artigo deborah e jose

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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 22, pp. 73 - 88, 2007 EVOLUÇÃO DO RELEVO NA SERRA DO MAR NO ESTADO DE SÃO PAULO A PARTIR DE UMA CAPTURA FLUVIAL 1 Déborah de Oliveira* José Pereira de Queiroz Neto** *Professora Doutora do Departamento de Geografia da FFLCH/USP. E-mail: [email protected] **Professor Doutor do Departamento de Geografia da FFLCH/USP. E-mail: [email protected] RESUMO: A Serra do Mar surgiu por recuo erosivo da falha Paleocênica de Santos, situada mais a leste, na plataforma continental sul-americana. A Falha de Santos provocou o abatimento do planalto, correspondente à superfície Japi. Com o recuo erosivo das escarpas da Serra do Mar, rios do planalto foram capturados, como o rio Guaratuba, em Boracéia-SP. A bacia do alto rio Guaratuba localiza-se no Parque Estadual da Serra do Mar, no reverso imediato da escarpa da Serra do Mar, a aproximadamente 45º 56’e 45º 52’de longitude oeste e 23º 38’e 23º 42’de latitude sul. O rio Guaratuba corre de NE para SW, em seu primeiro trecho. A mudança brusca de direção do rio para N-S sugeriu tratar-se de uma captura fluvial por recuo das cabeceiras, como conseqüência da erosão regressiva da Serra do Mar. Algumas evidências dessa captura foram encontradas: a referida mudança brusca de direção do rio, que passa de NE-SW para N-S, cortando os alinhamentos NE- SW das rochas, no cotovelo de captura, próximo à escarpa; um vale abandonado pantanoso próximo ao cotovelo de captura, correspondendo a um terraço com seixos do antigo leito do rio Guaratuba, anterior à captura; o perfil longitudinal do rio Guaratuba com uma forte ruptura de declive no cotovelo de captura. PALAVRAS-CHAVE: Serra do Mar; recuo erosivo; captura fluvial; rio Guaratuba. ABSTRACT: Serra do Mar emerged by erosional processes of Santos fault line to the Upper Cretaceous, in the present continental south-american platform. Santos fault line caused abatement of the plateau, which corresponds at Japi erosional surface. The scarp’ s retreat of Serra do Mar caused the river capture of plateau’ s rivers as Guaratuba, in Boracéia-SP. Alto Guaratuba basin is located at Parque Estadual da Serra do Mar, near Serra do Mar scarp, approximately at 45º 56’ and 45º 52’ of longitude west and 23º 38’and 23º 42’of latitude south. Guaratuba river flows from NE-SW on the plateau to N-S on the scarp and its change suggests that Guaratuba is captured by headward erosion, as result of Serra do Mar’ s regressive erosion. Some evidences are found: the elbow of capture in a sharp change from NE-SW to N-S, cutting rocks’ structural lines, near the scarp; a wind gap swampy and gravelly, near the elbow of capture, as an ancient Guaratuba’ s riverbed; river profile of Guaratuba as a powerful slope rupture. KEY WORDS: Serra do Mar; regressive erosion; river capture; Guaratuba river.

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  • GEOUSP - Espao e Tempo, So Paulo, N 22, pp. 73 - 88, 2007

    EVOLUO DO RELEVO NA SERRA DO MAR NO ESTADO DESO PAULO A PARTIR DE UMA CAPTURA FLUVIAL1

    Dborah de Oliveira*Jos Pereira de Queiroz Neto**

    *Professora Doutora do Departamento de Geografia da FFLCH/USP. E-mail: [email protected]**Professor Doutor do Departamento de Geografia da FFLCH/USP. E-mail: [email protected]

    RESUMO:A Serra do Mar surgiu por recuo erosivo da falha Paleocnica de Santos, situada mais a leste, naplataforma continental sul-americana. A Falha de Santos provocou o abatimento do planalto,correspondente superfcie Japi. Com o recuo erosivo das escarpas da Serra do Mar, rios do planaltoforam capturados, como o rio Guaratuba, em Boracia-SP. A bacia do alto rio Guaratuba localiza-seno Parque Estadual da Serra do Mar, no reverso imediato da escarpa da Serra do Mar, aaproximadamente 45 56 e 45 52 de longitude oeste e 23 38 e 23 42 de latitude sul.O rio Guaratuba corre de NE para SW, em seu primeiro trecho. A mudana brusca de direo do riopara N-S sugeriu tratar-se de uma captura fluvial por recuo das cabeceiras, como conseqncia daeroso regressiva da Serra do Mar. Algumas evidncias dessa captura foram encontradas: a referidamudana brusca de direo do rio, que passa de NE-SW para N-S, cortando os alinhamentos NE-SW das rochas, no cotovelo de captura, prximo escarpa; um vale abandonado pantanoso prximoao cotovelo de captura, correspondendo a um terrao com seixos do antigo leito do rio Guaratuba,anterior captura; o perfil longitudinal do rio Guaratuba com uma forte ruptura de declive nocotovelo de captura.PALAVRAS-CHAVE:Serra do Mar; recuo erosivo; captura fluvial; rio Guaratuba.ABSTRACT:Serra do Mar emerged by erosional processes of Santos fault line to the Upper Cretaceous, in thepresent continental south-american platform. Santos fault line caused abatement of the plateau,which corresponds at Japi erosional surface. The scarps retreat of Serra do Mar caused the rivercapture of plateaus rivers as Guaratuba, in Boracia-SP. Alto Guaratuba basin is located at ParqueEstadual da Serra do Mar, near Serra do Mar scarp, approximately at 45 56 and 45 52 of longitudewest and 23 38 and 23 42 of latitude south. Guaratuba river flows from NE-SW on the plateauto N-S on the scarp and its change suggests that Guaratuba is captured by headward erosion, asresult of Serra do Mars regressive erosion. Some evidences are found: the elbow of capture in asharp change from NE-SW to N-S, cutting rocks structural lines, near the scarp; a wind gap swampyand gravelly, near the elbow of capture, as an ancient Guaratubas riverbed; river profile of Guaratubaas a powerful slope rupture.KEY WORDS:Serra do Mar; regressive erosion; river capture; Guaratuba river.

  • 74 - GEOUSP - Espao e Tempo, So Paulo, N 22, 2007 OLIVEIRA, D. de. & NETO, J. P. de Q.

    Introduo: a escarpa da Serra do Mar em SoPaulo

    A Serra do Mar estende-se do Rio deJaneiro a Santa Catarina, formando um conjuntode escarpas festonadas. Em So Paulo, elaimpe-se como tpica borda de planalto, niveladaem altitudes de 800 a 1.200m. Conforme ROSS(1985), a Serra do Mar pertence unidademorfoescultural dos Planaltos em CinturesOrognicos, no subcompartimento dos Planaltose Serras do Atlntico Leste-Sudeste. Segundoesse autor, sua gnese vincula-se a vrios ciclos

    de dobramentos acompanhados demetamorfismos regionais, falhamentos eextensas intruses. Domina no Planalto Atlnticoum modelado composto por formas convexas,com vales profundos e elevada densidade dedrenagem. Sua origem est relacionada aprocessos tectnicos de movimentao verticalocorridos no Cenozico e que, conformeALMEIDA & CARNEIRO (1998), surgiu a partir dafalha de Santos situada na plataformacontinental, de onde recuou por eroso at aposio atual, atingindo a falha de Cubato emalguns trechos.

  • Evoluo do relevo na Serra do Mar no Estado de SoPaulo a partir de uma captura fluvial, pp. 73 - 88 75

    Para ZALN & OLIVEIRA (2005), aSerra do Mar Cretcea constitua um imensop lana l to mac io, cu jo f lanco les te eraprovavelmente abrupto e tinha um desnvelde 3.000m para a Bacia de Santos (2.000mac ima do n ve l do mar) . Estes autoressugerem que este megaplanalto comeou arachar e colapsar localmente no final doPaleoceno e mais abrangentemente no inciodo Eoceno. Este abatimento individualizouriftes paralelos costa, formando longoscorredores de grbens, como o Grben deSantos.

    A vertente atlntica do sudeste doBrasil, em especial o trecho que inclui as serrasda Mantiqueira, do Mar e o litoral, representao campo mais complexo no que diz respeitos relaes genticas entre o relevo e osprocessos geolgicos que vm ocorrendo aolongo do tempo. (ALMEIDA & CARNEIRO, 1998)

    A partir da lt ima orognese pr-cambriana e ao longo de todo o Paleozico eboa parte do Mesozico, perodo de certaquietude tectnica, as cadeias de montanhasgeradas passam a sofrer eroso. Parte-se dopressuposto de que este longo tempo deexposio aos agentes erosivos pode terdestrudo todo o registro da superfcie dacrosta e, sobretudo, pelo fato de que asrochas e estruturas aflorantes formaram-se apartir de fenmenos geodinmicos que sacontecem a milhares de metros deprofundidade. Pode-se concluir que a grandeherana pr-cambriana para a formao doatual relevo consiste na qual idade ediversidade de seus t ipos l i tolgicos,principalmente em relao s suascaractersticas texturais, granulomtricas emineralgicas e na trama estrutural de primeiraordem, representada pelos grandes feixes dedireo NE-SW (Cinturo TranspressivoParaba do Sul) que, por sua vez, controlamas estruturas de menor grandeza edimenses, nas quais rochas de diferentesnaturezas podem aparecer desdepreservadas at pouco ou intensamentemilonitizadas.

    Alm da gnese das rochas baslticase a lca l inas , que completam o quadrolitolgico da regio, este regime tectnicodo Palegeno resulta, por soerguimento daspores oc identa is , e abat imento dasor ienta is , na formao de importantesdesnveis topogrficos e basculamento deblocos, forando um reequilbrio do terreno,seja pela eroso remontante, seja peladeposio de sedimentos. Destaca-se o fatode que este o marco inicial da morfognesede todo o Sudeste Atlntico Brasileiro, poisa conf igurao do re levo, a macroorganizao da drenagem e a prpr iasituao costeira decorrem deste processo(SILVA, 1999), muito embora a atual Serrado Mar provavelmente no ocupe a mesmaposio original, devido ao recuo da escarpapor eroso, e cujo desmonte veio a contribuirpara o preenchimento da bacia de Santose, tambm, para a formao do Grupo Bauruda bacia do Paran (ALMEIDA & CARNEIRO,1998).

    O processo erosivo que no final doCretceo Superior, levou ao desenvolvimentoda superfcie Japi, exumou o embasamentocristalino, com seus diques de diabsio eint ruses a lca l inas na rea coste i ra . Aeroso teria sido muito mais intensa navertente ocenica, de acentuado declive, quena continental. Ali a eroso, por ao dosrios, do mar e de movimentos de massa, fezrecuar a escarpa at trs a quatro dezenasde quilmetros, abandonando numerosasilhas e entalhando a superfcie Japi e maistarde as super f c ies neogn icas ne laembutidas. Os detritos dessa eroso foramento levados para a borda da plataformacont inental ( formaes Santos, Juria eI ta ja -Au) e para a Bac ia do Paran( formao Bauru) . Essa super f c ie , noentanto, fo i deformada por f lexuras egrandes fa lhamentos entre o f ina l doCretceo e o in c io do Terc ir io ,prossegu indo menos intensamente noEoceno/Oligoceno e provavelmente at oMesomioceno. (ALMEIDA & CARNEIRO, 1998)

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    Os falhamentos escalonados da Serrada Mant ique i ra e da Serra do Marcomandaram a drenagem em declives cadavez mais acentuados. Os nveis de base maisprximos e cada vez mais baixos devido aotectonismo post-cretceo no sudeste doP lana l to At lnt i co ter iam forado umainverso progress iva de par tes dasdrenagens que iam para o interior atravsde mltiplas capturas, como assinalara ABSBER (1954). Com o recuo erosivo dasescarpas da Serra do Mar, alguns rios dop lana l to foram capturados, como o r ioGuaratuba, em Boracia-SP.

    A captura fluvial (river capture oust ream p i racy) cor responde ao desv ionatural das guas de uma bacia fluvial paraoutra, promovendo a expanso de umadrenagem em detrimento da vizinha. Elapode ocorrer atravs da absoro, do recuodas cabeceiras, do aplainamento lateral, dotransbordamento ou do desvio subterrneoCHRISTOFOLETTI (1975). Conforme MILLER(1915), um rio comete pirataria (piracy) aoconquistar seu vizinho.

    Pode-se observar um conjunto deevidncias que confirmam a ocorrncia decapturas fluviais, como o que chamamos de

    cotovelos de captura (elbows of capture),que correspondem a uma mudana bruscano curso de um rio numa curva de 90 e queso influenciados por fatores geolgicos,aos quais o rio ajusta-se; colos ou valesmortos, secos ou abandonados (co ls orwind-gaps), sabendo-se que a existncia deum colo no uma prova de captura, mas apresena de cascalhos no seu vale. O valeseco ou abandonado (wind gap) apenasum colo no topo do interflvio cortado pelorecuo da nascente de dois rios, que tem suasnascentes em oposio uma outra. O perfillongitudinal do rio ajuda a reconstituir suahistria, assinalando rupturas de declivequando seu nvel de base rebaixa-se no localonde capturado por outro rio. (SMALL,1977)

    A bacia do alto rio Guaratuba localiza-se no Parque Estadual da Serra do Mar eatravessa a Estao Biolgica de Boracia-USP, no reverso imediato da escarpa daSerra do Mar, a aproximadamente 45 56 e45 52 de longitude oeste e 23 38 e 23 42 de latitude sul, situa-se no municpio deBer t ioga, que l imi ta-se a nor te com omunicpio de Salespolis e a oeste com omunic p io de B i r i t iba Mi r im e medeaproximadamente 40km 2.

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    A drenagem que formou-se noplanalto, escarpa e plancie individualizoua inda mais es tes compart imentos . Noplanalto ela adaptou-se s formas colinosase amorreadas gu iada pe las d i reesestruturais. Nas escarpas da Serra do Mar,os rios tm suas cabeceiras no alto da serrae, em seguida, vencem esta faixa estreitade cerca de 5 km, constituda por escarpasabruptas, rupturas violentas de declive ealguns rios cortando transversalmente asdirees estruturais. (MACHADO, 1979)

    ROSSI (1999) divide a rea de estudoem dois compartimentos geomorfolgicos:Planalto e Escarpa, onde predominam osgna isses e gran i tos , respect ivamente.Apresenta vegetao t p i ca de f lo restaPluvial Tropical, com predomnio de mataal ta, com 20 a 25 metros de a l tura noPlanalto e mata de porte alto a mdio (15 a20m de altura) na Escarpa. Sofre influnciada Massa Tropical Atlntica e possui climatropical mido, com temperaturas mdiaselevadas e chuvas peridicas e abundantes.

    O P lana l to apresenta do is r iosprincipais: o Claro, que localiza-se mais aonor te e o Guaratuba, loca l i zado maisprximo da Escarpa. Ambos acompanham adireo brasileira NE-SW e a falha do BairroAlto, localizada no Planalto (rever FIGURA 1).A drenagem originria da bacia do rio Clarodirige-se para a bacia do rio Tiet, enquantoa do rio Guaratuba dirige-se para o OceanoAtlntico, mudando de direo na borda daEscarpa, passando de NE-SW para N-S.Apresenta rede hidrogrfica com padro emtrelia, devido ao intenso fraturamento enatureza bandada da rocha, orientada, emsua maior ia na d i reo NE-SW e,subordinamente a NW-SE, com insero derios em ngulos agudos a retos, devido aoalto controle geolgico/estrutural. umazona com morros e desnveis altimtricos deat 300m. As decl ividades so variadas,abrangendo desde pequenas plancies aolongo dos principais cursos dgua, ondepredominam declividades de 0 a 2 (0 a 3%),

    at vertentes com declividades maiores de25 (46%).

    O limite Planalto/Escarpa caracteriza-se por rupturas de declive convexas bruscas,sem cornija rochosa (ROSSI, 1999).

    A Escarpa apresenta af loramentosrochosos e cicatrizes de escorregamentos,testemunhos de movimentos de massa. caracterizada por relevo de denudao, comgrande desnve l a l t imtr ico e paredesincl inados caindo abruptamente, com osmaiores desn ve is chegando a at ing i r1.260m no lado leste da bacia. ConformeROSSI (1999), no trecho do Guaratuba, aescarpa corresponde ao subcompartimentode alta e mdia vertente, sobre granitos,onde dominam os declives entre 12 a 250 (21a 46%), os mais acentuados na a l tavertente. Apresenta rede de drenagem compadro paralelo, com menor densidade dedrenagem que no Planalto.

    Materiais

    Foram se lec ionadas as segu intesfotos-areas e cartas topogrficas da reade estudo:

    -Levantamento aerofotogrf ico doEstado de So Paulo, pancromt ico, naescala aproximada de 1:25.000, realizadopela Aerofoto Natividade em 1962, nos 79367, 7 9368 e 7 9369 e Levantamentoaerofotogrfico do Estado de So Paulo,pancromt ico, na escala aproximada de1:25.000, rea l i zado pe la BaseAerofotogrametria e Projetos S/A em 1973,nos 40.765, 40.766, 40.767, 40. 780, 40. 781,40.782;

    -Carta topogrfica Salespolis, escala1:50.000, fo lha SF23YDV1 e SF23YDV3,publicada pelo IGG-SP em 1971;

    -Carta topogrfica Salespolis, escala1:50.000, folha SF 23-Y-D-V-1/3, publicadapelo IBGE em 1984;

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    -Cartas topogrficas Serra Guaratubae Fazenda Florestal do Rio Grande, escala1:10.000, fo lhas SF23YDV1SOD eSF23YDV1SOB, publicadas pelo IGC em 1988.

    Procedimentos

    O trabalho segue a abordagem daan l i se geomorfo lg ica proposta porABSABER (1969) sobretudo nos seguintesnveis: 1) compartimentao da topografia,caracterizando e descrevendo as formas derelevo de cada compartimento, 2) obtenode in formaes s i s temt icas sobre aestrutura superficial da paisagem, atravsda observao da geologia e dos solos.

    Trata-se de rea de difcil acesso, comuma estrada que acompanha os rios Claro eGuaratuba at a represa de captao degua. Por essa razo, a maior parte dasobservaes foi feita por fotografias areas.No entanto, h pontos de indefinio dedrenagem, pela dificuldade de verificar adireo dos rios em foto-area e em campo,em funo da grande dens idade davegetao e tambm pela impreciso das

    cartas topogrficas disponveis.

    A foto interpretao baseou-se noestudo dos seguintes fatores: tonalidade etextura, formas topogrficas e drenagemconforme RICCI & PETRI (1965) , paraelaborao da carta morfolgica e da redede drenagem.

    Apresenta um embasamentocristalino cuja composio pouco varia. constitudo sobretudo por gnaisses de grfina a mdia, porfiroblsticos ou no, decompos io gran t i ca , mais ou menosmi lon i t i zados, com ou sem segregadosquartzo-silicticos (veios, lentes e bolsesquartzosos ou pegmatides) associados.Apresentando foliaes milonticas bem amuito bem desenvolvidas, concordantes coma direo geral NE-SW, mergulhos a SE, emparte com lineaes minerais impressas emseus respectivos planos. Contudo, dentrodeste quadro aparentemente homogneo,h uma importante anisotropia textura ldev ido ao prpr io ar ranjo est rutura l egranulomtrico, e que condiciona boa parteda drenagem e dos interflvios.

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    As formas foram ass ina ladasin ic ia lmente de l imi tando os topos comrupturas convexas, que aparecem em grandequantidade em todo o Planalto, os limitesdas vertentes com as plancies com rupturascncavas e posteriormente, delimitando aescarpa, os espores em cr i s ta emamelonados. A legenda da Escarpa foiadaptada de DOMINGUES (1983). Os nveistopogrficos foram assinalados cruzando-seo overlay da morfologia com as curvas den ve l das car tas topogrf i cas SerraGuaratuba e Fazenda Florestal do MorroGrande no seguinte intervalo hipsomtrico:< 820, 820-840, 840-860 e > 900m. Por fim,procurou-se ass ina lar os a l inhamentos,tanto da drenagem quanto dos morros(FIGURA 3).

    Os proced imentos gera is dedigital izao das curvas de nvel, cotas,est radas e drenagem e e laborao dascartas e perfis, correspondem ao programaILWIS, desenvo lv ido pe lo Inst i tu te forAerospace Survey and Earth Sciences (ITC),Enschede, Holanda, disponvel em versoWindows. Trata-se de um s is tema deinformao geogrf i ca, que conta commdulos de tratamento digital de imagens,de anlise espacial e de entrada de dados.(WESTEN, 1997)

    Com base nas cartas 1:10.000 foramdigitalizadas todas as curvas de nvel doPlanalto e as curvas mestras da Escarpa econfeccionadas cartas na escala 1:25.000,compatibil izadas com a escala das fotos-areas.

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    Resultados

    Os produtos cartogrficos elaboradosdestacam nitidamente o Planalto da Escarpa,tanto quanto a densidade e padres dedrenagem, quanto a sua forma. Afotointerpretao preliminar mostrou que oPlanalto apresenta grande densidade depequenos morros alinhados na direo NE-SW, assim como os dois rios principais, oClaro e o Guaratuba (FIGURA 3). Foramident i f i cados os segu intes n ve istopogrficos no Planalto:

    NIa e NIb norte e sul da carta, acimade 900m;

    NII centro da carta, entre 840 e900m;

    NIII corredor entre os rios Claro eGuaratuba, entre 820 e 840m e

    NIV nas bacias dos rios Claro eGuaratuba, a menos de 820m.

    O Planalto apresenta uma grandedensidade de pequenos morros alinhadospreferenc ia lmente na d i reo NE-SW esubord inadamente na d i reo NW-SE,acompanhando a direo dos alinhamentosdos cursos dgua. O r io Guaratubaacompanha a direo da falha do Bairro Alto,posicionada na direo NE-SW. O divisor deguas que separa a bacia do rio Claro eGuaratuba tambm est tambmposicionado na direo NE-SW.

    A Escarpa tem a forma de um grandeanfiteatro cncavo. Sua borda apresentamui tos enta lhes que se aprox imam dadrenagem no Planalto, iniciando a formaode gargantas. O rio Guaratuba, na Escarpa,apresenta um poder de entalhamento maior,devido a grande declividade, descendo bemencaixado em seu vale.

    A drenagem do Planalto tambm estrelacionada presena de fraturas e falhase orientada, de modo geral, no sentido NE-SW. Predomina no Planalto a drenagem emtrelia, que ocorre sob controle estrutural

    acentuado, composta por r ios pr incipaisconseqentes, recebendo af luentessubseqentes que f luem em d i reotransversal aos principais, com fluncia emngulos retos (FIGURA 4). No Planalto comoum todo predomina a angularidade mdia darede de drenagem, relacionada a fatoresest rutura is e na Escarpa predomina aangular idade baixa, condic ionada pelasaltas declividades.

    O anfiteatro da Escarpa apresentaespores em cr ista e mamelonados queconvergem para o r io Guaratuba, compadro de drenagem pinado. A borda daEscarpa funciona como um divisor de guasentre o P lana l to e a Escarpa. Mu i tosafluentes do rio Guaratuba desguam nesterio ainda no Planalto, porm alguns rompema borda da Escarpa, descendo o grandeanfiteatro, a desaguando no rio Guaratuba(FIGURA 3).

    Os produtos cartogrf icos digita isressa l taram os n ve is topogrf i cosrepresentados na FIGURA 3. O Planalto estentre as curvas de n ve l de 790m (nocotovelo do r io Guaratuba) e 970m. Asaltitudes mais elevadas encontram-se nonorte e no sul da carta, configurando nveistopogrficos posicionados na direo NE-SW,assim como os rios Claro e Guaratuba. O rioGuaratuba, em direo sua nascente,apresenta um vale mais amplo, a 800m dealtitude, com direo geral NE-SW. Este valetorna-se mais encaixado em direo aocotovelo, na borda da escarpa, onde mudade direo para N-S. O nvel de base do rioGuaratuba mais baixo do que o do rio Clarono Planalto. O cotovelo do rio Guaratubaest a 790m, enquanto o rio Claro est a810m de altitude. (FIGURA 5)

    O modelo hipsomtrico (FIGURA 5) eo mode lo t r id imens iona l (F IGURA 6)ressa l taram os n ve is topogrf i cosidentificados nas fotos-areas e propiciarama visualizao dos nveis NIa e NIb comaparncia de horst e os nveis NII, NIII e

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    NIV como grben. O NIb aparece bem ntidointerrompido, com o anfiteatro da Escarpaatingindo o cotovelo do rio Guaratuba.

    O cor redor ent re os r ios C laro eGuaratuba apresenta cascalheira em solosEspodossolo Hidromrfico e Gleissolo PoucoHmico, registrada por ROSSI (1999). A

    fotointerpretao revelou a vegetao decampo mido, confirmada em campo, ondeencontra-se Gleissolo com seixos rolados,prximo referida cascalheira. O campomido apresenta-se como uma c lare i radentro da mata, com vegetao baixa e solototalmente encharcado.

    No cotove lo do r io Guaratubaobservamos o r io correndo ob l quo sestruturas do gnaisse e, em seguida, naborda da Escarpa, pos ic ionado

    perpendicularmente aos alinhamentos NE-SW antes de descer a Escarpa em direoao Oceano Atlntico.

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    O rio Guaratuba apresenta um perfillongitudinal com uma mudana brusca de

    dec l iv idade aps seu cotove lo, quandodesce a Escarpa, com desnvel de 800m.

    Concluses

    As in formaes fornec idas pe lascartas foram confirmadas no campo comoevidncias de captura fluvial apontadas porSMALL (1977): a presena do cotovelo decaptura mostrando o rio Guaratuba deixandoa direo brasileira NE-SW e passando acorrer obl quo s estruturas do gnaisse(FOTO 2), at posicionar-se perpendicularaos alinhamentos quando muda de direopara N-S na borda da Escarpa (FOTO 3); apresena de um vale abandonado, que nocaso chamamos de campo mido, po is

    apresenta-se como uma clareira dentro damata, com vegetao baixa, solo totalmenteencharcado e presena de seixos rolados (FOTO1); o perfil longitudinal do rio Guaratuba (PERFIL1), com ruptura de declive acentuado nocotovelo de captura e o nvel de base do rioGuaratuba mais baixo do que o do rio Claro nocotovelo de captura. A reunio dos resultadosobtidos mostra a interferncia da tectnica naconstruo do relevo e da eroso na suamodelagem. A tectnica foi responsvel pelaelaborao dos nveis topogrficos, comaparncia de horst e grben, que hoje estosendo destrudos pela eroso.

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    O grande anfiteatro mostra que aeroso regressiva da Escarpa da Serra doMar rompeu o nvel NIb e capturou o rioGuaratuba, que antes corria em direo aorio Claro, afluente do Tiet e, atualmentedesgua no Oceano Atlntico.

    As evidncias deste caso de capturafluvial no foram destrudas no tempo eencontram-se presentes na pa isagem,podendo indicar que as capturas fluviais naSerra do Mar podem ser mais comuns do queo registrado at agora.

    Notas1 Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor, financiada pela Capes.

    Bibliografia

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    Trabalho enviado em setembro de 2007

    Trabalho aceito em outubro de 2007