todo, às vezes usamos linguagem ofensiva. O modo de falar preferido pelas pessoas com defi ciências pode ser confuso, porque grupos e indivíduos têm preferências diferentes. Mesmo que haja algumas exceções (sobretudo para surdos), existem duas regras básicas a serem seguidas:

1. Coloque a pessoa em primeiro lugar. 2. Não confunda a pessoa com a defi ciência.

Portanto, à luz dessas regras, é apropriado dizer: “alunos com retardo mental”, “indivíduos que têm distúrbios de aprendizagem”. Dois grupos de indivíduos com defi ciências preferem uma descrição diferen-te: os surdos (que preferem tal termo como um refl exo de sua herança e de sua cultura) e os cegos, que fazem parte das exceções encontradas na terminologia aceitável das defi ciências. Você pode encontrar exemplos na Figura 1.2 (Fale e Não Fale) para o uso da linguagem relativa à defi ciência e suas exceções – pelo menos nos dias de hoje. Lembre-se, contudo, de que nem todos os membros de um grupo concordam unanimemente em todas as questões; algumas pessoas com defi ciências podem discordar das regras de linguagem descritas. E as regras certamente mudarão com o passar do tempo. Não se esqueça de que é responsabilidade de todos fi car atentos a isso.

Outra forma de mensurar e avaliar como um grupo de pessoas é visto pela sociedade é analisar como ele é retratado em fi lmes, os quais refl etem as atitudes públicas e têm o poder de infl uenciar o modo como as pessoas pensam e interagem com os outros (Safran, 1998, 2000). Podem também perpetuar estereótipos. Os fi lmes produzidos no início do último século raramente representam as pessoas com defi ciências de for-ma positiva; ao contrário, ou eram as vilãs, ou demônios, ou pu-nidas por Deus por intermédio de suas defi ciências, ou recebiam tratamento áspero ou resignado. Outro tema usado foi o milagre da medicina moderna, no qual pessoas com paralisia ou cegueira podiam ser curadas. Comparações de algumas aclamadas obras premiadas deixam claro que a mensagem mudou. Durante um século de fi lmes como Frankenstein (1931), Os melhores anos de nossas vidas, (1946), Meu pé esquerdo (1989), Shine (1996), Ga-rota interrompida (1999), Uma mente brilhante (2001), nota-se que nem todos os roteiros a respeito de defi ciências, encontrados na fi lmografi a ao longo dos anos, são negativos, e alguns fi lmes esforçam-se para oferecer representações reais de como é a vida de muitas pessoas com defi ciências.

Apesar de importantes mudanças na retratação e da inclusão na sociedade, o estigma e os preconceitos levarão muito tempo para serem eliminados. Portadores de defi ciências e observadores

Durante o mandato presidencial de Franklin Roosevelt, sua defi ciência foi escondida do público. No entan-

to, os tempos mudaram e a sua nova estátua, em Washington, DC, apresenta-o e em uma cadeira de rodas.

O produtor Walter Brock e Arthur Campbell Jr. discutem o impacto de

seu fi lme, “If I Can’t Do It”, que fez parte da PBS série P.O.V. O fi lme represen-

ta tanto a busca de Brock por independência como a história do movimento

de direitos das pessoas com defi ciências antes e depois da aprovação da lei

Americans with Disabilities Act.

Techbooks Editoracao Eletronica - May 2, 2008 16:52:31

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44 DEBORAH DEUTSCH SMITH

da sociedade em todo o mundo concordam com Kitchin (1998, p. 343) quando ele diz que as “pessoas com defi ciências são marginalizadas e excluídas da vida social (...) Pessoas com defi ciências representam um dos grupos mais pobres na sociedade ocidental”. Defi nitivamente o número alarmante de pessoas com defi ciências que saem da escola e estão desempregadas ou subempregadas é muito maior do que o número de pessoas sem defi ciências, além de que enfrentam discriminação no local de trabalho e na comunidade (U.S. Department of Education, 2001). Pense novamente nos adultos com doença mental nos Estados Unidos que não têm lar e estão nas ruas porque as mudanças nas políticas públicas os fi zeram vulneráveis à negligência.

O clima de defesa de seus direitos, a atmosfera de sensibilidade e o conhecimento de que as pessoas com defi ciências, as quais formam um grupo minoritário, têm que lutar por seus lugares na sociedade americana agora devem estar claros. Porém, para alcançar um nível maior de participação e de reconheci-mento, as pessoas com defi ciências precisam de preparação para tais responsabilidades, as quais começam na escola com a educação adequada. Então, voltemos nossa atenção ao foco do livro: as oportunidades educacionais especiais disponíveis para os alunos com defi ciências.

FaleExceçõesExpressões descritivas quepodem “preceder apessoa” Pessoas Qualificadores

Cultural elingüisticamentediversos

alunos com...alunos que têm...indivíduo com...indivíduo que tem...crianças com...jovem com...bebês com...adultos com...

deficiênciaretardo mentaldistúrbios de aprendizagemdistúrbios da faladeficiência da linguagemdistúrbios emocionais ou de comportamentoparalisia cerebraldeficiência físicadeficiência auditivadeficiência visual

Pesso

a ou Pessoas

Pesso

a ou Pessoas

que temcom

ExceçõesPalavras descritivasque podem serusadas sozinhas Pessoas Qualificadores

cego

surdo

pessoasbebêsalunosjovemindivíduoso surdoo cego

que enfrentam desafios físicosque usam cadeira de rodasque são cegosque têm baixa visãoque são surdosque têm dificuldades de audição

que têm

adeficiência

cego

surdo

expressãoqualificadoraque reflete adeficiência

que

Figura 1.2 Faça Certo.Duas orientações importantes assegurarão adequação e sensibilidade. A primeira é colocar a pessoa em primeiro lugar – dizer, por exemplo, “crianças com defi ciências”, e não “defi cientes”. A segunda orientação é não se re-ferir às pessoas como se suas defi ciências as defi nissem – evitar, por exemplo, dizer “o defi ciente” (as palavras e expressões na coluna “Fale” são exceções a estas orien-tações).

Não Fale

Adjetivos Artigo ou

Substantivos Pessoas

O, A aleijado(a)deficiente(a)perturbado(a)incapacitado(a)deficiente auditivo(a)deficiente da aprendizagemretardado(a) mentaldependente de cadeiras de rodas

alunos indivíduos crianças jovens bebês adultos

Não useexpressõescomo

“O deficiente”

ou

“Pessoas deficientes”

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Nas seções “Re-

cursos Suplementares”

ao final dos Capítulos

de 3 a 13, há uma lista

de filmes que incluem

pessoas com deficiência

como personagens cen-

trais, os quais oferecem

exemplos de diferentes

perspectivas e represen-

tações destes indivíduos

na sociedade.

Techbooks Editoracao Eletronica - May 2, 2008 16:52:32

Page 20: Legado S SMITH Deborah Deutsch Introducao a Educacao Especial 5Ed Liberado Cap 01

INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL 45

Por que a educação especial tornou-se polêmica?É impossível ignorar o fato de que a educação especial é polêmica no mundo inteiro (Horn e Tynan,

2001; Rouse e Florian, 2001). As críticas vieram de todos os setores da sociedade. Ela, que anteriormente foi tão aclamada, aparece agora em decadência. Eis alguns exemplos:

A educação é um investimento(...) Sendo assim, e eu acredito que seja, pois faz sentido, por que milhões de dólares de nosso dinheiro destinado a impostos seriam gastos tentando educar pessoas que nunca usarão a aprendizagem para nada?...Bem, perdoem-me, mas, se tivessem dinheiro para in-vestir, estas mesmas pessoas colocariam o dinheiro em uma conta que não renderia um centavo e, de fato, custaria a elas milhões de dólares apenas para mantê-la? (Gatley, 30 de abril 2001, p. 14A)

Kudos, comentando a carta de Pat Gatley sobre crianças com necessidades especiais, disse muito bem o que muitos de nós gostaríamos de dizer. (Lannon, 2 de maio de 2001)

Por muito tempo, muitos políticos, legisladores e outros envolvidos com a IDEA(...) considera-ram um tabu discutir programas e desafi os. Naquele momento parecia que a discussão sobre algu-ma coisa menor que o louvor imaculado da IDEA constituísse uma hostilidade aos seus objetivos ou, pior, às crianças com necessidades especiais. Dessa maneira, a IDEA vem para ser vista como uma “terceira via” na política de educação. (Finn, Rotherhan e Hokanson, 2001)

Mesmo que a educação não seja mais negada a nenhuma criança e os resultados dos alunos com defi ciências tenham melhorado signifi cativamente desde os primeiros tempos, as reclamações sobre a educação especial, sobre seus custos e sobre suas práticas continuam presentes na imprensa, em conversas informais com o público e no congresso (Gotsch, 19 de dezembro de 2001). A educação especial é censu-rada por muitos problemas encontrados na escola pública.

De fato, sentimentos razoavelmente recentes, mas esmagadoramente negativos, sobre a educação es-pecial afetaram por muito tempo a sociedade americana, sendo uma das importantes heranças do século XX. Eis algumas das principais preocupações e questões que devem ser solucionadas.

Muitos estão preocupados com o fato de a educação especial

• ser inefi caz e desnecessária;• ser discriminatória;• segregar os alunos com defi ciência do convívio com outros alunos sem defi ciências;• incluir muitos alunos;• ser onerosa, elevando o orçamento das escolas estaduais e municipais;• sobrecarregar os profi ssionais da escola quando os alunos com comportamentos difíceis ou violen-

tos são a eles encaminhados.

Analisemos brevemente tais pontos para formar conceitos que possam conduzir a soluções efi cazes.

• Preocupação: A educação especial é inefi caz e desnecessária? Os debates sobre a efi cácia da educação especial são freqüentemente emocionais e irracionais. Há uma grande confusão a respeito dos critérios que devem ser aplicados para mensurá-la. Os objetivos para a educação especial são suben-tendidos, e não-específi cos. Muitos legisladores, educadores e pais também parecem confusos com suas expectativas para a educação especial. Acreditam que ela é efi caz apenas se “cura” ou “controla” a defi -ciência (Lovitt e Cushing, 1999). Se isso altera o critério que mensura a efi cácia dos serviços da educação especial, então é válido analisar os dados de progressão gradual dos alunos com defi ciência, os quais são obscuros. Embora os núme-ros estejam evoluindo, somente 57% dos alunos com defi ciências atualmente deixam o sistema educacional com um diploma-padrão do ensino médio, comparados aos 83% de alunos sem defi ciências (U.S. Department of Education, 2001; Young, 2002). Os dados va-riam de modo considerável, dependendo da categoria da defi ciên-cia em que se encontram (por exemplo, 75% dos alunos apresentam defi ciências visuais, 63% défi cits de aprendizagem, 47% autismo e 42% defi ciência mental).

É importante lembrar que a lei No Child Left Behind, de 2001, exige que, com o tempo, todas as crianças tornem-se profi cientes em leitura e matemática. Mesmo que 5% dos alunos possam ser dis-pensados da avaliação do estado ou distrito, este objetivo ambicioso não seria uma expectativa exagerada para a educação especial, re-sultando no julgamento já conhecido de inefi cácia? A atitude rela-cionada de minimizar o impacto da defi ciência leva ao argumento de que o “bom ensino” e as “altas expectativas” que operam em salas de aula de ensino regular podem sozinhos satisfazer as neces-

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Como um exer-

cício para a solução de

problemas, veja a seção

“Oportunidades para

um Futuro Melhor”, no

Capítulo 2.

Programas como o A.B.L.E. de Nashville, no Easter Seals, ajuda os

jovens com defi ciência a iniciar uma rotina exemplar, com exercícios e ativi-

dades recreativas que devem fazer parte da vida de todas as crianças.

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46 DEBORAH DEUTSCH SMITH

sidades dos alunos com defi ciência. Outros, contudo, reconhecem que os professores da educação especial trabalham com alunos que são “difíceis de ensinar”, e que apresentam alguns dos mais sérios desafi os do sistema educacional, ainda que os objetivos de seus esforços não sejam claramente articulados. Por exem-plo, alguns especialistas acreditam que os professores do ensino regular são obrigados a lidar com muitos alunos excessivamente diferentes em sua forma de aprendizagem, em particular com aqueles que têm distúrbios emocionais ou comportamentais (White et al., 2001). Mesmo assim, existem evidências reais de que, a longo prazo, os efeitos da educação de alunos com defi ciência são positivos (Hehir, 1996).

• Preocupação: A educação especial é discriminatória? Uma crença comum e muito preocupante é a de que muitos alunos ofi cialmente não considerados “brancos” são encaminhados para os programas de educação especial (Artiles, Aguirre-Munõza e Abedi, 1998; ERIC Clearinghouse on Disabilities and Gifted Education, 2001; Oswald et al., 1999; Townsend, 2000; Townsend e Patton, 2001). Isso vai ao encontro da crença de que a educação especial é equivalente a um ensino de baixa qualidade, cujo objetivo é excluir crianças do ensino regular e renovar um ciclo de pobreza (Ewing, 2001). É fato que alunos de outras raças fazem parte da porcentagem que utiliza a educação especial, excedendo suas proporções na comunidade es-colar. Há muitas explicações diferentes para essa representatividade desproporcional (comportamento difícil e baixo rendimento escolar) indicadas na documentação desses jovens. Supõe-se que tais acontecimentos são mais freqüentes nas classes pobres (que não têm acesso aos cuidados de saúde): casos de racismo institu-cional, professores brancos que têm pouco entendimento ou pouca tolerância com o comportamento e com a cultura dos alunos, etc. (Cartledge, Tillman e Johnson, 2001; MacMillan, Gresham e Bocian, 1998; Patton, 1998; Reschly, 1997; Williams, 2001). Assim, para alguns educadores, a educação especial é proposta aos alunos que não alcançam o sucesso do ensino regular, oferecendo-se a eles a assistência e o apoio adicional de que necessitam. Para outros, a educação especial é um meio de remover os alunos indesejáveis e de com-portamento difícil das salas de aula do ensino regular. Há ainda outros que a percebem como uma sentença para o baixo rendimento e para um currículo pobre, resultando em uma vida com poucas oportunidades.

• Preocupação: A educação especial segrega os alunos com defi ciência do convívio com colegas sem defi ciência? Não há dúvida de que esta questão foi um problema histórico; para muitos, continua a ser um problema ainda hoje (Danforth e Rhodes, 1997; Gardner e Lipsky, 1987). Quando a educação especial come-çou, os poucos serviços disponíveis eram oferecidos primeiramente em ambientes segregados. Algumas vezes, estes serviços eram oferecidos em escolas especiais dentro da escola do distrito, mas, muito freqüentemente, também oferecidos em escolas-residências, as quais, em muitos casos, tornaram-se instituições abomináveis, geografi camente isoladas em áreas rurais do estado. Como os programas da escola pública tornaram-se pron-tamente disponíveis e os direcionamentos foram limitados, os alunos com defi ciência, muitas vezes, fi cavam em escolas isoladas ou em salas de aula separadas, distantes das crianças da vizinhança. Os conceitos de ambientes menos restritivos (revisados anteriormente) e educação totalmente inclusiva são orientados pelos princípios de normalização. O resultado é que muitos alunos com defi ciências (por volta de 96%) freqüentam as escolas de suas comunidades e que quase metade recebe mais de 79% da sua educação nas salas de aula do ensino regular (U.S. Department of Education, 2001). A porcentagem de alunos com defi ciência que es-tão sendo incluídos, em sua grande maioria, em escolas regulares, aumentou consistentemente desde 1985, crescendo de 25%, em 1985, para 47%, em 1999. No entanto, para muitos pais e profi ssionais, essa taxa de participação é insufi ciente. Por outro lado, observando as escolas (onde os alunos recebem sua educação) averiguar-se-á que há muita variação, dependendo do apoio para a inclusão total nas salas de aula do ensino regular e para a confi rmação do período integral no núcleo (residencial) das escolas. De um lado está o ar-gumento de que, sendo educados em ambientes com alunos da mesma idade, sem defi ciência, aqueles com defi ciência têm a oportunidade de aprender com seus colegas as habilidades sociais apropriadas à idade. Os núcleos residenciais vão na direção contrária, impossibilitando a oferta de uma educação individualizada, condizente com as obrigações do currículo e com salas de aula do ensino regular (Hockenbury, Kauffman & Hallahan, 1999-2000). Assim, os debates sobre os ambientes institucionais (escolas, residências, etc.) conti-nuam, sobretudo entre os profi ssionais e os legisladores, mas é importante ouvir outras pessoas. Por exemplo, de acordo com a pesquisa de opinião pública do instituto Gallup/Kappan, dois terços (66%) dos america-nos pensam que alunos com problemas de aprendizagem devem estar em salas de aulas separadas (Rose & Gallup, 1998). E muitos (mas nem todos), entre os próprios estudantes, preferem receber educação fora das escolas de ensino regular (Klingner, Vaughn, Schumm et al. 1998; Lovitt, Plavins e Cushing, 1999).

• Preocupação: A educação especial inclui muitos alunos? O número de participantes da educação especial aumentou desde a primeira versão da lei IDEA, em 1975. Enquanto toda a população estudantil americana na última década do século XX aumentou por volta de 14%, a matrícula na educação especial aumentou 30%. Este crescimento é normal? Primeiramente, refl itamos sobre a identifi cação dos alunos com defi ciência. A prevalência é o termo profi ssional usado para referir-se ao número total de casos em um dado período de tempo, mas, para fazer comparações acertadas, é melhor pensar em proporções ou porcentagens de indivíduos em vez de pensar em números absolutos. Quando o Congresso aprovou a lei IDEA em 1975,

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

A alta representa-

tividade de crianças que

oficialmente não são

consideradas “brancas”

nas categorias de de-

ficiências da educação

especial e a baixa repre-

sentatividade na educa-

ção de superdotados são

discutidas nos Capítulos

3, 4, 6, 7 e 8.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Para mais informa-

ções sobre inclusão e

instituições educacionais,

veja

• A seção “Co-

laboração para

a Inclusão” nos

Capítulos 3 a 12.

• As discussões so-

bre EPAG e AMR

no Capítulo 2.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Para uma visão

mais específica da in-

cidência em cada uma

das deficiências, veja as

seções “Prevalência” nos

Capítulos 3 a 12.

Techbooks Editoracao Eletronica - May 2, 2008 16:52:33

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INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL 47

a estimativa era de que a educação especial não atenderia mais que 12% dos escolares. De acordo com o governo federal americano, 5.383.009 de crianças e jovens de 6 a 17 anos são atualmente atendidos nos programas da educação especial (U.S. Department of Education, 2001).

Este total representa um pouco mais que 11% de todas as crianças e de jovens nessa faixa etária. Embora a porcentagem de alunos atendidos pela edu-cação especial esteja abaixo das estimativas iniciais, muitos administradores e legisladores acham que o número é bastante alto (Berman et al., 2001). Os números e as proporções poderão ainda crescer pelas seguintes razões:

• os avanços médicos estão propiciando a sobrevivência de um número maior de crianças com defi ciências leves e graves;

• uma quantidade maior de crianças com defi ciência, anteriormente edu-cadas nas escolas residenciais, tem sido transferida para a escola públi-ca regular;

• um número crescente de pré-escolares com defi ciência cresceram fre-qüentando os programas regulares da escola;

• o aumento de regras e de expectativas para o ensino regular implicará um número maior de falhas escolares

As preocupações a respeito do aumento de estudantes recebendo educação especial poderiam resultar em um baixo limite da porcentagem de estudantes possíveis de ser incluídos ou poderiam criar mais alter-nativas às opções de ensino regular e educação especial existentes.

• Preocupação: A educação especial é muito onerosa, aumentando exageradamente as despesas das escolas estaduais, municipais e distritais? Muitas escolas estaduais e distritais acreditam que os custos para os serviços da educação especial reduzem os fundos disponíveis para os alunos do ensino regular, pois a atual contribuição federal em relação aos gastos da educação especial é insufi ciente. Em 1975, quando a lei IDEA foi aprovada pela primeira vez, o Congresso autorizou o governo federal a pagar até 40% dos fundos extras, os gastos excedentes necessários ao fornecimento dos serviços da educação especial. (Observe que o congresso usou a palavra até na lei original). Por mais que as verbas federais tenham aumentado consideravelmente nos últimos anos, a divisão de custos do governo federal é de apenas de 12% (Chambers, Parrish e Harr, 2002). Muitos administradores de escolas e a mídia acreditam que as verbas para as escolas são injustas (Clayton, 2001). Hoje em dia, os custos com a educação de alu-nos com defi ciência são 1,9 vezes maiores que os custos da educação de um aluno sem defi ciência. Se as adaptações são incluídas, o índice aumenta para 2,08 vezes. Por conseguinte, os Estados Unidos gastam em média duas vezes mais para educar um aluno com defi ciência do que um aluno normal. É claro que as despesas variam de estado para estado; deve-se considerar também a gravidade da defi ciência do aluno. É interessante que essas despesas têm decrescido nos últimos anos em relação às da educação de alunos sem defi ciências: em 1985, os gastos para educar um aluno com defi ciência era 2,28 vezes maior do que os gastos para educar um aluno sem defi ciência.

Por que a educação especial custa mais ? Muitos fatores são causas para o aumento de gastos. Por exemplo, os custos legais oriundos das disputas entre pais e escolas distritais sobre os serviços que as crianças com defi ciência têm direito a receber aumentam as despesas. Os maiores gastos com cuidados de saúde atualmente são obrigações das escolas, porque o Supremo Tribunal determinou que as escolas devem fornecer não só serviços especializados, mas também atendimento de saúde para alunos com pro-blemas graves de saúde (Cedar Rapids School District versus Garret). Esta ação talvez resulte em susceti-bilidade ao aumento de despesas (Katsiyannis e Yell, 2000). O Supremo Tribunal determinou (Wayzata Independent School District no 284 versus AC) que as escolas distritais independentes se responsabilizassem pelo ensino particular de alto custo (Gotsch, 15 de agosto, 2001).

A nação deve avaliar seus investimentos educacionais com todo o corpo discente. É impossível saber se os gastos com alunos com defi ciência realmente reduzem o orçamento disponível para alunos sem defi ciên-cia, mas o que sabemos é que os custos da educação especial têm crescido muito em relação aos do ensino regular (Chambers, Parrish e Harr, 2002). Um estudo feito em Massachusetts ajudou a entender algumas razões para o crescimento de gastos da educação de alunos com defi ciência (Berman et al., 2001). O grande número de alunos com defi ciência de moderadas a graves, cujo custo para educar é maior, indica a primeira razão. Outros fatores incluem gastos para a educação das crianças que são transferidas das instituições para as escolas públicas, escolas particulares caras, deslocamento para instituições fora do município e forneci-mento de serviços médicos aos funcionários. Porém, estamos cientes de que a melhoria na qualidade do en-sino está associada às despesas e ao tamanho reduzido de salas de aula, sobretudo em relação aos alunos de baixa renda e de diferentes origens (Grissmer et al., 1998). Também sabemos que muitos acreditam que as despesas com a educação especial não são interessantes para os alunos sem defi ciência (Finn et al., 2001).

Com o aumento dos custos da educação e das neces-

sidades especiais dos alunos, muitas escolas distritais estão

buscando meios de poupar o seu dinheiro. Uma alternativa

é a redução do número de programas da educação especial,

particularmente os programas das salas de recursos.

NÓS PRECISAMOS ALIVIARO PESO. TALVEZ ALGUÉM AÍATRÁS TENHA QUE DESCER.

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PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO ESPECIAL

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48 DEBORAH DEUTSCH SMITH

• Preocupação: A educação especial torna-se onerosa quando os funcionários de escola têm que lidar com comportamento difícil ou violento de alunos? De acordo com o governo federal norte-americano, a incidência de conduta imprópria grave é três vezes mais alta entre os alunos da educação especial, sendo que 7 de cada 10 destes casos resultam em brigas (U.S. General Accounting Offi ce, 2001). Os administradores públicos, a imprensa e muitos membros do Congresso ainda acham que as crianças com necessidades especiais, em particular aquelas com distúrbios emocionais ou comportamentais, são responsáveis pelo aumento da violência e pelos problemas na escola pública (Perlstein, 11 de julho de 2001). Em que grau os alunos com defi ciência são responsáveis pelo maior número de atos violentos não está claro, ainda que, no momento, a opinião pública coloque boa parte da culpa justamente neles.

Durante a ratifi cação da IDEA, em 1997, muitos líderes do Congresso posicionaram-se contra o fornecimento de apoio da IDEA por ser injusto e desigual. Até então, os alunos com defi ciências não podiam ser expulsos ou afastados da escola ou dos programas educacionais específi cos de educação individualizado, pois suas defi ciências ou seus comportamentos estão relacionados a eles. Com a ra-tifi cação da IDEA em 1997 (veja o resumo no Quadro 1.3), as regras mudaram (U.S. Department of Education, 1999). Embora os alunos com defi ciência – mesmo aqueles com distúrbios emocionais ou comportamentais – possam, a partir disso, ser suspensos ou expulsos, eles devem ter um plano de in-tervenção comportamental (PIC) como parte de seu programa de educação individualizada. Alguns especialistas acreditam que tais procedimentos são complicados e podem, às vezes, ser uma carga que o ensino regular tenha que assumir (Yell, Bradley, Katsiyannis, Rozalski, 2000). Em relação a tais mudanças, muitos congressistas permanecem insatisfeitos com os resultados dos regulamentos disci-plinares e continuam a propor outras leis para equalizar os padrões (Jane West, comunicação pessoal, de agosto de 2002).

Que soluções seriam contundentes e efi cazes para os problemas da educação especial?

Ainda que os indivíduos com defi ciência tenham alcançado grandes progressos, insatisfação e confu-são cercam o esforço de qualifi car a educação especial. Possivelmente, uma resposta única para este impas-se seja que a educação especial deva ser mais responsável por seus resultados e pelos seus integrantes.

A satisfação dos consumidores é necessária para todos os bons negócios, e a comunidade da educação especial deve encontrar meios de ouvir todos os seus integrantes: cidadãos que pagam impostos, educa-dores do ensino regular, administradores de escolas, alunos com defi ciência e suas famílias e ex-alunos (Berman et al., 2001; Kortering e Braziel, 1999; Lovitt e Cushing, 1999). Muitas responsabilidades estão associadas à satisfação do consumidor. Ele deve ser informado sobre os serviços fornecidos, acreditar que estes são valiosos e estão sempre disponíveis, sentindo-se, assim, confi ante de que isso pode fazer a dife-rença. O consumidor deve também acreditar que os custos são justos para todos.

A educação especial deve tornar-se verdadeiramente especial (Finn et al., 2001). Essa opção de educação deve fazer a diferença. As intervenções e as estratégias utilizadas devem ser efi cazes. Os resul-

tados das pesquisas estão disponíveis documentando a força e a efi -ciência de muitas estratégias de intervenção (Hockenbury, Kauffman e Hallahan, 1999-2000). Eis um exemplo. Agora está claro que a quantidade de alunos por sala de aula tem importância: quanto mais alunos (ou a maior carga do professor), menor o rendimento dos alunos em leitura e matemática (Russ, 2001). Independentemente desta afi rmação, a média de professores por aluno na educação es-pecial está aumentando para níveis mais próximos àqueles do ensino regular. Mesmo com o número reduzido de alunos por sala, incluin-do aqueles com defi ciências graves, a média de educação especial professor-aluno cresceu de 15 por 1 para 17 por 1 em apenas quatro anos, enquanto a média do ensino regular é de 18 por 1 (Carlson, Schroll e Klein, 2001).

Os resultados dos alunos crescem muito quando eles são atendi-dos por professores qualifi cados (Smith et al., 2002). Paralelamente ao número de estudantes por sala de aula e às qualidades do professor, intervenções foram desenvolvidas e verifi cadas especifi camente para alunos com defi ciência. No entanto, se a educação especial deve ser especial, os educadores (e os serviços relacionados) têm de fazer uso dela. É necessário evitar métodos sem aprovação. Cientifi camente, as práticas válidas (como aquelas destacadas em “Práticas Aprovadas” ao longo do livro) interferem positivamente nos resultados dos alunos.

Quadro 1.3 O que diz a IDEA

Fornecimento de Apoio e Disciplina

■ As decisões sobre o planejamento podem ser feitas

sem a consulta do comitê dos PEIs dos alunos.

■ Os alunos com defi ciência podem ser afastados da

escola pelo período máximo de 10 dias devido a pe-

quenas infrações disciplinares.

■ As atividades devem recomeçar após o décimo dia.

■ Os alunos com defi ciência podem ser afastados da

escola por mais de 45 dias no caso de infração grave

como envolvimento com drogas ou com armas, sendo

encaminhados para programas ou escolas alternativos.

■ As reuniões do plano de educação individualizada não

são necessárias cada vez que a criança é suspensa.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Questões relaciona-

das à disciplina aparecem

através do texto, mas

veja-as separadamente:

• As seções sobre

o processo PEI,

no Capítulo 2.

• Os quadros

“Alcançar Disci-

plina”, nos Capí-

tulos 3 a 12.

Techbooks Editoracao Eletronica - May 2, 2008 16:52:34

Page 24: Legado S SMITH Deborah Deutsch Introducao a Educacao Especial 5Ed Liberado Cap 01

INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL 49

Com certeza, nem todos os procedimentos associados à educação de alunos com defi ciência são pro-fícuos. Educadores especiais, especialistas em primeira infância, fonoaudiólogos e todos os profi ssionais que trabalham com alunos com defi ciência devem ser consumidores vorazes de materiais de pesquisas. A tolerância com a aplicação de práticas sem aprovação ou inefi cazes deve ser zero! A crescente base de pesquisa referente à educação especial permite aos profi ssionais e aos pais tomar decisões com alguma convicção, e nada menos que isso deve ser esperado (West e Hardman, 2003). Logo, profi ssionais de edu-cação especial têm de evitar práticas inefi cientes e equivocadas adotadas como uma moda educacional, difundindo decisões políticas antes que a pesquisa possa orientar a prática e usar técnicas sem aprovação apenas porque elas “fazem sentido”.

Um vasto campo de conhecimento está disponível e deve ser utilizado (Forness et al., 1997; Lloyd et al., 1998). Eis algumas experiências educacionais que provaram ser efi cazes por meio de pesquisas: estratégias mnemônicas, maior compreensão da leitura, alteração de comportamento, instrução direta, alteração do comportamento cognitivo, avaliação formadora (avaliação baseada no currículo) e interven-ção precoce. A educação baseada na vivência social, na qual os alunos aprendem habilidades funcionais na comunidade em situações de trabalho, faz uma grande diferença em termos de aprendizagem e na transferência de habilidades, das quais necessitarão para a atividade profi ssional e para a vida indepen-dente (Dymond e Orelove, 2001). Em contrapartida, estas são algumas das práticas que freqüentemente são associadas à educação especial, usadas por muitos professores, apesar de as pesquisas terem mostrado sua inefi cácia em relação à aquisição de conhecimento: instrução de modalidade, dieta e treinamento da percepção (Lloyd et al., 1998).

Uma outra solução pode ser desenvolvida, a qual apresenta perspectivas razoáveis. Comumente a principal fonte dos problemas que a educação especial enfrenta é a confusão das suas propostas. Sem orientações claras do que se espera alcançar, nenhum padrão para julgar sua efi cácia pode ser desen-volvido. Assim como é um erro fatal ter baixas expectativas em relação aos alunos com defi ciência, é também um erro subdimensionar a defi ciência. Se elas não são sérias, por que seria gasto tanto dinheiro em prevenção, tratamento, educação e apoio? Quais são os objetivos da educação especial? Certamente, um deles não pode ser “curar” as defi ciências; porém, esta perspectiva talvez refl ita um entendimento silencioso de muitos pais, e, dessa maneira, eles sentem muita insatisfação (Lovitt e Cushing, 1999). Muitos educadores do ensino regular, pais de alunos sem defi ciência e jornalistas criticam a educação especial porque pensam que a assistência dada só é oferecida sacrifi cando as crianças sem defi ciência (Berman et al., 2001). Uma solução popular para este problema é o governo norte-americano arcar com custos maiores da educação especial (Clayton, 30 de julho de 2001). Mesmo assim, uma solução para tal impasse deve ser encontrada.

É provável que uma perspectiva mais razoável para a educação especial resulte em adultos com defi ciência sendo capazes de compensá-la desenvolvendo habilidades. Mas a avaliação desta perspectiva deve ser deixada para mais tarde, quando for necessário ajustar a educação. Por conseguinte, teremos a oportunidade de “acertar”, mas devemos primeiro decidir qual é a nossa expectativa. Talvez seja um referencial errado. Lembre-se de dominar o princípio da educação especial: em primeiro lugar ela é in-dividualizada, e cada tarefa dos alunos orienta a seleção e a aplicação das intervenções, o que demanda um leque de serviços oferecidos com fl exibilidade e responsabilidade.

Pense outra vez sobre o alcance das questões apresentadas neste capítulo. O que deve estar claro é que estamos evitando uma única “resposta certa” para cada questão considerada. Para muitos de nós, excepcio-nalidade é uma diferença que demanda uma resposta específi ca (Kauffman, 1997). A educação especial é um campo dinâmico, de mudanças conturbadas e polêmicas. Embora grandes progressos tenham sido alcançados nos últimos 50 anos, muito trabalho ainda está por ser feito; assim, caminhamos com o intuito de acertar e fornecer maravilhosos programas educacionais que realmente satisfaçam as necessidades de cada aluno com defi ciência. Esta tarefa exige que todos trabalhemos juntos para chegar a uma solução por meio da qual todas as crianças tenham acesso às oportunidades que merecem.

ResumoDepois de séculos de abandono e rejeição, crianças e jovens

com defi ciência têm hoje o direito de receber uma educação ade-

quada e gratuita em uma escola pública. Portanto, muitas crianças

recebem os serviços da educação especial, ao menos em algum

período de sua vida escolar. Contudo, a educação especial tem

recebido críticas nos últimos anos, e questões e conceitos de

defi ciências que a cercam são complexos. Este é o momento

de analisá-las na busca de soluções para o dilema da educação

especial.

C O N C L U S Ã O

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Veja a seção “Prá-

ticas Aprovadas” nos

Capítulos de 3 a 13.

CO N E X Õ E S A

FA Z E R

Volte ao “Roteiro

Avançado” no início

do capítulo, responda

às Questões Centrais

e ao Desafio que nele

são encontrados. Tam-

bém revise as questões

encontradas ao longo

deste capítulo.

Techbooks Editoracao Eletronica - May 2, 2008 16:52:35

Page 25: Legado S SMITH Deborah Deutsch Introducao a Educacao Especial 5Ed Liberado Cap 01

50 DEBORAH DEUTSCH SMITH

PADRONIZAÇÃO E PREPARAÇÃO PARA OS EXAMES DE CERTIFICAÇÃO

Depois de ler este capítulo, você será capaz de demonstrar co-nhecimentos básicos e habilidades descritas nos padrões do CEC, listados a seguir. A parte deste capítulo mais apropriada para cada padrão é indicada entre parênteses no fi m da explanação ou da lista de habilidades.

Conteúdo-Padrão 1: FundamentosCouncil for

ExceptionalChildren

• Prática atual: Entendimento dos modelos, teorias e práticas

que formam as bases para o exercício da educação especial

(A Essência da Defi ciência).

• Direitos e responsabilidades: Entendimento de leis, políti-

cas e princípios éticos, incluindo direitos e responsabilidades de

alunos, pais, professores, outros profi ssionais e escolas de apoio

para necessidades específi cas de aprendizagem (Oportunidades

para um Século XXI Melhor).

Auto-AvaliaçãoQuestões CentraisO que signifi ca ter uma defi ciência?

O signifi cado de uma defi ciência está relacionado com

o fato de ela incapacitar o indivíduo.

A defi ciência é um conceito relativo que depende de

cultura, atitudes, crenças, área de estudo e orientação.

A defi ciência faz parte da condição humana desde o

início da humanidade, e, ao longo da história, pessoas com

defi ciência são normalmente tratadas de maneira rude.

De onde veio da educação especial e por que ela se desenvolve?

A educação especial começou:

• Na França no fi nal de 1700.

• Fazendeiros encontraram um pequeno garoto abandonado

na fl oresta.

• O garoto foi levado a Paris e fi cou sob a guarda do médico

Jean-Marc-Gaspard Itard.

• Itard passou anos tentando ensinar Victor a falar, ler, escrever e

comportar-se de acordo com as regras da sociedade francesa.

A educação especial desenvolveu-se na América do Norte:

• Por meio dos esforços de Seguin, um aluno de Itard.

• Por meio de escolas públicas regulares e escolas-residências.

• Antes de 1977, ela era restrita a algumas crianças com defi -

ciência.

• Com a aprovação da primeira lei, Individuals with Disabilities

Education Act (IDEA) e da PL 94-142, estendeu-se para todas

as crianças com a lei Education for All Handicapped Children

Act (EHA).

Por que, nos Estados Unidos, os governos federais e estaduais solicitam a intervenção nacional?

Em 1975, o Congresso constatou que:

• milhões de crianças com defi ciência não estavam recebendo

uma educação pública apropriada;

• um milhão de crianças eram excluídas das oportunidades de

ensino;

• muitos alunos com defi ciência não eram identifi cados e, por

isso, não estavam sendo adequadamente atendidos;

• a educação especial e os serviços correlatos podiam ser efi -

cazes;

• os estados precisavam da assistência fi nanceira federal para

bancar a educação especial.

Alguns elementos característicos defi nem a educação especial. Quais são eles?

EPAG

AMR

Educação individualizada

Por que a educação especial é polêmica?Durante a última década, a educação especial foi

acusada de inefi caz, discriminatória, segregadora, gerando

um custo fi nanceiro alto para as escolas e impondo uma

sobrecarga administrativa relativa à proteção e conduta das

crianças violentas e indisciplinadas.

Os debates sobre a efi cácia da educação especial vol-

tam-se para a questão de quem deveria ser incluído, onde

os alunos com defi ciência deveriam ser educados, como

deveriam ser seus programa e o quanto eles deveriam

participar do currículo e da metodologia do ensino regular.

Desafi oQuais são as soluções para os problemas enfrentados pelos alunos com defi ciência e pelos educadores responsáveis pelo atendimento das necessidades desses alunos?

• As soluções devem ser encontradas por meio de técnicas

criativas, responsáveis e fl exíveis de resolução de problemas.

• Os educadores devem ser compreensivos com os alunos e

com suas famílias, ponderando várias opiniões sobre quão

satisfeitos eles estão com os serviços fornecidos.

• Os profi ssionais da educação especial precisam desenvolver

objetivos para essa área, determinando propostas, expectativas

de resultados e padrões em que se possa mensurar sua efi cácia.

• Os educadores especiais devem tornar-se ávidos consu-

midores de material de pesquisa e usar somente métodos,

recursos, técnicas e práticas que foram verifi cados por meio

de processos rigorosos de pesquisa.

Techbooks Editoracao Eletronica - May 2, 2008 16:52:35

Page 26: Legado S SMITH Deborah Deutsch Introducao a Educacao Especial 5Ed Liberado Cap 01

INTRODUÇÃO À EDUCAÇÃO ESPECIAL 51

• Histórias de campo: Pontos de vista históricos (Origens da

Educação Especial).

Padrões na PráticaVocê deverá articular sua fi losofi a pessoal de ensino quando em

entrevista para uma vaga de professor, quando em competição por

uma promoção ou nova posição e em suas conversas com profi ssionais

colaboradores. Ter um entendimento claro da história da educação

especial, das práticas e dos modelos educacionais nos quais a educa-

ção especial é baseada e dos direitos e responsabilidades de todos os

envolvidos no processo educacional é a espinha dorsal para o conheci-

mento de uma fi losofi a.

RECURSOS SUPLEMENTARESLeituras Profi ssionais e Fontes de PesquisaArtiles, A. J. (1998). The dilemma of difference: Enriching the disproportionality discourse with theory and context. The Journal of Special Education, 32, 32–36.Finn, Jr., C. E., Rotherham, A. J., & Hokanson, Jr., C. R. (Eds.). (2001). Rethinking special education for a new century. Washington, DC: Thomas B. Fordham Foundation and the Progressive Policy Institute.Kauffman, J. M., Hallahan, D. P., & Ford, D. Y. (Eds.). (1998). Special issue. The Journal of Special Education, 32, 3–62.Lloyd, J. W., Forness, S. R., & Kavale, K. A. (1998). Some methods are more effective than others. Intervention in School and Clinic, 33, 195–200.National Research Council (2002). Minority students in special education and gifted education. Committee on Minority Representation in Special Education. M. Suzanne Donovan and Christoper T. Cross, editors. Washington, DC: National Academy Press.Oswald, D. P., Coutinho, M. J., Best, A. M., & Singh, N. N. (1999). Ethnic representation in special education: The influence of school-related economic and demographic variables. The Journal of Special Education, 32, 194–206.Safford, P. L., & Safford, E. J. (1996). A history of childhood and disability. New York: Teachers College Press.

Livros para LeigosBauby, J. -D. (1997). The diving bell and the butterfly. New York: Knopf.Gallagher, H. G. (1994). FDR’s splendid deception (ed. rev). Arlington, VA: Vandamere Press.Hockenberry, J. (1996). Moving violations: War zones, wheelchairs, and declarations of independence. NY: Hyperion Press.Treanor, R. B. (1993). We overcame: The story of civil rights for disabled people. Falls Church, VA: Regal Direct Publishing.

Organizações e Representações de Pais, Profi ssionais e Consumidores

Council for Exceptional Children (CEC)1110 North Glebe Road, Suite 300Arlington, VA 22201-5704Telefone: (703) 620-3660(888) CEC-SPEDTTY: (703) 264-9446Web site: http://www.cec.sped.orgERIC Clearinghouse on Disabilities and Gifted Education (CEC)1110 North Glebe RoadArlington, VA 22201-5704(888) CEC-SPEDV/TTY: (800) 328-0272Web site: http://www.ericec.orgNICHCY National Information Center for Children and Youth

with DisabilitiesP.O. Box 1492Washington, DC 20013Voice/TTY: (800) 695-0285 e (202) 884-8200E-mail: [email protected] site: http://www.nichcy.orgOffice of Special Education ProgramsU.S. Office of Special Education and Rehabilitative ServicesU.S. Department of Education400 Maryland Ave. SWWashington, DC 20202-2641Telefone: (202) 205-5465; (202) 205-5507Web site: www.ed.gov/offices/osers/osepNational Clearinghouse for Professions in Special Education

(CEC)1110 North Glebe RoadArlington, VA 22201-5704Telefone: (800) 641-7824TTY: (866) 915-5000E-mail: [email protected] site: www.specialedcareers.org/U.S Department of Labor. Office of Disability Employment

Policy (ODEP)1331 F Street NWWashington, DC 20002Telefone: (202) 376-6200TTY: (202) 376-6205Web site: http://www.dol.gov/odep/

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